ROSA MAGALHÃES NO CARNAVAL CARIOCA E NA ESCOLA DE BELAS ARTES: A OBRA E A ARTE DE UMA CARNAVALESCA

* Profª. Adjunto EBA/ Cristina Grafanassi Tranjan, Dsc.* UFRJ. Coordenadora de Aurélio Antônio Mendes Nogueira, Dsc.** Graduação do CLA/UFRJ ** Prof. Adjunto EBA/ UFRJ

ABSTRACT

Rosa Magalhães is one of the most established producers in . She has graduated from Painting in Escola de Belas Artes - UFRJ, and when she was still a student, carnival producer Fernando Pamplona invited her to become part of his staff. This article aims to narrate her path as a producer and teacher at Escola de Belas Artes.

Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de J an eiro 11 1 . O início do Carnaval carioca O desceu os morros, invadiu ruas e avenidas, crescendo em importân-

1 Apud. Magalhães, aís de grande diversidade cia e "tornando-se a maior manifestação 1977, p. 5 étnica quer por suas de arte popular no Brasil, conquistando dimensões continentais, todo o país e o mundo".2 2 Pamplona, op. cit. P quer pela ótima acolhida que sempre deu Nas décadas de 40 e 50, na aos imigrantes, o Brasil tem uma grande formação das Escolas, foram introduzidos mistura de costumes e raças. O Carnaval os quesitos Enredo, Alegorias e Fantasias, carioca é um reflexo dessa miscigenação, diferenciando-as dos Ranchos, das refletindo os costumes da cidade. Grandes Sociedades e dos Blocos. Até No início do século XX, diversas então a figura do que hoje se conhece associações recreativas foram criadas, como carnavalesco era conhecida como baseadas num ritmo musical que começa- "Técnico". va a despontar, o Samba. Segundo A então Escola Nacional de Belas Pamplona1 , o samba era "uma criação Artes, na primeira metade do século XX, musical característica, específica da contribuiu com diversos profissionais de cidade, e que passou a ser predominante seu quadro para trabalhar na festa de na aceitação popular". Para expressar carnaval, em princípio como técnicos, e esse ritmo, começaram a surgir as Escolas como jurados dos desfiles. de Samba, formadas no âmbito dos A partir do final dos anos 50, a bairros, ou morros, e que eram batizadas ligação entre a Escola e o Carnaval com o nome desses lugares. Tais regiões Carioca causou uma revolução na história tinham por habitantes, geralmente negros do carnaval, com seus artistas plásticos e pobres. interferindo de forma irreversível na A Praça Onze foi o primeiro lugar temática das escolas e inovando o onde os grupos carnavalescos começaram tratamento plástico-visual. a se encontrar, desfilando sem regras, mas "Esse grupo de artistas trouxe não cada uma contando uma história diferente, só conhecimento, mas pôs em que passou a ser o enredo. prática o dom artístico mais acade- Em 1935, as Escolas de Samba micista, explorando a temática e a estética, introduzindo o uso da foram reconhecidas oficialmente como pintura, da escultura, novos mate- "entidades com responsabilidade jurídica", riais às alegorias e aos adereços, e assim, os carros, o figurino e as e os desfiles na Praça Onze, oficializados.

