revista da sociedade brasileira para o progresso da ciência ano 65 – número 3 – julho/agosto/setembro de 2013

Temas e Tendências NN aa NN oo tt ee cc NN oo

Realização Produção Editorial llooggiiaass

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a. REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA N ormas para publicação

65 TEREZ A C OST A RÊG Artigos & Ensaios O / CR IANÇA http://cienciaecultura.bvs.br [email protected] IE RE -SÉR IE

A seção Artigos & Ensaios da revista Ciência e Cultura possui quatro páginas destinadas a atender demandas espontâ- VIS IT neas da comunidade científica que não se encaixem dentro do Núcleo Temático de cada número. A seção abriga textos ANDO com uma reflexão sobre temas da atualidade científica e de interesse da sociedade como um todo, nas grandes áreas do 1 95 0 conhecimento. A formatação dos artigos deverá seguir as normas publicadas abaixo. Os textos serão avaliados e sua publicação seguirá agenda de interesse editorial da revista. Não é recomendada a submissão de artigos e ensaios de interesse exclusivo de grupos de especialistas ou que tenham sido anteriormente publicados, em veículos da comunidade científica ou mídia em geral.

normas

seção artigos & ensaios Possui 4 páginas, destinadas a abordados. Depois de aprovados, os textos passarão por um texto de 17,5 mil caracteres com espaçamento (sem um processo de revisão editorial e reenviados para checa-

C imagens) ou 16 mil (com até 3 imagens). gem dos autores, que deverão devolvê-los, com devidos

M ajustes e/ou aprovação em, no máximo, 48 horas. formato Cada artigo terá o máximo de 3 gráficos, tabelas Y ou imagens, considerados fundamentais para a ilustração destaques Os destaques dentro do texto – como palavras CM e melhor entendimento do texto. Esse material deve ser ou expressões que se queira salientar, devem vir em negri-

MY enviado em arquivo separado e com antecedência, para to – citações de frases e capítulos deverão receber aspas; sua confecção e checagem junto ao articulista. O envio palavras estrangeiras e títulos de obras aparecerão em itá- CY de número superior a esse deverá oferecer a opção de lico. Deve-se evitar o excesso de destaques por página. CMY escolha para a edição, se houver necessidade de corte.

K referências O padrão de referências adotado segue exem- referências bibliográficas As citações e referências serão plificado abaixo: indexadas numericamente no texto, em ordem crescente, e aparecerão no final do artigo, sob o título Notas e 1. Berriman, M.; Haas, B.J.; LoVerde, P.T.; et al. "The Referências, se ambas ocorrerem; ou Notas, ou genome of the blood fluke Schistosoma mansoni". Nature, Referências, se apenas uma das duas ocorrer. Existe, Vol.460, no.7253, p.352-258. 2009. ainda, a opção Bibliografia consultada, sem citações refe- 2. Elias, N. O processo civilizador- uma história de cos- CIÊNCIA renciadas e numeradas ao longo do texto. tumes. Vol.I : Jorge Zahar. 1990. 3. Tavares, J.V. “A violência como dispositivo de exces- PARA O NOVO rodapé Notas de rodapé não são utilizadas. so de poder. In: Revista Crítica de Ciências Sociais. Vol.37, p.132. Junho de 1993. crédito A assinatura do articulista virá logo abaixo do título 4. Diaz, M., op cit. p.345-347. 1987. BRASIL www.sbpcnet.org.br e suas qualificações – que devem ser encaminhadas sempre no corpo do texto e não exceder cinco linhas – serão envio de material Os textos devem ser produzidos em editadas ao final. Modelo: José da Silva é biólogo, professor arquivo Word. Ilustrações e gráficos devem ser enviados titular do Instituto de Bioquímica da Universidade de São em arquivo separado, com os detalhes necessários para Paulo (USP) e presidente do Centro de Pesquisa em Biologia sua identificação, como: crédito, legenda, fonte etc. Molecular do Instituto XYZ. siglas As siglas constantes no texto devem sempre aparecer prazos Os textos serão avaliados por membros do conse- por extenso na primeira vez em que forem utilizadas. lho editorial da revista. A qualidade de texto, informação e pertinência dos artigos e ensaios são essenciais para a contato É necessário que cada articulista coloque seus sua aprovação. Uma vez aprovados, os textos serão publi- dados para eventual contato (e-mail ou tel) quando algu- cados de acordo com a relevância e urgência dos temas ma dúvida surgir no processo de edição.

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3 editorial a &E núCleo temátiCo: 4 tendênCias nanoteCnologias 54 um olhAr sobre A A fronteirA dA indústriA AgriculturA fAmiliAr, fArmAcêuticA no brAsil: Artigos A sAúde humAnA e enAntiômeros o Ambiente

Marco Aurélio Cremasco revista da sociedade brasileira para o progresso da ciência Magda regina santiago ano 65 – número 3 – julho/agosto/setembro de 2013 32 Moreira Brasil Temas e Tendências interação de nanomateriais com Cultura 6 Cotas de aCesso N a N o biossistemas e a ao ensino superior nanotoxicologia: 58 humor ajudam a transformar t e c N o Dos traços sofisticados na direção de uma ao vale tudo nas a universidade públiCa Realização Produção Editorial logias regulamentação redes sociais Diego stéfani teodoro Martinez 9 olimpíadas e Apoio m eio ambiente oswaldo Luiz Alves 60 Copas de futebol: Quebrando coco, 0_Capa_nano_43.indd 1 7/1/13 8:27 PM oportunidade para rompendo paradigmas avanços CientífiCos 22 37 MIQCB e teCnológiCos Apresentação microscopia de 12 fábriCas Contam nanotecnologias: elas sondas: uma caixa sua história já estão entre nós… de ferramentas Arquivo Zanettini oswaldo Luiz Alves da nanotecnologia Fernando galembeck Carlos A. r. Costa 23 thiago A. L. Burgo Considerações sobre Juliana s. Bernardes o programa brasileiro rubia F. gouveia arqueologia na Fábrica de de nanotecnologia Quebradeira de coco de babaçu separando amêndoa louças santa Catharina Flávio Plentz Adalberto Fazzio 44 62 paulo vanzolini mundo nanobiotecnologia Paixão pela ciência verde: biossínteses e pela música deixou marcas por 14 entrevista Com de nanopartículas 28 onde passou gerald r. fink a nanotecnologia metálicas e suas como estratégia para aplicações como 64 artes 18 projeto argentino o desenvolvimento nanoantimicrobianos Flávio de Carvalho: aposta na expansão de cosméticos Mahendra rai a rebeldia como linguagem CientífiCa e renata M. Daudt teCnológiCa no país Juliana Emanuelli 66 p rosa irene C. Külkamp-guerreiro euSa araNhoS 19 arqueologia investiga N P Adriana r. Pohlmann NotíC i A s ...... 49 vestígios materiais da silvia s. guterres PE squisA s ...... 50 68 p oesia ditadura argentina marco aurélio cremaSco

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Conselho editorial Ana Maria Fernandes, André Tosi Furtado, Carlos Vogt, Celso Pinto de Melo, Dora Fix Ventura, Francisco Cesar de Sá Barreto, Gilberto Cardoso Alves Velho, Hernan Chaimovich Guralnik, Ima Célia Guimarães Vieira, Isaac Roitman, João Lucas Marques Barbosa, Luiz Eugênio de Mello, Marcelo Marcos Morales, Phillipe Navaux, Regina Pekelman Markus

editor Chefe DIRETORIA DA SBPC Marcelo Knobel presidente editora exeCutiva Helena Bonciani Nader Wanda Jorge viCe-presidentes editora assistente Ennio Candotti Germana Barata Dora Fix Ventura

equipe de reportagem seCretário-geral Chris Bueno, Cristina Caldas, Glória Tega, Rute Maria Gonçalves Andrade Leonor Assad, Marcela Salazar Granada, Marina Gomes, Marta Avancini, seCretários Patrícia Mariuzzo, Renato Lima Edna Maria Ramos de Castro Maria Lucia Maciel Capa José Antônio Aleixo da Silva João Baptista da Costa Aguiar primeiro tesoureiro diagramação Regina Pekelmann Markus Carla Castilho | Estúdio Luis Paulo Silva (tratamento de imagens) segundo tesoureiro Walter Coli revisão Daisy Silva de Lara

Consultores Literatura Alcir Pécora Carlos Vogt Paulo Franchetti

Contatos Revista Ciência e Cultura Redação: [email protected] ISSN 0009-6725

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escala nanométrica abre infinitas possibilidades de aplicações de novos ou de antigos materiais em áreas como a medicina, eletrôni- ca, cosmética, agricultura, meio ambiente e em outras. Oswaldo Luiz Alves, professor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) coordena o Núcleo Temático Adesta edição, sobre as nanotecnologias, deixando claro que o Brasil investe em pesquisa e desenvolvimento, mas também na regulamentação e em medidas voltadas para a segurança desta nova fronteira científico-tecnológica. Cotas de acesso ao ensino público se implantam por todo o país, diversifican- do a face dos estudantes nas universidades e exigindo mudanças na postura dos professores. Igualmente, a proximidade da Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas, a serem realizadas no Brasil, induz a um novo olhar sobre os avanços científicos como promotores de vitórias esportivas. E temas como educação e investimentos em esporte, duas questões de fundo que motivaram a ida de milhares de manifestantes às ruas do país no último mês de junho, continuam a ser abordados nas reportagens da Ciência e Cultura. Na seção "Mundo", destacam-se duas matérias inter-relacionadas pela localiza- ção geográfica, a arqueologia dos rastros da repressão durante a ditadura argen- tina, bem como as dificuldades que a crise atual impõem às pesquisas científicas naquele país. Em "Cultura", uma homenagem a Paulo Vanzolini, que a ciência e o perderam recentemente, e a presença do humor nos salões de artes do país e nas redes sociais, aparecendo como marca do caráter brasileiro na análise de estudiosos da área. Prosa e poesia, como sempre, fecham esta edição.

Boa leitura!

marcelo KNobel Julho de 2013

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a FrontEira da indÚstria FarmaCÊutiCa no Brasil: EnantiÔmEros

Marco Aurélio Cremasco

indústria química é um Verifica-se que a produção de fárma- racêmica é oticamente inativa, enquan- dos setores mais dinâmi- cos é um fator de desempenho econômi- to os pares de enantiômeros apresentam cos e vitais de qualquer co a ser considerado. O caráter das inter- diferenças nas propriedades fisiológicas. economia industrializada. venções no funcionamento dos merca- Observa-se que, em certos casos, um Isto é consequência da ge- dos farmacêuticos, principalmente nos dos enantiômeros é o isômero mais ati- aração de produtos finais amplamente países desenvolvidos, objetiva reduzir os vo. Todavia, o menos ativo, para deter- demandados por consumidores, assim gastos com saúde, inclusive com medi- minada ação fisiológica, pode acarretar como uma vasta lista de intermediá- camentos, e assegurar o acesso geral da efeitos colaterais, como é o caso da ta- rios utilizados por outras indústrias população aos tratamentos de forma lidomida, comercializada como mistu- em seus processos produtivos. A ca- racional (3). Todavia, a contribuição da ra racêmica entre o final da década de pacidade de inovar mais rapidamente indústria farmacêutica ocorrerá caso se 1950 e início da década de 1960, como do que os demais setores, oferecendo invista na inovação tecnológica de seus sedativo e analgésico. Depois da tragé- sempre novos produtos e modifican- produtos e/ou processos por meio de dia causada por esse fármaco, em razão do processos, permitiu notável cres- melhoria de processos que conduzam do (-)-(S)-enantiômero apresentar efei- cimento para este tipo de indústria. à produção de fármacos de alto valor tos teratogênicos levando, por falta de Atualmente, o Brasil é a sexta potência agregado, como é o caso dos fármacos conhecimento das diferenças toxicoló- mundial no setor químico. Por outro enantioméricos ou quirais. gicas entre os enantiômeros, à má for- lado, o país vem apresentando um his- Enantiômeros são compostos que mação de milhares de fetos humanos, tórico preocupante em sua balança co- apresentam a mesma fórmula molecular, novos estudos para fármacos quirais mercial, verificando-se o crescimento mas que não se sobrepõem, sendo ima- foram desenvolvidos (5). explosivo no déficit de US$ 1,5 bilhão gem especular do seu par complemen- em 1991 para pouco mais de US$ 28 tar. A diferença entre as moléculas está na individualização dos elementos bilhões em 2012. Urge o investimento maneira como os átomos estão dispostos A necessidade, portanto, de se obter na agregação de conhecimento, de tec- no espaço e na ordenação nas respectivas enantiômeros individualmente sepa- nologia e de inovação para aumentar a moléculas, as quais apresentam as mes- rados para testes clínicos tem se torna- competitividade das empresas nacio- mas propriedades físicas e químicas tais do de extrema prioridade na pesquisa nais (1). Segundo dados apresentados como: ponto de fusão, ponto de ebuli- farmacêutica e no desenvolvimento de por Vieira (2), o valor agregado das ção e solubilidade, entre outras proprie- novos fármacos (6). Dentro desse con- exportações brasileiras concentraram- dades. A mistura equimolecular de dois texto, existe uma série de vantagens da -se, majoritariamente, em produtos de enantiômeros é denominada forma ra- comercialização de enantiômeros puros baixa intensidade tecnológica. cêmica (ou mistura racêmica). A mistura sobre a comercialização da mistura racê-

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mica, dentre elas: redução da dose e da der a sociedade com preços acessíveis e O bem-estar das pessoas deve ser pro- carga no metabolismo; restrições menos um produto altamente específico e que curado independentemente do que elas rígidas na dosagem, ampliação do uso reduza efeitos colaterais, decorrentes do possam gerar em termos econômicos. do fármaco; melhor controle da cinética emprego da mistura racêmica . Ser livres de doenças ou do analfabetis- da dosagem; redução da variabilidade da Torna-se de extrema importância, mo é relevante não só pelo que represen- resposta dos pacientes; maior confiança para a indústria farmacêutica, a adoção ta como crescimento ao capital humano na padronização da dosagem; redução efetiva da inovação de negócios, com o e ao crescimento econômico, mas tam- nas interações com outros fármacos de objetivo de alcançar vantagem competi- bém pela vida das pessoas, da sua digni- uso comum; aumento da atividade e re- tiva; e a inovação em gestão, relacionada dade, felicidade e autoestima. Esse olhar dução na dosagem; aumento de especi- ao desenvolvimento de novas estruturas também deve ser considerado ao se ava- ficidade e redução de efeitos colaterais. gerenciais. Neste caso, é importante re- liar critérios de custos e benefícios. No que se refere à comercialização de fletir sobre a independência da gerência fármacos enantioméricos, nos EUA, por de P&D em relação à gerência industrial, Marco Aurélio Cremasco é professor titular exemplo, a fabricação quiral domina o de modo a propiciar a pesquisa aplicada em engenharia química e livre docente da mercado no setor farmacêutico, passan- e responder pelo desenvolvimento ex- Unicamp. Autor de Fundamentos de transfe- rência de massa (Editora da Unicamp) e Vale do de um faturamento de mais de US$ perimental que, por sua vez, objetiva a a pena estudar engenharia química (Editora 1 bilhão em 2003 para mais de US$ 1,6 construção de protótipos de produção. Edgard Blucher). bilhão em 2008 (4). Os fármacos quirais Como se vê, a indústria farmacêuti- representam mais da metade dos aprova- ca, tendo como foco o fármaco quiral, dos em todo o mundo, incluindo mui- envolve o conhecimento interdisciplinar rEFErÊnCias BiBliográFiCas tos daqueles mais vendidos no planeta. e multidisciplinar, pois no seu desenvol- Por exemplo, entre as 10 prescrições de vimento estão presentes diversos profis- 1. Leite, L. F. “Metodologia de seleção, avalia- produtos farmacêuticos mais vendidos sionais que interagem, podendo-se citar: ção e priorização de projetos tecnológicos inovadores”. Tese de doutorado. Rio de Ja- nos EUA em 2009, seis deles são enan- químicos (na identificação de moléculas neiro: UFRJ, 2008. tiômeros puros, dois são aquirais e dois quirais e suas propriedades), engenheiros 2. Vieira, E. Tempo de criar. Indústria Brasilei- racematos. Todavia, o valor do fármaco químicos (na ampliação de escala, defi- ra, Sistema Indústria, Confederação Nacio- enantiomérico é superior ao da mistura nição de processos produtivos), médi- nal da Indústria, ano 6, no. 69, p. 17, 2006. racêmica no qual está presente. O enanti- cos (na condução de testes pré-clínicos 3. Gadelha, C. A. G.; Quental, C.; Fialho, B. C. ômero (-)-(S)-verapamil, um importan- e clínicos), biólogos (no estudo de ati- “Saúde e inovação: uma abordagem sistê- te antagonista de íons cálcio e indicado vidades biológicas ), farmacêuticos (na mica das indústrias da saúde”. Cad. Saúde Pública, v. 19, no.1, p. 47, 2003. no tratamento de angina, hipertensão preparação do fármaco, em forma sólida 4. Nascimento, A. C. “Resolução enantioméri- arterial, fibrilação ou flutter atrial e ta- ou líquida, para o seu emprego), admi- ca do secnidazol”. Campinas: Faculdade de quicardia supraventricular paroxística, nistradores (na avaliação de novas estru- Engenharia Química, Unicamp, 2012. 122 p. apresenta o valor em cerca de 520 vezes turas organizacionais), economistas (na Dissertação (mestrado). o valor da mistura racêmica (indicada avaliação macroeconômica do impacto 5. Caldwell, J. “Stereochemical determinants of para as mesmas patologias, contudo me- da produção desses fármacos), sociólo- the nature and consequences of drugs meta- nos efetiva), a qual é comercializada a R$ gos (no estudo do impacto social com o bolism”. J. Chromatogr., v. 694, p. 39, 1995. 366/grama. Nota-se, assim, a importân- emprego de um produto mais efetivo e 6. Sartor, J. P. “Separação cromatográfica do fármaco rolipram utilizando fase estacio- cia de desenvolver tecnologias inovativas menos agressivo); profissionais de mar- nária O,O-bis[4-terc-butilbenzoil]-N,N-dia- que busquem, sim, o lucro, mas um lucro keting (no que se refere à mobilização da lil-L-tartardiamida”. Campinas: Faculdade responsável, como também o aumento mídia quanto à diferenciação entre fár- de Engenharia Química, Unicamp, 2006. na escala de produção, de modo a aten- macos racêmicos e enantiôméricos). 113 p. Dissertação (mestrado).

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1_Abertura_43_p1a5.indd 5 7/4/13 3:56 PM NotíciasBR do Brasil E ducação Em contrapartida, mesmo com pouco tempo ainda da adoção de Cotas de acesso ao ensino superior ajudam algum tipo de cota de acesso, o que já se observa é que tal política nas a transformar a universidade pública universidades públicas contribui gradualmente, num processo lento, Alguma coisa acontece nas universi‑ tísticas do Cadastro Central de Em‑ para uma transformação da univer‑ dades brasileiras. Há quem chame de presas (Cempre) 2011, divulgada sidade. E, nessa transformação, o mau gosto o que vê, porque “narciso em 24 de maio de 2012 pelo Institu‑ lado mais resistente não é o aluno acha feio o que não é espelho”, diria to Brasileiro de Geografia e Estatís‑ cotista que precisará fazer um gran‑ em Sampa. São es‑ tica (IBGE), apontam que em 2011 de esforço para acompanhar os cur‑ tudantes oriundos de famílias com quem tinha nível superior recebia, sos, se não tiver a necessária base que renda inferior a um salário mínimo em média, salário de R$ 4.135,00 o ensino médio deveria oferecer. Os e meio, além de indígenas de dife‑ e quem não tinha, R$ 1.294,00. A docentes também precisarão apren‑ rentes etnias, que estão se fazendo diferença salarial entre os trabalha‑ der a conviver com essas diferenças, presentes em salas de aula de cursos dores brasileiros com e sem nível su‑ que poderão contribuir, positiva‑ concorridos como medicina e enge‑ perior pode chegar a 219%. mente, para uma composição mais nharias, entre outras. São os cotistas Portanto, o diploma universitário diversificada do alunado, capaz, as‑ que, desde agosto de 2012, passaram pode ser, de fato, um passaporte para sim, de melhor refletir, na universi‑ a ser regulamentados pela Lei das ascensão social. Não é de se estranhar dade, a diversidade social e étnica de Cotas (Lei nº 12.711). Esta lei, que que, alheios ao debate sobre a perti‑ que se faz a nossa população. reserva 50% das vagas de cursos su‑ nência da Lei das Cotas, mais de 7,8 periores para alunos vindos de esco‑ milhões candidatos estão inscritos Privilégios antigos Um trabalho de las públicas e autodeclarados negros para as provas do Exame Nacional Silvia Maria Leite de Almeida, pro‑ também oriundos de escola pública, do Ensino Médio (Enem) em 2013. fessora adjunta da Universidade Fe‑ é tema de vários estudos acadêmicos e O Enem é utilizado como critério deral da Bahia (UFBA), publicado movimenta a pauta da grande mídia. de seleção para os estudantes que na revista HISTEDBR On‑line, da Prós e contras se multiplicam, com pretendem concorrer a uma bolsa Universidade Estadual de Campi‑ argumentos que vão desde o fatalis‑ no Programa Universidade para To‑ nas (Unicamp), aponta que muitos ta “será o fim da universidade pú‑ dos (ProUni) ou para uma das 500 dos privilégios concedidos em rela‑ blica de qualidade” até o apologista universidades brasileiras, segundo ção ao acesso à educação superior “trata‑se de uma nova abolição dos dados do Ministério da Educação vêm sendo regulamentados desde escravos”. Há, ainda, os que veem a (MEC), que já usam o resultado o Império, pelo poder legislativo. Lei de Cotas como mais uma políti‑ do exame como critério de seleção Segundo Silvia, ao longo de nossa ca afirmativa para tentar diminuir as para o ingresso no ensino superior, história muitas são as normas que desigualdades no país. Afinal, curso seja complementando ou seja substi‑ concederam para poucos a possibi‑ superior é um caminho indicado pa‑ tuindo o vestibular. E a Lei de Cotas lidade de se matricularem em cursos ra empregos com melhores salários. já está valendo para as instituições superiores sem terem todos os exa‑ Com efeito, dados da pesquisa Esta‑ federais de ensino superior. mes exigidos.

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BRA. Scarpinetti/Ascom Unicamp Um dos exemplos mais fla‑ ria enfim eliminada. Mesmo grantes é a Lei nº 5.465, de 3 porque os pequenos agricul‑ de julho de 1968, conhecida tores e seus filhos, naquela como Lei do Boi. Assinada época – e a rigor ainda hoje pelo então presidente da Re‑ em muitas regiões – dedica‑ pública, Marechal Costa e vam grande parte de seu tem‑ Silva, essa lei fixava em seu ar‑ po ao trabalho, para garantir a tigo 1º que os estabelecimen‑ sobrevivência da família. Mal tos de ensino médio agrícola frequentavam escolas para al‑ e as escolas superiores de agri‑ fabetização. Ensino superior? cultura e veterinária manti‑ Nem em sonhos. dos pela União, reservariam preferencialmente, cada ano, Universidade heterogênea para matrícula na primeira Em 2004 ocorreram os pri‑ série, 50% de suas vagas a can‑ meiros vestibulares em uni‑ didatos agricultores ou filhos versidades públicas por meio destes, proprietários ou não de um sistema de cotas, que de terras, que residissem com variava de uma instituição a suas famílias na zona rural. E, outra. As precursoras foram mais, nos estabelecimentos a Universidade do Estado de ensino médio mantidos do Rio de Janeiro (Uerj), a pela União, 30% das vagas Universidade Estadual do restantes seriam reservadas, Cotas: universidade para um perfil cada Norte Fluminense (Uenf), preferencialmente, para os vez mais diversificado da sociedade seguidas pela Universida‑ agricultores ou filhos destes, de de Brasília (UnB), pela proprietários ou não de terras, que beneficiários da Lei do Boi foram Universidade do Estado da Bahia residissem em cidades ou vilas que de fato os filhos da elite rural. Ha‑ (Uneb) e pela Universidade Federal não possuíam estabelecimentos de via também muitas distorções, não do Paraná (UFPR). ensino médio. Para sua aplicação, foram poucos os que, residindo em Mas antes mesmo de se formarem bastaria ao candidato apresentar um cidades de médio e grande porte, in‑ as primeiras turmas, muitas análises certificado fornecido pelo Instituto gressaram em cursos de agronomia e foram e continuam sendo feitas, ora Nacional de Colonização e Reforma veterinária, fazendo uso de certifica‑ questionando os efeitos da política Agrária (Incra), atestando que resi‑ dos de residência em latifúndios ou de cotas ora apontando suas grandes dia em área rural. casas de campo. Enquanto a Lei do possibilidades de inclusão social. Em A Lei do Boi vigorou durante 17 Boi vigorou não se argumentou que geral esses argumentos, sejam favorá‑ anos e só foi revogada em 1985, a qualidade dos cursos de ciências veis ou não, tendem a discutir univer‑ graças ao movimento de estudantes agrárias poderia ficar comprometi‑ sidade como se esta fosse única, uni‑ gaúchos que questionaram sua lega‑ da, nem houve quem defendesse que forme e uníssona. Existem grandes lidade. E motivos não faltavam. Os a desigualdade social no campo se‑ diferenças regionais, e dentro de uma

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2_Brasil_43_p6a13.indd 7 7/4/13 4:03 PM NotíciasBR do Brasil mesma instituição as diferenças entre de fato bem sucedidas no objetivo de contrário da Lei do Boi, que não ti‑ cursos podem ser enormes. proporcionar maior diversidade nas nha prazo para sua vigência e cuja Análises que dividem todos os alu‑ universidades, embora tal tendên‑ revogação exigiu a Lei nº 7.423, de nos de uma mesma universidade em cia seja menos clara em cursos mais 17 de dezembro de 1985, a Lei das cotistas e não cotistas, não conside‑ prestigiosos. Com relação ao desem‑ Cotas tem prazo de validade. O ar‑ ram a diversidade que os números penho dos alunos, a nota média dos tigo 7º prevê que “o poder executivo não revelam. concluintes das estaduais e federais promoverá, no prazo de dez anos, Um interessante exemplo é o estudo que ingressaram por meio de ações a contar da publicação da Lei, a re‑ feito por Fábio Waltenberg e Már‑ afirmativas é cerca de 0,4 pontos em visão do programa especial para o cia Marques de Carvalho, pesqui‑ 10 menor com relação aos concluin‑ acesso de estudantes pretos, pardos sadores do Centro de Estudos sobre tes que ingressaram pelo método tra‑ e indígenas, bem como daqueles que Desigualdade e Desenvolvimento dicional, ou seja, pouco significativa. tenham cursado integralmente o en‑ (Cede‑UFF). A partir do Exame Na‑ sino médio em escolas públicas, às cional de Desempenho de Estudantes o direito dos diferentes As políticas instituições de educação superior”. (Enade) de 2008, os autores traçam de ação afirmativa surgiram a partir Em trabalho apresentado no XVI En‑ um perfil dos concluintes dos cursos da década de 1960, no auge da luta contro Nacional de Didática e Práti‑ avaliados naquele ano, comparando dos negros norte‑americanos pelo cas de Ensino (XVI Endipe), realiza‑ alunos beneficiados por ações afirma‑ fim da segregação racial legal, até en‑ do na Unicamp em 2012, Daniela tivas com os demais alunos. Os dados tão em vigor em várias esferas da vida Frida Drelich Valentim, professora referem‑se a 167.704 concluintes. Es‑ social nos Estados Unidos. A expres‑ da Universidade Estadual do Rio de tes, em algumas análises, foram agru‑ são ação afirmativa tem sido atribuí‑ Janeiro (Uerj), considera que as ações pados de acordo com o cruzamento da a John Kennedy que, em decreto afirmativas para os negros nas uni‑ de informações acerca das proporções presidencial de 1961,determinou versidades fazem parte das chamadas de não brancos, egressos de ensino que órgãos do governo dos Estados políticas de reconhecimento da dife‑ médio público e baixa escolaridade Unidos deveriam adotar medidas rença, cujas demandas estão ligadas dos pais nos diferentes cursos, em afirmativas no sentido de assegurar o à representação, à cultura e à identi‑ cursos de baixo (pedagogia), alto (en‑ acesso e a permanência como empre‑ dade dos grupos étnicos, raciais, se‑ genharias e ciência da computação) gados de indivíduos das diversas ra‑ xuais, dentre outros. Segundo ela, as e médio prestígio social (os demais). ças, credos e nacionalidades. Depois demandas por reconhecimento vêm Essas categorias foram definidas de disso, a expressão ganhou conteúdo adquirindo maior relevância na are‑ acordo com o cruzamento de infor‑ mais preciso e passou a definir as na política desde o fim do século XX. mações acerca das proporções de não medidas especiais e temporárias que Mas Daniela pondera que essas de‑ brancos, egressos de ensino médio buscam acelerar o processo de igual‑ mandas estão ocorrendo em um público e baixa escolaridade dos pais dade substantiva por parte de grupos mundo de desigualdade material nos diferentes cursos. Entendendo‑se considerados vulneráveis. acentuada, onde ainda faz muito sen‑ como diversidade uma maior repre‑ Assim, enquanto ação afirmativa, tido lutar por uma repartição menos sentação de grupos desfavorecidos, a atual Lei de Cotas, busca reduzir desigual das riquezas sociais. os autores concluem que as diversas as fortes distorções que são obser‑ políticas de ações afirmativas foram vadas na sociedade brasileira. E, ao Leonor Assad

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2_Brasil_43_p6a13.indd 8 7/4/13 4:03 PM NotíciasBR do Brasil esPorte apresentou o tema “Inovação conhecimento científico”, aponta tecnológica nos esportes” e para o vencedor do Prêmio Jovem Olimpíadas e Copas este ano a Semana Nacional de Cientista 2012, Rodrigo Gonçalves Ciência e Tecnologia tem como Dias, doutor em biologia funcional de Futebol: oportunidade mote “Ciência, saúde e esporte”. e molecular e pesquisador da área para avanços científicos É, ainda, uma oportunidade de de genômica funcional no Instituto captação de recursos para as do Coração (InCor). Dias descobriu e tecnológicos pesquisas com a consequente uma mutação genética que afeta ampliação da divulgação científica a vasodilatação muscular durante É grande a expectativa brasileira na área. o exercício físico e agora busca ao sediar uma Copa do Mundo de O reconhecimento da área vem genes responsivos ao treinamento. Futebol e, dois anos depois, uma atrelado, no entanto, à expectativa Olimpíada inédita em território de retorno imediato, na forma de CetiCismo “Em um cenário nacional, pois são eventos que medalhas, por exemplo. O que bastante otimista, imagine que agitam os cenários sociais, se espera com os investimentos os investimentos feitos neste econômicos e tecnológicos do efetuados é melhorar o quadro de momento serão mantidos e até país. Mas o chute inicial desses medalhas do Brasil em 2016, o que mesmo ampliados após 2016. Ainda grandes acontecimentos pretende dificilmente acontecerá conforme assim, resultados expressivos só ser emblemático para a ciência do o esperado. Serão R$ 2,5 bilhões serão colhidos, quem sabe, daqui esporte: o neurocientista Miguel para tentar figurar na lista dos 10 a duas ou três gerações de atletas Nicolelis comanda pesquisa para primeiros países na Olimpíada e em de elite. E essas primeiras gerações que o pontapé de abertura dos quinto lugar na Paraolimpíada – na beneficiadas com os novos jogos da Copa de 2014 seja dado última edição aparecemos em 22º investimentos ainda sofreriam por um tetraplégico usando um e 7º, respectivamente – porém, com as deficiências, resistências exoesqueleto controlado pelo seria preciso muito mais tempo, e erros, que são naturais quando cérebro. Dessa forma, o diretor do preparo e planejamento, dentro qualquer sistema que funcionou laboratório de neuroengenharia de uma política de capacitação décadas da forma X passa por da Universidade Duke, nos Estados esportiva de nossos atletas para transformações para funcionar da Unidos, usa a visibilidade do que isso pudesse acontecer. forma Y”, completa. esporte para divulgar a ciência “Em paralelo ao que parecem De maneira geral, entre os feita nos laboratórios e o trabalho ser as maiores preocupações – pesquisadores impera o ceticismo. que vem desenvolvendo em seu infraestrutura e segurança – uma “Sinceramente, não vejo avanços centro de pesquisa em Natal (RN). pequena parcela das atenções significativos”, lamenta Alcides Quase sempre longe dos holofotes e investimentos têm se voltado José Scaglia, docente do curso de a ciência do esporte percebe ao desenvolvimento científico, ciências do esporte e atualmente uma incipiente movimentação, até porque a ‘extração’ do coordenador de graduação da causada pela maior divulgação de máximo potencial de um atleta Faculdade de Ciências Aplicadas temáticas inerentes à área. No ano somente pode ser alcançada com (FCA) da Unicamp. passado, o Prêmio Jovem Cientista intervenções fundamentadas em Ele aponta que ainda existe um

