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Aborto nas novelas porque o homem obriga: o que podemos aprender com isso?

Nas duas novelas da faixa nobre das maiores emissoras do Brasil, Globo e Record, dois dramas semelhantes: as personagens femininas vão engravidar, fazer aborto em clínicas clandestinas e morrer.

(Universa, 16/06/2019 – acesse no site de origem)

No novela da Globo, A Dona do Pedaço, foi a triste história de Edilene (Cynthia Senek). A moça é filha do motorista da família Guedes, e se encantou pelo patriarca da família, Otávio (José de Abreu) depois de suas investidas. Otávio tem apenas uma filha adotiva, a influenciadora digital Vivi Guedes (Paolla de Oliveira), porque a esposa tem problemas para engravidar.

Edilene, então, viu na situação uma oportunidade de dar um filho a Otávio, na esperança de que ele a assumisse. Durante a semana passada, a novela já havia exibido capítulos em que ela fura as camisinhas que ele usa — só que ele fica muito bravo quando descobre sua gravidez e exige que ela faça um aborto.

A emissora não dá detalhes de como ocorreu o procedimento, apenas mostra Edilene já no hospital, sangrando até a morte, no braços do pai — que é motorista de Otávio, patrão que a obrigou a interromper a gravidez.

No caso da Record, uma emissora abertamente religiosa, a novela em que a personagem vai realizar o aborto, Topíssima, aborda assuntos de empoderamento feminino. Brenda Sabryna interpreta Jandira, menina ambiciosa que mora em um morro, mas procura um marido rico para sair das dificuldades. Ela acaba engravidando de um golpista que a seduz e morre devido ao procedimento. A atriz não se posiciona sobre a legalização do aborto do Brasil e já declarou que “não é feminista nem machista”, apesar de afirmar ser a favor de que mulheres e homens tenham os mesmos direitos. Jandira vai pensar em interromper a gravidez por influência do amante. O assunto deverá ser introduzido na trama nas próximas semanas.

“O aborto é um fato na vida reprodutiva das mulheres”, crava a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), médica ginecologista e obstetra Helena Borges Martins da Silva Paro. Ela também é coordenadora do Núcleo de Atenção Integral a Vítimas de Agressão Sexual do Hospital de Clínicas da cidade mineira.

A declaração incisiva da especialista está baseada nos dados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2016. O documento mostra que o aborto é um fenômeno frequente e persistente entre as mulheres de todas as classes sociais, grupos raciais, níveis educacionais e religiões. Para se ter uma ideia, segundo o estudo, naquele ano, praticamente 1 em cada 5 mulheres de até 40 anos já havia realizado pelo menos um aborto.

Em 2015, foram, aproximadamente, 416 mil mulheres. De acordo com o relatório há, no entanto, maior frequência do aborto entre mulheres de menor escolaridade, pretas, pardas e indígenas, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “Como já mostrado pela PNA 2010, metade das mulheres utilizou medicamentos para abortar, e a outra parte precisou ficar internada para finalizar o aborto”, ela diz.

De acordo com a especialista, no Brasil, é a 3ª causa mais frequente de morte materna. Já o aborto seguro e legalizado, feito com apoio e orientação de uma equipe de saúde, tem 14 vezes menos risco de morte do que um parto, segundo levantamentos apontados por ela. A descriminalização, então, seria uma das maneiras se de evitar essas mortes.

Quem morre mais é a mulher negra

“No Brasil, sofre quem faz o aborto inseguro: quem não tem acesso a uma clínica clandestina, ou dinheiro para a compra de medicação clandestina — que é barata, mas por ser ilegal, acaba sendo traficada a preços exorbitantes. São as mulheres de uma classe social mais baixa e da cor preta as que mais morrem”, ela declara.

Como alternativas, ela cita a educação sexual nas escolas. “Isso para que todas as pessoas — homens e mulheres — estejam conscientes de métodos contraceptivos seguros para exercício da atividade sexual com liberdade e autonomia”, opina a professora. O assunto, no entanto, divide a opinião pública e há quem defenda que não se deva falar disso na sala de aula. Outro jeito de evitar a gravidez é garantir acesso a serviços de planejamento familiar como DIU, que é eficiente e seguro.

O perigo do aborto caseiro, no desespero

Ela exemplifica com resultados da Romênia. Nos anos 60, o governo ditatorial proibiu métodos contraceptivos e aborto porque havia um preocupação muito grande com a baixa natalidade: a população estava diminuindo. O resultado foi um grande aumento da mortalidade materna.

“Quando o aborto voltou a ser legalizado e o acesso a contraceptivos, facilitado, na década de 90, a mortalidade caiu mais de 90%”, explica.

Sem amparo da lei, mulheres que não vêem outra alternativa senão o aborto acabam realizando procedimentos como introdução de objetos pontiagudos na vagina — cabides, agulhas ou até mesmo talo de mamona. Quando não morrem, acabam tendo infecções graves no útero que causam infertilidade.

Mas isso é assunto de novela?

Trazer um assunto polêmico como esse à tona na TV pode suscitar uma discussão construtiva e enriquecedora. Rodrigo Casemiro, psicólogo junguiano e dramaturgo acredita que, se a TV aborda um assunto polêmico, traz esclarecimento de informações e criação de empatia pelo outro. “Quando o personagem assume uma voz, a população se identifica.”

“Geralmente, a novela traz essas duas visões. É fácil julgar sem estar passando pela situação. Mas quem está na situação, quer acolhimento”, diz ele, que acredita que as cenas podem fazer com que o público compreenda a situação.

Além disso, Casemiro lembra que em lugares muito afastados do Brasil, muitas pessoas não têm acesso a informações — o que também pode acontecer nos grandes centros. Mas pelo menos uma televisão na sala, quase todo mundo tem.

“Quando a novela traz um assunto desse, está mexendo numa camada muito profunda de conceitos e preconceitos da sociedade. É interessante, por que causa essa fricção de opiniões, esse debate”, conclui o psicólogo.

Camila Brunelli

Globo, Record e SBT têm, em média, apenas 8% de atores negros em novelas

Há apenas 7,98% de atores negros trabalhando na dramaturgia das três principais emissoras do país, atualmente, segundo levantamento feito pela reportagem do UOL. O cálculo levou em conta as novelas que estão no ar ou em produção na Globo, na Record e no SBT, e o elenco divulgado por cada uma delas.

