MST, CUTRALE E NÚCLEO COLONIAL MONÇÃO: ESTUDOS PRELIMINARES DE UM CONFLITO

Rodolfo Augusto Monteiro Pelegrin1

GT 2: Sem-Terra, Indígena e Quilombola e as Disputas Territoriais no Brasil

No final do ano de 2009, foi noticiada em toda a mídia nacional uma ocupação radicalizada em que sem-terras, sobre tratores, destruíam sistematicamente pomares de laranja explorados pela empresa Sucocítrico Cutrale Ltda., grande exportadora brasileira e uma das maiores companhias do ramo no mundo. Imagens foram veiculadas retratando as cenas acima descritas, tratando o caso como uma barbaridade cometida por criminosos enfurecidos. A longa história que culmina neste cenário, e os motivos para a radicalidade da ação do movimento, entretanto, não obtiveram a mesma divulgação.

Este trabalho se propõe a sistematizar informações relacionadas à atual problemática agrária na região do antigo "Núcleo Colonial Monção" - onde a posse, a propriedade e o uso da terra, mais do que em disputa, estão no centro de um conflito entre o agronegócio e os trabalhadores rurais sem terra - e a revisar bibliografia disponível sobre o tema. Pretende-se, a partir dessas informações, compor um quadro inicial para contribuir para a análise e compreensão do conflito em trabalhos futuros.

1 Mestrando em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe, IPPRI_Unesp - [email protected]. Delimitação e caracterização histórico-geográfica

O "Núcleo Colonial Monção" foi um projeto de colonização do governo federal iniciado nos primeiros anos do século XX. De caráter comum à época, pretendia instalar colonos, através da venda de lotes, sobre uma região anteriormente ocupada por índios kaingangs (FERNANDES, 2003 p. 17). Estes colonos eram, em sua grande maioria, imigrantes estrangeiros - (VENTURELLI, 2013 p. 99).

Esta ocupação vinha, à regra da colonização do oeste paulista, seguindo uma ordem de "pioneiros": bandeirantes, religiosos, bugreiros e outros tipos de expedições, oficiais ou não, abriam espaço através do emprego da violência e do domínio técnico do território (FERNANDES, 2003 p. 14; FERNANDES, 2008 p. 27). Nas trilhas dos desbravadores, chegavam posseiros, fazendeiros, donatários, meeiros, parceiros, colonos, sendo a posse ilegal da terra constantemente presente nos povoamentos capitalistas desde sua chegada à região (OLIVEIRA, 2010; VENTURELLI, 2013). Não deve passar despercebido que este momento, o início do século XX, é marcado pela 2a. onda do café em , em que esta cultura se expande para o oeste paulista, acompanhada pelo trabalho assalariado e pelas ferrovias. É o momento de integração do espaço paulista ao mercado mundial, com todo o romance e toda a violência típicos dos processos de povoamento de caráter colonial.

As fazendas que compunham o antigo "Núcleo Colonial Monção" localizam-se em terras que hoje fazem parte dos municípios de , Borebi, , Águas de Santa Bárbara, e, no extremo nordeste, Lençóis Paulista. É neste último município que se localiza a comarca responsável pelas ações de reintegração de posse em favor da Sucocítrico Cutrale S.A. e pelo registro ilegal, também em favor da empresa, da escritura da "Fazenda Santo Henrique". O antigo núcleo colonial, que chamaremos "NCM", é cortado em sua porção mais meridional, atualmente, pela Rodovia Castelo Branco SP-280. A posição exata das terras que integravam o projeto pode ser vista na figura 1. Neste estudo, observaremos os dados e fatos relativos aos municípios acima listados, constando na figura abaixo apenas como referência para localização.

