UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

MARIA CATARINA RABELO BOZIO

O SERTÃO IMAGÉTICO DE JOÃO GUIMARÃES

ROSA E MAUREEN BISILLIAT: DEZ DESCRIÇÕES

CAMPINAS 2012

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Maria Catarina Rabelo Bozio

O sertão imagético de João Guimarães Rosa e Maureen Bisilliat: dez descrições

Monografia apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Estudos Literários. Orientadora: Prof ª Drª Suzi Frankl Sperber

CAMPINAS 2012

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Dedico este trabalho ao meu avô, Antônio Rabelo (in memoriam), de quem sinto saudades mesmo sabendo que ele está logo ali e que a “distância é pura ilusão”.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente aos familiares e amigos por entenderem as noites que passei absorta nos livros e os longos finais de semana de entrega ao texto. Agradeço em especial ao Pedro Henrique, pelas alegrias nos finais de semana de descanso; ao Cristiano Diniz, fiel motivador de um âmbito voltado para a pesquisa que existia em mim mesmo sem eu (des)confiar; ao Elizeu Bozio, pelas primeiras noções de abertura, velocidade e ISO numa noite despretensiosa, a partir da qual nasceu minha paixão pela fotografia; e a Antônio Rabelo, por tudo e pela máquina fotográfica que herdei e utilizo até hoje. O agradecimento para a parcela feminina da família é feito a partir da enumeração matriarcal, dos meus exemplos de força que vem de dentro para seguir em frente, apesar das adversidades que possam surgir: bisavó Benedita, avó Neusa, mãe Eliana e tia Elaine. Agradeço a minha orientadora Profª Drª Suzi Frankl Sperber que com muito carinho aceitou o desafio de orientar um projeto de tema tão incomum com a delicadeza e humildade que lhe pertencem. Agradeço, em extensão, ao Julio Augusto Xavier Galharte, meu coorientador e ponte nos primeiros contatos com a Suzi. Agradeço também ao Fundo de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo por ter patrocinado esta pesquisa. À Anita Reis e Adriane Tsao que ouviram minhas dúvidas sobre a carreira logo após saber que o bacharelado em Estudos Literários havia me aceitado e por continuarem ouvindo mesmo depois de eu também ter aceitado os Estudos Literários. E a todas as amizades inesperadas e talvez por isso fortes nascidas no ambiente da universidade, as quais eu não me atrevo a enumerar por saber que cometeria esquecimentos, mas devo nomear ao menos as parcerias mais fortes nos últimos tempos: Rayssa, até na temática da pesquisa; Ana Luiza, nas confissões e socorros à distância; Daniele, por estar sempre lá; e Fernanda, por estar lá quando eu não estava. Ao Carlos que, mesmo com o oceano por nos separar, continuou na equipe de revisão permanente das produções acadêmicas. Às professoras de literatura que passaram por toda minha formação educacional, mas principalmente à Esther Rosado, que me apresentou Rosa com a paixão necessária para eu também me apaixonasse. Agradeço, por final, ao alguns chamam de acaso (eu não), que me trouxe à Unicamp.

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Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. João Guimarães Rosa

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RESUMO

A presente monografia tem por objetivo analisar as relações existentes entre literatura e fotografia a partir de dez imagens da fotógrafa inglesa, radicada no Brasil, Maureen

Bisilliat. As imagens despertaram inúmeras possibilidades enquanto objeto de pesquisa e, assim, espera-se que o trabalho contribua no aumento das pesquisas sobre esta interação pouco referenciada no meio acadêmico.

A escolha de A João Guimarães Rosa (1969), livro de fotografias inspirado em

Grande Sertão: Veredas (1956), de João Guimarães Rosa, guiou a escolha da temática e das fotografias analisadas. Procurou-se elaborar o presente trabalho a partir da investigação de exemplos da relação entre a literatura e a fotografia e do estudo de bibliografia crítica sobre este diálogo. A apreensão de noções estéticas das imagens selecionadas combinada ao diálogo e reflexão teórica conduziram a uma interpretação pessoal das equivalências literárias propostas pela fotógrafa Maureen Bisilliat no livro em questão.

Palavras-chave: Fotografia, Literatura Comparada, Maureen Bisilliat

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ABSTRACT

The following monograph aims to analyse the existing connections between literature and photograph in a joint of ten images of the English photographer, rooted in Brazil,

Maureen Bisilliat. The images awakened several possibilities as research object, so one of the goals of this work is to contribute in the increase of researches about these areas interaction, which is academically under-mentioned.

The election of A João Guimarães Rosa (1969), photograph book inspired by Grande

Sertão: Veredas (1956), which is authored by João Guimarães Rosa, guided the thematical definition as well as the selection of the analysed photographs. It was pursued to elaborate the present work by investigating exemples of the relationship between literature and photograph and also by the theorical dialogue and meditation. The aprehension of estetical notions on the selected images combined to the dialogue and the theorical observation conducted to a personal interpretation of the literary equivalences proposed by the photographer Maureen

Bisilliat in the related book.

Key words: Photograph, Compared Literature, Maureen Bisilliat

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Lista de Figuras

Figura 1...... 22

Figura 2...... 24

Figura 3...... 26

Figura 4...... 28

Figura 5...... 30

Figura 6...... 31

Figura 7...... 33

Figura 8...... 34

Figura 9...... 36

Figura 10...... 36

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Sumário

1. INTRODUÇÃO ...... 10 1.1 Considerações Gerais ...... 10 1.2 Leituras, questionamentos e propostas ...... 11 2. HIPÓTESES ...... 13 2.1 Sobre as Fotografias ...... 13 2.3 Sobre os textos ...... 14 2.4 Sobre a arbitrariedade da fotografia ...... 14 3. PONTO DE PARTIDA ...... 16 4. DESCRIÇÕES FOTOGRÁFICAS ...... 21 4.1 I e II – Infância em retrato ...... 21 4.2 III – Memória, amor e verticalidades ...... 26 4.3 IV – Memória e retrato ...... 28 4.4 V – Enaltecimento das raízes ...... 30 4.5 VI – Lápide e verticalidade ...... 31 4.6 VII – Contraluz na travessia ...... 33 4.7 VIII – A poeira vista de cima ...... 34 4.8 IX e X – Cabelos em movimento ...... 35 5. CONCLUSÕES ...... 38 6. BIBLIOGRAFIA ...... 39 6.1 Bibliografia Específica ...... 39 6.2 Levantamento de publicações relacionadas à A João Guimarães Rosa ...... 39 6.3 Bibliografia Geral...... 39 7. ANEXOS ...... 41 7.1 Transcrição da entrevista realizada com a fotógrafa Maureen Bisilliat ...... 41 7.2 Anexo dos itens do livro A João Guimarães Rosa referenciados ao longo da entrevista ...... 54

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1. INTRODUÇÃO

1.1 Considerações Gerais Grande Sertão: Veredas não necessita de grandes apresentações, pois talvez seja um dos romances mais conhecidos de João Guimarães Rosa, quiçá da literatura brasileira contemporânea. Lançado em 1956, inspira até hoje inesgotáveis possibilidades interpretativas no meio acadêmico e fora dele. Dentre essas interpretações, ainda nos reflexos do lançamento, em 1966 o livro A João Guimarães Rosa foi publicado pela fotógrafa inglesa Maureen Bisilliat, editado pela Brunner. A obra escolhida para esta pesquisa conta com fotografias de locais indicados por João Guimarães Rosa nos encontros que teve com Maureen Bisilliat e com trechos de Grande Sertão escolhidos pela própria autora. O recorte de dez imagens foi necessário para dar conta da diversidade imagética a qual se tem contato a partir das fotografias. Para tais escolhas foram levadas em consideração principalmente as fotografias que apresentavam um diálogo mais estreito com o texto que a acompanha. Além disso, procurou- se identificar os trechos em questão no livro de Guimarães Rosa a fim de cotejar a frase solta que acompanha a fotografia com o contexto que era apresentado no romance. O processo de escolha das fotografias e de trabalho com as mesmas foi longo, afinal, o contato com o livro de Bisilliat teve início em 2009. A partir de então, procurou-se referências teóricas e técnicas inclusive em disciplinas no Instituto de Artes da Unicamp que dessem suporte para a pesquisa. No entanto, somente a partir de 2011, o projeto foi submetido e contemplado com uma bolsa de Iniciação Científica pela FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo). Neste contexto, a monografia aqui apresentada para a conclusão da graduação em Estudos Literários, assim como o diálogo constante entre imagem e texto, acompanhou todo o meu percurso acadêmico dentro da Unicamp desde o ingresso, em 2009. O interesse por tal interação combinado à constatação de pouca pesquisa nesta área motivou a Iniciação Científica que deu origem a esta Monografia, assim, espera-se contribuir para um aumento desta reflexão no meio acadêmico.

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1.2 Leituras, questionamentos e propostas Durante a releitura e fichamento das obras de suporte teórico, bem como na releitura de Grande Sertão: Veredas observou-se a dificuldade em abranger a literatura e a fotografia sem desqualificar ou empobrecer nenhuma das artes. A riqueza na linguagem da literatura de João Guimarães Rosa dificulta e, ao mesmo tempo, enaltece – em parte – o trabalho de Bisilliat. É possível arriscar que o receptor pode descobrir novas possibilidades hermenêuticas nas duas obras – de acordo com cada novo contato – desde que admita a fotografia como criadora de novas interpretações do real, não como simples representação. Desta forma, buscou-se acompanhar a necessidade, já levantada na proposta inicial, de investigar no livro de Bisilliat como se dão as relações da representação, na fotografia, dos elementos mágicos e poéticos criados por Rosa na literatura, bem como de sugerir quais as sínteses necessárias na tradução intersemiótica da literatura roseana para a linguagem fotográfica. Para a pesquisa bibliográfica, foram selecionados artigos e livros da área de semiótica e de teoria literária, com os quais foi possível constatar leituras divergentes sobre as interações entre as artes trabalhadas neste projeto. Pudemos compreender os atritos mais recorrentes entre as correntes de análise e saber quais são as principais lacunas quando estas são aplicadas à interação específica entre literatura e fotografia. Além do contato amplo com questões mais técnicas, surgiram inúmeros questionamentos sobre a intenção da obra de Bisilliat e sua relação mais próxima com Grande Sertão: Veredas, isto é, as impressões sobre os leitores e futuros leitores e que devem nortear a segunda parte da pesquisa. Com este mesmo fim, fizemos também um levantamento das publicações relacionadas a A João Guimarães Rosa, para auxiliar a pesquisa. O projeto de Iniciação Científica que originou este trabalho propôs o estudo de uma seleção de dez imagens das fotografias do livro A João Guimarães Rosa e a partir delas procurou estabelecer a correspondência entre os trechos disponibilizados no livro de fotografias e o texto original, Grande Sertão: Veredas, que se relacionam com o tema proposto. Além disso, a monografia procurou descrever elementos imagéticos do ensaio fotográfico bisilliatiano que possuíssem referências que conversassem de alguma forma com o contexto poético do universo de Guimarães Rosa, assim como a relação das noções de realidade e ficcionalidade para serem contrastados entre fotos e o livro roseano. Ou antes, procurou-se refletir sobre a tentativa de transcriação do real feita por Rosa em Grande Sertão: Veredas com as fotografias selecionadas de Bisilliat, bem como a tradução intersemiótica da literatura roseana para a linguagem fotográfica.

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Com esta pesquisa, o projeto pretende retomar academicamente o diálogo proposto por Bisilliat a partir da década de 1960, que produz uma série de ensaios fotográficos inspirados na literatura. O produto final foi o presente texto de apresentação das conclusões atingidas.

