UNIVERSIDADE FEDERAL DE CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE HISTÓRIA

DIEGO LUNARDELLI

FLORIANÓPOLIS: AS MARCAS DO LEGALISMO AUTORITÁRIO EM DESTERRO

FLORIANÓPOLIS 2020

DIEGO LUNARDELLI

FLORIANÓPOLIS: AS MARCAS DO LEGALISMO AUTORITÁRIO EM DESTERRO

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do título de Bacharel e Licenciado em História.

Orientador (a): Prof. Dr. Paulo Pinheiro Machado

FLORIANÓPOLIS 2020

Dedico esse trabalho a todos e todas que veem a política como um instrumento de transformação da sociedade.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos e todas que, de alguma forma, contribuíram com a minha formação, permitindo que esse momento tão desejado pudesse enfim se tornar realidade. A toda equipe do MArquE, em especial à Sandra Carrieri de Souza, minha orientadora de estágio no setor pedagógico. Aprendi muito com essa experiência, inclusive o interesse pelo tema deste trabalho surgiu do contato com o acervo de Franklin Cascaes, presente nesta instituição. Ao professor Silvio Marcus de Souza Correa, que orientou a minha primeira inciativa científica e com o qual aprendi muito enquanto aluno e monitor na disciplina de História da África. Ao professor Paulo Pinheiro Machado, que me orientou nesta pesquisa, apontando caminhos, corrigindo inconsistências e se consolidando como uma grande referência durante todo o curso. Sempre disposto a ouvir e falar. À professora Roselane Neckel, que tanto contribuiu com as reflexões presentes em sua obra, por sua bagagem acadêmica e trajetória docente. Ao professor Hermetes Reis de Araújo, que marcou profundamente minha formação com as aulas sobre a Revolução Francesa. Muito obrigado pelo incentivo nesta pesquisa. Aos profissionais da Biblioteca Universitária da UFSC, sem o seu valioso trabalho e esforço, essa pesquisa não existiria. Aos profissionais da Biblioteca Central da UDESC, que mesmo durante a pandemia de Covid-19, permitiram o meu acesso a obras exclusivas de seu acervo. A toda a equipe técnica da Biblioteca Digital da Fundação Biblioteca Nacional, pelo excelente trabalho realizado na Hemeroteca Nacional. Aos amigos que fiz durante o curso, André, Jean, Marco, Walter e Danilo. À minha mãe Sônia e meu irmão Dárick, que estiveram ao meu lado desde sempre e acompanharam todo o meu processo de formação. O agradecimento mais especial vai para Mayara, minha companheira, que me fez acreditar que um operário poderia ser também professor, o motivo de acordar todos os dias e continuar em frente, não me deixando desistir e desacreditar em momento algum. Sem você ao meu lado, nada disso seria possível.

“Maldita a sociedade, maldita a nação, maldito o país que aceita, que sanciona e que aprova o absolutismo do déspota.” (DUARTE SCHUTEL, 2002, p.126).

RESUMO

Essa pesquisa tem como principal objetivo compreender como ocorreu a mudança do nome da capital catarinense em 1º de outubro de 1894, quando Desterro passou a se chamar Florianópolis. A conturbada conjuntura política dos primeiros anos da república no Brasil será o palco desta investigação e, dessa forma, o intuito desse esforço científico é trazer novos elementos que ampliem o escopo de entendimento sobre o tema, buscando retratar também a perspectiva dos vencidos naqueles conflitos. Para tanto, foi necessário dividir a pesquisa em três partes igualmente relevantes. Primeiramente, se buscou produzir uma síntese histórica que abarcaria os fatos e acontecimentos pertinentes ao nosso objeto de estudo, houve, portanto, um processo de contextualização dos meses que antecederam a mudança do nome da capital catarinense. Num segundo momento, foi proposto um debate historiográfico entre as correntes de pensamento que produziram conhecimento ligado ao tema, dando espaço também para a análise dos manuscritos de Duarte Paranhos Schutel. Já no último segmento desta pesquisa, o foco da análise migrou para a capital federal. Examinando o periódico ―Correio da Tarde‖, a principal fonte deste estudo, se buscou inferir como os círculos intelectuais oposicionistas ao governo central no percebiam a homenagem feita a Floriano Peixoto em terras catarinenses. Observa-se, desta forma, que o processo de mudança do nome da capital catarinense em outubro de 1894 ocorreu de maneira legal, porém numa conjuntura de intensa repressão política e, portanto não foi fruto de um consenso da sociedade catarinense, ao contrário, a análise proposta evidenciou o caráter simbolicamente violento de tal ato, o caracterizando como uma expressão do autoritarismo estatal.

Palavras-chave: Revolução Federalista. Floriano Peixoto. Autoritarismo. Florianópolis. Desterro.

ABSTRACT

The main objective of this research is to understand how the name of the capital of Santa Catarina changed on October 1, 1894, when Desterro was renamed Florianópolis. The troubled political situation of the first years of the republic in will be the stage for this investigation and, thus, the purpose of this scientific effort is to bring new elements that broaden the scope of understanding on the subject, seeking also to portray the perspective of the defeated in those conflicts. To this end, it was necessary to divide the research into three equally relevant parts. First, it sought to produce a historical synthesis that would encompass the facts and events pertinent to our object of study, so there was a process of contextualization of the months that preceded the change in the name of the Santa Catarina capital. In a second moment, a historiographic debate was proposed among the currents of thought that produced knowledge linked to the subject, also giving space for the analysis of the manuscripts of Duarte Paranhos Schutel. In the last segment of this research, the focus of the analysis migrated to the federal capital. Examining the periodical "Correio da Tarde", the main source of this study, one tried to infer how the intellectual circles opposed to the central government in Rio de Janeiro perceived the homage paid to Floriano Peixoto in Santa Catarina. Thus it is observed that the process of changing the name of the capital of Santa Catarina in October 1894 occurred in a legal manner, but in a conjuncture of intense political repression and, therefore, was not the result of a consensus of Santa Catarina society; on the contrary, the proposed analysis evidenced the symbolically violent character of such an act, characterizing it as an expression of state authoritarianism.

Keywords: Federalist Revolution. Floriano Peixoto. Authoritarianism. Florianópolis. Desterro.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 12 CAPÍTULO 1 - A REVOLUÇÃO DE 1893 EM DESTERRO ...... 18 1.1. A : DESTERRO NA ROTA DA REVOLUÇÃO ...... 19 1.2. OS GOVERNOS REVOLUCIONÁRIOS ...... 23 1.3. ACERTO DE CONTAS: O DURO GOLPE LANÇADO SOBRE DESTERRO ...... 28 CAPÍTULO 2 - FLORIANÓPOLIS: UM NOME, MUITAS HISTÓRIAS ...... 33 2.1. HISTÓRIA TRADICIONAL E A NOVA HISTÓRIA ...... 34 2.2. O SUSSURO DOS VENCIDOS ...... 44 CAPÍTULO 3 - A FATÍDICA HOMENAGEM NAS PÁGINAS DO CORREIO DA TARDE ...... 54 3.1. FLORIANO E A IMPRENSA DO RIO DE JANEIRO ...... 55 3.2. CORREIO DA TARDE: OPOSIÇÃO AO LEGALISMO AUTORITÁRIO ...... 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 66 FONTES ...... 69 REFERÊNCIAS ...... 69 12

INTRODUÇÃO

No meio historiográfico existe certo consenso sobre as implicações resultantes do processo de mudança do regime político no Brasil no fim do século XIX, a então monarquia transmutava-se em república. Esse consenso trata de um reordenamento das forças políticas em torno de um novo projeto de nação, inclusive abrindo espaço para o surgimento de novos atores políticos (LUNARDI, 2009, p.15; MEIRINHO, 1997, p.49-56; NECKEL, 2003, p.9- 14). Na esteira desse processo, as disputas de narrativas se acirraram e, em alguns casos, trespassaram o campo político, se convertendo em conflitos armados. Na propositura do novo regime, revoltas eclodiram em todo o país já nos primeiros anos, tais fatos tencionaram ao limite a legitimidade da recém-nascida república brasileira, proclamada pelos militares em 15 de novembro de 1889.

Ao sul do país, movimentações ocorriam entre lideranças políticas locais para reorganizar o poder diante desta nova realidade. Distintos projetos políticos desabrochavam de mãos dadas a antigas rivalidades locais enquanto os mandatários do novo governo buscavam instrumentos de governabilidade reprimindo insurgências (ROSSATO, 1999, p.100-102). As ideias de um novo governo descentralizado ganham força, se materializando na fundação do Partido Federalista em 1892. Depois de seguidas crises políticas no governo central, uma série de decisões tomadas pelo presidente da República, , causaram imenso descontentamento entre seus pares e, considerável fortalecimento dos oposicionistas junto à sociedade (FRANCO, 1993, p.30-32). Certamente a dissolução do Congresso em 03 de novembro de 1891 foi ponto crucial nesse processo de desgaste político, tanto que poucos dias depois, o próprio renuncia ao cargo, assumindo o seu vice, Marechal Floriano Peixoto1.

1 A posse do Marechal Floriano Peixoto foi motivo de protestos, sendo contestada por ferir um princípio firmado no artigo 42 da constituição de 1891, estabelecendo que ―(...) se no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição.‖ (BRASIL, 1891, art.42) Dessa forma, como ainda não havia se passado o período regulamentar para a legítima sucessão do vice-presidente, o gesto de Floriano em assumir o governo foi visto por muitas lideranças políticas e por grande parte da sociedade como um ato autoritário. Contudo, Floriano se utilizaria de outro trecho do mesmo documento para legitimar sua ascensão. Segundo Silva, o segundo parágrafo do 1º artigo dizia que tanto presidente, quanto vice teria de cumprir o primeiro mandato até o fim, ou seja, mesmo se houvesse outra eleição, Floriano Peixoto continuaria sendo vice-presidente até 1894, portanto, o governo se via como legal diante essa querela. (2010, p.164) 13

Em 1893 surge no Estado do um movimento político-militar que estabelece um governo paralelo ao central, ele é descrito na historiografia como Revolução Federalista. Este movimento se alastra por todo o sul do país e, junto aos insurgentes da Revolta da Armada, firma como sua sede a cidade de Desterro, capital de Santa Catarina2. Com relação à Desterro, uma série de violentos conflitos armados e perseguições políticas marcaram esse período que se estendeu até o ano seguinte com a dissolução do movimento revolucionário (MEIRINHO, 1997, p.89-90).

Os acontecimentos que culminaram na queda dos federalistas em Santa Catarina no ano de 1894 expressaram de forma dicotômica dois projetos de poder. Com a ascensão dos grupos ligados ao Partido Republicano Catarinense (PRC), houve de sua parte, intensiva utilização de mecanismos de reafirmação de poder no processo de construção de um imaginário popular alinhado aos seus interesses, ou seja, a fabricação de uma identidade ligada ao novo regime para a população de Desterro. Um desses mecanismos é o nosso objeto de estudo: a mudança do nome da capital catarinense de Desterro para Florianópolis, numa expressa homenagem ao então presidente da república, Floriano Peixoto. Na historiografia tradicionalmente ligada ao Instituto Histórico Geográfico de Santa Catarina (IHGSC) se observa uma tendência bastante acentuada em tratar essa mudança como fruto de um consenso entre as forças políticas e a sociedade, portanto a naturalizando (MEIRINHO, 1997, p.107-108).

Tendo em vista esse contexto, existe um universo de questões que se respondidas, nos permitiriam compreender de maneira mais ampla a complexidade desse processo e suas implicações em nossa sociedade ainda hoje. Dessa forma, é interessante pensar sobre como a sociedade brasileira, que assistia aos acontecimentos no sul do país, reagiu à mudança do nome da cidade, ainda mais pela expressa homenagem a uma figura tão controversa. Será que realmente houve consenso sobre essa questão? E quanto às forças políticas? Houve resistência, mesmo que velada, por parte das lideranças políticas oposicionistas ao regime florianista? Da igual maneira, é fundamental refletir sobre as relações entre o projeto político gestado nesse início de república, suas ferramentas de legitimação e a forma como a

2 O reordenamento de forças políticas imposto pelo presidente Floriano Peixoto já no início do seu governo trouxe civis para a cena política, muitos deles ligados ao Partido Republicano Paulista, basicamente representantes dos grandes produtores de café. Dessa forma, oficiais da Marinha como o almirante Saldanha da Gama e o Ministro da Marinha Custódio de Mello, insatisfeitos com os rumos do governo florianista, se insurgiram contra o governo central alegando falta de legitimidade do presidente da República para exercer tal cargo. (CORREA, 1990, p.27-28) 14 sociedade se comportou diante do violento processo de repressão política executado pelas forças legalistas em meados de 1894.

Apesar de a historiografia tradicionalmente ligada ao IHGSC tratar esse tema como periférico, plenamente superado e atrelado ao processo de desenvolvimento e modernização da cidade, o debate sobre a mudança do nome da capital de Santa Catarina ainda está vivo em nossa sociedade.

Em novembro de 1979, em plena ditadura militar, a visita do então Presidente da República João Figueiredo à Florianópolis fez sangrar mais uma vez a ferida que nunca havia se curado na capital catarinense. Numa conjuntura de crise política e econômica, Figueiredo veio a Santa Catarina buscando atenuar politicamente as mazelas provocadas por mais de uma década de regime autoritário no país. Dentre seus compromissos, estava a inauguração de uma placa homenageando o Marechal Floriano Peixoto pelo 90º aniversário da Proclamação da República na praça XV de novembro no centro de Florianópolis. Na ocasião, João Figueiredo foi alvo de intensos protestos por parte da população local. Sobre esse evento histórico, denominado pela historiografia como Novembrada3, Ieri aponta:

A placa significava, portanto, talvez a maior ferida social de Florianópolis. A homenagem de Figueiredo pode também ter sido entendida como ―o ditador de hoje homenageando o de ontem, um cara que matou toda a oposição e trocou o nome da cidade‖ e mostrava a continuidade de arbitrariedade e repressão do regime militar no governo de João. Assim, a placa foi arrancada e queimada pela população, um claro sinal de insatisfação popular e reconhecimento histórico. (2011, p.15)

Os acontecimentos ligados à Novembrada foram muito importantes no processo de luta contra a ditadura militar no nosso país e demonstraram que para a sociedade catarinense havia ainda questões mal resolvidas quanto à forma como foi conduzido o processo de mudança do nome de sua capital.

Em outubro de 1995 ocorreu na capital catarinense um evento que visava simular o julgamento de Floriano Peixoto enquanto réu no que se refere às execuções realizadas contra sua oposição em Desterro com a dissolução do movimento federalista em 1894. Esse evento foi organizado por estudantes do curso de História e Jornalismo da Universidade Federal de

3 Novembrada é o nome designado pela historiografia aos fatos históricos ocorridos em novembro de 1979 na cidade de Florianópolis em razão da visita do então Presidente da República João Figueiredo. Nessa ocasião, populares se insurgiram contra o presidente e o regime militar que ele representava numa série de protestos que se alastraram por toda a cidade. 15

Santa Catarina, contou com a presença de intelectuais, autoridades políticas e membros do movimento ―Cem Anos de Humilhação‖4. Nesse julgamento Floriano foi condenado por unanimidade pelos crimes políticos cometidos pelo Estado em Desterro no ano de 1894. O entendimento dos jurados foi que o nome não era uma homenagem, mas sim uma humilhação imposta ao povo catarinense.

Esse debate permaneceu vivo na imprensa escrita, atravessando anos a fio. Só na última década, dezenas de intervenções são contabilizadas questionando a homenagem oferecida ao então presidente da república, Floriano Peixoto. Manchetes como ―Floriano merece o nome da capital catarinense?‖ (LORENÇO, 2010) e ―Memória de Florianópolis: Um nome, muitas mágoas‖ (DAMIÃO, 2016), marcaram as páginas da imprensa local apresentando contundentes críticas ao violento processo que consolidou a república no estado, se materializando, em forma e simbologia, no novo nome da capital.

Da mesma forma que a imprensa, há também ações de agentes políticos nos últimos anos que apontam para a manutenção deste debate na comunidade. Em 2003, surge uma proposição, feita pelo então deputado federal Mauro Passos, para que se realizasse um plebiscito na cidade a fim de ouvir a população sobre o tema. Como justificativa, o parlamentar alegou que foi ―(...) estimulado por várias famílias que tiveram parentes assassinados por Floriano Peixoto‖ (PORTAL IMIRANTE, 2003).

As discussões em torno da homenagem prestada ao então presidente da República não se restringem somente a esses espaços. O artista e pesquisador Franklin Cascaes, em suas entrevistas abordava constantemente o assunto, demonstrando sua mágoa com todo o processo que culminou na mudança do nome da capital catarinense:

(...) nas minhas cartas, desenhos e documentos diversos, eu não assino Florianópolis, mas sim Nossa Senhora do Desterro. Isso porque é desde criança que a gente sente na carne aqueles fatos ruins que aconteceram na família. Nessa degola que foi feita aqui na terra por Floriano Peixoto entraram três parentes meus e a minha vó falava muito, não gostava que ninguém tocasse naquele nome, até mesmo no de Hercílio Luz. (...) por isso, nunca simpatizei com este nome ―Florianópolis‖. Nos meus escritos sempre escrevo Desterro ou ―Capital‖ de Santa Catarina. (CASCAES apud CARUSO, 1989, p.21).

4 O movimento ―Cem Anos de Humilhação" foi criado em maio de 1994 e era composto de cerca de 70 nomes entre intelectuais dos mais diversos meios. O objetivo do movimento era questionar a homenagem dada a Floriano Peixoto na forma do nome da capital catarinense e propor mecanismos de debate na sociedade que criassem uma conjuntura propositiva para a troca do nome da cidade. 16

Em todas as falas apresentadas há um ponto central de convergência: a crítica à homenagem ao suposto responsável pela execução sumária de cidadãos desterrenses em meados de 1894. O fato do nome da capital evocar a personificação de uma figura tão dubitável como Floriano Peixoto gera até hoje um caloroso debate na cidade.

Conforme demonstrado a pouco, essa questão não aparenta ser algo superado como afirma a historiografia tradicionalmente ligada ao IHGSC. Na verdade, os indícios sinalizam que este debate esteve presente em todo o século XX e adentrou ao século XXI ainda com vigor. É fundamental ressaltar que a intenção deste estudo não é reforçar a polarização que protagonizou o cenário de conflitos naquele período, mas buscar novos elementos que corroborem para a ampliação do entendimento daquele processo como um todo, observando de forma enfática os aspectos ligados à construção de uma nova identidade para os habitantes da capital catarinense a partir da consolidação do regime republicano.

No esforço de explorar esse processo, abarcando todos os nuances que a ele estão condicionados, será analisado um arcabouço de fontes históricas que vão de correspondências, registro contemporâneos aos fatos, a periódicos publicados em Desterro e no Rio de Janeiro. Estas últimas, as fontes ligadas à imprensa, constituíram a maior parte da documentação examinada, não por acaso, pois a proposta deste estudo é justamente compreender como ocorreu a mudança do nome capital catarinense e para isso precisamos concentrar atenção na construção do processo discursivo que permitiu à sociedade catarinense promover tal mudança num contexto tão conturbado politicamente. A partir dos periódicos podemos perceber que

(...) as ambiguidades e hesitações que marcaram os órgãos da grande imprensa, suas ligações cotidianas em diferentes poderes, a venalidade sempre denunciada, o peso dos interesses publicitários e dos poderosos do momento também podem ser apreendidos a partir de determinadas conjunturas. (LUCA, 2005, p.130)

Ou seja, é por meio da narrativa produzida e difundida pela imprensa de Desterro e do Rio de Janeiro, neste caso mais especificamente o jornal ―Correio da Tarde‖, que vamos perscrutar o imaginário daquela sociedade envolta em um contexto de conflitos de grande magnitude. 17

Como referência metodológica para desenvolver o exame das fontes encontradas em periódicos, vamos levar em consideração o método para análise de conteúdo proposto por Zicman no que tange à análise temática dos periódicos:

Este método interessa-se pelo significado dos discursos independentemente de sua forma linguística, centrando-se na análise do conteúdo dos discursos. Desenvolve-se a partir de temas ou itens de significação relativos a um determinado objeto de estudo e analisados em termos de sua presença e frequência de aparecimento nos textos analisados. Revela-se especialmente interessante quando se trabalha sobre uma grande quantidade de documentos e em estudos sobre motivações, opiniões, atitudes e tendências, como por exemplo, num estudo sobre as atitudes da Imprensa frente a um determinado fato. (1985, p.95)

A proposta do autor com o método de análise temática está ligada a uma concepção ampla de análise dos documentos provenientes da imprensa. Primeiramente por tratar tanto dos aspectos materiais, quanto imateriais. Em segundo lugar por apresentar roteiros de categorização e codificação, o que nos permite criar nossas próprias categorias de análise e, de forma seriada, as atrelar a indicadores como presença, frequência e orientação da linha editorial. A partir desse processo podemos observar, num conjunto de publicações, a forma como o tema estudado é apresentado em escala dinâmica. (ZICMAN, 1985, p.97-98)

Dessa forma, no primeiro capítulo será construído um panorama relativo aos fatos que justificaram a mudança do nome da capital de Santa Catarina em 1894, iniciando com a Revolta da Armada e sua invasão a Desterro em setembro de 1893, passando pelos governos revolucionários instalados na capital catarinense e por fim, apresentando os elementos pertinentes ao debate que se relacionam com a reação legalista e as consequentes perseguições que ocorreram na cidade em meados de 1894.

