UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

LEANDRO COUTINHO SILVA

ARQUIVO E MEMÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA SOBRE O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964: ANÁLISE ARQUIVÍSTICA

Salvador 2020

LEANDRO COUTINHO SILVA

ARQUIVO E MEMÓRIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA SOBRE O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964: ANÁLISE ARQUIVÍSTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, do Instituto de Ciência da Informação, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciência da Informação.

Área de concentração: Informação e Conhecimento na Sociedade Contemporânea.

Linha de pesquisa: Políticas e Tecnologias da Informação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Zeny Duarte de Miranda.

Salvador 2020

UFBA – Sistema Universitário de Bibliotecas – Biblioteca do ICI

S586 Silva, Leandro Coutinho Arquivo e memória da Universidade Federal da Bahia sobre o golpe civil- militar de 1964: análise arquivística./ Leandro Coutinho Silva.- Salvador, 2020. 80fls.il.. apêndices

Orientadora: Prof. Dra. Zeny Duarte de Miranda

Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) Universidade Federal da Bahia, Instituto de Ciência da Informação, Salvador Ba, 2020.

1. Ufba– Arquivo golpe civil-militar de 1964 2. Ufba –Arquivo Con- suni 3.Ufba – ditadura militar I. Universidade Federal da Bahia, Instituto de Ciência da Informação. II. Título.

CDU: 930.253

AGRADECIMENTOS

Agradeço inicialmente a minha família por ter me mostrado a importância dos estudos para minha formação enquanto indivíduo. Acredito que sem a ajuda deles eu não conseguiria finalizar esta etapa da minha vida. A todos que conviveram e me aturaram nestes longos, difíceis e construtivos anos em que fui aluno do PPGCI/UFBA. Ao CNPq, órgão estratégico para o desenvolvimento da ciência e tecnologia brasileiras, pelo financiamento desta pesquisa. E a minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Zeny Duarte de Miranda, por ter compreendido minhas limitações e me ajudado a não perder o foco nesses dois anos de muita correria e dedicação.

“O homem do conhecimento não só deve poder amar os seus inimigos, deve também poder odiar os seus amigos.”

(Friedrich Wilhelm Nietzsche, 2006)

RESUMO

Esta pesquisa pretende inferir, a partir das atas das sessões do Conselho Universitário (CONSUNI) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), dos anos de 1961 a 1971, e da documentação do jornal A Tarde correspondente ao mesmo período, bem como através do levantamento bibliográfico e de entrevistas com discentes e docentes que estiveram presentes na citada instituição durante o assinalado período, como a UFBA posicionou-se, institucionalmente, referente ao golpe civil-militar de 1964, ocorrido no Brasil. Apresenta os setores que apoiaram a derrubada do até então presidente da república, João Goulart. Aborda como as universidades brasileiras, em especial a UFBA, conviveram com o levante civil- militar e com os anos iniciais da ditadura, sobretudo no tocante às violações aos direitos humanos e cerceamento das liberdades. Explana sobre os conceitos de arquivo, memória e esquecimento, correlacionando-os com a temática deste estudo. Analisa, à luz dos estudos arquivísticos, as atas do CONSUNI da UFBA dos anos de 1961 a 1971, bem como documentação do jornal A Tarde pertinente ao tema. Esta pesquisa, caracteriza-se como estudo de caso aplicado, contendo abordagem qualitativa. Em relação aos procedimentos de coleta de dados, utilizou-se das pesquisas bibliográfica e documental. No tocante a técnica, aplicou-se entrevistas com servidores e estudantes da UFBA, do assinalado período. Os resultados demonstraram que grande parte das universidades brasileiras, inclusive a UFBA, temendo um ataque à sua autonomia, sobretudo a partir da derrubada de João Goulart, opta por se alinhar ideologicamente ao discurso golpista das Forças Armadas. Conclui-se que, sobretudo do ponto de vista de suas instâncias decisórias, mesmo reconhecendo os limites da democracia representativa, bem como a complexidade político-ideológica de uma universidade, a UFBA colocou-se em apoio ao referido golpe.

Palavras-chave: Memória. Análise arquivística. Golpe civil-militar. Arquivo do CONSUNI - UFBA. Documentação do Jornal A Tarde.

ABSTRACT

This research intends to infer, from the minutes of the sessions of the University Council (CONSUNI) of the Federal University of Bahia (UFBA), from 1961 to 1971, and the documentation of the newspaper A Tarde corresponding to the same period, as well as through the survey bibliographic and interviews with students and teachers who were present in the institution during the mentioned period, as the UFBA was institutionally positioned regarding the civil-military coup of 1964, which occurred in . It presents the sectors that supported the overthrow of the hitherto president of the republic, João Goulart. It discusses how Brazilian universities, especially UFBA, lived with the civil-military uprising and the early years of the , especially with regard to violations of human rights and curtailment of freedoms. Explains about the concepts of archive, memory and forgetting, correlating them with the theme of this study. In the light of archival studies, it analyzes the minutes of CONSUNI of UFBA from 1961 to 1971, as well as documentation of the newspaper A Tarde relevant to the subject. This research is characterized as an applied case study, containing a qualitative approach. Regarding the data collection procedures, we used the bibliographic and documentary searches. Regarding the technique, interviews were conducted with UFBA staff and students, as mentioned, from the mentioned period. The results showed that most Brazilian universities, including the UFBA, fearing an attack on their autonomy, especially after the overthrow of João Goulart, chose to align themselves ideologically with the Armed Forces coup speech. It is concluded that, especially from the point of view of its decision-making bodies, while recognizing the limits of representative democracy, as well as the political-ideological complexity of a university, UFBA has placed itself in support of that coup.

Keywords: Memory. Archival analysis. Civil-military coup. CONSUNI - UFBA Archive. Documentation of the newspaper A Tarde.

LISTA DE SIGLAS

AESI Assessoria Especial de Segurança e Informação AI-5 Ato Inconstitucional nº 5 APUB Associação dos Professores Universitários da Bahia ARENA Aliança Renovadora Nacional CMSMV Comissão Milton Santos de Memória e Verdade CONSUNI Conselho Universitário DSI Divisão de Segurança e Informação EUA Estados Unidos da América IBAD Instituto Brasileiro de Ação Democrática ICI Instituto de Ciência da Informação IPES Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais MDB Movimento Democrático Brasileiro MEC Ministério da Educação PCB Partido Comunista Brasileiro PSD Partido Social Democrata SOC Secretaria dos Conselhos Superiores SNI Serviço Nacional de Informações TIC Tecnologias da Informação e Comunicação UDN União Democrática Nacional UFBA Universidade Federal da Bahia UNE União Nacional dos Estudantes URRS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas USAID Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...... 11 2 CONJUNTURA DO BRASIL NO PERÍODO DO PRÉ-GOLPE...... 15 3 GOLPE CIVIL-MILITAR OCORRIDO NO BRASIL EM 1964...... 21 4 APOIADORES DO LEVANTE...... 27 4.1 MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA. 28 4.2 IGREJA CATÓLICA...... 31 4.3 GOVERNO ESTADUNIDENSE E SUA POLÍTICA IMPERIALISTA...... 32 5 PAPEL DAS UNIVERSIDADES NO CONTEXTO DA DITADURA...... 34 6 ARQUIVO, MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: TEORIAS E CONCEITOS..... 40 6.1 ANÁLISE ARQUIVÍSTICA DAS ATAS DO CONSUNI (1961-1971)...... 49 6.2 ANÁLISE ARQUIVÍSTICA DA DOCUMENTAÇÃO DO JORNAL A TARDE (1961- 1971)...... 51 6.3 A RELAÇÃO DA UFBA COM O GOLPE DE 1964...... 54 7 PERCURSO METODOLÓGICO...... 59 8 ANÁLISE SOBRE OS RESULTADOS...... 62 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 68 REFERÊNCIAS E FONTES...... 71 ANEXO – CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PESQUISADOR...... 78 APÊNDICE – QUESTIONÁRIO DAS ENTREVISTAS...... 80

11

1 INTRODUÇÃO

A produção e o registro informacional, independente de contexto e suporte, sempre acompanharam a vida dos seres humanos – uma vez que torna-se impossível pensarmos uma sociedade minimanente democrática e civilizada sem que seus registros não estejam disponíveis para quem deles necessite. O arquivo representa, em outras palavras, a materialização das relações entre sujeitos em uma sociedade, assim como também da relação destes com o Estado. Sobre isso, Robert (1990, p.137, tradução nossa) afirma que “os arquivos constituem a memória de uma organização qualquer que seja a sociedade, uma coletividade, uma empresa ou uma instituição, com vistas a harmonizar seu funcionamento e gerar seu futuro. Eles existem porque há necessidade de uma memória registrada”. Assim o arquivo acaba sendo uma ferramenta, porém não a única, para que um povo compreenda seu passado e suas origens. Além de servir à administração, seja ela de instituições públicas ou privadas, esses registros informacionais contribuem no sentido de disseminar e preservar as memórias documentadas. A partir daí é possível compreender a relevância social do campo da Ciência da Informação e áreas afins, a exemplo da Arquivologia, bem como dos profissionais que atuam organizando e gerindo a informação arquivística1, ou seja, os arquivistas. Esses profissionais da informação, sobretudo em um país tão diverso e historicamente complexo como o Brasil – marcado por uma série de rupturas democráticas – são imprescindíveis à organização e disponibilização dos documentos de arquivo produzidos no presente e passado. Nosso país sempre teve dificuldade em manter longos períodos democráticos. Sobretudo a partir da Proclamação da República, em 1889, fruto de um golpe de Estado contra o imperador D. Pedro II, articulado em grande medida pelos militares, o país já passou por algumas rupturas democráticas em sua história. Em 1964 – mesmo reconhecendo as especificidades daquele momento histórico – não foi diferente. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da polarização entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),

1 Segundo Calderon (2013, p. 109), informação arquivística “é um conjunto estruturado de representações factuais advindas das atividades realizadas por pessoa física ou jurídica, no exercício de sua função, e registradas em documentos de arquivo, elaborados em qualquer tipo de suporte e que têm como função servir à administração, à pesquisa e também ao cidadão na busca por seus direitos”. 12

popularmente conhecida como Guerra Fria, como sinaliza Fico (2000), o mundo é dividido entre capitalistas e comunistas. A conjuntura internacional, direta ou indiretamente, influenciou praticamente todos os países do mundo nesse período. EUA e URSS, a partir de suas políticas de expansão, buscaram, de todas as formas, ampliar o diálogo com os países no sentido de potencializar o seu domínio cultural, econômico, territorial e militar mundo afora. Essa disputa, compreendendo a importância estratégica e a influência que o Brasil exercia na América Latina, chegou por aqui. No início dos anos sessenta, os EUA, as Forças Armadas e a burguesia nacional – com todas as suas frações – temiam que João Goulart, até então Presidente da República, pudesse de fato transformar o país em uma república comunista (BRITO, 2008). Esses setores viam em seu discurso, sensível às demandas populares, um perigo à ordem nacional. Assim articulam, com o apoio do governo estadunidense, mais um golpe de Estado contra nossa democracia – dando início a um dos períodos mais antidemocráticos e repressivos da nossa história. Outro elemento que também contribuiu para elevar a preocupação desses setores com o governo federal à época foi a sua política externa independente. Goulart, a partir da sua posse, atuou no sentido de ampliar o diálogo, outrora restrito quase que exclusivamente com os EUA, com outros países mundo afora, objetivando a constituição de relações diplomáticas independente da polarização EUA-URSS. João Goulart, à época filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro, herdeiro político de Getúlio Vargas, foi deposto em 1° de abril de 1964 sem praticamente esboçar, como aponta Motta (2014), nenhum tipo de resistência. Jango, como também era chamado, avaliava, assim como setores da esquerda, que não existia a possibilidade de mais uma ruptura democrática no Brasil naquele momento. O golpe civil-militar de 1964 – responsável pela abertura de uma fratura até hoje não superada, haja vista os resquícios desse período na sociedade e instituições brasileiras – deu início a um regime autoritário responsável por engessar nossa democracia por vinte e um anos, bem como promoveu uma série de violações aos direitos humanos em parte significativa da população. Essas violações, diferente do que o senso comum demonstra, não ocorreram somente em relação aos que resistiam ao governo ditatorial, como salienta Safatle (2010). Cidadãos comuns, sem nenhum tipo de vínculo com organizações de esquerda, a exemplo de muitos indígenas e camponeses, também sofreram, direta ou indiretamente, tais transgressões. 13

Não foi no período da ditadura militar que o autoritarismo e a naturalização das violações aos direitos humanos foram criados no Brasil. Os governos militares, compreendendo que nosso país ainda não superou os resquícios da escravidão, apenas potencializaram essas práticas. Historicamente pode ser comprovado que não foram apenas os setores acima citados que apoiaram esse levante. Muitas instituições pelo Brasil, além de terem se colocado em apoio ao referido golpe, demonstraram publicamente, possivelmente com medo de possíveis represálias do novo governo, seu posicionamento favorável ao movimento golpista. Os dirigentes da Igreja Católica, argumenta Motta (2014), assim como parte hegemônica dos meios de comunicação, além de terem contribuído para a criação de um clima favorável ao golpe durante praticamente todo o governo de João Goulart, posicionaram- se em apoio ao referido levante. Esses apoios foram decisivos para dar um ar de legalidade na deposição do então chefe do Executivo. Os militares tinham uma preocupação no sentido de demonstrar a opinião pública internacional que a saída de João Goulart tinha sido legal e que não existia ditadura no Brasil naquele momento. No ambiente universitário – espaço tradicional de efervescência política e cultura –, nos anos iniciais após o golpe, sobretudo em relação aos dirigentes universitários, houve relativo apoio às Forças Armadas. Um exemplo disso está no fato de que o novo governo interveio inicialmente apenas em algumas instituições, como observa Motta (2014, p. 38):

O desligamento de reitores atingiu parte minoritária das instituições, já que havia cerca de 25 universidades públicas na época, contado com as estaduais. De um lado, isso confirma que, entre os líderes universitários, o golpe foi bem recebido – e que a maioria deles era confiável, da perspectiva dos militares. Por outro lado, resultava também das preocupações dos segmentos moderados do regime, que às vezes preferiram negociar a criar um clima de excessiva violência. Claro, em pelo menos seis instituições não se deu importância a pruridos liberais, e foram afastados os dirigentes universitários máximos.

Ou seja, essa operação, que em alguns casos também atuou no sentido de pressionar alguns dirigentes universitários críticos ao golpe pela demissão voluntária, não precisou intervir na maioria das universidades públicas pelo Brasil, demonstrando assim que o discurso golpista foi, até certo ponto, aceito nesse segmento. Se, do ponto de vista dos dirigentes universitários, houve relativo apoio aos militares, por outro lado, sobretudo no que toca a atuação do movimento estudantil, houve resistência, tanto em relação ao golpe quanto à ditadura. 14

Através da realização de entrevistas com discentes e docentes que viveram a instituição durante o período em questão, buscou-se, nesta investigação, compreender como a UFBA institucionalmente se comportou referente ao supracitado golpe, a partir de pesquisa documental nas atas pertencentes ao arquivo do Conselho Universitário (CONSUNI)2 da Universidade Federal da Bahia (UFBA) dos anos de 1961 a 1971 e na documentação do Jornal A Tarde do mesmo período, assim como através de pesquisa bibliográfica sobre as produções acerca do tema. No tocante aos específicos, esta investigação tem por objetivo apresentar o contexto histórico desse período e suas implicações na UFBA; reunir fatos que ajudem a entender como a instituição respondeu, a partir de suas instâncias decisórias, ao referido levante civil- militar e seus protagonistas; e analisar, à luz dos estudos arquivísticos, as atas do CONSUNI da UFBA dos anos de 1961 a 1971 e da documentação do jornal A Tarde do mesmo período. A escolha pelas atas do CONSUNI ocorreu pelo fato dele ser a instância mais política da UFBA, mesmo reconhecendo que em muitos momentos essas instâncias podem não refletir os anseios do universo da comunidade universitária. O recorte temporal escolhido para delimitação do período histórico que se pretende investigar justifica-se pois foram dos anos que antecederam o golpe aos anos iniciais da ditadura, compreendendo, segundo Marques (2010, p. 319), os reitorados de “Albérico Fraga de Oliveira (1961-1964); Miguel Calmon Du Pin e Almeida Sobrinho (1964 a 1967), que faleceu no cumprimento do mandato; Roberto Figueira Santos (1967-1971)”. As atas registram as discussões ocorridas nas reuniões do CONSUNI, sejam elas ordinárias ou extraordinárias. Elas representam as memórias da instituição, uma vez que a partir delas é possível conhecer a história da UFBA. Em relação à escolha da documentação do jornal A Tarde, ela justificasse pelo fato desse veículo ter sido um dos maiores e mais influentes jornais de Salvador no período em questão, compreendendo a importância da comparação entre fontes documentais para o aprofundamento da análise. A partir daí é possível compreender a relação entre os conceitos de arquivo, memória e esquecimento. O registro informacional, visto sob uma perspectiva memoralista, representa o passado materializado, ou, melhor dizendo, a memória em estado material. Essas memórias, fonte primária para se compreender o passado, estão invariavelmente ligadas ao esquecimento, uma vez que depende deste, mesmo reconhecendo a influência dos elementos político-ideológicos, para sua reoxigenação.

2 O CONSUNI/UFBA é uma instância formada por representantes dos docentes, estudantes e técnicos da instituição. 15

Esta pesquisa representou a continuação da investigação que o presente autor iniciou em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), na graduação em Arquivologia, pelo Instituto de Ciência da Informação (ICI) da UFBA, defendido em 2014. Para além da ampliação dos instrumentos de coleta de dados, o intento foi produzir uma pesquisa que se apropriasse dos conceitos e teorias da Ciência da Informação, contribuindo assim para o desenvolvimento e consolidação dessa área do conhecimento. A escolha deste tema justifica-se pelo fato do autor ter sido representante discente na Comissão Milton Santos de Memória e verdade da UFBA (CMSMV)3. Essa comissão, formada por seis docentes, dois discentes e um servidor técnico-administrativo, que desenvolveu suas atividades entre 2013 e 2014, teve como objetivo “revisitar os fatos ocorridos na UFBA, relativos à ditadura civil-militar, lançando luz sobre um passado que deve ser lembrado para que jamais se repita”. (CMSMV, 2014, p. 08) E também por existirem, sobretudo no contexto da Ciência da Informação, poucos estudos que tratam da relação da UFBA com esse levante, bem como escassas pesquisas dos arquivos da instituição em relação ao período estudado. Trata-se de uma abordagem qualitativa – tendo como método o estudo de caso aplicado. Sobre os procedimentos de coleta de dados, a referida investigação utilizou-se tanto das pesquisas bibliográfica quanto da documental. No tocante a técnica, aplicou-se entrevistas com docentes e discentes vinculados à instituição neste período. Dividido em nove capítulos, este estudo apresenta-se na seguinte ordem. O primeiro capítulo é a Introdução; no segundo, abordou-se a Conjuntura do Brasil no período do pré- golpe; o Golpe civil-militar ocorrido no Brasil em 1964 foi descrito no terceiro capítulo; o quarto é dedicado aos Apoiadores do levante, enquanto que o Papel das universidades no contexto da ditadura foi tratado no quinto capítulo; Arquivo, memória e esquecimento: teorias e conceitos, foi abordado no sexto capítulo; na subseção 1 deste capítulo foi feita uma Análise arquivística das atas do CONSUNI (1961-1971), enquanto a subseção 2 tratou da Análise arquivística da documentação do jornal A Tarde (1961-1971); já na subseção 3, foi apresentada A relação da UFBA com o golpe de 1964; o sétimo capítulo tratou do Percurso metodológico; a Análise sobre os resultados foi exposto no oitavo capítulo e, na última parte, foram abordadas as Considerações Finais.

