Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia ISSN: 1415-0549 [email protected] Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Brasil

Nunes Larangeira, Álvaro O presidente no Brasil: a entrevista de Lula no Fantástico como paradigma do jornalismo espetacularizado Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, núm. 30, agosto, 2006, pp. 39-45 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Porto Alegre, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=495550186004

Como citar este artigo Número completo Sistema de Informação Científica Mais artigos Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Home da revista no Redalyc Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto JORNALISMO E REPRESENTAÇÃO

O presidente no : a entrevista de Lula no Fantástico como paradigma do jornalismo espetacularizado VAMOS DAR UMA ESPIADINHA no gabinete para ver como se comporta o Lula? Então va- RESUMO mos. Desta forma poderia ter sido anuncia- Este trabalho aborda a espetacularização do jornalismo a da a entrevista com o presidente Luiz Iná- partir da entrevista concedida pelo presidente da República, cio Lula da Silva, realizada no Palácio do Luiz Inácio Lula da Silva, à Rede Globo e veiculada no dia Planalto na última semana de dezembro de 1º de janeiro de 2006. O episódio extrapolou o seu caráter 2005 e veiculada pela Rede Globo no dia 1º jornalístico para assumir o viés do espetáculo, corroborando de janeiro de 2006, no programa Fantástico. para isto a presença do apresentador , ícone do Ela teve os ares do programa Big Brother programa Big Brother Brasil. Para embasar esta premissa, Brasil, a começar pela chamada na emisso- recorrer-se-á às teses de Guy Debord a respeito da Sociedade ra: “Exclusivo!A entrevista do presidente do Espetáculo, à exposição da midiatização do poder por Luiz Inácio Lula da Silva! O repórter Pedro parte de Henri-Pierre Jeudy, à noção de tela total percebida Bial perguntou ao presidente Lula tudo o do Jean Baudrillard, ao conceito de informação-espetáculo que o Brasil quer saber”. A segunda seme- trabalhado por João Canavilhas e às pesquisas de Fernando lhança, o próprio entrevistador: Pedro Bial. Andacht sobre o Big Brother Brasil. Não foi a primeira entrevista de Lula ao apresentador do Big Brother Brasil – houve ABSTRACT outra no Palácio da Alvorada. This text deals with the spectacularization of journalism, Mas desta vez o cenário emanava o starting from the interview given by the President, Luiz espírito da casa. Bial inquiria Lula como se Inácio Lula da Silva, to the Rede Globo and transmitted on este estivesse no confessionário do Big Bro- January 1, 2006. That episode extrapolated the journalistic ther. E o inquirido comportava-se como se character, to assume the inclination of a show, cor- lá estivesse mesmo: respostas defensivas, roborating Pedro Bial’s presence, icon of the Big Brother Bra- evasivas, antevendo, quem sabe, a possibi- sil program. lidade de ser enviado metaforicamente para o paredão – situação em que um dos PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) integrantes do programa corre o risco de - Sociedade do espetáculo (the spectacle society) ser eliminado da casa pela votação do pú- - Reality show (reality show) blico. Embora a entrevista fosse no Planal- - Mídia (media) to, quem se mostrava à vontade, íntimo do lugar, desenvolto no cenário, era o entre- vistador. Representava ele, naquele mo- mento em tese jornalístico, o olhar dos mi- lhões de espectadores acostumados a Álvaro Nunes Larangeira acompanhá-lo nas edições do BBB. O fato TUIUTI tornou-se, na interpretação deste trabalho,

