Diagnóstico e caracterização socioambiental das áreas propostas para criação e ampliação de Reservas Extrativistas na Mesorregião do Nordeste Paraense no Estado do Pará.

PRODUTO 3: Relatório com diagnóstico socioambiental referente à proposta de criação da Resex Boa Vista do Quatipuru.

PRODUTO 3: Relatório com diagnóstico socioambiental referente à proposta de criação da Resex Boa Vista do Quatipuru.

Equipe Técnica:

Coordenação: Regina Oliveira - Dra. em Desenvolvimento Sustentável Socioambiental: Ruth H. Cristo Almeida- Dra. em Ciências Agrárias Geoprocessamento: Jorge Luis Gavina Pereira- MSc.em Sensoriamento Remoto Etnobiologia da pesca Adna Albuquerque- MSc.em Zoologia Entrevistas e apoio Oficinas Yuri Silva - Eng. de Pesca Entrevistas e apoio Oficinas Cristiane Silva - Graduanda em Eng. Agrônomica Entrevistas e apoio oficinas Laís Ferreira - Mestranda em Ciências Ambientais Danielle Rodrigues José Apoio Institucional Responsável Administrativo Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa

Belém Setembro-2015

LISTA DE SIGLAS

ACS Agente de Saúde Comunitária ADAPAC Associação de Desenvolvimento Agrícola dos Produtores de Cumaru ADEPARA Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará AEXQUATI Associação dos Extrativistas de Quatipuru APMAQ Associação de pescadores e marisqueiras de Quatipuru APROCOM Associação dos Produtores Rurais da Comunidade do Macaco ASSAGRIAQUIQ Associação de Agricultores e Aqüicultures de Quatipuru CAR Cadastro Ambiental Rural CNS Conselho Nacional de Populações Tradicionais EMATER Empresa De Assistência Técnica E Extensão Rural Do Estado Do Pará EN Ameaçada ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária MDS Ministério do Desenvolvimento Social RESEX Reserva Extrativista SAGRI Secretaria Municipal de Agricultura SEPAq Secretaria Estadual de Pesca e Aquicultura SEMMA Secretaria Municipal de Meio Ambiente SM Salário Mínimo STTR Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais TAC Termo de Ajustamento de Conduta UC Unidade de Conservação VU Vulnerável

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Área percorrida e comunidades visitadas no município de Quatipuru - 11 PA. Figura 2 - Legenda da representação gráfica (círculos e cores) utilizados para o 13 exercício do Diagrama de Venn, realizados nas comunidades Figura 3 - Aspectos das moradias nas comunidades visitadas no município de 17 Quatipuru- PA, 2015 Figura 4 - Principais atividades econômicas citadas pelos entrevistados 18 Figura 5 - Aspectos da elaboração e apresentação dos Diagramas de Venn nas 21 comunidades visitadas em Quatipuru-PA, 2015. Figura 6 - Número de espécies animais por categoria taxonômica citadas pelos 26 moradores das comunidades visitadas no município de Quatipuru-PA. Figura 7- Aspectos das redes utilizadas para a pesca no município de 29 Quatipuru-PA. Figura 8- Aspectos da pescaria de rede grossa e embarcações utilizadas em 31 Boa Vista , Quatipuru-PA Figura 9 - Aspecto do curral de espia ou braço. 35 Figura 10 - Apetrecho de pesca Munzuá 36 Figura 11 - Aspectos da atividade de beneficiamento do sururu. 41 Figura 12- Apetrechos confeccionados pelos tiradores de caranguejos em 44 Quatipuru-PA Figura 13- Principais famílias botânicas com maior número de espécies citadas 48 pelos entrevistados das comunidades visitadas no município de Quatipuru-PA. Figura 14- Mapa das áreas de uso dos moradores do Distrito de Boa Vista. 52 Figura 15- Aspecto da atividade de mapeamento em Boa Vista, Quatipuru-PA. 53 Figura 16 Aspectos da atividade de mapeamento no bairro Pedreira. 55 Figura 17- Mapa das áreas de uso e recursos naturais utilizados pelos 56 extrativistas do bairro Pedreira, Quatipuru- PA Figura 18- Aspectos da oficina/reuniao no bairro Pedreira e Catanhede. 57 Figura 19- Mapa das áreas de uso dos recursos naturais dos moradores dos 58 bairros de Pedreira e Catanhede- Quatipuru-PA. Figura 20- Aspectos da reunião nas comunidades de Vila Macaco e Cumaru 61 Figura 21- Mapeamento das áreas e produtos dos moradores da Vila do 62 Macaco e Cumaru. Figura 22- Mapa de localização do município de Quatipuru-PA 67 Figura 23- Mapa de Hidrografia do município de Quatipuru- PA 68 Figura 24- Mapas da Temperatura e Precipitação e elevação no município de 71 Quatipuru-PA. Figura 25- Mapa Geológico do município de Quatipuru-PA 71 Figura 26- Mapa Geomorfológico do município de Quatipuru-PA. 72 Figura 27- Mapa Pedológico (solos) do município de Quatipuru-PA. 74 Figura .28- Mapa de Fitofisionomias o município de Quatipuru-PA. 76 Figura 29- Mapa TerraClass 2010 (uso da terra). 76

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Nível de escolaridade da família dos entrevistados do Município de 15 Quatipuru-PA, 2015. Tabela 2 - Renda dos entrevistados do Município de Quatipuru-PA, 2015. 15 Tabela 3 - Principais espécies alvo da pesca de tapagem de igarapé citadas pelos 32 pescadores em Boa Vista,Quatipuru-PA Tabela 4 - Principais etnoespécies da ictiofauna citadas, arte de pesca utilizada e 37 preços comercializados pelos pescadores na região do município de Quatipuru- PA Tabela .5-. Estatísticas das variáveis ambientais no município de Quatipuru-PA. 45 Tabela. 6. Áreas das classes do Mapa Geomorfológico município de Quatipuru-PA 67 Tabela 7- Áreas das classes do Mapa Pedológico, município de Quatipuru-PA 68 Tabela.8. Áreas das classes do Mapa de Fitofisionomias, município de Quatipuru- 71 PA. Tabela 9. Áreas das classes do Mapa TerraClass 2010. 74

LISTA DEQUADROS

Quadro 1 - Número de população e residências e das comunidades visitadas 13 no município de Quatipuru Pará, 2015 Quadro 2 - Diagrama de Venn do Distrito de Boa Vista, Quatipuru-PA 22 Quadro 3 - Diagrama de Venn do Bairro Pedreira, Quatipuru-PA. 23 Quadro 4- Diagrama de Venn dos bairros Pedreira e Catanhede - Quatipuru - 24 PA Quadro 5 - Diagrama de Venn da comunidade Cumaru, Quatipuru- PA. 25

Quadro 6- Tempo Geológico 70

SUMÁRIO

1-Introdução 8 2- Metodologia e área percorrida 10 3- Resultados 14 3.1-Identificação e caracterização da população tradicional envolvida na área 14 proposta para criação de Resex e de outros usuários da área. 3.2-Identificação do uso e manejo dos recursos naturais pela população 26 tradicional envolvida na proposta e levantamento dos dados etnobiológicos 3.3- Identificação e caracterização de possíveis comunidades indígenas ou 63 quilombolas presentes na área. 3.4- Identificação de grupos sociais que poderão interferir (de forma positiva 63 ou negativa) no processo de criação da unidade, bem como suas preocupações e interesses. 3.5-Identificação de áreas naturais e culturais relevantes, com oportunidade 65 para uso público. 3.6-Análise do impacto econômico da criação da unidade de conservação 65 3.7-Levantamento de dados e análise dos impactos ambientais sobre os usos 65 alternativos do solo existentes, que estão em planejamento ou em implementação nas áreas indicadas. 3.8-Levantamento de dados secundários do meio Físico. 66 4 - Referências 77 5- Anexos 81 5.1- Anexo 1- Lista de presença das oficinas/ reuniões comunitárias 81 5.2 - Anexo 2- Documentos sobre o conflito de terras na região da Ilha do 87 Arroz( Arapiranga )

1 - INTRODUÇÃO

Em consonância com Carta de Acordo celebrada entre o PNUD/ICMBio/FADESP e executada pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, no âmbito do Projeto Manguezais do Brasil (BRA/07/G32), o presente documento apresenta o Relatório do Diagnóstico Socioambiental para criação de Reserva Extrativista Marinha Boa Vista no município de Quatipuru no estado do Pará. Os assuntos tratados no corpo deste documento seguem os resultados obtidos em campo durante o período de 14 a 24 de agosto de 2015, somados a dados secundários pertinentes as atividades previstas no Termo de Referência. As lideranças locais e partícipes da Comissão Pró-Resex (atualmente inativa) na região foram contatadas por meio da liderança da Resex . Esse contato contribuiu para a realização das atividades de campo junto às comunidades. O servidor da Prefeitura Municipal e o representante do STTR acompanharam a equipe em todas as oficinas e visitas realizadas ás comunidades, contribuindo com contatos e informações sobre a cidade. As atividades de campo corresponderam a realização de visitas e oficinas/reuniões nas comunidades citadas no "Relatório de vistoria técnica de proposta de criação de Reserva Extrativista de Boa Vista de Quatipuru e Parecer Técnico de Viabilidade" (ICMBio, 2012) e demais comunidades próximas a área proposta como unidade de conservação. O diagnóstico e a caracterização dos moradores deram-se a partir das observações de campo que destacaram os modos de vida dos moradores que praticam a pesca e atividades de extrativismo na região, conversas informais e entrevistas com pessoas chave, além de observação direta. Em geral, no município a criação de uma unidade de conservação de uso sustentável é esperada e tida como uma política pública que trará a geração de benefícios como moradia e fomentos. Além disso, há a expectativa de melhoria da prática extrativista e da pesca no ecossistema manguezal. Há uma preocupação com o estoque do recurso "caranguejo" ( Ucides cordatus ) uma vez que na região este é utilizado para a produção da carne (massa) não sendo comercializado vivo e segundo muitos dos extrativistas "está cada vez mais difícil encontrar caranguejos na área". Nas comunidades e bairros visitados há presença de associações e outras formas de organização social, no entanto estas se mantêm em total dependência da política das secretarias municipais especificamente da Secretaria de Meio Ambiente ou estão em busca de recursos governamentais (estadual e federal) para a realização de atividades sociais.

8

No município, a solicitação para a criação de uma unidade de conservação, foi protocolada no ano de 2009, sendo solicitada pela então "Comissão Pró-Resex Quatipuru". Há um forte vínculo com a Resex Marinha Tracuateua que mantém seu Pólo 8 no município de Quatipuru e tem beneficiários de fomentos de casas e recebendo Bolsa Verde, distribuídos entre moradores do Distrito de Boa Vista e bairros da sede municipal. Raros entrevistados, destacando-se as lideranças políticas, conhecem os objetivos de uma reserva extrativista, quais os deveres e direitos de seus beneficiários e usuários. Para a maioria, com a criação da Resex, será possível obter mais fiscalização por parte dos órgãos públicos. Na região do município é forte o uso da casca do mangue-vermelho (Rhizophora mangle) comercializada para os curtumes regionais para a extração do tanino. A madeira é utilizada para a produção de lenha e carvão e material para a construção dos currais, causando preocupação com a degradação ambiental. É o governo federal quem promove e mantêm as políticas públicas que chegam à região, destacando-se o Programa Bolsa Família e mais recentemente o Programa "Minha Casa, Minha Vida" disputado pelas organizações sociais e setores públicos do município como fonte de contato entre os inscritos.e fortalecimento das relações de poder ao os terem como integrantes dessas organizações. Os principais conflitos relacionados à pesca ocorrem entre os curralistas que utilizam os currais de "enfia ou espia" e os pescadores artesanais; os pescadores que utilizam a rede de "poita" e os pescadores que fazem a "tapagem" nos rios e igarapés. Cabe destacar ainda que há conflitos com a extração de caranguejos para a "cata". Muitos alegam que outros extrativistas " não tiram os caranguejos no tamanho permitido ou coletam as fêmeas ". Os resultados do diagnóstico caracterizam uma população diferenciada no que tange a sua área de ocupação. A sede municipal está próxima ao mangue e os moradores dos bairros periféricos vivem da extração e cata do caranguejo. Enquanto que no atual Distrito de Boa Vista, distante cerca de 9 km da sede, estão concentrados os pescadores artesanais que se categorizam pelo apetrecho de pesca utilizado. A prática da agricultura, pecuária e piscicultura, além de algumas iniciativas de instalação de aquicultura, principalmente de ostras, ocorrem nas comunidades de terra firme. O principal ecossistema da região proposto para ser a unidade de conservação é o manguezal. A região possui campos nativos que, quando alagados pela maré,são utilizados como áreas de pesca e para a criação de gado e búfalo. São nos campos altos que se encontram os sítios arqueológicos, sendo o sítio de sambaquis conhecido

9 como "Porto da Mina" e estudado por Simões em 1981 o mais relevante. O ecossistema manguezal está ameaçado pela retirada sem controle de caranguejos, para o beneficiamento da carne,e pela retirada da madeira para lenha e das cascas de mangue para curtume. Há ainda a pesca predatória (tapagem) que ocorre nas cabeceiras dos rios e igarapés que abastecem o mangue. Este relatório está organizado em uma introdução, metodologia adotada e área percorrida, seguido dos resultados, referências bibliográficas e os anexos. A introdução traz um breve relato das atividades realizadas; nos resultados estão descritas as caracterizações gerais dos moradores das comunidades visitadas e seus modos de vida. Os resultados estão descritos em conformidade com o Termo de Referência e alguns subitens foram acrescentados em função das especificações das atividades realizadas nas comunidades visitadas. Os anexos são compostos das listas de presença dos participantes das oficinas realizadas e documentos recebidos por lideranças sobre conflitos com áreas e usos de recursos.

2- METODOLOGIA E ÁREA PERCORRIDA

Para este diagnóstico trabalhou-se com dados secundários produzidos sobre a região e dados primários coletados no período de 14 a 24 de agosto de 2015. As atividades de campo corresponderam à aplicação de questionários a pessoas-chave, e conversas informais com alguns moradores e lideranças e a técnica de observação direta nas visitas as comunidades. Para seleção de comunidades a serem visitadas optou-se não somente pelas listadas no Relatório de Vistoria Técnica como principais comunidades solicitantes, mas também foram realizadas visitas e conversas informais nas comunidades que estão nos limites da área proposta como unidade de conservação. Assim, visitou-se: (1) Distrito de Boa Vista; (2) Serra Grande; (3) Macaco; (4) Cumaru; (5) bairros da sede municipal: Pedreira, Catanhede e União; (6) Arariba; (7) Ponta Grande; (8) Taperinha (Figura 1). Entrevistas com base em um roteiro foram aplicadas aos dirigentes e representantes de instituições governamentais e não governamentais identificados que atuam na área, contemplando suas ações exercidas na região, suas visões e entendimentos sobre a proposta de criação de uma unidade de conservação na categoria de uso sustentável. Foram entrevistados 18 atores sociais considerados chave e realizadas conversas informais. Os entrevistados representam pescadores artesanais que praticam a pesca diariamente; curralistas, os que usam esta ferramenta para a pesca, além de caranguejeiros e catadores e agricultores.

10

Figura 1- Área percorrida e comunidades visitadas no município de Quatipuru - PA.