2 CONJUNTURA DO BRASIL NO PERÍODO DO PRÉ-GOLPE

3 Esse colegiado entregou, ao final de seus trabalhos, em agosto de 2014, Relatório Final intitulado Golpe Civil- Militar de 1964 na UFBA: rompendo o silêncio do Estado e reduzindo o espaço da negação, a então Reitora Dora Leal Rosa, contendo relatos de como se deu o período da ditadura militar dentro da UFBA. 16

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo sofreu mudanças em sua estrutura política. Segundo Fico (2000), logo após a vitória dos Aliados, em 1945 – encabeçados pelos EUA e URSS –, o mundo entra em um período de polarização política, ideológica e militar sem precedentes. Nesse período o planeta dividiu-se ideologicamente. De um lado o bloco dos países de regime capitalista, liderado pelos EUA, que se fundamentavam na premissa de que os meios de produção deveriam ser de propriedade privada, tendo o lucro como o motor de suas intervenções; do outro, os comunistas, tendo como propulsor a URSS, que defendiam a extinção das classes sociais e lutavam por uma sociedade igualitária; porém sendo o socialismo um período de transição para este último regime. A Guerra Fria, ocorrida entre os EUA e a URSS, foi um período onde o clima de medo era constante. Nesse momento, segundo Hobsbawn (1995), que durou de 1945 com o término da Segunda Guerra Mundial até a extinção definitiva da URSS, no início da década de noventa, o temor de um confronto nuclear entre essas duas superpotências preocupava muitos países, pois, caso ele ocorresse, poderia causar inúmeras destruições em todo planeta. As superpotências acima citadas, buscaram, além disso, com o objetivo de ampliar sua influência pelo mundo, se debruçar em torno de alguns conflitos regionais, cada país apoiando um lado, seja os financiando, seja apresentando o seu poderia bélico – a exemplo da Guerra do Vietnã, ocorrida entre 1955 e 1975. E com essa polarização muitos países se posicionaram nessa disputa não bélica envolvendo norte-americanos e soviéticos. O Brasil, por exemplo, que desde a Segunda Guerra Mundial já demonstrava uma aproximação com os EUA – tendo inclusive os apoiado nesse conflito – se colocou mais uma vez ao lado dos norte-americanos. Nesse momento muitos países viam com certa inquietação a ascensão do comunismo pelo mundo. Logo após a Segunda Guerra Mundial, muitas nações da Europa se converteram ao comunismo, levando a URSS a uma expansão nunca antes vista. Nesse sentido, Gaspari (2003, p. 61) afirma que:

As bandeiras vermelhas tremularam num espaço geográfico duas vezes maior que aquele anterior à guerra, e perto da metade da população do mundo estava sob o governo das “ditaduras do proletariado”. Na outra metade a situação era ameaçadora. Os partidos comunistas europeus saíram da guerra como potências políticas.

A partir daí podemos perceber como os ideais comunistas e os partidos que reivindicavam essa ideologia ganharam força. Um aspecto que contribuiu para elevar a 17

preocupação em relação à tomada de poder por parte dos seguidores de Karl Marx e Friedrich Engels pelo mundo, em especial nos países da America Latina, foi a Revolução Cubana em 1959. Capitaneada por Fidel Castro e Ernesto Rafael Guevara de La Serna, o Che, essa revolução destituiu o ditador Fulgêncio Batista e instaurou um regime socialista em – fato inédito em um país do continente. No Brasil, a próxima relação do chefe do Executivo com as reivindicações dos trabalhadores contribuiu para a apreensão dos setores dominantes em relação à ascensão do comunismo. João Goulart, que desde o período em que foi Ministro do Trabalho, no governo de Getúlio Vargas, já se posicionava em favor dos direitos dos trabalhadores, com seus posicionamentos progressistas favoráveis às reformas estruturais, ou seja, a reforma agrária, urbana, da educação e do sistema bancário, e sua próxima relação com as organizações sociais, sofreu certa resistência ao tentar implantar seu plano de governo. Segundo Toledo (1982, p. 30):

Em reiteradas oportunidades, o presidente da República tinha se pronunciado acerca da urgência de o Executivo e de o Congresso aprovarem as reformas estruturais exigidas para a superação dos graves problemas econômicos, sociais e institucionais enfrentados pelo país. Não obstante se pudesse afirmar que era praticamente consensual – no Gabinete, no Congresso, nas Forças Armadas, nas Associações e confederações rurais, etc. – o reconhecimento da necessidade da Reforma Agrária, as concepções acerca do seu sentido social e político, da sua extensão e das pré- condições legais à sua realização eram conflitantes.

Podemos compreender, nessa perspectiva, quão conturbado foi o mandato de João Goulart. Seu governo sofreu grande pressão da elite local que, neste período – assim como na atualidade –, exerce grande influência na política nacional. Sobre a instabilidade do seu governo, Ivo (2009, p. 56) afirma que:

O presidente João Goulart vivera um governo marcado pela crise. Esta se principiou no impasse relacionado á sua posse e se arrastou durante os quase dois anos e meio que o maior herdeiro do varguismo esteve no poder. O presidente, sem uma sólida base de sustentação no Congresso Nacional, cambaleou entre um mandato próximo ao centro e as demandas das esquerdas, que embora não possuíssem uma representatividade que garantisse tranqüilidade a Jango no Legislativo Federal, constituíam um campo político com importante poder de mobilização e de inserção na sociedade brasileira. Elas traziam consigo as demandas das reformas de base e pressionaram Goulart de diversas maneiras até que este anunciou sua implementação no famoso comício de 13 de março de 1964, na cidade do Rio de Janeiro.

Assim tornou-se inviável para João Goulart implantar as reformas de base no país. Se por um lado ele possuía o apoio de importantes setores organizados – a exemplo dos movimentos estudantil e sindical –, por outro, sem maioria no Congresso Nacional e, também, 18

por sua política progressista desagradar setores influentes do país, ficou difícil manter-se no governo até o final do seu mandato. Parte da elite e da classe média no Brasil acreditava que João Goulart, de família latifundiária do , representava uma ameaça à propriedade privada. Jango incomodava esses setores porque simbolizava um Brasil independente e soberano, sensível às demandas populares. A conjuntura internacional, assim como a nacional, contribuiu para o levante civil- militar de 1964. Desde 1961, com a renúncia de Jânio Quadros quando, por direito, João Goulart deveria assumir o seu posto por ser o seu vice, os militares, com o apoio de setores influentes do país não permitiram que Jango assumisse, articulando, assim, uma manobra para que o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumisse a Presidência da República por aproximadamente dez dias, com a desculpa de que Jango não se encontrava no Brasil, como afirma Fico (2000). Alguns setores não se alinham ao discurso golpista e repudiam tal atitude dos militares e de seus aliados. A partir daí a sociedade civil se articula e vai às ruas em favor da posse de João Goulart, organizando a “Campanha da Legalidade”4. Com o passar das semanas novos setores se associavam ao movimento e novas manifestações eram realizadas em prol da legalidade no Executivo Nacional. Com o sentimento de indignação tomando grande parcela dos brasileiros, o Congresso Nacional, que nesse momento temia a instauração de uma guerra civil no Brasil, resolve acatar o clamor que advinha das ruas. Contudo, antes disso, as duas grandes legendas do Congresso Nacional, a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrata (PSD), respectivamente, articularam outro golpe que exerceria grande influência no governo de João Goulart e na tomada de poder por parte dos militares em 1964: uma emenda constitucional que transformara o sistema de governo do Brasil em parlamentarista, objetivando engessar o governo de João Goulart e não permitir que ele executasse as reformas de base contidas em seu plano de governo. E foi basicamente o que aconteceu. Seu governo, iniciado em setembro de 1961 – que durante o regime parlamentarista durou pouco mais de um ano e meio –, conviveu com

4 A Campanha da Legalidade foi uma revolta civil e militar liderada por que tinha por objetivo garantir a posse de João Goulart, em 1961, devido à tentativa de um golpe que os militares articulavam para não permitir que ele, vice de Janio Quadros, que acabara de renunciar, assumisse a Presidência da República. 19

inúmeras crises internas e uma grande pressão externa de setores que exerciam influência no Congresso Nacional. Sobre isso, Toledo (1982, p. 22) aponta que:

Na curta existência do regime parlamentarista (setembro de 1961 a janeiro de 1963), o país veria sucederem-se três Conselheiros de Ministros, além de se defrontar com o agravamento de sua situação econômico-financeira e se debater ainda com novas crises político-institucionais. Administrativamente ineficiente e politicamente inviável, o parlamentarismo – sistema natimorto, como alguns o dominaram – teria os seus dias contados dentro da vida republicana brasileira.

A pressão que João Goulart sofreu deve-se também ao seu posicionamento em relação à necessidade das reformas de base. Jango acreditava que parte significativa dos problemas sociais, econômicos e institucionais do Brasil seria resolvido a partir da execução dessas reformas. Outra medida que desagradou à oposição, salienta Fico (2000), foi o afastamento diplomático entre o Brasil e os EUA, bem como uma aproximação estratégica – sobretudo na perspectiva da soberania nacional e da constituição de acordos comerciais e diplomáticos – com a URSS. Nesse período o governo de Jango foi praticamente engessado. Com o retorno ao antigo sistema esperava-se que as constantes crises fossem superadas pelo Executivo Nacional. Sem a limitação proporcionada pelo sistema parlamentarista, João Goulart reacende o debate em torno da implantação das reformas de base. Entretanto, assim como no parlamentarismo, a resistência a essas reformas continuou grande. A política econômica brasileira – influenciada em grande medida pela crise política a época vigente – ia mal. Outros aspectos, contudo, além das questões administrativas do governo, contribuíram para a instabilidade econômica naquele momento. Nesse sentido, Toledo (1982, p.89) expõe que “a desaceleração do crescimento econômico e a aceleração do ritmo inflacionário – advinham de circunstâncias que escapavam parcialmente ao controle governamental.” Setores dos variados espectros ideológicos viam com certa preocupação o governo de João Goulart. Os conservadores, que desde o início do mandato de Jango temiam sua próxima relação com os comunistas, tinham medo da instauração de uma república comunista no Brasil; já à esquerda, contudo, receava da aproximação do presidente com o grande capital. É nesse clima de tensão, entre ambas as vertentes políticas, que ocorre em 13 de março de 1964 o comício das reformas – articulado pelo Comando Geral dos Trabalhadores e pela assessoria sindical de Goulart. Esse ato, que contribuiu decisivamente para incitar o discurso anticomunista no Brasil, além de anunciar a promulgação de dois decretos, o da 20

nacionalização das refinarias de petróleo e o da desapropriação de terras para reforma agrária, segundo Toledo (1982, p. 95), “visava demonstrar o apoio popular as propostas de Reformas de Base do governo.” Esse comício foi responsável por levar mais de cem mil pessoas às ruas do Rio de Janeiro naquela atípica sexta-feira treze. Entretanto, apesar dos militares, bem como parte da burguesia, estarem se articulando desde a renúncia de Jânio Quadros, em setembro de 1961, esse ato impulsionou e contribuiu para a deflagração do golpe que ocorrera no país poucos dias depois. É importante salientar que a referida articulação, que tinha como objetivo a desestabilização e a derrubada de Jango, foi potencializada a partir da atuação do complexo formado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) – agrupamento de organismos criados anos antes do golpe com a finalidade de defender os interesses da elite. Sobre esse complexo, Pastore (2012, p. 59) afirma que:

a formação do complexo IPES/IBAD foi uma reação da elite orgânica ao que eles consideravam como o crescimento da esquerda no cenário político. Por isso, é importante elucidar que o ponto de união entre esses empresários nacionais, de empresas multinacionais e os militares, que formavam o IPES/IBAD, era o anticomunismo e a necessidade de adequar o Estado aos seus interesses.

O complexo IPES/IBAD – financiado pelo governo dos EUA, assim como também pelo empresariado nacional – é prática recorrente das superpotências, sobretudo em relação aos governos de países estratégicos que não se alinham ideologicamente aos seus interesses. Esse apoio se deu tanto a partir da perspectiva logística, com o envio de livros, armas e outros objetos, quanto também através do financiamento de alguns de seus opositores. O ápice dessa campanha ocorreu com a realização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade5 – grande manifestação ocorrida em 19 de março de 1964, na cidade de São Paulo, organizada por um conjunto de organismos, a exemplo do IPES, União Cívica Feminina, Campanha da Mulher Pela Democracia, entre outros, com o objetivo de derrubar João Goulart. Anos antes, porém, campanha parecida foi construída, com semelhante base discursiva e expressivo apoio da mídia hegemônica, com a finalidade de derrubar o então presidente Getúlio Vargas. Porém, o mesmo suicida-se em 1954 e posterga o golpe por uma década. Sobre isso, José (2015, p. 16) afirma que:

5 Sobre essa marcha, Brito (2008, p. 62) afirma que ela “ensejaria ainda a construção de outros atos no Brasil para se contrapor a Goulart e às manifestações em prol das reformas”. 21

A movimentação contra Getúlio Vargas era intensa, com nítidas inspirações golpistas, e Lacerda era o principal líder. Tudo isso ecoava por toda a grande imprensa, cuja vocação contra governos reformistas é antiga, como pode se ver, à exceção apenas do jornal Última Hora.

Assim é possível compreender como parte influente da sociedade civil, a exemplo dos meios de comunicação e da elite nacional, tradicionalmente se movimenta quando o poder no Brasil está nas mãos de figuras sensíveis às demandas populares. O ambiente no Brasil durante o período do pré-golpe foi favorável a instauração de um Estado de exceção em 1964. Por mais que não tenha existido um consenso no interior das Forças Armadas em relação a como se estruturaria o golpe e o pós-golpe – os militares, com o apoio do governo estadunidense e de parte influente da burguesia local –, conseguiram criar um sentimento em parte da população no sentido de justificar o referido golpe.

3 GOLPE CIVIL-MILITAR OCORRIDO NO BRASIL EM 1964

Nos poucos mais de 120 anos de proclamada a República Federativa do Brasil, nosso país conviveu com algumas intervenções militares. Por mais que grande parte dessas interferências não tenham resultado em governos presididos por militares, esses momentos foram marcados pelo autoritarismo e pela constante violação dos direitos humanos. Nesse sentido, a Arquidiocese de São Paulo (1985, p. 53) afirma que “[...] quando, em abril de 1964, os militares derrubaram o presidente João Goulart e ocuparam o poder, na verdade estavam dando seqüência a uma longa tradição intervencionista que remonta aos séculos anteriores da nossa história”. Dessa forma, podemos compreender que a história do Brasil é repleta de longas e conturbadas intervenções militares. Entretanto, esse golpe, desde o início da sua articulação, logo após a posse de João Goulart, em 1961, teve características distintas de outras rupturas democráticas. A resistência, que tradicionalmente vem acompanhada dessas tomadas de poder, praticamente não existiu no primeiro momento. Dois fatores contribuíram para essa aceitação inicial. O primeiro foi que Jango acreditava ter o apoio de uma fração das Forças Armadas. Isso fez com que Jango não planejasse, imaginando que nada aconteceria, uma estratégia de resistência ao golpe. O segundo, talvez o mais importante, foi que o conjunto das esquerdas estava, nesse período, desarticulado. Esses setores faziam uma análise de conjuntura otimista em relação ao futuro do Brasil. Isso talvez explique, bem como o comportamento moderado do Partido Comunista 22

Brasileiro (PCB), organização esta que detinha, até o início do golpe, a hegemonia das esquerdas no Brasil, a vitória dos militares. Sobre isso, Toledo (1982, p.110) comenta que:

Avaliação incorreta da correlação de forças existentes, isolamento político em relação às grandes massas, radicalização apenas no nível da retórica, subordinação política ao reformismo populista, foram algumas das razões da ‘arrasadora derrota’ sofrida pelas esquerdas em 1964.

A postura do conjunto das esquerdas, em alguma medida, contribuiu para a fácil derrubada de João Goulart. Eles acreditavam em um legalismo dentro das Forças Armadas que impediria qualquer possibilidade de golpe. Um exemplo disso pode ser observado na avaliação do Secretario Geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, em relação aquele momento. Segundo Gorender (1987), Prestes acreditava que não existia condições reais para que as Forças Armadas derrubassem João Goulart e instaurassem uma ditadura no Brasil. Junto a isso soma-se o fato dos militares terem recebido o apoio de outros segmentos da sociedade. Com isso, torna-se um equivoco histórico desconsiderar o apoio civil a essa ruptura democrática, uma vez que ele contribuiu tanto para o golpe em si quanto para a manutenção da ditadura por mais de duas décadas. Por mais que os militares tenham sido os responsáveis diretos pela articulação do golpe, o apoio de setores da sociedade civil contribuiu para legitimar e dar sustentação a vitória das Forças Armadas. Contudo cabe salientar que o protagonismo do levante em si foi dos militares, como é sinalizado por Fico (2004, p. 52):

Se a preparação do golpe foi de fato "civil-militar", no golpe, propriamente, sobressaiu o papel dos militares. Além das movimentações de tropas, desde o início do regime foi indiscutível a preponderância dos militares, em detrimento das lideranças golpistas civis. As sucessivas crises do período foram resolvidas manu militari e a progressiva institucionalização do aparato repressivo também demonstra a feição militar do regime.

Os militares estrategicamente engrossaram o discurso anticomunista de uma forma que foi criado um sentimento, em significativa parcela da população, de que só com uma intervenção militar o país seria salvo do fantasma do comunismo. Assim tornou-se fácil para os militares promoverem mais um golpe de Estado no país. Foram 21 anos em que a dignidade da pessoa humana, bem como as liberdades individuais, que, desde a promulgação da Carta Magna, em 1946, já nos concedia parcialmente esses direitos, foram cerceados em detrimento de uma suposta ordem nacional. Teles (2010, p. 299) ao analisar esses fatos acaba por afirmar que:

23

Tivemos uma longa ditadura instaurada com o golpe militar de 1964 e que, desde seu inicio, optou por reprimir brutalmente os opositores e praticar violações aos direitos humanos. Milhares de pessoas tiveram seus direitos políticos e civis cassados, uma nova Constituição foi outorgada (1967) e a censura estabelecida.

O Brasil, que até antes do golpe passava por um processo de democratização com o término do Estado Novo, que desembocou na Constituinte de 1946, sofreu, a partir de 1964, um retrocesso no tocante à consolidação da sua democracia. Os militares não tinham um projeto de poder definido quando o golpe foi deflagrado. A ideia inicial era por fim a corrupção, conter a ameaça comunista e devolver em seguida o poder central do país aos civis. Contudo, as disputas internas no interior das Forças Armadas, assim como a influência que a elite exerceu no processo de articulação do levante, fizeram com que os militares optassem por construir, a partir de 1964, um longo e conturbado projeto de poder, calçado no autoritarismo e no arrocho salarial, como aponta Safatle (2010). Nesse período, questionar o novo regime significava ser visto como um inimigo da pátria. Qualquer ação contestatória, não somente promovida por militantes de esquerda, era interpretado como desordem e, desta forma, duramente reprimida pelos agentes do Estado. Com a justificativa de salvar o Brasil dos “subversivos”– como eram chamados os que se rebelavam contra o regime – os militares passaram por cima das instituições e do ordenamento jurídico brasileiro. Através dos Atos Institucionais e da Constituição de 1967, que legitimaram as ações das Forças Armadas, concedendo-lhes plenos poderes extra- constitucionais, os militares arregimentaram o seu novo projeto de poder. Logo após a deflagração do golpe, em 1º de abril de 1964, os militares começaram a se movimentar no sentido de não permitir que seus opositores se articulassem politicamente contra o novo regime. Um exemplo disso foi o fato dos partidos políticos terem sido colocados na ilegalidade durante esse período e, em seguida, a criação do bipartidarismo. Sobre isso, Colling (1997, p. 25) elenca que:

A existência de partidos políticos era encarada com reserva pelos militares, que os viam como divisionistas, perturbando a unidade social. Tudo que não fazia parte da sua ordem era encarado como desordem, e nesta visão extinguiram-se os partidos políticos, criando-se por decreto a ARENA e o MDB.