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2. HIPÓTESES 2.1 Sobre as Fotografias a) O Narrador e seu olhar Maureen defende fazer uma “equivalência fotográfica”, que definimos no projeto inicial como sendo uma tradução intersemiótica do romance. Em se tratando de uma equivalência, a intenção das fotografias deve obrigatoriamente passar pelo olhar de um narrador – no caso de Grande Sertão: Veredas, em primeira pessoa. Portanto, uma das questões que levantamos foi a possibilidade de Riobaldo ser entendido como dono do olhar que Maureen tenta simular na captura das fotografias. Afinal, ainda que esta afirmação não tenha justificativas técnicas, ela é responsável por indicar a necessidade de análise sobre o olhar, a perspectiva que marca as imagens captadas pelas fotografias. A definição desta linha condutora do olhar do fotógrafo será decisiva para conduzir as interpretações sobre as imagens captadas. É sob esta perspectiva que a interpretação se mostra com tantas possibilidades, de acordo com o leitor. A segunda possibilidade, mais creditada do final da pesquisa, se trata do olhar da própria fotógrafa, que se coloca como observadora deste sertão, a fim de homenagear o texto fonte e criar uma nova arte sob a plataforma deste.

b) Efeitos das imagens no leitor Durante a pesquisa levantamos algumas eventuais consequências da interferência visual na leitura de Grande Sertão: Veredas. As alternativas diferenciam-se primeiramente por duas situações distintas de leitores:

 Contato com o livro de imagens antes da leitura do romance.  Contato com o livro de imagens após a leitura do romance. Partindo dessas duas alternativas temos os possíveis efeitos, que não se excluem, necessariamente, entre si:

1. Criação de repertório As fotografias, salvo discussões mais teóricas e atentas que virão posteriormente sobre o real nas imagens, funcionam – em sua maioria – como relatos das experiências no sertão. Portanto, as imagens podem funcionar como complemento às inovações linguísticas propostas e enriquecer o repertório visual do leitor.

2. Limitação de leitura O contato com imagens que possuam elementos icônicos pode alterar as impressões primeiras de Grande Sertão: Veredas, no caso de uma leitura anterior, ou então, no caso de

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um leitor posterior, limitar o impacto e encantamento do trabalho linguístico do autor. Outro possível efeito é a motivação de novos leitores através das imagens relacionadas aos trechos escolhidos.

2.3 Sobre os textos a) “Legendas” Caso se opte por considerar que o olhar das fotografias, i.e., o olho do foco, é de Riobaldo, seria preciso levar em consideração que nem todas as frases escolhidas para acompanhar as imagens estão diretamente ligadas às imagens escolhidas para compor o livro. Isto no sentido de não serem todas “pronunciadas” ou “pensadas” pelo narrador ao longo do livro. Há momentos no livro de fotografia em que trechos ditos por aquele que conduz a história se unem a passagens em discurso indireto do narrador – ditas em princípio por outrem.

A imagem pode ilustrar um texto verbal ou o texto pode esclarecer a imagem na forma de um comentário. Em ambos os casos, a imagem parece não ser suficiente sem o texto, fato que levou alguns semioticistas logocêntricos a questionarem a autonomia semiótica da imagem. (SANTAELLA; NÖTH; 1998, p. 53)

No entanto, por acreditar que se trata do olhar da própria fotógrafa, é possível compreender a tentativa de criação de novos sentidos em cima do texto original, além de justificar certas escolhas. Segundo Casa Nova, “o texto roseano re-citado, re-escrito pela imagem fotográfica desse ensaio de Maureen se dobra e incessantemente se faz infinito no sentido de uma multiplicidade crescente” (2000, p. 100).

b) Passagens de Grande Sertão: Veredas desconsideradas Um dos assuntos mais seriamente ignorados pela seleção de trechos feita da fotógrafa é a questão do pacto, da passagem que parece conduzir todo o livro de João Guimarães Rosa. É preciso atentar à possibilidade de se efetivar a equivalência defendida pela fotografa sem se relacionar diretamente ao pacto. Com esta escolha, parte da reflexão responsável por conduzir o enredo parece ser esquecida na montagem de A João Guimarães Rosa.

2.4 Sobre a arbitrariedade da fotografia

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De acordo com o livro A Imagem, de Lucia Santaella e Winfried Nöth, a percepção de imagens fotográficas possui também elementos culturais. Um dos motivos para esta dificuldade é a distorção ótica da imagem:

 perda da terceira dimensão;  limite dado pela moldura;  perda do movimento/imobilidade;  perda da cor e da estrutura granular da superfície da foto;  mudança de escala;  perda de estímulos não-visuais. Para cada uma destas dificuldades, a fotógrafa procura uma forma de superação.

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3. PONTO DE PARTIDA Durante a pesquisa bibliográfica, que ocorreu em paralelo às observações das imagens, tivemos acesso a artigos e livros da área de interpretação imagética. Levantaram-se opiniões sobre as distintas vertentes da análise semiótica. Foram selecionados artigos considerados relevantes sobre o tema em questão e os principais pontos serão apresentados aqui, sem determinar apenas uma linha crítica. O ponto de princípio escolhido foi o livro de Philippe Dubois, O ato fotográfico, que se propõe a um percurso histórico da verossimilhança ao índice, ou seja, o autor divide esta articulação em três tempos: a fotografia como espelho do real – primeiro discurso sobre a fotografia, séc. XIX; a fotografia como transformação do real, como instrumento de análise e interpretação, um símbolo1 - séc. XX (vertente de Roland Barthes, Umberto Eco, etc.); e a fotografia como traço de um real. Neste estágio atual situam-se alguns conceitos de Ch. S. Peirce e os últimos escritos de Barthes, sobretudo A câmara clara. Neste livro Roland Barthes defende que “a fotografia é literalmente uma emanação do referente” (BARTHES, 1984). O que Barthes não nega, anos após iniciar suas pesquisas com respeito às fotografias, é que “diante de cada foto, vários sentidos podem ser produzidos/recebidos em função dela, de seu contexto de apresentação e do receptor” (SOULAGES, 2010, p. 267). No livro de François Soulages, tivemos contato com uma definição curiosa de Denis Roche – escritor e fotógrafo – sobre a interação entre literatura e fotografia que nos propusemos a estudar neste projeto.

(...) os fotógrafos e os escritores: em todos os casos, entre o real e eles, há um meio, uma mediação, a imagem para o primeiro, a língua para o segundo. É em função disso que Roche vai procurar ‘equivalentes’ fotográficos de gêneros literários (...). (SOULAGES, 2010, p. 270).

Soulages, professor doutor da Universidade de VIII, ainda levanta curiosas questões e possibilidades de relação entre as realidades das linguagens: fotográficas e literárias. Dentre elas estão: a similitude – a fotografia e a linguagem permitem a descoberta de um sentido; a superioridade – em que a fotografia se mostraria superior à linguagem, levando em consideração aspectos da evidência da imagem e sua compreensão universal; a diferença – pois linguagem e fotografia funcionariam de maneiras totalmente diferentes, uma utilizaria o código e a outra não, uma seria signo, e a outra imagem; ou ainda a inversão – “da

1 Em termos peirceanos. 16

imagem fotográfica chegamos à imagem linguística, passando pelo código linguístico e pelo referente, pelo signo e pelo sinal”. O autor traz ainda inúmeras reflexões de fotógrafos que apresentam visões completamente distintas sobre o assunto. E chega a concluir que Sem a palavra, a imagem fotográfica nos escapa, ela é inapreensível. É por essa razão que a literatura vai se tornar às vezes a serva (e dialeticamente a senhora) da fotografia: a obra de Duane Michals, como vimos, é exemplar a esse respeito: a escrita, ou melhor, a literatura então vem enriquecer a fotografia, salvá-la de sua fragilidade ontológica e, dessa forma, tornar possível uma obra fotográfica original e rica, dialética foto/escrita, sequências, histórias. (...) estamos em plena fotoliteratura, isto é, num setor em que a obra existe – não como uma soma de fotografias e de literatura, mas como a resultante autônoma delas, como a filha delas. (SOULAGES, 2010, p. 269)

De acordo com o artigo Análise Semiótica de Imagens Paradas, existe uma outra vertente da semiótica que trabalha diretamente com a questão da língua. Saussure inicia sua explicação sobre a natureza do signo afirmando que a língua não é uma nomenclatura (1915, p. 66). O significado não existe anterior, ou independentemente, da língua: não é simplesmente uma questão de colocar nela um rótulo. “(…) Não há um elo natural, ou inevitável, entre os dois” (2008, p. 320). Nesse sentido, a fotografia possui o mesmo problema. Não há uma relação inevitável com o texto, mas perante uma aceitação social do vínculo, ela está mantida. Dentre a enumeração, por Françoise Soulages, de três maneiras de cocriação estética entre fotografia e literatura, está o tipo realizado por Maureen, o que apreendemos quando ela afirma que (...) o fotógrafo faz fotos a partir do texto ou o escritor escreve um texto a partir das fotos. O perigo, então, é cair na ilustração ou na simples redundância. O artista deve interpretar o trabalho a partir do qual vai criar; deve fazer uma verdadeira criação que não tenha só sua própria força, mas sobretudo, seja uma das condições de uma obra nova, que, além disso, é de natureza particular: ela não é nem puramente fotográfica, nem puramente literária. (SOULAGES, 2010, p. 271-272) No entanto, Maureen não produz o que o autor segue dizendo ser o mais comum: um trabalho inspirado apenas “pela temática, pela forma ou mesmo pela totalidade da obra do primeiro, mas não realiza uma nova obra que une e confunde fotografia e escrita”.

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Roland Barthes é quem faz a ponte com relação à análise de imagens de acordo com essa nova disciplina criada por Saussure, a semiótica. Barthes defende que “o sentido de uma imagem visual é ancorado pelo texto que a acompanha” (PENN, 2008, p. 321).

(...) a imagem é sempre polissêmica e ambígua. É por isso que a maioria das imagens está sempre acompanhada de algum tipo de texto: o texto tira a ambiguidade da imagem – uma relação que Barthes denomina de ancoragem, em contraste com a relação mais recíproca de revezamento, onde ambos, imagens e textos, contribuem para o sentido completo. (PENN, 2008, p. 322)

Tanto na escrita, quanto na fala, os signos verbais aparecem linearmente, enquanto nas imagens, signos visuais, revelam-se de forma global. No caso da imagem, as interpretações dependem, principalmente, do esforço do observador e do reconhecimento da alteridade para serem aprofundadas. Nessa comparação com a língua, a semântica da imagem é particularmente polissêmica. O próprio Barthes apresenta duas referências recíprocas entre texto e imagem, e as diferencia como ancoragem e relais.

(…) no caso da ancoragem, “o texto dirige o leitor através dos signi ficados da imagem e o leva a considerar alguns deles e a deixar de lado outros. (…) A imagem dirige o leitor a um significado escolhido antecipadamente.” Na relação de relais, “o texto e a imagem se encontram numa relação complementar. As palavras, assim como as imagens, são fragmentos de um sintagma mais geral e a unidade da mensagem se realiza em um nível mais avançado. (Barthes apud. SANTAELLA; NÖTH, 1998, p. 53)

Ou seja, na relação de relais2, a atenção do observador é dirigida, evidentemente na mesma medida, da imagem à palavra e da palavra à imagem; enquanto na ancoragem encontramos uma referência do texto à imagem. O que a fotógrafa Maureen Bisilliat acredita fazer é a relação relais. A partir desta constatação, visamos levantar hipóteses sobre o alcance das equivalências fotográficas que Bisilliat diz fazer. O leitor que já conhece Grande Sertão: Veredas, de onde se originou A João Guimarães Rosa, pode ter as imagens mentais traduzidas para a representação visual, segundo o caso exposto por Martine Joly.

2 “A função de relais é mais rara (pelo menos no que concerne à imagem fixa) (...) a palavra (na maioria das vezes um trecho de diálogo) e a imagem têm uma relação de complementaridade” (BARTHES, 1990, p. 33). 18

A imagem mental corresponde à impressão que temos quando, por exemplo, lemos ou ouvimos a descrição de um lugar, de vê-lo quase como se estivéssemos lá. Uma representação mental é elaborada de maneira quase alucinatória, e parece tomar emprestadas suas características da visão. Vê-se. (1996, p. 20)

Uma outra possibilidade para o leitor é ter suas imagens imateriais destruídas pela existência de uma referência visual com o peso de uma fotografia, sempre tão aliada ao padrão do real. Por outro lado, aquele que nunca leu Grande Sertão: Veredas terá o universo de criação de imagens mentais combinado às referências dadas pelas fotografias, seja para ampliar ou para limitar suas imagens mentais. Isso acontece, pois “O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais (…). O segundo é o domínio imaterial, das imagens na nossa mente.” (SANTAELLA; NÖTH; p. 15), porém isso não quer dizer que o leitor que leu Grande Sertão: Veredas antes de ter contato com as imagens não seja influenciado pelo estereótipo da região já existente em seu imaginário, pois o que fica claro numa leitura desprendida é a importância da carga literária de Guimarães Rosa, sua criação enquanto ficcionista e as inovações que trouxe para a literatura. Há uma vertente que defende ser necessária a presença de um texto que acompanhe as imagens, cujo condutor é Barthes, já a outra acredita que as imagens possam falar por si.