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2_Brasil_43_p6a13.indd 9 7/4/13 4:03 PM NotíciasBR do Brasil abismo entre as ciências e o esporte, não é raro que clubes de alto nível imprevisíveis. Comparado aos com exceção do setor paraolímpico, cometam erros grosseiros, com treinos físicos tradicionais os jogos onde essa união tem sido bastante resultados que vão de lesões ao adaptados são mais eficazes na promissora no Brasil. “Veja, por baixo rendimento do time. otimização do tempo de treino e exemplo, os centros de excelência Em sua pesquisa de doutorado, aprimoram não apenas a parte esportivos, como o de Campinas. Buscariolli estuda os benefícios física, mas também a cognitiva, de Eles foram construídos distantes dos chamados Jogos Reduzidos forma que as reações no jogo sejam (até fisicamente) das universidades, (JR), em que preconiza automáticas e ágeis”, explica o enquanto em outros países de modelos de treino relacionados pesquisador. referência estão junto a um grande especificamente à realidade Essa necessidade de mudança polo de pesquisa, e os professores do jogo, em vez das sessões drástica, com a inserção da ciência muitas vezes integram as comissões tradicionais. São jogos adaptados na área esportiva, é observada em das equipes. Nossos atletas de para áreas pequenas, com poucos todas as modalidades praticadas ponta estão treinando fora do país, jogadores e regras modificadas, no Brasil, não apenas no futebol. porque a única preocupação é com bastante rápidos e intensos, Muito do que é feito tem base as medalhas, e não com um legado exigindo agilidade na tomada de no empirismo, e poucos centros metodológico e de infraestrutura”, decisões dos jogadores. esportivos têm à disposição compara. Ciente do pouco tempo O futebol tem caráter intermitente, análises bioquímicas que poderiam, disponível, o plano oficial optou por no qual períodos curtos de alta por exemplo, medir os níveis de financiar apenas os atletas com intensidade (tiros) são intercalados estresse celular e de recuperação mais chances de subir ao pódio em por períodos mais longos de ao esforço, reduzindo o risco 2016, sem a preocupação em criar recuperação ativa ou passiva, e de lesões e potencializando o uma base sólida e permanente de as ações no jogo configuram‑se a treinamento. acesso ao esporte e condições de partir de uma intrincada trama de A ciência do esporte no Brasil treinamento. relações de oposição e cooperação, está apenas iniciando outro ciclo, com a variação de atividades pois sempre primou pela parte CiênCia no fUtebol O esporte mais sendo alta e imprevisível (em prática, considera Antonio Carlos acompanhado e praticado no Brasil média, em uma partida há entre Gomes, superintendente de alto é um dos primeiros a apresentar 1000 a 1400 ações motoras). E, rendimento da Confederação deficiências seriíssimas e está em geral, essas atividades de alta Brasileira de Atletismo com longe de servir como vitrine dos intensidade são as que possuem passagens pelas seleções de avanços da ciência. Para o treinador maior relação com o placar final. handebol e triathlon, além de e fisiologista Renato Buscariolli “Não adianta apenas correr para outros projetos, do Comitê de Oliveira, mestre em biologia ganhar condicionamento físico. Olímpico Brasileiro. Para ele, que funcional e molecular pela Unicamp, Devem constar do treinamento fez seu doutorado em teoria e o futebol precisa urgentemente os aspectos que se relacionam metodologia da educação física readequar seus modelos de diretamente ao jogo, porque e dos esportes pela Universidade treinamento e inserir a ciência o futebol exige capacidade Nacional de Cultura Física da na pauta do dia. Em sua opinião, de adaptação às situações Rússia, “a partir dos grandes

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2_Brasil_43_p6a13.indd 10 7/4/13 4:03 PM NotíciasBR do Brasil eventos vamos amadurecer com Gráfico 1 – Quebra de recordes de maratona ao longo dos anos a convivência e confronto com países que há muito se apoiam nos avanços científicos na área. O esporte ainda é praticado de forma romântica. Demoramos para perceber que o mundo tem como norma a ciência acadêmica para dirigir o processo de preparação de um atleta. No Brasil o futebol, por exemplo, é uma modalidade sustentada pelas leis do empirismo, da arte, do espetáculo e, na maioria das vezes, tudo ocorre por tentativa e erro”, afirma. legado olímPiCo Mesmo com todas é muito animadora sequer para o A importância da ciência no essas considerações, é preciso esporte. O velódromo – primeiro esporte pode ser exemplificada reconhecer que sediar uma do Brasil com pista de madeira, com o gráfico 1, mostrando a Olimpíada pode significar uma construída com pinho siberiano queda vertiginosa dos tempos de verdadeira revolução para uma ao custo de R$ 14 milhões – não conclusão das maratonas, provas cidade e para a pesquisa acadêmica atende as especificações do Comitê extenuantes de 42,195 km. No início de um país. Um dos melhores Olímpico Internacional e está sendo do século XX o vencedor cumpria exemplos, até hoje, são os Jogos de demolido para dar lugar a outro de a distância em quase 3 horas, e Barcelona, em 1992. R$ 147 milhões. O Parque Aquático atualmente a busca é para fechar o Uma das implementações mais Maria Lenk custou R$ 85 milhões e, percurso o mais próximo possível marcantes na época foi a criação da obsoleto, deve passar por reformas. das 2 horas. Ou seja, em menos de Associação de Desportos Olímpicos Além do suporte para atletas, outro 100 anos houve uma redução de (ADO), com investidores privados, desafio é aproximar a ciência do quase 35% no tempo necessário cinco anos antes do evento. A ADO esporte do público, como se faz em para os melhores cumprirem teve papel tão fundamental que a outros países. Em uma época em o trajeto. Trata‑se da mesma Espanha ganhou 22 medalhas em que o esporte está ligado a valores distância, em um esporte individual 1992 – para se ter uma dimensão e decisões éticas – como doping, e sem aparatos significativos do feito observa‑se que o país só melhoramento genético e seleção (apenas um par de tênis), fazendo havia conquistado 27 medalhas de futuros talentos na infância –, com que a força do movimento olímpicas em toda a história. é fundamental que seja também venha apenas do competidor. O Os grandes eventos têm sido incorporado definitivamente como sucesso da redução de tempos, vistos como uma oportunidade de uma área científica, de reflexão e portanto, deve‑se às intervenções canalizar investimentos para a área inclusão social. da ciência e da tecnologia no urbana , mas a experiência do Brasil treinamento e no corpo dos atletas. com o Pan‑Americano em 2007 não Marina Gomes

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2_Brasil_43_p6a13.indd 11 7/4/13 4:03 PM Notícias do Brasil

BR Arquivo Zanettini a rquE ologia industrial Fábricas contam sua história

O estudo arqueológico em unidades fabris procura obter informações so‑ bre o processo de produção das mer‑ cadorias, a vida dos trabalhadores e a integração que as áreas que estão sen‑ do pesquisadas tiveram e tem com o meio ambiente, entre outros. É esse olhar para o objeto de pesquisa que define um trabalho como sendo de arqueologia industrial. “Muitas ve‑ O arqueólogo Paulo Zanettini trabalha nos escombros da Fábrica de Louças Santa Catharina zes se usa o termo arqueologia para se tratar de uma abordagem históri‑ dessa questão da expansão da indús‑ de capital e de bens de consumo ca em relação à edificação, visando tria. A arqueologia industrial surge duráveis, que não leva em consi‑ ao seu tombamento. Porém, quan‑ dentro desse processo de identidade deração produções de alimentos, do se fala em arqueologia industrial, urbana, enquanto tema de pesquisa por exemplo, como a mandioca, a trata‑se de uma abordagem focada e de reflexão”, descreve. cana‑de‑açúcar ou o café. no equipamento fabrill e seu entor‑ No Brasil, a industrialização ma‑ A segunda vertente considera que a no, enxergando os elementos a par‑ ciça começa somente a partir de perspectiva do olhar industrial pre‑ tir da arqueologia”, explica o arque‑ meados do século XX, quando se cisa ser interpretada a partir das rea‑ ólogo Paulo Bava de Camargo que, tem o primeiro grande processo lidades regionais, sendo um concei‑ atualmente, ministra a disciplina da formação de indústrias de base, to maleável. “Assim, processos pro‑ Arqueologia Industrial no curso de explica Duran. A industrialização, dutivos da Roma Antiga e, no nosso graduação em arqueologia da Uni‑ sendo um processo ainda recente caso, do período colonial podem ser versidade Federal de Sergipe. na história da humanidade, faz vistos sob a ótica da arqueologia in‑ Para Leandro Duran, arqueólogo da com que haja duas vertentes a res‑ dustrial, como um engenho ou uma mesma instituição, a ideia de uma peito da arqueologia industrial: a olaria”, exemplifica o professor. Pa‑ arqueologia industrial surge, como primeira considera que não é pos‑ ra ele, os fatores determinantes para disciplina, na Inglaterra, depois da sível um olhar industrial para sítios se obter o olhar industrial para o sí‑ Segunda Guerra Mundial, após a arqueológicos anteriores ao século tio arqueológico são a existência de destruição por bombardeios das XVII, quando ocorreu a Revolu‑ mão de obra especializada, de con‑ edificações da época da Revolução ção Industrial. Além disso, para es‑ junto de equipamentos produtivos Industrial. “A Inglaterra construiu sa vertente, indústria é um sistema específicos e técnicos e de produção muito de sua identidade por meio produtivo em larga escala de bens em larga escala.

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2_Brasil_43_p6a13.indd 12 7/4/13 4:03 PM NotíciasBR do Brasil Uma indústria no mar Na prati‑ cionar como uma linha de produção. essa indústria passou a empregar mi‑ camente desabitada Ilha do Bom Talvez, aqui, tenhamos uma evidên‑ lhares de funcionários; no período Abrigo, extremo sul do litoral pau‑ cia da porção genuinamente capi‑ entre guerras chegou até a exportar lista, Duran deparou‑se com uma talista daquela sociedade moderna”, a produção para a América do Norte. fábrica de azeite de baleia: eram ape‑ reflete o arqueólogo. Isso mostra também uma capacidade nas pedaços de paredes e muros que, não só de copiar, mas também de criar aos poucos, foram mostrando sinais QUebra‑Cabeça Com 30 mil Peças A peças, reunindo o saber do imigrante das atividades que ali ocorreram. A arqueologia usa peças e estruturas e o modo de decorar a cerâmica com pesquisa no local foi desenvolvida edificadas para contar histórias ao motivos relacionados ao cotidiano em seu doutorado, “Arqueologia invés de ilustrar histórias contadas brasileiro. É uma propriedade do sa‑ marítima de um bom abrigo”, pelo em documentos escritos. Foi assim ber fazer brasileiro que hoje a gente só Museu de Arqueologia e Etnolo‑ com as quase 30 mil peças de louças pode encontrar no registro arqueoló‑ gia da Universidade de resgatadas pela pesquisa realizada em gico, pois é raríssimo encontrarmos, (MAE/USP), concluído em 2008. 2003 no sítio arqueológico Petybon, mesmo na mão de colecionadores, O local produzia óleo em larga escala no bairro paulistano da Lapa. O local peças dessa fábrica”. usado como combustível para ilumi‑ abrigou a Fábrica de Louças Santa Para Rafael, a diversidade de objetos nação, da 2ª metade do século XVIII Catharina (1913‑1939), a primeira achados na escavação também pô‑ até a 1ª metade do século XIX. “Tra‑ manufatura de louças brancas im‑ de contar a história da fabricação de tava‑se de uma armação baleeira, que plantada no Brasil. “Durante as es‑ louças antes e depois de movimentos é uma indústria especializada, voltada cavações foram resgatadas milhares higienistas, que se instalaram em São para o mercado, por isso eu classifico de peças inteiras, ajudando a retraçar Paulo no final do século XIX e início esse meu trabalho como de arqueo‑ aspectos em torno da história da in‑ do século XX. “A utilização de vidra‑ logia industrial. A gente precisa en‑ dustrialização e consumo”, conta o dos e esmaltes e a diminuição do uso tender essa questão da indústria não arqueólogo Paulo Zanettini, respon‑ de peças não esmaltadas corresponde‑ apenas nos limites físicos da operacio‑ sável pela escavação. ram ao interesse das políticas higienis‑ nalização das relações de produção, A fábrica foi inaugurada em 1913, tas em mudar hábitos considerados do trabalho, mas sim num contexto tornando‑se parte das Indústrias Reu- nocivos. O começo do século passado maior, que significa produção, trans‑ nidas Fábricas Matarazzo em 1927 e marca a necessidade cada vez maior de porte e consumo”, destaca. funcionando até 1937. “O sítio tem produtos na cor branca”, descreve. As intervenções arqueológicas rea‑ extrema relevância não apenas no As pesquisas sob a ótica da arqueolo‑ lizadas revelaram o modo de opera‑ contexto da arqueologia urbana no gia industrial não são realizadas ape‑ ção dessa estrutura fabril, suas dife‑ Brasil, como também por ser exem‑ nas na zona urbana. No entanto, os rentes áreas de trabalho e as funções plar dos primórdios da industrializa‑ sítios arqueológicos localizados nas de cada uma delas. “Após várias etapas ção do país e da história da produção cidades são os que desaparecem com de campo e escavações arqueológicas, da louça nacional”, salienta o arqueó‑ maior rapidez, pois são os que mais consegui elaborar plantas da armação logo Rafael de Abreu e Souza, que sofrem com a pressão econômica, baleeira, pelas quais fica evidente que participou da escavação e desenvol‑ devido à dinâmica do capital. a localização das diferentes estações veu seu mestrado nessa fábrica. Za‑ de trabalho foi planejada para fun‑ nettini completa: “em poucos anos, Glória Tega

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2_Brasil_43_p6a13.indd 13 7/4/13 4:03 PM MUNDivulgação D professores Ana Clara Shenberg e ciado pela concorrência tecnológica Spartaco Astolfi-Filho, para minis- entre os Estados Unidos e a União trar curso de biologia molecular na Soviética, quanto sobre os esforços Universidade de São Paulo (USP), para valorizar a ciência e garantir nos mesmos moldes do curso que níveis adequados de financiamento ele lecionou por 17 anos em Cold público para a pesquisa básica. Ape- Spring Harbor. sar das dificuldades existentes para As pesquisas desenvolvidas por Fink quem quer seguir a carreira de pes- têm contribuído, nas últimas déca- quisa acadêmica hoje em dia, Fink das, para o melhor entendimento traz uma mensagem de otimismo dos mecanismos de regulação gêni- e desafio aos jovens pesquisadores: ca, mutação e recombinação, prin- “Não tenham medo de seguir suas cipalmente usando leveduras como melhores ideias, [essa é] a única ma- modelo de estudo. Ele foi pioneiro neira de chegar à frente na ciência.” no desenvolvimento da técnica de transformação de leveduras, forne- Se o senhor tivesse que escolher E ntrEvista G E rald r. Fink cendo bases para o uso comercial uma única realização como presi- desse sistema para a produção de va- dente da AAAS, qual seria sua priori- Investimento e cinas e medicamentos. Além disso, dade durante o mandato de 3 anos? seus trabalhos na área de biologia Garantir que o governo coloque criatividade para molecular de fungos, mostrando as mais recursos na ciência. A manei- impulsionar a ciência vias de sinalização e genes envolvi- ra de conseguir isso é fazer com que dos no crescimento filamentoso, todos no país percebam o quanto Gerald Fink assumirá em fevereiro têm ajudado a entender os proces- a ciência é importante em suas vi- do próximo ano o cargo de presiden- sos de virulência e patogenicidade. das, o que é muito difícil. Já se faz te da American Association for the Participou também das primeiras isso por meio de diversas iniciativas. Advancement of Science (AAAS), etapas de introdução da Arabidopsis Existe o programa “AAAS fellows”, maior sociedade científica geral thaliana como modelo de estudo do [AAAS Science & Technology Po- do mundo, composta por 120 mil desenvolvimento de plantas. Foi di- licy Fellowships], onde cientistas membros individuais e institucio- retor do Instituto Whitehead entre vão ao Congresso, Departamento nais, 261 sociedades e academias de 1990 e 2001 e é membro da Natio- de Defesa, entre outros. A ciência ciência afiliadas, servindo dez mi- nal Academy of Sciences e do Insti- deveria influenciar as decisões dos lhões de indivíduos. tute of Medicine e fellow da Ameri- políticos, mas muitas vezes eles não Membro fundador do Instituto can Academy of Arts and Sciences. sabem que existe um ponto de vis- Whitehead e professor de genéti- Nesta entrevista à Ciência e Cultura, ta científico. Por exemplo, a AAAS ca no Massachusetts Institute of realizada em Cambridge, nos Esta- recebe repórteres do mundo inteiro. Technology (MIT), Fink esteve dos Unidos, Fink falou tanto de sua Na primeira reunião do conselho da duas vezes no Brasil, a convite dos carreira como pesquisador, influen- AAAS que participei tivemos aces-

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3_Mundo_43_p14a20.indd 14 7/4/13 4:03 PM Notícias d o MUN D Mundo so à reportagem de um correspon- Melhorando a alfabetização cien- cer o nosso país é vago, mas a ciência dente da Coreia do Norte. Fiquei tífica, incluindo a dos políticos no deveria desempenhar um papel mais impressionado com o relato sobre o Congresso? importante nesse contexto. aumento de casos de tuberculose re- O verdadeiro problema que vejo é sistentes a drogas no país. Talvez essa que o Congresso está tomando de- A AAAS foi uma das primeiras sig- seja uma área onde a ciência poderia cisões o tempo todo sobre temas natárias da Dora (San Francisco De- ajudar a resolver problemas políti- que têm importantes componentes claration on Research Assessment). cos. Eles não têm os medicamentos científicos, e se você não tem um O que o senhor acha de iniciativas necessários e dispõem de uma estru- senso de dimensão, a diferença entre como essa que visam a restringir o tura hospitalar decadente, mesmo milhões, trilhões, um mícron e um uso abusivo do fator de impacto na nos melhores hospitais. Talvez exista metro, você está fazendo um julga- avaliação da produção acadêmica? alguma possibilidade de cooperação mento deixando a parte da ciência de Concordo com qualquer um que di- científica com o Irã. Subestimamos fora. Provavelmente todas as decisões ga que o uso indiscriminado do fator a importância de fazer conexões tomadas têm um componente cien- de impacto é terrível. Acho que o fa- científicas com países com os quais tífico, daí a importância dos “AAAS tor de impacto é venenoso. Nos Es- não temos [boas] relações políticas. fellows” no Congresso, construindo tados Unidos não o usamos muito, conexões, falando com os parlamen- o que não diminui o reconhecimen- Diplomacia por meio da ciência? tares. Isso é muito importante mas, to de periódicos mais importantes, Sim. A AAAS já faz muito disso. Não em termos de nação, a única maneira aqui chamados de “alto impacto”. sei se a informação sobre tuberculose é que todos os cidadãos considerem a Em um lugar como o MIT confia- chegou até o Departamento de Es- ciência importante. mos no nosso próprio julgamento. tado. Acho esse dado muito impor- Professores participantes de bancas tante por conta da estabilidade do Um Congresso mais diversificado, de seleção precisam confiar em seus próprio país e também pela ameaça com mais cientistas, teria melhores próprios julgamentos; na minha mundial, considerando que bactérias resultados? opinião o fator de impacto é utili- não têm fronteiras políticas. Nem toda decisão tomada por cien- zado quando tal confiança inexiste. Devo dizer também que minha es- tistas é boa, por isso insisto que é Outra discussão importante é a da perança é encontrar alguma forma tão importante termos um conhe- longevidade dos artigos. Sempre fi- de que crianças frequentem ótimas cimento básico de ciência, apreciar co contente quando alguém cita um escolas, conheçam a AAAS e, assim e entender aquele ponto de vista. artigo meu de mais de dez anos. Há como os cientistas, leiam a Science, Não acho que seja bom que todos se pouco tempo vi uma citação de um saibam o que está acontecendo no tornem cientistas. Estando em um artigo meu publicado há 23 anos. mundo da ciência. Se tivessem seu lugar como o MIT, posso dizer que próprio website da AAAS, cujo aces- se trata de uma instituição realmen- Como o senhor se interessou pela so se tornasse hábito, mesmo que não te bem administrada porque todos ciência? se tornassem cientistas, estarariam sabem que o objetivo é fazer ciência Sempre me interessei por temas de melhor preparadas para questionar de excelência. No caso de políticos e ciência, desde o ensino médio. Meu sob o ponto de vista científico. legisladores o objetivo de engrande- pai era médico e com frequência dis-

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3_Mundo_43_p14a20.indd 15 7/4/13 4:03 PM MUN D cutíamos ciência na mesa do jantar. tabolismo de leveduras, assunto pe- tecnologia de transformação de le- Aí, em 1957, os russos lançaram o lo qual ainda me interesso. Gosto de veduras. Gostaríamos de saber mais Sputnik [primeiro satélite artificial entrar em um sistema quando ain- sobre o contexto em que foi gerada. a orbitar a Terra], fazendo com que da não há muitas pessoas fazendo a Outros 15 laboratórios estavam de repente o ensino de ciência se tor- mesma coisa. Naquele tempo havia tentando fazer o mesmo. Havia um nasse uma questão nacional, com pouquíssimas pessoas trabalhando pós-doutorando suíço trabalhando amplos investimentos do governo. com leveduras. Se você entrar em no meu laboratório. Ele era muito Cursos de matemática e engenharia uma área que já está no final do jogo organizado e mantinha seu cader- avançadas passaram a ser oferecidos ao invés dos primeiros minutos, há no de laboratório perfeito, o que só nas escolas. Foi assim que me interes- muita leitura a ser feita, inúmeros um suíço poderia fazer. Um norte- sei pela ciência. Em seguida fui para artigos científicos, e você não sabe -americano trabalhava com o suíço, a universidade, onde desenvolvi pro- em que acreditar. Já no começo do ajudando-o a fazer com que as trans- jeto de pesquisa e adorei trabalhar no jogo você não precisa ler nada, pode formações funcionassem. Ele havia laboratório, pois me pareceu ser um apenas fazer experimentos. Assim passado pela Marinha e não anotava lugar onde você sempre está fazendo era a área de leveduras na época, que nada. Tínhamos truques técnicos algo de vanguarda, que ninguém fez agora se tornou muito mais sofisti- que terminaram funcionando e o antes. Sempre focando o futuro, ao cada. Escrevi um artigo há mais de resto virou história. invés de olhar para o passado. 20 anos com um colega (“Yeast: an experimental organism for modern Por que o interesse especificamente O senhor acha que se beneficiou por biology”) e recentemente pediram na transformação? ter nascido em uma geração onde a que escrevêssemos outro (“Yeast: an Era a única maneira de manipular o ciência era valorizada? experimental organism for 21st cen- genoma, abrindo a possibilidade de Sim. Sem ter um concorrente polí- tury biology”). A mensagem é que alterá-lo como você quisesse, inse- tico, como nós tivemos a União So- todas as novas tecnologias, como rindo qualquer gene de interesse, o viética [na época], acho que há um genômica e proteômica, são testa- que levou indústrias farmacêuticas problema em convencer as pessoas das primeiro em leveduras. Achei a e biomédicas a usar levedura para e o governo de que a ciência é im- área atrativa pois havia muitos de- produzir inúmeras vacinas e medi- portante. Durante a Guerra Fria, safios. Desde que comecei a traba- camentos, como é o caso das vacinas os físicos estavam no topo da "ca- lhar com leveduras a única coisa que Gardasil (HPV) e hepatite B. Meta- deia alimentar" porque o governo podíamos fazer era genética clássica, de da insulina produzida mundial- sempre temia que um ICBM (inter- até que pessoas no meu laborató- mente vem de leveduras. O impacto -continental ballistic missiles) viria da rio acharam uma maneira de fazer foi enorme porque hepatite B era União Soviética e precisávamos ter transformações de DNA e de repen- endêmica na China. nosso próprio. te tudo podia ser feito, você podia Há várias razões importantes para uti- manipulá-las. lizar esse sistema, que traz uma série O que levou o senhor a estudar le- de vantagens. Assim que cheguei aqui veduras? Trata-se do seu artigo científico no MIT havia 15 laboratórios traba- [No doutorado] trabalhei com me- mais citado, com a descrição de lhando com leveduras e atualmente

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3_Mundo_43_p14a20.indd 16 7/4/13 4:03 PM Notícias d o MUN D Mundo ainda há cerca de 10 laboratórios que Falando um pouco sobre os cortes fis- falta de compreensão de onde as utilizam esse microorganismo como cais automáticos que estão em curso descobertas se originam. Mesmo modelo experimental. Atualmente, (sequestration), a AAAS tem defendi- o financiamento atual da ciência, estamos trabalhando com leveduras do limitar o impacto desses cortes em que pode parecer não ser ruim, tem como modelo para prever interações programas científicos. Como o senhor se direcionado cada vez mais para genômicas complexas. vê a questão fiscal americana no lon- ciência aplicada, o que significa que go prazo? vamos perder todas as descobertas Que conselho o senhor daria a um Eu espero que o Congresso veja ra- fundamentais que foram neces- jovem cientista que esteja iniciando pidamente a loucura que fez e per- sárias para se chegar a um estágio sua graduação? ceba o quão importante é a ciência. em que podem ser transformadas O mesmo que digo aos meus estu- Meu receio é que, nesse caso, inves- em aplicações. O problema com o dantes: não tenha medo de seguir timentos em ciência não são como câncer não é que não existam medi- suas melhores ideias, [esta é] a única atrasos em aeroportos, os quais eles camentos voltados para o câncer. O maneira de chegar à frente na ciên- [os políticos] perceberam pois os meu colega Bob Weinberg sempre cia. Por isso que eu digo que é tão atrapalhavam no deslocamento de diz que já curamos o câncer nos ra- importante estar presente onde o jo- casa até Washington, e eles rapida- tos mais de mil vezes. A outra parte go esteja apenas começando. Há um mente consertaram a situação. Eu dessa questão é que não está claro jovem professor aqui no Whitehead não acho que cortes automáticos para o público, e até mesmo para que fez seu PhD no MIT com Ro- sejam uma boa forma de gestão de os cientistas, o quão difícil é lan- bert Horwitz [vencedor do Prêmio um governo. Minha esperança é que çar uma droga eficaz no mercado. Nobel de Fisiologia e Medicina em isso não destrua as vidas de muitos Alguns estudantes de meu labora- 2002], em modelo padrão que todo jovens cientistas, pois o problema é tório, há 13 anos, deixaram o la- mundo trabalhava, um verme. Ele que se você tiver jovens muito inte- boratório e decidiram fundar uma é muito bom, muito inteligente, e ligentes e com senso de oportunida- empresa. A maioria dessas empre- poderia ter optado por continuar de, ao verem que não há futuro em sas não consegue se firmar, mas esta trabalhando com o mesmo modelo, ciência, eles vão buscar fazer outras teve sucesso. São cinco jovens que mas ele estava interessado em rege- coisas. Eu cresci na era do Sputnik mal tinham barba, agora eles têm neração e havia um outro verme ca- e não tinha que ficar pensando em mais de 300 funcionários. No ano paz de regenerar nova cabeça quan- recursos financeiros. Eu apenas fazia passado eles conseguiram a aprova- do cortado. Ninguém havia traba- o que queria e sempre havia recursos ção do FDA para uma droga, após lhado antes nesse sistema. Agora ele adequados. Acredito que essa seja a muito tempo e muita confiança por é o líder nesse campo e regeneração mesma história de várias pessoas e é parte dos investidores de que eles acabou tornando-se uma área muito a razão do florescimento das ciências iriam conseguir. E essa é uma his- importante e interessante. Ele pode- nos Estados Unidos na época em que tória comum a essas empresas que ria simplesmente ter continuado no a ciência era bem financiada. E essa é nos rodeiam [em Cambridge], que mesmo caminho e teria um sucesso também a razão de termos todas essas vieram da ciência básica. limitado. Agora todo mundo quer vacinas. Eu acho que há um equívoco trabalhar com esse verme. na ênfase em ciência aplicada e uma Cristina Caldas e Renato Lima

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3_Mundo_43_p14a20.indd 17 7/4/13 4:03 PM MUNWikepedia D Política ct&i plano argentino é unir os interesses Projeto argentino aposta de empresários e cientistas. De na expansão científica e acordo com o tecnológica no país ministro Barañao, durante uma O Plano Nacional de Ciência, cerimônia realizada Tecnologia e Inovação “Argentina no Palácio do Inovadora 2020”, lançado em Governo para março deste ano, é uma estratégia os ministros do implementada pelo governo Porto Madeiro região revitalizada em Buenos Aires, Argentina Gabinete Nacional, argentino junto ao seu Ministério autoridades, da Ciência, Tecnologia e Inovação, cientistas e que visa aumentar o investimento quanto de conhecimento, como um público numeroso, “durante em pesquisa e desenvolvimento, de expressou a presidente do país, décadas houve animosidade entre 0,65% para 1,65% do PIB até 2020, Cristina Fernández de Kirchner, no acadêmicos e empresários. Colocá- que hoje soma cerca de US$500 documento “Argentina Inovadora los juntos é complicado porque um bilhões. De acordo com o ministro 2020 Plano Nacional de Ciência, setor busca rentabilidade e outro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Tecnologia e Inovação”: “o reconhecimento por pares”. José Lino Barañao, o objetivo é conhecimento é a grande fonte de Em entrevista ao diario.com, “criar as condições para que a riqueza do século XXI”. jornal on-line em circulação ciência, a tecnologia e a inovação Apesar do otimismo governamental, na província argentina Entre impulsionem um salto qualitativo no Gabriel Bilmes, coordenador Rios, a subsecretária de Ciência desenvolvimento social, econômico da cátedra “Ciência, Política e Tecnologia do município, e na inclusão social”. e Sociedade” na Universidade Luisina Pocay, responsável pelo Após a deterioração econômica Nacional da Prata afirma que desenvolvimento de tecnologia e social sofrida pela Argentina “o reconhecimento do valor da médica, uma das áreas prioritárias a partir do final dos anos 1990, ciência e da tecnologia como uma do plano, ressalta que um dos as altas taxas de desemprego e ferramenta para o crescimento desafios é “impulsionar a inovação pobreza evoluíram para 50% no econômico nesses anos tem sido produtiva, sustentável e inclusiva início dos anos 2000. Hoje, o país uma política de Estado, mas a sobre a expansão e uso de todas as se esforça para mudar esse quadro atividade científica-tecnológica na competências tecnológicas do país”. e investe em uma retomada de Argentina ainda tem muito pouco Por outro lado, Gabriel Bilmes faz crescimento econômico que leve impacto social. Esta é uma questão muitas críticas, sobretudo ao fato em conta não apenas ciência e não resolvida e esse plano tem do impacto social de C&T estar tecnologia como fontes de riqueza, sérias limitações nesse sentido”. atrelado à ação de empresas. tanto em termos econômicos, O primeiro obstáculo apontado no Segundo ele, esse é um aspecto

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3_Mundo_43_p14a20.indd 18 7/4/13 4:03 PM Notícias d o MUN D Mundo altamente discutível e de eficácia r astros da r E prE ssão 340 e estima-se que por eles passaram não comprovada, “pelo menos nos entre 1,5 e 20 mil pessoas, das quais últimos 10 anos de crescimento Arqueologia investiga 90% foram assassinadas”, explica econômico do país”. “Além disso, o pesquisador. Um diferencial dos o plano parece não contemplar o vestígios materiais da CCDs é que eles não existiam institu- sistema científico com a articulação ditadura argentina cionalmente. Funcionavam clandes- direta e com as necessidades sociais tinamente, não possuíam nenhum específicas; parece não levar em É possível dizer que na Argentina tipo de convenção, o que ampliava conta questões como o conflito de praticamente toda família tem um seu poder de repressão. “Como eram certas tecnologias em relação à familiar desparecido ou conhece invisíveis, eles se convertiam em não- preservação dos recursos naturais; e, alguma vítima do regime militar. A -lugares, transformando os que eram finalmente, parece ser muito pouco afirmação é do antropólogo Andrés levados para lá em desaparecidos”, sério sobre o valor do investimento Zarankin, professor do Departa- destaca Zarankin. privado e sua projeção no futuro”. mento de Sociologia e Antropolo- No cenário latino-americano, há gia, da Universidade Federal da Mi- Buscando Provas De acordo com a expectativa de mais investimentos nas Gerais (UFMG) que trabalhou Anistia Internacional, organização pa- em C&T, como no México – que em parceria com Melisa Salerno, ra defesa dos direitos humanos, o desa- pretende aumentar dos atuais 0,4% do Departamento de Investigações parecimento encobre a identidade do para 1% do PIB até 2018 – e no Brasil Prehistóricas e Arqueológicas, da autor porque se não há preso, cadáver – onde o incremento deverá ser de Universidade de Buenos Aires. Uma ou vítima, ninguém pode ser acusado. 1,16% para 1,8% do PIB até 2014. Há, comissão instituída pelo governo Na Argentina, pesquisas arqueológicas no entanto, casos como o do Peru, em 1983 contabilizou nove mil ca- possibilitaram encontrar esses lugares, que aplica meros 0,15% do PIB, ou sos de pessoas desaparecidas. Órgãos dando a eles uma identidade ao ana- do Panamá, que aplica 0,2% – no ligados aos direitos humanos, no en- lisar a arquitetura, a organização e o final dos anos 2000 – com planos de tanto, falam de mais de 30 mil pes- funcionamento desses espaços e, ain- chegar a 0,6% do PIB até 2014. soas sequestradas e que conti nuam da mais, por meio delas foi possível Apesar de otimista sobre o futuro desaparecidas no país. Por isso, a di- gerar provas em processos judiciais e da Argentina, que tem comemorado tadura militar argentina, entre 1976 punir militares envolvidos nos crimes sucessivos crescimentos e 1983, é considerada uma das mais da ditadura. De acordo com Melisa, os econômicos desde 2003, Bilmes violentas da América Latina. trabalhos conduzidos pelos arqueólo- pondera: “houve uma maior Parte dessa história de repressão e gos argentinos constituem um ante- distribuição de renda favorecendo abusos contra os direitos humanos cedente importante para o estudo das os mais pobres, mas a estrutura tem sido trazida à tona por meio de es- ditaduras em toda a América Latina. econômica ficou essencialmente tudos arqueológicos. Zarankin coor- Nos trabalhos de escavação do CCD, inalterada no país”. A expectativa é denou pesquisa, em um dos Centros em Buenos Aires, conhecido como que o plano possa fazer a diferença. Clandestinos de Detenção (CCDs), Club Atlético, foi utilizada uma lugares para onde eram levados os planta gerada a partir da memória Marcela Salazar Granada opositores do regime. “Eram mais de dos sobreviventes, que mostrou que