(UOL, 16/05/2018 – acesse no site de origem)

Enquanto “As Aventuras de Poliana”, que estreia nesta quarta (16) no SBT, é a trama que possui a maior representatividade negra (14,5%), a global “” possui apenas um ator negro. Já em “Apocalipse”, da Record, dos 81 atores que constam na ficha técnica, apenas dois são negros –ou 2,46% do total.

A discussão sobre o assunto foi levantada no final de abril, depois de ativistas de movimentos negros reclamarem nas redes sociais sobre o fato de a nova novela das 21h da Globo, “”, ser formada majoritariamente por brancos. A história escrita por João Emanuel Carneiro se passa na Bahia, onde 80,2% dos habitantes se declararam pretos ou pardos, de acordo com os dados de 2017 do IBGE.

Para Sidney Santiago, ator, pesquisador e ativista, a televisão tem se tornado a ferramenta mais eficaz para a manutenção do racismo. “Quando o povo não se vê, não se acha merecedor de direitos. Nós, atores negros, ainda estamos atrelados a uma rubrica. São 200 personagens em uma novela, você tem três negros, e todos eles são pessoas desumanizadas, que não têm a sua história contada”, critica.

“O problema não é ser empregada doméstica negra, o problema é essa empregada doméstica negra não ter família, não ter afetividade, ser despolitizada. É contra isso que nós precisamos lutar”, afirma ele, que participou de novelas como “Caminho das Índias” (Globo) e “Escrava Mãe” (Record), referindo-se aos estereótipos.

Santiago não acredita na tentativa real de mudança por parte das emissoras. “Eu não vejo uma mobilização real. Não estou falando de factóide, de produção de nota, de campanhas de inclusão de um dia para a noite. O que a gente está vendo é isso: a partir de um clamor social, uma mobilização, mas, para mim, ainda não é uma mobilização real. São factóides para tentar se relacionar com o clamor público.”

Após a polêmica, a TV Globo emitiu nota dizendo que “foi colocado que, de fato, ainda temos uma representatividade menor do que gostaríamos e vamos trabalhar para evoluir com essa questão”. Record e SBT também foram consultadas, mas não responderam aos questionamentos até a conclusão deste texto.

Autora de “As Aventuras de Poliana”, Íris Abravanel disse ter dificuldade de encontrar atores negros para compor os elencos durante o lançamento da novela infanto-juvenil do SBT, na semana passada.

“Quando nós procuramos atores, não é fácil encontrar ator afro. Nós temos dificuldade de encontrar. Eu acho que eles precisam eles mesmos superarem algumas dificuldades e ir para frente, conquistar. Eu fico tão feliz quando eu vejo alguém que consegue ser um advogado, um médico, um ator. Às vezes quando pedimos, não tem muitos não. Então, aquilo que nós conseguimos, nós aproveitamos”.

Fabiana (Fernanda Rodrigues) é presa ao lado de mulheres negras em cena exibida em “ Lado do Paraíso” (Imagem: Reprodução/TV Globo)

Discussão “ridícula e esquisita”

Na contramão de outros atores, a veterana Ruth de Souza, uma das primeiras atrizes negras a ganhar papel de destaque em uma novela, considera os tempos de hoje como “melhores” em relação à escalação de atores negros, mas avalia como “ridículo e esquisito” ter que discutir sobre o tema na dramaturgia.

“Está bem diferente de antes, agora está melhor, temos mais atores e atrizes [negros] e [as novelas] estão misturando casamento de negro e branco, tem até juíza [negra]”, afirma a atriz de 97 anos, que fez participação recentemente na série “Mister Brau”.

“A carreira de ator é ruim para qualquer um. Acho ridículo e esquisito o brasileiro discutir sobre negros e brancos. Na minha família, por exemplo, tem negro, japonês, tem um monte de raças. Eu acho que precisamos gostar é do ser humano, não importa a raça dele”, completa. Dona Ruth, que diz nunca ter sofrido com racismo –“ou se sofri, eu não vi”– cita como exemplos de representatividade na televisão, além da juíza Raquel, interpretada por Erika Januza em “O Outro Lado do Paraíso”, a jornalista Maju Coutinho, que apresenta a previsão do tempo no “JN”.

Medidas judiciais

Na última sexta, oMinistério Público do Trabalho (MPT) enviou uma notificação à TV Globo em que pede que a emissora faça adaptações em “Segundo Sol” e em outras programas da emissora. O órgão deu um prazo de dez dias para que a emissora possapropiciar “ a representação da diversidade étnico-racial da sociedade brasileira”.

Em entrevista ao colunista do UOL, Mauricio Stycer, a procuradora Valdirene Silva de Assis, à frente da recém-criada Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade e Combate à Discriminação no Trabalho, diz quea notificação feita à Globo é “um passo preliminar de uma atuação mais efetiva” e que o órgão deve bater na porta de outras emissoras.

“Pretendemos que estas emissoras abram este debate. Revejam as suas práticas. As emissoras não fazem isso sozinhas. É um reflexo desta situação”.

No Congresso, o deputado federal Marco Antônio Cabral (PMDB-RJ) apresentou no dia 11 de abril um projeto de lei no qual obriga emissoras de rádio e TV a terem, no mínimo, 30% de negros em suas respectivas áreas, inclusive a dramaturgia. Se aprovada, a proposta atingiria emissoras de TV públicas e privadas.

Nas redes sociais, o parlamentar justificou o projeto. “O sistema de cotas no ensino superior hoje faz a diferença diminuindo a histórica desigualdade entre brancos e negros nesse país. O Brasil é um país racista, e por isso precisamos quebrar essas barreiras”.

Gilvan Marques “Mercado ouve ou quebra”, diz Taís Araújo sobre presença de negros na TV

Defensora dos Direitos das Mulheres Negras da ONU Mulheres, Taís Araújo comentou as críticas de que foi alvo a novela “Segundo Sol” pelo seu elenco com pouca representatividade negra em uma trama ambientada na Bahia, berço da cultura afrobrasileira.

(Universa, 15/05/2018 – acesse no site de origem)

“[A emissora] ouviu, reconheceu e está trabalhando para tentar de alguma maneira suprir isso, que eu acho que é um caminho natural. Cabe ao mercado ouvir as demandas sobre os temas de que estamos falando — feminismo, racismo, desigualdade racial –, senão ele vai quebrar”, acredita.

“As gerações mais novas já sabem o que querem e, se o mercado não apresentar o que eles querem, eles vão para outro lugar que apresente. Tem muito de tudo e tem onde encontrar”.