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral 39 um exemplo da apropriação do jornalismo O espetáculo é o princípio, meio e pela sociedade do espetáculo, um exemplo fim. É a mensagem, é a massagem pela do jornalismo espetacular. qual a mensagem é repassada, é a simetria do trajeto da informação e é a turbulência dos possíveis ruídos do processo comuni- A sociedade do espetáculo cativo. O espetáculo se apropria do discur- so contra si mesmo, encontra alternativas Para analisar a entrevista sob este prisma, para burlar seus próprios mecanismos de recorreu-se ao pensamento do francês Guy controle e julga-se vítima das armadilhas Debord, referência na crítica da sociedade criadas por ele mesmo. Portanto, apresen- moderna, principalmente a partir de Maio ta-se como a sociedade dos excluídos e de 1968, e mentor do que conceituou como como a sociedade sem excluídos. É o Deus a “sociedade do espetáculo”. Aqui, preten- e o Diabo em sua terra. de-se destacar algumas das 221 teses lista- das por Debord em sua obra-prima – A so- O caráter fundamentalmente tau- ciedade do espetáculo -, publicada em 1967, e tológico do espetáculo decorre do nos comentários acrescidos às edições poste- simples fato de seus meios serem, ao riores. Eis cinco das teses e um comentário: mesmo tempo, seu fim. É o sol que Tese 3 – O espetáculo apresenta-se ao mes- nunca se põe no império da passivi- mo tempo como a própria sociedade, como dade moderna. Recobre toda a super- uma parte da sociedade e como instrumen- fície do mundo e está indefinidamen- to de unificação (1997, p. 14); te impregnado de sua própria glória Tese 4 – O espetáculo não é um conjunto de (DEBORD, 1997, p. 17). imagens, mas uma relação social entre pes- soas, mediada por imagens (p. 14); Um presidente, por exemplo, pode Tese 6 – Considerado em sua totalidade, o viver da sua eterna crise, argumentando espetáculo é ao mesmo tempo o resulta- que precisará sempre de mais um tempo do e o projeto do modo de produção no mandato para solucionar os problemas existente (p. 14); e ajudar na profilaxia das novas dificulda- Tese 30 – Em relação ao homem que age, a des. Sem o mandato, é a favor de quatro exterioridade do espetáculo aparece no anos; eleito, considera insuficiente apenas fato de seus próprios gestos já não serem um período tendo em vista a extensão da seus, mas de um outro que os representa crise. Neste ponto, destaca Henri-Pierre por ele. É por isso que o espectador não se Jeudy, será imprescindível a virtualidade sente em casa em lugar algum, pois o espe- das ações governamentais como prova de táculo está em toda parte (p. 24); sua competência administrativa. Tese 34 – O espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem (p. 25). Na midiatização dessa conquista do Comentário III – Freqüentemente, os donos poder, todas as flexões metafóricas da sociedade declaram-se mal servidos por são permitidas: entre o lobo e o cor- seus empregados midiáticos; mais ainda, deiro, e o lobo no curral, a ironia do censuram a plebe de espectadores pela ten- jogo – que para alguns se tornará a dência de empregar-se sem reservas, e qua- ironia do destino – é o refúgio dos se bestialmente, aos prazeres da mídia. As- símbolos. A simbologia do poder rea- sim, por trás de uma infinidade de pseudo- parece sob a forma de uma paródia, divergências midiáticas, fica dissimulado o às vezes próxima da farsa bufa, en- que é exatamente oposto: o resultado de quanto que a lógica fria dos progra- uma convergência espetacular buscada mas veiculados e dos debates simula- com muita tenacidade (p. 171). dos preserva a representação estereo-