11

Durante as entrevistas com as pessoas chave levantaram-se informações sobre a identificação da família, origem e migração, suas formas de organização social, uso da terra, sua dependência dos recursos naturais disponíveis no ambiente, os conhecimentos que detêm de sua área. Além disso, questionou-se se sabem o que é uma reserva extrativista e o que pensam sobre ela, caso esta seja criada. A técnica de listagem livre que segundo Borgatti (1996) é uma ferramenta eficiente para indicar quais itens pertencem ao domínio cultural, e referem-se a um grupo de palavras organizadas, conceitos ou sentenças, foi utilizada para coleta de dados etnobiológicos. Utilizou-se de pranchas com imagens e fotos de animais (mamíferos, aves, répteis e peixes) para auxiliar a identificação de ocorrência das espécies na área. Para a identificação da fauna e da flora citadas pelos entrevistados utilizou-se de referências bibliográficas específicas da região e consultas ao herbário do Museu Paraense Emílio Goeldi com fotos para identificação vegetal e a coleção faunística, além de site específicos. Além das visitas e conversas informais foram realizadas oficinas e reuniões nas comunidades. As reuniões/oficinas tiveram como objetivo explicar nossa presença na região e na comunidade, além de esclarecer o que é uma reserva extrativista e o processo para sua criação. A realização de exercícios participativos e em grupo permitiu obter dados mais específicos como: as políticas públicas que ocorrem na região, histórico do uso dos recursos naturais e mapear as áreas utilizadas na região proposta para ser a unidade de conservação. As oficinas/reuniões foram realizadas nos espaços comunitários disponíveis. A programação constou da apresentação da equipe pelo representante do movimento social e lideranças locais, seguida de uma exposição sobre os objetivos das atividades a serem realizadas nas comunidades para realização dos exercícios participativos e convite para formação de grupos. A formação dos grupos de trabalho foi aleatória e cada grupo foi acompanhado por um membro da equipe. Após os exercícios os grupos elegeram um relator que apresentou os resultados a plenária para debates e mitigação das dúvidas. Os Diagramas de Venn, exercício realizado durante as oficinas, permitem captar quais as demandas de políticas públicas e quais as instituições “representam” a decisão e a implementação das políticas públicas almejadas pelos moradores. A fim de facilitar o entendimento dos participantes para o exercício, admitiu-se a inserção de elementos como ambientes (rios, mangues) e em algumas comunidades a priorização diferenciadas para os tamanhos dos círculos de acordo com a esfera pública reconhecida pelo grupo. Padronizou-se para todas as comunidades o tamanho e a cor

12 dos círculos e foram as referências utilizadas para o grau de importância dado, pelos moradores, à instituição/órgão proposto (Figura 2). A distância dos círculos em relação a comunidade refere-se à presença e ação ou não da instituição/elemento ambiental/ órgão público/ na comunidade.

Legenda:

Pouca importância Média importância Grande importância

Figura 2- Legenda da representação gráfica (círculos e cores) utilizados para o exercício do Diagrama de Venn, realizados nas comunidades.

Para os contatos junto às comunidades tivemos apoio de liderança da Resex Marinha Tracuateua que introduziu a equipe junto a pessoas chave que apóiam a criação da unidade de conservação no município e foram partícipes da Comissão Pró- Resex (um servidor da Prefeitura municipal e outro representante do STTR), além de lideranças da pesca no Distrito de Boa Vista (Quadro 1). As análises dos dados quantitativos foram realizadas por meio de métodos da estatística descritiva, com auxílio de representações gráficas e tabelas. Os dados foram organizados usando o aplicativo Microsoft Excel 2007. Em anexo encontra-se a lista de participantes das oficinas/reuniões realizadas nas comunidades visitadas. Quadro 1 - Número de população e residências das comunidades e bairros visitados no município de Quatipuru Pará, 2015.

Bairros/Comunidades População Residências Boa Vista 5239 1305 Pedreira e Catanhede 1462 336 Vila do Macaco 305 73 Cumaru 853 210 Arariba 105 14 Taperinha - 17 .Fonte: Dados obtidos com Secretaria Municipal de Saúde

13

3 - RESULTADOS

Para a apresentação dos resultados utilizou-se a sequência proposta no Termo de Referência e itemizadas em acordo com os resultados obtidos nas atividades de campo. Estes resultados foram abastecidos, quando existente, com as informações de dados da literatura, a fim de complementar análises ou informações. 3.1 - Identificação e caracterização da população tradicional envolvida na área proposta para criação de Resex e de outros usuários da área

A população das comunidades e bairros visitados se identificou como pescadores artesanais, caranguejeiros, catadoras e agricultores em função das atividades que realizam e se mantém, configurando a ocorrência de população extrativista de uso dos recursos naturais disponíveis na região onde se propõe criar a unidade de conservação. As comunidades visitadas estão localizadas no entorno próximo da região do ecossistema manguezal, área onde há maior representatividade de ecossistemas de interesse para criação da Reserva Extrativista. A ocupação das áreas comunitárias está em consonância com a criação do município, sendo que as comunidades ao sul do município têm relação político administrativas com os municípios de fronteira. A organização é familiar e os grupos se distribuem pela região em função de processos migratórios, organização de terras públicas (agrovila) e terras de herança familiar.

Características gerais

As 18 famílias entrevistadas podem ser consideradas nucleares compostas por pai, mãe e filhos. Envolvem um total de 70 membros, correspondendo a uma média de 4 pessoas por família, com predominância para o sexo masculino (40) e 30 do sexo feminino. Quanto à naturalidade, todos os entrevistados nasceram no estado do Pará, sendo 51,4% naturais do próprio município de Quatipuru, 12,8% de Capanema, 10% são de Bragança, 10% de Belém, e outros 15,8% de outros municípios paraenses como Primavera, , Bonito, Santarém Novo, Mãe do Rio, Augusto Corrêa e Salinópolis. A maior parcela dos entrevistados está na faixa etária de 51 a 60 anos (28%), seguidos dos de 41 a 50 anos (22%), os de mais de 60 anos (22%), 31 a 40 anos (17%) e 11% estão na faixa de 21 a 30 anos. Residem nessas comunidades em média há mais de 30 anos, sendo que existem entrevistados que moram há apenas 2 anos e outros há mais de 57 anos. Porém, 61% dos entrevistados afirmaram possuir algum parente morando em outra cidade. Na sua maioria são os filhos ou primos e a principal motivação foi a busca por melhores condições de trabalho e educação. Os municípios citados foram: 14

Parauapebas (PA), Belém (PA), São Paulo (SP), Florianópolis (SC), (PA), São Luís (MA), Mãe do Rio (PA), Manaus (AM), Tailândia (PA), Macapá (AP). Essa baixa mobilidade espacial e temporal é confirmada por cerca de 100% dos entrevistados que não pensam em morar em outro local e em grande parte atribuída aos laços familiares e a ausência de conflitos fundiários, uma vez que 45% afirmaram ser proprietários de sua terra com título definitivo registrado em cartório, 17% disseram ter direito de uso sobre as mesmas, 17% se dizem apenas ocupantes da terra e 21% não souberam responder. Verificou-se que o nível educacional dos entrevistados e seus familiares é baixo, pois 60% possuem somente o ensino fundamental incompleto. Apenas 4% concluíram o ensino médio. Destaca-se o baixo percentual de não alfabetizados entre os entrevistados (15%), sendo que 4% apenas assinam o nome (Tabela 1).

Tabela 1 – Nível de escolaridade da família dos entrevistados do Município de Quatipuru-PA, 2015.

Grau de instrução Frequência Percentual (%) Sem alfabetização 10 15 Assina o nome 3 4 Fundamental incompleto 42 60 Fundamental completo 7 10 Ensino médio incompleto 5 7 Ensino médio completo 3 4 Total 70 100,00 Fonte: dados da pesquisa.

Com relação à renda mensal familiar os valores médios oscilam entre 1 a 2 salários mínimos (SM) para 33%, seguido dos que dispõe de apenas 1 SM (28%) e pouco mais de 17% estão na faixa entre 1/2 a 1 SM. Por último 11% estão entre os que dispõem de menos de 1 SM por mês e outros 11% que chegam na faixa de 2 a 5 SM (Tabela 2). Entre os entrevistados 33% declararam ser pensionistas e um percentual significativo (61%) recebem algum tipo de benefício social como Bolsa Família ou Bolsa Verde. Tabela 2 - Renda dos entrevistados do Município de Quatipuru-PA, 2015. Renda Frequência Percentual (%) Menos de ½ salário mínimo 2 17 De meio a um salário mínimo 3 11 Um salário mínimo 5 28 De um a dois salários 6 33 De dois a cinco salários 2 11 Total 18 100,00 Fonte: dados da pesquisa. 15

Infraestrutura, Saúde e Saneamento

Um dos aspectos, visíveis e destacados pelos entrevistados, refere-se às mudanças ocorridas em suas residências que em passado recente eram construídas com barro. Destes, 53% possuem casa de alvenaria, 26% casa mista de madeira e alvenaria e 21% são casas de madeira (Figura 3). A maior parcela dos entrevistados (95%) obtém a água para consumo de poços artesianos e apenas 5% de poço tubular (Amazonas). Observa-se neste sentido, que nenhum dos entrevistados possui água de sistema público. Em 39% das residências a água não é submetida a nenhum tipo de tratamento antes do consumo, 33% dizem que a água é filtrada e 28% informaram que coam a água. Não há distribuição constante de hipoclorito para o tratamento da água. Quando ocorre é feito pelo Agente de Saúde Comunitária (ACS) e utilizado na água do poço. Em apenas 28% dos casos o destino do esgoto se dá em fossa séptica e outros 72% dos casos a destinação é a fossa negra. Os dejetos dos banheiros, localizados fora de casa, são construídos sobre um buraco caem diretamente no solo, sem nenhum tratamento. Em relação ao lixo em 89% dos casos é recolhido pela prefeitura, através da coleta pública, sobretudo para os que residem nos bairros periféricos e no Distrito de Boa Vista. Porém, isso não significa o abandono de práticas como do depósito do lixo em buracos que posteriormente serão queimados (17%), além dos 6% que não dispõem de qualquer controle sobre seu lixo. Em alguns casos existe uma separação entre latas, plásticos e comidas. Como consequência, em parte da falta de saneamento, os entrevistados destacaram algumas doenças dos quais são acometidos com certa frequência: diarréia, virose, asma, vômito, febre, tosse, malária, dor de cabeça, etc.

16

a- Casa em construção. b- Moradia de barro

c- Aspecto de Boa Vista d- Casas em alvenaria no Bairro Pedreira

e- Casa em barro, palha e telha. F - Aspecto do porto em Boa Vista

Figura 3- Aspectos das moradias nas comunidades visitadas no município de Quatipuru- PA, 2015. Fotos: Adna Albuquerque e Regina Oliveira.

17

Caracterização dos Sistemas de Produção

Atualmente os entrevistados desenvolvem mais de uma atividade produtiva/econômica. Dentre estas se destacam: a pesca (89%), a “tiração” de caranguejo (56%), a cata da massa do caranguejo (50%), a retirada de mexilhões (39%), a criação de pequenos animais (33%) como patos e galinhas, a retirada de ostras (28%), pesca do camarão (22%) e a agricultura (11%). Ressalta-se que as três primeiras atividades são as consideradas as mais importantes para a manutenção da família. A exceção da pesca em alto mar que ainda possui privilégio masculino, todas as outras atividades são desenvolvidas por homens e mulheres, sendo 100% de mão de obra familiar, com o envolvimento em média de 1 a 4 pessoas da família (Figura 4).

Agricultura Pesca de camarão Ostras Criação de animais Mexilhões Cata de massa de caranguejo atividades citadas Tiração de caranguejo Pesca

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 Nº de citações

Figura 4 - Principais atividades econômicas citadas pelos entrevistados.

Outras atividades foram citadas como promissoras pelos entrevistados entre as quais: carpintaria, venda de comida, artesanato, venda de galinha caipira, produção de canoa, produção de rede de pesca, espinhel, puçá e criação de peixe. Porém, 83% nunca acessaram nenhum crédito, apenas 11% tiveram acesso à assistência técnica da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (EMATER) e a maioria (90%) declarou não possuir o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Há também um contingente de 20,59% que obtém renda de outras fontes relacionadas ao trabalho desenvolvido fora da propriedade rural, como é o caso de salários obtidos de atendente de pizzaria, empregada doméstica, de carregadores para os marreteiros, ajudante de pedreiro e peão de fazenda entre outros, com renda média de um salário mínimo.

18

Estrutura social e Organização Comunitária

A cooperação e associação comunitárias são uma forma de interação social que se apresenta em diversas situações da existência humana e permite que grupos de indivíduos combinem suas atividades, de maneira mais ou menos organizada, para a realização de interesses comuns, semelhantes ou complementares. Estes interesses podem ser orientados para um fim e para uma determinada função (Ferrari, 1983). Nestas comunidades suas relações são desenvolvidas dentro do grupo com finalidades diferentes, seja para produção, comercialização, troca de trabalho, entre outras, sendo muitas destas realizadas dentro de um contexto informal, mais personalizados, que passam por uma relação de pessoalidade, confiança, ajuda mútua e reciprocidade entre seus envolvidos. As organizações sociais como as associações, sindicatos e colônias antes vistas como espaço representativo de classe, têm sido reconhecidas pelos associados como um espaço de vínculo para a garantia de aposentadoria ou serviços de benefícios. No entanto, mesmo possuindo este sentido do encontro social e político, observou-se que entre os entrevistados 56% não são associados a nenhum tipo de associação ou cooperativa e 44% estão ligados principalmente a Colônia de Pescadores de Quatipuru Z-48 e outros 10% a Associação de Extrativistas de Quatipuru (AEXQUAT). Em geral apenas 1 membro da família faz parte desta organização, e está em média há 10 anos associado. O tempo de associativismo pode variou entre 2 e 40 anos. Na área das comunidades existe, o que denominamos aqui, de equipamentos coletivos, a saber: igrejas, praças, posto de saúde, escolas, Barracão/Centro comunitário, salão de festas e reunião, campo de futebol e casa de farinha. As principais atividades de lazer são realizadas dentro das próprias comunidades ou no município como: missas/cultos (80,85%), Futebol (65%), vôlei (10%), festas (40%), bola na quadra ("queimada") (12%), praias e igarapés (46%), festa do padroeiro (35%), visitar os amigos (22%). As principais festas existentes nas comunidades são as ligadas aos recursos naturais, realizadas entre os meses de julho a dezembro, além das festas de Santo Padroeiro, como: Festival do Caranguejo, Festival do Camarão, Festival da Gó, Festa do Siri, Festa de São Benedito (marujada), Festa de São Francisco, Círio de Nossa Senhora da Conceição, Festa do Produtor Rural, Festa dos Coroas, Festa dos Amigos. Quando perguntados sobre o que entendia por política pública, 60% dos entrevistados não souberam responder. Entre 40%, que o fizeram, as respostas foram diversas, como: "Algo que ajuda as pessoas carentes"; "Algo que traz mais benefícios 19 para a sociedade, fazer reuniões e decidir o melhor povo"; "Organizar as ruas, ajeitar os colégios. É um compromisso com o povo"; "Ela deveria ser voltada para benefícios da comunidade, administrar a nação"; "Algo que beneficie a gente"; "São os auxílios recebidos pelo governo, como exemplo o Bolsa Família"; "É um tipo de auxilio as famílias"; demonstrando a fragilidade em relação ao assunto. Os mesmos apontaram como exemplo de política pública: em primeiro lugar o Programa Bolsa Família, Mais Médicos, Regularização da energia elétrica e casas do INCRA. Durante o exercício Diagrama de Venn realizado nas oficinas/reuniões observou- se dificuldades entre os participantes desse grupo de trabalho, não somente para a formatação do Diagrama, mas principalmente para o entendimento tanto das estruturas organizacionais presentes em suas comunidades, quanto às políticas públicas de seu cotidiano (Figura 5). É possível perceber semelhanças entre os Diagramas de Venn resultantes de cada comunidade, como a ausência de organização de base e de políticas públicas para além das implementadas pelo governo federal. A presença das igrejas católicas e evangélicas é marcada nas comunidades como instituição agregadora. No distrito de Boa Vista as reuniões ocorrem no espaço comunitário da igreja, sendo reconhecido pelos moradores, incluindo os pescadores, como ponto focal para seus encontros de discussão e reuniões. Observa-se ainda que em algumas comunidades os ecossistemas e ambientes foram citados no entendimento de políticas públicas ou instituições assim como empresas fomentadoras.