O segundo capítulo tem como objetivo levantar um debate historiográfico, composto por distintas correntes de pensamento, sobre como se deu o processo de mudança do nome da cidade. Esse debate pretende contemplar as principais narrativas que buscam explicar esse complexo processo político. As convergências e contradições presentes nas obras analisadas constituirão plano de fundo para esmiuçar o processo assinalado nesse estudo. Nesta mesma seção, vamos analisar os manuscritos de Duarte Schutel, reunidos e organizados por Rosângela Miranda Cherem na obra intitulada ―A república vista do meu canto‖. Nesse momento o objetivo é levantar elementos que nos permita observar como a intelectualidade 18 oposicionista ao governo de Floriano percebia os movimentos que levaram à mudança do nome da capital catarinense.

Por fim, no terceiro capítulo, amparado na coleção de manuscritos de Duarte Schutel que cita o jornal ―Correio da Tarde‖, pretendo trazer a luz da discussão, novos elementos presentes neste periódico, publicado no Rio de Janeiro entre 1893 e 1895. Dessa forma, o esforço contido nesse momento está direcionado em buscar, fora do campo de atuação dos periódicos da imprensa local, elementos que colaborem para uma interpretação sobre a percepção de agentes exógenos ao processo em questão e por isso esta opção não se trata de uma tentativa de construir um senso de isenção político-ideológico das fontes por meio do distanciamento, mas justamente observar esses aspectos em uma construção histórica e social distinta da população de Desterro naquele período.

CAPÍTULO 1 - A REVOLUÇÃO DE 1893 EM DESTERRO

Era manhã de terça-feira, dia 02 de outubro de 1894, clima ameno de primavera na capital de Santa Catarina. Na capa da edição de número 134 do jornal ―República‖, se encontra a seguinte publicação:

Os desejos populares, tão eloquentemente manifestados por intermédio dos respectivos Conselhos Municipais, as nossas justas aspirações, externadas nestas columnas, a respeito da mudança do nome desta capital para o de Florianópolis, como uma demonstração da gratidão nacional ao grande marechal, salvador da Republica, acabam de ser satisfeitos, graças aos actos do Congresso que decretou tal mudança e ao ilustre governador do Estado que hontem sancionou a rezolução legislativa. A começar de hontem a capital do Estado de Santa Catharina não é Desterro, mas sim Florianópolis.5

O veículo de imprensa em questão se tratava de uma instituição ligada ao PRC, apoiador das tropas legalistas6 no processo de ocupação e estabelecimento dos republicanos

5 REPUBLICA, Desterro, 02 de outubro de 1894, p.1. 6 As tropas legalistas eram divisões militares coordenadas pelo governo central, enviadas ao sul do Brasil durante o governo de Floriano Peixoto para conter a sublevação que ameaçava seu governo. O termo ―legalista‖ era uma referência à defesa da legalidade do poder vigente, ou seja, ao mesmo tempo em que o governo central se colocava ao lado da lei, levava seus opositores a um papel de antagonismo a ela, portanto seriam tratados como criminosos. 19 no controle do estado, demonstrando-se desde o início da queda dos federalistas em abril daquele ano, uma importante ferramenta de propaganda do florianismo em Santa Catarina.

Essa foi uma das implicações resultantes do violento processo de disputas políticas que opuseram entre si membros de uma elite abastada com o objetivo de consolidar o regime republicano. Republicanos e federalistas o compreendiam de formas distintas e as tensões que se originaram do embate dessas ideias promoveram uma escalada de violência inerente a essa conjuntura, sendo, conforme aponta Corrêa, inevitável. (1990, p.21-22)

O federalismo7 foi uma expressão política efêmera em terras catarinenses e ―(...) numa situação tumultuada e precária, conseguiu manter-se no poder por três anos.‖ (ARAÚJO, 1989, p.110) Já no fim desse processo, o governo de cunho revolucionário durou poucos meses, de outubro de 1893 a abril de 1894. A instalação e queda desse governo revolucionário, paralelo ao central, unindo os três estados da região sul do Brasil, deve se iniciar nesta pesquisa a partir da Revolta da Armada e sua invasão à Desterro, pois esse acontecimento foi crucial para tornar esta cidade, a capital deste governo paralelo, principal ponto de convergência entre as lideranças federalistas rio-grandenses e os insurgentes da Marinha no Rio de Janeiro. (CORRÊA, 1990, p.27; NECKEL, 2003, p.30-31)

1.1. A REVOLTA DA ARMADA: DESTERRO NA ROTA DA REVOLUÇÃO

Em meados de 1893, as tensões entre os principais oficiais da Marinha e governo central se intensificaram. O ministro da Marinha Custódio de Melo8, oficial de grande prestígio, pediu demissão de seu cargo em 28 de abril de 1893, alegando que Floriano estava conduzindo de forma inadequada os conflitos locais existentes no Rio Grande do Sul. Dessa maneira, argumentou que:

Está no domínio público e na consciência de todos que a atual administração do Rio Grande do Sul não representa a maioria dos nossos compatriotas naquele Estado: não é um governo de seleção imposto pela opinião popular e, tais condições é um governo fraco, que somente pelo apoio das armas federais poderá manter-se. (MELLO apud CORRÊA, 1990, p.29)

7 O federalismo se caracterizou naquela conjuntura como uma tendência político-ideológica republicana que defendia a descentralização do poder em unidades com alto nível de autonomia perante o governo central. 8 Custódio José de Melo foi Contra-Almirante da Marinha do Brasil, Ministro da Marinha e líder do grupo que conflagrou em setembro de 1893 a Revolta da Armada em oposição ao governo Floriano Peixoto. 20

Custódio de Melo se referia ao governo de Júlio de Castilhos que, apoiado pelo governo central, fazia frente ao movimento federalista que ganhava corpo e adesão popular naquele estado. Era fato que o prestigiado oficial da Marinha defendia abertamente a adesão do governo central a uma política de caráter neutro e pacifista diante daquelas circunstâncias, porém também era fato que estava, enquanto ministro e sem o conhecimento de Floriano, conduzindo ações paralelas ao governo central nos conflitos ao sul do país naquele momento. (CORRÊA, 1990, p.27-28) Havia, portanto muitas divergências entre Custódio de Melo e Floriano Peixoto no que se referia à condução daqueles conflitos, refletindo a histórica rivalidade existente entre as instituições militares.

As tensões que pairavam sobre os oficiais da Marinha e do Exército possuíam raízes ainda imperiais, desde a composição social até o soldo que recebiam9. Dessa forma, a demissão de Custódio de Melo fez com o governo buscasse rapidamente um substituto a altura, porém sem sucesso entre os principais quadros, o que intensificou a rejeição ao governo florianista. (XAVIER, 2017, p.179) No decorrer dos meses seguintes, oficiais da Marinha continuavam a conspirar contra os interesses do governo central nos conflitos entre republicanos e federalistas no Rio Grande Sul, sendo o dia 18 de julho daquele ano o ponto de inflexão que projetou a outro nível a escalada de tensões entre o oficialato oposicionista da Marinha e o governo central. Eduardo Wandenkolk10 foi enviado do Rio de Janeiro para apoiar tropas federalistas em uma ação articulada no porto de Rio Grande e lá, se viu em situação delicada devido à má organização das forças de apoio terrestre local. A ação foi desastrosa não surtindo o efeito desejado pelos oficiais oposicionistas da Marinha que o enviaram. (CABRAL, 1937, p.317) No caminho de volta para a capital foi detido em Desterro, chegando ao Rio de Janeiro como prisioneiro, sendo confinado na Fortaleza de Santa Cruz ―(...) de jurisdição do exército, sentindo-se a Armada ofendida, tanto pelo fato da rivalidade entre as corporações, quanto por, sendo o Almirante Senador, ser preso sem autorização do senado‖. (CORRÊA, 1990, p.34)

A partir desse momento os principais oficiais da Marinha entravam em rota de colisão direta com o governo de Floriano Peixoto. No dia 6 de setembro de 1893 Custódio de Melo,

9 Segundo Côrrea, na Marinha encontravam-se ―(...) elementos oriundos geralmente da nobreza brasileira ou classe média alta, que lhe dava certo clima de aristocracia.‖ (1990, p.27) Já a oficialidade do exército era composta por membros de uma burguesia emergente, que por sua característica socialmente móvel, estava mais adaptada às mudanças intrínsecas ao novo regime como o abolicionismo. 10 Eduardo Wandenkolk foi Contra-Almirante da Marinha do Brasil e senador da República no governo provisório de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. 21 que liderava o grupo oposicionista a Floriano, fez um pronunciamento ao povo brasileiro onde apontava os motivos que levaram ele e seus apoiadores a romper com o governo central tomando a baía da Guanabara. No seu pronunciamento, Custódio de Melo destacou o seu compromisso com os valores republicanos aos quais defendeu em diversas ocasiões e criticou veementemente a atuação do governo florianista, destacando o seu caráter autoritário e demonstrando disposição em lutar por uma mudança conjuntural nesse processo:

Não posso conservar-me inerte nessa situação angustiosa do meu país. Os homens, cuja ação os acontecimentos políticos foram determinados, não podem deixar de concentrar em si as tendências e as aspirações de uma época. A Nação anseia por ver-se livre de um governo que a humilha. A época é, pois de reconquista de direitos e de liberdades que foram conculcados e suprimidos. (MELLO apud CORRÊA, 1990, p.36-37)

Dessa maneira, influentes setores da Marinha aderiram ao movimento militar que se opunha a Floriano Peixoto, estava deflagrada a Revolta da Armada no Rio de Janeiro, um movimento que, mais tarde, ecoaria de forma irremediável em águas catarinenses, tendo dramáticas implicações em Desterro. (MEIRINHO, 1982, p.64)

Os planos dos revoltosos da Marinha envolviam a tomada de pontos estratégicos da estrutura logística do governo central e um ataque por terra vindo de São Paulo para depor Floriano. Deste modo, Custódio de Melo instruiu Frederico Guilherme de Lorena11 a comandar o Cruzador ―República‖ numa missão que visava apressar o processo de deposição de Floriano da cadeira presidencial. Essa missão era composta por cinco objetivos:

1º. Transpor a barra do Rio de Janeiro, na noite de 16 de setembro, partir em direção ao porto de Sepetiba para cortar as comunicações do governo por via marítima.

2º. Destruir ou inutilizar todos os elementos de defesa do Governo, tanto nas imediações de Sepetiba, quanto dos portos próximos.

3º. Apreender a bordo dos navios mercantes nacionais, mediante recibo, todos os gêneros ou comestíveis necessários à esquadra revoltosa.

4º. Destacar navios incorporados à divisão para servirem de comunicação com os vasos de guerra revoltosos ao longo do litoral.

11 Militar da Marinha do Brasil, com posto de Capitão de Mar e Guerra, foi um dos líderes revoltosos de 1893, sendo posteriormente considerado um desertor pelo governo central. Esteve a frente do Governo Provisório instituído em Desterro entre 1893 e 1894. Foi capturado em executado nesta mesma cidade no processo de dissolução do movimento federalista em terras catarinenses.

22

5º. Comunicar ao comando em chefe da esquadra todos os seus procedimentos mais importantes que forem sendo feitos, servindo para este fim a torpedeira Marcílio Dias. (CORRÊA, 1990, p.57-58)

Os fatos ocorridos a partir dessa missão revelam que Frederico de Lorena não conseguiu efetivar operacionalmente as instruções que seu comandante havia lhe passado. Não conseguindo desembarcar em Sepetiba, seguiu para Santos onde também não obteve sucesso, dessa maneira os navios República e Pallas rumaram para o sul com destino ao porto de São Francisco em Santa Catarina com a finalidade de abastecimento. (BOITEUX, 1912, p.409; CORRÊA, 1990, p.58) Nesse momento há um importante ponto de inflexão nas ações dos revoltosos da Marinha, Frederico de Lorena decide articular ações militares em Santa Catarina, dentre as quais se destacam o envio de militares a Joinville que ―(...) retornaram com o aparelho telegráfico da cidade, e o chefe federalista local Abdon Batista (...)‖ (CORRÊA, 1990, p.58), o envio do navio Pallas para o porto de Itajaí com a finalidade de inutilizar o sistema de comunicação daquela cidade e ações em terra foram tomadas para dificultar a mobilidade das forças legalistas que porventura tentassem se evadir em direção ao norte do estado. Por fim, Frederico de Lorena buscou construir uma aliança com as lideranças federalistas locais para atacar o 25º. Batalhão sediado em Desterro12. E assim foi feito, em 26 de setembro o cruzador República chega á capital catarinense.

Avisado pelo próprio presidente da República que Desterro seria alvo de ataque pelos revoltosos da Marinha, Coronel Julião Augusto de Serra Martins13 preparou as defesas da cidade a partir das fortalezas e do instrumental bélico que dispunha. Sobre os preparativos para a defesa de Desterro, havia, entre as lideranças locais, simpatia pelo movimento revolucionário que se aproximava e, portanto as defesas foram esvaziadas por agentes públicos, militares e civis, com o objetivo de flagelar a resistência à chegada dos revoltosos.

As condições de defesa eram diminutas. Havia completa falta de armas e munições de artilharia. As fortalezas implantadas no norte da Ilha de Santa Catarina possuíam meia dúzia de canhões antigos, dos séculos dezesseis e dezessete, além de pouca munição, e os transportes para tropas tanto por terra quanto por mar eram escassos, senão inexistentes. A situação era tão precária que o Coronel Serra Martins teve que reunir alguns canhões de bronze que serviam como enfeites em logradouros públicos da cidade. (CORRÊA, 1990, p.60)

12 Segundo Corrêa, ―(...) apesar do governo de Santa Catarina estar nas mãos de federalistas, o comando do 25º. Batalhão representava o único baluarte contra os revolucionários.‖ (1990 p.58-59). 13 Militar Florianista, Comandante do 25º. Batalhão sediado em Desterro. 23

Apesar da pouca capacidade de defesa, Desterro apresentou armas e resistiu aos ataques, mesmo que de maneira pouco eficaz, porém a crescente adesão dos próprios oficiais comandados por Serra Martins à causa revolucionaria tornava a rendição da capital catarinense uma questão de tempo. Ciente disso, Frederico de Lorena enviou, no dia 28 de setembro, uma intimação a Serra Martins para iniciar o processo de capitulação da cidade. Neste documento enfatiza o caráter libertador das ações militares comandadas pelo movimento revolucionário, trata o presidente Floriano como um déspota autoritário e faz um apelo para que Desterro seja entregue sem mais derramamento de sangue. (CORRÊA, 1990, p.61-62; BOITEUX, 1912, p.410)

No dia seguinte, uma reunião entre oficiais de Desterro definiu a rendição da cidade e se instalou uma comissão para negociar esse processo. Aos militares envolvidos na resistência foi deliberado que poderiam aderir ao movimento revolucionário ou assumir neutralidade, assim se procedeu com Serra Martins que não aderindo à luta revolucionária, foi enviado ao Rio de Janeiro. Em 30 de setembro, Frederico de Lorena proferiu um manifesto a população de Desterro onde mais uma vez acusa o presidente Floriano de tirania e exalta:

(...) a liberdade da Pátria, a fim de que nossos cidadãos, livres de quaisquer peas, possam escolher aqueles que devem consolidar as instituições, fazendo efetivar as garantias oferecidas pela constituição e pondo em vigor o regime federativo nela estabelecido, sempre fraudado pelos chefes dos governos que tão mal tem dividido os destinos da Pátria. (MURICY apud CORRÊA, 1990, p.69-70)

Dessa maneira, a Revolta da Armada se alinha ao movimento federalista em Santa Catarina. A partir desse momento Desterro caminha a passos largos para se tornar o centro de um dos mais sangrentos conflitos políticos da Primeira República.

1.2. OS GOVERNOS REVOLUCIONÁRIOS

Logo que os revoltosos da Marinha ocupam Desterro, articulações políticas se iniciam para definir o papel da capital catarinense na revolução que pretendia derrubar o presidente Floriano Peixoto. Já nos primeiros dias se instala o Comando Militar Revolucionário que, entre outras deliberações, é responsável pela ―(...) extradição do Comandante Serra Martins para o Rio de Janeiro.‖ (CORRÊA, 1990, p.74) A partir do dia 11 de outubro, os moradores de Desterro veem a cidade se transformar em um grande quartel general. Lideranças federalistas do Rio Grande do Sul unidas aos oficiais revoltosos da Marinha formavam pela primeira vez um só movimento. 24

O governo de Santa Catarina, por sua vez, já havia se engajado com o movimento revoltoso dos oficiais da Marinha e tinha, por questões ideológicas, uma forte inclinação em apoiar os federalistas do sul, o ponto de convergência era a queda de Floriano Peixoto. O empenho das lideranças federalistas catarinenses com esta causa era tanta, que diante dessa conjuntura a ―(...) Assembleia Legislativa do Estado declarou separado o Estado de Santa Catarina da União, enquanto o Marechal Peixoto continuasse na administração federal, além de ter concitado o povo a pegar em armas para derrubá-lo.‖ (CORRÊA, 1990, p.74)

A ocupação de Desterro pelas tropas revoltosas da Marinha se deu pelas decisões tomadas por Frederico de Lorena, às julgando mais acertadas como já pontuamos, porém a sua escolha, como centro estratégico da revolução, foi fundamentada na possibilidade que dava tanto aos revoltosos da Marinha quanto aos federalistas gaúchos, de obter vantagens logísticas para avançar por terra e mar contra o governo central no Rio de Janeiro14.

