A PRESERVAÇÃO DA MATA PRETA NO OESTE DE E A CRIAÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO 1

Samira Peruchi Moretto 2 Esther Mayara Zamboni Rossi 3 Eunice Sueli Nodari 4

RESUMO

A Floresta Ombrófila Mista (FOM) ocupava 42,5% da área do Estado de Santa Catarina. Após passar por um intenso processo de desmatamento, durante o século XX, os remanescentes desse ecossistema, atualmente estão avaliados em 0,07%. Visando a conservação da floresta, o governo federal criou, por meio de decreto do presidente da República, datado de 19 de outubro de 2005, o Parque Nacional das Araucárias, nos municípios de e , com uma área inicial de 12.841 hectares e a Estação Ecológica da Mata Preta, no município de , com 6.563 hectares. O objetivo da pesquisa foi investigar como ocorreu o processo de desmatamento e os desdobramentos para a criação das unidades de conservação no . Para discutir a história do desmatamento e a conservação da flora, é necessário analisar a correlação dos seres humanos com o meio natural. Para atingirmos os objetivos propostos, utilizamos diferentes tipos de fontes, condizentes com uma pesquisa interdisciplinar: 1) A documentação oficial: a) relatórios de governo; b) legislação estadual e municipal; c) os censos demográficos; d) processos de criação das Unidades de Conservação; 2) Os periódicos regionais e estaduais. Esses documentos permitiram que observássemos como a região foi constituída e as discussões para a criação das Unidades de Conservação e as consequências de tal medida para o meio ambiente e os diferentes grupos sociais envolvidos.

PALAVRAS-CHAVE: Floresta Ombrófila Mista. Parque Nacional das Araucárias.

ABSTRACT

The FOM occupied an area about 42,5% of the Brazilian state of Santa Catarina. After a intense deforestation process, during the 20th century, the remaining of this ecosystem available today is about 0.07%. Aiming the forest conservation, the Federal Government created, by a President Decree, on October 19th, 2005, two Conservation Units. The "Parque Nacional das Araucárias" (National Park of Araucarias ), was created within the area of two municipalities: Ponte Serrada and Passos Maia, with 12.841 ha. The Estação Ecológica da Mata Preta (Ecological Station (Park) of Black Forest (Araucaria Forest) was created within the municipality of Abelardo Luz, with 6.543ha. The main objective of this research was to investigate the deforestation process, and its consequences for the creation of the Conservation Units on the West of Santa Catarina. In order to write the history of deforestation and flora conservation it is necessary to analyze the relations between humans and the natural environment. With this methodology, in order to reach the proposed objectives, different kinds of sources were used, following the main idea of a interdisciplinary research: 1) Official Documentation a) Government reports

1 O presente trabalho fez parte da pesquisa: Araucária – símbolo de um Era: o Parque Nacional das Araucárias, a Estação Ecológica da Mata Preta (apoio financeiro do CNPq) e se constitui parte do Projeto Natureza Dominada : ocupação e desmatamento no Rio Grande do Sul e no Oeste de Santa Catarina (1875-1970) com apoio financeiro da Fapesc. Apresentado na ANPUH /SC 2010. 2 Doutoranda em História, Ufsc. Bolsista CNPq, [email protected]. 3Graduanda em História Ufsc. Bolsista CNPq, [email protected]. 4 Professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina – Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, [email protected].

b) state and municipal legislation c) demographic census d) Colonization companies reports; 2) Regional and State Periodicals. With these kind of sources, discussions about the creation and the consequences for the environment and the different social groups of the Conservation Units were created.

KEYWORDS : Araucária Forest. National Park of Araucárias.

INTRODUÇÃO

O oeste de Santa Catarina era originalmente ocupado pela floresta de araucária, denominada cientificamente como Floresta Ombrófila Mista (FOM), que é uma das fitofisionomias que compõem o bioma Mata Atlântica. Essa floresta é caracterizada pela presença predominante do pinheiro brasileiro ( Araucaria angustifólia). A araucária apresenta um tronco cilíndrico e reto, com a copa na extremidade e pode viver até 700 anos. A árvore é uma das espécies mais antigas da flora brasileira e resistiu a diferentes períodos geológicos:

Foi submetida às mais drásticas mudanças climáticas, conviveu com invasões e retrações marinhas, extinções de seres, mas no curto tempo de duas gerações humanas, não está resistindo às queimadas, ao fio dos machados e motosserras, disputas de terras, ausência de políticas publicas estratégicas, e a imperiosa cultura humana de domínio e posse. 5

Essa formação vegetal abrangia quase 37% do Estado do Paraná, 31% de Santa Catarina, e 25% do Rio Grande do Sul.6 No Estado de Santa Catarina, a área da FOM era de 40.807 km2, o que representava 42,5% da vegetação do Estado. A floresta de araucária tinha e ainda tem uma presença marcante na paisagem do Estado de Santa Catarina, contribuindo para a cultura, aparecendo como tema de canções, na literatura, em festas populares e na culinária. Atualmente a FOM encontra-se fragmentada, restando menos de 3% de sua área original, incluindo as florestas exploradas e matas em regeneração, e a maior parte desses remanescentes se encontram em áreas privadas. Ainda é pouca a representação da Floresta Ombrófila Mista em unidades de conservação, sejam federais ou estaduais. Os parques e reservas nacionais, estaduais, municipais e particulares, existentes em

5 KOCH, Zig; CORRÊA, Maria Celeste. Araucária: a floresta do Brasil meridiona l = Araucária: the meridional forest. Curitiba: Olhar brasileiro, 2002, p. 45. 6 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Processo de Criação da Estação Ecológica da Mata Preta no Estado de Santa Catarina. Brasília, 2005, v.1, p. 3 e 4. Santa Catarina, cobrem apenas 2% do território, área insuficiente para garantir a conservação da biodiversidade existente nas florestas do Estado. 7 Em função das perdas florestais, o governo federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, tomou medidas para conservar o remanescente desse bioma ameaçado. Uma dessas medidas foi a criação, por decreto do presidente da República datado de 19 de outubro de 2005, do Parque Nacional das Araucárias, nos municípios de Ponte Serrada e Passos Maia, com uma área de 12.841 hectares, e da Estação Ecológica da Mata Preta, no município de Abelardo Luz, com uma área de 6.563 hectares, como unidades de conservação. O objetivo da transformação das áreas em unidades de conservação foi preservar os ambientes naturais ali existentes, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação ambiental, recreação em contato com a natureza e turismo ecológico.

COLONIZAÇÃO E DESMATAMENTO

O processo de ocupação, e depois de expansão dos campos de cultivo, não se deu de forma sustentável para a floresta, uma vez que os recursos madeiráveis eram o eixo primário para concentração de . Eram os madeireiros e proprietários das companhias colonizadoras que faziam a extração das madeiras nobres, pois, em muitos casos, havia cláusulas nos contratos que não permitiam que os colonos fizessem a retirada para venda. E nos casos em que não havia essas restrições, eram feitas as extrações, ou melhor, a limpeza de toda a área para a agricultura. Na região específica em estudo, havia também sub-bosques a erva-mate. As companhias colonizadoras divulgavam a existência de lotes agricultáveis na região e a floresta servia como atrativo, em função dos recursos madeiráveis. Nos periódicos da região, havia anúncios e propagandas de colonizadoras, como exemplo, o anúncio da Empresa Colonizadora Ernesto F. Bertaso: “A propaganda de suas terras [terras da companhia] é feita pelos que já compraram e nelas residem”. 8 A empresa colonizadora Ângelo de Carli, Irmão & Cia. vendia os lotes das colônias de Irany e Ressaca, onde atualmente está situado o município de Ponte Serrada e anunciava em propaganda a infraestrutura existente para abrigar os compradores:

7 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Processo de Criação da Estação Ecológica da Mata Preta no Estado de Santa Catarina. Brasília, 2005, v. 1, p. 17. 8 Colonizadora Ernesto F. Bertaso. A Voz de Chapecó . 14 de Maio de 1939, ano I, n. 2, p. 2.