20

a- Oficina em Boa Vista. b- Apresentação D. Venn em Pedreira.

c-Apresentação do D. Venn em d- Apresentação do D. Venn em Cumaru. Catanhede Figura 5 - Aspectos da elaboração e apresentação dos Diagramas de Venn nas comunidades visitadas em Quatipuru-PA, 2015 (Fotos: Yuri Silva)

Na comunidade da Vila do Macaco a oficina/reunião ocorreu informalmente e o Diagrama de Venn foi realizado tendo como base as conversas entre os poucos moradores que se reuniram. Eles destacaram o Programa Bolsa Família como muito importante e a APROCOM (Associação dos Produtores Rurais da Comunidade do Macaco) como uma organização pequena, mas próxima e atuante na comunidade. Destacaram ainda a presença da EMATER como uma instituição grande e presente na comunidade; citaram o ICMBio pela visita ocorrida na ocasião da discussão sobre a criação da unidade de conservação e comentaram que para o setor político há a presença dos vereadores, mas apenas pela afinidade familiar, sem quaisquer ação na comunidade. Possuem Agente Comunitário de Saúde, mas afirmaram que participam do Conselho Municipal de Saúde, onde estão reivindicando a construção de um Posto de Saúde mais centralizado para atender aos moradores das comunidades mais distantes da sede municipal. Os resultados foram apresentados e discutidos em plenária (Quadros 2, 3, 4 e 5).

21

Quadro 2 - Diagrama de Venn do Distrito de Boa Vista, Quatipuru-PA

Com a participação das mulheres catadoras de massa de caranguejo o Diagrama destaca os programas sociais e serviços prestados como linha de ônibus, coleta de lixo e até ambientes e ecossistemas. Para as mulheres o mar e os patrões são importantes, pois são deles que " tiramos nosso sustento ". No que se refere aos patrões da cata e da pesca afirmaram que " eles fazem parte da comunidade, são as pessoas que compram o produto ". Para eles a coleta de lixo é muito importante e acontece duas vezes por semana, " é um serviço para a gente ". O agente de saúde é média importância por que poderia ser mais atuante. Observa-se que setores públicos como os vereadores estão distantes assim como as instituições de pesquisa e ensino, ICMBio que embora reconhecidas como de grande importância estão distantes da comunidade e a colônia dos pescadores (Z-48) reconhecida como de media importância por ser " a que ajuda os pescadores ", mas não é atuante na comunidade.

22

Quadro 3 - Diagrama de Venn do Bairro Pedreira, Quatipuru-PA.

Alguns aspectos urbanos que chamam a atenção no Diagrama de Venn elaborado no bairro da Pedreira, como biblioteca pública, que contou com a participação de homens e mulheres. A coleta de lixo, o conselho tutelar, a presença no bairro do agente de saúde, aspectos também vistos em comunidade da zona rural. Destaca-se ainda a citação da Resex Tracuateua como de grande importância, " pois está atuando no município com a entrega das moradas, foram 34 casas ". Para eles o conselho tutelar é ainda pequeno, mas está próximo aos moradores do bairro " para apoiar os jovens ". Questionaram a ausência da Prefeitura, no que diz respeito ao atendimento das necessidades dos bairros, como limpeza pública e asfaltamento das ruas. Para eles o patrão da pesca é importante por que " está ali para receber o peixe e paga r". O Programa Luz para Todos (PTL) é importante, por que " é do governo e as casas receberam energia". Citaram ainda a presença de instituições de pesquisa na região como o Museu Paraense Emílio Goeldi, " que aparece há tempos aqui ". Destacaram ainda a ausência da Colônia de Pesca, que não atende as necessidades dos pescadores. A chegada da Biblioteca Pública foi inserida no quadro, ainda que distante dos moradores.

23

Quadro 4 - Diagrama de Venn dos bairros Pedreira e Catanhede, Quatipuru-PA

Os moradores trabalharam o Diagrama de Venn 1 atribuindo aos círculos, diferenças entre as esferas públicas: federal (rosa), estadual (azul) e municipal (amarelo) e a atuação no município, mantendo as distâncias em função do grau de atuação. A prefeitura, os vereadores, e outras organizações foram destacadas o mais distante possível, pois segundo eles " estão tão distantes que não cabem no desenho ". No entanto, destacaram a presença da EMATER, que juntamente como Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) trouxeram o Programa Brasil sem Miséria e " alguns moradores foram contemplados com o recurso de R$2.400,00 para empreender um negócio, então foi importante ". O maior destaque na apresentação do Diagrama foi a importância dada para a empresa Renascer Imóveis, segundo os moradores " este grupo ficou no centro, pois foi quem começou o pagamento do Bolsa Família aqui no município, e também que ajudou as famílias a terem geladeira, móveis e outros objetos , aqui queira ou não queira as famílias ficam contando dias para receber". Além disso, destacaram as instituições de pesquisa, e afirmaram que estas " sugam o nosso conhecimento e não trazem de volta " e apontaram a presença do Projeto Rondon que "vem trazer conhecimentos, cursos, estudantes e trocam conhecimentos". As entidades de classe como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e a Colônia de Pesca foram consideradas pouco atuantes. Destacaram a AEXQUATI (Associação dos Extrativistas de Quatipuru) que atua na sede municipal

1 Embora a metodologia não atribua aos círculos institucionalização em relação as esferas públicas, optou-se em manter a proposta dos participantes, a fim de obter informações mais locais. 24 em uma tentativa de organizar os extrativistas de caranguejos, oficializada em 2015, a associação contribuiu com a ação social para emissão de documentação cidadã de 300 pessoas

Quadro 5 - Diagrama de Venn da comunidade Cumaru, Quatipuru- PA.

Em Cumaru, participaram homens e mulheres na elaboração do Diagrama de Venn. Para eles que atuam com agropecuária a presença de organizações como o STTR, e Sagri (Secretaria Municipal de Agricultura) próximas a comunidade, mesmo sendo organizações com baixo poder foi importante "pois recorremos a eles para que nos prestem assistência ". O grupo se considera mais agricultor que pescador, segundo eles " a pesca é mais para complemente, consumo". Destaca-se a citação do CNS (Conselho Nacional de Populações Tradicionais) como uma organização de grande importância, mas ainda distante da comunidade. Destacaram a importância da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA), visto que esta mantém um servidor municipal como atual presidente da Associação de Desenvolvimento Agrícola dos Produtores de Cumaru (ADAPAC), que no diagrama foi lembrada como associação dos agricultores. Apontaram a Resex Marinha de Tracuateua com média importância e distante da comunidade, afirmaram que " é importante ajuda a proteger nosso meio ambiente. Aqui algumas pessoas eram contra a criação porque não poderiam mais plantar, então fizeram um projeto para a reserva ser fundada em Primavera e a gente ser filiado ".

25

3.2 - Identificação do uso e manejo dos recursos naturais pela população tradicional envolvida na proposta e levantamento dos dados etnobiológicos.

Segundo Toledo (1992) a compreensão do saber acumulado, das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade humana a respeito da natureza e dos diferentes usos e formas de manejo dos recursos naturais podem ser realizados por meio de levantamentos etnobiológicos e etnoecológicos. Estes estudos contribuem ainda para o entendimento dos sentimentos e comportamentos que intermedeiam as interações entre as populações humanas e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os impactos ambientais daí decorrentes. A importância de se compreender os modos de uso e manejo dos recursos naturais pelas populações locais permite ainda identificar suas categorizações tanto ambientais quanto sociais. Possibilita também identificar a percepção dessas populações sobre a dinâmica que envolve o manejo de recursos em seus ecossistemas o que segundo Alves et al (2008) são extremamente relevantes para definição de estratégias conservacionistas.

Uso da fauna Os entrevistados citaram 245 espécies de animais (237 vertebrados e 8 invertebrados) que ocorrem na região. Dentre os vertebrados os peixes (79) e as aves (62) e mamíferos (47) foram as categorias taxonômicas com mais espécies citadas (Figura 6).

peixes aves mamiferos anfibios repteis invertebrados

categoriastaxonômicas crustaceos moluscos

0 20 40 60 80 100 Nº de espécies citadas

Figura 6- Número de espécies animais por categoria taxonômica citadas pelos moradores das comunidades visitadas no município de Quatipuru-PA.

Dente os 245 animais citados 79 foram peixes, sendo os . Pariolius spp (bagres, 11) e a Macrodon ancylodon Schn (pescada Gó, 11) os mais citados. Dentre as aves o

26

Eudocimus ruber (guarás, 17) e as Ardea alba (garça, 17) foram os mais citados. As Dasyproctas ssp (cutias, 10) foram os mamíferos mais mencionados. Todos os entrevistados afirmaram que não há registros de presença de onça na região. No entanto, citaram a presença de felinos de pequeno porte como Leopardus wiedii (gato maracajá). Cem por cento dos entrevistaram afirmaram que não caçam, mas 61% afirmaram conhecer quem pratica a atividade na comunidade e apenas 1 entrevistado afirmou que os caçadores são de municípios vizinhos. Dentre as espécies mais caçadas estão os tatus (Dasypodidae ) e as cutias ( Dasyprocta sp ). Quatro entrevistados afirmaram que há comercialização da caça em sua comunidade e 72% afirmaram já ter consumido alguma carne de caça. Para 47% a caça está acabando, pois aumentou a fiscalização do IBAMA, ou ainda " por que a mata acabou ". Dentre os animais silvestres citados pelos entrevistados destaca-se o Leopardus wiedii (gato maracajá), que consta na Lista das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção (ICMBio, 2014) na categoria Vulnerável (VU) e o Ozotocerosbezo articus , veado branco, citado por 2 entrevistados como os mais difíceis de serem vistos e a espécies consta na Lista de espécies ameaçadas na categoria Vulnerável (VU). Os tatus estão entre os mamíferos com maior número de etnoespécies (6) citadas. Entre elas o Tolypeute s tricinctus , Linnaeus, 1758 (tatu bola ) e o tatu rabo de couro, sendo o primeiro contemplado na Lista das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção (ICMBio, 2014), na categoria Em perigo (EN) e na Lista de Espécies Ameaçadas do Pará (SEMA, 2009). Há nas comunidades criação e consumo de pequenos animais como galinhas, perus, patos, porcos, gado e búfalo citado como sendo " trazido de fora ". A pesca na região Em Quatipuru é a pesca e sua produção que marcam os usos do recurso fauna. A produção pesqueira está diretamente relacionada com a produção biológica e o estuário amazônico está entre os estuários com maior produtividade biológica do mundo. Sua dinâmica trófica é baseada principalmente no fitoplâncton e nos manguezais. A pesca artesanal que ocorre no estuário amazônico caracteriza-se pela influência da sazonalidade do ciclo das chuvas, tendo como alvo espécies de origem marinha durante a estação seca e algumas espécies da bacia amazônica na época das cheias (BARTHEM & FABRÉ, 2004). Devido a esta diversidade íctica, a zona costeira paraense é reconhecida pela riqueza de recursos pesqueiros demersais, alguns deles muito explorados, porém ainda com potencial desconhecido. A pesca é uma das atividades mais tradicionais e garante renda e subsistência para uma boa parte da população, além de render importantes divisas para o país (ISAAC, 2006).

27

Segundo Diegues (1973) os pescadores artesanais são aqueles que, na captura e desembarque de toda classe de espécies aquáticas, trabalham sozinhos e/ou utilizam mão-de-obra familiar ou não assalariada, explorando ambientes ecológicos localizados próximos à costa, pois em geral a embarcação e aparelhagem utilizadas para tal fim possuem pouca autonomia. A pesca é uma atividade comumente praticada por homens de todas as idades e categorias sociais. Além da pesca, vivem também da “tiração” de caranguejo ( Ucides cordatus ), coleta do mexilhão (M ytella sp ) e outros mariscos como principais meio para sua manutenção. As pescarias caracterizam-se por explorar um grande número de espécies, empregando diversos tipos de embarcações e variados métodos de pesca, que vão desde a coleta manual de crustáceos nos manguezais, até o emprego de métodos avançados de captura, tais como o espinhel e uso de redes específicas para a captura da pescada amarela (Cynosciona coupa ). A diversidade de apetrechos acompanha a diversidade de recursos pesqueiros da região. A pesca é totalmente artesanal, tanto para a pesca de subsistência quanto para a pesca comercial. Uma característica observada na região é que na pesca artesanal existem categorias de pescadores de acordo com as espécies alvo. A maior parte dos pescadores se dedica a uma determinada pescaria e seus apetrechos e suas espécies alvo por toda sua vida. É no Distrito de Boa Vista onde se concentra maior número de pescadores artesanais e onde se desembarca a maior parte da produção pesqueira do município. A produção desembarcada é vendida para os “patrões” (atravessadores) e transportada por caminhões principalmente para o estado do Maranhão, a menor parte da produção é vendida para o mercado local e regional. As pescarias são realizadas em embarcações de madeira de pequeno e médio porte, que podem variar de 0,5 a 10 toneladas de capacidade de carga. A duração das viagens e a distância da costa dependem do tamanho do barco, da quantidade de gelo levada e das facilidades para a comercialização existente nos locais de desembarque. Em média, estas pescarias têm duração de 5 dias, ocupam de 4 a 5 pescadores e podem trazer uma produção entre 0,5 tonelada e 2 toneladas de peixes. Utilizam redes de "emalhar" e espinhéis, e capturam espécies marinhas e de água doce. Em geral os pescadores utilizam as redes de espera que é o apetrecho mais utilizado e que promove mais da metade das capturas dos peixes (Figura 7). Estas recebem várias denominações de acordo com a espécie que se deseja capturar como "gozeira", para captura da pescada Gó ( Macrodon ancylodon), rede grossa, para captura da pescada amarela, serreira, para captura do serra

28

(Scomberomorus brasiliensis), " caiqueira" para a pesca da caica e da pratiqueira (Mugil sp). Além das redes de "emalhar" os pescadores utilizam ainda as redes de arrasto de camarão, as tarrafas, os espinhéis para captura de peixes grandes como tubarões, bagres e outros, e ainda as armadilhas como currais e munzuás. Vale ressaltar que a arte de pesca, tamanho médio de rede, número de espinheis e redes de arrasto, variam de acordo com o tamanho da embarcação, ou seja, embarcações de maior porte podem transportar um maior número de apetrechos de pesca e consequentemente variarem as espécies capturadas.

A - Rede de tapagem (branca) e cacuri B- Rede malhadeira gozeira (preta)

C- Apetrechos utilizados para pesca de D- Malhadeira de rede grossa espinhel Figura 7- Aspectos das redes utilizadas para a pesca no município de Quatipuru-PA. Obs: A rede é tingida com a lama do mangue para a pesca de tapagem de igarapé (Fotos: Adna Albuquerque e Regina Oliveira).

29

Pescarias mais utilizadas

Pesca de Rede Grossa. As pescarias conhecidas como "pesca de rede grossa" ocorrem em mar aberto principalmente no período do inverno ou época das chuvas. A espécie alvo é a pescada amarela (Cynosciona coupa ) seguida de outras espécies da fauna acompanhante como xaréu ( Caranx sp), corvina (Cynoscion sp) dourada (Brachyplatystoma rouseauxii), gurijuba (Sciades parkeri) .e tubarões (Carcharhinus sp) (Figura 8). A frota pesqueira da "pescaria de rede grossa" é composta de barcos de pequeno e médio porte com a média de 10 metros de comprimento e motores de 18 a 22 hp. As urnas têm a capacidade de carregar até 10 toneladas de gelo o que garante que a pescaria dure em torno de 7 a 10 dias de viagem em mar aberto. As redes malhadeiras medem normalmente de 1000 a 2000 braças (2200 m a 4400 m) de comprimento. São confeccionadas de nylon multifilamento de espessura de 43mm, o tamanho da malha varia de 18 a 19 cm entre nós opostos. São colocadas na coluna d água por 4 a 5 horas em média. Uma extremidade da rede fica amarrada ao barco e a outra extremidade à deriva no mar aberto. Os pescadores de rede grossa, normalmente dedicam-se somente a esta pescaria como meio de sua manutenção e afirmam "não trocar esta modalidade de pesca por nenhuma outra ". Segundo eles é a pesca mais rentável, pois além do pescado capturado ter bom preço no mercado, este fornece o grude 2 . Na ocasião da pesquisa o kg do grude de pescada amarela valia R$1.100,00. Em geral o valor é pago em dinheiro e na entrega. Os principais compradores estão em Vigia e há comprador no Distrito de Boa Vista.