O fato de que um texto imagético individual é precedido, com frequência, por um texto linguístico de conteúdo comparável, de que um texto imagético “ilustra” um texto linguístico, não é um argumento contrário à autonomia discursiva do texto imagético. Isto porque, mesmo quando o conhecimento do texto linguístico deve pressupor a compreensão da imagem, não é indiscutível que o sentido do texto linguístico deva ser precisado ou corrigido por comentários do texto imagético “ilustrador”. (Thürlemann (1990:11) apud. SANTAELLA; NÖTH, 1998).

Porém, não é o que identificamos na maior parte do livro de Bisilliat. Apesar de conter imagens que se relacionam com o universo criado pelo trabalho linguístico de Guimarães Rosa, não existem muitas imagens que relembrem imediatamente passagens específicas do texto. As ambiguidades resultantes das imagens podem ser – um pouco – ordenadas pelas

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palavras. O enraizamento e a amplificação de sentido não são alterados, apenas melhor organizados. Um dos conceitos de Deleuze e Guattari, o rizoma, pode ser um dos caminhos possíveis para entender as multiplicidades possíveis resultantes das interpretações das fotografias. Para eles, “uma multiplicidade não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza (as leis de combinações crescem então com a multiplicação)” (2000 p. 16). Os textos que acompanham as imagens obrigam-nos a nos despir dos estereótipos e nos abrir a novas interpretações. Já Peirce aparece como modelo alternativo, que define o ícone enquanto semelhança, o índice de acordo com a causalidade e símbolo por uma escolha arbitrária. Para Barthes, no segundo nível interpretativo, o “ato de ler um texto ou uma imagem é, pois, um processo interpretativo. O sentido é gerado na interação do leitor com o material”. Em Labirinto e Identidade, de Rubens Fernandes Junior, o autor se detém sobre algumas destas alternativas interpretativas encontradas na produção fotográfica de Maureen Bisilliat. A transformação das cores, a imprecisão do foco, os cortes pouco convencionais, as sombras expressionistas, as imagens monocromáticas, as luminosidades exageradas, as ausências, tudo isso para elaborar um fio condutor lógico e mágico, que é sua sintaxe, na maioria das vezes instigante, para provocar inquietações. (FERNANDES JUNIOR, 2003, p. 154).

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4. DESCRIÇÕES FOTOGRÁFICAS 4.1 I e II – Infância em retrato Aceitando o desafio de descrever as relações existentes entre fotografia e literatura, partimos da temática da infância dentro do romance Grande Sertão: Veredas, a qual funciona como um mecanismo temporal que define o momento em que o futuro de Riobaldo é traçado. Estas escolhas da infância e do “Menino” como eixo, funcionam como um ponto de fuga que norteará todas as análises seguintes. Outro traço importante das imagens que pode contribuir para sua interpretação é a percepção dos elementos de verticalidade, que não raro aparecem e conduzem uma leitura sobre o sagrado. Portanto, uma imagem que a princípio podia mostrar- se clichê, apresenta, mediante uma abordagem hermenêutica, novas possibilidades.

O encontro enquanto criança com o Menino – nomeado posteriormente como Diadorim – na travessia do Rio-de-Janeiro intriga Riobaldo até a maturidade: “Agora, que o senhor ouviu, perguntas faço. Por que foi que eu precisei de encontrar aquele Menino? Toleima, eu sei. Dou, de. O senhor não me responda.” (ROSA, 2006, p. 109) .

Nas duas imagens que serão descritas há claramente o elemento da infância, sempre acompanhado por um adulto que não chega a amparar a criança. Não se trata de um recurso familial, e esta figura pode ter somente o papel de um “substituto simbólico deste ordenador dos sentimentos, dos valores e dos lugares que cada um pode legitimamente ocupar na família, na comunidade ou na sociedade.” (ROSENFIELD, 1992, p. 29). Na imagem abaixo vemos a silhueta de uma criança que engatinha em direção à porta de um recinto simples, aparentemente com poucos móveis e sem muita iluminação interna. Se contrastado com o ambiente externo, de muita luminosidade, é possível inclusive identificar indícios da Alegoria da Caverna de Platão. Segundo a metáfora de Platão, a consciência só é obtida a partir do domínio das coisas sensíveis e do domínio das ideias, não bastando a experiência prática no mundo das imagens para gerar conhecimento perfeito, sendo necessário o domínio do mundo das ideias. No caso da criança, o contrário também passa a ser verdadeiro. Ela engatinha em direção às experiências técnicas e ao mundo “real”. Também tem-se notícias deste “duro” mundo prático a partir da existência de um objeto que é diretamente relacionado à dureza e à violência do sertão, a arma. É importante ressaltar que esta violência, da qual existe indício, se deve à noção de proteção, e não do exercício injusto de poder, “Deus mesmo, quando vier, que venha armado!” (ROSA, 2006, p. 19). Partindo desta perspectiva, a arma, ao apontar para cima, reafirma a noção de proteção – “Carece de ter coragem. Carece de ter muita coragem”

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(ROSA, 2006, p. 108-109) – da mesma forma com que aponta para cima, possivelmente mais um índice do sagrado. A arma apresenta um cano longo, incomum, e a forma com que a imagem foi capturada – posição da fotógrafa e/ou lente – distorce todas as proporções da imagem. Em comparação com o tamanho da arma, o homem parece maior do que o padrão; e a porta ganha destaque por seu tamanho deformado e luminosidade exagerada. A grande figura vertical parada, cuja mão segura o cano da arma indicia o protetor (Deus, pai, orientador) que está próximo à criança. Como não vemos seu rosto, coberto de sombra, trata-se de um ente. É como se ele observasse a trajetória do infans.

Figura 1 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 16

A situação na imagem acima (Fig. 1) também possibilita a associação com uma passagem da tragédia Édipo Rei de Sófocles, em que Édipo é sujeitado ao enigma da esfinge assim que chega a Tebas. “Qual é o animal que pela manhã tem quatro pés, ao meio dia dois e à tarde três?”. Édipo responde sem dificuldade que este animal é o homem. Ou seja, já na mitologia grega o homem engatinha na infância; depois, quando adulto, passa a caminhar com os dois pés; e, na velhice, necessita de um apoio distinto. Uma terceira perna para auxiliar no deslocamento físico.

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No caso do sertão roseano, tanto o envelhecimento se dá precocemente via os desgastes da jagunçagem, quanto a violência trabalha como índice de experiência de vida. Portanto, a arma como apoio motor seria apenas um símbolo deste movimento de travessia influenciada pelo meio. De forma semelhante, o chão de pedras irregulares e o chão ressecado – sobreiluminado – indicia o ambiente árido e pobre, a dureza do caminho em que se encontra a criança. O texto que acompanha a fotografia precedente (Fig. 1) dialoga com esta questão.

Travessia perigosa, mas é a da vida. [ROSA, 2006, p. 542] É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. [ROSA, 2006, p. 608] (ROSA, apud BISILLIAT, 1969, p. 17)

Ao mesmo tempo em que há uma admissão dos perigos, tem-se uma conformidade ideológica pela expressão “mas é a vida”. Há ainda outro índice de travessia explícito em ambas as imagens, as portas. Na primeira fotografia (Fig. 1) a criança se encaminha, sobre o chão de pedras, para a travessia, para o limiar, espaço fundamental criado por Rosa e que na imagem funciona como moldura. Há uma mobilidade consciente da criança, uma coragem na busca pela descoberta de novas possibilidades (Fig. 1), que pode dizer respeito tanto ao conhecimento platônico, como à percepção do sagrado. Já na outra imagem, a criança está aparentemente imóvel. (Fig. 2) Um homem mais velho, possivelmente um familiar, vela o sono da garota - neste início da descrição já se notam os elementos da verticalidade versus horizontalidade. Na figura 2 apresenta-se uma situação estrutural de residência igualmente simples, como na primeira fotografia (Fig. 1). Neste caso, há uma maior entrada de luz dentro do recinto, há um limiar maior, uma maior presença da luz que desenha novamente a verticalidade e introduz a claridade enquanto elemento do sagrado, e não se apresentam elementos imediatos de violência, contrariamente aos que se apresentam na anterior (Fig. 1), mas sim de proteção. Assim mesclam-se aspectos de maior caos e de ingresso no cosmos3. Veja abaixo:

3 Cf. SPERBER, Suzi Frankl. Caos e cosmos: leituras de Guimarães Rosa. São Paulo, SP: Duas Cidades, 1976.

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Figura 2 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 22

Nesta ocasião (Fig. 2), a imobilidade da personagem nos leva a suspeitar que ela se utiliza do universo dos sonhos para mover-se e, assim, elabora as experiências vividas ou imaginadas. O trecho do romance que acompanha a figura reafirma esta ideia: “Quando a gente dorme, vira de tudo: vira pedras, vira flor.” (ROSA, 2006, p. 288, apud BISILLIAT, 1969, p. 22). O elemento adulto que acompanha a criança adormecida, na imagem, é intrigante e o texto permite alguma ordenação nas relações possíveis. Numa livre interpretação, pode-se entender o homem como sendo Riobaldo ao recontar sua vida e olhar para a criança – Menino, Jesus, menina, Diadorim - com a mesma atenção e proteção presentes na Fig. I. Aparentemente a ordenação do ambiente e sua ordem são, em primeira instância, definidos pela vontade do infante em questão. Enquanto na fotografia em que a criança dorme (Fig. 2) o adulto está compartilhando do universo imóvel da criança, pelo contrário, na imagem inicial (Fig. 1), a personagem se mostra aprumada a partir do apoio numa arma de fogo. O ar dessas fotos, desses corpos nos leva à alma, não à individual, mas à do universal-sertão. E mais do que mostrar, esse ar expressão desse corpo- sertão traz à foto um valor de vida circundado pela morte, sempre tão ali, tão presente. (CASA NOVA, 2000, p. 100)

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As sombras luminosas das fotografias de Maureen se estruturam principalmente pela escolha do uso do negativo em preto-e-branco. Portanto, segundo Casa Nova (2000, p. 100) “Daí a perpetuação de Rosa em Maureen e de Maureen em cada leitor/espectador, enquanto o tempo, em seu suporte papel, durar”. A ausência de cor nas fotos ainda é um recurso importante para relembrar a condição de vida destes sertanejos, marcada pela dureza de um sertão de jagunçagens, bem como um meio de depuração da realidade, pois os detalhes são dispensados e a interpretação de Maureen Bisilliat desenhada a partir de então. É a partir deste momento em que se torna clara uma das tensões do trabalho proposto por Bisilliat. A poética de Rosa presente no romance jamais poderá ser traduzida em imagens com o conteúdo exatamente similar.

“É, no entanto, impossível (e esta será a última observação sobre o texto) à palavra “duplicar” a imagem; pois, na passagem de uma estrutura à outra, elaboram-se, fatalmente, significados segundos. Qual a relação desses significados de conotação com a imagem? Trata-se aparentemente de uma explicitação, isto é, dentro de certos limites, de uma ênfase”. (BARTHES, 1990, p. 20-21.)

Portanto, é neste âmbito que a fotógrafa se utiliza de um conceito amplo para a criação do ensaio: “os pontos de partida e os encaminhamentos dados à questão da tradução podem diferir em cada um dos teóricos, mas eles convergem num mesmo ponto de chegada: a tradução como transcodificação criativa” (PLAZA, 2003, p. 26). Ou seja, a artista admite sua impossibilidade de fixação imagética da realidade tal como a ficção solicita e parte deste princípio para elaborar – à sua maneira – interações semiológicas com o romance. Por exemplo, há uma opção do olhar observador de Maureen Bisilliat que vislumbra seu viés literário. Esta escolha se dá principalmente no momento do “clique”, na impressão da imagem no negativo. Como no caso da imagem inicial (Fig. 1), em que é possível perceber que as “personagens-vivas” do sertão são fotografadas pela artista a partir de um ângulo inferior ao do sujeito adulto em questão. Nesse caso, o movimento da fotógrafa, que se abaixou e com isso obteve uma proximidade com o olhar da criança, também parece ser um dos seus mecanismos para valorizar esse “homem humano” (ROSA, 2006, p. 608) e os muitos outros do sertão roseano.

