647 TEMAS LIVRES FREE THEMES ------Saneamento, Territorialidade, Territorialidade, Saneamento, O crescimento das periferias de grandes

DOI: 10.1590/1413-81232018232.27732015 conflitos ou a representação dos moradores sobre sobre representaçãoou a dos moradores conflitos A sobreposição das seus de saneamento. problemas atribuições dos territórios de gestão deve, ainda, responsáveisser como um dos fatores considerada No por parte dos conflitos levantados no bairro. estudosvos são sugeridos como complementação metodológica e atualização de dados. Palavras-chave em saúde Informação Resumo vemcidades ocorrendo do Brasil sem que dispo de saneamentonham de infraestrutura adequa Diferentes gruposda. superar sociais procuram estas deficiências,buscando alternativas locais de individuais comunitárias, ou que se saneamento, contrapõem ao modelo de coleta universal de redes pesquisaA desenvolvida foi bairrono do esgoto. de a fim de de Janeiro, Rio dos Bandeirantes, Recreio de instalação do sistemaanalisar o processo de es territo sobuma abordagem sanitário, gotamento rial. Os dados permitiram a construção de esque mas territoriais a relacionadosdurante a conflitos implantação da estrutura de esgotamento sanitá convivem onde grupos riobairro, neste populacio áreas favelas, de de classenais moradores e média e atividadesde preservação praias ambiental, levantada necessidadea de con Foi comerciais. textualizaçãoinformaçõesdas saneamen sobre disponibilizadas pelo IBGE e pela companhia to, que não refletiam estes de saneamento, estadual , Janeiro, de Rio ------. Sanitation, Territoriality, Health in Health Territoriality, Sanitation,

The urban suburbs of Brazilian citiesThe urban suburbs of Brazilian formation areas, beaches and commercial activities.areas, This work revealed contextualized the need for sanita tionBrazilian the by informationavailable made and Statistics and (IBGE) of Geography Institute which conceal sewagestate collection company, theserepresentation conflicts or the ofresidents Overlapping theirabout sanitation ter problems. ritorial managing functions be should considered the conflictsas one of for the factors responsible identifiedFurther neighborhood. the in studies suggestedare as methodological complementation and data update words Key structure. Different social groups try overcome to these shortcomingsseeking sanitationlocal alter natives at individual or community levels, con trasting with the universal model of sewage net developed was study This in the suburbanworks. neighborhood de Rio dos Bandeirantes, of Recreio installationthe analyze to order in Brazil, Janeiro, of the sewage systemprocess under a territori Datafacilitated the constructional approach. of territorial schemes conflicts to during related the implementation of sewage networks in this neigh whereborhood, middleclass groups and favela coexistresidents with environmental preservation Abstract Abstract grown have without sanitationadequate an infra A dimensão territorialA dimensão sanitário: esgotamento do Brasil Janeiro, de Rio Bandeirantes, dos Recreio o caso do of Dimension Networks: Sewage The Territorial Bandeirantes, dos ofthe Case Recreio 1 2 Departamento de CEGOT - Centro de de - Centro CEGOT Fiocruz. Rio de Janeiro RJ Janeiro de Rio Fiocruz. Brasil. 2 Saúde, em Informação Informação de Centro Tecnológica, e Científica Ordenamento do Território. Território. do Ordenamento s/n FLUP. Panorâmica, Via . 4150-564 Porto profthiagomonteiro@ gmail.com 1 Geografia de Estudos e Mendes Mendes Monteiro Thiago Barcellos Christovam 648

Introdução cos traz consigo o desafio de equalizar tal situa- ção à capacidade dos Estados de promoverem os

