UNIVERSIDADE FEDERAL DA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CULTURA E SOCIEDADE

ACREDITE NA BELEZA: A POTÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HOMOSSEXUAL NÃO ESTEREOTIPADA NA RUPTURA DE PADRÕES HETERONORMATIVOS, PELA PUBLICIDADE.

por

VERÔNICA QUÊNIA OLIVEIRA REIS

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). ANNAMARIA DA ROCHA JATOBÁ PALÁCIOS

SALVADOR 2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE

ACREDITE NA BELEZA: A POTÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HOMOSSEXUAL NÃO ESTEREOTIPADA NA RUPTURA DE PADRÕES HETERONORMATIVOS, PELA PUBLICIDADE.

por

VERÔNICA QUÊNIA OLIVEIRA REIS

Orientador(a): Prof(a). Dr(a). ANNAMARIA DA ROCHA JATOBÁ PALÁCIOS

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.

SALVADOR 2018

VERÔNICA REIS

ACREDITE NA BELEZA: A POTÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO HOMOSSEXUAL NÃO ESTEREOTIPADA NA RUPTURA DE PADRÕES HETERONORMATIVOS, PELA PUBLICIDADE.

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.

Aprovada em 11 de outubro de 2018.

Banca examinadora

Annamaria da Rocha Jatobá Palácios – Orientadora______Pós-Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior Universidade Federal da Bahia

Adriano de Oliveira Sampaio______Pós-Doutor em Relações Públicas e Propaganda pela Universidade de São Paulo Universidade Federal da Bahia

José Raimundo Rios da Silva______Doutor em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia União Metropolitana de Educação e Cultura

Às 445 pessoas assassinadas no ano de 2017 pelo preconceito, pelo patriarcado, pela maldade e pela ignorância. À minha criança interior, pelas dores superadas e sonhos realizados. A Verônica, minha xará e psicóloga, pelos outros 50%. A Oyá, Oxum, Nanã e Ogum, por iluminarem os dias sombrios. Asè.

AGRADECIMENTOS

A potência do (auto)conhecimento, para romper, descontruir, desestruturar preconceitos, padrões enrijecidos e norteados por valores que são antes de tudo não-humanos, não-plurais e aversos a diversidade das inúmeras possibilidades de existência e do amor.

A todxs que resistem, e que fazem dessa (re)existência um confronto com a margem, com a marginalização e com a selvageria (que ironia!) da humanidade.

A profa. Annamaria da Rocha Jatobá Palácios, pela jornada percorrida nesses dois anos, pela orientação irretocável, assim como por todo apoio e atenção.

Aos professores José Rios e Adriano Sampaio, pelas contribuições significativas no Exame de Qualificação e pela participação na Banca Avaliadora.

Aos/as professores/as Natalia Coimbra de Sá, Karla Brunet e Ricardo Batista, pela gentil composição da banca e leitura da pesquisa.

Aos amigos que conquistei no Pós-Cult, em especial, Cledinéia Carvalho e Nathália Leal, que durante os momentos de ansiedade foram calmaria e tranquilidade para que o caminho fosse percorrido alegremente. Aos colegas do Grupo de Estudo e Pesquisa de Práticas e de Produtos Discursivos da Cultura Midiática (UFBA), em especial Alexandre e a Professora Carla Risso.

Aos meus amigos, fonte de luz, coragem, amor, gentileza, cuidado e encorajamento nesse processo, que me proporcionou um imenso crescimento intelectual e uma extraordinária transformação pessoal. Agradeço, sobretudo, as Julianas, Carvalho e Almeida, Tamiz Oliveira, Rosângela Rocha, Brenda Torquato, Caroline Vilas Boas, Marcelo de Jesus, Jéssica Leal, Thiago Amorim, Iulo Duarte, Karla Alcione, Isis Gomes, Jorge Luiz, Nadson Holanda e os componentes da “Banda Boa”. Desculpa se esqueci alguém!!! Se você é meu/minha amigo/a se sinta agradecido e contemplado, por favor!

A minha psicóloga Verônica Santos, parte fundamental para o encerramento deste ciclo.

A minha família, por tudo, principalmente, a minha mãe, irmãs e meus/minhas tios/as.

Ao meu amigo, amor, companheiro, parceiro de vida e grande incentivador Felipe Meneses.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento de parte significativa desta pesquisa.

E, em especial, ao amigo, professor, e meu mais crítico avaliador e incentivador, Zé Rios, que acreditou desde antes de ser que seria, e foi. É.

A todos que acreditaram nessa jornada, muito obrigada por possibilitarem essa experiência enriquecedora e gratificante, vocês me tocaram profundamente.

#MatheusaPresente #MariellePresente

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 11 2. A GENTE VIVE JUNTO, A GENTE SE DÁ BEM: A IMPORTÂNCIA DA TELEVISÃO NA CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL ...... 18 2.1. Não desejamos mal a quase ninguém: uma breve história da televisão, da publicidade e da homossexualidade no Brasil...... 18 2.1.1 E a gente vai à luta e conhece a dor: a ditadura e suas influências na comunicação brasileira ...... 23 2.1.2 Eu tô plugado na vida: entrelaçamento da homossexualidade no Brasil com a televisão e a publicidade ...... 25 2.2. Você é bem como eu: o imaginário Social ...... 29 2.3 Só que nessa história ninguém sabe o fim: as telenovelas da Rede Globo...... 34 3. EU NÃO PEDI PARA NASCER: o papel da publicidade televisiva na manutenção de estereótipos relacionados a representação homossexual...... 44 3.1 Eu tô curando a ferida: o poder simbólico e o espectador não-emancipado ...... 50 3.2. Nem vou sobrar de vítima das ciircunstâncias: construções simbólicas que moldam, legitimam e refletem no mundo real ...... 64 3.3 As vezes eu me sinto uma molha encolhida: o papel da publicidade na manutenção de estereótipos negativos relativos aos homossexuais...... 71 4. EU NÃO NASCI PARA PERDER: a publicidade é um cadáver LGBTQ+ que não nos sorri ...... 79 4.1 Você não leva pra casa e só traz o que quer: Os equívocos da publicidade .... 86 4.1.1 Eu sou teu homem e você é minha mulher: equívoco de Inutilidade Social, de Exclusão, de Homofobia ...... 93 4.2 Toda forma de amor: a guerra declarada contra o comercial de O Boticário ..... 106 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 113 REFERÊNCIAS ...... 118

REIS, Verônica. Acredite na beleza: a potência da representação homossexual não estereotipada na ruptura de padrões heteronormativos, pela publicidade. 129 f. il. 2018. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. RESUMO Este trabalho analisa e indica, prospectivamente, concepções para a publicidade televisiva brasileira com representação homossexual, a partir do filme publicitário desenvolvido pela marca O Boticário, em 2015, como parte da campanha do Dia dos Namorados. Embora não verse sobre sua recepção, a partir do estudo de caso do comercial de O Boticário e da sua repercussão na sociedade, além de uma análise das telenovelas da Rede Globo que apresentaram personagens homossexuais entre os anos de 1970 e 2013, pretende elencar as influências que foram engendradas pela televisão e pela publicidade na manutenção e perpetuação de estereótipos negativos e ultrapassados, que tendem a contribuir para violência de gênero, seja ela simbólica ou física, direcionada à pessoas de sexualidade consideradas “desviantes”. Nesse sentido, a investigação conta com um levantamento histórico acerca das dinâmicas estabelecidas pela televisão brasileira, sobretudo, através da telenovela, estabelecendo um paralelo das influências que este produto exerce em parcelas de público que aderem à narrativa publicitária e/ou consomem o produto. Trata-se de um prisma contra-hegemônico, ou seja, outra forma de se posicionar diante de uma problemática social, por meio da desestabilização de preconceitos e de estereótipos cristalizados no imaginário coletivo, a fim de alcançar públicos até então ausentes do universo receptivo/produtivo da publicidade. O trabalho também examina representações homossexuais produzidas em outros comerciais televisivos, que concorrem para o estabelecimento de um padrão no processo de construção do personagem em filmes publicitários. A revisão bibliográfica foi realizada através de inquirições em anais de congressos, em periódicos das áreas das ciências sociais e humanas que abordam a temática homossexual, além do levantamento e análise de comerciais e telenovelas a respeito do assunto. Por fim, a pesquisa advoga que a publicidade pode e deve estabelecer uma ruptura com seus próprios padrões no que tange à informação e comunicação, de modo a exercer um papel mais desafiador na sociedade, não se relegando apenas a reprodução de mensagens que visem o consumo, mas exercendo ainda um papel social de conscientização para com os diversos setores sociais.

Palavras chave: Representação Homossexual; Publicidade; Comerciais televisivos; O Boticário.

REIS, Verônica. Believe in beauty: the power of non-stereotyped homosexual representation in the breaking of heteronormative patterns in advertising. 129 f. yl. 2018. Master Dissertation – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Universidade Federal da Bahia, Salvador 2018.

ABSTRACT

This work analyzes and prospectively indicates concepts for Brazilian television advertising with homosexual representation, based on the publicity film developed by O Boticário in 2015, as part of the campaign of Valentine's Day. Although it is not clear about its reception, based on the case study of O Boticário commercial and its repercussion in society, besides an analysis of Globo TV telenovelas that presented homosexual characters between the years of 1970 and 2013, it intends to list influences which were engendered by television and advertising in the maintenance and perpetuation of negative and outdated stereotypes that tend to contribute to -based violence, whether symbolic or physical, directed at persons of sexuality who are considered "deviant." In this sense, the investigation has a historical survey of the dynamics established by Brazilian television, especially through the telenovela, establishing a parallel of the influences that this product exerts in portions of the public that adhere to the advertising narrative and/or consume the product. It is a counter-hegemonic prism, that is, another way of standing in the face of a social problematic, by destabilizing prejudices and crystallized stereotypes in the collective imaginary, in order to reach publics previously absent from the receptive/advertising. The work also examines homosexual representations produced in other television commercials that compete for the establishment of a pattern in the process of building the gay character in advertising films. The bibliographical review was carried out through inquiries in annals of congresses, in periodicals of the social sciences and humanities that deal with homosexual themes, besides the survey and analysis of commercials and soap operas on the subject. Finally, the research advocates that advertising can and should establish a break with its own standards regarding information and communication, in order to play a more challenging role in society, not only relegating the reproduction of messages aimed at consumption, but also exercising a social role of awareness towards the various social sectors.

Keywords: Homosexual Representation; Publicity; Television commercials; O Boticário.

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INTRODUÇÃO

A publicidade televisiva exerce no imaginário social um poder que, apesar de simbólico, é real. Geralmente camuflada por uma pseudo realidade (todos são felizes, realizados, bem- sucedidos etc.), a publicidade visa passar uma mensagem que, na maioria dos casos, objetiva a venda de um produto e/ou serviço, já que é uma ferramenta de comunicação voltada para a divulgação de bens materiais de consumo, bens simbólicos e serviços. Ciente disso, podemos pensar nos diversos papéis que a publicidade exerce na sociedade, dentre os quais figuram a ação de despertar desejos, criar necessidades, estabelecer padrões e estabelecer conexões que levam o sujeito para a ação do consumo. Podemos considerar, também, o poder simbólico exercido de forma contributiva na construção do imaginário coletivo, no que tange às representações sociais das minorias (como é o caso de mulheres, negros e idosos), além de ponderar sobre suas possíveis influências na reprodução e manutenção de estereótipos negativos relacionados à homossexualidade. Este poder simbólico está imbricado em construções individuais e coletivas dos sujeitos sociais e, quando relacionado com a publicidade, pode estar associado não só ao anúncio e a venda de produtos ou serviços, mas também à hábitos de consumo, padrões estéticos, representações sociais, dentre outros. Ao refletir sobre as representações efetuadas pela publicidade, levando em consideração o avanço nas lutas e reivindicações das minorias sociais por uma sociedade mais igualitária, plural, menos homofóbica, bem como as contribuições que a publicidade poderia realizar neste sentido, caso houvesse uma transformação no seu discurso, foi que nasceu o problema de pesquisa deste trabalho. Após o comercial televisivo do Dias dos Namorados (2015) da marca O Boticário que apresentou a homossexualidade de ambos os sexos de forma não estereotipada, o que causou grande repercussão em todo o país, gerando manifestações contra e a favor deste tipo de representação na televisão, nos indagamos: quais as perspectivas para publicidade televisiva nacional voltada para os processos de representação da homossexualidade? Para interpretar os novos processos oriundos de uma possível ruptura de paradigmas e como se dará este tipo de representação, definimos o objetivo principal desta pesquisa, que consiste em compreender como se constrói a relação entre a publicidade e as questões de identidade de gênero quando voltadas para produção midiática, além de procurar identificar

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quais as novas possibilidades narrativas da publicidade televisiva com representação homossexual não estereotipada (ou que não reforcem estereótipos negativos), a partir do comercial de O Boticário para o Dia dos Namorados do ano de 2015. Desta forma, este trabalho se configura como um Estudo de Caso, baseado no referido comercial, que é parte da campanha para o dia dos namorados. A escolha se deu devido ao histórica da empresa de campanhas consideradas insurgentes, como é o caso do comercial televisivo do Natal de 2014, intitulada “Família Moderna” (Youtube, 2014)1, do Dia das Mães de 2015, intitulado “Pérolas” (Youtube, 2015)2 e do Dia da Mulher do mesmo ano intitulada Dia das Mulherescom Floratta (Youtube, 2015)3. Isto dito, os objetivos secundários consistem em: (I) realizar um aprofundamento acerca do poder simbólico exercido pela publicidade, através dos comerciais televisivos com representação homossexual para televisão aberta, no que diz respeito à manutenção de estereótipos negativos; (II) descobrir os mecanismos simbólicos intrínsecos ao processo de elaboração do comercial de O Boticário e como esta produção pode ter rompido com paradigmas enraizados na sociedade e influenciado os hábitos de consumo; (III) apontar os modos como se normatizam e se regulam os sujeitos de diferentes identidades de gênero nas representações dos filmes publicitários, além de sua contribuição enquanto ferramenta de comunicação para a propagação de conceitos homofóbicos, que muitas vezes, promovem violências simbólicas, eventualmente, físicas, a indivíduos considerados como de “sexualidade desviante”. Visando alcançar ou nos aproximar ao máximo destes objetivos, realizamos um levantamento com mais de vinte filmes publicitários feitos para o meio televisivo, no período de 2010 até 2017. Também buscamos informações através de diversos portais de notícias nacionais (G1, Folha de São Paulo, UOL, Carta Capital etc.), a fim de validar ou refutar as nossas hipóteses acerca da contribuição da publicidade para a manutenção de estereótipos negativos relacionados à homossexualidade. Nesta pesquisa documental, nós utilizamos palavras-chaves diretamente relacionadas à temática, tais como “comercial homofóbico”, “homofobia na televisão” “homofobia na publicidade”, “conar recebe denúncia de comercial homofóbico”, “índices de violência contra lgbts” “violência homofóbica”, dentre outros.

1 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4ubj4Pur5E8. Acesso em 12 jan 2019. 2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zwLn1eGYe2I. Acesso em 12 jan de 2019. 3 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UgzPC-SctSg. Acesso em 12 jan de 2019.

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Privilegiamos, por preferência nossa, os comerciais em português, que foram engendrados por agências brasileiras e voltadas ao público do Brasil. Esta escolha foi assim definida porque julgamos que comerciais elaborados para outros países poderiam apresentar incompatibilidades culturais com os comerciais nacionais. A importância deste estudo não repousa apenas nas discussões que serão levantadas a respeito das produções comerciais televisivas com representação homossexual, posto que também resvalam nas interpretações concernentes ao homossexual enquanto ser social. Estas concepções estão diretamente ligadas ao imaginário coletivo que Castoriadis (1982) define como instituído, mas também instituinte. Há de se levar em conta o poder simbólico praticado pela televisão enquanto veículo de comunicação que exerce real influência na construção e difusão de costumes, estilo de vida, visão de mundo e opiniões do indivíduo. As opiniões, hábitos, visões de mundo originárias do imaginário social estão imbricadas aos meios de comunicação, pontualmente relacionados com o universo produtivo da televisão de sinal aberto, no Brasil, que contribui exponencialmente para a reprodução ou transformação do sistema social, conforme elucidam alguns autores (Almeida, 2006; Areas, 2018; Dias, 2017; Musse, 2013; Iribure, 2008; Reis, 2015; Romano 1997; Silva 2015; Souza, 2017). Assim, o principal objetivo desta pesquisa é aprofundar a compreensão dos processos de representação homossexual em filmes publicitários que circulam na televisão aberta brasileira, a partir da discussão do papel da televisão na construção de um imaginário coletivo, levando em consideração a influência de outros produtos, igualmente inseridos no campo midiático televisivo, como é o caso da telenovela. Buscamos, ainda, dar importância à representação social das identidades de gênero ou orientações sexuais consideradas “desviantes” e também aos aspectos contidos no comercial de O Boticário que tanto repercutiram na sociedade brasileira no ano de 2015. Tamanho aprofundamento busca promover a elucidação dos estereótipos que ainda permeiam os modos de produção da televisão aberta brasileira, disfarçados de boa moral e bons costumes. Em síntese, reconhecendo a influência da publicidade na construção de um ideário social próprio da contemporaneidade, esta dissertação representa um embrião para novos estudos, ao mesmo tempo em que aponta, reconhece e identifica algumas perspectivas no processo de incorporação de representações sociais acerca da homossexualidade pela prática produtiva da publicidade.

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Logo, o presente estudo investiga os processos de representação homossexual em filmes publicitários de trinta segundos para televisão aberta, buscando compreender as dinâmicas de construção do filme publicitário, a partir do comercial da marca O Boticário elaborado para o Dia dos Namorados, no ano de 2015. A reflexão que deu corpo a esta dissertação foi orientada pelo método monográfico, cujo objetivo central é “explorar e compreender o significado que os indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano” (Creswell, 2009), uma vez que compreendemos que a questão da representação homossexual estereotipada para televisão aberta reproduz, ao mesmo tempo em que também consolida, uma problemática social caracterizada por visões que isolam, marginalizam e omitem a existência de pessoas com sexualidades distintas daquelas socialmente instituídas como normais. Pensando no conjunto do método (monográfico), design (qualitativo) e tipologia (estudo de caso), acreditamos ser este o melhor desenho para desenvolver uma pesquisa fundamentada que atenda aos objetivos propostos, salientando o uso de aportes teóricos que auxiliam no embasamento de nossa busca pela compreensão do poder simbólico que a publicidade exerce na sociedade. Almejamos entender como o comercial publicitário é construído, o que há nos bastidores desta construção e como um filme de menos de um minuto consegue adentrar o imaginário coletivo a ponto de perpetuar ou auxiliar no enrijecimento de estereótipos. Em relação à tipologia, reforçamos a escolha do estudo de caso, pois o que pretendemos é analisar as possíveis novas perspectivas para a publicidade televisiva a partir de um único filme publicitário de trinta segundos. Buscamos compreender algumas influências exercidas pela publicidade televisiva no imaginário do consumidor, em que um comercial como o de O Boticário causa impactos na sociedade, no mercado e na publicidade, e como este comercial contribuiria para um marco inicial de transformação da forma como os filmes publicitários poderiam ser construídos em um futuro próximo, já que apesar de todas as denúncias, o filme alavancou as vendas da empresa após a veiculação4. O processo de elaboração desta dissertação inclui um levantamento histórico não só da publicidade televisiva com representação homossexual, mas também de outros formatos direcionados para televisão aberta, tais como telenovelas, minisséries e filmes nacionais, de

4 Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/06/vendas-de-o-boticario-aumentam-apos- boicote-evangelico.html Acesso em 19 ago 2018.

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forma a compreender o espaço que é cedido ao homossexual na televisão brasileira e quais papéis de gênero e social ele desenvolve nestas tramas. A pesquisa considera também a necessidade de compreensão do atual momento histórico do país (2018), no que tange ao espaço social ocupado pelas minorias sociais e a onda de conservadorismo na qual estamos mergulhados. Este momento reflete não só a construção sociocultural do país, que foi forjada em uma economia escravocrata, e mesmo após a abolição ainda tem a desigualdade como um dos seus valores principais, elegendo uma elite cuja agenda é norteada pela exclusão das necessidades e vontades das camadas mais populares. Mas também, o fato de que a sociedade apresentou nos últimos seis anos considerável aumento no que diz respeito a posturas mais conservadoras e tradicionais em relação às temáticas sociais como casamento de pessoas do mesmo sexo, legalização da maconha, legalização do aborto, pena de morte, redução da maioridade penal e prisão perpétua.5 Para tal compreensão, traçamos um recorte cronológico que vai de 2012 a 2018, não somente da publicidade, mas de questões político-sociais, porque consideramos importante para esta pesquisa, uma análise, ainda que de forma breve, dessa atual onda conservadora que tem permeado várias camadas da população brasileira e que reflete diretamente na forma como essas temáticas são discutidas, aceitas ou rejeitadas pela sociedade. Vale salientar que a inquietação que moveu este trabalho residiu na identificação de uma significativa carência de pesquisas que interliguem questões de gênero e comunicação, principalmente, no sentido de deslocar o gay deste local de marginalidade, e contribuir para novas possibilidades de expressá-lo, em campanhas publicitárias. De forma que não temos a intenção de esgotar este assunto, sobretudo porque seria um objetivo insano, assim, buscamos fornecer contribuições para que novas pesquisas sejam realizadas e novos questionamos nasçam a partir das lacunas deste trabalho. A pesquisa está dividida em três capítulos. Assim o fizemos para permitir ao leitor contextualizar a história da televisão, entender o conceito de imaginário, e posteriormente, compreender as influências deste na concepção de um padrão social no que diz respeito aos processos de representação da pessoa homossexual, para então, elucidar o papel contributivo da publicidade na manutenção de estereótipos.

5 Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/a-nova-onda-conservadora-no-brasil | https://exame.abril.com.br/geral/pesquisa-ibope-comprova-que-brasileiros-estao-mais-conservadores/ Acesso em 11 ago 2018

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Desta forma, no capítulo dois realizamos uma contextualização da história da televisão no Brasil, bem como estabelecemos um paralelo que procura sistematizar historicamente, a trajetória da publicidade nesse veículo de comunicação. Também identificamos pontos importantes da construção da relação do brasileiro com as telenovelas e o papel deste produto na introdução dos processos de representação da homossexualidade, na programação televisiva. Para tanto, realizamos a análise de nove telenovelas com representação homossexual exibidas entre os anos de 2010-2013. Neste capítulo também intentamos discutir, à luz de conceitos que definem a noção de Imaginário Social, a importância da televisão no processo midiático de construção de imaginários sociais, procurando indicar seus reflexos na publicidade. No capítulo três, abordamos o poder simbólico exercido pelos comerciais televisivos no imaginário coletivo, partindo da compreensão e da apreensão de conceitos, que elucidam este poder e as dinâmicas por ele estabelecidas com o sujeito social. Apresentamos, panoramicamente, as influências da religião nas interpretações e compreensão de identidade de gênero e orientação sexuais consideradas como desviantes pela sociedade, visto que reconhecemos a existência de articulações, no campo político e também no campo social, por parte de pessoas religiosas, como os evangélicos Silas Malafaia, Ana Paula Valadão, Marco Feliciano, Irmão Lázaro, Márcio Marinho, Cabo Daciolo, sendo os quatro últimos, parte integrante dos 199 deputados6 que compõem a bancada evangélica na Câmara de Deputados, e que contribuem para manter grupos dissidentes nas margens sociais. Concordamos, no campo teórico, com a ideia da existência da condição de “não emancipação” do telespectador, no sentido defendido por Rancière (2010) frente às temáticas abordadas na programação televisiva, partindo de uma fundamentação deste local de “espectador não emancipado” em aspectos heteronormativos e coloniais da sociedade brasileira. Questionamos também a construção social acerca da homossexualidade no Brasil e o poder que a publicidade exerce sobre o indivíduo como parte de um coletivo social. No capítulo 4, analisamos o vídeo de O Boticário e sua repercussão na sociedade no ano em que foi veiculado (2015). Além disso, examinamos dados estatísticos referentes à violência homofóbica no país.

6 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Bancada_evang%C3%A9lica Acesso em 19 ago 2018.

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Discorremos a respeito do papel passivo da publicidade e a ausência de contribuições significativas no que tange à temática homossexual, ainda que simbólicas, quando se isenta da abordagem de temas sociais tão relevantes para a sociedade. Apesar da publicidade existir para divulgar e promover a venda de produtos, bens e serviços, acreditamos e concordamos com as afirmações de Toscani (1996) quando este indica que a publicidade pode e deve ser utilizada para a promoção do bem-estar social, da diversidade, do respeito, e da pluralidade humana, principalmente, se levarmos em consideração o seu alcance. Também realizamos reflexões acerca das intenções por parte da agência AlmapBBDO que produziu o comercial, com a finalidade de estabelecermos algumas considerações, acerca do que viriam a ser os possíveis horizontes para a publicidade brasileira. No que diz respeito ao nosso principal objetivo, que é identificar quais as perspectivas para a publicidade televisiva brasileira com representação homossexual, acreditamos que realizamos esse intento. Entendemos que embora a publicidade ainda se atenha a representação homossexual pelo viés do estereótipo, o caminho para a ruptura das fronteiras marginais é inevitável. Longe de eleger O Boticário como uma marca pró-LGBT, pois reconhecemos as limitações da comunicação da companhia no sentindo de ter apresentando um comercial ainda que não estereotipado, heteronormatizado, acreditamos que a partir do comercial de O Boticário, outras marcas arriscaram veicular comerciais com representação homossexual não estereotipada. Isto por si só, já é um indicativo de uma possível mudança. A diferença? Nenhuma destas marcas ainda ousou desafiar a grande audiência televisiva, se reservando apenas ao espaço da internet para declarar seu apoio a causa LGBT. Ao elaborarmos esta dissertação, chegamos a algumas conclusões, dentre elas a de que podemos atribuir à publicidade certa parcela de responsabilidade pela manutenção de uma ordem social conservadora, reforçando, assim, os retrocessos na abordagem de questões relacionadas à sexualidade que fogem à norma social, comprometida majoritariamente com o padrão ideal da heteronormatividade. Contraditoriamente aos processos de legitimação e conservação de uma moral rígida, que a prática da publicidade vem reproduzindo, podemos presumir que, a partir da campanha de O Boticário, as grandes marcas tendam a acompanhar o movimento e incorporarem, cada vez mais, pautas voltadas para a agenda das minorias na elaboração de suas campanhas.

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2. A GENTE VIVE JUNTO, A GENTE SE DÁ BEM: A IMPORTÂNCIA DA TELEVISÃO NA CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO SOCIAL

Ciente de que há inúmeros trabalhos e pesquisas que dão conta de contextualizar historicamente a televisão no seio da sociedade brasileira, desde a inauguração da primeira emissora nacional até os dias atuais, não temos a intenção de tornar esse texto repetitivo. Contudo, é pertinente para o desenvolvimento e embasamento desta pesquisa que resgatemos, ainda que brevemente, as dinâmicas receptivas que foram, a partir da inauguração da televisão no Brasil, engendradas pelos seus produtos com audiências midiáticas crescentemente massivas e conformadoras do tecido social brasileiro. Faz parte de nosso intento abordar, neste capítulo, a importância da televisão e as influições da sua programação na construção do que viria a ser a publicidade, bem como as suas influências na elaboração desta construção midiática no imaginário social. Para esta finalidade, trabalhamos, simultaneamente, com as principais transformações pelas quais a nossa sociedade atravessou entre as décadas de 1950 a 2010, estabelecendo um elo de ligação com a trajetória da televisão, no acompanhamento desse percurso político-social. Fizemos também um paralelo entre a história da homossexualidade no Brasil e a história da publicidade, visto que objetivamos compreender em que âmbito as características e condições atribuídas à homossexualidade e as suas expressões no campo da produção televisiva se entrelaçaram e se entrelaçam. Buscamos também saber se estes dois domínios de investigação se encontram, de fato, associados até os dias atuais.

2.1. Não desejamos mal a quase ninguém: uma breve história da televisão, da publicidade e da homossexualidade no Brasil.

Podemos elencar diversas pesquisas que dão conta de relacionar marcos cronológicos, técnicos, comunicacionais e factuais da história da televisão no Brasil, desde o seu surgimento em 1950, até os dias atuais. Dentre elas, elegemos as pesquisas de Jambeiro (2001), Silva (2005), Almeida (2006), Scoralick (2008), Barbosa (2013) e Quinalha (2017), a fim de estabelecer uma linha temporal que correlacione os mais importantes acontecimentos históricos do país nos âmbitos político, social e econômico, com o nascimento, crescimento e enraizamento da televisão no seio da nossa sociedade. Segundo Jambeiro (2001), as dinâmicas firmadas pela televisão com o coletivo social tiveram início, na realidade, duas décadas antes de sua inauguração, com o surgimento do rádio.