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Tal tomada da imagem pode ser vista como uma forma de aproximação técnica com as estratégias também usadas por Rosa na narrativa para a apresentação do sertanejo em Grande sertão: veredas.

4.2 III – Memória, amor e verticalidades

Figura 3 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 4

Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas [...] [ROSA, 2006. p.100]

Sertão velho de idades [...] [ROSA, 2006. p. 542] Sertão sendo do sol [...] [ROSA, 2006. p. 542] [...] Um espaço para os de meia-razão. [ROSA, 2006. p. 314]

(ROSA, apud BISILLIAT, 1969. p. 5)

No primeiro trecho Riobaldo fala com o interlocutor. De acordo com a ordem do livro de Guimarães Rosa, isto acontece logo após o narrador refletir sobre Nhorinhá: “gosto bom ficado em meus olhos e minha boca.” (ROSA, 2006, p. 100). Logo na sequência desta rememoração sobre Nhorinhá, Riobaldo comenta sobre a modificação das imagens pela memória – apontamento que seria impensável se as fotografias já fossem uma realidade no

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romance de Guimarães Rosa – “A verdade que, em minha memória, mesmo, ela tinha aumentado de ser mais linda.” (ROSA, 2006, p. 100).

Logo em seguida ao trecho “Vou lhe falar...”, o narrador relembra o encontro com o Menino.

Se deu há tanto, faz tanto, imagine: eu devia de estar com uns quatorze anos, se. Tínhamos vindo para aqui – circunstância de cinco léguas – minha mãe e eu. No porto do Rio-de-Janeiro nosso, o senhor viu. (…) Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro. Menino mocinho, pouco menos que eu, ou devia regular minha idade. (ROSA, 2006. p. 100 – 102)

Com este contexto que circunda a primeira citação, Bisilliat praticamente inicia sua obra fazendo referência às principais temáticas de Grande Sertão: Veredas, o amor. A temática das paixões do narrador: Nhorinhá e o “Menino”. Esta imagem é a terceira na sequência do livro A João Guimarães Rosa. A fotógrafa persiste nas contextualizações por meio das citações seguintes, pois o trecho “Sertão velho de idades (…) Sertão sendo o sol” (ROSA, 2006, p. 542) está no livro de João Guimarães Rosa relacionado à busca por Hermógenes, passagem também decisiva para o enredo. Busca que só pode se dar nas condições em que estão descritas no romance, pois aquele “era um espaço para os de meia-razão” (ROSA, 2006. p. 314), o narrador joga com a ideia de loucura em meio ao sertão. Na imagem nota-se, novamente, elementos de verticalidade, pois há uma moldura na borda direita com a cor preta. Existe também o poste que, visto do ângulo escolhido pela fotógrafa, pode também ser entendido como uma cruz. O trabalho com o preto-e-branco é curioso, neste caso, porque as divisões são muito claras, não há meios-tons: um terço dos tons está voltado ao preto, principalmente a lateral direita e o chão, e o resto da imagem se apresenta com muita luz.

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4.3 IV – Memória e retrato

Figura 4 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 7

Nhorinhá – flôrzinha amarela do chão, que diz: Eu sou bonita! [ROSA, 2006, p. 377] Nhorinhá, gosto bom ficado em meus olhos e minha bôca. [ROSA, 2006, p.100]

(ROSA, apud BISILLIAT, 1969. p. 7)

Este mesmo trecho que acompanha a fotografia no livro organizado por Maureen, em Grande Sertão: Veredas, aparece na mesma página de outro trecho que continua se referindo a Nhorinhá:

Nhorinhá, gosto bom ficado em meus olhos e minha boca. De lá para lá, os oito anos se baldavam. Nem estavam. Senhor subentende o que isso é? A verdade que, em minha memória, mesmo ela tinha aumentado de ser mais linda. (ROSA, 2006. p. 100)

Na memória de Riobaldo, passados oito anos, a imagem de Nhorinhá não era mais fidedigna como uma fotografia. Obedecia às leis do esquecimento, e sua beleza não seria analisada de acordo com os padrões do belo e sim, da memória.

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A representação de uma moça, que não temos certeza se é Nhorinhá4, no livro de Maureen Bisilliat, limita a imaginação do leitor no que diz respeito ao imaginário criado por Guimarães Rosa na escrita poética de sua literatura. Limita os devaneios imagéticos do leitor a respeito da figura de Nhorinhá: “Tão bonita, só” (ROSA, 2006, p. 33); “pimenta branca, boca cheirosa, o bafo de menino-pequeno. (ROSA, 2006, p. 190); “puta e bela.” (ROSA, 2006, p. 311); “era bonita, era a que era clara, com os olhos tão dela mesma...” (ROSA, 2006, p. 519). Se a fotografia e os retratos tivessem força no meio do sertão, a memória contada por Riobaldo seria outra, talvez não se lembrasse de Nhorinhá mais bonita passados oito anos, pois teria a fotografia como amparo e limitador da memória. Ainda que a fotografia não se deva exclusivamente ao registro do real, nesta situação funcionaria como um limitador dos efeitos do tempo na memória de Riobaldo e também dos leitores. Vale lembrar que mesmo que uma cena, ou pessoa sejam fotografados e a fotografia seja guardada, as fotos dificilmente correspondem fielmente ao vivido e registrado na memória. A memória colore a cena, ou a escurece, imprime mais alegria, melancolia, tristeza do que o registro pela foto. E o olhar se fixa em um conjunto de referências, enquanto a foto pode incluir no enquadramento objetos, elementos que aí se encontravam, mas não tinha sido apreendidos pelo olhar e fixados na memória.

4 Na entrevista com a fotógrafa confirmou-se que não se trata de Nhorinhá. 29

4.4 V – Enaltecimento das raízes

Figura 5 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 8

Esta fotografia, é apresentada em A João Guimarães Rosa ao lado de outra do mesmo senhor num recorte de retrato. Pode-se perceber, mais uma vez, o olhar vindo de baixo, numa tentativa de valorização deste homem assim como de suas raízes, pois os pés e as pernas ficam em evidência, levam ao chão de onde a pedra reafirma sua dureza e força. Além do recorrente ângulo a partir do qual se fotografa, é possível notar o olhar e o rosto da personagem fotografada olhando levemente para cima. A partir deste detalhe também é possível notar certa imponência do homem de raízes simples de uma forma universal, pois sua identidade não é claramente identificada por entre a sombra do chapéu que utiliza. Há ainda outra especificidade, na imagem, que pode ser entendida como valorização deste homem: a sombra de seu corpo na parede. Resultado da luz do início da manhã ou fim de tarde5, a sombra chega a ter um tamanho maior do que seu próprio corpo e nos faz lembrar

5 Confirmado pela fotógrafa na entrevista que se tratava das primeiras horas do dia. 30

o que há por trás deste homem, a valorização de sua história, de seu passado e de sua identidade. Este enaltecimento de suas raízes é corroborada pelo texto que acompanha a fotografia: Nasci aqui. Meu pai me deu minha sina. Vivo, jagunceio...” [ROSA, 2006, p. 221] Tudo em mim, minha coragem: minha pessoa, a sombra de meu corpo no chão, meu vulto. O que eu pensei forte, as mil vêzes: que eu queria que se vencesse; e queria quieto: feito uma árvore de toda altura! [ROSA, 2006, p. 556]

(ROSA apud BISILLIAT, 1969, p. 9)

Em “Nasci aqui. Meu pai me deu minha sina. Vivo, jagunceio...” a vida e a característica atual da personagem são fortemente relacionadas à sua história, bem como a sua equivalência visual, a sombra presente na imagem. O mesmo acontece com o trecho seguinte, de um local distante no livro de João Guimarães Rosa, mas bem relacionado ao contexto pela escolha da edição da organizadora do livro. Há inclusive uma referência à questão da sombra, como reflexo da pessoa e de sua coragem, assim como uma possível referência à questão da árvore como sendo um elemento de apreço pelas raízes, materiais ou não.

4.5 VI – Lápide e verticalidade

Figura 6 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 26

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A fotografia em questão, não possui caráter documental – o que reafirma suposições da pesquisa teórica no que tange às intenções da fotógrafa. É curioso como o ângulo de onde é feita a captura não nos permite ler o que a placa diz, nem entender em que contexto a cruz está inserida. Este fato justifica a inutilização do padrão de fotografar sempre de baixo para cima, pois, neste caso, a mudança de ângulo causaria a captura de detalhes do horizonte, o que desvalorizaria o contraste entre a cruz e o chão presente na imagem e revelaria detalhes que causam a dúvida no observador. Nesta imagem há mais uma vez o elemento vertical, acrescentado da uma perspectiva religiosa presente no terço, a cruz leva o observador a refletir sobre as crenças religiosas deste povo retratado. Além disso, nota-se uma quantidade enorme de variação de cor resultante do relevo do chão capturado pela fotógrafa, detalhe que é ainda mais apreciado por indução da sombra resultante da cruz, que conduz o olhar a este plano inferior, do chão.

Chapadão. Morreu o mar, que foi. [ROSA, 2006, p. 601]

O perfume do nome da Virgem perdura muito; às vezes dá saldos para uma vida inteira... [ROSA, 2006, p. 471]

(ROSA apud BISILLIAT, 1969, p. 26)

A semelhança a uma lápide é reforçada pela frase que acompanha a fotografia em “o perfume (...) perdura muito; às vezes dá saldos para uma vida inteira...”. No entanto, não é a perspectiva religiosa que fica, e sim a reincidência de elementos verticais. Não esqueçamos de algumas frases do romance:

O querer-bem da gente se despedindo feito um riso e soluço, nesse meio de vida. (ROSA, 2006, p. 583)

Essas coisas se passavam perto de mim. Como tinham ido abrir a cova, cristãmente. Pelo repugnar e revoltar, primeiro eu quis: – “Enterrem separado dos outros, num aliso de vereda, adonde ninguém ache, nunca se saiba...” Tal que disse, doidava. Recaí no marcar do sofrer. (ROSA, 2006, p. 600)

A cruz em terra esturricada, sem laje, sem nome, lembra tanto a cova separada “num aliso de vereda”, como o sofrimento do luto, da perda de quem Riobaldo quis tanto bem.

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4.6 VII – Contraluz na travessia Na sétima fotografia escolhida para análise, há uma diferença clara das outras fotos já trabalhadas. Nela, ao invés da luz lateral – bastante utilizada por Bisilliat – vê-se diretamente o sol. Esta forma de captura era arriscada na época, já que dependendo da forma e da intensidade como a fonte de luz aparecesse na imagem seria possível perder a imagem no filme fotográfico6 através da superexposição de luz. O que hoje já seria notado e reparado imediatamente a partir do uso de câmeras digitais. Tal ousadia resulta numa foto de captura do instante em que tanto os bois quanto o homem mudam o passo no mesmo momento. O contraluz é utilizado como forma de valorizar ainda mais as sombras dos animais e das marcas das pequenas ondas resultantes da movimentação dos mesmos na água. Vemos palmeiras, que poderiam ser buritis, a água, os bois, a travessia.

Figura 7 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 29

O texto escolhido para acompanhar a imagem é a canção de Siruiz presente em Grande Sertão: veredas: Urubú é vila alta mais idosa do sertão? padroeira, minha vida – vim de lá, volto mais não...

Vim de lá volto mais não?...

Corro os dias nesses verdes,

6 Na entrevista concedida, a fotógrafa chega a classificar esta foto como sorte. 33

meu boi mocho baetão burití – água azulada, carnaúba – sal do chão...

Remanso de rio lardo, Vida da solidão: quando vou p’ra dar batalha, convido meu coração... [ROSA, 2006, p. 119]

(ROSA apud BISILLIAT, 1969, p. 28)

4.7 VIII – A poeira vista de cima A fotografia da condução de uma boiada é uma das poucas em que o ângulo escolhido é superior ao acontecimento, o que talvez se deva apenas ao contexto em que a fotógrafa estava inserida7. No livro A João Guimarães Rosa há duas imagens da mesma situação, uma momentos antes da outra8, no entanto, para análise apenas uma foi escolhida.