E as terras das fazendas de Ressaca e Irany são em sua maioria cobertas de mata branca adaptáveis à cultura de todos os gêneros coloniais, e dos mais Famosos Hervais ainda em ser desta região. Além das estradinhas carroçáveis por nós construídas, as nossas terras são atravessadas em toda a sua extensão pela única estrada estadual, desta zona, conservada e cada vez melhorada pelo governo estadual, pois pela mesma estrada passa a maioria dos produtos comerciais dos municípios de Chapecó e Cruzeiro, cujos escoamentos fazem pela estação Herval, onde existem importantes firmas compradoras e as quais exportam diretamente para São Paulo e Rio de Janeiro. A sede Ponte Serrada, que com um ano apenas de início já conta com uma bem montada serraria, diversas casas comerciais compradoras de qualquer produto, uma ótima escola dirigida por competente professor, um posto telegráfico, e uma igreja em construção. 9

O governo do Estado de Santa Catarina beneficiava-se com a exploração madeireira do oeste, pois mantinha alto o saldo de exportação do Estado. Por esse fato, foram autorizadas muitas concessões para a venda de pinheiros, como se pode observar na notícia do jornal A Voz de Chapecó, em 1950:

Espera-se para dentro de 20 dias a concessão de novas permissões pelo Banco Central da Republica Argentina para a importação de pinho brasileiro. A crise na exportação dos produtos do Sul do Brasil. Os governos dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul redigiram um memorial ao ministro da Fazenda expondo a grave situação que decorre da falta de exportação pelos portos daquelas unidades, decorrentes do reajustamento cambial das moedas de vários países importadores da produção do Sul do País. 10

A região foi alvo de intensa exploração. Em entrevista para a TV Cultura, um dos diretores da organização não governamental Condor comenta, em 2005, sobre esse processo de desmatamento e as primeiras iniciativas tomadas para sua contenção:

Com o desenvolvimento de atividades econômicas e também a partir da década de 1980, 1985 quando se iniciou o processo de reforma agrária no País, começando por Abelardo Luz – Então houve uma pressão muito grande no desmatamento no município de Abelardo Luz, tanto que ali pela década de 1990 nós tivemos um ano em que fomos campeões de desmatamento no Estado de Santa Catarina. Para tentar salvar o que sobrou da mata de araucária, foi criado em 2003 pelo Ministério do Meio Ambiente um grupo de trabalho

9 Propaganda de Colonização Ângelo de Carli, Irmão & Cia. Colônias Irany e Ressaca . Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, Porto Alegre, sem data. 10 Mercado Argentino. A Voz de Chapecó . 1º de janeiro de 1950, n 26.714, Coluna: 3/4, p. 14. Acervo Apesc. 50 integrado por representantes do governo federal, dos governos dos estados do Paraná e Santa Catarina, prefeituras, universidades e ONGs. 11

No final do século XX, a atividade de reflorestamento foi incentivada pelo governo estadual, que aprovou projetos para o “desenvolvimento florestal”, como o Programa Florestal Catarinense. A mensagem do governador Esperidião Amin Helou Filho à Assembleia Legislativa mostra como eram os incentivos para integrar o produtor rural à indústria madeireira:

Os beneficiários são os agricultores localizados nas regiões de interesses das indústrias florestais, cooperativas e outras organizações. Os investimentos em 1999 foram de R$ 700 mil, para reflorestar 3.500 hectares, atendendo 1.200 famílias de produtores, com antecipação de renda de R$ 200/hectare reflorestado, até cinco hectares. 12

No entanto, o reflorestamento da área antes ocupada pela floresta de araucária foi realizado principalmente com o Pinus elliotti , espécie exótica invasora, que competem e impedem a regeneração da floresta nativa. As espécies exóticas foram avaliadas como “grandes salvadoras” da economia por seu rápido crescimento. Dois fatores complementares contribuíram para a implementação do Pinus ssp no Sul do País:

primeiro a falta de matéria-prima e, segundo, a necessidade de abortar imediatamente a crise, evitando, assim, debandada de empresas madeireiras. A situação caminhou para uma solução imediatista naquele momento: o reflorestamento com espécies exóticas. 13

A CRIAÇÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO OESTE DE SC

As áreas protegidas não são conquistas da atualidade. Segundo o Ibama, “as áreas protegidas existem desde o ano 250 a.C., quando na Índia já se protegiam certos animais, peixes e áreas florestadas”.14 Também, os bosques comunais da Idade Média foram transformados em reservas senhoriais por interesses destes contra o corte tradicional da lenha pelas comunidades, além de garantir que a caça se tornasse também

