Fábio Martins de Andrade

O conseqüencialismo, a modulação temporal dos efeitos e o ativismo judicial nas decisões do Supremo Tribunal Federal e o Estado de Direito

Por Fábio Martins de Andrade

SUMÁRIO O começo da história – A interpretação constitucional se adapta à complexa realidade subjacente – A importância do ativismo judicial na proteção dos direitos fundamentais – A encruzilhada pendente do Supremo Tribunal Federal

O começo da história

Inicialmente, cabe registrar que houve na história recente do Supremo Tribunal Federal um momento muito bem delineado no qual o discurso político invadiu o discurso jurídico. Significa dizer que, por vezes, as considerações sobre a conveniência, a oportunidade e as conseqüências de eventual decisão passaram a assumir relevante papel na tomada de decisão pelos Ministros. A preocupação com a governabilidade passou a integrar o espectro decisório da Suprema Corte. Enfim, o pragmatismo ou o conseqüencialismo ganhou força no discurso dos Ministros do Pretório Excelso.

Tal momento, não por acaso, converge com a passagem do homem político Nelson Jobim pela Corte. A tendência politicamente orientada no discurso dos Ministros e, de modo geral, na colocação da Corte diante dos demais ramos políticos e da sociedade civil parece ser herança deixada pelo então Ministro Nelson Jobim. 1

1 O Ministro Nelson Jobim tomou posse na Corte em 15.03.1997 e se aposentou em 29.03.2006. Durante os nove anos que integrou o Tribunal foi seu Presidente no período de 2004 a 2006, quando saiu. Ao longo de sua trajetória na Corte talvez os dois mais significativos legados que deixou como seu Presidente tenham sido a instituição da chamada “pauta temática” e a maior exposição junto à sociedade do STF na figura do seu Presidente através de entrevistas e participações públicas (como porta-voz). Com formação jurídica, o Ministro era – e ainda é – homem público e, acima de tudo, político. Dentre as principais funções políticas desempenhadas pelo Ministro, destacaram-se: a sua atuação como Deputado Federal pelo PMDB desde 1987 até 1995, a atividade desempenhada como Ministro de Estado da Justiça entre 1995 e 1997 e em 25.07.2007 assumiu o cargo de Ministro de Estado da Defesa (em meio a uma profunda crise da aviação civil no País deflagrada a partir da mobilização dos controladores de vôo). Diante desta veia arraigadamente política do Ministro, é compreensível que ele a tenha levado ao STF quando lá atuou. Resta saber quais foram os impactos e os efeitos desta passagem (política) pela Corte (e se eventualmente ainda permanecem na Corte, se agravam ou se diluíram ao longo do tempo). O fato é que realmente existiu algo que pode ser chamado de “fenômeno Jobim”. No mesmo sentido, confira o seguinte trecho de interessante entrevista concedida pelo Ministro Marco Aurélio a respeito do assunto às vésperas da saída do Ministro Jobim da Presidência da Corte: “ Primeira Leitura: A que o sr. atribui o grau atual de politização do Judiciário? Alguma vez o Judiciário, principalmente o Supremo, havia passado por

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Neste sentido, Nelson Jobim, em entrevista que concedeu ao jornal Valor Econômico quando compunha aquela Corte Suprema, foi perguntado: “O senhor defende maior segurança jurídica e desenvolvimento econômico do país. O Judiciário deve julgar de olho nas contas públicas?” Em resposta, o Ministro explicou que:

“Quando só há uma interpretação possível, acabou a história. Mas quando há um leque de interpretações , por exemplo cinco, todas elas são justificáveis e são logicamente possíveis. Aí, deve haver outro critério para decidir. E esse outro critério é exatamente a conseqüência . Qual é a conseqüência, no meio social, da decisão A, B ou C? Você tem de avaliar, nesses casos muito pulverizados, as conseqüências. Você pode ter uma conseqüência no caso concreto eventualmente injusta, mas que no geral seja positiva. E é isso que eu chamo da responsabilidade do Judiciário das conseqüências de suas decisões ” (grifamos). 2

Parece que a chamada “responsabilidade do Judiciário das conseqüências de suas decisões” foi definitivamente introjetada pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, mesmo depois da saída do Ministro Jobim. Ele atribui à conseqüência o peso do critério determinante nas hipóteses em que há um leque de interpretações justificáveis e logicamente possíveis.

Estaríamos de pleno acordo se o Ministro tivesse expressado que tal critério seria determinante se – e unicamente quando – estivesse corroborando os argumentos jurídicos centrais do debate posto e fosse reconduzido ao texto constitucional (preferencialmente de maior peso axiológico). Como se tratava de uma entrevista direcionada a pessoas leigas, isto poderia ter sido dito, por exemplo, assim: a conseqüência pode ter um peso nas decisões do STF sim, mas o olho nas contas públicas não deve sobrepor-se aos mandamentos constitucionais. O teor pode ser rigorosamente contrário do que foi expresso pelo Ministro Jobim, razão pela qual discordamos de sua assertiva, que não foi suficientemente explícita neste sentido.