Figura 8 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 38

Na fotografia (Fig. 8) é possível perceber uma rotina tradicional do homem sertanejo. Além disso, a poeira está no nível ideal para não impedir completamente a visão e ao mesmo tempo demonstrar e marcar a agitação da situação retratada. Nela, mais uma vez, as personagens humanas estão em destaque, ocupam o primeiro plano da fotografia. Nos trechos escolhidos para acompanhar as imagens acontece mais uma vez uma diversificação da localização dos mesmos no livro de Rosa. Eles foram, de certa forma,

7 Na entrevista realizada, a fotógrafa admitiu ter realizado a captura desta imagem de cima de um Jipe que acompanhava a viagem. 8 Cerca de cinco minutos, como confirmado pela fotógrafa na entrevista. 34

costurados pela fotógrafa a fim de criar uma nova obra, resignificar os trechos em conjunto com suas fotografias.

Cavalo, cavalaria! Cortejo que fazia suas voltas, pelos ermos, pelos ocos, pelos altos, a forma duma mistura de gente amontada, uma continuação grande [ROSA, 2006, p. 449] Viemos pelo Urucuia. Meu rio de amor é o Urucuia. [ROSA, 2006, p. 73] As chuvas já estavam esquecidas, e o miolo mal do sertão residia ali, era um sol em vazios... [ROSA, 2006, p. 49]

encostava na nuca da gente [...] [ROSA, 2006, p. 212] A calamidade de quente! E o esbraseado, o estufo, a dor do calor em todos os corpos que a gente tem. Os cavalos venteando [ROSA, 2006, p. 51] O chão endurecia cedo, esse rareamento de águas. O fevereiro feito. Chapadão, chapadão,chapadão. [ROSA, 2006, p. 314]

(ROSA apud BISILLIAT, 1969, p. 38)

4.8 IX e X – Cabelos em movimento No último par de imagens escolhidas para análise é possível observar uma sutil comparação estética entre uma moça e a movimentação de dois cavaleiros sobre os cavalos. A facilidade em atingir esta comparação está na utilização do preto e branco, pois o braço da menina representado em tons escuros se aproxima da representação do cavalo, nos mesmos tons; e são reafirmadas, pelo predomínio do branco no restante da imagem: na roupa da personagem retratada e no céu sobre os cavalos, respectivamente. Um detalhe interessante se dá entre a forma que os cabelos da moça assumem ao adotar a imagem, concebida como retrato, no sentido paisagem e na movimentação esvoaçante da crina dos cavalos durante o movimento capturado pela fotografia.

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Figura 9 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 32

Figura 10 Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 33

A aproximação do corpo com o cavalo é reafirmada no texto que acompanha as fotografias.

Senti meu cavalo como meu corpo. [ROSA, 2006, p. 245] E os cavalos, vagarosos; viajavam como dentro dum mar. [ROSA, 2006, p. 507]

A liberdade é assim, movimentação. [ROSA, 2006, p. 320]

(ROSA apud BISILLIAT, p. 32)

Além disso, a última frase utilizada confere certa liberdade à escolha da fotógrafa ao movimentar o sentido original da fotografia (retrato) e inseri-la enquanto sentido de paisagem em seu livro. Outro fato interessante das duas fotografias é a reincidência do olhar numa perspectiva inferior, incorrendo novamente na tentativa de valorizar as personagens retratadas.

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A movimentação referenciada no texto combinado à fotografia e na situação retratada dos cavaleiros (Fig. 10) é trabalhada também ao desfocar o retrato da menina levemente (Fig. 9).

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5. CONCLUSÕES A poética de Maureen Bisilliat se utiliza de seus signos estéticos a fim de superar a intersemiótica. Não se trata apenas de uma tradução imediata, como pode ser imaginada pelo leitor. E então, a artista vai além e cria novos campos de significação tanto no universo do texto de João Guimarães Rosa quanto nas suas próprias fotografias. Com estas influências, a obra de Bisilliat propõe uma organização da iconografia do sertão brasileiro, mais especificamente, do sertão roseano. A fotógrafa – que produziu um ensaio de qualidade ímpar e manteve este atributo também na montagem do livro A João Guimarães Rosa, assim como nos demais que já publicou com este diálogo entre literatura e fotografia – deve ser relembrada dentre as Artes Visuais brasileiras como uma potência nas relações intertextuais da Literatura Brasileira. Ainda vale retomar algo enunciado por Bisilliat, na entrevista, e que abre outras perspectivas para além do repertório semiótico. Ela disse:

O que que me fez ficar dentro de um encantamento mesmo ligado a uma essencialidade de vida muito precária? Então alguém, um outro dia. Isso, são certas coisas que surpreendem, e isso eu li e pensei: Nossa, que interessante! Alguém, sul- americano, que falou assim: É, as suas fotos são de uma fisicalidade muito grande. Bom! E eu fiquei, assim, surpresa...

Ao vermos as fotos de Maureen Bisilliat, precisamos descobrir o encantamento diante da essencialidade da vida precaríssima. Rosa também descobriu essa essencialidade, passando pela fisicalidade, transformando naqueles abandonados pelo sistema uma grandeza surpreendente. Bisilliat tenta apreender isto em suas fotos e nós, receptores, só podemos ser tocados por essa essencialidade e contemplar.

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6. BIBLIOGRAFIA 6.1 Bibliografia Específica BISILLIAT, Maureen. Fim de rumo, terras altas, Urucúia; ensaio fotográfico de Maureen Bisilliat. Fragmentos extraídos de Grande sertão: veredas de João Guimarães Rosa. São Paulo: Gráficos Brunner, 1969. (1 ed., em cor). ______. A João Guimarães Rosa. São Paulo: Gráficos Brunner, 1969. ______, Maureen. Fotografias: Maureen Bisilliat. São Paulo, SP: Instituto Moreira Salles, 2009. BISILLIAT, Maureen; ROSA, João Guimarães. A João Guimarães Rosa. São Paulo: Gráficos Brunner. 3 ed. 1979. ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

6.2 Levantamento de publicações relacionadas à A João Guimarães Rosa

CASA NOVA, Vera. Letra, traço e olho: Guimarães Rosa, Arlindo Daibert e Maureen Bisilliat. In:___. Alea: Estudos Neolatinos. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas – Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mar. 2000, v. 2, n. 1, p. 97 - 106. FERNANDES JUNIOR, Rubens. Labirinto e identidades: panorama da fotografia no Brasil [1946-98]. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2003. p. 152 – 154 PERSICHETTI, Simonetta. Imagens da fotografia brasileira. v. 2, 2. ed. São Paulo, SP: Estação Liberdade, 2000. 6.3 Bibliografia Geral BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Trad. Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. ______. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Trad. Léa Novaes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platos: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro, RJ: Editora 34, 1995-1997. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus, 1993. PENN, Gemma. Análise Semiótica de Imagens Paradas. In: Pesquisa qualitativa com texto imagem e som: um manual prático / Martin W. Bauer, George Gaskell – 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. JOLY, Martine. Introdução a análise da imagem. Campinas, SP: Papirus, 1996. PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003. ROSENFIELD, Kathrin H. Grande sertão: veredas: roteiro de leitura. São Paulo: Ática, 1992. SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1998.

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SOULAGES, François. Estética da fotografia: perda e permanência. São Paulo, SP: SENAC São Paulo, 2010. SPERBER, Suzi Frankl. Caos e cosmos: leituras de Guimarães Rosa. São Paulo, SP: Duas Cidades, 1976. COELHO NETTO, José Teixeira. Semiótica, Informação e Comunicação, http://pt.scribd.com/doc/49707761/SEMIOTICA-INFORMACAO-E-COMUNICACAO

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7. ANEXOS

7.1 Transcrição da entrevista realizada com a fotógrafa Maureen Bisilliat

P.: A experiência de leitura com Guimarães Rosa e o Grande Sertão: Veredas, como foi? Como a senhora conheceu o livro? MB: Sim, esse foi muito específico por que um grande amigo, chamado José Olímpio Borges, ele era dos Borges, de Patos de Minas. Uma pessoa extremamente curiosa pela vida e tudo. Ele trabalha, acho que ele era advogado, ele trabalhava, não sei se era na Sorocabana, alguma coisa assim. Mas ainda, o interesse dele, era na vida das pessoas e na literatura. E ele me deu, isso deve ter sido em 1961 ou 1962. Ele me deu e disse: Olha, não sei se você vai compreender o negócio, mas está aqui e uma coisa que eu sempre repito é que certas coisas você entende de uma maneira subliminar, digamos. Você não precisa compreender muito, muito bem – escolasticamente – o idioma. Mas foi a primeira coisa, foi justamente Grande Sertão: Veredas. P.: Depois a senhora acabou lendo outros livros? MB.: Sim, mas eu realmente fiquei nesse. Depois eu gostei muito de Guimarães, mais foi um pouco depois, o que se chamava, naquela época, de Corpo de Baile. Que acho uma pena, até hoje, acho uma grande pena que eles separaram, porque eram três histórias. E tem um conto que é absolutamente formidável. Não sei se é “Dalalalão” ou alguma coisa assim. É uma coisa passional. Essas coisas que surpreendem. P.: Antes de produzir as fotografias, a senhora fez mais de uma leitura do Grande Sertão? MB.: Não, porque não era mais nem menos, era simplesmente, eu mergulhei no livro. Esqueci os detalhes, mas me interessei em toda essa vida, essa região, essa gente. E naquela época você podia, sem mais nem menos, sem mais complicações. Ele trabalhava no Itamaraty no Rio, telefonei um dia e quis marcar. Marcaram e fui lá, várias vezes. Porque fui várias vezes. Ele acabou me dando um início de como se fosse, não um roteiro, mas por onde começar. Quando voltava das viagens ia lá, mostrava as fotos pra ele e ele anotava atrás. P.: E estas fotos onde estão? A senhora não sabe? MB.: Essas fotos, seria uma pena. Eu sempre digo, seria interessante alguém pesquisar isso. P.: É, então. Eu cheguei a procurar, fui ao IEB (Instituto de Estudos Brasileiros – USP), não estão lá, no arquivo dele. MB.: Não? Olha, eu conheço bem o filho da dona Aracy e ele sempre tem um pouco de ligação com a gente porque muitas vezes utilizamos textos de Guimarães e ele nunca pediu pagamento para isso. Mas cada vez ele seleciona uma ou outra foto minha. Eu vou, pensei que seria interessante, porque atrás dessas fotos são detalhes, respostas a perguntas que ele me fez. P.: Eu inclusive cheguei a ler um depoimento em que a senhora conta isso, mas não encontro essas fotos em lugar nenhum.

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MB.: É, mas eu vou perguntar. Porque é, se alguém, hã, talvez seria justamente o filho, porque quem deve ter ficado com isso é a dona Aracy. Visitei ela há muito anos atrás, mas vou atrás um pouco porque seria interessante ver essas anotações. P.: É, eu tenho muito interesse. MB.: Porque ele se interessou nas pessoas. Isso que eu acho bacana. Que nem um índio, ele se interessa pela coisa, não por quem fez a coisa. Entende? Então isso me, sempre me interessou muito. P.: Na verdade, tem duas imagens que estão no IEB que eu não sei se são suas. (Foi mostrada uma reprodução cedida pelo IEB). MB.: Nenhuma. Porque isso foi feito, provavelmente, na viagem do Guimarães. P.: As suas eu não encontro! MB.: Agora eu posso perguntar, aliás, eu preciso. Aliás, estou pensando em ir ao IEB um pouco para falar com a Telê (Ancona Lopez), porque ela é ligadíssima com o Mário de Andrade, mas também com Guimarães Rosa. E já que você pergunta, me dá uma desculpa para ir lá. E é uma pessoa formidável, a Telê. É, você tem ali, eu vejo a versão alemã9. Agora o interessante, talvez, como você já anda pesquisando, certas coisas, provavelmente, eu repito. Mas o interessante, com as traduções, esta tradução alemã era muito bem, muito bem, apreciada. Agora, interessante, porque eu li um outro dia, que o Berthold Zilly ia fazer uma nova tradução. É possível isso? E esse Berthold Zilly comigo foi uma coisa fanstástica, porque eu fiz um livro que chama Sertões, Luz & Trevas, com o texto escolhido do Euclides (da Cunha). E eu perguntei se ele não queria fazer a tradução. Pois foi a primeira vez que foi a tradução do alemão. Bom, e essa mesma pessoa, disse que tá embarcando nisso. Bom, eu não queria te dizer sobretudo isso, mas você sabe quem é o professor Ángel (Ángel Crespo)? A gente conheceu ele um pouco e ele mencionou quase a obsessão, a entrega, ao fazer essa tradução e que muitas vezes eu acho que tanto ele quanto Guimarães eram bastante noturnos e que eles se ligavam de noite para ver primeiro que italiano (espanhol) utilizar, porque anos atrás, eu não sei se agora fizeram diferente, mas a tradução inglesa é muito ruim, era totalmente acaboclada. Então, como ele tem razão em dizer qual italiano (espanhol), e que dentro do italiano: que palavra? Então, a tradução eu acho que é uma coisa maravilhosa, isso de traduzir. É uma arte magnífica! Mas daí, como você também, eu digo, às vezes, quando me perguntam, essa associação com a Irlanda que ele (Rosa) apontou. E é, de fato, isso comprova o conhecer que ele tinha da literatura, dos povos em geral, porque tem muita, muita semelhança. Esse é um povo, assim, digamos, sem medos. Com uma riqueza ao falar muito grande, muito original, muito poético. Não? E esse, nisso ele falava: você vai compreender os gerais por causa desse sangue irlandês. De fato, é aquilo de nadar como peixe nas águas. P.: Na época em que a senhora começou a fazer as viagens ainda não existia a ideia de um livro? MB.: Não. P.: Quando surgiu a ideia de publicar essas fotografias?