12 Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro fantasias foram mudando de estilo, rica, que deixou para Rosa, estimulando 3 Félix, Revista em retratando com mais fidelidade a Movimento, 2008 abordagem diversificada dos te- na filha o prazer da pesquisa. mas." 3 Da mãe, Lúcia Benedetti, assimilou a vontade de estudar e o gosto pela A necessidade de mão de obra criação. Lúcia era autora teatral e foi a qualificada oriunda dos barracões das precursora do teatro infantil profissional. escolas de samba se refletiu, nos anos Apesar da preocupação com a recentes, em dois convênios firmados formação da filha, sempre foram pais entre a EBA e a Liga Independente das liberais. O pai a ensinou a dirigir aos 14 Escolas de Samba (Liesa) - um em 1995 anos, e tinha total liberdade para ler o que e outro em 2004. quisesse, em diversos idiomas. O Carnaval no Rio de Janeiro hoje Estudou em um dos colégios mais é uma indústria que movimenta milhões, tradicionais do Rio de Janeiro, o Sacré e tem pessoas de todas as classes sociais Coeur de Marie, em Copacabana. Tinha envolvidas nessa festa mais famosa do intenção de ser advogada, mas ao ver seu país e conhecida no mundo todo. Rosa talento para desenho, um professor a Magalhães é um dos nomes de maior aconselhou a fazer Belas Artes. Assim, destaque nesse cenário. Rosa foi estudar Pintura na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do 2 . Rosa Magalhães Rio de Janeiro. Rosa Lúcia Benedetti Magalhães Para enriquecer sua formação, nasceu em 1947, no Rio de Janeiro, no Rosa continuou estudando. Tornou-se seio de uma família de intelectuais. Seu bacharel em Cenografia pela UNIRIO, pai, Raimundo Magalhães Júnior, escritor, licenciada em Francês pela UERJ, e foi eleito membro da Academia Brasileira bacharel em Francês pela Faculté des de Letras, em 1956. Escreveu o livro Lettres et des Sciences Humaines de “Machado de Assis, Vida e Obra”, quatro Nancy. volumes sobre a biografia de Machado de Nunca se desligou da EBA. Foi Assis. Foi também membro do primeiro professora adjunta de Cenografia e corpo de jurados do concurso de escolas Indumentária e chefe do departamento de de samba em 1932 e redator da revista Artes Utilitárias. Os mesmos profissionais Manchete, uma das mais famosas da responsáveis por sua formação, foram Editora Bloch. Tinha uma biblioteca muito posteriormente seus colegas de trabalho,

Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de J an eiro 13 tanto na EBA como nos barracões das Augusta. escolas de samba. Dentre esses, podemos Neste ano, uma colega de facul- 4 Magalhães (1977, p. 11) citar Fernando Pamplona, Plínio Cipriano, dade de Rosa Magalhães foi convidada Almir Gadelha e Adir Botelho. Trabalhou para trabalhar no Salgueiro por Maria em conjunto com as professoras Licia Augusta. Por motivo de doença, não pode Lacerda e Maria Augusta Rodrigues, em aceitar e indicou Rosa para o seu lugar, diversos carnavais. para desenhar figurinos; por sua vez Rosa Foi professora titular de Desenho convidou Licia Lacerda. Rosa até então da Faculdade de Arquitetura Bennett, não entendia nada de carnaval, entrando professora da Escola de Artes Visuais do em um mundo completamente novo para Parque Lage, roteirista e diretora de arte ela. Sua jovem visão de carnaval se para TV, cenógrafa e figurinista em resumia apenas a um baile, e sem nunca espetáculos de dança e professora do ter passado um carnaval no Rio. Senai no Curso de Estilismo. Formou diversos profissionais na "Certa vez, uma colega recém- graduada, que já se interessava por sua área, dentre eles, podemos citar o carnaval, foi chamada por Maria figurinista Samuel Abrantes, aluno de Rosa Augusta Rodrigues, para desenhar no Senai/Cetiq, no curso de estilismo. Seu os figurinos da Acadêmicos do Salgueiro. Como ela teve problemas talento chamou a atenção da professora, de saúde, acabei sendo chamada que o convidou para elaborar alguns para substituí-la, apesar da minha completa ignorância sobre o assunto. trabalhos no carnaval. Hoje, Samuel é Na primeira reunião, todas aquelas professor da Escola de Belas Artes e palavras me soaram bem estranhas: profissional de competência reconhecida tripés, destaques, carregadores de alegorias de mão, carros alegóricos no carnaval. e toda essa terminologia entre- meadas de relatos de Dona Beija, 3. O Carnaval Chica da Silva e outros personagens dos quais eu nunca tinha ouvido O enredo do Salgueiro em 1971, falar. Afinal, eu não sabia direito "Festa Para um Rei Negro", nasceu de nem mesmo o que era uma porta- bandeira. Eram informações aos uma pesquisa feita por Maria Augusta borbotões que eu nem sabia como Rodrigues sobre Mauricio da Nassau e a arquivar." 4 visita dos príncipes africanos a Pernam- buco. Trabalharam juntos no enredo os Tudo que possuía até então, era carnavalescos Arlindo Rodrigues e Maria curiosidade e boa vontade, além da

