REPORTAGEM CAPA Noel Joaquim Faiad

20 MAIO | JUNHO 2017 Decifrando Roberto Campos

No ano do centenário de nascimento do economista Roberto Campos, vale lembrar dessa figura controversa, que, nas diferentes décadas em que influiu na modernização do Brasil, buscou orientar suas decisões tendo como horizonte a construção de um país do futuro. POR CARMEN NERY

“Não sou controvertido. Controvertido é quem controverte dos – a lei impedia que as empresas tivessem um comigo.” A frase, proferida em discurso de posse na Acade- lucro maior que 10% do capital investido – e não mia Brasileira de Letras, em 26 de outubro de 1999, resume investiam. Após a estatização, ele imediatamente o perfil do economista Roberto Campos (1917-2001), polê- fez um aumento de preços, tornando as empresas mico, mas cuja inteligência e importância para o desenvol- autofinanciadas. “Assim a telefonia e a energia ti- vimento econômico brasileiro são respeitadas tanto pelos veram um grande avanço”, recorda Bresser. amigos como pelos adversários. Mesmo as esquerdas, que o viam como “entreguista” – o que lhe rendeu o apelido jocoso NA PRÁTICA de “Bob Fields” –, reconheciam o valor de Campos, que, se O professor Ricardo Bielschowsky, no livro Pen- estivesse vivo, teria completado 100 anos em 17 de abril. samento Econômico Brasileiro – O ciclo ideológico Embora os últimos anos de vida tenham sido marcados do desenvolvimento, destaca que, à luz do proces- por posições neoliberais, a maior parte da contribuição de so histórico efetivamente ocorrido no país, Cam- Campos para a economia brasileira se deu em sua fase de- pos destaca-se nos anos 1950 como um pensador senvolvimentista. Ainda no início da carreira, chegou a certeiro. Foi, sem dúvida, o economista da nova participar de grupos de estudos de esquerda, a exemplo do ordem do Brasil, que passava da velha estrutura Grupo de Itatiaia, criado em 1952 a partir da ampliação dos agrário-exportadora à nova estrutura de econo- debates sobre a questão do petróleo e dos rumos do desen- mia industrial internacionalizada. Segundo o au- volvimento nacional. tor, Campos apostou na industrialização pela via Luiz Carlos Bresser-Pereira, economista e cientista po- da internacionalização de capitais e do apoio do lítico, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, diz Estado – e ganhou. que Campos foi um desenvolvimentista extremamente im- “De todos os economistas brasileiros mais ati- portante nos anos 1950, ajudando o presidente Juscelino vos, Campos foi aquele cujo projeto desenvolvi- Kubitschek (mandato presidencial 1956 - 1961) a elaborar o mentista esteve mais próximo da política de inves- Plano de Metas. Depois, teve um papel fundamental no ajus- timentos efetivamente realizada. Ele representa, te feito durante o governo de Castelo Branco (mandato pre- no panorama político brasileiro do nosso perío- sidencial 1964-1967). do, a ‘ala direita’ da posição desenvolvimentista”, “Pode-se chamar de um ajuste ortodoxo, mas foi absolu- ressalta Bielschowsky. Ele observa que Campos tamente necessário. Para construir Brasília, Juscelino havia trabalhou no projeto de industrialização do país e desequilibrado as contas públicas, o que resultou em infla- bateu-se pelo planejamento do desenvolvimento ção relativamente alta. Nesse período, Campos também tem econômico. Ao mesmo tempo, defendeu a atração um papel decisivo ao estatizar a Companhia Telefônica Bra- de capitais estrangeiros, inclusive para mineração sileira e a energia elétrica. A Eletrobras já havia sido criada, e energia, e atacou a solução estatal para investi- mas ainda havia empresas privadas, que foram estatizadas”, mentos em quase todos os casos em que vislumbra- diz Bresser. va uma solução privada”. Campos fez a estatização dos dois setores, fundamental- Bielschowsky destaca que o fato de suas carac- mente, porque essas empresas estavam com preços reprimi- terísticas políticas e seu desempenho após 1964

‘ RUMOS 21 o identificarem como homem de direita não devem le- var a conclusões preconceituosas sobre as caracterís- ticas teóricas do pensamento econômico que expres- sava nos anos 1950. “É preciso advertir que Campos estava, naque- la época, longe de ser um economista ‘ortodoxo’, ou