Mendes TM, Barcellos C Barcellos TM, Mendes O acesso ao saneamento é considerado direito e serviços necessários à manutenção da qualidade condição para a manutenção da saúde e de um de vida das populações8. No Brasil, os serviços de ambiente sustentável. Esgotamento sanitário é esgotamento sanitário são atribuições do Estado, um dos componentes do saneamento e consti- diretamente ou por meio de concessão, que deve, tui-se como condição para o controle da trans- dentre seus diversos atributos, levantar dados so- missão de doenças, da proliferação de vetores e bre o serviço e desenvolver infraestrutura neces- da poluição ambiental, em caráter complemen- sária para sua prestação. Como outras cidades, o tar ao abastecimento de água, coleta e tratamento Rio de Janeiro é um dos exemplos desse processo de lixo e a drenagem urbana1. Compreende-se o de crescimento populacional acelerado no Brasil, esgotamento sanitário como a coleta dos despe- sendo uma das maiores cidades do país e um dos jos líquidos, domésticos e industriais, água de principais pólos de atração populacional. Segun- infiltração e a contribuição fluvial parasitária1. do dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Apesar do aparente consenso sobre a urgência Geografia e Estatística (IBGE), a população abso- e necessidade da implementação de sistemas de luta residente na cidade do Rio de Janeiro passou coleta e tratamento de esgotos, várias alternativas de 1.764.141 habitantes, em 1940, a 5.858.904 ha- técnicas de saneamento estão disponíveis, com bitantes em 20109. Nos anos de 1980 foi marcante resultados diferentes sobre Saúde, Ambiente e o aumento dos fluxos populacionais em direção Qualidade de Vida2. Por exemplo, a disposição ao bairro da Barra da Tijuca e, posteriormente, ao final de dejetos em rios e lagoas retira o esgoto Recreio dos Bandeirantes. Ao longo do litoral, fo- das residências e reduz o contato de moradores ram construídos condomínios de luxo, enquanto com agentes infecciosos, mas contamina o am- manchas de favelas foram se instalando nos in- biente, ameaça a fauna local e expõe os usuários terstícios urbanos, principalmente em áreas apa- destes corpos d´água a doenças. Porém, o uso de rentemente sem propriedade, através da posse de fossas sépticas pode diminuir consideravelmente terras que até hoje estão sob disputa. Ambos os a carga de esgotos para o ambiente. No entanto, tipos de ocupação se deram em áreas de vegeta- requer do morador o investimento de dinheiro, ções características de Mata Atlântica e restinga, exige sua manutenção sistemática e uma área incluindo terrenos alagadiços, mangues e cordões mínima para sua implantação no lote, podendo arenosos. As primeiras construções no bairro inviabilizar sua implantação em áreas de favela. do Recreio dos Bandeirantes não contavam com A implementação de projetos de saneamen- praticamente nenhuma infraestrutura urbana de to em territórios heterogêneos envolve, sempre, arruamento, pavimentação, serviços de saúde ou a negação de responsabilidades de atores sociais redes de água e esgoto. Nos últimos anos, porém, locais em favor de setores governamentais3. Além vêm sendo realizadas obras para a implantação disso, os custos de ligação à rede, que devem ser de infraestrutura, sendo a rede de esgoto uma das assumidos pelo morador, podem representar mais recentes e conflituosas destas. uma barreira para a cobertura universal destes Cabe destacar que o IBGE classifica os seto- serviços4. A adoção de soluções técnicas univer- res censitários como “subnormais”, quando eles sais para o problema do esgoto, portanto, acaba compreendem aglomerados de unidades habita- desconsiderando as particularidades locais5 e cionais sem serviços públicos básicos, ocupando pode privilegiar alguns grupos e interesses em ou tendo ocupado, até recentemente, terreno de detrimento de outros6,7. propriedade de terceiros (públicos ou privados) A crise de abastecimento de água vivida na e, geralmente, construídos de forma desordenada região sudeste do Brasil, em 2012 e 2013, evi- e densa9. Na cidade do Rio de Janeiro, esses crité- denciou a perversa conjunção entre fatores cli- rios correspondem às favelas. máticos, políticos e ambientais, que restringiram Este artigo visa apresentar características do as opções de captação de água para as cidades. processo de instalação dos serviços de esgora- Enquanto alguns mananciais de água próximos mento sanitário no bairro do Recreio dos Ban- a cidades reduziram suas capacidades pela dimi- deirantes, e seus conflitos relacionados, envol- nuição do volume de chuvas, outros se encontra- vendo fatores globais e locais que atuam sobre os vam impedidos pela intensa contaminação por territórios. Tais características foram analisadas esgotos domésticos e industriais acumulada por através de uma variedade de fontes de informa- décadas de desinvestimento. O crescimento po- ções, tais como pesquisa de campo, onde foram pulacional das áreas urbanas em países periféri- aplicados questionários e realizadas entrevistas – 649 Ciência & Saúde Coletiva, 23(2):647-658, 2018