14 Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro lapiseira e uma borracha, conforme seu Seu primeiro campeonato foi com 5 Félix, op. cit. depoimento: "Tudo o que eu tinha era a Império Serrano, em 1982. O enredo, curiosidade e boa vontade. Fiquei mara- sugerido por Rosa e Licia Lacerda, e vilhada com uma descoberta: os livros concebido por Fernando Pamplona, sobre indumentária". chamava-se "Onze", referindo-se à Praça Assim, foi se aprimorando, obser- Onze. Falava do processo de explosão das vando, estudando, participando de cada várias camadas culturais do Estado, que etapa da construção de um carnaval, em Fernando chamava de "Candelária", que uma época em que os ateliês eram era a Presidente Vargas e o processo de improvisados nas garagens e quintais dos comercialização e profissionalismo colaboradores, assim como, as reuniões integrado. Rosa Magalhães mudou o nome que aconteciam em suas casas. do enredo para "Bum Bum Paticumbum A colaboração dos membros das Prugurundum". Rosa sempre gostou de comunidades era na base do amor à escola, nomes grandes para os enredos. Esse ficou dando forma ao que sua imaginação sendo um dos desfiles mais marcantes de criava. Acompanhou de perto a evolução todos, e o samba, um dos mais famosos. e as alterações ocorridas nos desfiles do O enredo falava do conceito de carnaval carioca. Rosa revela: "superespetáculo" e "carnaval luxo" que dominava os desfiles das Escolas de "...ainda assisto aos desfiles com a mesma curiosidade inicial. Acom- Samba, e abria apresentado um desfile que panhei sua evolução durante mais iria criticar as "superEscolas de Samba" e de 20 anos. As mudanças que as "Superalegorias", que diminuíam cada ocorreram foram de ordem estética e administrativa, mas a essência vez mais o espaço dos sambistas. Segundo continua a mesma." 5 Guimarães (1992, p. 97), o enredo fazia uma revisão do que foi o processo evolutivo Posteriormente Rosa e Licia con- das Escolas de Samba, e foi desenvolvido correram em decorações de rua, estimu- de forma critica, satirizando os "males" ladas por Pamplona. A iniciação profis- que atingiam as Escolas de Samba, como sional de ambas foi na equipe de Fernando o gigantismo e o luxo excessivo. Foi um Pamplona e Arlindo Rodrigues, onde Rosa desfile marcante pela autocrítica. trabalhou como figurinista e Licia trabalhou Em 1984, em dupla com Licia na parte de alegorias com Joãozinho Lacerda, Rosa Magalhães foi para o Trinta. Grêmio Recreativo Escola de Samba

Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de J an eiro 15 , fazendo o Rosa Magalhães: desfile "Alô, mamãe". Encontrou uma 1982 (Carnaval campeão): Bumbum escola em grandes dificuldades finan- Paticumbum Prugurundum (GRES ceiras, mas mesmo assim, conseguiu levar Império Serrano) - Em dupla com Licia o quarto lugar, junto com o Salgueiro, Lacerda considerada uma escola forte. 1984: Alô, mamãe (GRES Imperatriz Em 1987, Rosa e Licia assumiram Leopoldinense) - Em dupla com Licia o carnaval da Estácio de Sá, com o enredo Lacerda "Tititi do Sapoti", que foi um grande sucesso, apesar de não ganhar o carnaval. 1987: Tititi do sapoti (GRES Estácio de Em 1988, Rosa Magalhães assinou Sá) - Em dupla com Licia Lacerda seu primeiro carnaval sozinha, ainda na 1988: O boi dá bode (GRES Estácio de Estácio, com o enredo "O boi da bode". O Sá) carnaval do ano seguinte também teve um 1989: Um, dois, feijão com arroz (GRES enredo de grande sucesso elaborado pela Estácio de Sá) carnavalesca: "Um, dois, feijão com arroz". De volta ao Salgueiro, dessa vez 1990: Sou amigo do Rei (GRES Acadê- como carnavalesca, conquistou o terceiro micos do Salgueiro) lugar (1990) e o vice-campeonato (1991). 1991: Me masso se não passo pela Rua Depois desses cinco anos traba- do Ouvidor (GRES Acadêmicos do lhando na Estácio de Sá e no Salgueiro, Salgueiro) Rosa retornou à Imperatriz Leopoldinense, 1992: Não existe pecado abaixo do em 1992, onde está até hoje. Foi ali que equador (GRES Imperatriz Leopol- se consagrou definitivamente, ganhando dinense) para a escola cinco campeonatos, sendo que três seguidos, no primeiro Tri- 1993: Marquês que é marquês do saçarico campeonato da era Sambódromo, e sendo é freguês (GRES Imperatriz Leopol- reconhecida como uma das mais impor- dinense) - com Viriato Ferreira tantes artistas brasileiras contemporâneas. 1994 (Carnaval campeão): Catarina de Para Rosa, o carnavalesco é uma Médicis na corte dos Tupinambôs e espécie de diretor de cena do espetáculo Tabajeres (GRES Imperatriz Leopol- apresentado pelas escolas de samba. dinense) A seguir, a lista dos carnavais de