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MB: É... porque naquela época, eu acho que a gente talvez funcionasse sem meta material direta, então você ia. Eu acho que foi com Joseph Brunner, com quem, todo esse amor e interesse que eu tenho pelas artes gráficas foi através dele, e que, naquela época, aliás, tem um terceiro livro. P.: Tem. Que eu não tenho, infelizmente. MB: Eu gosto menos. P.: A primeira edição? MB: Primeira edição, pequenininho, com cor. Mas e..., não era, é....tudo era um pouco mais abundante, mas foi através dele. P.: Mas foi depois? Então, as fotos ficaram um tempo paradas? Depois das viagens... MB: É, nem tanto, mas o livro ficou impresso depois da morte de Guimarães Rosa. P.: Ele não chegou a vê-lo pronto? MB: Não. Ele foi primeiro, foi lançado, se não me engano, em um lugar, eu não sei se chamava livraria Talalo, em Belo Horizonte. Uma pessoa, muito maravilhoso, muito conhecida, ele se chamava Aires da Mata Machado. Então, me lembro, alguém falou alguma coisa de Machado de Assis ele falou: não tanto assim, não. Porque Ayres, e Memorial (de Aires) e tal... Mas foi assim, e foi muito carinhosamente visto. Porque o mineiro, ele é essencialmente uma pessoa da palavra. Era na época em que tinha, hã, um, não sei como ele se chama, um Suplemento Literário de Minas. Nessa época, era um, era extraordinário, você tinha. Então, eu passava por Minas, por Belo Horizonte um pouco, sempre ficava num hotel, assim, totalmente uma espelunca, porque ao lado da Antiga Rodoviária, porque eu pegava os ônibus muito cedo de manhã. Eu ficava nesse hotel ia direto e ia viajando assim, seguindo primeiro, naturalmente, como ele disse: Cordisburgo, Curvelo, e tal, tal, tal...é... P.: E essa diferença de um livro para o outro, abandonando as imagens com cor, por quê? Foi uma opção da senhora? MB.: Ah, foi uma opção minha! Ficou muito melhor (sem as imagens coloridas), eu acho! E depois o tamanho, o que eu mais gosto é esse (3ª edição10). E depois, foi feito junto com Antonio Marcos, arquiteto com quem eu trabalho há muitos anos, então eu acho que era o melhor. P.: Porque o preto e branco e não as coloridas? MB.: Certas coisas, como por exemplo, Euclides (da Cunha). Você pensa em cor, e isso eu pensei em preto e branco. Não é que você diz: eu vou pensar. Mas é institivamente! E a cor era casual em algumas imagens, como um, por exemplo. Mas você sente, quando vê um livro, como uma música, de repente para você de dar, aí não dá certo. P.: Então, na verdade, o sertão pedia esse preto e branco? MB.: Hum, eu acho que sim. Porque tem umas partes sombrias também, não? Veja, esse negócio aqui. Esse dia foi muito fantástico. Porque foi continuação da primeira viagem, que cheguei de Andrequicé. E Andrequicé foi muito importante, porque eu acho que é de onde ele

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partiu para aquela viagem a cavalo que ele fez. Mas é um lugar assim no algo. Chego lá, no finzinho da tarde, e tem umas quantas casinhas e um boteco. E aí, perguntou, onde eu poderia, e... E aí, eu sabia que tinha um pequeno fazendeiro, lá na casa dele, mas eu senti que uma pessoa que poderia facilmente ter me hospedado, mas que na verdade não, foi nesse boteco. Então ele falava: o que eu estava fazendo ali? Porque que está aqui? Até que eu falei que estava atrás de investigar Guimarães Rosa. Aí ele falou: “Ah, o Rosa.” Todo mundo chama Rosa ele por lá, imediata... Então, ele encontrou um lugar, ótimo. Eu dormi, acho que no chão com uma esteira. Uma viúva que acordava às quatro da manhã para ir na roça, cuidar das plantas e dormi aí. Mas o moço já tinha falado: “Está com sorte, porque amanhã, porque hoje mesmo chegou Manuelzão”. De Santa Bárbara, onde trabalhava. Então muito de manhã eu saí, ele estava ali e acabei vendo ele. Então, é curioso que você vê uma pessoa muito, de tradição, assim, uma pessoa muito clássica. Então falava pouquíssimo: três palavras já era muito. Só que anos depois, quando ele ficou muito conhecido, veio para São Paulo e não parou de falar. Interessante, não? Então, esse foi um bom..., quando você começa um trabalho, como foi exemplo esse, é sempre uma coisa, uma coisa que te dá coragem que talvez esteja certo. Mas, foi, foi isso. Mas eu, nunca, eu acho que, uma coisa que sempre eu tendo a acentuar é que eu nunca vou atrás de... Porque você, né, fica como se você fica no trilho da coisa, mas sem especificidades. Entende? Então, é isso. P.: E a escolha dos trechos para acompanhar as fotografias? MB.: Ah, isso gosto muito. Adoro fazer isso, gosto muito de fazer isso e quando faço, hã..., a gente tá fazendo umas edições, coisa de edições. Eu gosto muito de, não só editar coisas, mas combinar o som. Justamente o que não seria, de fato o que eu faço, é o que mais eu gosto. É selecionar os trechos. Agora, cada história é diferente. Porque eu tenho um livro que chama Bahia, amada Amado, sobre . Hã..., enquanto Guimarães você seleciona frases, que acabam com um ponto e elas existem por si mesmas perfeitamente, como uma estrofe de poema, assim. O Jorge Amado o livro foi muito grande, justamente porque, eu percebi que fora uma ou outra frase, a questão era sintetizar os roteiros. Porque claro que ele (Rosa) contava, mas ele contava de uma maneira como as palavras se completavam em si. E o outro a palavra era contada, era para desenrolar uma história. Eu acho que, claro, Grande Sertão, seria o livro, provavelmente, mais complexo, mas eu gostei muito, eu gostei muito de Corpo de Baile. E... eu lembro, menos experimental, mas eu gosto dessas espécies de paixões submersas que de repente aparecem. O Drummond tem muito disso. São pessoas aparentemente, não oba, oba, mas tem essa espécie de fervor, que de repente aparece e que surpreende, não é? Na literatura japonesa se tem muito disso. P.: Mas então, os trechos foram escolhidos depois, com as fotos já prontas? Antes de publicar o livro? MB.: Eles viram, uma vez, as fotos dando uma linha. Mas hã, talvez é o que eu mais faça, é, eu lido com a palavra, é uma coisa um pouco instintiva. Tem uma coisa muito curiosa. O meu marido faleceu em 1991. Durante nove meses, nas noites, de repente eu ia num quarto em que eu tenho os livros, sem pensar, tirava um livro da estante, tem muitos! Abria a página, achava exatamente o que estava precisando nesse momento, é curioso. E, escrevi, escrevi? Veio um diálogo, um diário. Então, essas coisas, como a Dona Ara (Aracy) que falou, claro, que não estou dizendo a mesma coisa, mas que Grande Sertão foi assoprado. Certas coisas você recebe por várias, várias razões. O meu naturalmente era um momento, de..., do que eles chamam de, quando você, trabalha o luto, eles chamam de..., eu sei como chama, agora não me lembro. Mas certas coisas que vem..., essa questão de escolher é muito curioso, é quase como que você abre a página. Você deve trabalhar muito com isso. Você não sente às vezes 44

isso? Porque o momento em que você tem que dizer: “Ah, agora vou buscar!”, não dá, não resolve. P.: Os trechos, então, foram escolhidos diretamente pela senhora? MB.: Naturalmente. P.: As imagens foram organizadas... MB.: Por mim. P.: Também? A ordem...? MB: Tudo. É isso que eu gosto! Entende? É isso que eu gosto! Tanto assim se é que, agora teve essa exposição, que foi uma surpresa pra mim, porque tinha esquecido dessas fotos todas. Através do Instituto Moreira Salles, mas eu nunca, hã, pensava numa foto isoladamente. Era como se realmente, hã, de uma maneira, não de contar uma história, mas tem que ter uma ligação rítmica, não? Quando ganhei a bolsa Guggenheim, em 1970, fui lá para o centro de Nova York, para mostrar o que tinha feito durante o ano. E o Mr. Mathias me falou: você tem que fazer cinema! Então falei: por quê? Ele disse: porque, você pensa em sequência. E, de fato, penso em sequência. E a exposição... Não sei se você viu a exposição. P.: Vi sim. MB: Você viu aonde? P.: Na FIESP, aqui em São Paulo. MB.: Ahh que bom que você viu! P.: Eu inclusive vi a visita guiada que a senhora deu no último dia. MB: Olha! Que interessante! Então você viu, frequentou. E é muito interessante, porque veja bem, acabei. Quando a gente foi para o México, setembro, cada vez se monta um pouco diferente. Essa vez, faz um ano, eis que eu estava lá, felizmente, montamos. Mas o interessante é que embora você permanece a estrutura, sempre há pequenas modificações que também é uma coisa muito interessante para a criatividade, para não ficar sempre repetindo. Porque nós não podemos estar repetindo. Não é que a gente joga fora. A essência fica e grande parte permanece. Mas sempre há pequeninas coisas que dão, assim, um grande ..., apimentam, e renovam, sabe? É, é isso. P.: Mas o Rosa participou da escolha das...? MB: Quem? P.: O Guimarães Rosa... MB: Não. Não... Porque... P.: Você escolheu depois? MB: É... porque eu vi ele duas vezes, três vezes no máximo, no máximo. Vou falar mais alto pra você, ou você escuta isso (se referindo ao gravador)? P.: Não, está bom assim.

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MB: Mas, hã, não. Não, nem comentamos o fato de... de... livro. Porque ele, realmente, ele, se identificou. Tanto que eu achei “retruscante” isso, realmente. Porque nunca é, sabe? Nunca houve surpresa, nunca houve admiração. Foi direto: como encontrou essa pessoa? Estava fazendo o que? Era casado? Tinha filhos? Etc, etc, etc... E anotou essas coisas que precisava saber atrás e foram muitos outros, fazia pequenininhas como se fosse cartão postal. É... Mas ele foi muito, hã... uma pessoa muito simpática. Me levou pro .... hã ... me lembro que uma vez ele me levou ao elevador e lembro que ele falou: É, você fala que não, mas você é cigana sim! E aí eu lembrei que naquela época eu tinha o cabelo muito comprido, ia sempre de Havaianas e tal, de saia, assim, e às vezes você via bandos de ciganos, naquela época você via nos interiores do Nordeste e até no sertão. Assim, de repente, você via um bando de ciganos. Falavam na língua, a gente não compreendia, aí. P: Rosa te reconhecia mesmo como uma cigana? MB: Reconhecia, porque eu parecia mesmo, assim! P.: Bom, posso fazer algumas perguntas sobre as fotos? MB: Pode, sim, sim. P.: Tenho até um autógrafo seu aqui! MB: É pra você? P.: É sim, foi lá em Campinas. MB: Que interessante! Você estava naquele dia quando eu fui? P.: É! Naquele teatro... MB.: Que estava Claudia (Andujar)? Olha, que interessante! P.: Sim, eu estava lá! MB: Muito interessante isso! Ah, sim! Bom, vamos ver. (Abre o livro.) Qual que você...? Bom, você vai passando... P.: Tá! É, uma coisa que eu percebo muito é que a senhora costuma tirar foto de um nível inferior... MB.: Ah, de baixo pra cima? P.: De baixo pra cima. MB: Que curioso, porque isso o (Yasujiro) Ozo que fazia isso, o japonês de cinema, mas eu nunca percebi isso. P.: É? MB.: É. P.: Eu costumo identificar bastante... MB: Que curioso! P.: Olha, aqui (Anexo A) é um olhar inferior...

