ANO I NÚMERO 3

Dia Mundial do Turismo 27 de setembro de 2010

Turismo e sociobiodiversidade { reportagem: Experiências de turismo sustentável mostram como a atividade pode ser transformadora para todas as partes envolvidas { lugar: No litoral de São Paulo, comunidade quilombola de Mandira explora o turismo com sabedoria { Intervenção: Araquém Alcântara fotografa santuários ecológicos { Artigo: Moacyr Scliar fala do fascínio do homem pela viagem TURISMO SOCIAL SeSC Sp

Dialogar com outras culturas e lugares é formar cidadania. www.sescsp.org.br/turismosocial Ruínas de São Miguel das Missões editorial

TURISMO E BIODIVERSIDADE EM EQUILÍBRIO APONTAM PARA A SUSTENTABILIDADE

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional - SESC São Paulo

O direito ao lazer dos trabalhadores é uma das bandeiras instâncias sociais no campo do turismo, mais antigas do SESC-SP e remonta é fundamental trabalhar em todos os aos valores primordiais de sua criação segmentos dessa cadeia: alertando em 1946. De lá para os dias atuais, os para um equilíbrio respeitoso que conceitos de lazer e turismo sofreram preserve a biodiversidade e mantenha inúmeras transformações e o programa as comunidades em seu lugar de origem, desenvolvido pela entidade, absorveu isto é, aprimorando as condições para tendências e experimentou possibilidades uma cultura de sustentabilidade. Outras diversas, sem nunca abdicar de suas ideias questões importantes se colocam nos dias alternativas e conceitos fortemente atuais: Como viabilizar o turismo urbano embasados no caráter socioeducativo de em cidades com patrimônios degradados? suas ações. Onde buscar o fortalecimento de Com os Cadernos SESC de Cidadania comunidades que desenvolvem que contemplam o Dia Mundial do manifestações culturais em risco de Turismo em consonância com as reflexões extinção? Por quê alavancar o turismo propostas pela Organização Mundial de base comunitária como ferramenta do Turismo(OMT), apresentamos um educativa e manutenção de áreas nativas? rico espaço de propostas, debates e Existem diferentes formas de experiências que estimulam uma abertura articulação com base no turismo e para interessantes formas de implantação, o SESC-SP participa desse contexto desenvolvimento e gerenciamento de oferecendo espaços para reflexão, ações no campo do turismo com respeito apresentando propostas e experiências às questões mais urgentes da agenda relevantes, mas, sobretudo, interagindo global: desenvolvimento e preservação com o seu público prioritário para a local, economia solidária e acesso ao consolidação de conceitos que vão turismo como forma de contato com a além do imediato bem-estar individual, biodiversidade. favorecem a qualidade de vida por meio de Se há uma relevante base econômica uma mudança de atitude, o que aponta para para muitos indivíduos em diferentes uma cultura global de sustentabilidade.

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 3 Expediente

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO índice Administração Regional no Estado de São Paulo

Presidente do Conselho Regional Abram Szajman

Diretor do Departamento Regional Flavita Valsani Danilo Santos de Miranda p.5 p.8 artigo SESC Superintendentes Atividade turística deve Comunicação Social: Ivan Paulo Giannini Técnico-Social: Joel ser pensada em sua Naimayer Padula Administração: totalidade, articulando as Luiz Deoclécio Massaro dimensões ambientais, Galina Assessoria Técnica e de Planejamento: Sérgio José humanas, sociais, culturais Battistelli e econômicas

p.8 Cadernos SESC de Cidadania reportagem especial Dia Mundial do Turismo 2010 A experiência de viagem no gerência de artes gráficas: Hélcio turismo sustentável não Magalhães Assistentes: Karina se encerra no aeroporto, Musumeci, Marilu Donadelli perdura na transformação e Ubiratan Rezende GERÊNCIA DE PROGRAMAS SOCIOEDUCATIVOS: de mentes e comunidades Maria Alice Oieno de Oliveira Nassif ADJUNTO: Flávia Roberta p.18 Costa Assistentes: Denise Miréle Kieling, Leila Yuri Ichikawa e Silvia intervenção Eri Hirao GERÊNCIA DE RELAÇÕES O fotógrafo Araquém COM O PÚBLICO: Paulo Ricardo Alcântara registrou como Martin ADJUNTO: Carlos Rodolpho ninguém a riqueza de T. Cabral ASSISTENTE: Malú Maia GERÊNCIA DE COMUNICAÇÃO santuários ecológicos do país Marco Fernandes - CoordCOM/UFRJ ADMINISTRATIVA: Antonio Carlos Cardoso Sobrinho ADJUNTO: Elvira p.21 p.32 p.22 de Fátima P. Troiano notas Edição de Conteúdo e Redação: Economia do turismo em Renato Essenfelder Projeto São Paulo avançou quase Gráfico e direção de arte: Marcio 30% no semestre Freitas tratamento de imagem: Gilmara Ruas p.22 A Revista Cadernos SESC de entrevista Cidadania é uma publicação do Marta Irving, pesquisadora SESC São Paulo. e professora da UFRJ, diz Distribuição gratuita. Nenhuma Araquém Alcântara pessoa está autorizada a vender que a qualidade do turismo anúncios. no Brasil é pouco discutida p.18 Versão on line em www.sescsp.org.br p.26 lugar Gerência de Artes Gráficas [email protected] Comunidade quilombola Telefone 11 2607-8255 de Mandira, no litoral sul de São Paulo, incentiva o turismo sustentável

p.32 artigo O escritor Moacyr Scliar revisita o fascínio das narrativas de viagem artigo

Parte, deixa o ninho para se enriquecer com os costumes de outros lugares, aí ouvir palavras nunca antes proferidas. Expõe o corpo ao vento e à chuva, porque, para ser verdadeiramente educado, é preciso se expor ao outro, esposar a alteridade e renascer mestiço.

Michel Serres, filósofo francês

Turismo Social texto da Gerência de Programas Socioeducativos do SESC-SP

“Para mim, viajar é alimentar a alma”. A definição, citada por uma aconteceu em 1948, com a inauguração do frequentadora do SESC-SP, ajuda a SESC Bertioga, um centro de hospedagem resumir o que é o Programa de Turismo social localizado no litoral do Estado de Social do SESC-SP. São Paulo. Nessa época, não existiam no Alimentar a alma, podemos Brasil colônias de férias dotadas de insta- entender, é o resultado de experiên- lações próprias, e o SESC Bertioga serviu cias que movimentam internamente como modelo para a criação de centenas nossos conhecimentos, valores, crenças, de equipamentos similares em todo o sentimentos. Em outras palavras, é a arti- país. Seu maior mérito, entretanto, foi culação de mente e corpo que se fazem o de inserir no cotidiano dos trabalha- inquietos diante do novo. dores a questão do tempo livre e do lazer O novo, no contexto do Programa de de férias numa época em que poucos se Turismo Social, é apresentado a partir davam conta de sua importância para o de vivências que oferecem aos partici- bem-estar e o desenvolvimento social e pantes a possibilidade de desenvolvimento cultural do indivíduo. Apenas 3 anos mais de suas habilidades intelectuais e físicas, tarde, o SESC São Paulo deu início à sua de aquisição de conhecimentos e de inte- programação de excursões rodoviárias. ração entre os indivíduos, sempre por Atualmente, também integram o meio da oferta de produtos e serviços conjunto de atividades de Turismo Social, acessíveis ao seu poder aquisitivo ou adap- oficinas, bate-papos, mostras e outras tados a possíveis necessidades especiais ações desenvolvidas que não envolvem do público. Tais vivências são planejadas deslocamento físico, mas que possuam a partir do foco no objetivo da atividade as viagens e turismo como tema, propor- (e não somente no destino) e no desenvol- cionando uma maior compreensão do ato vimento operacional ético e sustentável de viajar, assim como de seus impactos e destinadas a tornar o movimento turís- positivos e negativos e da necessidade do tico acessível ao maior número de pessoas desenvolvimento de uma relação harmo- possível. Por isso, para o SESC-SP, o niosa com o local e a população visitados. turismo social é entendido como uma A Gerência de Programas atividade inclusiva, pressuposta como Dia Mundial do Turismo 2010 Socioeducativos do plural, democrática e transformadora. Desde 2006, as unidades do SESC-SP SESC-SP responde pelas áreas O desenvolvimento de suas ações oferecem ao público programações come- de Diversidade Cultural, vem se pautando nas últimas décadas a morativas ao Dia Mundial do Turismo, Educação Infanto- partir do aperfeiçoamento da ação socio- anualmente celebrado pela Organização Juvenil, Educação para a Sustentabilidade e cultural no SESC-SP, praticada por meio Mundial do Turismo (OMT, agência das Turismo Social. de diversas linguagens. A primeira ação Nações Unidas para o Turismo), no dia 27

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 5 artigo

Ilustração Rodrigo Cunha

de setembro. A cada ano um tema é esco- internacional do qual o Brasil foi o lhido para orientar internacionalmente as primeiro país a ratificar. A CDB tem como comemorações, sempre de forma a cola- pilares a conservação da diversidade borar para o alcance dos Objetivos do biológica, a utilização sustentável de Milênio, estabelecidos pela ONU em 2000 seus componentes e a repartição justa e como prioritários para a superação do que equitativa dos benefícios derivados do uso são considerados os principais dos recursos genéticos. problemas mundiais. Com a declaração que estabelece o ano Em 2010, a OMT sugeriu que as de 2010 como o Ano Internacional da comemorações buscassem a elevação Biodiversidade, a questão da conservação da consciência da relação entre do patrimônio natural tem ganhado desenvolvimento turístico, conservação projeção e passado por uma intensificação da biodiversidade e redução da pobreza, de ações. a partir da reflexão sobre a viabilidade de No SESC-SP, o assunto entrou na pauta um turismo sustentável, caracterizado por das ações comemorativas ao Dia Mundial sua capacidade de não apenas minimizar o do Turismo 2010 a partir do tema “Viagens impacto negativo sobre os ambientes, mas na minha terra – turismo e sociobio- também impulsionar ações de suporte diversidade”. As Unidades do SESC-SP à salvaguarda do patrimônio natural e desenvolverão ações, de 17 de setembro geração de riqueza para as populações a 3 de outubro, que busquem provocar a envolvidas na atividade. atenção do público para o universo das Pensar a manutenção da biodiversidade viagens e dos viajantes, tendo sempre faz sentido especialmente no Brasil, uma como referência sua relação com o patri- vez que é considerado um dos países com mônio natural dos destinos turísticos e, a maior diversidade biológica do mundo. especificamente, o papel do turismo como As diretrizes que orientam o tema foram possível agente de conservação da socio- definidas na Convenção sobre Diversidade biodiversidade, além de ajudá-los a refletir Biológica (CDB), durante a Conferência sobre a inclusão da perspectiva humana das Nações Unidas sobre Meio Ambiente no ambiente natural e as relações socio- e Desenvolvimento (Rio 92), um acordo culturais ali inseridas.

