ESTAÇÕES DE METRÔ | MOSCOU, RÚSSIA | 1927-1952 | VÁRIOS AUTORES

FIGURA 1 As primeiras linhas do metrô de Moscou foram constru- Mapa de Moscou que mos- ídas nas décadas de 1930 e 1940 quando, com o envolvi- tra as primeiras linhas de metrô e algumas de suas mento direto de , constituíram o principal estações, assim como sua projeto nacional do Estado Soviético. Em suas estações, inserção na cidade. um grupo de profissionais ligados ao governo buscou projetar e materializar a imagem de uma nação poten- Estação Teatralnaya 1 te e um Estado central grandioso, valendo-se para tal de uma arquitetura figurativa e ricamente decorada. Estação 2 Mayakovskaya A opção por uma certa arquitetura pública oficial, mo- Estação Dynamo 3 numental e ornamentada, emerge num momento em que ocorre uma inflexão da predileção estética oficial Estação 4 Komsomolskaya da União Soviética. Se na década de 1920 desenvolve- -se uma rica e explosiva atividade de vanguarda, com Primeira linha a ascensão de Stalin se realizará uma arquitetura aca- Segunda linha demicista que valoriza as imagens tradicionais de con- Rio Moscou solidação nacional, entendida como mais adequada às aspirações políticas do Estado. Ao mesmo tempo, o an- seio por obras que comunicassem às massas os valores revolucionários – já que o abstracionismo vanguardista era rejeitado como ininteligível – encontrará na conti- nuidade estilística do academicismo, em suas formas conhecidas e legíveis, um caminho possível. Dessa for- ma, a decoração de edifícios com pinturas, esculturas e relevos que servem ao engrandecimento do Estado e à louvação de seus heróis são recursos amplamente em- pregados nas estações de metrô de Moscou, revelando substanciais tentativas de construção de uma nação.

O plano geral adotado para as estações (1931) prevê que cada uma deveria associar-se a uma temática específi- Nos países capitalistas, os metrôs são simples, uniformes e austeros. Nosso país socialista pode dar ca, de modo que o usuário reconhecesse sua localização à sua população um transporte mais confortável, mesmo que o seja mais oneroso, de modo a levantar na cidade. Buscando conferir um ambiente excepcio- sua autoestima, sua sensibilidade e sua apreensão artística.[...]. Portanto, nós construímos um nal, compõem instalações subterrâneas que se fecha- metrô onde o trabalhador pode sentir-se em um palácio. E mesmo estes palácios são todos diferentes. vam em si e que ilustram, através de imagens carrega- Lazar M. Kaganovich, 1935 das de sentido, temas específicos do cotidiano soviético. FIGURA 2 FIGURA 4 À esquerda: Eatação Tea- À direita:Estação Mayako- tralnaya, corredor central, vskaya, corredor central, nível das plataformas. nível das plataformas.

FIGURA 3 FIGURA 5 Danko, SSSR, mulher e Deineka, Mosaicos 33 homam uzbeques, Estação e 2 da série da Estação Teatralnaya, 1938. Mayakovskaya, 1938.