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Ao iniciar sua análise pela década de 1930, Jambeiro (2001), aborda as mudanças culturais no país, advindas da Revolução de 30, quando a “cultura passou a ser entendida como um instrumento de organização política e disseminação ideológica” (p. 41). O autor ainda enumera as diversas censuras pelas quais o rádio e sua programação foram submetidos, já que após a Revolução de 30 “o desenvolvimento da radiodifusão, assim como ocorria com jornais, revistas e outras publicações, sofria controle severo do Governo Vargas, sobretudo, a partir de 1937, com a implantação da ditadura do Estado Novo”. (JAMBEIRO, 2001, p. 41). Neste período, Jambeiro explica que:

Vargas criou o DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, em 1937, vinculou-o diretamente ao seu gabinete, a partir de 1939, e através desse órgão, estabeleceu controle oficial e censura sobre a comunicação de massa, a cultura e as artes. O modelo de funcionamento do rádio foi então estabelecido ao estilo brasileiro: severo controle do conteúdo, particularmente notícias; implantação de algumas emissoras sob direto domínio e operação estatal (Rádio Nacional, por exemplo); e estímulo ao desenvolvimento das emissoras comerciais como base do modelo adotado. (JAMBEIRO, 2001, p. 41). A censura de Vargas, entretanto, não foi suficiente para frear o crescimento exponencial do novo meio de comunicação. Três anos após o estabelecimento da censura, em 1940, a radiofonia passava pelo que seria chamada de A Era de Ouro. Scoralick (2008), indica que nesta época, as produções já eram, apesar do cerceamento, bem elaboradas, a programação, por sua vez, era voltada para o entretimento, predominantemente para os programas de auditório, radionovelas e humorísticos. A autora ainda aponta que com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial, os noticiários extraordinários tomaram conta das rádios, iniciando o radiojornalismo, uma formula de sucesso que se perpetuaria posteriormente também com a televisão. (p. 3) Em conjunto com as alterações na programação radiofônica, e nas informações publicadas nos demais veículos, o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda de Vargas exerceram grande influência no desenvolvimento industrial do país ao promoverem um crescimento ainda mais dinâmico dos setores econômicos. Foi assim que o Brasil conseguiu modernizar seus sistemas produtivos e seu aparato tecnológico, já que capital, conhecimento e tecnologia foram, conforme elucida Jambeiro (2001), massivamente importado da Europa e principalmente dos Estados Unidos. Desta forma (...) o rádio, que desde meados dos anos 30 tinha se tornado um aliado dependente do sistema industrial e comercial da economia, tornou-se uma importante ligação entre a produção e o consumo de bens, através, principalmente, da publicidade. (JAMBEIRO, 2001, p. 44)

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Assim, a sustentação financeira do rádio estava diretamente ligada ao fato de que os meios de comunicação de massa no país, desde o início, foram predominantemente controlados e operados por interesses privados. No que tange à publicidade, entre 1928 e 1935, vieram para o país várias agências americanas, dentre as quais Jambeiro (2001) identificou algumas das maiores do mundo, como McCann, Erickson e Thompson, justamente para acompanhar aqui no Brasil, o investimento realizado pelas empresas para as quais já trabalhavam na Europa ou nos Estados Unidos, nesse meio de comunicação de massa. (JAMBEIRO, 2001). A interferência dessas agências foi de fato decisiva para a mudança do modelo de publicidade nacional, já que elas não só transferiram a verba das revistas e jornais para o rádio, mas auxiliaram ou produziram programas voltados para os novos públicos (que foram, com os avanços econômicos, adquirindo o rádio), moldando desta forma a publicidade radiofônica brasileira à imagem da publicidade norteamericana. A participação ativa do interesse privado atrelada à chegada destas grandes agências de publicidade no país, proporcionaram em 1938, no Brasil, a existência de 41 emissoras de rádio. A maioria trabalhando como empresas, vendendo anúncios e espaços para publicidade. (JAMBEIRO, 2001) Com a competição acirrada do rádio para com os meios impressos, os donos destes dois últimos veículos (jornais e revistas) começaram a buscar alternativas para superar a perda dos investimentos. Como não era possível enfrentar e nem eliminar o novo aparato comunicacional, os proprietários criaram empresas, que eram, na verdade, conglomerados, que viriam a substituir os rádios-clubes. (JAMBEIRO, 2001) Foi nesta tentativa de superar a queda no capital publicitário, que nasceu em 1938, o maior conglomerado de veículos de comunicação do país: Emissoras e Diários Associados criado por Assis Chateaubriand e que viria, duas décadas depois, em 1958, dispor de 36 emissoras de rádios, 18 emissoras de televisão, 34 jornais diários e várias revistas, dentre as quais a de maior circulação no país, O Cruzeiro, com quase um milhão de exemplares vendidos semanalmente. (JAMBEIRO, 2001, p. 47). Neste mesmo período, tanto os norte americanos quanto os ingleses criavam e veiculavam propagandas consideradas xenofóbicas e preconceituosas no rádio, com a intenção de manipular os soldados contra seus inimigos. Do lado alemão as propagandas idealizadas por

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Goebbels, falavam acerca da superioridade racial ariana sobre os judeus. (SEVERINO, GOMES E VICENTINE, 2012, p. 3) Em consonância com essas práticas, ainda no início da década de 40, o Brasil, assim como os demais países da américa latina, passou a ser o alvo de várias operações culturais, sociais e de informação por parte de agências norte-americanas. O Brasil acabou recebendo diversos produtos norte-americanos, tais como discos, filmes, livros e revistas somados a já existente invasão dos produtos industrializados anunciados nas rádios, jornais e revistas brasileiros, representando a exaltação das conquistas do mundo livre e da condenação das barbáries cometidas pelos nazistas durante a guerra. (JAMBEIRO, 2001). Com o fim da guerra e com o retorno das tropas brasileiras ao país, contaminadas por ideais democráticos, houve oposição suficiente para que em 1946 a censura fosse eliminada, junto com o controle do governo sobre os meios de comunicação de massa, afirmando a liberdade de expressão. Neste mesmo ano, conforme elucida Barbosa (2013), passou-se a serem observados nos anúncios publicitários radiofônicos, nas matérias publicadas nos jornais diários como O Cruzeiro, nas revistas que até então eram destinadas apenas a publicar notícias sobre o rádio, o que a autora nomeia como “a formação de um imaginário tecnológico sobre a televisão”. (p. 16) Este foi, conforme Jambeiro (2001), um capítulo singular na história dos meios de comunicação de massa no país. No final da década, já existiam 243 emissoras de rádio, sendo a Rádio Nacional nos quinze anos seguintes (até 1960), a maior e mais importante emissora de rádio da América Latina, apesar de ter ficado durante a Era Vargas sob domínio do governo.7 A Rádio Nacional recebeu, neste período, quase oito milhões de cartas de ouvintes, o que equivale a cerca de mil e quatrocentas cartas por dia. Apesar de ter sido a Rádio Nacional a realizar as primeiras transmissões experimentais da televisão na América Latina, em 1946, por razões até os dias atuais desconhecidas, o governo cedeu para Chateaubriand a primeira concessão brasileira de televisão. (JAMBEIRO, 2001).

7 Em 1940, Getúlio Vargas, em pleno Estado Novo, tomou de seus donos a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, investiu nela bastante dinheiro e transformou-a na emissora mais ouvida da América Latina, por mais de 10 anos. Além desta, o governo operava duas ou três outras, inclusive a Rádio Ministério da Educação e a Rádio Mauá, está vinculada ao Ministério do Trabalho. (JAMBEIRO, 2001, p. 118).

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Neste sentindo, acreditamos ser importante situar o leitor acerca da participação de quatro, entre os maiores anunciantes publicitários do país à época, no “empreendimento televisão”. Em seu discurso inicial, que ocorreu em 1950, Chateaubriand indica que desde 1946, quando conquistou a concessão, recebeu aporte financeiro da Companhia Antarctica Paulista, do grupo Sul América Seguros, do Moinho Santista e da Organização Francisco Pignatari, fabricante da Prata Wolff como subsidio para a iniciativa. (BARBOSA, 2013). Quando a televisão nasceu no país em 1950, quatro anos após o inicio dos trabalhos de Chateaubriand, Jambeiro (2001) nos mostra que o rádio já havia consolidado o padrão industrial que durante décadas predominou na radiodifusão brasileira. Este padrão era composto pela busca da audiência de massa, a predominância do entretenimento sobre programas educacionais, o controle privado sobre a fiscalização governamental e a economia baseada na publicidade. Almeida (2006) realizou contribuições fundamentais para entendermos estas e outras fases da história da televisão, em especial, quando marca o sucesso e a expansão que ocorreram a partir da sua inauguração em 18 de setembro de 1950, posto que, no final da década, conforme elucida a autora, havia no eixo Rio – São Paulo, seis novas emissoras de televisão. Embora essa expansão tenha sido significativa, a televisão ainda era na época “um brinquedo de elite, feito pela elite e para a elite” (ALMEIDA, 2006, p. 19), já que nem todos dispunham da possibilidade de comprar os aparelhos, restringindo seu acesso aos ricos do país. Buscando se popularizar, a televisão, conforme pontua Muniz Sodré (2002) citado por Almeida (2006), caiu por inteiro nas malhas do comércio e da propaganda, passando então a significar o futuro dos meios de comunicação no Brasil. É neste ponto que a televisão se entrelaça com a publicidade. Por este ângulo, Jambeiro (2001) ratifica a ideia de expansão comercial dos meios, ao mencionar que, em 1959, os serviços de televisão vinham se expandindo para o Sul e o Nordeste do país, encontrando em meados dos anos 60, as condições ideais para se consolidarem como indústria, através das redes nacionais.

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2.1.1 E a gente vai à luta e conhece a dor: a ditadura e suas influências na comunicação brasileira

Apesar de apresentar significativo crescimento, a expansão do aparato televisivo e a diversidade dos programas apresentados na televisão e no rádio foram bruscamente freados pela ditadura militar, no período de 1964 a 1985. O regime militar controlava os processos produtivos dos veículos de comunicação, impondo censura político-ideológica à programação e tornando-a homogênea e alienante. A nova programação tinha como objetivo apoiar o conjunto de aspirações de linhas mestras que estavam, de acordo com o novo modelo de governo, ligadas às condições de existência do país. A liderança militar e golpista se constituía, na sua grande maioria, pelos mesmos sujeitos que apoiaram a Revolução de 30 e o Estado Novo de Getúlio Vargas. (JAMBEIRO, 2001). A censura no período da ditadura dizia respeito a questões políticas, mas não se restringia somente a esta dimensão, pois repercutia também, segundo Quinalha (2017), em temas de natureza comportamental ou moral. O autor, entretanto, realiza uma reflexão sobre o caráter político desse processo:

Toda censura, sem dúvida, tem uma dimensão política inegável. Afinal, é da própria definição do processo censório impedir a produção de determinadas informações, restringir a liberdade de pensamento e de expressão, colocar obstáculos para que opiniões circulem no espaço público e acabar com essa vocação autoritária, impondo uma visão única sobre assuntos complexos e que deveriam comportar uma pluralidade de perspectivas. Trata-se, portanto, de um ato essencialmente político. Além do mais, qualquer censura moral e dos costumes de uma sociedade também possui um aspecto intrinsecamente político de policiamento de condutas, de limitação das liberdades, de sujeição de corpos, de controle de sexualidades dissidentes, de domesticação dos desejos e mesmo de restrição às subjetividades de modo mais amplo. (QUINALHA, 2017, p. 38).

Para ilustrar esse período de opressão, citado por Quinalha (2017), resgatamos os Festivais da Canção ou Festivais da Música Popular Brasileira que aconteceram ininterruptamente entre 1965 e 1969, realizados e transmitidos pela televisão (TV Excelsior e TV Record). Estes festivais passaram a representar uma válvula de escape não somente contra a opressão política, mas também contra a censura cultural e de costumes. Eles eram utilizados pelos jovens cantores brasileiros para protestarem contra a ditadura.

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Em um dos momentos mais icônicos desta fase, compôs “É proibido proibir”. O cantor e compositor baiano elegeu a etapa paulista do Festival Internacional da Canção realizada no dia 15 de setembro de 1968 para apresentar ao público a música que fora inspirada em uma pichação feita num muro da capital francesa, no auge das manifestações parisienses, que ocorreram em maio do mesmo ano. Caetano foi vaiado e a música desclassificada da competição.8 Os festivais são um exemplo elucidativo de uma das muitas razões que levaram a televisão brasileira, apesar da censura, a alcançar o seu auge no período da ditadura. O motivo para tal popularidade deve-se ao fato de que a população dependia dessa nova, porém já necessária, tecnologia para se informar e se atualizar a respeito do regime político que vigorava no país:

A partir dos anos 1970, a televisão brasileira proveu aos cidadãos a autoimagem de brasilidade, auxiliando na organização da sociedade pela integração nacional pretendida pela ditadura militar, inserindo as pessoas no mundo da autoridade da informação visual, “dinâmica pragmática e publicitária da população” e incandescência da “sociedade do espetáculo” (BUCCI, 1997, p. 19 apud DIAS, 2017, p. 288).

É nessa tempestade de acontecimentos que a Rede Globo, apoiadora declarada da ditadura, através do seu jornal impresso O Globo, e da emissora de rádio de mesmo nome, inicia as atividades de sua emissora de televisão no ano de 1965. (ALMEIDA, 2006). Com recursos financeiros muito mais abundantes do que suas concorrentes, devido ao acordo bilionário entre a Globo e a empresa norte-americana Time-Life, a emissora cresceu a passos largos. De acordo com Areas (2015), a referida empresa estrangeira enviou, com a anuência do governo brasileiro, cerca de 6 milhões de dólares à empresa de Marinho, entre 1962 e 1966. Jambeiro (2001), entretanto, elucida que, apesar de sua boa relação com os militares, e de frequentemente transmitir notícias pró-governo em seus telejornais, a Rede Globo também sofreu censura de natureza moral, econômica e política em suas telenovelas, telejornais e programas de entretenimento.

8 Disponível em: https://historiativanet.wordpress.com/2012/10/30/em-tempos-de-repressao-os-festivais-de- musica-e-o-tropicalismovoxc/ Acesso em 19 ago 2018.

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2.1.2 Eu tô plugado na vida: entrelaçamento da homossexualidade no Brasil com a televisão e a publicidade

Após este breve panorama sobre a história da televisão no Brasil construído com o objetivo de também pôr em relevo importantes mudanças político-sociais que aconteceram no país, transformações que refletiram, inclusive, no nascimento e consolidação da publicidade e da propaganda, abordaremos pontos de entrelaçamento que reconhecemos existir entre três eixos estruturais da investigação: a) a trajetória da televisão no Brasil; b) os primeiros formatos reconhecidos como pertencentes ao universo da prática publicitária e veiculados pela televisão; c) as primeiras manifestações de incorporação de expressões, sentidos e representações homossexuais na programação da televisão brasileira.

Especificamente, no que diz respeito à homossexualidade, o que se tem documentado, a partir da década de 30, é o abafamento constante da vida gay, através da repressão política e psiquiátrica, o que só iria mudar na década de 1950 (GREEN, 2000, p. 150). Paralelamente ao nascimento da televisão no país, a visibilidade gay despontava segundo Green (2000), como estratégia irreversível na história da emancipação, levando a criação dos primeiros jornais e revistas gays nacionais. Estes proliferaram durante toda década de 1960 como imprensa alternativa, solidificando do ponto de vista social, as relações entre sujeitos, antes, bastante isolados. Fato que gerou nova repressão no período da ditadura militar, já que a censura não veio somente para os meios de comunicação, mas também para coibir manifestações ideológicas, políticas, morais e comportamentais. O regime militar, por meio do uso da força e da repressão, é autor do que conhecemos como “Caça aos Homossexuais”. A verdade é que antes da ditadura, a censura moral já existia, vide a perseguição policial e psiquiátrica destinadas a sujeitos de sexualidade consideradas até então como patológicas, como a que ocorreu na década de 1930. O cerceamento da possibilidade de existência da homossexualidade, sob o olhar de Quinalha (2017), não era negado pelas autoridades, nem tampouco disfarçado ou clandestino, ao contrário, era desimpedido e explícito. Durante a ditadura militar, as questões que envolviam a homossexualidade passaram a ser, no âmbito político, associadas diretamente com pautas da esquerda, do Comunismo. Assim, atentar contra a moral e os bons costumes seria, de acordo com o regime militar, “uma tática insidiosa numa guerra psicológica para promover uma revolução anticapitalista por

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meio do enfraquecimento dos maiores pilares da sociedade: a religião cristã e a família”. (QUINALHA, 2017, p. 44). Quinalha (2017) salienta que apesar desta paranoia anticomunista, não é adequado reduzir todo o conservadorismo moral em voga na época a um combate a estes discursos, sobretudo, porque havia por parte das famílias e dos religiosos, uma preocupação com a exposição da juventude à pornografia nas bancas de revistas, as cenas eróticas exibidas na televisão, ou ainda com o fato da juventude buscar prazer fácil nas tentações mundanas. O sentimento não era apenas de repulsa à ameaça comunista, mas sim de uma autoproteção dos papéis sociais e valores tradicionais da família diante das mudanças que estavam por vir. Exemplo disso, é a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que fez parte de um conjunto de manifestações político-ideológicas ocorridas no país, em reação ao discurso do então presidente João Goulart, em março de 1964 (que propunha reformas de bases), e que foi um dos fatores considerados historicamente como contributivo para a instalação da ditadura no país. A primeira marcha aconteceu em março de 1964, poucos dias depois do discurso de Jango e pouco antes do golpe militar, com o objetivo de impedir a ditadura comunista no país e derrubar o presidente. Dela participaram cerca de 500 a 800 mil pessoas de vários grupos sociais, incluindo as famílias, os setores públicos mais conservadores e os religiosos.9 No campo político, todo aquele que era identificado como comunista e subversivo, era inimigo do estado. A subversividade se aplicava ao campo moral, alcançando vários domínios sociais e, inclusive, os sujeitos de sexualidade consideradas como desviantes, isto é, anormais. (BUTLER, 2003). Havia um aparato de controle deontológico contra estes sujeitos, de forma que os homossexuais, as travestis, as prostitutas e todo aquele que era considerado como anômalo para os padrões da religião, da moral e dos bons costumes viraram alvos de perseguição, tortura, detenções arbitrárias, expurgos de cargos públicos e diversas outras formas de violência.10 Esta censura acabou por marginalizar ainda mais a comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais (LGBT), levando-os a manter seus locais de sociabilidades e

9 Disponível em: http://www.ebc.com.br/cidadania/2014/03/marcha-da-familia-com-deus-pela-liberdade-em-19- de-marco-de-1964-0 acesso em 19 ago 2018.

10 Disponível em: http://memoriasdaditadura.org.br/lgbt/index.html acesso em 19 ago 2018.

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expressividades nos guetos, já que não podiam se organizar enquanto movimento político- social devido à perseguição ocorrida neste período. Paradoxal e concomitantemente, foi nesta época também, que a homossexualidade começou a ocupar espaço na programação televisiva, através do estereótipo da bicha afeminada ou marginalizada, conforme elucidam alguns autores (Colling, 2007; Iribure, 2008; Silva, 2015). Nas telenovelas, o indivíduo gay se encontra associado à marginalidade ou a estereótipos humorísticos, enquanto que, na publicidade, o viés do humor era o mais adequado, já que, como bem pontuou Iribure (2008), a estratégia da marginalização não era adequada para o anúncio e venda de serviços e produtos. É importante lembrar que, no tocante ao contexto político-social, apesar das pautas desta minoria serem vinculadas, pelo governo militar, ao Comunismo, de forma a depreciá-las junto à população, elas não faziam parte da formação ou consolidação das lutas do movimento comunista, posto que este rejeitava tudo aquilo que desviasse da sua prioridade (o movimento operário). A despeito da censura e do estigma criados em vários âmbitos sociais, veementemente em relação aos homossexuais, no período das décadas de 1960 e 1970, segundo Green (2006) citado por Santos (2009), é possível afirmar que houve, lentamente, uma organização dos homossexuais no Brasil. Expoente desta atuação é a criação, em 1976, do Dia do Homossexual, que seria comemorado no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, e que não o foi em decorrência da repressão policial. Tanto no que diz respeito à homossexualidade, à publicidade ou à televisão, a censura, permaneceu até o fim da ditadura em 1985. Foi a partir de então, com a redemocratização da sociedade, conforme Santos (2009) aponta, que a questão da homossexualidade, no que tange à noção de identidade gay, se tornou mais iminente. Mesmo com uma militância reduzida a poucos ativistas, a representatividade dos homossexuais foi firmada na sociedade principalmente pela fundação do Grupo Gay da Bahia, em 1980. A década de 1990 foi o período de inserção dos homossexuais em vários campos da sociedade. O consumo do público gay passou a crescer muito no Brasil, segundo Trevisan (2007 apud Santos 2009). Desta forma, em todo o país, começaram a surgir vários jornais, revistas, e

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produtos dirigidos ao público gay, o qual passou a ser visto como um nicho de mercado interessante e rentável, devido ao seu poder de compra. No que diz respeito à televisão, cinco anos após o fim da ditadura, a Rede Globo ocupava a 38ª posição entre as 100 maiores empresas do mundo, e já havia se consolidado como a prioridade das agências de publicidade, no Brasil, não só por conta da sua presença em diversas capitais do país, mas também a possibilidade de veicular notícias prejudiciais à imagem dos produtos, devido ao seu grande alcance em território nacional. (ALMEIDA, 2006). Desta forma, os anunciantes se viam forçados a se adequarem à política da emissora. Assim, a Rede Globo permaneceu até 1994 sem uma concorrência que fizesse frente ao seu monopólio em termos de veículo de comunicação de massa. (JAMBEIRO, 2001). A configuração de um cenário impulsionado pelo crescimento econômico dos anos 1960 e 1970, consolidado nos anos 1990, transformou a televisão em um importante guia, por meio do qual as pessoas estruturam suas rotinas e seu ritmo de vida, bem como as ocupações domésticas. Para milhões de brasileiros, a partir deste período histórico, a televisão passou a ser parte integrante da rotina, prática que reverbera até os dias de hoje: É em volta dela que amigos se reúnem para assistir à partida de futebol no final de semana, que as amigas se unem para saber com quem o mocinho vai casar no último capítulo da novela e as crianças chamam a vizinhança para assistir ao desenho. A televisão, além de organizar a disposição dos móveis, na maioria dos lares brasileiros, de modo que ela esteja centralizada, é um instrumento de proliferação de cultura e união entre as pessoas. (DIAS, 2017, p. 286).

É justamente no sentido de proliferação de cultura e da união entre as pessoas que a televisão influencia o imaginário coletivo, já que como elucida Musse (2013) a “televisão atua como a principal mediadora das relações sociais e construtora das identidades coletivas.” (p. 223). É a partir desta força associada à compreensão de Modernidade Tardia, defendida por Stuart Hall (2015), seus desdobramentos e estímulo às necessidades e instantaneidades dos prazeres, que a publicidade ganha através da televisão cada vez mais relevo. O processo de estímulo desses prazeres e a criação de novas demandas, que são supridas através do consumo, movimentam bastante o sistema capitalista. O que fica evidente, após este resgate histórico, é que: Tendo crescido em consonância com outros processos estruturais de mudanças ocorridos no período (...) a televisão, principalmente por meio das novelas, capta, expressa e alimenta as angústias e ambivalências que caracterizaram essas mudanças, constituindo-se em veículo privilegiado do

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imaginário nacional, capaz de propiciar a expressão de dramas privados em termos públicos e dramas públicos em termos privados. (LOPES, 2002, p. 4).

Será por meio deste imaginário social e nacional, cunhando por Hall (2015), em A identidade cultural na pós-modernidade, além da noção de identidades transitórias consoantes, da defesa pelo autor dos conceitos, construções imaginárias e simbólicas, cujas dimensões podem abarcar o papel da televisão, da publicidade e das representações acerca de expressões sociais da homossexualidade, que falaremos a seguir.

2.2. Você é bem como eu: o imaginário Social

Para entendermos como ocorreu o entrelaçamento entre a televisão enquanto influenciador do telespectador, e a publicidade televisiva no tocante à representação homossexual no imaginário social, principalmente, através de filmes publicitários exibidos na televisão de sinal aberto, se faz necessário uma elucidação acerca do conceito de imaginário. Antes disso, no entanto, precisamos discutir a fluidez das identidades na Modernidade Tardia (Hall, 2015), para que possamos compreender as transformações pelas quais a sociedade passou, no final do século XX e que influenciaram todas essas dinâmicas. Hall (2015) sinaliza o fato de que um tipo diferente de mudança estrutural transformou as sociedades modernas no final do século XX. Isto, segundo o autor, fragmentou as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. Estas eram as paisagens que no passado tinham nos fornecido, na interpretação de Hall (2015), uma sólida localização como indivíduos sociais, mas que no final do século já estavam se liquefazendo, devido às muitas mudanças políticas, econômicas, sociais e de comunicação pelas quais a sociedade transitava. No final do século, então:

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com as quais poderíamos nos identificar a cada uma delas – ao menos temporariamente. (HALL, 2015, p. 12)

Abordando o confronto com estas novas identidades, o autor indica a construção sociológica-identitária, na qual o sujeito fundamentava seu conceito individual de identidade com base nas suas interações entre o “eu” e a sociedade: “o sujeito ainda tem um núcleo ou

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essência interior que é o ‘eu real’, mas é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos ‘exteriores’ e as identidades que esses mundos fornecem”. (HALL, 2015, p. 11) No que tange aos processos de construções indenitárias relacionados às influências dinâmicas estabelecidas entre o sujeito e o exterior, além dos sistemas de significação e representação cultural, a televisão e os noticiários se consolidaram no país como um território simbólico, através do qual, os diferentes grupos sociais, que estavam, neste final de século XX, transitando por um câmbio de identidades, buscavam um sentimento de pertencimento, como bem sinalizou Musse (2013). A televisão passa então a exercer, no cenário desordenado e acelerado da Modernidade Tardia (Hall, 2015), a tarefa de explicar o mundo ao cidadão comum, fornecendo possibilidades de identidades a estes sujeitos. (MUSSE, 2013). Neste contexto: De maneira explícita, a televisão se tornou a mais poderosa mídia do cenário nacional, capaz de não apenas arrebanhar quase 60% dos investimentos publicitários do país, como também de pautar o tema das conversas cotidianas, influenciar a decisão sobre uma compra ou um voto e construir os desejos que seduzem corações e mentes de homens e mulheres de norte a sul do país (COUTINHO; MUSSE, 2009, p. 2 apud MUSSE, 2013, p. 224).

Nestas influências e construções de desejos residem parte do poder simbólico da televisão e da publicidade no imaginário social. Maffesoli (2001), em entrevista concedida no ano de 2001 para a Revista Famecos, é elucidativo na conceituação de imaginário social, bem como na discussão de pressupostos teóricos originários da compreensão de filósofos e pesquisadores, como é o caso de Durand (1988), Bachelard (1998) e Castoriadis (1982). O autor também discorre, ainda que panoramicamente, sobre a relação entre imaginário, tecnologias, televisão e publicidade. No primeiro momento, Maffesoli (2001) lança luz sobre o comum equívoco na definição de imaginário como algo oposto aquilo que é real. O sociólogo francês desmistifica certa ambiguidade na significação desse conceito, o que em geral, o coloca no campo da imaginação e longe de tudo aquilo que seria palpável e tangível, como se o imaginário não fosse nada além de uma ficção, sem consistência. Após esse esclarecimento, Maffesoli (2001) define o imaginário como:

O estado de espírito que caracteriza um povo. Não se trata de algo simplesmente racional, sociológico ou psicológico, pois carrega também algo de imponderável, um certo mistério da criação ou da transfiguração. (...) O Imaginário é uma força social de ordem espiritual, uma construção mental que se mantém ambígua, perceptível, mas não quantificável. (MAFFESOLI, 2001, p. 75)

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Por não acreditar que o imaginário seja quantificável, o sociólogo francês estabelece para o imaginário a condição de flexibilidade e maleabilidade. A partir disto, Maffesoli (2001) realiza uma dura crítica a pesquisa e a conceituação desenvolvidas por Castoriadis (1982) do que viria a ser sua compreensão de imaginário social. Apesar da crítica, no nosso entendimento, a definição deste conceito efetuado por Maffesoli (2001) está, em parte, em concordância com aquilo que Castoriadis (1982) vem a definir como imaginário coletivo social, ou instituições imaginárias da sociedade. Maffesoli (2001) afirma que, para Castoriadis (1982), o imaginário tem uma função determinada. É por isso que na interpretação deste autor, Castoriadis (1982) utiliza o termo instituição. Contudo, na percepção do sociólogo francês, o termo “instituição” tem um valor de estabilidade, o que confere certa rigidez sobre o que viria a ser essa noção de imaginário. Na visão de Michel Maffesoli: “fazer do imaginário uma instância necessariamente revolucionária, significa dar-lhe um estatuto que, por mais nobre, o limita”. (MAFFESOLI, 2001, p. 80). A despeito desta indicação, o conceito que foi por Castoriadis (1982) sustentado, é para nós de grande relevância na construção deste capítulo. Entretanto, ainda que o tomemos como balizador para nossas reflexões, nos comprometemos a não corroborar com a rigidez do termo cunhado por Castoriadis (1982). Procuramos elencar outros autores no momento de realizar o diálogo sobre o que viria a ser o Imaginário, sobretudo, para que não haja o enrijecimento de algo que, no entendimento de Maffesoli (2001), e também no nosso, deve por essência ser flexível, maleável. Analisando a definição de Castoriadis (1962), compreendemos que as instituições imaginárias funcionam como algo intangível, porém exercem reais influências nos sujeitos e em seu comportamento na vivência em sociedade. Em relação a estas instituições, o autor fornece contribuições significativas acerca de seu entendimento e aplicação no meio social:

Tudo o que se nos apresenta, no mundo social-histórico, está indissociavelmente entrelaçado com o simbólico (...) encontramos primeiro o simbólico, é claro, na linguagem. Mas encontramos igualmente, num outro grau e em uma outra maneira, nas instituições. As instituições não se reduzem ao simbólico, mas elas só podem existir no simbólico. (CASTORIADIS, 1982, p. 142)

O simbólico está presente em todos os padrões pré-estabelecidos pela sociedade. Apresenta-se nos comportamentos instituídos como certo e errado, assim como o conceito

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binário de feminino e masculino, e naquilo que está definido na perspectiva de gênero como entre lugares (que não são integralmente femininos e nem integralmente masculinos). Para Durand (1997), citado por Maffesoli (2001), não existe verdadeira diferença entre o simbólico e o imaginário, de forma que uma dimensão contamina a outra. No nosso ponto de vista, faz parte também deste simbólico o que chamamos de alienação social, no que diz respeito a determinada padronização de formas de ser, estar e de agir, no mundo físico e social, por parte de parcelas significativas de sujeitos sociais. Percebemos, inclusive, que as maneiras estandardizadas, uniformizadas, de ser e estar podem ser decorrentes de certa ausência de senso crítico. Esta alienação influencia diretamente na fundamentação e aplicação das instituições imaginárias no cotidiano coletivo, pois se apropriam de fontes imaginárias para alimentar imaginários (MAFFESOLI, 2001). Como exemplo, mencionamos os comerciais publicitários: O criador, mesmo na publicidade, só é criador na medida em que consegue captar o que circula na sociedade. Ele precisa corresponder a uma atmosfera. O criador dá forma ao que existe nos espíritos, ao que está aí, ao que existe de maneira informal ou disforme. A publicidade e o cinema lidam, por exemplo, com arquétipos. Isso significa que o criador deve estar em sintonia com o vivido. O arquétipo só existe por que se enraíza na existência social. (MAFFESOLI, 2001, p. 81)

Este enraizamento social ao qual Maffesoli (2001) se refere, aparece também, conforme Reis (2015), como estrutura de classe e de domínio por parte de uma maioria dominante, permitndo até que esta maioria exerça certo tipo de poder sobre as demais parcelas da população, inclusive as minorias sociais. É a partir dessas instituições dominantes que o observador confere um julgamento a um indivíduo levando em consideração os elementos simbólicos executados em formas de gestos, falas, vestimentas, dentre outros. Além disso, é importante elucidar que a compreensão deste entrelaçamento se faz necessária, assim como o exercício do poder simbólico no imaginário social, para que possamos lançar luz sobre os modos como a publicidade, através da televisão, pode solidificar estereótipos negativos acerca de uma orientação sexual na sociedade. Consideramos que esse processo de cristalização e de supremacia social de uma única forma de expressão sexual, seja um dos fatores responsáveis pelas reações adversas ao comercial de O Boticário. Isto, entretanto, veremos mais adiante no capítulo três. Maffesoli (2001) prossegue sua análise, indicando a existência de instrumentos ou tecnologias de criação e manutenção de imaginários. Também acredita no que diz respeito à

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televisão e à publicidade, na articulação do aspecto emocional com a técnica no intuito de estabelecer uma conexão entre os sujeitos. O autor aponta que: O imaginário é alimentado por tecnologias. A técnica é um fator de estimulação imaginal. Não é por acaso que o termo imaginário encontra tanta repercussão neste momento histórico de intenso desenvolvimento tecnológico, ainda mais nas tecnologias de comunicação, pois o imaginário, enquanto comunhão, é sempre comunicação. Internet é uma tecnologia da interatividade que alimenta e é alimentada por imaginários. (MAFFESOLI, 2001, p. 80).

Com tal definição de imaginário como algo que é maleável, flexível e que apesar de não estar no âmbito do tangível e do palpável, é real, está também instaurado nas identidades culturais e sociais de um povo, de maneira que realizaremos a seguir a análise de padrões sociais e culturais. Estes padrões figuram na contramão do conceito apresentado por Maffesoli (2001), pois no que diz respeito a fluidez no imaginário coletivo acerca de certas dimensões da existência social, são modelos que parecem solidificados, enrijecidos, tendem a legislar e orientar como devem ser vividos aspectos individuais e subjetivos do sujeito social como é o caso da sexualidade. Iniciaremos a análise da normatização e regulação destes padrões no que tange a construção dos conceitos do feminino e masculino, uma vez que representam uma dicotomia que concorre para nortear as concepções, interpretações e representações acerca da homossexualidade, na sociedade brasileira. Grande parte do que foge ao modelo construído com base na dicotomia e no comportamento guiado pela polaridade entre o que é concebido como sendo feminino (relativo à mulher) e masculino (relativo ao homem) é relegado ao estranhamento, à marginalização e ao ostracismo social. Compreendemos, portanto, que esses modelos binários e cisheteronormativos de gênero e sexo foram construídos e continuam a ser norteados - ao mesmo tempo são norteadores - através de uma sociedade patriarcal e falocêntrica. Inclusive, o que ocupa aquilo que chamaremos de fronteira (o entre-lugares), é taxado como homossexualidade, pois não se encaixa de forma rígida nos padrões sociais estabelecidos para estas identidades de gênero ou orientações sexuais binárias. Temos consciência de que este tema ainda é labiríntico, principalmente, porque sua significação, na maioria das vezes, é equivocadamente interpretada, já que os conceitos que formam a identidade de gênero e/ou orientações sexuais, ainda são, de acordo com Reis (2015),

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multifacetados no imaginário social devido aos conceitos padronizados e instituídos, que por vezes, são austeros. Todavia, a sociedade passou por grandes transformações no campo das relações sociais, bem como por expansão de fronteiras acerca das definições sociais e científicas das questões identitárias de gênero, orientação sexual, luta e direitos LGBTs, dentre outras, como assinalou Stuart Hall (2015). Estas mudanças estão atreladas à transição político-social do país e contam com a presença da esfera midiática (televisão e a prática da publicidade), a fim de que concorram positivamente como vetores de fortalecimento para os processos de mudanças sociais, dentre eles, o de alteração de mentalidades. No caso específico desta pesquisa, cumpre-nos relembrar que dentre a prática produtiva da televisão brasileira, determinados formatos comunicativos possuem mais destaque e aceitação pública que outros. Um deles é a telenovela. Genuinamente brasileira no campo do simbólico, a telenovela é um dos principais produtos de exportação, comercializada para 73 países e falada em 30 línguas distintas. Conforme Lopes (2003): A novela se tornou um veículo que capta e expressa a opinião pública sobre padrões legítimos e ilegítimos de comportamento privado e público, produzindo uma espécie de fórum de debates sobre o país. São inúmeros os aspectos pelos quais se manifesta a construção dessa obra aberta. Eles se dão a partir da escolha do tema da novela em forma de sinopse apresentada pelo autor (roteirista), revelando uma maior ou menor sensibilidade e afinidade com as demandas embrionárias ou explícitas no público. (LOPES, 2003, p. 12).