seguindo as orientações do Comitê de Ética em Dessa forma, a pesquisa empírica realizada Pesquisa da Escola Politécnica de Saúde Joaquim se limita ao bairro do Recreio dos Bandeirantes, Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e após aprovação do estabelecendo como população específica os mo- mesmo –, além de dados do censo demográfico radores do bairro. Esta pesquisa buscou ouvir os de 2010 sobre as condições de saneamento na atores sociais envolvidos em suas relações com o região. bairro, com ênfase sobre moradores de prédios e casas de classe média, bem como moradores de favelas, e não sobre as estruturas de saúde e de Metodologia engenharia sanitária, ou seja, não se pretendeu analisar o tipo de estrutura sanitária instalada no Para a realização das análises, foram usadas duas bairro, mas a forma como se deu esse processo principais fontes de informação: os dados do cen- de instalação. Portanto, a proposta desta pesquisa so demográfico de 2010 e a percepção dos mora- é de natureza relacional, e, nessa modalidade de dores do bairro. A realização das pesquisas envol- elaboração do conhecimento, pretende oferecer veu, inicialmente, o levantamento documental da um quadro de interpretações, ou elementos para história do bairro do Recreio dos Bandeirantes, compreensão de processos de difícil apreensão no contexto da expansão urbana da cidade. Este apenas a partir de uma análise quantitativa. levantamento permitiu a identificação de atores Após a coleta dos dados, foi realizada a sis- e processos sociais que caracterizam o bairro ao tematização e análise dos resultados do material longo das últimas décadas. qualitativo das entrevistas. As questões levantadas Em seguida, foi realizado um planejamento nas entrevistas foram segmentadas em três cate- de campo e, posteriormente, coletados dados gorias (saúde, infraestrutura e saneamento) e, a empíricos por meio de entrevistas semiestrutu- partir das entrevistas, pretendeu-se registrar o radas dirigidas a informantes-chaves, gravadas aparecimento de termos e palavras, além de com- em mídia digital e transcritas parcialmente para preender o objeto dessa pesquisa a partir da fala análise posterior dos dados. Tais informantes fo- dos sujeitos residentes no bairro, de forma contex- ram escolhidos a partir de sua representatividade tualizada no cenário político, econômico e social. junto às comunidades do bairro, sendo contata- Os dados do censo demográfico de 2010 fo- dos, dessa forma, os presidentes das Associações ram tabulados e calculado o indicador de cober- de Moradores. Foram considerados informantes- tura da rede de esgoto, pela divisão do número de chaves, também, porteiros de prédios do bairro – domicílios ligados à rede geral de esgoto ou rede considerando aqueles que participaram dos pro- pluvial. Os dados foram relacionados à malha de cessos de instalação dos sistemas de esgotamento setores censitários, também disponibilizada pelo nos prédios do bairro. IBGE9, o que permitiu seu mapeamento. Além disso, foram aplicados 39 questionários O material quantitativo foi sistematizado e aos moradores, distribuídos nos 104 setores cen- a análise dos dados se deu de forma relacional sitários considerados pelo IBGE no bairro, em com aquilo que foi levantado através da pesquisa 2010, segundo perfis socioeconômicos, sendo 6 qualitativa, promovendo uma hibridização me- dos 15 setores identificados como áreas de favela todológica10. Nesse sentido, a diversidade de ins- e 33 dos 83 setores relativos às áreas urbanisti- trumentos de coleta de dados e recursos no nível camente mais estruturadas. Os outros 6 setores local trouxe informações consistentes e comple- foram identificados como abrangendo áreas de mentares, ao invés de contraditórias, como prevê proteção ambiental, áreas alvo de expansão ur- Giné-Garriga et al.11. Por exemplo, os mapas ge- bana ou, ainda, áreas de especulação imobiliária. rados com dados do censo foram utilizados nas A opção pela escolha aleatória dos setores cen- entrevistas como meio para provocar a discussão sitários foi feita com a intenção de se obter uma sobre as reais condições e necessidades do bairro. abrangência espacial significativa frente ao con- Na última etapa do trabalho, foram destacadas as junto de setores existentes no bairro, evitando similaridades e diferenças apontadas por diferen- obter uma percepção espacialmente restrita, uma tes fontes de informação. vez que são tratadas questões de carácter ambien- tal e estas variam, significativamente, no bairro do Recreio dos Bandeirantes. Esta amostra não Resultados e discussão teve objetivo estatístico, mas sim a busca pela di- versidade de percepções dos moradores, segundo O crescimento do bairro do Recreio dos Bandei- suas condições de moradia. rantes acontece relacionado aos movimentos de 650

implantação de infraestrutura no bairro vizinho, Associado a esse modelo, observa-se um cres- Barra da Tijuca, por parte do Estado, e de especu- cimento baseado no “espetáculo urbano”15, em

Mendes TM, Barcellos C Barcellos TM, Mendes lação por parte de agentes imobiliários. A expan- detrimento das estruturas básicas da cidade, tor- são da infraestrutura de transporte, associada ao nando a região da Barra da Tijuca e Recreio dos modelo de marketing promovido pelos agentes Bandeirantes um exemplo de insustentabilidade imobiliários, acelerou o processo de ocupação socioambiental, apesar de esteticamente bem vis- da região da Barra da Tijuca e, posteriormente, ta por parte da população. incluiu o bairro do Recreio dos Bandeirantes. No ano de 2010, com vistas aos eventos pre- Segundo Rezende e Leitão12, pode-se identificar vistos para serem sediados na cidade do Rio de claramente o papel dos quatro agentes de forma- Janeiro, especificamente as Olimpíadas 2016 e a ção do espaço urbano, definidos por Lefebvre13, Copa do Mundo de Futebol de 2014, o Estado relacionados ao crescimento do bairro. O Estado, iniciou uma série de obras de infraestrutura sa- que tem atuado por meio de políticas públicas de nitária com o objetivo de cumprir uma das metas infraestrutura direcionadas à estética, em detri- impostas pelos comitês organizadores dos mes- mento das necessidades básicas; os proprietários mos, que é a despoluição das lagoas da região da fundiários – grandes donos das terras da região; Barra da Tijuca. os promotores imobiliários – grandes construto- Mais uma vez, a implantação de infraestrutu- ras que criam a imagem do novo life style, através ra sanitária, necessária à manutenção da qualida- do marketing imobiliário; além dos grupos so- de de vida da população, se mostrou diretamente ciais precariamente incluídos, através das reivin- atrelada a interesses alheios às necessidades lo- dicações pela posse da terra e na luta contra as cais, seguindo, o mesmo modelo ocorrido no ano remoções impostas pelos demais agentes. Nesse de 2007, quando a prefeitura implantou o emis- sentido observa-se que o bairro em questão se sário submarino da Barra da Tijuca, atendendo caracteriza pela existência de áreas social e espa- às demandas impostas pelo comitê organizador cialmente segregadas, como mostra a Figura 1. dos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro. Esse