Figura 1 - localização do Núcleo Colonial Monção no Estado de São Paulo. Fonte: PELEGRIN, 2010

Esta localização, embora inicialmente pareça bastante central no Estado, situa-se em um dos maiores "vazios" de São Paulo: o "quadrilátero" compreendido entre as rodovias Castelo Branco SP-280 ao sul, João Mellão SP-255 a leste, Marechal Rondon SP-300 ao norte e João Baptista Cabral Rennó SP-225 a oeste permanece, quase que integralmente, sem rede rodoviária pavimentada. O trecho da SP-280 que corta o NCM foi inaugurado apenas em 1981, e a rede ferroviária nunca atingiu o território do projeto de colonização. (IBGE, 2010 p. 281,282). Lembrando que os grandes rios foram as principais vias utiliadas pelos primeiros colonizadores do interior paulista (FERNANDES, 2003), a posição do núcleo, praticamente na divisa das bacias e assim distante dos rios Tietê e , não contibuiu para a chegada de colonos. (IBGE, 2010 p. 80)

Tanto a verificação presencial quanto a pesquisa bibliográfica (IHA, 2005 p. 70; VENTURELLI, 2013 p. 99; IBGE 2010 p. 78) indicam que as condições de solo no NCM não são as mais favoráveis para a agricultura, ainda mais à época de constituição do projeto. Embora o relevo seja dominado por suaves colinas, a disponibilidade de nutrientes é baixa, o solo é em geral arenoso e apresenta excesso de alumínio, como resultado da decomposição das formações areníticas Marília e Adamantina. Esta característica dá origem a uma vegetação com maiores traços de cerrado quando comparada, por exemplo, à maior parte do território do município de Lençóis Paulista, onde se encontra floresta mais úmida e fechada, mesmo que com espécies deciduais.

A execução projeto de colonização se inicia com a adjudicação por dívida das fazendas Turvinho, Salto, Geada e Forquilha, contra a Companhia Colonial São Paulo Paraná, sendo a imissão de posse datada de 1909 (INCRA, 2010). Somaram-se a essas as fazendas Santa Luzia, Capão Rico I, II, III, IV, V e VI; Capivara e Sítio Sarandy, adquiridas pela União em 1910 (IDEM). Mesmo havendo debate sobre o valor correto, não há nenhuma posição manifesta e confirmada que indique um número inferior a 40.000 ha para a soma das áreas das fazendas que compõem o núcleo, sendo registrados na memória judicial sobre o caso 50.000 ha (AGU/INCRA). Para efeito de comparação, a área somada dos cinco municípios é de 292.935 ha, e a do Estado de São Paulo, cerca de 25 milhões de hectares.

Figura 2 - Conjunto de fazendas do Núcleo Colonial Monção. Fonte: INCRA, 2010.

Longe de ocupar toda a área englobada pelas aquisições, o projeto acabou por concentrar os assentados apenas em algumas partes do complexo, especialmente as fazendas Luzia, Capão Rico e Turvinho. A distribuição dos lotes na configuração de 1910 é mostrada na figura 2.

Figura 3 - distribuição dos lotes de assentamento no NMC em 1910. Fonte: INCRA, 2010.

Apesar da intenção do governo em promover a colonização nesta região, as condições de produção, comercialização e mesmo de sobrevivência dos colonos não favoreciam a permanência destes. Deixados à própria sorte, os assentados depararam com severas dificuldades: produzir em área que exigia técnicas não disponíveis aos agricultores brasileiros da época, transportar em uma região em que a malha viária era quase inexistente, grandes distâncias aos centros consumidores - em síntese, ficaram isolados em lotes mal planejados e de "terra ruim". Se a expansão do povoamento e da agricultura dependia também, em alguma medida, de boas condições externas para imigração, comércio e investimento, a Primeira Guerra Mundial e a Crise de 1929 foram certamente fatores adicionais para o pouco desenvolvimento do projeto.

Como resultado destas condicionantes, foi baixa a permanência destes colonos, como foi frágil e parcial a titulação dos imóveis contidos no projeto. A proposta de colonização da área, grosso modo, fracassou, e o projeto foi finalizado pelo governo Vargas, em 1933 (VENTURELLI, 2013). Esta situação em que grande parte da área não foi loteada, muitos do lotes não foram destinados a colonos, outros não tiveram sua transferência devidamente documentada, e outros tantos foram abandonados, dá origem às "áreas remanescentes" - que permanecem propriedade da União. A disputa por documentações relativas a esses imóveis, legítimas ou não, dá origem à problemática fundiária na região. (INCRA, 2010).