Casamento de sucesso

Taís e Lázaro Ramos estão casados há 14 anos, mas há dez o casal passou por um período de separação, que hoje a atriz avalia ter sido fundamental para a durabilidade da relação.

“Sabe o que temos que fazer na vida em relações? Temos que fazer renovações de contratos”, explicou à Universa após um debate sobre empoderamento feminino e o papel da mulher no mercado de trabalho nesta segunda-feira, (14), promovido pela marca de acessórios Morana, no Centro Universitário Belas Artes, em São Paulo.

Para ela, é importante renegociar, sempre, as posições de cada um na relação. “Os contratos vão mudando porque nós vamos mudando. Se você fica com um contrato velho que não cabe mais no mundo de hoje, no seu comportamento de hoje… Pode esquecer”, acredita.

“Foi isso com a gente, as cláusulas foram mudando. Éramos muito novos. A vida dos dois mudando, muito mais a do Lázaro do que a minha. Era muita novidade e, de repente, a gente viu que a gente se gostava, mas daquele jeito não estava legal”. Ela ainda revela que, quando retomaram o casamento oito meses depois, o arranjo entre eles já havia mudado.

Desde então, eles se tornaram pais de Maria Antônia, 3, e João Vicente, 6, produziram juntos dois trabalhos de sucesso: a peça de teatro “O Topo da Montanha”, sucesso de crítica e público; e a série “Mister Brau”, na quarta temporada na Globo.

Carolina Martins

MPT quer adequações em novela da Globo para garantir representatividade racial

Além de questionar nova novela Segundo Sol, órgão pede levantamento sobre número de negros na emissora

(Jota, 11/05/2018 – acesse no site de origem)

O Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro (MPT-RJ) encaminhou um documento à Rede Globo para que a emissora adeque o roteiro e a produção da novela “Segundo Sol“, que vai estrear na próxima segunda-feira (14/5), às 21h, para que o folhetim tenha uma “devida representação racial”. Leia a íntegra.

Ambientada na Bahia, estado com o maior percentual de população negra do Brasil, a novela tem sido alvo de críticas pelo baixo número de atores negros em seu elenco.

Segundo o MPT, que enviou 14 recomendações à emissora, chegou ao órgão uma denúncia no sentido de que a Globo “não estaria observando o respeito à representatividade negra, violando inclusive normas de promoção da igualdade do estado do Rio de Janeiro e da Bahia”.

No item 12 do documento, o MPT pede que sejam feitas “adequações necessárias no roteiro/produção, para observância dos princípios orientadores do Estado Democrático de Direito, entre estes a proibição de discriminação (artigos 3º e 5º da CRFB/88), traduzida de forma específica em relação às produções dos meios de comunicação nos artigos 43 e 44 da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 – Estatuto da Igualdade Racial”.

O órgão diz que a Globo deve “assegurar a participação de atores e atrizes negros e negras em novelas e programas, dentre outros produtos, a fim de propiciar a representação da diversidade étnico-racial da sociedade brasileira, especialmente em cenários de população predominantemente negra”.

Além disso, a Globo deverá comprovar nos autos as providências adotadas, em 10 dias, “no que tange às medidas adotadas em relação à participação de atores e atrizes negros e negras na novela Segundo Sol”.

De acordo com os procuradores do Trabalho que assinam a peça, o descumprimento da recomendação poderá caracterizar “inobservância de norma de ordem pública”, cabendo ao Ministério Público “convocar a empresa recalcitrante para prestar esclarecimentos em audiência e, eventualmente, firmar termo de compromisso de ajustamento de conduta, previsto na Lei 7.347/85, art. 5º e 6º, ou propor ação judicial cabível, visando à defesa da ordem jurídica e de interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Além de recomendações à nova novela, o MPT ainda quer a elaboração “imediata” de um censo dos trabalhadores que prestam serviços à empresa, empregados ou não, com recorte de raça/cor e gênero, de forma integral e com indicadores de gerência e diretorias. A Procuradoria ainda pede um levantamento sobre a representação das pessoas negras e o número de artistas negros e negras que aparecem em telenovelas, séries, propagandas, programas de entretenimento entre outros produtos, produzidos pela empresa bem como o de jornalistas e comentaristas.

Procurada, a Globo informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que reafirma que “respeita a diversidade e repudia qualquer tipo de preconceito e discriminação, inclusive o racial”. A emissora confirmou que recebeu a nota do MPT.

Guilherme Pimenta

Participação de negros em novelas evolui, mas ainda é longe do Brasil real

Com personagens negros em destaque, “O Outro Lado do Paraíso” entrega o que Walcyr Carrasco prometeu desde o anúncio da trama ao abordar o racismo.

(UOL, 30/03/2018 – acesse no site de origem)

A personagem escolhida para ser o fio condutor das polêmicas que envolvem o tema é Nádia (Eliane Giardini), mulher branca que fez o diabo para separar o filho Bruno (Caio Paduan) de Raquel (Erika Januza), uma negra, e na última semana destilou seu fel racista sobre o neto, que antes mesmo de receber um nome teve de passar por um teste de DNA para provar que é filho de Diego (Arthur Aguiar).

Leia mais: Ancine anuncia cotas de gênero e raça em edital para produção de filmes (UOL, 29/03/2018)

Assim como em “Outro Lado”, ao longo da história da teledramaturgia brasileira, os negros ganharam destaque nas novelas quando o racismo é abordado de forma clara, mas será que não há mais espaços para personagens negros? Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que sim.

Tramas de época que tinham o tema escravidão, como as emblemáticas “Escrava Isaura” e das duas versões de “Sinhá Moça”, além de “”, que falava do Brasil pouco depois da abolição, tinham por obrigatoriedade trazer mais personagens negros do que os demais tipos de novelas.

Especialistas apontam que ao longo de pelo menos 40 anos de teledramaturgia, para além das novelas de época, a presença de personagens negros evoluiu na TV brasileira. Houve um aumento da participação nos anos 1980 por conta das tramas de época, uma queda nos anos 1990 com a diminuição desse tema e uma leve subida a partir dos anos 2000.

Se a população de pretos ou pardos no país é de 54%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as novelas deveriam ter mais pessoas que representam essa fatia, como aponta o pesquisador, cineasta e escritor Joel Zito Araújo, autor de “A Negação do Brasil”, documentário lançado em 1999.

“Embora haja um esforço para evitar estereótipos e situações desagradáveis que estimulam a baixo autoestima da população negra, ela continua quase insignificante como representação.”