Legenda Favelas Áreas de Proteção Ambiental ou Áreas de Especulação Imobiliária e Expansão Urbana Áreas Residenciais de classe média

Figura 1. Estrutura da ocupação urbana do Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro/RJ.

Fonte: Adaptado de Mendes14. 651 Ciência & Saúde Coletiva, 23(2):647-658, 2018

modelo de ação do Estado mostra como forças to sanitário. Tomando por base as definições de externas ao território se sobrepõem aos interesses território apresentadas por autores como Sack16, dos atores locais. Raffestin17, Santos et al.18, Santos19,20, Souza21 e O levantamento realizado através da aplica- Haesbaert22, pode-se observar a existência de ção de questionários a moradores mostra que quatro agentes territoriais relacionados ao es- aproximadamente 37% dos moradores do Re- gotamento sanitário no bairro do Recreio dos creio dos Bandeirantes identificam a carência de Bandeirantes, com interesses distintos. São eles: saneamento como um dos seus principais pro- o morador das áreas mais abastadas, o morador blemas (Tabela 1 – item 1.1), e que, apesar disso, das favelas, as associações de moradores e o Es- os veículos de comunicação pouco abordam este tado, na figura da companhia de saneamento e assunto em suas pautas. Apesar de aproxima- dos órgãos de meio ambiente. Estes últimos, no damente 60% dos moradores do bairro afirmar caso do Rio de Janeiro, encontram-se representa- possuir ligação da concessionária de saneamento dos pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE – Companhia Estadual de Água e Es- (CEDAE) e pelo Instituto Estadual do Ambiente goto) em suas casas (Tabela 1 – item 1.2), a in- (INEA), respectivamente. fraestrutura de esgotamento sanitário do bairro Com base nos autores citados no parágrafo é considerada inadequada por mais de 94% dos anterior, toma-se aqui, como categoria de aná- moradores. Além disso, a infraestrutura de esgo- lise, o Território Usado, ou seja, não apenas um tamento sanitário da região mostra-se mal com- conjunto de sistemas naturais ou de coisas super- preendida pelos moradores, uma vez que apro- postas, mas o “chão mais a identidade”18, onde a ximadamente 60% dos mesmos não sabe qual o identidade corresponde ao sentimento de per- destino final dos seus dejetos domésticos (Tabela tencimento. Para Sack16, a delimitação espacial se 1 – item 1.3), isto é, além dos limites imediatos torna Território quando suas fronteiras são usa- das suas residências. das para afetar o comportamento através do con- Verifica-se, portanto, que é comum o empre- trole do acesso. Nesse sentido, o Território im- go de alternativas individuais de esgotamento em plica uma noção de limites que exprimam uma todo o bairro, porém com diferenças marcadas relação que um determinado grupo mantém quanto às suas formas. As fossas sépticas, por com uma porção do espaço17, destacando uma exemplo, são opções adotadas por residências de relação de forças que, muitas vezes, reflete inte- classe média, no entanto, inviáveis para áreas de resses contraditórios. Vale destacar a influência favela. Apesar de os investimentos em serviços de das verticalidades – forças muitas vezes impostas esgotamento sanitário estarem sendo realizados refletindo interesses externos ao território- eho - no bairro, o modelo de implantação dos mesmos rizontalidades – processos inerentes àqueles que foi alvo de várias críticas por parte dos morado- vivem o território e suas relações do cotidiano – res do Recreio dos Bandeirantes. sobre os territórios20. Segundo o presidente da Associação de Mo- Souza21 define o Território como um campo radores da Comunidade do Canal das Taxas, uma de forças, uma teia de relações sociais que define das favelas do bairro, os profissionais da compa- ao mesmo tempo um limite, uma alteridade: a di- nhia de saneamento ao implantarem a rede de ferença entre o “nós” e os “outros”. Assim, leva-se esgotamento na comunidade, não levaram em em consideração, também, o conceito de Territo- conta o conhecimento tácito dos moradores da- rialidade. Este trás consigo a noção de apropria- quele território, afirmando que os engenheiros ção e pertencimento, estabelecendo uma relação que estavam implantando a rede diziam já haver de identidade. Segundo o autor, a apropriação do estudado a área e ser especialistas em obras des- território por um determinado grupo pode ser se tipo. Tal atitude reflete a sobreposição de co- flutuante, ou seja, temporária, ou, ainda, cíclica. nhecimentos em diversas ações do Estado. Como Para Souza a territorialidade pode ser vista como consequência desse modelo de implantação da “um certo tipo de interação entre homem e espa- rede de esgotamento na comunidade, foram re- ço, que abarca sempre uma interação entre seres latados diversos problemas de funcionamento da humanos mediatizada pelo espaço”21. rede, como por exemplo, refluxos de esgoto para Para Barcellos23, o Território deve ser visto o interior das casas dos moradores. como “produto” e “produtor” de desigualdades, A segregação sócioespacial característica de não devendo ser analisado como elemento pas- bairros como o Recreio dos Bandeirantes en- sivo e descontextualizado. Sendo “produto” de contra-se diretamente relacionada ao acesso da desigualdades, reflete uma determinada organi- população aos serviços públicos de esgotamen- zação social, econômica e política de épocas pas- 652