São essas sensibilidades e afinidades destacadas por Lopes (2003), relacionadas com as demandas embrionárias do público, que analisaremos em seguida, a fim de estabelecer um paralelo com a produção das telenovelas brasileiras e o engendramento da representação homossexual na publicidade televisiva do país, posto que os espaços dos intervalos das telenovelas são, em sua maioria, ocupados por filmes publicitários.

2.3 Só que nessa história ninguém sabe o fim: as telenovelas da Rede Globo.

Consideradas como um dos mais importantes fatores no desenvolvimento e estruturação da televisão no Brasil, segundo Jambeiro (2001), as telenovelas alcançaram o final do século sendo o gênero mais popular da grade e da programação televisiva.

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É importante, no entanto, resgatar a gênese deste produto televisivo, já que as novelas são na verdade uma modernização das radionovelas, que já eram um tipo popular de programa desde as suas primeiras transmissões nos anos 1940. (JAMBEIRO, 2001). A primeira radionovela a ser reproduzida em uma rádio brasileira de nome Em Busca da Felicidade foi importada de Cuba. Com roteiro de Leandro Blanco e adaptação de Gilberto Martins, a trama chegou aos lares brasileiros em 05 de junho de 1941, no horário de 10h30min, radiofonizada às segundas, quartas e sextas-feiras pela Rádio Nacional. (CHAVES, 2007). Para Chaves (2007): Sucesso instantâneo na programação, ela foi transmitida em 284 capítulos até maio de 1943, sob patrocínio de Colgate-Palmolive, através da agência Standard Propaganda, que tornou a publicidade nacional da década de 30 em multinacional. Nos moldes da estrutura de divulgação de programação norte- americana, que invadiu as rádios latino-americanas, a publicidade vai sustentar os “anos de ouro” do rádio no Brasil. (CHAVES, 2007, p. 31)

Durante o período em que eram veiculadas, as tramas apresentadas através das radionovelas eram interpretadas pelos ouvintes como algo real. Exemplo disto é o caso que envolveu uma radionovela exibida por uma emissora de São Paulo que incluía em seu enredo um personagem suicida. Após apresentar a história aos ouvintes, na rádio, “chegaram cartas que encheram dois sacos de sessenta quilos, com votos para que a vida dele se solucionasse, orações e cumprimento de promessas em Aparecida do Norte e na Igreja da Penha”. (BELLI 1980, p.135 apud CHAVES, 2007, p. 38). Em 1956, havia 14 radionovelas sendo transmitidas diariamente pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, o que correspondia a 50% da programação da emissora. (FREDERICO, 1982, p. 75 apud JAMBEIRO, 2001, p. 113). A interação com as radionovelas se deu nesse período não somente através das cartas, mas também das músicas tema de abertura e das revistas que passaram a circular por todo país com notícias sobre os atores e os enredos, e que certamente inspiraram a indústria televisiva da época. Consequentemente, foi nesse período, conforme Malcher (2002) que a primeira obra do gênero televisivo, O Direito de Nascer, adaptada de uma radionovela mexicana, passou a integrar a grade da televisão no Brasil. Isso nos leva a crer que o espaço encontrado pelas telenovelas foi também uma consequência natural da absorção do estilo radiofônico. Introduzidas na programação através de pequenas inserções que eram ainda atreladas ao modelo instituído pelo rádio e pelo teatro, somente no início dos anos 1960, as telenovelas passaram a ser exibidas diariamente.

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A exibição foi parte importante na consolidação da telenovela como um dos produtos de maior audiência do meio televisivo já nesta época, mas apenas ao final da década é que se processa a ruptura com os modelos vigentes na elaboração da novela baseada apenas na ficção. A adaptação mexicana viria a ser suplantada pelas suas irmãs nacionais: Véu de Noiva (Rede Globo) e Beto Rockfeller (Rede Tupi), ambas exibidas em 1969. São consideradas por pesquisadores desta temática (Malcher, 2002; Telles, 2004; Jambeiro, 2001; Almeida, 2006; etc.), como marcos decisivos na criação do que viria a ser a linguagem, técnica, temática e trama da telenovela brasileira, sobretudo, porque diferia das produções de outros países latino- americanos. Foi a demarcação para que os personagens lendários e distantes da realidade cotidiana do brasileiro, como os heróis mexicanos, dessem lugar para temáticas mais aproximadas da nossa identidade cultural, iniciando a construção do que viria a ser a influência e interferência da telenovela sobre os comportamentos, os hábitos, os valores e até mesmo a linguagem do telespectador. (ALMEIDA, 2013, p. 32). Dito isto, julgamos importante salientar a nossa análise irá se debruçar sobre o filme publicitário de O Boticário para o Dia dos Namorados do ano de 2015, e não sobre um estudo da recepção ou das representações da homossexualidade na telenovela brasileira, buscando entender seus mecanismos de aceitação por parte de grandes audiências televisivas estabelecidas no Brasil. Vamos nos deter na observação de algumas das tramas da Rede Globo, por considerarmos relevante para compreendermos o espaço que a telenovela ocupa como produto que possui um dos maiores apelos populares midiáticos no Brasil, e que dispõe de uma das mais significativas dimensões simbólicas no que diz respeito às representações da sociedade brasileira. Essa associação é possível já que nas tramas novelísticas: Questões como reforma agrária, violência, drogas, alcoolismo e homossexualidade vêm sendo continuamente tratadas nas produções brasileiras, o que (...), contribui para ampliar discussões, pautar a imprensa e influenciar a agenda social e política do país. (TELLES, 2004, p.2)

O aprofundamento que intentamos realizar nas tramas das telenovelas brasileiras com representação homossexual tem como objetivo descobrir os mecanismos simbólicos intrínsecos na construção dos personagens homossexuais, além de compreender como se constrói a relação entre as telenovelas e as questões de identidade de gênero/orientações sexuais quando voltadas para produção midiática. Buscamos também elucidar como isto está atrelado a publicidade e aos conceitos e hábitos da sociedade de consumo.

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Especificamente no que diz respeito a Rede Globo, julgamos importante justificar a escolha da emissora. Dentre os motivos, merecem destaque a) o fato de ser a emissora de maior audiência no país, b) ser a única que exibe apenas telenovelas de produção própria em sua grade, e c) também por ser a emissora escolhida pela agência AlmapBBDO para veicular o comercial do Dia dos Namorados de O Boticário em maio/junho de 2015. Embora Silva (2015) tenha estabelecido uma investigação que leva em consideração 43 anos de exibição de telenovelas no Brasil, temos a intenção de abordar aqui, apenas as nove obras que estão compreendidas no período de 2010 a 2013, pois são as que estão mais próximas, cronológica e temporalmente da nossa análise. Em sua pesquisa, Bicha (nem tão) má: representações da homossexualidade na telenovela Amor à Vida, Fernanda da Silva (2015), identifica 126 papéis com representação homossexual em 62 telenovelas globais, a primeira, data de 1970, e a última do ano 2013. A pesquisadora levou em consideração fatores como faixa etária, características dos personagens, classe social, etnia e o estereótipo que era conferido a cada personagem. Na análise, chegou aos seguintes resultados: ORIENTAÇÃO PERSONAGENS POR HORÁRIO SEXUAL/IDENTIDADE IDADE RAÇA POR ANO DAS NOVELAS DE GÊNERO

76 (Gays) 6 (1970) 36 eram da faixa 24 (Lésbicas) Faixa etária entre 31 11 (1980) das 21h e 40 anos é 16 (Bissexuais sendo 13 predominante. 13 (1990) homens) (Apenas duas Dos 126 22 eram da faixa novelas personagens das 19h 1 (Travesti) apresentavam apenas 4 22 (2000) personagens com eram negros. 8 (Transexual) menos de 20 anos, e outras seis com mais As demais eram 1 (Sem definição de de 60 anos) 9 (2010 a 2013) das faixas das 18h identidade de gênero e/ou e das 23h. orientação sexual). Tabela 1: Dados sobre as 62 telenovelas da Rede Globo entre os anos de 1970 a 2013, identificadas por Fernanda da Silva (2015). Fonte: Autoria própria.

Este levantamento realizado por Silva (2015) é de extrema relevância, pois subsidia o que mais adiante iremos abordar acerca do papel da telenovela e de suas influências sobre a permanência dos estereótipos no imaginário social e, consequentemente, na publicidade. Iniciaremos a restropectiva histórica pela telenovela Viver à Vida, exibida no horário nobre, às 21h. A novela abrangeu o período entre 14 de setembro de 2009 a 14 de maio de 2010, com um total de 209 capítulos. Com apenas dois personagens bissexuais, o núcleo no qual

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estavam incluídos abordava o relacionamento não monogâmico. Ambos personagens eram brancos, de classe média, e estavam enquadrados em padrões heteronormativos. O relacionamento entre os dois foi evidenciado apenas nos últimos capítulos, quando Osmar (Marcelo Valle) revela que Narciso (Lorenzo Martin) não é seu sobrinho e sim seu namorado. Os dois viviam um relacionamento não-monogâmico com Alice (Maria Luiza Mendonça) (SILVA, 2015). Após o fim de Viver À Vida, Passione ocupou seu lugar no horário das 21h. Uma novela de Silvio de Abreu com direção geral de Carlos Araújo e Luiz Henrique Rios, como sua predecessora, apresentou um total de 209 capítulos, que foram exibidos entre 17 de maio de 2010 à 14 de janeiro de 2011. A trama contava com um único personagem gay, Arturzinho (Julio Andrade), branco, de classe média e enquadrado no estereótipo do gay afetado. É irmão de Laura (Adriana Prado) e a pedido dela deveria vigiar sua inimiga Stela (Maitê Proença), mas acaba se tornando o maior defensor da patroa, assumindo características típicas de outros mordomos gays — apresentados, principalmente, nas primeiras participações de homossexuais nas telenovelas. (SILVA, 2015). Em seguida, temos Insensato Coração (17 de janeiro de 2011 à 19 de agosto de 2011), escrita por Gilberto Braga e Ricardo Linhares, com direção-geral de Dennis Carvalho e Vinícius Coimbra, exibida também no horário das 21h. Com um total de 185 capítulos, surpreendeu, não apenas por apresentar o maior número de personagens LGBTs em telenovelas: sete, sendo seis gays e uma lésbica, mas também por possuir um núcleo destinando a eles, o Quiosque da Sueli, além de trazer em seu roteiro importante discussão acerca das temáticas relacionadas, como preconceito e discriminação contra homossexuais. (SILVA, 2015). Ao final da novela, duas destas figuras encontram um final feliz, estabelecendo uma união estável, enquanto que outros dois nem tanto: um é agredido por uma gangue que persegue homossexuais, enquanto outro é morto em um crime de ódio. Há ainda três personagens sobre os quais não sabemos de seu destino no encerramento da telenovela. Dos sete personagens, três correspondiam ao esteriótipo da bicha afetada (com trejeitos, bordões próprios etc.), enquanto que outros três eram heteronormativos. O outro personagem era uma lésbica e também presidiária. Já em Morde & Assopra (21 de março e 2011 a 14 de outubro de 2011), havia quatro personagens gays. A trama de Walcyr Carrasco com direção-geral de Pedro Vasconcelos, apresenta a figura de Áureo (André Gonçalves), que retorna à cidade de origem anos depois de abandonar o município nas vésperas de seu casamento.

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Ao retornar, há a descoberta da sua homossexualidade, pois fica evidente, para o telespectador, que Áureo havia fugido com outro homem. A fuga viria a ocorrer novamente no final da trama, desta vez acompanhado não apenas de Josué (Joaquim Lopes) com quem tem um relacionamento, mas também do amigo Élcio, que passa a se transvestir na drag queen Elaine, e que junto com Áureo começa a trabalhar em uma boate LGBT fazendo performances. (SILVA, 2015, p. 206) Fina Estampa (22 de agosto de 2011 a 23 de março de 2012), chegou para ocupar o lugar de Passione e introduziu na rotina do brasileiro, o extravagante e afetado mordomo Crodoaldo Valério, o Crô (Marcelo Serrado). Devido a seus trejeitos e frases cômicas, Crô alcançou sucesso e o personagem, posteriormente, ganhou um filme próprio, sucesso de bilheteria no país11. Crô é uma digna representação da homossexualidade estereotipada pelo viés do humor, que encontra não só aceitação, mas que desperta o sentimento de simpatia na audiência. Cunhou expressões ou bordões como “Jacaroa do Nilo”, “Majestosa rainha das terras férteis” e “Ovulei”, que caíram nas graças do público. No enredo, Crô tem um relacionamento secreto, que não é revelado nem mesmo ao final da trama. A telenovela também conta com a participação do casal intergeracional formado pelas lésbicas Alice (Thaís Campos) e Íris (Eva Vilma). Há ainda a breve presença da transexual Fabrícia (Luciana Paes). (SILVA, 2015, p. 206) Outro produto telenovelístico que contou com a presença de um personagem LGBT exibida quase no mesmo período de Fina Estampa, porém no horário das 19h, foi Aquele Beijo (17 de outubro de 2011 à 14 de abril de 2012). Escrita por Miguel Falabella, com direção de Cininha de Paula, a telenovela apresentou Ana Girafa, interpretada pelo ator Luís Salém. Ana era uma transexual que enfrentava o preconceito dos irmãos em decorrência de sua identidade de gênero, e que tinha um relacionamento difícil com sua mãe pelo mesmo motivo. Todavia, ao final do folhetim, Ana acaba sendo aceita. (SILVA, 2015). Em seguida Avenida Brasil (26 de março de 2012 a 19 de outubro de 2012), passou a ser veiculada no horário das nove horas. O produto apresentou a maior audiência da Rede Globo em 201212, chegou para substituir Fina Estampa.

11 Disponível em: http://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2013/12/cro-supera-jogos-vorazes-em-bilheterias- do-fim-de-semana.html Acesso em 19 ago 2018 12 Disponível em: http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2012/10/19/ultimo-capitulo-de-avenida-brasil- tem-509-de-ibope-e-e-maior-audiencia-da-tv-no-ano.htm Acesso em 19 ago 2018

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O folhetim possuía um enredo cheio de reviravoltas. É através dele que conhecemos Roni (Daniel Rocha), um jogador de futebol gay enrustido, que se casa com Suelen (Isis Valverde) para evitar que ela seja deportada para a Bolívia, seu país de origem, e para apaziguar os boatos no bairro que ambos moravam, de que ele seria gay. Roni, entretanto, nutre uma paixão por Leandro (Thiago Martins). Durante a trama, Suelen também se envolve com Leandro e os três acabam formando um relacionamento não-monogâmico (SILVA, 2015, p. 206). Em seu levantamento, Silva (2015) identificou também Cheias de Charme (16 de abril de 2012 a 28 de setembro de 2012). Escrita por Ricardo Linhares com direção-geral de Carlos Araújo, substituiu Aquele Beijo. Com 143 capítulos, apresentou três personagens gays que movimentaram a trama: Sidney (Daniel Dantas), e Wanderley (Pedro Henrique Lopes), ambos heteronormativos, o colunista social afetado e mau caráter Eloy (Gustavo Mendes). Sidney e Wanderley terminaram a trama juntos. Por último, Silva (2015) apresenta Salve Jorge (22 de outubro de 2012 a 17 de maio de 2013), a novela que antecedeu a trama objeto do estudo de Silva (2015), Amor à vida. Segundo Silva (2015), o roteiro de Glória Perez com direção-geral de Marcos Schechtman manteve a proposta de, pelo menos, uma personagem homossexual nas narrativas do gênero desde 2003. Em Salve Jorge, Joyce, interpretada por Thammy Miranda é o personagem de maior destaque no que diz respeito a representação LGBT, sendo homoafetiva e escrivã de polícia, é a típica lésbica masculinizada. Joyce acaba tendo uma participação surpreendente no encerramento da novela, quando para pôr fim a um esquema de tráfico de pessoas, se disfarça de Lohana, e faz shows de dança em uma boate que é o cativeiro de mulheres traficadas, contribuindo dessa forma para a resolução do caso que faz parte do núcleo central da trama. Salve Jorge, como elenca Silva (2015) também apresenta o gay Dudi (Marcos Baô) e a transexual Alice (Maria Clara), ambos traficados para fora do Brasil, e é o último folhetim na nossa análise temporal acerca das telenovelas da Rede Globo que apresentam representação homossexual. Após relacionar as tramas e os personagens abarcados neste período, podemos realizar uma observação não apenas no que diz respeito ao significativo número de personagens LGBTS nas tramas desta emissora, mas também dar destaque às abordagens construídas para os personagens.

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Colling (2007) já havia realizado levantamento semelhante ao de Silva (2015), e identificado três fases distintas das representações homossexuais nas telenovelas, no período entre 1974 e meados de 2007. De acordo com Silva (2015), na década de 1970, a maioria dos personagens LGBTS eram gays, e apresentavam uma performatividade de gênero, que se traduzia na adoção de comportamentos extravagantes e de formas afetadas de se comunicar e de se vestir. A autora ainda identifica que a maioria dos personagens estava inserida no núcleo cômico das tramas, pois eram constantemente associados ao viés humorístico. Colling (2007) por sua vez, indica que, além de estarem inseridos nesse contexto do cômico e do estereótipo de afeminados, esses personagens eram também associados à criminalidade. A segunda fase, segundo Colling (2007), ocorreu na década de 1980, quando a emissora passou a apresentar tanto os personagens afeminados, como os ditos “normais”. Entretanto, a maioria dessas figuras não mantinha nenhum tipo de relacionamento afetivo, e quando havia relacionamentos envolvendo esses personagens, cenas de sexo, até mesmo de beijo ou afeto não eram exibidas. Na visão de Colling (2007), a televisão cerceou o principal aspecto que difere os homossexuais dos heterossexuais: com quem essas pessoas se relacionam sexualmente. Já Silva (2015) reforça a contínua predominância da homossexualidade masculina, assim como a manutenção do local de humor conferido a estes personagens, além de estarem ligados a profissões de classes populares ou em papéis secundários. Na terceira e última fase analisada por Colling (2007), na década de 1990, a “narrativa da revelação” começa a ganhar maior espaço nas tramas. O autor identifica alguns personagens que estão inseridos nessa narrativa, como Sandrinho (André Gonçalves), que passa toda trama de A próxima Vítima, exibida entre 13 de março a 4 de novembro de 1995, no conflito entre revelar ou não revelar para sua mãe a sua sexualidade. Silva (2015), por sua vez, identifica a ampliação da presença destes personagens nas telenovelas, o que, no entanto, não significaria uma ruptura com alguns padrões, como o de maior participação de homens homossexuais. A autora também sinaliza que os papéis de viés humorístico continuam em destaque, mas que há uma ampliação dos debates em torno das questões de orientações sexuais consideradas dissidentes. Também aborda a “narrativa da revelação” e aponta que nas tramas em que ocorreram de fato a revelação da sexualidade, ela foi feita de maneira gradual e, assim como sinalizou Colling (2007), só ocorria nos capítulos finais do enredo.

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Colling (2007) ainda realiza uma crítica sobre o modelo que vigorava até o ano de sua pesquisa, 2007, em que a reprodução do discurso considerado heteronormativo era constante. Silva (2015), que em seus estudos trata não somente do período investigado por Colling (2007), mas segue realizando uma análise até o ano de 2013, e identifica um crescimento perceptível no ano 2000, quando 22 telenovelas contaram com a participação de LGBTs, assim como identifica a mudança do padrão comportamental destes personagens, que saem do território do humor para adentrar em zonas de heteronormatização. A necessidade de falarmos sobre a telenovela se justifica por concebermos este produto como o carro-chefe da programação televisiva e também como um dos mecanismos maior influência na disseminação de valores e hábitos sociais. Nos limitamos a observar, ainda que panoramicamente, as telenovelas da Rede Globo, porque reconhecemos a capacidade dessas tramas de criarem uma conexão com o público como algo único na história da nossa televisão e da nossa sociedade. Nada melhor para ilustrar o papel desempenhado pela telenovela, como algo que fez parte não só da expansão dos meios técnicos, mas que, sobretudo, protagonizou e suportou os processos de transformação dos meios de comunicação e da sociedade brasileira, mantendo-se até os dias atuais, dentre os artefatos midiáticos televisivos, no auge/topo de audiência e de comercialização. Com cinco produtos exibidos diariamente neste nicho e levando em consideração a grade de programação da Rede Globo, que arrecada as maiores verbas publicitárias até o tempo presente, a telenovela global consegue influenciar toda a programação televisiva. Alguns de seus principais atores são garotos e garotas-propaganda de diversas marcas nacionais, figuram sempre em colunas sociais, e têm, atualmente, os perfis mais seguidos em redes sociais digitais, a exemplo do instagram. Além disso, a maior parte dos filmes publicitários são veiculados nos intervalos comerciais das telenovelas, de forma que a nossa compreensão acerca dos domínios de influência e de alcance da televisão, está entrelaçada com a existência e perpetuação do produto novelístico, no meio social. Ao chegarmos aqui, julgamos oportuno afirmar que a telenovela influencia o imaginário social. A partir desta premissa, defendemos que reside nas amplas dimensões do imaginário coletivo o vínculo sociodiscursivo estabelecido pela publicidade, quando aciona os valores sociais, morais, éticos políticos, comportamentais para tecer seu ofício construtivo.

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Os comerciais brotam, ao mesmo tempo que também se solidificam nos solos férteis das mentalidades sociais. Seus produtos e serviços circulam de forma que, através de uma curta história com início, meio e fim que materializa o filme publicitário, o produto ou serviço anunciado são colocados como indicativos e concorrem positivamente nos processos de decisão de compra/aquisição/fruição, por parte do público-alvo. Esta solução nem sempre está atrelada a um problema real ou a uma necessidade. Ao contrário, estes anúncios têm por objetivo, em muitos casos, criar desejos e necessidades que ainda não existiam de forma consciente para os públicos receptores. Assim como a televisão sorveu o padrão do rádio, também os comerciais televisivos absorvem os padrões de identidade, sexualidade, beleza e riqueza das telenovelas. Consequentemente, ainda que contem uma história que não é em sua essência real, permeiam o imaginário social com mensagens que objetivam levar o espectador a realizar uma ação real: o consumo. Analisando os dez personagens homossexuais mais populares em telenovelas ou programas de auditório13, chegamos a uma conclusão, ainda que parcial, sobre uma questão que já suspeitávamos: todos são inseridos e tratados por meio de um viés humorístico ou de estereotipia, no sentido de serem exageradamente afeminados. Nos próximos capítulos, iremos explicar como esta interpretação é negativamente estereotipada e quais são as consequências desta perpetuação, nas telenovelas e, principalmente, no acionamento por parte da publicidade que a utiliza como elemento natural, em sua narrativa.

13 Disponível em: http://gente.ig.com.br/tvenovela/os-gays-mais-queridos-da-tv/n1597207311741.html Acesso em 19 ago 2018.

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3. EU NÃO PEDI PARA NASCER: o papel da publicidade televisiva na manutenção de estereótipos relacionados a representação homossexual.

Para abordar a problemática estabelecida quando se menciona a publicidade televisiva e seu papel na manutenção de estereótipos negativos, evocamos contribuições provenientes de algumas análises. Dentre as quais, gostaríamos de destacar a efetuada por Jorge (2014), que pontua a forte presença, na televisão aberta, da construção de estereótipos sexistas e machistas; e a realizada por Araújo (2013), que aponta mudanças na representação social masculina para comerciais televisivos, sobretudo, para públicos femininos, mas que indica também que para os demais públicos (principalmente para os majoritariamente masculinos), a publicidade continua a reforçar a performance do papel de gênero referenciado nas estruturas do patriarcado e do falocentrismo. Colling (2007) representa outra fonte relevante para nossa reflexão, uma vez que suas contribuições indicam que o tratamento fornecido às representações homossexuais, nas narrativas das telenovelas brasileiras leva a perpetuação de padronizações relacionadas com a categorização e normatização de gênero, estabelecidas a partir de um padrão binário, principalmente, no que diz respeito às questões relacionadas com a homossexualidade. Conforme vimos no capítulo anterior, as representações que figuram nas telenovelas exercem real influência no processo construtivo do imaginário coletivo social, embora seja, conforme elucidamos, um sistema simbólico. Essas influências acabam por resvalar em outros produtos televisivos, como é o caso da publicidade. Para compreendermos como este sistema simbólico evocado pela televisão - aqui chamados de (cis)temas, pois estabelecemos uma relação direta destas construções sociais com a cisgeneridade14 - influencia na construção de um imaginário coletivo a respeito da homossexualidade, se faz necessário, a princípio, o esclarecimento de alguns termos e conceitos que são utilizados, no decorrer de nossa pesquisa. Esta elucidação se dá no sentido de fornecer maior embasamento e explicar de maneira objetiva a relação entre estes dois aspectos: as instituições imaginárias socialmente construídas e a manutenção de estereótipos, considerados por nós como negativos em relação aos processos

14 A cisgeneridade é um conceito que está relacionado com as matrizes heteronormativas e as ideias de regulação no que diz respeito à identificação compulsória das identidades de gênero e orientações sexuais dos sujeitos.

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de representação da homossexualidade acionados pelas narrativas construídas na televisão brasileira, incluindo a publicidade. Sendo assim, iniciaremos esta discussão a partir da definição do conceito de minorias sociais. A primeira notícia que temos do uso deste termo foi em 18 de dezembro de 1992, oriundo da adoção da Assembleia Geral das Nações Unidas da Declaração sobre os Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (MORENO, 2009). Desde esse período, o termo tem sido utilizado para identificar um aglomerado humano que sofre estigmatização ou discriminação, não por questões numéricas, mas porque estes sujeitos se encontram em situação de subordinação socioeconômica, política ou cultural, em relação a outro grupo, que é maioritário ou dominante em uma dada sociedade. (MORENO, 2009) Dentre os grupos que são identificados como minorias podemos citar negros, indígenas, mulheres, transexuais, travestis, transgêneros, lésbicas, moradores de favelas, trabalhadoras do sexo, e também os homossexuais. A pertinência da inclusão deste conceito no quadro teórico constitutivo de nossa dissertação pode ser explicada pelo fato de sua definição ter chamado nossa atenção em relação ao lugar e ao papel social das minorias, no contexto social. Compreendemos a partir de literaturas como as de Butler (2016) e Louro (2015), que as pessoas homossexuais se encontram inseridas em uma dimensão social de subordinação, causada pela discriminação e pelo preconceito historicamente presentes na sociedade brasileira, heteronormativa e patriarcal. Outra noção que requer nossa atenção e que possui um esteio central em nossa análise, diz respeito à compreensão do que entendemos por estereotipia. Conforme elucida Wolf (2008), a estereotipia, bem como sua reprodução, nada mais é do que uma das muitas táticas de domínio da indústria cultural, já que: (...) os estereótipos são um elemento indispensável para se organizar e antecipar as experiências da realidade social que o sujeito leva a efeito. Impedem o caos cognitivo, a desorganização mental, constituem, em suma, um instrumento necessário de economia na aprendizagem. Como tal, nenhuma actividade pode prescindir deles; todavia, na evolução histórica da indústria cultural, a função dos estereótipos alterou-se e modificou-se profundamente. A divisão do conteúdo televisivo em vários géneros (jogos policiais, comédia, etc.) conduziu ao desenvolvimento de formas rígidas, fixas, importantes porque definem o modelo de atitude do espectador, antes de este se interrogar acerca de qualquer conteúdo específico, determinando assim, em larga medida, o modo como esse conteúdo é percebido. (WOLF, 2008, p. 84)

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Assim, “quanto mais os estereótipos se materializam e se enrijecem [...], tanto menos provavelmente as pessoas mudarão suas ideias preconcebidas com o progresso da sua experiência." (WOLF, 2008, p. 84). Ou seja, a perpetuação de determinados estereótipos se encaixa numa linha tênue, entre positivo e negativo, já que solidifica ideias que tanto podem ser benéficas quanto podem ser maléficas, quando propagadas nos domínios do imaginário social. Sabendo que o estereótipo é um dos substratos que fundamenta a construção da trama publicitária, a necessidade de sua constante presença é compreensível, principalmente, se associada a nuances de humor. Isto porque, conforme Barbosa e Palácios (2015, p.1) “o humor pode se apresentar de diversas formas, por meio da paródia, da caricatura, da imitação etc. Através dessa capacidade de se apresentar de diversas formas, o riso desarma, mostra a fragilidade do ser humano, fortalece as relações.”. Nesse sentido, o uso frequente da estereotipia, quando associada ao viés do humor, tende a fortalecer o seu arraigamento no imaginário social. O que nos leva a compreender que enquanto os estereótipos forem utilizados para representar parte da realidade, de forma a buscar os parâmetros da aceitabilidade social, mais difícil tornar-se-á a desfazê-los no imaginário coletivo, sobretudo, quando trata de um grupo que já é historicamente estigmatizado, como é o caso das pessoas gays. Para esta compreensão é necessário retomarmos e nos aprofundarmos de maneira mais detida nas relações entre a programação da televisão aberta, a publicidade e as representações sobre a homossexualidade, a partir da análise que realizamos no capítulo anterior. Assim, esperamos compreender como se processa a incorporação de estereótipos e suas contínuas reproduções por parte da prática publicitária no Brasil, entendendo que “a publicidade contemporânea traz, em sua superfície linguística e em sua dimensão simbólica, as marcas do espírito da época em que vivemos e ativamente contribui para a sua configuração e legitimação”. (PALÁCIOS, 2004, p. 13) Inclusive, é oportuno destacar a existência de inúmeros esforços das populações LGBTs, no intuito de solapar esse iceberg de equívocos relacionados à construção difundida no campo midiático de representações de identidades homossexuais. A respeito do alcance da televisão na nossa sociedade, dados do censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), entre 2009 e 2011, (IBGE, 2012) informam que, pela primeira vez na história do país, os domicílios atingiram a marca de mais

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aparelhos televisivos do que aparelhos radiofônicos e refrigeradores, apresentando um total de 95,1% de televisores, contra 93,7% de geladeiras e 81,4% de aparelhos de rádio. No censo de 2016, publicado no primeiro trimestre de 2018, o IBGE indica números ainda maiores: de 69,3 milhões de domicílios no país, apenas 2,8%, ou 1,9 milhão, não tinham televisão (IBGE, 2018). Esses números são expressivos para ratificar a compreensão de que através de uma gama de atrações que são exibidas vinte e quatro horas, sete dias por semana, a programação televisiva constituiu, e ainda constitui, um importante agente na construção da identidade dos sujeitos, nas sociedades moderna e pós-moderna. Permeando há quase sete décadas a intimidade do telespectador, fonte de notícias, entretenimento, informações, a televisão acabou por se tornar “uma janela imaginária apontada para fora do enclausuramento das moradias atuais” (CANNITO, 2009, p.43-44). Embora possua, em sua grade, uma quantidade de produtos com uma representação ficcional da realidade, a televisão atinge e influencia os telespectadores a reproduzirem essa ficcionalidade na construção de uma identidade e de uma imagem de sociedade, no âmbito do real. Isto se dá em parte pela sensação de pertencimento que a televisão provoca e estabelece com as pessoas ao levá-las a uma identificação com situações comuns e cotidianas. Uma das vias de aproximação e de adesão à programação televisiva se dá por meio da exposição de personagens e tramas engendrados para apresentar, de um modo geral, uma similaridade com os públicos e audiências, para os quais os programas são direcionados e que são, na verdade, representações da realidade e do cotidiano do brasileiro. Através especificamente da publicidade, isso ocorre, segundo Guedes Pinto (1997) evocada por Palácios (2004), porque:

a publicidade seduz os nossos sentidos e a nossa mente, acariciando com suas mensagens os nossos mais secretos desejos: na tela da televisão, nas páginas de revistas, nos cartazes de rua que revemos a toda a hora, somos nós e os nossos devaneios que vemos espelhados. (GUEDES PINTO, 1997, p.11 apud PALACIOS, 2004, p. 56)

Para atuar e criar esse espelhamento social, a estrutura televisiva demanda um capital significativo, visto que sua operação inclui além da estrutura física (estúdios de telejornalismo, cidades cenográficas, toda estrutura que abarca os aparatos tecnológicos para transmissão, gravação, edição e reprodução de seus programas), atores, profissionais de audiovisual, editores, planejadores e cenógrafos.