TEATRALNAYA (1927) MAYAKOVSKAYA (1936-1938) Apesar do desenho de Ivan Fomin1 e Leonid Poliakov Nos desenhos de Alexey Dushkin3, os arcos permitem eli- estabelecer que a Estação Teatralnaya serviria como um minar as massivas paredes, conferindo um imenso hall, foyer para os teatros da praça Sverdlov, a associação te- no qual uma sucessão de abóbadas perfuradas por aber- mática fica a cargo de Natalia Danko2, que compõe uma turas iluminadas na borda e que culminam em cúpulas série de baixos-relevos em porcelana esmaltada. A asso- 1. Figuras da arquitetura 3. A substituição de literalmente projeta o céu no teto da arquitetura, disfar- pré-revolucionária, como Samuil M. Kravets em ciação do ouro ao mármore confere um ambiente quen- Ivan Fomin, defendem a 1936 por Dushkin foi uma çando a profundidade do metrô. O uso do aço inoxidável te e luxuoso, ao qual se somavam luminárias de bronze. concepção do classicismo decisão conveniente, dado (mais importante material no desenvolvimento aéreo) como um sistema válido seu envolvimento com a Evocando a tradição na representação etnográfica das e universal, baseado na primeira linha do metrô, nas colunas, que reflete a luz natural e artificial pela su- artes decorativas russas, a temática das pessoas em com- seleção e modificação das como projetista da estação perfície, cria uma atmosfera de svetlost (resplendor), po- ordens clássicas, como do Palácio dos Sovietes, posições festivas afirma um cenário livre e de expressão verificado no “Dórico emblemática pelo jogo de tencializada pelos mosaicos que decoram o teto da estru- artística. O florescimento cultural dos povos era uma das vermelho” ou no “estilo luzes e pelo discurso do tura. Elaborados por Alexander Deineka, 35 mosaicos maiores garantias da Constituição de 1936, que repudia- clássico operário”. “palácio para as pessoas”. com o tema do voo evidenciam a força tecnológica sovié- ria as políticas russificadoras do período imperial. As 2. Natalia Danko era uma 4. Tal convergência que tica e as relações entre civis e militares. A união entre ar- “brigadas de arte”, nas quais vários profissionais traba- figura proeminente da Fá- integra formal e tematica- quitetura e decoração tentam expressar a experiência da brica de Porcelana Estatal mente visa a defender um 4 lhavam para uma só obra, evidenciam uma das caracte- Lomonosov, onde fizera dos princípios do Realismo elevação espacial , cujo motivo da aviação poderia pas- rísticas do Realismo Socialista: o edifício representando uma carreira produzindo Socialista: a Síntese das sar tranquilidade aos transeuntes e confiança na capa- estatuetas que retratavam Artes em temáticas social- uma voz coletiva, ao invés de uma intenção individual. o cotidiano soviético. mente engajadas. cidade e poderio de Stalin, na iminência de uma guerra. FIGURA 9 À direita: representação de Dmitry Donskoy, 1359- 1389, depois da batalha de Kulikovo; e na Praça Vermelha, que substitui uma imagem do Exército Vermelho.

FIGURA 10 FIGURA 6 Abaixo: Estação Komso- À esquerda: exterior da molskaya, corredor cen- Estação Dynamo, facha- tral, nível da plataforma. das frontal e posterior.

FIGURA 7 Acima: Likhtenberg e Revkovskii, detalhe dos nichos no corredor central no nível das plataformas. DYNAMO (1938) A Estação Dynamo serve ao maior complexo de espor- tes de Moscou. O projeto de Dmitrii Chechulin5 revela um exterior monumental que precede vestíbulos sus- tentados por colunas coríntias modificadas, e cujo hall principal era abarcado por um grande domo de vidro. O nível da plataforma, concebido por Likhtenberg e FIGURA 8 KOMSOMOLSKAYA (1952) Revkovskii, segue o plano geral de estações profundas: Ianson-Manizer, baixos-re- Projeto de Alexey Shchusev, Alexey Dushkin e Vladimir levos representando o três salões abobadados e paralelos separados por paredes tênis e o futebol. Gelfreich, a Estação Komsomolskaya é uma das últimas sólidas de mármore. As nuances e tons de coloração, as- construídas sobre as premissas culturais do stalinismo. sim como a variedade de materiais é enfatizada pela luz. Atendendo a um dos locais mais movimentados de Mos- cou, sua vasta escala abarca um interior que fora conce- Nichos ao longo do hall central acomodam baixos-relevos bido como o “Hall da Vitória”, onde colunas e escadarias da escultora Elena Ianson-Manizer que, favorecidos pelo definem longas perspectivas. No hall, mosaicos represen- contraste, dão a impressão de movimento. O motivo do tam figuras-chave na história soviética6, dos personagens atleta retrata, através de um corpo generalizado e ideali- literários aos generais, recordando a arte antiga russa, zado, uma realidade social com gestos físicos teatraliza- 5. Estudando exemplos da pelas suas formas e cores, através de efeitos de brilho, arquitetura clássica e de- 6. O tema da história dos, no qual cada figura individual compõe um coletivo, senvolvendo um repertório russa pela independência com pedras e painéis dourados. O interior combina os ele- o ideal do trabalhador. As formas clássicas recorrentes, de linguagem, Chechulin e liberdade é expressa em mentos medievais com ornamentos barrocos e neoclássi- evoca formas seletas que oito grandes mosaicos no desenho do templo grego, ou no símbolo constituí- servissem aos aspectos no teto da estação. Pavel cos, uma extrema e elaborada mistura de estilos históri- do do corpo, tentam expor os valores humanísticos do funcionais, refletindo uma Korin retrata grandes ba- cos. Komsomolskaya resume o grandioso e ornado estilo relação mundana com a talhas e seus personagens, sistema, fundindo o “extraordinário” ao “ordinário”. herança cultural. de 1242 a 1945. stalinista, predominante no design de metrôs até 1955. | MARIANA YOSHIMURA | VITOR SHIMODA |