Divulgação/Museu da República seja, de pensar de acordo com os postulados liberais ou neoliberais. No início dos anos 1950, sua defesa de industrialização com apoio do Estado e de plane- jamento colocava-o em franca confrontação teórica com a essência da ortodoxia liberal e o identificava com a nata da heterodoxia teórica do subdesenvol- vimento, isto é, com autores como Prebisch, Nurkse, Singer, Lewis e outros”, escreveu Bielschowsky. “Era recente a experiência de industrialização brasileira, que só fora possibilitada pela construção de infraestrutura pelo capital privado, notadamente estrangeiro. Também o desenvolvimento industrial não teria sido possível sem os investimentos de ca- pitais estrangeiros, predominantemente ingleses, em portos e ferrovias”, afirma Campos., em seu livro autobiográfico Lanterna na Popa. Ele cita as análises de Bielschowsky sobre as controvérsias ideológicas em que chama esse grupo de desenvolvimentista não nacionalista em contraste ao grupo desenvolvimen- tista nacionalista, representado por Rômulo Almeida e Jesus Soares Pereira. “Conquanto a análise de Bielschowsky seja obje- tiva e correta, a designação é menos feliz. Todos nos Palácio do Catete, no Rio considerávamos nacionalistas. A diferença essencial de Janeiro, sediou reuniões para a definição da política era metodológica. Os chamados desenvolvimentis- econômica brasileira. tas não estatistas acreditavam na imprescindibilida- de da cooperação do capital estrangeiro, mesmo nas atividades de infraestrutura, enquanto os desenvol- vimentistas nacionalistas acentuavam a tônica da intervenção governamental e eram hostis à partici- pação de capital estrangeiro nos chamados setores estratégicos”, afirmou Campos. Ele explicou que as linhas divisórias entre os di- ferentes grupos não eram tão nítidas. Os desenvolvi- mentistas não nacionalistas, que ele prefere chamar de desenvolvimentistas liberais, tinham muitos pon- tos em comum com a escola liberal clássica, chefia- da por Eugênio Gudin e Octávio Bulhões. Já o grupo do Catete, que assessorava Getúlio Vargas, partia de outra visão, defendendo que o Estado deveria ser o grande promotor do desenvolvimento. “Daí emergiram vários projetos como o da Petro- bras e o da Eletrobras. O mais controverso foi, sem dúvida, o relativo ao petróleo. Ao sair das mãos da assessoria de Vargas, o projeto da Petrobras parecia

22 MAIO | JUNHO 2017 bastante racional. Tratava-se apenas de firmar a presença do governo no setor por intermédio da criação de uma empresa estatal não monopolista. Houve uma tríplice aliança entre militares, que promoveram a campanha do Petróleo é Nos- so, comunistas que se opunham às multinacionais e, curiosamente, membros de um partido supostamente conservador, a UDN. (...) Coube à UDN contribuir para transformar o projeto num documento nacionalista e monopolista. Dessa aliança, resultou o monopólio da Petrobras, que certamente diminuiu o fluxo potencial de recursos para o Brasil e retardou enormemente o objetivo da autossuficiência”, resumiu Campos a origem de suas críticas à Petrobras.

CONTROVERSO Para muitos biógrafos, Campos marcou sua atuação no cenário político e econô- mico do país como um liberal conservador. “A primeira coisa a fazer no Brasil é abandonar a chupeta das utopias em favor da bigorna do realismo”, disse Campos. Mas até nisso há controvérsia, uma vez que Campos, em mais de meio século de vida pública como diplomata, economista, senador e deputado federal, também ficou marcado inicialmente pelas ideias do economista britânico John Maynard Keynes, que apoiava a intervenção do Estado na economia, para combater o de- semprego estimulando o crescimento. Bresser observa que é difícil dizer o que levou Campos a se transformar num neoliberal, antes mesmo do apogeu da dou- trina, durante os governos de Margareth Tatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos EUA. “Talvez tenha sido alguma insatisfação com o governo militar, que era desen- volvimentista. Como foi excluído após o ajuste dos anos 1960, pode ter havido um elemento pessoal nessa mudança. Ele foi importante para a expansão da economia Roberto Campos: brasileira enquanto foi desenvolvimentista. Depois que saiu do governo, ele pas- intelectual controverso Divulgação