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Assim, partindo da premissa de que a grade de programação é composta, por programas noticiosos, esportivos e de entretenimento (como as telenovelas, programas de auditório, minisséries e filmes), diretamente não-rentáveis, as emissoras de televisão, assim como as empresas radiofônicas, encontraram no comercial publicitário uma fonte de renda para financiar seus demais produtos. É um processo de captação de recursos que inclusive, vem ocorrendo desde suas primeiras transmissões, como vimos no capítulo dois. O uso da publicidade como fonte de renda fica evidente quando analisamos, por exemplo, os números do ano de 2016. Conforme tabela abaixo, retirada do Informe Anual da TV ABERTA, produzido pela Agência Nacional de Cinema (ANCINE) em parceria com a Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA), que analisou oito canais abertos de televisão no Brasil, tomamos conhecimento que a publicidade ocupou 21% de toda programação anual da televisão em 2016.

Tabela 2: Quantitativo e Percentual de horas de Programação das Emissoras de TV aberta por categoria (2016). Fonte: Informe Anual da TV ABERTA, 2016, p. 18.15

Este percentual de 21% do tempo total de emissão televisiva corresponde a 76,65 dias de veiculação de comerciais publicitários. A venda destas horas supre parte do financiamento de que a TV necessita para produzir e veicular outros produtos de sua grade de programação. No que diz respeito às cifras movimentadas, de acordo com a Folha de São Paulo, em 2017, ano posterior à pesquisa acima mencionada, a publicidade televisiva para televisão aberta

15 Disponível em: https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/informe_tvaberta_2016.pdf Acesso em 19 ago 2018

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somou cerca de R$ 72 bilhões de reais16, e foi responsável por 53,6% de todo investimento em publicidade no país. De posse destes dados, entendemos por que a publicidade estabeleceu seu lugar como fonte importante de arrecadação das emissoras e passou a ser parte integrante da programação televisiva, como um exponencial modelo de negócio. Entretanto, é importante lembrar que a venda de espaço publicitário não é a única fonte de renda da televisão comercial, como podemos ver na tabela a seguir:

Colocação de Produto Spot em intervalo Patrocínio Micro-Espaços (product-placement)

Tradicional spot O anunciante patrocina Trata-se da promoção de Esta forma de publicidade comercial inserido em um determinado produtos ou serviços consiste na referência a blocos publicitários nos programa, associando a dentro de um programa, marcas, produtos ou intervalos (break) de (ou sua marca/produto ao isto é, inserido no serviços em programas. É entre) programas. Este programa numa referência conteúdo do próprio habitualmente utilizada tipo de publicidade com a duração de cinco programa e não no em Portugal em novelas representa a maior fonte segundos (cartão de intervalo. ou séries, podendo de rendimentos das patrocínio) e ainda com a consistir, por exemplo, na empresas de televisão em colocação de spots nos colocação de uma garrafa sinal aberto (exceto a RTP breaks do programa. de determinada marca de - serviço público de bebida numa mesa ou na televisão, que tem na apresentação de uma contribuição audiovisual e cozinha, na qual decorre a na indemnização acção, e onde são bem compensatória as suas visíveis produtos e maiores fontes de marcas. rendimento). Tabela 3: Dados sobre os modelos de venda da publicidade na televisão aberta, identificados por Nuno Silva (2010). Fonte: Autoria própria.

No sentido de ter se estabelecido como uma fonte constante de financiamento da programação televisiva, André Peruzzo (2016) compreende o comercial como um produto identificado e reconhecido como próprio da prática publicitária que concorre para a construção e difusão de comportamentos, tendências e hábitos. O autor indica que “a expressividade sígnica dos anúncios publicitários pode desvelar tendências de comportamento e consumo”, e isso se dá ao compreendermos a publicidade como “modo privilegiado de expressão do consumo, que por sua vez possui centralidade na cultura contemporânea” (PERUZZO, 2016, p. 4). Rocha (1995) corrobora a afirmação de Peruzzo (2016) quando indica que “a publicidade, enquanto um sistema de ideias permanentemente posto para circular no interior da

16 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/02/investimento-publicitario-movimenta-r-134- bi-em-2017.shtml Acesso em 19 ago 2018

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ordem social, é um caminho para o entendimento de modelos de relações, comportamentos e da expressão ideológica dessa sociedade” (ROCHA, 1995, p. 29 apud PERUZZO, 2016, p. 4). Desta forma, para compreender como este “sistema de ideias permanentes” circula no interior da ordem social, se faz necessário também o entendimento do conceito do poder simbólico desenvolvido por Pierre Bourdieu (2004). Isto porque, consideramos que a influência exercida pela programação televisiva na sociedade permeia o campo do simbólico. Sendo assim, a partir da compreensão do autor, poderemos elucidar os motivos pelos quais na nossa concepção, o poder simbólico das maiorias, não no sentindo numérico, mas no tange a concentração de poder, seja ele econômico, social, ou político, se correlaciona com a televisão e com a representação do gay em comerciais televisivos. O conceito de poder simbólico, como uma ferramenta de manobra por parte de agentes pontuais em detrimento de determinados grupos sociais, foi gestado em 1989 através da obra de Bourdieu (1962; 1964; 1970; 1967; 1966; 1979; 1968; 1980; 1987). Na definição do autor, o poder simbólico é uma força, que se pode associar a um dos conceitos que compõe a psicologia Lacaniana, e que apesar de ser uma força intangível, é real e está diretamente conectada com o imaginário social. Dito isto, sinalizamos que a televisão, como maior meio de comunicação de massa, no que diz respeito à representação de identidades consideradas socialmente como desviantes perante o imaginário coletivo, se vale desta força para representar e também criar modelos e categorizações de sujeitos, exercendo uma potência real, ainda que construída e disseminada no campo do simbólico. A influência que a televisão exerce na sociedade já foi no decorrer desta pesquisa pontuada mais de uma vez, no intuito de reforçar que esta influência não se dá apenas no campo das relações sujeito-televisão, mas que reflete também nas relações sujeito-sociedade-sujeito. Isto, entretanto, veremos mais adiante.

3.1 Eu tô curando a ferida: o poder simbólico e o espectador não-emancipado

O título desta seção, além de estar associada à música tema do comercial de O Boticário para o dia dos Namorados de 201517, (Toda forma de amor, Lulu Santos, 1988), busca fazer referência àquilo que identificamos como uma prática social de julgamento e de condenação destinada a indivíduos homoafetivos.

17 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=p4b8BMnolDI, acesso em 20 ago 2018.

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Esta penalidade imposta por sujeitos que se encontram em posição de dominação, é atravessada por valores que estão intrinsecamente enraizados na hegemonia social conservadora, principalmente, no tocante a certo tipo de distinção para com orientações ou identidades de gênero consideradas subversivas, dissidentes. A fundamentação desses preceitos resvala não apenas na construção imagética do homossexual na sociedade, mas também na interpretação da concepção de relacionamentos afetivos entre pessoas do mesmo sexo, sobretudo, entre homens. De forma que esses relacionamentos são interpretados como algo anômalo. Este é um dos pontos que o filme de O Boticário aborda quando apresenta em seu comercial Todas as formas de amor, casais homossexuais, em uma data que é historicamente concebida para celebrar o amor entre os pares - majoritariamente aquelas que correspondem à sexualidade binária - de maneira a romper com a ideia hegemônica de que relacionamentos afetivos, estáveis, saudáveis e socialmente aceitáveis são apenas formados por homens e mulheres. No sentido da presença da heterossexualidade em filmes e campanhas publicitárias como fator preponderante para a comemoração da referida data, Baliscei e Teruya (2017) fornecem contribuições com as quais coadunamos, quando indicam que: “Entendemos que os previsíveis finais felizes operam como estratégias para legitimar as identidades sociais que são convenientes, isto é, as hegemônicas - neste caso, as heterossexuais. (BALISCEI E TERUYA, 2017, p. 112)”. Oportunamente, transcrevemos a seguir a letra da composição: Eu não pedi pra nascer Eu não nasci pra perder Nem vou sobrar de vítima Das circunstâncias

Eu tô plugado na vida Eu tô curando a ferida Às vezes eu me sinto Uma mola encolhida

Você é bem como eu Conhece o que é ser assim

Você não leva pra casa E só traz o que quer Eu sou teu homem Me diz você... qual é?

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E a gente vive junto E a gente se dá bem Não desejamos mal a quase ninguém E a gente vai à luta E conhece a dor Consideramos justa toda forma de amor

A partir dos seguintes trechos da canção: “eu não pedi pra nascer (...) nem vou sobrar de vítima das circunstâncias” e “eu tô curando a ferida, às vezes eu me sinto uma mola encolhida”, podemos inferir que há a representação de um reconhecimento e enfrentamento das construções sociais que categorizam sujeitos homossexuais como vítimas da patologização de sua própria sexualidade, principalmente no que tange à relacionamentos homoafetivos. Isto, levando em consideração tanto a formação católica e protestante do Brasil, como a onda de conservadorismo que venm tomando o país espelhando a época da Ditadura Militar, regime que teve o apoio de pessoas que consideravam casal apenas homem e mulher e viam na família uma constituição engessada e formada apenas por um homem, uma mulher e filhos. O autor da composição, numa estrutura que, na nossa compreensão, promove um diálogo com outro sujeito, sinaliza não só a empatia do seu interlocutor aos reveses por ambos compartilhados, mas também o fato de que partilham dos mesmos sentimentos. Isto nos foi possível interpretar no verso “você é bem como eu, conhece o que é ser assim”, mencionado imediatamente após o verso em que o eu lírico da canção diz sentir-se como uma “mola encolhida”. Considerando nossa interpretação, a sensação de sentir-se como uma “mola encolhida”, diz respeito às possibilidade de existência desse sujeito, já que uma mola só está encolhida quando sobrepujada ou comprimida por uma força maior que a sua constante elástica - na física conhecida como tensão negativa18-, e que se vincula perfeitamente com o que apresentamos até agora a respeito da posição proscrita que o homossexual ainda ocupa na sociedade. Nesse sentido, a escolha de Toda forma de amor para compor a trilha sonora do comercial televisivo de O Boticário, nos faz empreender uma reflexão acerca dos aspectos subjetivos deste filme, o que faremos mais adiante, no quarto capítulo. Previamente, é importante evocarmos o conceito do “espectador não-emancipado”, de Rancière (2010), para tratar de alguns aspectos relativos ao comportamento desta audiência, frente a sua reação ao referido comercial.

18 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mola acesso em 19 ago 2018.

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Antes de prosseguirmos, no entanto, vale salientar que embora realizemos uma tratativa acerca do comportamento do telespectador especificamente relacionado a este filme publicitário, não almejamos, neste estudo, enveredar pelo viés da recepção. Para isto, seria necessário revisar os objetivos da presente pesquisa e, principalmente, os contornos do objeto em análise. Apesar do título da obra (O Espectador Emancipado) fazer referência à independência do espectador, a reflexão de Rancière (2010) aborda, em suma, a passividade da audiência frente às questões que lhe são expostas. Para isto, o autor leva em consideração não apenas produções ficcionais com a finalidade de entretenimento, mas questões práticas da vivência diária e que permeiam a rotina dos indivíduos. Entre estas questões figuram aspectos sociais, econômicos e políticos considerados, em sua maioria, como de interesse do corpo social, principalmente por exercerem influência nas dinâmicas das relações, das construções e das significações das experiências sociais entre sujeitos. Apesar dessa não emancipação conceituada por Rancière (2010), é relevante para nossa pesquisa destacar que as objeções ao comercial que analisamos não caracterizam passividade; ao contrário, caracterizam reação, resposta, resistência. Esta constatação pode elucubrar um questionamento acerca dos caminhos que nossa pesquisa tem percorrido até aqui, já que questionamos a falta de reação do espectador frente a representação estereotipada do homossexual na publicidade, e estas objeções representam evidentemente algum tipo de reação. A diferença, afinal, reside não na reação em si, mas nas dinâmicas sociais que provocam um tipo muito específico de comportamento. Quando o homossexual é representado pelo viés do humor, não há declaradamente objeções a sua presença na publicidade televisiva, ou nos demais programas da grade televisiva, ao contrário, sua presença é recebida com empatia e boa aceitação do público. Isto é por nós reconhecido como uma não-reação, pois quando essa mesma representação se dá fora do local comum da estereotipia, as objeções se tornam não só evidentes, mas aparecem em largas proporções. Propriamente por conta das não-reações, os indícios levantados por Rancière (2010) são muito pertinentes para analisarmos como uma posição passiva frente às produções sociais e também televisivas fornecem a determinados sujeitos um poder que apesar de simbólico, exerce significativa influência no território da realidade. Daí a importância do conceito estabelecido por Bourdieu (2004).

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Embora este poder relacionado aos conceitos de reencontro, estruturação e tomada de sentido dos fenômenos seja oriundo do campo da psicanálise, e apesar de evocar a construção da ideia de poder como um dos três registros essenciais (juntamente com o real e o imaginário), segundo Lacan (1985), convém informarmos aos nossos leitores, que não há pretensão de adentrar as vertentes da psicanálise neste trabalho. Dito isto, o viés que será abordado, no que tange ao conceito do poder simbólico, está diretamente ligado às questões de natureza sociais pontuadas por Bourdieu (2004) em sua obra, tanto no que diz respeito ao exercício do poder, como naquilo que se desdobra na construção e manipulação do campo simbólico. Em relação ao simbólico, Bourdieu (2004) afirma que este campo é:

(...) Uma espécie de círculo cujo centro está em toda parte e em parte alguma – é necessário saber descobri-lo, onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. (BOURDIEU, 2004, p. 7-8).

Assim, além de existir e ser real, esta estrutura, embora invisível, não só funciona como trabalha com a anuência daqueles que apesar de serem por ela influenciados, não se dão conta deste fato. Esta estrutura pode, inclusive, nos levar a crer que o campo do poder simbólico, no máximo exercício de sua potência pode se aproximar do conceito de alienação19. Entendemos que a anuência em questão pode ser concebida por duas vertentes: a) pela falta de tradição na formação dos sujeitos, em sociedades desiguais e injustas como a nossa, o que implica diretamente no desenvolvimento do raciocínio lógico/racional e da consciência crítica; b) não por ausência ou esvaziamento de espírito crítico, mas porque questionar esse poder, pode lançar o sujeito ao risco de perder a segurança de suas convicções, ou até mesmo desestruturar conceitos construídos, alicerçados e enrijecidos, ao longo de décadas, acerca da vida em sociedade em seus mais diversos aspectos. No que diz respeito à sociedade brasileira, acreditamos que as duas possibilidades são possíveis e presentes na dinâmica do nosso imaginário social. No sentido dessas dinâmicas sociais, que em sua maioria são plurais e não coesas, o filósofo argelino indica aspectos da passividade do indivíduo no desempenho de seu papel como telespectador, nos provocando a refletir sobre esta não-construção da independência intelectual do sujeito social, de forma que

19 Alienação ato ou efeito de alienar(-se); alheação, alheamento, alienamento.

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quanto mais nos aprofundamos, mais compreendemos o sentimento de incômodo que é pelo autor apontado no decorrer da obra. Este incômodo é descrito por Rancière (2010) como a falta de iniciativa da audiência em buscar compreender o que há oculto na construção e na significação das aparências que lhe são apresentadas, através de representações e reflexos da sua própria realidade. Isto é reforçado por Cunha (2015) em resenha realizada sobre a obra de Rancière (2010), quando nos leva a penssar sobre a “ausência de relações evidentes entre reflexões sobre a emancipação intelectual e a questão do espectador nos dias de hoje” (CUNHA, 2015, p. 207). Esta ponderação nos permite pensar também, no que diz respeito à permanência deste público na imobilidade frente ao processo de recepção de determinados produtos televisivos, posto que a televisão não trabalha descolada da realidade; o que ocorre é um processo de retroalimentação no qual a mídia tanto incorpora valores sociais, como também ajuda a instituí- los ou ainda a abalá-los, extingui-los. Diante disso, essa imobilidade seria, não fruto de uma preferência ou escolha, mas de um assujeitamento desses indivíduos, no que diz respeito a “um modelo global de racionalidade sobre cujo fundo já acostumamos a julgar as implicações políticas em favor de uma reorganização dos corpos nas várias formas e instâncias” (CUNHA, 2015, p. 207). Temos ciência que existem outros atores, sujeitos, conceitos e produções sociais que exercem influências no corpo social, de forma que não temos intenção de colocar a televisão ou ainda a Indústria Cultural num espaço de total responsabilidade pela institucionalização desta padronização. Entretanto, é de suma importância consideramos que: Neste sentido, no que afere à sexualidade, o controle exercido por meio das mídias, dentre elas, a publicidade, contribui, ainda hoje, para que gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, assexuais e pansexuais sejam considerados/as desviantes. (BALISCEI E TERUYA, 2017, p.112)

Portanto, julgamos necessário, ainda que de forma panorâmica, discutir as influências que a Indústria Cultural tem exercido desde a Revolução Industrial – principalmente, através da televisão - nas dinâmicas da sociedade. Cunhada como conceito em 1940, por Adorno e Horkheimer, na obra Dialética do Esclarecimento, a Indústria Cultural possui desdobramentos que envolvem diversos campos como o da comunicação, da cultura e do consumo. Além disso, inclui a Comunicação de Massa, como locus e agente para a solidificação, no tecido social, de expressões culturais que são produzidas com o objetivo de alcançar a maioria da população.

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É importante salientar que na concepção de Adorno (1996), no interior da Indústria Cultural, o homem era visto como objeto, mero instrumento de trabalho e de consumo. Este conceito dialoga com o pensamento de Rancière (2010), visto que identifica o sujeito como produto do meio, manipulado para agir de acordo com a ideologia dominante. Adorno e Horkheimer pontuam que:

(...) Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fílmica permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade. Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidades em virtude de sua própria constituição objetiva (ADORNO & HORKHEIMER, 1996, p. 119).

Embora tenham sido publicadas em momento diferentes, a obra de Adorno e Horkheimer (1996), bem como a de Rancière (2010) abordam o consumidor cultural como um espectador adestrado. Através da alusão à um filme, ambos indicam o movimento de características de dominação aliados aos interesses do capital para construir um sistema dominante. Adorno e Horkheimer ainda sublinham que “o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação” (ADORNO & HORKHEIMER, 1996, p. 114). Fato que nos leva a crer que o poder exercido pela Indústria Cultural na estrutura da Comunicação de Massa, ainda que concebido, gestado e existente apenas no campo do simbólico, fornece aos agentes detentores desta potência a possibilidade de exercer influências na construção das percepções e interpretações dos sujeitos sobre suas visões de mundo. Perceber o uso das produções simbólicas como instrumento de perpetuação hegemônica faz parte da interpretação realizada por Bourdieu (2004), com o objetivo de compreender como esta força se dá e funciona mediante as construções socioeconômicas, em uma população ainda norteada e oprimida por conceitos conservadores e patriarcais, já que este controle, tende a provocar reações e lutas simbólicas, nas quais:

(...) as posições sociais que se apresentam ao observador como lugares justapostos, parte extra parte em uma ordem estática, formulando a questão

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inteiramente teórica dos limites entre os grupos que os ocupam, são inseparavelmente localizações estratégicas, lugares a defender e conquista em um campo de lutas. (BOURDIEU, 2014, p. 229)

Tais estratégias elaboradas por um poder dominante podem ser utilizadas, a fim de influenciar as interpretações dos receptores em qualquer âmbito social, inclusive resvalando naquilo que poderia ser o entendimento do que é o indivíduo homossexual. Isto ocorre porque esta força vem sendo utilizada também com o intuito de normatizar e regular o sujeito social, de forma que sua identidade seja única e exclusivamente definida por uma (cis)temática binária de sexo/gênero, evitando e condenando a aceitação social de identidades consideradas como “desviantes”. O lugar da binaridade seria, então, o local defendido pela hegemonia masculina. Bourdieu (2014) ainda elucida que estes poderes “constituem armas e pretextos de luta entre classes”, sinalizando que tamanho embate tem o objetivo de exercer uma “relação de poder e de luta pelo poder que se encontra no princípio das distribuições”. (BOURDIEU, 2014, p. 230). Falar de binaridade é adentrar no campo da dominação masculina, o que torna praticamente impossível não nos embrenharmos em discussões que abrangem as transformações sociais da atualidade, no que diz respeito ao feminino, as lutas feministas por equidade e as identidades de gênero e orientações sexuais que fogem desse padrão dual. Aqui, para melhor esclarecimento, é importante definirmos o que seriam identidades de gênero e orientações sexuais consideradas como “desviantes”. Essas identidades e orientações fogem do padrão binário estabelecido e desta forma são utilizadas como senso de distinção. Apesar de serem conceitos diferentes, relacionados aos estudos de gênero, movimentam-se por significações sociais que estão categorizadas em um mesmo campo de não aceitação: (...) aqueles que atravessam as fronteiras de gênero ou de sexualidade, que atravessam ou que, de algum modo, embaralham e confundem os sinais considerados próprios (...) são marcados como sujeitos diferentes e desviantes. (LOURO, 2003, p. 91)

Logo, são indivíduos que não se encaixam na normatização e regulação binária de gêneros, sexos ou orientações sexuais definidas em uma sociedade norteada por padrões unicamente heterossexuais e heteronormativos. Desta forma, há uma vontade social pelo exercício de controle desses corpos, que são por definição hegemônica, “corpos estranhos”. A espinha dorsal deste controle estrutura-se em todos os pontos-comuns que os agentes de dominação (estado, igreja, sociedade conservadora heteronormativa, etc.) conseguem

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identificar no tecido social, de forma a normatizá-lo, dominá-lo e influenciá-lo de acordo com os interesses destes agentes. Partindo daí, é possível entender que existe por parte de uma sociedade moral, simbólica e fisicamente patriarcal, androcêntrica e heteronormativa, a necessidade de manter certos padrões que foram definidos, configurados e perpetuados ao longo do tempo. Dentre estas configurações estabelecidas como padrões, figura o da sexualidade. Para tanto, é importante que entendamos estes enrijecimentos morais e como funcionam enquanto sistemas sociais. No patriarcado, homens adultos mantêm o poder primário e predominante no exercício de funções de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle das propriedades. No domínio da família, o pai (ou figura paterna) mantém a autoridade sobre as mulheres e as crianças. Está diretamente ligado com o androcentrismo, que seria a postura segundo a qual todos os estudos, análises, investigações, narrações e propostas são enfocadas a partir de uma perspectiva determinantemente masculina. A exemplo disto, Colling (2007) aponta em uma de suas pesquisas, sinais desta normatização heterossexual, tanto no que diz respeito a questões de gênero como ao que está diretamente ligado à representação homoafetiva na televisão através do produto audiovisual. Através da análise realizada não somente por Colling (2007), mas também por Silva (2015), é possível afirmar que o paradigma social pré-concebido e perpetuado pela sociedade relacionado à homossexualidade, se desdobra em questões ligadas a outras temáticas que são abordadas quando o assunto permeia as questões de gênero, a exemplo do feminismo. No entanto, esta pesquisa irá se ater apenas ao que está ligado à homossexualidade, buscando compreender os processos históricos da sua relação com a sociedade brasileira, ao longo dos séculos e quais foram/são os desdobramentos dessa relação. Entendemos, a partir destas diversas informações e de pesquisas anteriormente executadas (Reis, 2015; Arreas, 2018; Bourdieu, 2014; Butler, 2016;), que muitos setores da sociedade, bem como vários agentes se utilizam desta forma de domínio, visando seus próprios interesses. Dito isso, resgatamos a discussão não somente no tocante ao alcance da potência desta dominação, mas também o poder simbólico exercido pela Indústria Cultural através da Comunicação de Massa. Em relação à homossexualidade, esta força é utilizada para manter os indivíduos identificados como “desviantes” à margem dos processos de inclusão social e de legitimação,

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como bem asseverou Everardo Rocha (1995). Este viés da Indústria Cultural é “seguramente, o mais impressionante sistema simbólico do nosso tempo”. (ROCHA, 1995, p. 53). Devemos atentar para o fato de que a questão levantada não está fundamentada apenas no questionamento da responsabilidade da televisão na construção de um lugar de exclusão – que pode também ser interpretado como uma margem no que diz respeito aos locais de fala e vivência destes indivíduos – mas, sim no seu papel em manter estereótipos negativos, que relegam estes sujeitos ao território da invisibilidade. Como bem assevera Butler: A questão não é permanecer marginal, mas participar de todas as redes de zonas marginais geradas a partir de outros centros disciplinares (...) A complexidade do conceito de gênero exige um conjunto interdisciplinar e pós- disciplinar de discursos, com vistas a resistir a domesticação acadêmica dos estudos sobre gênero (...) (BUTLER, 2016, p. 13) A domesticação referida pela autora passa a não ser restrita à academia, mas também pode ser ampliada às dimensões da prática produtiva e receptiva da televisão. Considerada como o maior veículo de Comunicação de Massa, a televisão trabalha, mesmo que de forma sutil, a favor da manutenção e solidificação de características pejorativas e degradantes de um grupo social em particular. Sendo a televisão ainda o maior veículo de comunicação de massa no Brasil, presente em 98% dos lares brasileiros (IBGE, 2014), exerce um poder influenciador sólido – ainda que no campo do simbólico – na construção e difusão de hábitos, estilos de vida, visão de mundo e opiniões do indivíduo social. O significado simbólico que o aparelho televisor e seus mais variados produtos audiovisuais representa na vida do brasileiro poderia ser definido como uma produção dos sentidos e dos afetos no imaginário, perpetrados pela comunicação de massa em sua mais corpórea representação. Isto porque seu papel na construção de hábitos sociais resvala na definição básica que esta faz de si, quando diz, conforme Rocha (1995), que dentro de si processa-se uma existência representativa da sociedade, em sociedade. O adensamento desta existência alusiva e dos afetos por ela produzidos neste imaginário, se dá também pela interpretação social de que a programação televisiva, principalmente centrada nos comerciais televisivos, representam algo onírico, com o intuito apenas de entreter, ao mesmo tempo, em que anunciam e expõem o produto e o serviço para a venda, frente a potenciais públicos consumidores. Michel Maffesoli (1998), em referência específica a expressões do onírico, declara que no tocante ao imaginário “a publicidade, os vídeos-clipes, as produções cinematográficas, as

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diversões de toda ordem, as multiplicidades de festas estão aí para prová-lo”. Já no que diz respeito aos afetos e as vibrações comuns, ele explicita:

Não há domínio que esteja indene da ambiência afetual do momento. A política, evidentemente, que se tornou um vasto espetáculo de variedades que funcionam mais sobre a emoção e a sedução do que sobre a convicção ideológica; mas, igualmente, o trabalho, onde a energia libidinal exerce um papel importante; e não esquecendo todas as efervescências musicais e esportivas que são tudo menos racionais. Tudo isso mostra que existe uma dialética entre o conhecimento e a experiência dos sentidos (Maffesoli, 1998, p. 192)

Podemos afirmar que a fantasia é um dos pilares norteadores da maioria dos produtos televisivos, representa uma existência figurativa da realidade a partir da ficcionalidade norteada por estes afetos e vibrações que a televisão construiu com a sociedade ao longo das décadas. Sociedade é uma palavra recorrente dentro do conceito da Comunicação de Massa, o que Rocha (1995) chama de “sua mais repetida mensagem” (p.96), e é justamente neste campo, o corpo social, onde a mensagem engendrada pela comunicação ganha espaço e força para exercer sua influência. Apesar de ser construído e configurado na esfera do intangível, o poder sancionado pelo telespectador para a televisão e sua programação, o permite entrar na chamada viagem da irrealidade cotidiana (Rocha, 1995). Isto é, um mundo que passa a existir para além da ficcionalidade, já que exerce uma sólida influência sobre o telespectador. Ademais, a televisão como veículo de comunicação se vale deste poder para apresentar comerciais que visam além de alavancar as vendas dos seus produtos, passar uma mensagem e permear o subconsciente deste mesmo público. Esta força é efetiva e o seu papel na perpetuação de determinados conceitos já não passa mais despercebido aos atentos olhos de muitos pesquisadores, intelectuais e líderes de movimentos sociais, principalmente, os ligados às lutas das minorias. Prova disso são as mais diversas pesquisas realizadas no campo da comunicação, algumas das quais inclusive, permitem o embasamento deste trabalho (Dias, 2018; Jorge, 2014; Araújo, 2013; Cunha, 2018; Reis, 2015; Palácios, 2004; Iribure, 2008; Colling, 2007; Silva, 2015; dentre outros). A partir da interação do público com o produto televisivo, a sociedade se transforma em tradutora desta força, pois, segundo Rocha (1995), é na experiência social que a Comunicação de Massa (e também a televisão) produz sua significação. Assim, seria ingênuo da nossa parte pensar os conglomerados de comunicação do país como agentes comprometidos com iniciativas de movimentos sociais, ou ainda, como

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organizações engajadas com a formação crítica de profissionais de comunicação, já que em sua maioria, se pautam desde a sua concepção por interesses próprios. Compreendemos que a televisão não dita a forma como os indivíduos irão conduzir suas vidas, mas possui a intencionalidade em influenciá-los. Esta finalidade se dá por intermédio das influições exercidas por este meio de comunicação no direcionamento do senso comum, através das informações que são selecionadas para chegar à casa do telespectador, da construção dos programas de entretenimento e, até mesmo, na escolha dos artistas que irão interpretar determinados papéis em suas obras ficcionais. Sabemos também que o valor da televisão consiste na certeza da sua decodificação. É a convicção de que a mensagem ali representada e reproduzida será recebida por uma ampla parte da população, gerando permanência e constância. Permanência no que diz respeito à fixação da mensagem no inconsciente do telespectador, ao ponto de influenciar suas decisões e a forma como interpreta o mundo real. A constância se dá a partir da repetição da mensagem, que concorre para que a permanência seja alcançada. É importante sinalizar que apesar disso, não acreditamos nem temos a intenção de afirmar que todo telespectador é uma tábula rasa que incorpora qualquer informação, sem problematizá-la, sem recebê-la e até comentá-la criticamente. Conforme indicamos anteriormente, temos consciência que a reação ocorre, ainda que não seja da maneira que julgamos ser a mais socialmente adequada a uma sociedade plural e que está enfrentando uma liquefação nas identidades (HALL, 2015). Contudo, afirmamos que este poder ainda que de forma inconsciente é permitido pelo telespectador, pois entendemos que a televisão ocupa exatamente o espaço que foi cedido pelos indivíduos para ser preenchido pela programação televisiva em suas vidas, movendo-se através de construções e transformações de conceitos, ideias e na disseminação destas construções enquanto conhecimento coletivo na sociedade. É o que Rocha (1995) nomeia como a construção social do senso comum. Em relação ao comercial publicitário televisivo, compreendemos que é um produto que precisa ter objetivos muito bem delimitados. Para que um suposto sucesso seja alcançado é necessário que todos os aspectos (inclusive os subjetivos) sejam pensados de maneira adequada e trabalhados estrategicamente de acordo com o imaginário coletivo do público-alvo. É comum que, em relação ao filme publicitário, o imaginário seja interpretado como algo fora do que é factual, como se fosse parte de um mundo totalmente ficcional, e sem relação

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com o cotidiano, principalmente, se levarmos em consideração os processos que regem a produção televisiva. Isto é um equívoco. O imaginário de acordo com Durand é um: (...) conjunto de imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens; faculdade da simbolização de onde todos os medos, todas as esperanças e seus frutos culturais jorram continuamente desde os cerca de um milhão e meio de anos que o homo erectus ficou de pé na Face da Terra. (...) o imaginário se dá na confluência do subjetivo e do objetivo, do mundo pessoal e do meio cósmico ambiente. O imaginário, longe de aparecer como um momento ultrapassado na evolução da espécie, manifesta-se como elemento constitutivo e instaurativo do comportamento específico do Homo sapiens (Durand, 1997, p. 429).