40 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral tipada de uma soberania puramente esta fosse a sua vida. Cria com o vídeo uma mecânica (JEUDY, 2001, p. 18). relação umbilical. “A virtualidade aproxi- ma-se da felicidade por eliminar sub-repti- Neste sentido, ressalta o sociólogo ciamente a referência às coisas. Dá tudo, francês, a imagem midiática é vital tanto mas sutilmente. Ao mesmo tempo, tudo es- para as idéias, as ações, quanto ao próprio conde (1997, p. 149).” A realização do es- indivíduo. Sem o atributo midiático, resta o pectador é estar de corpo presente (ou me- esquecimento. Precisa ele da legitimidade lhor, olhar presente) no fato, vivenciar o do aparecer, da existência além-de-si. que os personagens vivem, sentir por e com eles as experiências e, como os persona- Tal regra se torna impiedosa, pois a gens, sentir-se também objeto. “Quando to- ausência de midiatização se impõe dos se convertem em atores, não há mais como signo inelutável de morte. Esse ação, fim da representação. Morte do especta- jogo entre a consagração e o desapare- dor. Fim da ilusão estética (1997, p. 147)”. cimento nunca é ganho; ele institui o ritmo comunitário da exposição de si mesmo como a única virtude da cole- O jornalismo espetacularizado tividade (2001, p. 47). O professor português João Canavilhas, no O homem e a sociedade, em razão do seu objetivo de conceituar a informação-es- paradigma espetacular, são telas totais em petáculo, apresenta o rol de critérios de noti- movimento e construção permanentes. As- ciabilidade que serão úteis na adaptação ao sim, se tudo é imagem, tudo é mídia, tele- jornalismo espetacularizado. São eles: o mo- visão. Jean Baudrillard chama a atenção mento do acontecimento; a intensidade; a cla- para este momento e ironiza: “Em princí- reza; a proximidade, a surpresa; a continui- pio, ela está aí para nos falar do mundo e dade; a composição; os valores sociocultu- para apagar-se diante do acontecimento rais; a previsibilidade, o valor das imagens; e como um médium que se respeite. Mas de- custos (CANAVILHAS, 2001). Os três últimos pois de algum tempo, parece, ela não se são, conforme especificação de Canavilhas, respeita mais ou toma-se pelo aconteci- relativos à televisão, ainda que nos outros mento” (1997, p. 157). meios haja o planejamento e se for necessário A televisão, mais precisamente a mí- a escalação de um profissional específico dia, vive num zapping de si mesma, diz para determinada tarefa – um fotógrafo expe- Baudrillard. Trata de produzir o mundo e a riente para uma matéria especial, por exem- informação, e não apenas reproduzi-los. plo -, a dependência por imagens que retra- Olha para o exterior e entedia-se. tem o valor da notícia e a previsão de custos. Quantos aos outros oito critérios, dizem res- Então, a fórmula de McLuhan torna- peito à recentidade do fato, à importância do se totalmente brilhante: o meio en- acontecimento, à certificação das informações goliu a mensagem e, multimeio, referentes ao fato, à referência à área de prolifera em todas as direções. Ve- abrangência do veículo, ao inusitado do mos, de fato, a proliferação das re- acontecimento, ao potencial de pauta nos des, dos cabos, dos programas, com dias seguintes, ao caráter diferencial à linha o desaparecimento e a liquidificação editorial do veículo e ao alinhamento, ou dos conteúdos (1997, p. 159). descompasso, com os valores socioculturais da empresa. Para dar à notícia o caráter de Baudrillard menciona os reality shows espetáculo, Canavilhas detecta a supremacia para exemplificar este estado do virtual. O da observação sobre a explicação. Neste espectador está na frente da tela como se caso, o personagem é o pivô da imagem.

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral 41 Albert Merhabian, um especialista em O reality show Big Brother Brasil televisão, defende que “(...) em televi- são, o que a pessoa diz não representa O pesquisador uruguaio Fernando Anda- senão 7% do que realmente comunica; cht tem realizado contínuas e profundas 38% da mensagem é transmitida pela pesquisas sobre o BB no Brasil. O progra- sua maneira de se exprimir (voz, vo- ma idealizado e exportado pela multinaci- cabulário, ritmo do discurso) e 55% onal holandesa Endemol Produkties, cuja pelas expressões da face e movimen- primeira apresentação foi em 16 de setem- tos do corpo” (CANAVILHAS, 2001). bro, no país europeu, chegou ao Brasil em 2001. Na primeira edição, o vencedor foi o Tendo esta importância, o pivô, em bailarino de axé Kleber de Paula, apelida- sua determinação de passar credibilidade do no programa de Bam-bam, pela seme- ao público, tem na fachada a sua apresenta- lhança com o personagem dos Flintstones, ção. Canavilhas trata de defini-la: “A facha- tanto no tamanho quanto na pobreza voca- da é o equipamento expressivo, padroniza- bular. O estudioso do BBB constata no pro- do, inconscientemente ou intencionalmen- grama elementos do que denomina de te, que o indivíduo utiliza para definir com “melocrônica de interação”. Da crônica há mais clareza a situação noticiada” (2001). A “um resíduo insistente do real, o qual se fachada, segundo o autor, se constitui de define como algo que é como é, além de duas maneiras: cenário e fachada pessoal. toda opinião que alguém possa ter a res- A primeira é o local. Pode ser um cenário peito”, e do melodrama “o processo de fic- trabalhado com elementos simbólicos que cionalização que acontece por meio das conotem informação, tais quais os dos tele- duas interpretações geradas pelo reality jornais, nos quais se sobressaem a aparato show: 1) a compreensão da audiência do técnico de câmaras, computadores, circula- programa; 2) a auto-encenação dos prota- ção de repórteres, ou do gabinete do Presi- gonistas durante sua permanência na casa” dente da República, o qual perpassa a ima- (ANDACHT, 2003). gem de respeitabilidade, autoridade, legiti- O BB estimula no público, na percep- midade. A segunda, é própria do indiví- ção de Andacht, um “zapping interno” por duo, a aparência, a postura, a entonação da meio de ligações telefônicas, envios de e- voz, a gesticulação, as reações, as feições. mails, acompanhamento por canais exclusi- vos que acompanham as 24 horas da casa. A fachada pessoal é ainda constituída “Um atrativo de BB é seu convite para o por dois elementos: público virar um turista da interação.” Para - a aparência – está relacionada com o ele, o index-appeal do programa (o pólo status social do actor. Em termos magnético) é a “sensação de inusitada inti- televisivos este dado acaba por não midade com a programação de um meio de ter grande significado, pois a aparên- comunicação”. cia é perfeitamente manipulável por via da caracterização. Tudo é substituído pela proximidade do desconhecido que deve viver dian- - a maneira – é neste elemento impor- te das câmaras e deixar a cada passo a tantíssimo que se encontram os estí- sua mais ou menos involuntária mulos que funcionam no momento de gestualidade, como rastros para esse nos informar: o riso após uma notícia devorador de expressões que vai virar engraçada ou um ar afectado depois o espectador do BB (ANDACHT, de um acidente, são algumas das ex- 2003). pressões de um bom actor e portanto um bom pivô (CANAVILHAS, 2001). No espaço do BB ocorre a performan-