sadas que se materializam através da segregação afirmam se incomodar com o mau cheiro, ne- espacial e de mecanismos de mercado. Por outro nhum deles demonstrou preocupação com pos-

Mendes TM, Barcellos C Barcellos TM, Mendes lado, o Território pode ser, também, “produtor” síveis doenças causadas pela proximidade com as de desigualdades, uma vez que é no espaço, e, águas poluídas. Tais dados encontram sistemati- através dele, que se materializam as condições zados na Tabela 1 – item 1.4. para a reprodução da sociedade. Deste modo, o Outro elemento que diferencia os moradores território adapta os processos gerais às condições de cada um destes recortes territoriais é a forma locais, não refletindo unicamente a estrutura so- através da qual, os moradores se desfazem dos cial propriamente dita, mas o contexto específico seus esgotos domésticos e a relação de proximi- no qual está inserido. dade com os rios e canais da região, já que os Para os moradores do bairro, os interesses so- mais pobres demonstram ter uma forte referên- bre a acessibilidade aos sistemas de esgotamento cia a estes elementos/recursos do território. sanitário estão relacionados ao desfazer-se dos As associações de moradores propõem-se dejetos domésticos produzidos, atribuição tradi- figurar como o agente representativo dos inte- cional dos sistemas convencionais de saneamen- resses dos moradores, tendo, muitas vezes, papel to. Além disso, aos mesmos interessa um ambien- fundamental nas ações desenvolvidas pelo Esta- te visualmente limpo e sem impactos negativos à do no nível local por reconhecer as especificida- natureza. O mau cheiro característico dos canais des existentes no território. Nas áreas de favela, e valões existentes no bairro se destaca como a as associações também atuam como gestores do principal forma de incômodo, sendo menciona- território, apoiando a gestão da infraestrutura do por 74% dos moradores. Tal incômodo supe- urbana, em alguns casos promovendo a limpeza ra mesmo a preocupação com possíveis doenças de logradouros e manutenção de redes de água relacionadas à poluição das águas, uma vez que e esgoto. 48% dos respondentes se preocupavam com pos- Já o Estado, aparece como agente territorial sível contato com as águas dos canais e valões em através da gestão dos serviços de saneamento e épocas de chuva. Se destacarmos apenas os res- como esfera responsável pela preservação am- pondentes moradores de favelas, enquanto 100% biental. Este papel tem sido reforçado pela neces-

Tabela 1. Resultados dos questionários aplicados em campo (em %). Áreas de Áreas de Total de Moradores Classe Média Favela Entrevistados 1.1: Quais os principais problemas do seu bairro? (Apresente até dois) Falta de Saneamento 40 20 37,1 Congestionamento 40 40 40 Violência 26,7 20 25,7 Crescimento das Favelas 30 40 31,4 1.2: Sobre seu esgoto doméstico, onde ele é lançado? Rede Coletora da CEDAE 65,5 25 60,6 Canais, Valões, Rios, Lagoas ou Mar 13,8 75 21,2 Fossa Séptica 20,7 0 18,2 Não possuo ligação de esgoto em casa 0 0 0 1.3: Como o esgoto do seu bairro te incomoda? Mau Cheiro 63 100 64,5 Possíveis Problemas de Saúde 55,6 0 48,4 Não me incomodo 7,4 0 6,5 1.4: Qual o destino final do seu esgoto doméstico? Lançado em lagoas e canais 10,3 25 12,1 Lançado no mar 20,7 0 18,2 Infiltrado no solo por canaletas ou fossas 10,3 25 12,1 Não sei 58,6 50 57,6 Fonte: Adaptado de Mendes14. 653 Ciência & Saúde Coletiva, 23(2):647-658, 2018