A capacidade do ser humano de conferir significação a simbolização, as referências, ao conhecimento e as diversas formas de cultura fazem parte do imaginário, assim como os padrões sociais que dizem respeito às questões de gênero e suas representações, tanto no mundo ficcional, quanto nas narrativas que circulam no ambiente físico e social. Esses padrões e representações alicerçam as formas como a programação televisiva é concebida e construída. O mecanismo se estende ainda aos programas jornalísticos, de entretenimento e até aos filmes comerciais. A produção e a veiculação de um comercial televisivo são consideradas de alto custo, por isso a televisão tende a trazer uma programação elaborada objetivando maior audiência e, consequentemente, a atração de assinantes para os espaços comerciais, que é de grande arrecadação para os canais. Cabe também ressaltar que internalizada nos bastidores das câmeras existem as intenções dos publicitários em escolher modelos de representações que se adequem ao público selecionado. É a “magia do capitalismo” (ROCHA, 1985), o entretenimento e o espetáculo ficcional sendo utilizados como peças que vendem de um bem de consumo ou serviço. Esses resultados de audiência indicam modelos sociais percebidos pelo telespectador, além de uma fusão entre realidade e ficção, ainda que o indivíduo frente à tela saiba que a história contada na narrativa construída na peça publicitária representa um elemento ficcional. Daí a importância de realizarmos uma análise, mesmo que breve, de outros produtos, a exemplo da telenovela, que compõe a grade de programação da televisão aberta, no Brasil. É importante indicar também, que o que almejamos com a problematização do estereótipo em filmes publicitários para televisão aberta, é exatamente o que Vergueiro (2015) chama de: Questionar a produção do ‘normal’ e do ‘padrão’, em relação aos corpos e vivências tidas como abjetas, estranhas, transtornadas, inviáveis: as reflexões

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sobre cisgeneridade, (...) em se problematizarem processos de normatização e controle biopolítico (VERGUEIRO, 2015, p. 38). Questionar a produção daquilo que é habitual, e por isso tido como “normal” (apesar das representações estereotipadas), é o primeiro passo para abrir a discussão sobre as mudanças necessárias no modus operandi da publicidade brasileira, de forma que esta não seja mais um meio de disseminação de estereótipos e de estruturas preconceituosas, sobretudo, porque estes estereótipos e estruturas já não são mais parte dominante dos processos de mudança em andamento na constituição das identidades homossexuais no país. Apesar de ser um filme curto, com duração média de trinta segundos, o comercial televisivo, caracterizado como um produto emblemático da publicidade elaborada e veiculada na e pela televisão, já é parte integrante da rotina da família brasileira (em todas as suas diversas configurações), inclusive ditando hábitos de consumo, comportamentos e estilos de vida. De um modo geral, embora ocupe o menor espaço de tempo dentro da grade da programação televisiva, a publicidade é uma, senão a maior fonte de arrecadação de recurso das emissoras de televisão aberta do país. Este é um dos motivos que reforçam a importância da adequação do filme publicitário e dos demais meios às mudanças sociais que vêm ocorrendo no país, principalmente, devido aos números alarmantes relacionados às violências (social, simbólica, física) sofridas pelos homossexuais20. Como exemplo, podemos citar um estudo apresentado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), que apontou no início de 2017, números alarmantes do ano de 2016, em que foram mortas 343 pessoas LGBTs, no Brasil. O GGB ainda informou que neste mesmo ano aproximadamente a cada 25 horas, pelo menos uma pessoa dentre estas orientações sexuais foi assassinada no país21. O que fica claro é que com as transformações sociais advindas da Revolução Industrial e da Globalização, a sociedade mundial estabeleceu um elo entre a programação televisiva e os sujeitos que, diariamente, dedicam parte de seu tempo para assistir e dar atenção aos seus produtos, sejam telenovelas, telejornais, seriados, minisséries, filmes (nacionais ou não), ou ainda filmes publicitários. Vive-se como real a trama que ali é contada em formato de ficção. Por exemplo, no enredo de uma telenovela, a perda de um personagem querido causa comoção nacional, o

20 Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/homofobia-mata-uma-pessoa-cada-25-horas-norte-tem- maior-indice-20819002 acesso em 20 ago 2018. 21 Disponível em https://oglobo.globo.com/sociedade/homofobia-mata-uma-pessoa-cada-25-horas-norte-tem- maior-indice-20819002 acesso em 20 ago 2018.

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casamento de um outro mobiliza toda família em frente ao televisor. Essa conexão pode ser considerada como parte do senso-comum da nossa sociedade. Rocha (1995) pontua que basear-se no senso comum, utilizando muitas vezes uma ideia que inclusive é produzida e disseminada pela programação televisiva é uma perigosa armadilha: acreditar na semelhança entre o familiar e o conhecido. O autor define o que concebe como “conhecido”, como tudo aquilo que chega ao aparelho televisor do telespectador; o que não ocorre sem que antes essa informação tenha passado pelo crivo de inúmeros profissionais. O “familiar” se dá nas áreas onde o sujeito buscou, além de ter recebido informações por meio de veículos de comunicação, acessar outros pontos de vista sobre a temática, tornando determinados temas como algo familiar para a sua vivência diária. Do reconhecimento deste relacionamento estabelecido entre o telespectador e a programação televisiva, que muitas vezes, atende a interesses políticos, econômicos e sociais daqueles agentes que já foram citados e que se valem do simbólico como ferramenta de dominação, se dá a importância, conforme Rocha (1985), de um distanciamento entendido como a “exclusão das opiniões emocionadas (...) que traduzem ‘proximidade’, ‘intimidade’, ‘envolvimento’ para observação intelectual de movimentos sociais.” (ROCHA, 1985, p. 28). Distanciando-se desta aproximação que foi construída ao longo dos anos com a “tevê”, questiona-se: onde reside este poder? Como ele funciona? Quais influências exerce na vida não só privada, mas pública deste telespectador? É possível saber qual a posição deste espectador frente a tamanha exposição?

3.2. Nem vou sobrar de vítima das ciircunstâncias: construções simbólicas que moldam, legitimam e refletem no mundo real

Para responder as indagações levantadas ao final da sessão anterior, será preciso entender não somente o papel da Comunicação de Massa e da Televisão, quem é o receptor das mensagens ali compartilhadas, mas também o papel deste veículo como entidade reprodutora destas mensagens. Como já discutimos, em sua obra publicada em 2010, Rancière questiona exatamente esta relação do telespectador e sua posição passiva frente não somente à programação televisiva, mas também diante das questões sociais. Ou seja, o autor põe em relevo esta posição conveniente do indivíduo relacionada a todas as demandas que permeiam o campo social,

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quando o sujeito constrói não só uma opinião e uma forma de enxergar a sociedade, mas sua própria visão de mundo. Evocamos novamente os questionamentos de Rancière (2010), pois parte da premissa que o espectador é despreparado intelectualmente para receber os conteúdos veiculados pela mídia. Independentemente da simplicidade e/ou da complexidade do conteúdo ou da narrativa apresentados. A condição de passividade do espectador é entendida por Rancière (2010), então, como o oposto do (re)conhecer e também do agir. É o assujeitamento a ação do poder simbólico da televisão, que é realizada a fim de manter o telespectador alienado22. O espectador alienado é o oposto do emancipado, ou seja, é aquele que, voluntariamente ou não, se mantém alheio das realidades que o cercam, alheio às forças sociais que potencializadas por certos agentes são utilizadas com finalidades de dominação. Apesar de a publicidade televisiva não ser o objeto de análise do autor, quando aborda a questão do espectador, é possível pensar na televisão aberta e em sua programação como sendo uma estrutura enrijecida no sentido da manutenção dos estereótipos negativos, que inclui a representação homossexual. Passamos – com base nas interpretações destas duas obras (Rancière, 2010; Rocha, 1995) e das reflexões apresentadas por Bourdieu (1989) no que diz respeito ao poder simbólico – a indagar o motivo pelo qual o espectador televisivo recebe o comercial publicitário estereotipado, em alguns casos, até pejorativamente construído e não o questiona, ou ainda, o ignora. Exemplo disto é a campanha criada pela AlmapBBDO (curiosamente a mesma agência responsável pelo comercial de O Boticário) para o salgadinho Doritos, que em 2009 apresentou dois filmes com representação estereotipada. Em um dos comerciais, o enredo apresenta ao telespectador vários adolescentes em uma reunião de amigos, quando um deles inala gás hélio. O adolescente encena uma coreografia que corresponde aos gestos realizadas pela cantora Madonna, enquanto com voz de falsete começa a cantar a música Like a Virgin. No outro filme, novamente, adolescentes estão juntos, desta vez em um carro. No rádio do veículo toca a música YMCA, da banda Village People, mundialmente conhecida pelas

22 Entende-se por alienado, aquele que sofre de alienação, que vive sem conhecer ou compreender os fatores sociais, políticos e culturais que o condicionam e os impulsos íntimos que o levam a agir da maneira que age, envolto em valores, e em uma estrutura de classe e de domínio que é fomentada por uma maioria dominante.

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coreografias irreverentes que evocava temáticas com ironias homossexuais. Quando ouve a canção, um dos garotos começa a fazer a coreografia com os braços, remexendo-se ao ritmo da música, ao passo que recebe olhares de censura dos demais.23 Em seguida, assim como no primeiro filme, um saco de Doritos é posto no rosto do subversivo, e a locução entra com a frase “Se você quer dividir algo com os amigos, divida um Doritos”. (BAGGIO, 2009).24 Estes dois exemplos ilustram o fato de que o telespectador não busca compreender o que há oculto, não-dito e em estado de latência nesta produção. Não indaga sobre o que pensa o diretor de arte, ou até mesmo a agência contratada para produzir um comercial com a figura do gay retratada a todo tempo por meio de um tratamento humorístico de cunho majoritariamente depreciativo e inibidor. Em alguns casos, sequer sabe da existência desses profissionais, como também não indaga acerca das implicações sociais que a marca anunciante, através deste tipo de comercial, pode provocar na imagem e nas relações sociais da figura que é representada. Ciente disso, refletimos sobre as situações cotidianas, nas quais o sujeito não está literalmente frente a um palco ou um aparelho televisivo, mas continua sendo exposto a situações, conceitos, comportamentos, discursos e ideais, que reforçam ou solidificam imagens negativas sobre determinados grupos. Isto ocorre na própria vivência social, como por exemplo, quando um indivíduo presencia situações de violência, ou propriamente de homofobia e não se posiciona por reproduzir um discurso social, que parece querer dizer ser natural que o sujeito homossexual deve ser submetido a este tipo de agressão. Exemplo disto foi o discurso do candidato Levy Fidélix na corrida presidencial de 2014, quando, em rede nacional, afirmou que uma das pautas de sua campanha seria “dizimar essa minoria” se referindo aos homossexuais. Apesar dessa declaração grotesca, o candidato não foi repreendido em nenhum momento, nem mesmo pelo intermediador do debate, o jornalista global William Bonner; ao contrário, seu comentário foi recebido com risos pela plateia e encontrou apoio por boa parte da sociedade. A postura de anuência adotada por parte do eleitorado brasileiro frente ao referido discurso foi tão escancarada que foi questionada no artigo produzido pelo deputado Jean Willys25 para o jornal GGN.

23 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FCygY_yDNC8 acesso em 19 ago 2018. 24 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qSZ43RZYlF0 acesso em 19 ago 2018. 25 Disponível em: https://jornalggn.com.br/noticia/o-discurso-de-odio-homofobia-e-ecos-nas-redes-sociais acesso em 14 jun 2018.

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Willys (2014), que representa no Congresso Nacional uma voz resistente e combativa no tocante às questões relacionadas a luta pela igualdade de direitos, criticou com veemência tanto a postura do candidato, como o silenciamento de seus interlocutores mediante colocações indubitavelmente caricatas, por parte de um candidato ao maior cargo político do país. Ocorre-nos, então, indagar se há por parte do telespectador a vontade de ser emancipado. Tomamos consciência através de Rancière (2010) que a emancipação está atrelada ao conhecimento e ao reconhecimento daquilo que também não se conhece. O que nos leva a indagar se a sociedade está preparada e disposta a passar por transformações nas quais se desconstrua seus conceitos enraizados e enrijecidos sobre a homossexualidade. Se é possível desconsiderar a remota construção científica e binária de sexo/gênero ou ainda a definição religiosa do que é aceitável ou não. Um mercado que movimenta cifras bilionárias tem, por certo, alguma influência na construção do imaginário coletivo de toda uma sociedade e permeia com certa facilidade o tecido social. Essa consciência existe e está permeando outros produtos televisivos, podendo também alcançar o filme publicitário, já que os filmes publicitários são exibidos nos intervalos da programação da televisão aberta, no Brasil. Conforme citado anteriormente, nos anos de 2013-2014 notou-se uma maior presença de personagens homossexuais na televisão brasileira, seja em telenovelas, a exemplo de Amor à Vida e Império ambas da Rede Globo e Vitória da Rede Record ou em Filmes como Praia do Futuro (2014) e Crô (2013); séries como o Rebu (2014), além de programas de auditório e/ou humorístico como Amor & Sexo e Zorra Total, ambos também da Rede Globo. Acompanhando este alargamento no segmento da teledramaturgia e das obras audiovisuais, alguns comerciais, como os dois que citamos de Doritos por exemplo, se valeram da homossexualidade para dar um tratamento humorístico às narrativas publicitárias, de forma a serem aceitos pelo telespectador. As telenovelas, como pontuamos, já se utilizam há algum tempo destes recursos, ao apresentarem aquilo que é socialmente aceitável pelo público, pois apesar de serem produtos ficcionais de entretenimento, possuem anunciantes que investem valores reais no sucesso da trama, medidos pela audiência. Segundo Reis (2015), este estereótipo de certa forma, provém de uma interpretação pré- estabelecida no imaginário coletivo de que o gay é exageradamente hilário, afeminado, cheio de gestos que fogem do padrão institucionalizado socialmente como masculino e popularmente

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conhecidos como “trejeitos”. O gay, dentro desta perspectiva, possui uma vestimenta peculiar, além de utilizar um vocabulário próprio. O cinema, a televisão e até mesmo espetáculos teatrais possuem sua parcela de contribuição na construção de elementos que identificam o “gay” perante o público. Consoante Reis (2015):

Foi assim em Gaiola das Loucas (filme franco-italiano dirigido por Édouard Molinaro em 1978 e com nova leitura em 1996 por Mike Nichols); com programas humorísticos da televisão a exemplo de Planeta dos Homens (1976), Balança mas não cai (1982); A praça é Nossa (1987), Zorra total (1999), dentre outros; novelas como Fina Estampa (2011), América (2005), Amor e Revolução (2011) etc. e até mesmo na música com o grupo Village People26 que evocava temáticas com ironias homossexuais além de utilizar símbolos de masculinidade. (REIS, p. 9, 2015)

Reis (2015) ainda pontua que todos esses exemplos são de uma constelação de construções debruçadas sobre a representação homossexual. São referências consideradas como produtos culturais alicerçados em fatos de cunho social e replicados ficcionalmente, transitando por vários vieses como a teledramaturgia, cinema, teatro e também filmes publicitários. Ao nos aproximarmos da compreensão de Hall (1997), entendemos que essas construções são fundamentadas em significados culturais que não estão regulamentados por uma lei, porém tem efeitos reais e regulam práticas sociais, fornecendo à sociedade um olhar de resistência para com o outro. Esse olhar pode influenciar o telespectador, assim como o imaginário individual e consequentemente coletivo, criando uma visão generalizada em relação ao gay, tornando intrínseco no comportamento social destes sujeitos, uma grande resistência em compreender e aceitar suas necessidades, ideias e pensamentos como ser humano, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. É neste ponto que o conceito apresentado por Viviane Vergueiro (2015) lança luz sobre diversos fatores imprescindíveis que reivindicam mudanças de hábitos por parte da sociedade, e nos quais nos apegamos para indicar a necessidade dessas transformações também no que tange à esfera da produção e também da recepção de filmes publicitários circulados na televisão aberta e que reproduzem estereótipos reconhecidos socialmente como próprios de pessoas

26 Village People é um grupo norte-americano, mais conhecido pelos seus mega-hits mundiais Macho Man e Y.M.C.A., ambos de 1978. O grupo, surgido em boates gays nos Estados Unidos, foi criado entre 1976 e 1977 pelos produtores Jacques Morali e Henri Belolo. O nome originou-se do reduto gay de Nova Iorque na época, o Greenwich Village, e a banda ficou conhecida por apresentar-se com fantasias que evocavam símbolos de "masculinidade”.

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homossexuais. Ao reproduzir estes estereótipos, a narrativa publicitária concorre para o processo de construção de identidades culturais e de representações sociais da homossexualidade. Vergueiro pontua “caminhos decoloniais possíveis por entre os diferentes cistemas que normatizam corpos e gêneros, particularmente aqueles situados em intersecções de marginalizações socioculturais, políticas, existenciais” (VERGUEIRO, 2015, p. 15). Estes caminhos sinalizados pela autora nos permitem destacar uma necessidade de desconstrução dessa padronização binária dos sexos, que seja coerente, se utilizadas também para analisar a construção da propaganda brasileira para televisão aberta e suas influências no imaginário social. Apesar de algumas empresas, a exemplo de O Boticário, terem utilizado a polêmica em torno dessa pauta para alavancar vendas, sabemos que ainda existe receio por parte dos anunciantes e suposta resistência dos telespectadores na exposição e recepção de comerciais com representação homossexual fora do viés do estereótipo. 27 É do senso-comum também a percepção de que este público receptor é formado em sua maioria por um coletivo no qual as regras predominantes são baseadas no patriarcado. Estas regras estão inseridas em uma sociedade binária e androcêntrica, com normas e padrões do que é permitido e aceito para o masculino e para o feminino, reguladas por uma dicotomia fundamentada em um conceito de cisgeneridade. Conceito este, proposto por Vergueiro (2015) e que indica a “normatividade sobre corpos e identidades de gênero que os naturaliza e idealiza, em fantasias ciscoloniais, como pré-discursivos, binários e permanentes.” (VERGUEIRO, 2015, p. 7). O conceito de cisgeneridade, na prática social, tende a não só desconsiderar as possibilidades de identidades flexíveis (HALL, 2015), como também a segregar e tornar abjeto tudo aquilo que diverge dos conceitos de heteronormatividade, marginalizando o que é considerado desviante no imaginário social e consequentemente na vida diária dos brasileiros. O entrelaçamento entre imaginário social (Castoriadis, 1982) e o poder simbólico (Bourdieu, 2004) vai se tornando cada vez mais evidente, auxiliando na compreensão e elucidação da força que a publicidade exerce no sentido de manter determinados paradigmas, principalmente, se estão atrelados a construções sociais solidificadas sobre um único tema.

27 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/05/27/estatais-patrocinam-parada- gay-mas-grandes-empresas-ainda-tem-receio-de-associar-marca.htm Acesso em 20 ago 2018

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No caso do entrelaçamento, o indivíduo homossexual possui uma identidade bem definida nas produções televisivas de comerciais. Identidade esta que frequentemente está permeada de estereótipos negativos e que embora seja ficcional, não contribui em nada para a aceitação desta minoria perante a sociedade. Assim, “a identidade existe como um sistema simbólico sancionado” (CASTORIADIS, 1982, p. 142). Carvalho (2002) salienta este conceito, quando afirma que: [...] temos que toda constituição imaginária é também simbólica, e este simbolismo formará o que Castoriadis chama “sistema simbólico” ou “rede simbólica”. Nesta perspectiva os atos reais, coletivos e individuais, podem não ser símbolos, mas não são possíveis fora de uma rede simbólica; os sistemas simbólicos por sua vez ligam os símbolos a significados e fazem eles valerem como tais para a sociedade ou para o grupo. (CARVALHO, 2002, p. 36).

Logo, há padrões pré-instituídos, uma representação estabelecida acerca da identidade comportamental deste indivíduo. Este padrão funciona como símbolo, especificamente neste caso como expressões do feminino (e também do masculino) do sistema simbólico sancionado. Ainda que não seja uma regra declarada, existe e funciona como mediador/orientador da conduta do indivíduo, normatizando e regulando como este indivíduo deve se comportar. É como uma lei que todos conhecem, mas ninguém fala sobre ela, entretanto todos a seguem sem maiores questionamentos, de forma que aquele que não se encaixa, torna-se alvo de ridicularização, ou ainda, de violências que podem ser simbólicas, ou ainda podem evoluir para o campo físico. No imaginário coletivo social, o olhar sobre o outro, principalmente sobre aqueles que fogem dos padrões sociais instituídos, geralmente, causa alguma tensão no observador, a não ser que exista algum elemento que amenize esses padrões considerados repressivos ou equivocados. É o que acontece quando o tratamento humorístico, quase sempre construído de modo derrisório, é conferido a indivíduos homoafetivos como forma de tentar alcançar a aceitação social pelo grupo heterossexual. É como se o emprego do humor fosse a única forma possível de representação homossexual na televisão. Consideramos este meio como um mecanismo homofóbico, até marginal de apresentar o gay, apenas tornando-o hilário e passível de ridicularização. Questionamos, então, o porquê de somente este tipo de representação ser utilizada quando existem características tão plurais que abarcam esta orientação sexual.

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No momento atual da publicidade, não há espaço para o gay que não atende a esta expectativa, uma sociedade patriarcal não pode lidar com a presença do homossexual em sua complexidade, e aqueles que ousam tratá-lo de outra forma se tornam alvo do ódio social. Nesse aspecto, é possível recorrer a Castoriadis (1982) quando ele pontua que as instituições podem ser tanto instituídas quanto instituintes. Na visão do autor, o instituinte é tudo aquilo que é fonte de uma criação, e não de reflexos ou cópias ou ainda imagens do que já é existente. O autor também utiliza o conceito de magma para mostrar que essas fontes de criação estão em constante movimento, podendo passar por alterações que são apoiadas em tensões sociais. São criações puramente indeterminadas. Já o instituído se dá por aquilo que já é existente, e que coexiste e convive com o instituinte. (ADÃO; MONTEAGUDO, 2010, p.1). De certa forma, torna-se evidente que a publicidade poderia alterar o seu posicionamento e não mais sugerir ao cliente roteiros que apresentem a pessoa homossexual sob o viés do estereótipo negativo. Há, contudo, o exercício do poder invisível, estruturado e estruturante que foi construído e solidificado através das relações entre os indivíduos ao longo da história da humanidade. Esses padrões fazem parte de um sistema que está também alicerçado no imaginário coletivo e permeia a formação dos profissionais de publicidade. É um tipo de linguagem que, segundo Castoriadis (1982), é constituída tomando por base representações simbólicas já existentes (instituídas). Nas palavras do autor “o simbolismo (destas representações) pressupõe a capacidade imaginária, pois pressupõe a capacidade de ver em uma coisa o que ela não é.” (CASTORIADIS, 1982, p. 154). Vale salientar que não há a intenção de impossibilitar a aparição dos gays afetados na televisão brasileira, entretanto, precisamos considerar e questionar quais são os motivos que levam a um certo determinismo, por meio do qual o gay aceitável socialmente é apenas aquele que faz rir, a ‘bicha louca’, o gay afetadíssimo, cheio de ‘trejeitos’ e falas engraçadas.

3.3 As vezes eu me sinto uma molha encolhida: o papel da publicidade na manutenção de estereótipos negativos relativos aos homossexuais

As interpretações sociais que dizem respeito às representações da homossexualidade na publicidade televisiva estão diretamente relacionadas com o papel que é desempenhado por esta mídia, enquanto ferramenta de manutenção da heteronormatividade e dos estereótipos advindos de uma normatização e regulamentação social do indivíduo.

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Entendemos que a publicidade trabalha com arquétipos, estereótipos e isto também tem uma razão de ser, do ponto de vista da produção, quer concordemos ou não. Desta forma, se faz necessário compreender a construção cultural em torno do conceito de homossexualidade. Bauman (2012) conceitua a cultura como:

(...) um conjunto único, total e indivisível de significados e instrumentos simbolizados, atribuível apenas à humanidade em seu todo. Assim, de acordo com Leslie A. White, “a cultura da espécie humana é na realidade um sistema único, singular; todas as chamadas culturas são apenas porções distinguíveis de um só tecido”. Robert H. Lowie tem uma visão semelhante: “Uma cultura específica é uma abstração, um fragmento arbitrariamente selecionado. (…) Há somente uma realidade cultural que não é artificial, ou seja, a cultura de toda a humanidade em todos os períodos e em todos os lugares. (BAUMAN, 2012, p. 92)

Compreendendo a cultura a partir da definição de Bauman (2012) e de pesquisas realizadas anteriormente por esta pesquisadora (2013-2015) é possível entender por que a homossexualidade ainda é tratada como aberração ou patologia por alguns grupos sociais no Brasil. Este tipo de tratamento reflete também conceitos de identidades, principalmente das identidades que são rejeitadas e abjetificadas socialmente. São as identidades que indicamos ao longo da pesquisa serem classificadas como desviantes. É o corpo estranho, uma definição relativamente nova de Louro (2015), mas que desde sempre tem incorporado as identidades e sexualidades consideradas como dissidentes, tratando-as como patológicas. A questão é que, mesmo com as mudanças na sociedade atual, devido a luta das minorias sociais, ainda não existe um espaço social para o homossexual, no qual ele possa se sentir seguro e livre de seus receios, medos, ansiedades. Uma possibilidade de existência que se encontre fora da margem. O que ocorre segundo Trevisan (2007) citado por Santos (2009) é que: (...) no decorrer do século XIX, o tratamento dado ao indivíduo enquadrado como desviante caminhava paralelamente com a Europa. As abordagens científicas sobre as “perversões sexuais” com base na teoria de gênero da sociedade brasileira da época surgiram na medicina. Juízes especializados em Direito Criminal utilizavam conceitos da psiquiatria e alertavam que no Brasil a pederastia se expandia. (TREVISAN, 2007, p. 177-184 apud SANTOS, 2009, p. 21)

Santos (2009) prossegue, salientando que os profissionais de psiquiatria prescreviam a homossexualidade como “inversão congênita ou psíquica” (SANTOS, 2009, pg. 21), de forma a colocar a homossexualidade também na categoria do desvio indenitário. O estigma e as construções de estereótipo eram recorrentes em uma época na qual o homossexual figurava apenas enquanto ser social marginal e, durante décadas, a

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homoafetividade foi vista como doença e perversão. Geralmente, os homossexuais brasileiros apareciam nos jornais nas páginas policiais ou em reportagens sobre o Carnaval conforme Green (2006) apud Santos (2009). Apesar do enraizamento do patriarcado na cultura e sociedade brasileira, na década de 1980, mesmo com a militância reduzida, a homossexualidade no Brasil mantinha sua representatividade principalmente através do Grupo Gay da Bahia. Na década de 1990, iniciou-se uma mudança nos hábitos de consumo do brasileiro, o que seria o início de uma transformação que refletiria em vários setores da sociedade, inclusive na representação homossexual na televisão. A economia mudou graças ao sucesso do plano real, que sobrepujando a hiperinflação proporcionou não somente o crescimento do consumo, mas também a possibilidade de as empresas retomarem os investimento em publicidade para reforçar o posicionamento de suas marcas.28 Nesse mesmo período também ocorreu a retirada da homossexualidade da lista de patologias sexuais da Organização Mundial de Saúde (OMS) (MARTINS; ROMÃO; LINDER; REIS 2009, p.38). Tal mudança de hábito viria a se firmar no início dos anos 2000 e foi fundamental para o começo da representação da homossexualidade em comerciais para televisão aberta brasileira. Trazendo para os dias atuais, é possível afirmar que com as mudanças na economia do país e a variação nos hábitos de compra dos brasileiros, alguns segmentos de mercado saturaram-se. A mudança econômico-mercadológica forçou grandes e pequenas empresas a se posicionarem de maneira estratégica, visando alcançar outros públicos e nichos de mercados. De forma que os homossexuais se tornaram alvo de muitas dessas marcas. No Brasil, os homossexuais ultrapassaram, em 2012, a faixa dos 18 milhões (IBGE, 2012). A renda média deste público está acima de R$ 3.000,00, e estão inseridos em um cenário onde há melhor escolaridade, interesse na cultura e também a ocupação de boas posições no mercado de trabalho. Além disso, muitos casais homossexuais optam por não ter filhos, assim há mais dinheiro disponível para gastar. O mercado LGBT movimenta cerca de R$ 150 milhões por ano no país, além disso, 78% dos gays tem cartão de crédito, e 30% consomem mais bens de consumo do que os heterossexuais. (IBGE, 2012).

28 Disponível em: https://dcomercio.com.br/categoria/negocios/70-anos-de-consumo-no-brasil Acesso 19 ago 2018.

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Apesar disto, no entanto, o potencial de compra deste público, bem como sua representatividade na sociedade vem sendo negligenciada no que tange ao poder de alcance de mídias voltadas para o homossexual ou com representação homoafetiva para este gênero, principalmente, se pontuado o alcance da televisão com canais abertos. Por que isso acontece? Quais são as nuances ocultas na resistência em possuir no casting de comerciais atores e atrizes homossexuais representando seus reais papéis sociais? As opiniões, hábitos, visões de mundo, originárias do imaginário coletivo social, estão incorporados aos meios de comunicação, entrelaçados, pontualmente com a televisão que contribui exponencialmente para a reprodução ou transformação do sistema social (Romano, 1999), sendo este “concernente às relações entre conflitos que regem as diversas representações sociais do homossexual nas sociedades e as maneiras como elas são apropriadas, recriadas ou alteradas pelas produções audiovisuais.” (ROMANO, 1999, p. 22). A publicidade tornou-se além de uma ferramenta de vendas, uma força social centrípeta. O mercado publicitário nacional está entre os mais criativos e rentáveis do mundo, além de movimentar anualmente cifras que chegam na casa dos bilhões. Apesar dos revezes do mercado, ele cresce a cada ano29. Não há como negar o alcance e o poder da publicidade, muito menos da televisão. De acordo com o portal Folha de São Paulo, a televisão aberta, atualmente, é responsável por mais de 50% do faturamento deste mercado bilionário30. A despeito desses números, algumas marcas de fato passaram a se posicionar de forma socialmente mais responsável, principalmente, no tocante a grupos de minorias sociais, trazendo a pauta desses grupos para suas comunicações. Entretanto, podemos afirmar que a publicidade ainda é um agente perpetuador de estereótipos e que esse posicionamento se deve muito mais a prática do marketing social, que tem como objetivo agregar valor a marca, do que a presença de uma preocupação socialmente consciente. Essa perpetuação, que foi e ainda é praticada, fica mais evidente, quando aflora esta resistência que a publicidade vem encontrando por parte da sociedade frente às marcas que estão se posicionando contra este padrão.