O bipartidarismo, criado a partir do Ato Complementar n° 4, fruto do Ato Institucional n° 2, editado em 1965, foi fruto da preocupação dos militares no sentido de conter a oposição. Os partidos criados com essa mudança, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), respectivamente situação e oposição, se 24

mantiveram atuantes no cenário político brasileiro até o final dos anos setenta, quando – através da aprovação da Lei Orgânica dos Partidos Políticos – o pluripartidarismo foi restabelecido no Brasil. Durante o período de vigência do bipartidarismo, o Poder Executivo foi fortalecido em detrimento do enfraquecimento do Legislativo. Por mais que alguns partidos de oposição ao regime, à época na ilegalidade, tenham informalmente adentrado no MDB, a exemplo do PCB, a estrutura política bipartidária foi pensada para inviabilizar uma oposição real ao governo. Os militares, apesar de todo cerceamento das liberdades democráticas e violações aos direitos humanos, tinham uma preocupação no sentido de demonstrar – sobretudo para a opinião pública internacional – que no Brasil as instituições funcionavam sem maiores problemas. Era preciso, em outras palavras, travesti o autoritarismo, ao menos que aparentemente, com um ar de legalidade, como afirma Safatle (2010, p. 251):

Tínhamos eleições com direito a partido de oposição, editoras que publicavam livros de Marx, Lenin, Celso Furtado, músicas de protesto, governo que assinava tratados internacionais contra a tortura, mas, no fundo, sabíamos que tudo isto estava sub‑ metido à decisão arbitrária de um poder soberano que se colocava fora do ordenamento jurídico. Quando era conveniente, as regras eleitorais eram modificadas, os livros apreendidos, as músicas censuradas, alguém desaparecia. Em suma, a lei era suspensa. Uma ditadura que se servia da legalidade para transformar seu poder soberano de suspender a lei, de designar terroristas, de assassinar opositores, em um arbítrio absolutamente traumático.

A ditadura militar brasileira foi um dos períodos mais antidemocráticos desde que o Brasil se tornou uma República. Nele, o Estado, sob a ótica da manutenção da ordem nacional, assim como para desarticular a resistência ao regime, modificou a estrutura de grande parte dos setores que compõe o Estado. Sobre isso, Teles (2010, p. 300) afirma que “As instituições da democracia de apenas dezenove anos (1945-1964) foram substituídas ou assimiladas pelo Estado autoritário fundado sob a Doutrina de Segurança Nacional”. Essa doutrina, elaborada pelos EUA como estratégia para enfraquecer a ascensão da URSS durante a Guerra Fria, foi utilizada pelos países que mantinham próxima relação com os norte-americanos, a exemplo do Chile e da Argentina. O Estado autoritário constituído no Brasil logo após o golpe, que possuía estreita relação com o governo estadunidense, fundamentou suas intervenções, tanto na perspectiva política quanto na econômica, a partir dessa lógica. 25

No Brasil essa doutrina institucionalizou-se através da Lei de Segurança Nacional6. Apesar do país já possuir lei semelhante, desde os anos trinta, foi nesse período que a repressão transformou-se em política de Estado. Com isso os militares puderam desenvolver uma ostensiva e sistemática política de repressão, sob o respaldo do ordenamento jurídico brasileiro. Tudo o que poderia comprometer a ordem nacional e a consolidação do novo regime foi duramente reprimido e silenciado. Os militares se fundamentaram na premissa de que o inimigo da pátria poderia estar em qualquer lugar e organizado em variadas frentes de atuação. Em relação a essa afirmação, Brito (2008, p. 66) comenta que:

A noção de inimigo interno era bastante elástica. Na conjuntura brasileira do golpe de 1964, esta noção enquadrou militantes políticos, ativistas sociais a favor das reformas de base, comunistas, militante de esquerda e críticos do regime em geral. Acrescente-se a incorporação de novos conteúdos e nomes: o militante virou agitador; o comunista passou a ser subversivo; o revolucionário virou terrorista; o aparato repressivo se tornou órgão de segurança.

A atuação da população na vida política do Brasil era vista pelos militares com certa preocupação, pois eles acreditavam que isso poderia prejudicar a manutenção da ordem no país. O discurso anticomunista, que no período do pré-golpe contribuiu decisivamente para a desestabilização e consequente queda do governo de João Goulart, continuou durante o regime. Os meios de comunicação foram responsáveis por reforçar e naturalizar essa narrativa durante parte significativa do regime. Tudo o que estava relacionado à resistência e a certa crítica aos militares era associado ao comunismo e precisava ser de alguma forma criminalizado. A repressão aos opositores foi forte. O braço armado do Estado, isto é, as Forças Armadas, assim como a Polícia Federal e as corporações policiais estaduais, atuaram de forma enérgica no combate aos que esboçavam algum tipo de resistência, sobretudo a partir da edição do Ato Inconstitucional nº 5 (AI-5), como afirma Brasil (2007, p. 21):

O regime militar brasileiro de 1964 – 1985 atravessou pelo menos três fases distintas. A primeira foi a do Golpe de Estado, em abril de 1964, e consolidação do novo regime. A segunda começa em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), desdobrando-se nos chamados anos de chumbo, em que a repressão atingiu seu mais alto grau. A terceira se abre com a posse do general Enerto Geisel, em 1974, ano em que, paradoxalmente, o desaparecimento de

6Sobre essa lei, Zaverucha (2012, p. 58) sinaliza que: “A Lei de Segurança Nacional (LSN) termina cobrindo os crimes políticos e os violadores permanecem sendo julgados por Tribunal Federal Militar”. 26

opositores se torna rotina -, iniciando-se então uma lenta abertura política que iria até o fim do período de exceção.

Os agentes do Estado brasileiro, respaldados pelo AI-5, se utilizaram de métodos dos mais violentos para reprimir os que se insurgiram contra o novo regime. O objetivo era claro: adestrar os brasileiros e silenciar os questionadores que contribuíam para a desestabilização do governo, bem como reduzir o crescimento dos pensamentos de esquerda e progressista que ganhavam força no país. Por mais que o Brasil seja signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos desde sua criação, em 1948, isso não impediu que os militares, em nome da segurança nacional, violassem os direitos humanos e promovessem o cerceamento da liberdade de expressão de parte significativa da população brasileira. O sentimento de medo, já nos primeiros dias após o golpe, era grande. Segundo Ginzburg (2012, p. 133), “A eficiência da política autoritária depende de sua administração da violência física, da instalação de terror e medo em classes populares”. Assim podemos compreender como foi importante para os militares a utilização da violência para conter os revoltosos e garantir a manutenção do regime por tanto tempo, uma vez que o medo afastou muitos militantes da resistência à ditadura. A sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade de representação dos estudantes universitários brasileiros, foi invadida e incendiada logo em seguida ao golpe – uma clara sinalização dos militares no sentido de demonstrar que os estudantes organizados não teriam vida fácil a partir de então. A função dos órgãos de repressão, a exemplo dos Departamentos de Ordem Política e Social e dos Destacamentos de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, concentrava-se em fiscalizar, coibir e reprimir toda e qualquer forma de oposição. Os militares conseguiram, a partir da intervenção desses organismos, conter a resistência à ditadura, como explicita Colling (1997, p. 79):

O objetivo dos órgãos de repressão, sob o manto da legalidade de defensores da ordem política e social, era desmantelar a oposição de esquerda ao regime militar instituído em 1964, tentando eliminar sua capacidade de intervenção na vida política do país. Para isso, era necessário agir sobre os homens e mulheres militantes que compunham a vida das organizações políticas. No estado de guerra que se estabeleceu, a prisão dos militantes não era suficiente, era necessário destruí-los e/ou dominá-los fisicamente. Este é o sentido da violência política: como intervenção voluntária que tenta impedir fisicamente a ação que se dirige ao corpo do indivíduo, seja para destruí-lo, seja para dominá-lo.

A tortura tornou-se uma prática recorrente, ao longo desse período, assim como aconteceu em todos os países da América Latina que tiveram suas ordens constitucionais 27

rompidas a partir de golpes de Estado, a exemplo da Bolívia, Paraguai, Chile, Argentina e Uruguai. Essa prática obteve relativo êxito no Brasil graças a um acordo de colaboração entre os governos militares, a Operação Condor, que tinha como objetivo articular internacionalmente a política de repressão e assim desbaratar as organizações de esquerda que resistiam às ditaduras. A referida aliança, sob o acompanhamento dos EUA, envolveu a troca de informações das inteligências das Forças Armadas entre os supracitados países. Essas informações, salienta Safatle (2010), ajudavam a subsidiar a política de repressão dos governos, que envolvia métodos que iam desde o controle ideológico, tortura, sequestro e assassinato de seus opositores. O Brasil viveu de 1964 a 1985 um período marcante em sua história. Foram pouco mais de duas décadas em que a democracia e os direitos humanos foram cerceados em nome de um projeto de poder, por essência, autoritário. Por mais que o país já tenha passado por momentos parecidos em sua história recente, sobretudo a partir do Brasil República, essa ditadura modificou profundamente a estrutura do Estado brasileiro, bem como abriu cicatrizes que até hoje não foram fechadas.

4 APOIADORES DO LEVANTE

Apesar deste golpe ter sido encabeçado pelas Forças Armadas, outros segmentos também contribuíram para esse levante, como nos referimos anteriormente. Esses setores, preocupados com o crescimento do comunismo no Brasil, se aliaram aos militares tanto no período que antecedeu a constituição do golpe quanto, também, nos 21 anos do regime militar. Torna-se um equivoco fazermos uma leitura desse acontecimento sem ponderarmos a influência que a sociedade civil teve para o seu desfecho, assim como de setores externos ao país. O Brasil sofreu nesse período um golpe civil-militar, pois parte da sociedade civil contribuiu para a tomada de poder, bem como para a manutenção do novo regime, como expõe Colling (1997, p. 23):

É comum, e até justificável, ligarmos o movimento de 1964 somente à instituição militar, como se durante todos os anos do regime militar somente os militares tenham ocupado cargos e postos de chefia no governo brasileiro. Os presidentes da República deste período foram todos militares, é verdade, mas os civis não só colaboraram no golpe, como também ocuparam funções importantes e até 28

estratégicas durante o período. Como exemplo, o Ministério do Planejamento, que foi sempre ocupado por homens sem farda.

A influência que a sociedade civil exerceu na política do Brasil foi decisiva para a derrubada de João Goulart. Setores como os meios de comunicação, a Igreja Católica e o governo estadunidense foram fundamentais para o desfecho final do golpe e a manutenção dos militares no poder.

4.1 MEIOS DE COMUNICAÇÃO E SUA INFLUÊNCIA NA OPINIÃO PÚBLICA

A imprensa brasileira, sobretudo o segmento hegemônico, sempre esteve alinhada aos interesses dos setores dominantes. Ela reproduz, através de suas ferramentas de comunicação – com grande alcance e influência na opinião pública –, um discurso conservador que busca naturalizar as desigualdades sociais, como sinaliza Marconi (1980, p. 138):

Como evidentemente a imprensa brasileira esteve e está na mão da classe dominante e, portanto, veicula para a opinião pública apenas a ideologia dominante, ela trabalha a favor da principal função de um Estado capitalista: assegurar a reprodução das relações sociais de produção.

Nesse sentido, não é difícil imaginar de que lado a imprensa ficaria em uma possível tomada de poder tendo os setores dominantes à frente. Inquietos com a possibilidade dos comunistas ganharem força no Brasil, a imprensa, em sua quase totalidade, apoiou a tomada de poder por parte dos militares em 1964. Esse apoio, além de ter garantido grande parte da publicidade oficial do governo federal a esses veículos de comunicação, também evitou que os mesmos sofressem repressão. Sobre isso, Marconi (1980, p. 138) argumenta que:

Conservadora, partilhando dos mesmos receios dos militares quanto a uma tomada de poder pelos comunistas, a quase totalidade da imprensa apoiou incondicionalmente o golpe militar que, em 1964, derrubou o Presidente da República constitucionalmente eleito pelo povo. Os poucos órgãos de comunicação que não se afinavam com a nova orientação política, como os jornais e revistas esquerdistas ou nacionalistas, foram invadidos, fechados e depredados (caso da Última Hora).

Um setor minoritário da imprensa que não se submeteu a essa lógica foi censurado e duramente reprimido. Porém a grande maioria, que inclusive contribuiu para a criação de um clima favorável à instauração do golpe de Estado, se posicionou estrategicamente ao lado dos militares. Esse apoio veio em um momento importante para a vitória dos militares naquele ano. Ele foi fundamental para que a população não tomasse conhecimento das atrocidades 29

cometidas pelas Forças Armadas no sentido de reprimir e censurar os que colocavam o novo regime em perigo. Porém a censura à imprensa, durante esse período, não vinha somente dos militares. Os donos dos meios de comunicação, quase todos pertencentes à classe dominante e alinhados aos militares, também exerciam a função de censores da comunicação no Brasil, como aponta Marconi (1980, p. 143):

Em todo caso, saindo à censura policial, a censura patronal cresceu de intensidade. Houve apenas uma estratégica troca de sentinelas. Alinhada, bem comportada, adepta fervorosa das palavras de ordem oficiais que interessantemente pregam “liberdade com responsabilidade” e a crítica construtiva, decididamente a imprensa brasileira não conquistou a liberdade de ação que lhe seria de direito. Ela foi concedida por não caber nos novos propósitos políticos do grupo que está no poder a existência da censura. Daí a sua caducidade, inevitável abolição e transferência de responsabilidades para os donos dos meios de comunicação.

A grande imprensa se alinhou ao discurso dos militares e isso contribuiu para que a ditadura permanecesse por tanto tempo. A opinião pública no Brasil era influenciada basicamente por três meios de comunicação nesse período: a TV, a rádio e o jornal impresso. Essas ferramentas comunicacionais, que possuem uma grande ressonância no país, foram decisivas para a criação de um sentimento que justificasse o novo projeto de poder. Algumas organizações do ramo da comunicação posicionaram-se publicamente em apoio à tomada de poder. Muitas, a exemplo dos jornais O Globo, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, mantiveram também uma estreita relação com o alto escalão das Forças Armadas, ao ponto de veicularem e omitirem informações que se relacionassem com os militares, como afirma Chauí:

Freqüentemente, os jornais resvalavam para o colaboracionismo veiculando notícias plantadas pela polícia sobre fugas ou atropelamentos de presos políticos, indiscriminadamente chamados de terroristas. Tornavam-se, assim, cúmplices do processo de liquidação desses presos. Os cartazes “procuram-se estes terroristas” eram impressos nas oficinas da Empresa jornalística FOLHA DA MANHÃ. Quando as denúncias de torturas ecoavam na imprensa internacional, jornais brasileiros importantes, como o Globo, O ESTADO DE S. PAULO e Folha de S. Paulo, escreviam editoriais negando as acusações e atribuindo-as a uma intenção de difamar o regime. (CHAUI, 1991, p. 46)

A Folha de São Paulo, por exemplo, além de fazer a defesa pública do projeto político dos militares em seus editoriais, ofereceu apoio logístico aos militares, demonstrando claramente quão vinculada estava ao governo militar. O apoio da grande imprensa aos militares se deu incondicionalmente até a edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968. A partir daí, com o endurecimento do regime, parte dessa 30

imprensa agora começa a esboçar, moderadamente, alguma crítica aos abusos cometidos pelos militares. Com isso a imprensa brasileira, sobretudo os jornais impressos, perdeu força, ficando o setor concentrado nas mãos de poucos. Sobre isso, Chauí aponta que (1991, p. 11) “Desapareceram a maioria dos vespertinos, enquanto o mercado se concentrava num número cada vez menor de empresas cada vez maiores. A circulação dos diários caiu em meio milhão de exemplares nos anos de 1960”. Veículos como o Brasil Urgente, Panfleto e o Senhor, entre outros, por não concordarem com a censura imposta pelo governo, tiveram suas atividades reduzidas, quando não encerradas. Anos depois – tanto a Folha de São Paulo quanto o jornal O Globo – reconheceram suas adesões ao golpe. A Folha, em 2011, publicou uma nota em que expõe seu posicionamento, como podemos observar abaixo:

A Folha apoiou o golpe militar de 1964, como praticamente toda a grande imprensa brasileira. Não participou da conspiração contra o presidente João Goulart, como fez o "Estado", mas apoiou editorialmente a ditadura, limitando-se a veicular críticas raras e pontuais. Confrontado por manifestações de rua e pela deflagração de guerrilhas urbanas, o regime endureceu ainda mais em dezembro de 1968, com a decretação do AI-5. O jornal submeteu-se à censura, acatando as proibições, ao contrário do que fizeram o "Estado", a revista "Veja" e o carioca "Jornal do Brasil", que não aceitaram a imposição e enfrentaram a censura prévia, denunciando com artifícios editoriais a ação dos censores. As tensões características dos chamados "anos de chumbo" marcaram esta fase do Grupo Folha. A partir de 1969, a "Folha da Tarde" alinhou-se ao esquema de repressão à luta armada, publicando manchetes que exaltavam as operações militares. A entrega da Redação da "Folha da Tarde" a jornalistas entusiasmados com a linha dura militar (vários deles eram policiais) foi uma reação da empresa à atuação clandestina, na Redação, de militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, um dos 'terroristas' mais procurados do país, morto em São Paulo no final de 1969. Em 1971, a ALN incendiou três veículos do jornal e ameaçou assassinar seus proprietários. Os atentados seriam uma reação ao apoio da "Folha da Tarde" à repressão contra a luta armada. Segundo relato depois divulgado por militantes presos na época, caminhonetes de entrega do jornal teriam sido usados por agentes da repressão, para acompanhar sob disfarce a movimentação de guerrilheiros. A direção da Folha sempre negou ter conhecimento do uso de seus carros para tais fins. (FOLHA DE S. PAULO, 2011)

Já o jornal O Globo publicou, em outubro de 2013, uma nota que, apesar de não justificar o erro, o reconhece. Essa autocrítica se deu, em linhas gerais, por consequência das manifestações que ocorreram em junho de 2013, pelo Brasil, onde algumas organizações, inclusive a Globo, foram questionadas quanto a seus posicionamentos políticos. Reproduzimos, abaixo, parte dessa nota:

31

Diante de qualquer reportagem ou editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar de 1964. A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais. Naqueles instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas (GLOBO, 2013).

Com a justificativa de salvar o Brasil de uma ameaça comunista, personificada no governo de João Goulart, o jornal O Globo, veículo historicamente reprodutor do pensamento dominante, apoiou o golpe e, apesar das críticas pontuais, os 21 anos de ditadura militar no país. Na Bahia, seguindo tendência nacional, o jornal A Tarde, um dos maiores e mais influentes veículos de comunicação do estado, além de ter reproduzido discurso anticomunista no pré-golpe e durante quase todo o regime militar, também apoiou editorialmente o movimento golpista, como expõe Brito (2008). Em síntese, a grande imprensa brasileira posicionou-se em favor desse levante. Esse apoio ajudou a criar um sentimento em parte da população que justificasse o golpe, bem como no sentido de apresentar aos brasileiros uma ditadura “branda” – bem diferente, na prática, do que de fato ocorria.

4.2 IGREJA CATÓLICA

O período que antecedeu o golpe de 1964 representou, segundo Brito (2008), um momento de mudanças na postura da Igreja Católica. Essa instituição, que historicamente mantém uma próxima relação com os setores dominantes, começa a comprometer-se com os segmentos marginalizados do país. Tal ruptura não se deu de forma rápida e não foi acatada, ao menos de início, por todos os setores da Igreja Católica. O núcleo dirigente da instituição, compreendendo a heterogeneidade que envolve as instituições religiosas, colocou-se de inicio ao lado dos interesses dos militares. Apesar de ter existido um setor minoritário, dentro da Igreja Católica, contrário ao golpe de Estado e em favor das transformações sociais no país, essa instituição contribuiu para a criação de um clima favorável à intervenção militar, como nos informa a Arquidiocese de São Paulo (1985, p. 147): 32

Com efeito, é consenso entre os historiadores que a hierarquia da Igreja desempenhou um papel fundamental na criação do clima ideológico favorável a intervenção militar, engajando-se na campanha anticomunista sustentada pelas elites conversadoras: contra a Reforma Agrária, contra os movimentos grevistas, contra as reivindicações dos sargentos, cabos e soldados das Forças Armadas, contra a aliança de cristãos e marxistas que começava a ocorrer em entidades sindicais e estudantis.