6 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Por sociobiodiversidade, o Programa de que entre ambiente e comunidade se Turismo Social do SESC-SP entende um interrelacionam outros sujeitos, que conceito ampliado com relação à simples produzem interferência sobre o lugar bibliografia diversidade de espécies, propondo que a e a paisagem. São eles o poder público, diversidade biológica não esteja desconec- os operadores de viagens e os viajantes → DIEGUES, Antonio Carlos tada da diversidade cultural, assim como que ativam a cadeia turística, formada Sant’ana. Sociobiodiversidade. a natureza não esteja apartada da cultura. por grande variedade de atores que In: Encontros e Caminhos: formaçao de educadores Isso porque há de se considerar que a propulsionam a economia do turismo. ambientais e coletivos participação humana nos ambientes natu- Em número crescente, esses viajantes educadores. Brasília: Ministério rais é antiga e extensa, produzindo uma refletem respostas da sociedade do Meio ambiente, 2005. p.309. relação de apropriação material e simbó- contemporânea urbana ao cenário de → DIEGUES, Antonio Carlos lica das populações tradicionais com distanciamento físico e afetivo do mundo Sant´ana. O mito moderno da relação ao natural – expressa nos variados natural. A busca por vezes idealizada natureza intocada. São Paulo: tipos de manejo, que passam a caracte- de ambiente integralmente selvagem, Hucitec, 3ª edição, 2001. rizar determinada riqueza biológica e desabitado e preservado, caracterizam um → IRVING, Marta. Ecoturismo em identidade cultural. Dessa forma, como fenômeno social impulsionado pelo “mito áreas protegidas: da natureza ao propõe Diegues (p. 309, 2005), a “biodi- moderno da natureza intocada” (Diegues, fenômeno social. In: Pelas trilhas versidade é também fruto da cultura 1996), revelando um contraponto entre o do ecoturismo. São Carlos: RiMa, enquanto conhecimento que permite que se busca – e aqui há de se observar 2008. p.3 as populações tradicionais entendê-la, a existência de um mercado mediador → SANSOLO, Davis Gruber. representá-la mentalmente, manuseá-la, de sonhos e experiências e criador Turismo – aproveitamento da biodiversidade para a transferir espécies de um lugar para outro de demandas – e o que efetivamente sustentabilidade. In: Turismo: o e frequentemente, adensá-la, enrique- se configura como destino turístico. desafio da sustentabilidade. São cendo-a local e regionalmente”. Segundo Irving (p. 3, 2008), essas buscas Paulo: Futura, 2002.p.69. Este conceito é dado como ponto de “atendem aos sonhos dos imaginários → SESC-SP. Turismo Social no partida para as atividades comemorativas urbanos, que ressignificam SESC-SP. Turismo para Todos. São ao Dia Mundial do Turismo no SESC-SP, e transformam os recursos renováveis Paulo: SESC-SP, 2007. que buscam estimular a criticidade em sonhos de consumo contemporâneos”. sobre o turismo em áreas naturais Por isso a necessidade de trabalhar considerando o contexto social e cultural cuidadosamente com o viajante, da em que se inserem. preparação ao retorno da viagem, na Ao refletir que as dimensões ambien- perspectiva de satisfação pessoal e no tais, humanas, sociais, culturais e estímulo à adoção de sua postura como econômicas se imbricam, perfazendo agente de conservação socioambiental. um todo, a atividade turística dever ser No SESC-SP, essa forma de pensada também em sua totalidade. O planejamento realiza-se por meio ponto de partida para a preparação do da animação sociocultural aplicada destino deve sempre ser o planejamento ao turismo. Significa não apenas turístico consolidado que, para o caminho tornar transmissível um conjunto de da sustentabilidade, há de ser participa- ensinamentos, mas propiciar uma série tivo e inclusivo. Neste ponto, o turismo de vivências e contatos significativos. de base comunitária apresenta-se como Implica estimular aptidões e habilidades uma das formas de realização desse tipo por meio da interação entre pessoas, do de planejamento, ao atribuir à comuni- contato com ideias novas, da aproximação dade a decisão de se ter ou não a atividade com realidades diversas. Trata-se de um turística como mobilizadora da economia vasto processo educativo em andamento, local. É ela, portanto, o principal agente fundamentado na informalidade, na livre responsável pelo planejamento e gestão do escolha e na valorização da criatividade. turismo, desenvolvendo os serviços rela- Assim, contemplados viajantes, cionados e se beneficiando da atividade comunidades e ambientes e especialmente como geradora de renda e promotora de a harmoniosa interrelação entre eles, desenvolvimento econômico e social. pode-se seguir a passos mais seguros Relacionar turismo e sociobiodi- em direção a um possível caminho de versidade é, também, compreender sustentabilidade no turismo. ⌺

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 7 reportagem especial

Flavita Valsani rota dos desco brimentos

Turista observa a paisagem no Rio de Janeiro, um dos destinos mais visitados no país

8 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 rota dos

desco brimentostexto: Carina Flosi

Muito além da correria e da mecanização de roteiros comerciais, a experiência do turismo pode ser encarada como uma atividade sensível, pedagógica e transformadora

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 9 reportagem especial

quem recebe quanto para quem visita. brasileiro já está fazendo sua lição de E são guiados por novos caminhos casa. “O nosso turista já viaja cons- que fomentem o desenvolvimento ciente de que suas escolhas contri- erta vez, durante uma socialmente justo, ambientalmente buem para a conservação do ambiente, Cviagem a Cubatão (SP), no início dos responsável e economicamente vi- de sua qualidade de vida e das pessos. anos 1970, uma tempestade de chuva ável e equilibrado, favorecendo a ge- A partir da premissa de que é neces- ácida atingiu a cabeça do fotógrafo ração de trabalho, renda e melhoria sário conhecer para preservar, ele já Araquém Alcântara. Seu corpo foi to- da qualidade de vida nos destinos demonstra ter noções de sua respon- mado pela poluição líquida. Enquanto turísticos. Em 2010, o Dia Mundial sabilidade ambiental”, avalia. corria para se abrigar, percebeu que do Turismo aborda o tema turismo Em sua opinião, nos momentos aquela poluição afetava as crianças – e biodiversidade – proposta que, no de lazer o turista deve experimentar, frequentemente vítimas de má for- SESC-SP, foi ampliada para turismo e junto com a sensação de bem-estar, re- mação de órgãos como o cérebro já no sociobiodiversidade. laxamento e liberdade, além do reco- nascimento – e que a desgraça atingia, Conforme lembra Danilo Santos de nhecimento do seu papel como agente sobretudo, a comunidade local e mi- Miranda, diretor regional do SESC- contribuidor para a conservação do serável. Ali, naquela terra arrasada, o SP o turismo é visto como um meio meio ambiente, do relacionamento viajante deu seus primeiros passos na de educação não-formal, e o turista saudável com a natureza, com as co- compreensão do que era sustentabili- munidades e com a cultura dos des- dade. Percebeu que as vidas dependem tinos turísticos visitados. de uma terra sadia e que não há terra Essas novas preocupações sobre o sadia sem bem-estar social. turismo nacional vão sendo dissemi- A vivência que o fotógrafo viajante nadas em políticas públicas por meio e sua lente registraram ele nunca mais da Plataforma Global para o Turismo esqueceu. “Aquele que mergulha na Sustentável do Ministério do Meio viagem do ver tem que estar sempre Ambiente, vinculada à comissão de com as portas da percepção abertas. Desenvolvimento Sustentável das Na- Sabe que, diante do eterno, precisa es- ções Unidas e sob a coordenação exe- quecer de si próprio. A criação é o que cutiva do Programa das Nações Unidas importa, gesto fundamental, caminho para o Meio Ambiente. de conhecimento, poderosa arma de O objetivo estratégico do minis- encontrar o mundo. A prática sempre tério é propor a adoção de uma política renovada de contemplar humaniza a de sustentabilidade ambiental para o visão, anula verdades, permite a in- setor do turismo, promover o ecotu- ventividade e realça o eu interior”, de- rismo como atividade que valoriza e fine Alcântara. conserva espaços naturais, com par- São essas experiências transforma- tilha justa dos benefícios resultantes, doras que as viagens proporcionam e aprimorar os instrumentos – in- que instigam, no Brasil, uma nova ca- Nos momentos clusive os legais – de planejamento, deia de desenvolvimento de roteiros de lazer o turista controle, educação e fomento para o conscientes, rotas que valorizam experimenta junto com turismo sustentável. o modo de vida e a relação entre o Pelo menos 20 países já integram homem e o seu meio. a sensação de bem-estar, o grupo de discussão sobre a ativi- O novo conceito que ganha di- relaxamento e liberdade, dade e estão engajados na implemen- mensão nacional é fazer com que os o reconhecimento do tação da plataforma. No Brasil, além turistas sintam-se acolhidos e, de al- seu papel como agente do governo participam mais outras 20 guma maneira, vinculados ao destino. instituições e ONGs da área de meio A intenção é que eles não sejam vistos contribuidor para a ambiente e do setor de turismo. “O tu- simplesmente como pessoas que vem conservação do meio e rismo avança na busca pela melhoria e passam por atrações estáticas, mo- trava um contato saudável de sua sustentabilidade. Isso implica numentos diversos. Eles vivem uma com a cultura local um progresso em direção à adoção dos história, criam laços com o destino princípios do desenvolvimento sus- escolhido e fazem com que o turismo tentável”, explica Allan Milhomens, seja de maior qualidade tanto para coordenador-geral do Programa de