29 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/02/investimento-publicitario-movimenta-r-134- bi-em-2017.shtml acesso em 19 ago 2018. 30 Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/02/investimento-publicitario-movimenta-r-134- bi-em-2017.shtml acesso em 19 ago 2018

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Rocha (1995) identifica a publicidade como um dos campos da Indústria Cultural e ainda elucida que a mesma se insere no campo das produções simbólicas, como um produto ficcional, mas que, apesar disso “organiza, encanta, engana, traduz (...) nossa experiência de ser no mundo, ao reproduzir esta espécie de vida em paralelo que nos envolve a todos e a cada um, nosso tempo e lugar” (Rocha, 1995, p. 23). O autor ainda reforça que “o universo de especulação simbólica que a Comunicação de Massa projeta é, provavelmente, a mais formidável máquina de criação do imaginário coletivo de nosso tempo” (Rocha, 1995, p. 24). Desta forma, se faz necessário indagar como e onde se encaixa o homossexual nesta sociedade que segue predefinições de um imaginário coletivo que já não acompanha, há algum tempo, as transformações sociais. O homossexual encontra-se no ponto de convergência das características binárias. Ou seja, é um indivíduo do sexo biológico homem e do gênero masculino, mas que sente atração sexual e afeto por um indivíduo do mesmo sexo. Convém acrescentar que sua atuação social está predominantemente associada com expressões socialmente ditas como femininas (afeminados, que exercem profissões normatizadas como femininas, que utilizam saias, vestidos etc.). Apesar da, incansavelmente, já citada construção social patriarcal, androcêntrica, heteronormativa e binária presentes na publicidade atual é possível identificar a representação da homossexualidade sem estereótipo, mas não sem resistência social, como foi possível observar no caso que envolve o comercial do dia dos namorados de O Boticário. Há ainda outros exemplos de comerciais com representação homossexual não- estereotipada, entretanto, nenhum deles foi veiculado na televisão aberta, restringindo-se apenas ao ciberespaço. Os filmes são veiculados em canais do youtube ou vistos apenas quando acessamos o site da empresa, o que não gera uma repercussão equiparada a um comercial veiculado no domingo à noite, no intervalo do Fantástico31, por exemplo. De certo modo, é possível afirmar que uma menor repercussão protege estas empresas da ira dos setores mais conservadores da sociedade. Quando O Boticário difundiu este comercial durante o mês de junho de 2015, algumas pessoas afirmavam que deixariam de consumir esta marca, para consumir apenas produtos da Natura, isto ocorreu possivelmente por não haver chegado ao conhecimento destas mesmas pessoas que a empresa Natura também já veiculou comercial com representação homossexual.32

31 Horário mais caro para veiculação de publicidade na televisão aberta brasileira. 32 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=79A8EDXf9hA Acesso: 20 ago 2018.

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Destaca-se, portanto, que nesta pesquisa não há a pretensão de omitir outros comerciais que foram produzidos com representação homossexual, apesar de que não foram veiculados na televisão aberta. O ponto central é compreender e questionar quais são os reais motivos que figuram nos bastidores da não aceitação desta representação na televisão aberta. De forma que partindo deste ponto seja possível identificar quais razões levam as agências a produzirem, ainda, comerciais que reforçam conceitos homofóbicos, já que estes conceitos destoam consideravelmente das mudanças sociais ocorridas nos últimos 12-15 anos relacionadas à homossexualidade e principalmente aos hábitos de consumo deste grupo social. Quando exibido na televisão aberta brasileira por O Boticário, a percepção da homossexualidade não-estereotipada gerou não apenas revolta no telespectador conservador, mas também diversas manifestações contra a empresa e contra a representação desta orientação sexual em comerciais para televisão aberta. Embora o comercial tenha apontado e rompido com diversos padrões sociais ao longo dos seus breves 30 segundos, indicando possibilidades de existência para mulheres, homens, casais intergeracionais e interétnicos, o casal homossexual foi o que recebeu todos os holofotes. De maneira que questionamos, a partir dessa possibilidade de ruptura, por que a publicidade desempenha um papel fundamental na manutenção de estereótipos? A homossexualidade foi e continua a ser representada através de estereótipos que seriam aceitos pelo imaginário social. Esta aceitação pode ser explicada pelos estereótipos correspondentes às interpretações do homossexual como sendo uma bicha afetada, afeminada, engraçada e cheia de trejeitos, que figura única e exclusivamente para ser ridicularizada e levar o público às gargalhadas, já que são essas acepções que contribuem para melhor vender. Exemplo desta incorporação é o personagem Crô da telenovela Fina Estampa (2013- 2014) – interpretado por Marcelo Cerrado, um ator heterossexual – tão bem aceito pela sociedade, que chegou a ganhar um filme próprio, faturando a maior bilheteria do Brasil em seu final de semana de estreia.33 É possível, inclusive, enumerar vários filmes publicitários que atendem a esta expectativa do estereótipo, como por exemplo: Comercial do Doritos de 2011 (a empresa pretendia veicular no intervalo do Super Bowl) com dois homens em uma sauna, sendo um deles negro. O rapaz branco olha para baixo em direção ao quadril do outro com expressão de

33 Crô - O Filme. Paris Filmes, 2013, 1h50 de duração. Informação disponível em: http://www.verdinha.com.br/entretenimento/4153/cro-filme-estreia-maior-bilheteria-brasil-semana/ acesso em 19 ago 2018

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desejo, em seguida, movimenta-se para alcançar o objeto de desejo, o rapaz negro o olha com uma expressão de censura, o plano da câmara muda para um plano aberto, de forma que entendemos que o objeto do desejo era o salgadinho e não o órgão sexual do personagem em questão.34 O comercial da cerveja Nova Schin35 difundido em 2012 e retirado do ar após denúncia de coletivos LGBTs ao Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (CONAR), por reforçar a homotransfobia, devido a representação de uma travesti no comercial, inserida em estereótipos e como alvo de piadas.36 Houve, ainda, o comercial da Sky com Giba37 propalado em 2010, que coloca o jogador de vôlei substituindo um cabeleireiro gay, passando a representar o estereótipo do gay afeminado. Por fim, mencionamos o comercial Bicicleta, com Paulo Gustavo, veiculado pela OLX, em 201338, em que o ator figura como uma bicicleta feminina e afeminada, entre outros. A publicidade justifica o desempenho deste papel agarrando-se ao número expressivo de indivíduos ainda conservadores na sociedade, de forma que “para serem aceitas, as publicidades tendem a trabalhar com o hegemônico.” (BALISCEI E TERUYA, 2017, p. 117). Devido a esse fator é que os produtores e anunciantes se valem de modelos socialmente aceitos pela maioria, objetivando não perder audiência ou vendas por causa de um possível boicote à marca. Quando um gay engraçado cria empatia com o público, ele se torna o motivo pelo qual as pessoas sentam em frente à televisão para assistir determinados programas. Da mesma forma, quando um gay é apresentado em sua representação social real e encontra resistência do telespectador, passa a ser um personagem não desejado dentro do contexto televisivo, que está baseado em audiência e números de vendas. O que se questiona no que concerne ao papel da publicidade, é que sua decisão em manter o estereótipo perpassa aspectos decisivos na vida real dos homossexuais. Por exemplo: quem poderia levar a sério um pedido de adoção por parte de um gay afetado, afeminado (o engraçado, a “bicha louca”, aquela pessoa a quem não se pode dar muito crédito, que serve apenas a finalidade de trazer entretenimento, humor aos lares)? Que critérios uma pessoa exagerada (na visão dos tradicionalistas), cheia de bordões, e que não pode ver um “bofe” que já pensa em correr atrás, teria para educar uma criança? Para participar da política?

34 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JLhKbWp--a4 acesso em 19 ago 2018. 35 Disponível em: http://mais.uol.com.br/view/1575mnadmj5c/nova-schin-e-acusada-de-discriminacao-contra- travestis-veja-04020C98336EC4C12326?types=A& acesso em 19 ago 2018. 36 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GU6uGja1vnE acesso em 19 ago 2018. 37 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eeuDca65WTY acesso em 19 ago 2018. 38 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ta3W2CuwZLc acesso em 19 ago 2018.

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Para lecionar em nossas escolas e universidades? Para frequentar os mesmos espaços que os nossos filhos/as? Para fazer parte das grandes decisões do país? Por outro lado, com o crescimento da internet e o aumento do engajamento e estreitamento das relações dos consumidores com as marcas, através de redes sociais como instagram, twitter e facebook, passa a ser mais difícil para a publicidade encontrar um eixo norteador que agrade a todos os públicos. Quando a publicidade se posiciona na TV aberta a favor da diversidade sexual ou de gênero, normalmente, sofre com ameaças de boicotes nas redes sociais, como ocorreu com o comercial da C&A para o dia dos namorados 201639, que circulou na televisão aberta da mesma maneira que o comercial de O Boticário. Em contrapartida, quando se posiciona de forma excludente, vira alvo dos coletivos de minorias, que cada vez mais estão ganhando espaço e voz para reivindicarem visibilidade e reconhecimento à seus pares. Antes da Internet, a televisão acabava por apenas informar. Com o adensamento das redes sociais, as marcas estão ao alcance das opiniões dos consumidores, que conseguem, inclusive, dialogar com seus pares e levar grupos a se unirem em prol de um objetivo. Como, então, deve se comportar a publicidade perante esta polarização do público? Para esta pergunta, não há uma resposta objetiva. O que há é o questionamento de qual desses caminhos promove o respeito, a igualdade, a aceitação, a boa convivência, e não violência ou a não normatização do sujeito. Pergunta-se até quando a publicidade televisiva brasileira continuará a contribuir com comportamentos e opiniões que acabam por violar a existência de outro ser humano? Quando estes profissionais se darão conta de que contribuem para que o Brasil seja considerado pela mídia, e por coletivos LGBTs, como é o caso do Grupo Gay da Bahia, o país mais homofóbico do mundo?

39 Disponível em: http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2016/05/cantora-critica-c-por- propaganda-com-casais-com-roupas-trocadas.html acesso em 20 ago 2018.

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4. EU NÃO NASCI PARA PERDER: a publicidade é um cadáver LGBTQ+ que não nos sorri

De 1982 até os anos 2000, Oliviero Toscani foi o fotógrafo responsável pelas campanhas da marca United Colors of Benetton. Um homem considerado provocador e polêmico por questionar “a falta de legitimidade do discurso e a ausência do apuro estético” da publicidade, e também “pela coragem para tomar partido e pensar no impacto da publicidade na comunidade e no tempo em que ela se insere” (BIANCHI, 2018, p. 2). A partir de seu trabalho irreverente e destoante do modo convencional de fazer publicidade, Toscani (1996) se tornou alvo de inúmeras críticas e esforços que tinham por objetivo boicotar o seu trabalho. O motivo? Suas campanhas abordavam questões até então alheias aos temas apresentados pela publicidade, dentre eles, o racismo, a guerra, a religião e a AIDS. O enunciado deste capítulo faz referência à obra escrita por Toscani em 1995, com o título original “La Pub est une charogne qui nous sourit”. Neste livro, o autor relata sua passagem pela Benetton, as campanhas por ele orquestradas e a repercussão na Europa, na Ásia e na América do Norte. Toscani (1996) também narra o apoio que recebeu por parte de diversas organizações e jornais em todo o mundo. Quando nos deparamos com a repercussão do filme de O Boticário, uma das peças de uma campanha, no mínimo, irreverente, a publicidade de Toscani para a Benneton retornou a nossa memória, impelindo-nos a revisitar sua obra e a estabelecer uma comparação histórica com as constastações e provocações de Toscani (1996) na década de 1990 e os tempos atuais. Apesar de ter sido escrita e publicada há mais de duas décadas, esta obra, para além de retratar aspectos que são por nós considerados atemporais, é relevante para a construção desta pesquisa, posto que um dos aspectos principais das campanhas de Toscani (1996) era seu posicionamento a respeito de temas sociais relevantes no período. O fotógrafo justifica que sua atuação parte do princípio de que a publicidade não deve buscar apenas o lucro e o fortalecimento da marca, mas também enviar uma mensagem de cunho ideológico com o objetivo de provocar reflexão. Sua atividade fotográfica objetivava, então, conquistar estes requisitos dos públicos receptores das campanhas da Benetton. Um dos aspectos determinantes para elegermos a obra de Toscani (1996), como referencial para a estrutura deste capítulo, deve-se ao fato de que os argumentos utilizados pelos publicitários e profissionais de comunicação para justificarem sua postura apática, à época do

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fotógrafo italiano, resistiu ao tempo e, ainda nos dias atuais, é empregada para defender a omissão da publicidade em relação a temas considerados polêmicos. Para isentar-se ou omitir-se da abordagem destes temas, a publicidade ancora-se em sua função manifesta de promover a venda de bens de consumo, materiais e imateriais, além de serviços (BAUDRILLARD, 1973). Contudo, mais que apresentar bens de consumo e serviços é notório que, para além de fazer vender, a publicidade desempenha uma função latente (BAUDRILLARD, 1973) que desperta desejo, cria e/ou fomenta necessidades. Essa latência se dá porque:

(...) a publicidade cobre atualmente cada esquina de rua, as praças históricas, os jardins públicos, os pontos de ônibus, o metrô, os aeroportos, as estações de trem, os jornais, os cafés, as farmácias, as tabacarias, os isqueiros, os cartões magnéticos de telefone. Interrompe os filmes na televisão, invade o rádio, as revistas, as praias, os esportes, as roupas, acha-se impressa até na sola dos nossos sapatos, ocupa todo o nosso universo, todo o planeta! É impossível esboçar um passo, ligar o rádio, abrir uma correspondência, ler o jornal, sem dar de cara com a mamãe publicidade. Ela está por toda parte. É o irmãozão, sempre sorridente. (TOSCANI, 1996, p. 22)

Esta poderia ser uma definição atual, sobretudo, se levarmos em consideração o adensamento do anúncio publicitário na internet, que a elevou a um nível de alcance muito maior que o modo tradicional de anunciar (offline). As fronteiras geográficas já não mais existem, é possível veicular um único anúncio para um país inteiro, por exemplo, com um custo muito menor, do que se a campanha fosse difundida por meios tradicionais (incluindo a televisão). Toscani, em 1995, apresentava a mesma percepção de Baudrillard (1973) no tocante à definição da publicidade. O que nos leva a inquirir quais mudanças ocorreram nas últimas quatro décadas, a partir da avaliação de Toscani (1996), de que a publicidade imbeciliza a sociedade. A princípio, o que podemos afirmar que não mudou, são os altos investimentos realizados década após década em campanhas publicitárias. Inclusive, como já assinalamos, com base em análise efetuada ano a ano, a publicidade brasileira não deixou de movimentar menos do que 8 dígitos por ano na última década.

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Em 2014, segundo a Kantar Ibope Media, os investimentos publicitários cresceram 8%, em relação a 2013, passando de R$ 112 bilhões para R$ 121 bilhões40, a televisão aberta foi responsável por 56% deste investimento. Já em 2015, a televisão (canais abertos, fechados e merchandising) atraiu 70%41 dos investimentos em publicidade, a cifra total atraída pela televisão somou R$ 132 bilhões, o que foi 9% superior a 2014.42 Em 2016, o Kantar Ibope Media registrou uma queda de 1,6% nos investimentos em compra de espaço publicitário, a soma, no entanto, continuou sendo significativa, R$ 129 bilhões, sendo 73,8% desse total investido em televisão. A TV aberta somou um total de R$ 71,6 bilhões, o que comparado ao ano anterior significa um aumento de 2,4%.43 O ano de 2017 não foi muito diferente ao movimentar R$ 134 bilhões e destinar à televisão aberta 53,6% do valor total de investimento.44 É evidente que ocorreram algumas mudanças, principalmente, em virtude do advento da internet. Contudo, essa reorganização não está diretamente atrelada a uma conscientização da publicidade como veículo problematizador de causas sociais, inclusive se levarmos em consideração que o montante investido na televisão aberta aumentou a cada ano. Alguns dirão que as problematizações sociais não fazem parte do papel da publicidade, que ela não foi concebida para tal intento. Estas afirmações visam desacreditar e nomear como oportunista todo aquele que pensa e aja diferente desta definição, como foi à época de Toscani (1996). Para falar a este respeito, Toscani esteve no Brasil e foi entrevistado em 1996, no programa brasileiro Roda Vida, por Matinas Suzuki Jr, jornalista coordenador do programa que o apresentou com as seguintes palavras: “ele foi responsável por transformar o sonho da publicidade na mais dura realidade, mexeu com tabus religiosos, preconceitos raciais e provocou as cores unidas do moralismo em todo o mundo”.45

40 Disponível em: https://exame.abril.com.br/marketing/o-raio-x-do-mercado-publicitario-em-2014/ e em http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2015/03/gastos-com-publicidade-no-brasil-crescem-8- em-2014-para-r-121-bi.html Acesso em 19 ago 2018. 41 Disponível em: Disponível em: http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2016/04/tv-foi- destino-de-70-da-publicidade-no-brasil-em-2015-aponta-ibope.html Acesso em 19 ago 2018. 42 Disponível em: https://www.kantaribopemedia.com/investimento-publicitario-soma-r-132-bilhoes-em-2015/ Acesso em 19 ago 2018. 43 Disponível em: https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/investimento-publicitario-cai-16- em-2016-e-soma-r-130-bilhoes.ghtml Acesso em 19 ago 2018. 44 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/02/investimento-publicitario-movimenta-r-134- bi-em-2017.shtml Acesso em 19 ago 2018. 45 Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gTQg92_XJHg Acesso em 19 ago 2018.

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Na oportunidade, o fotógrafo italiano aproveitou para expor algumas de suas ideias dentre as quais figurava, por exemplo, a produção da publicidade de forma mais artística e não apenas mercadológica. Entretanto, além desta perspectiva e dos questionamentos que o fotógrafo efetuou em sua obra, para nós, o legado mais importante trazido por Oliviero Toscani para a publicidade é estrutural. Localiza-se nas dimensões da construção da narrativa, sendo esse um dos motivos para nossa escolha de sua obra como balizadores deste capítulo. O primeiro elemento que ele trouxe, por exemplo, diz respeito ao uso generalizado do Outdoor como mídia única em suas campanhas, que era e ainda é considerada mídia básica pela publicidade tradicional. O segundo elemento, reflete diretamente na construção da estrutura narrativa: quando elege e privilegia os temas sociais, os verdadeiros produtos da Benetton – as malhas, pulôveres e congêneres – terminam por não ter evidência. Assim, com apenas a assinatura da marca no lado inferior direito do outdoor, as pessoas faziam a associação da mensagem com o anunciante. Em resumo, ele dissociou ou quebrou a obrigatoriedade do comparecimento do produto na comunicação publicitária. Atualmente, isto não é mais novidade, porque esta abordagem se popularizou. Contudo, é importante reconhecer seu pioneirismo na generalização desta técnica desde a década de 1980. Acreditamos que a tentativa de ruptura de Toscani (1996) em relação aos padrões da publicidade, se dá pelo seu entendimento de que a publicidade está arraigada em modelos unicamente construídos para o exercício da compra. Esse engendramento estabelecido por Toscani (1996), através da fotografia publicitária, com a complexidade da realidade social, foi analisado por Bortolus (2008) de modo muito interessante. A autora nos apresenta um quebra-cabeças formado por todas as peças criadas por Toscani (1996) de forma que temos uma visão geral daquilo que o fotógrafo produziu. A partir dessa visão mais completa, Bortolus (2008) expõe o que seria a ideia de um filme, criado por Toscani (1996) e apresentado para a sociedade entre os anos de 1982 e 1995, através de fragmentos, sendo cada uma de suas fotografias e outdoors espalhados pelo mundo, um pedaço da história que Toscani (1996) intentou contar. Bortolus (2008) conclui que a polêmica gerada pelas imagens de Toscani se deve por dois motivos principais: o primeiro seria porque ele ocupa espaços antes destinados apenas a lindas modelos, belas, felizes famílias e bens de consumo, com temas como guerra, aids, racismo, morte; o segundo, porque as temáticas em si suscitam no público uma reflexão sobre

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temas que apesar de serem recorrentes e reais no mundo social, eram e ainda são nos dias de hoje, tratados como se não existissem e não afetassem boa parte da população, como é o caso do racismo. Bortolus (2008) reforça esse segundo ponto, quando questiona o porquê de uma mulher negra amamentando uma criança branca causar tanto incômodo na sociedade. Seria porque nos relembra das amas de leite? Porque resgata na memória da sociedade o papel exercido pela mulher negra à época da escravidão no cuidado com a criança dos seus senhores? Ou os dois?

Imagem 1 – Anúncio criado por Oliviero Toscani, 1989.

Problematizar a imagens criadas ou editadas por Toscani, é também problematizar como as representações se constroem nas campanhas publicitárias. É buscar entender, não apenas aspectos ténicos, mas também o suporte escolhido, os veículos definidos para veiculação da campanha, ou os temas que serão abordados. É pensar como se normatização os sujeitos inseridos nos comerciais de margarina, as margerrimas modelos nos comercias de roupas e jóias, ou ainda, o homem jovem e bem- sucedido que dirige o carro do ano. Isto porque, falar de publicidade é falar também de consumo. É devassar as construções de imagética e discursos dentro dos anúncios que impulsionam a sociedade a realizar uma ação:

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comprar. Mesmo que essa ação nem sempre esteja, de fato, atrelada a uma necessidade primária, e seja apenas fruto da insegurança social que a própria publicidade provoca com o objetivo de nos dizer: você não é e nem tem o suficiente. Assim como Lipovetsky (2000), não temos a intenção de demonizar o consumo. Apenas indicar o processo de exclusão que acaba por ser por ele engendrado através da publicidade. O autor cita, por exemplo, a moda entre os jovens, indicando que estes adotam modas excludentes, de forma que existe entre os grupos que se formam, uma verdadeira tirania de modelos. Quem não se encaixa, é rejeitado, excluído ou mesmo ridicularizado. (p. 8) O autor ainda afirma que a comunicação e o consumo acentuam o individualismo, o mesmo individualismo que é chacoalhado quando temas sociais, antes distantes da nossa reladidade pseudo-saudável, são explicitados e questionam, ainda que indiretamente, o nosso modelo de relação com a sociedade, com o outro, com o mundo. A publicidade, no viés do consumo evidencia constantemente aquilo que não temos, e que precisamos ter para alcançar a suficiência de uma vida minimamente feliz. Estabelecendo padrões, a publicidade pode também enrijecer modelos previamente concebidos pela sociedade e se utilizar destes modelos para dialogar com maior autonomia e credibilidade. Quando vai de encontro a esses padrões, quando os questiona, é que evidencia esses enrijecimentos, isto porque, desvia seu percurso para fora daquilo que seria o seu lugar-comum, adentrando por um caminho, que para muitos não diz respeito ao seu papel perante a sociedade. Podemos dizer que isto foi o que ocorreu tanto com a campanha de Toscani para Bennetton, como com a campanha da Almapp para O Boticário. A diferença é que no primeiro o produto saiu de cena para dar lugar a questões socialmente relevantes à época. No segundo, o padrão do filme publicitário é mantido, contado uma história com começo, meio e fim, onde o desfecho é a aquisação do produto e a felicidade posterior a essa aquisição. No que diz respeito ao comercial de O Boticário, existem outras questões que permeiam o impacto que o filme causou nos lares brasileiros. Considerando, que a publicidade é atualmente uma das mais influentes produtoras de sistemas simbólicos no que diz respeito a indústria cultural, engendrar e veicular um comercial fora do armário, ainda que de maneira sutil, potencializa o debate sobre o papel da publicidade na sociedade, para além do consumo, adentrando, assim como Toscani (1996) nas questões sociais.

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Especialmente em relação ao comercial de Todas as formas de amor, a primeira probleatização que podemos levantar é a compreensão do Dia dos Namorados como uma data majoritariamente heteronormativa no Brasil. Além de heteronormativa, o dia dos namorados no Brasil tem idade, orientação sexual, cor, tem gênero e tem classe social. A grande maioria dos comerciais apresentam jovens casais apaixonados, brancos e cisheterormativos46, de forma que trazer para o seio da família brasileira, algo que destoe disto, é no mínimo desafiador. Estas questões, nos levam a lançar um olhar investigativo e questionador sobre a participação da publicidade na dinâmica das interpretações dos papéis de gênero na sociedade, sobretudo, porque a campanha de O Boticário, dentre outras coisas permitiu:

propiciar questionamentos sobre a Comunicação Social, mais especificamente sobre a publicidade e a propaganda, as formas e as possibilidades de utilização dos espaços midiáticos, pois a mídia contemporânea marcada por tensões entre o global e o local, reflete as transformações dos fenômenos e das estruturas sociais, tornando-se, portanto, um lócus para a compreensão de como os meios atuam diretamente na transformação da realidade e como os indivíduos são afetados por essas mudanças. (BORTOLUS, 2008, p. 75).

Neste caso, poderíamos considerar que há uma mudança latente nos comerciais televisivos com representação homossexual? Sim e não. Explicaremos o sim mais adiante. Vamos focar neste momento na negativa a essa questão. Não porque na contra-mão do que foi apresentando pela perfumaria em seu filme para a data comemorativa, em relação aos padrões de gênero, reforçamos a constituição dos estereótipos, lugar-comum de muitas campanhas publicitárias, e consequentemente de diversos filmes comerciais exibidos na televisão, (Doritos, 2009; Sky, 2010; Bom negócio com Rogéria, 2014; Bom negócio com Paulo Gustavo, 2014; Schincariol, 2012; Havaianas, 2010; etc.), como um constructo que já não comporta as mudanças sociais da última década. Como afirma Jorge (2014), a incorporação do estereótipo na narrativa publicitária, serve apenas para contribuir e reforçar desigualdades. A autora pontua que:

Constituindo os estereótipos parte das representações sociais, no que concerne ao género, estes “estão incutidos na sociedade actual, e estão sendo claramente assumidos no consumo midiático e em especial na publicidade, como reprodutora das realidades sociais e das ideologias” (GOFFMAN, 1979, p. 42 apud JORGE, 2014, p. 39), contribuindo para a sedimentação de desigualdades. (JORGE, 2014, p. 39).

46 Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2017/06/12/amor-e-humor-dao-o- tom-do-dia-dos-namorados.html Acesso em 13 fev 2019.

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É esta reprodução de estereótipos interpretados como fragmento das representações sociais, e presentes no comercial televisivo como parte das realidades sociais e ideologias que chamaremos de os “Equívocos da Publicidade”. Esta nomenclatura é reproduzida a partir da obra de Toscani (1996) apenas para destacar aquilo que consideramos uma forma de mascarar as diferenças de uma atualidade, que ainda insiste em produzir comunicação baseada em valores patriarcais, androcêntricos, machistas, racistas e homofóbicos. Convém destacar que essa prática é efetuada sem a realização de reflexão e crítica por parte dos profissionais de comunicação, sobretudo acerca da potência desta comunicação, que é inclusive, muito discutida por Toscani (1996). Isso fica evidente quando analisamos que mesmo tendo Toscani (1996) atuado há 30 anos de modo progressista do ponto de vista social, não impediu que ainda nos dias atuais a publicidade seja conservadora e convencional, no tratamento das questões de gênero. As mudanças sociais, quase sempre, possuem um tempo próprio, histórico-social, e dependem de constructos mais difusos, dentre eles, o das alterações dos mapas mentais, das ideologias, das mudanças cognitivas, dentre outras. Assim, as reverberações decorrentes do trabalho dele são mais amplas. Toscani (1996) propõe uma cisão com os estereótipos da publicidade e questiona essa padronização de atores e conceitos repetidos, mundialmente, por todos os profissionais objetivando apenas o consumo. A ruptura que ele sugere se dá através de novos códigos de leitura não só da publicidade, mas da sociedade e da forma de comunicar produtos e bens de serviço no intuito de banir a mediocridade do lugar de supremacia que ela ocupou e vem ocupando, em direção a uma publicidade mais elucidativa e real, conforme algumas demonstrações que veremos a seguir.

4.1 Você não leva pra casa e só traz o que quer: Os equívocos da publicidade

Apesar de termos como opinião pessoal a convicção de que a publicidade comete equívocos quando, por exemplo, se associa à marcas que já foram inúmeras vezes condenadas por promoverem o trabalho escravo e o trabalho infantil (Nike, Forever 21, Zara, Renner, Apple, HP, Dell etc.)47, talvez nomear a publicidade como criminosa, ou ainda, os profissionais

47 Disponível em: https://www.esquerdadiario.com.br/Conheca-9-marcas-famosas-envolvidas-com-trabalho- escravo Acesso em 05 fev de 2019.

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que a engendram como praticantes desses equívocos, soe como uma acusação muito radical, que pode causar estranheza e até constrangimento ao(à) leitor(a) deste trabalho. Por este motivo, substituímos o termo “crime” utilizado por Toscani (1996), entendendo que o autor o utilizava por não se conter ao definir os publicitários de sua época como delinquentes ou imbecis. Não acreditamos que os nossos publicitários sejam imbecis, por isso chamaremos o que consideramos lapsos da publicidade como “equívocos”. Apesar de ser um termo que na nossa concepção, é irônico, posto que equívoco é um erro que pode ser concertado sem grandes prejuízos, diferente da manutenção realizada pela publicidade no que diz respeito aos estereótipos negativos relacionados as minorias sociais, o faremos, pois acreditamos que a publicidade não é composta unicamente por profissionais ou campanhas depreciativas. Quando afirmamos que sim, podemos notar algumas sutis mudanças na publicidade brasileira no tocante a homossexualidade, nos embasamos em campanhas veiculadas que nos indicam isso.48 Não temos a intenção de ignorar completamente tais campanhas fingindo que não existem. Gostaríamos apenas de salientar que estas ainda são incipientes frente aquelas que reforçam o esteriótipo. Desta forma, entendemos que a publicidade pratica equivocos, quando exerce ações que visam mascarar a realidade social ou quando executa práticas com consequências sociais desastrosas ou desagradáveis (ainda que seja para um grupo minoritário), podendo esta atividade, ser qualquer ação, individual ou coletiva, ética e socialmente condenável. Para exemplificar, podemos citar o Comercial da Havaianas para o verão de 2010. Com a presença do ator Henri Castelli, o comercial mostra três amigos indo à praia, quando são abordados por um guarda de trânsito que os autua e aplica uma multa. A multa se dá pelo fato de que o condutor está usando Havainas, o que é considerado uma infração pelo código de trânsito brasileiro. Ao questionar o guarda se dirigir usando Havainas é crime, Henri Castelli recebe como resposta “Crime não, é infração! Crime é você namorar a Fernanda Vasconcellos e ir à praia acompanhado por dois marmanjos”.49 O filme publicitário poderia se ater ao fato de comunicar ao público a informação de que dirigir usando calçados abertos como a sandália Havaianas é uma infração, pois coloca não só a vida do condutor, como as dos passageiros e demais motoristas e transeuntes em risco.

48 Disponível em: https://revistaladoa.com.br/2015/05/noticias/12-propagandas-brasileiras-inclusivas-que- mostram-amor-gay/ Acesso e 05 de fev de 2019. 49 Disponível em: https://elidioalmeida.com/2010/12/propaganda-das-havaianas-com-mensagens-homofobicas/ Acesso em 29 jul 2018.