sidade de acelerar o processo de implantação da vel pela sua dragagem, a fim de evitar possíveis infraestrutura com o objetivo de cumprir com as transbordamentos e da preservação da fauna e determinações dos comitês dos grandes eventos flora do canal. O morador é responsável pela ins- que ocorrerão na cidade do Rio de Janeiro. Tal talação da estrutura de esgotamento no interior postura reflete fortemente uma das forças que do domicílio, enquanto a associação e o próprio atuam sobre o Território, destacadas por Santos20 morador estabelecem e mantêm as ligações cole- como verticalidades, isto é, processos globais que tivas e individuais, respectivamente, dos domicí- se manifestam localmente. lios até o canal. A partir da análise sobre as formas de apro- Neste caso, o esgoto aparece como algo incô- priação do espaço no bairro como forma de modo pelo seu mau cheiro, extremamente forte instalação de sistemas formais ou informais de segundo os moradores, pelo impacto ambiental e esgotamento sanitário pela população e pelo Es- pelo risco à saúde devido ao contato da popula- tado, chegou-se a dois modelos característicos ção com as águas do canal – especialmente para de um momento anterior aos investimentos em as crianças, que utilizavam os canais como espa- infraestrutura de esgotamento pela companhia ços de lazer. de saneamento, e a dois modelos característicos Já no restante do bairro, nas áreas urbaniza- de um momento posterior a tais investimentos das, o Estado é responsável pela gestão do sistema (Figura 2). de águas pluviais e pelo canal. O morador apa- Nas áreas de favela, anteriormente à obra de rece como responsável pela instalação de infra- implantação da rede geral de esgoto, o Estado estrutura de esgotamento no interior dos domi- figura somente como gestor do canal, responsá- cílios e pelo destino a ser dado por seus resíduos

Favela Áreas de ocupação organizada

Sistema de esgoto na favela antes da obra Sistema de esgoto no resto do bairro antes da obra

Território Território Domicílios Rua Canal Domicílios Rua Canal

Fossa Antes dos trabalhos dos Antes Rede pluvial Rede Domínio Domínio pluvial Rede Morador Associação Prefeitura Morador Prefeitura Prefeitura Sistema de esgoto na favela depois da obra Sistema de esgoto no resto do bairro depois da obra

Território TerritórioTerritório Rua Canal Domicílios Rua Canal Domicílios de Rede esgoto formal

Rede pluvial

Associação Fossa Depois dos trabalhosDepois dos

Domínio Domínio Morador Prefeitura Prefeitura Morador CEDAE Prefeitura

Figura 2. Esquema territorial do esgotamento nas áreas urbanizadas e de favela, antes e depois da obra de implantação da rede geral de esgoto no bairro do Recreio dos Bandeirantes.

Fonte: Adaptado de Mendes14. 654 Mendes TM, Barcellos C Barcellos TM, Mendes

Legenda Proporção de domicílios ligados em rede geral de esgoto ou rede pluvial 0% - 30% > 30% - 50% > 50% - 70% > 70% - 90% > 90% - 100% Null

Figura 3. Cobertura da rede de esgoto no bairro do Recreio dos Bandeirantes. Proporção de domicílios ligados em rede geral de esgoto ou rede pluvial (em %) segundo dados do censo demográfico.

Fonte: IBGE, adaptado de Mendes14.

domésticos. As alternativas de esgotamento mais buição dos moradores se resume às instalações comuns, apontadas pelos moradores, eram a fos- no interior dos domicílios, enquanto o Estado sa séptica e a ligação do sistema domiciliar à rede assumiria a responsabilidade pelo sistema de es- de águas pluviais que deságua no canal. Em al- gotamento e pelo canal. guns poucos casos havia a ligação direta de esgo- Segundo depoimentos colhidos, a companhia to domiciliar para o canal, o que se tornaria uma de saneamento instalou uma tubulação de esgoto prática ilegal após as obras de instalação da rede com diâmetro e declividade menores que o ne- de esgoto no bairro. cessário para o seu escoamento. Além disso, por Neste caso, o esgoto aparece como incômodo desconhecer a realidade daquela população, nem para o morador que vive próximo ao canal ou de suas instalações sanitárias prévias que não que passa próximo ao mesmo, devido ao mau contam com caixa de gordura, o entupimento cheiro, mas não como um problema do seu do- da rede de esgoto e o consequente refluxo para micílio. O impacto ambiental, a proliferação de o interior das casas passou a ser um problema mosquitos e o risco de contato, apesar de baixo, frequente. também são apontados como problemas provo- Assim, a associação de moradores passa ser cados pela carência de saneamento. responsável pelo desentupimento emergencial Após as obras de implantação da rede geral do sistema, enquanto os moradores, insatisfeitos de esgoto em 2010 nas favelas, o Estado, por meio com o serviço prestado pelo Estado, ameaçam da companhia de saneamento, assume o serviço tornar a despejar suas tubulações de esgoto di- de coleta de esgotos para toda a população, que retamente ao canal. Neste caso, a rua passa a ser é encaminhado para a Estação de Tratamento, palco de conflitos de interesse entre moradores, também construída neste período. Assim, a atri- associação e companhia de saneamento. 655 Ciência & Saúde Coletiva, 23(2):647-658, 2018