Assim a Igreja Católica – que naquele momento possuía grande força política e social, exercendo influência na opinião pública – ajudou os militares a depor o presidente João Goulart ao acatar e difundir o discurso anticomunista pregado pelos militares que assumiram o poder. Com a edição do AI-5, ou, em outras palavras, o golpe dentro do golpe, o Brasil vive um dos períodos mais repressivos do regime. Conhecido como os “anos de chumbo” (BRASIL, 2007, p. 21), compreendido de 1968 a 1974, esse momento foi marcado pela violenta repressão policial e constante violação dos direitos humanos. Nesse sentido, a Igreja Católica, por influência do Concílio Vaticano II, onde foi apontada a necessidade das entidades religiosas lutarem contra as injustiças sociais pelo mundo, se afasta dos militares. Os religiosos passam a questionar e a se opor aos métodos utilizados pelas Forças Armadas. Tal comportamento, por parte da igreja, acaba por provocar uma reação que tem, como conseqüência, o confronto com as Forças Armadas, como expõe a Arquidiocese de São Paulo (1985, p. 147-148):

Com a implantação do Regime Militar, entretanto, especialmente a partir de 1968, a trajetória da Igreja foi de constante evolução em suas preocupações sociais, resultando disso um distanciamento crescente das autoridades governamentais, um posicionamento crítico frente a suas medidas, uma defesa corajosa dos Direitos Humanos. E a conseqüente perseguição, repressão, o confronto.

Inúmeros foram os casos em que religiosos tiveram sua liberdade de expressão ceifada. Pouco importava sua orientação política ou o contexto social em que você fazia parte. Se questionasse o novo regime estava propício a sofrer invasão de domicílio, tortura, desaparecimento e até morte. Se a Igreja Católica manteve uma estreita relação com os militares durante o período do pré-golpe e nos anos iniciais do regime, com o endurecimento da repressão isso se modificou. Os religiosos começaram a contribuir com as esquerdas no combate as atrocidades e pela queda da ditadura no Brasil, sendo, por conseqüência, duramente reprimidos pelas Forças Armadas.

4.3 GOVERNO ESTADUNIDENE E SUA POLÍTICA IMPERIALISTA 33

Brasil e EUA historicamente mantêm, em maior ou menor grau, a depender da conjuntura de cada país, relações diplomáticas. A partir da Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil se posicionou em apoio aos Aliados, encabeçados pelos americanos, momento este em que inesperadamente o então Presidente da República, Getúlio Vargas, envia tropas brasileiras para a Itália, o diálogo entre esses dois países se amplia. Com a vitória da Revolução Cubana em 1959, o governo estadunidense teme que – como o Brasil era o país de maior extensão territorial e influência da America Latina – essa ideologia adentrasse por ele e se expandisse por todo continente. Nesse sentido, os americanos se aproximaram de setores influentes no Brasil e financiaram esse levante militar, como afirma Fico (2008a, p. 66):

Embora fosse verdade que a importância estratégica do Brasil viesse diminuindo desde a II Guerra Mundial, a problemática cubana tornou simplesmente inadmissível para os Estados Unidos a hipótese de estabelecimento de um regime com qualquer pretensão esquerdista justamente no maior país da América do Sul, algo que ampliaria a órbita de influência comunista. Esse cuidado explica a campanha de desestabilização de Goulart e o apoio ao golpe. É de fato necessário dimensionar com precisão o significado que o Brasil tinha para o governo norte-americano porque a ousadia sem precedentes da chamada Operação Brother Sam pode sugerir que o país fosse tema constante das preocupações dos Estados Unidos.

Assim como aconteceu com outros países da America Latina, a exemplo do Chile, Argentina, Bolívia e Uruguai, o governo dos EUA, compreendendo a importância estratégica do Brasil para suas pretensões futuras, foi decisivo para a vitória das Forças Armadas em 1964. O apoio dos norte-americanos ao golpe ocorreu de várias formas, como expõe Motta (2014). Seja o logístico a partir do envio de material bélico, seja através da transferência de recursos à oposição e articuladores, essa contribuição garantiu a estrutura necessária para que o golpe contra João Goulart fosse vitorioso. Nesse sentido, foi montada uma grande intervenção – denominada de Operação Brother Sam – para caso houvesse resistência ao golpe, por parte do governo e do conjunto das esquerdas, os golpistas, com o apoio militar dos norte-americanos, pudessem inviabilizar qualquer movimento insurrecional. E foi dessa forma que o governo estadunidense, como expõe Motta (2014), tendo como articulador no Brasil o embaixador Lincon Gordon, conseguiu estreitar relações com os golpistas e criar um clima favorável à intervenção militar no país. O aspecto econômico, além da questão geopolítica internacional, também contribuiu para esse apoio. O governo dos EUA via o Brasil como um país que – apesar de naquele 34

momento estar em um processo de crescimento econômico, se comparado com os EUA – possuía um potencial investidor muito grande. Por mais que houvesse uma preocupação com a opinião pública internacional, sobretudo em relação à política de repressão promovida pelos militares, o governo dos EUA, decisivo para dar sustentação internacional ao golpe e aos 21 anos de regime, mantiveram, estrategicamente, uma forte presença na economia brasileira. Sobre esses interesses, Fico (2008b, p. 239) afirma que “a postura pragmática dos EUA em relação à ditadura militar considerava tanto a realidade do regime brasileiro quanto os interesses econômicos norte- americanos”. O governo dos EUA fez no Brasil em 1964 o que tradicionalmente faz em todo país estratégico que pode colocar sua hegemonia geopolítica internacional em risco. A sua política imperialista, existente desde o início do século XIX, sobretudo a partir da independência do país, busca ampliar a influência militar, econômica e política dos EUA pelo mundo – independente do método empregado e do custo político que isso venha a provocar.

5 PAPEL DAS UNIVERSIDADES NO CONTEXTO DA DITADURA

Segundo Motta (2014), as universidades brasileiras passaram durante a década de sessenta por algumas mudanças. Com a vitória dos militares em 1964 e, por conseqüência, com o aumento da influência do governo estadunidense no Brasil a partir de então, os americanos começaram a interferir na concepção da educação superior no país. O governo dos EUA, além de financiar o golpe e a manutenção do regime, também se utilizou da educação para consolidar sua relação com o Brasil. Era preciso, em outras palavras, compreendendo a importância estratégica das universidades brasileiras, adequá-las à sua lógica. Essas instituições – enquanto espaços carregados de diversidade política, cultural e ideológica – poderiam colocar, caso os militares não atuassem no sentido de silenciá-las, o novo projeto de poder em risco, assim como a relação entre os dois países. Nesse sentido, Oliveira (2009, p. 48) aponta que:

Os Estados Unidos tinham todo um interesse político na reestruturação da universidade brasileira de acordo com os padrões americanos, isto porque eles acreditavam que os grandes políticos nacionais recebiam formação nessas faculdades. Com as universidades adequadas ao padrão norte americano, um futuro amigável estava garantido entre os dois países.

35

Durante esse período o governo estadunidense participou ativamente da reestruturação da educação brasileira, apesar da forte pressão contrária do movimento estudantil. Como em alguns países da America Latina que tiveram suas instituições de ensino subordinadas aos regimes militares, as universidades brasileiras tiveram sua autonomia atacada. Logo nos primeiros anos do regime, através de um acordo envolvendo o Ministério da Educação (MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o acordo MEC/USAID, uma série de convênios foram firmados com o objetivo de promover uma reforma do ensino brasileiro, bem como implantar o modelo estadunidense de educação no país. Esses convênios envolviam todos os níveis da educação. No tocante às universidades, eles foram responsáveis por executar algumas mudanças necessárias à modernização dessas instituições, apesar de toda repressão – a exemplo do fim do regime de cátedras e a criação dos departamentos. Sobre isso, Motta afirma que:

Os militares implantaram reformas de impacto duradourono ensino superior que ainda dão forma ao nosso sistema universitário, embora mudanças visando à democratização tenham sido adotadas em anos recentes. Da estrutura departamental ao sistema de pós-graduação, passando pelos exames vestibulares, a base da estrutura universitária em vigor foi construída sob a ditadura; ou melhor, foi imposta a força, embora a essência desse desenho tenha sido elaborada por líderes docentes, e a pressão do movimento estudantil – ou o temor que ela despertava nos militares – tenha servido de contrapeso e evitado a aplicação de certas medidas pretendidas pelo Estado. (MOTTA, 2014, p. 08)

Muitas dessas mudanças, materializadas a partir da Reforma Universitária promovida pelos militares em 1968, ainda são vistas na estrutura das universidades na atualidade. Essa reforma demonstrou a influência que o pensamento norte-americano – estruturado a partir do tecnicismo e da privatização da educação – exerceu no sistema educacional brasileira a partir de 1964. Outra forma utilizada pelos militares para silenciar e controlar os opositores ao regime no ambiente universitário foi através da repressão. Eram constantes os casos em que, em detrimento da manutenção do projeto de poder, os agentes do Estado reprimiam violentamente professores, técnicos e estudantes, como expõe Oliveira (2009, p. 54):

As universidades não permaneceram à margem do regime: eram constantes as intervenções por militares armados. Esse fato foi recorrente na UnB, que por três vezes foi invadida, a primeira vez logo no ano da instauração da ditadura. Nessa invasão, treze professores que lecionavam na universidade foram imediatamente destituídos de seus cargos, sem nem sequer receberem uma acusação formal. Vários universitários foram presos na ocasião, em que também o reitor Anísio Teixeira foi expulso. Fizeram parte dessa invasão tropas do Exército e tropas da policia militar, 36

esta originária do estado de Minas Gerais e aquela proveniente do estado de Mato Grosso.

E com isso se criou uma cultura de repressão nas universidades, sobretudo em relação às públicas. E o pior: em muitos casos, essa política de repressão, devido ao seu alto nível de violência, chegava ao ponto de provocar a depredação do patrimônio público, quando não mortes dentro das próprias instituições. Os militares tinham muito medo do ambiente universitário, salienta Motta (2014). Como tradicionalmente os pensamentos progressista e de esquerda tem força nesse ambiente, além de se organizarem politicamente, era preciso, sobretudo porque esses questionamentos poderiam ganhar força e se expandir pela sociedade, conter as vozes destoantes. Nesse período as universidades brasileiras eram – assim como hoje ainda são, porém com menor força – um espaço de proliferação de quase todas as matrizes ideológica existentes no país. A grande maioria das organizações políticas que atuavam no cenário político brasileiro durante o período da ditadura, em especial as que faziam oposição ao regime, se organizava, de variadas formas e intensidades, no ambiente universitário. No sentido de legitimar a repressão promovida dentro das universidades e consolidar a ditadura, o governo militar baixa, em 26 de fevereiro de 1969, uma ferramenta que tinha por objetivo fiscalizar e punir os subversivos que se organizavam nesses espaços: o Decreto-Lei nº 477. Em relação a isso, Brito (2003, p. 117) esclarece que:

Para fechar mais o cerco ao ME, em fevereiro de 69, o Governo criou o Decreto 477. Este Decreto previa a expulsão de professores que se envolvessem em manifestações de caráter político-partidário. Quanto aos estudantes, seriam impedidos de se matricular por até 3 anos numa Faculdade. Este decreto fecharia mais ainda as possibilidades de ação institucional no ME. Além disto, seria aplicado de modo retroativo e ilegal na universidade, ao cassar o direito de matrícula de diversos estudantes.

Muitas instituições, a exemplo da Universidade de Brasília (UnB), foram duramente reprimidas durante o período ditatorial, sobretudo a partir da edição do supracitado decreto. Eram comuns os casos de invasão e perseguição a membros das comunidades universitárias, levando a um clima de medo e preocupação. Nem os próprios dirigentes universitários escapavam da política de repressão. Por mais que muitos tenham se colocado em apoio ao golpe – temendo possivelmente futuras represálias –, alguns reitores e diretores de unidade foram demitidos7 e nos seus cargos foram colocados pessoas alinhadas às Forças Armadas.

7 Sobre esses expurgos, Motta (2014, p. 38) afirma que “foi possível identificar seis casos de reitores afastados diretamente pelo governo militar (UnB, Universidade Federal da Paraíba – UFPB, URGS, Universidade Rural do 37

Entretanto, se avaliarmos esses expurgos a partir do universo das universidades públicas nos anos iniciais da ditadura, de aproximadamente 25, concluiremos que foram poucas as instituições que tiveram seus reitores e/ou diretores de unidade expulsos – demonstrando assim que o discurso golpista, ao menos no tocante aos dirigentes universitários, teve relativo apoio. Na UFBA, por exemplo, o reitor à época do golpe, Albérico Fraga, que possuía relação com a UDN, foi um dos apoiadores do levante civil-militar dentro da instituição, reproduzindo inclusive um discurso anticomunista nas sessões do CONSUNI, como aponta Brito (2008). Devido ao clima de medo potencializado pelos discursos reproduzidos por alguns dirigentes universitários que enalteciam os militares, como o do próprio Albérico Fraga, muitos ativistas do movimento estudantil da UFBA se afastaram das lutas, levando a certa desorganização das intervenções do conjunto dos estudantes dentro da universidade nos primeiros momentos após a deflagração do golpe. Um dia antes da consolidação do levante, em 31 de março, com o objetivo de já demonstrar como seria a política de repressão do novo regime, os militares invadiram a Residência Universitária número 1, localizada no Corredor da Vitória, como aponta a Comissão Milton Santos de Memória e Verdade (CMSMV):

Na madrugada do dia 31 de março para 01 de abril de 1964, por volta das duas horas da manhã, policiais militares - sob o comando do Secretário de Segurança Pública do Estado, Coronel do Exército Francisco Cabral, e do Delegado Geral Rui Pessoa - invadiram a Residência Universitária, prenderam todos os que lá estavam, a socos, empurrões, tapas e pontapés, e os levaram para quartéis do Exército. Uns poucos conseguiram fugir. Cerca de 50 foram presos, todos do sexo masculino, vez que a Residência Feminina era em outro local. Além deles, foram também presos um professor, que estava dormindo na Residência enquanto aguardava sua contratação, e o funcionário Wilton Brasil Soares, encarregado da supervisão do local (que após ser solto escondeu tudo que pudesse comprometer os estudantes, inclusive coquetéis molotov, que haviam sido preparados para resistir ao golpe). Todos foram interrogados, sendo alguns soltos após alguns dias, enquanto outros permaneceram presos por vários meses. Vários deles foram impedidos de voltar a morar na Residência Universitária, decisão atribuída a um critério ideológico estabelecido pelo diretor do Departamento Social de Vida Universitária (DSVU), Rubens Brasil Soares, irmão de Wilton.(CMSMV, 2014, p. 09-10)

Isso aconteceu em muitas universidades pelo Brasil nos anos iniciais do regime. O movimento estudantil da UFBA – bem como o de quase todas as instituições no país – perdeu

Rio de Janeiro – URRJ, Universidade Federal do Espírito Santo – Ufes e Universidade Federal de Goiás – UFG), e mais um caso de tentativa frustrada (UMG). Não foram afastados apenas reitores; por vezes alguns diretores de escolas ou faculdades isoladas também foram atingidos, como em São José do Rio Preto, no estado de São Paulo”. 38

relativa força durante os anos iniciais da ditadura, apesar de não ter deixado de existir em nenhum momento. Através da Lei 4.464/19, popularmente conhecida como Lei Suplicy, promulgada logo no primeiro ano do regime, os militares tentaram retirar a autonomia e esvaziar politicamente as entidades de representação dos estudantes universitários. Nesse sentido, os Diretórios Acadêmicos e os Diretórios Centrais dos Estudantes foram subordinados aos órgãos superiores de suas respectivas universidades, assim como as Uniões Estaduais dos Estudantes e a UNE foram extintas e em seus lugares, respectivamente, foram criados os Diretório Estaduais dos Estudantes e o Diretório Nacional dos Estudantes. Na prática, por mais que uma fração minoritária do movimento estudantil tenha aderido inicialmente às entidades oficiais, essa lei não foi respeitada na UFBA, assim como na maioria das universidades, uma vez que a partir do início da década de setenta, salienta Motta (2014), os estudantes começaram a organizar entidades livres, potencializando a reestruturação da luta estudantil. A repressão atingiu, direta ou indiretamente, todos os setores da UFBA. Alguns professores, a exemplo de Milton Santos, foram presos e demitidos da instituição; muitos alunos, quando não tiveram seu direito à matrícula negado, foram jubilados ou receberam suspensão fruto de atitudes consideradas inadequadas pelos dirigentes universitários; alguns técnicos foram presos e receberam advertência por seus posicionamentos críticos ao regime. Um dispositivo criado pelos militares para facilitar o controle ideológico no ambiente universitário foram as Assessorias Especiais de Segurança e Informação (AESI)8. Vinculadas à Divisão de Segurança e Informação (DSI) do MEC, as AESIs cumpriram a função de espionar e reprimir toda e qualquer manifestação crítica ao governo no interior das instituições. Sobre esses organismos, Motta (2008, p. 45-46) argumenta que:

A atuação das ASI (ou AESI) revela verdadeira obsessão em impedir a infiltração comunista e soviética nas universidades, dedicando-se, por exemplo, a monitorar o ensino de russo nas instituições brasileiras e a vigiar os estudantes retornados da URSS com diplomas obtidos naquele país. Essas agências não protagonizaram ações espetaculares, tampouco tinham poder inconteste, uma vez que alguns reitores nem sempre obedeciam a suas recomendações. Mas, em sua ação cotidiana, miúda, elas ajudaram a retirar da vida acadêmica um de seus elementos mais preciosos, a liberdade. Durante sua existência, elas contribuíram para criar nas universidades ambiente de medo e insegurança, que certamente atrapalhou a produção e reprodução do conhecimento, sobretudo nas áreas de saber mais visadas, para não falar do empobrecimento do debate político.

8 Em algumas instituições era chamada de Assessoria de Segurança e Informação, cumprindo, na prática, a mesma função. 39

As AESIs, enquanto órgãos estratégicos de informação, recolhia e sistematizava, em muitos casos a partir de solicitações feitas às instâncias da universidade, a exemplo do gabinete do reitor e aos diretores de unidade, informações relevantes sobre atividades políticas realizadas por estudantes, professores e técnicos. Essas informações eram recolhidas dos dirigentes universitários e enviadas ao seu órgão superior, a DSI, que, somadas aos registros produzidos pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) e demais órgãos de inteligência do regime, embasavam ações no sentido de sufocar as vozes destoantes do governo militar, como expõe Brito (2008). Os regimes de exceção, a exemplo das ditaduras militares ocorridas na América Latina no século passado – muito por influência da necessidade da manutenção de uma política de repressão que silenciasse seus opositores –, produziram uma grande massa documental. No que toca a AESI/UFBA, eram comuns casos em que a própria assessoria orientava os dirigentes universitários em relação ao tratamento com o movimento estudantil. Um exemplo disso pode ser percebido quando a CMSMV (2014, p. 160) afirma que “A orientação é que a imprensa dos diretórios acadêmicos também fosse considerada clandestina, uma vez que não possuíam registros. Mas não só: qualquer publicação ou informativo, por mais precária que fosse sua elaboração e distribuição, seria considerado clandestino”. O movimento estudantil, enquanto movimento social pluriclassita, foi ao mesmo tempo o segmento que mais sofreu repressão9 e o que mais resistiu ao autoritarismo – sem desconsiderar a importância do movimento docente que, na prática, apenas a partir da metade da década de setenta começa a esboçar algum nível de organização na resistência à ditadura. A criação da Associação dos Professores Universitários da Bahia (APUB), atualmente Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia, em 1968, ocorre enquanto reação ao endurecimento da repressão sofrida pela comunidade universitária nesse período. Contudo, um ano após o surgimento da APUB, ela é fechada pelo regime – sendo recriada dez anos depois. O surgimento das entidades de classe – sejam elas de representação dos professores ou técnicos, assim como a fundação ou refundação das entidades estudantis – ocorreu na maioria das universidades a partir da década de setenta. Muitas delas foram criadas com o objetivo de, para além de lutar por melhorias para seus respectivos representados, resistir e contribuir na articulação pela derrubada da ditadura, aponta Motta (2014).