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3_Mundo_43_p14a20.indd 19 7/4/13 4:03 PM MUNDNotícias do Mundo

o espaço era altamente comparti- mentalizado, com salas de tortura, InvestIgação arqueológIca é rara no BrasIl de interrogatório e de isolamento. O Club Atlético era dividido em um Pesquisas arqueológicas para tentar localizar desaparecidos políticos setor superior, ocupado pela buro- do período ditatorial ainda são raras no Brasil. Em suas pesquisas, a cracia, e outro inferior, onde ficavam Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012, menciona apenas fontes alojados os prisioneiros e as salas de documentais e depoimentos. Na opinião de Andrés Zarankin, isso se deve tortura, estrategicamente posicio- ao fato de que os herdeiros da ditadura ainda estarem muito presentes no nadas no espaço central. De acordo cenário político brasileiro. “Isso cria um contexto de pouco apoio a esse tipo com Zarankin, isso permitia menor circulação dos presos e, ao mesmo de pesquisa. Por outro lado, o nível de repressão no Brasil foi bem menor tempo, que seus gritos fossem ouvi- do que o da Argentina”, acredita ele. “Teoricamente, seriam cerca de 1,5 dos pelos que estavam nas celas. mil desaparecidos em uma população de 50 ou 60 milhões de pessoas, na A primeira coisa que se fazia quan- época”, diz. “Penso que temos uma conjuntura social distinta, de menor do uma pessoa chegava ao local era pressão, por parte da sociedade, pela busca da verdade e das pessoas que se retirar sua roupa e lhe dar um núme- foram. Só mais recentemente isto está acontecendo”, finaliza. ro. “Para o torturador é muito mais fácil lidar com alguém sem nome”, explica Zarankin. Os presos ficavam a condição cultural dos detentos, passagem das vítimas pelos centros a maior parte do tempo vendados, aproximando-os da animalidade e clandestinos”, explica a pesquisado- algemados e isolados. Era como se os gerando um sentimento de humi- ra. Do mesmo modo, muitas vezes os presos se tornassem parte daquele es- lhação. Ao mesmo tempo, a ausên- presos recebiam roupas limpas, com paço, "tendo seus corpos transforma- cia de roupas facilitava alguns tipos a promessa de ser liberados. Porém, dos e consumidos pela arquitetura da de tortura. “Em última análise, o nu um destino comum nesses casos era repressão, como se as pessoas fossem procurou garantir o controle sobre sua execução em enfrentamentos desaparecendo simbolicamente". corpos das vítimas evitando que elas forjados com a polícia. usassem suas próprias roupas para O levantamento arqueológico no troca de identidade As roupas re- cometer suicídio”, disse. Club Atlético (cujo prédio foi demo- cuperadas durante a exumação de Outra prática comum nos CCDs era lido para construção de uma estrada) corpos de pessoas desaparecidas trocar a roupas dos reféns. Isso difi- permitiu transformar um espaço também constituíram um impor- cultava o reconhecimento de si mes- clandestino, e que poderia ter sido tante conjunto de vestígios mate- mo e dos outros, alterando identida- engolido pelas mudanças da cidade, riais, tanto para entender as estra- des e filiações. Na maioria dos casos em algo físico. A arqueologia histó- tégias da repressão na desarticulação roupas e calçados eram diferentes rica pôde devolver àquele espaço sua da identidade das vítimas, quanto dos mencionados pela família, em condição de lugar de memória, uma para devolver-lhes a identidade. uma estratégia para perpetuar o sta- memória que pode ser tocada, chei- Melisa Salerno explica que o poder tus dos prisioneiros “desaparecidos”. rada e experimentada. Uma memó- repressivo ao retirar as roupas dos “Nosso trabalho permitiu inferir que ria para não ser esquecida. prisioneiros, deixando-os nus, ob- corpos enterrados com pouca ou jetivava, entre outras razões, negar nenhuma roupa são um indício de Patrícia Mariuzzo

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3_Mundo_43_p14a20.indd 20 7/4/13 4:03 PM NN aa NN oo tt ee cc NN oo llooggiiaass

Coordenador oswaldo Luiz alves

Flávio Plentz • adalberto Fazzio • renata M. daudt Juliana emanuelli • Irene C. Külkamp-Guerreiro adriana r. Pohlmann • Silvia S. Guterres diego Stéfani Teodoro Martinez • oswaldo Luiz alves Fernando Galembeck • Carlos a. r. Costa Thiago a. L. Burgo • Juliana S. Bernardes rubia F. Gouveia • Mahendra rai aPreSenTação

NaNotecNologias: elas já estão eNtre Nós…

Oswaldo Luiz Alves

LQES termo nano- ao leitor um panorama bastante tecnologia tem geral dessas atividades no Brasil, sido usado para mas também algumas políticas definir sistemas que norteiam essas iniciativas. e processos que Para tanto, Flávio Plentz e Adal- odão origem a bens ou serviços berto Fazzio, ambos ligados ao provenientes da matéria no ní- MCTI, fazem considerações vel nanométrico, isto é: na faixa sobre o Programa Brasileiro de de tamanho do bilionésimo do Nanotecnologia. metro (10-9 m), ou seja, o nanô- Neste conjunto, o artigo de metro (nm). Silvia Guterres e co-autoras, da As nanotecnologias (no Universidade Federal do Rio plural) são tecnologias para as Grande do Sul (UFRGS), rela- quais estão sendo esperadas ciona a nanotecnologia ao setor contribuições significativas de higiene pessoal, perfumaria e, em termos de benefícios, cujas mais notadamente, cosméticos. potencialidades podem vir a A escolha vem do fato desse setor impactar positivamente a qua- produtivo estar se tornando, em lidade de vida da sociedade. Se- nível mundial, um dos grandes gundo a OCDE (Organização Imagem de microscopia eletrônica de transmissão incorporadores das nanotecno- para a Cooperação e Desenvol- dos nanotubos de carbono logias. Tal atividade econômica, vimento Econômico), do ponto no Brasil, já ultrapassa a impres- de vista da inovação, as nanotecnologias podem ser descritas como sionante cifra de 20 bilhões de dólares de faturamento anual. uma “plataforma tecnológica”. Como para toda a tecnologia nova, questões de riscos e benefí- Não restam dúvidas de que essas novas oportunidades acaba- cios acabam gerando candentes discussões – no caso das nanotecno- rão tendo reflexos sobre o setor produtivo como um todo, gerando logias não seria diferente –, sobretudo porque o impacto das mesmas demandas de novos investimentos, de mão de obra especializada é esperado em importantes e estratégicos setores industriais. Go- e, ao mesmo tempo, descortinando importantes questões relacio- vernos, empresários, cientistas, legisladores e público em geral vêm nadas à regulação. discutindo essas questões, mormente aquelas ligadas ao risco po- Atualmente, há uma enorme quantidade de artigos científicos tencial das nanotecnologias para o homem e o meio ambiente, que que expressam as possibilidades das nanotecnologias para a solução são englobadas pela sigla EHS, do inglês Environmental, Health de vários problemas ligados à saúde, à energia, ao meio ambiente, and Safety. Considerando essa perspectiva, o artigo de Diego Stéfani às tecnologias da informação, ao tratamento de água, aos fárma- Teodoro Martinez e Oswaldo Luiz Alves, ligados ao Laboratório cos e medicamentos, aos cosméticos, entre outros. Além disso, é de Química do Estado Sólido (LQES) e ao Laboratório de Sínte- repertoriado um grande número de produtos (nanoprodutos), os se de Nanoestruturas & Interação com Biossistemas (NanoBioss) quais têm as “nanotecnologias embarcadas” ou foram concebidos e do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas produzidos usando seus conceitos. (Unicamp), é importante por abordar o problema das interações Neste número temático de Ciência e Cultura, sobre as nano- envolvendo nanomateriais (nanopartículas) “engenheirados” – ob- tecnologias, procuramos evidenciar alguns aspectos relacionados tidos sinteticamente –, com biossistemas, propiciando a emergên- à Iniciativa Brasileira de Nanotecnologia, do Ministério da Ciên- cia de uma nova área do conhecimento, altamente multidisciplinar, cia Tecnologia e Inovação (MCTI), no sentido de não só oferecer que vem sendo conhecida como nanotoxicologia. Aqui, a intenção

22 nanotecnologias/artigos

é mostrar a conexão desta emergente disciplina, com questões da coNsiderações sobre própria regulação das nanotecnologias. O desenvolvimento da ciência e tecnologia depende fundamen- o Programa brasileiro talmente de métodos, ferramentas e técnicas. As nanotecnologias de NaNotecNologia têm entre suas techniques de choix as microscopias, aqui tomadas em senso largo. O artigo de Fernando Galembeck, atual diretor Flávio Plentz do Laboratório Nacional de Nanotecnologia, no Centro Nacional Adalberto Fazzio de Pesquisas em Energia e Materiais, trata desse assunto, enfoca as microscopias de sonda e, mais especificamente, a microscopia de força atômica (AFM) e toda uma gama de configurações que assaram-se cerca de 25 anos desde que a nanociên- a transformaram numa verdadeira “plataforma de microscopias”. cia e nanotecnologia (N&N) começaram a integrar São apresentados vários exemplos onde essas ferramentas podem de forma mais consistente a agenda da comunidade ser utilizadas com sucesso e que vão desde a avaliação de aspectos científica e tecnológica. Hoje as N&N permeiam es- topográficos até a medida de potenciais elétricos de nanomateriais. sencialmente todos os setores da sociedade e geram Finalmente, Mahendra Rai, professor da Universidade SGB Popiniões, por vezes, contraditórias. As reações às nanotecnologias Amravati, na Índia, tratará daquilo que vem sendo colocado como vão, atualmente, do mais contagiante otimismo, pelas possibilida- uma alternativa bastante interessante para a produção de alguns ti- des que oferecem para fazer frente a muitos dos grandes desafios da pos de nanomateriais (nanopartículas), ou seja: a nanotecnologia humanidade, como nas áreas da energia, saúde, agricultura e pecuá- verde (green nanotechnology). No caso em questão, para a produção ria, processamento e armazenamento de informação, para citar ape- dos nanomateriais de interesse e com funcionalidades definidas são nas alguns, até o temor por possíveis impactos ambientais e efeitos usados extratos de plantas, biomassa, fungos, bactérias, entre outros. adversos para a saúde humana e animal. Os nanomateriais formados podem ser empregados como agentes O lançamento da chamada “Iniciativa Americana de Nanotec- antibacterianos, antimaláricos, no tratamento de água para o consu- nologia” é tomada por muitos como sendo um marco nas ações go- mo humano etc, podendo vir a impactar políticas públicas de saúde vernamentais articuladas, orgânicas, direcionadas especificamente em países menos desenvolvidos. para alavancar, incentivar, fomentar, coordenar e gerir as políticas e Muitos artigos reportados na literatura internacional colocam as ações em N&N. Hoje, todos os países ditos desenvolvidos e um nú- nanotecnologias como verdadeira panaceia, ou seja: com capacidade mero grande e crescente de países emergentes e em desenvolvimento para resolver todos os problemas. De nosso ponto de vista, vemos as têm iniciativas e programas nacionais em N&N, inclusive o Brasil. nanotecnologias como uma grande plataforma de conhecimento cien- A revista Ciência & Cultura já publicou alguns artigos abordan- tífico-tecnológico, intrinsecamente inovadora e multidisciplinar, que do o tema da N&N(1; 2), o primeiro deles apontando para a neces- aportará o desenvolvimento de novos produtos e soluções tecnológicas sidade de uma iniciativa brasileira de nanotecnologia que permitisse relevantes, mas que, no entanto, em muitos casos, terá que se mostrar ao Brasil ser parte atuante no cenário mundial e o segundo apresen- mais eficiente, mais segura e apresentar uma relação custo/benefício tando algumas das fantásticas possibilidades que a nanotecnologia favorável, quando comparadas com as tecnologias convencionais, es- traz em termos de avanços, especialmente na área de saúde. Neste tabelecidas e testadas anos a fio. Acreditamos, ainda, que ocorrerão artigo o que pretendemos é apresentar o desenho do atual Programa situações nas quais teremos sistemas híbridos, constituídos por tec- Brasileiro de Nanotecnologia (PBN) que tem como bases: (i) a in- nologia convencional e nanotecnológica, atuando sinergisticamente. tegração de diversos ministérios e agências; (ii) a melhoria da gestão Em vista dos pontos aqui levantados, não nos parece um exagero e do acompanhamento dos programas, ações e iniciativas; (iii) a desmesurado fazermos coro àqueles que colocam as nanotecnolo- consolidação de uma infraestrutura moderna e, em especial, aberta e gias como uma nova revolução científica e tecnológica. acessível, para a pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I); (iv) prover meios, instrumentos, e ambiente regulatório adequado para Oswaldo Luiz Alves é professor titular e coordenador científico do Laboratório de Química do que as nanotecnologias possam ser escalonadas, industrializadas e Estado Sólido (LQES), do Instituto de Química da Unicamp. Membro da Academia Brasileira de comercializadas e, por fim, mas com destaque para sua importância; Ciências (ABC). Email: [email protected]. (v) a formação e fixação de recursos humanos, sem os quais quais- quer esforços ou ações ficam comprometidos. No Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) a Nota bIblIográfIca N&N está sob a responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimen- to Tecnológico e Inovação (Setec) através da Coordenação Geral de 1. Para conhecer aspectos básicos da nanotecnologia veja Alves, O.L., Micro e Nanotecnologias (CGNT). A CGNT conta com o suporte “Cartilha sobre nanotecnologia”, Agência Brasileira de Desenvolvi- do Comitê Consultivo de Nanotecnologia (CCNANO) composto mento Industrial (ABDI). 2010. Disponível em PDF: . http://lqes.iqm. por pesquisadores, membros de entidades representativas do setor unicamp.br/images/publicacoes_teses_livros_resumo_cartilha_ privado e pessoas ligadas a órgãos, agências, empresas e instituições abdi.pdf (Acesso em maio de 2013). do governo federal.

23 nanotecnologias/artigos

HIstórIco Apesar dos grandes avanços nas pesquisas científicas bra- vação. Foram realizados 13 eventos com essa finalidade entre sileiras, a produção e/ou comercialização de produtos com nanotec- 2008 e 2009. nologia nacional ainda são pouco expressivas quando comparadas a A formação de redes cooperativas de P&D em N&N, envolvendo países cujas indústrias apresentam elevado grau de desenvolvimen- diferentes atores do sistema de inovação, facilitou a transferência de to. Embora, a partir principalmente do início da década de 1990, conhecimento e contribuiu para o crescimento e competitividade muitos cientistas já trabalhassem nessa área, essa tecnologia passou a da indústria nacional. As primeiras redes cooperativas apoiadas pelo ter repercussão mundial, como comentamos anteriormente, a par- MCTI foram as Redes Brasil Nano (Portaria nº 614, de 1º de de- tir de 2001, com o lançamento do programa americano “National zembro de 2004). Nanotecnology Initiative – NNI”. Na mesma época a China lan- Em 2010, dezessete novas redes cooperativas foram apoiadas çou seu programa, criando o Comitê Nacional para Nanociência através do edital MCT/CNPq nº 74/2010. Em 2011, foi aber- e Nanotecnologia (NSCNN) e publicando o programa “National ta uma chamada pública MCTI/CNPq nº 17/2011, “Apoio à Nanotechnology Development Strategy 2001-2010”, semelhante criação de redes cooperativas de pesquisa e desenvolvimento em ao NNI, apesar de o país já financiar ações específicas de N&N desde nanotoxicologia e nanoinstrumentação”. Todas as redes visavam o início da década de 1990. a solução de gargalos tecnológicos da indústria brasileira. Foram No Brasil, em 2001, o Conselho Nacional de Desenvolvi- aprovadas seis redes de nanotoxicologia e duas redes de nanoins- mento Científico e Tecnológico (CNPq) deu o primeiro passo trumentação. No total são 25 redes cooperativas apoiadas atu- para o desenvolvimento da nanotecnologia através do apoio à almente pelo MCTI, Conselho Nacional de Desenvolvimento formação de quatro redes cooperativas de pesquisa e quatro Ins- Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Financiadora de Estudos titutos (virtuais) do Milênio, com um investimento de R$ 30 e Projetos (Finep) . milhões, para quatro anos. Dentro dessa iniciativa foi contem- Em 2012 a CGNT lançou um edital em conjunto com o CNPq, plada a primeira proposta que, explicitamente, edital MCTI/CNPq nº 16/2012 “Tecnologias referia-se ao tema; o “Instituto de Nanociên- inovadoras na produção, prototipagem e/ou au- cias”, que teve a participação de 14 institui- o objetivo é mento de escala em nanotecnologia” que apoiou ções: CBPF; Cetec/MG; CNEN; Funrei/MG; capacitar o 25 projetos com um investimento total de pouco ITP/SE; LNLS; PUC/RJ; UERJ; UFBA; UFF; brasil para se mais de R$6 milhões. Esse edital teve uma carac- UFJF; UFMG; UFRJ e UFV. terística que foi separar metade dos recursos para Em 2004, o MCT lançou, no âmbito do empenhar no jovens pesquisadores, contemplados com 15 pro- Plano Plurianual (PPA) 2004-2007, o progra- processo de jetos. ma “Desenvolvimento da Nanociência e Na- avaliação de Em 2009, conforme recomendação do comitê notecnologia”(3). Este programa foi elaborado riscos executivo da PDP, foi criado o Fórum de Compe- com base nas recomendações de um grupo de titividade em Nanotecnologia (FCN) (5). O FCN trabalho instituído via Portaria MCT nº 252, surgiu como ferramenta estratégica para apoiar a de 16.05.2003. Em 2005, o presidente da República, Luiz Iná- discussão e encaminhamento de iniciativas e programas segundo as cio Lula da Silva, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio dimensões da PDP (6). Rezende, lançaram um Programa Nacional de Nanotecnologia. A CGNT, em parceria com o Ministério do Desenvolvi- Além dos recursos do PPA, esse programa contou com recursos mento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e a Associação dos fundos setoriais o que elevou o patamar de investimentos do Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), realizou em MCT em nanotecnologia e possibilitou ampliar o número de 2011 o “1º Workshop Nanotecnologias: da ciência ao mundo iniciativas nesse tema. dos negócios” (7), na sede do Senai Mario Amato, em São Ber- Uma iniciativa que contribuiu decisivamente para uma maior nardo do Campo (SP) e em novembro de 2012 foi realizado o “2º consistência ao complexo brasileiro de nanotecnologia foi a cria- Workshop Nanotecnologias: da ciência ao mundo dos negócios” ção do programa “Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (8), em Fortaleza (CE). Foram apresentados e discutidos casos (INCT)”, pela Portaria MCT Nº 429, de 17 de julho de 2008, de sucesso em nanotecnologia de pequenas, médias e grandes que passou a ocupar uma posição estratégica no Sistema Nacional empresas nos setores metalomecânico, saúde e alimentos. Os de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) sendo que 16 INCTs mais de 120 participantes presentes ainda puderam conhecer as realizam hoje pesquisas diretamente associadas a N&N nas mais ações de nanotecnologia do MCTI, os instrumentos de apoio à diversas áreas do conhecimento. inovação do Banco Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e No que tange à articulação com a Política de Desenvolvimento Social (BNDES) e da Finep e as oportunidades de parcerias com Produtivo (PDP), foi realizado um esforço conjunto entre o MCT, os INCTs. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior Cabe aqui fazer uma menção ao apoio que o MCTI tem dado à (MDIC) e a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial questão da nanotoxicologia. O objetivo é capacitar o Brasil para se em- (ABDI) para a divulgação da nanotecnologia no setor privado, penhar no processo de avaliação de riscos e realizar a regulação do uso ressaltando a sua importância estratégica como ferramenta à ino- e aplicação e nanotecnologias. Há intensa atividade nessa área como

24 nanotecnologias/artigos parte do esforço recente para regular o uso de nanotecnologias gerando figura 1 – estrutura de governança do atual Programa publicações científicas e também com normas específicas. Em janeiro brasileiro de Nanotecnologia de 2012, uma edição inteira da revista Environmental Toxicology and Chemistry foi dedicada à questão de nanomateriais e meio ambiente (9) e alguns estudos olham de forma específica para a busca de métodos de mitigação de impactos ambientais de nanomateriais (10). Certamente os trabalhadores mais expostos hoje a eventuais prejuízos de nanomateriais à saúde humana são os pesquisadores e técnicos envolvidos em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I). Sendo assim, um bom exemplo de documento que busca orientar quanto aos cuidados ao se lidar com nanotecnologias é o manual “Práticas gerais de segurança para trabalhar com nanoma- teriais criados por engenharia em laboratórios de pesquisa” (General safe practices for working with engineered nanomaterials in research laboratories) (11), publicado pelo Instituto Nacional para Seguran- ça Ocupacional e Saúde dos Estados Unidos da América (National Institute for Occupational Safety and Health – NIOSH). O Ministério da Educação (MEC) e a Coordenação de Aper- feiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) têm ações importantes em nanotecnologia que vão além dos seus papéis já consagrados na criação e consolidação de universidades públicas e programas de pós-graduação. Um exemplo é o acordo de coo- peração envolvendo Portugal e Espanha, traduzido, por exemplo, no apoio para projetos de pesquisa utilizarem infraestruturas de pesquisa no estado da arte, em particular o Laboratório Ibérico de Nanotecnologia em Braga, Portugal. A cooperação envolvendo Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), a Agência Na- Portugal e Espanha traduziu-se em um edital da Capes lançado no cional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o BNDES, o CNPq, o primeiro semestre de 2013 (12). Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a Confederação O PBN tem o objetivo de ser uma base sólida para transformar o Nacional da Indústria (CNI) e a Finep. Brasil em país científico, tecnológico e economicamente competitivo O CIN tem também sob sua responsabilidade: (i) criar e em nível mundial no que diz respeito à geração e utilização da na- propor mecanismos de fomento e financiamento; (ii) implantar notecnologia como um dos principais motores do desenvolvimento instrumentos de gestão como indicadores, elaboração de séries econômico e social. São partes essenciais dessa iniciativa a criação históricas e estudos de prospecção de cenários e tendências os do Comitê Interministerial de Nanotecnologia (CIN) e do Sistema quais passarão a ter maior consistência, abrangência e, principal- Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNANO), que mente, maior transparência e visibilidade pública; (iii) realizar o passamos a descrever a seguir. acompanhamento e avaliação dos programas de nanotecnologia, fortalecendo iniciativas de sucesso, reformando, redirecionando goverNaNça O MCTI tomou a iniciativa de instituir o CIN (Por- ou encerrando iniciativas com resultados insatisfatórios e pro- taria Interministerial nº 510, de 09.07.2012) que tem por finalidade pondo novas estratégias e ações consoantes com novos horizontes integrar a coordenação e a gestão da PBN, contribuindo para o e tendências da “nano”. Na figura 1 apresentamos a estrutura de aprimoramento constante e implementação de suas políticas, di- governança da PBN. retrizes e ações. Dentro da estrutura da PBN é o CIN, em última instância, o responsável por estabelecer as grandes metas, estratégias sisNaNo O Sistema Nacional de Laboratórios em Nanotecnologias e visão de longo prazo para o desenvolvimento de todos os aspectos (SisNANO) é um sistema formado por um conjunto de laboratórios da nanotecnologia no Brasil, bem como a relação global do Brasil dedicados à PD&I, abarcando um amplo espectro de nanotecno- no que diz respeito à nanotecnologia. logias. Foi instituído pela Portaria nº 245 de 5 de abril de 2012 Atualmente compõem o CIN: MCTI, Ministério do Meio e se apresenta como um sistema de fomento, suporte e gestão de Ambiente (MMA), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste- infraestrutura e recursos humanos dedicados à nanotecnologia. A cimento (Mapa), Ministério da Defesa (MD), MDIC, MEC, Mi- Instrução Normativa nº 2, de 15 de junho de 2012, dispõe sobre o nistério de Minas e Energia (MME), Ministério da Saúde (MS), regulamento técnico para integração ao Sistema Nacional de Labo- Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério das Rela- ratórios em Nanotecnologia e dá outras providências. ções Exteriores (MRE). Participam como convidados, por terem Seu objetivo é ampliar o acesso aos laboratórios que fazem parte papel central na definição e implementação da PBN, a Agência do SisNANO e, especialmente, institucionalizar e formalizar o com-

25 nanotecnologias/artigos promisso desses laboratórios em atuarem como laboratórios abertos a Os Laboratórios Associados (LA) estão em Instituições de Ciên- usuários externos oriundos dos setores público e privado, permitindo cia e Tecnologia (ICTs) como, por exemplo, universidades públicas maior interação entre pesquisadores e empresas e maiores facilidades ou privadas que tenham esse caráter. Os LA assumem os mesmos para utilização, não apenas da infraestrutura dos laboratórios, mas compromissos de abertura tendo que disponibilizar, no mínimo, também de recursos humanos aptos a prestarem assistência no de- 15% do tempo disponível para usuários externos, nos mesmos mol- senvolvimento de projetos de PD&I ou realização de testes e análises des dos LE. Os LA são os seguintes: em nanotecnologia. Em junho de 2012 foi realizada uma chamada pública, ampla- laboratórIos assocIados do sIsNaNo: mente divulgada, para submissão de propostas de laboratórios para 1. Laboratório Regional de Nanotecnologia – LRNANO (UFR- compor o SisNANO. Das 50 propostas 26 foram aprovadas depois GS/RS) de análise pelo CCNANO e pela CGNT. 2. Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Protocolos para Um ponto importante foi a exigência de que cada proposta fosse Nanotecnologia – CCDPN (Unesp/SP) encaminhada pelo dirigente máximo da instituição à qual o labora- 3. Central Analítica em Técnicas de Microscopia (eletrônica e ótica) tório estivesse associado. O SisNANO não foi concebido como um da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE) sistema de apoio a projetos, grupos de pesquisa ou pesquisadores 4. Laboratório de Síntese de Nanoestruturas e Interação com Bios- específicos, mesmo que de alta qualificação, e foi direcionado para sistemas – Nanobioss (Unicamp/SP) laboratórios de caráter claramente multiusuário, que tivessem inter- 5. Laboratório de Caracterização Estrutural – LCE (UFSCar/SP) face e superposição significativa com projetos, grupos de pesquisa, 6. Laboratório Associado de Desenvolvimento e Caracterização de pesquisadores e empresas, que já tivessem um grau significativo de Nanodispositivos e Nanomateriais – LANano (UFMG/MG) maturidade e consolidação. Os laboratórios do SisNANO devem 7. Laboratório de Nanobiotecnologia para Desenvolvimento, Proto- assumir várias responsabilidades que exigem um comprometimen- tipagem e Validação de Produtos para o SUS (IBMP/PR) to institucional. Esses laboratórios saem da esfera pessoal, local ou 8. Laboratórios Associados em Nanotecnologia – LARnano mesmo regional e assumem um papel nacional de suporte ao desen- (UFPE/PE) volvimento da nanotecnologia. 9. Laboratório Associado da UFV (UFV/MG) Pode-se pensar o SisNANO como um instrumento que, a partir 10. Laboratório de Nanociência e Nanotecnologia da Amazônia – de infraestruturas e competências já consolidadas por anos de inves- Labnano-Amazon (UFPA/PA) timento através de inúmeras ações e programas dos governos federal, 11. Laboratório de Eletroquímica e Materiais Nanoestruturados – estaduais e municipais cria um conjunto coeso de laboratórios de LEMN (UFABC/SP) caráter nacional sob a gestão do MCTI e do CIN. Há duas categorias 12. Laboratório de Engenharia de Superfícies e Materiais Nanoestru- de laboratórios no SisNANO. Os chamados Laboratórios Estratégi- turados da Coppe – LabEngNano/Coppe (UFRJ/RJ) cos (LE) estão em unidades de pesquisa, institutos ou organizações 13. Laboratório Interdisciplinar para o Desenvolvimento de Nano- sociais diretamente ligadas ao governo federal. Esses laboratórios estruturas – Linden (UFSC/SC) assumem o compromisso de disponibilizarem pelo menos 50% do 14. Núcleo de Bionanomanufatura (IPT/SP) tempo para projetos e usuários externos, sejam eles do setor público 15. Centro de Componentes Semicondutores – CCS (Unicamp/SP) ou privado. Os LE são os seguintes: 16. Núcleo de Apoio à Pesquisa em Nanotecnologia e Nanociências – NAP-NN (USP/SP) laboratórIos estratégIcos do sIsNaNo: 17. Laboratório Central em Nanotecnologia – LCNano (UFPR/PR) 1. Laboratório de Nanotecnologia para o Agronegócio – LNNA (Em- 18. Laboratório de Fabricação e Caracterização de Nanodispositivos brapa Instrumentação, SP) – Labdis (PUC/RJ). 2. Centro de Caracterização em Nanotecnologia para Materiais e Catálise – Cenano (INT, RJ) Deve-se ressaltar que o tempo disponibilizado é contabilizado 3. Laboratório Nacional de Nanotecnologia – LNNANO (Cnpem/ exclusivamente em projetos de nanotecnologia que é o foco e a SP) razão de ser do SisNANO e que a contabilização do tempo de 4. Laboratório Multiusuário de Nanotecnologia do Cetene – LM- uso disponibilizado por cada laboratório terá também critérios Nano (Cetene, PE) qualitativos. 5. Laboratório de Química de Nanoestruturas de Carbono – LQN Para fazerem face a esses compromissos e desafios, os laboratórios (CDTN/Cnen, MG) do SisNANO receberão recursos de forma prioritária do MCTI. Já 6. Laboratório Estratégico de Nanometrologia do Inmetro (Inmetro, em 2013 o MCTI investirá R$32 milhões provenientes do Fundo RJ) Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), 7. Laboratório Multiusuário de Nanociências e Nanotecnologia – R$6,7 milhões provenientes do orçamento da CGNT e R$25 mi- Labnano (CBPF, RJ) lhões do orçamento da Coordenação Geral de Serviços Tecnológicos 8. Laboratório Integrado de Nanotecnologia – LIN-Ipen (Ipen/ (CGST) para formação de redes do Sistema Brasileiro de Tecnologia Cnen, SP) Sibratec com os laboratórios do SisNANO.