Nas áreas urbanizadas do bairro, o Estado Essa forma de divulgação dos dados contri- assumiria a gestão do canal e, através da compa- bui para a invisibilidade do contexto em que se nhia de saneamento, o sistema de esgotamento desenrola o processo de saneamento do bairro, sanitário. Assim, a população passa a ser respon- pois, ao colocar diversas variáveis em uma única sável pela ligação de seus sistemas domiciliares à categoria de análise, esconde os serviços já pres- rede implantada pela companhia de saneamento. tados, agregando áreas que possuem redes às ou- No entanto, essa rede implantada representa tras, onde esta rede é informal ou inexistente. um custo adicional para a ligação do domicílio Ao considerar as publicações da CEDAE ao sistema. Segundo alguns moradores, o siste- como fonte de informações sobre o sistema de ma não contempla todas as ruas, obrigando-os esgotamento sanitário no bairro do Recreio dos a construir ligações bastante onerosas com re- Bandeirantes, a mesma apresenta o processo de des situadas em ruas próximas. Assim, apesar de implantação como “Executado”. Tal atitude pode muitos moradores terem realizado suas ligações ser interpretada como uma forma tendenciosa ao sistema da companhia de saneamento, outros, de prestar contas com a população sobre o an- por diversos motivos, se recusam a efetivar tal damento das obras, uma vez que a população do ação, mantendo fossas ou redes paralelas e não bairro demonstra insatisfação com relação ao oficiais de esgoto. serviço e alguns afirmam que estão desfazendo Através desses quatro cenários representados as ligações realizadas pela companhia de sanea- anteriormente, observa-se que, com o processo mento e religando seus sistemas aos canais nova- de implantação da rede de esgotamento no bair- mente. Como diversas instalações da companhia ro do Recreio dos Bandeirantes, houve uma re- de saneamento estão apresentando refluxo de es- distribuição das atribuições anteriormente exis- goto, os moradores afirmam preferir o esgoto no tentes, alterando a estrutura de poder e a territo- canal a ele dentro de casa. Assim, questiona-se a rialidade dos conflitos sociais. Contudo, essa re- real conclusão destes serviços. distribuição não agradou parte da população que permanece desligada do sistema formal de coleta de esgoto, ou ameaça desligar-se do mesmo. Conclusão O bairro, portanto, adquire diferentes confi- gurações sócio-espaciais no que diz respeito aos Ao tomar o processo de instalação da infraestru- sistemas de esgoto, demonstrando conflitos terri- tura de esgotamento sanitário como recorte para toriais entre grupos. No entanto, as informações a análise dos processos que envolvem os diversos divulgadas por órgãos de governo sobre as con- territórios e territorialidades existentes no bairro, dições de esgotamento sanitário no bairro não observou-se que o caráter relacional dos territó- refletem as questões inerentes a estes conflitos. O rios leva à sobreposição de atribuições e, conse- censo demográfico de 2010 mostra que a maior quentemente, ao conflito, fortalecido pelas ter- parte do bairro é coberta por rede de coleta de ritorialidades. Estado, moradores e associações esgoto (Figura 3), sejam elas exclusivas ou mis- de moradores apresentam atriibuições distintas tas, de esgoto doméstico e pluvial. Estes dados e complementares no processo de implantação foram coletados no período de 1/08 a 31/10 de desta infraestrutura. 2010, após as obras de implantação de rede geral Retomando conceitos discutidos anterior- de esgoto. Durante o censo, os responsáveis pelo mente, constata-se que o espaço, ao ser toma- domicílio foram perguntados sobre a forma de do como um conjunto de sistemas de objetos e eliminação dos esgotos domésticos (se em fossa; sistemas de ações20, possui contextos nos quais a vala, rio ou mar; ou rede geral de esgoto ou plu- sociedade destaca-se como elemento chave dos vial). A medida de frequência destas respostas do processos nele, e através dele, desenvolvidos. censo tem sido usada como indicador para ava- Desta forma, o mesmo não pode ser considerado liar a cobertura da rede de esgoto. No entanto, algo atemporal, imutável, engessado. O espaço, este indicador é insuficiente para compreender assim é dinâmico e aberto, apresentando diversas a complexidade dos processos que ocorrem nos possibilidades de conexões e mudanças. Esse es- territórios24. A aglutinação das opções de “rede paço quando apropriado, configura-se território, geral de esgoto ou pluvial” em uma única cate- possuindo limites e sendo o lócus das relações de goria dificulta a diferenciação entre as diversas poder nele existentes. formas de esgotamento sanitário e esconde os A implantação de infraestrutura urbana mo- processos conflituosos característicos dos territó- difica as condições do terreno e a organização rios existentes no bairro. espacial do bairro, trazendo benefícios, mas tam- 656

bém impactos negativos sobre a vida dos mora- produzem e vivem o território, como moradores, dores. No caso deste estudo, percebe-se um con- órgãos de meio ambiente, prefeitura, governo es-