10 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Robert Flaum/stock.xchng

As cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, no Paraná, que atrai turistas do mundo inteiro

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 11 reportagem especial

O turismo é uma das mais viáveis alternativas para a promoção do desenvolvimento sustentável e pode contribuir para a conservação ambiental

No Brasil, não importa muito o rumo, o roteiro, é uma questão de experimentar, de se deixar sair da rotina, do óbvio. Nem precisa ser um lugar excepcional, cênico

Apoio ao Desenvolvimento do Ecotu- que estudam os efeitos do contato di- rismo e à Sustentabilidade Ambiental reto do turista com o meio desconhe- (Proecotur), vinculado ao Ministério cido afirmam que essa é uma forma do Meio Ambiente. atraente de proteger o ambiente na- Isso implica manter, valorizar e tural e ao mesmo tempo aliviar o se- proteger os recursos, as paisagens na- dentarismo e o estresse humano é turais e sua diversidade biológica, que recolocar ambos em contato direto. são a base essencial para o desenvol- “Assim, o prazer proporcionado pela vimento sustentável do turismo, con- convivência, onde o respeito e a pre- tribuindo para a sua manutenção em servação são fatores fundamentais longo prazo. “Por essa via, o turismo para a própria existência de ambos, é potencialmente uma das mais viá- faz com que o homem, faça suas es- veis alternativas para a promoção do colhas de vida baseado na situação em desenvolvimento sustentável, e, desse que se encontra”, reflete a cientista so- modo, pode contribuir positivamente cial Wanda Maldonado, diretora da para a conservação ambiental. Na me- Fundação Florestal. dida em que utiliza de maneira res- No entanto, os estudiosos apontam ponsável o patrimônio natural como que, quando se trata de sustentabili- matéria-prima do produto turístico, dade no turismo, todas as ações têm o turismo favorece o ordenamento de necessidade de ponderar causa e efeito usos e espaços territoriais onde a ati- de cada passo executado em um ro- vidade se desenvolve”, acrescenta ele. teiro, numa avaliação e reavaliação constante de suas práticas, conduzindo Pressão positiva para mudanças de atitudes e valores Na formação do viajante, o turismo é do viajante. “A função fundamental do um importante vetor para sensibilizar turismo é a promoção da dupla trans- o turista sobre as questões que afetam formação entre o turista e o morador o meio ambiente e a qualidade de vida local. Assim, quando o turismo agrega das pessoas. “Turistas conscientes de- a cultura local, a comunidade percebe mandam produtos e serviços turís- a sua cultura valorizada pelo outro. ticos sustentáveis, e, portanto, atuam E, em geral, o visitante está aberto a como força de pressão capaz de im- essa experiência, ele absorve um novo pulsionar essa oferta de produtos e modo de vida”, avalia a cientista. serviços turísticos sustentáveis, o que Nas palavras de André Luís Soares, certamente induzirá a cadeia produ- diretor de Pesquisa e Desenvolvimento tiva do turismo a oferecer produtos do Ecocentro Ipec (Instituto de Per- e serviços compatíveis com os inte- macultura e Ecovilas do Cerrado), o resses de consumo dessa demanda”, turismo é um complemento às ativi- argumenta Milhomens, do Proecotur. dades de educação e formação. “Além Especialistas de diferentes áreas de trazer uma nova oportunidade

12 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Christian Knepper/Embratur/Banco de Imagens do Ministério do Turismo

de renda para a comunidade e para a região, ele ajuda a complementar a missão de informar, educar e trazer o turista para contribuir com o cui- dado e com a restauração do ambiente em que vivemos. Então esse turismo não é apenas uma visita a um lugar bonito ou a um atrativo interessante, mas também uma interação positiva que contribui para o turista e para a comunidade”, defende. O objetivo é que a cada visitação o turista se torne um cidadão mais consciente porque percebe que é possível preservar e re- aproveitar os recursos naturais. Para a cientista social, mestre em ci- ência ambiental e professora da Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) Andréa Rabinovici, o turismo, pelo fato de promover encontros entre pes- soas, culturas e localidades diferentes, Christian Knepper/Embratur/Banco de Imagens do Ministério do Turismo tem um rico potencial transformador. “No Brasil, não importa muito o rumo, o roteiro, é uma questão de experi- mentar, de se deixar sair da rotina, do óbvio. Nem precisa ser um lugar ex- cepcional, de vista cênica. Conhecer e conviver um pouco o Brasil em sua enorme diversidade ambiental e cul- tural, a rotina dos brasileiros, sua arte, seus trabalhos, seus problemas e de- safios e os ambientes naturais que possuímos e que são pouquíssimo co- nhecidos deveria ser uma experiência obrigatória, tal como um estágio, um intercâmbio prolongado com nossa sociobiodiversidade. Não tem como ficar igual, sair apático e conformado com nossas diferentes realidades, no que elas têm de belo e de desafiador. Viajar é isso, só falta a indústria turís- tica entender para todos saírem ga- nhando”, resume.

No alto, vista noturna do horizonte paulistano a partir de um de seus cartões-postais, o Edifício Itália; ao lado, panorama de Florianópolis (SC) a partir do Morro da Cruz, com 450 m de altitude

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 13 A conscientização apenas acontece quando os turistas reportagem especial e as comunidades se comprometem com mudanças no modo de pensar

David Rego Jr./ Banco de Imagens do Ministério do Turismo

Artesanato em Manaus, no Amazonas; peças são influenciadas pela cultura indígena e feitas a partir de sementes, madeira, fibras vegetais etc.

“Se todos os atores sociais en- o turismo de base comunitária até o e que está presa à lógica capitalista volvidos com a atividade turística convencional, os planejadores e opera- em sua forma, mas que tem a troca estiverem preocupados com a trans- dores devem dar maior espaço às ex- não comercial e a busca de conhecer formação dos indivíduos e da so- periências pessoais de contato com a o diverso, como pressuposto. Sendo ciedade, os planejadores turísticos natureza e entre as pessoas ao mesmo criativo e livre, esse turismo é pos- poderão, nos roteiros, dar mais es- tempo em que busquem promover sível de ser aplicado e passa a ser viável paço aos encontros entre visitantes e provocar estes encontros através para todos os grupos e classes sociais”, e visitados, ao compartilhamento de de vivências e atividades dirigidas – avalia a especialista. suas rotinas e afazeres cotidianos, não se trata, portanto, de condenar a Para César Haag, coordenador de sem centrar as visitas nos atrativos priori o turismo convencional, mas socioeconomia do Programa Ama- turísticos mais comuns, que muitas de buscar continuamente aperfeiçoá- zônia, da Conservação Internacional, vezes não significam nada para as pes- lo para tornar a sua experiência mais somente por meio da compreensão da soas das localidades. Podem também e mais interessante e marcante. importância da biodiversidade local chamar a atenção aos caminhos per- “Isso se faz com criatividade, origi- acontecem viagens responsáveis, que corridos, e não somente nos atrativos nalidade e sensibilidade, sempre acei- promovem a conservação da natu- destacados, interpretando os múltiplos tando os riscos e desafios que uma reza ao mesmo tempo que fomentam significados de cada aspecto cultural proposta inovadora pode promover. o bem-estar da população local. que seja desconhecido aos visitantes”, O ideal é sair da padronização e das “A conscientização apenas acon- completa Andréa Rabinovici. armadilhas de uma prática extrema- tece quando os turistas e as comuni- Na opinião dela, em qualquer seg- mente comercial, tida como uma das dades descobrem que podem assumir mento da atividade turística, desde grandes indústrias contemporâneas com comprometimento mudanças no

14 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 O Brasil tem 15 das 400 maiores cidades do mundo, com população superior a 1 milhão de habitantes. A Grande São Paulo é a quinta colocada, e o inchaço reflete no ritmo de vida.