9 Sobre a repressão ao movimento estudantil, a CMSMV (2014, p. 20) afirma que “foi constante, dura, ampla e irrestrita a repressão às organizações estudantis e a qualquer iniciativa ou movimento cujos protagonistas originários fossem estudantes. Foi, portanto, quase uma obsessão”. 40

Se no momento inicial ao golpe houve por parte de muitos dirigentes universitários relativo apoio a tomada de poder, com o passar dos anos, sobretudo a partir da reorganização do movimento estudantil, iniciada no início da década de setenta, as críticas ao autoritarismo de Estado ganharam força no ambiente universitário. As universidades brasileiras, com todas suas contradições, foram espaços de efervescência política e cultural. A resistência construída no ambiente universitário, apesar de não ter sido o único espaço onde os opositores se organizavam, foi importante para ajudar a enfraquecer e denunciar as violações cometidas pelos agentes do Estado durante esse período.

6 ARQUIVO, MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: TEORIAS E CONCEITOS

Arquivo, memória e esquecimento, apesar de conceitos distintos, possuem elementos que os entrelaçam – sendo difícil, na prática, separá-los. A memória, materializada através dos documentos de arquivo, resultado de uma construção social, está diretamente associada ao esquecimento, uma vez que depende deste, apesar da influência dos elementos subjetivos, para se reoxigenar. Ricoeur (2007) compreende o registro informacional como a “fase documental” da memória, na medida em que os rastros das ações do homem, independente do contexto em que foram criados, transformam-se em documentos e, em seguida – influenciado por relações de poder –, são arquivados. Esses documentos, de valor histórico, nos ajudam a compreender o presente através do passado, proporcionando a possibilidade de uma consciência histórica sobre nossas origens. Neles encontramos os testemunhos tanto das relações do Estado com os cidadãos quanto entre estes últimos. Contudo cabe salientar que o valor dado a um documento de arquivo, seja ele administrativo, jurídico ou histórico, é na realidade fruto da leitura que fazemos sobre ele. Sobre isso, Camargo (2003, p. 14) afirma que “Não é possível separar o que é histórico do que não é histórico no âmbito de um conjunto arquivístico. Fatos ou documentos adquirem esse status a partir de um gesto de interpretação”. A partir daí é possível compreender a responsabilidade ética e social das instituições arquivísticas, assim como dos profissionais que nelas atuam. Apesar da complexidade e diversidade tipológica de seus acervos, elas são imprescindíveis para qualquer sociedade minimamente democrática e civilizada. 41

O arquivo não pode ser mais considerado apenas um espaço onde os documentos são custodiados, mas, sobretudo, como sinaliza Schellemberg (2015, p. 289), uma “maneira de transmitir herança cultural, por conter idéias e princípios em que se baseiam os governos, a explicação da complicada organização social e econômica humana, e a prova de sua evolução material e intelectual”. O arquivo, enquanto o conjunto ordenado de documentos, que pode ser dos gêneros textual, audiovisual, iconográfico, sonoro, entre outros, sendo o primeiro o mais comum, produzido por uma pessoa ou instituição, cumpre a função de servir a administração e a pesquisa histórica (PAES, 2004). Com o desenvolvimento tecnológico, e por conseqüência o surgimento de novos suportes informacionais, a compreensão em relação ao conceito de gênero documental10 vem sendo ampliada, levando-nos ao entendimento de que o documento de arquivo hoje vai muito além do documento textual. Os registros informacionais produzidos por instituições, sejam elas públicas ou privadas, são criados inicialmente não para servir à história11, mas sim para oferecer subsídios à administração, sobretudo na perspectiva da tomada de decisão. São as duas primeiras idades dos arquivos: a primeira, ou idade corrente, quando os documentos são constantemente utilizados; e a segunda, ou idade intermediária, quando os registros são também utilizados pela administração, porém com menor intensidade. Já a terceira idade – ou o arquivo permanente – ocorre quando o documento tem o seu valor administrativo reduzido. Nessa idade, o documento deixa de servir a princípio a administração e adquire um valor histórico, servindo agora à rememoração do passado, não apenas de quem o produziu, mas de toda sociedade. Entretanto não podemos compreender essas idades de forma separada, como se representassem arquivos distintos. São, em outras palavras, acervos em processo de transformação, uma vez que um documento em idade permanente pode, em algum momento, por variados motivos, voltar a servir à administração. Sobre essa evolução, Paes (2004, p. 121) argumenta que:

10 Segundo o Arquivo Nacional (2005, p. 99), eles podem ser “documentos audiovisuais, documentos bibliográficos, documentos cartográficos, documentos eletrônicos, documentos filmográficos, documentos iconográficos, documentos micrográficos, documentos textuais”. 11 Sobre isso, Camargo (2003, p. 11) argumenta que “o documento de arquivo tem como traço característico o fato de ser produzido de forma natural e rotineira, por imperativos de ordem prática, sem qualquer intenção de se transformar em fonte para a história. No âmbito do funcionamento de uma instituição, com efeito, não resulta de um gesto especial de atribuição de sentido, como ocorre com os documentos de museu; ao contrário, tem caráter evidencial congênito, isto é, nasce para servir de instrumento ou prova de determinadas ações e é alheio a um eventual uso secundário que dele se possa fazer.” 42

O destino dos arquivos é passar por uma lenta evolução que os afasta cada vez mais de seu objetivo primitivo. Com o passar do tempo, embora diminua o seu valor administrativo, aumenta a sua importância como documentação histórica. Não se pode dividir o arquivo em dois compartilhamentos: velho (ou histórico) e administrativo. Na realidade, são pura e simplesmente arquivos em incessante processo de transformação.

A partir da reflexão de Paes é possível perceber quão trabalhosa é a análise e o tratamento desses registros, sobretudo no que toca os arquivos permanentes. Isso se dá, em grande medida, muito por influência da variedade de tipologias documentais encontradas nos acervos, tornando difícil a padronização do fazer arquivístico, principalmente em se tratando de documentos digitais. O conceito de arquivo12, assim como a própria noção de documento, vem sendo ressignificado com o passar dos anos e o desenvolvimento das TIC. Contudo, a compreensão de que o arquivo reflete a estrutura organizativa e as atribuições de quem o produziu, ainda se mantém. Sobre isso, Machado e Camargo (2000, p. 13) afirmam que a gênese do arquivo “corresponde à necessidade de constituir e conservar registros de ações e de fatos, a título de prova e informação”. A noção de arquivo como o conjunto de documentos ordenados a partir de uma lógica própria ultrapassa a perspectiva tecnicista. Há um aspecto filosófico-conceitual que envolve o processo de organização dos documentos, uma vez que a sistematização da informação materializada nos variados suportes representa o resultado de um trabalho intelectual desenvolvido pelo profissional da informação. Sobre essa visão, Foucault (2005, p. 147) explicita que:

O arquivo é, de início, a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares. Mas o arquivo é, também, o que faz com que todas as coisas ditas não se acumulem indefinidamente em uma massa amorfa, não se inscrevam, tampouco, em uma linearidade sem ruptura e não desapareçam ao simples acaso de acidentes externos, mas que se agrupem em figuras distintas, se componham umas com as outras segundo relações múltiplas, se mantenham ou se esfumem segundo regularidades específicas.

O arquivo13 deixa de ser um amontoado de registros informacionais custodiados em um mesmo ambiente sem nenhuma conexão. É, antes de tudo, um conjunto de documentos –

12 “Arquivo é um sistema (semi-)fechado de informação social materializada em qualquer tipo de suporte, configurado por dois factores essenciais – a natureza orgânica (estrutura) e a natureza funcional (serviço/uso) – a que se associa um terceiro – a memória – imbricado nos anteriores.” (SILVA et al., 1999, p. 214) 13 Sobre a complexidade de um arquivo, Derrida (1997, p.98, tradução nossa) argumenta que “O arquivo reserva sempre um problema de tradução. A singularidade insubstituível de um documento que se tem de interpretar, repetir, reproduzir, mais em sua unicidade original todas as vezes; um arquivo deve ser idiomático e, portanto, ao mesmo tempo oferecido e furtado à tradução, aberto e subtraído à interação e à reprodutibilidade técnica”. 43

independente de gênero, natureza, tipologia e suporte – que possui algum tipo de relação entre si, devendo estar disponível à consulta, respeitando os limites do direito à privacidade. Ou, em outras palavras, é a reunião de documentos, organizados a partir de um método de arquivamento, que pode ser numérico, alfabético, alfa-numérico, geográfico ou ideográfico (temático), oriundos de uma mesma origem – respeitando assim um dos princípios da Arquivologia: o da proveniência. O princípio da proveniência é um dos pilares da Arquivologia. Segundo Paes (2004, p. 27), é o princípio “segundo o qual devem ser mantidos reunidos, num mesmo fundo, todos os documentos provenientes de uma mesma fonte geradora de arquivo. Trata-se de um princípio que se corresponde à expressão francesa respect des fonds, e à inglesa provenance”. Esse princípio14, assim como os outros que integram a teoria arquivística, a saber, o da organicidade, unicidade, indivisibilidade (ou integridade) e cumulatividade, representa o ponto de partida para entendemos as diferenças epistemológicas entre a Arquivologia, enquanto área do conhecimento, e outras áreas que tem como objeto de estudo a informação registrada, a exemplo da Biblioteconomia. O acesso e uso dessa informação registrada – hoje entendida como o objeto de estudo da Arquivologia – está diretamente associado à conquista da cidadania. A informação pode contribuir, como sinaliza Frohmann (2008), para o processo de conscientização dos indivíduos, tornando-os conhecedores do seu passado e da sua identidade, bem como ao desenvolvimento econômico e social das sociedades. Podemos, a partir daí, compreender a relação entre memória e informação15. Esses conceitos, além de polissêmicos e complexos, são carregados de grande poder transformador, como observa Duarte (2006-2007, p. 142):

O arquivo é memória e esta, por sua vez, tem potencialidade para informar e alterar a realidade presente. A memória só é pensável como arquivo quando se pretende determiná-lo enquanto monumentalidade. Trata-se de um termo possuidor de definições polissêmicas e polêmicas, muitas vezes associadas aos conceitos de documento e memória.

14Sobre o princípio da proveniência, Camargo (2018, p. 25) sinaliza que: “No cerne do trabalho arquivístico está a busca dos contextos de origem dos documentos, atividade que se costuma equiparar à do historiador. Não por acaso o princípio da proveniência é também conhecido como método histórico. A perspectiva é promover a adequada contextualização dos documentos de arquivo, de modo a lhes garantir a necessária estabilidade de sentido e permitir que continuem a representar o ente produtor ao longo do tempo”. 15 Segundo Netto (2007, p. 17), a ralação entre memória e informação pode ser sintetizada da seguinte forma: “do dado se produz a informação, essa informação quando socializada é incorporada ao discurso de determinada comunidade e, a partir daí, ela passa a ser uma referência para o desenvolvimento desse mesmo grupo”. 44

A memória não se resume aquela materializada em suporte informacional. Um dos primeiros métodos de transmissão das memórias que se tem registro é a oralidade. Durante muitos séculos ela acabou sendo o meio de comunicação mais utilizado para o armazenamento e socialização das memórias do passado às futuras gerações. Com o desenvolvimento tecnológico, salienta Araújo (2014), os registros informacionais foram sendo criados e ressignificados. Os seres humanos podem agora – mesmo reconhecendo as limitações e incertezas dessas ferramentas – custodiar suas memórias materializando-as através dos documentos de arquivo. Essas memórias, indispensáveis à rememoração do passado, além de carregarem consigo evidências que nos ajudam a compreender os acontecimentos, em muitos casos vão na contramão da história dita oficial. Elas ajudam a promover e potencializar o revisionismo histórico16, como expõe Araújo e Santos (2007, p. 99):

Os arquivos, artefatos e relatos do passado têm sido utilizados como provas de um passado que foi deliberadamente esquecido pelas versões oficiais da história. Procura-se lembrar tudo aquilo que foi deliberadamente colocado no limbo da história. A lembrança, contudo, está vinculada àqueles que têm o poder, pois são eles que decidem quais narrativas deverão ser lembradas, preservadas e divulgadas.

Esse revisionismo histórico, quando construído a partir de sólidas evidências – muitas destas encontradas em documentos de arquivo –, deixando de lado interesses político- ideológicos nessa releitura do passado, torna-se uma importante ferramenta no combate as injustiças históricas. A disputa de narrativas, e por conseqüência pelos registros informacionais que remontam o passado, sobretudo em relação a períodos conturbados, a exemplo das ditaduras militares ocorridas na América Latina durante o século passado, sempre esteve associada às relações de poder. Assim é possível compreender como são construídas as relações entre informação, memória e poder, assim como o próprio conceito de regime de informação. Esse conceito, grosso modo, representa o conjunto de critérios estabelecidos, seja pelo Estado ou iniciativa privada, que regula a produção, tratamento e disseminação da informação em um determinado nicho social. González de Gómez (2012, p. 43) ao analisar esse conceito afirma que:

16 Segundo Soutelo (2013, p. 06), o “revisionismo histórico ultrapassa a esperada influência dos valores de uma época no resultado da análise histórica: ocorre, muitas vezes, a desconsideração de processos e especificidades históricos de modo a confirmar posicionamentos ideológicos de seus autores. Quando esta situação advém de profissionais comprometidos com a análise social – historiadores, cientistas sociais, filósofos, etc. –, é possível afirmar que houve uma negligência metodológica com o fim de manipular a história”. 45

seria o modo informacional dominante em uma formação social, o qual define quem são os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades informacionais e quais os meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua organização, interação e distribuição, enquanto vigentes em certo tempo, lugar e circunstância.

O regime de informação, conceito estudado pelo campo da Ciência da Informação, além de ser influenciado pelos avanços tecnológicos, acaba influenciando também a forma como os sujeitos – nos mais variados ambientes e contextos sociais – se relacionam com a informação. A pesquisa documental é uma das fontes mais utilizadas pelos historiadores para se compreender e construir narrativas sobre o passado, bem como para a comprovação de violações aos direitos humanos e o oferecimento de direitos individuais e/ou coletivos às vítimas. A memória não pode ser mais compreendida, como durante muito tempo foi, como algo engessado e sempre associado a realidades passadas. Sobre essa visão tradicional, Jardim (1995, p. 01) afirma que “a memória parece visualizada sobretudo como dado a ser arqueologizado e raramente como processo e construção sociais”. A memória é ressignificada com o passar do tempo e, sobretudo, pelo presente. Os sujeitos constroem ou reconstroem suas memórias sobre determinados momentos históricos muito por influência de suas crenças e vivências. É importante não confundir o conceito de memória com o de história. Apesar de ambos serem o resultado de construções sociais, a memória representa uma das fontes, porém não a única, para que os historiadores possam – a partir da utilização de critérios metodológicos próprios – interpretar os acontecimentos e construir narrativas sobre o passado. A memória é o que os seres humanos conseguem armazenar em seus cérebros. Ou, como expõe Oliveira (2010, p. 34), é a “capacidade humana de reter fatos e experiências do passado, evocá-los e retransmiti-los as novas gerações, graças a um conjunto de funções psíquicas”. Ela pode ser vista tanto como um fenômeno histórico quanto como uma fonte. Além de influenciar o nosso cotidiano, a memória contribui para o processo de formação da identidade cultural dos povos, fortalecendo assim o sentimento de pertencimento dos cidadãos aos seus respectivos grupos sociais de origem. Visto desse modo, o conceito de memória – compreendendo a sua complexidade e amplitude – costuma ser estudado a partir de várias perspectivas, possuindo, portanto, um caráter essencialmente interdisciplinar. Memória, nesse sentido, dialoga com um conjunto de áreas do conhecimento, a exemplo da Psicologia, 46

Filosofia, Medicina, Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Direito, História e a própria Ciência da Informação. A memória na Ciência da Informação é uma temática constantemente apresentada sob a perspectiva da preservação, desconsiderando, em muitos momentos, a questão do esquecimento. Sobre isso, Monteiro, Carelli e Pickler (2008, p. 01) afirmam que “ao preservar documentos, os lugares da memória guardam materialmente a memória de um povo, de uma cidade, de um país e, com isso, a Ciência da Informação desconsiderou um importante aspecto da memória: o esquecimento”. O esquecimento, portanto, não é antagônico a ideia de memória. É um procedimento natural e necessário a ela, uma vez que os seres humanos necessitam, periodicamente, esquecer determinados fatos para que novas memórias sejam armazenadas. Ou, em outras palavras, a mente humana seleciona, a partir de critérios pré-estabelecidos, o que será ou não armazenado. Há outros casos, contudo, em que o esquecimento é construído na história de uma sociedade a partir da intervenção de setores dominantes com o objetivo estratégico de inviabilizar determinados sujeitos ou grupos sociais – muitos destes identificados com as camadas populares. Isso aconteceu no Brasil no final do regime militar. O pacto firmado entre os dirigentes das Forças Armadas e a elite nacional – que permitiu a abertura política e por consequência a redemocratização – é um exemplo disso. Os militares, percebendo o desgaste dos governos e a retomada das manifestações de rua, optaram por se retirar do cenário político brasileiro condicionado essa abertura ao esquecimento das violações cometidas pelos agentes do Estado, como explicita Safatle (2010). Essa reconciliação extorquida foi responsável pela manutenção dos resquícios desse período na sociedade e instituições brasileiras. Além disso, ela inviabilizou a abertura plena dos registros informacionais, provas materiais dos crimes de lesa-humanidade cometidos pelos militares, produzidos pelo Estado durante o regime ditatorial. Esse esquecimento foi materializado através da Lei de Anistia. Promulgada em 1979, essa lei, que na prática representou uma autoanistia aos militares, formalmente anistiou tanto os que de alguma forma resistiam ao Estado de exceção quanto também os que promoveram violações aos direitos humanos. Sobre essa estratégia utilizada pelos militares, muito comum em momentos de transição de regimes autoritários para democracias, Potier (2017, p. 25) sinaliza que:

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Algumas demandas sociais, em determinadas épocas, evocaram e evocam silêncios aptos a provocar certa “amnésia social”, capaz de consolidar realidades tidas como necessárias pela maioria dos sujeitos envolvidos nessa produção. É esse o caso do tipo de esquecimento produzido pelos processos de anistia, onde se determina que os antigos eventos traumáticos, as ofensas e desavenças sejam silenciadas por todas as partes envolvidas a fim de que se alcance certo equilíbrio evocado em nome da “paz”. A operação proposta nesses casos consiste em pôr em silêncio aquilo que se pretende que, com o tempo, caia no esquecimento.

A “amnésia social” foi o dispositivo utilizado pelas Forças Armadas brasileiras para não só promover o esquecimento das memórias desse período, mas, também, para inviabilizar qualquer condenação fruto de ação penal contra os militares pelos crimes cometidos durante a ditadura. Ou seja, o esquecimento pode ser construído, na prática, de duas formas. Uma delas ocorre na medida em que o sujeito, compreendendo a necessidade da reoxigenação da memória, seleciona o que de mais importante será armazenado; e, outra, quando sujeitos ou grupos sociais – sob influência de interesses político-ideológicos – ocultam determinados acontecimentos da história. É importante salientar que a primeira forma ocorre não apenas com as memórias irrelevantes dos sujeitos, mas também de fatos importantes da vida cotidiana. Isso acaba reforçando uma ideia negativa sobre o esquecimento, sobretudo na perspectiva do senso comum, como é observado por Potier (2017, p. 07):

Primeiramente faz-se pertinente compreendermos que, pelo senso comum, o esquecimento costuma ser tomado, majoritariamente, por seus sentidos negativos. O esquecimento seria como um dano (fraqueza, lacuna) à confiabilidade da memória. A memória, nessa perspectiva, seria confundida com a própria capacidade de rememoração (“fulano possui boa memória”) e, nesse caso, se definiria como luta contra o esquecimento.

O esquecimento não representa algo nocivo nem está em luta constante com a memória. É, antes de tudo, fruto de um diálogo com a memória, uma vez que não existe uma linha tênue entre o que pode ser esquecido e o que pode ser armazenada. No que toca a segunda forma, ou seja, o esquecimento construído estrategicamente por sujeitos ou grupos sociais, ela acontece quase sempre como fruto de relações e disputas de poder, efetivando-se a partir do silenciamento de determinadas vozes, tanto socialmente quanto historicamente. Sobre essa forma específica, Potier (2017, p. 20) argumenta que:

este se produz e se efetiva a partir do silenciamento, ou melhor dizendo, a partir do conjunto de disputas discursivas que, em determinado tempo histórico, “põem em silêncio” determinados elementos em detrimento de outros, que disciplinam esse silêncio a partir daquilo que é narrado.