11 SOUZA, Maria Zulmira. No estado de Santa Catarina, ambientalistas batalham para garantir a conservação de duas áreas remanescentes araucária – o pinheiro brasileiro, que está ameaçado de extinção. Acervo TV Cultura 25/12/2005. 12 Mensagem à Assembleia Legislativa, Esperidião Amim Helou Filho. Fevereiro de 1999. Acervo Apesc. 13 MORETTO, Samira Peruchi. Remontando a floresta [dissertação]: a implementação do pínus e as práticas de reflorestamento na região de (1960 – 1990). Orientadora, Eunice Sueli Nodari. Florianópolis (SC), 2010, p. 186. 14 Unidades de conservação aspectos históricos e sua evolução . Florianópolis: Ufsc. Cobrac, 2004. propriedade sua, resultaram em algumas das áreas ainda preservadas 15 . Entretanto, foi somente no século XIX que as unidades de conservação foram criadas com o objetivo de conservar a biodiversidade, o primeiro exemplo é o Parque Nacional de Yellowstone nos Estados Unidos, fundado em 1872. No Brasil, a primeira unidade de conservação foi o Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro em 1937.16 As primeiras unidades de conservação brasileiras foram criadas sem muitos critérios técnicos, o objetivo era preservar suas belezas aparentes. A partir de então, regras próprias de uso e manejo foram sendo desenvolvidas para melhorar a implantação e conservação das unidades de conservação. Foi somente em 18 de julho de 2000, pela lei federal nº. 9985/2000 que o Brasil instituiu legalmente o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza/SNUC, onde se estabeleceram critérios e normas para criação, implantação e gestão das unidades de conservação. O Ibama define unidade de conservação como:

(...) porções do território nacional, incluindo as águas territórios, com características naturais de relevante valor, de domínio público ou propriedade privada, legalmente instituídas pelo poder público, com objetivos e limites definidos, e sob regimes especiais de administração, aos quais se aplicam garantias adequadas de proteção.17

Atualmente as unidades de conservação podem ser divididas em diferentes tipologias, conforme seu tamanho, sua política de visitação, administração e sua finalidade. São elas: Proteção Integral – áreas denominadas parques nacionais, reservas biológicas, estações ecológicas, monumentos naturais e refúgios da vida silvestre; Uso Sustentável, com uso direto de parte de seus recursos, dentro desse nível são as áreas de proteção ambiental, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de fauna. Área de relevante interesse ecológico, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do patrimônio natural. Dessa forma, as duas unidades estudadas na presente pesquisa – o Parque Nacional das Araucárias e a Estação Ecológica da Mata Preta – se enquadram nas áreas de proteção integral.18

15 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. História das Paisagens. In: ______. CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia . Rio de Janeiro: Campus, 1997. 16 DECRETO Federal nº1.713 de 14/6/1937 – Criação do Parque do Itatiaia. 17 SCHENINI, Pedro Carlos, 2004. Op. Cit. p. 34. 18 MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Processo de Criação da Estação Ecológica da Mata Preta no Estado de Santa Catarina. Brasília, 2005. O intenso desmatamento aliado ao reflorestamento com espécies exóticas se transformou em uma ameaça para a preservação e a conservação da floresta nativa. Sabendo da situação crítica e buscando mais dados para servirem de subsídios para ações de preservação da floresta de araucária, foi realizado, em março e abril de 2001, um sobrevôo nas áreas entre os municípios de Jaraguá do Sul e Abelardo Luz. Em grande parte do percurso, foi verificada uma intensa fragmentação da mata de araucária, predominando a presença da floresta em áreas montanhosas. Analisando-a qualitativamente, os técnicos perceberam que essas formações secundárias eram pobres, sem trechos significativos de remanescentes primários. Nos municípios de Ponte Serrada e Passos Maia, houve um diagnóstico diferenciado, além da grande extensão de Pinus ssp , foi localizada uma porção significativa da Floresta Ombrófila Mista. Esse fragmento foi considerado de qualidade peculiar por possuir araucárias de grande porte bem distribuídas com um sub-bosque (que é toda a vegetação que se desenvolve em baixo da grande sombra da araucária), com grande diversidade, local onde hoje se encontra o Parque Nacional das Araucárias.19 No norte de Abelardo Luz, foram observadas áreas com floresta de araucária, mesmo havendo sub-bosques já degradados pela ação madeireira, ainda foi observada uma área preservada: esse local se tornou a Estação Ecológica da Mata Preta. “O estudo concluiu que mesmo este espaço magnífico está ameaçado, pois a grande fragmentação da mata no oeste do Estado prejudica a manutenção da floresta”. 20 Em novembro de 2003, o Ministério do Meio Ambiente deu início ao processo de criação de unidades de conservação (UC) em algumas das áreas de ocorrência da floresta com araucária nos Estados do Paraná e Santa Catarina. Trabalhos foram desenvolvidos por um grupo de profissionais denominado de Força-Tarefa, para dar andamento na instituição de unidades de conservação. O grupo foi constituído por 40 técnicos de 16 instituições, que percorreram mais de 41 mil quilômetros nos Estados do Paraná e Santa Catarina. O trabalho foi dividido em quatro etapas de visitas de campo, além de dois voos para visualização das referidas áreas. O objetivo desse trabalho era