Do ponto de vista de alguns gaúchos, federalistas, a revolução do Rio Grande estava perdida incontestavelmente, e somente o estabelecimento de um Governo Provisório em Desterro poderia salvá-la. Esta ideia, aliás, já tinha sido proposta por Silveira Martins15 ao Almirante Custódio de Mello, logo no início do movimento da Armada, no Rio de Janeiro. (CORRÊA, 1990, p.75)

No dia 14 de outubro de 1893 foi instalado o Governo Provisório16. Inúmeras lideranças federalistas e toda a oficialidade da Marinha que acompanhou Frederico de Lorena na tomada de Desterro estavam presentes no Palácio do Governo do Estado para legitimar a sua posse enquanto dirigente desse novo governo. (OLIVEIRA, 1995, p.14) No momento da posse, Frederico de Lorena fez um pronunciamento aos presentes onde tratou de expor a trajetória revolucionária dos revoltosos da Marinha que o levaram até este momento, destacando a adesão do povo catarinense à luta contra o autoritarismo de Floriano Peixoto e que por isso, Desterro ―(...) estava destinada a ser provisoriamente a sede do primeiro governo revolucionário.‖17

14 Os revoltosos da Marinha tinha como base naval a baia de Guanabara e os federalistas gaúchos utilizavam terras no Uruguai como base de operações de onde partiam suas ações militares. Nos dois casos havia vantagem na mudança para Desterro por melhor distribuição logística de suprimentos, pelo ganho político de ser um espaço em território nacional e por facilitar a comunicação entre as lideranças. 15 Gaspar da Silveira Martins foi magistrado e uma das mais importantes lideranças políticas do movimento federalista no Rio Grande do Sul entre 1892 e 1895. 16 Inicialmente a ideia era constituir uma junta governativa que teria um representante do Rio Grande do Sul, um de Santa Catarina e um da Armada revoltosa, porém articulações políticas construíram a solução de um governo com somente um governante. 17 JORNAL DO COMMÉRCIO, Desterro, 15 de outubro de 1893, p.1. 25

Nas suas primeiras medidas enquanto principal autoridade do governo provisório, Frederico de Lorena construiu seu quadro administrativo. Um dos principais objetivos com a instalação de um governo paralelo ao central foi ―(...) fazer com que as nações do Prata, principalmente, reconhecessem o estado de beligerância no Brasil, o que impediria a venda de armamento ao governo do Rio de Janeiro para proteger-se dos revolucionários.‖ (CORRÊA, 1990, p.79; MEIRINHO, 1982, p.67) Dessa forma, lideranças federalistas do Rio Grande do Sul foram nomeadas em embaixadas nesses países para construir uma conjuntura diplomática propositiva para os revolucionários. Essas nomeações feitas por Frederico de Lorena evidenciaram a sua aproximação com grupos politicamente menos influentes no movimento revolucionário, na sua grande maioria militares de baixa patente, e isso promoveu descontentamentos e tensões entre as lideranças mais tradicionais tanto do movimento federalista quanto da Armada18.

As críticas à condução que Frederico de Lorena dava ao Governo Provisório ganharam volume a ponto de haver intervenção de Custódio de Melo, que cobrava explicações de seu subordinado hierárquico. Frederico de Lorena justificava suas indicações alegando critérios técnicos na escolha dos indivíduos que formavam seu governo e ao mesmo tempo atacava aqueles que o criticavam. O fato era que o Governo Provisório se demonstrava politicamente centralizador, ideologicamente anti-monarquista, com caráter militarista, apresentando estreitas ligações com o positivismo e isso era visto como um problema para muitas lideranças civis e militares dos movimentos envolvidos nesse processo, que apesar de nesse momento lutar por um regime republicano, tinham raízes monarquistas.

Apesar da tendência anti-monarquista do governo provisório, Frederico de Lorena se via ao acaso construindo pontes com políticos catarinenses ligados a esta vertente, era uma forma de manter certa governabilidade, pois o apoio de nomes como Cristóvão Nunes Pires19 trazia estabilidade interna para o governo. Todavia, em 07 de dezembro, Saldanha da Gama publicou um manifesto criticando a queda do monarquismo em 15 de novembro de 1889.

18 Nesse período as duas principais lideranças desses movimentos, Silveira Martins e Custódio de Melo, trocavam correspondências constantemente e com frequência tratavam criticamente das escolhas de Frederico de Lorena quanto aos quadros que compunham o Governo Provisório. (CORRÊA, 1990, p.80-87) 19 Industrial e comerciante. Foi deputado à Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina na 24ª legislatura (1882 — 1883) e na 25ª legislatura (1884 — 1885). Foi um dos membros da Junta Governativa catarinense de 1891 e vice-presidente do Estado de Santa Catarina, tendo assumido a presidência de 24 de setembro a 08 de outubro de 1893. 26

Neste momento Frederico de Lorena se posiciona duramente contra o Vice-Almirante gerando mais tensões entre seus correligionários da Armada.

Se o governo de Frederico de Lorena não era bem visto pela chefia dos federalistas gaúchos, principalmente por Gaspar da Silveira Martins, agora, com esta atitude francamente contra o pensamento do Vice-Almirante Saldanha da Gama, as coisas pioraram em termo de apoio. Vetado pelos revolucionários gaúchos, rompia também contra aquele que mais tarde iria dividir a liderança da Armada com Custódio de Mello. A atitude individualista de Lorena, na verdade, prenunciava uma profunda queda nos objetivos do Governo revolucionário, tábua de salvação de todos aqueles que se voltaram contra Floriano Peixoto. (CORRÊA, 1990, p.79)

Em dezembro de 1893, os rumos que o movimento revolucionário tomava eram difusos, a dinâmica da articulação política parecia não aglutinar efetivamente as forças contrárias a Floriano e o Governo Provisório não demonstrava ser o ponto de convergência entre os federalistas gaúchos, revoltosos da Armada e políticos catarinenses conforme imaginado nos meses anteriores. O isolamento cada vez maior de Frederico de Lorena refletia de forma contundente a falta de diálogo entre as forças que compunham a revolução.

Diante dessa conjuntura, a ideia de formar uma Junta Governativa ganha força novamente e articulações começam a se estabelecer com essa finalidade. Uma visita de Custódio de Melo à Desterro trouxe apreensão às lideranças políticas locais, pois temiam significar o fortalecimento do Governo Provisório e de fato, a expectativa foi confirmada, esse evento deu sobrevida a Frederico de Lorena no governo. (CORRÊA, 1990, p.104-108)

Apesar de contrariados com os rumos do Governo Provisório, os federalistas gaúchos continuaram com seus planos de uma invasão por terra à capital do governo central, passando por Paraná e São Paulo. Dessa forma, as tropas revolucionárias gaúchas passaram por Desterro e em meados de janeiro de 1894 adentraram ao estado do Paraná.

A invasão do Paraná representou a primeira grande vitória revolucionária do ponto de vista militar, permitindo a criação de novos ânimos para o prosseguimento da causa em direção a São Paulo e, posteriormente, à capital da República, para a deposição de Floriano Peixoto. Na defesa daquele estado, principalmente quando da ocupação da cidade da Lapa, pelos federalistas, entraram em conflito contra o exército de Gumercindo Saraiva20 tropas federais onde atuaram militares catarinenses e políticos engajados. (CORRÊA, 1990, p.123)

20 Gumercindo Saraiva foi um estancieiro, militar e liderança carismática gaúcha na região fronteiriça com o Uruguai. É apontado como um dos principais comandantes das tropas rebeldes durante a Revolução Federalista. 27

Esse movimento causou graves implicações para o Governo Provisório em Desterro. Embora as manobras militares bem sucedidas no estado do Paraná tenham contribuído para consolidar o governo provisório, o surgimento de novas personalidades políticas paranaenses embaralhou as articulações políticas então estabelecidas, desequilibrando as relações de poder instituídas por Frederico de Lorena. Este foi o caso do desembargador Emygdio Westphalen21 que viria a assumir interinamente diversas pastas vagas no Governo Provisório em troca de um maior controle por parte de Frederico de Lorena de postos estratégicos no estado do Paraná. Com sua chegada a Desterro, ―(...) exigiu a demissão de Henrique Valga do Ministério da Justiça e Interior e de Mourão dos Santos da Marinha.‖ (CORRÊA, 1990, p.126) Esse incidente junto à decisão do governo provisório de dar passagem a um grupo florianista derrotado no Paraná para o exílio no Uruguai, promoveu uma cisão entre o Governo Provisório e o único elo que ainda o sustentava, Custódio de Melo.

O rompimento definitivo entre Custódio de Mello e o Presidente do Governo Provisório teve início quando, com a vitória federalista no Paraná, Lorena autorizou a saída de alguns republicanos derrotados, em direção a Montevidéu. De imediato, Mello telegrafou ao Presidente do Governo protestando pelo fato de não ter sido ouvido no caso, pois era contra tais liberdades. No mesmo documento, o Almirante pediu explicações sobre a saída de Mourão e Henrique Valga. (CORRÊA, 1990, p.127)

Diante desses fatos, isolado politicamente e sem respaldo das forças militares que compunham a estrutura armada da revolução, Frederico de Lorena publicou um manifesto ao povo catarinense em 12 de março de 1894 informando que deixava a presidência do Governo Provisório, abrindo espaço para a instalação de uma Junta Governativa com representantes dos três estados. Os nomes escolhidos para formar o novo governo foram José Ferreira de Mello22, representando Santa Catarina e Emygdio Westphalen por parte do Paraná. Silveira Martins seria responsável por indicar o representante do Rio Grande do Sul, mas ―(...) não deu a mínima importância para este novo governo, pois, além de sequer ter mandado representante, parece não ter tocado no assunto com o Almirante Saldanha da Gama (...)‖ (CORRÊA, 1990, p.131), ou seja, o novo governo revolucionário, proposto em moldes mais descentralizados, já começou com problemas deixados pelo Governo Provisório. Todavia, a herança deixada pelo antigo governante era muito pior que relações políticas mal conduzidas entre aliados.

21 Emygdio Westphalen foi um político, procurador e desembargador no estado do Paraná. 22 José Ferreira de Mello foi advogado, juiz de direito, político e presidente do Supremo Tribunal Federal do Governo Provisório dos Estados Unidos dos Brasil em 1894. 28

Apesar de Lorena ter montado um arsenal de Marinha em Desterro, a situação dos navios necessários à proteção da costa paranaense, Santa Catarina e Rio Grande do Sul era lastimável. Faltavam armamentos, grande número de embarcações estava em reparos, além da falta constante de combustível. A própria defesa da terra, localizada nas fortalezas e fortes que circundavam a Ilha de Santa Catarina, não apresentava quaisquer condições de sustentar troca de fogo com navios florianistas que se aproximavam do sul. Os canhões não eram automáticos e ainda permaneciam em uso aqueles que já haviam sido insuficientes em meados do século XVIII, quando da invasão espanhola à Ilha. (CORRÊA, 1990, p.133)

Certamente outros fatores como a dinâmica dos movimentos militares executados sobre o estado do Paraná e a difícil articulação entre os diversos grupos que compunham o movimento revolucionário, podem ser elencados como elementos que colaboraram para o colapso financeiro da revolução, mas o caráter centralizador do Governo Provisório se apresentou como fonte de crises políticas, algo que contribuiu para a desorganização da estrutura política e militar da revolução.

As condições objetivas para a continuidade das operações militares eram cada vez piores. As tropas de Gumercindo Saraiva presentes no Paraná não tinham mais condições de avançar e pressionados por uma súbita investida do exército legalista, vindo de São Paulo, regressaram em direção ao Rio Grande do Sul para de lá, continuar a revolução.

Em Desterro a situação era calamitosa, a iminência de um ataque dos navios florianistas fez com o Aquidabã23 ficasse para proteger a Ilha, porém os problemas não se resumiam somente à questão financeira, o contingente estava defasado, portanto menores de idade foram empregados no serviço militar para proteger a cidade. (OLIVEIRA, 1995, p.17- 18) Um movimento de recuo estratégico foi realizado no dia 03 de abril de 1894 por Custódio de Melo ao sair de Paranaguá em direção à Rio Grande para ocupar a cidade. Mal sucedido, fez com que o Almirante seguisse viagem até Montevidéu, onde entregou seus navios ao governo uruguaio. Desterro estava indefesa, os braços militares da revolução foram para o sul e muitas lideranças políticas catarinenses ligadas ao federalismo fugiram por medo de retaliação das forças legalistas que estavam a caminho.

1.3. ACERTO DE CONTAS: O DURO GOLPE LANÇADO SOBRE DESTERRO

Com a retirada das forças revolucionárias para sul, o mês de abril do ano de 1894 seria marcado pelo início de uma profunda conversão política em Desterro. Floriano Peixoto

23 Aquidabã foi um dos principais encouraçados da Marinha do Brasil no fim do século XIX. 29 intensifica esforços para atacar os estados do Paraná e Santa Catarina e restaurar a legalidade naquela região. Para tanto, mobiliza parte dos navios de guerra da Marinha que se encontravam na região norte e adquire embarcações dos Estados Unidos da América.

Com esses navios foi possível tomar Paranaguá e entrar pelo interior do estado do Paraná, ocupando Curitiba, além de avançar para o sul e bombardear o ―República‖ em águas catarinenses. Assim foram afugentados os poucos revolucionários que ainda se encontravam em Desterro, principalmente os membros do Governo Provisório. (CORRÊA, 1990, p.142)

No dia 16 de abril uma esquadra legalista tomou Desterro e dois dias depois as forças representantes do governo central assumiram o governo provisoriamente por meio da indicação de Aristides Villas Boas24. As ações tomadas pelo governo provisório legalista visaram desconstruir políticas e estruturas criadas pelos federalistas, tais como a anulação das ações tomadas pelo governo do estado entre fevereiro e abril, dissolução da Assembleia Legislativa de Santa Catarina e do Supremo Tribunal Federal, estrutura do poder judiciário, criada pelo governo provisório de Frederico de Lorena.

Poucos dias depois, o Cruzador ―Ibaipe‖ chega a Desterro trazendo consigo o Coronel Antônio Moreira César25 e 500 praças do 7º e 23º Batalhão de Infantaria do Exército. Em 22 de abril, Moreira César assume o governo do estado de Santa Catarina, a sua gestão vai se estender até 28 de setembro daquele ano. Entre as suas ações enquanto governador do estado, a característica mais marcante certamente foi o encalço implacável aos federalistas que ficaram em Desterro, a imposição da legalidade florianista veio por meio de um violento e vingativo processo de perseguição política que atingiu em cheio a elite oposicionista ao governo central.

Insuflado por espíritos perversos da Capital e do Rio, Moreira Cezar instalou o terror em Santa Catharina. Fez prender e recolher à fortaleza de Santa Cruz os apontados como inimigos da legalidade, até mesmo os que não haviam participado da revolução. As denúncias, as delações se succediam com frequência e Santa Catharina conheceu as páginas mais negras de sua história. As fortalezas se congestionaram de prisioneiros, uns que não puderam exilar ou esconder à fúria sanguinária dos vencedores, outros que se não haviam por culpados e ainda outros que, tendo buscado refúgio no interior da ilha, nas casas de amigos ou nos mattos, foram denunciados pela

24 Tenente do exército brasileiro, Aristides Villas Boas foi indicado pelo Almirante Jerônimo Francisco Gonçalves (responsável militar pela tomada de Desterro) ao cargo de governador provisório do estado de Santa Catarina. 25 Antônio Moreira César foi Coronel do Exército Brasileiro. Defensor ferrenho do regime florianista, seu nome esteve envolvido em diversas operações e intervenções militares no início do período republicano no Brasil. 30

perversidade dos adversários, no seu incontido e desumano ódio partidário. Casas foram varejadas pela soldadesca em fúria; famílias, desrespeitadas. (CABRAL, 1937, p.338-339)

O número de mortos nesse processo é ainda objeto de discussão historiográfica. Boiteux descreveu uma listagem com 42 nomes daqueles que foram presos e mortos na fortaleza de Santa Cruz na Ilha de Anhatomirim (1912, p.421), Duarte Schutel aponta em seus escritos 34 mortos (2002, p.120-122), já Cabral nomeia 185 cidadãos desterrenses que foram presos e não mais voltaram ao seio de suas famílias (1937, p.341-342).

Grande parte da discussão em torno das execuções ocorridas em meados de 1894 em Desterro se dá pelo fato de que muitos federalistas que estavam presentes nas listagens de mortos foram processados no ano seguinte às execuções por crimes cometidos durante os governos revolucionários.

Segundo denúncia do Procurador da República José Joaquim de Moraes Sarmento, ao Juiz Federal de Santa Catarina, de 21 de fevereiro de 1895, que relaciona sessenta e cinco nomes incursos no Art. 11, § 4 do Código Penal, são citados os nomes de Elesbão Pinto da Luz, Francisco Vieira Caldas e Caetano Nicolau de Moura. Quase todos compareceram a audiência perante o Juiz, e os que não foram era porque estavam no exterior. Mas todos eram vivos, em março de 1895, segundo o noticiário do jornal ―República‖. (CORRÊA, 1990, p.146)26

Os relatos de que pessoas supostamente executadas pela repressão imposta por Moreira César, estavam na verdade vivas, correram as páginas dos jornais, principalmente os veículos que apoiavam o PRC, era uma forma de minimizar o terror provocado por tamanha violência exercida sobre a população de Desterro. Todavia, essa narrativa ganhava lastro robusto com notícias que narravam o desenrolar da revolução que ainda estava presente no interior do estado:

Por telegramma de Florianopolis, Santa Catharina, sabe-se que uma força de cavalaria do governo bateu um grupo de revoltosos na margem esquerda do Rio Negro, ferindo oito homens e tomando 40 cavallos, armamento e munição. Mais tarde o grupo restante foi batido em Coritybanos, morrendo a maior parte. Segundo cartas e documentos officiaes recebidos pelo comandante do districto, foram mortos o engenheiro francez Buette e o negociante Caetano de Moura, além de outros, fugindo o ex-1º tenente

26 Nesta passagem, Corrêa cita o artigo 11 do código penal de 1890, todavia neste artigo não se encontra elementos de constituição criminal, nem parágrafos conforme também exposto. Todavia, o artigo 111 se encaixa no contexto ao qual a narrativa do autor está inserida. 31

Monteiro de Barros, o tenente da artilharia Nepomuceno Costa, Alfredo Gama, o médico Paula Freitas e o poeta Guimarães Passos.27

Neste relato de 24 de novembro de 1894 há a descrição de uma operação militar que desbaratou um grupo de combatentes que resistia ao fim da revolução em Santa Catarina e entre os nomes citados, há pelo menos quatro que estavam presentes em todas as listagens dos executados meses antes na Ilha de Anhatomirim, sendo estes: o engenheiro Buette de nacionalidade francesa, Major e médico Paula Freitas, Guimarães Passos e Caetano de Moura.

Este último, Caetano Nicolau de Moura surge ainda, meses antes, no dia 07 de setembro, num telegrama enviado por sua esposa ao próprio Floriano Peixoto, lhe suplicando a liberdade do marido:

Em nome da data de hoje representativa da independência da nossa Patria, peço-vos a liberdade de meu marido, Caetano Nicolau de Moura, contra quem não deve haver um único documento verdadeiro na questão da revolta contra vos. Não sou só quem ouso dirigir este pedido: são também inocentes filhinhos dele e meus, banhados em lágrimas diariamente, chorando a sua ausência ignorando seu paradeiro. Vos, que sois justo, e magnânimo, clemente, vos campadecereis das angustias que sofremos e estou certa, attendereis meus rogos. (MOURA, 1894)

No telegrama enviado a Floriano Peixoto há elementos que corroboram para uma percepção de imprecisão quanto às listagens de mortos em Anhatomirim. De todo modo demonstra também sua autenticidade, pois revela o registro de desparecimento do sujeito. Para sua esposa esse desaparecimento seria fruto de prisão arbitrária, porém poderia ser aos olhos da comunidade, um atestado de óbito diante do terror impresso sobre a população de Desterro.

A responsabilidade pela violência política exercida pelo Estado nesse processo também é matéria de divergências na historiografia. Cabral (1937, p.343) apresenta um documento que dispõe sobre um telegrama enviado por Moreira César a Floriano Peixoto em 08 de maio de 1894 que não deixa dúvidas sobre a responsabilidade do presidente da república nesse processo. Todavia, Pereira (1976, p.101-109) apresenta argumentos que contestam a autenticidade do documento que Cabral utilizara para responsabilizar diretamente Floriano pelos fuzilamentos na fortaleza de Santa Cruz28. Há muita discussão entre os

27 A NOTÍCIA, Rio de Janeiro, 24 e 25 de novembro de 1894, p.2. 28 Carlos da Costa Pereira apresenta em sua obra ―A Revolução Federalista de 1893 em Santa Catarina‖, uma discussão sobre o documento exposto por Oswaldo Rodrigues Cabral. Nessa discussão, Pereira traz argumentos que questionam a autenticidade do telegrama apontado por Cabral como prova de responsabilidade de Floriano 32 pesquisadores com relação ao tema. De todo modo, devemos destacar que autores ligados ao IHGSC vêm, ao longo do tempo, se posicionando majoritariamente ao lado de Pereira eximindo Floriano de qualquer responsabilidade. Apesar desse intenso debate, o fato é que Floriano Peixoto, enquanto presidente da república enviou um interventor militar à Desterro e seu subordinado promoveu uma implacável perseguição aos opositores políticos de seu governo. Dessa maneira, inevitavelmente o ônus dos crimes políticos cometidos naquele período está atrelado a sua gestão.