Estes grandes remanescentes, aos quais se somavam outras áreas devolutas e improdutivas, acabaria por servir como grande atrativo, no início do século XXI, tanto pelos movimentos sociais em luta pela terra, como pelo agronegócio em expansão. Neste período, as expectativas positivas em relação ao mercado do commodities, a intensa oferta de crédito, os avanço da mecanização, do transporte e novas técnicas de produção resultaram em valorização e maior viabilidade para a exploração comercial das terras do Núcleo Colonial Monção.

Uma lacuna de 85 anos separou o primeiro movimento concreto da formação do Núcleo Colonial Monção das primeiras ações do INCRA para retomar as terras da região para o controle da União, em 1994. Neste período, foram diversas as manobras jurídicas e políticas envolvendo empresas e governantes de diversas esferas na produção de documentos para, deliberadamente, confundir terras públicas com terras privadas. Esta prática se dá ainda no tempo presente, e é ainda debate acadêmico e jurídico. Alguns dos processos judiciais que tratam deste tema estão listados na bibliografia e foram revisados pelo autor. Outros documentos são resultado do Grupo de Trabalho Núcleo Colonial Monção, equipe técnica formada pelo INCRA, descrita a seguir.

INCRA e as ações estatais para retomada da propriedade do NCM

O levantamento das terras pertencentes ao Núcleo Colonial Monção vem sendo executado pelo INCRA desde 1994 (VENTURELLI, 2013 p. 140), partindo de um mapa elaborado pelo exército em 1985 (IHA, 2005 p.71). Este trabalho, que permanece em andamento, inclui pesquisa de documentação, análise de matrículas, estudo das cadeias sucessórias dominiais (confrontamento histórico de titularidades e matrículas) e reconstituição de perímetros. Se no mapa do exército a área indicada para o NCM é de 40.000 ha, os atuais levantamentos do INCRA apontam para valores acima de 50.000 ha.

A metodologia de estudo das cadeias sucessórias dominiais somado à reconstituição de perímetros levou o INCRA a conclusões inequívocas com relação à propriedade pública das fazendas. Tïtulos que não correspondem a matrículas reais, outros que indicam perímetros que não coincidem com os verificados no campo, localizações geográficas que divergem do real e outros vícios foram encontrados pelo "Grupo de Trabalho Núcleo Colonial Monção" - equipe designada pela autarquia para realizar os levantamentos. Os técnicos do INCRA são bastante claros em relação às suas conclusões:

 "Que a região abrangida pelos municípios, onde se localizava o antigo Núcleo Colonial Monção, apresenta grande concentração de remanescentes de terras públicas federais;  Que nos títulos dos imóveis rurais dessa região se constata a existência de diversos vícios;  Que o estudo da Cadeia Sucessória Dominial de Imóveis Rurais, através da Localização Espaço/Temporal permite, com maior clareza, a identificação desses vícios que confundem terras públicas com terras privadas;  Que a partir da problemática de terras públicas constatada na região, o INCRA realizou ação complementar, visando assim, a correção dessa importante distorção fundiária, objetivando assegurar com equilíbrio o desenvolvimento local."

Conforme é comprovada a propriedade pública de cada uma das fazendas integrantes do antigo projeto, iniciam-se ações jurídicas para retomá-las, ou seja, em paralelo oas levantamentos fundiários são preparadas e ajuizadas as chamadas ações reivindicatórias. O sucesso em tais ações já levou à implantação, em 1999, do Projeto de Assentamento Zumbi dos Palmares, e do assentamento Loiva Lourdes, em Borebi, após acordo com a empresa LWARCEL Celulose e Papel S.A., em que esta reconhece a propriedade pública de terras que ocupava. A realização de tais ações é obrigação legal do INCRA, reforçada em sentença da justiça federal sobre ação civil pública datada de 2000 e de autoria do Ministério Público Federal.