ALEXEY VIKTOROVICH SHCHUSEV em (1927-1947). Com a morte de Lênin, em 1924, fica a seu encargo o projeto do mausoléu na Praça Verme- Alexey Viktorovich Shchusev (Kishinev, 1873 – Moscou, lha no interior da qual é depositado o corpo do líder. Essa 1949) foi um aclamado arquiteto russo e soviético, cujo construção determina uma ampla celebração de Shchu- conjunto da obra se estende da Rússia Imperial à União sev entre as autoridades soviéticas e, na década de 1930, Soviética sob Stalin. Sua trajetória profissional e suas o arquiteto se vinculará às novas práticas e políticas da obras, de certo modo, evidenciam as proposições de gru- arquitetura soviética, agora sob Stalin. A curta atividade pos em disputa na Rússia do final do século XIX até da vanguarda aparece como uma espécie de interlúdio. meados do XX, bem como põe à mostra a capacidade desta figura em transitar por essas disputas, responden- Shchusev acompanha, portanto, a passagem dessa ar- FIGURA 14. Alexey do a momentos diversos e diferentes potenciais clientes. Viktorovich Shchusev. quitetura vanguardista para o academicismo: adota 1873-1949. a monumentalidade e a decoração figurativa, modi- Shchusev gradua-se na Academia Imperial de Artes fica as ênfases na busca de uma arquitetura pública (1891-1897) de São Petersburgo, na qual é educado so- oficial – socialista no conteúdo e nacional na forma. bre História da Arquitetura e crítica estética. É um Deste período é seu projeto para o Instituto Financei- diligente estudioso da arquitetura tradicional russa e, ro Marx-Engels-Lênin-Stálin em , que recupe- no período pré-revolucionário, suas principais obras ra em sua fachada enormes colunas coríntias, e para a voltam-se para a restauração e construção de igrejas li- estação de metrô Komsomolskaya, uma de suas últi- gadas à arquitetura revivalista russa. É nesse momen- FIGURA 11 mas obras, modelada empregando-se recursos alusivos À esquerda: Ministério da to também, já como um profissional aclamado, que Agricultura (Narkomzem), à grandiosidade do Estado Soviético. O academicis- o arquiteto se engaja no projeto da Estação de Trem Moscou. 1928-1933. mo aparece em um contexto no qual se buscavam ele-

Kazan (Moscou), terminal da ferrovia Transiberiana, FIGURA 12 mentos simbólicos e tradições reconhecíveis ao povo, e experimenta brevemente a arquitetura neoclássica. Ao centro: Mausoléu de Lenin, uma vez que a linguagem abstrata das vanguardas na Praça Vermelha, Moscou. Na década de 1920, com a explosão da atividade de van- 1953-1961. era tida como distante e ininteligível aos populares. guarda, Shchusev volta-se ao Construtivismo, quando Perpassa a trajetória de Shchusev, assim, um em- passa a lecionar na Escola e projeta edifícios FIGURA 13 bate que, mais que discussão de estilo arquitetôni- À direita: Instituto Marx-En- como o Narkozem (1928-1933) e o Instituto de Resorts gels- Lenin, Tibilisi. 1938. co, é um indicativo da vida social e política do perío- do - tensionada entre tradicionalismo e modernismo, entre o progresso do novo e a manutenção do antigo.

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