Além da quantidade ainda não ideal de personagens negros, há ainda os estereótipos. Araújo destaca o esforço dos próprios atores negros para acabar com esse estigma.

“Os tipos humanos, a cor de pele, dos olhos e cabelos que estão na TV parece querer passar que não somos um país negro, mas um país branco, nórdico. É o ideário de embranquecimento do século 19. Quem liga em nossas novelas e séries pensa que nos Estados Unidos há mais negros que aqui, quando os pretos e pardos lá são 13%”, explica o pesquisador. “Eu migrei para o Netflix e Amazon também porque a dramaturgia deles começou a contemplar personagens negros como heróis, como vilões interessantes, entre outros perfis que a nossa TV está longe de alcançar. Mas há também um esforço dos atores que tentam fazer esse trabalho de educação para a mudança. Eles gastam uma quantidade enorme de energia pessoal. Houve uma evolução produtiva, mas o ideário do branqueamento não foi mexido”, ressalta.

Caricatura para tratar racismo

Para além dos números, os pesquisadores do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa) identificam uma circunstância que aparece em algumas tramas que tratam a questão do racismo abertamente, como acontece em “Outro Lado”: a forma caricata como o racismo é apresentado.

Nádia é um exemplo claro do que explica o sociólogo e coordenador do Gemaa, Luiz Augusto Campos.

“Geralmente usam uma caricatura para tratar o racismo. O racista também é homofóbico, tem uma série de preconceitos, é um meio vilão. Dificilmente tem outra abordagem”, disse o especialista.

Se formos para trás das câmeras, como diz Campos, a situação ainda é menos representativa para a população negra.

“São ainda menos diretores, produtores e roteiristas negros. Por mais esforços que façam para aumentar o casting de negros, a evolução ainda é muito lenta atrás das câmeras”, afirma Campos sobre outro motivo que pode explicar porque o Brasil das novelas é ainda tão branco.

Carolina Farias Conselho de Psicologia diz que Globo “presta desserviço” com caso sobre abuso em novela

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou nota em seu site, nesta segunda-feira (5), onde acusa a TV Globo de “prestar um desserviço à população brasileira” ao tratar com “simplismo” o sofrimento psíquico de personagem que sofreu de abuso sexual na infância. (Leia o comunicado, na íntegra, aqui)

(UOL, 05/02/2018 – acesse no site de origem)

O CFP se refere à história da personagem Laura (Bella Piero), em “O Outro Lado do Paraíso”. A jovem ainda sofre com sequelas físicas e psicológicas dos abusos que sofreu do padrasto, Vinicius (Flávio Tolezani), na infância.

Na nota, o Conselho afirma que “é consenso no Brasil de que pessoas com sofrimento mental, emocional e existencial intenso devem procurar atendimento psicológico com profissionais da Psicologia, pois são os que têm a habilitação adequada.”

Leia mais: Novela da Globo trata pedofilia com ação paga: merchan divide coachs e revolta psicólogos (Tele Padi, 06/02/2018)

A emissora emitiu nota sobre o assunto: “As novelas são obras de ficção, sem compromisso algum com a realidade. A Globo reconhece a importância de todos os seus programas para discussões e reflexões sobre assuntos de interesse da sociedade e está atenta à responsabilidade que lhe é atribuída sobre todos os temas abordados. O que a novela ‘O Outro Lado do Paraíso’ quer mostrar com o desenvolvimento da trama da personagem Laura é o processo pelo qual passa uma pessoa que precisa de ajuda, recorrendo a diferentes e variadas formas de apoio e terapias, das mais às menos ortodoxas. É importante reiterar, ainda, a seriedade com que a novela ‘O Outro Lado do Paraíso’ tem abordado, desde a estreia, questões relacionadas a diferentes tipos de abuso e preconceito. Corroborando o compromisso da Globo com a sociedade, está prevista a exibição, ao final de alguns capítulos, de cartela de divulgação do Ligue 100, número oficial para denúncias de violação de direitos humanos”.

Até quando as negras serão domésticas na sua novela?, por Stephanie Ribeiro

A colunista Stephanie Ribeiro reflete como as emissoras de TV brasileira representam os negros, em personagens que são pobres, sofrem e estão presos a trama única que é enfrentar o racismo

(Marie Claire, 07/11/2017 – acesse no site de origem)

Confesso que adoro novelas, mesmo que meus amigos mais “conceituais” abusem da fala: “Desliga a TV”. Eu realmente acho importante me inteirar do que vem sendo veiculado no meio de comunicação que atinge a maior parte dos brasileiros, e adoro perceber como existe uma influência da internet na programação dos canais. Sendo assim, não acho que a Rede Globo, a maior emissora do País, que se gaba de atingir mais de 100 milhões de pessoas por dia, tenha uma novela teen em que se aborda racismo diariamente, simplesmente porque eles são legais e preocupados com essa questão. Acredito que a pauta racial no Brasil e no mundo ganhou visibilidade com as redes sociais, e ficar fora disso seria perder um filão enorme de público – e esse sim é o motivo. Os atores Caio Paduan e Erika Januza em cena da novela O Outro Lado do Paraíso (Foto: Divulgação Rede Globo)

Entretanto, mesmo que a pauta racial pareça em alta, a forma como ela vem sendo abordada me soa um tanto quanto mais do mesmo, e isso provavelmente se dá pela ausência de pessoas negras com consciência racial com poder final de decisão. Se a nova Malhação conta com discursos mais enfáticos sobre o racismo ser uma opressão enfrentada por negros, evidentemente isso tem a ver com o fato de uma de suas roteiristas ser uma mulher negra que está no radar dos debates raciais e de gênero – dois fatos que parecem detalhes, mas que mudam toda a forma de abordar esses assuntos. Tanto é assim que, em 2016, a Rede Globo estreou sua primeira Malhação com uma protagonista negra onde existia falas antiracismo, porém o final da novelinha foi Joana (personagem de Aline Dias) e sua meia-irmã racista casando juntas superando a “rivalidade”, como se o racismo acabasse com véu e grinalda. Aline Dias, que interpretou a personagem Joana em Malhação (Divulgação/TV Globo)

Preguiça. Racismo é violência, cometeu racismo e está arrependido? Vá para uma delegacia, faça denuncia por crime de racismo ou injúria racial e lide com as consequências do seu crime. E isso serve para violência de gênero também, pensando no personagem Gael, da novela Outro Lado do Paraíso e no seu provável arrependimento. Arrependimento bom, não é só o do choro e do pedido do perdão. É aquele que a pessoa pega seu corpinho e suas lágrimas, vai para a delegacia e se autodenuncia. Violência contra mulher é crime. Racismo é crime. E precisam ser tratados como tal.