Esse processo impactou profundamente Desterro, primeiro por atingir parte de uma elite historicamente abastada29 e também por se tratar, naquele momento, de uma cidade de pouco mais de 30.000 habitantes (BRASIL, 2011, p.71), ou seja, todos conheciam as vítimas e as notícias se espalhavam rápido devido ao tamanho da comunidade, ampliando a dimensão daquelas perseguições e execuções.

Restaurada a Constituição Estadual de 1891, o PRC se organizou de modo a voltar ao poder por meio de eleições convocadas por Moreira César. O Partido federalista fora extinto, portanto não participando do pleito. O caminho estava livre para ascensão de lideranças republicanas emergentes como Hercílio Luz30, eleito e empossado presidente do estado de Santa Catarina em 28 de setembro de 1894. Em um de seus primeiros atos como governante de Santa Catarina, sancionou a Lei nº111 de 1º de outubro de 1894, que modificava o nome da capital catarinense, Desterro se tornava Florianópolis, a cidade de Floriano. (CÔRREA, 1990, p.147-148; NECKEL, 2003, p.35; MEIRINHO, 1982, p.74-77).

Peixoto na perseguição política imposta por Moreira Cesar em meados de 1894. O autor traz as discussões promovidas pelos deputados em torno da apresentação desse documento na Câmara. Pereira assume a defesa de Floriano tal qual sua base legislativa à época e afirma que o documento em questão seria apócrifo, ou seja, de origem suspeita ou duvidosa. Ver PEREIRA, Carlos da Costa. A revolução federalista de 1893 em Santa Catarina. Florianópolis: Governo do Estado de Santa Catarina, 1976. p.101-109. 29 Essa elite abastada era composta pelas antigas lideranças políticas liberais e conservadoras, que se viram escanteadas dos espaços públicos (cargos) com a mudança do regime. Dessa forma, algumas das implicações desse processo foram os choques de interesses de cada grupo e a dinâmica da mobilidade social que caracterizou aquela conjuntura. Segundo Pedro (1994), ―(...) tais cargos devem ter representado não somente influência política, como alternativa de manutenção de rendas familiares; daí, talvez, a razão para, no final do século, acontecer esta acirrada disputa que se expressou em cisões de grupos, como os ex-conservadores e ex-liberais que formaram o ―Partido União Federalista‖, e os republicanos do ―Partido Republicano Catarinense‖.‖ (p.63) 30 Hercílio Pedro da Luz foi engenheiro e político. Atuou como funcionário público de alto escalão em diversos municípios de Santa Catarina e teve relevante papel na reação republicana à Revolução Federalista de 1893 no Estado. Governou Santa Catarina em períodos intermitentes de 1894 a 1924 quando faleceu. 33

CAPÍTULO 2 - FLORIANÓPOLIS: UM NOME, MUITAS HISTÓRIAS

Os fatos que envolvem um tema tão controverso como este, da mudança do nome da capital catarinense, trazem questões importantíssimas que ultrapassam a esfera da oficialidade do Estado, atravessa a sociedade como um todo. A mudança do topônimo de uma capital com mais de dois séculos de história até então, nos faz refletir sobre como esse processo se constituiu, como foi apresentado pela historiografia às gerações subsequentes, quais símbolos e valores estavam a ele ligados, a quem serviu e serve ainda hoje a estrita sublimação de lideranças políticas com caráter autoritário no comando do Estado.

Certos de que os primeiros anos republicanos no Brasil foram politicamente muito tumultuados, alinhar a sociedade (seus valores, anseios, símbolos) ao novo regime seria uma solução para os conflitos que corroíam a jovem república brasileira, ou seja, o povo que fora excluído politicamente do processo de mudança do regime, agora precisava encontrar neste, elemento renovado que representasse o progresso. Segundo Bourdieu:

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os sistemas simbólicos cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim para a domesticação dos dominados. (2001, p.11)

Podemos observar, portanto que a criação de mitos e representações visando afirmação de legitimidade do novo regime fez parte de um amplo projeto de dominação através construção de uma identidade ligada às elites políticas vencedoras nos conflitos que aqui já mencionamos e aí, entre outras ações, se encontra a mudança do nome da capital para Florianópolis, ou seja, o que estava em pauta era a apropriação de todas as vantagens simbólicas associadas à posse de uma identidade legítima (BOURDIEU, 2001, p.125), algo que dialoga diretamente com a afirmação de Carvalho quando destaca que ―(...) a manipulação do imaginário social é particularmente importante em momentos de mudança política e social, em momentos de redefinição de identidades coletivas‖ (1995, p.11). Na esteira desse processo, não só o topônimo da capital foi alterado, mas também os espaços públicos foram utilizados como instrumento de propaganda política.

Quando a República foi instalada, foram substituídos todos os nomes de ruas e lugares públicos do Desterro que lembrassem a monarquia, a igreja ou 34

simplesmente desagradassem os governantes. As novas denominações homenageavam os ―vencedores‖ da disputa política que culminou com massacre de Anhatomirim. Assim, a Rua do Senado virou ―da República‖ e depois ―Felipe Schmidt‖; a Rua da Cadeia virou ―Tiradentes‖; a Rua do Açougue, ―Saldanha Marinho‖; a Rua da Lapa, ―Nunes Machado‖; a Rua do Príncipe, ―Conselheiro Mafra‖; a Rua do Ouvidor, ―Marechal Deodoro‖; a Rua da Trindade, ―Arcipreste Paiva‖; a Rua do Passeio, ―Esteves Júnior‖; e assim por diante. (OLIVEIRA, 1995, p.28)

Dessa forma, o processo de mudança do nome da capital catarinense foi conduzido legalmente para construir a imagem de legitimidade das ações do novo regime. O projeto de que visava tal alteração foi apresentado oficialmente ―(...) em reunião pública, realizada a 17 de maio, no então Teatro Santa Isabel, hoje Álvaro de Carvalho, merecendo apoio dos presentes, entre os quais altas expressões da comunidade.‖ (MEIRINHO, 1982, p.77). Há registros que tal proposta tenha chagado à mesa de Moreira César, que a encaminhou ao parlamento catarinense para que este fosse responsável pela condução do processo. Após aprovação mediante apreciação no congresso legislativo em 10 de setembro, o projeto se torna lei em 1º de outubro com a sanção do governador recém-eleito, Hercílio Luz.

2.1. HISTÓRIA TRADICIONAL E A NOVA HISTÓRIA

Na historiografia que se debruça sobre tal episódio, existem inúmeras divergências quanto aos sentidos dos acontecimentos que circundam a mudança do nome da capital. Dessa forma é possível identificar, ou classificar, entre os autores e autoras que se dedicaram a estudar o período, pelo menos duas linhas de pensamento no que tange o tema aqui abordado em meio ao contexto de disputas políticas nos últimos anos do século XIX em Santa Catarina. Esses dois grupos serão classificados neste estudo, segundo a definição de Wolff (1994) que propõe um debate sobre as abordagens historiográficas referentes à história de Santa Catarina.

A partir de um ponto de vista centrado na delimitação do objeto de estudo do historiador, é possível vislumbrar a existência de três grupos principais na historiografia catarinense recente. O primeiro é formado por obras que se pretendem estadual e geralmente dão grande importância a eventos políticos de âmbito municipal, local, enquanto o terceiro grupo produz uma história centrada em temas e questões-problemas. (p.53)31

31 O segundo grupo presente nesta proposta, se trata da abordagem local tradicional, que é composto por autores que se dedicam a desenvolver uma historiografia, em alguns casos, não profissional, ligada a questões municipais, como a fundação de times de futebol, conjunturas políticas locais específicas, figuras ilustres de determinada localidade, etc. (WOLFF, 1994, p. 56-57) 35

Os grupos nos quais a autora classifica a historiografia catarinense são atrelados a uma análise já proposta por Peter Burke32 em ―A escrita da História‖ no qual diferencia o que chama de história tradicional e nova história33.

Dito isto, assinalamos que a primeira vertente historiográfica analisada nesse estudo está ligada a pesquisadores vinculados ao IHGSC que tende a naturalizar o processo com ares de justificação à violência intrínseca ao processo de disputa política presente naquele momento histórico. Segundo a classificação proposta por Wolff, esse grupo se encaixaria na abordagem tradicional estadual, ligada à historiografia tradicional segundo os parâmetros de Burke.

A segunda linha historiográfica analisada é composta por pesquisadores e pesquisadoras que, a partir do fim dos anos 1980, buscaram em seus esforços construir um panorama relativo às mudanças sociais presentes na capital catarinense nas primeiras décadas do regime republicano. Quanto às contribuições sobre a mudança do nome da capital, rejeitam a ideia de naturalização defendida por autores ligados ao IHGSC, apresentando críticas contundentes a todo o processo de violência imposto pelo governo central no decorrer

32 Peter Burke é um historiador nascido em Stanmore na Inglaterra em 1937. Doutor em História pela Universidade de Oxford e atualmente professor de História cultural na Universidade de Cambridge. É reconhecido como uma das maiores autoridades intelectuais em História moderna europeia, trazendo em sua trajetória acadêmica uma ênfase na análise sociocultural dos objetos de estudo. Casado com a brasileira Maria Lucia Pallares Burke, também pesquisadora em História, possui íntima relação com o Brasil, pois já foi professor visitante na Universidade de São Paulo e desenvolveu ampla pesquisa sobre a obra de Gilberto Freyre. 33 Segundo Wolff, o esquema elaborado por Peter Burke para realizar essa diferenciação é o seguinte: ―1. Enquanto para o paradigma tradicional ―a história diz respeito essencialmente à política‖, a nova história interessa-se em princípio por toda atividade humana. 2. A história tradicional é pensada como uma narrativa dos acontecimentos. Já a nova história preocupa-se com uma análise, seja de estruturas, de processos, ou dos próprios acontecimentos.3. Tradicionalmente a história tem sido vista de cima, ou seja, ―tem se concentrado nos grandes feitos dos grandes homens, estadistas, generais ou ocasionalmente eclesiásticos‖. Muitos dos novos historiadores, entretanto, têm se preocupado com a história vista de baixo, privilegiando a experiênciadas pessoas comuns.4. O paradigma tradicional da história privilegia a utilização de registros oficiais, emanados do Estado e guardados em arquivos, negligenciando a utilização de outros tipos de evidência aos quais a nova história tem recorrido com frequência, como a história oral, as fontes iconográficas, acervos particulares etc., que muitas vezes permitem ao historiador uma visão menos centrada nas ações do Estado e das elites.5. O modelo de explicação histórica do paradigma tradicional costuma se restringir à atuação de personagens colocados em evidência na documentação. A nova história tem aberto o leque de perguntas que um historiador pode fazer, preocupando-se não só com atuações individuais, mas também, e talvez principalmente, com movimentos coletivos.6. Para o paradigma tradicional a história deve (e pode) ser objetiva. ―A tarefa do historiador é apresentar aos leitores os fatos, ou, como apontou Ranke em uma frase muito citada, dizer ‗como eles realmente aconteceram.‖ No entanto, este é um ideal irrealista. Nosso olhar de historiadores está sempre colocado em uma perspectiva, em uma convenção determinada por nossa cultura, língua, posição social e política. Além disso, os próprios documentos nos apresentam visões parciais dos acontecimentos do passado. Assim, ao invés do ideal de uma história verdadeira, Peter Burke nos apresenta o projeto da Heteroglossia – das múltiplas vozes, variadas e opostas, das múltiplas perspectivas.‖ (1994, p.54) 36 daqueles acontecimentos. Esse grupo se encaixa na abordagem temática segundo Wolff, ligada ao movimento da nova história de Burke, pois se contrapõe:

[...] à chamada história tradicional, os estudos históricos realizados em torno da Revista Annales propuseram diversas transformações para a prática dos historiadores. Talvez uma das principais seja justamente a proposição da história-problema, ou seja, da negação da simples narrativa de acontecimentos em função da problematização de questões, as quais o historiador deve procurar responder. (WOLFF, 1994, p.58)

Como já mencionado, a mudança do nome da capital catarinense em 1894 é em geral tratada por pesquisadores ligados ao IHGSC como parte de um processo natural de progresso e desenvolvimento da região diante do novo regime que se consolidara através da repressão aos oposicionistas restauradores, vinculado a uma agenda reformista no campo político- administrativo. Os autores que serão aqui analisados buscaram construir narrativas que corroborassem com a cristalização de uma versão dicotômica de todo o processo de conflitos políticos que culminaram na Revolução Federalista de 1893. O próprio IHGSC surgiu ―(...) nos últimos anos do século XIX, num contexto marcado pela permanência de resquícios da Revolução Federalista de 1893 e pelo discurso de organização administrativa e modernização da Capital do estado (...)‖ (SERPA, 1996, p.64). É importante lembrar que esta instituição influenciou de forma decisiva a historiografia catarinense durante o século XX, constituindo base teórica para os estudos subsequentes sobre o tema.

Jali Meirinho trata da questão aqui apresentada em duas obras ―República e Oligarquias: Subsídios para a História Catarinense (1889-1930)‖ e ―República em Santa Catarina (1889-1900)‖. Nestas obras o autor nitidamente foca sua argumentação no enaltecimento de figuras ilustres do período como Lauro Müller, Hercílio Luz e Floriano Peixoto. Tratando especificamente do recorte relativo à mudança do nome da Capital, Meirinho busca justificar a homenagem ao Marechal Floriano argumentando que este seria peça fundamental para a consolidação da república e sua ação violenta na repressão ao movimento federalista não seria nada além de uma resposta aos abusos cometidos pelos oposicionistas. O autor também sinaliza que houve amplo debate na sociedade sobre a questão:

Contraditando a história vulgar, que insinua ter sido a mudança de Desterro para Florianópolis feita de maneira arbitrária, constata-se o oposto. Todo o processo vinculou-se a um debate que envolveu por cinco meses a imprensa e segmentos representativos da sociedade, não só da Capital, mas de todo o 37

estado, com pronunciamentos dos Conselhos Municipais e, finalmente, com a aprovação do Conselho Representativo Estadual. (1997, p.115)

Há como bem observamos a intenção de construir uma narrativa que legitime através de um processo democrático a mudança de nome da capital, inclusive com claros elementos de constituição de um discurso glorificador quanto a Floriano Peixoto e suas ações na dissolução do movimento federalista.

Em mais duas obras com características semelhantes a esta apresentada, ―História de Florianópolis Ilustrada‖ e ―Militares e civis num governo sem rumo: o governo provisório revolucionário de Desterro 1893-1894‖, Carlos Humberto Pederneiras Corrêa fixa o debate sobre a queda do império e o surgimento de um novo regime como algo inevitável, traçando uma linha teleológica entre os fatos históricos e suas respectivas implicações. Ao tratar do nosso recorte, Corrêa busca atacar o argumento dos descontentes com a homenagem a Floriano alegando que este não seria o responsável direto pelos fuzilamentos e perseguições ocorridas no processo de dissolução da Revolução Federalista em Santa Catarina. O autor buscou também construir uma narrativa que justifica a mudança do nome capital pela vontade popular, alegando que já havia muitos debates sobre a questão durante todo o século XIX, ou seja, uma justificativa que remetia a um problema de origem e pouco tinha relação com os acontecimentos presentes no período.

Walter Piazza em ―Santa Catarina: Sua História‖ desenvolve um trabalho de síntese, abarcando diversos períodos da experiência humana em Santa Catarina, inclusive dedicando algumas páginas ao estudo de sua pré-história. O recorte teórico-metodológico é linear como observamos nos autores anteriores e sua abordagem busca também enfatizar a ação de figuras ilustres nos períodos destacados. Quando Piazza aborda o tema referente à dissolução do movimento federalista em Santa Catarina, sua argumentação enfoca os embates entre as forças divergentes e o processo de pacificação durante o governo Moreira César em 1894, não mencionando a mudança do nome da capital em homenagem a Floriano Peixoto, mais uma vez formulando narrativas que naturalizam todo o processo.

Nas obras ―Notas para a história catharinense‖ e ―Santa Catharina: (História- Evolução)‖ de Lucas Alexandre Boiteux e Oswaldo Rodrigues Cabral respectivamente, encontramos como em Piazza, uma escrita que remete a narrativa teleológica tendo como ponto de chegada a ascensão do grupo republicano ligado às forças legalistas, sem mencionar, porém a mudança do nome da capital catarinense. A ênfase dos autores se dá na violenta 38 disputa política entre as forças legalistas e federalistas, com uma importante diferença: Cabral apresenta um documento que indica a participação direta de Floriano Peixoto como mandante das execuções feitas por Moreira César naquele processo, já Boiteux responsabiliza somente o seu interventor.

Carlos da Costa Pereira em ―A revolução federalista de 1893 em Santa Catarina‖ assume um papel combativo na defesa de Floriano Peixoto quanto aos fuzilamentos e perseguições que se sucederam durante o ano de 1894 em Desterro, inclusive apresenta argumentos que refutam o documento apresentado por Cabral o responsabilizando. Quanto à mudança do nome da capital, Pereira traz um breve histórico que relaciona esse fato a uma vontade da população pela mudança.

Cerca de um ano antes da proclamação da República, cogitara-se da mudança da denominação da Capital da Província, sob a alegação de que Desterro soava mal e tinha uma significação que não compadecia com a realidade. Esse nome ecoava a ideia de degredo ou terro de condenados; lembrava regiões como a ilha do Diabo ou a Sibéria, e a ilha de Santa Catarina não era isso. Um decreto do ano de 1794, que determinava se encaminhassem para ali os criminosos que estavam sendo mandados para o Maranhão e o Pará, foi revogado três anos depois, por ser um clima demasiadamente benigno para essa gente. (PEREIRA, 1976, p.113)

Em 13 de outubro de 1888, ―A Tribuna Popular‖ veiculava a notícia de que o Deputado Eliseu Guilherme da Silva proporia à Assembleia Provincial fosse mudado para Ondina o nome da capital catarinense. (...) Pela impressa foram sugeridas outras denominações – Baía Dupla, ou Nossa Senhora da Baía Dupla, ou da Boa Vista, ou da Ponta Alegre. (PEREIRA, 1976, p.114)

Dessa forma, Carlos da Costa Pereira fundamenta seu argumento no fato de haver, nos últimos anos do século XIX, a intensão da própria comunidade em mudar o nome da capital catarinense, alegando que a conjuntura da dissolução do movimento federalista e reestabelecimento da ordem promoveu de fato essa mudança, porém nada mais que um antigo anseio da própria população local.

Como podemos observar, os autores ligados ao IHGSC e classificados, segundos os parâmetros anteriormente apresentados, como historiografia tradicional, buscaram construir narrativas que justificassem a violência exercida pelo estado no processo de dissolução da revolução federalista em Desterro, silenciando ou atribuindo à iniciativa popular a mudança do nome da capital catarinense. É importante frisar que segundo Meirinho, 39

(...) a proposta foi do Desembargador Genuíno Firmino Vidal Capistrano, que o fez, em reunião pública, realizada a 17 de maio, no então Teatro Santa Isabel, hoje Álvaro de Carvalho, merecendo apoio dos presentes, entre os quais altas expressões da comunidade. Além disso, foram consultados os Conselhos Municipais do interior que, através de cartas e telegramas se manifestaram favoravelmente, bem como a imprensa.

Todavia, há em periódicos do Rio de Janeiro pelo menos dois registros que nos apontam a circulação da nomenclatura ―Florianópolis‖ no período anterior a efetiva alteração na capital catarinense.