A situação específica da fazenda Capim/Santo Henrique é descrita em memória judicial preparada pela Procuradoria Federal Especializada ligada ao INCRA, e relacionada às ações (1) -2, da 1a Vara Federal de Ou – - – Consta do documento que

"a posse e a propriedade detida pela CUTRALE configura-se (sic) ilegítima e injusta, bem como as acessões são de má fé, pois realizou o plantio de mudas de laranja já sabedor que a área era pública federal, desde 03 de janeiro de 2006."

As ações do INCRA relacionadas à Cutrale estão embasadas, segundo o texto, aos seguintes problemas:

"- primeiro problema identificado reside na inconsistência da Matrícula no. 4.118, não está embasada em títulos de origem anteriores e, os quais seriam responsáveis por provar a mesma área da ocupação física atual. [...] - segundo problema, as áreas descritas e ora ocupadas pela empresa-ré, quando confrontadas com sua localização física, não condizem com as citações das Transcrições que originaram os títulos atuais. - Existe uma grande diferença entre a real descrição do imóvel na Matrícula n° 4.118 e a área real ocupada fisicamente pela empresa-ré, em outros termos, área ocupada pela empresa-ré é cerca de 233,7284 (hectares) [...] maior do que aquela descrita no documento notarial. Ora, não obstante esteja e empresa-ré ocupando áreas de domínio público, ocupa ainda, área maior do que aquela declarada."

Faz parte da caracterização da ocupação promovida pela Cutrale, ainda segundo memória judicial, que

"constatou o perito judicial que a empresa comete crime ambiental, pois não tem reserva legal e está planatando laranja em Área de Preservação Permanente. [...] Além disso, esse cultivo, como projeto agropecuário está sujeito a licença ambiental (RES. CONAMA 237/97) que não foi elaborado."

Consta ainda que a empresa teria tentado registrar a Matrícula n° 5.652 insistentemente junto ao Cartório de Registro de Imóveis de Lençóis Paulista, tendo os registros sido "sequencialmente negados sete vezes". p.7

Este recorte das informações encontradas e providas pelos órgãos do Estado relacionados à problemática em questão, julga o autor, é suficiente para darmos como verdadeiras as afirmações de que (1) é certa a presença de grande remanescentes de terras públicas na região, provenientes do projeto de colonização "Núcleo Colonial Monção"; (2) a empresa Cutrale Sucocítrico S.A. age de forma deliberada contra o patrimônio da União, sendo certo o caráter ilegal e predatório (dado o não respeito também à regulamentação ambiental), detalhado também em FARIAS, 2013 de sua ocupação na fazenda Capim/Santo Henrique.

No mais recente episódio jurídico desta disputa, a Justiça Federal, vara de , bloqueou a matrícula (em favor da empresa) da fazenda , acatando pedido da AGU- INCRA, em julho de 2013.

NCM - Agricultura, pecuária e silvicultura nas últimas décadas

O acompanhamento em campo da evolução da problemática fundiária na região, somado a fatores políticos e econômicos conjunturais, indica que, apesar da inconteste propriedade pública das áreas, ocorria, na primeira década do século XXI, um avanço das culturas regionais relacionadas ao agronegócio sobre os remanescentes do Núcleo Colonial Monção. O cultivo de laranjas pela Cutrale se integraria num movimento que inclui também a expansão das áreas plantadas de cana-de-açúcar e eucalipto - dada a presença da agroindústria sucroalcooleira e madeireira, especialmente para papel e chapas de madeira. Este avanço deveria ser, então, concorrente da produção familiar e de alimentos, bem como de culturas tradicionais mas não prioritárias na região.

