O Caminho De Camarão E O Desbravamento Do Sul Alagoano
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84 O CAMINHO DE CAMARÃO E O DESBRAVAMENTO DO SUL ALAGOANO SILVA, Fábio Barbosa da1 LIRA, Maria Tarcyelma2 RESUMO Este trabalho é resultado de estudos sobre o seiscentista Caminho de Camarão, aberto no século XVII cortando o extremo Sul da então Capitania de Pernambuco. O mesmo estudo visa investigar possíveis contribuições da Ocupação Holandesa no Nordeste (1630-1654) para o desenvolvimento espacial do Sul do atual território alagoano. Ao registrar este caminho em mapa de 1643, George Marcgraf permite que se faça uma leitura do espaço que atualmente compreende o Sul de Alagoas ainda no século XVII. A metodologia utilizada neste trabalho consiste na comparação entre o mapa de Marcgraf e imagens atuais do programa Google Earth. Como resultado da pesquisa, foi possível constatar que o referido caminho, ao ligar a Região das Lagoas a Penedo possibilitou a intensificação do tráfego entre estes dois pontos pelo interior, servindo como alternativa às antigas vias de acesso pelo litoral. Tal contribuição, mesmo não correspondendo a ação direta e intencional dos invasores batavos, permite inscrever o período holandês em um quadro de descobertas e intervenções por parte dos colonizadores para além do litoral no recorte espacial estudado. Pode-se ressaltar aqui o papel deste caminho para o desenvolvimento da economia local, sobretudo da pecuária. Palavras-chave: Alagoas. Caminho de Camarão. Ocupação Holandesa. Introdução 1 Graduado em História pela Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL. Especialista em Metodologia do Ensino de História pela Faculdade de Ensino Regional Alternativa – FERA. e-mail: [email protected] 2 Mestre em História pela Universidade Federal de Alagoas (2015), com graduação e especialização cursadas na mesma instituição de ensino, membro participante de projetos de pesquisa voltados a pesquisa histórica. Atuando principalmente no seguinte tema: Imaginário, Sertanejo, Cultura e Violência. Orientadora deste trabalho. e-mail: [email protected] 85 Em 1643, George Marcgraf fez um trabalho detalhado de mapeamento do Nordeste Brasileiro sob o domínio holandês. O mesmo trabalho foi editado quatro anos depois por Joan Blaeu, que reuniu os mapas de Marcgraf em um pôster que recebeu o nome de Brasiliae Pars Paret Belgis. Caspar Barléus publicou o mapa posteriormente em um livro sobre o Brasil Holandês, por esta razão muitas vezes o mapa é referido como sendo de Barléus. Por se tratar de uma junção de mapas diferentes, as partes recebem nomes que as distinguem. O trecho intitulado Praefecturae Paranambucae Pars Meridionalis corresponde à área do atual território alagoano, nela está representado o Caminho de Camarão. Uma das particularidades deste caminho está no fato de cruzar uma área pouco habitada e distante do litoral. Entendendo que o Caminho de Camarão pode ter sido a primeira via de contato pelo interior entre os dois extremos de Pernambuco, é possível admitir que a sua existência, assim como o período histórico em que ele surgiu, pode ter influenciado no processo de reconhecimento e mesmo apropriação do espaço por ele cortado. Permite ainda defender que, de alguma forma, o Caminho de Camarão relegou ao espaço atual algumas peculiaridades inerentes à ocupação holandesa. A principal preocupação deste trabalho é situar o Caminho de Camarão como uma primitiva via de acesso entre a região das lagoas e o São Francisco. Não há intenção de pormenorizar os pontos cruzados por este caminho, e sim, apontar seu curso aproximado visando situá-lo em um espaço marcado por uma área com significativa concentração populacional nos dias atuais, característica que pode ter sido influenciada pelo referido caminho. Constatar a presença de um caminho ligando dois pontos tão distintos das Alagoas permite que se possam desenvolver discursos explicativos para o desbravamento e futuro povoamento do atual Sul do Estado, antes mesmo do surgimento e intensificação da atividade açucareira na região, o que só veio a ocorrer no inicio do século XIX. A metodologia utilizada para situar o Caminho de Camarão com base em pontos referenciais atuais depende, sobretudo, de análise e intervenção nas imagens de satélite disponibilizadas pelo programa Google Earth. Para tanto, foi considerado pontos referenciais permanentes, como as montanhas e os cursos de água registrados por Marcgraf e que ainda podem ser observados no cenário físico atual. 