26 nanotecnologias/artigos

O MCTI considera, ainda, essencial a participação das Funda- 5. Site do Fórum de Competitividade de Nanotecnologia: http://www. ções de Apoio à Pesquisa (FAPs) estaduais no SisNANO como agen- mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=3&menu=2469 (Acesso tes ativos, tanto na definição de diretrizes como no financiamento em maio de 2013). dos laboratórios nos estados de origem. A presença de um laborató- 6. Site da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP): http://www. rio do SisNANO é, de fato, uma fator que modifica e enriquece o pdp.gov.br/ (Acesso em maio de 2013). “ecossistema” de inovação em nanotecnologia em escala nacional e 7. Site do 1º e do 2º Workshop http://workshopnano.abdi.com.br/de- regional. Apoiar os laboratórios no nível estadual é, portanto, uma fault.aspx (Acesso em maio de 2013). ação importante no sentido de impulsionar o desenvolvimento e a 8. Ibidem industrialização de nanotecnologias. 9. Site do periódico científico Environmental Toxicology and Chemistry http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/etc.v31.1/issuetoc (Acesso coNclusão A inovação só se concretiza quando o conhecimento em maio de 2013). técnico e científico é transformado em produtos e processos. A 10. Alves, O. L.; Stéfani, D.; Parizotto, N. V. and Souza Filho, A. G. “Hydro- incorporação do progresso científico e tecnológico à produção talcites: a highly efficient ecomaterial for effluent treatment origina- industrial, gerando inovação, permanece como um grande desa- ted from carbon nanotubes chemical processing”. Journal of Physics: fio nacional. A transformação de nanotecnologias em produtos Conference Series, vol.304, 012024. 2011. e bem-estar social é um processo complexo que passa também 11. Documento em PDF integral do General Safe Practices for Working por questões regulatórias que estão hoje postas como prioritárias with Engineered Nanomaterials in Research Laboratorie. em nível mundial. A Europa e os Estados Unidos, por exemplo, http://www.cein.ucla.edu/PDFs/2012-147-Safe-Practices-NIOSH.pdf já atuam de forma articulada já que, sem regulação não há segu- (Acesso em maio de 2013). rança jurídica (que inibe investimentos) e nem confiança por 12. http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional/portugal/inl parte da sociedade de que a nanotecnologia é uma tecnologia que traz benefícios que estamos apenas começando a conhecer, desenvolver e utilizar. A criação do CIN é um passo importante visto que a enorme tarefa de prover um ambiente profícuo à industrialização e comercia- lização de nanotecnologias só pode alcançado pela ação coordenada dos governos federal, estaduais e municipais. Estamos certos que a estrutura do Programa Brasileiro de Nano- tecnologia possui hoje os principais ingredientes para inserir o Brasil em uma nova onda de desenvolvimento econômico e social ancorada nas nanotecnologias.

Flávio Plentz é físico, professor associado IV do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e atualmente é o coordenador geral de Micro e Nanotecnologias do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Adalberto Fazzio é físico e professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), membro na Academia Brasileira de Ciências (ABC) e atualmente é secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI.

Notas e referêNcIas bIblIográfIcas

1. Knobel, M. “O futuro da nanotecnologia no Brasil. Vinte anos não são nada?”, Cienc. Cult., vol.57, nº 1. 2005. 2. Rossi-Bergmann, B.”A nanotecnologia: da saúde para além do deter- minismo tecnológico”, Cienc. Cult., vol.60, nº 2. 2008. 3. Site do programa “Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecno- logia” http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/27136.html (Acesso em maio de 2013). 4. Site do Programa sobre Nanotecnologia: http://www.pdp.gov.br/ Paginas/detalhamento_programa.aspx?programa=Nanotecnolog ia&path=Programas-Mobilizadores%20em%20%C3%A1reas%20 Estrat%C3%A9gicas-Nanotecnologia (Acesso em maio de 2013).

27 nanotecnologias/artigos a NaNotecNologia nanoencapsulação de compostos antioxidantes pode aumentar a sua como estratégia Para atividade antioxidante e prolongar a liberação dos mesmos, aumen- tando assim a sua eficácia (7-9). A nanotecnologia tem sido utilizada o deseNvolvimeNto de no desenvolvimento de formulações cosméticas mais estáveis, mais cosméticos eficazes e com sensorial cosmético diferenciado (2; 6; 10).

Renata M. Daudt NaNoestruturas em cosmétIcos: característIcas e aPlIcações Juliana Emanuelli A indústria cosmética tem investido cada vez mais na utilização de Irene C. Külkamp-Guerreiro sistemas nanoestruturados, com diferentes aplicações que serão apre- Adriana R. Pohlmann sentadas ao longo deste artigo. Silvia S. Guterres As nanopartículas, em geral, são caracterizadas por possuir uma alta superfície de contato e um grande número de partículas por unidade de peso. Para a formação de nanopartículas, a área setor de produtos de higiene pessoal, perfumaria de superfície por unidade de peso da partícula aumenta 102 vezes e cosméticos tem mostrado grande expansão no quando a partícula é reduzida de 1 µm para 10 nm e o número de mercado mundial e é considerado um bom foco partículas por peso aumenta 106 vezes. Com isso, as propriedades de investimento. De acordo com dados da Asso- originais do material bruto, como, por exemplo, a temperatura de ciação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal fusão e a solubilidade, também se modificam (2). Com base nas oPerfumaria e Cosméticos (Abihpec), o Brasil ocupa o terceiro lugar características decorrentes do tamanho diminuto, as nanopartí- no ranking do mercado mundial desses produtos, ultrapassando a culas contendo substâncias ativas são utilizadas com a intenção França e estando atrás apenas dos Estados Unidos e Japão. O Brasil de melhorar sua funcionalidade, como, por exemplo, melhorar a possui ainda grande potencial de crescimento tendo como carac- disponibilidade ou estabilidade quando comparada com o mesmo terísticas: ser fonte de princípios ativos e insumos (principalmente material na forma molecular (2). os de origem natural), propiciar oportunidade para o uso de novas Os sistemas nanoestruturados mais utilizados em cosméticos po- tecnologias com intuito de aumentar produtividade e eficácia dos dem ser classificados em nanocápsulas, nanoesferas, nanopartículas produtos, apresentar constante aumento do consumo e de avanços lipídicas sólidas, nanoemulsões, microemulsões, lipossomas e niosso- na área regulatória (1). mas, que serão explicados mais detalhadamente no decorrer do texto. Muitos ativos naturais pesquisados ultimamente são compostos As nanocápsulas são sistemas nanovesiculares que apresentam instáveis, podendo sofrer reações que levam à diminuição ou perda uma estrutura com núcleo e invólucro típica, com tamanho de par- de eficácia e até mesmo a degradação do produto. Por isso, novas tícula na faixa de aproximadamente 100 a 500 nm. As substâncias tecnologias vêm sendo propostas para melhorar o desempenho dos ativas podem ser transportadas dentro de uma cavidade envolvida produtos cosméticos e sua aceitação pelo consumidor. Uma alterna- por uma membrana polimérica, adsorvida na superfície ou impreg- tiva para aumentar a estabilidade e, ainda, permitir a liberação con- nada na matriz polimérica. As nanocápsulas de núcleo lipídico são trolada é o encapsulamento das substâncias ativas através de técnicas carreadores nanovesiculares nos quais o controle da liberação do ati- que envolvem a nanotecnologia. A nanoencapsulação consiste na vo é atingido pela variação da concentração do polímero, do lipídio compartimentalização de substâncias em carreadores, cujo tamanho líquido e/ou lipídio sólido da formulação (7-11). Alguns polímeros situa-se na faixa nanométrica, tipicamente entre 50 e 300 nm. que podem ser utilizados na formação das nanocápsulas são a po- Os princípios da nanotecnologia foram introduzidos na área licaprolactona, o ácido polilático, poli(ácido glicólico) e poli(ácido cosmética há alguns anos. No período entre 1994 e 2005, a L’Oreal glicólico-co-ácido lático) (12). (França) foi classificada como a quinta empresa no mundo com base As nanocápsulas são normalmente utilizadas em cosméticos no número de patentes relacionadas à nanotecnologia depositadas para proteger ativos sensíveis, reduzir odores indesejáveis e evitar (2). Outras grandes empresas já utilizam a técnica de nanoencapsu- incompatibilidades entre os ingredientes da formulação. Um dos lamento em seus produtos, como, por exemplo, Lancôme e Given- primeiros produtos a utilizar nanocápsulas foi um creme antirrugas chy (3). No Brasil, por exemplo, a empresa O Boticário apresenta com vitamina A encapsulada; as partículas atuavam como reservató- uma linha de tratamento antienvelhecimento composta por dife- rios, liberando a substância ativa lentamente (13). As nanocápsulas rentes produtos utilizando a nanotecnologia. também têm sido investigadas intensivamente como veículos para Uma classe de ativos que podem ser encapsulados são os com- filtros solares como o metoxicinamato de octila, salicilato de octila e postos extraídos de vegetais. Os extratos vegetais são fontes promis- benzofenona-3. Acredita-se que as nanocápsulas formem um filme soras de substâncias bioativas, porém em seu estado bruto podem de proteção na superfície da pele e controlem a penetração das subs- ter a atividade antioxidante comprometida em razão de sua insta- tâncias encapsuladas (12). bilidade físico-química. Neste contexto, a nanotecnologia pode ser As nanoesferas diferem das nanocápsulas por serem formadas utilizada para a estabilização de diferentes compostos, aumentando por uma matriz polimérica, onde a substância pode ficar retida ou também a estabilidade dos produtos finais (4-6). Adicionalmente, a adsorvida, e não possuem óleo em sua composição (11). As nano-

28 nanotecnologias/artigos esferas podem ser utilizadas para encapsular ativos como fragrân- tológica, especialmente para hidratação da pele, mucosas e cabelos. cias (14; 15) e vitaminas (16). Suas características podem permitir, Similarmente, as nanoemulsões contendo ésteres de ácidos graxos por exemplo, que fragrâncias permaneçam sobre a pele após longo fosfóricos são utilizadas em cosméticos, bem como produtos derma- período de aplicação (14). Outro exemplo inclui nanoesferas de tológicos e farmacêuticos (21). poli(ácido glicólico-co-ácido lático) contendo vitaminas A, C e E, As nanoemulsões podem ser encontradas em uma grande varie- que apresentaram eficácia clínica no clareamento da pele bem como dade de produtos cosméticos como óleos de banho, cremes para o propriedades antienvelhecimento (16). corpo, preparações antirrugas e antienvelhecimento (12). Devido As nanopartículas lipídicas sólidas são sistemas organizados a par- ao seu pequeno e uniforme tamanho de gota, as nanoemulsões são tir de lipídeos sólidos. Suas principais características incluem excelen- transparentes, fluidas e agradáveis ao toque (22-23). Em compa- te estabilidade física, capacidade de proteção de substâncias instáveis ração com emulsões tradicionais, as nanoemulsões têm melhores frente à degradação, capacidade de controle da liberação, excelente propriedades de espalhabilidade na pele (12). tolerabilidade, capacidade de formação de filme sobre a pele (demons- As microemulsões são sistemas isotrópicos, transparentes, de bai- trando propriedades oclusivas), possibilidade de modular a entrega da xa viscosidade e termodinamicamente estáveis, obtidas quando uma substância encapsulada, além de não apresentarem problemas relacio- mistura de surfactantes apropriada é usada (17; 24). O uso de micro- nados à produção em grande escala e à esterilização (2; 5; 12; 17). As emulsões é considerado uma abordagem promissora para aumentar a nanopartículas lipídicas sólidas são adequadas para o transporte de liberação e permeação de substâncias tanto hidrofílicas quanto lipofí- substâncias lipofílicas que podem ser formuladas em sistemas a base licas (25). Em comparação com as emulsões convencionais, estas são de água. As dispersões têm alto teor de lipídeos, são de fluxo livre e são caracterizadas por tamanho de gotículas em escala nanométrica (26). normalmente produzidas por homogeneização a alta pressão (2). Os Pela facilidade de aplicação e adesão na pele, o seu uso tem lipídeos utilizados incluem triglicerídeos, glicerídeos parciais, ácidos sido explorado para muitos propósitos em cosmecêuticos e pro- graxos, esteroides e cera (18). dutos farmacêuticos (27), hidratantes de pele, As nanopartículas lipídicas sólidas também uma das preparações de protetor solar, produtos de podem ser atrativas para uso em protetores solares, bronzeamento, produtos antienvelhecimento, vantagens na uma vez que a matriz lipídica formada sobre a pele desodorantes, antiperspirantes, perfumes, en- pode retardar a penetração do ativo, reduzindo o utilização de tre outros (28). potencial tóxico de um produto convencional. nanoemulsões Os lipossomas são vesículas esféricas que Além disso, a incorporação de ativos quimicamente é o aumento de consistem em uma ou mais membranas como lábeis (por exemplo, coenzima Q10 e retinol) nas hidratação da bicamadas fosfolipídicas envolvendo um nú- nanopartículas lipídicas sólidas oferece proteção cleo aquoso. O diâmetro da vesícula está na fai- contra decomposição e possibilita a liberação con- pele e de sua xa entre 5 a muitas centenas de nanômetros. O trolada do ativo (12). elasticidade principal componente lipídico do lipossoma é Como desvantagens, as nanopartículas lipí- tipicamente fosfatidilcolina derivada do ovo ou dicas sólidas têm menor capacidade de manter a encapsulação do lecitina de soja. Colesterol é usualmente incluído na composição ativo, podendo haver a formação de estruturas coloidais alternati- para estabilizar a estrutura e, assim, gerar lipossomas mais rígidos. vas (micelas, lipossomas, mistura de micelas e nanocristais) e ins- Dependendo das condições de processo e da composição química, tabilidade física durante a estocagem ou administração devido à podem ser formadas pequenas e grandes vesículas unilamelares e complexidade do estado físico do lipídio (5). multilamelares, com uma ou várias bicamadas concêntricas. Ao As nanoemulsões são dispersões estáveis com diâmetro médio de contrário das emulsões, os lipossomas são estruturas lamelares gota em tamanho nanométrico (algumas centenas de nanômetros). termodinamicamente estáveis que se formam espontaneamente Este sistema é composto por óleo, água, e um ou mais agentes sur- quando os lipídios são colocados em contato com a fase aquosa. factantes, podendo ser uma dispersão óleo em água (o/a) ou água em Além disso, os lipossomas não são tóxicos nem invasivos e são óleo (a/o) (19), apresentando elevada estabilidade cinética, em de- capazes de carregar substâncias hidrofílicas e/ou lipofílicas (2; 12). corrência do seu reduzido tamanho de gota (17). A fase aquosa pode Os lipossomas podem ser encontrados em vários produtos em conter ingredientes ativos e conservantes hidrofílicos, farmacêuticos que é necessário liberar o ativo cosmético na epiderme. Por exemplo, ou cosméticos, enquanto a fase oleosa é tipicamente composta por filtros UV podem ser encapsulados em lipossomas incorporados em óleo mineral, óleo de silicone, óleo vegetal, ésteres ou ácidos graxos formulações de protetores solares de base aquosa, que apresentam ou ingredientes ativos lipofílicos. (12). Uma das vantagens apresen- boa aderência na superfície da pele, resistentes à água. Os liposso- tadas pela utilização de nanoemulsões é o aumento da hidratação mas por si só, quando formulados em cosméticos podem repor ou da pele e de sua elasticidade (20), uma vez que o ativo tem maior aumentar os lipídios endógenos do estrato córneo, aumentando a possibilidade de atingir o extrato córneo. hidratação e reduzindo a secura da pele (12). As nanoemulsões também podem aumentar a permeabilidade Os lipossomas podem encapsular uma variedade de substâncias de um ativo pouco solúvel (20). As nanoemulsões preparadas com ativas e ser incorporados em diversos tipos de produtos cosméti- ésteres graxos de glicerol são utilizadas nas áreas cosmética e derma- cos, como: hidratantes para a pele, produtos antienvelhecimento,

29 nanotecnologias/artigos tabela 1 – exemplos de sistemas utilizados para estabilização dos ativos e seus métodos de preparação

pós-barba, protetor solar e maquiagem. Dentre alguns exemplos de Renata M. Daudt é engenheira de alimentos, mestre em engenharia química e doutoranda em produtos no mercado, podemos citar lipossomas veiculando agen- engenharia química na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). tes de bronzeamento (L’Oreal), lipossomas encapsulando vitaminas Juliana Emanuelli é farmacêutica e mestranda em ciências farmacêuticas na UFRGS. (Lancôme, L’Oreal) e lipossomas carreadores de vitaminas E, A e Irene C. Külkamp-Guerreiro é farmacêutica, doutora em ciências farmacêuticas e professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS. ceramidas (Estée Lauder) (29). Adriana R. Pohlmann é farmacêutica, doutora em química terapêutica e professora associada IV Os niossomas são vesículas preparadas a partir de surfactantes do Departamento de Química Orgânica da UFRGS. não iônicos. Os surfactantes combinam um ou mais componentes Silvia S. Guterres é farmacêutica, doutora em nanotecnologia farmacêutica e professora associada hidrofóbicos com um grupo principal hidrofílico (12). Os niosso- IV do Departamento de Produção e Controle de Medicamentos da UFRGS. mas podem fundir-se com os lipídeos do estrato córneo (2), e são ca- pazes de melhorar a estabilidade e a disponibilidade dos ingredientes ativos bem como aumentar a sua penetração na pele (30). referêNcIas bIblIográfIcas Formulações de niossomas foram inicialmente desenvolvidos pela L’Oreal para aplicações cosméticas (31), mas também têm sido 1. ABDI, Abihpec, Sebrae, II Caderno de Tendências. Higiene Pesso- usados em aplicações alimentícias (32). Podem encapsular tanto al, Perfumaria e Cosméticos, Vol. 2. Disponível em:

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31 nanotecnologias/artigos iNteração de NaNomateriais nas quais, através de ações multidisciplinares concretas, a biona- nointerface pode ser explorada, permitindo estabelecer respostas com biossistemas e a proativas aos eventuais/potenciais efeitos nocivos mediatos e ime- NaNotoxicologia: Na direção diatos dos nanomateriais frente aos biossistemas. de uma regulameNtação sobre bIossIstemas, NaNomaterIaIs e a bIoNaNoINterface Diego Stéfani Teodoro Martinez Biossistemas representam um complexo conjunto de elementos Oswaldo Luiz Alves correlacionados envolvendo componentes do mundo vivo, os quais estão estruturados em níveis hierárquicos de organização: biomoléculas < vias metabólicas < organelas < células < tecidos < m dos maiores desafios deste século é o desenvol- órgãos < sistemas < organismos < comunidades < ecossistemas < vimento com sustentabilidade. Para isto, é con- biosfera. Os biossistemas são termodinamicamente abertos, en- senso que devemos buscar um modelo de gestão contram-se permeados por ordens e desordens em um equilíbrio que contemple: viabilidade econômica, equilíbrio dinâmico (longe do equilíbrio termodinâmico). Estes são sistemas ambiental, inclusão com justiça social e preservação auto-organizados que absorvem, transformam, produzem e arma- u da diversidade cultural. Naturalmente, as nanotecnologias devem zenam compostos, energia e informação de maneira sofisticada, ser incluídas nessas discussões, por se tratarem de tecnologias em construída ao longo do processo evolutivo da vida na terra há mais grande crescimento, e pelo fato de seus produtos (nanomateriais) 3,5 bilhões anos (3; 4). O reconhecimento da relevância desses ní- apresentarem elevada reatividade química e potenciais aplicações veis hierárquicos de organização pode proporcionar uma “unidade em diversos setores industriais. As implicações das nanotecnologias conceitual” rumo à implantação e consolidação de uma nova bio- podem ser observadas, por um lado, pela participação e cobrança de logia, capaz de integrar e reintegrar conhecimentos para promover alguns setores da sociedade organizada em estabelecer marcos regu- um profundo entendimento do mundo vivo, um dos pilares para latórios, medidas de precaução e avaliação dos possíveis riscos para a o desenvolvimento sustentável (5). saúde humana e ambiental. Por outro lado, é visada a exploração do As nanotecnologias podem ser entendidas como a capacidade seu potencial econômico e científico-tecnológico, através do desen- humana de compreender, modificar e controlar a matéria em escala volvimento de processos industriais, metodologias e protocolos de nanométrica (10-9 m). Está cada vez mais evidente que a redução síntese, preparação, purificação, funcionalização e caracterização de do tamanho dos materiais leva ao surgimento de novas propriedades materiais funcionais na escala nanométrica (1; 2). físicas e químicas, devido ao aparecimento de efeitos quânticos de Todavia, é importante levar em consideração que os nanoma- tamanho e fenômenos de superfícies (6; 7). Ou seja, um material teriais podem tornar-se contaminantes ambientais emergentes, em com seu tamanho reduzido à escala nanométrica pode apresentar um futuro não muito distante, uma vez que há um crescente interes- propriedades eletrônicas, mecânicas e térmicas diferentes quando se por esses tipos de materiais. Diante desse cenário, muitas questões em seu estado microscópico (sólido estendido ou bulk). Outra con- ainda precisam ser respondidas, discutidas e refletidas, como por sequência da redução do tamanho dos materiais é o aumento da exemplo: área superficial, graças ao aumento significativo da quantidade de Quais são as principais vias de contacto/interação dos nanoma- átomos superficiais quando comparado com o volume total da par- teriais com os biossistemas? Através de qual meio (aquático, aéreo ou tícula, alterando assim, sua reatividade química. O interesse atual terrestre) os nanomateriais penetram no ambiente? nos nanomateriais está baseado na exploração dessas propriedades Quais são os possíveis modos de dispersão e acúmulo dos na- únicas e dependentes do tamanho. Por exemplo, o ouro na forma de nomateriais no ambiente? Esses materiais podem ser transformados sólido estendido, tal como numa aliança de casamento, reflete a luz por fatores bióticos e/ou abióticos? Eles interagem com outros con- através de sua superfície e apresenta a cor amarela. Por outro lado, taminantes já presentes no ambiente? quando temos ouro na forma de nanopartículas, ele absorve alguns Qual é a estabilidade química da nanoestrutura? São solúveis comprimentos de onda da luz e, desta maneira, pode apresentar em água? Formam suspensões estáveis ou se aglomeram em meios coloração vermelha, verde e até magenta, em função do tamanho biológicos? das partículas. Outro exemplo, que mostra o efeito de tamanho das Quais são os subprodutos gerados durante a síntese dos nanoma- partículas sobre as propriedades é a temperatura de fusão do ouro: teriais? Quais são os subprodutos gerados na degradação? quando sólido estendido é de 1063 °C porém quando as partículas Qual é a toxicidade desses materiais frente aos biossistemas? são de 2 nm a temperatura é da ordem de 550 °C, ou seja, uma dife- Quais mecanismos de interação estão envolvidos? rença de mais de 500 °C! (8). É possível remover ou remediar nanomateriais do ambiente caso Logicamente, uma vez que as biomoléculas (proteínas, car- ocorra algum acidente? Qual é o ciclo de vida dos produtos conten- boidratos, lipídios e ácidos nucleicos) e a unidade básica da vida do esses materiais nanométricos? (células) estão compreendidas na mesma escala de tamanho que os Dentro deste contexto, duas novas áreas do conhecimento estão nanomateriais, eles podem interagir quando colocados em contato, emergindo, denominadas bionanotecnologia e nanotoxicologia, havendo a formação de uma bionanointerface (Figura 1).

32 nanotecnologias/artigos

figura 2 – evolução do número de publicações científicas envol- vendo toxicidade de nanomateriais e nanopartículas indexadas no banco de dados do IsI Web of Knowledge

(11; 12). Talvez uma pergunta interessante neste contexto seria: figura 1 – elementos que dão origem à bionanointerface e suas a toxicidade dos nanomateriais é diferente quando comparamos interações em função da escala nanométrica com materiais de tamanho micro/macro? Ou seja, a toxicidade do carvão (formado somente por átomos de carbono), que usa- mos para fazer fogo, é diferente dos nanotubos de carbono que, Como consequência, dependendo da natureza das bionanoin- por sua vez, também são constituídos somente por átomos de terações, poderão ocorrer significativos reflexos sobre os níveis carbono? A resposta é: sim! superiores da organização dos biossistemas, devido à interconecti- Nesse sentido, a preocupação com a nanotoxicidade surge na vidade entre todos os níveis (9;10). As implicações da bionanoin- medida em que diversificados nanomateriais são sintetizados, ma- terface podem causar fortes desdobramentos nos diferentes seto- nipulados e descartados em diferentes ambientes, sejam naturais, res da sociedade como: saúde e cuidados pessoais, agropecuária e urbanos ou industriais, sem o devido controle e regulamentação. nutrição, meio ambiente e energia, militar e defesa, e outros. Tal Alguns motivos para atenção e cautela com os nanomateriais são: situação nos permite asseverar que os nanomateriais apresentarão a) crescente produção industrial (aumento do risco de exposição); impactos (positivos ou negativos) sobre todas as tecnologias e ciên- b) elevada área superficial devido tamanho nanométrico (alta reati- cias da vida, visto que estão sendo planejados e construídos nanos- vidade química); c) enorme diversidade composicional e estrutural sistemas com a capacidade de interagir com os níveis inferiores da (sínteses, preparações, modificações, funcionalizações, heterogenei- organização biológica, como o DNA e células. As principais mo- dade e impurezas); d) ensaios toxicológicos tradicionais não estão tivações para o estudo da interação de nanomateriais com biossis- adaptados e padronizados para nanomateriais. temas são: a) tamanho nanométrico equivalente com a dimensão Na Figura 2 apresentamos a evolução no número de trabalhos das biomacromoléculas e células; b) capacidade de interação e pe- indexados no banco de dados do ISI Web of Knowledge, que re- netração celular; c) superfície química pode ser estrategicamente portam estudos de toxicidade de materiais nanoestruturados nos modificada (funcionalização); d) potencial para modulação e con- últimos dez anos. Embora seja expressivo e crescente o número de trole de funções biológicas específicas; e) avaliação da toxicidade e artigos publicados nesta área, ainda não há um consenso sobre os seus impactos sobre a saúde humana e ambiental. riscos desses materiais para a saúde humana e meio ambiente (13). Um dos pontos cruciais para a avaliação e gestão do risco de NaNotoxIcologIa A toxicologia pode ser definida como a ciên- qualquer substância ou agente é a determinação precisa e inequí- cia que estuda os efeitos adversos de agentes de natureza física, voca da sua toxicidade, ou seja, o grau ou a intensidade do efeito química ou biológica sobre os biossistemas, tendo como meta o adverso/tóxico sobre determinado bioindicador/biomarcador de tratamento, o diagnóstico e, principalmente, a prevenção da into- exposição. Classicamente, o “coração” da toxicologia é o empre- xicação. É evidente que a toxicologia possui grande importância go de curvas dose-resposta para determinação de valores quanti- na sociedade contemporânea, sendo uma área do conhecimento tativos de toxicidade. Neste ponto, a nanotoxicologia tem uma essencial para o desenvolvimento sustentável. Assim, a nanoto- característica singular, pois é difícil avaliar de maneira precisa e xicologia emerge como uma nova divisão dentro das ciências inequívoca a toxicidade dos nanomateriais. O cerne desse pro- toxicológicas, tendo como objeto de estudo os nanomateriais blema reside na natureza físico-química dos agentes estudados,

33 nanotecnologias/artigos pois, em geral, a toxicologia clássica está envolvida com o estudo de toxicantes que são moleculares enquanto que em nanotoxicolo- gia são estudados toxicantes que são partículas. Esta dualidade na natureza dos toxicantes estudados (moléculas versus partículas) impõe sérias implicações durante a avaliação da toxicidade. To- entidade davia, também é importante mencionar que a presença dos nano- sintética materiais no ambiente não significa que haverá sempre a manifes- tação e observação de efeitos adversos ou nocivos (tóxicos) a eles associados. É importante lembrar que a expressão desses efeitos depende das características da exposição e de seu comportamento no meio. Além das propriedades físico-químicas do nanomaterial avaliado, devemos considerar, por exemplo: a magnitude, dura- entidade ção e fre quência da exposição, a suscetibilidade dos organismos e, coloidal sobretudo, as vias de introdução e contacto com os biossistemas, sendo esta última diretamente interligada aos processos cinéticos e dinâmicos da biointeração, e consequentemente, com a manifes- entidade biológica tação da nanotoxicidade (14; 15). Diante de tal situação, apresentamos um conceito, ainda em construção, mas que acreditamos ser oportuno difundir e discutir dentro do emergente campo da nanotoxicologia. Este conceito é baseado na ideia da existência de três entidades interdependentes (sintética-coloidal-biológica) em interação, que são fundamentais para a avaliação da toxicidade de nanomateriais (Figura 3). figura 3 – entidades interdependentes envolvidas na avaliação da toxicidade de nanomateriais eNtIdade sINtétIca Atualmente, estão disponíveis na literatura centenas de métodos, técnicas e protocolos para síntese de nanoma- teriais. Portanto, dependendo da aplicação final almejada é possível nos coloidais na toxicidade deve ser avaliada, pois é evidente que sintetizar em laboratório um nanomaterial que venha atender a estes determinarão implicações críticas sobre os resultados. Neste esse propósito. Adicionalmente, após sua síntese, os nanomateriais caso, a entidade coloidal é responsável pela geração de suspensões podem passar por processos de modificações químicas intencionais de nanomateriais controladas e com qualidade para a adequada (funcionalização). Desse modo, a entidade sintética é a responsável aplicação em estudos toxicológicos. pela geração de nanomateriais que apresentam características ou propriedades físico-químicas exclusivas (composição, estrutura, eNtIdade bIológIca Existem muitos modelos biológicos dispo- tamanho, forma, grupamentos químicos superficiais, carga e área níveis para acessar a toxicidade de substâncias ou agentes, contudo, superficial, impurezas, defeitos estruturais, condutividade elétrica, é usual dividi-los em dois grupos: in vitro e in vivo. Nos modelos in resistência mecânica etc). É extremamente necessário o emprego vitro geralmente são utilizadas células isoladas em tubos de ensaio de instrumentação avançada (microscopias eletrônicas, espectros- que são expostas aos agentes de interesse. Posteriormente, parâ- copias, análises térmicas etc) para determinação das características metros indicadores da toxicidade são avaliados, como a inibição ou propriedades físico-químicas de cada nanomaterial sintetizado e/ do crescimento e respiração celular, produção de radicais livres, ou funcionalizado, exigindo assim, o uso concertado e aprofundado lesões no DNA e outras manifestações bioquímicas e celulares. das diferentes técnicas de caracterização. Por outro lado, modelos in vivo são empregados utilizando orga- nismos como camundongos e coelhos, como também minhocas, eNtIdade coloIdal É crucial dispersar os nanomateriais em um microcrustáceos, algas, peixes, plantas, entre outros. Alterações no meio biológico adequado (água mineral, tampões, plasma sanguí- desenvolvimento dos organismos (crescimento, reprodução, mor- neo, meio de cultura celular, e outros fluídos) para determinação talidade etc) são indicadores de toxicidade. Agências reguladoras da sua toxicidade. Porém, dependendo do tipo de nanomaterial (e.g. EPA, FDA, OECD, ISO, ABNT etc) (16) já possuem proto- em estudo, este apresentará uma boa capacidade de dispersão ou colos padronizados para realização desses ensaios de toxicidade in não, que determinará sua estabilidade ou agregação/aglomeração vitro e in vivo. Contudo, para nanomateriais esses ensaios precisam nesses meios e fluidos biológicos Outro aspecto importante é que ser reavaliados, levando sempre em consideração as relações exis- as biomoléculas presentes nesses meios biológicos vão interagir tentes entre as três entidades descritas, tendo como perspectiva com a superfície dos nanomateriais, levando a formação de siste- a construção de um método apropriado para a determinação da mas híbridos (proteína-nanomaterial ou matéria orgânica-nano- nanotoxicidade. Deve ficar claro que os ensaios ou testes de toxici- material, por exemplo). Desse modo, a influência desses fenôme- dade não são realizados para demonstrar que um agente é seguro,