RUMOS 23 sou a ter horror ao populismo desen- ferência de Bretton Woods, que esta- volvimentista. Como ele fez o ajuste no beleceu o gerenciamento econômico governo militar, a esquerda o atacou internacional e a criação do Banco Mundial (BID) e do Fundo Monetário muito violentamente e isso deve tê-lo Noel Joaquim Faiad irritado muito”, analisa Bresser. Internacional (FMI). Para o economista e professor da “Campos era um intervencionista Unicamp, Luiz Gonzaga Belluzzo, seria consciente. Sempre fui um apoiador muito restritivo e simplificador colo- do Programa de Ação Econômica do car uma etiqueta em Roberto Campos, Governo (Paeg), trabalho de Campos, seja desenvolvimentista ou liberal, então ministro do Planejamento, e pois estaríamos cometendo um erro, Otávio Gouvea de Bulhões, ministro comum nesses debates, de querer en- da Fazenda. O Paeg promoveu as re- quadrar uma personalidade como a de formas entre 1964 e 1967; enquanto o Campos. Decreto-Lei 200 organizou o Estado “Eu prefiro colocar o Roberto Cam- brasileiro e deixou uma constituição, pos no ambiente histórico no qual ele a de 1967. Sem essas reformas, jamais desenvolveu suas ideias. Não se pode poderia ter havido o desenvolvimento esquecer que ele pertenceu à delegação econômico que se seguiu”, diz o econo- brasileira de Bretton Woods. O mundo mista Antonio Delfim Netto, ex-minis- em que ele viveu foi o do pós-guerra, tro da Fazenda, do Planejamento e da quando prevaleceu a ideia de que era Agricultura. preciso se colocarem algumas regras O Paeg foi o primeiro plano eco- para o funcionamento do capitalismo. nômico do governo brasileiro após o Foi também o mundo do nascimento Golpe Civil-Militar de 1964, que tinha do Estado do Bem-Estar Social, das por objetivos: combater a inflação – políticas keynesianas e das industria- que caiu de uma projeção de 144%, em lizações periféricas, sobretudo a brasi- 1964, para 25% ao ano em 1967 –; au- leira”, defende Belluzzo. mentar os investimentos estatais; re- Ele ressalta que não se pode esque- formar o Sistema Financeiro Nacional; cer que Campos ajudou a criar e foi um diminuir as desigualdades regionais dos dirigentes do BNDE, instituição do (Norte-Sul); e atrair investimentos ex- Brasil desenvolvimentista de Getúlio. ternos. Na época, ele foi conversar com o Var- “O viés liberal do Campos era mais gas na companhia do Raúl Prebisch, ideológico do que prático. Quando fundador da Cepal, e de . a missão do FMI veio ao Brasil, em “É, portanto, muito difícil jugar o Ro- 1964, e recomendou um tratamento berto Campos apenas pelo que ele es- de choque, ele recusou porque isso ti- crevia no fim da vida. O seu liberalismo raria a capacidade de investimento do proclamado não combinava com sua Estado e geraria desemprego. Na prá- experiência como homem de Estado”, tica, como homem de Estado, ele fez reforça Belluzzo. reformas importantíssimas em 1964. Assim, Campos participou de algu- Há sempre uma certa resistência em mas das principais iniciativas gover- observar isso com alguma distância, namentais, entre as quais a criação de porque fazíamos oposição ao regime estatais como a Petrobras e a Eletro- militar. Mas não podemos deixar de bras, além do BNDE, do Banco Central, perceber que Roberto Campos foi, na e também do Fundo de Garantia por prática, um desenvolvimentista, por- Tempo de Serviço (FGTS), que subs- que ele e o Bulhões implementaram tituiu a estabilidade do emprego por reformas que deram impulso ao Mila- uma indenização. Em 1944, participou, gre Brasileiro, preparando o avanço da junto com líderes de 44 países, da Con- industrialização”, diz Belluzzo.

24 MAIO | JUNHO 2017 Ele acrescenta que, como estrutura econômica, Cam- pos reforçou as empresas públicas, criou o mercado de dívida pública no Brasil, renegociou os atrasados comer- ciais da dívida externa e criou todas as condições para que a economia ganhasse impulso. “Com essa reforma financeira, Campos criou outras formas de se financiar o desenvolvimento, mas mantendo forte atuação dos bancos públicos”, lembra Belluzzo. Mais tarde, Campos se tornaria um crítico do inter- vencionismo do Estado e também da Petrobras, empresa com a qual tinha uma relação de amor e ódio, a ponto de denominá-la de “Petrossauro”.