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Entretanto para conferir um tom humorístico ao comercial, a narrativa envereda para a promoção de humor através da insinuação de que é errado, e até criminoso, inclusive, que um homem ande acompanhado de outros homens! Ainda que a ação signifique um programa de lazer, como ir à praia com amigos. Esta postura pode indicar a outros homens que ser visto em público com amigos, ou com o seu namorado/marido, não é algo socialmente aceitável, chegando a figurar como criminoso. Assim, esta concepção pode provocar a invisibilização de casais homoafetivos, ou ainda, a ideia de que dois homens juntos em espaços externos são homossexuais, por isso são “criminosos” e necessitam de repreensão.50 Ainda podemos indicar que a publicidade comete um conjunto deliberado de atos nefastos, e que são nocivos à sociedade, já que como agente social continua a reproduzir imagéticas e valores ligados a princípios e padrões sociais que identificam uma minoria social de forma negativa. Vale salientar que “as minorias nunca poderiam se traduzir como uma inferioridade numérica, mas sim como maiorias silenciosas” ou ainda silenciadas, conforme pontua Louro (2015, p. 28). Quando indicamos a publicidade como equivocada, não estamos sendo levianas nem negligentes, pois temos ciência de que existe no Brasil um órgão responsável pela regulamentação dos anúncios publicitários, que analisa denúncias referentes às produções publicitárias consideradas inadequadas e ofensivas. Estamos falando do CONAR, o Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária. Entre 2014 a 2017, inclusive, o CONAR recebeu um total de 1.157 denúncias, sendo que destas, 687 foram de autoria dos consumidores, o que corresponde a um total de 59,37%. Dentre as denúncias recebidas e analisadas pelo CONAR, alguns anúncios foram sustados; para outros, o Órgão forneceu a possibilidade de conciliação, e os demais foram mantidos em veiculação após a análise. Ou seja, há uma entidade observando e regulamentado aquilo que é veiculado como anúncio, podendo a população inclusive participar dessa normatização. A indicação que fazemos é a de que: apesar da existência de um órgão regulamentador, a publicidade não deixa de contribuir para a propagação de interpretações pejorativas relacionadas a populações gays, e isto mais do que nunca deve ser questionado. Principalmente

50 Ver http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/07/nao-pode-nem-abracar-o-filho-diz-homem-que-teve- orelha-cortada.html Acesso em 19 ago 2018

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após a observância de um crescente número de assassinatos por crime de homofobia ocorridos no país nos últimos quatro anos. Em 2017, por exemplo, denúncias de crimes contra pessoas LGBTs aumentaram em 127% de acordo com o Ministério do Direitos Humanos. Este número foi analisado com base nas denúncias de homicídios realizada através do Disque 100.51 Os coletivos LGBTs representam uma organização com o objetivo de questionar esse posicionamento por parte de algumas instâncias da sociedade. Todavia, de acordo com as pesquisas que realizamos a fim de subsidiar este trabalho, identificamos que a publicidade tem sido ainda um alvo pouco evidenciado nestas pautas. Talvez por este motivo, ainda encontre livre acesso para não se posicionar a respeito de temas que estão na pauta destas minorias. Sabemos que algumas empresas estão começando a realizar uma comunicação com um posicionamento que abrange pautas de questões de gênero, mas, sabemos também que entre essas agendas figuram principalmente questões que dizem respeito ao feminino.52 O movimento feminista vem, através de muita luta, solidificando problematizações e posicionamentos. Não sem uma resistência do patriarcado, sobretudo em questões que dizem respeito à vida conjugal, a tarefas institucionalizada como femininas, e ao papel de progenitora, representado como natural e atribuído à mulher.53 No tocante às questões homossexuais, há ainda maior resistência social, principalmente, por estarmos inseridos em uma sociedade androcêntrica e solidamente construída sobre alicerces de dominação masculina. Os questionamentos do movimento gay, para alguns, é uma agenda recente, que apesar das lutas constantes e datadas de muitas décadas atrás, vem somente nos últimos dez anos encontrando um local de fala nas instituições sociais. Isto ocorre, em suma, devido à estrutura dominantemente masculina e conservadora pela qual se norteia a sociedade brasileira. No que diz respeito às questões de gênero, o patriarcado não é apenas cruel com as mulheres, mas deprecia todo aquele que não se qualifica pelos padrões instituídos com base na biologia e em uma polarização cisgênera do masculino e feminino. Segundo Bourdieu:

A forma particular de dominação simbólica de que são vítimas os homossexuais, marcados por um estigma que, diferentemente da cor da pele

51 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/05/18/denuncias-de-homicidios-de- lgbts-aumentaram-127-em-2017-aponta-disque-100.htm Acesso em 19 ago 2018. 52 Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/11/23/marcas-investem-em-propagandas- para-agradar-as-mulheres.htm acesso em 19 ago 2018. 53 Disponível em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/as-faces-do-machismo-nas-universidades-1174.html acesso 19 ago 2018.

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ou da feminilidade, pode ser ocultado (ou exibido), impõe-se através de atos coletivos de categorização que dão margem a diferenças significativas, negativamente marcadas, e com isso a grupos ou categorias sociais estigmatizadas. Como em certos tipos de racismo, ele assume, no caso, a forma de uma negação de sua existência pública, visível. (BOURDIEU, 2014, p. 165-166).

É neste ponto que concebemos a publicidade como agente que contribui para a estigmatização social de grupos populacionais, dentre eles, o das pessoas homossexuais, transexuais, travestis, ou seja, de pessoas que não se enquadram no padrão binário secular, que norteia a existência do masculino e feminino. Em um levantamento que realizamos com vinte filmes publicitários nacionais, para o meio televisivo, no período de 2010 até 2017, apenas um apresenta a homossexualidade de forma não estereotipada. Este levantamento foi realizado através de pesquisa no youtube e em portais de notícias (G1, Folha de São Paulo, Uol, Carta Capital, etc.), com a finalidade de atestar que os questionamentos a que esta pesquisa se propõe são fundamentados pelo amplo número de comerciais que continuam a se valor da estereotipia para representar essa orientação sexual. Os outros 19 vídeos, dentro os quais citamos alguns no decorrer desta pesquisa, reforçam o estereótipo da bicha afetada, afeminada em demasia e colocam o homossexual como ponto central do viés de humor do anúncio. Sabemos que a publicidade visa atingir não somente pessoas politizadas e inseridas em contextos e discussões que incluem pautas de minorias, assim, a publicidade, como prática sócio econômica inserida nas dimensões da Comunicação de Massa, é feita para a maior parcela da audiência televisiva brasileira. Consequentemente, com o objetivo de não encontrar resistência, principalmente da parcela mais conservadora, os anúncios publicitários com representação homossexual substanciam uma “invisibilização social” dessa orientação sexual, acorrentando-a a existir somente em expressões humorísticas, de forma que em sua maioria se tornam o alvo das gargalhadas do consumidor. Não temos a ingenuidade de acreditar que O Boticário escolheu essa linha para sua campanha do Dia dos Namorados 2015 pura e simplesmente por possuir uma motivação de ordem social. Inclusive, por ser esta a terceira data com maior movimentação do comércio nacional, ficando atrás apenas do natal e do dia das mães54, sabemos que a campanha não foi

54 Disponível em: https://www.terra.com.br/economia/operacoes-cambiais/operacoes-empresariais/terceira-data- comercial-dia-dos-namorados-movimenta-r-1-bi,f4fa153f8153f310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html Acesso em 19 ago de 2018

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idealizada com a finalidade de causar uma ruptura nos paradigmas sociais relacionados às questões de gênero, mas de alcançar uma parcela da população que no ano de 2013 movimentou cerca de R$ 150 bilhões no país55, conforme tabela a seguir:

Imagem 2 - O tamanho do mercado Gay ao redor do mundo. Fonte: Portal Istoé Dinheiro.

Entendemos que esta é uma estratégia utilizada para “incluir” o gay na publicidade de modo que a comunicação seja aceita por estes públicos. Contudo, se analisados os números mais recentes de violência contra homossexuais, chegaremos à conclusão de que a prática tradicional da publicidade, ao não se comprometer com a quebra de tabus e de padrões conservadores, pode vir a representar, também, uma forma de exclusão, de intimidação e de hostilidade simbólica cometidas contra estes públicos em questão. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB) em relatório do ano de 2014 foram documentadas 326 mortes de pessoas LGBTs, sendo 52% correspondente ao assassinato de gays. Em 2015, o número foi de 318 mortes documentadas, em 2016, 343 LGBTs foram assassinados no Brasil. Em 2017, o número atingiu proporções alarmantes, somando 445 mortes, um aumento de 30% referentes ao ano anterior. Na tabela abaixo é possível visualizar números que vão desde 2008 até 2017:

55 Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/noticias/investidores/20130531/poder-pink-money/3262# Acesso em 14 jun 2018.

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Imagem 3 - Mortes de LGBTs em 2017. Fonte: Grupo Gay da Bahia.

A imagem deixa claro que os números estão aumentando de maneira alarmante a cada ano. Desta forma, questionamos esta estratégia, como uma forma de contribuição da publicidade para o aumento gradativo deste número. Podemos evocar Bourdieu (2014), em A dominação masculina, para discutir esse posicionamento, quando o autor aponta essa invisibilização como uma forma de opressão e salienta que:

A opressão como forma de “invisibilização” traduz uma recusa à existência legítima, pública, isto é, conhecida e reconhecida, sobretudo pelo direito, e por uma estigmatização que só aparece de forma realmente declarada quando o movimento (gay) reivindica a visibilidade. Alega-se, então, explicitamente, a “discrição” ou a dissimulação a que ele é ordinariamente obrigado a se impor. (BOURDIEU, 2014, p. 166).

Isto posto, apontamos o papel da publicidade como um dos agentes perpetuadores da marginalização desta minoria, relegando o gay, em seus roteiros, ao local mais discreto que este poderia ocupar: da invisibilidade. É a partir daí que começamos a compreender a profundidade da responsabilidade da publicidade para com a manutenção deste local de margem. A marginalização destes sujeitos coincide com o que chamamos de Inutilidade Social. Ora, se não condiz com o papel da publicidade estabelecer uma relação que fomente a reflexão de seus públicos ou ainda enviar ao público uma mensagem de conscientização social, que não

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sirva então, para sedimentar uma imagem ou representação hegemonicamente preconceituosa dos homossexuais. Dito isto, iremos a seguir compreender quais são os três equívocos que Toscani (1996) julgou serem cometidos pela publicidade, e por que concordamos com esta definição.

4.1.1 Eu sou teu homem e você é minha mulher: equívoco de Inutilidade Social, de Exclusão, de Homofobia

Iniciaremos a análise pelo equívoco de Inutilidade Social, para isso precisamos prioritariamente contextualizar os modos como a publicidade se estabelece, a partir de um viés único e exclusivamente atrelado ao consumo. Atualmente, encontramos diversas definições e significados que buscam conceituar a publicidade. Uma das mais populares, que diz respeito à dimensão técnica da atividade, é a compreensão de que a publicidade é uma estratégia de marketing que visa a divulgação de uma marca, serviço ou produto para a massa consumidora, com a finalidade de levá-lo ao ato da compra, sem ocultar o nome ou as intenções do anunciante. (SILVA, 1976 apud BRANDÃO, 2006). Existem ainda outras definições que podem nos ajudar a compreender melhor o papel exercido por esses profissionais no desempenho da profissão. Malanga (1979, p. 11 apud MUNIZ, 2004, p. 3) define a publicidade como “conjunto de técnicas de ação coletiva no sentido de promover o lucro de uma atividade comercial conquistando, aumentando e mantendo clientes”. Se analisada pelo campo histórico, a publicidade pode ainda ser dividida em quatro etapas ou eras:

Na era primária, limitava-se a informar o público sobre os produtos existentes, ao mesmo tempo em que os identificava através de uma marca. Isto sem argumentação ou incitação à compra. Na era secundária, as técnicas de sondagem desvendavam os gostos dos consumidores e iam orientar a publicidade, que se tornou sugestiva. Na era terciária, baseando-se nos estudos de mercado, na psicologia social, na sociologia e na psicanálise, a publicidade atua sobre as motivações inconscientes do público, obrigando-o a tomar atitudes e levando-o a determinadas ações. A publicidade contemporânea mitifica e converte em ídolo o objeto de consumo, revestindo-o de atributos que frequentemente ultrapassam as suas próprias qualidades e a sua própria realidade. (MUNIZ, 2004, p. 2).

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No Brasil, a atividade publicitária caminhou por todas essas fases. Com a chegada da primeira agência ao país, em 1930, a publicidade adentrou nosso cotidiano através de imagens impressas. Inclusive, foi na década de 1930 também que o rádio passou a fazer parte da vida do brasileiro. Neste período Severino, Gomes e Vicentine (2012) elucidam que a publicidade brasileira passou por um ciclo de grande inovação. Os anúncios ganharam vozes, sons e trilhas sonoras. Durante duas décadas a publicidade seguiu em um mesmo ritmo, até que em 1950 a chegada da televisão mudou a dinâmica da relação da sociedade com a publicidade. Segundo Severino, Gomes e Vicentine (2012), foi a partir de então que a publicidade começou a acompanhar as mudanças sociais pelas quais o país iniciava sua travessia. Durante as décadas seguintes, a publicidade se adaptou a estas transformações, chegando ao modelo que conhecemos tão bem atualmente, como um reflexo melhorado, desejável e, por vezes, inalcançável, da nossa própria realidade. O que nos leva à compreensão de que as mudanças sociais e culturais que atravessam e modificam o tecido social têm influência direta na forma como a publicidade é concebida. Considerar apenas uma definição de publicidade, seria simplório, pois sabemos que como uma área de conhecimento inserida na Comunicação Social, a publicidade abrange não somente a compra de um espaço em um veículo de mídia, mas exerce também uma função que está ligada à construção das relações sociais e culturais. No âmbito da concepção de relações com a sociedade e consequentemente com a cultura, pode ser compreendida como uma espécie de “espelho social”, já que não apenas reproduz, mas também influencia, molda e até institui valores e comportamentos no mundo social. No que diz respeito a sua atividade principal, a divulgação de um produto, marca ou serviço, a publicidade está diretamente atrelada à dimensão sócio-política e econômica do consumo. Segundo Rocha (1985), cabe à publicidade a atribuição de uma identidade ao produto, de forma a prepará-lo para uma existência não mais marcada pelas relações de produção, mas pela possibilidade de atendimento a um desejo/necessidade. Segundo o autor, a publicidade insere as marcas existentes no mundo físico e social dentro do anúncio, de forma a criar uma imagem do produto como algo desejável. Assim, o produto se instala no seio das relações humanas, sejam elas simbólicas ou sociais e são essas relações que acabam por caracterizar o consumo e influenciar o sujeito no processo de decisão de compra.

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Julgamos ser necessário entender as relações mais relevantes entre a publicidade e a dimensão do consumo do ponto de vista cultural, visto que é justamente esta conexão que fomenta uma comunicação voltada apenas para a promoção de produtos, serviços e marcas em detrimento de pautas que são relevantes socialmente. É importante também tocar neste ponto, pois o comercial de O Boticário, que é utilizado como o estudo de caso desta pesquisa, é uma produção audiovisual patentemente norteada e com objetivos relacionados ao consumo, apesar de se valer do chamado marketing social para incorporar à marca uma imagem de socialmente preocupada e engajada com pautas de minorias. Toscani (1996), inclusive, questiona por diversas vezes o papel que o profissional de publicidade exerce na manutenção de um sistema recorrente, e que continua ao longo das décadas se utilizando da condição humana inseparável do consumo para incitar a compra e gerar lucro para grandes empresas. Neste sentido, evocamos a existência do paradigma relacionado com a ampla noção de Responsabilidade Social, que tem norteado as práticas produtivas no atual sistema socioeconômico conhecido como produto próprio do Capitalismo Periférico. Este paradigma diz respeito à forma como os países de economia consideradas periféricas se esforçam para reproduzir a economia dos países denominados como sendo de centro, e assim estabelecem uma relação de espelhamento também na forma como se relacionam com o consumo, borrando sua própria cultura, já que esta relação não leva em consideração os níveis de produção e realidade social e econômica dos seus próprios países, criando dessa maneira novas contradições internas.56 Não temos com essa afirmação a intenção de adentrar a dimensão mais econômica do sistema produtivo mundial, mesmo sendo ele inserido na perspectiva do simbólico, como acontece com as Indústrias Culturais e Criativas da contemporaneidade. O que intentamos é apontar como a publicidade se vale de práticas de consumo, visando apenas o lucro de grandes corporações em detrimento da responsabilidade social. O questionamento do jornalista e fotógrafo italiano, contribui para aprofundarmos uma problematização no que diz respeito à condição de existência da publicidade, para além de uma modulação do imaginário coletivo social voltado para a prática do consumo. Isto está conectado ao papel que o profissional de publicidade exerce na estruturação e uso do poder simbólico da publicidade, no que diz respeito ao coroamento do processo de transformar objetivos

56 Disponível em: https://www.lifeder.com/capitalismo-periferico/ acesso em 20 ago 2018.

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inanimados em fábulas e imagens, de forma a criar um relacionamento de desejo e/ou necessidade entre a sociedade e estes objetos. Neste ponto o autor pontua que:

Os publicitários não cumprem a sua função: comunicar. Carecem de ousadia e senso moral. Não refletem sobre o papel social, público e educativo da empresa que lhes confia um orçamento. (...) Não querem pensar nem informar o público com medo de perder os anunciantes. (TOSCANI, 1996, p. 25).

Antes de prosseguirmos, gostaríamos de chamar atenção para o fato de que nesta conceituação de Toscani (1996) está embutido um contraste conceitual nos estudos clássicos e pioneiros da Ciência da Comunicação que diz respeito às diferenças entre comunicar e informar. Para isso evocamos Wolton (2010), que busca em sua obra Informar não é comunicar desmistificar essa dissociação e oposição que foi estruturalmente estabelecida entre a informação e a comunicação, como se a primeira fosse mais útil e coerente em detrimento da última. Wolton (2010) afirma que “a informação é a mensagem. A comunicação é a relação, que é muito mais complexa”. Para este autor, atualmente, a comunicação é quase sempre estabelecer uma negociação, posto que os indivíduos e os grupos se encontram cada vez mais em situação de igualdade. (WOLTON, 2010, p. 19). De forma que realizar essa negociação requer tempo, respeito do emissor para com o receptor e a tentativa de estabelecer a confiança mútua. Já a respeito da informação, o autor defende que ela tem mais a ver com o acontecimento em si, ou com o dado novo que perturba uma ordem vigente, não com a criação de vínculo, de compartilhamento ou de comunhão. A questão é que com os sistemas de informações generalizados, houve uma inversão de sentidos, o que é ainda mais evidente no território da internet. (WOLTON, 2010) Neste terreno a informação passa a ser o elo, aquilo que estabelece o vínculo, daí surge uma ruptura, pois em contrapartida a comunicação perde seu sentido clássico do compartilhamento dos valores comuns, de reunir e unir os indivíduos, passando a desempenhar um novo papel no sentido de conviver e administrar descontinuidades. (WOLTON, 2010). Os publicitários, na visão de Toscani (1996), perderam a veia da comunicação e passaram apenas a informar, não refletindo sobre as temáticas que poderiam ser abordadas, e através de seu trabalho, “comungadas” junto ao público e com ele. Desta forma, as reflexões poderiam ser produzidas com a sociedade se o objetivo fosse estabelecer um laço, um diálogo honesto acerca de questões de interesse público, e não apenas de interesse privado.

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Em concordância com a elucidação de Toscani (1996) e com a reflexão proposta por Wolton (2010), compreendemos que há por parte das agências de publicidade um receio de perder anunciantes caso resolvam propor pautas que estejam diretamente ligadas às agendas de minorias sociais, e que possam estar em desacordo com a expectativa de um público mais conservador.57 A publicidade não pode escolher lados. Seu papel é apenas anunciar, vender, gerar retorno, fortalecimento da marca e lucro, certo? Errado. A publicidade comete o equívoco de inutilidade social quando se atém somente a realizar campanhas cujo único propósito é vender e enriquecer ainda mais seus anunciantes. No Brasil, o assunto é ainda mais complexo. Enquanto não houver na prática a definição de um Marco Regulatório para Mídia, que chegou a ser proposto pelo governo em 2014, as brechas deixadas pela ausência de algumas regras, continuam a fornecer espaço para a veiculação de conteúdos que podem ser julgados como inadequados se analisados à luz dos direitos humanos, porque acabam por pouco refletir a pluralidade do país.58 Utilizando-se dos vazios deixados pela falta de algumas regras, a publicidade se torna o algoz quando não para de repetir em seus jingles, em seus anúncios milimetricamente construídos para informar o público, a necessidade do consumo. De forma que somente através da aquisição de algum produto ou serviço o consumidor se sentirá parte integrante de um coletivo, de um grupo. Contudo, não se faz inoportuno afirmar que, na sociedade do hiperconsumo (Lipovestsky, 2007) somente através do consumo de tal produto haverá o sentimento de pertencimento e de reconhecimento, além do sentimento de realização e felicidade. Este modelo de influência para o consumo não é novo. A publicidade passou por diversas fases até ser devidamente regulamentada pela Lei da Propaganda em 1968, mas antes disso já se utilizava de ferramentas que visavam gerir os afetos mais profundos da audiência, para suscitar no consumidor o desejo da compra. Entretanto, sabemos que como uma prática socioeconômica que também incide na macroestrutura cultural do país, os profissionais publicitários precisam compreender as mudanças que a sociedade vem atravessando nas últimas décadas.

57 Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/representacao-de-lgbts-na-midia-entre-o- silencio-e-o-estereotipo acesso 19 ago 2018. 58 Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-09/regulacao-da-midia-conheca-os-pontos- em-debate-no-brasil acesso em 19 ago 2018.

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Assim como outras atividades que envolvem o corpo social, é de fundamental importância que a publicidade se alinhe com as transformações estruturais, comportamentais, econômicas e sociais que seu público-alvo percorre dia após dia. A respeito dessas transformações, no tocante ao objetivo desta pesquisa, podemos sinalizar as lutas das minorias pela livre sexualidade, que tiveram início no final da década de 70. Almeida (2012) contribui neste sentido quando traça uma linha histórica que passa pelas últimas décadas. Nos anos 1980, a luta se dá com a criação do Grupo Gay da Bahia, cujo objetivo inicial era de confrontar as ações de violência contra a população LGBT e suas consequências. Por outro lado, na década de 1990, a autora indica que houve um recuo dos movimentos sociais organizados devido a epidemia de AIDS, que atribuía aos homossexuais a responsabilidade pela disseminação do vírus, até a virada do milênio, quando diversas Organizações não governamentais receberam recursos principalmente destinados ao desenvolvimento de estratégias de combate a AIDS. Desta forma, conforme a luta das minorias avançava, os movimentos sociais organizados foram se fortalecendo e expandindo também suas pautas de reivindicações, dentre as quais figurava e ainda figura a não mais ocupação de um local de margem. Almeida (2012) acrescenta que a partir destes acontecimentos, a população LGBT passou a reivindicar direitos civis, como o casamento ou parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, adoção de crianças, reconhecimentos da família homoafetiva, etc. Atualmente, com toda luta que este grupo enfrentou para deixar este local de marginalização e invisibilização, ao qual foi submetido de forma opressora por uma sociedade conservadora e patriarcal, também pode ser fortalecida pelo deslocamento da publicidade do terreno da inutilidade social. Não há mais a possibilidade de se ater apenas à venda de produtos e ideias em um modelo falsificado e hipnótico da felicidade. Não há mais espaço para a preservação de um padrão que se preocupa apenas em exigir e sugerir uma “renovação constante do guarda-roupa, dos móveis, da televisão, carro, eletrodomésticos, brinquedos das crianças, todos os objetos do dia a dia”. (TOSCANI, 1996, p. 27). Desta forma, o comercial do dia dos namorados de O Boticário para o ano de 2015 apresenta a possibilidade de uma nova perspectiva para publicidade brasileira. Do ponto de vista simbólico, este comercial destoa dos convencionais, uma vez que transporta a pessoa gay para fora do local de inutilidade.

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O comercial em questão pode, igualmente, endossar a hipótese de que cabe também à publicidade, como agente sociocultural, a responsabilidade de tratar de temas que afetam nossa sociedade, cotidianamente. Principalmente se estes temas concorrem para fomentar ou combater comportamentos sociais que estão atrelados a números alarmantes de violência contra um grupo determinado de pessoas, como os que apresentamos anteriormente. O dia dos namorados é historicamente, a terceira data comemorativa mais rentável para as mais de 3.690 lojas de O Boticário espalhadas em todos país, perdendo apenas para as festividades de fim de ano e o dia das mães59. Desta forma, a campanha idealizada nesta data, assim como no natal e no dia das mães, e produzida exclusivamente para o Brasil, tem grande responsabilidade sobre a aceitação, a divulgação e o desejo pelos produtos, afinal este é o objetivo final da publicidade atual: o consumo. Assim, elencamos a seguir, mais um equívoco atribuído à publicidade, o equívoco de Exclusão. Ao longo da construção das relações humanas, é possível identificar um sentimento, uma necessidade por parte do indivíduo inserido no meio ambiente físico, social e natural, de pertencimento. Somos seres primitivamente gregários e como tais, devemos fazer parte de uma constituição coletiva, criando e reproduzindo padrões, costumes, valores e comportamentos. A publicidade reforça no indivíduo, através do consumo, a necessidade de interação social. O sujeito deve e precisa fazer parte de algo. O papel da publicidade para com seus clientes e investidores é substanciar no indivíduo as possibilidades de pertencimento através de bens de consumo. A beleza, a felicidade, o prazer, a realização, as conquistas, tudo é possível se você possuir o produto certo. Sobre isto, Toscani (1996) é taxativo quando afirma que:

A publicidade oferece aos nossos desejos um universo subliminar que insinua que a juventude, a saúde, a virilidade, bem como a feminilidade, depende daquilo que compramos. Um mundo todo sorriso em que diálogos muito amáveis (...) subentendem estas mensagens dissimuladas: seus cabelos caem porque você não está usando esta loção milagrosa, (...) você está ficando feio(a) e vivendo à margem da “verdadeira vida” da “vida cheia de vida”, da “vida autêntica”, da “vida total” por que ainda não adquiriu este queijo magro sem sal ou esta refrescante soda gasosa. (TOSCANI, 1996, p. 28)

59 Disponível em https://exame.abril.com.br/economia/as-datas-mais-importante-para-o-comercio-no-brasil/ Acesso em 20 ago 2018.

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Portanto, há a possibilidade de que os indivíduos que não fazem parte deste ciclo de consumo, se tornem alijados da sociedade, e acabem por sofrer uma violência simbólica por este não-pertencimento. Existe, por parte desta constituição de pertença e não pertença, uma certa posição de dominação do primeiro grupo para com o segundo. A publicidade, historicamente como agente sociocultural, concorre para a solidificação de modelos, padronizações, regras e normas que são simbólicas, mas que funcionam como um espelho, levando o sujeito ao desejo de refletir uma imagem idealizada daquilo que poderia ser a realização pessoal. Esta é a constituição usual das modernas sociedades ocidentais regidas pelo sistema econômico de produção e de consumo que é norteado pela busca do lucro a todo o custo. (Lipovetsky, 2007) No que diz respeito à sociedade brasileira, podemos segmentá-la de diversas formas. Poderíamos levar em consideração questões econômicas, sociais, culturais, geográficas, ou ainda segmentar por idade, por formação acadêmica, etc. Contudo, a segmentação que nos interessa diz respeito à questão de ordem moral que envolve a problemática de gênero relacionada aos homossexuais, e a sua abjetificação coletiva por uma sociedade conservadora. Compreender a constituição desta parcela do corpo social é de fundamental importância para a assimilar suas implicações na construção de uma identidade homossexual no Brasil, e como essas identidades são representadas, já que os valores que distinguem os indivíduos deste grupo dos demais não está somente atrelada às questões de consumo, mas, versa sobre questões morais e religiosas. Podemos afirmar, inclusive, que a maioria conservadora da sociedade brasileira ainda exerce uma dominação mesmo que simbólica sobre uma parte significativa da sociedade, já que possui representantes nos mais diversos âmbitos sociais, incluindo a política, como sinalizamos no capítulo três desta Dissertação. Embora estejamos falando do papel da publicidade como agente que concorre para o estabelecimento de situações de exclusão social, precisamos perceber que sua prática produtiva é regida em conformidade, expressões culturais e concepções de ordem moral e ética que norteia o modo de ser e de viver da maior parte da população. Por este motivo, tem se abstido durante todos esses anos de tocar em qualquer assunto que possa desagradar grande parte da audiência. A homossexualidade ainda é de forma significativa um dos maiores tabus da sociedade moderna. Um tema controverso, que suscita não apenas debates acalorados e polêmicos, mas que está diretamente ligado a atos grotescos de violência pela sua não aceitação social.

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Ora, sendo um agente que está inserido em um país considerado o mais homofóbico do mundo, e que apresenta o maior índice de assassinatos e de violência contra populações que não se padronizam nem se enquadram nas normas de gênero estabelecidas com base na biologia, no patriarcado, na religião e no androcentrismo, é possível entender o motivo do silêncio e/ou da indiferença da publicidade. No entanto, se pensarmos na perspectiva de criar um enfrentamento com todos os objetivos fundamentais da publicidade (venda, o lucro e o retorno financeiro), no que diz respeito ao público gay, a publicidade, ainda que esteja ciente do poder aquisitivo desse grupo, que é maior que a média geral dos brasileiros, escolhe perpetuar uma imagem negativamente estereotipada dessas pessoas, em detrimento de considerá-las como potenciais consumidoras de seus produtos. Acreditamos que o modo de operar, coloca a prática produtiva da publicidade como uma das instâncias socioculturais de perpetuação de estereótipos e de representações negativas, atrelados a grupos sociais minoritários. Dentre eles, o constituído por pessoas sexualmente distintas do padrão da heteronormatividade. Assim, provém deste modus operandi, a nossa compreensão de que a publicidade pode vir a ser um agente colaborador para a instauração da violência simbólica e da exclusão social destes grupos. A publicidade exclui tudo aquilo que não se encaixa nos padrões sociais, de beleza, de vestuário, sejam padrões econômicos, ou ainda, modelos que desvirtuem do molde binário de gênero. E isto reforça ainda mais para estas pessoas a posição de marginalização, de questionamento e de aceitação da sua própria vivência e sexualidade. A relação homoafetiva é vista por esta parcela dominante, como algo nefasto, passível de julgamento e condenação, reservando aos homossexuais um território hostil. Bourdieu (2014) endossa essa perspectiva da dominação e a violência simbólica quando pontua que: Falar de dominação, ou de violência simbólica, é dizer que, salvo uma revolta subversiva que conduza à inversão das categorias de percepção e avaliação, o dominado tende a assumir a respeito de si mesmo o ponto de vista do dominante: através, principalmente, do efeito do destino que a categorização estigmatizante produz, e em particular do insulto, real ou potencial, ele pode ser assim levado a aplicar a si mesmo e aceitar, constrangido e forçado, as categorias de percepção diretas. (BOURDIEU, 2014, p. 166).

Como parte integrante das comunicações sociais, e com um alcance de influência que molda hábitos e comportamentos, a publicidade pratica o equívoco de exclusão e corrobora com a dominação e violência simbólica, quando exclui o homossexual das suas campanhas, ou quando o apresenta apenas no viés estereotipado ou humorístico.