34 nanotecnologias/artigos mas para determinar sua toxicidade (grau ou intensidade de um Dentre os documentos selecionados pelo CNBSS destaca-se efeito tóxico). A segurança de qualquer substância ou agente vai aquele do governo francês que especifica, de forma mandatória, o depender de um processo mais elaborado de avaliação e gestão do conteúdo e os requisitos para a submissão de declarações anuais de risco, tendo como subsídio os valores experimentais de toxicidade. informação relacionadas às substâncias em estado nanoparticulado, tanto como substâncias simples ou como componentes em mistu- regulameNtação de NaNomaterIaIs: o que já exIste e o que ras. O decreto fornece detalhes sobre como as empresas devem cum- vem Por aí O espectro de aplicação dos nanomateriais, dada a prir as obrigações de declaração obrigatória e entrou em vigor em sua versatilidade e um grande número de funcionalidades – sem primeiro de janeiro de 2013. a menor dúvida –, inauguraram uma real revolução tecnológica. As preocupações sobre a regulação das nanotecnologias também Atualmente, existem mais de 1.300 produtos contendo nanotec- começam a fazer parte mais efetiva da agenda do governo brasileiro nologia no mercado global e estima-se que a produção industrial até porque foi identificado, por várias empresas, que sua ausência de materiais nanoestruturados deve chegar a 100 mil toneladas na cria gargalos para a sua efetiva introdução nos diferentes setores in- próxima década (17). dustriais. Do ponto de vista societal, muito há que se fazer no sentido A despeito das enormes vantagens e aplicações esperadas para de aumentar a percepção da sociedade brasileira sobre os riscos e be- as nanotecnologias – e aqui os nanomateriais são atores impor- nefícios das nanotecnologias. Neste momento, tramita na Câmara tantes –, também é sabido que essas nanoestruturas podem causar dos Deputados uma proposta de Projeto de Lei que visa regulamen- efeitos deletérios aos humanos e ao meio ambiente, de modo que é tar a rotulagem de produtos das nanotecnologias e de produtos que absolutamente premente a necessidade de diretivas para seu uso se- fazem uso das nanotecnologias (20). guro. Tal necessidade está ligada a uma minimização da exposição dos pesquisadores, trabalhadores e consumidores, bem como, do coNsIderações fINaIs Apesar da grande expectativa quanto ao meio ambiente. Um dado que chama a atenção é potencial inovador e os benefícios das nanotec- que os investimentos visando a avaliação da toxi- nologias, caracterizada pelo “domínio” da matéria cidade dos nanomateriais são ainda muito peque- há dificuldade em nanoescala, é importante e necessário manter nos apesar de, neste momento, serem crescentes. uma visão abrangente sobre a interação de nano- Por exemplo, uma consulta à base de dados ISI para se materiais com biossistemas, os quais são auto-or- Web of Knowledge em março de 2013, usando comparar os ganizados (espaço-temporalmente) através de re- como palavras-chaves os tópicos nanotecnologia, resultados de des, onde propriedades emergentes surgem a cada nanomateriais ou nanopartículas, revela que me- toxicidade de nível de organização. A morte de um biossistema nos que 4,5% dos trabalhos estão relacionados materiais em ocorre quando há a desintegração dessas redes. com toxicidade ou ecotoxicidade. Contudo, des- Ou então, podem ocorrer processos de adaptação de 2003 a questão dos riscos dos nanomateriais nanoescala pela seleção de novas redes, visto que as conexões tem sido abordada em várias regiões e países, tais entre os elementos dessas redes estão diretamen- como, Comunidade Europeia, Estados Unidos, te relacionadas com a estabilidade e manutenção Canadá e Austrália. dos biossistemas (21). Obviamente, desenvolver um entendimento No Brasil, a questão da toxicidade associada às nanopartículas é integrado da interação dos nanomateriais nos diferentes níveis da um tema que começa a ser relevante, sobretudo após a iniciativa do organização biológica (das biomoléculas aos ecossistemas) e suas Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) que passou a inter-relações constitui um dos maiores desafios dentro da biona- financiar especificamente esses estudos através de redes nacionais de notecnologia e nanotoxicologia. nanotoxicologia, criadas em 2011 (18). Um importante ponto a ser destacado, é a dificuldade encon- De acordo com o Centre for NanoBioSafety and Sustainability trada para comparar os resultados de toxicidade de materiais em (CNBSS, em português Centro para Nanobiossegurança e Susten- nanoescala disponíveis na literatura atual, devido não só à grande tabilidade) o ano de 2012 foi importante para as questões relacio- variedade de métodos de síntese e preparação de nanomateriais, mas nadas com a regulação das nanotecnologias. Foi compilado no site também à falta de trabalhos sistemáticos relatando uma adequa- desse centro espanhol os mais relevantes documentos relacionados da caracterização físico-química da amostra utilizada nos estudos. com regulação, recomendações, relatórios, registro de nanomate- Soma-se a isso, ainda, a ausência de protocolos de dispersão coloidal riais e padrões, entre outros. Segundo o CNBSS: adequados e modelos biológicos robustos. De fato, tal situação ad- Todos estes (documentos) recomendam uma abordagem preventiva vém da dificuldade encontrada para trabalhar de maneira harmo- com base na exposição mínima através da substituição (por exemplo, de nizada as três entidades apresentadas (sintética-coloidal-biológica) pós por suspensões), isolamento (ambiente fechado), uso de ventilação durante a realização de estudos toxicológicos. Outro ponto impor- específica e de equipamento de proteção individual adequado (dado tante é a dificuldade enfrentada para determinar cenários realísticos que os nanomateriais podem atravessar as barreiras de um equipamento de exposição aos nanomateriais. Evidentemente, novos conceitos, padrão) e, finalmente, uma monitorização cuidadosa dos potenciais metodologias experimentais e computacionais precisam ser aprimo- efeitos crônicos (19). radas, ou mesmo desenvolvidas, para acessarmos e interpretarmos

35 nanotecnologias/artigos a bionanointerface em profundidade, bem como os seus reflexos the nano-cosmos of biological systems”. Annu Rev Pharmacol Toxi- físico-químico-biológico-toxicológicos. É importante termos em col, 2010. 50: p. 63-88. vista a amplitude do tema abordado neste artigo, que o coloca como 11. Oberdorster, G.; E. Oberdorster and J. Oberdorster. “Nanotoxicology: uma área do conhecimento altamente multidisciplinar e que está an emerging discipline evolving from studies of ultrafine particles”. dando seus primeiros passos. Environ Health Perspect, 2005. 113(7): p. 823-39. Muitos dos aspectos aqui tratados são caracterizados pelo fato 12. Nel, A. et al. “Toxic potential of materials at the nanolevel”. Science, que as ciências biológicas e toxicológicas ainda não atingiram o mes- 2006. 311(5761): p. 622-7. mo nível de discernimento que as ciências físicas e químicas quanto 13. Johnston, H. et al. “Engineered nanomaterial risk. Lessons learnt ao entendimento de nanossistemas. Daí, devemos ser prudentes, from completed nanotoxicology studies: potential solutions to cur- evitar extrapolações simplistas e manter o foco nas inter-relações. rent and future challenges”. Crit Rev Toxicol, 2013. 43(1): p. 1-20. É mister favorecer e desenvolver uma forma de conciliar a inovação 14. Barros, S. B. M.; Davino, S.C. Avaliação da toxicidade. In: Oga, S.;M.M.A. que torna os nanomateriais cada vez mais sofisticados, com a nor- Carmago and J.A.O. Batistuzzo, Fundamentos de toxicologia. 2008, matização exigida para serem reprodutíveis e seguros para o meio São Paulo, SP: Atheneu Editora. ambiente e por, consequência, para os humanos. Somente assim, 15. Sharifi, S. et al. “Toxicity of nanomaterials”. Chem Soc Rev, 2012. acreditamos que avançaremos em direção a uma nanotecnologia 41(6): p. 2323-43. segura e sustentável. 16. Environmental Protection Agency (EPA); Food and Drug Administra- tion (FDA); Organisation for Economic Co-operation and Devolpment Diego Stéfani Teodoro Martinez é biólogo e doutor em química pela Universidade Estadual de (OECD); International Organization for Standardization (ISO); e Asso- Campinas (Unicamp) , pesquisador de pós-doutorado do CNPq junto ao Instituto Nacional de ciação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Ciência e Tecnologia em Materiais Complexos Funcionais (INCT-Inomat), onde desenvolve estu- 17. Paschoalino, M.P.; G.P.S. Marcone and W.F. Jardim. “Nanomaterials dos e pesquisa em bionanotecnologia e nanotoxicologia. Email: [email protected]. and the environment”. Quimica Nova, 2010. 33(2): p. 421-430. Oswaldo Luiz Alves é professor titular do Instituto de Química da Unicamp, fundador/coorde- nador científico do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES/Unicamp) e coordenador do 18. Chamada MCTI/CNPq N º 17/2011 – Apoio à criação de redes cooperati- Laboratório Associado NanoBioss-SisNano do MCTI. É autor da Cartilha sobre nanotecnologia vas de pesquisa e desenvolvimento em nanotoxicologia e nanoinstru- publicada pela ABDI em 2010. Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Email: mentação (12/09/2011). http://memoria.cnpq.br/resultados/2011/017. [email protected]. htm (acesso em maio de 2013) 19. Safety and regulation of Nanotechnology and nanomaterials in 2012: referêNcIas bIblIográfIcas what’s next? http://www.cnbss.eu/index.php/editorial/item/68-sa- fety-and-regulation-of-nanotechnology-and-nanomaterials-in-2012- 1. Hornyak, G.L, Introduction to nanoscience & nanotechnology. 2009, -what%E2%80%99s-next (acesso em maio de 2013) Boca Raton: CRC Press. xxxiv, 1593 p. 20. Projeto de Lei que visa regulamentar a rotulagem de produtos das 2. Senai, ed. "Nanomundo – Um universo de descobertas e possibilida- nanotecnologias e de produtos que fazem uso das nanotecnologias des". Ciência e Tecnologia. 2012, Senai-SP Editora: Sao Paulo. nanotecnologia. Câmara dos Deputados (acesso em maio de 2013). 3. http: //www.biossistemas.ufabc.edu.br (acesso em setembro de 2011). http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?c 4. Ventura, M. M. 2009. Ordem e forma em biossistemas. Editora UnB, odteor=1064788&filename=PL+5133/2013 Brasília – DF. 21. Souza, G. M. Manzatto, A. G. Hierarquia Auto-organizada em Sistemas 5. National Research Council (U.S.). Committee on a New Biology for the Biológicos 2000. In: Auto-organização: Estudos Interdisciplinares, 21st Century: Ensuring the United States Leads the Coming Biology D’Ottaviano, I. M. L. Gozales, M. E. Q. (Org.). Coleção CLE, Campinas – SP. Revolution. National Research Council (U.S.). Board on Life Scien- ces and National Research Council (U.S.). Division on Earth and Life Studies. A new biology for the 21st century. 2009, Washington, D.C.: National Academies Press. xiii, 98 p. 6. Burda, C. et al. "Chemistry and properties of nanocrystals of different shapes". Chem Rev, 2005. 105(4): p. 1025-102. 7. Cao, G. Nanostructures & nanomaterials : synthesis, properties & ap- plications. 2004, London ; Hackensack, NJ: Imperial College Press. xiv, 433 p. 8. Schmid, G. and B. Corain. “Nanoparticulated gold: Syntheses, struc- tures, electronics, and reactivities”. European Journal of Inorganic Chemistry, 2003(17): p. 3081-3098. 9. Nel, A.E. et al. “Understanding biophysicochemical interactions at the nano-bio interface”. Nature Materials, 2009. 8(7): p. 543-557. 10. Shvedova, A.A;, V.E. Kagan and B. Fadeel. “Close encounters of the small kind: adverse effects of man-made materials interfacing with

36 nanotecnologias/artigos microscoPia de soNdas: do com diferentes acessórios permite que se obtenha informações sobre as propriedades elétricas (potencial, carga, condutividade), uma caixa de ferrameNtas magnéticas, mecânicas (viscoelasticidade, adesão, dureza, coefi- da NaNotecNologia cientes de atrito), térmicas (condutividade, transições) e químicas (composição, interações) de superfícies. A Wikipedia lista 28 dife- Fernando Galembeck rentes tipos de microscopias de sondas e a Tabela 1 enumera alguns Carlos A. R. Costa exemplos, especialmente das praticadas com diferentes finalidades Thiago A. L. Burgo em plataformas de AFM. Juliana S. Bernardes Além de todas essas técnicas, são também realizados experi- Rubia F. Gouveia mentos em que se medem vários pares de parâmetros, combinando força vs distância com força vs voltagem, amplitude vs distância, fase vs distância etc. um breve HIstórIco Utilizando um microscópio óptico rudi- mentar, em 1665 Robert Hooke examinou uma fatia de cortiça como fuNcIoNa Nos microscópios óticos convencionais, o ob- e verificou que ela era constituída por cavidades poliédricas, às servador utiliza fótons ou elétrons para ver um objeto e as suas quais ele nominou de células (do latim “cella” – pequena cavi- possibilidades de observar objetos pequenos ficam limitadas pela dade), descobrindo um mundo até então invisível e insuspeita- difração da radiação, que ocorre sempre que as dimensões do objeto do. Desde então, os microscópios não pararam de evoluir sendo examinado são da mesma ordem de grandeza do comprimento de sempre ferramentas fundamentais para o avanço das fronteiras do onda utilizado. Por isso, os microscópios óticos convencionais não conhecimento. permitem a observação de objetos menores que ½ mícron. Além No início dos anos 1980, os microscópios eletrônicos ainda disso, efeitos de aberração comprometem a qualidade das imagens não apresentavam resolução suficiente para visualizar os átomos, obtidas com grandes aumentos em microscópios eletrônicos, mes- embora a teoria atômico-molecular da matéria estivesse bem con- mo quando o limite de difração não é atingido. solidada, desde o início do século XX. Em 1982, Gerd Binnig e As técnicas de STM e AFM não dependem da interação da Heinrich Rohrer criaram o microscópio de varredura por tune- matéria com luz ou elétrons. Nelas, o observador utiliza uma lamento (STM, Scanning Tunneling Microscope) (1), nos labora- pequena sonda que tem a ponta muito afiada e que percorre a tórios de pesquisa da IBM em Rüschlikon, na Suíça. No STM superfície da amostra, muito próximo desta. Em AFM, a sonda foi possível obter, pela primeira vez, imagens de átomos e essa pode estar em contato com a amostra, mas, na maioria dos casos, revolucionária inovação deu a Binnig e Rohrer o Prêmio Nobel de está a uma distância muito pequena, de ordem de poucos nanô- Física, em 1986. metros. Nessas condições, as forças resultantes das interações da Além de produzir imagens em escala atômica, o microscópio sonda com os átomos ou moléculas da superfície, especialmente de tunelamento permitiu a manipulação de átomos individuais, as interações intermoleculares de Van der Waals, são significati- realizando uma possibilidade que havia sido aventada por Richard vas e podem ser medidas. Em STM, o que se detecta é a corrente Feynman, nos anos 1960, a da construção de estruturas através da de tunelamento entre a sonda e a amostra condutora, que tam- movimentação e montagem de átomos, um a um. bém só é significativa quando a distância entre sonda e amostra O microscópio de tunelamento foi o primeiro membro de é muito pequena(3). uma vasta família que cresceu rapidamente: a dos microscópios de No AFM, a sonda afiada é fixada na parte inferior da extremi- varredura por sonda (SPM, Scanning Probe Microscope). Embora dade de uma haste montada como uma viga em balanço. As forças forneça imagens muito impressionantes, seu uso é restrito a su- que atuam sobre a sonda provocam a deflexão da haste, que é usada perfícies rígidas e eletricamente condutoras, ou semicondutoras. para controlar a distância de separação entre a sonda e a amostra O passo seguinte foi a criação da microscopia de força atômica durante a varredura da superfície. Para manter a haste sob defle- (AFM, Atomic Force Microscope) (2) por Gerd Binnig, Calvin Qua- xão constante, portanto a uma distância uniforme da superfície, a te e Christoph Gerber, em 1986. As primeiras imagens de AFM amostra (ou a sonda) é levantada ou abaixada pelo movimento de mostravam a topografia de superfícies sólidas mas agora incluindo um sólido piezoelétrico ou uma bobina eletromagnética sobre o materiais eletricamente isolantes, como vidros, cerâmicas, políme- qual está montada, que, por sua vez, é acionado por uma fonte de ros e materiais de origem biológica, de tal forma que o número de tensão controlada pela resposta do detector da deflexão da haste artigos científicos já publicados usando essa microscopia já atinge que suporta a sonda. A figura 1 mostra a foto de um microscópio cerca de 45 mil, enquanto o número de artigos utilizando STM de força atômica com seus principais componentes. ainda não chegou a 20 mil. Na primeira técnica de AFM, a sonda permanecia sempre em AFM transformou-se, rapidamente em uma vasta plataforma contato com a superfície, o que pode criar alguns problemas: du- de novas microscopias, que produzem uma grande quantidade de rante uma varredura, o atrito entre sonda e superfície pode causar informações sobre as propriedades físicas e físico-químicas de su- riscos e outros danos à superfície da amostra, produzindo também perfícies. Hoje, um microscópio de força atômica complementa- perda da afiação ou a contaminação da sonda.

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tabela 1 – microscopias de varredura de sondas, incluindo os diversos modos de afm.

Nome Sigla graNdeza FíSiCa avaliada CaraCTeríSTiCaS daS SoNdaS uSuaiS

microscopia de tunelamento STm-scanning tunneling corrente de tunelamento fios metálicos com cerca de 0,01” microscope de diâmetro, afiados por clivagem ou desgaste eletroquímico

microscopia de força Contact aFm – contact atomic forças de repulsão nitreto de silício, com constante de atômica de contato force microscopy mola da ordem de 0,02 a 0,7 N/m

microscopia de força lateral lFm – lateral force microscopy forças de atrito idem

microscopia de força forças de atração silício, com constante de mola atômica de não-contato e repulsão da ordem de 15 a 100 N/m e contato intermitente

microscopia de viscoelasticidade, silício, com constante de mola da contraste de fase adesão, rigidez ordem de 15 a 100 N/m

microscopia de Fmm – force modulation viscoelasticidade, rigidez silício, com constante de mola da modulação de força microscopy ordem de 0,5 a 10 N/m

microscopia de eFm – electrostatic force campo elétrico, cargas silício, recoberta com filme força elétrica microscopy elétricas eletricamente condutor

microscopia de condutividade elétrica idem condutividade elétrica

microscopia de KFm, KPFm potencial de superfície e idem sonda Kelvin função trabalho

microscopia de mFm – magnetic campo magnético silício, recoberta força magnética force microscopy com filme magnético

microscopia de SThm temperatura e fluxo de calor elemento termoresistivo varredura térmica

microscopia de SNom luz fibra óptica com extremidade cônica ou campo próximo sonda piramidal com orifício central

Nanoindentação força, dureza silício ou diamante, com constante de mola da ordem de 25 a 225 N/m

microscopia de CFm forças adesivas e de atrito sondas molecularmente modificadas força química

microscopia SCm capacitância silício recoberta com Pt/ir ou Co/Cr de capacitância

microscopia eletroquímica SeCm propriedades eletroquímicas eletrodo de platina de varredura

38 nanotecnologias/artigos

terreno, bem como a proximidade de obstáculos, pelas mudanças na altura em que a bengala toca o chão e também pelo som produzido pelo impacto da bengala com o piso. A ponta da bengala é a son- da usada pelo cego, os detectores de alterações no terreno são a sua mão e os ouvidos. As sondas utilizadas em AFM podem ser usadas de várias maneiras, seja mudando-se as formas de detectar alterações na sua vibração, seja mudando- -se a própria sonda de maneira a detectar outras forças, além das de Van der Waals. Por exemplo: uma sonda pode ser recoberta com um fino filme de um sólido magnético. Nesse caso, quando ela se desloca sobre uma superfície magnética, ou que tenha domínios ou regiões magnéticas, a sonda irá responder à componente magnética das interações entre sonda e superfície e a força correspondente será detectada, permitindo que se construa um mapa da distribuição de domínios magnéticos na figura 1 – foto de um microscópio de força atômica destacando seus principais amostra, com resolução nanométrica, ou seja: uma componentes: sonda (ponteira +laser), scanner e fotodetector micrografia magnética. Esses experimentos podem ser realizados sob diferentes condições ou ambientes (vácuo, tempe- Para contornar esses problemas, foram criados outros mo- ratura controlada, atmosfera controlada ou ambiente, amostras dos de microscopia de força atômica, sem contato entre sonda imersas em líquidos) ou ainda acoplados a técnicas óticas (es- e amostra ou com contato intermitente. Nestes modos, a haste pectroscopias Raman, de fluorescência, ótica de campo próxi- vibra durante a varredura da superfície e as mudanças na sua mo), o que levou a uma quase universalidade das aplicações de frequência de ressonância livre e no amortecimento da vibração microscopias de sonda, em diferentes áreas do conhecimento e da haste, causadas pelas forças entre a sonda e a superfície da de atuação profissional. Ao mesmo tempo, ocorreu uma grande amostra, são detectadas e utilizadas para controlar a distância popularização de AFM, viabilizada pela oferta de equipamentos entre as mesmas. O controle da força do contato intermitente de preço relativamente baixo, no mercado. Hoje, é possível ad- entre a sonda e a amostra permite que a sonda varra materiais de quirir microscópios de força atômica por preço comparável ao todos os tipos, sejam macios ou abrasivos, adesivos, eletricamen- de instrumentos comuns em laboratórios, como espectrofotô- te isolantes etc. metros, analisadores de vários tipos e instrumentos eletrônicos. Na microscopia de varredura por sonda, a sonda interage com os Exemplos dos muitos tipos de microscopias de sonda hoje exis- átomos da superfície que estão imediatamente abaixo dela e também tentes estão na Tabela 1 e alguns casos serão examinados em mais com vizinhos um pouco mais distantes. Por essa razão, as imagens detalhe, a seguir. topográficas da amostra são geradas pela convolução de muitas con- tribuições, dos átomos da extremidade da sonda com os da super- alguNs casos esPecIaIs fície da amostra durante uma varredura. Cada imagem é formada por y linhas com x pontos em cada linha. Cada ponto da imagem é Determinando a topografia da amostra determinado pelas coordenadas x, y e z, onde z é a altura. Portanto, a A questão inicial é a escolha da técnica, ou das técnicas combinadas, imagem de força atômica é tridimensional, por definição, diferente bem como das sondas apropriadas em função das características da de uma micrografia ótica ou eletrônica, que é uma fotografia da superfície da amostra analisada e do ambiente de varredura: uma projeção bidimensional da amostra. amostra hidrofílica exposta às condições ambientes será recoberta por uma camada de contaminação composta principalmente por como uma mIcroscoPIa se traNsformou em uma Plataforma água, assim como uma amostra hidrofóbica será recoberta por de mIcroscoPIas Como vimos, a microscopia de força atômica uma camada lipofílica, a não ser que seja obtida e mantida em uma se baseia na detecção da deformação de uma haste que suporta atmosfera extremamente limpa. uma sonda. Portanto, ela guarda alguma semelhança com instru- STM tem resolução atômica real, porque a interação sonda/ mentos de medida de rugosidades, chamados de perfilômetros. amostra ocorre predominantemente com um átomo da extremi- Pode ainda ser comparada com o uso que um deficiente visual dade da sonda e o átomo imediato da superfície da amostra. Tem faz de uma bengala: ele percebe as elevações e depressões do sido utilizada na aquisição de imagens topográficas de alta resolução

39 nanotecnologias/artigos em ambientes de ultra-alto-vácuo, em sistemas eletroquímicos in calibração e o que obteve maior destaque foi o método da cunha situ ou amostras recém-clivadas, como as de grafite pirolítico, cuja (wedge method). Primeiramente proposto por Ogletree, Carpick e superfície está livre de camada de contaminação superficial. Salmeron (7) e mais tarde revisado por Varenberg, Etsion e Hal- Diversos modos de AFM são utilizados para a obtenção de perin (8), este método é bastante apropriado para ponteiras finas imagens topográficas e os modos em que não há contato direto (9) e utiliza uma amostra de calibração que tem uma superfície entre a sonda e a amostra têm a vantagem de não danificarem com ângulos bem definidos, que é varrida sob diferentes valores a amostra, mas têm menor resolução espacial. Frequentemente, de forças normais, isto é, da força aplicada à sonda, perpendi- obtém-se imagens topográficas simultaneamente com outros ti- cular ao plano da amostra. Ao varrer a amostra repetidamente, pos ou modos de imagens, o que contribui, em muito, para a subindo e descendo planos com inclinações bem definidas e sob interpretação dos resultados. diferentes forças normais e medindo a torção da haste, o experi- mentador adquire todos os dados necessários para calcular o seu Dureza e viscoelasticidade módulo de torção. A complexidade do método pode ser avaliada Em um sistema padrão de aquisição de imagens topográficas por considerando-se que vários outros autores demonstraram outras microscopia de força atômica de contato intermitente, a sonda possibilidades de calibração, mas o método da cunha permane- oscila e a sua amplitude é mantida constante mantendo-a a uma ce como o mais aceito. Hoje, LFM é a principal ferramenta na distância constante da amostra, por meio de realimentação com investigação do atrito entre superfícies na escala atômica, tendo um controlador do tipo PID (proporcional, integral e deriva- revelado que o atrito entre a sonda e uma superfície imersa em um tivo). Nessas condições, a fase da oscilação da sonda apresenta líquido depende muito da carga elétrica dessa superfície (10). Esse variações em função das variações topográficas e também da he- é um resultado extremamente importante porque a eletrização de terogeneidade das propriedades de rigidez, adesão e viscoelasti- superfícies não tinha sido considerada anteriormente como um cidade da superfície. fator importante, no atrito. Determinando-se um parâmetro proporcio- nal à defasagem do sinal, este pode ser adquirido e a criatividade medINdo PoteNcIaIs elétrIcos A distribuição registrado como um mapa de contraste de fase da dos cientistas de cargas elétricas ao longo de uma superfície pode área correspondente, que informa, por exemplo, sempre produz ser obtida em escala nanométrica utilizando téc- sobre a capacidade de dissipação de energia me- nicas derivadas de AFM de não-contato (11; 12). cânica da região que está sendo varrida pela son- surpresas que Essas medidas são feitas em dois modos princi- da, pixel a pixel. A inerente sensibilidade do sinal abrem novas e pais, um baseado no método de Kelvin, e o outro de fase torna esta técnica muito útil na detecção grandes na medida direta de forças eletrostáticas. Durante de pequenas variações na superfície da amostra, possibilidades a varredura, uma sonda condutora interage com a mas os experimentos devem ser cuidadosamente superfície da amostra de acordo com as caracterís- planejados, adequando a sonda e haste à amostra. ticas eletrostáticas da mesma. O potencial resul- O experimentador só consegue explorar bem essa técnica se tiver tante em cada ponto é a soma de todos os potenciais elétricos gerados algum conhecimento de reologia. pelas cargas presentes na superfície, como íons e cargas estáticas. A técnica de microscopia de força Kelvin (KFM) foi desen- Atrito e a Microscopia de Força Lateral (LFM) volvida em 1991 por Nonnenmacher e colaboradores(13). Ela é Em 1987, Mate et al. (4) determinaram as forças de atrito atuando análoga ao método de Kelvin, com a diferença de que são medi- entre uma ponteira de tungstênio e um único átomo da superfície das forças eletrostáticas atuando sobre o cantilever e não corren- de uma folha de grafite, detectando a periodicidade dos átomos tes elétricas. A sonda do microscópio atua como um eletrodo de na superfície do policristal na primeira determinação de forças de referência, formando um capacitor com a amostra. Ao varrer a atrito em escala atômica. Esse trabalho criou a microscopia de força superfície em aproximadamente 10 nm de altura, uma corrente lateral (Lateral Force Microscopy, LFM) (5), um dos modos de ope- AC (alternada) faz a sonda oscilar, enquanto uma corrente DC (di- ração mais usados nos instrumentos de AFM. reta) é aplicada em cada pixel para zerar a defasagem na frequência Enquanto AFM mede a deflexão horizontal da haste da sonda, AC provocada pelo potencial gerado por cargas fixas na amostra. LFM mede sua torção ou deflexão lateral e a converte em unida- Esta tensão DC aplicada à sonda iguala o potencial da superfície des de força. A constante de torção da haste poderia ser calculada no ponto adjacente a ela. Assim, a imagem é formada construin- conhecendo-se sua geometria e as propriedades mecânicas (mó- do um gráfico de potencial DC aplicado à sonda, pixel por pixel, dulo de Young, coeficiente de Poisson) do material usado, mas sendo então convertido em um código de cores predefinido para isso é impraticável, pois depende também de um conhecimento a construção do mapa de potencial elétrico da amostra, com uma detalhado da anisotropia do material (6). Por isso, é necessário resolução espacial de até 10 nm. calibrar as sondas para medir forças laterais em LFM, executan- A figura 2 mostra imagens de topografia (esquerda) e de KFM do uma das etapas mais difíceis das microscopias de sondas (6). (direita) obtidas simultaneamente de uma mesma região de uma Pesquisadores importantes propuseram diferentes métodos de amostra de celulose de eucalipto. A imagem elétrica, apesar de apre-

40 nanotecnologias/artigos

mação e o afastamento da sonda. Quando a sonda e amostra se aproximam, a sonda é atraída pelo PTFE, até quase tocar a sua superfície quando sofre um puxão adicional, devido às forças de Van der Waals. Forçando-se a amostra para cima, a sonda afunda no PTFE passando a ser repelida, empurrada para cima. Quando a sonda é movimentada para se separar da amostra, a repulsão diminui até tornar-se nula. Continuando a puxar a sonda para separá-la da amostra, observa-se que há uma forte adesão entre ambas, que deforma a haste da sonda até que esta se destaca, quando a força de atração entre sonda e amostra é praticamente nula. figura 2 – Imagem topográfica (esquerda) e de potencial elétrico Nesse experimento se aprende muito: observa-se a indução de (direita) de fibras de celulose de eucalipto cargas na sonda e a sua atração pela amostra eletrizada, observa-se e mede-se a contribuição (pequena) das forças de Van der Waals, a sentar pequena variação de potencial elétrico (~100 mV), é muito resistência do PTFE à penetração da sonda e, portanto, a sua dureza, mais rica em detalhes do que a imagem topográfica, revelando uma bem como a adesão entre PTFE e sonda. heterogeneidade elétrica ao longo das fibras de celulose de que não Uma modalidade relativamente recente de AFM é a microsco- se suspeitava anteriormente. pia de força pulsada digital (DPFM). Esta técnica determina auto- Medidas de potencial elétrico utilizando microscopia de força maticamente e sequencialmente três curvas de força em função da elétrica (EFM) seguem uma abordagem diferente da utilizida em distância, pixel a pixel, gerando uma enorme quantidade de dados. KFM. Nesta técnica, as informações de topografia e força elétrica Com os dados obtidos em cada ponto, este modo constrói imagens são adquiridas em duas etapas sobre cada ponto da amostra: a 10 que contêm informações sobre as propriedades mecânicas em esca- nm, onde as forças de Van der Waals são predominantes, são ad- la nanométrica da amostra. As imagens mais comuns que podem quiridas as informações topográficas, e a 40 a 60 nm, onde a força ser obtidas simultaneamente são de topografia, rigidez e adesão. Os eletrostática é predominante, são obtidas as informações elétricas. sinais de rigidez e adesão locais adquiridos na DPFM são represen- Os valores de tensão encontrados nas imagens de KFM corres- tados em tensão elétrica e podem ser convertidos em forças através pondem aos valores dos potenciais elétricos na superfície da amos- de uma calibração apropriada. tra. No EFM esses valores permitem o cálculo da carga em cada ponto da superfície. O KFM possui uma maior resolução espacial, Novas PossIbIlIdades Apesar de todos os desenvolvimentos e su- devido a maior proximidade entre a sonda e a superfície. cessos já ocorridos, que incluem um Prêmio Nobel, a criatividade dos cientistas sempre produz surpresas que abrem novas e grandes um subProduto ImPortaNte No início dos anos 1980, a medi- possibilidades. Um exemplo atual é o da construção de um mi- ção direta de forças entre superfícies, em função da distância, era croscópio infravermelho com resolução nanométrica, que está em feita exclusivamente usando a celebrada “balança de Israelachvi- li”, um instrumento sofisticado e delicado que permitiu ao seu inventor, Jacob Israelachvili, atingir o mais elevado status entre os cientistas dedicados a esse importante tema. O uso dessa ba- lança forneceu resultados memoráveis que nos ensinaram muito sobre os comportamentos muito inesperados da água junto a su- perfícies sólidas, evidenciando uma estruturação muito intensa, quase que uma cristalização dos filmes de água à temperatura am- biente, causada pela vizinhança de superfícies sólidas. Por outro lado, esse instrumento exigia amostras muito planas, com área macroscópica, o que limitou, em muito, a sua aplicação. Essa situação mudou radicalmente com o aparecimento de AFM, porque este permitiu a determinação de curvas força vs dis- tância entre praticamente quaisquer superfícies sólidas, separadas por sólido ou líquido. Hoje, é possível medir forças de ordem de alguns piconewtons, com uma resolução de 0,1 nanômetro na dis- tância entre amostra e sonda. figura 3 – força versus distância (fd) na aproximação e afasta- Um exemplo está na figura 3, que mostra a variação da força mento entre uma sonda de nitreto de silício puro e Ptfe (não entre uma sonda de nitreto de silício e uma superfície de poli- eletrizado e triboeletrizado). o potencial eletrostático do polí- tetrafluoroetileno (PTFE, Teflon) eletrizada, durante a aproxi- mero triboeletrizado é de -192 v