David Rego Jr./ Banco de Imagens do Ministério do Turismo

Tucano em Miranda (MS), no Pantanal, que possui 250 mil km2 e é considerado pela Unesco Patrimônio Natural Mundial e Reserva da Biosfera

modo de pensar”, diz. A Conservação Iguape-Cananéia-Paranaguá, conhe- à questão ambiental através de um Internacional-Brasil trabalha direta- cido como Lagamar, um dos primeiros contato intenso com a natureza, da- mente com as comunidades que ha- pólos ecoturísticos do Brasil. O pro- queles que mexem e desviam-nos dos bitam regiões de alta biodiversidade, jeto possibilita às comunidades cai- nossos rumos”. ajudando a identificar e a desenvolver çaras o exercício de suas atividades atividades econômicas que não de- dentro dos padrões culturais estabe- Benefícios mútuos gradem o meio ambiente, nem no lecidos historicamente. Na partilha justa dos benefícios curto nem no longo prazo. Pesquisa realizada por Zysman oriundos da atividade turística, como “O turismo é uma atividade que Neiman, professor da Ufscar e autor preconiza o Ministério do Meio Am- surgiu como opção econômica para de uma tese sobre educação ambiental biente, as comunidades visitadas a região, e também como ferramenta através do contato com a natureza, de- também devem sair ganhando. para aliar o desenvolvimento regional senvolvida ao longo de 12 anos entre No Ceará, a ONG Fundação Casa à proteção ambiental. Não apenas o visitantes do Petar (Parque Estadual Grande - Memorial do Homem Ka- turismo de veraneio, mas uma ativi- Turístico do Alto Ribeira), mostra que riri, premiada pela Unicef e pelo Mi- dade turística organizada e susten- todos passaram, de alguma forma, por nistério da Cultura, desde 1992 atua na tável, que utiliza o patrimônio natural experiências transformadoras nos formação de crianças e jovens protago- e cultural em benefício da comuni- seus contatos com ambientes e cul- nistas em gestão cultural por meio de dade local”, acrescenta Mario Manto- turas conservados. “O contato com a seus programas de memória, comu- vani, diretor de políticas públicas da natureza é efetivo em gerar atitudes nicação, artes e turismo. Este último Fundação Mata Atlântica, que mantém e motivações ambientalistas. Muitos surgiu da necessidade de sistematizar no Complexo Estuarino Lagunar de desses educadores foram apresentados ações para potencializar ganhos com

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 15 reportagem especial

Alfonso Abraaham/Banco de Imagens do Ministério do Turismo

Frequentadores de parque em , no

o crescente fluxo de turistas que vão em prol do desenvolvimento mútuo. Uma das mais famosas de Bonito, o anualmente conhecer de perto a ex- A preocupação ambiental é marcante Abismo Anhumas, a 23 quilômetros periência da fundação. “Já recebemos em todos os passeios, a maior parte do centro, é um exemplo de acesso mais de 30 mil visitas, nove vezes a realizada em fazendas particulares. controlado. Por dia, apenas 22 pessoas população urbana da cidade de Nova Na década de 1990, os fazendeiros podem conhecer o paredão rochoso Olinda [onde se concentra o projeto], perceberam que, além de criar gado, de 72 metros localizado numa fenda numa intensa troca de experiências. poderiam ganhar dinheiro com a ex- no meio da mata. Preserva-se, assim, Os turistas aprendem com as crianças, ploração das belezas naturais de suas o patrimônio natural da região, que pesquisam em nossas salas de estudos terras. Assim, adquiriram licença am- ao mesmo tempo perpetua a riqueza e respiram um pouco de nossa cul- biental e passaram a investir em eco- e estimula a criação de uma cadeia de tura”, conta o coordenador da Fun- turismo – o que incluiu a capacitação valor que se estende das reservas aos dação Casa Grande, Aécio Diniz. dos guias, que passaram a disseminar monitores, agências, fazendas, hotéis, Nesse programa foram criadas as entre os turistas regras para manter restaurantes, etc. pousadas domiciliares, onde os hós- o equilíbrio ecológico de cada atração pedes ficam nas próprias residências visitada. Homem e ambiente dos meninos da Fundação. Com o re- Foram criadas também Reservas Segundo o professor da Ufscar Zysman forço financeiro, os pais puderam in- Particulares do Patrimônio Natural Neiman, a sociedade contemporânea vestir melhor na educação dos filhos, (RPPNs), nas quais são realizados em geral é carente do contato direto tornando-se parceiros e defensores planos de manejo e de monitoramento, com a natureza. “O alerta para a pro- do projeto. além de ações de proteção do ecossis- vável escassez dos bens naturais des- Bonito (MS) é outro exemplo inte- tema. Praticamente todas as atrações pertou os indivíduos adormecidos às ressante de como conciliar interesses limitam o número diário de visitantes. questões ambientais, que mais que

16 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Christian Knepper/Embratur/Banco de Imagens do Ministério do Turismo depressa se viram motivados para co- nhecer esses atrativos antes que eles se esgotem. Isso transformou as pai- sagens e seres em ‘produtos’ e atraiu mercados”, postula. Nesse sentido, o ecoturismo e o tu- rismo de base comunitária funcionam como instrumento possível de apro- ximação entre o ser humano e o meio ambiente natural, auxiliando uma aprendizagem através da experiência e a promoção da busca de reformula- ções para os aspectos indesejáveis da vida cotidiana. “A situação de contato pode ser aproveitada para incorporar a impor- tância da conservação da natureza, de forma agradável e devidamente con- textualizada”, completa Rabinovici. “O ambiente natural deixa de ter apenas valor utilitário ou comercial e passa a ter valor existencial. Da mesma ma- neira, o semelhante deixa de ser exó- tico e volta a ser humano: o espaço das diferenças não mais afasta, torna-se um espaço de aprendizagem.” O turismo tem então o potencial de se transformar, nessa dimensão, uma profunda e instigante aventura. Edu- cativa e transformadora. ⌺

O ecoturismo e o turismo de base comunitária funcionam como instrumentos de aproximação entre seres humanos e deles com o meio ambiente selvagem

O Pelourinho, em Salvador, tombado como Patrimônio Mundial pela Unesco

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 17 intervenção

Ribeirinhos cromo, 35 mm, cor

Araquém Alcântara 59, fotógrafo catarinense especializado em registrar a biodiversidade brasileira

Crianças da comunidade ribeirinha de Caicubi, na região da Cabeça do Cachorro, no Estado do Amazonas, brincam entre enormes troncos de árvores. Imagem integra o imenso acervo do fotógrafo Araquém Alcântara, que desde os anos 1970 capta a riqueza da biodiversidade brasileira e já expôs o seu trabalho em revistas e museus de todo o mundo perfil

nas metrópoles. “A Amazônia é a minha Lente da natureza matriz criativa, onde eu não me canso de cantar. Ali está todo o mistério, a grande texto: Carina Flosi maravilha da criação, mas o país ainda não entendeu isso. Muitas vezes me de- paro com o horror, cenários desconcer- tantes. O que mais me impressiona é a triste desolação das carvoarias vomi- tando cortinas de fumaça, essa política ambiental ligada à corrupção, madei- reiros ilegais que comandam um Es- Mais de 300 mil quilômetros depois, entre idas e vindas a santuários tado paralelo. A minha busca sempre foi naturais, o fotógrafo Araquém Alcântara mantém sua paixão pela a de seduzir pela beleza, mas, ao ver qua- dros desoladores, chegou um momento árdua tarefa de registrar cenas da natureza. Autodidata, desde os em que percebi que tinha de mudar o 19 anos tinha “vontade intensa” de “encontrar o mundo” e viver tom”, conta. em sintonia com o desconhecido. Justamente nessa época, quando Por isso, na ótica do fotógrafo, a arte Divulgação de fotografar a natureza deve começar trabalhava como repórter em um com o mote da salvação. “Acredito que, jornal de Santos, no litoral paulista, se a voz da floresta fosse ouvida, ela de- descobriu a fotografia. “Estava tudo moraria menos tempo para ser salva. tranquilo, mas tinha um alvoroço Não quero só fazer belezas, mas mos- dentro de mim e eu nem sabia. O dia trar a urgente necessidade de preservar em que tirei minhas primeiras fotos a natureza do país. Por que estamos des- passei a me sentir parte do universo.” truindo um dos maiores laboratórios e Hoje, aos 59 anos e com 40 de car- científicos da nossa civilização?” reira, o fotógrafo é considerado o pio- Com essa ideologia, a fotografia de neiro na documentação ambiental Araquém não se prende a bichos e pai- contemporânea. “Minha fotografia é sagens e revela o brasileiro como verda- engajada e busca transformação de deiro dono da terra. “São nesses sertões forma humanista. O fotógrafo de na- que eu ando que encontro o centro da tureza celebra a vida e o eterno, é um ecologia brasileira, pessoas sábias, amo- anjo da guarda de santuários, um con- rosas, inocentes, que ainda não foram servacionista que luta e atua pela de- impregnadas pelo veneno da urbani- fesa do espaço com a sua fotografia.” zação”, descreve. Araquém nunca teve professores. O autodidata, contudo, tornou-se O fotógrafo Araquém Alcântara Capim Dourado um. “Hoje dou aulas para diminuir o Uma das experiências que Araquém cita tempo da busca pela fotografia, para como bom exemplo de sustentabilidade que os jovens profissionais estejam, de no Brasil foi a que encontrou na comu- alguma forma, prontos para a foto. Na nidade de Mumbuca, no Jalapão (TO), mata você tem que virar bicho. Caso que produz peças de artesanato – hoje contrário, não fotografa nada. Ensino queria para uma foto perfeita. “O sa- inclusive consideradas artigo de expor- que o equipamento tem de ser uma crifício é constante. De repente você tação – com o capim dourado. extensão dos olhos.” chega em um lugar depois de muita Com parca infraestrutura, a comu- Em suas mais de 70 viagens para a luta e chove torrencialmente. Sinte- nidade transformou sua realidade com Amazônia, paciência, perseverança e tizar essa complexidade da natureza é o capim dourado. Ele é usado para fazer capacidade de contemplação estiveram um constante desafio. Não é uma fo- bolsas, vasos, fruteiras e diversas outras ao lado das câmeras e equipamentos tografia fácil de fazer, mas está muito peças. “O que aconteceu no Jalapão é o e foram determinantes para Araquém ligada a um grande prazer”, sintetiza. que sempre canto, celebro e divulgo. É desvendar segredos das matas. Muitas Incansável, Araquém gosta de per- a causa certa e correta da sustentabili- vezes ele esperou horas, e até dias, até correr lugares virgens, onde ninguém dade, usar os benefícios com simplici- que a natureza entregasse a luz que ele pisou, para despertar conscientização dade e criatividade”, completa Araquém. ⌺