19 CAMPANILLI, Maura; PROCHNOW, Miriam (orgs). Op.Cit. p. CAMPANILI, Maura; PROCHNOW, Miriam (organizadoras). Mata Atlântica – uma rede pela floresta. Brasília: RMA, 2006, p. 46-48. 20 Ibidem. p. 48-49. levantar dados para legitimar a criação de unidades de conservação e impedir a extinção desse ecossistema.21 Para os levantamentos da área, foram utilizados mapas e imagens de satélite de alta resolução, como também equipamentos de técnicas de geoprocessamento. Cada área remanescente foi avaliada a partir dos princípios da biologia da conservação, levando em conta a análise de fauna e flora, a ecologia da paisagem e a variabilidade genética das araucárias. Além disso, foram considerados aspectos geomorfológicos e hidrográficos, socioeconômicos, políticos e fundiários. Tais atividades, com outros levantamentos, foram encerradas em março de 2005.22 Nos processos de criação das unidades, todos os procedimentos de análise das áreas pretendidas foram descritos e, depois, atendendo a pedidos, foram auditados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). As equipes que avaliaram a região eram sempre acompanhadas por representantes de proprietários. Meses antes da efetiva aprovação da criação da Estação Ecológica da Mata Preta, o Ibama23 noticiou, no dia 21 de julho de 2005, algumas das intervenções legais:

José Nelson Dissenha, sua esposa, Suzete Contin Dissenha, Wilson Dissenha e a empresa Dissenha S/A ingressaram com uma ação na Justiça Federal de Chapecó (SC) contra a União e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Donos de terras localizadas dentro da área prevista para a reserva, eles pediam a suspensão da execução do projeto, pois não teriam sido cumpridas algumas exigências legais. No final de junho, a 2ª Vara Federal de Chapecó negou a liminar solicitada pelos autores da ação. Eles recorreram então ao TRF, através de um agravo de instrumento. No entanto, o desembargador Lippmann, relator do caso no tribunal, indeferiu o pedido. Ele entendeu que a lei não estabelece qualquer exigência no sentido de que eventuais estudos técnicos sejam efetuados antes ou depois da realização da audiência pública. Conforme o magistrado, não há informação de qualquer ato expropriatório em relação à terra de propriedade dos autores, “até porque o procedimento para estudo da área de conservação está apenas no início”.24

As consultas públicas realizadas nos municípios que abrigam as unidades de conservação foram motivo de polêmica e discussões. O canal de notícias on-line da emissora RBS, na ocasião, noticiou uma das tentativas de realizar as audiências nos municípios de Abelardo Luz e em Ponte Serrada, e mostrou que a Polícia Militar teve

21 MEDEIROS, João de Deus et al. Floresta com Araucárias: um símbolo da Mata Atlântica a ser salvo da extinção. : Apremavi, 2004. 22 REDE DE PROTEÇÃO ÀS ARAUCÁRIAS. ONG – Unidades de Conservação do Brasil . Disponível em: http://www.redeprouc.org.br/site2009/ Acesso em: 15 jul. 2010. 23 Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. 24 Mantida criação da Estação Ecológica da Mata Preta, na região de Chapecó (SC). Portal da Justiça Federal . Julho de 2005. Acesso em: 10 jun. Disponível em: http://certidao.jfsc.gov.br/jfsc2003/comsoc/noticias_internet/mostranoticia.asp?vcodigo=4286 de intervir, suspendendo os trabalhos pelo tumulto gerado. Na mesma matéria, o biólogo e coordenador do Grupo de Trabalho Araucária Sul, Maurício Savi, explicou ao ClicRBS os argumentos do Ministério para a criação das unidades:

(...) Maurício Savi lamentou a suspensão da reunião. Ele disse que já esperava um clima tenso em virtude de um trabalho de “inverdades” que estavam sendo disseminadas nas comunidades. E destacou que não são os 419 mil hectares que serão desapropriados e sim 16 mil hectares em Ponte Serrada e Passos Maia e 9 mil em Abelardo Luz. Savi afirmou, ainda, que a criação das unidades de conservação faz parte de medidas imprescindíveis para preservar o banco genético das araucárias. 25

Havia resistência por parte dos proprietários locais, quatro em Abelardo Luz e dez em Ponte Serrada e Passos Maia, atingidos pela demarcação das unidades de conservação. Além da oposição à criação, esses proprietários demonstravam não estarem dispostos a deixar suas fazendas por acreditarem que o governo não teria os recursos necessários para o pagamento das indenizações. 26 Inúmeras foram as moções e ofícios endereçados ao Ministério do Meio Ambiente, organizados pelos prefeitos dos municípios nas áreas que seriam transformadas em unidades de conservação. Nessas intervenções, a justificativa para a não criação das unidades de conservação era atribuída à importância das atividades que seriam afetadas como: agricultura, pecuária, madeireira e reflorestadora. Um desses ofícios foi expedido pela Fiesc 27 que afirmava ter um investimento do setor florestal correspondente a 300 milhões de reais, o qual resultaria num faturamento de 700 milhões 28 . Outros ofícios mostrando oposição à criação das UCs foram endereçados a Marina Silva, ministra do Meio Ambiente em exercício no ano de 2005:

A empresa Adami Madeiras S/A e Celulose Irani, instaladas em território catarinense, geram ali mais de 3 mil empregos (...) encontra-se licenciada pelos órgãos ambientais catarinenses e aprovada pela Aneel, num estudo de viabilidade para a implantação de uma usina de geração de energia, aproveitando os rios com potencial hídrico (...). 29

25 ALVES, Luciano. Clima tenso em audiência pública em Passos Maia Policiais armados acompanharam discussão sobre reserva no Oeste. A NOTÍCIA, Florianópolis, 22 de julho de 2005. 26 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente . Processo de Criação do Parque da Mata das Araucárias Volume III, p. 494. 27 Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina 28 OFICIO FIESC Nº321/2005. Florianópolis, 25 de abril, 2005. In: ______. Processo de Criação do Parque da Mata das Araucárias Volume III, p. 458. 29 BRASIL. Senado Federal. Ofício à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. 20 de abril de 2005. Mesmo com opiniões divergentes, as unidades de conservação foram oficialmente criadas na área dos municípios de Abelardo Luz, Passos Maia e Ponte Serrada. Ao entrarmos em contato com as prefeituras dos municípios, confirmamos que ainda não foi criada uma sede na Estação Ecológica da Mata Preta e no Parque Nacional das Araucárias. As atividades das empresas sediadas na área também continuam até o momento. Ao que tudo indica, estão sendo realizados os planos de manejo nas unidades de conservação que ainda contam com a presença de agricultores, serrarias e participantes do Movimento dos Sem-Terra dentro dos parques. A implantação de áreas protegidas dificilmente acontece sem entraves e condicionantes, que “impedem o seu efetivo funcionamento no que concerne tanto à gestão das áreas existentes quanto à integração dessas áreas às dinâmicas especificas de cada lugar.” 30 Muitos embates foram travados até o presente momento e, mesmo com a garantia da lei, muito ainda precisa ser feito para alcançar o objetivo dessa criação: que é preservar os ambientes naturais ali existentes remanescentes de Floresta Ombrófila Mista. Assim, possibilitando pesquisas científicas, o desenvolvimento de atividades de educação ambiental, como também a manutenção da biodiversidade local.

REFERÊNCIAS

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30 GARAY, Irene; BECKER, Bertha K. Dimensões Humanas da biodiversidade. O desafio de novas relações sociedade–natureza no século XXI. Petrópolis: Ed. Vozes, 2006, p. 174.

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