16 Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro 1995 (Carnaval campeão): Mais vale 2004: Breazail (GRES Imperatriz Leopol- um jegue que me carregue que um dinense) camelo que me derrube, lá no Ceará 2005: Uma delirante confusão fabulística (GRES Imperatriz Leopoldinense) (GRES Imperatriz Leopoldinense) 1996: Leopoldina, Imperatriz do Brasil 2006: Um por todos e todos por um (GRES (GRES Imperatriz Leopoldinense) Imperatriz Leopoldinense) 1997: Eu sou da lira, não posso negar 2007: Teresinhaaa, uhuhuuu!!!! Vocês (GRES Imperatriz Leopoldinense) querem bacalhau? (GRES Imperatriz 1998: Quase ano 2000... (GRES Imperatriz Leopoldinense) Leopoldinense) 2008: João e Marias (GRES Imperatriz 1999 (Carnaval campeão): Brasil Leopoldinense) mostra a sua cara em... Theatrum 2009: Imperatriz... só quer mostrar que faz Rerum Naturalium Brasilie (GRES samba também! (GRES Imperatriz Imperatriz Leopoldinense) Leopoldinense) 2000 (Carnaval campeão): Quem desco-briu o Brasil, foi seu Cabral, no 4 . Os campeonatos na Imperatriz. dia 22 de abril, dois meses depois do A Imperatriz Leopoldinense foi a carnaval (GRES Imperatriz Leopol- primeira escola de samba a ter um dinense) Departamento Cultural, com enredos 2001 (Carnaval campeão): Cana- geralmente baseados na cultura nacional, caiana, cana roxa, cana fita, cana preta, elaborados a partir de uma extensa amarela, pernambuco... Quero vê pesquisa acadêmica. Em seguida, faremos descê o suco, na pancada do ganzá uma breve análise dos campeonatos da (GRES Imperatriz Leopoldinense) Escola. 2002: Goitacazes... Tupi or not Tupi, in a 1994: Catarina de Médicis na corte dos South American way (GRES Imperatriz Tupinambôs e Tabajeres Leopoldinense) A chegada à escola de Rosa 2003: Nem todo pirata tem a perna de pau, Magalhães - trazida por Viriato Ferreira - o olho de vidro e a cara de mau (GRES geraria seu primeiro fruto no campeonato Imperatriz Leopoldinense) de 1994. Com um enredo ousado, que

Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de J an eiro 17 descrevia uma festa realizada em Ruão o fracasso da expedição científica ao no século XVI com motivos inspirados nos sertão do Ceará, organizada por D. Pedro indígenas brasileiros, permitiu um desfile II, que contou com 14 camelos vindos da surpreendente, ao mesmo tempo luxuoso Argélia, que não resistiram e foram e empolgante. Esse seria o primeiro dos substituídos por jegues nordestinos. O campeonatos conquistados pela carnava- carro “A Chegada do Camelo” quebrou, lesca na escola. O samba acompanhou a fazendo com que o destaque, Jorge ousadia visual reunindo termos em Lafond, desfilasse no chão. Pela perfeição português e francês. Com este enredo, a com que o enredo foi trabalhado e pela Imperatriz iniciou uma série de conquistas clareza de alegorias e fantasias, o carro na Sapucaí, o que lhe rendeu o título de nem fez falta a escola. Dispensada da "escola tecnicamente perfeita" ou "escola Portela, Luiza Brunet assumiu o posto de de resultados". Rainha de Bateria da Imperatriz. Encer- rando o desfile, o carro Viva o Jegue soltou 1995: Mais vale um jegue que me balões pela avenida e contou com a carregue que um camelo que me presença dos cearenses Renato Aragão, derrube, lá no Ceará. Fagner e Tom Cavalcante. Esse desfile é considerado, por muitos, como o trabalho mais bem 1999: Brasil mostra a sua cara em... elaborado de Rosa Magalhães. A preocu- Theatrum Rerum Naturalium Brasilie pação com os detalhes, nos carros e Depois de três anos, a Imperatriz alegorias, e a originalidade e leveza das volta a vencer. Na opinião dos críticos, fantasias criaram um conjunto visual dos neste ano, a escola não perfeita como nos mais impressionantes jamais apresen- anos anteriores. O enredo "Brasil mostra tados. Essa preocupação se tornou o a sua cara em "Theatrum Rerum Natura- traço marcante do trabalho de Rosa e dos lium Brasilae" versava sobre a obra do desfiles da Imperatriz. Trazendo à pintor holandês Eckout, que durante o lembrança a fala de uma personagem da século XVII retratou o Brasil. Mauricio obra “A farsa de Inês Pereira”, de Gil de Nassau era um amante das artes e Vicente, teatrólogo português do século trouxe com ele da Europa, um grupo de XV - "Mais vale um asno que me pintores, cartográficos e médicos. Os carregue, que um cavalo que me derrube" orientou para que retratassem os animais - a Imperatriz Leopoldinense apresentou e os vegetais do local. A coleção de livro