20 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 notas

Wanderlei Celestino/Banco de Imagens do Ministério do Turismo

Capital sedia lei de unidades fórum GLOBAL de conservação sobre turismo fAz 10 anos São Paulo será sede do A lei do Sistema Nacional próximo fórum pro- de Unidades de Conserva- movido pela Associação ção (SNUC) completou em Mundial para a Forma- julho 10 anos. ção em Turismo e Hotela- Nessa década, o meca- ria, AMFORHT. O evento, nismo contribuiu para que será realizado entre os a preservação, gerencia- dias 22 e 24 de setembro mento e organização das de 2010, visa promover a áreas naturais protegidas discussão de idéias e ten- do país, segundo avaliam dências, o intercâmbio de a ONG WWF e especia- experiências e a integra- listas. Uma das inova- ção entre instituições que ções mais relevantes foi a se dedicam à formação na introdução de um meca- área de turismo. nismo segundo o qual o Nesta edição, o tema do poder público deve con- evento será “Turismo de sultar a sociedade civil, Experiência e Formação especialmente a população Profissional”. local, antes de criar uma Informações: www1.sp.senac.br/hot unidade de conservação. Memorial da América Latina, ponto turístico e cultural em São Paulo sites/gd3/amforht/2010/home.htm. Além disso, a lei esta- beleceu penalidades aos bertioGA debate infratores e reconheceu nova unidade reservas particulares ofi- de conservação cialmente estabelecidas. arrecadação de impostos com As unidades de conser- Está prevista para este vação podem ser divididas turismo cresce 30% em são paulo mês de outubro a sexta em dois grandes grupos: A economia do turismo realizado pela prefeitura reunião em Bertioga para as de Proteção Integral, na cidade de São Paulo foi o resultado da pesquisa apresentar e discutir que têm por fim preservar cresceu quase 30% no com 150 hotéis paulis- as propostas de criação a natureza e têm regras primeiro semestre de 2010 tanos. A taxa de ocupação do “Parque Estadual mais restritas, e as de em relação a igual período média no primeiro Restinga de Bertioga”. Se Uso Sustentável, que bus- do ano anterior. Os dados semestre de 2010 foi de criada, a nova unidade cam conciliar conservação são do Observatório do 66,33%, incremento de de conservação ficará com exploração racional Turismo da Cidade de São 13,65% sobre o resultado sob responsabilidade da e sustentável de parte dos Paulo, núcleo de estudos apurado em 2009. Fundação Florestal. recursos naturais. e pesquisas da São Paulo Segundo o estudo, o Turismo (SPTuris). No aumento da taxa média de período, a arrecadação do ocupação nos hotéis não Imposto Sobre Serviços foi resultado de diárias (ISS) com a atividade mais baratas. O valor Na internet somou R$ 76,3 milhões, médio atingiu R$ 201,14 Ministério do Turismo: www.turismo.gov.br número recorde. no primeiro semestre de Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br Outro dado signifi- 2010, 2,07% a mais do que Embratur: www.embratur.gov.br cativo do levantamento o registrado em 2009. Instituto Ecobrasil: www.ecobrasil.org.br

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 21 entrevista

marta irving, pesquisadora do Eicos (Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento da ufrj

“Ainda se discute muito o número de turistas e pouco a qualidade do turismo”

texto: Carina Flosi

Marco Fernandes/CoordCOM-UFRJ Programa Eicos (Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e “Se o brasileiro não conhece o pró- Ecologia Social), na UFRJ, diz estar prio país, como ele vai ter sensibili- otimista, pois enxerga muito poten- dade para querer um país diferente?”. cial em “ações isoladas”. É com esse questionamento que Ela aponta, a seguir, caminhos e Marta de Azevedo Irving, especia- oportunidades para o desenvolvi- lista em desenvolvimento vinculado mento do turismo sustentável e res- às relações sociedade-natureza, in- ponsável no Brasil. clusão social e governança democrá- tica, apresenta, nesta entrevista, sua sesc Em sua opinião, o turismo, para avaliação de que, no Brasil, o con- ser sustentável, tem de ter baixo im- ceito de turismo sustentável já está pacto ambiental, ter base na demanda bem difundido, mas ainda no plano local e trazer benefícios para a po- do discurso. pulação do entorno. Esse turismo já Para ela, essa noção ainda não é existe no Brasil? aplicada em políticas públicas, e a Marta Irving O turismo, interpre- população ainda não incorporou a tado como a atividade econômica que necessidade de promover e parti- A professora Marta Irving no Rio de Janeiro mais cresce no mundo, passa gradual- cipar de um turismo nacional sus- mente a incorporar novos olhares de tentável. No entanto, a professora do planejamento como resultado de seu

22 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Nadia Arai/stock.xchng

A Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS), é apontada como um exemplo de turismo sustentável – a entrada de visitantes na atração é controlada

potencial gerador de emprego e renda, Praticar turismo de A sustentabilidade no turismo de- aporte de benefícios econômicos, so- pende de uma concepção estratégica ciais e ambientais e mecanismo para base sustentável requer e duradoura de desenvolvimento, inclusão e transformação social. um novo olhar sobre apoiada na interpretação interdis- No entanto, de maneira geral, no os problemas sociais, a ciplinar e integral da dinâmica re- Brasil as estatísticas do turismo e o diversidade cultural e a gional, resultado de uma sinergia discurso oficial frequentemente -ex mutante, apoiada na noção de espaço pressam concepções idealizadas dos dinâmica ambiental dos material e imaterial, lugar concreto e benefícios possíveis gerados pelo de- destinos abstrato, cenário de interações, con- senvolvimento turístico e tendem a flitos e transformações, ponto de con- mascarar ou minimizar os impactos tato simbólico entre local e global. socioambientais e culturais decor- rentes desse processo. Quais as expectativas futuras para o Para mim, promover e praticar tu- desenvolvimento do turismo susten- rismo de base sustentável requer, sim, tável no Brasil? um novo olhar sobre os problemas so- Acredito que a diversidade bio- ciais, a diversidade cultural e a dinâ- lógica não se limita ao mundo das mica ambiental dos destinos. É preciso plantas e animais, inclui também a que o mercado esteja atento às pecu- diversidade cultural humana. A di- liaridades locais e às especificidades versidade de culturas se manifesta dos destinos turísticos e não se preo- em diferentes línguas, religiões, arte, cupe apenas com o turismo de massa. música, tipos de manejo da terra,

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 23 entrevista

estruturas sociais, dieta e seleção de O brasileiro ainda não discute muito, mas falha na hora de cultivos, entre outras coisas. tem consciência do Brasil aplicar e mensurar os resultados do No Brasil, ainda não é possível que está acontecendo. mensurar os resultados dos projetos como dele. No Sudeste, a de turismo sustentável ou de base co- gente fala da Amazônia Por que isso acontece? munitária, pois ainda não há critérios como um Brasil distante. O grande problema é que nunca ou uma padronização estabelecida. O Por isso que enfatizo: ninguém avaliou os retornos do que que vemos são ações isoladas e alguns está sendo feito de maneira sistemá- tipos de iniciativas inovadoras, mas no discurso até que tica. Falta avaliação para que as li- ainda predomina o turismo massi- estamos indo bem, mas ções sejam aprendidas. Embora os ficado, de grande escala, dirigido so- a consciência ambiental dados sejam animadores, a médio e mente ao mercado. Ainda se discute ainda é muito pequena longo prazos são também incapazes muito o número de turistas e pouco de demonstrar a fragilidade do pro- a qualidade do turismo. Temos, sim, cesso e os ilimitados desafios a serem alguns exemplos que ilustram mo- vencidos. delos de desenvolvimento turístico Enfim, é tudo muito complexo, de base comunitária, influenciando pois as tendências são promissoras e o processo político e a ocupação do apontam para a revitalização, o for- território. talecimento progressivo e a conso- lidação do ecoturismo no Brasil em Você poderia citar um exemplo função da prioridade governamental bem-sucedido de turismo de base dada ao setor, de maneira geral, e comunitária? também em resposta aos desdo- Na região Nordeste, o exemplo da bramentos das discussões técnicas, Prainha do Canto Verde (leia mais acadêmicas e do setor privado. No à pág. 31), no Estado do Ceará, me- entanto, o ecoturismo no Brasil re- rece destaque. O local é habitado por presenta uma possibilidade ainda não uma comunidade tradicionalmente transformada em realidade. pesqueira, historicamente envol- vida em sérios conflitos fundiários Qual o potencial desse ecoturismo e pela posse da terra. A beleza natural quais benefícios ele poderia trazer ao da região, associada ao modelo do- país no futuro? minante de turismo de sol e praia Não será uma solução mágica para no Estado, acabou por atrair de ma- os problemas econômicos que o país neira agressiva a especulação imobi- enfrenta, mas poderá representar liária, e, consequentemente, os riscos uma oportunidade excepcional para de confronto e exclusão das popula- a conservação de recursos naturais, ções locais. para a mudança de comportamento A ação de formadores de opinião, do homem urbano diante da natu- com o apoio de entidades não-gover- reza, para o exercício democrático da namentais, iniciou então um pro- cidadania e para a melhoria de qua- cesso de sensibilização de lideranças lidade de vida no país, sendo respei- e captação de recursos. Como resul- tados valores éticos. tado, atualmente existe na comuni- dade um Conselho de Turismo que É possível então dizer que a socie- delibera sobre as questões de inte- dade brasileira está mais consciente e resse e uso coletivo da área para fins já reconhece os espaços protegidos de de turismo sustentável. biodiversidade como patrimônio pú- No entanto, nós ainda não sa- blico, ou ainda há um distanciamento bemos exatamente o resultado con- muito grande nesse sentido? creto dessa e de tantas outras ações Na parte dos articuladores e disseminadas pelo país. A gente agentes do turismo, eu chamaria a