O primeiro registro se trata de uma coluna editorial publicada no jornal ―O Apóstolo‖ de 25 de agosto de 1893, com autoria dos padres João Scaligero Augusto Maravalho e José Alves Martins do Loreto. Essa coluna dá conta de noticiar que em Strasbourg, Alemanha, houve um incidente com a eleição de um círculo católico, onde o chefe de polícia local reprimiu de forma violenta a reunião dos sacerdotes e estes procuraram os meios legais de retratação:

Em todo caso, visto que as cousas lá não vão como aqui, o injuriado pelo chefe de polícia prussiana, o padre Muller Simon, munio-se de uma declaração escripta e testemunhada, dirigiu-se ao príncipe de Hohenlohe, e declarou-lhe que ia acusar judicialmente o chefe de polícia violento. E como em Berlim há mais juízes e menos compadres do que em certa Florianopolis que nós conhecemos, vamos ver aquillo em que dá: de tudo daremos conta a nossos leitores tempore opportuno.34

Essa publicação data de meses antes da proposição da mudança de topônimo na capital catarinense e utiliza a palavra ―Florianópolis‖ como um termo pejorativo à capital federal, que segundo os autores é um local onde a justiça se faz por meio de favores, atrelando, portanto essa situação ao governo de Floriano Peixoto.

O segundo registro é síncrono ao processo de mudança do nome da capital catarinense. Trata-se de uma petição feita por um cidadão chamado Gil de Sá ao conselho municipal do distrito federal, publicada no periódico ―Diário de Notícias‖ em 1º de setembro de 1894, quando o projeto já estava em análise pelo colegiado legislador de Santa Catarina:

Augustos e digníssimos senhores membros do conselho municipal do Districto Federal. – Diz Gil de Sá que, representando a maioria da opinião pública e dos bons republicanos, precisa, a bem de seus direitos, que vós outros, representantes eleitos em nome da República pelo Districto Federal, decreteis que a velha e invicta cidade, a muito leal e heroica cidade de S.

34 O APÓSTOLO, Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1983, p.1. 40

Sebastião do Rio de Janeiro, a capital federal da República dos Estados Unidos do Brazil, prestando justa homenagem ao verdadeiro salvador da cidade e da República acima citadas, consolidador das instituições democráticas, passe d‘ora em diante a denominar-se Florianopolis.35

Como bem podemos observar, havia na capital federal quem também desejava homenagear Floriano Peixoto. É importante salientar que a justificativa tanto lá no Rio de Janeiro quanto aqui, se baseou num elemento de enaltecimento da figura do então presidente da república como alguém que consolidara as instituições republicanas e democráticas. É possível, dessa maneira, perceber que tanto a nomenclatura como o discurso transitava em outros espaços, não sendo algo restrito aos clubes republicanos catarinenses.

Pesquisadores e pesquisadoras ligados a segunda vertente que abordamos nesse estudo buscam em sua maioria, apoio metodológico nos movimentos da nova história social e cultural, justamente trazendo um olhar diferenciado para estes processos, apresentando perspectivas que contemplam o entendimento de que a polarização entre os grupos políticos era nada mais que produto das suas intrincadas rivalidades históricas, base material daqueles conflitos. A sua capacidade de questionar os símbolos do novo regime permite que observemos nesses trabalhos a desnaturalização de suas respectivas representações.

Em ―A República em Santa Catarina: Modernidade e Exclusão (1889-1920)‖, Roselane Neckel trata justamente do processo de silenciamento promovido pelo PRC com relação à oposição derrotada em 1894, segundo a qual voltou ao cenário político somente em 1902 ―(...) com o retorno de muitos daqueles da antiga elite aos cargos públicos.‖ (NECKEL, 2003, p.35). Quanto à questão da mudança do nome da capital do estado, Neckel aponta o protagonismo de Hercílio Luz, então recentemente empossado Presidente do Estado de Santa Catarina, destacando que ―(...) o novo nome, além de uma homenagem a Floriano Peixoto, representava simbolicamente a vitória das elites republicanas‖ (Idem, Ibidem, p.34).

Hermetes Reis de Araújo em ―A invenção do Litoral: Reformas Urbanas e Reajustamento Social em Florianópolis na Primeira República‖ aborda a agenda reformista de adesão ao processo de modernização e progresso imposta pelas elites burguesas que dominaram o cenário político catarinense na primeira república. Ao abordar a questão da simbologia da agenda reformista, Araújo trata também dos silenciamentos pertinentes aos conflitos ligados à Revolução Federalista, destacando que ‖(...) os vencedores da luta

35 DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 1º de setembro de 1894, p.1. 41 apressaram-se em apagar as imagens do confronto decisivo em que se envolveram, tudo o que não fosse somente a sua perspectiva dos acontecimentos.‖ (ARAÚJO, 1989, p.112) Quanto ao tema que buscamos desenvolver, o autor faz, como Corrêa e Pereira, considerações sobre uma já antiga incidência de tratativas para modificar o nome da capital no fim do século XIX, ressaltando o descontentamentos com o significado do nome ―Desterro‖ por remeter à degredo, lugar de desterrados, criminosos. Todavia ao citar Oswaldo Rodrigues Cabral, reafirma que houve sim, iniciativas anteriores de mudança do nome da capital, porém a conjuntura que se apresentava em 1894 foi determinante para a plena aprovação da homenagem a Floriano Peixoto:

(...) dessa vez, ninguém teve coragem para achar hedionda, imprópria e inoportuna a mudança de denominação mesmo porque os carabineiros do Coronel Moreira Cesar ainda andavam por aqui. Não era mesmo para ter coragem. Só de Maluco... Ninguém disse não. Foram consultadas as Câmaras Municipais de todos os municípios – e todos acharam muito boa a ideia e a denominação. Houve uma, a de Lages, que até achou ―ALTISSONANTE, EUFÔNICA E PATRIÓTICA‖ (CABRAL apud ARAÚJO, 1989, p.115).

Ambos, Araújo e Cabral, sugerem que a repressão por parte do Estado suprimiu a oposição a ponto de silenciá-la completamente, algo que se manifesta no suposto consenso apresentado por Meirinho sobre a redefinição do nome da capital catarinense.

Buscando trabalhar, de forma mais específica com as disputas simbólicas que pairavam sobre esse processo, Emy Francielli Lunardi apresentou ao programa de pós- graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina a dissertação de mestrado intitulada ―Batalha de Discursos: O Advento Republicano e a (Re)construção da Política Catarinense nos Jornais Partidários (1889-1898)‖. Nesta dissertação, Lunardi apresenta uma revisão historiográfica, buscando compreender como a estrutura política no Estado se adaptou aos ares do novo regime, indicando objetivamente seus instrumentos de legitimação perante a sociedade. Quanto à homenagem a Floriano, a autora faz uma profunda reflexão que chega à constituição do próprio IHGSC como valiosa ferramenta do PRC na disputa pela memória do início da república. Dessa forma, faz duras críticas à historiografia ligada à instituição, que segundo ela durante praticamente todo o século XX ―(...) apresentaria esse momento como uma luta entre ―republicanos históricos e verdadeiros‖ e ―restauradores mascarados de federalistas‖, não obstante ambos defendessem a causa do novo regime.‖ (LUNARDI, 2009, p.20). Dessa maneira, a autora corrobora com a perspectiva de Neckel, tratando a mudança do 42 nome da capital como mais um instrumento de legitimação dos vencedores da disputa política pelo poder no novo regime em Santa Catarina.

No ano de 1995, Maurício Oliveira apresenta ao departamento de jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina a sua pesquisa de conclusão de curso denominada ―O Massacre de Anhatomirim‖. Neste trabalho, o autor traça uma narrativa que aborda a perseguição política na capital catarinense logo após a queda dos federalistas, durante o governo do interventor Moreira César. A condução dissertativa busca reunir elementos que colaboram para uma melhor compreensão sobre o que aconteceu de fato naqueles meses em que a população de Desterro foi exposta a inúmeras prisões e execuções. Quando trata da redefinição do topônimo da capital, Oliveira apresenta um panorama sobre as várias denominações que essa terra já possuiu:

Com a homenagem a Floriano, a cidade perdeu uma denominação de mais de 200 anos. O povoado foi estabelecido por volta de 1675 pelo bandeirante paulista Francisco Dias Velho. Ele construiu a casa da família no local hoje ocupado pela Praça Quinze de Novembro, em frente ao atual Palácio Cruz e Sousa. Na frente da casa, colocou uma imagem de Nossa Senhora do Desterro, escolhida para padroeira. O desterro de Nossa Senhora deu-se quando Maria fugiu para o Egito, salvando Jesus da Fúria assassina de Herodes, que havia declarado a morte de todas as crianças com menos de dois anos. Dias Velho dedicou à santa a capela construída no local onde hoje está a Catedral de Florianópolis. Com o tempo, o povoado passou a ser chamado pela simplificação Desterro. Antes disso, entretanto, a Ilha teve outros nomes. Para os índios carijós, donos absolutos do litoral catarinense antes da chegada do homem branco, era Meiembipe, que significa ―montanha dentro do mar‖, e Jurerê-Mirim, ―boca pequena d‘água‖, uma referência ao estreito entre a ilha e o continente. No começo do século XVI, os portugueses a chamavam de Ilha dos Patos, pela grande quantidade de aves existente. Sebastião Caboto, navegador italiano a serviço da Espanha, passou por aqui em 1516 e preferiu Ilha de Santa Catarina. (OLIVEIRA, 1995, p. 30-31)

Dessa forma o autor liga diretamente os acontecimentos fatídicos de meados de 1894, principalmente os fuzilamentos em Anhatomirim, à homenagem feita a Floriano. Essa tese dialoga diretamente com Neckel, Araújo e Lunardi, pois aponta a conjuntura como determinante para a mudança, ao mesmo tempo em que destaca o caráter simbólico do processo de dominação do grupo que foi vitorioso nos conflitos que ocorreram naquele período.

Por fim, na tese de doutorado intitulada ―Os faróis do tempo novo: política e cultura no amanhecer republicano da capital catarinense‖, a historiadora Rosângela Miranda Cherem 43 busca analisar como se deu a confluência de forças políticas que formou a oposição ao PRC nos primeiros anos da república em Santa Catarina. Como principal fonte para analisar esse processo, a autora utilizou os manuscritos de Duarte Paranhos Schutel, compilados na obra ―A República vista do meu canto‖. Com relação ao tema em questão, Cherem disserta longamente sobre a produção de bens simbólicos naquela conjuntura e aponta que a homenagem a Floriano Peixoto é mais um desdobramento desse processo que se iniciou anos antes com a mudança dos nomes de espaços públicos na capital catarinense.

Então, dentre os componentes simbólicos constantemente divulgados pela imprensa e destinados a resignifcar os sentimentos patrióticos no interior do universo de interesses e personagens que se afirmavam nas disputas, para além dos elementos ritualizados e da criação de novos emblemas, há que se considerar os argumentos em torno da mudança do nome da capital, delineados como parte do perfil republicano que a pouco se fundara. Num processo bastante significativo, as discussões ocorreram no bojo dos expurgos promovidos contra as forças anti-florianistas. (CHEREM, 1998, p.89)

O texto aponta que essa conjuntura de represálias e perseguições contra a oposição florianista fez com que o processo ocorresse de maneira bastante restrita, ao contrário do que se noticiou na época e do que a historiografia tradicional defende. Segundo Cherem, as manifestações favoráveis à mudança eram sistematicamente exaltadas pela imprensa ligada ao PRC.(Idem, Ibidem, p.90-91) Na narrativa defendida pela autora, a homenagem a Floriano Peixoto dava conta de resolver dois problemas, o primeiro de cunho estrutural, pois deixaria no passado o nome ―Desterro‖, muito ligado ao império e que para os republicanos daquele período parecia algo que não cabia mais para representar o novo tempo que estava se inaugurando; e o segundo que era conjuntural, essa homenagem vinha como uma vendeta ideológica imposta por uma parcela da elite política vencedora aos federalistas que permaneceram na cidade e que anos mais tarde foram incorporados ao PRC.

Observando esse panorama, podemos perceber que os autores e autoras ligados/as ao que classificamos aqui como nova história, definem os acontecimentos que culminaram na mudança do nome da capital catarinense como um processo sistemático de reformulação de valores cívicos atrelados ao florescimento do novo regime, juntamente a necessidade instituir um marco que representasse a vitória dos republicanos legalistas diante dos rebeldes federalistas. Todavia, esse processo foi operacionalizado de duas maneiras: pela redefinição dos símbolos que representavam a presença do Estado na vida cotidiana da população (nomes de ruas, instituições públicas, da cidade, brasão de armas do governo, etc); e pelo 44 sufocamento das vozes dissonantes da oposição. Fica muito claro que a atuação do Estado, por meio de prisões arbitrárias e perseguições políticas, silenciou completamente a oposição ligada aos federalistas, derrotados na cidade de Desterro em abril de 1894.

2.2. O SUSSURO DOS VENCIDOS

Os meses que antecederam a mudança do nome da capital catarinense foram tumultuados, repletos de acontecimentos de grande magnitude e com muitas reviravoltas na conformação dos quadros políticos no comando do estado de Santa Catarina. Com a dissolução do governo revolucionário em abril de 1894, a perseguição aos federalistas remanescentes, promoveu um processo de silenciamento das vozes dissidentes quanto aos rumos políticos do estado. Nos jornais, local de debate público, a oposição foi rechaçada36 e nas ruas, as lideranças revolucionárias, humilhadas37. Ouvir a voz dos derrotados naquele conflito se torna, portanto tarefa difícil, porém fundamental para compreender a conjuntura que pavimentou a homenagem a Floriano Peixoto.

Para construir um panorama conjuntural que minimamente consiga refletir as ideias, as percepções e os discursos que circulavam nos espaços tomados pela oposição ao florianismo em Desterro, será analisada a obra ―A República vista do meu canto‖, um conjunto de manuscritos produzidos por Duarte Paranhos Schutel, organizados e publicados em 2002 por Rosângela Miranda Cherem.

Schutel era médico, político e escritor, nascido em Desterro em 1837. Teve uma vida pública ligada ao partido liberal desde a década de 1860. Foi deputado provincial, deputado geral e vereador, inclusive ―(...) na tarde do dia 15 de novembro de 1889, ao receber a notícia da mudança de regime, presidia uma sessão da assembleia Legislativa.‖ (SCHUTEL, 2002, p.14-15). Com a mudança de regime, se isolou do processo político, assumindo papel de espectador dos acontecimentos que se desenrolaram no fim do século XIX na capital

36 Lunardi, ao analisar a atuação do jornal ―O Estado‖ em Desterro durante a queda do governo federalista, aponta que o periódico ―(...) não só previa a vitória iminente, como ridicularizava a ―gloriosa e invencível‖ esquadra de Floriano. E o fez até início de abril, sem saber que, em poucos dias, essa mesma esquadra acabaria com a revolução. A surpresa com o desenlace pode ser medida pelo calendário que, depois das reformas na diagramação do jornal, informava diariamente os dias restantes de publicação até o final do mês. Esse cronograma apontava diversas edições para abril quando a circulação d‘O Estado foi brutalmente interrompida com a retomada da ilha de Santa Catarina pela chamada ―esquadra de papelão‖. Depois disso O Estado não circularia durante os dois anos seguintes, só retornando em 21 de abril de 1896.‖ (2009, p.120-121) 37 ―Lorena, presidente do governo provisório, foi descoberto no Sul da Ilha, numa caverna da praia do Matadeiro, e teve que desfilar amarrado pelas ruas centrais de Desterro.‖ (OLIVEIRA, 1995, p.18) 45 catarinense. Apesar do seu distanciamento da vida pública durante o processo de conflitos que aqui abordamos, nos manuscritos apresenta, entre críticas e elogios, uma clara indicação de apoio aos federalistas que se opunham ao governo central. A partir de 1895, Schutel escreveu seus registros residindo no Rio de Janeiro, falecendo anos depois em 1901. (Idem, Ibidem, p.21)

Os manuscritos produzidos por Schutel apresentam a perspectiva de um sujeito ligado aos impasses políticos da época, consciente das questões que estavam em jogo naquele momento e que apesar de não participar ativamente do processo político, opinava de forma crítica diante o caótico cenário que se apresentava em Desterro naquele contexto. Não sabemos, e talvez nunca saibamos, quais eram suas intensões ao produzir essa série de registros e anotações, todavia em muitos momentos os escritos parecem tomar a forma de uma coluna jornalística ao noticiar fatos e analisar enredos, em outros há a nítida impressão de que o autor busca esclarecer certas questões para as gerações vindouras e em algumas ocasiões a sua narrativa tem um tom muito particular de desabafo diante da realidade a qual estava inserido. De todo modo, devemos observar esses registros não como um relato fiel dos acontecimentos que marcaram Desterro entre 1893 e 1894, mas sim construirmos um processo de análise crítica, percebendo essa fonte como um manancial de subjetividades que nos permite pensar como funcionava a dinâmica discursiva da oposição suprimida em Desterro, seu imaginário e os sentidos atribuídos, por essa oposição, ao violento processo de perseguição imposto pelo Estado brasileiro à população de Desterro.38

O recorte que vamos pautar para essa análise vai de dezembro de 1893, já com o governo revolucionário de Frederico de Lorena apresentando dificuldades na articulação política com os grupos que compunham a oposição a Floriano, até outubro de 1894, período em que foi sancionada a lei que altera o nome da capital catarinense. Dessa maneira, será possível observar quais foram os anseios e preocupações de Schutel num período de poucos e intensos meses, um tempo de muitas transformações em Desterro.

38 Há de se enfatizar que o registro de ideias se constitui em discurso que traz consigo uma carga de valores intrínsecos ao sujeito, dado seu contexto, que o produz enquanto fragmento de sua percepção da realidade. Dessa forma, ―(...) os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas que se cruzam, que às vezes se justapõem, mas que também se ignoram ou se excluem.‖ (FOUCAULT, 1996, p.52-53) Em outras palavras, todo discurso se estrutura pelo processo de escolha do autor e isso implica necessariamente em exclusões, justamente do que se julgou não necessário registrar. Ver também: LE GOFF, Jacques. Documento/monumento. História e memória. Campinas. Ed. Unicamp. 1996, p.535-549. 46

Como suporte metodológico para efetivação da análise, classificamos as diversas anotações e passagens, datadas pelo autor, em temas centrais de argumentação. Dessa forma, foram identificados seis eixos temáticos centrais nos manuscritos de Schutel, são eles: análise de conjuntura com relação aos desdobramentos da revolução; servilismo de cidadãos, instituições e/ou agentes do Estado com relação aos desmandos do governo central; despotismo e tirania dos agentes do Estado; perseguições políticas e execuções em Desterro; críticas e elogios às ações revolucionárias. Dito isto, o produto da análise se dará na observação da incidência e reincidência dos temas abordados pelo autor na passagem dos acontecimentos e assim será construído um panorama contextual levando em consideração a percepção do autor diante de tais fatos, estes, relevantes para a compreensão do processo. Gráfico 1 – Eixos temáticos dos manuscritos de Duarte Schutel

Fonte: Elaborado por Diego Lunardelli com base na leitura da obra ―A República Vista do Meu Canto‖ de Duarte Paranhos Schutel.

Como podemos observar neste gráfico, os registros datados de dezembro de 1893 tratam de três temas e o principal, que tomou mais de 60% dos suas anotações naquele momento, foi a crítica aos rumos que a revolução tomava em Desterro.

A Revolução nega o poder ao Positivismo. O Governo Provisório nas mãos do positivismo. As forças do Sul querem voltar atrás se o governo não sai dos positivistas. O governo quer sustentar-se e a obediência de todas as forças e direções revolucionárias. A revolução do Sul já tem um chefe e uma comissão diretora. Ciúmes. A Armada fez a revolta no Rio e o Governo Provisório: o povo fez a revolução no sul. Cada um, ao se encontrarem, trazem seus compromissos. Condições da campanha no momento da crise. (Idem, Ibidem, p.81) 47

Essa passagem é datada de 20 de dezembro de 1893 e expõe a dificuldade que Frederico de Lorena tinha de conciliar suas convicções aos interesses dos diversos grupos que compunham o movimento revolucionário, sustentáculo do governo provisório em Desterro. É importante lembrar que, naquele momento, Frederico de Lorena recebeu diversas críticas por parte de lideranças revolucionárias federalistas e também da Armada, por destinar cargos estratégicos no governo provisório a personalidades positivistas com pouca ou nenhuma relevância política.