Tapagem de igarapé A pesca de tapagem de igarapé, tida como pesca predatória, é uma pescaria comercial. Segundo os pescadores é uma das mais rentáveis pescarias de rede. Além disso, é uma das pescarias mais utilizadas na região devido à diversidade e o valor comercial das espécies capturadas (Tabela 3). Para a realização desta pescaria, os pescadores normalmente a iniciam a preamar (maré cheia) e retornam na maré vazante. A pescaria tem a duração de 2 marés ou 12 horas. A "meia maré" por eles denominada é a maré utilizada para chegarem ao igarapé e colocarem as redes. A maré seguinte, conhecida como maré de quarto, corresponde a despesca das redes e o retorno para casa. Os apetrechos

2 Grude: bexiga natatória do peixe e quando seca é exportada e que possui alto valor comercial. 30 utilizados são dois tipos de redes malhadeiras: a rede de tapagem e uma rede conhecida como "cacuri". A rede de tapagem é fixada de forma que atravesse o igarapé enquanto que a rede cacuri fica nas margens para capturar os peixes que tentam fugir da rede de tapagem. A rede de tapagem é confeccionada de nylon e mede 30 mm, pode medir de 20 a 50 braças (cerca de 40 a 100 m) de comprimento, sem o cacuri ou 20 a 90 braças (cerca de 40 a 200 m) com o cacuri. A rede cacuri mede 30 mm e os pescadores tingem a rede no mangue.

A- pescada amarela capturada. B- Pescadores de rede grossa preparando a rede.

C- Embarcações da frota da pesca de D- Embarcações da frota da pesca de rede rede grossa. grossa. Figura 8- Aspectos da pescaria de rede grossa e embarcações utilizadas em Boa Vista , Quatipuru-PA (Fotos: Adna Albuquerque).

Segundo relatos dos pescadores, "a rede cacuri é mergulhada e tingida na lama do mangue para que fique com a temperatura mais fria e não esquente com o calor", pois afirmam que a rede estando quente afasta os peixes (Figura 9).

31

Tabela 3 - Principais espécies alvo da pesca de tapagem de igarapé citadas pelos pescadores em Boa Vista, Quatipuru-PA.

Espécie de peixe citadas Nome científic o

Bagre Arius sp Tainha Mugil sp Corvina Cynoscion microlepdatus Peixe-pedra Genyatremus Luteus Camorim Centropomus spp Pescada-amarela Cynoscion acoupa Pacamum Batrachoides surinamiensis Sajuba Mugil sp Uricica Hexanematichthys proops Bandeirado Bagre bagre Fonte: dados da pesquisa.

Redes de espera: serreira, gozeira e caiqueira

A pescaria de rede serreira tem como espécie alvo principalmente o serra (Scomberomorus brasiliensis ) e outras espécies como a corvina (Micropogonias furnieri ), cações, uritinga ( Sciades proops ) e pescada amarela. De acordo com os entrevistados, pescaria de rede de espera têm a duração média de 2 marés (equivalente a 12 horas). As redes têm o tamanho médio de 300 m e tamanho da malha de 60 mm. A pescaria consiste em prender as extremidades das redes na areia das croas e lombos durante na maré seca e realizar a despesca 12 horas depois na maré vazante. Os barcos utilizados em geral têm capacidade de urna suficiente para duração de um dia de pescaria, o que significa em média 0,5 a 2 toneladas diárias de gelo e motor 5,5 HP. As redes "gozeiras" e "caiqueiras" têm este nome devido suas espécies alvo serem principalmente a pescada Gó e a pratiqueira ou sajuba (Mugil sp ) respectivamente. Esta pescaria também é utilizada para a pescaria do camarão- branco (Litopenaeus schmitti). As "panagens" (redes propriamente ditas) destas redes são adquiridas prontas, e utilizadas de forma ativa como arrasto, mas podem ser utilizadas como rede de espera, na forma da rede apoitada ou apoitamento. Têm o tamanho médio de 300 m de comprimento e 1,5 a 2 m de altura. As malhas mais utilizadas são de 30 a 40 mm para gozeira e 25 mm para caiqueira. A atividade é realizada na maré vazante, quando a água atinge a cintura do pescador e envolve de dois a três pescadores. O arrasto é realizado nos rios, igarapés

32 e “emburateuas” (denominação para local onde se pesca por ter mais abundância de peixes e profundidade), quando a profundidade permite que a rede possa ser arrastada. A despesca é realizada em canoas ou "rabetas" de até 6,5 m de comprimento.

Pescaria de Espinhel As pescarias com espinhel, conhecidas também como anzol, são realizadas por embarcações de pequeno porte (barcos com até 7m), em sua maioria sem mecanização (guinchos). Em Boa Vista existem 15 barcos de pescaria de espinhel, que empregam cerca de 4 pescadores por barco. A rotina, segundo um dos patrões de barco e pescador, é diária, como explicado em sua fala: ´"saímos com a maré e ficamos o dia todo no mar". A pescaria consiste de anzóis amarrados em cordas de até 2000m de comprimento (denominada linha de bandeira) com 1000 a 3000 espinhéis (anzóis). Nas cordas são fincadas âncoras a cada 100m, e a cada 600m uma "bandeira” (bóia de isopor onde está fincada uma vara e com uma bandeira de tecido amarrado na extremidade) para identificar o espinhel. Os espinhéis se concentram principalmente na captura de tubarões das famílias Carcharhinidae e Ginglymostomatidae. Dos peixes ósseos, são comuns o cangatá (Aspistor quadriscutis), pescada amarela, uritinga, gurijuba (Arius parkeri), corvina e xaréu (Caranx spp). O bandeirado (Bagre bagre ) é um dos principais recursos capturados na pescaria de espinhel pois é capturado o ano todo, mas sua "safra" está concentrada no primeiro semestre. Segundo os pescadores, nos espinhéis a principal isca utilizada é a sardinha (Opisthonema sp) . A pescaria é considerada boa quando capturam cerca de 100kg de peixes. Estes são comercializados com os atravessadores locais (patrões) que podem pagar o resultado da pescaria no mesmo dia ou no final da semana. A divisão do "ganho" é realizada em função da produção. O dono do barco "tira a despesa", que consiste nos gastos com alimentação e combustível, e o restante é dividido, sendo 50% do valor fica para o dono do barco para despesas com os "trastes” (nomeação dada ao material de pesca, redes, espinhel) e os outros 50% é dividido entre os pescadores, estando ai incluído o dono da embarcação. Em uma boa pescaria é possível ganhar até R$200,00/dia.

Pescaria de Curral As armadilhas mais utilizadas na pesca em Quatipuru são os currais e os munzuás. Em Quatipuru os currais são classificados em dois tipos de acordo com seu formato: o curral de braço ou enfia e curral de coração ou curral de beira. Os currais são instalados nos “lombos” ou croas ao longo da foz dos rios, nas marés ou próximos 33 dos mangues e são utilizados por até três meses, quando necessitam ser reestruturados. O curral é uma armadilha fixa, composto por uma ou duas fileiras de varas formando o que localmente é chamado de “espia”, servindo para condicionar o deslocamento dos peixes na água para um segundo compartimento do curral denominado de cacuri. Este é formado por uma cerca de varas em formato variado conforme o tipo de curral. O cercado mais largo é chamado de "sala", e o pescado adentra durante a enchente passando para um reservatório denominado localmente de "chiqueiro". O chiqueiro é recoberto por tecidos de redes, de onde o pescado não consegue escapar (Figura 9). Para a confecção de um curral de espia são utilizados, segundo os curralistas (denominação dada aos pescadores dessa modalidade) entrevistados 600 paus para mourão, 1.000 varas e 500 paus para cinta. Os currais chegam a medir cerca de 200 braças (aproximadamente 400m) de comprimento e podem custar até R$2.000,00 (Dois mil Reais). As famílias dos curralistas possuem em média 4 a 8 currais. Os locais de instalação costumam ser fixos, ou seja, os pescadores dessa modalidade têm seus “lugares de pesca” que são escolhidos em função da maré, da dinâmica das croas, e correntes marinhas. No entanto, há registros de conflitos e disputa de locais para instalação dos currais. O acesso aos currais é feito em canoas com motor rabeta de até 7Hp, na baixa da maré para a despesca. Segundo os pescadores se a despesca ocorrer com a profundidade da água acima do joelho, estes podem sofrer sérios acidentes com peixes como arraias, tubarões e outros. As principais espécies capturadas são: pescada Gó, bagres (Hexanematichthys couma) , camurim (Centropomus spp) e tubarões.

A Pescaria de Munzuás

Os munzuás são armadilhas construídas de bambu ( Bambusa sp ) com madeira de "genipaúba"ou de fio de nylon com malha de 30x43 mm entre nós opostos. São instalados nas margens dos manguezais, durante a maré seca, para captura dos peixes de maré alta pelo período de até três dias e inspecionados a cada 24 horas A espécie alvo dessa pescaria é o bagre, que é atraído com isca de sardinha. A isca fica pendurada dentro da armadilha para atrair os peixes. Podem ser capturados entre 70 a 80 kg de peixes por dia. Esta pescaria é praticada somente no verão. A isca é capturada com a tarrafa ou comprada de "curraleiros". Os bagres são comercializados com os marreteiros ou atravessadores (Figura 10).

34

A -Abertura do curral de Braço ou enfia B- Depósito do curral de braço conhecido como cacuri ou chiqueiro.

C-Desenho do curral de espia. D- Desenho do curral de "coração".

Figura 9 - Aspecto do curral de espia ou braço e desenho esquemático do curral de espia e coração (Foto: Adna Albuquerque).

B- Aros de genipaúba. A- Munzuá de fio.

35

C Abertura do munzuás para entrada dos D abertura dos munzuá para colocar a peixes isca e retirada dos peixes capturados

Figura 10- Apetrecho de pesca Munzuá (Fotos: Adna Albuquerque).

Comercialização do pescado

Nas comunidades a produção pesqueira é utilizada principalmente para alimentação e comercialização. A comercialização é realizada na própria comunidade com os moradores e para alguns marreteiros que levam o peixe para ser vendidos na sede de Quatipuru ou em municípios próximos. Alguns pescadores possuem autonomia (transporte próprio como motos ou bicicletas) para transportar seu produto e comercializar na sede do município ou em outras comunidades. Os barcos de pesca que desembarcam no porto da sede de Quatipuru, vendem sua produção para compradores que vêm principalmente do Maranhão. Alguns desses barcos já possuem compradores fixos que os aguardam com caminhões para transportar o pescado. Os pescados desembarcados que não estão com a produção já comercializada vendem a produção no mercado municipal da sede do Município ou comercializam para marreteiros. As principais etnoespécies de peixes citadas nas comunidades e o valor comercializado pelo pescador dependem da safra e do preço do mercado que é indicado pelo patrão. Se o pescador vende no mercado municipal para donos de barracas o preço é indicado pelo barraqueiro. O pescado ganha autonomia para comercialização de seu produto, em geral quando vende nas comunidades ou pelas ruas.

36

Tabela 4 - Principais etnoespécies da ictiofauna citadas, arte de pesca utilizada e preços comercializados pelos pescadores na região do município de Quatipuru- PA. (cont.)

Época da Habitat Etnoespécies Nome cientifico Arte de captura safra Preço Kg( R$) Rio - Anujá Trachycorystes galeatus Rede,linha Inverno Ano todo Mar e estuário 2,00 a 3,00 Arraia de azeite Dasyatis sp Rede, espinhel Rede, espinhel Mar e estuário 2,00 a 3.00 Arraia-gereba Dasyatis sp Ano todo Arraia-branca ou arraia Dasyatis guttata Mar e estuário 2,00 a 3.00 bicuda Rede, espinhel Ano todo Rede, Ano todo Mar e estuário 2,00 a 3.00 Arraia-nari-nari Dasyatis sp espinhel,curral Rede, Ano todo Mar e estuário 2,00 a3.00 Arraia-manteiga Dasyatis sp espinhel,curral Arraia moitão ou arraia- Manta birostris Rede, Ano todo Mar e estuário 2,00 a 3.00 jamanta espinhel,curral Rede, Ano todo Mar e estuário 2,00 a 3.00 Arraia-peua Dasyatis sp espinhel,curral Rede, Ano todo Mar e estuário 2, 00 a 3.00 Arraia-Pintada Aetobatus narinari espinhel,curral Rede, Ano todo Mar e estuário 2,00 a 3.00 Arraia-morcego Dasyatis sp espinhel,curral Rede, linha, Mar, estuário e rio flecha, espinhel, Ano todo Bagre Arius couma caniço 1,00 a 5.00 Mar e estuário Baiacu Colomesus acelus Curral Ano todo Não tem valor - Inverno Mar e estuário Bandeirado Bagre bagre Curral,rede,linha 5.00 Julho a Mar e estuário Bonito Scombridae Rede dezembro 5.00 Mar Bragalhão Arius couma Rede, tapagem Ano todo ? Mar e estuário Caíca Mugil sp Rede Verão 3.00 Mar Cação Carcharhinus spp. e Rede, espinhel verão 5.00 37

Sphyrna spp. Mar Cambeua Arius grandicassis Rede, linha Inverno 4.00 Rede,espinhel, Mar Camorim Centropomus spp curral,tarrafa; Maio a julho 10.00 Rede,linha,espinh Inverno Mar Cangatã Aspistor quadriscutis el, curral 5.00 Mar, estuário e rio Carápitanga Lutjanus spp. Rede,linha Ano todo 5.00 Pseudauchenipterus Rio Carataí nodosus Rede,linha Janeiro a junho - Mar Cavala Scomberomorus cavalla Linha Outubro 8.00 Mar e estuário Corvina-comum Cynoscion sp Curral verão 10.00 Rede, Mar e rio linha,espinhel, Outubro a Corvina-cobra Cynoscion sp curral dezembro 6.00 Micropogonias Mar Cururuca . undulatus Curral Ano todo 3.00 Brachyplatistoma maio junho Rio e estuário Dourada flavicans Rede,curral (inverno) 10.00 Rede, Gó Macrodon ancylodon curral,tarrafa Maio a outubro Mar e estuário 1-10.00 Mar e estuário Gurijuba Ocyurus chrysurus Rede 4.00 c Jacundá Arius parkeri Rede,espinhel Outubro - Mar e rio Jurupiranga Arius rugispinis Linha,espinhel Ano todo 5.00 Mar e rio Mero Epinephelus itaiara Linha Junho 1-5.00 Mar Moréia Gymnothorax spp. Rede espinhel Ano todo 1.00 Symbranchus Rio Mussum marmoratos Rede, linha Ano todo - Rede,espinhel,linh Mar,estuário e rio Batrachoides a,tarrafa,anzol de Pacamum surinamensis pacamum Ano todo 1-3.00 Rede,linha curral, Mar e estuário Paru Chaetodipterus faber tarrafa Ano todo 3.00

38

Julho a Mar e estuário Rede,curral,espinh setembro Peixe-pedra Genyatremus luteus el, linha,tarrafa 5.00 Mar, estuário e rio Pescada-amarela Cynoscion acoupa Rede,linha,curral Maio e junho 10-17.00 Maio a junho Rio e estuário Piramutaba Cynoscion leiarchus Rede (inverno) 10.00 Mar e estuário Pratiqueira Mugil spp Rede Ano odo 1-5.00 Maio e junho Mar e estuário Sajuba Mugil sp Rede 6.00 Opisthonema Mar e estuário Sardinha oglinum clupeidae Rede, curral, tarrfa Maio e junho - Scomberomorus Mar Serra brasiliensis Rede Outubro 5-8.00 Mar. Estuário,rio Tainha Mugil spp Rede maio a julho 10.00 Rede Rio Tamatá-cupim Hoplosternum Litoralle Inverno - Rede Inverno Rio Tamatá-azul Callichthys callichthys - Rede Inverno Rio Tilápia sp Tilápia - Rede, Mar linha,tarrafa Janeiro a junho Timbiro Oligoplites spp. (Inverno) 2-2.50 Rio Traíra linha Inverno 1.00 Rede,tarrafa,linha Estuário e rio Uricica Cathorops spixii e anzol .Ano todo 1.00 Rede, espinhel Mar e estuário Uritinga Arius proops Rede,linha Ano toodo 5.00 Junho a Mar e estuário Xaréu Caranx spp. Rede dezembro 5.00

39

Pesca de Mariscos Em Quatipuru os principais crustáceos capturados são caranguejo uçá (Ucides cordatus), o siri (Callinectes sp) e o camarão branco (Litopeneaeus sp) . Os principais moluscos capturados, conhecidos como mariscos, são o sarnambi (Lucina pectinata e), o sururu (Mytella falcata ), o mexilhão (Mytella sp), a ostra (Crassostrea sp) e o turu (Teredo sp .). A ostra e o turu são utilizados para o consumo e eventualmente são comercializados.