24 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 atenção para uma recente iniciativa Precisamos de muita sustentável são essenciais para a do Ministério do Turismo que abriu vontade, de cabeças construção de novos paradigmas de edital para receber propostas de tu- desenvolvimento turístico envol- rismo de base comunitária. O re- abertas para mudanças, de vendo, além da capacitação das co- sultado foi surpreendente: mais de diferentes agentes sociais munidades locais, o investimento 600 projetos. No entanto, apesar da integrados, trabalhando nas potencialidades de uma região grande demanda, eles se apresen- em parceria para resolver e a discussão dos riscos e benefícios taram sem articulação estratégica, que o turismo pode trazer para um sem linhas de fomento estruturadas. e partilhar o turismo determinado destino. Além disso, Existe uma apropriação dos sustentável temas relacionados à educação, cul- termos “turismo comunitário” e “tu- tura e formas de organização social rismo sustentável” que veio sem pa- devem sempre estar incorporados à drão, critérios e questionamentos do discussão para que as comunidades envolvimento local da população. de destino possam se organizar e se Essa é uma demonstração fiel de qualificar para a gestão do turismo. como o turismo sustentável é visto Para concretizar os benefícios so- e vivido hoje no Brasil. Hoje, se eu ciais faz-se necessário um olhar mais disser “nós queremos transformar o atento às questões da participação da Brasil em uma experiência de susten- população no planejamento, na im- tabilidade”, o que teremos nas mãos plementação e no monitoramento será muito pouco e muito disperso. da atividade. Enfim, para que a pro- teção sustentável aconteça, as pessoas E como se dá a dinâmica entre tu- têm de entender o valor dessas áreas ristas e setor privado nesse sentido? O como patrimônio. brasileiro quer turismo sustentável, o mercado oferece opções? Como fomentar esse entendimento? O conhecimento ou está no âmbito O distanciamento entre o turista, da academia ou das gestões públicas, o trade e a população local precisa e o setor privado tem se preocupado acabar. Precisamos de muita vontade, mais em ganhar dinheiro com esta- de cabeças abertas para mudanças, tísticas do que com qualidade. Assim, de diferentes agentes sociais inte- quando falamos em conscientização grados, trabalhando em parceria para da sociedade, o que notamos é uma resolver e partilhar o turismo sus- pequena mudança de comporta- tentável. Com essa estratégia, a per- mento. Os pacotes ainda dominam cepção do turista e de seu papel na claramente, e a viagem ainda é muito seleção de destinos social e ambien- cara, só para as elites. talmente desejáveis vai aumentar de O brasileiro ainda não tem cons- forma surpreendente. ciência do Brasil como dele. No Su- Somente essa abordagem exigirá deste, a gente fala da Amazônia como do trade turístico uma nova postura um Brasil distante. Por isso que en- que privilegia a competitividade, mas fatizo: no discurso até que estamos também as especificidades das esco- indo bem, mas a consciência am- lhas do turista e a qualidade do des- biental ainda é muito pequena e tino como um ambiente hospitaleiro banal, ainda mais quando se fala em e acolhedor que favorece encontros, turismo. formação de vínculos entre desco- nhecidos ou reforço de vínculos Quais são os futuros caminhos para entre conhecidos, um lugar onde as que sejam, enfim, estabelecidas ações pessoas e os grupos humanos estão concretas nesse sentido? em contato, onde se descobrem, ge- Acho que o esforço e a sensibili- rando diversificação e riqueza de va- zação da sociedade para o turismo lores. ⌺

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 25 lugar

Destino preservado texto: Juliana Borges fotos: André Spínola e Castro

Todos os meses de novembro, por volta do dia 20 – data de comemo- ração da consciência negra – a comunidade de Mandira, um pe- queno vilarejo caiçara do município de Cananeia, no litoral Sul de São Paulo, realiza a Festa da Ostra. Durante quatro dias, cerca de duas mil pessoas – entre moradores de povoados vizinhos e turistas de todo o Estado – visitam esse pe- vida tradicional dos seus moradores. queno povoado de 25 famílias para Mandira é um típico exemplo como ouvir música típica, dançar e comer o turismo de base comunitária pode diferentes pratos preparadas com o ajudar a complementar a renda de uma molusco – cuja extração é a principal comunidade tradicional sem desca- atividade econômica da região. No racterizar seus hábitos e costumes. resto do ano, a comunidade recebe, em Nessa modalidade de turismo, os pró- média, 100 visitantes por mês, princi- prio moradores de um lugar, a partir palmente estudantes, pesquisadores e da gestão coletiva, da transparência universitários. no uso e destinação dos recursos e na A comunidade é formada por uma qual a principal atração turística é o igrejinha, uma construção simples de modo de vida da população local. “A alvenaria em que funciona o centro comunidade é proprietária dos em- Os programas que são comunitário e uma oficina de costura, preendimentos turísticos e há pre- feitos em Mandira são os canoas de pescador e algumas casas de ocupação em minimizar o impacto madeira ou concreto espalhadas pela ambiental e fortalecer ações de con- mais simples possíveis: estrada de terra que corta a mata – servação da natureza”, diz Cecilia Za- conhecer o cultivo da nada muito diferente de outas tantas notti, fundadora da organização social ostra e a fabricação de comunidades caiçaras do litoral de São Projeto Bagagem, que trabalha para farinha de mandioca, Paulo e Paraná. O vilarejo não é exata- desenvolver essa atividade em dife- mente o estereótipo de destino turís- rentes localidades do Brasil. “É a única visitar as ruínas do tico – não há uma linda praia, um rio forma de turismo possível em uma antigo moinho, conversar exuberante ou uma boa infraestrutura área de preservação permanente.” com os moradores ao visitante. O grande atrativo do po- Os programas que são feitos em voado não são as suas belezas naturais, Mandira são os mais simples possíveis: mas justamente a história e o modo de conhecer o cultivo da ostra – hoje a

26 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Cananeia, no litoral sul de São Paulo, que abriga a comunidade quilombola de Mandira

principal atividade econômica da re- e culturais”, afirma André Stern, da muitos deles migraram para outros gião – acompanhar ao processo de Araribá Turismo, agência com sede povoados e cidades do país. fabricação de farinha de mandioca, em São Paulo que organiza viagens de Para que o turismo comunitário visitar as ruínas do antigo moinho dos estudo do meio para escolas. Há dois funcione em uma comunidade tra- tempos coloniais, almoçar na sede da anos, a empresa organiza viagens com dicional, além de uma liderança co- associação de moradores ou parti- grupos escolares para Mandira. munitária forte, é necessário que ela cipar de uma roda de conversa sobre O vilarejo nasceu em 1868, quando seja uma atividade econômica com- a história da comunidade. “Somos cai- o patriarca da família, Francisco Man- plementar, e não a principal fonte de çaras, mas de origem quilombola.” ex- dira, filho bastardo de um senhor de renda das pessoas. “É uma atividade plica Nei Mandira, que coordena um engenho de nome Antônio Florêncio que sempre vai ser sazonal e, por isso, programa de turismo comunitário de Andrade com uma escrava cha- não oferece perspectiva de renda du- na comunidade que já teve apoio da mada Tereza, herdou as terras do sítio, rante o ano todo”, afirma o professor Fundação Instituto de Terras do Es- com cerca de 1 200 alqueires. Antonio , pesquisador tado de São Paulo. “É um povoado com Francisco casou-se, teve filhos e sênior do Núcleo de Apoio à Pesquisa uma história muito rica, que fornece netos, que acabaram povoando o vi- sobre Populações Humanas e Áreas um vasto material para o desenvol- larejo. Hoje, sete gerações depois, os Úmidas Brasileiras (Nupaub), da Uni- vimento de atividades pedagógicas Mandira já são mais de 300, sendo que versidade de São Paulo.