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Esse silenciamento ocorre quando algumas memórias são desconsideradas em detrimento de outras. Ou, por exemplo, quando determinados registros informacionais produzidos em determinados momentos da história são secundarizados em nome de uma memória oficial, responsável por exaltar alguns fatos ou sujeitos em detrimento de outros. O silenciamento, portanto, é quase sempre fruto de interesses políticos. Por mais que as narrativas acerca de um momento histórico não possam abordar tudo17, os interesses político-ideológicos acabam por influenciar não só a forma como esses discursos são construídos, mas, também, os elementos prioritários que alicerçam essas versões. A disputa de narrativas sobre o passado sempre esteve presente na construção do conhecimento histórico. As versões sobre a história, muitas delas conflitantes entre si, representam o reflexo da disputa que os variados grupos sociais promovem pelo passado. Essa guerra de versões, algo natural se levarmos em conta a complexidade dos sujeitos, acaba por promover – sobretudo quando essa construção ocorre sem a utilização de teorias e métodos historiográficos, bem como sob influência de elementos subjetivos – uma interpretação distorcida da realidade, quando não injusta. Sobre essas disputas, Le Goff (1990, p. 368) explicita que:

Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva.

Essas versões do passado, constituídas sob a lógica da continuidade, são frutos das interpretações que os sujeitos fazem das memórias, sejam elas individuais ou coletivas. Contudo, por mais que essas memórias representem as vivências de indivíduos ou grupos sociais, passadas de geração à geração, a influência de interesses político-ideológicos acaba por promover o silenciamento e, por consequência, o esquecimento de muitas dessas memórias. Essas memórias, ou informações, materializadas e custodiadas em arquivos, museus e bibliotecas – o que Nora (1984) denomina de “lugares de memória”–, são utilizadas, em muitos momentos da história, para manutenção do status quo de setores dominantes, bem como para evitar o surgimento de revoltas populares. Em síntese, os conceitos de arquivo, memória e esquecimento são indissociáveis. Pensar em documento de arquivo, independentemente de suas características, é refletir sobre

17Segundo Monteiro e Carelli (2007, p. 12), “Não é possível memorizar tudo o que está disponível, nem na mente humana (oralidade), nem nos “lugares da memória” (escrita), nem mesmo, no Ciberespaço (digital)”. 49

as memórias em estado material e sua função social, sobretudo na perspectiva da rememoração do passado.

6.1 ANÁLISE ARQUIVÍSTICA DAS ATAS DO CONSUNI (1961-1971)

Para encontrar a resposta à pergunta que instigou a elaboração desta investigação, optou-se por pesquisar sobre os fatos que envolveram a UFBA entre os anos do pré-golpe de 1964 e os anos iniciais do regime, através de pesquisa documental nas atas das reuniões do CONSUNI, ocorridas entre os anos de 1961 e 1971. O primeiro passo foi localizar em qual arquivo elas se encontravam, sob a responsabilidade de qual setor, e se estavam no Arquivo Central da UFBA. Diferente de outros documentos produzidos pela universidade que são enviados diretamente ao Arquivo Central, as atas do CONSUNI ficam custodiadas no Palácio da Reitoria, no subsolo, sob competência da Secretaria dos Conselhos Superiores (SOC/UFBA). Lá são guardadas as atas18 das reuniões de todos os conselhos superiores da instituição, além do CONSUNI, a saber: Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, Conselho Acadêmico de Ensino, Conselho Acadêmico de Pesquisa e Extensão e o Conselho de Curadores. Sobre a importância dos arquivos permanentes para o funcionamento de uma universidade, Bellotto (1989, p. 25) afirma que eles:

[...] possibilitam eficiência administrativa-acadêmica. Informam sobre os procedimentos passados de ensino e de pesquisa; guardam direitos e deveres de professores, alunos e funcionários durante seu tempo de permanência na universidade e mesmo depois dele; finalmente fornecem dados de toda ordem como “grande capital de experiência” para continuidade institucional da universidade.

A sala onde a documentação fica armazenada é pequena. Sua estrutura, bem modesta para abrigar documentos tão antigos e de tamanha importância como os em questão – é bem simples e precária –, ao ponto de não possuir, nesse espaço, um sistema de climatização para que a temperatura da sala se mantenha constante. O controle da temperatura e da umidade relativa do ar são elementos essenciais para a preservação dos registros informacionais, sobretudo os de valor histórico. Sobre isso, Beck (2000, p. 14) afirma que:

18 Segundo Bellotto (2002, p. 48), ata é um “documento diplomático testemunhal de assentamento. Registro resumido das ocorrências de uma reunião, assembléia ou sessão, assim como das decisões tomadas por seus membros. Se for de eleição, resume o seu desenrolar. Geralmente é lavrada em livro próprio.” 50

Se os níveis de umidade relativa (UR) são muito baixos, aumenta-se o risco de quebra das fibras e esfarelamento dos materiais orgânicos fibrosos. Para pergaminhos e encadernações em couro a UR abaixo de 40% é perigosa e o papel também sofre abaixo desses níveis. Já nas faixas de UR acima de 65% crescem microorganismos e ocorrem reações químicas danosas.

Essas atas, ao final de cada ano, são encadernadas em capa dura por uma empresa terceirizada e encaminhadas para a referida sala, ficando disponíveis à consulta. Elas são colocadas em armários e organizadas a partir do método de arquivamento numérico, ou seja, cada caderno armazena seis meses. A identificação do ano de produção encontra-se na lombada de cada caderno. No tocante aos aspectos extrínsecos, foi possível identificar que essas atas foram datilografadas e produzidas em papel ofício. Estão rubricadas, numeradas na parte superior, margeadas com uma linha vermelha e assinadas pelos conselheiros presentes, configurando- se, segundo Bellotto (2002), como documentos diplomáticos testemunhais de assentamento. Enquanto documentos diplomáticos torna-se difícil dissociar seus elementos formais, acima citados, da instituição que o produziu, uma vez que eles representam, em outras palavras, a materialização do fato jurídico ou administrativo. Daí a importância da análise diplomática19 para se ter uma compreensão aprofundada dos registros informacionais. Essa avaliação contribui para o desenvolvimento do fazer arquivístico, sobretudo em relação à classificação, avaliação e descrição documental. Sobre isso, Bellotto (2002, p. 43) sinaliza que “O entendimento da análise diplomática tem, entre outras vantagens, a de facilitar a elaboração de resumos de documentos, uma vez que o documentalista, conhecendo-a, há de realizar uma leitura documental mais segura”. Apesar das limitações estruturais e de não existir – ao menos neste ambiente – uma política de preservação de documentos para que os registros ali armazenados possam durar o máximo de tempo possível, essa documentação encontra-se em bom estado de conservação. Os documentos em tela cumprem a função de registrar as discussões que ocorrem nas sessões do CONSUNI. São probatórios que legitimam e validam as deliberações tiradas nesse conselho. Ao analisar essa instância, Brito (2003, p. 14) afirma que “Microcosmo da luta política no interior da universidade, o Conselho Universitário (CONSUNI) foi espaço de elaboração de política acadêmica, tensão, negociação e conflito político”. Em outras palavras, o CONSUNI é o órgão colegiado politicamente mais importante da instituição. As grandes

19 Sobre o alcance desta análise, Carucci (1987, p. 30) argumenta que “A análise das características formais e substanciais dos documentos é indispensável para identificar as séries, para reconduzir documentos singulares aos arquivos de origem, para entender em quais relações se encontram os documentos referentes a um mesmo procedimento conservados em séries distintas. A análise diplomática do documento contemporâneo tem também, quando comparado ao documento mais antigo, o objetivo de contribuir para a história da administração”. 51

deliberações da universidade, direta ou indiretamente, são aprovadas por essa instância. A partir daí é possível compreender a importância desses registros para se entender o passado da instituição. Os itens documentais aqui analisados – que sob a luz dos estudos arquivísticos configuram-se como a espécie documental – são recorrentemente procurados por pesquisadores, seja da comunidade interna ou externa a UFBA. Devido à complexidade e importância das informações contidas nesses documentos, há certo controle no acesso a eles. Contudo é possível, sem maiores dificuldades, acessá-los. É necessário, até para evitar qualquer confusão interpretativa, compreender o conceito de espécie documental. Segundo o Arquivo Nacional (2005, p. 85), ele representa a

Divisão de gênero documental que reúne tipos documentais por seu formato. São exemplos de espécies documentais ata, carta, decreto, disco, filme, folheto, fotografia, memorando, ofício, planta, relatório.

Assim é possível identificar e, sobretudo, diferenciar os conceitos de espécie e tipo documental. Enquanto o primeiro dialoga com a natureza das informações registradas, o segundo, como aponta Camargo e Bellotto (2012, p. 80), sinaliza a “configuração que assume uma espécie documental de acordo com a atividade que a gerou”. Além da pesquisa in loco, foi utilizada uma ferramenta, disponível no site da Comissão Permanente de Arquivo da instituição, na seção Coleções/Atas do CONSUNI20, onde é possível acessar o conteúdo parcial das referidas atas, facilitando assim a pesquisa no acervo. Os arquivos da universidade, em especial as atas em questão, foram imprescindíveis para que se pudesse identificar elementos necessários à compreensão acerca de como a UFBA institucionalmente se posicionou em relação ao referido golpe.

6.2 ANÁLISE ARQUIVÍSTICA DA DOCUMENTAÇÃO DO JORNAL A TARDE (1961- 1971)

A tarefa inicial consistiu em escolher em qual documentação do jornal A Tarde a pesquisa documental seria executada. Optou-se – compreendendo que neste ambiente é possível ter acesso tanto aos jornais impressos quanto no formato digital – pelo acervo custodiado no Setor de Arquivo da Biblioteca Central do Estado da Bahia, localizada no bairro dos Barris, em Salvador.

20 Esta ferramenta está disponível em: Acesso em: 13 abr. 2019. 52

O jornal A Tarde, um dos mais antigos do Brasil, fundado em 1912 pelo jornalista e político Ernesto Simões Filho, é um periódico de notícias que circula em todo o estado da Bahia. O A Tarde vem cobrindo ao longo da sua história os grandes acontecimentos da Bahia e do Brasil, tendo promovido, como salienta Brito (2008), uma destacada cobertura jornalística sobre a política baiana durante o período da ditadura militar. A documentação em questão, que a partir da teoria arquivística configura-se como um arquivo especializado de imprensa, fica localizado no primeiro andar da referida biblioteca. Sobre esse tipo de acervo, o Arquivo Nacional (2005, p. 30) sinaliza que ele possui “uma ou mais características comuns, como natureza, função ou atividade da entidade produtora, tipo, conteúdo, suporte ou data dos documentos, entre outras.” Esses acervos21 refletem, em outras palavras, a produção documental de áreas específicas do conhecimento, independente do contexto e suporte em que esses registros tenham sido produzidos. Analisando os referidos registros informacionais a partir de uma perspectiva arquivística é possível identificar alguns elementos, sejam eles internos ou externos ao documento, que ajudam a compreendê-los em sua plenitude – a exemplo dos enunciados, textos, assinaturas e datas. Sobre esses elementos, indispensáveis à identificação de um documento diplomático, cabe salientar que, segundo Bellotto (2002, p. 39), eles representam a união das seguintes partes:

o protocolo inicial, o texto propriamente dito e o protocolo final. Nessas três partes evidenciam-se as coordenadas (representadas pelas fórmulas diplomáticas obrigatórias, próprias da espécie documental determinada pelo ato jurídico e seu objetivo) e as variantes (teor pontual e circunstancial relativo às especificidades do ato aplicado a um fato, pessoa ou assunto).

Nem todas as partes acima citadas, entretanto, aparecem nos documentos, assim como há certa variação em relação ao posicionamento desses elementos no documento. Isso vai depender, em linhas gerais, da espécie documental de cada registro, bem como de sua natureza jurídica. A partir daí é possível compreender as diferenças entre o documento diplomático e o documento lato sensu. Enquanto o primeiro é de gênero textual, o segundo, compreendendo a amplitude do conceito de documento, pode ser dos gêneros iconográfico, filmográfico, sonoro, micrográfico, entre outros.

21 Segundo Paes (2004, p. 23), “Arquivo especializado é o que tem sob sua custódia os documentos resultantes da experiência humana num campo científico, independente da forma física que apresentem, como, por exemplo, os arquivos médicos ou hospitalares, os arquivos de imprensa, os arquivos de engenharia e assim por diante. Esses arquivos são também chamados, impropriamente, de arquivos técnicos.” 53

Os documentos do jornal A Tarde dos anos de 1961 a 1971, em bom estado de conservação – apesar da falta de uma política de preservação de documentos, bem como pela reduzida e insuficiente estrutura oferecida para sua custódia –, estão encadernados, envelopados e guardados em caixas de papelão. Quanto ao armazenamento inadequado de um acervo, Beck (1997, p. 07) afirma que “A guarda sem cuidado ou a superlotação de espaços resultam rapidamente em danos às coleções. As embalagens de má qualidade igualmente aceleram a deterioração dos materiais, quando o objetivo seria protegê-los”. É visível perceber que muitos desses documentos, compreendendo a baixa qualidade do papel utilizado para produção de jornais, encontram-se desbotados e amarelados – realidade comum em se tratando de arquivos de imprensa. Há alguns documentos, sobretudo dos anos de 1964 e 1965, em estado de deterioração. Isso se deve ao manuseio equivocado por parte dos usuários que, em muitos momentos, não são orientados a usarem equipamentos de proteção individual, bem como pelo fato do ambiente não possuir um sistema de climatização. Sobre a importância desse sistema para a preservação dos documentos, Beck (2000, p. 15) afirma que:

sistemas mal projetados que podem acarretar fluxos inadequados do ar, ocasionando o desenvolvimento de microorganismos e outros problemas. Já a não instalação do equipamento pode ser extremamente danosa, sobretudo em edifícios projetados para serem climatizados artificialmente e que não oferecem possibilidades de controle ambiental quando o sistema está fora de funcionamento.

Há um índice na recepção do arquivo onde é possível identificar todo o acervo ali custodiado. Esses documentos estão arquivados separados por mês, isto é, cada envelope, compreendendo que a tiragem do periódico é diária, armazena dois meses. Este arquivamento permite maior objetividade no acesso e manuseio dos registros. Esses documentos são diariamente consultados por pesquisadores, historiadores, jornalistas e pelo público em geral. A direção da biblioteca solicita que o usuário faça um registro para que haja um controle de acesso aos documentos. Além da pesquisa nos documentos impressos, há nesse espaço também dois terminais de computadores onde o usuário pode acessar o jornal A Tarde no formato digital, reduzindo assim o tempo de pesquisa. Apesar de não existir um arquivista de formação nem o respeito ao que preconiza a teoria arquivística em sua plenitude, sobretudo no tocante a política de preservação de documentos, foi possível perceber que o arquivo consegue, apesar de suas limitações estruturais, atingir o seu objetivo: manter e preservar registros informacionais deixando-os disponíveis a quem deles necessite. 54

Esses arquivos de imprensa possuem valor probatório22, informativo e histórico. Eles contribuem no sentido de preservar e dar acesso às memórias documentadas, mesmo reconhecendo, como aponta Silva e Franco (2010), a influência de elementos político- ideológicos nesta construção. Foi possível perceber, a partir de uma análise arquivística, como expõe Belllotto (2002), as contribuições da Arquivologia para a organização da informação, sobretudo em relação aos procedimentos empregados para o seu tratamento e interpretação – a exemplo da avaliação, descrição e análise de conteúdo. Notou-se a importância do arquivista não só no sentido de organizar e disponibilizar a informação registrada, mas, também, em interpretar os elementos que estruturam um acervo, como expõe Duarte (2006-2007, p. 150):

Na verdade, deparar-se com uma documentação exige do arquivista um estudo aprofundado a partir de escavação cuidadosa, permitindo não somente a organização arquivística do acervo, mas, ao mesmo tempo, a análise temática representativa, interpretativa e precisa das peças.

Esses documentos, para concluir – necessários à rememoração do passado – contribuíram para perceber como a teoria arquivística é necessária à compreensão de um conjunto documental, bem como permitiu identificar a proximidade entre as profissões de arquivista e historiador.

6.3 A RELAÇÃO DA UFBA COM O GOLPE DE 1964

As universidades brasileiras passaram durante o período da ditadura militar por significativas mudanças em sua estrutura. Se por um lado houve repressão aos que resistiam ao governo ditatorial, por outro – sobretudo a partir da Reforma Universitária promovida pelos militares em 1968 –, essas instituições foram modernizadas. Essa modernização autoritária, entretanto, não modificou a concepção de universidade vigente no país, muito menos democratizou o seu acesso. Sobre a universidade brasileira, Fávero argumenta que ela:

foi criada não para atender às necessidades fundamentais da realidade da qual era e é parte, mas pensada e aceita como um bem cultural oferecido a minorias, sem uma definição clara no sentido de que, por suas próprias funções, deveria se constituir em espaço de investigação científica e de produção de conhecimento. Produção essa que deveria procurar responder às necessidades sociais mais amplas e ter como preocupação tornar-se expressão do real, compreendida como característica do

22 Sobre o documento diplomático, Belloto (2002, p. 18) comenta que ele é “testemunho escrito de natureza jurídica, redigido com observância a certas formas estabelecidas que se destinam a dar-lhe força probatória”. 55

conhecimento científico, mas sem a falácia de respostas prontas e acabadas.(FÁVERO, 2006, p. 19)

Visto de outra forma, essas instituições, imprescindíveis para o desenvolvimento sócio-econômico da sociedade, que vem se transformando com o passar do tempo, foram criadas para que os filhos da elite não precisassem se deslocar à Europa para dar seguimento aos seus estudos. Na UFBA isso não é diferente. Nesse sentido, em nove de abril de 1964, reunido dias após a deflagração do golpe, o CONSUNI aprova uma moção em que externa seu apoio a essa tomada de poder. O clima era de muita tensão no interior da instituição, levando a representação estudantil a não comparecer a essa reunião com medo de sofrer represálias. Segue, abaixo, moção que comprova tal posicionamento (1964, apud Brito, 2008, p. 77):

O Conselho Universitário da Universidade da Bahia reunido pela primeira vez após a vitória da democracia contra o comunismo, expressa o seu regozijo patriótico e congratula-se com as gloriosas Forças Armadas pela nobre e serena atitude que assumiram na preservação dos legítimos anseios do povo brasileiro. Nesta oportunidade dirige uma calorosa saudação aos comandantes militares que atuam em nosso estado significando-lhes o seu apoio à orientação salutar de garantir a ordem democrática e defender as nossas instituições políticas. Salvador, 09 de abril de 1964. Reitor Albérico Fraga37, Adriano Pondé, Arnaldo Silveira, F. Magalhães Neto, Maria Ivete Oliveira, Carlos Geraldo, Antonio Queiroz Muniz, LafayetePondé, João Mendonça, João Rescala, Luciano Aguiar, Ismael de Barros, José Calasans, Carlos F. de Simas, Dirce F. de Araújo, Hermani Sávio Sobral, Nilmar Rocha, Pedro M. Tavares Filho, Theonilo Amorim, José V. Torres Homem, Ivo Braga, Alceu Hiltner e Benjamim Sales (ATA CONSUNI UFBA, 09/04/1964).