No dia seguinte, Schutel continua seu raciocínio com relação à crise política que se instalava no governo provisório:

Conluio positivismo no Estado. Pretende-se fazer Machado assumir a Previdência. Nada decidido no Governo Provisório. Salgado segue deixando representante seu. Reuniões partido federalista. Erros partidários do Presidente. Falta de pessoal político. (Idem, Ibidem, p.81)

Aqui percebemos que o autor demonstra insatisfação com a falta de articulação política no governo provisório. Figuras importantes naquele processo como o Tenente Machado e o General Salgado são citados em uma tentativa de reordenação das forças políticas que formavam o governo. A relação de Frederico de Lorena com os positivistas do baixo clero e a dificuldade de diálogo com os agentes políticos são vistos na historiografia como aspectos determinantes para a fragilização do governo provisório entre o dezembro de 1893 e início de 1894. (MEIRINHO, 1982, p.64-73; LUNARDI, 2009, p.119-120)

A partir de meados de janeiro até o fim de fevereiro de 1894, Schutel se concentra em escrever principalmente sobre os movimentos militares da revolução. As suas análises nesse ponto, ganham tons muito particulares, o primeiro de entusiasmo com a bem sucedida invasão ao estado do Paraná.39

Tomada a Lapa, oficiais tiveram licença para retirar-se de suas casas sob promessa de não pegar em armas contra a Revolução. Colheu-se toda a artilharia, armas de mão, munição, que ali encontraram. Deu-se, de certo, comida a todo esse povo, armados e inermes, que se renderam pela fome, ... e a liberdade plena aos que lá estavam presos e dos que os prendiam. Eis como acabou a Lapa. Eis a coroa com que a Revolução engrinalda a Pátria.

39 Segundo Correa ―(...) a tomada do Paraná deu-se primeiramente através da cidade de Paranaguá, com a esquadra de Custódio de Mello, em 15 de janeiro‖. Poucos dias após, a 19, quando o governador Vicente Machado já havia abandonado a capital, os revolucionários tomaram Tijucas do Sul e depois, mesmo ante a resistência do General Gomes Carneiro, invadiram a Lapa. A 20 de fevereiro os federalistas tomaram Curitiba, onde ficaram por dois meses.‖ (1990, p.118) 48

Aqueles monstros que receberam os parlamentários a tiros de espingarda, aqueles réprobos que negaram a saída da praça das famílias para que tivesse lugar o combate, aqueles bárbaros que fuzilavam mulheres que conseguiam fugir, aqueles selvagens que por trás das mulheres nas janelas atirava sobre o inimigo, aqueles vilões que faziam rebentar minas de dinamite onde não podiam resistir ao braço possante do adversário, aqueles perjúrios que, perdoados, voltaram a atacar seus vencedores... Todos eles renderam-se: e como se renderam, – foram perdoados. (Idem, Ibidem, p.91)

Ao analisar o processo de tomada da Lapa, o autor faz ao mesmo tempo uma defesa da revolução e uma crítica aos defensores do governo central ao explicitar a violência envolvida naquele conflito. A construção das suas narrativas condiciona certa dicotomia às relações que se estabeleceram nos embates entre os revolucionários federalistas e os adeptos do legalismo de Floriano, marcando profundamente a percepção de Schutel diante os acontecimentos.40 Inclusive, nesse mesmo momento, ele explora de forma bastante enfática em uma anotação datada do dia 23 de fevereiro, a maneira como os valores republicanos se perverteram nessa conjuntura de graves conflitos.

"A mocidade lança-se num abismo". [Ver Estado de hoje] Naquelas mesmas lições que tanto exaltaram o coração da mocidade enchendo-lhe o espírito com o clarão dessas ideias absolutas é que se vai encontrar os dementes da corrupção e perdição daqueles que devem ser a pátria futura. Em germes, alimentou-os e desenvolveu-os essa chusma de ambiciosos sem escrúpulo, de petulantes sem critério, de viciosos sem pudor, de ruins homens que barateiam: o brio, honestidade, virtude; e tudo empenham, crime, más paixões e bárbaras crueldades. A degradação moral propagou-se aqui, como na França; aqui os micróbios de A. Karr tem uma cultura especial: a mentira. A mentira atraiu a mocidade, a mentira a exaltou, de mentira se nutriu e de rojo com a mentira ela há de cair no abismo. É muito tarde para salvá-la. A geração toda está tocada. Os micróbios invadiram todas as camadas desse organismo. Força é sucumbir. – A nova geração verá escoimada desse terrível mal? Há outros a esperá-la. (Idem, Ibidem, p.107)

Esse registro trata de uma crítica que autor tece a juventude alistada no exército brasileiro e que combateu ferozmente as tropas revolucionárias no Paraná. Aqui Schutel fez uma referencia ao jornal ―O Estado‖ de Desterro, que nesse mesmo dia publicou uma coluna intitulada ―Decadência ou Cegueira‖, abordando justamente o saudosismo de uma espécie de republicanismo romântico, atrelado há um tempo que parecia não mais existir.

40 Duarte Schutel foi um defensor da revolução federalista, dessa forma é possível observar nos seus registros uma tendência a criminalizar somente as ações do governo central naquela conjuntura de conflitos armados, afinal de contas os revolucionários estariam, em sua perspectiva, lutando pela liberdade e os soldados de Floriano defendiam a tirania. Todavia a historiografia aponta que, observadas as devidas proporções, entre fuzilamentos e degolas, excessos foram cometidos de ambos os lados. (MIRA, 2008, p.177-185; MEIRINHO, 1982, p.73; ARAÚJO, 1989, p.111) 49

Quem recorda do ardor sincero, o amor, o delírio, com que essa mocidade, nas academias e nos Clubs, advogava a grande ideia da Republica, o sonho dos moços, quando era um crime pensar-se n‘ella, e eles, os moços, destemidos e corajosos, lutavam, como heróis, e esperavam, conflitantes como crentes, ostentando o seu poder, desafiando as iras dos governos, e hoje os vê, de armas em punho, em defesa de um homem, de um tyranno, de um bárbaro, não pode conter o brado que lhe vem da alma.41

Analisando esses dois registros, podemos observar que havia no espectro político do republicanismo, uma variada gama de linhas ideológicas, e Schutel entendia ser parte da vanguarda desse movimento, parecendo não compreender como, em tão pouco tempo, os valores que acreditava universais, se corromperam.

No período que compreende entre meados de abril e o fim maio de 1894, observamos o pico produtivo de Schutel em seus registros. As anotações que, até então, eram praticamente semanais, se tornam quase que diárias, porém nesse momento a sua atenção não estava voltada para as questões políticas da revolução, Desterro cai diante da esquadra florianista em 16 de abril e no dia seguinte o autor escreve:

Sinto algures aquecer-me o ânimo e referver-me o sangue quando vejo a dignidade, os brios, a felicidade de minha terra e dos meus patrícios sofrer um golpe que pudera ser evitado. Doem-me os erros dos que se ocupam dos negócios públicos, e enchem-me de exasperação o cinismo, a baixeza, a vilania de tantos caracteres repugnantes que têm surgido à tona na quadra lamentável que atravessamos. (...) a mim, hoje só me resta ir consignando nestes apontamentos as reflexões íntimas e sinceras que por aí ficam a esmo sem destino. (...) bem que me sangre o coração ao relembrar tão tristes coisas, e torne a sentir, narrando as mesmas cruciantes dores e os mesmos amargurados transes, eu os contarei, humilde e mesquinho, abrigado na admiração do divino Alighieri, ao ouvir no inferno bradar-lhe o Conde Ugotino... Partare e lacrimare vedrai me insieme. (Idem, Ibidem, p.118-119)

Duarte Schutel viu as forças florianistas tomando Desterro, presenciou a derrota da revolução em terras catarinenses, dessa forma é possível compreender o tom lutuoso com qual retrata esse momento. Ao fim de sua anotação, se refere à consagrada obra de Alighieri com um trecho em italiano, ―falar e chorar vêm juntos‖. Diante o que estava por acontecer em Desterro naqueles dias, certamente em muitos momentos o autor falou e chorou em seus apontamentos diante o ―inferno‖ provocado pela repressão florianista.

Ocupada sem resistência, nas violências das prisões, nas mais cruéis e angustiosas cenas de encarceramento e deportação – todos seriam feridos atrozmente, sem compaixão, sem dó, homens e mulheres, velhos e crianças.

41 O ESTADO, Desterro, 23 de fevereiro de 1894, p.2. 50

Não houve resistência, nem um sinal de despeito: abandono completo de tudo. Derramou-se a vingança à meia noite sobre toda a cidade; foi medonho e ao amanhecer, o sol iluminava cenas de prantos, de dores, aflições, 3 – 2 – 1, e o silêncio e o medo, a fuga, nas casas e nas ruas, como da praça vencida entregue à vindita do estrangeiro vitorioso. (Idem, Ibidem, p.127)

As praças, praias e ruas cheias de soldados estranhos, despejados pelos vapores, armados e equipados em campanha, de punhal e revólver, sôfregos, arrogantes, desabridos e insultantes como se entravam em praça rendida em combate, os vivas, os passeios desrespeitosos em carros descobertos, as prisões violentas, os arrombamentos e varejos nas casas a horas mortas da noite, o aparato bélico, a fuga de quantos receavam sofrer, as notícias da multiplicidade de prisões, enchendo-se os cárceres de onde se levava para bordo dos navios os presos, a fim de enchê-los de novo, e isto sem explicação, sem uma razão que pusesse em segurança qualquer classe de cidadãos; tudo incutiu rapidamente nos habitantes um tal pânico que o comércio e as casas particulares se fecharam e ninguém mais ousou sair à rua. (Idem, Ibidem, p.147)

O estrangeiro a que se refere o autor se trata de Floriano Peixoto, a quem acusa de ser responsável pelo violento expurgo. Nesses trechos fica claro que com a queda do governo revolucionário, Desterro se tornara o palco de uma impetuosa vingança das forças legalistas, além de um processo de pacificação, a retaliação florianista se apresentava em forma de aviso a quem se opunha ao governo central, impactando profundamente toda a comunidade, se não pela brutalidade, calou pelo medo.

A partir de meados de maio conseguimos observar uma mudança interessante na natureza de suas anotações, o espaço que até então seria destinado a refletir sobre as perseguições e execuções, deu lugar a uma enxurrada de críticas ao governo central, algumas repetindo a habitual cartilha federalista de oposição a Floriano, outras, com relação à forma como o governo central mediava os conflitos e impunha sua hierarquia militar à sociedade e muitas delas são reflexos daquela terrível conjuntura de abusos e opressão. Todavia, nesse ponto também se nota a frequência com que Schutel busca expor a colaboração de agentes públicos e privados na constituição do aparato repressivo montado em Desterro.

25 DE MAIO DE 1894 – SERVILISMO

Causa tédio o servilismo desses homens ao soldo da ditadura. O cuidado com que buscam esconder tanta baixeza que praticam, furtaria à história o meio de conhecê-los, se não ficasse inconscientemente talvez, uma prova irrefragável, uma espécime exatíssima que eles chamam – a imprensa. O jornal – único – traduz fielmente o governo e os seus homens. Apareceu com o primeiro dia do governo endeusando-o e aclamando, batendo palmas à legalidade. Três dias depois inseria o boletim anônimo que mudara o seu governo, e dava ainda por já estar composta uma apologia do seu benemérito 51

governador quando ele já se achava na prisão. Por muitos dias, nenhuma palavra sobre o Governador militar; de súbito rebenta sem motivo um empolado encômio. No interregno, pediam o esquecimento, a conciliação, o congraçamento de todos para auxiliar a tranquilidade e a ordem. Depois concitavam ao governo a ser implacável em perseguir e prender sem descanso os malditos que não fossem seus íntimos. (Idem, Ibidem, p.156- 157)

Schutel destaca a subserviência da imprensa republicana aos desmandos do governo militar estabelecido em Desterro, apontando que a sua atuação nesse processo teria aspecto tão vil que as próprias colunas poderiam fornecer subsídios para elucidação dos seus crimes. Esse registro foi publicado pelo jornal ―Republica‖ de Desterro no dia 18 de maio de 1894, dia seguinte à proposição de mudança do nome da cidade pelo Desembargador Genuíno Vidal num evento aberto ao público:

Florianopolis

Realizou-se com grande concurrencia hontem, a tarde, no theatro Santa Izabel, a reunião convocada pelo ilustre desembargador dr. Genuíno Vidal, que expoz ao numeroso audictorio o fim da mesma reunião: a mudança do nome d‘esta capital para o de Florianopolis. Acceita a idéia com aplauso geral, ficou assentado comunicar-se às intendências minicipaes do Estado esta resolução, esperando d‘ellas, manifestação favorável, assim de ser sibmettida à deliberação do distincto coronel governador do Estado. Em seguida apresentou mais a idéia de abrir uma subscripção popular para ser o seu produto aplicado na acquisição de um retrato a óleo em tamanho naturaldo inclyto marechal Floriano Peixoto, afim de ser colocado na sala de sessões da Intendencia Municipal d‘esta cidade. A idéia foi aceita com enthusiasmo sendo logo iniciada a subscripçãocom a assinatura dos que se achavam presentes. A Republica aplaudindo a feliz iniciativa do nosso distinto amigo desembargador dr. Genuíno Vidal, deseja ver quanto antes realizada essa idéia que relembra os serviços que à nossa Patria tem prestado o inclyto marechal Floriano Peixoto, vice-presidente da Republica. À reunião compareceram a comissão executiva do partido republicano e a musica do corpo policial.42

Esse periódico ficou fora de circulação durante os governos revolucionários, pois era órgão de imprensa oficial do PRC, voltando a funcionar em meados de abril 1894 com tomada de Desterro pelas forças legalistas, ou seja, se tratava de um instrumento de difusão propagandística do governo florianista naquela conjuntura. (LUNARDI, 2009, p.121; CORRÊA, 1990, p.144) Dessa forma, a percepção de Schutel com relação ao servilismo da imprensa, se escora nessa realidade em que somente um jornal estava noticiando em Desterro,

42 REPUBLICA, Desterro, 18 de maio de 1894, p.2. 52 um jornal que possuía imbricadas relações com o governo central, tratando as ações tomadas por seus representantes como justas e naturais.

Segundo os apontamentos de Schutel, a Desterro daqueles tempos era uma cidade amedrontada, recolhida, de joelhos diante a tirania, em luto pelos mortos e perseguidos. Contudo, havia quem não só se beneficiava do encalço aos federalistas, mas participava ativamente desse processo, constituindo parte fundamental da estrutura repressiva. Schutel observava a dinâmica dos acontecimentos e percebia a iniquidade dos sujeitos que ali se prestavam a atuar.

A delação já nada tem do crime da traição: é um composto de nojo e de vergonha. O agente de polícia denuncia por força do ofício. A vingança, o ódio, as paixões violentas movem à traição. O delator causa asco: Judas só provoca indignação. Por que denuncia? Com esse meio riso alvar, ele vem dar a sua denúncia: não sabe o que faz, e volta como o idiota, sem ligar importância e esquecendo o ato de tanta baixeza que praticou. Pagaram-lhe? Mereceu mais alguma coisa? Cumpriu algum dever? Vingou-se? Satisfez algum ódio? Por que denuncia? Miserável! E não tem ele consciência? Não lhe diz essa consciência que essas palavras saídas estupidamente de sua boca, levam a morte à pobre vítima de sua... Ele o sabe talvez. Sabe que uma vez preso, esse foragido será trucidado. Sabe que enquanto oculto evita a morte e que, passado o perigo, poderá escapar e salvar-se. Sabe que esse foragido pode ser um pai de família, pode ser um chefe cuja alta posição, cujos talentos importem ao país conservar-lhe a vida... Que importa? A mulher, os filhos, os irmãos, os pais, ele não os verá pranteando o morto nem lhe virão eles esmolar o pão que lhes faltará. (Idem, Ibidem, p.159-160)

A população sumiu-se e a cidade regurgitava de soldadesca atrevida e desenfreada. Depois, os soldados diminuíram, os males continuaram e como se um tal estado se devesse tornar normal, o povo se foi habituando à desgraça, e o terror deu lugar ao aniquilamento. Do norte, do sul vieram chegando os parasitas do poder que o calor da revolução afastara para longe. Com aqueles poucos que aqui estavam formaram um grupo – separado da população por uma vala que, a cada hora, ele trata de tornar mais funda. Esses espúrios alegram-se em riso nervoso e contrafeito, festejam-se entre si, embriagam-se nas suas mesas, todos agaloados, esses lacaios da ditadura, dançam nas suas folias. Dançam e riem, os réprobos, enquanto no íntimo do lar de seus patrícios, de seus amigos, de seus parentes e até de seus irmãos, as lágrimas da mãe, da esposa, dos filhos rolam ardentes das faces desmaiadas pela dor da perda daqueles que eles mandaram matar, e que talvez ainda nesse momento estejam sendo mortos. (Idem, Ibidem, p.168)

Esses registros foram produzidos entre o fim de maio e meados de junho de 1894, revelando que para Schutel, uma pequena parte da população desterrense contribuía sem escrúpulos para o acirramento das perseguições empenhadas naquele período. Oliveira (1995, p.24) afirma que as delações não atingiram somente lideranças federalistas remanescentes, 53 muitos adversários políticos e desafetos do grupo que ascendia ao poder foram alvo de violências por parte do Estado devido aquela conjuntura.

A partir de julho é possível observar um arrefecimento na frequência com que Schutel registrava suas anotações. Em agosto ele intensificou novamente seus escritos, tecendo alguns comentários sobre a atuação dos apoiadores do regime florianista em Desterro.

Há momentos em que nosso espírito é levado a considera-los todos loucos; outras vezes hesitamos em tê-los por imbecis, estúpidos escravos, ou por membros exercitados de uma seita ou quadrilha que tem por fim o poder, culto ao cinismo, e meio todos os crimes. Quando os vemos em faina, estufados na sua imprensa, se ocuparem no concerto de uma ponte, com a mudança do nome de uma rua; quando vemos repartirem entre si vanglórias e posições, e se estufarem em sua nulidade, como se alguém os respeitasse ou votasse consideração; e nisso tudo, esquecidos ou indiferentes ao estado do povo e da pátria – parecem-nos loucos. Se os vemos, com um riso alvar, e a palidez da ignomínia nas faces, elogiar entre respeito e medo o tirano a quem servem: só nos parecem ignaros escravos. (SCHUTEL, 2002, p.185- 186)

Com o passar das semanas, os registros que retratam o servilismo dos defensores do legalismo foram ganhando volume, chegando ao seu pico de incidência em outubro, mês em que Hercílio Luz é empossado, sancionando a lei que alterar a denominação da capital catarinense.

O coração ferido de tantas e tão profundas mágoas, o espírito entregue a um turbilhão de negras e revoltas ideias, impossível fora acompanhar sequer, o curso atropelado, monstruoso e disparatado de minhas impressões – a loucura deve ser assim. Deixei passar a tormenta no seu primeiro período, e ao esforço continuado, readquiriu a vontade seu império, posto que não se apagassem as chamas do sentimento e da razão. Encarar de face com tantos crimes, assistir a tantos atos de selvageria, ouvir a narração de horrorosas e brutais ações, e ver abafado, sufocado em torno qualquer grito, qualquer gemido, que a dor ou a indignação arrancasse: ver o tripudiar cínico dos bárbaros assassinos e escutar o lúgubre arfar do seio mal ferido da população, e não ter aqui, além, nem muito ao longe, um apoio, uma promessa, uma esperança de justiça: é horrível. (Idem, Ibidem, p. 191-192)

E como se essa hecatombe repugnante não bastasse, como se o sangue derramado não contentasse os assassinos, num requinte de maldade foram obter do tirano para prosseguir na destruição da Vila Maldita. As brutais perseguições, até a caça nos matos, as prisões, as demissões, as extorsões de dinheiro, a pobreza e a miséria forçada, os ultrajes e ofensas e desrespeito; nada satisfaz essa turba ignara, escrava da tirania. (Idem, Ibidem, p. 195) 54

A historiografia aponta que a conjuntura política na capital catarinense, mesmo antes da instituição do governo revolucionário, era de disputa acirrada entre republicanos e federalistas, o clima de ódio estava instalado e ganhou nova dimensão com agravamento das tensões naquele processo. (CHEREM, 1998, p.191; ARAÚJO, 1989, p.110) Essas anotações datam do fim do mês de outubro e refletem o desgosto com que Schutel observava o desenrolar dos acontecimentos na cidade que não era mais aquela ―Desterro‖ que conhecia, era agora Florianópolis, nas suas palavras a ―vila maldita‖.