Enfim, voltando para a Malhação de 2016: logo que foi anunciado que teríamos a primeira protagonista negra, ficamos sabendo que ela também seria faxineira. Nas minhas redes sociais, surgiu um movimento de negação a essa narrativa e boicote vindo de negros. Vale lembrar que, em 2014, quando a série Sexo e as Negas foi anunciada, fizemos a mesma coisa, e me incluo no grupo de pessoas que negou totalmente essa narrativa que colocava a mulher negra num lugar de subalternidade profissional e sexual. Estranhamento, mesmo que a série tenha sido baseada em Sex an the City, no seriado da Globo não víamos escritoras, advogadas, produtoras, donas de casa ricas, mas, sim, mulheres negras pobres ligadas a trabalhos subalternos, numa narrativa que o racismo era usado para piadas irresponsáveis. Num dos episódios que assisti, uma personagem, após sofrer retaliações racistas de um segurança, transava com ele no fim do episódio. Oi?

Os atores Rafael Machado e Karin Hills em cena da série O Sexo e as Negas (Foto: Divulgação/TV Globo)

Sobre o excesso de mulheres negras como faxineiras, empregadas, babás, não teríamos problema nenhum nessa representação, caso ela não fosse a única que as emissoras de TV fazem de nós. E sabemos muito bem que Sexo e as Negas teve uma audiência muito baixa, e que uma série como Mister Brau tem por sinal uma audiência tão boa e surpreendente que continua sendo renovada. Um exemplo que o protagonismo negro precisa ser revisto nessa “inclusão” das nossas pautas, não só para que haja boas audiências, mas para que haja discursos com responsabilidade social. Na Malhação, a protagonista Joana era pobre, não tinha completado os estudos, era filha de mãe solteira que já tinha morrido e começou a novela como faxineira. O que a Globo não esperava, e talvez nem mesmo os ativistas negros, era que o público da novela que tem entre 15 e 17 anos começaria, ele próprio, a reclamar sobre a posição de Joana na narrativa. Os jovens comentaram na página do Facebook de Malhação que odiavam ver a Joana com aquele cabelo preso e uniforme, porque ela soava muito submissa e, isso, em 2016, não fazia mais sentido para uma juventude que liga um YouTube e um Netflix e se depara com mulheres negras pautando o que é estética, o que é empoderamento e o rumo de suas vidas e carreiras. Desculpe, mas era ridículo pressupor que a juventude quer uma narrativa estilo Maria do Bairro com uma menina negra em 2016, mesmo ano em que os negros jovens brasileiros estavam fazendo o capital girar entre nós com seu tombamento.

Tais Araujo e Lázaro Ramos, protagonistas da série Mr. Brau (Foto: (Divulgação/TV Globo)

Muitos de nós somos filhos de mulheres que limparam privadas e fizeram muita faxina, exatamente para gente não ter que limpar privada e fazer faxina. Então, por favor, as novelas deveriam nos poupar de tentar indicar a faxina como sendo nosso lugar único. Na própria Malhação, por mais que a tal Joana tenha mudado de lugar social, ela continuou sendo a garota negra num mundo branco – e isso é norma em novelas brasileiras. Os roteiristas, em geral, não se dão conta de que suas personagens negras são severamente isoladas do contato com outros negros. Negros não têm pais negros, geralmente as personagens são filhas de mães solteiras que morrem ou aparecem muito pouco. Lembra da Preta, interpretada porTais Araujo, em Da Cor do Pecado? A mãe morre logo no início da trama.

Atores em cena da série Black Ish (Foto: Divulgação)

Em folhetins brasileiros, vejo negras sendo retratadas como fortes de um jeito desumano, uma força que tem que responder sempre à violência racista, de gênero e classe a que são submetidas. Ao mesmo tempo que são totalmente solitárias a espera de um homem branco, que funciona como um príncipe perfeito, imune ao racismo e pronto para lutar pelo amor do casal, salvando a amada da violência de gênero, raça e classe. Eu realmente fico muito, muito incomodada como todas as personagens que citei aqui, salvo a Marilda, todas as personagens negras se envolvem com homens brancos que estavam em situação privilegiada financeiramente e eram tidos como príncipes.

A Preta (Tais Araujo) e o Paco () se apaixonam, o Paco é rico e o pai dele acha que Preta é uma interesseira por ser negra e pobre, ela sofre muito na mão de Bárbara (), a ex-namorada de Paco, uma mulher racista. No fim, Paco e Preta terminam juntos, vencendo o racismo do pai e as desigualdades, esse basicamente é o roteiro de Da Cor do Pecado.

As personagens negras também não têm amigos negros, elas, inclusive, muitas vezes são apenas as amigas negras que servem como apoio para o sofrimento da amiga branca, exemplo recente disso é a personagem de Dandara Mariana como Marilda, a amiga da Ritinha Isis( Valverde) em A Força do Querer. As personagens de mulheres negras também são geralmente mãe solteiras, só lembrar deCamila Pitanga como a Regina em Babilônia. Existe problema nisso? Não. Eu mesma sou filha de mãe solteira. Entretanto, quando assisto uma série como Black-Ish, que vem se tornando um sucesso de público nos EUA, vejo uma família negra com mãe médica e pai publicitário, discutindo temas da vida real como depressão pós- parto, assim como em Insecure, em que há mulheres negras com problemas humanos, e não apenas sendo vítimas de racismo dos parentes brancos do namorado. Parece que sofrer na mão do sogro, da sogra, do meio-irmão racistas é o nosso único drama em novelas.

Em Malhação (2016), 12 anos depois de Da Cor do Pecado, Joana é a faxineira que vai trabalhar numa academia e, lá, se apaixona por um jogador de vôlei (Gabriel), que faz sucesso. Joana então começa a sofrer humilhações da dona da academia e também namorada desse garoto, outra Bárbara. E ai Joana se apaixona por Giovane, irmão do Gabriel, e passa a sofrer racismo da sogra, que não aceita o filho com uma negra ex-faxineira. O enredo de novela teen, agora, ganhou um novo status quando chegou na novela O Outro Lado do Paraíso, em que Erika Januza interpreta Raquel, uma empregada doméstica quilombola, que começa a namorar Bruno (Caio Padua). Por conta desse namoro, ela passa a sofrer um racismo ainda mais violento da “patroa” e agora sogra, Nádia.