O reitor Albérico Fraga, dias depois da aprovação da referida moção, foi pessoalmente ao Comando do II Distrito Naval, acompanhado de membros do CONSUNI, entregar o documento e saudar a atitude dos militares. Essa moção foi publicada logo em seguida no Jornal da Bahia e no A Tarde23. Isso demonstra, ao que tudo indica, que os dirigentes universitários da instituição queriam externar publicamente a comunidade baiana o seu apoio à tomada de poder naquele momento. É possível observar – a partir da leitura e interpretação das atas do CONSUNI dos anos de 1961 a 1971 – uma proximidade discursiva entre as posições da Administração Central e o discurso golpista das Forças Armadas, sobretudo se tivermos como referência as falas do Albérico Fraga, reitor que possuía vínculo com a UDN. Sobre ele, Brito (2008, p. 81) afirma que “Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao recorrente discurso anticomunista

23 Cabe registrar que o jornal A Tarde, assim como grande parte da imprensa, apoiou a derrubada de João Goulart. Em editorial publicado dias depois do golpe, o jornal afirmou que: “Empulhado por um grupelho de aproveitadores, peritos na difícil arte que se resume na trilogia da mistificação, incompetência e baderna, o País pela voz de comando do patriotismo, decidiu fazer cessar o parasitismo que estava sangrando a veia da saúde”. (A TARDE, 04/04/1964) 56

desenvolvido pelo reitor e presente na ata do CONSUNI, bem como seus gestos políticos na repressão aos estudantes ligados à esquerda”. Outro momento que demonstrou a proximidade entre o corpo dirigente da instituição e os militares ocorreu em 10 de julho de 1964, quando o CONSUNI aprovou a concessão de Título Doutor Honores Causa ao marechal Humberto de Alencar Castelo Branco – primeiro Presidente da República do regime militar. Durante os anos iniciais do regime, outras sinalizações de apoio foram feitas pelo referido conselho. Em 13 de agosto de 1969, por exemplo, o reitor Roberto Santos propôs ao CONSUNI que se concedesse o mesmo título honorífico ao Presidente da República em exercício, o marechal , como é observado na ata abaixo (1969, apud Brito, 2003, p. 121):

Ao aproximar-se a oportunidade de inauguração dos edifícios onde se instalarão, respectivamente, os Institutos de Geociências, de Matemática e o de Ciências da Saúde, assim como o lançamento da pedra fundamental do conjunto de 3 (três) outros prédios, destinados ao Instituto de Física, de Química e de Biologia, e tendo em vista que todos esses atos deverão se realizar enquanto o Governo Federal estiver funcionando nesta cidade, em outubro próximo, venho propor ao Colendo Conselho Universitário que seja concedido o título de Doutor Honoris Causa a Sua Excelência, o Senhor Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva. Cumpre ainda acentuar, que durante o Governo de Sua Excelência não apenas se erigiram os prédios mencionados, como ainda estão sendo providos os Institutos de Ciências Básicas do material necessário ao cumprimento do vasto programa de aperfeiçoamento do ensino e de intensificação da pesquisa que a universidade vem empreendendo nos setores em apreço. Ao tempo em que se amplia o espaço físico e enriquece o equipamento necessário à Universidade para o desempenho das suas funções, também se verifica a concretização dos princípios que nortearam a profunda revisão da estrutura das Universidades oficiais brasileiras, de modo a melhor adaptá-las a uma sociedade em ritmo acelerado de mudança. São os dados biográficos de Sua Excelência o Marechal Costa e Silva, suficientemente conhecidos dos Senhores Conselheiros para tornar supérflua a sua leitura na íntegra, nesta oportunidade. Resta-me, pois, franquear a palavra para o debate da proposta que ora submeto à apreciação do plenário deste conselho (ATA CONSUNI, 13/08/1969).

Esse apoio contribuiu, assim como o respaldo advindo do Decreto-Lei nº477, que instituía duras penas aos subversivos que se organizavam no ambiente universitário, para enfraquecer a resistência nos anos iniciais do regime. Ou seja, no primeiro momento da ditadura, os dirigentes universitários da UFBA optaram estrategicamente por se alinhar ideologicamente aos militares temendo possivelmente o endurecimento da repressão no interior da instituição, como é percebido no depoimento de um ex-militante:

Nesse período ainda existia um espaço de disputa muito grande. Os próprios órgãos universitários ainda não tinham sofrido uma intervenção muito pesada. Havia uma coexistência. Ou seja: não se mexia na universidade, se preservava sua autonomia, mas pressionava-se as autoridades no sentido de conduzir a política que a ditadura exigia. Então, nas universidades em geral, e a UFBA, particularmente, foi muito 57

caracterizada por uma política de conciliação. Ou seja: ante mal maior que seria uma intervenção na UFBA, é melhor ceder e tentar contornar os problemas. Foi um período mais de coexistência com conciliação.

Essa preocupação justifica-se uma vez que em outras instituições, a exemplo da UnB, a repressão teve início logo nos primeiros dias após o golpe, mesmo reconhecendo que nesse período o pensamento golpista e anticomunista, sobretudo do ponto de vista dos professores, teve certa ressonância. O movimento estudantil da UFBA, assim como aconteceu em outras universidades, foi esvaziado24 nesse período. O medo da repressão, assim como as incertezas em relação a como seria a condução do novo governo, contribuiu para a desarticulação e afastamento de muitos militantes da luta. Muitos dirigentes universitários, além de terem se posicionando favoravelmente em apoio ao golpe de 1964, cumpriram também uma função de polícia política dentro das universidades. Em alguns casos, como salienta Brito (2003), eles recolhiam documentos nos arquivos das entidades de representação e encaminhavam aos órgãos de repressão. Os infiltrados, ou seja, os militares colocados nas salas de aula para acompanhar e fiscalizar a organização estudantil dentro da universidade, também cumpriam essa função. Contudo, nunca se podia saber ao certo – muito por influência das incertezas e tensões que cercavam o ambiente universitário – quem, de fato, era militar25. Esses registros eram utilizados pela Justiça Militar para fundamentar os Inquéritos Policiais Militares contra os estudantes classificados como subversivos. Isso explica, assim como pelo fato da destruição de muitos registros pessoais comprometedores por parte de militantes logo em seguida ao golpe, o porquê de praticamente inexistir documentos do movimento estudantil desse período. Algumas unidades universitárias, possivelmente influenciadas pela decisão do CONSUNI, também tomaram partido em relação ao movimento golpista. Nesse sentido, a Congregação da Faculdade de Filosofia, reunida em 27 de abril de 1964, demonstrou o seguinte posicionamento (1964, apud Brito, 2008, p. 79):

24 Sobre essa reação, Martins Filho (1987, p. 80) afirma que “Existem indícios suficientes para afirmar que a massa dos estudantes foi tomada por uma certa paralisia no momento do golpe [...]. Com isto não se está dizendo que a massa dos estudantes apoiou o golpe de 64 mas que não existe evidência de recusa de massa do movimento estudantil ao golpe. Ao contrário, existem alguns sinais de que a massa dos estudantes, o estudante comum, se deixou levar pelo discurso anticomunista e por todo aquele quadro que se criou para justificar o golpe militar. 25 Sobre essas dúvidas, uma ex-militante afirmou que: “Eu não posso dizer que eu conheci um infiltrado. Mas tinha-se suspeitas de alguns, com atitudes estranhas. E variava de momento para momento. As vezes atitudes provocativas, com posturas políticas muito avançadas. Muito radical. E as vezes pessoas que nunca tinham aparecido. Ou outros que só ficavam na observação”. 58

Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência que o Conselho Departamental desta Faculdade aprovou um voto de congratulações com as gloriosas Forças Armadas pela sua decisiva atuação no movimento redentor de 31 de março. (ATA DA CONGREGAÇÃO DA FACULDADE DE FILOSOFIA, 27/04/1964).

Assim é possível perceber, a partir da leitura desses relatos, como o discurso golpista foi aceito em algumas instâncias da instituição. Eles atestam, apesar da demarcação de espaço e sinalização aos militares, um colaboracionismo dos dirigentes com o novo projeto de poder. Seguindo esse movimento, a Congregação da Faculdade de Medicina, reunida em 29 de abril de 1964, posicionou-se favorável a deposição de Jango, como pode ser observador abaixo (1964, apud Brito, 2008, p. 80):

sendo essa a primeira reunião da Congregação após o vitorioso movimento militar pela restauração das instituições democráticas do país, renova o voto de respeito, acatamento e congratulações feitas pela Diretoria às Forças Armadas, na pessoa do General Manoel Mendes Pereira, comandante da 6ª Região Militar. (ATA DA CONGREGAÇÃO DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DA BAHIA. 29/04/1964)

Outras instâncias, a exemplo das Congregações da Escola Politécnica e da Faculdade de Ciências Econômicas, também seguiram esse posicionamento, demonstrando que o discurso anticomunista era forte entre os dirigentes universitários nos anos iniciais da ditadura. Analisando a cobertura jornalística do jornal A Tarde dos anos de 1961 a 1971 foi possível perceber certo apoio deste veículo a política de repressão implementada pelas Forças Armadas dentro da UFBA, assim como uma proximidade discursiva entre os dirigentes universitários e o comando militar. Resumidamente, importantes instâncias da UFBA posicionaram-se formalmente em apoio ao golpe. Contudo, torna-se um equívoco histórico afirmar que toda sua comunidade universitária curvou-se ao discurso golpista, uma vez que o movimento estudantil – setor mais crítico ao golpe e à ditadura, com maior ou menor intensidade, a depender do endurecimento da repressão – foi o segmento que mais resistiu ao regime ditatorial no ambiente universitário. Tudo leva a crer que essas demonstrações de apoio – injustificáveis, diga-se de passagem – foram fruto de uma estratégia dos dirigentes universitários no sentido não só de demarcar espaço para seus pares dentro da instituição, mas, sobretudo, apontar às Forças Armadas que a UFBA estava sendo administrada por gestores alinhados político- ideologicamente com os militares, não necessitando, como ocorrera em outras instituições pelo Brasil, de intervenção militar. 59

7 PERCURSO METODOLÓGICO

Esta investigação, de abordagem qualitativa, que possui como método o estudo de caso aplicado26, representou a continuação da pesquisa que o presente autor iniciou em seu TCC, na graduação em Arquivologia, pelo ICI/UFBA, defendido em 2014. Buscou-se, a partir de minucioso planejamento estratégico, seguindo o percurso metodológico ora apresentado, compreendendo que o “objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para problemas mediante o emprego de procedimentos científicos” (GIL, 2008, p. 26), descobrir como a UFBA – maior e mais influente Instituição de Ensino Superior do estado da Bahia – se posicionou em relação ao golpe civil-militar ocorrido no Brasil em abril de 1964. A escolha dos métodos e técnicas, isto é, o caminho a trilhar na construção de uma investigação científica, torna-se um dos elementos mais importantes no fazer ciência, visto que eles podem nos oferecer subsídios para interpretar criteriosa e criticamente os dados, para assim chegarmos à resolução dos problemas científicos. Nesse sentido, foi empreendida uma análise arquivística das atas do CONSUNI dos anos de 1961 a 1971, através de visitas realizadas ao referido acervo, localizado no subsolo da Reitoria, sob responsabilidade da SOC/UFBA, com o objetivo de responder ao problema de pesquisa elencado. Essas atas, encadernadas e atualmente em bom estado de conservação, servem para registrar as memórias das sessões do CONSUNI – colegiado formado pelos pró-reitores, diretores de unidade, representantes discentes, docentes e dos servidores técnico- administrativos, presidido pelo reitor. Outra análise arquivística feita foi na documentação do jornal A Tarde dos anos de 1961 a 1971. A pesquisa foi realizada no Setor de Arquivo da Biblioteca Central do Estado da Bahia, localizada no bairro dos Barris, em Salvador, onde é possível ter acesso a um acervo formado por fundos dos grandes jornais impressos de Salvador. A pesquisa documental é um procedimento de coleta de dados muito utilizado em pesquisas científicas, sobretudo nas Ciências Humanas e Sociais. Apesar das suas fontes serem bastante diversas e, até certo ponto, dispersas, ela nos ajuda a contextualizar e historicizar fatos e acontecimentos.

26 Sobre essa ferramenta de pesquisa, Yin (2001, p. 21) afirma que "o estudo de caso contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos." 60

Marconi e Lakatos (2003, p. 174) afirmam que a “característica da pesquisa documental é que a fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias”. Ou seja, a pesquisa documental se utiliza, em linhas gerais, de registros informacionais sem tratamento prévio. Compreendendo a necessidade de se entender o período histórico estudado – ou seja, dos anos que antecederam o golpe de 1964 até os anos iniciais da ditadura militar, bem como o desdobramento desse período no interior da instituição –, esses registros informacionais, acima mencionados, acabaram sendo a principal fonte de informação dessa investigação científica. Neles estão materializados parte das memórias da instituição em relação ao período estudado. Cabe salientar, contudo, que o elemento da não neutralidade que envolve a criação de um registro informacional, sobretudo em um momento tão confuso como foi à ditadura, acaba por influenciar seu conteúdo – levando-nos a uma visão crítica acerca dos supracitados documentos. Porém, mesmo reconhecendo que todo registro informacional é carregado de subjetividade e imparcialidade, um documento de arquivo torna-se, muito pelo fato dele representar os testemunhos de determinados fatos ou acontecimentos, de fundamental importância para se entender criticamente o presente através do passado. Sobre isso, Cellard aponta que:

o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante, pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito freqüentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorridas num passado recente. (CELLARD, 2008, p. 295)

Outras fontes, tão importantes quanto às acima mencionadas, foram utilizadas nesse percurso metodológico. Assim, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, com obras produzidas sobre essa temática – envolvendo livros, artigos, dissertações e teses – no sentido de facilitar, depois de leituras, releituras e elaboração de fichamentos, a construção da dissertação. Segundo Lakatos e Marconi, a pesquisa bibliográfica:

abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema estudado, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, materiais cartográficos, etc. [...] e seu propósito é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto. (LAKATOS; MARCONI, 2001, p. 183)

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Comum a quase todos os trabalhos científicos, independente do objeto de estudo, a pesquisa bibliográfica oferece as bases teóricas e conceituais necessárias à investigação científica, uma vez que ela permite que o pesquisador, além de conferir se o problema estudado já não foi cientificamente resolvido, se debruce em reflexões de pensadores que já formularam sobre a temática pesquisada. Uma técnica de coleta de dados bastante utilizada em investigação social, apesar das desvantagens e limitações, é a entrevista. Essa técnica27, empregada nessa investigação, compreendendo a necessidade da contextualização histórica e sociocultural do período em questão, foi importante para identificar como a UFBA respondeu institucionalmente ao golpe de 1964 e, também, aos anos iniciais da ditadura. Sobre isso, Gil (2008, p. 109) argumenta que:

Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação.

Ou seja, foi possível identificar, a partir da análise e interpretação dos dados obtidos nas entrevistas28, alguns elementos necessários à reflexão acerca do que representou esse período para o Brasil e para a UFBA, que, possivelmente, em outra fonte de informação, não seria possível. Pelo fato dessa técnica de coleta de dados se da face a face, ou seja, a partir do diálogo direto entre entrevistador e entrevistado, é possível obter detalhes que, em muitos momentos, dialogam com os sentimentos, afetos e impressões pessoais do entrevistado. O tipo de entrevista escolhido foi à estruturada. Para Marconi e Lakatos (2003, p. 197), “É aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao indivíduo são predeterminadas. Ela se realiza de acordo com um formulário elaborado e é efetuada de preferência com pessoas selecionadas de acordo com um plano”. Ao final do recolhimento das informações através dos procedimentos e técnicas, a saber – levantamento bibliográfico, pesquisa documental e entrevistas –, foi empreendida, no

27 Os nomes dos entrevistados desta investigação – por uma questão ética – não foram citados. Muitos destes, durante o período estudado, eram estudantes da UFBA e hoje são docentes da própria instituição. 28 Sobre esta técnica, Minayo (2007, p. 64) acrescenta que a “entrevista é acima de tudo uma conversa a dois, ou entre vários interlocutores, realizada por iniciativa do entrevistador, qual objetiva construir informações pertinentes para o objeto da pesquisa”. 62

momento seguinte, uma análise e interpretação dos dados coletados. Sobre essas duas tarefas, diferentes por natureza, e que ao mesmo tempo se inter-relacionam, Gil explicita que:

A análise tem como objetivo organizar e sumariar os dados de tal forma que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para investigação. Já a interpretação tem como objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos. (Gil, 2008, p. 156)

Em outras palavras, a análise de conteúdo, compreendida enquanto um instrumento metodológico, contribuiu para o processo de avaliação e interpretação do material coletado, uma vez que ela permitiu que o pesquisador, de forma objetiva e sistemática, construísse conclusões criteriosas a partir do que foi levantado. Problematizou-se, ao final da pesquisa, a relação das conclusões obtidas com os conceitos e teorias provenientes da Ciência da Informação e áreas afins. Nesse sentido, a discussão apresentada acabou por contemplar os apontamentos levantados nessa investigação, no intuito de produzir uma reflexão crítica sobre as memórias da UFBA em relação ao período da ditadura militar. O percurso metodológico aqui apresentado, fruto de reflexões a partir da leitura de teóricos da metodologia científica, foi decisivo para que se construísse uma caminhada – que envolveu a sistematização dos procedimentos adotados – no sentido de permitir que os objetivos traçados no início da pesquisa fossem, ao final, alcançados.

8 ANÁLISE SOBRE OS RESULTADOS

Neste capítulo, busca-se aprofundar as discussões, a partir do levantamento de dados realizado através das pesquisas bibliográfica, documental e entrevistas, no sentido de facilitar a compreensão acerca de como a UFBA institucionalmente se comportou em relação ao golpe civil-militar de 1964. As universidades brasileiras eram – como ainda são, porém com menor intensidade – espaços onde praticamente todas as correntes ideológicas, de alguma forma, se organizavam. Sobre a heterogeneidade político-ideológica dessas instituições, um entrevistado argumentou que:

As universidades naquele período, nos anos cinqüenta, sessenta e setenta,basicamente,eram o berço de todas as matrizes ideológicas, tanto de direita quanto de esquerda, aqui na América Latina. Todas as idéias políticas, os partidos políticos, os grupos organizados surgiam através da universidade. Então a universidade era um fermento de organizações, de idéias, de debates, de argumentos e contra-argumentos.

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O ambiente universitário, essencialmente diverso, é o espaço ideal para o conflito de posições. Atmosfera propícia não só para influenciar a opinião dos que integram sua comunidade, mas, também, para influir a realidade da sociedade, as universidades brasileiras, sobretudo as públicas, tiveram atenção redobrada por parte dos militares durante a ditadura. As Forças Armadas imaginavam, como a prática assim demonstrou, que esse ambiente poderia ser foco de crítica e resistência ao novo governo. Os Estados de exceção, a exemplo das ditaduras militares, mantiveram uma relação carregada de muita tensão com as universidades. Não há outro regime político que não a democracia para que uma universidade possa desempenhar satisfatoriamente sua vocação. Quando a democracia de um país é engessada – mesmo reconhecendo as limitações desse regime –, suas instituições e garantias são sufocadas em detrimento dos interesses do grupo político que detêm o poder. Nesse sentido, grande parte dos dirigentes universitários pelo Brasil, como sinaliza Motta (2014), sobretudo nos anos iniciais após o golpe, opta, estrategicamente, com o objetivo de preservar a autonomia universitária, por conciliar seus interesses com os dos militares. Ou seja: de um lado os militares queriam domesticar o ambiente universitário, sobretudo para que as críticas advindas desse espaço não fossem potencializadas e chegassem à sociedade; do outro, os dirigentes universitários, temendo o sufocamento de suas instituições, cedem às pressões se alinhando ao discurso golpista. Muitos desses apoios ocorreram também por alinhamento ideológico com os militares, assim como fruto da preocupação dos dirigentes universitários com o discurso reformista do até então presidente João Goulart. Sobre esses posicionamentos, Motta (2014, p. 35) observa que:

Há uma evidência eloquente do apoio ao golpe nos meios acadêmicos. Em certas instituições, os professores se entusiasmaram com a vitória da “Revolução” a ponto de aprovar moções de apoio nos órgãos colegiados universitários. Muitas congregações de faculdades aprovaram moções desse tipo, como a do Conservatório Mineiro de Música (atual Escola de Música) da UMG e a da Faculdade de Medicina da USP.