42 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral ce contínua na qual fundem-se o preparo O presidente no BBB da encenação e o agir natural, e com eles os indícios verbais, corporais, gestuais dos A aproximação do presidente Lula à “re- participantes. Nesse mesmo ambiente, An- gião do meio” deu-se, para Andacht, pela dacht, citando Joshua Meyrowitz, constata indicação do publicitário Duda Mendonça, a relevância da “região do meio” (middle re- responsável pelo marketing do candidato gion), localizada a pouca distância das câ- petista na eleição de 2002. O especialista maras, entre a frente e os bastidores do em marketing político trabalhou a criação campo de visualização. de uma nova imagem para Lula. Abando- nou todos os traços associados ao radicalis- A grande recompensa é destinada mo de esquerda, de sindicalista, da sisudez àquele que conseguir reinar na região e adotou o lema “Lulinha Paz e Amor”. do meio (...) porque seu sucesso ba- Duda Mendonça afirmou em entrevista à seia-se na facilidade ou na naturalida- repórter Vera Rosa, do jornal O Estado de de visível com que se conduz, gestual S.Paulo, do dia 28 de outubro de 2002, que ou animicamente, num meio de co- “antes dessa campanha Lula era uma barba municação que opera por proximida- política. Ele não se permitia falar de uma de corporal (ANDACHT, 2003). forma mais coloquial. Parecia que estava sempre discursando. (...) a grande ruptura Em suas análises, Andacht faz uma foi ele entender que o caminho era abrir o analogia entre o primeiro BB e a campanha coração” (ANDACHT, 2003). eleitoral televisiva a partir da “região do Mas os dissabores dos dois primeiros meio”, citando como exemplo as perfor- anos do mandato, as rusgas com a impren- mances de Kleber Bam-Bam, campeão do sa e a crise em seu governo em decorrência programa, e o candidato à presidência da das acusações do deputado Roberto Jeffer- República em 2002 pelo Partido dos Traba- son de envolvimento de integrantes do Par- lhadores, Luiz Inácio Lula da Silva. Bam- tido dos Trabalhadores - agremiação da Bam, ao perder a sua boneca de estimação, qual Lula foi um dos fundadores e cons- chorou copiosamente, sensibilizando a audi- truiu toda a carreira política até alcançar o ência. O candidato petista, eleito presidente, Palácio do Planalto – em empréstimos ne- também se debulhou em lágrimas. Num bulosos, pagamento de propinas a deputa- mesmo dia, Lula chorou ao receber o diplo- dos da base aliada e da oposição, transa- ma presidencial no Tribunal Supremo Eleito- ções bancárias questionáveis, envio de di- ral, em Brasília, e posteriormente à cerimônia nheiro para o exterior oriundo de caixa 2, no restaurante Piantella, na capital federal. corrupção de integrantes da cúpula do par- tido em aceitar presentes de empresários, Apenas desejo apresentar a notória queda do ministro José Dirceu, seu braço afinidade entre os formatos [o televisivo direito no governo, e posterior cassação do e o eleitoral] que não é outra coisa se- mandato de deputado, minaram a relação não o corolário natural da hegemonia entre o presidente a imprensa. Em segui- sócia da chamada “região do meio” dos discursos o presidente da República (Meyrowitz). Trata-se do espaço mais reclamou da postura da imprensa, conside- poderoso do Ocidente, porque esse é rando-a afoita e denuncista. o lugar onde se desenvolve e se julga O próprio assessor especial da Secre- o grau de autenticidade ou o valor taria de Comunicação de Governo e Gestão humano de quem aspira à máxima Estratégica, o jornalista e professor de co- responsabilidade numa democracia: a municação Bernardo Kucinski, responsável presidência de uma nação moderna pela clipagem de matérias jornalísticas que (ANDACHT, 2003). tratam do governo petista, reconhece a ani-