Pesca de Sururu O sururu é o marisco mais comercializado na região de Quatipuru. A coleta é uma atividade familiar e o extrativista que pratica a coleta é localmente denominado de "marisqueiro ou "marisqueira". Durante a coleta do sururu, segundo os extrativista é necessário que junto se retire o substrato conhecido como “umbigo”. Este substrato mantém o molusco vivo até que seja beneficiado (Figura 11). O beneficiamento é realizado nos quintais e áreas externas das casas e consiste em retirar os animais do "umbigo" cozinhar por cerca de 1 hora para que as conchas abram, facilitando a retirada do molusco. O sururu pode ser comercializado in natura, com a casca, ao valor de R$5,00 por 3kg ou cozido, ao valor de R$10,00/kg. Quando comercializado com "umbigo" a saca com 60 kg custa R$50,00 em Boa Vista e R$ 80,00 na sede de do município de Quatipuru. Segundo os marisqueiros, o sururu está desaparecendo da região, este fato é atribuído ao aumento da coleta do molusco e da poluição das águas dos rios e do mar.

A tiração e cata de caranguejo Segundo informações obtidas junto ao secretário de meio ambiente, não há comercialização de caranguejos vivos e o município é o maior produtor de "massa" (carne) de caranguejo do estado do Pará. Ainda, segundo o secretário há trinta anos os crustáceos eram comercializados vivos em "peras ou cofos", amarrados em 13 unidades. A partir da captura com o gancho a venda se tornou inviável, pois a mortalidade aumentou, com perdas de mais de 70% da produção para ser vendida nas feiras de Belém. Segundo a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARA) são cerca de 30 mil famílias no Estado do Pará que sobrevivem da atividade da massa de caranguejo, sendo que em média cada família produz três quilos de massa por dia. Os crustáceos chegam ao porto já "esquartejados” para serem beneficiados impedindo a verificação do tamanho mínimo legal (6 cm de carapaça) para sua retirada do ambiente natural.

40

A- Retirada do"umbigo" B- Detalhe da retirada do"umbigo".

C - Cozimento do sururu. D- Sururu sendo retirado da casca Figura 11 - Aspectos da atividade de beneficiamento do sururu.Fotos:Adna Albuquerque.

Os locais de "cata” (atividade que consiste na retirada da carne do caranguejo) são nas residências dos tiradores e é uma atividade quase que exclusivamente feminina. Os crustáceos são pré-cozidos em água salgada e as mulheres da família se reúnem ao redor da produção para a retirada da "massa". O produto beneficiado é ensacado, pesado e resfriado para comercialização. No período desta pesquisa, os "patrões da cata" (atravessador que leva a produção) estavam pagando pelo kg da "massa" o valor de R$ 20,00(Vinte Reais) e pelo Kg da quela (garra ou unha) R$25,00 (Vinte e cinco Reais). Segundo as catadoras cada cento de caranguejo produz até 3kg de massa e elas recebem R$7,00(Sete Reais) por kg catado, podendo ganhar cerca de R$50,00 dia. Cabe ressaltar que o município de Quatipuru no ano de 2009 teve sua produção de massa totalmente comprometida em função da má qualidade da coleta, caracterizada pela falta de higiene. Na ocasião, os catadores viram-se proibido de comercializar o produto em vista dos termos do Art7°, IX da lei 8.137/90," constitui crime contra as relações de consumo, vender, ter em depósito para vender ou expor à venda, ou de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria imprópria ao consumo". A comercialização foi proibida em todo o estado e na ocasião, a então Secretaria Estadual de Pesca e Aquicultura (SEPAq) buscou iniciativas para o ordenamento da

41 prática de cata da massa do caranguejo, juntamente com o Ministério Público Estadual. Estabeleceram, entre outras medidas, as de: 1. Buscar divulgação das imagens mostradas na reunião para a população, com apoio da imprensa, notadamente nos municípios que produzem a massa de caranguejo, como forma de conscientizar os consumidores para o enorme risco a saúde do consumo desse produto; 2. Notificar os restaurantes e demais estabelecimentos comerciais para comparecem ao Ministério Público, propondo termo de ajustamento de conduta (TAC), para obrigar referidos estabelecimentos a não comercializar massa de caranguejo ou vender refeições que contenham como ingredientes tal produto (obrigação de não fazer); 3. Propor Ação Civil Pública, contra estabelecimentos que insistirem na produção e comercialização da carne de caranguejo e seus derivados; 4. Solicitar ao Procurador-Geral de Justiça que expeça recomendação aos Promotores de Justiça do interior do Estado no sentido de tomar providências para coibir a comercialização da massa/carne de caranguejo, através de reuniões, termo de ajustamento de conduta, Ações Civis Públicas, fiscalizações e demais medidas pertinentes; 5. Solicitar que o Procurador-Geral de Justiça envie ofício aos Procuradores- Gerais de Justiça da região Norte/Nordeste, informando das medidas tomadas pelo Ministério Público do Estado do Pará bem como alertando sobre os riscos à saúde do consumo do produto, para que encaminhe referidas informações aos respectivos Promotores de Justiça de Defesa do Consumidor de referidos Estados; 6. Solicitar ao Diretor Geral da ADEPARÁ, para que sejam intensificadas as barreiras fiscalizatórias nas rodovias paraense para repressão e apreensão da carne de caranguejo clandestina, informando a este Órgão a quantidade de produto apreendido; 7. Informar a Delegacia Regional do Trabalho e ao Ministério Publico do Trabalho alertando sobre o trabalho infantil realizado por diversos municípios paraenses na coleta artesanal da massa de caranguejo; 8. Dar ciência ao Conselho Tutelar dos municípios requisitando providências contra o trabalho infantil; 9. Requisitar que a Vigilância Sanitária do Município de Belém proceda a diligências fiscalizatórias nos restaurantes, bares e feiras no sentido de apreender os produtos clandestinos, além de dar continuidade a fiscalização em locais já visitados como lojas de pescado e supermercados;

42

10. Instaurar no âmbito desta Promotoria de Justiça, procedimento exclusivamente para tratar da questão do caranguejo, apartando essa matéria do procedimento do pescado; 11. Fazer o levantamento nos diversos municípios dos locais onde é armazenado e comercializado grande quantidade de massa/carne de caranguejo, os chamados intermediários ou atacadistas, para planejar uma futura ação de busca e apreensão desse produto; Atualmente a comercialização da ”massa” está sendo regulada e regulamentada com o apoio da ADEPARA e da Vigilância Sanitária, mas ainda de forma precária. Na prática de “tiração” do caranguejo o instrumento mais utilizado para captura é o gancho ou braceamento e os tiradores possuem vestimentas confeccionadas por eles próprios como o sapato, as braceiras (Figura 12). A retirada é conhecida como "caranguejo de baixada" quando o grupo de tiradores passa a semana viajando pelos mangues para a coleta, e posterior comercialização aos catadores. São grupos com até 10 tiradores. Estes chegam ao “ponto” (local de referência no mangal) em canoas e deixam a “merenda", em geral composta de farinha, sal, café, etc.. Seguem a pé pelo mangue em diferentes rumos podendo caminhar mais de 1km mangue adentro. Segundo a fala de um dos tiradores " o trabalho é individual, é cada um por si entra no mangal e vai fazer a sua parte, no mangue o caranguejo é por bolada, é espalhado no mangal, tem bolada que tem muito, que eles estão mais fundo , ou que estão mais rasos ". Afirmaram que tem "fase" para tirar o caranguejo de acordo com a maré, " nas marés de quarto (lua crescente e minguante) é bom, são as chamadas marezadas boas e nas águas (lua cheia e lua nova) dá pouco caranguejo no mangal ." A meta é em geral tirar 100 unidades do crustáceo por rota de captura. O valor do cento está em R$40,00 para a venda aos que fazem a cata da massa. Segundo os caranguejeiros " está ruim de fazer a tiração e o consumo é grande, agora se anda muito mais longe para conseguir tirar 100 ", referindo-se a quantidade de pessoas que trabalham com a atividade. Muito tiradores admitiram que os crustáceos são utilizados por suas próprias famílias, quando são levados para serem catados por suas mulheres e filhas. No manguezal, segundo os tiradores, há diferentes pontos de concentração dos crustáceos e também das principais espécies vegetais como a sirubeira ou siribeira (Avecinea. germinans ), o tinteiro (Laguncularia racemosa ) e o mangueiro ( Rhizophora mangle L ) consumidas pelos caranguejos. Afirmaram que no manguezal " tem lugar que só tem sirubeira (ai o caranguejo prefere fazer a andada), só tinteiro e lugar que tem mais mangueiro (na beira das praias)".

43

A Sapatos B - Braceiras.

C- Gancho D- Tirador preparando gancho Figura 12- Apetrechos confeccionados pelos tiradores de caranguejos em Quatipuru- PA. Fotos: Regina Oliveira.

Segundo dados preliminares da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Quatipuru, o município possui aproximadamente 1000 (um mil) coletores de caranguejos ou caranguejeiros como são também conhecidos; porém, aproximadamente 300 (trezentos) destes vivem quase exclusivamente dessa atividade. Em média, todos os dias se embrenham nos manguezais locais, cerca de 300 caranguejeiros e cada um captura em média 150 caranguejos por dia, durante 5 dias da semana. Os domingos e as segundas-feiras são os dias destinados ao descanso e ao convívio com familiares e amigos. A comercialização dos mariscos e caranguejos é realizada tanto pelos homens como pelas mulheres. O preço é ditado pelo "patrão da cata" e comerciantes locais (Tabela 5).

44

Tabela 5 - Principais espécies de mariscos comercializadas na região do município de Espécie Época do Habitat Arte de pesca Preço (R$) ano Caranguejo Ano todo Manguezal Braço, gancho 40,00/cento; 20.00 kg da massa e 25,00 kg das patas Siri Ano todo Mar Paneiro e mão 1.00/unidade Camarão- Verão Rio, mar Tarrafa, 25.00 –30.00kg branco puçá,rede Sururu Verão Rio Mão 10,00 – litro/ massa 5,00 a cad 3kg com a concha Ostra Verão Manguezal Mão 5,00- 3 unidades Turu Verão Manguezal Mão 10,00 o litro sujo e 15,00a- 20,00 o litro limpo

Conflitos da pesca O principal conflito relatado pelos extrativistas refere-se a " invasão de gente de fora nos mangues e áreas de pesca ". No entanto, em conversas informais foram relatados conflitos gerados pelo uso dos territórios de pesca, sobretudo entre os curralistas e pescadores artesanais. Em geral os conflitos são amenizados pela lógica do tempo de uso da região pesqueira, e quando não, as decisões são tomadas em reunião comandada pela Colônia de Pescadores. Segundo relatos dos extrativistas de caranguejos, estes foram expulsos de áreas próximas a região de São João de Pirabas e de Tracuateua. No segundo município houve um acordo negociado por uma das lideranças de Tracuateua que mantém laços familiares em Quatipuru.

Organização social da pesca No município de Quatipuru a Colônia de Pescadores Z- 48 é uma das entidades de classe da qual os pescadores estão filiados e foi fundada em janeiro de 1989.. Atualmente são cerca de 1000 associados, e recebem ainda pescadores do município de Primavera. No Município a diretoria é composta por mulheres e a atual presidente é filha do presidente anterior. A sede está fixada no Distrito de Boa Vista. Há descontentamento entre os pescadores sobre as ações da Colônia e com isso e mobilização dos pescadores mais jovens houve a criação da Associação de pescadores e marisqueiras de Quatipuru (APMAQ). A associação foi criada em 25/12/2007, através de uma reunião entre amigos e pescadores. A proposta foi de obter uma forma de ajudar pescadores e marisqueiros para beneficiar e retirar o marreteiro da cadeia produtiva, assim chegando direto ao consumidor. A organização possui 12 sócios e conta com ajuda de professores para a elaboração do estatuto. Conseguiram caminhão, "mas está na prefeitura, manobra política". Através do Miriquinho Batista; conseguiram também 25 casas apoiados pela

45

Resex de Tracuateua e atualmente estão sem projeto, pois "passam por má fase política". Uso da flora Os moradores de Quatipuru ainda dependem, para a reprodução de seu modo de vida, do uso dos recursos naturais existentes no município, em especial dos recursos dos manguezais. A paisagem de Quatipuru reflete o resultado de anos de manipulação da população sobre os ecossistemas locais, que nesse caso não determinam o seu modo de vida, mas em algumas situações os condiciona. Há que se considerar por ser uma área de colonização bastante antiga, e a relação do homem com a natureza no litoral amazônico pode ser classificada como secular, e que durante esse tempo, as populações vêm manipulando e explorando os ecossistemas locais, de acordo com suas necessidades, aprendendo sobre sua dinâmica ambiental, seus recursos naturais e assim, estabelecendo estratégias de uso e gestão dos recursos, integrando assim essas informações ao seu modo de vida, como práticas culturais (DIEGUES, 1999; FILHO, 2015). De acordo com Senna (2010), os manguezais, restingas costeiras, campos salinos, várzeas de maré e campos periodicamente inundáveis integram a unidade de paisagem, formada provavelmente no Holoceno Superior. Os moradores entrevistados em Quatipuru reconheceram como principal recurso vegetal as espécies do manguezal. São as sirubeira ou siribeira ( Avecinea. germinans) , o tinteiro (Laguncularia racemosa ) e o mangueiro (Rhizophora mangle L ). Este último, motivo inclusive de conflitos entre os usuários desses recursos. O mangueiro dominado por espécies do gênero Rhizophora destaca-se por seus caules, que prolongam-se dos troncos e galhos em direção ao solo, em forma de arcos e auxiliam na sustentação da árvore. A siribeira, com dominância de espécies do gênero Avicennia, caracteriza-se pela presença de raízes com assimetria positiva, saindo da lama, em forma de pequenas protuberâncias verticais, também conhecidas como raízes pneumatóforos, que buscam oxigênio, não encontrado no solo anóxico. A tinteira, com dominância de L. racemosa, também apresenta pneumatóforos, sendo facilmente reconhecida pelo pecíolo vermelho das folhas (MENEZES, 2009) Segundo os entrevistados o mangue vermelho (mangueiro) é o mais usado e valioso " se tira a casca para vender ao curtume, a casca do mangueiro é mais grossa, eles são derrubados, e descascados apenas a parte de cima, a parte que caiu e molhou não presta ". A casca é valiosa no mercado. Cada metro gera um ganho de até R$500,00 para quem extrai e é comercializada aos "traficantes" (pessoas que compram o produto, apesar da proibição). Segundo um dos entrevistados a casca " é conhecida

46 como tinta do mangueiro capa rosa, pois é meio vermelho e em contato com a água salgada fica preta, manchando tudo e só sai se usas água sanitária ". Os moradores utilizam os manguezais de diversas formas. Os propágulos e as raízes das árvores de mangue são usados, em formas de chá, como remédio contra a diarréia. A casca e as folhas da siriúba são queimadas, servindo como repelente aos insetos que se encontram em grande quantidade nas proximidades do mangue, durante a lua cheia e nova e nas noites chuvosas (FILHO, 2015). O carvão é produzido em Quatipuru com a madeira da sirubeira, e do mangueiro que segundo os entrevistados produz carvão de qualidade, " pois a sirubeira é oca e tem resina, fica fácil de queimar e o mangueiro produz carvão pesado ". O carvão é produzido em fornos ou caieiras. Os fornos são construídos em barro medindo 3x1m, e podem produzir até 20 sacas, cada saca equivale a 40kg de carvão. O extrativista vai ao manguezal preferencialmente durante a "maré de quebra", quando a água salgada não enche o mangue , corta a lenha e espera a maré de lanço para retirar a madeira derrubada. Para eles o carvão é produzido no período de inverno "é um carvão melhor, rende mais ". O carvão é comercializado em Quatipuru e para outras regiões a um preço de até R$20,00 a saca. Para o carvão produzido em caieiras, que consiste de um buraco de cerca de 5x3m, a lenha é retirada do roçado e as principais espécies utilizadas e consideradas "como boas pra fazer carvão ", são: o ingá, o muruci e a súcuba. A produção rende 10 sacas e é comercializado em Quatipuru por R$20,00 Há ainda o uso das espécies do manguezal para a construção dos currais de pesca. Segundo os curralistas o uso das árvores não acaba o mangal, " se você corta 100 paus aqui, tá nascendo 500 ali, se você chega à beira, vê tanta semente se forma um pauzuá (quando nasce muito pau) ". Utilizam o mangueiro, a sirubeira e o tinteiro para a confecção dos currais. O mangueiro e o tinteiro são utilizados como moirão e a sirubeira como varas. Para um curral de 400m são utilizados 600 paus para o mourão, 1.000 varas e 500 paus para fazer os cintados (as varas de apoio horizontais). Não há registros específicos sobre o uso da flora nas comunidades visitadas em Quatipuru. No entanto, segundo Rios et al.(2001) há registros de espécies madeireiras de valor econômico que são empregadas na construção de casas e produção de lenha, no nordeste paraense. Shanley et al. , (1998) destacam as espécies frutíferas, e medicinais;espécies para artesanatos e espécies com potencial resinífero. Os entrevistados citaram 58 tipos de árvores entre palmeiras, herbáceas, espécies da terra firme e do mangue. Estas estão distribuídas entre 30 famílias botânicas (Figura 13).