CRIANDO AS BASES DO BNDE Marco Antonio Albuquerque de Araujo Lima, secretá- rio-executivo da Associação Brasileira de Desenvolvi- mento (ABDE), cita no livro O Desenvolvimento Inaca- bado do Brasil, as duas passagens de Campos pelo BNDE, na década de 1950. “Depois de participar da Comissão Mista Brasil-Esta- No governo de , Roberto dos Unidos, cujo relatório final propusera a criação do Campos chegou à BNDE, Campos foi nomeado, pelo presidente Vargas, presidência do BNDE. diretor econômico do banco. Mas ele demitiu-se da di- retoria, em 1953, por incompatibilidade com José Soa- res Maciel Filho, empresário e homem de confiança de Vargas, e então presidente do banco. Em 1954, após a posse de Eugênio Gudin no Ministé-

rio da Fazenda, Campos retornou ao BNDE, então como dos Santos/CC Luiz Roberto diretor-superintendente, acompanhando seu colega de Comissão Mista Brasil-EUA, Glycon de Paiva, nomeado presidente, com quem em 1951-52 havia trabalhado na referida Comissão na elaboração de 42 projetos de in- vestimento que formariam o ponto de partida do proje- to do BNDE. No banco, conseguiria dialogar com a ala desenvolvimentista, mesmo com a nacionalista, e tam- bém com a ala conservadora, cujo grande expoente era justamente Eugênio Gudin. Tanto é que, após a eleição de Juscelino Kubitschek, Campos permaneceu como di- retor-superintendente, embora Glycon de Paiva tenha deixado a presidência, substituído por Lucas Lopes. Embora o prestígio político de Lucas Lopes com Jus- celino Kubitschek tenha facilitado imensamente a ação do BNDE, Roberto Campos é reconhecido como o prin- cipal formulador e executor do Plano de Metas, sendo considerado o principal executivo do desenvolvimento econômico brasileiro na década de 1950.” No BNDE, Campos lançou as bases para o funcio- namento do banco, estabelecendo grupos de trabalho para a análise dos projetos compostos por engenhei- ros, economistas e advogados. Para isso, determinou o ingresso via concurso público. Fábio Giambiagi, atu-

RUMOS 25 al superintendente de planejamento e pesquisa do banco, “(...) [Roberto] Campos foi questionado destaca a atuação na modernização do arcabouço brasileiro pela filha do senador Mansfield sobre o com a reforma tributária, a criação da correção monetária e que achava do jovem pianista, que havia o combate à inflação, que formaram as bases para o Milagre Econômico que ocorreu de 1968 a 1973. “Ele se caracterizou feito muito sucesso em Porto Rico e por reunir ideias mais conservadoras com o conhecimento se apresentaria naquela semana em técnico, o que lhe permitiu fazer propostas adequadas, sem Washington. Após Campos confessar qualquer fantasia”, resume Giambiagi. que não o conhecia, ela retrucou Em comemoração ao centenário do nascimento de Rober- perguntando como um embaixador to Campos foram lançados dois livros este ano. O primeiro é podia ser tão ignorante a ponto de Lanterna na Proa - Roberto Campos 100 anos (uma referên- desconhecer um pianista daquele nível. cia ao livro autobiográfico de Campos, A Lanterna na Popa), organizado pelo economista e atual presidente do BNDES Campos rebateu dizendo: ‘Que sou Paulo Rabello de Castro e pelo jurista Ives Gandra da Silva ignorante não tenho dúvidas, mas que, Martins, e publicado pela editora Resistência Cultural. Ra- em tão poucos dias no seu país, todos bello e Gandra coletaram ideias, testemunhos e aplicações, nos EUA já soubessem do fato é que me ao Brasil de hoje, do pensamento político, filosófico e econô- surpreende’, provocando gargalhadas”, mico de Campos. recorda Gandra. Além de artigos dos organizadores, o conteúdo do livro foi confiado a 62 autores, entre os quais Armínio Fraga Neto, Ar- naldo Niskier, Candido Mendes, Ernane Galvêas, Guilherme Afif Domingos, Gustavo Loyola, João Paulo dos Reis Velloso, José Sarney, Miro Teixeira e Paulo Roberto de Almeida. quando, com apenas dois dias em Washington, em uma re- Gandra diz que teve o privilégio de escrever quatro livros cepção, Campos foi questionado pela filha do senador Mans- com Campos, e que prefaciou sua segunda tese acadêmica field sobre o que achava do jovem pianista, que havia feito para a USP sobre o impacto das despesas militares nos orça- muito sucesso em Porto Rico e se apresentaria naquela se- mentos públicos, editada no livro Desenvolvimento Econômi- mana em Washington. Após Campos confessar que não o co e Segurança Nacional, Teoria do Limite Crítico, de 1971. Os conhecia, ela retrucou perguntando como um embaixador contatos entre os dois eram frequentes, principalmente por podia ser tão ignorante a ponto de desconhecer um pianista causa do irmão de Gandra, o pianista João Carlos Martins, daquele nível. Campos rebateu dizendo: ‘Que sou ignorante amigo de Campos desde sua chegada a Washington. não tenho dúvidas, mas que, em tão poucos dias no seu país, “Ele gostava de contar o episódio em que se conheceram, todos nos EUA já soubessem do fato é que me surpreende’, provocando gargalhadas”, recorda Gandra.