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Assim, impossibilita que esta orientação sexual seja vista e interpretada pela sociedade sem as construções sociais e as ficções coletivas de ordem heteronormativa, e que, na visão de Bourdieu (2014), foram e são construídas, em parte (apenas), contra o homossexual. O Boticário, através de sua campanha para o dia dos namorados do ano de 2015, acabou por, com ou sem intenção elaborada, subverter os padrões de criação e veiculação de comerciais televisivos com representação homossexual. Esta campanha ganhou alcance, justamente pela visibilidade que forneceu a uma minoria que vem sendo estigmatizada e propositalmente invisibilizada, através dos estereótipos e do tratamento pejorativo de cunho humorístico, que recebeu durante décadas. A veiculação desta campanha representa uma contradição e pode ser interpretada como uma recusa ao papel excludente desempenhado pela publicidade brasileira. Este produto audiovisual idealizado pela Almap para O Boticário, e veiculado na maior emissora de televisão do país, é a prova de que a publicidade não precisa seguir solidificando padrões sócio comportamentais pejorativos. A repercussão deste comercial nos serviu como ponto de partida para uma avaliação seguida de questionamento, desta postura “neutra” que a publicidade assume em algumas problemáticas sociais para a opinião pública. Com os números que movimenta, não somente de renda, mas de audiência, e agora de participação popular através da internet, a publicidade tem total condição de estabelecer uma postura reivindicatória, de forma a levar a sociedade a conferir a um grupo estigmatizado o reconhecimento duradouro e comum de suas especificidades. Este é um reconhecimento das particularidades, das diferenças e da diversidade. Quando aceitou veicular esta campanha, O Boticário deu um passo à frente de seus concorrentes, por entender que ao compreender as diferenças entre as pessoas, poderia também assimilar melhor o comportamento de seus consumidores. Uma empresa que não compreende as diferenças, não representa em sua totalidade o público para o qual ela vende, e torna-se menos competitiva. Então, ao defender a diversidade, e expor a normalidade de um relacionamento homoafetivo O Boticário se eximiu do equívoco de exclusão e ampliou o seu mercado. É possível ao leitor pensar que quando abordamos o equívoco de exclusão, contemplamos também o equívoco de homofobia. Entretanto, entendemos que a exclusão é uma forma simbólica que o dominador encontra para estigmatizar o dominado, sem necessariamente estar ligado a atos de violência física.

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Assim, após compreender o que caracteriza e provoca a exclusão pela homofobia, elencamos este equívoco, que envolve não somente a aversão e a prática de atos simbolicamente violentos contra homossexuais, mas ocasiona o acréscimo de número diário de corpos sem vida em nosso país. Este é o tópico mais importante para entendermos a responsabilidade que a publicidade carrega ao se isentar da abordagem de assuntos como a homossexualidade, ou ainda quando promove a perpetuação de estereótipos negativos relativos a este grupo. Com os últimos dados, que apresentamos no início deste capítulo, é possível afirmar que a homofobia no Brasil extrapolou o limite do simbolismo, no que diz respeito a ações violentas. As estatísticas (conforme imagem 3) não nos permitem mais interpretar a ojeriza popular como algo que diz respeito apenas à constituição social, familiar ou moral das pessoas. Evidentemente, há um questionamento acerca das razões para que este equívoco venha apresentando um crescimento significativo e alarmante, apesar da crescente luta contra ações de discriminação e preconceito. De acordo com uma pesquisa realizada pela Trans Murder Monitoring Trangender Europe (TGEu) (2016) entre os motivos para justificar essa violência simbólica e física, figuram os grandes níveis de violência no contexto histórico do país (colonialismo, escravidão, ditaduras), e a falha do Estado em prevenir e investigar esses equívocos. Ainda em consonância com a pesquisa do TGEu (2016) a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) afirma que as denúncias de violência contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis aumentaram 94% no país entre 2015 e 2016. Os casos incluem também abusos psicológicos, discriminação e violência sexual:

Temos uma cultura bastante sexista, de negar ao outro a condição de sujeito de direito”, analisa Flávia Piovesan, secretária especial de Direitos Humanos do governo Temer. “Nos parece fundamental a criminalização da LGBTfobia, mas temos um cenário preocupante, com as bancadas religiosas e o cenário pós-Trump. Os discursos discriminatórios ganharam muita visibilidade”, afirma, sem oferecer grandes esperanças para transexuais e travestis brasileiros. (CUNHA, 2018, p. 3)

Os números não mentem, e eles dizem que entre 2016 e 2017 houve um aumento de 30% nos homicídios ligados à homofobia no Brasil. De acordo com dados levantados pelo Grupo Gay da Bahia, conforme apresentamos anteriormente, em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais foram mortos em crimes motivados por homofobia.

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O número representa uma vítima a cada 19 horas. Este é o maior número de casos de morte relacionados à homofobia desde que o monitoramento anual começou a ser elaborado pela entidade, há 38 anos. Destes 445, 194 são homens gays, o que corresponde a 43,9%. A publicidade realiza a manutenção da diferença, e é inconsequente quando, utilizando de uma construção ficcional de ordem heteronormativa, reproduz comportamentos excludentes e homofóbicos em suas campanhas. É possível que algumas campanhas sejam utilizadas para refutar a afirmação de que a publicidade é uma potência negativa no que diz respeito à representação homossexual, e esperamos genuinamente que o número de comerciais com representação não estereotipado aumente significativamente nos próximos anos. Mas a questão que gostaríamos de nos ater nesse momento, é o uso do marketing social visando apenas premiações e não como prática de responsabilidade social. Em 2017, no Festival de Cannes, onde o Brasil ostentou o número de 99 estatuetas entre, ouro, prata e bronze, houve um alto volume de peças publicitárias que abordaram causas sociais, derivadas de uma abordagem do Marketing conhecida como o Marketing Social.60 Não temos a intenção de desqualificar as peças que são criadas apenas com objetivo de premiação, nem tão pouco de diminuir a importância do aumento da representação homossexual na publicidade brasileira, principalmente televisiva, independente do viés utilizado (humor, drama, ação etc.). Entretanto, concordamos com Louro (2015), quando pontua que esse tipo de visibilidade, carregada de estereótipos tem efeitos contraditórios. Sabemos que a visibilidade é uma pauta constante nas agendas dos coletivos LGBTs e das demais minorias sociais. De certa forma, isso pode fornecer a ideia de que qualquer visibilidade é bem-vinda. Contudo, se faz necessário compreender a potência da utilização dessas pautas e dessas causas pela publicidade, entendendo que existem peças que são discursivamente condicionadas com o objetivo da premiação, mas que nos bastidores de seu engendramento não apresentam nenhuma outra intenção de apoio ou auxílio para estas minorias. Nossa intenção não é demonizar a publicidade, mas elucidar que “as fronteiras analíticas sugerem os limites de uma experiência discursivamente condicionada” e que “tais limites se estabelecem sempre nos termos de um discurso cultural hegemônico, baseado em estruturas

60 Disponível em: https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/brasil-ganha-99-leoes-no-festival- de-publicidade-de-cannes.ghtml Acesso em 20 ago 2018.

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binárias que se apresentam como a linguagem da racionalidade universal”. (BUTLER, 2016, p. 30). Então, o discurso que predomina na publicidade leva em consideração que há apenas dois gêneros possíveis, o feminino e o masculino, resumindo-se em um binarismo que concebe apenas uma orientação sexual, a heterossexualidade. Este discurso, por si só, pode ser caracterizado como uma expressão de homofobia e pode vir a ser configurado também como opressivo. Conforme aponta Butler (2016, p. 38), “as opressões não podem ser sumariamente classificadas, relacionadas casualmente e distribuídas entre planos pretensamente correspondentes entre o que é “original” e o que é “derivado””. Desta forma, a publicidade, realizada contribuições em primeira instância para a conservação de uma problemática que resulta em uma justificativa dos atos de violência contra um grupo. Apesar desta conclusão, entendemos que a publicidade se encontra em uma fronteira de convergência entre conjuntos específicos de relações, culturais e que são historicamente correlacionados (BUTLER, 2016, p. 33). Ou seja, há um paradoxo no que diz respeito aos usos e aos espaços, que são pelas agências fornecidos às causas e pautas de minorias sociais. Se não abordam o assunto, são acusados de negligência, se o abordam, muitas vezes também são responsabilizados pela perpetuação de violência simbólica, ou ainda de subversão dos valores da família como foi o caso de O Boticário. Desta forma, o intento desta pesquisa, é criticar o mal-uso, no que diz respeito a prática recorrente de silenciamento e manutenção das imagéticas e discursos negativos relacionados a esta minoria, mas sem esquecer dos avanços, que podemos sinalizar neste campo. Louro, neste sentido, esclarece que:

Por um lado, alguns setores sociais passam a demonstrar crescente aceitação da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos culturais; por outro, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus ataques, realizando desde campanhas de retomada de valores tradicionais da família, até manifestações de extrema agressão e violência física. (LOURO, 2015, p. 28).

Norteada por esta incongruência, entendemos que a prática publicitária que aciona traços identitários de representação homossexual, para, não mais colaborar, ainda que de forma indireta com o crime de homofobia, precisa ultrapassar grandes desafios. E um destes desafios é a desconstrução do discurso a respeito da constituição, imagética, indenitária e performática do gay em seus comerciais.

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É possível que a desconstrução seja interpretada como a destruição dos valores tradicionais da sociedade brasileira. Antes, deveriam ser avaliados e refletidos, como a desconstrução de uma cisheteronormatividade compulsória que exerce, ainda, uma dominação no intuito de regulamentar e normatizar os sujeitos de gêneros considerados dissidentes. Os que não se normatizam de acordo com a binaridade de gênero e com esta cisheteronormatividade são relegados à margem, para a exclusão social. Sendo assim, Louro, provoca uma reflexão quando define que:

Desconstruir um discurso, implicaria minar, escavar, perturbar e subverter os termos que afirma e sobre os quais o próprio discurso se afirma. Desconstruir não seria destruir (...) mas está muito mais perto do significado original da palavra análise que etimologicamente significa desfazer. (LOURO, 2015, p. 44)

De forma que, para não continuar a praticar o crime de homofobia, a publicidade precisa se desfazer dos seus conceitos e valores enraizados numa sociedade patriarcal, androcêntrica, binária e cisheteronormativa. Entendendo que ainda que figurativamente estabelecida num local fronteiriço, a publicidade detém o poder de manter esses sujeitos no território da margem ou contribuir para que eles o atravessem. Louro ainda é taxativa, quando afirma:

Não é apenas assumir que as posições de gênero e sexuais se multiplicaram e, então, que é impossível lidar com elas apoiadas em esquemas binários (e conservadores); mas também admitir que as fronteiras vêm sendo constantemente atravessadas e – o que é ainda mais complicado – que o lugar social no qual esses sujeitos vivem é exatamente a fronteira. (LOURO, 2015, p. 28)

Por definição, a fronteira é um local de conflitos, por parte daqueles que querem e precisam entrar, e por parte daqueles que desejam manter o outro fora. Em qual desses lados a publicidade intenta estar? Ou será que, por conveniência, tenta manter-se em cada um dos lados desta fronteira, oscilando sua prática nesta dualidade? São questões que tentamos compreender.

4.2 Toda forma de amor: a guerra declarada contra o comercial de O Boticário

No ano de 2015, no curto espaço de duas semanas a imagem da marca O Boticário provocou diversos reveses na cabeça de milhões de consumidores. No dia 24 de maio de 2015,

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a empresa lançou o filme publicitário para o dia dos Namorados. Até o dia 07 de junho já havia sido computada na rede de stream youtube mais de 3,2 milhões de visualizações no vídeo.61 Isso representa um valor oito vezes mais que os filmes lançados na semana anterior. Neste período de duas semanas, segundo o SGC Conteúdos (2015), o filme recebeu 372 mil avaliações positivas, e 188 mil negativas. (CRESPO, 2015). Trata-se de um número realmente expressivo se somarmos todos os vídeos da empresa na rede. Algumas figuras públicas, como o pastor evangélico Silas Malafaia se pronunciaram sobre o assunto. Malafaia gravou e publicou um vídeo em seu canal do youtube62, no qual convidava a sociedade para boicotar a marca. O vídeo tem muitas visualizações, entretanto, o número de “não gostei” superou os de apoio à postura do pastor. Em contrapartida, o deputado federal Jean Willys, homossexual autodeclarado, comentou que apesar de não ter um namorado, compraria os produtos da marca apenas como forma simbólica de apoio à campanha. Em 2018, três anos após a publicação, os números relacionados ao comercial não mudaram muito, são 3.867.265 visualizações, 385 mil avaliações positivas, contra 194 mil negativas. O que vem sofrendo uma constante mudança, ainda que de forma lenta e gradual, é a forma como a sociedade vem se configurando e respondendo as lutas, pautas e agendas dos LGBTs. Isso fica evidente inclusive, pela quantidade de filmes publicitários que foram veiculados após esta ruptura iniciada pela Almapp e O Boticário.63 O Boticário não é um anunciante recente, desta forma podemos dizer que não é ingênua a veiculação deste comercial em uma data que é expressivamente lucrativa para as lojas da empresa. Podemos afirmar também que houve ciência por parte da agência sobre a repercussão, o ônus e o bônus que eram esperados a partir desta campanha. Quando uma empresa assume uma postura de certa forma pioneira, e principalmente quando toca profunda e sutilmente num dos maiores tabus da nossa sociedade, deve estar preparada para isso. Inclusive, levando em consideração que apesar de ser veiculado no horário nobre da televisão aberta, supomos que a agência responsável pela campanha, considerou de que a maior repercussão se daria nas redes sociais digitais, onde o público tem o poder de manifestar-se; o que de fato ocorreu.

61 Dados levantados pela SGC Conteúdos em Junho de 2015. Disponível para consulta em www.sgcconteudo.com.br Acesso em 20 ago 2018 62Disponível em: http://economia.ig.com.br/empresas/2015-06-02/em-video-malafaia-propoe-boicote-ao- boticario-va-vender-perfume-pra-gay.html acesso em 19 ago 2018. 63 Disponível em: http://www.universoaa.com.br/opiniao/sem-boicote-os-sete-melhores-comerciais-gays- brasileiros/ acesso em 19 ago 2018.

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Na televisão, a comunicação é unilateral, a empresa fala e o espectador apenas exerce o papel de receptor da mensagem. Isso associado ao fato de que a audiência é medida por uma certa quantidade de televisores ligados em determinado canal. Diferentemente, as redes sociais vêm cada vez mais demarcando espaço na vida de cada brasileiro, sendo inclusive, apropriada por programas televisivos através de hastags64 e outros tipos de interação, o que nos dá margem para levantar a hipótese de que a marca já contava com este tipo de reverberação relacionada a este comercial. Nas redes sociais há diálogo, há a voz de milhares de pessoas de diversos locais do país ou do mundo falando sobre o mesmo assunto, seja para criticá-lo ou para exercer apoio, ou ainda para manter-se em silêncio. Neste caso em específico, as redes sociais foram fundamentais para reduzir as críticas e aumentar o apoio da população ao comercial. Isso, levando em consideração apenas aspectos subjetivos do comportamento popular em relação a campanha, sem considerar o fator econômico. Dito isto, gostaríamos de abordar aspectos mais técnicos do comercial, para elucidar a proposta da marca. A agência responsável pela campanha de 2015, que divulga a linha de sete fragrâncias “multigênero” de Egeo e mostra casais de diferentes orientações sexuais comemorando o Dia dos Namorados, é a AlmapBBDO. A empresa está com a agência desde 2004.65 A campanha intitulada “Um dia dos namorados para todas as formas de amor”, rendeu à Almap dois prêmios, o Grand Effie e o Ouro em Comércio e Varejo. O filme teve grande repercussão nas redes sociais.66 De acordo com o veículo Meio&Mensagem, para o júri do Effie Brasil, a campanha mereceu o prêmio principal por unanimidade devido à coragem em tocar em um tema delicado e não voltar atrás após a polêmica gerada nas redes sociais.67 Estes prêmios podem ser considerados um marco para a publicidade nacional, pois são uma constatação de que é possível fazer publicidade sem o emprego homogêneo de estereótipos negativos que levam à exclusão social.

64 Tags são palavras-chave (relevantes) ou termos associados a uma informação, tópico ou discussão que se deseja indexar de forma explícita no aplicativo Twitter, e também adicionado ao Facebook, Google+ e/ou Instagram. Hashtags são compostas pela palavra-chave do assunto antecedida pelo símbolo cerquilha (#). 65 Disponível em: http://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2015/10/propaganda-da-boticario- com-casais-gays-vence-premio-publicitario.html Acesso em 20 ago de 2018. 66 Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2015/06/01/o-boticario-e-criticado-nas-redes- sociais-apos-comercial-com-casais-gays.htm acesso em 20 ago de 2018. 67 Disponível em: http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2015/10/19/almap-e-o-botic-rio- vencem-grand-effie.html acesso em 20 ago 2018.

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Naturalmente, entendemos que há um risco por parte dos anunciantes, bem como das agências que fazem a gestão destas contas, no que diz respeito à consideração e à incorporação de pautas consensualmente identificadas como moralmente polêmicas, em determinadas conjunturas sociais. Contudo, o filme publicitário de O Boticário, nos mostra que há quem esteja disposto a assumir o risco de enfrentar resistências morais, mesmo provenientes de públicos para os quais a mensagem não foi diretamente endereçada, em direção a uma pauta pró-diversidade. Ainda no que diz respeito aos aspectos subjetivos, podemos afirmar que a reação negativa da sociedade se deu de forma veemente, devido ao fato do comercial retratar casais homoafetivos em posição de igualdade com casais heterossexuais, executando exatamente as mesmas ações: receber o/a parceiro/a para comemorar a data, e cumprimentá-lo/a com um abraço no momento da recepção, conforme imagens extraídas do comercial, que veremos a seguir:

Imagem 4 – Comercial O Boticário para o dia dos namorados 2015 – 0’15” Uma mulher toca um interfone na entrada de um prédio, em seguida um rapaz, que é dos personagens do filme, atende a um interfone em sua casa. A moça entra, e o rapaz abre a porta. Surpresa! Quando o rapaz abre a porta damos de cara com seu parceiro aguardando no hall de entrada, os dois sorriem, se abraçam em um gesto de afeto.

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Imagem 5 – Comercial O Boticário para o dia dos namorados 2015 – 0’17” Casal heterossexual se encontra em restaurante para comemorar o dia dos namorados. A mulher carrega um presente de O Boticário em mãos. O rapaz, que vimos no início do vídeo entrando em uma loja de O Boticário e colocando um perfume Egeo no balcão, também irá presenteá-la com um produto da marca. Ao se aproximarem, os dois se abraçam em um gesto de afeto.

Imagem 6 – Comercial O Boticário para o dia dos namorados 2015 – 0’20” A moça que havia tocado o interfone na cena anterior é recebida por sua parceira. As duas também sorriem, e se abraçam em um gesto de afeto

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Imagem 7 – Comercial O Boticário para o dia dos namorados 2015 – 0’21” O quarto e último casal se encontra, em um local que parece ser um parque, se abraçam em um gesto de afeto e sorriem.

Após as cenas descritas nas imagens acima, o comercial segue mostrando a troca de presente entre cada casal, com uma voz que narra o mote da campanha “No dia dos Namorados entregue-se às 7 tentações de Egeo”. Esse mote diz respeito às sete fragrâncias lançadas pela marca em comemoração ao dia dos namorados, e que foi, nas mídias externas (mobiliário urbano, outdoor, cartazes, etc.), ilustrada com peças como a imagem abaixo.

Imagem 8 – Peça da campanha “Entregue-se a 7 tentações de Egeo” de O Boticário para o dia dos namorados 2015. A peça ilustra um casal heterossexual em um abraço sensual. A imagem é sobreposta por 7 recortes que ilustram cada uma das fragrâncias da campanha.

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É, no mínimo, curioso, pensar que a última imagem é a que traz maiores elementos imagéticos que poderiam ser criticados pela parcela conservadora da sociedade. Ante os tabus ligados a questões que envolvem uma sexualidade mais explícita por determinados tipos de marca, o consumidor não demonstrou descontentamento de forma expressiva com a peça publicitária de O Boticário. O que é ainda mais curioso, é que o comercial trouxe dois tipos de casais homoafetivos, gays e lésbicas, mas apenas o casal gay foi alvo da maior parte dos ataques dos conservadores. Neste contexto, é possível ainda de forma mais profunda, compreender como se normatizam e se regulam os sujeitos com base no patriarcado, e no androcentrismo. Os motivos pelos quais o casal lésbico não sofreu ataques de forma tão veemente nas mãos daqueles que se dizem ligados à moral, à família em uma constituição tradicional (composta por homem, mulher e filhos) e aos bons costumes, fica ainda mais evidente, já que faz parte da construção do imaginário coletivo masculino fantasias sexuais que envolvem duas mulheres. Ao tratar dois casais homoafetivos e dois casais heterossexuais como a mesma carga de normalidade, importância e afetividade, O Boticário toca em um tabu no seio da sociedade brasileira. Apesar da homossexualidade já ter sido há quase duas décadas retirada da lista de patologias sexuais, a sociedade em geral trata ainda este tema com ojeriza, relegando-o a um local de anormalidade patológica. As razões que permeiam os bastidores do ódio e da abjeção popular destinado ao comercial de O Boticário não consistem na aparição de gays em horário nobre. Isso afinal, não é mais nenhuma novidade. A originalidade está em retratar os quatro casais em posição de similitude. A guerra declarada ao comercial lança luz sobre a intolerância, preconceito e abjeção que sempre permearam a estrutura social brasileira, mas que ao longo dos anos, transcorreu disfarçada de moralidade e preocupação com a saúde pública, devido a todas as questões que envolveram e ainda envolvem a epidemia de AIDS, desde os idos da década de 1980.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No que diz respeito a identificar quais as novas perspectivas para a publicidade televisiva brasileira com representação homossexual, entendemos que embora a publicidade ainda se atenha, predominantemente e do ponto de vista ideológico, ao processo de representação homossexual pelo viés do estereótipo, o caminho para a ruptura das fronteiras é inevitável. A partir do comercial de O Boticário outras marcas se lançam na tentativa de veicular comerciais com representação homossexual não estereotipada. Contudo, diferentemente da campanha de O Boticário lançada para o Dia dos Namorados, no ano de 2015, nenhuma outra marca ousou desafiar a grande audiência televisiva. Elas têm atuado valendo-se do espaço da internet para declarar seu apoio à causa LGBT. Uma das principais conclusões à qual chegamos ao elaborarmos esta Dissertação é a de que podemos atribuir à publicidade certa parcela de responsabilidade pela manutenção de uma ordem social conservadora. Ao escolher um modus operandi calcado no acionamento de valores, normas e padrões socialmente instituídos, a prática da publicidade concorre para reforçar os retrocessos, no que diz respeito às abordagens construídas acerca de questões relacionadas à sexualidade, cujas expressões fogem à norma social. Norma esta, comprometida majoritariamente, com o padrão ideal da heteronormatividade. Entretanto, contraditoriamente aos processos de legitimação para a conservação de uma moral rígida que a prática da publicidade vem desenvolvendo, arriscamo-nos a presumir que, a partir da campanha de O Boticário, as grandes marcas tendam a acompanhar o movimento e incorporarem, cada vez mais, pautas voltadas para a agenda das minorias, na elaboração de suas campanhas. Ainda que de maneira incipiente, constatamos que isto já está acontecendo. No entanto, é importante salientar que a maioria destas campanhas transcorrem em território digital, nas redes sociais, onde as marcas detêm um certo controle do público-alvo que objetivam atingir. Exemplo disto é a campanha de Doritos, nomeada Amplie seu mundo68, originada do sucesso do salgadinho versão limitada lançado em 2106 que recebeu o nome de Doritos Rainbow, fazendo referência às cores da bandeira LGBT, que foi veiculado nos canais oficiais da marca nas redes Facebook e Youtube.

68 Disponível em: https://grandesnomesdapropaganda.com.br/anunciantes/doritos-rainbow-lanca-campanha- sobre-o-movimento-lgbt/ Acesso em 21 ago 2018.

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Nas plataformas de mídias sociais, como o Facebook, o Instagram e o Youtube, a segmentação de público para anúncios é muito bem delimitada, de forma que as marcas podem direcionar seus esforços apenas para pessoas que já apresentaram apoios às causas sociais abordadas nas campanhas. O Facebook, por exemplo, disponibiliza para anunciantes uma ferramenta denominada facebook insights, de forma que dados como gênero, idade, nível de escolaridade, principais interesses na rede e páginas com as quais os usuários mais interagem estão disponíveis para serem consultados por estes profissionais para que assim possam definir seu público-alvo de acordo com suas preferências. O objetivo deste trabalho consiste em identificar quais as novas perspectivas para a publicidade televisiva brasileira com representação homossexual não estereotipada a partir do comercial de O Boticário lançada por ocasião do Dia dos Namorados do ano de 2015, em circuito aberto de televisão. Acreditamos que realizamos esse intento. As novas perspectivas para a publicidade brasileira, após o comercial de O Boticário, consistem na expectativa de que grandes empresas e marcas, ainda que a passos mais lentos, venham a acompanhar esta transformação social. Podemos elencar algumas mudanças parciais na publicidade brasileira, principalmente a partir do ano de 2016. Mas há ainda um grande receio por parte dos anunciantes de exporem suas marcas em rede nacional associadas a homossexualidade em sua representação não enviesada. Acreditamos também que é apenas uma questão temporal para que outros anunciantes sigam o exemplo de O Boticário e passem a se posicionar positivamente em prol da diversidade de gênero, não somente nas redes sociais digitais, mas também na televisão. A questão temporal diz respeito à fatores que estão além do acúmulo de anos, visto que toda ruptura, principalmente de eixos sociais, demanda complexas desconstruções hegemônicas, normativas, padronizadas e sistêmicas de toda uma sociedade. O levantamento histórico que realizamos acerca da trajetória da televisão no país, bem como sua associação com a publicidade e a incorporação, em sua narrativa, de representações sociais sobre a homossexualidade, foram de fundamental importância para compreendermos como estas três instâncias se entrelaçam e como esse vínculo influencia e repercute no imaginário social. No que diz respeito à identificação das influências que a publicidade televisiva exerce na manutenção de estereótipos negativos relacionados à representação da homossexualidade,

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compreendemos que isto ainda é um padrão enrijecido e utilizado como forma, mesmo que inadequada, de conferir visibilidade a esta orientação sexual. Todavia, isso incide no que poderíamos ilustrar como sendo a prática da publicidade apenas com objetivos de consumo, sem exercer responsabilidade social para com seu público. Quando nos referimos ao público alvo da publicidade, estamos fazendo alusão direta a parcelas de públicos identificados como sendo compostos por pessoas que possuem também sexualidades distintas da heteronormatividade. No decorrer da nossa pesquisa, pudemos reconhecer que a publicidade ainda é engendrada com o intuito de cumprir sua função precípua que é a de promover a venda. Não obstante, constatamos que existe a possibilidade de que haja uma mudança significativa na forma como os profissionais de marketing venham a conceber sua prática. Estes agentes podem desenvolver um exercício profissional mais crítico, mais progressista. O Marketing Social (Silva, 1976 apud Brandão, 2006), as campanhas veiculadas exclusivamente nas mídias sociais estão ganhando um espaço considerável na comunicação das corporações, principalmente, em datas que fazem referências a estas minorias, como é o caso do Mês do Orgulho LGBT, comemorado em junho ou o Julho das Pretas. Este último propõe uma agenda negra e feminista composta, engendrada e realizada por mulheres negras durante o mês de julho. Estes dois fatores contribuem para motivar as empresas a arriscarem mais, pois os conflitos provocam uma mobilização, mesmo que seja a curto prazo. O Boticário é um caso exemplar, uma vez que em julho de 2015 já havia sido isentado pelo CONAR de qualquer penalidade referente a sua campanha. Nesse sentido, a mobilização contra a campanha da marca foi sobrepujada pela imagem do pioneirismo e pela ruptura de padrões hegemônicos e dominadores. Este fato acaba por conferir ao Boticário e a estas marcas inovadoras, a imagem social de marcas visionárias, que estão para além do seu tempo. Em nota, O Boticário afirmou que a decisão do CONAR está de acordo com a proposta da empresa de abordar com respeito e sensibilidade a ressonância atual sobre as mais diferentes formas de amor, representadas pelo prazer de presentear a quem se ama no Dia dos Namorados. A decisão de não retirar o comercial de veiculação, resultou para O Boticário em uma iniciativa de apoio por parte de uma parcela da sociedade que não encontrava, e que ainda não encontra, em outras marcas, uma conduta inclusiva.69

69 Disponível em: https://dcomercio.com.br/categoria/gestao/marca-o-boticario-e-absolvida-no-conar acesso em 19 ago 2018.

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Os detratores, por sua vez, parecem ter esquecido do comercial, já que os protestos na internet foram gradativamente perdendo força e o faturamento da marca vem subindo ano após ano, bem como o número de lojas em todo Brasil e no mundo70. De certa forma, ao escolher se posicionar a favor de uma minoria que é extremamente abjetificada pela sociedade, a organização tende a criar um vínculo com públicos constituídos por pessoas mais progressistas, que defendem posições contrárias ao establishment. Assim, a marca é associada também a causa e quem defende a causa tende não só a simpatizar, como também a defender a marca ao criar em seus pares também essa empatia. É natural esperar que haja resistência por parte da sociedade, caso as empresas venham abordar temas polêmicos em suas campanhas. No entanto, levando em consideração os resultados alcançados pelo comercial de O Boticário, cujas manifestações dos grupos de apoio foram superiores aos grupos contrários à veiculação do comercial, tendemos a concluir que este fato seja um indicador muito positivo para que outras agências possam também sugerir a seus clientes uma nova forma de representação para os grupos homossexuais em seus filmes publicitários. No que concerne a um aprofundamento acerca do poder simbólico exercido pela publicidade, através dos comerciais televisivos com representação homossexual para televisão aberta e suas repercussões no imaginário coletivo social no que diz respeito a manutenção de estereótipos negativos, concluímos que apesar das transformações e do pioneirismo de algumas marcas (a exemplo de O Boticário), a publicidade ainda reforça a cristalização de visões conservadoras ligadas às formas de expressão da sexualidade, que não se enquadram na heteronormatividade. Talvez não de forma proposital e consciente, mas justamente por estar atrelada, presa a uma construção social patriarcal e cisheteronormativa, a prática produtiva da publicidade também reflete a formação do profissional que a executa. Profissional este, formado pelos cursos de Comunicação Social. Não somente o aprofundamento da análise da produção publicitária por meio da ampliação do corpus, mas a aproximação e a consulta aos profissionais do Marketing acerca de sua prática profissional, quando ela se depara com questões de cunho eminentemente ideológico, podem se constituir desdobramentos futuros de pesquisa. A exemplo, são aspectos que podem ser aprofundados, posteriormente, em um projeto de doutorado.

70 Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/06/vendas-de-o-boticario-aumentam-apos- boicote-evangelico.html Acesso em 19 ago 2018.

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Sobre os mecanismos simbólicos intrínsecos nos discursos constitutivos da produção do comercial de O Boticário para o Dia dos Namorados do ano de 2015, entendemos que a postura adotada no comercial condiz com a política da empresa.71 Esta política está relacionada ao entendimento de que há uma ressonância contemporânea no que diz respeito às questões de diversidade sexual e que compreendendo esta ressonância, O Boticário resolveu se posicionar a favor dessa diversidade, em detrimento das opiniões contrárias. Desta forma, a produção, veiculação e o fato de que mesmo após denúncias contrárias à abordagem apresentada na campanha, a empresa manteve o comercial em seus canais oficiais, representa o início de uma ruptura com a manutenção de estereótipos negativos vigentes, de forma que este comercial influenciou não somente hábitos de consumo, mas provocou outras empresas e marcas a se posicionarem da mesma forma. Por fim, entendemos a publicidade como uma atividade socioeconômica, mas também como agente social, principalmente, no que diz respeito às formas de atuação de seus profissionais. Ao compreendermos que sua forma de inserção no mundo social possui um intrínseco valor ideológico, julgamos ser necessário que realize uma reflexão mais profunda sobre os valores sociais que incorpora em sua prática produtiva. A incorporação de certos valores acarreta a disseminação no tecido social, por meio da circulação de suas mensagens. Os sujeitos de diferentes identidades de gênero ainda são retratados nos comerciais publicitários, como sujeitos desviantes, quando representados por meio de abordagens e imagens impregnadas de valores atrelados à padrões normativos. Padrões estes que regem as interpretações da sexualidade, no Brasil. Assim, a prática da publicidade acaba por contribuir, como ferramenta de comunicação, para a propagação de conceitos homofóbicos que, muitas vezes, promovem violências simbólicas e, consequentemente, físicas a indivíduos considerados como de “sexualidade desviante”.

71 Disponível em: https://www.jornalopcao.com.br/ultimas-noticias/apos-comercial-com-casais-gays-o-boticario- sofre-boicote-e-responde-a-altura-37146/ Acesso em 19 ago 2018

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