27 de setembro de 2010 | cadernos de cidadania | 27 comunidade

Em Mandira, essa atividade está dando certo porque boa parte da po- pulação tem outra forma de sustento. Hoje, cerca de 30 famílias desse e de outros povoados vivem da exploração da ostra. Durante várias gerações, ga- nhar a vida pegando ostras no mangue era um ocupação considerada pouco nobre pelos moradores do Mandira. A pesca, a roça, a extração de ca- cheta (um tipo de madeira usada para fazer instrumentos musicais), produção da farinha o comércio ou qualquer outra atividade econômica era considerada mais digna do que afundar os pés e os braços no mangue para extrair o molusco e vendê-lo a um preço módico para atravessadores. “Era algo que ninguém queria fazer”, diz Francisco Mandira, conhecido como Chico, o líder comunitário local. A situação começou a mudar em 1993, quando um projeto do Nupaub coordenado por Diegues escolheu o vilarejo como piloto para um projeto de criação comunitária de ostra em ca- tiveiro. “Mandira tinha dois fatores es- senciais para o sucesso do programa: liderança comunitária e algumas fa- mílias que já extraíam ostra”, diz Die- gues. Nesse ano, algumas famílias testaram uma técnica que retirava as “sementes” das ostras do mangue e as transportava para tanques de arame que ficavam submersos numa área próxima da comunidade. O processo, além de evitar a degra- dação ambiental, faz com que o mo- lusco tenha um ciclo de engorda de apenas quatro meses – menos de me- tade do tempo que uma ostra geral- Coletar ostras no mente leva para crescer em condições mangue era uma normais. A técnica agradou os mo- atividade discriminada radores da região e os incentivou a em Mandira. se mobilizarem para criar uma asso- ciação de moradores e uma coopera- Quando o molusco tiva, batizada de Cooperostra. começou a ser cultivado Criada a cooperativa, o próximo em cativeiro, o cenário passo foi a compra de um barco a mudou completamente motor para transportar a ostra de Mandira para Cananeia – o que leva cerca de uma hora de viagem – onde O líder comunitário Francisco Mandira

28 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 a mercadoria pode ser comprada. Esse foi um momento crucial para o su- cesso da empreitada, já que o barco próprio elimina a necessidade de ter um atravessador para distribuir o pro- duto. Com o tempo, a atividade foi atraindo a atenção de outros mora- dores e a cooperativa foi crescendo. Hoje, a Cooperostra tem 30 coope- rados – 80% de Mandira e o restante de outros povoados – que, quando de- dicam-se apenas a essa atividade. Hoje, a Cooperostra abastece restaurantes e hotéis do litoral de São Paulo, lojas da Rede Pão de Açúcar e a churrascaria Rubayat. “Nossa ostra tem origem de procedência e passa por um processo de depuração, diz Mário Batista Pontes, presidente da Cooperostra. Até 2002, a atividade ainda não era Cenas de Mandira, onde o cultivo de ostras, legalizada. Explica-se: Desde 1969, o artesanato, a fabricação de farinha de toda a área do entorno de Mandira mandioca e o turismo de base comunitária, pertencia ao Parque Estadual de Jacu- ambiental e socialmente responsável, piranga. De acordo com a legislação coexistem para impulsionar a economia local ambiental do País, nenhuma área de proteção integral, como um parque nacional ou estadual, pode ser habi- tada ou sofrer qualquer tipo de inter- ferência humana. No entanto, assim como acontece líder comunitário a melhor alternativa e decidiu lutar na maioria das unidades de conser- para conquistar seus direitos e me- vação brasileiras, essa determinação teve o seu trabalho lhorar a qualidade de vida dos seus. nunca foi cumprida na prática. Os mo- premiado pela onu Ele foi o primeiro presidente da As- radores, que sempre viveram da terra, O principal líder comunitário do sociação de Moradores do Mandira, continuaram onde estavam, só que, povoado tem o mesmo nome do pa- criada em 1993. Teve papel essencial em nome da preservação ambiental, triarca da família: Francisco Mandira. na valorização da atividade de coleta passaram a ter uma série de restri- O primeiro Mandira, filho bastardo de de ostra e na criação da Cooperostra. ções aos moradores: é proibido pescar um senhor de engenho de nome An- Encabeçou o processo de reconheci- grandes quantidades de peixe ou ca- tônio Florêncio Andrade com uma es- mento de Mandira como quilombola marão, fazer qualquer tipo de roça ou crava, herdou parte das terras de seu no Incra (Instituto Nacional de Colo- caçar. Para quem vive numa comu- pai em 1868, fundando uma comuni- nização e Reforma Agrária). nidade pequena, sem comércio, com dade quilombola. Sete gerações depois, Em 2002, como reconhecimento apenas uma escolinha de ensino bá- Francisco – ou Chico do seu trabalho, Chico recebeu um sico e distante da cidade, essas ativi- Mandira, como é conhecido – foi o prêmio no fórum Rio+10, organi- dades eram praticamente as únicas principal articulador de todas as con- zado pela ONU em Johannesburgo, possíveis para garantir a subsistência. quistas do povoado. Ele tem 11 irmãos, na África do Sul. A história de Man- Nessa época, muita gente resolveu sair sete filhos e seis netos. Ao contrário dira foi considerada uma das melhores da terra dos seus antepassados e re- de muitos dos seus primos, que aban- iniciativas de desenvolvimento sus- solveu ir tentar a vida na cidade. donaram Mandira nas décadas de 70 tentável do mundo. Em 2009, o líder Mesmo com os impedimentos le- e 80, ele sempre acreditou que ficar também esteve no maior evento ligado gais, a atividade de criação de ostra na terra dos seus antepassados seria ao meio ambiente do mundo: a Cop16. prosperou e começou a chamar a

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atenção do poder público e de enti- é incentivada como uma forma de pre- dades ligadas ao meio ambiente como serva o meio ambiente. “A lógica é que uma alternativa de proteção do meio a natureza em pé tem mais valor que ambiente com a participação da co- Em 2002, depois de anos derrubada. Se uma comunidade pode munidade local. de luta, a associação dos depender da natureza sem devastá-la, Foi somente em 2002, depois de moradores de Mandira ela vai protegê-la”, diz Diegues. Agora, muita batalha da associação dos mo- conseguiu que o local a comunidade de Mandira está encam- radores de Mandira, o povoado con- pando uma nova batalha: querem ser seguiu ver realizada uma antiga fosse transformado em oficialmente reconhecidos pelo Incra reivindicação: a região do entorno de uma reserva extrativista como quilombolas para poderem re- Mandira foi transformada em reserva ceber de volta a terra que pertenceu extrativista. Nesse tipo de unidade de ao patriarca da família e que, hoje, está preservação, não apenas é permitido nas mãos de terceiros. “Tudo que con- que as populações tradicionais perma- seguimos até hoje foi graças à mobili- neçam em suas terras quanto a explo- zação da comunidade. Dessa vez não ração econômica de forma sustentável será diferente”, diz Chico Mandira. ⌺

reserva da prainha direito à terra. “Nosso objetivo sempre É uma conquista muito importante do canto verde, no foi preservar o espaço para as futuras pela qual tivemos que lutar durante ceará, faz um ano gerações, e hoje a população está mais muitos anos, mas o resultado chegou e forte e segura”, comemora. agora é seguir em frente tentando con- A areia clara da Prainha do Canto O encontro cultural entre turistas solidar as estratégias de sustentabili- Verde, em Beberibe, no Ceará, a 120 e comunidade é promovido a todo in- dade comunitária”, conta Fernandes. km de Fortaleza, abriga uma bem su- tante na prainha. Em geral, os visi- cedida experiência de turismo de base tantes passam três noites no local, Reservas comunitária no Brasil. A reserva extra- ficam hospedados nas próprias casas As resexs, regulamentadas por lei, são tivista (resex) completou um ano em dos pescadores e trocam experiências. habitadas por populações tradicionais junho passado e hoje abriga 246 famí- A cooperativa de turismo comunitário cuja subsistência é amparada no extra- lias que vivem basicamente da pesca e fomentada pela população local leva os tivismo, na agricultura familiar e na do artesanato conciliados à recepção visitantes a acessar os atrativos natu- criação de pequenos animais. O obje- organizada dos mais de 1.200 turistas rais de modo sustentável. tivo das reservas é proteger os meios que anualmente vão conhecer a região. Enquanto os homens pescam e ga- de vida e a cultura dos moradores lo- “São pessoas que vêm para conhecer rantem a principal atividade financeira cais, assegurando o uso sustentável de nossa cultura, fazer pesquisas, e, claro, da região, as mulheres e jovens atuam recursos naturais. Sendo de domínio descansar”, conta o coordenador da com turismo e artesanato. Entre tantos público, mas com uso concedido às po- resex, Lindomar Fernandes. passeios naturais possíveis na exube- pulações extrativistas tradicionais, as Para Fernandes, a resex é uma con- rante reserva, é possível navegar num reservas não permitem áreas particu- quista histórica da comunidade pes- catamarã à vela ou em jangadas de pes- lares em seus limites. queira, que, desde a década de 70, luta cadores. “A partir de agora, ninguém As unidades de conservação são contra a especulação imobiliária e pelo mais vai poder se apossar destas terras. fiscalizadas pelo órgão federal res- ponsável e a visitação pública só pode ocorrer dentro dos interesses da co- munidade e em conformidade com Nosso objetivo sempre foi preservar o espaço para as um plano de manejo que regule o uso futuras gerações, e hoje a população está mais forte e e a exploração da reserva. segura. A partir de agora, ninguém mais vai poder se Mais informações: apossar destas terras. É uma conquista importante www.prainhadocantoverde.org.br

30 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Veja a programação completa em www.sescsp.org.br

Fotos: divulgação

6Destaques da programação do Sesc

Passeio: Expedição Caiçara (Ilha Diana - Santos, SP) Unidades do SESC em Osasco (19/09), Santana, SP (25/09) e Santo André (02/10). Informações sobre preços e inscrições antecipadas na Central de Atendimento de cada unidade. As origens dos caiçaras, comunidades Encontro: Expedições Urbenauta Fotografia:Fora da ordem: Foto- Unidades do SESC em Araraquara (23/9), Bauru (24/9), de pescadores do litoral de PR, SP e grafias da National Geographic Rio Preto (25/9) e São Carlos (22/9). Grátis. Inscrições SESC Araraquara. Rua , 1.315. De 21/9 RJ, estão ligadas às raízes brasileiras nas centrais de atendimento de cada unidade. a 5/12. Terça a sexta, das 13h às 21h30. Sábados, e trazem várias influências culturais. domingos e feriados, das 9h30 às 18h. Em vários A Ilha Diana, na confluência do Relato das experiências vividas pelo espaços da Unidade. Grátis. Rio Diana com o Canal de Bertioga, auto-intitulado “urbenauta” Eduardo A revista National Geographic foi abriga uma comunidade baseada na Fenianos, viajante contemporâneo criada há 120 anos com o intuito pesca artesanal. Atualmente, a Ilha que visitou de forma inusitada todas de ampliar e difundir o conheci- tem empregado o turismo como as capitais do Brasil. A bordo de mento sobre a terra, a água e o mar. opção de geração de renda e de um carro especialmente equipado Hoje, a publicação é reconhecida desenvolvimento econômico. Inclui para esta aventura e com um salário mundialmente e, em comemoração caminhada orientada por moradores mínimo por mês, ele se propôs a aos seus 10 anos no Brasil, o curador para conhecer os núcleos da conhecer um pouco da sociobiodi- Eder Chiodetto selecionou imagens comunidade, a fauna e a flora típicas versidade do país, pernoitando cada produzidas por alguns dos maiores dos manguezais. Almoço incluso. noite em uma casa diferente. fotodocumentaristas da atualidade.