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MB: Que curioso! P.: Aqui (Anexo B), em que a personagem, aparentemente, está sentada. A senhora está no mesmo nível. Dificilmente, a senhora, é.... MB: Ahhh é! P.: De cima... MB: Primeiro eu acho que é uma razão simples, que é a deformação de cima para baixo é muito séria, com um cavalo, então, com o cavalo você tem que estar no meio mesmo. P.: Sim. MB.: É...é...o que também, é claro, que...o que caracteriza muito as fotos é que eu uso muito uma luz lateral, uma luz lateral, não. P.: Mas era um flash? MB: Nunca, não! Não! São... janelas, portas, ... P.: Entendo. MB: É, esse (Anexo C) foi no primeiro raiar o sol. P.: Essa foto é linda. MB: É, porque é de uma simplicidade muito grande... Agora, chamam esse negócio de olhar bizantino, não? E ela tem isso. Parece um desses ícones antes do renascimento. Não? É... é... porque...tem aquela divindade do simples, de não.... É muito difícil você fazer esse tipo de foto na cidade, com pessoas urbanas, muito difícil. Porque a gente se preocupa muito... no mais no menos, e por isso, talvez, pelo menos central. Realmente! A Nhorinhá (Anexo B). P.: Era a Nhorinhá? MB.: Não. O único realmente... P.: Era o Manuelzão? MB: Foi este. (Aponta no livro o Anexo C.) P.: Entendi. MB.: Foi este. E provavelmente este (Anexo C) e este também (Anexo D). Porque isto foi em Andrequicé. Eu acho que ele foi...eu não sei. Ah, este é o Zito, Zico, Zito. Este é com quem ele (Rosa) viajou. É... P.: Ah, o da capa? MB.: O da capa. Mas eu penso, que pode até ser essa mesma pessoa (Anexo A). P.: Uma coisa que eu acho interessante é que não necessariamente os trechos são do mesmo lugar no livro...

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MB: Ah, não, não são mesmo! P.: Tem momento em que a senhora combina trechos de lugares diferentes... MB: Ahhh bom, é, é curioso. Seria absolutamente, provavelmente, uma coisa que poderia ser altamente recriminada (risos). Mas eu explico, olha, uma coisa interessante. A segunda edição de Luz e Trevas (Sertão: Luz & Trevas), do Euclides (da Cunha), eu fiz uma coisa que eu não fiz aqui, mas foi, foi bom. Porque tem um grupo de pessoas, eu não sei agora... os Euclidianos. E eles são ..., com toda razão, veneram as palavras de Euclides. Digamos, a obra, sobretudo, dos Sertões do Euclides (da Cunha). Eu fazia isso, mas hã, hoje se faz tudo assim, hã... Mas eu fiz xerox das páginas, hã..., sublinhando exatamente de onde que eu queria tirar. Isso foi bom, apreciaram muito. E eu penso que talvez, se não tivesse feito, talvez iriam me crucificar, não é? Mas... é, é, é... às vezes faço assim. Agora, não é que seja... Eu acho que, se não me engano, que esse (trecho) deve estar na mesma página. (Anexo E). É toda minha época, e quanto eu... são os três pontos. É uma tendência curiosa. Você vê agora o perfeito como a imediacia (imediatez) que você, com uma frase do Guimarães (Rosa) você não precisa. Hã, você tem uma página, ora de quantos por quantos, são quatro linhas, não? Então assim: “Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.” Esse encantamento que eu digo que muitas vezes ele toca o amor físico, uma vez toca o encantamento, do ar, quase, sabe? Então, é... mas, é...extraordinário. Tem certos escritores que têm essa, essa maneira de escrever prosa como um roteiro que a gente se interessa, inclusive se surpreende pelo que acontece. Mas você pode destacar aqui, não? É... muito interessante isso. Agora, é curioso. Quando eu selecionei o do Euclides (da Cunha), hã, esse é mais, obviamente, digamos, está ali, para quem olha, para quem quer, tira. Mas com o do Euclides (da Cunha) o que eu achei foi interessante que selecionei primeiro só da Terra e o Homem e tem momentos em que fica assim, hã, de uma, de uma, uma, ... uma prosa exaltada. Eu gostei muito e eu tive várias conversas com um ou outro Euclidiano, que eu... Porque muitas vezes Euclides (da Cunha) é lembrado pela última parte, que é, naturalmente, a descrição de uma batalha, de uma guerra. Mas quase... Claro: você tem as partes características sobre os vaqueiros – muito conhecida – mas a parte, a terra, é o mais extraordinário se você destaca da parte geológica, digamos, destaca. Ele poderia estar falando de... de uma ópera, digamos assim, então isso é curioso. Quando você trabalha com o texto de outro, você percebe muito bem as diferenças entre um e outro, não é? Você vê isso (Anexo F) É a luz que eu digo lateral. Todas são um pouco. É... Esse (Anexo G) de novo, é... o silêncio. Isso, é...é, realmente, é tão lá... É tão... Você escuta, de vez em quando. Você escutava o barulho dos sinos, das igrejas e das vacas também, não? Inclusive, sabe? Mas, há esse silêncio, essas horas que vão. Você vê, eu, eu... tendo a... sequenciar com vigor, não? Digamos, que tem gente que não faz isso e que sai coisas muito boas, mas eu... P.: Nessa anterior (Anexo H), É, é um pouco sombrio, não é? As imagens... MB: Sim, sim...porque nela, nesse mundo expressivo, você tem poços de pobreza, não é? Aqui, aqui o Euclides (da Cunha) vai entrar. Mas, são certos contrapontos que você vai enfatizando. P.: Tem alguns momentos em que não se consegue nem identificar se é uma mulher ou se é um homem... MB: É...

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P.: Até pensando um pouco na narrativa, não é? MB: Ahhh, é! Dos famosos... P.: Mas não é intencional? MB: Não, não! Não, era hã. Aqui você sente a força (Anexo H). Você já sente uma pessoa que já viveu muito na natureza, não? E que a comida é um pouquinho da essência, não? É, e essa (Anexo I) bom, essas são essas fotos que são sorte. Outras não, essa aqui não é sorte (Anexo J). Essa daqui (Anexo I) são sortes que, está, tem que estar atenta. Mas no momento, não? P.: Outros elementos que eu identifiquei bastante são as verticalidades. É, a cruz, na primeira imagem (Anexo A), em que um homem está ao lado... MB: É... P.: Aqui a porta (Anexo I), tem bastante elemento... MB.: É, eu acho que tem muito mais, as fotos são muitos mais verticais, do que horizontais, até agora todas. P.: É... e isso é pra se aproximar de um retrato? Não? MB.: É, eu acho que quando você trabalha com... gente, tende a verticalizar, a não ser uma cena. Agora, este aqui é dos raros (Anexo K) que foi feito 6x6, na Rolleiflex. É, então, dizer a verdade das verdades, isso não é tanto da área porque eu acho que essas fotos tem muito santo. Mas me parecia tão, assim, de essa, como chamava, medos, misérios, rendas pretas, defunteiras. Isso é, é o que é. Você anda lá, e você anda e você sente um pequeno barulho, dos milhos, dos pastos, dos... É... essa pessoa (Anexo L), se não me engano, é esta pessoa aqui (Anexo M) [Ela relaciona o homem presente nas duas imagens]. É... e essas (Anexos N e O) você vê aqui, hã, a influên...é raro lá, mas você vê aqui a influência indígena. P.: É raro, não tem muito? MB: Eu acho que não é tão visível. Não... Não é tão visível... Isso também é mais indo para, não é área dele, é indo para a Januária. Porque eu ia sempre, seguia pra cima também, verticalmente, aliás, como o Rio Francisco faz, que ele não faz assim, ele faz assim (demonstra com gestos o caminho do São Francisco). É... você vê, quando não se trata de gente aí eu abro o campo (Anexo P)... P.: Mas é engraçado que ainda assim há elementos verticais, não é? MB: Também! É, é... P.: A cruz, na verdade. MB: Interessante. P.: E a luz lá, como é para fotografar? MB: Essa aqui, essa aqui foi fantástica (Anexo Q). Porque essa aqui foi a viagem que eu fiz para fazer as, ... É... estas mulheres (Anexo R). Porque esse era... esse aqui, para chegar, chamava Serra das Araras, perto de, perto de... Montes Claros. Essa aqui era fantástica,

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porque abria. Era num pequeno arraial que abria uma vez por ano, e alí as pessoas vinham de longe, a cavalo, geralmente a cavalo ou então nos caminhões. Me lembro porque a gente tava com uma amiga, minha amiga – uma das poucas vezes que eu viajei com alguém, uma loucura – Porque era todo chão de terra, mas a gente estava sentada em cima de, como chama, de... panelas, de... ferro. Cada panela tinha três pezinhos, você imagina sentar em cima disso, então essa foi a primeira... Quando chegamos, perguntaram: o que vieram fazer aqui? Então essa foi na primeira luz da manhã (Anexo Q), como também aquele da cruz (Anexo P), como também o... Manuelzão (Anexo C). P.: Mas tinha alguma preocupação específica com essa luz? Era igual fotografar na cidade, por exemplo, ou não? Essa luz reage diferente no filme, ou não? MB: Não é que essa luz reage diferente, não. Mas claro é, primeiro, você tem uma cena, que está...hã, limpa. Digamos que você já não tem milhares de experiências que, primeiro são interferências que depois te escondem da luz. Aqui, no máximo você tem uma vaca que passa e corta, não?... Mas era uma luz boa, muito boa. Talvez se não tivesse tido essa luz, talvez eu não ia me apressar e fazer a foto. Certas coisas são sorte, por exemplo, o levantar da perna (Anexo Q), a luz que, justo aqui, poderia estar um pouco mais baixo e daí você não veria, mas mais em cima, isso iria me cegar, ia ficar claro. Eu acho que você, claro, você..., como eu me formei, não em técnica, mas em Artes Plásticas, como se chama? Então você tem como apoio o enquadramento e onde você, rapidamente, você se localiza. Entende essa foto? É... Fotos totalmente simples (Anexo S), mas a casa que fala. Você percebe o tempo, você vê que é feita, como se chama? De taipa, não? P.: Aqui mais uma vez o olhar de baixo. MB: É, o olhar... eu acho que tem, talvez, uma certa coisa elevatória. Porque eu sempre menciono, menciono muito esse negócio da dignidade. Recebi, acabei de receber, faz quatro dias, pelo e-mail, de um escritor mexicano, que tinha ficado muito, hã, ele ficou, muito envolvido com as fotos, então ele disse que ficou muito atraído. Ele disse: vou fazer uma pergunta mesmo capciosa: O que que me fez ficar dentro de um encantamento mesmo ligado a uma essencialidade de vida muito precária? Então alguém, um outro dia. Isso, são certas coisas que surpreendem, e isso eu li e pensei: Nossa, que interessante! Alguém, sul- americano, que falou assim: É, as suas fotos são de uma fisicalidade muito grande. Bom! E eu fiquei, assim, surpresa. Aí, vez ou outra, quando eu vejo uma coisa muito interessante. Eu fiz o livro do Xingu, eu não sei, talvez você tenha visto. P.: Eu vi! MB.: Mas agora a gente está fazendo um segundo. Bom, primeiro, hã, o curioso, quando me falaram, hã, o Samuel, do Instituto (Moreira Salles) falou “vamos fazer um livro”, falei “não, isso vai ser deja vu, isso já não dá... Eles, foram, aquela coisa, insistiram, aí eu vim, descobri um lado que nunca eu tinha visto nas minhas coisas, e aí, então, alguém escreveu alguma coisa e fez uma frase que eu, primeiro, eu fiquei assim pensando... Então, eu pensei assim, fazer uma menção às coisas maravilhosas da , dos Ianomâmis. Então, ele falava assim: enquanto a Claudia trabalhava com a essência da alma, do interno, eu trabalhava com o corpo e o ser, o homem plantado no mundo. Aí eu fiquei pensando comigo mesmo, “Ah, será que sou eu e é ela que têm a tendência?” Mas depois aí pensei: Não, de fato, os Ianomâmis são índios da, da floresta. São pequenos, você vê eles geralmente são mais orientais. Os xinguanos, o Orlando Villas Boas sempre dizia, o homem do Xingu, do Alto Xingu, é o humano. Não é? Ele sempre dizia assim, por causa das ocas circulares não? É as