Buscando esclarecimento a respeito destas hipóteses, foram pesquisadas nas bases de dados do IBGE (Sistema IBGE de recuperação automática - SIDRA) informações sobre a produção nos municípios que fazem parte do estudo, de 1994 a 2012. Embora este sistema forneça dados relativos aos anos 1990 a 2012, foi feito um recorte a partir de 1994, quando todos os municípios já haviam sido criados. Foram observados, então, (1) a área plantada de cana-de-açúcar (relacionada ao agronegócio), arroz, feijão e mandioca (alimentos relacionados à produção familiar), milho e café (culturas tradicionais de menor importância atual na região estudada). Da silvicultura de agronegócio, foi possível verificar a quantidade de madeira colhida, em metros cúbicos, e da pecuária o número de cabeças do rebanho bovino.

De posse destas informações, foi realizada uma sistematização, da qual se pode destacar os dados presentes nos gráficos a seguir. Todos tem como fonte o SIDRA, e apresentam valores resultantes das somas dos valores para cada um dos cinco municípios (Águas de Santa Barbara, Agudos, Borebi, Iaras e Lençóis Paulista).

Gráfico 1 - área ocupada por cultura: cana-de-açúcar e laranja. Fonte: IBGE-SIDRA

Gráfico 2 - madeira em tora colhida. Fonte: IBGE-SIDRA

Os primeiros gráficos refletem o crescimento, de fato, das principais culturas comerciais da região nos municípios ligados ao NCM, nas últimas décadas. Deve ser assinalado que, além do crescimento na soma dos municípios, estas 3 culturas cresceram em todos os 5 municípios também. Podemos relacionar este crescimento a um movimento de extensão nacional, num contexto em que todo o agronegócio cresceu no Brasil - ou seja, este crescimento não é exceção no Estado de São Paulo e nem no país como um todo.

Gráfico 3 - área ocupada por cultura (ha). Fonte: IBGE-SIDRA

Diferentemente do que ocorre com os três primeiros produtos do agronegócio, as culturas do café e do milho tiveram queda sensível no período. Mesmo sendo plantios comerciais que frequentemente encontram viabilidade econômica no Estado, cana, eucalipto e laranja, ao menos aparentemente, apresentaram vantagem, especialmente em rentabilidade, para "tomar" o espaço de milho e café. A pecuária, também frequentemente presente e viável no campo paulista, também sofreu declínio, tendo o rebanho bovino reduzido de cerca de 115 mil para aproximadamente 72 mil cabeças, conforme exposto no gráfico 4.

Gráfico 4 - rebanho bovino, em cabeças. Fonte: IBGE-SIDRA

Gráfico 5 - área ocupada por cultura (ha). Fonte: IBGE-SIDRA

Observando as culturas frequentemente associadas à agricultura familiar, verificamos o desaparecimento do arroz e o crescimento, proporcionalmente relevante, do plantio de feijão e de mandioca. Em termos absolutos, entretanto, a área plantada continua muito pequena, ainda mais se comparada com as principais culturas. Sem seguir as regras gerais de crescimento ou decréscimo para toda a regiao estudada, o plantio de mandioca se encontra exclusivamente no município de Iaras. Esta informação está certamente vinculada ao fato de terem sido realizados em Iaras os projetos de assentamento Zumbi dos Palmares.

A análise dos dados confirma então a hipótese de que, nos municípios com terras no Núcleo Colonial Monção, o crescimento das culturas comerciais do agronegócio foi grande, substituindo as culturas de menor rentabilidade para esta região. Isto torna-se interessante à medida que reconhecemos que o agronegócio já está instalado há bastante tempo e com muita solidez na região, especialmente no município de Lençóis Paulista.

Movimentos e famílias em luta pela terra

A partir da divulgação das informações segundo as quais há grandes remanescentes de terras públicas e devolutas na região do Núcleo Colonial Monção, ainda na década de 1990, diversos movimentos de luta pela terra e famílias que os constituem voltaram suas atenções para as áreas dos municípios deste estudo. Mais importantes nessa dinâmica são o MST e as famílias por ele organizadas, tendo muitas vindo do do Paranapanema e do acampamento Nova Canudos - grande acampamento que se localizava também próximo à SP-280, entretanto mais perto da capital paulista.