Mesa-redonda: Turismo e Viagens: Lagamar – Cananéia e Encontro: Cultura, meio Sociobiodiversidade Ilha do Cardoso – São Paulo ambiente e turismo: ações na SESC Sorocaba. Av. Washington Luiz, 446. Vagas SESC São José dos Campos. Av. Adhemar de Barros, Caatinga e Mata Atlântica limitadas. Inscrições antecipadas na Central de Atendimento. Dia 28/9, terça, às 20h, na Biblioteca 999. De 17/9 a 19/9. Inscrições antecipadas e SESC Consolação. Rua Dr. Vila Nova, 245, São Paulo. Municipal Infantil. Grátis. Inscrições antecipadas e informações na Central de Atendimento. Dia 7/10. 60 vagas. Grátis. Retirada de ingressos 1 informações na Central de Atendimento. O Lagamar é um conjunto de hora antes. Inscrições na Central de Atendimento. Debate sobre a relação entre turismo Unidades de Conservação e Encontro com Bete Canela, e sociobiodiversidade, os desafios áreas protegidas. Manguezais e pós-doutoranda em Ecologia relativos ao potencial turístico ecossistemas associados à Mata pela UFRJ, atuante em ações de brasileiro e as necessidades de Atlântica mostram ao visitante a educação ambiental, e Giovanni cuidado da sociobiodiversidade. Com transição entre a floresta e o mar. Seabra, pós-doutor em Geologia Andrea Rabinovici, especialista em A cultura tradicional caiçara está Sedimentar e Ambiental pela UFPE Turismo Ambiental e professora da presente na pesca, na culinária e no e coordenador do Projeto Turismo Universidade Federal de São Carlos, Fandango. A região também abriga Sertanejo. Serão discutidos trabalhos Cadu de Castro, historiador e guia de Comunidades Quilombolas, como a em comunidades tradicionais turismo, e Tupã, índio Guarani M’byá de Mandira. O roteiro inclui visita a de regiões com ecossistemas da da Terra Indígena do Rio Silveiras. Cananéia e Ilha do Cardoso. Caatinga e Mata Atlântica.

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Renovando o turismo

Moacyr Scliar

Há um antigo filme norte-americano, uma comédia sem maiores querem ver monumentais construções pretensões, que tem contudo um título do passado, como a muralha da China. absolutamente fantástico: If It’s Tuesday, Ou obras arquitetônicas como a catedral This Must Be Belgium. Descreve uma de Notre Dame. Ou a arte: os quadros e speed tour, aquelas viagens de turismo as esculturas que nos são mostrados nos que têm como objetivo mostrar às pessoas museus de todo o mundo. um máximo de coisas num mínimo de Tudo isso vale a pena. Mas se o tempo: tirada a foto, vamos em frente, objetivo do turismo é conhecer aquilo para a próxima atração. Resultado: lá que para nós é novo, que não faz parte pelas tantas os turistas nem sabem mais da experiência cotidiana, por que não onde, exatamente, estão. E aí, “Se hoje é renovar a própria maneira de fazer terça-feira, isto deve ser a Bélgica. Rápido, turismo? Por que não proporcionar às onde está a câmera?” pessoas experiências que as surpreendam Viajar corresponde a uma aspiração e que, ao mesmo tempo, representem um do ser humano, explicando o fascínio marco em suas vidas? Esta é a proposta despertado por obras como “As viagens do SESC para o próximo Dia Mundial de Marco Polo”. O relato das andanças do Turismo, comemorado no dia 27 de do famoso aventureiro do século treze setembro. Este ano, as comemorações teve incontáveis edições e incendiou a deverão destacar o papel do turismo na imaginação de muita gente e estabeleceu sociobiodiversidade brasileira. um modelo para um tipo de literatura Biodiversidade é uma palavra- que sempre fez sucesso com os leitores; chave num mundo que enfrenta graves o norte-americano Paul Theroux, por problemas ambientais e no qual a exemplo, é muito conhecido pelos livros extinção de espécies tanto animais em que narra suas visitas a vários países. como vegetais têm sido a regra, como No passado, viajar era coisa para uns decorrência de uma relação predadora de poucos aventureiros e/ou milionários, seres humanos com a natureza. Árvores mas, com o tempo, tornou-se acessível são derrubadas ou queimadas, espécies a muitas pessoas, sobretudo de classe animais são extintas, ecossistemas são média. O hábito da viagem foi se destruídos. E o resultado aparece todos os Moacyr Scliar generalizando e se diversificando. dias no noticiário: o aquecimento global, é escritor. Autor de Os turistas tinham, e têm, objetivos as catástrofes ambientais. “Manual da Paixão diversos. Existem aqueles que vão em O Brasil possui cerca de um quinto da Solitária” e “Histórias que os Jornais Não busca da beleza natural, como é o caso biodiversidade do planeta: cerca de 5 mil Contam”, entre outros. das cataratas do Iguaçu. Existem os que espécies de vertebrados, cerca de 50 mil

32 | cadernos de cidadania | 27 de setembro de 2010 Viajar corresponde a uma aspiração do ser humano, explicando o fascínio despertado por obras como “As viagens de Marco Polo”.

Ilustração Rodrigo Cunha

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espécies de plantas, milhões de espécies no meio da floresta, às margens do lago de insetos. Uma natureza exuberante Walden. Ali construiu uma cabana e ali com um verdadeiro caleidoscópio de passou a viver, produzindo seu próprio paisagens e de biomas: a Amazônia, o alimento. Estava em busca, segundo Cerrado, o Pantanal, a Caatinga, a Mata suas palavras, “dos fatos essenciais da Atlântica, a Zona Costeira Marinha, o existência”, para que, quando morresse, Pampa... Um patrimônio do país e da não chegasse à conclusão de que “não humanidade. Pode-se dizer que o futuro tinha vivido”. Baseado em sua experiência de nosso planeta depende, em grande escreveu “Walden; ou, A vida nos parte, da capacidade de nossa gente de Bosques”, obra que fez extraordinário manter esta biodiversidade. Uma enorme sucesso e que se tornou uma verdadeira responsabilidade, portanto, para a qual referência no pensamento ecológico. precisamos nos preparar, adquirindo O turismo da natureza está em consciência do problema e do que rápida expansão no mundo todo, o que devemos fazer a respeito. é uma excelente notícia, mas que, ao A questão da diversidade não se esgota mesmo tempo, traz certa preocupação. apenas no plano biológico, natural. Existe É preciso reconhecer que existe um também a diversidade sociocultural, tipo de turista capaz de causar graves igualmente importante. No Brasil a danos naturais. São aquelas pessoas que, sociodiversidade resulta da existência acampando espalham lixo pelo campo, de mais de 200 povos indígenas, de poluem os cursos d’água; que destroem inúmeras comunidades tradicionais espécimes vegetais e animais; e que (quilombolas, extrativistas, agricultores podem causar incêndios acidentais ou familiares, pescadores), sem falar nos mesmo criminosos, capazes de destruir grupos étnicos como aqueles que se enormes extensões de mata nativa. Da formaram em regiões de colonização. mesma maneira existem pessoas que não São pessoas que têm vivências diferentes, respeitam os costumes das comunidades mas partilham conosco o mesmo país e a que visitam. Portanto, faz-se necessário mesma fundamental condição humana. um processo educativo capaz de A relação do turismo com a mudar o próprio conceito de turismo, sociobiodiversidade pode ser muito transformando-o numa atividade capaz importante por causa do chamado de conectar aquele que a pratica com a turismo de natureza, que engloba natureza e com outros seres humanos. ecoturismo, turismo de aventura, Neste sentido, a iniciativa do SESC é turismo educacional ao ar livre, isto sem altamente oportuna e inteligente: se fazer falar no turismo rural, realizado em turismo significa mudar de cenário, de fazendas em cujas atividades os turistas modo de vida, se fazer turismo significa participam. Um precursor nesta área foi experimentar coisas novas, por que o norte-americano Henry David Thoreau não começar esse processo de mudança (1817-1862), poeta, historiador, filósofo e em nosso próprio ser? Viajar não é só naturalista que, aos 27 anos, foi morar percorrer novos caminhos, novas trilhas; há também uma viagem interior, na qual podemos descobrir novos e insuspeitados valores dentro de nós mesmos. Para descobrir um novo mundo, Colombo precisou cruzar o oceano em precárias Se fazer turismo significa mudar de cenário, caravelas. Nós podemos fazer esta descoberta de maneira bem mais simples. de modo de vida, se fazer turismo significa Tudo o que precisamos fazer é dar o experimentar coisas novas, por que não começar primeiro passo nesse novo caminho, esse processo de mudança em nosso próprio ser? um caminho que nos proporcionará surpresas, alegrias, e que certamente nos conduzirá a um Brasil melhor, a um mundo melhor.

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