Pronunciamento da senadora Zenaide Maia, presidenta da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência Contra a Mulher, sobre o aumento da violência doméstica durante o isolamento para conter a covid-19, bem como sobre as especificidades dos impactos da pandemia sobre a vida das mulheres
Diante do isolamento social em que estamos vivendo, o Congresso Nacional vem funcionando em sessões remotas e discutindo propostas voltadas para o combate e controle da contaminação do coronavírus. A Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher (CMCVM) está com as suas reuniões suspensas, mas tem uma grande preocupação com a vida das mesmas em virtude do confinamento com seus agressores.
A crise deflagrada pela pandemia da covid-19 envolve todo o mundo e traz grandes impactos sociais, econômicos, emocionais e psíquicos. É um grande alerta que nos faz refletir sobre como estamos cuidando das pessoas e do nosso planeta. Tenho convicção de que muitas lições temos a aprender diante desse cenário e, também, guardo a esperança de que podemos nos transformar em seres melhores e mais humanos. A maior medida para prevenir e conter a contaminação atualmente é o isolamento social, afinal, o vírus chega de forma irrestrita, não faz distinção de classe, gênero ou etnia, porém afeta sobremaneira a vida das mulheres.
Embora dados publicados evidenciem que os homens representam entre 60% e 80% dos mortos pela covid-19, as mulheres estão mais expostas à contaminação do vírus e as consequências sociais da pandemia. De acordo com o relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19”, da ONU Mulheres, no Brasil somos 85% da categoria de enfermagem, 45,6% da categoria médica e 85% dos cuidadores de idosos. Segundo o mesmo estudo, entre os idosos, há mais mulheres vivendo sozinhas e com baixos rendimentos.
As mulheres também são maioria em vários setores de empregos informais, como trabalhadores domésticos. A partir dos dados do IBGE, 41% de todas as mulheres ocupadas no Brasil estão no setor informal; e se considerarmos somente trabalhadoras negras, a taxa de informalidade sobe para 47,8%. Mais de 92% dos trabalhadores domésticos são mulheres; 70% delas não têm carteira assinada. No Brasil, 56% dos idosos são mulheres.
O IBGE informa que 38 milhões de pessoas no Brasil estão abaixo da linha pobreza; dessas, pelo menos 27,2 milhões são mulheres. E 31,8 milhões de famílias do país (45,3% do total) são chefiadas por mulheres (IPEA).
Portanto, as condições socioeconômicas são de forma acentuada desfavoráveis para as mulheres, porém, o mais impiedoso é relacionar a situação de violência sofrida por elas. Em 2019, o relatório da ONU Mulheres, revelou que 1 a cada 5 mulheres havia sofrido violência física ou sexual dentro de casa no ano de 2018. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reportou, também no ano passado, que 1 a cada 3 três mulheres sofreu violência física ou sexual.
É importante reforçar que o quadro se agrava, mas não se inicia e nem tem sua causa com essa pandemia. Há alguns anos, o número de feminicídios cresce no país e, infelizmente, o lar tem sido o local de maior ocorrência. A casa, para mulheres em situação de violência, é um espaço de medo, insegurança e risco.
O número de mulheres mortas por feminicídio, no comparativo do mês de março de 2019 e o mesmo mês de 2020, período já estabelecido como quarentena decorrente do coronavírus, registrou os seguintes números: no estado de São Paulo, aumentou 46,2%, passando de 13 para 19 assassinatos. O atendimento realizado pela Polícia Militar cresceu cerca de 20%. Foram 7.933 nessa quarentena, contra 6.624 no ano anterior. No Mato Grosso, os registros de feminicídio saltaram de 2 para 10, um aumento de 400%. O Rio Grande do Norte foi o único estado que teve aumento nos registros presenciais e os feminicídios saltaram de 1 para 4 casos. No Pará, os feminicídios também se mantiveram estáveis em março, mas no primeiro trimestre o crescimento foi de 185%, passando de 7 para 20 vítimas, entre 2019 e 2020. No Acre, os feminicídios passaram de 1 para 2 casos.
É urgente fortalecer os canais e as possibilidades de denúncias para garantir atendimento às mulheres vítimas de violência. O isolamento, além das demais dificuldades, dificulta que as mulheres cheguem às delegacias especializadas, a realização dos boletins de ocorrências e as medidas protetivas de urgência. A internet tem sido um canal que também tem sido pesquisado e aponta que relatos de terceiros sobre brigas de casais aumentaram 431% desde o início do confinamento, afirma o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FSBP).
A violência contra a mulher tem raízes profundas no machismo e no patriarcado, que é responsável e sustenta uma sociedade com relações desiguais e de opressões diversas. Diante dessa dolorosa e preocupante realidade, nós precisamos fortalecer a rede de atendimento e denúncias. É indispensável ter como prioridade políticas públicas sérias e efetivas de proteção a mulher e enfrentamento à violência, mas, em vez do protagonismo do governo federal, o que assistimos é o movimento feminista, de mulheres e grupos organizados, carregando praticamente sozinho a responsabilidade de criar e sustentar redes e alternativas solidárias de apoio e acolhimento emergenciais para salvar essas mulheres. Sentimos fortemente a ausência do extinto Ministério da Mulher, a Secretaria Especial de Políticas para "AS" Mulheres, todas elas na sua diversidade, e um orçamento capaz de demonstrar a importância da pasta para o governo. Os recursos para o enfrentamento à violência doméstica diminuíram drasticamente. Em 2015, o orçamento da Secretaria da Mulher foi de R$ 119 milhões. Em 2019, de apenas R$ 5,3 milhões, ou seja, 95% a menos de recursos. Neste momento, é importante que as delegacias especializadas, as secretarias da mulher fortaleçam as suas atividades e façam chegar às mulheres a informação de que essa rede de proteção existe e está funcionando.
Diante desse contexto, com o envolvimento de todas e todos, a partir de comportamentos individuais e solidariedade coletiva, tenho certeza de que iremos superar essa crise. Não podemos isentar o Estado de sua responsabilidade e do cumprimento do seu papel fundamental, mas, neste momento, gostaria de parabenizar todas as iniciativas que esclarecem, apoiam e incentivam o enfrentamento radical de todas as formas de violências contra a mulher. Lembramos que os meios de comunicação são fortes fontes de informação e molas propulsoras para a tomada de consciência da população. Sugerimos ao governo federal e as emissoras de televisão a veiculação de campanha de combate a violência doméstica, que está em uma escala crescente no período de pandemia decorrente do coronavírus.
DENUNCIE JÁ! Você pode ajudar a salvar vidas! Salvar a vida de uma mulher, é dizer para o mundo que a vida das mulheres importa!
“Quarentena Sim! Violência Não” (Tribunal de Justiça da Bahia)
“Mulher, ficar em casa não quer dizer ficar calada” (Prefeitura de Recife)
“Mulher, você não está só” (Ministério Público de Pernambuco e Secretaria da Mulher do Distrito Federal)
Senadora Zenaide Maia – (PROS-RN) Presidenta da Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher – CMCVM