Estas famílias e movimentos vieram a integrar os diversos acampamentos e, posteriormente, assentamentos de reforma agrária na região do NCM. Os já citados assentamentos Loiva Lourdes (Borebi) e Zumbi dos Palmares (Iaras) foram fruto das lutas empreendidas sob organização do MST. O mesmo vale para o assentamento em processo de efetivação na que se chamava Fazenda Agrocentro. Foi do acampamento nesta fazenda que se deslocou a maior parte dos trabalhadores que executaram a famosa ocupação da Fazenda Campim/Santo Henrique, em 2009 - a eles se somaram acampados e assentados de toda a região, além de ativistas e militantes de outras organizações. É na antiga sede da Fazenda Agrocentro que se localiza também a Escola Rosa Luxembourg, espaço de formação construído e promovido pelo MST.

O acampamento da Agrocentro é interessante como símbolo da condição das famílias em luta da região. Distantes de centros urbanos (ao menos 20 quilômetros em estradas de terra), os acampados tem grandes dificuldades para acessar seus direitos mais básicos. A situação encontrada era de miséria: barracas de lona sobre chão de terra, já bastante danificados pelo tempo; péssimas (quando não nulas) condições de acesso aos sistemas de saúde e educação, e também às oportunidades de trabalho. Doença, fome e exclusão envolve as famílias acampadas assim como o agronegócio que avança.

O número de famílias acampadas, segundo militantes da região, permanece praticamente constante: são cerca de 500 organizadas pelo MST e mais aproximadamente 500 organizadas por outros movimentos ou "bandeira branca" (sem ligações permanentes com organizações de luta pela terra). Mesmo com o assentamento em execução na Fazenda Agrocentro, são mantidas as condições que levam à conflitualidade verificada (ocupação ilegal pelo agronegócio versus famílias em luta e em privação de direitos básicos). Uma melhor análise deste conflito deve ser feita, com mais fôlego, em próximo estudo.

Referências Bibliográficas

ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO/INCRA. Memória sobre Cutrale/Fazenda Santo Henrique.

FARIAS, L. F. F. C. DE. Agronegócio e luta de classes : diferentes formas de subordinação do trabalho ao capital no complexo agroindustrial citrícola paulista. Dissertação de Mestrado. 2013 Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2014.

FERNANDES, E. A escravidão na fronteira: um estudo da escravidão negra numa boca do sertão paulista. Lençóes, 1860-1888. [Dissertação] Universidade Estadual “Jú q ” C ê L C ), 2003.

IBGE. Atlas nacional do Brasil Milton Santos. : IBGE, 2010.

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IHA, M. H. A Territorialidade da ―Posse‖ na Luta pela Reforma Agrária Os Acampamentos do MST em Iaras – SP. : Universidade Estadual de Campinas, 2005.

Incra | Justiça bloqueia matrícula de fazenda ocupada pela Cutrale em São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2014.

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Ministério Público Federal - Procuradoria da República em Marília - Principal — Portal PR/SP. Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2014.

Oliveira, Ariovaldo Umbelino de. O processo de constituição da propriedade privada no Brasil. Apresentação em audiência pública. Bauru, 2010.

VENTURELLI, Ricardo Manffrenatti. Terra e poder: as disputas entre agronegócio e a resistência camponesa no sudoeste paulista. 2013. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: . Acesso em: 2014-10-23.

Rodolfo Augusto Monteiro Pelegrin: mestrando em Geografia pelo IPPRI_Unesp, professor de Geografia, e militante do PSOL com atuação e apoio junto ao MST (regionais Iaras e Promissão) desde 2008; participou da 10a. Jornada do Núcleo de Ensino de Marília - Unesp e do 3o. Seminário Científico Teoria Polítia do Socialismo, também na Unesp Marília. Atualmente desenvolve também projetos educacionais e culturais em parceria com entidades como Sesc, Banco do Nordeste e Itaú Cultural.