18 Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro com quatro volumes, que registra em luxuosos e criativos, a Imperatriz, manten- pinturas e gravuras, índios, animais, do sua característica de escola de pássaros e plantas existentes no Brasil, perfeição, manteve a tradição e fez um ficou perdida até que em 1972 um desfile sem erros. Rosa Magalhães pesquisador Inglês conseguiu encontrar os abusou de cores fortes, como preto e volumes em uma pequena biblioteca na vermelho, principalmente nos primeiros cidade da Polônia. A comissão de frente, carros que fizeram referências ao fantasiada de nobres holandeses, forma- comércio de Portugal com a Ásia e a vam o mapa do Brasil e faziam uma África. explosão com as fitas. Luíza Brunet, grávida, brilhou mais uma vez à frente da 2001: Cana-caiana, cana roxa, cana fita, bateria da Imperatriz. A ala das baianas cana preta, amarela, pernambuco... proporcionou uma das imagens marcantes. Quero vê descê o suco, na pancada Eram 150 baianas aladas, com asas do ganzá coloridas de borboleta, das espécies A Imperatriz é a primeira tricampeã retratadas por pintores holandeses que nos da era sambódromo e do novo século, visitaram no século 17. com o fabuloso desfile que Rosa Maga- A originalidade das fantasias e lhães preparou para a escola. A qualidade alegorias, misturando a iconografia das alegorias e a originalidade e malícia seicentista com elementos do folclore do enredo sobre a cana (que terminaria brasileiro, foi acentuada pela irreverência numa homenagem inesquecível ao com- e bom humor característicos de sua positor mangueirense Carlos Cachaça), carnavalesca. associados ao samba de forte apelo popular que empolgou a escola, foram a 2000: Quem descobriu o Brasil, foi seu receita para o sucesso. Cabral, no dia 22 de abril, dois meses Rosa Magalhães é a única mulher depois do carnaval Carnavalesca do grupo especial do A escola consegue novamente o carnaval carioca. Sua parceria com a bicampeonato do carnaval. O enredo Imperatriz Leopoldinense resultou em contava a história da viagem que levou cinco campeonatos nos últimos 20 anos, o Pedro Álvares Cabral a descobrir o Brasil. maior número de campeonatos conquis- Desde a comissão de frente, que formava tados por uma mesma carnavalesca, para a caravela de Cabral até os carros uma mesma escola.

Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de J an eiro 19 5. A arte carnavalesca tempo recorde e transportadas para São O espetáculo carnavalesco pode Paulo com recursos próprios da carna- ser definido de várias formas. Sua valesca.