47

Musaceae

Acanthaceae

Rutaceae

Combretaceae

Myrtaceae

Famílias Famílias Botânicas Anacardiaceae

Arecaceae

0 10 20 30 40 50 Nº de citações

Figura 13- Principais famílias botânicas com maior número de espécies citadas pelos entrevistados das comunidades visitadas no município de Quatipuru-PA.

Em relação à distribuição do número de espécies por famílias, as espécies de palmeiras da família Arecaceae, foram mais citadas, seguida das Anacardiaceas. As espécies vegetais com finalidades utilitárias, principalmente ligadas à alimentação somaram 31 espécies. As mais citadas para uso medicinal estão a Dalbergia monetaria (verônica) e o Stryphnodendron barbatiman Mart (barbatimão), além de frutos como a laranja da terra e Caesalpinia ferrea M .( jucá). Para construção de casas e instrumentos de trabalho as espécies mais citadas foram: sirubeira utilizada para construção de casas, e perna mancas. Além de produção "de lenha para cozinhas o caranguejo". São ainda utilizados a Vochysia spp (quaruba), o Simarouba Amara (marupá) e o ipê para confecção de pernas mancas, esteios e canoas. Segundo os entrevistados algumas espécies vegetais estão desaparecendo da região, entre elas destacaram desde espécies herbáceas, com a malva rosa; frutiferas como o Platonia insignis (bacuri) e o Anacardium occidentale L (caju) e espécies madeireiras como o Caryocar brasiliense (piquiá ) e o Swietenia sp .(mogno). quando questionados sobre o porque estariam desaparecendo, os que responderam afirmaram que " é o desmatamento", ou ainda por que " aqui já tiraram tudo, agora se compra de Primavera". Dentre as espécies citadas o mogno encontra-se na Lista de Espécies da Flora ameaçadas de Extinção do Estado do Pará (SEMA, 2009), e na Lista Oficial das Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção (MMA, 2014) na categoria Vulnerável.

48

Em Quatipuru as comunidades de Vila do Macaco, e Cumaru são as que mais praticam a atividade agrícola. Na Vila do Macaco há a festa do agricultor, ocasião que realizam intercâmbios de produtos. A mandioca (Manihot esculenta ) é o principal produto cultivado, seguido do milho. A técnica utilizada para o preparo da terra é a derruba e queima e por vezes a prefeitura disponibiliza o trator para o preparo da terra. O roçado é de anual, roçam em outubro para plantar em janeiro, costumam fazer o aceiro. Realizam até duas capinas por ano (que corresponde a limpeza dos plantios). Em agosto costumam plantar as "roças de verão, se deixar de colocar roça 1 ano é o mesmo que ir embora". Os terrenos de cultivo são familiares, mas cada família trabalha no seu lote. A produção é para consumo e apenas o excedente pode ser comercializado ou doado a algum parente. A produção de farinha em uma tarefa (área plantada de 50x50 m) pode produzir até 15 sacas de farinha, de acordo com a maniva cultivada. Em Cumaru a agricultura é praticada com maior relevância que a pesca, no entanto, nesta comunidade comercializa caranguejos vivos, que são vendidos para Tracuateua ou Salinópolis. Na comunidade houve projeto do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) com empréstimo de fomento para o cultivo de mandioca. No entanto, segundo alguns moradores " foi muito ruim deu doença na mandioca e se perdeu tudo, mas ficou a dívida ". Em uma tarefa (50x50 m) é possível obter até 30 sacas de farinha " se a terra for mecanizada ". O período de pousio é em média de 5anos "tempo para capoeira ", referindo-se ao crescimento da mata secundária. Os agricultores cultivam 1 tarefa por ano , costumam plantar em janeiro, para colher no próximo ano. O feijão é cultivado em roça separada " pois não pode fazer sombra ". Cultivam ainda o milho, jerimum, melancia, quiabo e macaxeira. Em 2006 por meio de uma atividade política surgiu a proposta de construção de uma casa de produção de farinha no município com o objetivo de haver a compra livre da farinha na região. Iniciada com 50 sócios criou-se a Associação de Agricultores e Aqüicultures de Quatipuru (ASSAGRIAQUIQ), fomentado pelo Programa de Redução da Pobreza e gestão dos Recursos Naturais do Pará 3 (PARÁ RURAL). Segundo uma das sócias, em 2012, iria começar o trabalho. Para tanto foi construída uma fábrica de farinha totalmente mecanizada na região de Serra Grande, no município. A proposta foi que os produtores se reunissem no local trazendo sua produção de mandioca. No entanto o preço da farinha teve uma queda em 2014 e a produção foi considerada d de baixa qualidade, não sendo, portanto comercializada. A fábrica encerra suas atividades em julho de 2014. Na região há ainda a fazenda Piscicultura Nossa Senhora das

3 O Programa Pará Rural foi desenhado pelo Governo do Estado do Pará focado em duas áreas críticas: a redução da pobreza rural e o melhoramento da gestão dos recursos naturais (gestão fundiária e gestão ambiental).É uma parceria do Governo do Pará com Banco Mundial (BIRD), tendo como área de abrangência geográfica o ambiente rural do Estado, (site do Estado). 49

Graças, de propriedade particular com cerca de 76 ha com cultivo de tambaquis e tilápias .

Áreas de uso dos recursos naturais Mapas Mapeamentos participativos ou mapa falado são ferramentas que promovem uma rica discussão acerca das áreas de coleta e do uso dos principais recursos naturais. Além disso, permitem a visualização do território, assim como a compreensão dos espaços e "lugares" pelos extrativistas, promovendo o entendimento para questões futuras como a gestão ambiental. Os mapas das áreas de uso dos recursos naturais para a área proposta como unidade conservação de uso sustentável foram elaborados coletivamente durante as oficinas/reuniões. Na comunidade Macaco devido ao baixo número de participantes o mapeamento foi realizado por meio de conversa informal. Nas demais comunidades reuniu moradores que utilizam o ecossistema do manguezal, além da área marinha. Em geral apenas os homens participaram dessa atividade. No entanto, em conversas informais algumas mulheres declararam ir ao mangual para pescar, ou tirar caranguejos durante o período da "andada". Utilizou-se de imagens de satélite, onde estavam localizadas as comunidades, a estrada, a sede municipal, assim como os limites municipais, nesse caso Tracuateua e a Resex, São João de Pirabas e o município de Primavera. Ao iniciar o mapeamento são realizados esclarecimentos sobre os significados das cores na imagem e as representações dos espaços, com os participantes nomeando os principais elementos geográficos. Com o reconhecimento dos espaços aquáticos se inicia o reconhecimento e a nomeação das demais áreas, como as áreas de praia, de campo, de "lombos" (nomeação local para croas), o manguezal, e os principais pontos de coleta (Figuras 14 a 21).

Distrito Boa Vista Atualmente elevada à categoria de Distrito de Boa Vista e distando cerca de 9 km da sede municipal e com uma população de 5.239 habitantes, Boa Vista concentra o desembarque pesqueiro da região, assim como o maior número de pescadores artesanais. O mapeamento foi realizado em dois momentos. O primeiro organizado pela liderança política do município e pela liderança de Tracuateua, foi agendado para as 15:00hs e contou com a participação das mulheres catadoras 4 e poucos pescadores, já

4mulheres catadoras, refere-se as mulheres que trabalham retirando a massa (carne) do caranguejo-uçá para comercialização. 50 que estes estavam em suas atividades. O segundo agendado com lideranças dos pescadores e tiradores de caranguejo foi realizado a noite, após a chegada dos mesmos de suas atividades no mar e no mangue. Para o processamento dos mapas, os resultados foram unificados, visto que apenas os pescadores e tiradores de caranguejos participaram do exercício. Na ocasião se reuniu pescadores de maré (pescam nas proximidades das parias ou usam currais) e pescadores artesanais (que possuem barcos de tonelagem e suas pescarias são realizadas em alto mar), assim como outras categorias de extrativistas, os que vivem do caranguejo e da madeira. Foram identificados os locais onde estão os currais, e onde há pesca de camarão (Litopeneaeus sp) e siris ( Callinectes sp). Esta atividade ocorre principalmente nas áreas de croas ou "lombos" denominação local para os bancos de areia existentes baías do rios Quatipuru e Japerica. O acesso a essas áreas é feito por canoa, movida com motor tipo "rabeta" de até 7hp. Na região onde predomina os manguezais os tiradores de caranguejo identificaram suas principais áreas de coleta. Salientaram ainda a dificuldade que estão encontrando para se conseguir 100 unidades/dia do crustáceo, alegando que o recurso "está acabando", ou afirmando que "tem muita gente tirando caranguejo". A atividade agropecuária é exercida na região onde há formação de "ilhas" denominada localmente de Ilha do Arroz, que correspondem segundo Neto et al (2011) aos Campos Salinos da região com predominância de vegetação herbácea e gramíneas e palmeiras como o "tucum"( Astrocarium sp ) e o babaçu ( Orbignya sp). Destaca-se que nessas áreas estão ranchos de cultivos, já sem moradores fixos. Os proprietários dos ranchos os visitam a cada 2 dias para cuidar dos plantios de mandioca, frutas e gramíneas para o gado e produzir carvão utilizando as árvores caídas. Observou-se ainda plantios antigos de cajueiros ( Anacardium occidentale L) por toda área dos ranchos. Atualmente existem seis ranchos na Ilha do Arroz. As famílias fazem 2 capinas ao ano nos roçados de mandioca. As áreas de plantio são revezadas com as áreas de pasto para aproveitamento do adubo (esterco). Os atuais rancheiros migraram de Bragança e segundo eles compraram a "tapera", e se instalaram a mais de 12 anos. No centro da Ilha represaram a água para o gado e esta área é limpa a cada ano durante o período de verão. Os ranchos constituem-se de casas de palha ou de barro, em geral com 2 andares. Ao redor estão à casa de farinha, forno de barro, poço e plantios de frutíferas. A coleta de moluscos como o turu ( Teredo sp) , sarnambi (Lucina pectinata e), o sururu (Mytella falcata), o mexilhão (Mytella sp.) ocorre na região dos mangues, croas e

51 cabeceiras. Destes, apenas o turu é utilizado para consumo e durante as atividades no mangue, sendo raramente comercializada.

Figura 14- Mapa das áreas de uso dos moradores do Distrito de Boa Vista.

52

Os demais são retirados para comercialização. Segundo os pescadores a ocorrência de sururu dá-se a cada 20 anos quando aparecem e ocupam as croas. Para eles o mangue ou mangal (nominação local para o ecossistema) está diminuindo e isto se dá devido à erosão causada pelos ventos como explicado na fala " o vento começa trazer areia e vão entrando no mangal e vai quebrando, é natural mesmo ". Segundo eles o principal problema ambiental está na invasão dos camarões malasianos que ocupam os campos. São coletados mais facilmente no início do período do verão quando os campos secam e comercializados por até R$30,00/Kg (Trinta Reais). Os pescadores mapearam ainda as áreas denominadas de "emburateua" que são "buracos embarreirados", locais fundo de pesca e de desova de peixes nos rios e igarapés e se constituem de pesqueiros (área de concentração de peixes) (Figura 15) .

a- Mapeamento áreas de uso em Boa b-Mapeamento áreas de uso em Boa Vista. Vista.

c- Mapa com as áreas de uso. d- Apresentando mapa. Figura 15- Aspecto da atividade de mapeamento em Boa Vista, Quatipuru-PA.

53

Bairro Pedreira Os extrativistas de caranguejo se concentram na sede do município e estão distribuídos nos bairros Pedreira e Catanhede, áreas onde o manguezal está mais próximo, reunindo uma população de 1.462pessoas. O mapeamento foi realizado na área do barracão dos moradores do bairro Pedreira e apenas os homens participaram da localização das áreas de uso, sendo em sua grande maioria tiradores de caranguejos (Figura 16). A principal área de retirada dos crustáceos é no manguezal do município de Tracuateua que faz fronteira direta com o município de Quatipuru. Segundo a liderança da Resex de Tracuateua neste bairro também estão concentrados outros beneficiários da Resex Tracuateua que receberam a casa e os fomentos. Os extrativistas nomearam os principais manguezais de acordo com a predominância da vegetação, assim existem os "sirubais", os "tinteirais" e "mangue vermelho", e onde ocorrem os caranguejos considerados grandes que segundo eles " é na Reserva de Tracuateua ". Suas áreas de uso estendem-se até o município de São João de Pirabas (Figura 17). . Os extrativistas apontaram as suas principais áreas de percurso para deslocamento no manguezal, sobretudo na região próxima de Boa Vista. A coleta do turu é apenas para o consumo e ocorre durante as coletas de caranguejo. Realizam a pesca de tapagem nas áreas de igarapés menores e fazem a pesca de linha ao longo dos rios maiores durante o seu deslocamento para as áreas de mangue. Embora não haja comercialização de ostras (Crassostrea sp ) a região de coleta e de possível área para produção em cativeiro foi apontada. Para eles " sempre o mangal é diferente, tem parte que tem mais graúdo e tem parte que é miúdo ", referindo-se as áreas de retirada de caranguejos.

54

a- Extrativistas nomeando as áreas. b- mapeamento das áreas de uso.

c- Mapeamento final d- Apresentação a Plenária. Figura 16 Aspectos da atividade de mapeamento no bairro Pedreira.

55

Figura 17- Mapa das áreas de uso e recursos naturais utilizados pelos extrativistas do bairro Pedreira, Quatipuru- PA.