Quando vi as chamadas dessa novela, pensei: “Nossa mais uma vez isso?”

E aí, comentando com alguns amigos atores, me falaram que essa novela vai ter uma “reviravolta” e que eu tinha que esperar. Infelizmente, esses meus amigos, e os roteiristas, produtores, canais de televisão, esqueceram que nós pessoas negras estamos esperando já há mais de 300 anos depois da abolição por uma representação que não seja mais do mesmo. Cansamos do homem negro traficante/bandido/safado, do casal interracial que tem que superar o racismo e da negra empregada que sofre racismo da sogra(o) branca(o). Cansativo ter que esperar uma “reviravolta”, quando em 2017 a gente tem todo o embasamento e a possibilidade para começar uma novela colocando uma mulher negra em outro lugar, para fazer novelas protagonizadas por casais negros e para ver famílias negras que vivem unidas e plenas. Como seria se a A Grande Família fosse interpretada por atores negros? Mas os roteiristas parecem não conseguir escrever personagens negras que não sejam socialmente marginalizadas. Um exemplo disso é a personagem Leila, de Lucy Ramos, em A Força do Querer, que sumiu, pois ela só serviu de apoio dramático. Reynaldo Gianecchini e Tais Araujo em cena de Da Cor do Pecado (Foto: Divulgação/TV Globo)

Duvido que se ela fosse uma faxineira, sofrendo o racismo da família, ela sumiria com a facilidade que sumiu por ser una arquiteta nas mãos de uma roteirista que, provavelmente, não sabe escrever sobre negras arquitetas com a mesma facilidade que o faz sobre negras pobres sofrendo racismo a espera de um homem branco para salvá-las. Afinal, em todas as novelas, o parceiro branco se destaca como alguém superior por namorar uma negra.

Cansativo como todos os roteiristas brasileiros são graduados em Casa- Grande e Senzala e adoram pressupor que a democracia racial mora no relacionamento interracial, em que o branco mostra para a sociedade seu “não-racismo” por ter um preto ao lado – este é assunto para o próximo texto. A mensagem que fica é a de que, talvez, as emissoras brasileiras estejam acostumadas em fazer preta pobre sofrendo, que já é hora de nós escrevermos nossos próprios roteiros. Já passou da hora… de roteiristas, diretores, dramaturgos negros atingirem mais de 100 milhões de pessoas. Stephanie Ribeiro é escritora, arquiteta e não tem papas na língua. No #BlackGirlMagic ela fala sobre cultura, gênero, moda e relações sociais e raciais sob a perspectiva da mulher negra.

Da novela da Globo a Judith Butler, a ofensiva feminista e a contraofensiva conservadora

Do debate sobre violência doméstica em horário nobre a ativistas perseguidas, a primavera das mulheres vive um movimento de ação e reação no Brasil

(El País, 02/11/2017 – acesse no site de origem)

A violência contra a mulher virou pauta no horário nobre da televisão brasileira. Estreou na semana passada O Outro Lado do Paraíso, a nova novela das 21h da rede Globo, cujo enredo aborda, na principal emissora do Brasil, a violência doméstica. A protagonista da trama, Clara (Bianca Bin), sofre agressões do marido, Gael (Sérgio Guizé), pressionado pela mãe, vivida por Marieta Severo, que quer sua autorização para explorar esmeraldas nas terras da família. A mãe faz vista grossa para as investidas do filho agressor. Junto a isso, a área de responsabilidade social da emissora gravou os depoimentos de dez mulheres sobre o tema para veicular na internet e dar mais visibilidade ao assunto. Vem mais por aí na novela. Aviolência contra mulheres caiu de vez para dentro do folhetim televisivo que alcança os mais precários rincões do Brasil. Antes velado, o tema começou a entrar na casa de milhões de brasileiros. Na última segunda-feira, só na grande São Paulo, quase 2,5 milhões de televisores estavam ligados na trama, segundo números do Ibope.

Em abril deste ano, esta mesma emissora foi alvo de uma campanha contra o assédio sexual a partir da denúncia de um caso que ocorreu ali nos bastidores, quando a figurinista Susllem Tonani denunciou, em carta aberta, uma das grandes estrelas da casa, o ator José Mayer,por um desbocado assédio. “Você nunca vai dar pra mim?”, ouviu a figurinista, que também teve as partes íntimas tocadas por Mayer, conforme relato divulgado em um carta publicada no jornal Folha de São Paulo. A Globo rebolou para lidar com o assunto. Mayer, por exemplo, está na geladeira. Mas a emissora precisou encarar a reação da própria equipe de funcionárias, que assumiram uma onda de solidariedade feminina, sob o lemaMexeu com uma, mexeu com todas. A ficha da rede Globo parece ter caído. Não dá mais para acreditar no silêncio feminino diante de casos como esses.

Essa catarse brasileira também está sendo vivida nos Estados Unidos, em grandes proporções. Em menos de um mês, um inferno baixou em Hollywood. Ali, as mulheres estão destapando os bueiros e denunciando casos de assédio por parte do produtor norte-americano Harvey Weinstein. Kevin Spacey e Dustin Hoffmann também estão sendo acusados pelo mesmo crime. Isso sem falar no diretor James Toback, acusado de assédio sexual por nada menos que 38 mulheres. Com tantos casos pipocando no mundo da fama, foi criada a campanha global#MeToo, para encorajar mulheres a relatarem suas experiências como vítimas de assédio sexual. A publicidade está tendo que repensar seu papel. A Feira Literária Internacional de Parati (Flip) deste ano se posicionou e incluiu mais mulheres que homens na sua programação pela primeira vez em 15 anos. Nos Estados Unidos, foram as mulheres que saíram as ruas para protestar contra o presidente Donald Trump, no início de 2017. Se em 2015, a primavera feminista levou milhares de mulheres brasileiras às ruas para dizer basta aos retrocessos que se personificavam na figura do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, neste ano o inverno feminista dizia não a Trump nos Estados Unidos.

Mas este despertar feminista não é tão simples quanto parece. Ao mesmo tempo em que ele avança neste século XXI, vive uma opressão mais ostensiva, num movimento de ação e reação. Ao mesmo tempo em que tenta avançar na conquista de direitos, luta diariamente para não perder terreno naquilo que já foi conquistado. No ano passado, quando a celebradaLei Maria da Penha completava dez anos desde que entrou em vigor, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no Brasil, resultando na morte de 4.657 mulheres. Desses casos, porém, somente 533 foram classificados como feminicídios – quando o crime é cometido contra a mulher por razões da condição do sexo feminino – de acordo com oAnuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta semana. Além das mortes, foram registrados quase 50.000 casos de estupros em todo o país, 4% a mais que em 2015.