Mendes TM, Barcellos C Barcellos TM, Mendes flito institucional, uma vez que há uma sobrepo- tadual, entre outros. sição, tanto nas áreas de favelas quanto nas áreas Tomando o acesso ao esgotamento sanitário de classe média, dos interesses e procedimentos como uma das condições básicas para melhores do Estado, que projeta e executa suas ações sem a condições de saúde, especialmente em áreas ur- devida participação social. banas, conclui-se que no Recreio dos Bandeiran- Os conflitos gerados são, também, territoriais, tes essa condição não é alcançada uma vez que o já que se manifestam na segmentação espacial da processo de implantação dos sistemas sanitários apropriação dos benefícios pela população (áreas é incompleto, possuindo ainda vulnerabilidades de classe média/Favelas), além de definirem terri- que são decorrentes das tensões entre Estado e tórios de atuação dos três agentes aqui considera- agentes locais. dos (Estado/Associações de Moradores/Morado- Pode-se observar também que tais proces- res). Por outro lado, estes conflitos possuem di- sos, para serem analisados, carecem de um es- mensão informacional, isto é, também têm como tudo capaz de identificar quais os objetos, ações arena as instituições públicas e privadas, que se e contextos existentes no território e não repre- apropriam de dados e informações para a defesa sentáveis em mapas ou outros dispositivos de de interesses de grupos sociais urbanos. comunicação. Dessa forma, sugerem-se estudos Ao tomar determinadas fontes de informa- complementares sobre este tema, buscando uma ções como base para a análise de processos, de- interdisciplinaridade capaz de, através dos vários ve-se levar em conta que estes possuem historici- saberes e áreas do conhecimento, esclarecer como dade e espacialidade, e, muitas vezes, essas infor- se dá a construção e representação de processos. mações correspondem a representações parciais, Novos estudos podem contribuir, ainda, para ele- rígidas e descontinuas de ações, ou seja, buscam var o nível de segurança estatística dos dados e captar o estado de um processo em um determi- atualizar as reflexões frente às novas dinâmicas nado momento. Esse tipo de ação pode ser iden- emergentes no bairro e na cidade ao longo dos tificado nas informações levantadas pelo Censo últimos anos. de 2010, realizado pelo IBGE. Este, apesar de ser O problema do saneamento é complexo e uma importante fonte de informação, servindo não pode ser resumido a uma categoria dicotô- como ferramenta de grande valor para a toma- mica, de presença ou ausência da rede de coleta24. da de decisões, demonstrou apresentar diversas O saneamento adquire diferentes configurações limitações de interpretação, ao reduzir o número locais dependendo das condições do terreno (re- de categorias em comparação ao Censo de 2000, levo e tipo de solo), sócio-econômicas (tipos de e de representatividade, por não representar pro- habitação, renda, capacidade de investimento) e cessos locais e de curta duração. Deve-se ressaltar políticas (atuação do Estado, organização da so- também a necessidade de interpretação da par- ciedade)25. Por isso, o indicador de cobertura de cialidade das informações, uma vez que estas, serviços não se adéqua à análise dos contextos lo- em geral, refletem os interesses daqueles que as cais em que ocorrem riscos, e onde podem surgir produzem. alternativas técnicas. É importante destacar que Aquilo que parece representar um cenário de as ações de saneamento não se encerram na cons- avanço e sucesso das políticas públicas de sanea- trução de redes (tecnologias duras), mas deve mento empreendidas na região, na verdade, es- considerar os múltiplos saberes e as relações do conde a precariedade das instalações e das ações usuário com o sistema (tecnologias leves). Deste que, quando verticalizadas, colocadas de “cima” modo, o projeto de universalização dos serviços para “baixo” em relação à estrutura social da re- de saneamento, necessário e urgente nas cidades gião, não contam com a participação dos atores de países periféricos, não necessariamente resulta centrais em qualquer processo baseado nos ter- na homogeneização de soluções técnicas, mas ao ritórios, ou seja, a participação das populações contrário, deve atender às particularidades lo- locais. cais26. Diante do exposto, observa-se que no bairro Serviços de água e esgoto constituem a agen- do Recreio dos Bandeirantes o sistema de esgo- da histórica dos residentes urbanos em países tamento, apesar de instalado e estendendo-se a em desenvolvimento . No entanto, grande parte grande parte do mesmo, ainda se encontra em desse movimento é invisível em documentos do processo de consolidação, fazendo emergir no- governo27. O acesso a informações detalhadas e vos conflitos envolvendo os diversos atores que de bases territoriais é um fator chave para o em- 657 Ciência & Saúde Coletiva, 23(2):647-658, 2018

poderamento dos grupos sociais envolvidos em conflitos. Assim, a participação da sociedade – por meio de suas diversas formas de organização, desde a concepção inicial do projeto até sua fase de implementação e de gestão – pode indicar uma concepção de projetos de saneamento mais adequada aos contextos locais.

Colaboradores

TM Mendes e C Barcellos realizaram coletiva- mente ente trabalho, sendo a concepção, aborda- gem metodológica, pesquisa e redação final, fruto das discussões e da colaboração entre os autores durante pesquisa de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/ICICT/Fiocruz). 658

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