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral 43 mosidade entre o presidente e a mídia. cou o primeiro passo para a superação des- te viés vertical, e a tentativa de horizontali- [A relação] sempre foi muito ruim. Ele zar a relação de Lula com o público. Para sempre foi maltratado pela imprensa, tanto, nada melhor do que uma entrevista tirando alguns períodos – como em exclusiva, no primeiro dia do ano em que certo momento da greve de 1978. Fora concorrerá à reeleição, tendo como entre- alguns períodos, ele sempre foi muito vistador o apresentador Pedro Bial, index desrespeitado. Os jornalistas não acei- appel do Big Brother Brasil. Portanto, Lula, tam um líder político que não tenha embora estivesse no seu escritório do Palá- diploma (KUCINSKI, 2005). cio do Planalto, estava na verdade dentro do BBB, e predisposto a enfrentar todo o Kucinski considera preconceituosa a ritual do programa, das confissões ao pare- posição da imprensa em rebaixar o presi- dão. Em outubro deste ano, teremos uma dente Lula pelo fato de que não possui di- noção do resultado desta espetacularização plomação acadêmica: “Há sempre um pres- jornalística . suposto de que ele vai falar besteira. Vai errar, de que ele não conhece as coisas, usando como parâmetro um conceito de sa- ber acadêmico (KUCINSKI, 2005)”. Por ou- Referências tro lado, o docente licenciado critica Lula por não saber diferenciar a sua postura do ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São político “que vem sendo perseguido faz Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. anos” com a do presidente da República. Para ele, em razão das divergências, Lula ANDACHT, Fernando Torres. Uma aproximação analítica do forma- distanciou-se da imprensa, privilegiando to televisivo do reality show. Biblioteca On-line de Ciências da outras formas de contato com o público. Comunicação, Covilhã, Portugal, 2003. Disponível em: www.bocc.ubi.pt/pag/andacht-fer. Acesso em: 15 jan. Ele eliminou a necessidade da im- 2006. prensa. Ele passou a se comunicar di- retamente, através das falas do presi- BAUDRILLARD, Jean. Tela Total – mito-ironias da era do virtual e da dente, do café do presidente, dos dis- imagem. Porto Alegre: Sulina, 1997. cursos do presidente, que é sempre uma fala vertical. Ele fala e não se BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge submete ao questionamento. O gover- Zahar Editor, 1997. no até poderia ter feito isso se, ao mesmo tempo, estabelecesse um rito CANAVILHAS, João. O domínio da informação-espetáculo na Televi- de coletiva, como todos os países de go- são. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, vernos importantes fazem (KUCINSKI, Covilhã, Portugual, 2001. Disponível em: www.bocc. 2005). ubi.pt/pag/_texto.php3. Acesso em: 15 jan. Disponível em: 15 jan. 2006. Essa mesma verticalidade, de acordo com Kucinski, tornou-se um entrave no re- CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. lacionamento com a mídia e um empecilho Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2004. no objetivo de aproximação com a socieda- de civil, afinal são poucos os espectadores DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: e ouvintes dos programas jornalísticos do Contraponto, 1997. Planalto. Por isso, na percepção deste tra- balho, o episódio da entrevista de Luiz Iná- JEUDY, Henri-Pierre. A ironia da comunicação. Porto Alegre: cio Lula da Silva para a Rede Globo signifi- Sulina, 1996.

44 Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral KUCINSKI, Bernardo. Entrevista à Agência Repórter Especial. Dez. 2005. Disponível em: www.reporterespecial.com.br. Acesso em: 15 jan. 2006.

LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001.

MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político – a tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 3ª ed., 2005.

SUBIRATIS, Eduardo. A cultura como espetáculo. São Paulo: Nobel, 1989.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo – por que as notícias são como são. v. 1. Florianópolis: Insular, 2004.

Revista FAMECOS • Porto Alegre • nº 30 • agosto 2006 • quadrimestral 45