86 O Caminho de Camarão no Praefecturae Paranambucae Pars Meridionalis O Praefecturae Paranambucae Pars Meridiolis é o trecho da grande obra de Marcgraf na qual se encontra registrado o Caminho de Camarão. Dentre os aspectos mais salientes deste caminho, vale ressaltar a significativa distância do litoral, assim como a sua grande extensão se comparado às demais vias que cortavam o extremo Sul da então Capitania de Pernambuco no século XVII. Os dois primeiros séculos da colonização do Brasil foram marcados por tentativas constantes por parte dos donatários de Pernambuco de expansão do território em direção ao Sul. “A tendência de todos esses povoadores era evidentemente o rio de São Francisco” (ABREU, 1996, p. 57). Quando a Espanha embargou a Holanda nas relações comercias com o açúcar do Brasil, os holandeses revidaram invadindo o Nordeste brasileiro. Esta operação alcançou seu maior êxito em 1630. De acordo com Abreu (1996, p.57) “A invasão Hollandeza sustou o avanço. Bagnoulo, Camarão, Henrique Dias. Vital, Barbalho, abriram caminhos que lhes permittiram passar longe do mar de um a outro extremo de Pernambuco”. Estava lançada a sorte do espaço para além do litoral. A origem, e mesmo os rumos do Caminho de Camarão divergem entre alguns autores. Segundo Mello (2007, p. 274) “é plausível que o caminho mandado abrir por Bagnuolo até o São Francisco correspondesse ao que registra o mapa citado como „Caminho de Camarão‟”. Para autor, o caminho recebe este nome por ter sido a via percorrida por Felipe Camarão em sua retirada para a Bahia, assim como em suas excursões contra os invasores holandeses. Se esta afirmativa for considerada, o caminho que no mapa de Marcgraf cruza o rio Cenembi em N. S. d‟Aiunda e se estende até N. S. d‟Aurade, nas margens do Cururui, se trata de uma extensão do mesmo Caminho de Camarão, uma vez que este caminho também foi aberto por Bagnuolo. Câmara Cascudo (1956, p.169) constatou com base em observações do mapa de Marcgraf, que três caminhos partiam de Penedo em meados do século XVII. Dentre eles “mereceu as honras do registro” o Caminho de Camarão que: São setenta léguas de trajeto [...] passando quase pelos extremos do Piassabuçu, do Piauí, do Cururuí (Cururipe), Giquiá (ou Jequiá), Urubutinga, alto S. Miguel, atravessava os campos férteis de Nhumanhu (Inhauns), onde se voltava para o Sul, cortando o Potimiri, o Potiguaçú, o Subaúna, o Itinga, o Salgado, passando pela 87 povoação de Nossa Senhora do Rosário onde uma variante o levava à de Sant‟Amaro, baixando para “Velho”, atual cidade do Pilar, engenho de Gabriel Soares da Cunha, primeiro Alcaide Mor de Madalena (Alagoas) quando, em 1633, os holandeses atacaram e que pertencia então a Domingos Rodrigues de Azevedo. A seguir, Nossa senhora d‟Anunciação, S. Grauiel (Gabriel) e, abaixo, o Quartier militar, já citado no relatório de Walbeeck, em outubro de 1643. (CASCUDO, 1956, p. 169-170) Desde a Lagoa do Sul até Penedo os únicos pontos referenciais cortados pelo Caminho de Camarão são elementos naturais, como os rios ou montanhas, como mostra a Figura 1. “Mato” e “Campinas” dominam a paisagem no curso do caminho que, aparentemente liga também os currais do alto São Miguel àquele localizados nas imediações do São Francisco. Figura 1 – Trecho de Praefecturae Paranambucae Pars Meridionalis com destaque para o Caminho de Camarão Fonte: Alagoas Turismo. Intervenções do autor do artigo. Durante o século XVI a principal via de acesso entre o Norte de Pernambuco e Penedo era o oceano, ou um caminho que quase não se afastava do litoral. Por este caminho teria percorrido Knivet em fins do século XVI (KNIVET, 2008) e o Conselheiro Bullestraet (MELLO, 2007) já durante a ocupação holandesa. Este último teria enfrentado, dentre outros problemas, o alto volume de água próximo a foz de rios como o Coruripe e o Poxim, o que o obrigou a esperar a vazante. O fato de os rios apresentarem maiores volumes de água próximo à foz justifica a necessidade de abertura de vias mais distantes do litoral, onde os rios são menos volumosos e a vegetação menos densa. 88 A princípio, a ameaça dos nativos hostis pode ter frustrado qualquer tentativa de interiorização, seja dos núcleos populacionais ou mesmo das vias de acesso. Os principais produtos explorados no Brasil, o pau-brasil e o açúcar, eram recolhidos ou produzidos no litoral, onde as populações ainda no século XVII se encontravam quase estacionadas “nas Fraldas do mar” (BRANDÃO, 1930, p. 28). Os conflitos promovidos pela ocupação holandesa se localizaram, sobretudo, nas zonas produtoras de açúcar, o que obrigou a dispersão das populações nelas instaladas. O Caminho de Camarão é fruto desta necessidade de alternativas de vias distantes do litoral, e que ligassem o Norte e o Sul da então Capitania de Pernambuco. Refazendo o Caminho de Camarão No mapa de Marcgraf, a pouca quantidade de elementos registrado em torno do Caminho de Camarão impossibilita uma definição exata da linha correspondente ao que seria seu curso nos dias atuais. Como já apresentado, os únicos pontos marcados na maior parte do caminho são os rios e algumas montanhas, que em alguns pontos não permitem que sejam identificadas com precisão. Diferente do espaço em torno das Lagoas Mundaú e Manguaba, entre Penedo e a atual cidade de Anadia o caminho não corta nenhum engenho, povoações ou outro ponto que pudesse ainda hoje servir como referencia. Neste trecho, os únicos pontos marcados pelo cartógrafo em torno do Caminho, e que constam em sua Notularum explicatio3, são os currais do alto São Miguel e Piracaba, e uma nascente ou “olho d‟agua” entre os rios Coruripe e Piaui.