O que os números não mostram é que, por trás deles, está a naturalização de certos comportamentos cerceadores, como o medo de entrar sozinha em um táxi ou de usar um aplicativo de carona. Em agosto deste ano, a escritora Clara Averbuk foi estuprada, voltando para sua casa, pelo motorista da Uber. Na época, a companhia repudiou o ocorrido. Já ela, escreveu uma publicação em sua página no Facebook para incentivar que outras mulheres compartilhem seus relatos de assédio ou estupro sofridos em táxis ou carros de aplicativos de carona. Um homem não imagina que dentro de um táxi ele pode correr risco. Já uma mulher precisa pensar duas vezes antes de sair de casa sozinha.

Com o tema em voga, companhias correram para criar aplicativos ou programas atendidos somente por motoristas mulheres. Qualquer semelhança com o polêmico vagão rosa nos trens e metrôs não é mera coincidência. O transporte público e coletivo – onde poderia se deduzir que a presença de mais pessoas poderia inibir algum ato – também entra na conta de lugares com potencial risco para mulheres. Para ficar no caso mais recente, no início de setembro, um homem foi condenado a dois anos de prisão por ter tocado as partes íntimas de uma mulher dentro de um ônibus na avenida Paulista. A condenação ocorreu depois de ele ter praticado crimes contra as mulheres – incluindo ter ejaculado em algumas vítimas, sempre dentro de ônibus – pela 17ª vez. Só houve a detenção pelo protesto contínuo das mulheres para chamar a atenção sobre o assunto.

Ao mesmo tempo em que a violência de gênero está pautando novelas, estes registros não param de crescer. Ativistas feministas são perseguidas e ameaçadas. De morte, inclusive. Gabriela Manssur, promotora que atua no Ministério Público de São Paulo em defesa dos direitos das mulheres, diz que os casos de perseguições a mulheres estão aumentando. “Mas nunca foi feita esta estatística”, diz ela. “Tem uma ativista que está inclusive indo embora do país por causa da perseguição”.

Um dos casos mais emblemáticos é de Lola Aronovich, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autora do blogEscreva, Lola, escreva. Ela já sofreu diversas ameaças de morte e de estupro simplesmente por ser feminista. Em cinco anos, já registrou 11 boletins de ocorrência, o último, em abril deste ano.”As ameaças saem de uma quadrilha organizada”, diz ela. “Eles perseguem não só a mim, mas a minhas leitoras e até as minhas advogadas”, conta. No ano passado, Lola conta que o reitor da universidade onde ela trabalha recebeu um e-mail com uma ameaça: se não a exonerasse, haveria um atentado na UFC. “No texto diziam que ou ele despedia esta ‘porca imunda’, se referindo a mim, ou passaria uma semana recolhendo corpos de 300 cadáveres”, conta ela. A Polícia Federal entrou na jogada. Até o momento nada foi descoberto.

Para Gabriela Manssur, apesar das tentativas de censura, o movimento feminista não tem volta. “As mulheres não estão mais aceitando a diminuição dos direitos por elas conquistados e que são fruto de uma luta feminista de muito tempo”, diz. Ela acredita, porém, que os movimentos retrógrados e o movimento feminista se retroalimentam. “Estamos vivendo sim uma onda de retrocesso em que há um conservadorismo muito grande, talvez até em resposta a esta autonomia que as mulheres conquistaram”. Lola Aronovich concorda. “Os ataques pioraram”, diz. “Depois da eleição de Trump e agora com a consolidação da candidatura de Bolsonaro, as coisas tendem a piorar ainda mais”.

Um exemplo de ação do conservadorismo é o movimento em torno da vinda de Judith Butler ao Brasil. A filósofa norte-americana é um dos símbolos do feminismo e da teoria queer, que expande os estudos sobre gênero e identidade sexual. Assim que sua vinda foi anunciada, para um evento que acontecerá no Sesc Pompeia nos dias 06 e 07 de novembro, foram criadas petições online pedindo o cancelamento do evento e o Sesc passou a sofrer ataques online por meio da sua página no Facebook. Os ingressos para o evento, porém, se esgotaram me menos de duas horas. Sororidade x rivalidade

Para Gabriela Manssur, embora a luta feminista tenha avançado nos últimos anos em todo o mundo, ainda estamos atrasadas quando o assunto é sororidade. A palavra, nova para o vocabulário brasileiro, significa a união e o companheirismo entre mulheres, baseados na empatia. Segundo Manssur, é o ato de pegarem nas mãos umas das outras e brigarem, juntas, por novas conquistas. “A teoria é linda”, diz ela. “Mas na prática, não é bem assim”.

Ela explica que ainda existe um grande estereótipo que rotula mulheres como rivais, competitivas e perversas umas com as outras. A televisão, que no início deste texto fez o papel de mocinha, também é vilã quando veicula novelas em que mulheres disputam entre si – muitas vezes incluindo cenas de violência – um homem ou um cargo em um trabalho, por exemplo. “Sororidade significa a gente se unir e não julgar ou puxar o tapete uma da outra”, explica Manssur. “Precisamos romper os estereótipos. O feminismo avançou, mas a sororidade ainda não”.

Marina Rossi

Estupro marital: Como uma cena de novela pode ajudar a quebrar um tabu

Depois de “A Força do Querer” tratar da transexualidade, a nova novela das nove da Globo, “O Outro Lado do Paraíso”, deu largada esta semana já com assuntos muitas vezes tratados como tabu: relacionamentos abusivos e estupro marital.

(UOL, 26/10/2017 – acesse no site de origem) Na cena do segundo capítulo, exibida nesta terça-feira (24), a mocinha Clara (Bianca Bin) se casa com o galã Gael (Sérgio Guizé) e depois os dois seguem de barco para uma casa à beira do rio onde passarão a noite de núpcias. Eles chegam felizes com o casamento, trocam carícias e abrem uma champanhe para comemorar o momento. Tudo vai bem até que, depois de alguns goles, o comportamento de Gael muda completamente.

Bêbado e fora de controle, ele pega a mulher pelos braços, a joga na cama com força, rasga o vestido e a manda calar a boca. Aos gritos, Clara pede para que ele pare, mas seu pedido é ignorado e Gael a força a fazer sexo. “Ai, Gael, você está me machucando. Eu estou ficando com medo”, diz a moça. “Cala a boca”, responde ele, agressivo. “Para, para, para”, grita Clara, sem sucesso.