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ocas são também ovais, em curva. Ele dizia assim que o homem xinguano anda, assim, como um, como assim, uma coisa de imperador. Sabe? Então, é uma coisa muito física. Tem páginas, tudo isso, tem os textos, tem tudo isso. Mas há uma diferença de uma fisicalidade em um e uma coisa mais interna, como se fosse, hã, como se fosse, hum, como se fosse, de certa maneira encenado dentro da selva. Mas, enfim, aqui, bom aqui (Anexo U), sim, movimento. P.: Aqui... MB: Ah, bom, aqui, é, não, é... Talvez eu não teria feito hoje em dia isso, mas fiz. É... Essa (Anexo V). Nossa! É o contraponto daquela do início. Essas são fotos que nunca usei dentro da exposição (sequência do livro até o próximo anexo). Ah, essas fotos (Anexos X e Y) são curiosos porque são fotos menos estudadas, mas me lembram aquele famoso pintor.... do, como ele se chamava, do caberto, com a... Ele estava trabalhando madeira, você não sabe? Ele é quase o símbolo da pintura clássica brasileira. (Seria ? Pergunta formulada a posteriori e não enunciada) Ah, sim! Porque essas pessoas já não é sublimado, ele é assim. Não é? Parecendo quase parte da raiz. Essa pessoa (Anexo X), quase certamente, jamais saiu daquele quadrilátero da sua terra, essa também (Anexo Y). Ah sim, essas fotos. Bom, essa é a única foto que, realmente, essa particularmente (ANEXO Z), eu subi, estava com um Jipe aí, é, aí eu subi. Porque se não você não pegaria assim, não. P.: É, nesta (Anexo AA) eu fiquei pensando: “Onde será que ela estava?” MB: Ah, sim! Há inclusive, tem uma parte do Jipe que se mostra aqui, mas cortei. Mas é... Eu acho que essas fotos é feliz. Porque... É difícil. Muito! Assim, definida as formas no primeiro plano e esse esfumaç... mais esfumaçado, mas, em foco também. É, eles fazem um contraste. Bom, essa (Anexo X) foi tirada cinco minutos depois, sim? Era a época em que... porque, um vaqueiro hoje é uma profissão que se perde, não? Mas quando eu estava lá, hã, ainda, hã, ... esta, é. Essa luz é o oposto do dia (Anexo BB), hã, daquela hã, passagem do rio (Anexo Q). Essa é a mesma luz, quando, quando sol está no fim do dia, não? Então, como, “a limpo de lua... dia da lua”, aqui eu faço um pouco esses três pontos. Isso sim, porque, como ninguém nunca destacou nem nada, porque me parece, às vezes fica bonito se você vai criando uma síntese como se fosse uma estrofe, não? Porque, obviamente, quando a pessoa vai escrevendo, se escreve tudo aqui vai ficar, ninguém vai compreender nada. Mas por um pedacinho fica quase uma canção. Aliás, canção. Não, cantiga, essa da passagem do rio. É um canto Urucuia. Sabe qual? P.: Sei... MB: É... E isso (Anexo CC) aqui é no fim do dia. Ah, esse são os padrinhos. Na exposição eu faço ela inteira. Porque essa foto aqui (Anexo DD) eu fiz vertical, mas ela é, é na verdade ela é um grande grupo de gente. P.: Entendo... MB: Os padrinhos e tal... E ficou bonito assim. Grande dá pra ver ele se abraçando e tal. Bom, isso, naturalmente. Uma das fotos que eu gosto muito é essa aqui (Anexo EE). P.: Por quê? MB.: Ah, eu gosto enormemente! Ah, porque tem uma, como um ícone. Tem essa, pac. Tem uma quase igual, mas tem, hã, desculpe, você vê como eu sempre fiz isso com as coisas. 51

Aquela questão na exposição, que eu acho que é uma que olha para o lado, atrás tem uma pessoa olhando, por entre esses sapês, que eu não tinha nem... Percebi depois de a ampliação ser feita. Não é? Engraçado, não? É claro que isso foi um momento que fantást... Você vê que fazer isso em cor, tira a dramaticidade. Ah, essa foto eu gosto muito (Anexo FF). P.: Eu também. MB: Aqui tem uma coisa assim virginal, não? É, essa é uma outra maneira de fotografar, já..., mas assim, são poucas, porque ele acaba já com as próprias. Você vê aqui já: “Olhe, / muito além, /vi lugares de terra queimada / e chão que dá som – um estranho.” Esse é interessante, o estranho. Ponto. “Mundo esquisito!”. Aí acaba. P.: E isso aqui? MB: Eu acho que foi um erro, porque teria que ser assim (invertido), né? Sim, eu acho que foi um erro. P.: É? Não foi proposital? MB: Não, não, foi um erro. Mas hã...Ah, bom! Esse fica (ANEXO HH), é uma coisa que deu muito problema para o Velho Chico, para o Rio São Francisco, porque isso é carvão de lenha. Na Belgo-Mineira, você vê, então, como acontece isso? Usa a vegetação de perto do rio, fica a, como se fala em português? Fica assoreado, o rio. Fica a base do rio, fica alta, não? ... Esta aqui (Anexo II) é como se fosse a casa de Guimarães, só que aquela casa que dizem que pertence a Guimarães, eu acho que é a casa ao lado. Como também, a casa de Machado de Assis em Cosme Velho também eu acho que era ao lado. Mas são idênticas. Essa menina estava lá, eu fiz. P.: Esta é em Cordisburgo então? MB: Esta é em Cordisburgo. E esta (Anexo JJ) é em Lassance. Isso você vai seguindo, esta foi em Lassance. E está... Parece um seio, não? (Anexo JJ). P.: Parece sim. E o termo equivalências fotográficas, Maureen? O termo que a senhora usa no livro do Instituto Moreira Salles... MB: Ahh, eu chamo disso. Eu chamo disso. O Stiglitz, para ele as equivalências eram literalmente as nuvens, não? P.: As nuvens? MB: É. Você tem fotos do Stiglitz, que é um grande fotógrafo daquelas épocas, dos Estados Unidos, que provocou muita fotografia. E... mas ele fazia... É, ele era casado com - há muito tempo - com a Georgia O'Keefe. Ele fazia muitas nuvens, mas para mim são equivalências, porque eu sempre digo assim, não cabe dizer ilustrações, porque são justamente o que não são. Porque ilustrações seria o qual? Aqui você está a história, então você vai, acata, o que eu não tenho nada, conta, mas é outro processo. E é uma ilustração que se fazia muitas vezes. Aliás, que coisa louca! E eu me lembro, de uma ilustradora de livros muito fina, mas eu falei pra ela, como era muito difícil ver livros de criança hoje em dia. Porque na minha infância, digamos, juventude, muito jovem. Tinha coisas extraordinárias, e nunca caricaturescas. E, por exemplo, Alice no País das Maravilhas. Bom, eu posso ler Alice só com as ilustrações do (John) Tenniel. Mas para mim Alice é isso. então ilustração é uma arte maravilhosa, mas justamente eu não faço, então chamo de equivalências fotográficas. Um pouco... Um pouco não, é a palavra e a imagem. Então, essa junção. 52

P.: Então a equivalência seriam as duas juntas? MB: É... P.: A senhora acredita que a imagem sozinha tem o mesmo... MB: Também! Ele, ele... Quando, quando... Como digo? Quando vinga, então ele tem esse espírito de equivalências. Ele tem como se tudo... Como se “aragem do sagrado tudo cabe”, como ele dizia assim, não? Então esse negócio, é... Mas eu tenho tido companheiros extraordinários para as minhas viagens e eu sempre ia sozinha com os autores e que autores, não? Porque Guimarães (Rosa), Euclides (da Cunha), João Cabral (de Mello Neto), Adélia Prado, que também é uma pessoa magnífica. É até esse negócio do sagrado e profano. Ela era um pouco como essas grande santas: Santa Tereza d’Ávila, Soror Inês de la Cruz, no começo. Mas sei que eles têm esse misto de elevação espiritual e paixão. Então essas pessoas, por exemplo, que eu acho interessante. Pessoas que se ofendem, às vezes, como está se falando muito de Drummond, por causa de uma série de coisas, que tem essa paixão do escondido, não, nele? Então essas paixões eu acho muito interessante, não? Porque já não é só, é também. MB: Você acha que deu certo? P.: Só mais uma dúvida. E o filme depois? Como foi feito? MB: Você tem esse filme? P.: Tenho. MB: Bom, esse filme, o que que acontece. É o filme de uma certa época. Ah, esse eu fiz com um grande amigo que foi o... Quem pediu, quem teve a ideia desse filme foi o Roberto Santos, que tinha feito o Matraga (A hora e a vez de Augusto Matraga) e o Rudá (de Andrade), que era da USP, e com Marcelo (Tassara), mas o que que acontece? Naquela época ele chama Table Top, mas era praticamente a gente, eles mexiam na máquina para..., praticamente como um cabide, sabe? Então, é, é, era tudo menos a automa... a facilidade que você teria hoje, entende? Mas foi feito como... inclusive eu tenho... eu tenho até o roteirozinho que fiz com todas as fotos pequenininhas. Hã, postas assim, dando um roteiro. P.: É... O que eu acho interessante, na verdade, é porque teve algumas alterações de trechos. Tem trechos que a senhora combina aqui com uma fotografia e no filme acabam sendo com outra. MB: É... P.: Isso foi uma mudança no roteiro mesmo? MB: Eu nem me lembro... Eu acho também..., eu era, naquela época, muito crua nesse negócio de edição. Depois a gente tinha um editor, e ele fazia assim “tá, tá, tá, tá, tá” (simulando cortes) e falava, dizia assim “mas não é...”, mas era muito... nunca tinha feito antes muita coisa, não? Acho que tinha feito... Depois eu fiz um filme que chamava Yaô, aquele filme que sai (sobre) da camarinha, mais isso foi em 1976. É... Não me lembro como foi exatamente. Mas o que foi interessante é que o Roberto (Santos), ele convidou um pequeno grupo de música que eu gosto. E eu gosto das partes na qual a técnica é menos visível porque a técnica...sabe? Porque foi feito, quando? Em 66? O processo foi bem próximo do livro.

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7.2 Anexo dos itens do livro A João Guimarães Rosa referenciados ao longo da entrevista

ANEXO A

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 4

ANEXO B

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 7

ANEXO C

54

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 8

ANEXO D

Fonte: BISILLIAT, 1969, capa.

ANEXO E

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Nasci aqui. Meu pai me deu minha sina. Vivo, jagunceio...” [ROSA, 2006, p. 221] Tudo em mim, minha coragem: minha pessoa, a sombra de meu corpo no chão, meu vulto. O que eu pensei forte, as mil vêzes: que eu queria que se vencesse; e queria quieto: feito uma árvore de toda altura! [ROSA, 2006, p. 556]

(ROSA apud BISILLIAT, 1969, p. 9)

ANEXO F

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 12

ANEXO G 56

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 24

ANEXO H

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 15

ANEXO I

57

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 33

ANEXO J

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 17

58

ANEXO K

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 19

ANEXO L

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 22

ANEXO M

59

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 11

ANEXO N

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 23

ANEXO O

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 23

ANEXO P

60

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 26

ANEXO Q

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 29

ANEXO R

61

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 49

ANEXO S

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 30

ANEXO T

62

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 31

ANEXO U

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 33

63

ANEXO V

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 34

ANEXO X

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 37

ANEXO Y

64

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 36

ANEXO Z

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 38

65

ANEXO AA

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 39

ANEXO BB

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 42

ANEXO CC

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 45

ANEXO DD

66

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 47

ANEXO EE

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 49

ANEXO FF

67

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 53

ANEXO GG

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 58 e 59

ANEXO HH

68

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 60

ANEXO II

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 61

ANEXO JJ

69

Fonte: BISILLIAT, 1969, p. 63

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