Esses apoiadores, em sua grande maioria professores, foram decisivos não só para legitimar a ruptura democrática no ambiente universitário naquele momento, mas também no sentido de denunciar os críticos ao novo governo. Para além do aspecto político-ideológico, alguns desses apoios acorriam também por certa adesão oportunista, uma vez que muitas dessas denúncias resultavam na criação de 64

Comissões de Sindicância e, por conseqüência, em expurgos – abrindo, assim, espaços de poder para que os denunciantes ocupassem. O ambiente universitário, assim como quase toda sociedade, é permeado por relações e disputas de poder. Nesse sentido, qualquer intervenção militar nesse ambiente, a exemplo da que ocorreu na UnB29 logo nos primeiros dias após o golpe, afetaria a estrutura e as relações no interior das instituições. Sobre isso, Brito (2003, p. 43) sugere que “a UnB foi uma referência de que tempos sombrios poderiam vir às universidades. Daí, no limite, melhor mandar recados aos militares mostrando que seus dirigentes máximos apoiavam-no do que sofrer uma intervenção”. Na UFBA, como já demonstramos em capítulos anteriores, não foi diferente. Muitas instâncias universitárias, a exemplo do CONSUNI e algumas Congregações de Unidade, aprovaram documentos externando posicionamento favorável ao golpe de 1964. Mas não parou por aí. Além disso, os dirigentes universitários da instituição, logo após as respectivas aprovações, em especial no tocante a moção de apoio aprovada pelo CONSUNI, fizeram questão de publicar esse documento no Jornal da Bahia e no A Tarde – demonstrando assim o desejo de socializar a todos que a UFBA, ao menos do ponto de vista dos seus dirigentes, estava de acordo com a deposição de João Goulart. Quiseram, em outras palavras, demarcar espaço. Demonstrar, a partir de tal posicionamento, que existia alinhamento com o novo governo, bem como o interesse em contribuir para a consolidação do projeto de poder das Forças Armadas. Sobre isso, um ex- estudante aborda que:

Se você tem órgãos como o Conselho Universitário, a Congregação de Faculdade, aprovando moções de apoio, você tem uma maioria comprometida com isso. Eu tive professores que coincidentemente foram expulsos da universidade, a exemplo do Perseu Abramo, que vieram expulsos de Brasília e depois foram expulsos da UFBA. Professores com uma visão crítica foram perseguidos na UFBA.Se procurar ver as atas das Congregações e do Conselho Universitário, vocês vão encontrar decisões nesse sentido.

A partir da leitura e análise das atas do CONSUNI dos anos de 1961 a 1971 e da documentação do jornal A Tarde do mesmo período – recorte temporal escolhido para a realização dessa investigação – torna-se impreciso, e até certo ponto desonesto, afirmar que

29 Sobre a repressão na UnB, Cunha (1988, p. 41) afirma que: “O então reitor da UnB, Anísio Teixeira, e o vice- reitor, Almir de Castro foram destituídos de seus cargos, assim como todo o Conselho Diretor da Fundação da Universidade de Brasília, por decreto presidencial. As tropas tinham em seu poder uma lista de professores que deveriam ser presos, com o arquiteto Oscar Niemeyer em primeiro lugar. Uns foram levados para interrogatório preliminar no teatro Nacional. Outros foram levados para um quartel, despidos, humilhados e longamente interrogados, permanecendo detidos por tempo variado, de alguns dias a alguns meses. Estudantes também foram presos, principalmente os que tinham participação mais ativa nos diretórios acadêmicos”. 65

todos os conselheiros presentes na reunião do CONSUNI do dia nove de abril de 1964, sessão que aprovou moção em apoio ao golpe de 1964, estavam de fato alinhados ao discurso dos militares. Por mais que esse posicionamento tenha sido aprovado por consenso, ou seja, sem a necessidade de votação, é possível que alguns conselheiros tenham se omitido, estrategicamente, com medo de serem acusados de comunista e, assim, sofrerem algum tipo de repressão dentro da instituição. Sobre isso, Brito (2003, p. 43) sugere que “independente da concordância com o conteúdo político da resolução em apoio ao golpe, o pragmatismo político parece ter impregnado os membros do conselho universitário”. Ou seja, ao que tudo indica, os conselheiros universitários colocaram seus interesses pessoais a frente do interesse coletivo da instituição. Isso provavelmente deve ter acontecido com outras manifestações de apoio produzidas pela instituição, uma vez que o ambiente universitário nesse período era formado por um sentimento de medo e incertezas quando ao futuro do país e das instituições de ensino superior. É possível identificar, nas atas em questão, falas apontando para certa preocupação em relação à instabilidade institucional causada pelos críticos ao golpe dentro da UFBA, sobretudo a partir das intervenções com teor anticomunista do reitor à época do golpe, o Albérico Fraga30. Essas atas são imprescindíveis, mesmo reconhecendo os limites da pesquisa documental, sobretudo no que toca os elementos subjetivos que cercam o seu processo de criação, como explicita Derrida (1997), para rememorar e compreender criticamente o passado da UFBA. Custodiados no subsolo do Palácio da Reitoria, esses registros informacionais, apesar do ambiente não possuir uma política de preservação de documentos arquivísticos, encontram-se em bom estado de uso – sendo recorrentemente acessados por pesquisadores internos e externos à instituição. Esses documentos nos permitem identificar alguns elementos, ou evidências históricas, que ajudam a compreender como a UFBA respondeu as tensões ocorridas durante

30Esse reitor, em muitos momentos, orientou diretores de unidade a censurar qualquer manifestação política crítica ao novo governo, além de reproduzir nas sessões do CONSUNI um discurso que demonstrava certa proximidade com o alto escalão das Forças Armadas.

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o período estudado, bem como foi conivente com a política de repressão dos militares, sobretudo nos primeiros anos após o golpe. Os posicionamentos dessas instâncias – muito por influência da heterogeneidade político-ideológica do ambiente universitário, assim como pelo fato da sua composição não representar integralmente o universo dos setores que compõem a instituição – não retratam a opinião da comunidade UFBA como um todo. Para Foucault (2005), um pesquisador não deve apenas se debruçar em torno do que está por trás dos registros informacionais, nem do que supostamente o autor quer dizer, mas, sobretudo, compreender as condições que levaram a construção desse discurso, bem como os elementos que o influenciaram – sejam eles políticos, históricos, sociais ou comportamentais. Analisando o discurso dos conselheiros universitários é possível identificar, a partir de uma perspectiva foucaultiana, certa preocupação não só em relação à instabilidade institucional vigente no país naquele período, mas também como essas tensões prejudicavam o desenvolvimento das atividades universitárias. Muitas das falas sinalizam acerca da dificuldade orçamentária vivida pela UFBA, em especial no tocante ao oferecimento de bolsas de pesquisa aos alunos. Em reiteradas oportunidades representantes estudantis fizeram questionamentos direcionados à Reitoria acerca dos atrasos das referidas bolsas, e como isso prejudicava a permanência dos estudantes em situação de vulnerabilidade sócio-econômica na instituição. Essas atas, que na perspectiva dos estudos arquivísticos representam a espécie documental, vão muito além da informação registrada. Sobre isso, Bellotto (2014, p. 04) afirma que o “Documento arquivístico, para além de ser informação, é sempre presunção de prova. Por ele, de certa forma, se “eternizam” os registros decorrentes do funcionamento e das atividades de uma entidade pública ou privada, demonstrando que aconteceram e como”. Ou seja, esses registros informacionais, ou memórias materializadas através dos documentos de arquivo, servem não só à Administração Central da instituição, mas também à rememoração do seu passado, uma vez que a partir delas é possível recuperar falas e posicionamentos da UFBA acerca de fatos relevantes da história. A pesquisa documental, uma das fontes mais utilizadas por historiadores para a construção de narrativas sobre o passado, nos ajuda a compreender a relação orgânica entre arquivo e memória. O documento arquivístico, visto de outra forma, precisa, além de ser significado, interpretado. Essa interpretação precisa levar em conta o momento histórico e o contexto em que esses registros foram criados – até para não cairmos no anacronismo, ou seja, compreender o 67

passado a partir dos valores e costumes do presente –, assim como os elementos não expressos no documento, como aponta Foucault (2005). O arquivo, nessa perspectiva, vai muito além de um espaço onde os documentos, independente de suporte, são custodiados. É sim um ambiente onde os sujeitos podem construir e ampliar seus conhecimentos, tornando-se conscientes do seu passado e da sua identidade cultural. Essas memórias documentadas são, em outras palavras, a informação registrada – entendida hoje como o objeto de estudo da Arquivologia. Essa mudança foi responsável por dar início ao processo de superação da perspectiva patrimonialista em relação às práticas e teorias arquivísticas, fazendo com que o acesso a informação fosse agora o elemento central da organização dos acervos. Sobre isso, Soares, Pinto e Silva afirmam que:

O paradigma pós-custodial, emergente no final do século XX, possui uma perspectiva que coloca a Arquivística no campo da Ciência da Informação, pois entende que o objeto científico da mesma não pode mais ser o documento de arquivo, mas sim a informação. Por esse motivo, esse paradigma contrapõe-se ao paradigma custodial voltado para valorização do documento de arquivo de valor permanente. (SOARES; PINTO; SILVA, 2015, p. 01)

A partir dessa reflexão é possível identificar a proximidade epistemológica entre a Arquivologia e a Ciência da Informação. A superação desse paradigma, isto é, do custodial para o pós-custodial, influenciado pelo avanço das TIC, fez emergir um novo olhar sobre a organização da informação arquivística. Esse olhar – o que alguns teóricos denominam de Arquivologia Contemporânea – faz com que o conceito de informação, que, segundo Le Coadic (1996, p. 04), corresponde ao “conhecimento inscrito (gravado) sob aforma escrita (impressa ou digital), oral ou audiovisual” venha, com o passar do tempo, sendo ressignificado. O ser humano, desde sua gênese, sempre produziu informação. Porém, muito por influência da criação da imprensa no século XV, por Johannes Gutenberg, assim como pelo boom informacional do século passado, sobretudo a partir do início da Guerra Fria, a produção e o registro informacional vêm crescendo de uma forma nunca antes vista. Essa explosão informacional, explana Saracevic (1996), foi responsável tanto pelo aumenta das possibilidades em relação à informação quanto também pela potencialização dos problemas relacionados a mesma, sobretudo no tocante a sua recuperação. Ou seja: quanto mais produzimos suportes de informação, mais problemas informacionais surgem. Hoje está mais fácil produzir registros informacionais. Se por um lado essa facilidade contribui para que esses registros cheguem a um número maior de pessoas, assim como durem 68

por um maior tempo, por outro, muito por influência de interesses político-ideológicos, essas vozes são silenciadas e, por conseqüência, esquecidas. Contudo o esquecimento, algo natural e necessário para a reoxigenação da memória, ocorre também como reação a essa explosão informacional. Sobre isso, Huyssen (2000, p. 20) argumenta que “quanto mais nos pedem para lembrar, no rastro da explosão da informação e da comercialização da memória, mais nos sentimos no perigo do esquecimento e mais forte é a necessidade de esquecer.” O esquecimento, portanto – independente do período histórico –, sempre esteve presente nas sociedades. A construção de narrativas históricas, sobretudo as que acabam transformando-se em história oficial, acaba sendo influenciada por interesses políticos dos setores dominantes. Silenciar determinadas vozes, muitas delas registradas em documentos arquivísticos, assim como também selecionar, a partir de elementos subjetivos, as memórias que integrarão ou não a memória oficial de um povo, contribui para potencializar esse esquecimento. Assim é possível identificar as conexões entre conceitos de arquivo, memória e esquecimento. Há uma nítida proximidade conceitual entre eles, uma vez que torna-se impossível pensarmos a memória sem considerá-la em seu estado material, isto é, o documento de arquivo, bem como de que forma o esquecimento influencia o processo de construção das memórias dos sujeitos e instituições31. Nesse sentido, os referidos documentos estudados, representam algumas das memórias documentadas da instituição em relação ao período em questão. Elas trazem, como já demonstramos, como a universidade, ao menos do ponto de vista das suas instâncias decisórias, foi conivente com o golpe de 1964 e a política de repressão dentro da instituição nos anos iniciais da ditadura.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de toda caminhada apresentada nesta investigação, que representou a continuação da pesquisa do presente autor iniciada em seu TCC, no curso de Bacharelado em Arquivologia, pelo ICI/UFBA, defendido em 2014, foi possível identificar a importância estratégica dos registros informacionais para o funcionamento administrativo de uma instituição do tipo universidade, bem como para rememoração de seu passado.

31 Sobre a relação entre memória e esquecimento, Ribeiro (2004, p.01) sinaliza que “A lembrança e o esquecimento são componentes da memória, um não existe sem o outro, no processo de atualização do passado, quando evocado”. 69

Esta pesquisa analisou, a partir das atas das sessões do CONSUNI dos anos de 1961 a 1971 e da documentação do jornal A Tarde do mesmo período, localizadas respectivamente no subsolo da Reitoria, na SOC/UFBA, e no Setor de Arquivo da Biblioteca Central do Estado da Bahia, bem como através do levantamento bibliográfico e de entrevistas com discentes e docentes, o posicionamento da UFBA em relação ao golpe civil-militar ocorrido no Brasil em 1964. As conjunturas internacional e nacional contribuíram para a instauração de um clima de medo dentro da instituição. A UFBA, que historicamente desempenha um papel ativo na vida política e social na capital baiana, foi reduto de resistência e palco de grandes lutas durante o período ditatorial. Essa ruptura democrática afetou, assim como ocorrera com grande parte das instituições públicas brasileiras, a vida interna da UFBA durante praticamente todo o período do regime militar. Em muitos momentos, sobretudo a partir do endurecimento da política de repressão, a instituição teve suas atividades acadêmicas interrompidas, bem como alguns de seus membros afastados compulsoriamente. Os militares tiveram atenção redobrada com as universidades públicas. Era preciso silenciar as vozes destoantes do novo governo, uma vez que essas críticas poderiam desestabilizar e colocar em risco a manutenção das Forças Armadas no poder. A grande maioria dos dirigentes das universidades pelo Brasil, temendo que suas instituições tivessem sua autonomia atacada, opta por se alinhar ao discurso golpista, mesmo reconhecendo que muitos destes possuíam afinidade político-ideológica com as Forças Armadas. É nesse clima que ocorre em nove de abril de 1964, alguns dias após deflagrado o golpe, uma reunião do CONSUNI da UFBA em que é aprovada uma moção de apoio a ação dos militares. Outras instâncias da universidade – possivelmente influenciadas pela decisão do CONSUNI – também se posicionaram em apoio ao citado levante. Analisando as atas do CONSUNI é possível identificar, sobretudo a partir das falas do reitor Albérico Fraga (1961-1964), um discurso anticomunista e favorável a derrubada do até então presidente João Goulart, bem como um apoio a política de repressão dos militares no ambiente universitário. Esses documentos de arquivo registram as discussões das sessões do CONSUNI da UFBA – colegiado politicamente mais importante da instituição. Neles é possível identificar como a universidade respondeu, ao menos do ponto de vista de suas instâncias decisórias, a crise institucional que o país vivia naquele momento. 70

A postura do Albérico Fraga e de outros dirigentes universitários da UFBA contribuiu para que a política de repressão desarticulasse, ao menos nos anos iniciais da ditadura, a resistência aos militares, sobretudo a construída pelo movimento estudantil. Esse segmento foi o mais orgânico e combativo na luta pelo restabelecimento da democracia no Brasil. A partir de análise feita na documentação do jornal A Tarde foi possível identificar, compreendendo que os grandes acontecimentos da UFBA eram noticiados com relativa organicidade por esse periódico, muitos deles pagos pela instituição, um alinhamento entre os dirigentes universitários e o alto escalão das Forças Armadas. Com base nos argumentos apresentados é possível concluir que a UFBA – sobretudo do ponto de vista das suas instâncias decisórias, mesmo reconhecendo os limites da democracia representativa, bem como a complexidade político-ideológica de uma universidade – colocou-se em apoio ao golpe civil-militar de 1964. Entretanto, seria equivocado afirmar que toda a comunidade universitária colocou-se ao lado dos militares. Esses posicionamentos, ao que tudo indica, foram construídos com o objetivo estratégico de demonstrar às Forças Armadas que havia alinhamento dos dirigentes universitários da instituição com o novo governo instalado; e que não haveria necessidade, como ocorrera na UnB logo após o golpe, de uma intervenção militar na UFBA. A postura da universidade sobre o referido acontecimento, injustificável em se tratando de uma instituição com essas características, mesmo reconhecendo suas possíveis motivações, precisa ser analisada criticamente, até para não cairmos no anacronismo. A análise arquivística feita nas atas do CONSUNI, assim como na documentação do jornal A Tarde, proporcionou uma compreensão ampla acerca desses conjuntos documentais. Com ela foi possível ponderar aspectos importantes no fazer arquivístico, tais como classificação, descrição, preservação e avaliação de documentos de arquivo. As duas instituições que custodiam os acervos estudados, ou seja, a UFBA e a Biblioteca Central do Estado da Bahia, não possuem, ao menos nos respectivos espaços de guarda, uma política de preservação de documentos. Por mais que os acervos de ambos estejam em bom estado de conservação, a falta desta política é prejudicial à vida útil dos referidos registros. Cabe salientar que, em linhas gerais, grande parte da documentação da Universidade Federal da Bahia, acerca do período da ditadura militar, em especial dos registros produzidos pelas suas unidades, encontra-se dispersa e sem tratamento arquivístico, evidenciando assim a dificuldade da instituição no sentido de disponibilizar à comunidade, seja interna ou externa a UFBA, suas memórias documentadas. Mesmo reconhecendo que há exceções à mencionada 71

regra, citamos os bons exemplos do Memorial da Faculdade de Direito e do Memorial Arlindo Coelho Fragoso, este último vinculado à Escola Politécnica. Foi possível perceber, a partir de análise e interpretação desses documentos, a proximidade entre os conceitos de arquivo, memória e esquecimento. Esses conceitos, carregados de responsabilidade ética e social, dialogam entre si na medida em que contribuem, direta ou indiretamente, à rememoração do passado. Esta pesquisa evidenciou a importância dos documentos de arquivo tanto para o funcionamento administrativo de uma instituição, seja ela pública ou privada, quanto também para a construção ou reconstrução do conhecimento histórico, bem como para o desenvolvimento social e econômico de uma sociedade. Apesar do desenvolvimento tecnológico ter proporcionado o surgimento e aprofundamento de um conjunto de fontes históricas, a exemplo das audiovisuais, o documento de arquivo, sobretudo o de gênero textual, ainda continua sendo objeto constantemente utilizado por historiadores no desenvolvimento de suas atividades profissionais. O ser humano produz, do seu nascimento ao fim de sua vida, um conjunto de registros informacionais. Assim torna-se impossível pensar uma sociedade minimante civilizada e democrática sem que seus documentos, independente de suporte, gênero, natureza e tipologia, estejam organizados e disponíveis a quem deles necessite. Podemos compreender, a partir de uma visão arquivística sobre esta pesquisa, a relevância social da Arquivologia e dos profissionais que lidam com a informação arquivística registrada – isto é, os arquivistas – para uma sociedade. Esses profissionais, que atuam desde a produção, avaliação, classificação, aquisição, descrição, difusão e preservação, facilitam o acesso e uso da informação. Há uma lacuna nas pesquisas científicas sobre os documentos produzidos pela UFBA no tocante ao período estudado, sobretudo no campo da Ciência da Informação e áreas afins. Espera-se, reconhecendo os limites de prazo para pesquisa e escrita de uma dissertação de mestrado, que este estudo tenha contribuído não só para reduzir esse vazio, mas, sobretudo, no sentido de apontar caminhos para futuras investigações. Ou seja, apresenta-se, aqui, uma “Obra Aberta” (ECO, 2005).

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ARQUIVOS PESQUISADOS

Arquivo da Secretaria dos Conselhos Superiores (SOC/UFBA) – Arquivo do CONSUNI

Setor de Arquivo da Biblioteca Central do Estado da Bahia – Documentação do jornal A Tarde

ANEXO – CARTA DE APRESENTAÇÃO DO PESQUISADOR

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APÊNDICE – QUESTIONÁRIO DAS ENTREVISTAS

1. O que representou a ditadura para o Brasil?

2. E para a UFBA?

3. Você sofreu ou identificou algum tipo de repressão dentro da UFBA? Caso sim, como exatamente?

4. Você acredita que institucionalmente a UFBA contribuiu para a repressão durante a ditadura? Caso sim, de que forma?

5. Como os apoiadores da ditadura se comportavam dentro da UFBA?

6. É sabido que muitas instâncias da UFBA aprovaram moções em apoio ao golpe. Você acredita que a universidade institucionalmente apoiou esse levante?

7. Como ocorreu a resistência a ditadura na UFBA?