Analisando o perfil dos eixos temáticos classificados no recorte temporal assinalado, identificamos que em suas anotações, Schutel se demonstrava um entusiasta da revolução federalista e que se interessava pela discussão de temas relevantes ao desenvolvimento da república no Brasil, ou seja, não era um monarquista. Apesar das reviravoltas políticas, típicas daquele período, o autor sempre procurou acompanhar de perto os movimentos da revolução, talvez a esperança fosse o sentimento que motivava a sua escrita. Todavia, ao analisarmos as anotações datadas entre maio e outubro, período em que se discutiu a mudança do nome da capital catarinense, é notório que há uma enxurrada de críticas a agentes públicos e privados que estariam bajulando Floriano Peixoto, legitimando assim suas ações despóticas em Desterro. Apesar de em momento algum, Schutel se referir diretamente à homenagem a Floriano, palavras como ofensa, desrespeito e humilhação tornaram-se vocábulos frequentes em outubro de 1894, justamente o mês em que se consumou a controversa homenagem.

CAPÍTULO 3 - A FATÍDICA HOMENAGEM NAS PÁGINAS DO CORREIO DA TARDE

O período em que se sucederam os fatos aqui analisados foi marcado por intensos conflitos e tensões políticas em todo o país, tendo a imprensa, íntima relação com esse processo, pois era o principal espaço de circulação das narrativas que justificavam tal embate. Na capital federal, Rio de Janeiro, a organicidade dos grupos que guerreavam em torno da instituição republicana assumia sua face derradeira, governo e oposição se digladiavam nas páginas dos periódicos. 55

Analisar o fluxo dos fatos por meio da imprensa carioca nesse período pode nos trazer, além de uma análise macro setorial do processo de mudança do nome da capital catarinense, elementos que corroborem para a construção de um panorama amplo das relações entre os discursos promovidos pela oposição nas duas capitais, qual seu grau de alinhamento, a percepção a nível nacional dos fatos ocorridos aqui e como foi encarada por figuras importantes do círculo intelectual carioca a homenagem a Floriano Peixoto em terras catarinenses.

A escolha pelo periódico ―Correio da Tarde‖ foi uma decisão conceitual que priorizou dois aspectos fundamentais: deveria ter algum elemento de ligação, direta ou indireta, com a capital catarinense e ser um periódico de grande circulação, o que legitimaria a sua influencia diante a opinião publica. A conexão entre este periódico e a capital catarinense se dá por meio de Duarte Schutel, que a partir de 1895 transferiu residência para o Rio de Janeiro e lá, era leitor assíduo do ―Correio da Tarde‖ conforme apontado em seus manuscritos, portanto, a linha editorial do periódico interessava de alguma forma a um membro da elite intelectual catarinense. Segundo Sodré, em 1895 ―(...) os jornais mais vendidos do Rio continuam a ser a Gazeta do Rio, o Correio da Tarde, O País, o Jornal do Comércio e a Gazeta de Notícias‖ (1999, p.266). Dessa forma, o ―Correio da Tarde‖, um periódico oposicionista ao governo de Floriano, sendo repetidamente reportado por Duarte Schutel em seus registros e com uma das maiores tiragens na cidade do Rio de Janeiro naquele período, se torna importante objeto de análise desse estudo.

A metodologia de análise deste periódico será operada por meio do cruzamento dos artigos apontados por Duarte Schutel em seus manuscritos, juntamente ao processamento dos dados vinculados ao verbete ―Florianópolis‖ em todos os exemplares publicados. O exame dos documentos selecionados tem por objetivo observar como o processo de mudança do nome da capital catarinense foi percebido pela intelectualidade oposicionista a Floriano no Rio de Janeiro. Todavia, antes de nos atermos à análise da fonte, é fundamental compreender como a imprensa carioca se relacionava com o governo florianista.

3.1. FLORIANO E A IMPRENSA DO RIO DE JANEIRO

No fim do século XIX, a imprensa carioca se encontrava num momento de profundas transformações. Apesar de o desenvolvimento da imprensa não ter sido diretamente afetado pela mudança do regime, o processo de conflitos que se desencadearam com o advento da 56 república, influenciou sobre tudo na maneira como os periódicos se relacionavam com o Estado brasileiro. (SODRÉ, 1999, p.251)

Aquela conjuntura foi marcada pela profissionalização do exercício jornalístico. As cidades cresciam, consigo, aumentava a concentração de pessoas e o mercado consumidor florescera. Para atender a essa demanda, expressão de um novo tempo que se inaugurara, os jornais buscaram se diversificar, as antigas colunas editoriais que ocupavam as primeiras páginas dos principais jornais do Rio de Janeiro começaram a dividir espaço com charges, caricaturas e fotografias. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, destacando-se o telégrafo, muitos largaram a tradicional periodicidade exclusivamente matutina, buscando lançar edições também vespertinas para dar conta de noticiar em ritmo semelhante à circulação das informações. Se tornara, portanto, o que convencionamos chamar de grande imprensa. Este não seria mais somente um campo de embate político, ideológico, se tornava também, e cada vez mais, espaço de propaganda publicitaria para agentes públicos e privados. (MARTINS; LUCA, 2008, p.70-81)

O retrato desse processo se constitui no abismo que se fazia diante os pequenos e grandes jornais, estes se diferenciavam sobre tudo, na maneira com que se relacionavam com o Estado. Ao tratar da problemática escalada de Floriano Peixoto ao poder em 1891, Sodré afirma que,

(...) a sua ascensão gerou atritos. Como o Jornal do Brasil fosse acusado de não ter protestado contra determinada violência, como fizera O Brasil, José Veríssimo esclareceria, em carta a Luís Rodolfo Cavalcanti: ―ao Brasil era fácil fazer o que fez, ao Jornal do Brasil não, pois representa interesses muito mais avultados do que aquele‖. (1999, p.260)

A questão que estava em debate era o reflexo de duas imprensas distintas, a primeira era aquela que pequena e com poucos financiadores, na maioria das vezes dependia da venda diária dos seus exemplares para continuar funcionando e dessa forma, possuía certa independência para tratar de temas politicamente sensíveis. Já a grande imprensa que se caracterizava pela estrutura empresarial, se diferenciava, entre outros pontos, pelo uso da publicidade como principal fonte de receita, isso incluía o financiamento estatal.43 O fato é

43 O jornal era o campo de disputa da narrativa politica no fim do século XIX. As camadas médias da sociedade como ―(...) comerciantes, funcionários públicos e profissionais liberais‖ (MARTINS; LUCA, 2008, p.76), eram alvo constante desses meios de comunicação. Dessa forma, era mais fácil e prático influenciar um jornal a promover ideias favoráveis ao governo por meio de financiamento da instituição do que criar um periódico específico para esse fim. Conforme Martins e Luca apontam, Campos Sales, já no início do século XX, ao tratar 57 que naquela conjuntura de mudança de regime no Brasil, a imprensa caminhava aos poucos para uma transição da imprensa artesã para a industrial. (Idem, Ibidem, p.261)

A imprensa carioca dos primeiros anos republicanos era heterogênea, entre situacionistas e oposicionistas, imprimia em suas páginas os inflamados embates que ocorreram naqueles anos. Ao explorar o caráter dos jornais oposicionistas a Floriano, observamos que existiam duas correntes que compunham esse campo. Havia aqueles que se declaravam abertamente restauradores e desejavam a volta da monarquia como era o caso, por exemplo, dos jornais ―A Tribuna‖, ―Gazeta da Tarde‖, ―O Libertador‖ e ―A Liberdade‖, e havia também os jornais que mesmo republicanos como ―Gazeta de Notícias‖ e ―Cidade do Rio‖, formavam oposição a Floriano, seus métodos e sua postura autoritária. No campo situacionista, havia também uma clara divisão entre aqueles que exaltavam o florianismo, muitas vezes se convertendo em um verdadeiro panfletário político como os periódicos ―O Jacobino‖ e ―O Nacionalista‖, coexistindo com aqueles que se configuravam como sustentáculo governista de forma menos inflamada, legitimando suas ações e atenuando seus excessos. Podemos citar os jornais ―O País‖ e o ―Jornal do Comércio‖ como exemplos dessa parte da imprensa carioca, dois dos periódicos mais lidos no Rio de Janeiro naquele período. (SODRÉ, 1999, p.251-288; MARTINS; LUCA, 2008, p.41-42; 73).

A preocupação fundamental dos jornais, nessa época, é o fato político. Note- se: não é a política, mas o fato político. Ora, o fato político ocorre, então, em área restrita, a área ocupada pelos políticos, por aqueles que estão ligados ao problema do poder. Assim. Nessa dimensão reduzida, as questões são pessoais, giram em torno de atos, pensamentos e decisões de indivíduos, os indivíduos que protagonizam o fato político. Daí o caráter pessoal que assumem as campanhas; a necessidade de endeusar ou destruir o indivíduo. Tudo se personaliza e se individualiza. Daí a virulência da linguagem da imprensa política, ou seu servilismo, como antípoda. (SODRÉ, 1999, p.277)

A conjuntura transformava o campo jornalístico numa verdadeira trincheira das disputas políticas que pairavam sobre o país naquele momento. Esse processo se dava de muitas formas, entre elas havia a censura e a perseguição política por parte do Estado contra aqueles órgãos de imprensa que ousavam ir contra o seu projeto republicano.

O regime republicano no Brasil apresentou já em seu nascedouro, rompantes de supressão à liberdade de expressão. Em dezembro de 1889, Deodoro da Fonseca, presidente

da prática de compra da imprensa por parte do governo, afirmou que havia uma cultura enraizada há muito tempo e ―(...) depois de citar exemplos de compra de opinião ainda no Império, atribuiu o hábito a Floriano e a seu antecessor, Prudente de Moraes.‖ (2008, p.76) 58 do governo provisório, publica um decreto que legalizava a repressão a todos aqueles que conspirassem contra o novo regime. Esse era apenas o início de um longo processo de atentados à imprensa e seus operadores.44

Já com Floriano Peixoto exercendo as atribuições de presidente da república, houve uma sistemática carga das forças governistas contra toda e qualquer expressão da imprensa que se manifestasse contraria aos atos do governo. Como no decreto de Deodoro, as críticas eram tratadas pelo governo como narrativas falaciosas produzidas por traidores com objetivo de desestabilizar o regime. Esse processo se intensificou a partir de 1892 com o acirramento das tensões políticas diante da postura abertamente autoritária de Floriano. Sodré ilustra a atmosfera vivida nos primeiros meses daquele ano no Rio de Janeiro:

(...) a 21 de março, aparece o manifesto antiflorianista dos generais, os signatários são imediatamente transferidos para a reserva. O clima era de tormenta. No Combate, de , Patrocínio vociferava: ―Sangue, mais sangue. É preciso que o sr. Floriano beba. Os anêmicos se dão bem na atmosfera dos matadouros, e o Brasil é um boi manso, que tanto serve para tirar a zorra do trabalho, como para nutrir os tiranos.‖ A 10 de abril, irrompe um motim na capital; no dia seguinte, depois de dominá-lo, o governo começa a prender militares, jornalistas, intelectuais, políticos. (1999, p.261)

Neste fragmento o autor aborda diversos elementos que conjugam de forma objetiva o caráter autoritário e violento do governo de Floriano Peixoto. Entre eles, Sodré aponta o manifesto dos treze generais, que questionava a legitimidade de Floriano enquanto presidente da república, também criticava a sua atuação na resposta violenta aos protestos em diversos estados da federação e exigia novas eleições. Outro elemento apontado por Sodré foi a coluna do jornal ―O Combate‖ a qual José do Patrocínio45 ―(...) acusava Floriano de ordenar uma violenta represália a uma manifestação no Ceará. Segundo ele, mesmo estando a multidão desarmada, as forças policiais investiram furiosamente contra ela.‖ (SILVA, 2010, p.159) Já o motim de 10 de abril, se trata de uma manifestação que se iniciou como homenagem a Deodoro da Fonseca, em frente a sua casa na Lapa onde convalescia por enfermidades a dias, porém tomou o sentido de protesto ao atual presidente com a ―(...) marcha até o Itamarati aos

44 Trata-se do decreto número 85 de 23 de dezembro de 1889 e que tinha como texto do seu primeiro artigo, a total supressão das críticas ao regime vigente: ―(...) os indivíduos que conspirarem contra a Republica e ou seu Governo: que aconselharem ou promoverem, por palavras, escritos ou atos, a revolta civil ou indisciplina militar serão julgados militarmente por uma comissão militar nomeada pelo ministro da guerra, e punidos com as penas militares de sedição.‖ (MARTINS; LUCA, 2008, p.41) 45 José Carlos do Patrocínio foi farmacêutico, jornalista e escritor negro. Destacou-se como uma das figuras mais importantes do movimento abolicionista. Faleceu no Rio de Janeiro, vítima de tuberculose, em 1905 aos 51 anos de idade. 59 gritos de morra Floriano.‖ (Idem, Ibidem, p.166) Nessa ocasião, as forças governistas dissolveram a manifestação oposicionista, prendendo as lideranças políticas e intelectuais envolvidas. Nos dias que sucederam a manifestação, houve uma verdadeira vendeta florianista contra os inimigos do governo. Decretado o estado de sítio por 72 horas em 11 de abril, a prisão e o desterro foram as penas daqueles que, segundo o governo, se insurgiam e conspiravam contra o regime.

Além das prisões e desterros, a máquina repressiva florianista atuava por meio do empastelamento das tipografias e redações.46 Esse processo ocorria de forma oficial, operado pelos agentes de segurança pública, porém havia também na condução de tais ações repressivas, a participação ativa de civis incitados pelo próprio governo. Olavo Bilac47, conforme aponta Silva, denunciou o caráter intransigente do governo ao inflamar parte da população partidária de Floriano contra a imprensa oposicionista ao seu governo.

(...) Bilac reproduziu em sua coluna um edital dirigido à população fluminense, no qual o chefe da polícia Manoel Martins Torres conclamava os cidadãos a auxiliarem as autoridades a manter a ordem, evitar as perturbações materiais e obstar a ação de vários elementos de anarquia que ameaçam o exercício do poder. Criticando a recomendação policial sob a mesma estratégia do chiste, firmando assim a maneira escolhida para atacar o governo florianista, Bilac revelava o quanto julgava arbitrária tal medida, vendo nela nada mais do que um convite à delação desenfreada. (2010, p.155-156)

Podemos observar nitidamente que a estratégia florianista se baseava em compor, por meio também de civis, a sua estrutura repressiva. Nas ruas as informações circulavam de maneira direta e objetiva, nenhum agente poderia fazer melhor a função de vigia dos jornais oposicionistas do que a própria população. A violência exercida por civis contra os opositores não era somente legitimada, além disso, era estimulada pelo governo.

A constante vigilância daqueles que se demonstravam na imprensa, hostis ao governo ou suas ações, era dessa forma, um aspecto importante da política coercitiva de Floriano. Esse

46 O ato de empastelar um jornal, naquele contexto, consistia em invadir de maneira violenta os jornais e danificar o equipamento que produzia os periódicos com o objetivo de silenciar aquele meio de comunicação. Nas tipografias havia prensas em que as letras eram colocadas ordenadamente para imprimir o texto corretamente, em algumas situações essas invasões somente embaralhavam os suportes das letras, atrapalhando assim a operação. Com o passar do tempo, a expressão ―empastelar‖ se tornou sinônimo de qualquer violência exercida contra a imprensa. 47 Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac foi jornalista, contista, cronista e poeta, também foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras. Opositor ferrenho de Floriano Peixoto, foi perseguido, preso e desterrado pelo seu regime. Faleceu em 28 de dezembro de 1918 aos 53 anos de idade. 60 processo, que em alguns momentos se assemelhava a uma espécie de espionagem, era conduzido por agentes públicos oriundo das forças militares. Reflexo do constante choque entre governo e oposição, os artigos de fundo publicados em jornais oposicionistas eram estopins para a escalada repressiva do governo. A atmosfera esquizofrênica se constituía na medida em que os artigos eram publicados, não havia local seguro para os inimigos do regime. (Idem, Ibidem, p.156-157)

A dinâmica de fluxos e refluxos nos órgãos de imprensa do Rio de Janeiro, produto do ambiente politicamente conturbado, fazia com que certas instituições e personalidades do mundo letrado florescessem, enquanto outras caíssem no esquecimento. Floriano Peixoto possuía imbricadas relações com a imprensa naqueles anos. Ao mesmo tempo em que investia implacavelmente contra os opositores, irrigava fartamente com verbas públicas aquelas instituições dispostas a legitimar suas ações. Aos amigos, os favores, aos inimigos a lei. Como um verdadeiro príncipe maquiavélico, Floriano governava.

3.2. CORREIO DA TARDE: OPOSIÇÃO AO LEGALISMO AUTORITÁRIO

No Rio de Janeiro, o ano de 1893 se iniciara com atmosfera politicamente tumultuada, assim como havia findado o anterior. As tensões vistas nas páginas dos jornais, nada mais eram do que o pleno reflexo do acirramento entre grupos que, com objetivos semelhantes, projetavam de maneira irremediavelmente díspares suas utopias republicanas. Os protestos contra o autoritarismo de Floriano saiam do campo da narrativa discursiva, ganhando corpo e coro na sociedade, os seus braços militarizados surgiram assim, dentro e fora do seio governista. O momento é intenso e decisivo, Floriano estava convicto das virtudes de suas ações e, pragmático, escolhe derradeiramente pelo confronto. A república se consolidaria afinal, pelo sangue do progresso.

Os jornais oposicionistas passavam a não só criticar o autoritarismo florianista, mas cada vez mais, dedicavam-se a denunciar os crimes políticos que eram cometidos em todo o país. O círculo de intelectuais que atuavam nos jornais oposicionistas a Floriano naquele momento, parecia ser bastante fechado. Nomes como Pardal Mallet48, Araripe Júnior49, José

48 João Carlos de Medeiros Pardal Mallet foi jornalista e escritor, patrono da cadeira 30 da Academia Brasileira de Letras. Faleceu em 24 de novembro de 1894, vítima de tuberculose aos 29 anos de idade. 49 Tristão de Alencar Araripe Júnior foi advogado, escritor e crítico literário. Membro da Academia Brasileira de Letras e do IHGB. 61 do Patrocínio, Olavo Bilac e Luís Murat50 são figurados como chefes de redação de diversos periódicos do período. Dessa forma, podemos observar que a oposição ao florianismo presente nos periódicos seguiam uma linha concisa e bem alinhada.

O ―Correio da Tarde‖ era mais um desses periódicos. Fundado por Serpa Junior51 e Martinho Garcez52 em 24 de agosto de 1893, teve seu último número publicado em 28 de junho de 1895, encerrando suas atividades de forma tão efêmera quanto iniciou. Nesta última publicação, a de número 500, não há nenhuma menção que justifique sua súbita extinção. Como já mencionamos anteriormente, Sodré aponta que, abertamente anti-florianista, esse foi um dos periódicos de maior circulação no Rio de Janeiro naquele período e, apesar de não haver descrição de tiragem no cabeçalho, estima-se que esse número girava em torno de 40.000 exemplares por publicação, observando a média dos outros jornais apontados pelo autor como de circulação semelhante. O preço do jornal avulso era de 60 réis no primeiro mês de funcionamento, no restante do período passou a custar 100 réis, o mesmo valor de jornais como ―O Paíz‖ e ―Gazeta de Notícias‖.