56

Bairros Catanhede e Pedreira Os moradores se reuniram no espaço onde será a creche municipal, ainda em construção. Nessa oficina/reunião, solicitada para ocorrer no período da tarde (após a chegada dos extrativistas do trabalho no mangal) pelas lideranças locais concentrou maior número de extrativistas de caranguejos, mas contou com pescadores locais (Figura 18). No mapeamento nomearam e localizaram novas áreas de coleta, estendendo-se desde a região da Resex Tracuateua, até o município de São João de Pirabas. Nomearam os demais igarapés, descreveram as áreas de produção, apontaram as principais "emburateuas", e caracterizaram alguns dos igarapés de uso. Entre os recursos naturais extraídos no manguezal, além do caranguejo estão os mexilhões e a lenha. As principais áreas de retirada de lenha estão concentradas nos interflúvios dos rios Quatipuru e Tracuateua, além da região próxima a comunidade de Taperinha. Contribuíram com informações sobre a sazonalidade dos igarapés em função da maré, como no igarapé do arroz "onde a área de cabeceira seca na maré baixa e não se consegue sair, tem que saber do lugar para usar" (Figura 19). Destacaram novas formações de ilhas e praias em função da dinâmica dos rios, como os "lombos" do Paraíso e identificaram o igarapé do Pilherga como região "boa pra tirar caranguejo".

a- Elaborando o mapa. b- Nomeando as regiões de uso.

c- Mapa final d- Apresentação à plenária. Figura 18- Aspectos da oficina/reuniao no bairro Pedreira e Catanhede. 57

Figura 19- Mapa das áreas de uso dos recursos naturais dos moradores dos bairros de Pedreira e Catanhede- Quatipuru-PA.

58

Comunidades de Vila do Macaco e Cumaru Estas comunidades, localizadas ao sul da área prevista como unidade de conservação de uso sustentável, estão próximas ao ecossistema manguezal. No entanto, pouco utiliza os recursos desse ecossistema, pois seus moradores dedicam-se as atividades ligadas a agropecuária tanto na Vila do Macaco quanto em Cumaru. Seus moradores totalizando 305 e 853 respectivamente estão distribuídos na região central das comunidades e pelas estradas de acesso (Figura 20). O mapeamento na Vila do Macaco foi realizado de maneira mais informal com os poucos moradores que chegaram para a oficina/reunião. Justifica-se o fato de que na Vila os moradores estavam ocupados com os preparativos para Festa do Agricultor a ser realizada nos dias seguintes e, portanto, não poderiam conversar conosco 5. a comunidade, segundo a liderança vive da produção de farinha e do apoio do Programa Bolsa Família. O histórico de ocupação da área é que pertencia a uma família e foi desdobrada entre os herdeiros ao longo do tempo cabendo a cada um deles trabalhar nos roçados em até 3 tarefas (cada tarefa corresponde a uma área de 50X50m). A mão de obra é familiar, podendo haver contratação de diaristas " quando é necessário fazer a broca ", referindo-se ao preparo da terra. Os moradores da Vila do Macaco, segundo eles, costumam ir ao mangue " quando desejam comer caranguejos " e fazem a extração com o uso do gancho. A pesca é ocasional, também para consumo. A área de pesca é no rio Quatipuru, próximo ao Porto do Macaco e no período do inverno, nos campos, quando alagados. Utilizam tarrafas, redes e espinhel para a captura do pescado. A comercialização do pescado é realizada entre os moradores da comunidade ou os que vêm de outras comunidades próximas. Alguns moradores construíram açudes para reprodução de peixes para consumo como o tamatá ( Hiplosternum sp), traíra ( Hoplias sp) , sarapó ( Eigenmannia sp ) entre outros. Segundo os moradores há retirada de madeira do manguezal, "principalmente da Sirubeira pelo pessoal de Quatipuru, que vem tirar para fazer esteio e cerca ". A comunidade está próxima do Campo do Macaco, área considerada de uso dessa comunidade. No campo pescam, mantém gado e búfalo e retiram açaí ( Euterpe sp) e mburuti ( Mauritia flexuosa ). Segundo os participantes da reunião o campo é inundado pela água salgada nas marés de lanço (marés cheias) matando os peixes de água doce, fenômeno que ocorre a cerca de 10 anos e consideram que o campo tem seis meses de inverno (água doce predomina em função das chuvas) e seis meses de

5Cabe esclarecer que a mobilização, prevista para esta área foi realizada apenas com os beneficiários da Resex Tracuateua, que se caracterizou como recém integrante da Comissão Pró-Resex e responsável pelo campeonato esportivo que ocorre durante a Festa do Agricultor. Não se conseguiu articular outra data para as atividades junto a esta comunidade. 59 verão (água salgada que chega com as marés). Para eles o manguezal está aumentando, pois " onde o mar entra, o mangue entra também ". Comunidade Cumaru A oficina/reunião ocorreu no barracão comunitário e do mapeamento, em Cumaru, apenas os homens participaram. Identificaram as fazendas de gado e búfalo e os roçados, os campos e o rio. Comentaram que "antes tinha muito peixe, mas depois que inventaram a malhadeira, o peixe acabou e hoje é pouco, só para consumo" (Figura 21). A pesca realizada nos campos alagados é denominada de " pescaria de bóia ". Realizada a noite, consiste em utilizar uma pedaço de caranã (Mauritia sp ) de cerca de 50cm, com uma linha de até 1m amarrada ao centro da caranã e na ponta um anzol, onde utilizam isca viva . Cada pescador coloca de 25 a 30 bóias por pescaria,que se inicia as 18:00, e as distribuem nas áreas mais limpas do campo, onde chegam de canoa ou a pé, deixam e retornam pela manha para ver o foi capturado. Segundo eles de cada 25 a 30 bóias podem que capturar entre 7a 10 peixes. Pescam mussum (Synbranchus sp), traíra( Hoplias malabaricus ) e , jeju (Erythrinidae). No rio a pescaria é feita de espinhel. Para eles o peixe da maré está escasso porque " utilizam lá fora as redes de arrasto, isso espanta o peixe, pegam tudo; aqui do salgado (referindo-se as marés) chega o turu, no verão e se forma ". A base econômica da comunidade e a atividade agrícola de roça (plantio de mandioca) e a pecuária com a criação de gado e búfalo. A terra para o plantio é "gradeada" (mecanizada) e plantam em novas áreas, cerca de 1 tarefa por ano. Do manguezal retiram o caranguejo e o turu para consumo " quando dá vontade de comer diferente, aqui não se tira pra vender, vem gente de fora que faz isso ". Dos campos retiram o açaí. Para eles a criação da Resex vai trazer melhorias para a produção da farinha "porque teremos assistência técnica".

60

a- Identificando espécies utilizadas. B - armadilha da pescaria bóia.

c- Mapeamento D Apresentando em plenaria.

e- Reunião na Vila Macaco. f- Conversas identificação de fauna. Figura 20- Aspectos da reunião nas comunidades de Vila Macaco e Cumaru.

61

Figura 21- Mapeamento das áreas e produtos dos moradores da Vila do Macaco e Cumaru.

62

3.3- Identificação e caracterização de possíveis comunidades indígenas ou quilombolas presentes na área Não foram localizados para o município de Quatipuru registro de populações indígenas ou de reivindicações de reconhecimento deste grupo étnico. O mesmo para territórios quilombolas. No entanto, há locais na estrada, nas proximidades das Vilas Macaco e Cumaru, onde os moradores apontaram como antigas áreas de negros.

3.4- Identificação de grupos sociais que poderão interferir (de forma positiva ou negativa) no processo de criação da unidade, bem como suas preocupações e interesses.

O grupo social designa conjuntos de seres humanos que se relacionam de modo sistemático entre si. É uma coletividade identificável, estruturada e contínua de pessoas que desempenham papéis recíprocos em conformidade com normas, interesses e valores com vista à persecução de objetivos comuns. Os grupos variam bastante, tanto podem ser tão diminutos quanto uma pequena associação ou tão vastos quanto uma instituição de larga escala. Estabilidade nas relações interpessoais e sentimentos partilhados de pertença a uma mesma unidade social são as condições suficientes. Os principais grupos sociais identificados foram as associações de produtores que estão instaladas nas comunidades e tem vínculo direto com as secretarias municipais, especificamente a Secretaria Municipal de meio ambiente. A Colônia de Pescadores é inativa, embora, segundo a atual presidente, há cerca de 1000 sócios. A colônia desconhece a proposta para criação da Resex, e afirmou "que nunca participou de quais quer reunião ou discussão sobre a temática ". O STTR tem atualmente como presidente morador local e vinculado ao secretário de meio ambiente. Para ele a criação da unidade de conservação "é um ponto positivo que vai melhorar a vida dos moradores por que há muita pesca predatória na região e poderá proteger as beiras dos rios que estão desmatadas".

Percepção sobre a Resex pelos moradores Quando se fala em percepção deve-se levar em consideração que o mesmo é a forma como os sujeitos julgam, conceituam e qualificam os fenômenos ao seu redor. É a maneira que se tem de assimilar/perceber a realidade. Neste sentido, procurar saber como os moradores do município de Quatipuru entendem e avaliam o que é uma Unidade de Conservação, especificamente um Reserva Extrativista é essencial para futuro desenvolvimento de ações no município. A análise das informações obtidas através das entrevistas e conversas com os moradores das comunidades visitadas, evidenciou-se que 67% não sabem para que

63 sirva ou o que é uma Resex. Mas apesar disso, 100% são a favor da criação da UC, achando importante e que só trará benefícios. Os outros (33%) que disseram saber o que é uma resex percebem a mesma como uma área que: "Protege o meio ambiente", "reserva os poços e mangual", "se pode desmatar"; "pertence a beira da maré", "serve para conservar a natureza", "gerar trabalho no município", "conserva o mangue", "deve ser preservada, reflorestada". Evidenciando um conhecimento amplo e vago sobre o que é uma Resex, mas ainda assim acham importante criá-la, pois proporcionará impacto positivo direito no uso do recurso, com ênfase para o caranguejo e peixe: " vai aumentar a quantidade de peixe", "traz mais recursos naturais", "vai fiscalizar quem vem devastando o mangue", "Serve para proteger o meio e os animais", não deixa os moradores de fora acabarem com tudo", "Porque ela vai fazer com que o caranguejo aumente de tamanho (maior reprodução)", "Serve para proteger as pessoas e os peixes, caranguejos e os camarões". Quando questionados sobre se com a criação da Resex haverá oportunidades de ganhos, 89% responderam positivamente, porém não souberam especificar quais oportunidades seriam estes. Como é muito insipiente o conceito de Resex, as ações que seriam permitidas ou não dentro da unidade estão divididas. Quando perguntados se era certo ou errado pescar ou caçar na área de uma Resex, 56% disseram que era certo sim e 44% acreditam ser errado. Demonstrando mais uma vez a necessidade de maiores esclarecimentos sobre a categoria da unidade, seus direitos e deveres e a responsabilidade enquanto ator social usuário da mesma. E no que diz respeito a gestão da UC quando perguntados sobre qual era o órgão do governo que é responsável pela Resex, 72% disseram não saber e 28% citaram IBAMA e INCRA, Governo Federal e ICMBIO. Em relação aos problemas ambientais que ocorrem na área os principais impactos percebidos pela maioria dos entrevistados (65%) foram desmatamento, queimadas e uso inadequado do mangue, todos os fatores de perturbações antrópicos. Porém, o que pareceu relevante é que a maioria dos impactos causados seria de " pessoas de outros municípios " que estariam usando o recurso de forma predatória.

64

3.5 - Identificação de áreas naturais e culturais relevantes, com oportunidade para uso público Em Quatipuru a concentração de turistas ocorre durante as festividades típicas da região. As festas de santo e os festivais ligados a safra da pesca como o Festival da Gó e mais recentemente o Festival do Caranguejo. Os festejos estão sendo promovidos pela Secretaria Estadual de Cultura que os divulga em agendas oficiais. Segundo alguns entrevistados não há participação dos caranguejeiros no Festival. As ocupações indígenas, que segundo os estudos arqueológicos e paleontológicos ocorreram em torno de 5.500 anos AP , especificamente os sambaquis do Porto de Mina, que atraem pesquisadores e outros visitantes a região. No entanto, nas comunidades visitadas e conversas informais com os moradores não houveram citações sobre os sítios arqueológicos ou formação de sambaquis.

3.6 - Análise do impacto econômico da criação da unidade de conservação Com base, no ainda válido, estudo Contribuição das Unidades de Conservação Brasileiras para a Economia Nacional (Medeiros et al ,2011) buscou-se identificar quais aspectos podem ser considerados na região de Quatipuru que poderão gerar impactos econômicos com a criação da unidade de conservação na categoria de reserva extrativista. Para o município os serviços ambientais evitando emissão de CO2 pela conservação das florestas de mangue, conservação e manutenção das cabeceiras dos rios que abastecem os manguezais podem ser uma alternativa; além do turismo ecológico a ser realizado nas áreas dos lombos e croas, e dos campos salgados. Há na região uma área de nidificação de aves que, embora não há estudos realizados que apontem esta região como potencial para turismo ecológico.

3.7 - Levantamento de dados e análise dos impactos ambientais sobre os usos alternativos do solo existentes, que estão em planejamento ou em implementação nas áreas indicadas

Na região de Quatipuru não se localizou projetos ou estudos para o uso alternativo do solo pelo Estado ou pela União, além da fábrica de cimento instalada no município de Primavera que poderá afetar os recursos hídricos na região como um todo. Há expectativas de algumas lideranças na obtenção de compensação ambiental, sem, no entanto, terem realizado quaisquer discussões mais profundas sobre a questão. Cabe ressaltar que está instalada na comunidade de Serra Grande uma fábrica de produção de farinha e derivados. O empreendimento que funcionou em 2013 e 2014 está paralisado em função da baixa do preço da farinha. Para sua instalação foram

65 plantadas cerca de 17 ha de mandioca. Atualmente é administrada pela Associação dos Agricultores e Aquicultores de Quatipuru, que está desativada.

3.8 - Levantamento de dados secundários do meio Físico O município de Quatipuru está localizado na Microrregião Bragantina que é integrante da Mesorregião Nordeste Paraense, costa atlântica da Amazônia Brasileira. Distante 210km de Belém, capital do estado, tem como municípios vizinhos São João de Pirabas, Primavera, Tracuateua e Capanema (Figura 22).

Figura 22. Mapa de localização do município de Quatipuru-pA.

O município é banhado a oeste pelos rios do Morcego e Japerica e a leste pelos rios dos Cacos e Tracuateua, que desaguam no Oceano Atlântico (Figura 21). O mapa de Hidrografia de Quatipuru foi elaborado com base em dados do IBGE (s.d.5). De acordo com a Classificação Climática de Köppen, a região do município de Quatipuru está incluída no subgrupo climático Tropical de Monções (Am), que apresenta as seguintes características: temperatura média do mês mais frio do ano > 18°C, pequena estação seca (agosto – dezembro), influência de monções, precipitação total anual média > 1500mm e precipitação do mês mais seco < 60mm (Alvares et al., 2013).Possui temperatura média mensal e precipitação anual de 26,2°C e 2608mm, respectivamente (Inpe, s.d.1; s.d.2). O município possui elevações modestas, variando do nível do mar a 59 metros, com a média ficando em 12,4 metros (Tabela 6). 66

Figura 23-. Mapa de Hidrografia do município de Quatipuru- PA.

Tabela .6. Estatísticas das variáveis ambientais no município de Quatipuru-PA..

No. Desv. Variável Mínimo Máximo Amplitude Média Células Padrão Temperatura 332 26,0 26,4 0,4 26,2 6,7 Precipitação 332 2568 2650 82 2608,0 20,6 Elevação 343343 -15 59 74 12,4 8,8 Obs. Temperatura e precipitação resolução de 1000m; Elevação resolução de 30m. A distribuição espacial dos valores de temperatura, precipitação e elevação podem ser observados na figura 22, respectivamente. A temperatura apresenta uma variação muito pequena, com tendência de diminuição no sentido Norte ‰ Sul .Pode-se observar, também, uma tendência de diminuição da precipitação no sentido Noroeste ‰ Sudeste. A diminuição da precipitação no sentido litoral ‰ interior é um fenômeno esperado. No entanto, esperava-se um comportamento inverso para a temperatura, com as temperaturas litorâneas sendo amenizadas pela brisa marinha, o que não é observado para Quatipuru. A elevação apresenta uma tendência de aumento no sentido Norte ‰ Sul. Ou seja, as regiões litorâneas são, em geral, mais baixas, com as áreas mais elevadas

67 concentrando-se mais ao sul do município. No entanto, existe uma região no sudeste do município com elevações muito baixas, próximas ao nível do mar. O território do município de Quatipuru é, praticamente, todo constituído por terrenos recentes em termos de idade geológica (Tabela 7 e Quadro 6). Com exceção de uma área antiga (Proterozóico) muito pequena (0,08%), os terrenos de Quatipuru ou são Período Terciário – Mioceno (22,15%) ou do Período Quaternário – Pleistoceno (12,38%) e Holoceno (49,71%).