41 nanotecnologias/artigos curso no Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais des possibilidades de medição de outras propriedades das amostras. (CNPEM), em Campinas. O Dr. Christoph Deneke, do Labora- A participação brasileira é significativa: grupos do Brasil publicaram tório Nacional de Nanotecnologia e o Dr. Raul Freitas, do Labora- 660 artigos sobre AFM, 35 sobre EFM, KFM, KPFM ou SEPM e tório Nacional de Luz Síncrotron, ambos do CNPEM, estão cons- 108 artigos sobre STM. truindo com suas equipes esse sistema, que deverá estar operando Outra perspectiva que não se cumpriu foi a do uso de AFM antes do fim de 2013. Esse instrumento deverá produzir imagens como ferramenta de nanomanipulação, nanofabricação e nanoli- microscópicas no infravermelho com resolução nanométrica, isto tografia. A IBM investiu esforços importantes no projeto Millipe- é, superando uma limitação fundamental de microscópios óticos, de, de uma memória baseada na capacidade de escrita e leitura de que é o limite imposto pela ocorrência de difração. uma sonda varrendo um filme de um plástico comum, o acrílico (14). Um protótipo foi apresentado em 2005 e havia a expectativa o que se descobrIu? A importância de novos instrumentos cien- de comercialização em 2007. Porém, um artigo (com 26 autores) tíficos e métodos experimentais é medida, no fim de contas, pelas de 2008 relata a situação naquele momento, mostrando que tinha descobertas que foram feitas e pelo avanço científico que decorreu sido conseguida uma densidade de memória de mais de 150 Gb dos novos métodos. por centímetro quadrado (15), mas que havia ainda vários desafios AFM produziu as primeiras imagens de átomos e tem produzido tecnológicos a superar. Em 2013, essa tecnologia ainda não atingiu imagens de moléculas que não são emuladas por outras técnicas. o mercado. Permite a observação de partículas nanométricas e de micro e nano- Uma possibilidade ainda mais remota, mas que foi muito estruturas, sendo uma maneira prática e relativamente simples de alardeada no início da década passada, foi a da construção de ob- observar a formação (ou não) de agregados de partículas. jetos, átomo a átomo, usando-se nanomanipuladores assemelha- As microscopias elétricas derivadas de AFM revelaram uma dos às sondas de AFM. Essa possibilidade só pode ser imaginada insuspeitada complexidade elétrica de materiais ignorando-se a existência do número de Avoga- isolantes e também de condutores, que está pro- dro. Por exemplo: se uma pessoa quiser sinteti- vocando a revisão de muitas ideias sobre fenô- hoje é possível zar alguma substância química (por exemplo, menos eletrostáticos. Também está permitindo obter imagens o metano) montando suas moléculas, átomo a 23 que fenômenos de atrito sejam compreendidos até mesmo da átomo, terá de montar 5 vezes 6.10 átomos a partir de interações na escala atômico-mole- para obter 16 gramas de metano. Caso os na- cular, criando uma ponte entre a tribologia ma- distribuição de nomanipuladores consigam montar um bilhão croscópica, clássica, e a teoria atômico-molecu- carga elétrica de átomos por segundo (o que ainda não foi lar da matéria. no interior de demonstrado), serão necessários 3.1015 segun- moléculas dos, ou seja, quase um milhão de séculos. Esse é o que (aINda?) Não deu certo Apesar dos seus um exemplo de situações que alguns cientistas grandes sucessos, algumas das expectativas ini- criam mas que geram descrédito, justamente ciais sobre as microscopias de sondas não foram cumpridas. No nas pessoas mais lúcidas. fim dos anos 1980, quando foi adquirido o primeiro microscópio de sondas em uma universidade brasileira, um de seus dirigentes PersPectIvas A comparação das microscopias de sondas com as declarou à imprensa que esse instrumento tornava obsoletos to- microscopias óticas e eletrônicas mostra vantagens e desvantagens dos os demais microscópios. Os fatos posteriores mostram que de cada tipo. Em consequência, todos os três tipos são amplamente essa afirmação foi excessivamente entusiástica: entre janeiro e usados e continuam sendo desenvolvidos intensamente. Algumas maio de 2013 foram publicados cerca de 4.400 artigos científicos vantagens encontradas em microscopias de sondas são: os preços utilizando microscopias eletrônicas, versus cerca de mil artigos dos equipamentos são relativamente reduzidos (15 mil dólares para utilizando AFM, mostrando o predomínio da microscopia ele- equipamentos simples, 60 mil para sistemas que já oferecem muitas trônica. Desde a invenção de AFM, ¾ dos artigos publicados possibilidades e 250 mil para os mais sofisticados), é possível exami- estão nas áreas de “ciências duras” (ciências dos materiais, física, nar amostras ao ar e em diferentes ambientes utilizando diversos ti- química, engenharias), portanto a sua penetração na área bioló- pos de sondas reveladoras de diferentes propriedades, muitas amos- gica ainda é pequena, bem como nas geociências, arqueologia, tras podem ser examinadas sem gastar muito tempo no trabalho de ciências forenses e outras que utilizam microscopias. preparação e a obtenção de resolução atômica ou molecular é viável Também chama a atenção o fato de várias das possibilidades – quando necessário. As principais desvantagens são o pequeno ta- abertas por AFM ainda serem pouco difundidas. O número total de manho do campo examinado, raramente excedendo uma centena artigos publicados utilizando AFM hoje monta a cerca de 45 mil, de mícrons, e a relativa lentidão na aquisição das imagens, que pode mas os números relativos aos seus subprodutos mais especializados variar entre dezenas de minutos até algumas horas. são muito menores: MFM, 1161; EFM, KFM, KPFM ou SEPM: Muitos esforços estão sendo aplicados na ampliação das pos- 1906; LFM: 288. Portanto, a maior parte da informação que tem sibilidades dessas microscopias e há resultados recentes impor- sido obtida de AFM é morfológica ou topográfica, apesar das gran- tantes no aumento da resolução e da rapidez na aquisição das

42 nanotecnologias/artigos imagens. Por exemplo, hoje é possível obter imagens não apenas 11. Galembeck, F.; Costa, C. A. R. “Electric scanning probe techniques: Kel- de átomos mas até mesmo da distribuição de carga elétrica no vin force microscopy and electric force microscopy”. Encyclopedia of interior de moléculas, graças à microscopia com sondas Kelvin Surface and Colloid Science. New York: Dekker Encyclopedias. 2006. de alta resolução. 12. Rezende, C. A.; Gouveia, R. F.; da Silva, M. A.; Galembeck, F. “Detec- Os progressos dependem muito de aperfeiçoamentos e de no- tion of charge distributions in insulator surfaces”. Journal of Physics: vos conceitos na construção das sondas e na eletrônica de aciona- Condensed Matter, vol. 21, 263002. 2009. mento e monitoramento das mesmas. Como sempre acontece em 13. Nonnenmacher, M.; O’ Boyle, M. P.; Wickramasinghe, H. K. “Kelvin pro- ciência, esses progressos estão sendo realimentados pelo rápido be force microscopy”. Applied Physics Letter, vol.58, 2921. 1991. aprendizado sobre as complexas interações entre matéria e energia 14. Vettiger, P. et al. “The ‘’ – Nanotechnology entering data sto- nas nanoestruturas, isto é, nas escalas atômica e molecular, para os rage”. IEEE Trans. Nanotechnol., vol.1, 39. 2002. quais essas técnicas estão trazendo uma grande contribuição. 15. Pantazi A. et al. “Probe-based ultrahigh-density storage technology”. IBM J. Res. & Dev., vol.52, 493. 2008. Fernando Galembeck é professor titular do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia, no Centro Nacio- nal de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM). Email: fernando.galembeck@lnnano. cnpem.br. Carlos A. R. Costa é especialista em técnicas e instrumentação em microscopias de sondas do Labo- ratório Nacional de Nanotecnologia, no CNPEM. Email: [email protected]. Thiago A. L. Burgo é pós-doutorando do Instituto de Química da Unicamp. Email: tburgo@ iqm.unicamp.br. Juliana S. Bernardes é pesquisadora do Laboratório Nacional de Nanotecnologia, no CNPEM. Email: [email protected]. Rubia F. Gouveia é pesquisadora do Laboratório Nacional de Nanotecnologia, no CNPEM. Email: [email protected].

referêNcIas bIblIográfIcas

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NaNobiotecNologia A nanobiotecnologia é uma ciência de fronteira, é uma ciência verde: biossíNteses de avançada e altamente interdisciplinar, sendo a combinação entre NaNoPartículas metálicas nanotecnologia e biotecnologia. A sociedade será altamente bene- ficiada pela fusão dessas duas tecnologias ao longo deste século, de- e suas aPlicações como vido às potenciais aplicações em medicina, agricultura, eletrônica, NaNoaNtimicrobiaNos cosméticos, meio ambiente etc. A nanobiotecnologia verde é enriquecida na medida em que uti- Mahendra Rai liza princípios da química verde para o desenvolvimento sustentável. Tradução de Germana Barata e Diego Stéfani No entanto, esta ciência está em sua infância e precisa se promover de modo a desenvolver tecnologias ecologicamente corretas e econo- micamente viáveis, que são as necessidades do momento na direção xistem duas tecnologias importantes no século XXI do desenvolvimento sustentável. Pode-se definir nanobiotecnologia que desempenharão um papel crucial no desen- verde quando baseada em princípios limpos de sínteses de nanopar- volvimento da ciência e da sociedade. Uma delas tículas, como, por exemplo, a partir de processos biotecnológicos. é a tecnologia da informação que se desenvolveu a partir da virada do século e agora está em pro- síNtese verde é susteNtável Síntese verde, síntese biológica e sín- egressão, e cujas aplicações têm sido observadas pelo mundo in- tese biogênica são termos comumente usados para a síntese ecologi- teiro. A segunda tecnologia, neste contexto, é a nanotecnologia, camente correta de nanopartículas. Normalmente, as nanopartículas que desempenhará um papel importante no desenvolvimento de são sintetizadas através de métodos químicos, físicos e biológicos. As diferentes ciências e tecnologias, devido a suas amplas aplicações. sínteses físicas e químicas possuem consumo intensivo de energia e Para o cidadão comum, a nanotecnologia pode ser definida co- às vezes podem envolver substâncias químicas tóxicas, enquanto as mo a manipulação da matéria nos níveis atômico e molecular. A técnicas biológicas são rentáveis, limpas, atóxicas e ecologicamen- National Nanotechnology Initiative (NNI), que é um programa te corretas. A via de síntese biológica tem sido efetuada, sobretudo, federal dos Estados Unidos de pesquisa em ciência, engenharia e através do uso de bactérias, fungos, plantas, cianobactérias e actino- desenvolvimento tecnológico em nanoescala, define nanotecnolo- micetos. Existem muitos relatos de micossínteses (síntese via fungos) gia como a manipulação da matéria com, ao menos, uma dimensão de nanopartículas metálicas usando diferentes espécies de Fusarium, dos objetos que esteja entre 1 a 100 nanômetros (nm). A unidade nomeadas como Fusarium oxysporum, Fusarium solani, Fusarium acu- nanômetro é muito pequena – um nanômetro é igual a 10−9 m, ou minatum, Fusarium culmorum, Aspergillus niger, Aspergillus tamarii, seja, a bilionésima parte do metro. Se medirmos a largura de um fio Phoma glomerata, Alternaria alternata, e fungos endofíticos Pestalotia de cabelo em nanômetros obteríamos incríveis 80.000 nm. Simi- sp. Muitas plantas como o coentro (Coriandrum sativum), mamão- larmente, o tamanho da dupla hélice de DNA tem um diâmetro de -papaya (Carica papaya), o figo-da-Índia (Opuntia ficus-indica), da- cerca de 2 nm e quatro átomos de hidrogênio são equivalentes ao tura ou maça com espinhos (Datura metel), árvore do caril (Murraya tamanho de um nanômetro. Muitos micróbios, como vírus, estão koenigii), e Skunkvine (Paederia foetida) têm sido usadas para a síntese na escala nanométrica. de nanopartículas. O método de fitossíntese (síntese via plantas) é rá- A nanotecnologia é uma ciência interdisciplinar e existe na pido, ecologicamente correto e rentável, com processamento downs- natureza desde que a terra evoluiu. Ela atravessa as fronteiras tra- tream mais fácil que a micossíntese. Quando comparada à fitossíntese, dicionais do conhecimento da física, química, engenharia, botâni- a micossíntese é mais demorada e a biomassa é difícil de ser processada. ca, zoologia e ciências da terra sendo, assim, interdisciplinar. Essa Portanto, a fitossíntese chama muito a atenção de pesquisadores de tecnologia tem sido amplamente aceita pelos cientistas, em razão todo o mundo. São três fatores chaves na síntese dessas nanopartículas do surgimento de propriedades químicas, mecânicas, magnéticas, metálicas: o agente redutor, o meio de reação e o agente estabilizador. químicas, eletrônicas e óticas únicas, dependentes da nanoescala. Geralmente, nanopartículas biosintetizadas possuem forma esféricas. Além disso, é uma “tecnologia habilitante”. Pode-se mudar a forma Em biossíntese, proteínas de fungos ou plantas agem como agen- e o tamanho das nanopartículas e as propriedades dessas nanopar- tes de proteção e estabilização das nanopartículas sintetizadas. No tículas serão igualmente modificadas. Um exemplo interessante é o entanto, quais proteínas estão envolvidas e quais os mecanismos de ouro, que enquanto sólido estendido (bulk gold), de tamanho micro formação das nanopartículas são questões importante, que precisam ou macroscópico tem a cor amarela. Entretanto, as nanopartículas ser meticulosamente estudadas. Nesse sentido, tem sido desenvolvi- de ouro possuem cores diferentes de acordo com o tamanho das do no Laboratório de Química Biológica do Instituto de Química, nanopartículas: partículas de ouro de 100nm apresentam uma cor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a direção do púrpura-rosado, nanopartículas de 20nm são vermelhas e as de 1nm professor Nelson Duran, estudos sobre o mecanismo de formação das são de cor marrom-amarelada. Agora emerge a questão, por que nanopartículas biogênicas. O professor Nelson Duran e seus colabo- as nanopartículas são diferentes quando comparadas ao ouro com radores apresentaram um mecanismo no qual a enzima nitrogenase tamanho micro/macroscópico? Isto ocorre devido ao surgimento de redutase é responsável por reduzir íons de prata em nanopartículas de efeitos quânticos de tamanho. prata. Essa hipótese tem sido amplamente aceita na literatura.

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caules, sementes, frutos, latex etc. A biomassa morta e seca da planta também pode ser usada para a síntese bem sucedida de nanopartí- culas. Até mesmo compostos bioativos isolados de plantas como polifenólicos, alcaloides, flavonoides e terpenos demonstraram sin- tetizar nanopartículas. A biossíntese de nanopartículas usando plantas é uma questão para extensa investigação. No entanto, um mecanismo exato para a síntese de nanopartículas deve ainda ser elucidado, embora inú- meros mecanismos hipotéticos tenham sido propostos por muitos pesquisadores. Absar Ahmad e colegas do Laboratório Nacional de Física (National Physical Laboratory), em Pune, na Índia, su- geriram que a síntese de nanopartículas de ouro ocorre em função da redução de íons de prata pelos açúcares (aldoses) e cetonas pre- sentes nesses extratos. Trabalhando no Departamento de Engenharia Química e figura 1 – fazendo síntese verde e usando nanoprodutos para a Bioquímica, na Faculdade de Química e Engenharia Química, da sustentabilidade Universidade de Xiamen, da República Popular da China, Huang e colegas também apoiaram o fato de a síntese de nanopartículas de Síntese verde a partir de extrato de plantas é a técnica mais prata ocorrer na presença de biomoléculas redutoras presentes no simples de sintetizar nanopartículas. As plantas produzem bio- extrato de folhas de Cinnamomum camphora. Análise de espectros- moléculas funcionais que reduzem ativamente íons metálicos. copia no infravermelho (FT-IR) também confirmou a presença de Além disso, atuam como agentes protetores e estabilizadores das grupos funcionais como: –C–O–C, –C–O–, –C=C–, e –C=O–, nanopartículas. Alguns exemplos de síntese de nanopartículas de derivados de vários compostos heterocíclicos. Presumia-se que prata utilizando extratos de folhas incluem o uso de alfafa, folhas esses compostos bioativos atuavam como agentes redutores e de de gerânio, Aloe vera (babosa), Cinnamomum camphora (árvore proteção de cadeia de nanopartículas de prata. Da mesma forma, de cânfora), caqui, magnólia, cycas, e Holarrhena antidysenterica a substância filantina extraída de Phyllanthus amarus é responsável (Kutij, Kurchi) etc. pela síntese de nanopartículas de ouro e de prata. Os espectros de Interessantemente, todas as partes das plantas podem ser usadas FT-IR das nanopartículas biosintetizadas descrevem uma mudan- de modo eficiente para sintetizar nanopartículas, como as folhas, ça na estrutura do grupo metoxi (–OCH3) banda (1088 cm-1)

figura 2 – mostrando o isolamento da fusarium sp. do gengibre (Zingiber officinale) e a formação de nanopartículas

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Fotos: Mahendra Rai

extratos de plantas usados para a síntese de nanopartículas de prata. Holarrhena antidyenterica (dir.) é usada na medicina tradicional indiana, enquanto a cinnamomum camphora (esq.) é usada como tempero filantina após a formação de nanopartículas de prata ou de ouro. sucesso. A única solução para lidar com esse grave problema parece Essa mudança foi atribuída à ligação com as nanopartículas. No ser com o uso das nanopartículas em geral e das nanopartículas de entanto, essa alteração, nas nanopartículas de ouro, era ligeira- prata, em particular. mente maior do que nas nanopartículas de prata, indicando que a adsorção de filantina na superfície das nanopartículas de ouro foi NaNoPartículas de Prata amPlameNte usadas mais eficiente do que em nanopartículas de prata. Dependendo da concentração de filantina, obtiveram-se diferentes formas de Nanopartículas de prata e o potencial de matar germes nanopartículas de ouro e de prata. Uma pesquisa realizada no PubMed a respeito das publicações so- bre propriedades antimicrobianas de nanopartículas indica que a resolveNdo o Problema da resIstêNcIa bacterIaNa a multIdro- maioria dos artigos publicados é baseada no uso de nanopartículas gas com NaNoPartículas O alarmante problema da resistência a de prata seguidas por outras nanopartículas, por exemplo, de ouro, multidrogas (MDR – multi-drug resistance) por parte de bactérias óxido de titânio e óxido de zinco. patogênicas obrigou os pesquisadores a enfrentar o problema e As nanopartículas de prata são altamente eficientes contra do- a buscar novas drogas e moléculas na natureza e outras fontes enças causadas por micróbios como bactérias (sobretudo Staphylo- como as nanopartículas. Ao longo das últimas décadas, alguns coccus aureus, Escherichia coli e Pseudomonas aeruginoa) e fungos antibióticos de terceira geração como as cefalosporinas, imipenem, que causam infecções de ringworm (micose de pele) e Candida al- vancomicina e fluoroquinolonas têm apresentado maior risco de bicans. A beleza dessas nanopartículas é que elas atuam em sinergia gerar resistência. e demonstram alta atividade quando comparada a seu uso isolado. Um exemplo importante de MDR é a Staphylococcus aureus re- Infecções por micotoxinas também são um grave problema sistente à meticilina (MRSA), que ainda está entre as causas mais depois da resistência a multidrogas. Essas toxinas são produzidas importantes de infecções hospitalares associadas à bactéria. Esta principalmente por espécies diferentes de fungos como o Aspergillus bactéria é resistente a vários outros agentes antimicrobianos (beta- e Fusarium. A toxina T-2 é muito tóxica e é produzida por F. sporo- -lactama) e, consequentemente, o tratamento de Staphylococcus trichioides, F. poae, F. equiseti e F. acuminatum. Às vezes, o paciente aureus resistente à meticilina depende da vancomicina. Contudo, morre com a toxina T-2 em um curto espaço de tempo. a transmissão de plasmídeos de resistência de enterococos para Sta- Pesquisa conduzida pelo autor deste artigo no Laboratório de phylococci resultou em um aumento em nível elevado de resistência Nanobiotecnologia do Departmento de Biotecnologia, da Uni- à vancomicina entre S. aureus. Outro exemplo são enterococos re- versidade SGB Amravati, em Amravati, estado de Maharashtra, na sistentes à vancomicina (VRE) que têm capacidade de se adaptar Índia central, reportou alta eficácia de óleo de cravo contendo nano- a mudanças ambientais e desenvolver resistência antimicrobiana, partículas de prata contra a toxina T-2 produzida por fungo. O óleo levando a múltiplos fenótipos resistentes à vancomicina. Eles são re- nanofuncional aumentou sua atividade fungicida quando usado em sistentes à ampicilina e outros antibióticos beta-lactâmicos. Para re- combinação com nanopartículas de prata. solver o problema, tem sido conduzida em várias partes do mundo, O controle de doenças virais causadas por diferentes vírus que a triagem de diferentes produtos naturais, porém, com baixa taxa de ameaçam a vida, como o causador da hepatite B, o HIV-1, o sim-

46 nanotecnologias/artigos plex herpes tipo 1, o vírus sincicial respiratório, vírus de tacaribe, controle de patógenos de plantas; (iii) e para promover o crescimento vírus da varíola de macacos e o vírus da infl uenza são de difícil de plantas de cultivo. tratamento e há uma necessidade de desenvolver uma nova geração Uma grande quantidade de frutas se deteriora rapidamente de antimicrobianos. graças a patógenos de plantas. Portanto, é necessário desenvolver Normalmente, agentes antivirais agem diretamente nas novas estratégias baseadas na nanotecnologia para que as frutas membranas virais se ligando a camada proteica de revestimen- possam fi car livres de doenças microbiais e sua vida útil possa to do vírus e destruindo sua estrutura ou interrompendo sua aumentar. Nesse sentido, estão em progresso pesquisas para o atividade. Até agora, a maior parte das pesquisas focaram na desenvolvimento de camadas de proteção antimicrobianas base- avaliação da atividade antiviral de nanopartículas de prata e já adas em nanotecnologia para aumentar, portanto, a vida útil de se demonstrou que as nanopartículas de prata são mais efi cazes frutas e verduras. como agentes antivirais em função de suas múltiplas interações Nos últimos cinco anos, tem crescido o interesse em relação com receptores de glicoproteínas e/ou envelopes virais. Suas in- à síntese verde e ao uso de nanopartículas de cobre como agentes terações com biomoléculas virais sugerem que as nanopartículas potencialmente antimicrobianas contra patógenos de plantas, es- de prata têm um enorme potencial não apenas de enfrentar o pecialmente, devido ao desenvolvimento de resistência pelos pa- desafi o existente nas infecções virais, mas também de aumentar tógenos aos fungicidas existentes. Fungicidas têm sido usados nos a qualidade de terapias antivirais existentes. últimos 200 anos para o controle de doenças de plantas cultivadas. O professor Nelson Duran e colegas do Instituto de Química Notadamente, formulações que usam cobre e enxofre ainda são da Unicamp pesquisaram extensivamente as nanopartículas de usadas por fazendeiros. Contrariamente, no entanto, muitos desses prata sintetizadas biologicamente no combate à leishmaniose e produtos são banidos por inúmeras razões incluindo questões de se- à onicomicose (doença que ocorre nas unhas deformando-as e, gurança humana no que diz respeito ao uso de fungicidas químicos. posteriormente, deteriorando-as). Não existe droga antifúngica Essas substâncias químicas também são responsáveis pelo aumento disponível no mercado que possa curar o ringworm das unhas. Fe- da poluição ambiental. lizmente, as nanopartículas de prata possuem efeito mortal nes- Uma área de pesquisa que merece atenção é a de uso de nanopar- ses fungos, chamados de Trichophyton rubrum. Assim, esforços tículas para a promoção do crescimento de plantas de cultivo, sendo têm sido feitos para o desenvolvimento de um gel ou creme com que o crescimento microbiano causado pelo endófi to em nanopar- propriedades antimicrobianas que cure as feridas. Sua toxicidade tículas será muito útil para aumentar o crescimento dessas plantas e também está sendo avaliada. A pesquisa também tem focado a também para mantê-las livres de patógenos. atividade antiviral de nanopartículas de prata sendo os resultados O papel de nanopartículas na transferência de genes tem sido bastante animadores. observado, por exemplo na transferência de gene feita pela Agro- bacterium tumefaciens ou por meio de outros métodos físicos como Promessas de NaNoPartículas metálIcas em alImeNtos e Na eletroporação, microinjeção e biobalística. As nanopartículas tam- agrIcultura Os nanomateriais verdes não são úteis apenas em bém podem ser usadas para a transferência de genes em plantas. Os medicamentos, mas também muito benéfi cos na agricultura: (i) potenciais da tecnologia do DNA já foram constatados por todos para preservação e aumento da vida útil de frutas e verduras; (ii) no os biotecnólogos.

PercePção PÚblIca sobre NaNotecNologIa É preciso orga- nizar encontros públicos de modo a acabar com o medo das pessoas em relação à nanobiotecnologia verde, pois esse senti- mento se compara ao medo em relação aos OGMs (organismos geneticamente modifi cados ou transgênicos), porque as pessoas são, em princípio, contrárias à nanotecnologia em alimentos. Mas, na verdade, a nanobiotecnologia verde tem potencial para transformar a sociedade graças à sua vasta aplicação na medicina e agricultura. Há uma grande necessidade de aumentar a compreensão dos cidadãos no que diz respeito à nanotecnologia em geral e à nanobio- tecnologia verde em particular. Isso pode ser feito através da organi- zação de palestras, debates, fi lmes, exposições etc. O objetivo último dessa estratégia deve ser inculcar os valores da nanobiotecnologia verde no maior número de pessoas. Acima de tudo, a participação e o engajamento público é sempre necessário, figura 3 – dinâmica das publicações no Pubmed sobre propriedades porque nenhuma tecnologia pode ser implementada sem o envolvi- antimicrobiais de nanopartículas mento dos cidadãos.

47 nanotecnologias/artigos as NecessIdades de PesquIsa É preciso promover a nanotecnolo- gia verde, mostrando que é uma tecnologia ecologicamente correta e sustentável. Os professores Oswaldo Luiz Alves e Nelson Duran do Instituto de Química da Unicamp, deram um passo adiante ao associar o Laboratório NanoBioss ao programa SisNANO do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do governo brasileiro e ao já iniciarem atividades de pesquisa. Isso motivará as jovens mentes a participarem de pesquisas interdisciplinares, em busca de soluções ecologicamente corretas e economicamente viáveis nessa área. No entanto, há uma necessidade premente em se iniciar um laboratório em nanotecnologia verde. Isso requererá colaborações extensivas entre a academia, governo, indústrias e público para que esta tecnologia seja traduzida em ações.

Mahendra Rai é professor e chefe do Departamento de Biotecnologia, Universidade SGB Amra- vati, na Índia. Atualmente, ele é professor visitante do Instituto de Química, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em programa de pesquisa da Fapesp. Email: mahendra- [email protected].

sugestões de leItura

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I novação/n anotecnologI a para o período de quatro anos. “Esta EvEntos ciE ntíficos aliança irá desempenhar um papel Bayer fecha significativo na implementação da Nanotecnologias em fábrica de nanotubos estratégia de alta tecnologia do go- verno federal, por meio da qual pre- debate internacional de carbono tendemos reforçar a competitivida- de da Alemanha”, afirmou Thomas A multiplicidade de eventos Depois de apenas 4 anos, a indús- Rachel, secretário de Estado Parla- científicos sobre nanotecnologias tria farmacêutica Bayer resolveu mentar do Ministério Federal da que ocorrerão no segundo semestre fechar as portas da uma das maio- Alemanha para Educação e Pesquisa deste ano reflete a riqueza e o res fábricas de nanotubos de car- (BMBF), durante a inauguração da dinamismo da área. A partir de bono do mundo. Em um comuni- planta de nanotubos de carbono. agosto ocorrerão encontros na cado à imprensa, Patrick Thomas, Apesar de a fábrica ter encerrado su- Alemanha, Canadá, China, Coreia CEO da Bayer MaterialScience, as atividades, Stefan Paul Mechnig, do Sul, Emirados Árabes, Espanha, explicou que a empresa percebeu porta-voz de Bayer MaterialScience Estados Unidos, Índia, IrNa, Israel, que as áreas potenciais de aplicação esclareceu que a Bayer pretende con- Japão e Singapura. Segue abaixo dos nanotubos, que antes pareciam tinuar contribuindo para a área, por alguns desses eventos: promissoras, “têm se fragmentado meio da transmissão de tecnologia e ou têm pouco a ver com os prin- distribuição de informação para pe- Agosto cipais produtos da empresa e seu quenas e médias empresas. “Quere- n 4th ICNFA2013 – International Conference espectro de aplicação”. mos continuar trabalhando profun- on Nanotechnology. Em Toronto, Canadá. A Bayer havia inaugurado sua fábri- damente com o desenvolvimento e os n 13th IEEE – International Conference on ca no início de 2009, em Leverku- nossos parceiros de negócios para en- Nanotechnology. Em Beijing, China. sen, Alemanha, com investimentos contrar o melhor uso possível e pos- n NanoScience + Engineering 2013. Em San de cerca de 22 milhões de euros, terior utilização do nosso portfólio de Diego, Estados Unidos. aproximadamente R$61 milhões. nanotubos de carbono, em particu- sEtEmbro O objetivo era desenvolver novas lar, para conhecimentos adquiridos e n International Conference on Computational tecnologias e aplicações com base patentes”. Segundo Mechnig, apesar Modelling of Nanostructured Materials. Em no grande potencial dos nanotubos do fechamento da fábrica, a empresa Frankfurt , Alemanha. de carbono. ainda acredita no grande potencial n 14th edition of the Trends in Trata-se de estruturas tubulares com da nanotecnologia e dos nanotubos Nanotechnology International Conference dimensões de cerca de um bilioné- de carbono e, portanto, assume que (TNT 2013). Em Sevilha, Espanha. simo de metro (10-9m) que produ- a investigação e o desenvolvimento outubro zem propriedades elétricas, mecâni- nessa área vão continuar. n 2nd International Conference on cas, ópticas e químicas que podem No ramo de produção de nanotubos Nanostructures, Nanomaterials and beneficiar produtos esportivos, co- de carbono estão grandes empresas Nanoengineering (ICNNN 2013), Coreia do Sul mo raquetes e bicicletas, tornando- como a chinesa CNano, com uma n International Nanotechnology Conference -os mais resistentes; aumentar a linha de produção com capacidade 2013. Em Dubai, Emirados Árabes. mobilidade com a redução do peso de produção de 500 toneladas ao novEmbro de veículos; e possibilitar o desen- ano, e a belga Nanocyl, considerada n 4th International Conference on Ultrafine volvimento de produtos eletrônicos a atual líder mundial na fabricação Grained and Nanostructured Materials. como televisores de tela plana. dessas estruturas. Que os investi- TEm eerã, Irã. À epoca, a Bayer recebeu cerca de 40 mentos permaneçam no setor. n Nanowires 2013. Em Rehovot, Israel. milhões de euros do Ministério da DEzEmbro Educação e Pesquisa da Alemanha, Marcela Salazar Granada n 3rd Nano Today Conference. Em Singapura.