A cena teve muita repercussão nas redes sociais, e boa parte dos leitores do UOL que comentaram a notícia comemoraram o fato de a novela mostrar algo que é uma realidade de muitas mulheres. Quem também acredita que há motivos para comemorar é a promotora Silvia Chakian, do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público de São Paulo (GEVID).

“Quando bem trabalhado, esse veículo se torna um instrumento poderosíssimo para proporcionar o debate sobre um tema que ainda é tabu na nossa sociedade, que é a violência sexual que se pratica dentro de casa”, acredita ela. “Mostrar que isso acontece e que esses atos sexuais não consentidos são violência é um grande avanço”.

Já para a antropóloga Heloísa Buarque de Almeida, professora da USP que tem como um de seus temas de pesquisa a relação entre a mídia e a violência contra a mulher, é preciso ter um pouco de cautela. “A novela pode fazer a sociedade pensar e é bom que temas tabus sejam tratados, do ponto de vista feminista, mas a gente nunca sabe como a novela vai tratar”, acredita.

“Eu reconheço que tem uma sensibilidade social que está mudando em relação a essas coisas. Toda novela tem que ter um pouco de novidade. Esses temas [a transexualidade e o estupro marital etc.] entram como um tema novo, mas a condução vai depender sempre de como o público reage. Se o personagem [do agressor] é um galã e as pessoas gostarem dele mesmo assim, pode ser que a trama acabe reabilitando ele. Se, por outro lado, ele fizer bem o papel de vilão, podem levar para um lado mais estereotipado de personagem mau”.

Ela pontua também que a forma de se consumir novelas e outros produtos televisivos vem mudando muito desde o surgimento de novas tecnologias, e que isso também muda a maneira de olhar para essas questões levantadas pelas tramas. “A gente ainda não sabe muito bem como medir a transformação social que vem a partir daí”, explica.

Estupros invisíveis

No entanto, para a promotora Silvia Chakian, ainda assim o fato de “O Outro Lado do Paraíso” abordar a violência doméstica e o estupro dentro de relacionamentos pode pelo menos ajudar mulheres que passam por algo parecido a entenderem o que estão vivendo. E elas são muitas. Segundo balanço de 2016 do Ligue 180 (linha para denúncias de violência contra mulher), 65,91% dos casos de violência contra a mulher foram cometidos por homens com quem a vítima tem ou teve algum vínculo afetivo. De acordo com o relatório “Estupro no Brasil, Uma Radiografia Segundo Dados da Saúde”, divulgado pelo Ipea em 2014, 9,3% dos abusos sexuais sofridos por mulheres adultas são praticados pelo cônjuge e 1,6% pelo namorado.

E esses números ainda podem estar bem abaixo da realidade. Chakian conta que as mulheres que atende em um grupo de apoio no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, quase nunca identificam como estupro um ato praticado por um companheiro ou ex-companheiro, o que faz com que esse tipo de violência raramente chegue ao conhecimento da Justiça. “Existe ainda aquela ideia muito antiga, equivocada e inaceitável de que a mulher deve servir sexualmente o marido ou companheiro, que isso faria parte do seu ‘dever de esposa’”, explica.

“Mas quando essas mulheres entendem que violência sexual significa o constrangimento à prática de qualquer ato sexual sem o consentimento, muitas fazem o retrospecto de suas vidas identificando situações onde de fato tiveram que se submeter a atos sexuais não consentidos”, explica. Relacionamento abusivo

Chakian, que está acompanhando “O Outro Lado do Paraíso” justamente por conta do tema, aponta também o acerto da novela na maneira de construir um relacionamento abusivo entre os protagonistas Clara e Gael.

“Achei muito interessante nos primeiros capítulos que o relacionamento vai sendo construído já com sinais muito claros de que tende a se tornar abusivo e violento”, acredita a promotora. “Isso é muito importante para conscientizar a população, porque existe um mito de que esses relacionamentos já começam violentos, já numa agressão física extrema. E a verdade é que quando está começando, são apenas sinais, que principalmente entre as meninas muito novas são entendidos como um excesso de zelo ou de ciúmes, mas na verdade configuram atos de manifestação de poder, de controle do masculino sobre o feminino”.

Outro acerto da novela, para ela, foi em mostrar que o agressor não é uma pessoa violenta o tempo todo –Gael mesmo se desculpa com Clara após a noite de núpcias, todo arrependido, mesmo que agora o espectador já saiba que esta não deve ser sua última violência. “Esse relacionamento tem fases ‘boas’, tranquilas, em que esse sujeito é , bacana, um bom companheiro. Mas em determinados momentos ele exterioriza essas manifestações de controle, de poder, que muitas vezes são romantizadas”, acredita.

Natalia Engler

Enfim: Globo exibe 1ª cena de sexo gay da televisão brasileira

(HuffPost Brasil, 12/07/2016) Se o beijo gay foi durante décadas um tabu na TV Globo, que dirá uma cena de sexo de um casal LGBT? A audiência mais conservadora nunca quis assistir a uma demonstração de carinho de homossexuais na TV aberta. E encontrava eco em atores, autores de novelas e, claro, nos executivos manda-chuva da emissora, que chegaram a censurar aquele que seria o primeiro beijo gay na tevê, na novela América (2005).

Leia mais: Cena de sexo gay em ‘Liberdade, liberdade’ é comemorada por classe artística (Extra, 13/07/2016)

Foram necessários quase dez anos até que a Globo se tornasse mais permeável à ideia e aceitasse o beijo de Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) no último capítulo de Amor à Vida (2014).

Ao contrário das projeções negativas e quadradas, o Brasil comemorou.

Nesta terça-feira (12), foi a vez de a Globo exibir a primeira relação sexual entre dois homens — em Liberdade, Liberdade.

#LiberdadeLiberdade pic.twitter.com/yn2Zm5gmpr

— Reality Social (@RealitySocial) 13 de julho de 2016

Após um desabafo sobre amizade verdadeira, Tolentino (Ricardo Pereira) e André () se arrancam beijos de desejo reprimido.

Eles tiram a roupa e se entregam à paixão que nutrem um pelo outro há tempos.

A troca de carícias e abraços marca a descoberta de corpos que ainda não se conheciam nus e livres.

Diego Iraheta

Acesse no site de origem: Enfim: Globo exibe 1ª cena de sexo gay da televisão brasileira (HuffPost Brasil, 12/07/2016)