Quanto a sua estrutura, observamos que o ―Correio da Tarde‖ possuía quatro páginas. Na capa se encontravam os artigos editoriais e de opinião, esses, escritos por terceiros, todos de ordem política. As principais críticas ao governo florianista se encontravam nesta parte do periódico. Já na segunda página estavam publicadas notícias que remetiam ao cotidiano da cidade, muitas vezes de cunho policial, colunas de cartas de leitores e folhetins. Na terceira página, começavam os anúncios publicitários que tomavam também toda a quarta página, todavia em algumas edições é possível observar um espaço dedicado para os obituários. A publicidade veiculada neste periódico era totalmente ligada a agentes privados: anúncios de comércio, médicos, dentistas, bancos, espetáculos e os resultados das loterias predominavam neste espaço. Dessa forma, identifica-se a ausência de publicidade estatal, algo comum em jornais de oposição naquele período.

A partir de 28 de outubro de 1894 houve uma importante mudança na redação do ―Correio da Tarde‖, Martinho Garcez, até então o redator chefe, se desliga completamente do

50 Luís Norton Barreto Murat foi jornalista, poeta, filósofo e político. Fundador da Cadeira nº 1 da Academia Brasileira de Letras. 51 J.F. Serpa Júnior foi empresário e jornalista. Atuou em diversos jornais como ―Cidade do Rio‖ e ―Rua do Ouvidor‖. 52 Martinho César da Silveira Garcez foi advogado, professor, jornalista e político brasileiro. Dirigiu o Estado de Sergipe entre 1896 e 1898. 62 periódico, deixando suas funções a cargo de seu sócio Serpa Junior. O episódio gerou uma troca de artigos entre eles na primeira página da edição número 333, onde entre elogios e afagos, os dois se lamentam pelo afastamento por motivos pessoais de Garcez, ele iria se dedicar a advocacia dali em diante. Com sua saída da chefia de redação é possível observar uma maior inclinação do jornal na oposição ao governo florianista. As críticas a Floriano com Serpa Junior no comando se intensificaram drasticamente e é justamente nesse período, após outubro de 1894, que esse periódico chama atenção de Duarte Schutel, surgindo as primeiras referências à mudança do nome da capital catarinense em suas colunas.53

Duarte Schutel destacou em seus manuscritos uma série de notas se referindo ao ―Correio da Tarde‖. Seus apontamentos estão ainda ligados à terrível experiência das execuções ocorridas em meados de 1894 na capital catarinense. Dessa forma, ele consome as informações e opiniões publicadas nesse periódico que tratam das denuncias dos crimes cometidos em Desterro pelo governo florianista. Entre os artigos destacados por Duarte Schutel há aqueles que trazem novos elementos para a compreensão do processo de repressão executado por Moreira César naquela ocasião.

Há na cidade do Desterro um indivíduo que acode, segundo se diz, ao sugestivo nome de Seném Cameu e exercia (não sabemos se ainda exerce) a profissão de educador; pois bem, foi esse homem que denunciou Lorena! Ahi temos o requinte da perversidade, um carrasco por índole, que se apraz em ver correr o sangue de seu semelhante! Agora para mostrar o quanto desceu a miserabilidade de sua consciência, saiba o povo que recebeu ele, o malvado e nojento ganancioso, a quantia de CINCOENTA MIL RÉIS!!!54

Essa coluna de caráter editorial, publicada em 31 de dezembro de 1894 e intitulada ―Novo Judas‖ é mais uma de muitas intervenções neste mesmo periódico em que se busca expor os meandros do sistemático processo repressivo desenvolvido em Desterro por agentes públicos com auxílio de civis. Todavia, nesta mesma edição em outro artigo denominado ―Fim do ano‖, é possível observar a primeira inserção do termo ―Florianópolis‖ no periódico.

A cidade do Desterro foi a sede do morticínio, e será também lá o pedestal onde se levantará a historia para mostrar no futuro a liberdade brasileira, escarnecida ultrajada, garroteada e afogada em sangue pelos esbirros da republica e os carrascos da legalidade. Mas a justiça divina é ás vezes inexorável em seus castigos. Os aduladores e os próprios esbirros da

53 Entre 29 de dezembro de 1894 e 11 de fevereiro de 1895, foi publicada uma série de artigos intitulados ―A vinganças dos mortos‖, que com estrutura de crônicas, traz reflexões pertinentes aos assassinatos cometidos pelo Estado brasileiro naquela conjuntura. 54 CORREIO DA TARDE, Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1894, p.1. 63

tyrannia, inconscientemente, escreveram ali, em caracteres de fogo, uma sentença tremenda: A sede das horrorosas hecatombes, a cidade do Desterro chamar-se hoje em diante: Florianopolis!! Terrível escarneo, sentença terrível!55

Essa coluna se dedicou a construir um panorama reflexivo no campo político do ano que estava prestes a acabar. Passados quase dois meses da sanção do decreto que alterava o nome de Desterro é que foi feita a primeira referência da homenagem ao chefe do executivo nas páginas do periódico e junto a ela, uma avalanche de críticas e acusações, quase todas relacionadas às perseguições e execuções ocorridas na capital catarinense, sinal de que o editor do referido periódico via tal homenagem como uma extensão do processo de violência política exercida pelo governo florianista, ou seja, nomear a capital catarinense como Florianópolis simbolizava mais uma agressão do Estado brasileiro contra seu povo.

Em outras publicações, já nos primeiros meses de 1895, podemos perceber a reverberação desse tipo de análise. Na edição de número 410 de 13 de fevereiro de 1895, Serpa Junior escreve uma longa coluna criticando a postura do jornal catarinense ―Republica‖ que estimula a perseguição àqueles que não se remetem à capital do estado como Florianópolis.

SANTA CATHARINA

FLORIANÓPOLIS

Escrevem-nos: - A proposito deste nome, com que foi chrismada a capital de Santa Catharina, para recordar a todo tempo o horrível massacre de nobres e ilustres victimas, de que foi theatro a mesma capital sob o domínio do Sr. Moreira Cesar (tal qual como acabam de praticar os ferozes zulus com os portuguezes na Costa d‘Africa) lemos na ―Republica‖, orgam oficial daquele Estado o seguinte:

NOVA FIRMA

Dos Srs. Antunes, Alves & C., recebemos a seguinte circular:

Desterro, 1º de janeiro de 1895.

A redação da ―Republica‖.

Tendo transferido o nosso estabelecimento industrial e mercantil aos Srs Martins, Alves & C., cumpre-nos agradecer a confiança e proteção sempre dispensadas a nossa extincta firma e pedimos que continue a depositar em

55 CORREIO DA TARDE, Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1894, p.1. 64

nossos sucessores a mesma estimae confiança com que nos destinguiram, certo de que será correspondido lealmente.

Sem mais, sempre agradecidos os vossos amigos obrigados, Antunes, Alves & C. Da nova firma recebemos também uma circular quasi egual.

Agradecendo a ambas a delicadeza da circular que nos enviaram pedimes um pouco de atenção. Por decreto do governo do Estado, datado de 4 de outubro último, foi mudado, em vista da resolução do Congresso do Estado, o nome Desterro para o de Florianópolis, homenageando assim o inclyto marechal que presidiu os nossos destinos.

É fora de duvida que, sem exceção, são criminosos todos aquelles que tentarem ferir o acto que mudou o nome da capital para Florianópolis, exceção poém dos que dele não tenham conhecimento. Ora, tanto uma como outra firmanão podem apresentar essa justificativa, ambas conhecem o acto do governo. A circular que publicamos constitue um documento que talvez algum dia peze á firma que nos dirigiu. O código penal que vai funcionar contra os revoltosos tem disposições por demais claras.

Esses sanguinários, dizemos, fazem questão do nome ―Florianopolis‖ para o logar do massacre, chegando a ameaçar de processo, como revoltosos, os sócios de uma firma comercial, que o olvidaram em sua circular! Fazem bem! Esse nome deve marca-los como um ferro em brasa. Deve symbolizar o crime e os criminosos; recordar o transe nefasto, a época de sangue e de deshonra, a pagina negra, infelizmente ainda não voltada, no livro dos martyrios do povo catharinense. Esse nome ―Florianopolis‖ diz bem aos actuaes dominadores de Santa Catharina, os principaes responsáveis dos assassinatos, segundo o Sr. Moreira e as declarações de seu ex-chefe de polícia o Sr. Bellerophonte. Elle deve echoar-lhes aos ouvidos como um dobre de finados, pesar-lhes como a grilheta aos pés do condenado.56

Como podemos perceber nesse trecho, o periódico catarinense agia como instrumento do aparelho repressivo florianista ao atacar as empresas que não utilizaram a denominação ―Florianópolis‖ no topo de sua circular. De igual maneira, é possível observar mais uma vez o colunista do ―Correio da Tarde‖ atrelando a referida homenagem ao processo de violência exercido contra aquela população pelo Estado.

Há também artigos de opinião escritos por terceiros que fazem referência à mudança do nome da capital catarinense. Em um deles, escrito por Honório Tell, há uma transcrição de correspondência enviada por um amigo seu que visitara o sul do país naqueles tempos e nessa viagem passou por Florianópolis, deixando registradas suas impressões:

Desterro, vulgo Florianopolis, 31 de Janeiro de 1895.

56 CORREIO DA TARDE, Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 1895, p.1. 65

Meu caro Honorio, - Estou por aqui de passagem. Espero partir no primeiro paquete para Porto Alegre, a cidade inexpugnável, como dizem os amigos do dictador-mirim. As impressões a referir-te são poucas, porque, como sabes, sou pouco amigo das grandes emoções e aqui ou chora-se ou ri-se. O Dr. Supercilio de Sombras, nome que agora adoptou o Hercilio, com sua senhora D. Ave Açougueira (e o Cezar), não fazem outra cousa senão mudar nomes. Tudo está denominado de novo, é um Deus nos acuda. Felizmente não resolveram ainda mudar a latitude e a longitude deste desventurado Estado, assim como não foi ainda objeto de suas secretas confabulações a mudança de suas pessoas para qualquer logar que melhor os aturasse. Isto é que seria pechincha. Resolveram mudar hontem os nomes de todas as ruas, praças e cidades. Imagina que horror! Mudaram também os nomes dos planetas. ―Mercúrio‖ passou a chamar-se ―Delgado de Carvalho‖; ―Saturno‖, ―Castilhos‖; ―Venus‖!! Não, basta.57

Neste relato produzido, como aponta o enunciado, em 31 de janeiro de 1895 e publicado em 21 de fevereiro do mesmo ano, há alguns elementos pertinentes a nossa análise. Primeiramente o registro de produção da correspondência traz o nome ―Desterro‖ como local de produção, seguido pela expressão ―vulgo Florianópolis‖, o que denota a desaprovação do autor com a nova denominação da cidade. O autor da correspondência, ao tratar do processo sistemático de reorganização dos espaços públicos promovido pelo primeiro governo Hercílio Luz, o relaciona a Moreira César utilizando uma expressão que denota profunda intimidade, ou seja, atrelava as perseguições proferidas por Moreira César á política de Hercílio, algo pouco comum em grande parte da historiografia relacionada ao tema.

Em 30 de março, num artigo de capa da edição número 437, o autor Aben Cerage opina sobre a homenagem feita a Floriano em Santa Catarina:

Por falar em Florianopolis: quando eu comecei a ouvir esse tratamento dado ao Desterro, pensei que fosse por pirraça ao marechal, para quando se dissesse – Florianopolis – vir logo a idéa assassinatos, crueldades, barbaridades ali cometidas por ordem do homem. Imaginem qual a minha sorpreza quando lendo o expediente do ministério da Guerra, vejo indeferido um requerimento de um pretendente a commandante lá de uma fortaleza, porque é ella situada na cidade de Florianopolis!

Qual: O Sr. Bernardo Vasquez mesmo não pensou em prestar aquella homenagem aos algozes dos catarinenses. Pois há quem creia que uma viúva cujo marido, um orphão cujo pai foi fuzilado por ordem dessa gente do estado de sitio se resignem a chamar Florianopolis a cidade onde correu o sangue de seu pai, de seu esposo, nos luctuosos dias do governo nefasto do marechal Floriano? Não é isso um escarneo, uma nova e cruel opressão aquelle tão victimado povo?

57 CORREIO DA TARDE, Rio de Janeiro, 31 de janeiro de 1895, p.2. 66

Não: isto não é possível, e confio que a justiça eterna, se fazendo sentir na repulsa universal e na acção corrosiva do tempo, não permittirá que a infeliz cidade do Desterro tenha de arrastar atravez dos séculos o nome mil vezes malditos do supremo chefe de seus algozes.58

Nesse trecho observamos que havia no Rio de Janeiro a compreensão, aqui desmentida a todo custo por parte da historiografia, que Floriano Peixoto fora responsável direto pelas execuções ocorridas em meados de 1894 em Desterro. O Sr. Bernardo Vasquez apontado na publicação era ministro da guerra durante o governo Prudente de Moraes e realmente cabia a ele a nomeação dos oficiais de alta patente do exército, porém não podemos afirmar que o indeferimento do referido pedido ocorreu de fato, pela relação do requerente com a tal fortaleza, cena dos crimes que marcaram aquele período. Todavia, é pertinente registrar que esse tipo de entendimento circulava na capital federal, ou seja, a violência das ações que pavimentaram a pacificação do movimento federalista em Desterro não era só percebida, mas exposta abertamente ao debate público por meio da imprensa no Rio de Janeiro.

O ―Correio da Tarde‖, dentre os jornais de maior circulação no Rio de Janeiro, foi aquele que menos publicou edições, porém se demonstrou extremamente combativo na denuncia das ilegalidades cometidas pelo governo florianista. Nas suas páginas encontramos robustos elementos que corroboram com a construção da consciência que a intelectualidade carioca possuía no que se refere aos acontecimentos ocorridos em 1894 em Santa Catarina que culminaram na dubitável homenagem a Floriano Peixoto. A análise desse periódico configura somente a proposição de uma nova peça nesse quebra-cabeça, caracterizando o legalismo autoritário de Floriano como força efêmera e avassaladora, ou seja, traz elementos que nos ajudam a entender como a sociedade brasileira buscou digerir os fatos ocorridos em Desterro no ano de 1894.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aqueles anos em que a república se consolidara foram intensos e conturbados. As vísceras da sociedade brasileira foram expostas em suas profundas contradições. A proclamação da república seria o princípio de um período de mudanças e reformas, todavia

58 CORREIO DA TARDE, Rio de Janeiro, 30 de março de 1895, p.1. 67 esse processo não foi produto de um consenso entre as elites, muito menos das camadas populares. Ela foi pensada e elaborada a poucas mãos. A disputa pelo mito fundador da república se instalou no seio das elites dirigentes e o florianismo é parte integrante dessa luta pela natureza do novo regime. Desde a Guerra do Paraguai, os militares se viam envoltos de um prisma corporativista que lhes incumbia à responsabilidade do que Carvalho (1995, p.38- 39) chama de ―questão militar‖, ou seja, a ideia de que os militares teriam o dever de guiar a nação ao progresso, seria o espectro ideológico de uma república tutelada. Os governos de Deodoro e Floriano foram plenos laboratórios deste espectro, que é uma das várias facetas desse projeto republicano gestado no fim do século XIX no Brasil.

Neste estudo foi possível observar que o processo de inserção de Desterro nos conflitos armados referentes aquele período ocorreu principalmente de forma exógena. Apesar de haver na capital catarinense uma grande adesão ao movimento federalista e organicamente, forte oposição a Floriano Peixoto, as condições objetivas que colocaram Desterro no centro desses conflitos entre 1893 e 1894 são de origem externa. A cidade caiu tão rápido quanto se sublevou. Como represália, os vencedores promoveram, a sua maneira, um expurgo que foi muito além de prisões e execuções, buscaram construir um sentido único e particular sobre aqueles acontecimentos e suas implicações, a memória de Floriano seria utilizada como arma política e assim liquidar qualquer ensaio de reação. Pela força, Desterro tornou-se Florianópolis.

Observamos que a historiografia que se debruça sobre o tema possui duas linhas distintas de análise. A historiografia tradicional, conforme aqui classificamos, construiu, observando seu contexto, narrativas objetivas, com muitas fragilidades e que no seu esforço de reunir vasta documentação, contribui imensamente para o esclarecimento de fatos ligados a esse processo, porém deixou em aberto uma série de lacunas como bem apontamos. Por outro lado, na análise das obras daqueles/as autores/as ligados/as ao movimento da nova história foi possível adentrar justamente no tema que nos inspira nesse estudo: a produção de bens simbólicos que serviriam de peça de legitimação dos vencedores daqueles conflitos e o impacto da violência física e institucional exercida pelo Estado sob a população de Desterro naquele processo.

Ao analisar a obra de Duarte Schutel, foi possível observar em detalhes como a oposição derrotada percebia o desenrolar dos acontecimentos durante o ano de 1894 na capital catarinense. O exame dos seus manuscritos produziu a classificação de eixos temáticos que 68 proporcionaram uma visão macro setorial daquele processo. Duarte Schutel nunca citou a homenagem ao então presidente da república, mas percebemos que a sua animosidade com as bajulações ao governante se tornaram frequentes depois da consumação de tal ato.

Quando nos inclinamos sobre o tema da relação entre Floriano e a imprensa no Rio de Janeiro, percebemos que havia ali algo novo. Um dos argumentos utilizados por pesquisadores que escreveram sobre a dissolução do governo federalista em Desterro é de que Floriano era um governante justo e que os excessos cometidos em terras catarinenses seriam de responsabilidade de seus subordinados. Todavia, ao entender a sua relação com a imprensa carioca, principalmente a oposicionista, fica nítido que Floriano tinha uma postura autoritária e implacável com aqueles que iam contra suas diretrizes. Prisões, torturas e desterros eram comuns àqueles que denunciavam os crimes políticos de seu governo.

Já quando o objeto de análise foi o periódico ―Correio da Tarde‖ do Rio de Janeiro, houve a intenção de levantar elementos que colaborassem com a construção da percepção daqueles círculos intelectuais quanto ao processo de mudança do nome da capital catarinense. Ao examinar esse jornal com o método de análise temática em cruzamento aos apontamentos de Duarte Schutel em seus manuscritos, foi possível chegar a um denominador comum que responde a uma pergunta que pairou o processo de pesquisa até aqui: por que, nas fontes consultadas, contemporâneas aos eventos, há poucos registros quanto a críticas na proposição e efetivação do nome ―Florianópolis‖? Na documentação analisada fica evidente que os círculos intelectuais que formavam oposição a Floriano não viam tal fato como uma homenagem a ele, talvez nem mesmo como uma humilhação, mas certamente percebiam essa mudança como uma extensão do processo de violência exercida pelo Estado contra seu próprio povo, dessa forma não faria sentido tecer críticas isoladamente a um fato e sim a todo o conjunto de ações autoritárias legitimadas por uma legalidade sucessivamente contestada.

A capital catarinense carrega as marcas desses conflitos há 125 anos, Florianópolis surgiu da sanha despótica de um grupo político que via em Floriano Peixoto a oportunidade de assentar os seus valores republicanos na sociedade catarinense. Além de uma violência com os derrotados, tal ato também, e mais uma vez, agrediu a cidadania de uma imensa parcela da população que somente participou desse processo com seu sangue. Hoje, a prova do crime está transfigurada, ―Floripa‖ atenua as contradições dadas de fato e historicamente construídas. O nome deveria ser modificado novamente para deixar no passado o terror que o pavimentou? Nesse caso a resposta não é o mais importante, mas sim o método, se a nossa 69 capital tiver novamente um novo nome, que seja fruto de um processo verdadeiramente democrático, expressão do anseio de toda a comunidade, para que o autoritarismo, em todas as suas formas, esse sim, fique para sempre no passado.

FONTES

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Jornal O Apóstolo, Rio de Janeiro – 25 de agosto de 1893.

Jornal Diário de Notícias, Rio de Janeiro – 1° de setembro de 1894.

Jornal O Estado, Desterro – 23 de fevereiro de 1894.

Jornal Correio da Tarde, Rio de Janeiro – 31 de dezembro de 1894; 31 de janeiro de 1895; 13 de fevereiro de 1895; 30 de março de 1895.

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