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os 26 grupos de pesquisa listados abaixo correspondem aos laboratórios que integram o sisNaNo

Nome do grupo Nome do grupo Nome do grupo laboratórIo assocIado núcleo de apoIo à pesquIsa central experImental da uFv ao sIsnano em nanocIêncIas e multIusuárIo em santo andré nanotecnologIa – nap-nn Líder do grupo Líder do grupo eduardo seItI gomIde mIzubutI Líder do grupo Wendel andrade alves KoItI araKI Área predomiNaNte Área predomiNaNte nanobIo aplIcado à Área predomiNaNte nanomaterIaIs agrIcultura e alImentos nanoquÍmIca; quÍmIca iNstituição verde e nanosensores iNstituição UFABC UFV iNstituição eNdereço USP eNdereço Rua Santa Adélia, 166, Av. PH Rolfs, s/n, eNdereço CEP 09210-170, Santo André – SP Campus Universitário, Av. Prof. Lineu Prestes, 748, CEP: 36570-000, Viçosa – MG CEP: 05508-900, São Paulo – SP

Nome do grupo Nome do grupo centro de componentes Nome do grupo laboratórIo de semIcondutores – ccs laboratórIo central em caracterIzação nanotecnologIa – lcnano estrutural (lce) Líder do grupo José alexandre dInIz Líder do grupo Líder do grupo gracIela Ines bolzon de munIz Walter José botta FIlho Área predomiNaNte nanodIsposItIvos-nanosIstemas Área predomiNaNte Área predomiNaNte nanoquÍmIca e nanosensores nanomaterIaIs iNstituição Unicamp iNstituição iNstituição UFPR UFSCar eNdereço Rua da Reitoria s/nº, Cidade eNdereço eNdereço Universitária “Zeferino Braz”, Rua XV de Novembro,1299, Rod. Washington Luis, km 235, CEP: 13083-872, Campinas – SP CEP: 80060-000, Curitiba – PR CEP: 13565-905, São Carlos – SP

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Nome do grupo Nome do grupo Nome do grupo centro de caracterIzação e laboratórIo regIonal de laboratórIo de nanotecnologIa desenvolvImento de protocolos nanotecnologIa - lrnano para o agronegócIo para nanotecnologIa – ccdpn

Líder do grupo Líder do grupo Líder do grupo JaIrton dupont luIz henrIque capparellI José arana varela mattoso Área predomiNaNte Área predomiNaNte quÍmIca verde Área predomiNaNte nanomaterIaIs cerâmIcos nanobIotecnologIa iNstituição iNstituição UFRGS iNstituição Unesp Embrapa eNdereço eNdereço Rua Quirino de Andrade, 215 Av. Paulo Gama, 110, 6º Andar eNdereço CEP: 01049-010 – São Paulo-SP CEP: 90040-060 – Porto Alegre – RS Parque Estação Biológica s/n° CEP: 70770-901 – Brasília – DF

Nome do grupo laboratórIo de engenharIa de Nome do grupo superFÍcIes e materIaIs laboratórIo InterdIscIplInar de Nome do grupo nanoestruturados da coppe desenvolvImento de laboratórIo Integrado de nanoestruturas - lInden nanotecnologIa Líder do grupo martIn schmal Líder do grupo Líder do grupo cesar vItorIo Franco José carlos bressIanI Área predomiNaNte nanomaterIaIs aplIcados a Área predomiNaNte Área predomiNaNte superFÍcIes nanomaterIaIs e nanocosmétIcos nanobIo e nanomaterIaIs iNstituição iNstituição iNstituição UFRJ UFSC Ipen eNdereço eNdereço eNdereço Av. Pedro Calmon, 550, 2º andar, Campus Universitário Reitor João Av. Prof. Lineu Prestes 2242, Cidade Cidade Universitária – Campus da Ferreira Lima – Trindade Universitária, CEP: 05508-000 Ilha do Fundão – CEP: 21941-901 CEP: 88040-900 – Florianópolis – SC São Paulo – SP Rio de Janeiro – RJ

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Nome do grupo Nome do grupo Nome do grupo laboratórIo de FabrIcação central analÍtIca em técnIcas laboratórIo nacIonal de e caracterIzação de de mIcroscopIa (eletrônIca nanotecnologIa – lnnano nanodIsposItIvos (labdIs) e ótIca) Líder do grupo Líder do grupo Líder do grupo Fernando galembeK patrÍcIa lustoza de souza antônIo gomes de souza FIlho Área predomiNaNte Área predomiNaNte Área predomiNaNte nanoFIbras e nanosensores nanodIsposItIvos e nanoenergIa nanomaterIaIs e iNstituição nanobIotecnologIa iNstituição PUC-RJ CNPEM iNstituição eNdereço UFC eNdereço Rua Marquês de São Vicente 225 Rua Giuseppe Máximo Scolfaro, Gávea – CEP: 22451-900 eNdereço 10000 – CEP: 13083-970 Rio de Janeiro – RJ Av. da Universidade 2853, Benfica Campinas – SP CEP: 60020-181 – Fortaleza – CE

Nome do grupo Nome do grupo laboratórIo assocIado de Nome do grupo laboratórIo de sÍntese de desenvolvImento e caracterIzação centro de caracterIzação em nanoestruturas e Interação com de nanodIsposItIvos e nanotecnologIa para materIaIs bIossIstemas – nanobIoss nanomaterIaIs – lanano e catálIse – cenano Líder do grupo Líder do grupo Líder do grupo osWaldo luIz alves Wagner nunes rodrIgues paulo gustavo prIes de olIveIra Área predomiNaNte Área predomiNaNte Área predomiNaNte nanobIosIstemas nanodIsposItIvos e nanomaterIaIs nanocatálIse e nanomaterIaIs iNstituição iNstituição UFMG iNstituição Unicamp INT eNdereço eNdereço Av. Antônio Carlos, 6627 eNdereço Rua da Reitoria s/nº, Cidade CEP: 31270-901 Av. Venezuela, 82 – Centro Universitária “Zeferino Braz” Belo Horizonte – MG CEP: 20 081-312 –Rio de Janeiro – RJ CEP: 13083-872 – Campinas – SP

Nome do grupo Área predomiNaNte eNdereço laboratórIo estratégIco de nanometrologIa Av. Nossa Senhora das Graças, 50 nanometrologIa Xerém – CEP: 25250-020 – Duque iNstituição de Caxias – RJ Líder do grupo Inmetro carlos alberto achete

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Nome do grupo Nome do grupo Nome do grupo laboratórIo multIusuárIo laboratórIo de quÍmIca núcleo de de nanocIêncIas e de nanoestruturas de bIonanomanuFatura nanotecnologIa – labnano carbono – lqn/cdtn Líder do grupo Líder do grupo Líder do grupo álvaro José abacKerlI rubem luÍs sommer adelIna pInheIro santos Área predomiNaNte Área predomiNaNte Área predomiNaNte nanobIotecnologIa nanodIsposItIvo e nanoestruturas de carbono nanomagnetIsmo iNstituição iNstituição IPT iNstituição CDTN/CNEN CBPF eNdereço eNdereço Av. Prof. Almeida Prado, 532 eNdereço Rua Dr. Xavier Sigaud 150 – Urca Butantã – Cidade Universitária, Av. Antonio Carlos, 6627 – Campus CEP: 22290-180 – Rio de Janeiro – CEP: 05508-901 – São Paulo – SP da UFMG – Pampulha CEP: 31270-901, Belo Horizonte – RJ MG

Nome do grupo Nome do grupo nanobIotecnologIa para rede de laboratórIos Nome do grupo desenvolvImento, prototIpagem assocIados em nanotecnologIa laboratórIo de e valIdação de produtos da uFpe – larnano nanocIêncIa e nanotecnologIa para o sus da amazônIa – nano-amazon Líder do grupo Líder do grupo nereIde stela santos magalhães Líder do grupo rodrIgo guerIno stabelI ângela burlamaquI Klautau Área predomiNaNte Área predomiNaNte nanomaterIaIs Área predomiNaNte nanobIotecnologIa e nanomedIcIna nanobIotecnologIa iNstituição iNstituição UFPE iNstituição IBMP UFPA eNdereço eNdereço Av. Prof. Moraes Rego, 1235 eNdereço Rua Prof. Algacyr Munhoz Cidade Universitária Rua Augusto Corrêa 01, Guamá Mader, 3775 – CEP: 81350-010 CEP: 50670-901 – Recife – PE CEP: 66075-110 – Belém – PA Curitiba – PR

Nome do grupo Área predomiNaNte eNdereço laboratórIo multIusuárIo de nanobIotecnologIa e Av. Professor Luís Freire, 1, Cidade nanotecnologIa do cetene nanomaterIas Universitária CEP: 50540-740 – Recife – PE Líder do grupo iNstituição andré galembecK Cetene

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UM OLHAR SOBRE A AGRICULTURA FAMILIAR, te R$ 1 bilhão (2). Apesar de representar uma conquista, o mercado do PNAE impõe também um grande desafio para A SAÚDE HUMANA E O AMBIENTE as organizações produtivas da agricultura familiar. Nas re- giões metropolitanas brasileiras esse desafio é ainda maior, Magda Regina Santiago Moreira pois, devido ao elevado grau de urbanização, o número de agricultores familiares locais é significativamente menor. No âmbito da agricultura familiar há uma importância Assim, tais regiões apresentam a condição particular de, cada vez maior em se produzir hortaliças e frutas com apesar de possuírem um mercado consumidor importante, padrões de qualidade, que sejam livres de resíduos de não conseguirem gerar produção em quantidade suficien- agrotóxicos e que não comprometam o ambiente agrí- te por meio dos agricultores familiares. Como os recursos cola, respeitando-se, também, os princípios da segurança repassados para a alimentação escolar pelo PNAE/FNDE/ alimentar. Atualmente, o consumo de frutas e hortaliças MEC são proporcionais ao número de alunos matriculados, tornou-se uma proposta de médicos e nutricionistas para parcela significativa desses recursos concentra-se nessas uma dieta saudável e como uma alternativa, para a popu- cidades, que possuem um grande número de habitantes lação brasileira e mundial, que evite a obesidade e suas por metro quadrado. As 100 maiores prefeituras (1,7% do consequências para a saúde. total) recebem cerca de 30% dos recursos repassados aos A partir de junho de 2009, houve uma mudança de cenário municípios (2). Sendo assim, a Secretaria da Agricultura para a agricultura familiar brasileira. Através da Lei nº 11947 Familiar definiu a estratégia Nutre Brasil, que consiste em foi instituído que, do total dos recursos financeiros repassa- prestar apoio e promover a articulação entre os gestores dos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação públicos responsáveis pelas compras do PNAE, nos maiores (FNDE), pelo menos “30% destinados às aquisições para municípios do país, e as organizações econômicas da agri- o abastecimento da merenda escolar deverão ser ende- cultura familiar com maior capacidade de fornecimento. reçados àqueles fornecedores, no âmbito do Programa Em São Paulo, estado que concentra 36 dos 100 maiores mu- Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), diretamente da nicípios do país em termos de repasse do FNDE, foi firmada agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou a parceria com o Instituto Via Pública, como Organização da de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da Sociedade Civil de Interesse Público, escolhida por meio de reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e chamada pública de projetos, trazendo a público as refle- comunidades quilombolas”(1). xões dos membros e parceiros do projeto Nutre São Paulo O valor disponibilizado no ano de 2011 para o fornecimen- e contribuindo para o debate e desenvolvimento das polí- to da alimentação escolar aos 44 milhões de beneficiários ticas públicas dirigidas para a agricultura familiar, das quais diários do programa foi de aproximadamente R$ 3 bilhões. se beneficiam pessoas do campo e da cidade (2). Devido ao Sendo assim, o mercado reservado exclusivamente para a significativo volume de compras envolvido na alimentação agricultura familiar alcançou o volume de aproximadamen- dos alunos da rede pública paulista, o projeto Nutre SP obje-

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tivou os empreendimentos de agricultores familiares locais transmissíveis. Uma dieta com grande quantidade e varie- e regionais. Houve, no entanto, dificuldades de implementa- dade de frutas e hortaliças está associada à prevenção de ção, uma vez que o número de agricultores que se enqua- 20% ou mais dos casos de câncer; o baixo consumo desses dram no perfil exigido pelo projeto ainda é pequeno quando produtos está relacionado à cerca de 31% das doenças is- comparado ao total de agricultores familiares existentes. quêmicas do coração e 11% dos casos de derrame. Já está Portanto, fazer adequações no modo de produção agrícola comprovada, também, a redução no risco de desenvolvi- e identificar melhores formas de promover a comercializa- mento de doenças cardiovasculares proporcionada pela ção dos produtos são condições para o êxito da viabilidade combinação de antioxidantes, micronutrientes, substân- da agricultura familiar no mercado da merenda escolar. Per- cias fitoquímicas e fibras encontradas nesses alimentos (4). cebemos ainda que, em virtude da grande demanda de me- Em Roma, por exemplo, a mudança nas compras de alimen- renda escolar, as compras realizadas dentro de cada estado tos começou, gradualmente, no final da década de 1990. acabaram impactando fornecedores estabelecidos fora do Baseada em uma legislação nacional que tentava barrar a território estadual, transformando-se, em vários casos, em importação de carnes bovinas contaminadas pelo mal da uma questão nacional, e isso não foi previsto pelo Projeto vaca louca, em favor de alimentos produzidos localmen- Nutre Brasil, uma vez que seu propósito era o de apoiar a te, em particular os integrais e orgânicos, a administração aquisição de gêneros produzidos pela agricultura familiar municipal iniciou uma verdadeira revolução no sistema de dentro de uma área de abrangência delimitada. alimentação escolar. Desde a constatação de que os jovens romanos estavam cada vez mais obesos e que os saudá- Programas latinos e euroPeus Quase 20 países da Améri- veis hábitos de consumo de comida mediterrânea estavam ca Latina têm programas de alimentação escolar, mas na sendo abandonados, foi iniciado um trabalho junto aos 20 maioria deles as ações públicas são pequenas ajudas, tem- distritos municipais para padronizar as licitações e foram porárias e com baixo conteúdo nutricional. Em apenas três estabelecidos critérios de pontuação para certificações países (Brasil, Panamá e Chile) as refeições são assegura- ambientais, sendo o projeto muito bem sucedido. Tal proje- das durante todo o ano letivo e em caráter nacional. Nos to inspirou experiência semelhante no estado de São Paulo, dois últimos países mencionados, no entanto, a alimenta- no caso do morango com selo de qualidade, produtos orgâ- ção não é para todos, mas seletiva e focalizada. No Chile, nicos e para a oferta de serviços (educativos, treinamento por exemplo, todos os alunos desfrutam do mesmo tipo etc) por parte das companhias participantes de licitações. de alimento, mas o seu pagamento ou isenção depende da Na cidade de Londres, após a década de 1990, os gesto- condição econômica da família (3). res públicos voltaram a se preocupar com questões que Na Europa, a alimentação escolar sempre foi tida como um di- haviam sido afastadas das preocupações em relação à reito da população e primordial para a educação. Porém, com alimentação escolar britânica: a necessidade de reverter o decorrer dos anos, esse cenário foi se alterando para uma o crescimento da obesidade, de promover a redução dos prática em que as crianças saem da escola para ir almoçar em impactos ambientais e adotar políticas de inclusão social. casa ou nas proximidades. Análises dos programas públicos A partir de incentivos, os administradores distritais foram desses países não deixam claro qual a integração dos mes- motivados a adotar uma agenda de compras locais, visan- mos com as compras locais. Poucos os países europeus que do também à qualidade dos produtos in natura (2). ainda oferecem uma alimentação escolar gratuita. No Brasil, assim como em outros países, o consumo de hor- Por várias razões, atualmente, todos os países têm adotado taliças e frutas com selo de qualidade, informando que o políticas públicas que promovam o consumo, a produção produto está com níveis de resíduos de agrotóxicos e in- sustentável e o abastecimento de frutas e hortaliças, visan- gredientes ativos permitidos pela legislação, ainda é mais do a segurança ambiental e nutricional e a promoção da vinculado à população de maior poder aquisitivo, o que é saúde da população, uma vez que as pesquisas demons- facilmente comprovado pela análise da frequentação dos tram que frutas e hortaliças, cuja produção tenha controle grandes supermercados e feiras de produtos orgânicos. ou ausência de utilização de agroquímicos, desempenham Com relação ao sistema brasileiro de produção de alimen- função protetora no surgimento de doenças crônicas não tos, de uma maneira geral, percebe-se que os órgãos de ex-

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tensão rural vêm lutando contra o uso indevido de agrotó- de Agricultura Orgânica, através de um selo de qualidade. xicos e a classe agronômica, os produtores, vêm pleiteando Mas isso ainda acontece de forma diminuta em relação ao o registro pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abas- número de consumidores. Em geral, o cultivo de hortaliças tecimento (Mapa) de produtos químicos para aplicação em no Brasil faz uso de agrotóxicos. culturas agrícolas de produção em pequena escala, porque Percebe-se que é cada vez mais importante valorizar a agri- a legislação brasileira dificulta as boas práticas agrícolas por cultura familiar orgânica, também por meio do fortaleci- não disponibilizar para as pequenas culturas (minor crops), mento do cooperativismo e associações, embora ainda se as hortaliças em particular, um número suficiente de ingre- encontre alguma dificuldade de adesão dos agricultores, dientes ativos para combate a doenças e pragas agrícolas, em função de tradição familiar, condições econômicas etc. ou seja, os produtos registrados não cobrem todas as cultu- ras, conduzindo o agricultor familiar a ações de uso indevido É considerado agricultor familiar no Brasil aquele que aten- de agrotóxicos, não raro, com a conivência do engenheiro de os seguintes requisitos: agrônomo responsável pelo receituário agronômico que, n não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (qua- encontrando-se num impasse entre seguir a lei ou seus co- tro) módulos fiscais; nhecimentos técnicos, procura ajudar o agricultor prescre- n tenha renda familiar predominantemente originada de vendo o produto registrado para um determinado cultivo atividades econômicas vinculadas ao próprio estabeleci- que, na verdade, será utilizado em outro. A problemática mento ou empreendimento; não é tão complexa, mas os interesses da indústria de agro- n dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua tóxicos e da indústria de gêneros alimentícios nem sempre família; são totalmente compatíveis, do ponto de vista ambiental, o n utilize predominantemente mão de obra familiar nas ati- que tem criado uma importante questão para o Ministério vidades econômicas do seu estabelecimento ou empreen- da Agricultura, Pecúaria e Abastecimento e para o Instituto dimento (6). Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renová- veis (Ibama) na relação com os agricultores. Esse diálogo Já a agricultura familiar mundial caracteriza-se por: já se arrasta por mais de duas décadas no Brasil, apesar de n apresentar interface entre trabalho e gestão; algumas ações isoladas em estados brasileiros que, em bus- n ênfase na diversificação da produção, na sustentabilidade ca de alternativas para o agricultor, têm encontrado alter- do uso dos recursos naturais e na qualidade de vida; nativos para o controle de pragas e doenças e pleiteado o n tomada de decisões ligada ao alto grau de imprevisibilida- registro de produtos mais adequados. de do processo produtivo; n predomínio do trabalho assalariado complementar, mes- normatização necessária Ainda sobre os sistemas de pro- mo que apenas quando a família apresenta falta de condi- dução, uma nova ordem está sendo buscada, através da ções de desempenhar todas as atividades produtivas (7). construção de um conjunto de normas e de um sistema de garantia de qualidade do produto hortícola, por exemplo, Comparando-se o modelo patronal ao familiar, observa-se na região paulista do Alto Tietê, por meio de um projeto no primeiro completa separação entre gestão e trabalho, or- de políticas públicas da Fapesp, que analisou a qualidade ganização centralizada, ênfase na especialização e nas prá- físico-química e microbiológica da água de irrigação da- ticas agrícolas padronizáveis, predomínio de trabalho assa- queles cultivos. Novas instituições de avaliação da confor- lariado, tecnologia voltada às decisões de oportunidades de midade participativa dos produtos são necessárias, assim momento, tecnologias voltadas principalmente à redução como uma estrutura de governança que dê suporte para da necessidade de mão de obra e pesada dependência de a transformação gradual do padrão tecnológico dos agri- insumos adquiridos (8). E é isso que acontece nas grandes cultores familiares (5). A produção e comercialização de culturas como a da cana de açúcar, no estado de São Paulo, frutas e hortaliças orgânicas, por exemplo, nos assegura e a da soja, em nível nacional, sendo esse o modelo tecnoló- um produto saudável e sem agroquímicos, e essa sauda- gico predominante da agricultura brasileira em larga escala. bilidade é garantida, aqui no Brasil, por uma Associação As monoculturas (cultivo de uma única cultura agrícola) ou a

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rotação de culturas (alternação de um cultivo de uma cultura Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, há ainda muita agrícola com outra no ano), mas com plantios intensivos em carência de profissionais que possam dar assistência técnica e grandes áreas, diferentemente da agricultura familiar, têm orientações aos agricultores familiares sobre, principalmente, colaborado para a degradação ambiental através do manejo inovações científicas e tecnológicas da área e melhor manejo inadequado do solo e da água e do uso excessivo de agrotó- do solo, o que contribuiria para que as gerações futuras pos- xicos. A estimativa da safra nacional de 2013 de cereais, le- sam usufruir de uma nova realidade onde haja produção guminosas e oleaginosas totalizou 185 milhões de toneladas, racional de alimentos, energia e bens produzidos dentro superior 14,2% à obtida em 2012 (161,9 milhões de toneladas), de padrões éticos e sustentáveis. Programas como o PNAE e com variação absoluta positiva de 3.637.423 toneladas na poderão, se bem implementados, ajudar os pequenos agricul- comparação com a estimativa de março (2,0%). A área a tores a serem, mais que produtores, agentes de mudanças. ser colhida em 2013, de 52,8 milhões de hectares, mostrou acréscimo de 8,2% em relação à 2012 (48,8 milhões de hec- Magda Regina Santiago Moreira é engenheira agrônoma, pesquisadora tares). O arroz, o milho e a soja são os três principais produtos científica do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Proteção Ambien- tal, do Instituto Biológico, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do desse grupo, que somados representaram 92,4% da estima- estado de São Paulo. tiva da produção e corresponderam a 86,1% da área a ser colhida no Brasil. Comparativamente a 2012, na produção, os acréscimos foram de 5,1% para o arroz, de 9,1% para o milho referências BiBliográficas

e de 23,3% para a soja (9). 1. Brasil. Lei nº 11947, de 16 de junho de 2009. Porém, observa-se que houve uma maior conscientização, 2. Siliprandi, E.; Belik, W. “A agricultura familiar e o atendimento à demanda ins- em geral, em relação ao uso racional de agrotóxicos, até titucional das grandes cidades”. In: Corá, M. A. J., Belik, W. (Orgs.). Análise por força de novos posicionamentos do mercado consumi- da inclusão da agricultura familiar na alimentação escolar no estado de São Paulo. dor de gêneros alimentícios no estado de São Paulo. Em São Paulo: Instituto Via Pública, 2012. Disponível em: http://www.mda.gov.br/ portal/saf/arquivos/view/alimenta-o-escolar/arquivos-2012/Publica%C3%A7 relação à água em área de arroz irrigado por inundação no %C3%A3oNutreS%C3%83OPAULO.pdf. Acesso em: 18/01/2012. Vale do Paraíba, em amostragens realizadas em setembro 3. Belik, W. e Souza, R. (2009). "Algumas reflexões sobre os programas de alimen- de 1999 (antes da aplicação do inseticida no campo de ar- tação escolar na América Latina". Planejamento e políticas públicas Ipea nº 33 jul/ roz) e mensais de outubro de 1999 (5 dias após a aplicação) dez.2009, p.103-122. até maio de 2000 utilizando-se o inseticida carbofurano 4. www.agricultura.gov.br/arq.../Hortalicas/.../A_Politica_Nacional de Alimenta- formulado a 5% deste ingrediente ativo (com pequena ção e Nutrição e as Iniciativas para aumentar o consumo de frutas e hortaliças no Brasil.pdf. Acesso em16/12/2011. máquina que produzia efeitos semelhantes a aplicação a 5. Chalita, M.A.N. & Carvalho, Y.M.C. “Potencialidades do envolvimento social lanço), verificando-se o nível de dano econômico, portanto, em torno da construção do selo de qualidade ambiental na região das cabeceiras apenas quando o inseto gorgulho aquático do arroz com- do Tietê”. Textos para discussão. São Paulo. TD-IEA n.20/2010. promete a produção, constatou-se que nas amostras de 6. Brasil. Lei da Agricultura Familiar (Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006). água foram detectados resíduos, ainda que não em volume 7. www.ceplac.gov.br/radar/artigos. Acesso em 08/06/2011. representativo. Na água bruta e de abastecimento do dis- 8. Veiga, J.E. “Debates- Agricultura familiar e sustentabilidade”. Cadernos 396 de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.13, nº 3, p.383-404, 1996. trito industrial de Taubaté, tratada pela Sabesp, no mesmo 9. http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/ período não foi detectado resíduo de carbofurano (10). lspa_201304comentarios.pdf . Acesso em 19/05/2013. Mas, tanto no Brasil quanto em alguns países europeus, 10. Santiago, M. R. “Impactos ao ambiente e riscos potenciais à saúde, Decorrentes a qualidade da água subterrânea, por exemplo, ainda está do uso de carbofuran em área de produção de arroz, Taubaté, São Paulo”. Disser- ameaçada por pesticidas (11) e ainda ocorrem muitos pro- tação de mestrado em saúde pública, 2001, 72 p. – Faculdade de Saúde Pública blemas de contaminação ambiental por pesticidas em da Universidade de São Paulo , USP , São Paulo, 2001. 11. FAO – Irrigation and drainage paper 55, Rome, 1996. 101p. virtude de transporte, lixiviação e escoamento superficial, juntamente com as partículas de solo ou da água, compro- metendo enormes áreas agricultáveis, o abastecimento fontes consultadas

público, animais e populações inteiras de consumidores e www.cati.sp.gov.br/projetolupa/index.php.{acesso em 16/01/2012}. www.fao.org/ de habitantes de determinadas regiões. fcit/fcit-home/en {acesso em 07/6/2013}

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6_Artigos_Ensaios_43_p54a57.indd 57 7/4/13 3:53 PM Salão do Humor de Piracicaba/ Divulgação HUMOR Dos traços sofisticaDos ao vale tuDo nas reDes sociais

De 24 de agosto a 20 de outubro deste ano acontece a 40ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, no interior paulista. Co- meçou pequeno, como uma mostra Charge de Ivan Cabral (acima) de humor gráfico dentro do Salão apresentada no Salão do Humor de de Arte Contemporânea de Piraci- Piracicaba 2012 e caricatura de Lézio caba, em 1974, em plena ditadura Custódio Jr (ao lado) premiada em 2011 militar. Alceu Marozzi Righeto, Adolpho Queiroz e Carlos Colon- brasileiro é um constante piadista, nese foram alguns dos idealizadores faz humor de tudo e de todos. A do evento que contataram os edi- possibilidade do riso abre a possibi- tores do jornal Pasquim pelo apoio lidade de entender, ou pelo menos de , Millôr Fernandes, Paulo começar a entender, as questões, Francis e Zélio Alves Pinto para a sejam trágicas ou cômicas”, afirma primeira edição do evento. A partir Edu Grosso, diretor do Centro Na- de então, grandes nomes do humor cional de Humor Gráfico de Pira- brasileiro levariam suas obras para cicaba (CEDHU). O jornalista e o salão: Ziraldo, Fortuna, , escritor Barão de Itararé, pioneiro Luis Fernando Veríssimo, Paulo e do humorismo político brasileiro, Chico Caruso, Miguel Paiva, An- não poupava o governo brasileiro geli, , entre outros. A grande de suas críticas bem-humoradas já repercussão logo na estreia anteviu em meados de 1930. ra militar, que censurou e até mesmo a carreira da mostra que se tornou exilou muitos humoristas. Juca Cha- internacional a partir de sua terceira Humor e política “Até o período ante- ves teve que se mudar para Portugal edição, e hoje é tida como a maior rior ao governo militar muitas críticas na década de 1970, mas não deixou no gênero, exibindo trabalhos em eram feitas sob a égide do bom gosto de fazer suas sátiras lá – o que acabou cartum, charge, caricatura e tiras, e, como se vivia em tempos menos incomodando o governo nacionalis- além de mostras paralelas em vários rígidos, elas eram melhor toleradas e, ta e repressor do primeiro-ministro espaços culturais da cidade. por isso, podiam ser mais explícitas e António de Oliveira Salazar, obri- No Brasil, humor se mescla com a menos agressivas”, explica o psiquia- gando o humorista a se mudar nova- crítica política e social e virou uma tra Francisco Baptista Assumpção Jr, mente, desta vez para a Itália. das características nacionais mais do Instituto de Psicologia da USP. Na ditadura, outros humoristas marcantes. “Sem dúvida o povo Mas o cenário mudou com a ditadu- se destacaram por sua forte críti-

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7_Cultura_43_p58a68.indd 58 7/4/13 3:52 PM ca política e social. Foi a época do Se por um lado as ferozes críticas gem uma temática tão vasta quanto humor refinado de Henfil, Millôr sociais e políticas sofreram um esva- seu público. A característica mais Fernandes, Ziraldo e Jaguar marcos ziamento, por outro o humor brasi- marcante desse “novo humor” é a de inteligente e forte crítica política leiro tornou-se mais escrachado e até acessibilidade. E podem ser compar- e social. E todos tiveram problemas mesmo ofensivo. Os pesquisadores tilhados pelas redes sociais e outros com o regime militar. “O governo apontam que isso surge como uma tantos mecanismos disponíveis pela militar não tolerava que se risse dele. revolta contra o politicamente cor- internet. Esse compartilhamento faz Por isso as críticas não podiam ser reto, que condena tudo o que possa com que ele atinja um número mui- explícitas, tendendo a ser metafóri- ser discriminatório e ofensivo. “Não to grande de pessoas, mesmo fora da cas, porque o humor só era tolerado somos perfeitos nem tendemos a is- grande mídia. Estar fora dos meios se não fosse direto. E isso piorou a so. Rimos daquilo que consideramos como a televisão, jornais e revistas, insatisfação e as válvulas de escape constrangedor, ridículo ou feio, e es- aliás, permite que esse humor seja se tornaram cada vez menores”, ex- ses conceitos, nos últimos anos, pas- mais explícito e, até certo ponto, plica Assumpção. saram a sofrer uma censura marcante com menor censura. Segundo o pesquisador, enquanto o por não serem considerados politi- Além disso, esse humor que circula poder se manifesta através da força, camente corretos”, diz Assumpção. na rede tem como principal públi- os oprimidos acabam se valendo do No entanto, Kupermann lembra co os adolescentes e jovens adultos, humor para criticar o estado das coi- que o humor propriamente dito não “Isso porque, em termos psíquicos, sas. “A única possibilidade que sobra poupa ninguém, mas incide sobre os o adolescente se encontra em meio a é rir daqueles que oprimem e abu- ideais que sustentam a ordem social, um difícil trabalho, no qual precisa, sam”, conclui. promovendo a abertura para o non- para atingir a maturidade e respon- sense e o impensado. sabilizar-se pelos seus atos, romper politicamente incorreto A ditadu- Por outro lado, essa teórica liberali- os laços com os objetos que o sus- ra militar terminou, mas o assunto zação contra a ditadura do politica- tentavam até então – notadamente para a crítica e para o humor, não. mente correto acaba considerando o os pais e as figuras às quais conferia O cenário voltou a mudar com a desrespeito ao outro como uma ma- autoridade”, explica Kuppermann, eleição de Luiz Inácio Lula da Silva nifestação democrática da própria que lidera o grupo de pesquisa no para a presidência, em 2003. “Com opinião. Em nome desse individu- Laboratório de Pesquisas e Inter- a eleição do Lula, originalmente um alismo e da liberdade de expressão, venções Psicanalíticas do Instituto operário pouco letrado, houve certa muitos humoristas acabam exage- de Psicologia da USP. “Além disso, inibição, da parte de muitos humo- rando e fazendo comentários ofen- a urgência em encontrar novos ter- ristas engajados politicamente, de sivos e preconceituosos. “O privilé- ritórios existenciais favorece uma tomar o presidente como objeto da gio da individualidade possibilitou intensa adesão a grupos e a identi- crítica humorística”, aponta o psi- o surgimento da ‘falta de educação’ e dades prêt-à-porter. Dessa maneira, canalista Daniel Kupermann, pro- cortesia, como um atributo de uma não é surpreendente que se busque fessor do Instituto de Psicologia da ‘pós-modernidade’ onde tudo é flui- uma via de escape, na qual tudo o USP. Ele conta que houve uma espé- do, as relações são descartáveis e o que é abominável é posto no ou- cie de esvaziamento da resistência ao respeito idem”, analisa Assumpção. tro do qual se ri. Trata-se, assim, de pensamento hegemônico que hoje usufruir de uma espécie de ‘licença vigora no país, assim como um des- o Humor caiu na rede Hoje, grupos poética’ que a cultura tolera e, mes- crédito generalizado das instituições de humor têm se tornado virais na mo, oferece, para que nossa agressi- reguladoras da vida social. “Nos fal- internet. Youtube, redes sociais, vidade encontre uma via lúdica de ta, efetivamente, alguma reverência blogs e vlogs são locais de comparti- expressão”, afirma. em relação aos valores inegociáveis lhamento de vídeos e também de ti- para a vida cultural”, afirma. rinhas, charges e cartuns que abran- Chris Bueno

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7_Cultura_43_p58a68.indd 59 7/4/13 3:52 PM Mutirão de mulheres quebradeiras de coco de babaçu do Médio-Mearim, região central do Maranhão. Comunidade presente em quatro estados brasileiros nos quais há ocorrência de palmeira de babaçu

biente, cuja história está intimamen- que fica dentro da amêndoa, fazem te ligada à luta contra a privatização frituras ou transformam em óleo pa- MeiO aMbiente do uso da terra e dos babaçuais. ra usar nos cabelos. As populações tradicionais, que vi- Enquanto para as populações das vem perto das florestas no Maranhão cidades, muitas vezes, a preservação QuebranDo aproveitam tudo o que a palmeira do meio ambiente é algo distante, coco, rompenDo de babaçu oferece (veja box). “Para para essas comunidades é na relação alimentação usam as palmeiras me- com os recursos naturais que se dá a paraDigmas nores, chamadas pindovas, retiram o formação de sua identidade. A pre- palmito que serve tanto para alimen- servação da floresta é uma tradição Elas acordam cedo, caminham vários to humano como para ração animal, transmitida oralmente de geração quilômetros para entrar na mata. Lá, fazem farinha e das amêndoas extra- para geração. “Preservar esses recur- saem em busca das palmeiras de ba- em o óleo, retiram o leite e o azeite, sos significa assegurar a reprodução baçu para colher seu fruto. Quando utilizados na cozinha e na fabricação social dos povos envolvidos”, afirma se reúnem em pequenos grupos para de sabão e sabonetes”, descreve Rosa- Rosana. Segundo ela, para as mu- quebrar os pequenos cocos e retirar na Schuwartz, historiadora da Uni- lheres que vivem da quebra do coco, sua preciosa amêndoa, cantam pe- versidade Presbiteriana Mackenzie, garantir o acesso e a preservação dos la preservação dos babaçuais: “Não que coordenou entre 1989 e 2010, babaçuais vai muito além da renda. derrube esta palmeira. Não devore os o projeto “Quebradeiras de coco de “Significa manter suas tradições e palmeirais. Tu já sabes que não podes babaçu e o desenvolvimento susten- o equilíbrio com o meio ambiente, derrubar. Precisamos preservar as ri- tável: formas de educação ambiental já é um modo natural de sustento e quezas naturais”. Elas são as mulhe- e comunicação". Das folhas das pal- de impedir que as paisagens locais res quebradeiras de coco de babaçu meiras são feitos cestos, leques, cer- se transformem em capinzais para do Médio-Mearim, região central do cados e a cobertura das casas, sendo o gado”, afirma. “Foi por isso que estado do Maranhão, um exemplo ainda utilizadas como adubo orgâni- as mulheres quebradeiras de coco bem sucedido da convivência equi- co. Da casca do coco tiram o carvão, de babaçu, juntamente com outras librada entre humanos e o meio am- usado na cozinha. Do gongo, larva comunidades tradicionais, se orga-