O DIPLOMATA Roberto Campos foi ministro do O segundo livro, O Homem que Pensou o Brasil – Trajetória Planejamento Intelectual de Roberto Campos, da editora Appris, foi orga- durante o governo militar nizado pelo diplomata Paulo Roberto de Almeida, diretor de Humberto de do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri).

Divulgação/Presidência Alencar Castelo Branco (1964 a Almeida destaca que o mais importante na biografia de Cam- 1967) pos é o caráter de planejador e de tecnocrata. Ele cita a tese de mestrado em economia de Campos, em 1947, sobre ciclos e flutuações econômicas, que foi considerada digna de um doutorado. Almeida lembra que Campos foi o primeiro concursa- do para o Ministério das Relações Exteriores, em 1938, em concurso realizado pelo Departamento de Serviço Público (Dasp). Na época, ele não tinha nenhum diploma de gradu- ação, apenas o seminário, que o preparou com estudos de filosofia, lógica, história, direito canônico e economia, per- mitindo sua aprovação e posse em 1939.

26 MAIO | JUNHO 2017 PARA SABER MAIS “Campos passou a trabalhar em áreas despreza- Confira a lista de livros citados das como almoxarifado, criptografia e a parte co- na reportagem: mercial e econômica. Por isso foi para Washington para tratar de abastecimento de petróleo e outros A Lanterna na Popa produtos estratégicos e aproveitou para estudar Roberto Campos economia, tornando-se um diplomata distinguido Vols.1 e 2 na área econômica”, diz Almeida. Em 1982, aposen- 4a. edição tou-se do Itamaraty, quando se elegeu senador pelo Topbooks, 2004 , pelo PDS, o partido de direita. Depois, foi deputado federal pelo Mato Grosso, de 1990 a 1994, e também pelo , de 1994 a 1998. “Ele esteve afastado da diplomacia quando tra- balhou no BNDE, em 1952-53 e, de novo, a partir Pensamento de meados de 1954. Em 1959, foi para a iniciativa Econômico privada. Em 1961, voltou à diplomacia ao ser de- Brasileiro signado embaixador em Washington até 1964, Ricardo Bielschowsky. quando se tornou ministro do Planejamento no Contraponto, 2017 Governo Castelo Branco, até 1967. Depois retor- nou para a iniciativa privada, trabalhando em consultoria para bancos de investimento e, em 1974, tornou-se embaixador em Londres, cargo que ocupou até 1982”, relata Almeida. O diplomata observa que Campos se interes- O Desenvolvimento sava mais pela competência do que pelas ideias Inacabado do políticas dos pares com quem se relacionava. Um Brasil exemplo é o episódio relatado pelo ex-senador e Marco Antonio A. de ex-prefeito do Rio, Roberto Saturnino Braga. Araujo Lima “Eu, Inácio Rangel e Juvenal Osório Gomes BNDES, 2009 havíamos passado no primeiro concurso, mas não pudemos tomar posse porque éramos fichados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Campos era superintendente do BNDE e foi ao Ar- Lanterna na Proa mando Falcão, ministro da Justiça de Vargas, e dis- Paulo Rabello de se que não ia acatar a prova de investigação social, Castro e Ives Gandra assumindo a responsabilidade pela nossa posse”, Livraria Resistência recorda Saturnino. Cultura, 2017. Ele conta que, na época, Campos era um desen- volvimentista assumido, tendo pertencido ao gru- po de Itatiaia, que resultou na criação, em 1955, do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb), que reunia nomes como Nelson Werneck Sodré e Hélio Jaguaribe e era voltado a pensar o desenvol- O Homem que vimento do país. Pensou o Brasil “Em 1998, disputamos uma eleição de altíssimo Paulo Roberto de nível para o Senado no Rio. Ele já havia sido senador Almeida por Mato Grosso, e disputou a vaga do Rio pelo PFL, Appris, 2017. e eu, senador duas vezes pelo Rio, disputei mais uma vez pelo PSB e acabei vencendo. Ele foi um ex- traordinário pensador liberal brasileiro e teve um papel importantíssimo de representação diplomá- tica brasileira”, resume Saturnino.

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