Tabela .7. Áreas das classes do Mapa Geológico.

Mapa Geológico - Classes Tempo Geológico Área (ha) Área (%) Corpos d'água Não se aplica 5113,7 15,67 Aluviões Holocênicos Holoceno 55,5 0,17 Cobertura Detrito-Laterítica Pleistoceno 4039,6 12,38 Pleistocênica Depósitos de Pântanos e Holoceno 16111,6 49,39 Mangues Holocênicos Depósitos Marinhos Holoceno 51,9 0,16 Litorâneos Formação Pirabas Mioceno 2531,7 7,76 Grupo Barreiras Mioceno 4694,6 14,39 Suíte Intrusiva Tracuateua Proterozóico 25,8 0,08 TOTAL 32624,4 100,00

68

Figura 24-. Mapas da Temperatura e Precipitação e elevação no município de Quatipuru-PA

69

Quadro 6. Tempo Geológico.

Fonte: Felipe, s.d. A distribuição espacial das classes do Mapa Geológico pode ser observada na figura 25 (IBGE, 1998; s.d.1). A classe mais abrangente do Mapa Geológico é Depósitos de Pântanos e Mangues Holocênicos, respondendo por 49,39%, principal área a ser ocupada pela Unidade de Conservação.

Com relação ao modelado da superfície, predominam no município de Quatipuru as classes de acumulação (deposição), representando 51,08% do território. O restante do território ou representam áreas de dissecação (erosão), com 33,25% ou são corpos d’água (15,68%). As áreas das classes do Mapa Geomorfológico podem ser observadas na tabela 8.

70

Figura 25. Mapa Geológico do município de Quatipuru-PA.

Tabela. 8. Áreas das classes do Mapa Geomorfológico municipio de Quatipuru- PA

Mapa Geomorfológico - Classes Ação Área (ha) Área (%) Corpos d'água Não se aplica 5115,0 15,68 Planos abaciados de inundação Acumulação 715,1 2,19 Planície fluviomarinha Acumulação 15895,6 48,72 Planície marinha Acumulação 53,3 0,16 Tabuleiros Dissecação 10846,9 33,25 TOTAL 32625,8 100,00

A distribuição espacial do Mapa Geomorfológico (IBGE, 2009; s.d.2) aponta queárea proposta para a unidade de conservação ocupa predominantemente a planície fluviomarinha, área de acúmulo de sedimentos (Figura 23).

71

Figura 26. Mapa Geomorfológico do município de Quatipuru-PA.

No que se refere aos solos, nas áreas baixas (planícies) predominam os mal drenados (gleissolos e plintossolo), cobrindo 50,60% do território de Quatipuru. Os solos bem drenados (Latossolo e Neossolo) ocupam,prioritariamente, as áreas mais altas (tabuleiros) e representam 33,84% da área do município. Os corpos d’água cobrem o restante da área (15,56%) (Tabela 9).

Tabela 9- Áreas das classes do Mapa Pedológico, município de Quatipuru-PA.

Mapa Pedológico - Classes Característica Área (ha) Área (%) Corpos d'água Não se aplica 5076,5 15,56 GleissoloHáplicoTaEutrófico Mal drenado 250,2 0,77 GleissoloTiomórficoÓrtico Mal drenado 15496,4 47,50 Latossolo Amarelo Distrófico Bem drenado 10990,5 33,69 PlintossoloArgilúvico Distrófico Mal drenado 761,1 2,33 NeossoloQuartzarênicoÓrtico Bem drenado 51,1 0,16 TOTAL 32625,8 100,00

A distribuição espacial das classes de solo pode ser observada na figura 25 (IBGE, 2007; s.d.3). A área proposta para a unidade de conservação está predominantemente sobre a classe GleissoloTiomórficoÓrtico, que são solos

72 hidromórficos (mal drenados), e que pelo fato de se encontrarem na região costeira apresentam elevada salinidade. Em geral, as áreas em que estes solos ocorrem não são apropriadas para uso agrícola, sendo destinadas para preservação (Embrapa, s.d.).

Figura .26. Mapa Pedológico (solos) do município de Quatipuru-PA.

Com relação aos dados de fitofisionomias (IBGE, 2012; s.d.4), no município de Quatipuru predominam as formações originais (52,10%). As áreas alteradas (vegetação secundária e áreas de uso) respondem por 32,22% do território do município, sendo o restante (15,68%) coberto por corpos d’água (Tabela 9). De uma forma geral, verifica-se que as áreas de formação originais ocupam os terrenos baixos (planícies), que devido aos solos mal drenados, são menos recomendados para as atividades produtivas. As áreas alteradas (vegetação secundária e áreas de uso), por sua vez, ocupam os terrenos mais altos (tabuleiros), área de solos bem drenados (Figura 26). A unidade de conservação proposta abrangerá principalmente áreas da classe Formações Pioneiras com influência fluviomarinha – arbórea, também conhecida como manguezal. Os manguezais, por serem consideradas áreas de reprodução de diversas espécies de peixes e outras espécies fluviomarinhas que migram para as áreas

73 costeiras durante, pelo menos, uma fase do ciclo de sua vida. São consideradas áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade. Tabela 9- Áreas das classes do Mapa de Fitofisionomias, município de Quatipuru-PA.

Mapa de Fitofisionomias - Classes Característica Área (ha) Área (%) Área urbana e sua periferia Alterada 168,7 0,52 Corpos d'água Não se aplica 5115,0 15,68 Floresta Ombrófila Densa Aluvial Original 266,7 0,82 Formações Pioneiras com influência fluvial Original 37,0 0,11 e/ou lacustre - herbácea sem palmeiras Formações Pioneiras com influência Original 14083,7 43,17 fluviomarinha - arbórea Formações Pioneiras com influência Original 2552,3 7,82 fluviomarinha - herbácea Formações Pioneiras com influência marinha - Original 58,6 0,18 arbustiva Pecuária (pastagens) Alterada 4,4 0,01 Vegetação Secundária com Palmeiras Alterada 9586,2 29,38 Vegetação Secundária sem Palmeiras Alterada 753,4 2,31 TOTAL 32625,8 100,00

Figura .27- Mapa de Fitofisionomias o município de Quatipuru-PA.

74

Como a informação sobre o uso da terra dos dados de fitofisionomias (IBGE; s.d.4), não são atuais, resolveu-se utilizar os dados do Projeto TerraClass (Embrapa e Inpe, 2011; 2013). As áreas das classes do Mapa TerraClass 2010 para o município de Quatipuru são apresentados na tabela 9 e a distribuição espacial na figura 27.

Tabela 9. Áreas das classes do Mapa TerraClass 2010.

Mapa TerraClass 2010 - Classes Característica Área (ha) Área (%) Área não observada Sem informação 1231,8 3,78 Área Urbana Alterada 255,4 0,78 Desflorestamento 2010 Alterada 59,8 0,18 Floresta Original 16036,6 49,15 Hidrografia Não se aplica 5432,3 16,65 Mosaico de ocupações Alterada 993,4 3,04 Não Floresta Original 2616,8 8,02 Outros Alterada 1064,1 3,26 Pasto Limpo Alterada 469,2 1,44 Regeneração com Pasto Alterada 208,2 0,64 Vegetação Secundária Alterada 3680,0 11,28 Sem informação Sem informação 578,5 1,77 TOTAL 32626,1 100,00

Assim como nos dados de fitofisionomia do IBGE, as áreas de formações vegetais originais são predominantes (57,17%), ainda que um pouco superior (5%). Consequentemente, o percentual das classes de uso – alteradas (20,63%), é menor(10%). O percentual das classes referente aos corpos d’água – Hidrografia (16,65%) apresentam uma diferença muito pequena (1%). Os dados TerraClass 2010 não possuem informação para uma parte do território de Quatipuru (5,55%).As principais diferenças entre os dados de fitofisionomias do IBGE e os dados TerrClass 2010 estão nos percentuais das classes alteradas. Os dados TerraClass detalharam mais as áreas de uso por isso tem maiores percentuais de pastagens e menores de vegetação secundária, com relação aos dados do IBGE.

75

Figura 87- Mapa TerraClass 2010 (uso da terra).

No caso dos dados TerraClass 2010, a unidade de conservação ocupará predominantemente áreas de floresta que estão relacionadas, em grande parte, aos manguezais.

76

4- REFERÊNCIAS

ALVARES, C.A., STAPE, J.L., SENTELHAS, P.C., GONÇALVES, J.L.M.; SPAROVEK, G. KÖPPEN’S climateclassificationmap for . MeteorologischeZeitschrift , v. 22, n. 6, p. 711-728, 2013. DOI: 10.1127/0941-2948/2013/0507. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2015.

ALVES RRN, VIEIRA WLS, SANTANA GG (2008) Reptiles used in traditional folk medicine: conservation implications. Biodiv. Cons. 17: 2037-2049.

BARTHEM, R.;GOULDING,M.-Um Ecossistema Inesperado: A Amazonía Revelada pela Pesca . ACCA, 2007.

BARTHEM, R. B.; FABRÉ, N. N. Biologia e diversidade dos recursos pesqueiros da Amazônia. In: Ruffino, M. L. (Org.). A pesca e os recursos pesqueiros na Amazônia Brasileira. Manaus: Provárzea. p. 11-55, 2004.

BORGATTI, S.P. 1996a. Anthropac 4.0. Analytic Technologies , Natick.

DIEGUES, A. C. S. Nosso Lugar Virou Parque: estudo sócio-ambiental do saco de Mamanguá – Parati – Rio de Janeiro / Antonio Carlos Sant’Ana Diegues e Paulo José Nogara. 2ª ed. São Paulo: NUPAUB/USP, 1999. EMBRAPA – Agência Embrapa de Informação Tecnológica. GleissolosTiomórficos . s.d.Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2015. EMBRAPA E INPE. Levantamento de informações de uso e cobertura da terra na Amazônia: Sumário Executivo . 2011. 36 p. Disponível em: . Acesso em: Acesso em: 25 ago. 2015.

EMBRAPA E INPE. Levantamento de informações de uso e cobertura da terra na Amazônia - 2010 . 2013. 7 p. Disponível em: . Acesso em: Acesso em: 25 ago. 2015.

FELIPE, L. Trabalho de Geologia: Eras Geológicas . s.d. Disponível em: . Acesso em: 21 ago. 2015.

FILHO .J.B.F. Paisagem, Lugar e Percepção: Um Estudo das Relações do Homem e os Manguezais no Município de Quatipuru – Pará . Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Pará – PPGEO/UFPA,2015- 130 p.

FERRARI, AFONSO TRUJILLO. Fundamentos da Sociologia . São Paulo: Mc Graw- Hill do Brasil, 1983.

ICMBio- Relatório de Vistoria Técnica de Proposta de Criação de Reserva Extrativista de Boa Vista de Quatipuru e Parecer Técnico de Viabilidade. 2012. mimeo 23p.

77

IBGE. Manual Técnico de Geologia . Rio de Janeiro: IBGE, 1998. 306 p. (Manuais Técnicos em Geociências, n. 6). Disponível em: . Acesso em: 25ago. 2015.

IBGE. Manual técnico de Pedologia . 2 ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. 316 p. (Manuais Técnicos em Geociências, n. 4). Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2015.

IBGE. Manual técnico de Geomorfologia . 2 ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. 182p. (Manuais Técnicos em Geociências, n. 5). Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2015.

ICMBio Relatório de vistoria técnica de proposta de criação de Reserva Extrativista de Boa Vista de Quatipuru e Parecer Técnico de Viabilidade" 2012,ICMBio, mimeo 45p.

ISAAC-NAHUM, Victoria Judith. Explotação e manejo dos recursos pesqueiros do litoral amazônico: um desafio para o futuro. Ciência e Cultura , v. 58, n. 3, p. 33-36, 2006.

MENEZES, M, P. M. MANGUEZAIS: As florestas da Amazônia costeira. Revista Ciências Hoje – vol. 44 – nº 264 – p. 34 a 39. Outubro de 2009.

IBGE. Manual Técnico da Vegetação Brasileira . 2 ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. 271 p. (Manuais Técnicos em Geociências, n. 1). Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2015.

IBGE. Banco de Dados Georreferenciado de Recursos Naturais da Amazônia Legal: Geologia . s.d.1. Disponível em: . Acesso: 5 ago. 2013.

IBGE. Banco de Dados Georreferenciado de Recursos Naturais da Amazônia Legal: Geomorfologia . s.d.2. Disponível em: . Acesso: 5 ago. 2013.

IBGE. Banco de Dados Georreferenciado de Recursos Naturais da Amazônia Legal: Pedologia . s.d.3. Disponível em: . Acesso: 5 ago. 2013.

IBGE. Banco de Dados Georreferenciado de Recursos Naturais da Amazônia Legal: Vegetação . s.d.4. Disponível em: . Acesso: 5 ago. 2013.

78

INPE. AMBDATA - Variáveis Ambientais para Modelagem de Distribuição de Esppecies: Temperatura Média Anual (bio1) . s.d.1. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2013.

INPE. AMBDATA - Variáveis Ambientais para Modelagem de Distribuição de Esppecies: Precipitação Anual (bio12) . s.d.2. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2013.

RIOS, M.; MARTINS-DA-SILVA, R.C.V.; SABOGAL, C.; MARTINS, J.; SILVA, R.N.; BRITO, R.R.; BRITO, I.M.; BRITO, M.F.C.; SILVA, J.R.; RIBEIRO, R.T. Benefícios das plantas da capoeira para a comunidade de Benjamin Constant, Pará, Amazônia Brasileira. Belém, CIFOR. 2001. 54 p.

SENNA C. Análise palinológica e sucessão vegetal durante o Holoceno nos ecossistemas costeiros do município de Quatipuru – Pará . Relatório de Atividades de Pesquisa. Museu Paraense Emílio Goeldi; Belém – Pará. 2010.

SHANLEY, P.; CYMERIYs, M.; GALVÃO, J. Frutíferas da mata na vida amazônica. Editora Supercores, Belém. 1998. 127p.USGS. Digital Elevation: SRTM 1Arc- Second Global . s.d.Disponível em: . Acesso em: Acesso em: 22 jul. 2015.

USP – Depto. de Ecologia. Ecossistemas límnicos:O Ecossistema Manguezal . s.d.Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2015.

Sites www.mma.gov.br/.../ especies .../atualizacao-das-listas-de-especies -a. Herbario-MG on-line - Museu Goeldi marte. museu -goeldi .br/ herbario / Espécies ameaçadas SEMAS | Secretaria de Estado de Meio ... https://www.semas.pa.gov.br/2009/03/27/9439/ http://www.pararural.pa.gov.br/sobre_o_projeto.php

79

6- ANEXOS

5. 1 Lista de presença das Oficinas/reuniões

80

81

82

83

84

85

86

87

5.2 - Anexo -Documentos sobre o conflito de terras na região da Ilha do Arroz.( Arapiranga)

Os documentos a seguir nos foram entregues por lideranças locais que estão solicitando a região denominada de Ilha do Arroz, como área a ser incorporada no território da Resex Marinha a ser criada no município de Quatipuru. Segundo informações a região denominada de Ilha do Arroz foi abandonada e após 40 anos "apareceram os que se dizem donos" expulsando moradores e agricultores no ano de 2014. Houve conflitos e o procurador Felício Pontes encaminhou a questão para a "esfera federal". Porém, os conflitos se acentuaram e segundo as lideranças locais os moradores estão sendo ameaçados. Informaram que já houve diversas vistorias na região sem, no entanto uma tomada de decisão. A seguir os documentos que nos foram repassados.

88

89

90

91

92

93

94

95

96

97

98

99

100

101

102

103

104

105

106

107

108

109

110

111

112

113

114

115

116

117

118

119

120

121

122

123

124

125

126

127

128

129

130