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7_Cultura_43_p58a68.indd 60 7/4/13 3:52 PM Fotos: MIQCB inclusive em uni- igualdade de direitos entre homens dades de conser- e mulheres”, pontua Rosana. vação oficialmen- Dentre as conquistas da Assema es- te reconhecidas, tá a aprovação, em 1997, da Lei do como no caso das Babaçu Livre. “Essa lei garante às reservas do Ciria- quebradeiras e às suas famílias, di- co e Mata Gran- reito de livre acesso e de uso comu- de, além do Par- nitário dos babaçus (mesmo quando que Estadual do dentro das propriedades privadas) e Mirador, todos no ainda impõe restrições significativas Maranhão. à derrubada das palmeiras, os cor- Outra organiza- tes dos cachos e o uso de herbicidas ção liderada por na região dos babaçuais”, explica a elas e por traba- pesquisadora. Mesmo assim, mui- lhadores rurais é tos fazendeiros impedem a entrada a Associação em das quebradeiras para coletarem o Mutirão de mulheres quebradeiras de coco de babaçu do Médio-Mearim, região central do Maranhão. Comunidade presente em quatro estados brasileiros nos quais há ocorrência de palmeira de babaçu Áreas de Assenta- coco do babaçu em suas proprieda- mento no Estado des, instalando cercas elétricas e até nizaram em associações, entrelaçan- do Maranhão (Assema). Fundada disparando tiros para amedrontar do, em suas reivindicações, questões em 1989, ela apoia a agricultura fa- as mulheres. Desde então outras de gênero e meio ambiente”. miliar, prestando assessoria técnica e leis foram aprovadas. No estado do jurídica, e o extrativismo sustentável Tocantins houve aprovação de lei mulHeres multifuncionais “Somos por meio da utilização e preservação estadual que, além de garantir o li- quebradeiras de coco de babaçu, ex- dos babaçuais. O surgimento desses vre acesso, proíbe a queima e venda trativistas, donas de casa, mulheres, dois movimentos coincide com as do coco inteiro, conta Ana Carolina mães, avós, esposas, trabalhadoras primeiras incorporações de variá- Magalhães Mendes, da coordenação rurais organizadas pelo Movimento veis ambientais pelos movimentos técnica do MIQCB. Interestadual das Quebradeiras de sociais e suas lutas pelo reconheci- “O combate ao desmatamento Coco Babaçu (MIQCB), que inte- mento do conhecimento tradicio- das florestas de babaçu e o estabe- gra quatro estados brasileiros onde há nal que aconteceram no final dos lecimento de preços justos para os ocorrência de palmeiras de babaçu: anos 1980 e início dos anos 1990, produtos que fabricamos (veja box) Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí”, diz a historiadora. demandam trabalho constante”, informa o texto que abre a página do afirma Silvianete Matos Carvalho, MIQBC na internet. O objetivo do Questões de gênero Conhecimento secretária executiva da Assema. Movimento, criado no final dos anos tradicional que deve ser entendido “Em outra frente, buscamos novas 1980, é conquistar melhores condi- como uma reapropriação e reinven- tecnologias para o aproveitamento ções de vida e de trabalho para essas ção de uma categoria vinculada ao integral do babaçu, que facilitem a mulheres. A luta das quebradeiras se passado, mas que se projeta para o conversão das amêndoas em produ- insere em um contexto de forte pres- presente e futuro. Isso significa que tos de maior valor”, completa. são tanto pelos altos índices de des- esse conhecimento acaba reinven- Um fator de disputa mais recente matamento como pela privatização tando as questões de gênero presen- em torno do babaçu foi gerado pe- das áreas ocupadas pelo babaçu. Se- tes nas associações não governamen- lo uso do coco para a produção de gundo Rosana Schuwartz, diversas tais, como a Assema e a MIQCB - carvão vegetal. “Diversas fazendas áreas são devastadas para dar lugar “que entrecruzam a defesa ao meio foram arrendadas para essa ativi- aos pastos, fato que provoca tensões, ambiente, cultura tradicional e dade, cujo mercado consumidor é

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7_Cultura_43_p58a68.indd 61 7/4/13 3:52 PM formado por empresas de óleos ve- getais, cerâmicas e, principalmente, Produtos do babaçu PaUlO VanzOlini pelas siderúrgicas ligadas ao Projeto Carajás”, conta Rosana. Ela ressal- O principal produto retirado do ta que as organizações extrativistas coco do babaçu são as amêndoas. paixão pela não são contrárias ao uso do coco Elas são transformadas em óleo ciência e pela para produção de carvão, desde que bruto, vendido para a indústria seja somente a casca e não o coco de cosméticos e de sabão, tanto música Deixou inteiro, com a amêndoa, principal no mercado nacional como subproduto da economia familiar marcas por do babaçu. internacional. No entanto, para dominar todas as etapas do onDe passou comunidades de fibra A especifi- beneficiamento e também a cidade dessa economia é que ela se comercialização dos subprodutos, O seu olhar perspicaz ao identificar baseia em unidades familiares, on- as quebradeiras de coco buscaram padrões históricos numa diversida- de o trabalho é dividido entre todos capacitação e desenvolveram de antes confusa contribuiu para que os membros da família e passado de uma linha de produtos artesanais. a zoologia brasileira deixasse de ser uma geração para outra, construin- uma mera busca pela descrição de A farinha ou pó de babaçu é do relações de gênero próprias des- novas espécies e para que se começas- sas comunidades tradicionais, que rica em amido, vitaminas e sais se a pensar em hipóteses evolutivas. tem o meio ambiente como palco minerais, pode ser utilizada em Ao mesmo tempo, foi o observador principal. Por isso ele passa a ser um bolos, tortas, vitaminas e sucos do cotidiano com uma sensibilidade instrumento de luta política. Nas or- de frutas. Tem propriedades anti- humanística que compôs clássicos ganizações que essas mulheres criam inflamatórias e analgésicas. Já o do samba como Ronda, Volta por ci- para lutar pela preservação do meio sabonete é produzido de forma ma e Na boca da noite, entre tantos ambiente e por seus direitos como artesanal, sem uso de aditivos outros. Este foi Paulo Emílio Vanzo- trabalhadoras, elas encontram uma e a partir do óleo de babaçu. A lini, cuja voz calou-se no último dia possibilidade de voz e ação política, 28 de abril em São Paulo. palha da palmeira também pode recusando a vitimização do papel fe- Zoólogo e compositor, Paulo Van- minino que, muitas vezes, a socieda- ser usada para confeccionar zolini conciliou suas paixões pela de impõe. “A prática social cotidiana bolsas, esteiras, cestaria em música e pela pesquisa científica, das mulheres quebradeiras de coco geral, chapéus e peneiras que, por deixando marcas profundas nas du- de babaçu cria atividades diferentes, vezes, ainda ganham um refinado as áreas e tendo influenciado músi- complementares e não raramente acabamento feito com a fibra do cos e pesquisadores. Sua carreira co- conflituosas em meio às questões en- buriti. Existe ainda uma linha de meçou cedo. Com apenas 14 anos tre o masculino e o feminino. Cada bio-joias feitas do endocarpo do iniciou um estágio no Instituto Bio- gênero foi construído historicamen- lógico de São Paulo, onde descobriu babaçu e de sementes variadas. te com uma função e uma missão: às a vocação para a zoologia. No entan- mulheres o mundo do lar, do íntimo Sabão, azeite e carvão completam to, ingressou na Faculdade de Medi- e aos homens as responsabilidades o catálogo de produtos de babaçu, cina da USP, seguindo um conselho do mundo público. Essas mulheres, cuja comercialização permite de um amigo de seu pai. O que pode quebrando cocos, alteram a cada dia diversificar e melhorar a renda parecer um desvio em sua carreira essa relação”, finaliza a historiadora. das famílias envolvidas na coleta foi na verdade um aprofundamento do coco. em sua área: foi na USP que iniciou Patrícia Mariuzzo seus estudos sobre anatomia, histo-

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7_Cultura_43_p58a68.indd 62 7/4/13 3:52 PM Reprodução possuía literalmente todas as obras referentes à herpetologia neotropi- cal, desde as primeiras, publicadas nos séculos XVII e XVIII, até as mais modernas e recém-publicadas”, con- ta Ulisses Caramaschi, professor do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Vanzolini foi premiado pela Ordem Nacional do Mérito Científico com a classe Grã-Cruz por sua contribui- ção na área das ciências biológicas, e também recebeu um prêmio da Fundação Guggenheim, de Nova Zoólogo e sambista que influenciou o país e o mundo York. Sua trajetória científica está resumida no livro Evolução ao nível logia, embriologia e fisiologia que o quisas se concentraram no estudo de espécie - Répteis da América do Sul, ajudaram muito em suas pesquisas da variabilidade intrapopulacional lançado em 2010 pela editora Beca. sobre vertebrados. e interpopulacional das espécies, le- “Vanzolini sempre declarou que sua Apesar de ser aluno de medicina, vando em consideração a distribui- profissão e ganha-pão estavam na Vanzolini passava grande parte de ção geográfica, a variação ambiental, zoologia. Gostava de dizer que, com seu tempo no Laboratório de Zoo- enfim, a ecologia dos organismos”, um vidro de formol e um micros- logia da universidade. Tanto que, no explica Fábio de Melo Sene, profes- cópio ele ganhou a vida e criou os quinto ano de medicina, foi nome- sor da USP de Ribeirão Preto. filhos”, conta Caramaschi. ado para o Museu de Zoologia. Em 1949, foi para os Estados Unidos, Vida de cientista Outro destaque a teoria dos refúgios Uma das mais onde obteve o doutorado em zoolo- em suas pesquisas foi o estudo de importantes contribuições cientí- gia pela Universidade de Harvard e caracteres de variação contínua, o ficas de Vanzolini surgiu como de- especializou-se em herpetologia (es- que exigia grandes amostras de ca- corrência do estudo de suas nume- tudo de répteis e anfíbios). Ao voltar da população e complexas análises rosas coletas. Os chamados refúgios para o Brasil, retomou seu trabalho estatísticas dos dados. Para obter as decorrem de flutuações climáticas no Museu de Zoologia. amostras foram necessárias extensas ocorridas no período quaternário. Os trabalhos de Vanzolini foram um excursões de campo pela América do Quando as geleiras avançavam sobre divisor de águas nas pesquisas em Sul, com grande esforço de coleta na o Hemisfério Norte, num pe ríodo zoologia no Brasil e tiveram ampla Amazônia. Suas pesquisas de campo glacial, o Hemisfério Sul ficava frio repercussão internacional. O princi- fizeram com que a coleção herpeto- e seco. Quando elas recuavam, num pal fator inovador é que tinha como lógica do Museu de Zoologia passas- pe ríodo interglacial, o Sul ficava premissa o neodarwinismo que, ao se de 1.200 para 230 mil espécimes. quente e úmido, propiciando a ex- fazer a síntese entre o conhecimento “Vanzolini tinha fama de pesquisa- pansão das matas e da fauna desse da genética mendeliana com a teoria dor exigente, cuidadoso, devotado ambiente. Já no período glacial, as evolutiva de Darwin, passou a con- à ciência. Formou uma das cole- matas se retraíam, criando verdadei- siderar a população genética como a ções mais organizadas do mundo e ras ilhas de vegetação, onde também unidade do processo evolutivo. a maior da América Latina, além de sobreviviam espécies animais – só “Partindo dessa premissa, suas pes- uma biblioteca associada a ela que que em populações menores e iso-

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7_Cultura_43_p58a68.indd 63 7/4/13 3:52 PM ladas das demais. Essas ilhas foram Creio não haver qualquer outro mú- chamadas de refúgios. “Neste perí- sico no Brasil com as características aRteS odo de isolamento, a tendência é a dele e, até onde sei, nenhum outro ocorrência de diferenciação entre as zoólogo sambista, em todo o mun- populações e, no período de fusão, do”, diz Bastos. flávio De poderia ocorrer dessa diferenciação Apesar de sua paixão pela música, arvalho a ser tão grande que os indivíduos das Vanzolini sempre a considerou uma c : diferentes populações não se cruza- atividade a ser desenvolvida nas ho- rebelDia como vam mais (tornando-se espécies dife- ras vagas. No ambiente de trabalho rentes); ou então dessa diferenciação raramente falava em música. Porém, linguagem não ter sido suficiente para criar um a música teve indiretamente grande isolamento reprodutivo e os indiví- influência na formação e crescimen- Nos dias de hoje, “saiaço” no colé- duos das diferentes populações, ao se to do acervo das coleções e de sua gio, com chamada pelas redes so- intercruzarem, davam origem a uma biblioteca. “Era dinheiro extra que ciais, pode ser visto como uma for- nova população com variabilidade entrava de vez em quando. E tudo ma inteligente e divertida de pro- muito maior”, explica Sene. o que ele chamava de dinheiro de testar contra medidas arbitrárias e música era aplicado na compra de ineficientes. Mas ousadia mesmo Vida dupla Vanzolini dividia seu exemplares zoológicos para as cole- foi, na década de 1950, um homem tempo entre a pesquisa científica e ções e, principalmente, para adquirir de 57 anos sair pelo centro de São a música. Sua vida dupla começou livros”, diz Caramaschi. Paulo vestido com trajes provocati- já na faculdade quando passou a fre- Unir música e ciência não foi uma vos bolados por ele: um blusão de quentar as rodas boêmias e a compor tarefa difícil para o zoólogo. Afinal, mangas curtas e folgadas e saiote de seus primeiros . Em 1944, ele usava todo seu talento e curiosi- pregas largas. começou a trabalhar no programa dade como pesquisador para com- Flávio de Carvalho, em sua Experi- de Cacilda Becker, intitulado Con- por suas canções, do mesmo modo ência nº 3, fez isso em 1956, quan- sultório Sentimental, na Rádio Amé- que utilizava sua criatividade e sen- do circulava pelas ruas paulistas um rica. Teve suas canções interpretadas sibilidade musicais em suas pesqui- carro chamado DMK-Vemag e Be- por grandes artistas brasileiros, co- sas científicas. “Minha impressão é atles era apenas uma banda que co- mo João Gilberto, e de que ambas faziam parte de um meçava a se formar em Liverpool. Maria Bethânia. Sua vida de com- contínuo, fruto da sensibilidade Flávio, morto há 40 anos, foi um positor e cientista foi tema do do- e percepção de um cientista com dos grandes nomes da geração mo- cumentário Um homem de moral, de uma imensa capacidade de obser- dernista brasileira. E exerceu sua 2009, do cineasta Ricardo Dias. vação empírica, como todo bom criatividade como arquiteto, en- “Vanzolini foi um exemplo curioso zoólogo, talento que estendeu à vi- genheiro, cenógrafo, teatrólogo, de sambista, uma vez que não tocava da social e cultural, ou seja, foi um pintor, desenhista, escritor, filóso- qualquer instrumento e, como can- observador atento e inteligente não fo, performer, músico, flashmobist tor, era sofrível, e mesmo desafinado, apenas do mundo natural, como do (muito antes de isso virar termo da em certos momentos”, conta Fran- cotidiano de São Paulo. Vanzolini moda). Mas foi acima de tudo um cisco Inácio Bastos, pesquisador da foi um homem de ação na área de artista à frente do seu tempo. Fundação Oswaldo Cruz. “Mas ele ciência, e isso me parece refletido Ele nasceu em Barra Mansa, no es- tinha uma enorme capacidade de igualmente na sua música, que é tado do Rio de Janeiro, em 1899. transformar observações cotidianas frequentemente narrativa e dinâ- Com um ano de idade mudou-se e mesmo temas abstrusos (como no mica”, conclui Bastos. com a família para a cidade de São seu famoso samba sobre temas eru- Paulo. De família abastada, anos ditos) em músicas de alta qualidade. Chris Bueno mais tarde foi estudar na Europa.

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7_Cultura_43_p58a68.indd 64 7/4/13 3:52 PM Reprodução Primeiro na França, de observava, buscando en- 1911 a 1914, depois na tender as reações psicoló- Inglaterra, onde frequen- gicas aos seus trabalhos. tou a Universidade de Ele faleceu em 4 de junho Durham. Lá, formou-se de 1973, em Valinhos, em engenharia civil em no interior de São Paulo, 1922, e fez seus estudos de deixando uma vasta obra, belas artes. que inclui livros, pintu- De volta a São Paulo, em- ras, desenhos, cenários, pregou-se como calculista projetos arquitetônicos e no renomado Escritório ensaios. Suas obras estão Técnico Ramos de Aze- espalhadas pela cidade de vedo, responsável por im- São Paulo – no Palácio portantes obras como o dos Bandeirantes, na Pi- Teatro Municipal de São nacoteca do Estado de São Paulo, a Pinacoteca do Paulo, no Museu de Arte Estado e o Mercado Mu- Contemporânea da Uni- nicipal de São Paulo. Nes- versidade de São Paulo, sa época, Flávio costuma- na Associação Paulista de va andar pelos corredores Medicina, no Museu de do escritório só de short, Arte Moderna, no Museu o que era inadmissível pa- de Arte de São Paulo Assis ra os padrões da época. Chateaubriand, no Mu- Ante um abaixo-assinado seu de Arte Brasileira da dos inquilinos, exigindo FAAP, na Pinacoteca Mu- sua imediata saída do pré- nicipal do Centro Cultu- dio, Flávio não apenas se ral São Paulo –, no Museu recusou como ainda afir- Em 1956, artista realiza em São Paulo sua Experiência Nº 3: de Arte Moderna do Rio mou: “Não vou sair daqui passeata no Viaduto do Chá com seu "Traje tropical" de Janeiro, na Pinacoteca de jeito nenhum. Vocês só da Universidade Federal me tiram daqui a bala... mas vai estilo era na verdade uma fusão de de Viçosa (MG), na Galleria Na- ser difícil, porque vou instalar uma estilos. Suas pinturas, cenários, es- zionale d’Arte Moderna di Roma metralhadora em meu ateliê (...)” culturas e performances tinham tra- (Itália), no Musée d’Art Moderne E mais, no dia seguinte, publicou ços surrealistas, cubistas e do expres- de la Ville de Paris (França) e no um anúncio no Diário Popular sionismo alemão. Mas revelavam Museum of Modern Art – MoMA “Compra-se uma metralhadora. principalmente um grande apego – de Nova York (Estados Unidos). Tratar com Flávio de Carvalho no ao polêmico e à renovação. Mas, além das obras e acima de tu- Instituto de Engenharia”. Tinha como ideal a antropofagia do, deixou-nos o exemplo de que é Flávio de Carvalho foi um grande pura, numa releitura de movimen- possível ser genial e irreverente, tra- representante do Movimento Mo- tos artísticos europeus, adaptando- balhador incansável e crítico mor- dernista. Seu profundo interesse -os para a sociedade brasileira. Um daz, independentemente da roupa pelo experimental refletia sua total traço marcante em seus trabalhos, que se use e que pode ser um short, fuga das regras e formas acadêmicas muitas vezes chamados de “experi- uma saia ou um traje a rigor. de tratar a arte, predominantes na ências”, era a busca por um contato primeira metade do século XX. Seu direto com o espectador, o qual ele Leonor Assad

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n euza p aranhos

aQui eu tenHo um rio

É ali, o terceiro sobradinho, tá vendo? O portão comprido, com as grades curvadas na parte debaixo pra caber o carro. Isso e a cobertura de eternit, tudo novidade, no meu tempo não tinha. Olhando daqui não parece uma gaiola? Sempre penso nisso quando vejo um sobradinho com essa caixola na frente. Coisa de paulistano, meu! Não é assim que a gente fala? Não é mais? Ah, também tanto faz, né, mano? Mas é que ali é minha casa, tenho uma foto pra comprovar. Essa aí sou eu atrás do portão. Uns três anos, louca pra sair. A cara zangada é que eu queria sair. E alguém não deixava, lógico. Eu? Eu rio assim mesmo, enviesado. Metade da boca entorta pra um lado. Mas não me faça desviar do assunto. A casa é minha porque foi a primeira que eu chamei de casa. Não carece tocar a campainha e dizer, nem fica bem. Quero atravessar a rua e olhar de perto. E caso alguém aparecer, aí eu digo. Assim é mais educado. Depois que perdi o emprego, o amor e o sossego dei pra isso, de andar por aí reparando no passado. O presente? O presente é isso mesmo. Ofuturo? O futuro não existe, meu filho. O meu amor? Esse morava no Mandaqui. Mas daí é outra história. Vam’atravessar a rua. Tá vendo, tá vendo? É essa minha casa. Que coisa, não me lembro de nada, também eu era tão criança. E com esse sujeito buzinan- do aí do lado não dá jeito. Não tenho concentração. Buzina curta, buzina longa, buzina curta-e-longa, buzina dos-infernos, buzina de-que-até-deus-duvida. Espia só, apareceu um homem na janela. Aí vem ele. Será que eu digo, será que eu digo? “Boa tarde, moço, o senhor sabia....” Ei, qué isso, qué isso! Ufa, fazia tempo não corria desse jeito. Ufa, deixa eu tomar fôlego. O que deu em você, garoto, viu assom- bração? Revólver? Jura? Não, não vi nada. Estava tão entretida em dizer a ele. Acertou o da buzina? Não quero olhar. Te aquieta, menino, vê só onde a gente veio parar. Aqui é a avenida Marginal, certo? Então... Aqui eu tenho um rio. Que alegria eu tinha de brincar na terra! Uma terra vermelha, úmida. Não sei se traziam de outro lugar pra drenar a várzea. Ou era terra nativa que eles tiravam do rio pra corrigir o curso. Ou você acha que o rio corre assim, reto, por um acaso? Você acha que Deus trabalha com régua? Não, não sou bíblia, ah, menino, não deixa eu me esquecer do que estava dizendo. Não me deixa esquecer, eu gostava tanto de brincar no barro.Quem visse podia pensar que a avenida que estavam abrindo era minha. Aí é que está, aí é que está. Não era a avenida, era o rio.Até alguém me descobrir e arrastar pra casa.Eu tinha ódio de viver trancada. Ai, que ódio! Eu não vejo o rio, ceguei pra ele. Olha, olha bem. Ponte, carros, pista, mato... Que é do rio? Fraco das ideias é você. Não quero saber seu nome. Por acaso eu disse o meu? Toma, pega a bolsa de uma vez, deixa eu ficar com a foto. Mas já vai indo? Eu não dei o dinheiro? Pra que tanta pressa? Vam’ali ver meu rio, eu tenho um rio. Daí quero ver você tomar de mim, isso eu quero ver!

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olHos Vazados (trecho inicial)

Eu sei que seus olhos são vazados. Não que os veja, eu sei. E se o pudor deixasse, os representaria com ajuda de uma velha fotografia e um photoshop. Muita coisa mudou desde o seu fim e o meu começo, inclusive essa propriedade de facilmente ver o que apraz. Sinto, apesar do carinho que lhe tenho, eu, que sempre a vi ausente, não quero seus olhos vazados. Não é questão estética, é pudor. Por favor entenda e saiba também: encomendei uma visão. Uma que possa ser vista por olhos vazados. E diz respeito a coisas maravilhosas que não vimos e que nos habitam. Coisas de fechar os olhos e saber em silêncio. Então ouça: houve um tempo em que as árvores erguiam-se em caules pintados de fungos coloridos para dilatarem as copas nos limites entre a neblina e o sol. E um povo cambriano amendoava os olhos no rés da mata. Haviam herdado trilhas de animais paleozóicos e nelas passavam boa parte da vida. Caminhavam muito até chegar. O que só acontecia quando um lugar era bom, com água e caça. Então, incendiavam a mata e na clareira que se abria botavam roça. E se o dia estava muito quente, dava gosto ver tribos inteiras folgando na água. Que havia muita água, rios, riachos, lagoas alimentados por ferozes tempestades. Era assim o trivial dos Tupis, posso vê-los caminhando pela avenida Paulista, caçando no Pacaembu, ento- ando cantos monódicos ao redor de fogueiras, nas noites escuras que nunca existiram em Piratininga. Nem hoje, nem há cinquenta anos, quando você cessou de existir e eu rasguei o ventre de minha mãe. Tupi. Rezo as flautas sagradas que nunca existiram, Luzia. Comunguemos. Veja, homens apontando suas flechas no parque Siqueira Campos. E famílias inteiras refrescando-se no córrego Pacaembu. Há uma tapera na Consolação, à altura da Nestor Pestana, cuja tribo segue pela Serra do Mar para São Vicente, ainda ontem podiam ser vistos em Paranapiacaba. Nela restou um pajé proscrito, um mestiço. Quase morto de varíola, invocou um anhangá soprando a flauta sagrada. O som desceu pelo vale do Anhangabaú penetrando a mata. O anhangá acordou com fome e ouviu o sopro da flauta. Revelava o paradeiro da tribo adormecida no sopé da serra, para onde anhangá viajou no lombo da neblina fria. Lá chegando, sorveu as almas, que ficaram encantadas. Ali mesmo, passados uns séculos, anhangá construiu uma oca grande e dura, que cuspia fogo e fumaça colorida. E matava a neblina e os peixes e as nuvens e fazia a alegria da pequena curumim que passava o fim de semana em Santos com a família. Anos depois, já crescida, ela ouviu o choro dos índios sem alma sob a terra e as sirenes das fábricas. Aquilo tinha um apelo tão grande que ela precisou ouvir música. Então, ligou o rádio do carro e se pôs a sonhar. E assim começou minha história onde a sua parou, Luzia, preciso lhe contar da falta que você fez e de como carreguei sua ausência por todos estes anos.

Neuza Paranhos é jornalista e tradutora e vive em São Paulo, onde participa de uma horta urbana comunitária e cuida de seu marido, além de muitos cães e gatos. Vez por outra, publica contos na mídia – entre outros meios, o jornal literário Rascunho e a versão online de Le Monde Diplomatique. Em 1998 publicou seu primeiro livro de contos, Av. Marginal, pela editora experimental ComArte (ECA/USP).

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m arco a urélio c remasco

cena de bolero et pirouette

Por que te amo? (brás bas), porque te amo (demi plié). Não há outra razão a não ser a de te amar (en face). Por amar-te e assim eu te amo. Te amo porque ninguém haveria de amar-te como eu (atittude derriére). Por que te amo? (allongé). Simplesmente por não haver motivo para não te amar (en avant). O tempo encarregou-se de traçar rugas em nossas faces (battement glissé), flacidez em nossas coxas (battement frappé) e frigidez nos calores ocasionais do ocaso (reverence). Também se incumbiu de nos trazer tudo o que a vida nos reservou (pas): angústia, medo (elancé), receio, mesquinhez (gran jeté); e te amo na falta da lucidez (balancé), no ciúme dos crimes e na paixão ensandecida dos santos (tours en l’air). Ah! Então te amo (battement). Amo com a razão dos elefantes (glissade dessous) de jamais esquecer e com a memória dos ratos de pôr tudo a perder (pas de chat). Te amo na falta de ter de procurar-te nos cantos deste e daquele lugar (flic-flac), onde sempre estiveste mesmo não estando (entrechat), guardando segredos de tudo ser um pouquinho de ti em paraíso (sissone). Então te amo. Por que te amo? (ronds de jambe), porque te amo (cambré). Não há outra razão a não ser a de te amar (assemblé) e te amo. Te amo porque ninguém haveria de amar-te como eu. Como em uma ladainha (deboulés): repetido, calmo, repetido, réptil antigo desli- zando na árvore do pecado (glissade en avant) e em poder dizer-te (temps de flèche): se o preço pago para tê-la é padecer no inferno (changements), então me condene, ó Senhor Deus dos Martírios! (saut d’ange en arabesque) por amá-la mais do que Te amo (en terre).

(pour Solange)

Marco Aurélio Cremasco nasceu em Guaraci (PR), é professor titular na Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem publicado os livros técnicos Fundamentos de transferência de massa, Vale a pena estudar engenharia química e Operações unitá- rias em sistemas particulados e fluidomecânicos. Publicou os livros Vampisales (poemas), Viola Caipira (poemas), A criação (poemas), fromIndiana (poemas), Santo Reis da Luz Divina (romance) e Histórias prováveis (contos). Em 2010 foi contemplado com a Bolsa Funarte de Criação Literária para a escrita do romance Evangelho do Guayrá. Cena de bolero et pirouette é inédito.

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a. REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA N ormas para publicação

65 TEREZ A C OST A RÊG Artigos & Ensaios O / CR IANÇA http://cienciaecultura.bvs.br [email protected] IE RE -SÉR IE

A seção Artigos & Ensaios da revista Ciência e Cultura possui quatro páginas destinadas a atender demandas espontâ- VIS IT neas da comunidade científica que não se encaixem dentro do Núcleo Temático de cada número. A seção abriga textos ANDO com uma reflexão sobre temas da atualidade científica e de interesse da sociedade como um todo, nas grandes áreas do 1 95 0 conhecimento. A formatação dos artigos deverá seguir as normas publicadas abaixo. Os textos serão avaliados e sua publicação seguirá agenda de interesse editorial da revista. Não é recomendada a submissão de artigos e ensaios de interesse exclusivo de grupos de especialistas ou que tenham sido anteriormente publicados, em veículos da comunidade científica ou mídia em geral.

normas

seção artigos & ensaios Possui 4 páginas, destinadas a abordados. Depois de aprovados, os textos passarão por um texto de 17,5 mil caracteres com espaçamento (sem um processo de revisão editorial e reenviados para checa-

C imagens) ou 16 mil (com até 3 imagens). gem dos autores, que deverão devolvê-los, com devidos

M ajustes e/ou aprovação em, no máximo, 48 horas. formato Cada artigo terá o máximo de 3 gráficos, tabelas Y ou imagens, considerados fundamentais para a ilustração destaques Os destaques dentro do texto – como palavras CM e melhor entendimento do texto. Esse material deve ser ou expressões que se queira salientar, devem vir em negri-

MY enviado em arquivo separado e com antecedência, para to – citações de frases e capítulos deverão receber aspas; sua confecção e checagem junto ao articulista. O envio palavras estrangeiras e títulos de obras aparecerão em itá- CY de número superior a esse deverá oferecer a opção de lico. Deve-se evitar o excesso de destaques por página. CMY escolha para a edição, se houver necessidade de corte.

K referências O padrão de referências adotado segue exem- referências bibliográficas As citações e referências serão plificado abaixo: indexadas numericamente no texto, em ordem crescente, e aparecerão no final do artigo, sob o título Notas e 1. Berriman, M.; Haas, B.J.; LoVerde, P.T.; et al. "The Referências, se ambas ocorrerem; ou Notas, ou genome of the blood fluke Schistosoma mansoni". Nature, Referências, se apenas uma das duas ocorrer. Existe, Vol.460, no.7253, p.352-258. 2009. ainda, a opção Bibliografia consultada, sem citações refe- 2. Elias, N. O processo civilizador- uma história de cos- CIÊNCIA renciadas e numeradas ao longo do texto. tumes. Vol.I Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1990. 3. Tavares, J.V. “A violência como dispositivo de exces- PARA O NOVO rodapé Notas de rodapé não são utilizadas. so de poder. In: Revista Crítica de Ciências Sociais. Vol.37, p.132. Junho de 1993. crédito A assinatura do articulista virá logo abaixo do título 4. Diaz, M., op cit. p.345-347. 1987. BRASIL www.sbpcnet.org.br e suas qualificações – que devem ser encaminhadas sempre no corpo do texto e não exceder cinco linhas – serão envio de material Os textos devem ser produzidos em editadas ao final. Modelo: José da Silva é biólogo, professor arquivo Word. Ilustrações e gráficos devem ser enviados titular do Instituto de Bioquímica da Universidade de São em arquivo separado, com os detalhes necessários para Paulo (USP) e presidente do Centro de Pesquisa em Biologia sua identificação, como: crédito, legenda, fonte etc. Molecular do Instituto XYZ. siglas As siglas constantes no texto devem sempre aparecer prazos Os textos serão avaliados por membros do conse- por extenso na primeira vez em que forem utilizadas. lho editorial da revista. A qualidade de texto, informação e pertinência dos artigos e ensaios são essenciais para a contato É necessário que cada articulista coloque seus sua aprovação. Uma vez aprovados, os textos serão publi- dados para eventual contato (e-mail ou tel) quando algu- cados de acordo com a relevância e urgência dos temas ma dúvida surgir no processo de edição.

0_Capa_nano_43.indd 2 7/1/13 8:27 PM revista da sociedade brasileira para o progresso da ciência ano 65 – número 3 – julho/agosto/setembro de 2013

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