6 Oliveira (in Terra, produção artística, por permitir uma org., p. 104) abertura de linguagem, faz com que seja "O universo artístico de Rosa atravessa as fronteiras das diversas visto em diversos contextos, principal- formas de arte. De pintura/desenho mente como Arte Popular. à escultura; da academia (EBA) ao Os trabalhos dos carnavalescos são carnaval, do figurino/cenário aos comentários em programas televi- interpretados levando em conta esses sivos, ela consegue transitar com diferentes contextos. Nesse sentido, a obra fluência e personalidade, impri- mindo sua marca em todos os de Rosa Magalhães foi classificada ora trabalhos que faz." 6 como exposição cenográfica, ora como "instalações", termo usado pela imprensa 6 . Prêmios e outros trabalhos para designar suas alegorias. Rosa Magalhães transita por Em 1991, a carnavalesca foi diversas áreas além do carnaval. Por seu convidada a apresentar o trabalho que fez trabalho, já ganhou alguns prêmios de para o Salgueiro, na Quadrienal de Teatro importância. de Praga e na Bienal de Arte de S.Paulo. Em 12 de junho de 2001, recebeu a O fato de ter sido avaliado por diversas 'Medalha Tiradentes', oferecida pela correntes artísticas demonstra que foram Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, rompidas as fronteiras entre a arte erudita por iniciativa da deputada Aparecida e a arte popular. Gama. Infelizmente, o Salgueiro não liberou Recebeu diversas indicações para as alegorias para a Bienal. Para garantir prêmios, destacando-se: 'Prêmio Molière', sua participação no evento, Rosa Maga- 'Prêmio Ministério da Cultura', 'Prêmio lhães refez todas as alegorias, e por não Coca-Cola', 'Prêmio APETESP' e 'Prêmio poder usar o barracão da Escola de APCA'. Com o Prêmio Ministério da Samba, teve o apoio da decana do Centro Cultura, foi agraciada duas vezes. de Letras e Artes da Universidade Federal Recebeu cinco estandartes de ouro do do Rio de Janeiro, Maria da Penha Dubois Jornal o Globo. Johanssen, que cedeu um espaço para Participou de diversos eventos servir de atelier. Com a ajuda de um grupo internacionais, dentre estes: a XXI Bienal de alunos, as alegorias foram refeitas em

20 Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro de São Paulo, a Quadrienal de Teatro em Lobo, na Fundação Teatro Guairá, em Praga e Biennale de la Danse em Lioy na Curitiba. França. Em 2007, em um de seus trabalhos Recebeu a Comenda de Prata do mais impactantes, foi responsável pela Governo Austríaco pelo enredo sobre a criação e supervisão de montagem da Pira Imperatriz Leopoldina. Pan americana, montagem de alegorias e Em 1997, foi responsável pela adereços e figurinos para a festa de criação e produção do livro - 'Fazendo abertura e criação e supervisão de Carnaval' - Editora Nova Aguilar - Rio de figurinos para a festa de encerramento do Janeiro, cuja edição encontra-se esgotada. Pan do Rio, no Maracanã, pelo qual Em 1998, criou os cenários e receberia, no ano seguinte, em Nova figurinos e fez a produção para a peça - Iorque, o mais importante prêmio da 'O Casaco Encantado', de Lúcia Benedetti televisão mundial, o Emmy. Concorreu em - Teatro Laura Alvim - Rio de Janeiro. duas categorias: pelo figurino e design de Em 2000, supervisionou a monta- estilo, ao lado de David Profeta, e pela gem e execução de figurinos e carros direção de arte, cenografia e design alegóricos para o desfile Histórico da cênico, com Luiz Stein, Libby Hyland e Cidade de Salvador, na Comemoração do Scott Givens. A vitória veio pelos figurinos Descobrimento do Brasil. criados para a cerimônia de abertura. Ainda em 2000, trabalhou na Nesse seu trabalho, Rosa ultra- criação e supervisão e produção dos passou os limites do samba e extravasou cenários e figurinos para o ballet - Paradox toda a sua criatividade. O evento conquis- - Fundação Teatro Castro Alves - tou, além do Emmy, dezenas de prêmios Salvador - . internacionais, como o SportBusiness Em 2001, criou e supervisionou a ISEMS Awards e Seis Telly Awards. montagem para a exposição Brasil 500 anos - com exposição para a carta de Pero "Rosa Magalhães é criativa, Vaz de Caminha, no Museu do Convento dinâmica e organizada. É sonho, é fantasia... é arte, é técnica. Seus das Mercês, em S. Luis do Maranhão. trabalhos são reconhecidos por seu Em 2003, fez a criação e super- eficiente e constante aperfeiçoa- visão de montagem de cenários e figurinos mento técnico. A fusão de elemen- para o ballet 'O Grande Circo Místico', tos traduz a cultura abordada no ponto alto da pesquisa, a distribuição com músicas de e Edu

Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de J an eiro 21 desses elementos ao longo da 7 . Rosa Magalhães e a Imperatriz 7. Félix, op. cit. Sapucaí, possibilita o entendimento Leopoldinense. da mensagem com qualidade e 8. Ferreira, 1999, p. Rosa Magalhães e a Imperatriz 123 com talento. E o que poderia ser simplesmente luxuoso, torna-se Leopoldinense, como já foi dito, têm uma excepcionalmente criativo. Ela parceria que vem dando certo há mais de apresenta um verdadeiro e elabo- uma década. Tem liberdade total para rado show cultural."7 trabalhar, com acesso a recursos técnicos e humanos, fazendo um carnaval que Em junho de 2008, estreou o muitas vezes foi definido como "técnico", musical "Eu sou o samba", no Teatro "politicamente correto", "feito para os Carlos Gomes, no Rio. Rosa Magalhães jurados". Sobre o trabalho de Rosa na assinou o cenário e os figurinos da peça, Imperatriz, Ferreira diz o seguinte: com o dançarino Carlinhos de Jesus. A peça celebra o samba como patrimônio "Nos carnavais realizados para o histórico cultural brasileiro e comemora o GRES Imperatriz Leopoldinense centenário do nascimento do Mestre até a presente data, Rosa Maga- lhães iria encontrar um caminho . capaz de expressar não só sua Traça a trajetória histórica do formação associada às carac- samba, desde suas origens na África a terísticas da escola, mas também todo um formato tecido pelas sua inserção na cultura carioca. O relações carnavalescas entre o espetáculo abrange desde os anos 20 até erudito e o popular. Tais relações, o início dos anos 70, do século XX, manifestadas, na verdade, em todos os momentos da criação de seus retratando grandes nomes no cenário do enredos, tais como seu desen- samba, dentre eles, , Ary volvimento dramático, seu conjunto visual e suas alegorias, iria, entre- Barroso, Carmem Miranda, Cartola e tanto, encontrar sua expressão mais Jamelão. clara nos figurinos criados pela Rosa Magalhães criou verdadeiras carnavalesca." 8 obras de arte, usando desde chita até brilhosos brocados, para os figurinos dos Fundada a seis de março de 1959, 12 atores e 8 músicos. Seu trabalho reflete em 2009 a escola irá comemorar seu a pesquisa detalhada que fez sobre o Jubileu de ouro, em comemoração aos 50 cenário do samba carioca no período anos de fundação do Grêmio Recreativo abrangido pela peça. Escola de Samba Imperatriz Leopol-

22 Revista INTERFACES - Número 11 / 2 0 0 8 - Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro dinense. A comemoração será mais uma Janeiro, 2006. das consagradas obras da carnavalesca. FÉLIX, Leilane. Rosa Magalhães. Revista O enredo de 2009 pretende, cantando a em Movimento, Escola de Design UVA. história do seu bairro, sua gente e sua Edição 3, Ano 2, 2008. musicalidade, mostrar que Rosa e a 9. Félix, op. cit. Imperatriz fazem samba também. http://www.uva.br/revistaemmovimento/ artigos/rosa_magalhaes.htm "Uma sonhadora, conta vidas, conta histórias... canta arte em prosa e http://www.caras.com.br/secoes/noticias/ verso! É uma fada produtora do noticias/9720/ mundo de ilusões." 9 http://www.cultura.gov.br/site/2008/03/20/ dia-mundial-do-teatro-para-a-infancia-e- Referências: juventude-3/ FERREIRA, Felipe. O Marquês e o Jegue. Estudo da Fantasia para Escolas http://imperatriz.free.fr/galerias.php de Samba. Altos da Glória. Rio de Janeiro, http://www.jornal.ufrj.br/jornais/jornal24/ 1999 jornalUFRJ2414.pdf GUIMARÃES, Helenise Monteiro. http://www.tradicaodosamba.com.br/ Carnavalesco, O Profissional que "Faz boletim%20do%20samba/desfiles Escola" no Carnaval Carioca. Dissertação _imortais/BS_desfilesimortais de Mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, EBA, _jul_2a.html 1992. http://kn.franca.zip.net/arch2007-07- MAGALHÃES, Rosa. Fazendo Carnaval 01_2007-07-15.html = The Making of Carnival. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1977. http://picasaweb.google.com/ ariovaldoalves/ TERRA, Carlos Gonçalves (org.). Ar- quivos da Escola de Belas Artes. Edição http://revistaagitorio.blogspot.com/2008/ 190 Anos. EBA Publicações. Rio de 08/eu-sou-o-samba.html

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