Embora a passagem do “fenômeno Jobim” pelo cerne do Poder Judiciário nacional (Supremo Tribunal Federal) ainda careça de aprofundados estudos acadêmicos, salientamos fase semelhante? É só o fenômeno Jobim ou tem algo mais? Marco Aurélio de Mello : Jamais vi algo tão próximo da quadra vivida atualmente [2006]. Estou convencido de que um juiz deve ser juiz as 24 horas do dia. Não consigo conceber que alguém, a partir da toga, almeje um cargo político. Isso é péssimo em termos institucionais e é péssimo para a credibilidade do Judiciário junto aos jurisdicionados” (NOGUEIRA, Rui. Visão de Mundo: Respeito à toga – Entrevista com o Ministro Marco Aurélio Mello. Vencedor e Vencido (Seleção de notas e pronunciamentos no Supremo Tribunal Federal) . : Forense, p. 251-256, 2006, p. 254). Este é um estudo que o ambiente acadêmico ainda não deu a devida atenção. 2 BASILE, Juliano e JAYME, Thiago Vitale. Judiciário favorece aumento de juros, diz Jobim – Entrevista com o Ministro Nelson Jobim. Jornal Valor Econômico . São Paulo, 13.12.2004. Disponível na internet: http://www.valoronline.com.br [12.04.2008].

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com satisfação que alguns dos reflexos de sua contribuição já começam a ser esmiuçados pelos estudiosos. Exemplo disso pode ser encontrado em dissertação escrita por Lucas Borges de Carvalho, na qual ele contrapõe o argumento pragmático ou conseqüencialista, tal como defendido pelo Ministro Jobim nesta entrevista e por Posner em sua obra, às lições de Dworkin (e seu direito como integridade). Ao final, conclui que estas são mais condizentes com a realidade brasileira, apesar de não terem sido prestigiadas na maior parte das decisões do STF sobre algumas das mais relevantes questões nacionais que julgaram no período compreendido entre 1990 e 2005. 3

A interpretação constitucional se adapta à complexa realidade subjacente

Explicado como e quando o conseqüencialismo parece ter assumido um papel de maior relevo junto à tomada das decisões da Suprema Corte, cabe relacionar tal elemento da teoria argumentativa com a técnica decisória que lhe é imediatamente imbricada. Trata-se da possível modulação temporal dos efeitos da decisão judicial. É que freqüentemente o conseqüencialismo e a modulação são umbilicalmente associados. 4

3 De fato, já no fecho da introdução de sua obra o autor adianta que: “As conclusões – como se poderá verificar, com mais detalhes, ao final – não são das mais animadoras. O Supremo Tribunal Federal, no período analisado, não assumiu, de forma alguma, uma postura de compromisso com os direitos fundamentais. Muito pelo contrário, a Corte, em geral, atua de modo pragmático, desrespeitando precedentes e recorrendo a argumentos consequencialistas meramente especulativos, sem expressar, em suas decisões, uma linha coerente de argumentação. Nesse contexto, no qual os direitos não são levados a sério, a legitimação democrática do tribunal resta comprometida e, junto a ela, a própria legitimidade da ordem jurídica brasileira” (CARVALHO, Lucas Borges de. Jurisdição Constitucional & democracia – integridade e pragmatismo nas decisões do Supremo Tribunal Federal . Curitiba: Juruá, 2007, p. 29). Além disso, vale mencionar as seguintes dissertações que constituem excelentes trabalhos de pesquisa: ARGUELHES, Diego Werneck. Deuses Pragmáticos, Mortais Formalistas : A justificação consequencialista de decisões judiciais. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2006, mimeo; LEAL, Fernando Angelo Ribeiro. Decidindo com normas vagas : estado de direito, coerência e pragmatismo por uma teoria da decisão argumentativa e institucionalmente adequada. Dissertação (Mestrado em Direito Público) – Faculdade de Direito, Universidade do Rio de Janeiro, 2006, mimeo. 4 Embora o argumento conseqüencialista possa e deva ser levado em consideração na tomada das decisões judiciais, releva notar que sobressai a sua importância especialmente quando versar algumas matérias e temáticas específicas, como criação de municípios e remuneração de servidores, por exemplo. Noutras, como no direito tributário, a sua aplicação ainda carece de balizamentos claros que sejam capazes de esboçar a sua compreensão adequada e segura, razão pela qual o seu uso deve ser limitado às hipóteses ainda mais excepcionais do que de praxe, como nas hipóteses da mudança de jurisprudência em sentido contrário aos contribuintes, que até então agiram ao abrigo da proteção da confiança legítima e da boa-fé objetiva (segurança jurídica). A respeito confira: DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário : Proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como limitações constitucionais ao Poder Judicial de Tributar. São Paulo: Noeses, 2009. Cabe assinalar que os votos que prevaleceram nas primeiras três análises do Supremo Tribunal Federal a respeito de eventual aplicação da modulação temporal dos efeitos de sua decisão em matéria tributária foram desastrosos do ponto de vista jurídico-teórico (IPI-Alíquota zero, prescrição qüinqüenal da prescrição e decadência dos créditos tributários e COFINS das sociedades profissionais).

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De fato, nos últimos anos, verifica-se um esforço cada vez maior para racionalizar e otimizar o trabalho judiciário, razão pela qual se tem crescente necessidade de preservar a estabilidade de relações jurídicas pré-existentes e sedimentadas através dos tempos. Em algumas situações particulares, conduziram a um maior desenvolvimento no constitucionalismo pátrio acerca da atribuição dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade. 5

É relevante assinalar que a modulação temporal consiste em mitigar os efeitos da decisão judicial sempre que a declaração da inconstitucionalidade resultar na criação de situações que afrontariam ainda mais gravosamente a vontade constitucional, isto é, tem serventia naqueles casos “em que a declaração de nulidade possa dar ensejo ao surgimento de uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional”. 6

“De fato, é possível que uma norma legal se revele incompatível com a Constituição, mas que a sua supressão do universo jurídico, sobretudo quando realizada de forma retroativa, cause danos mais lesivos aos interesses e valores abrigados na ordem constitucional, do que a sua manutenção provisória”. 7

A sua possível aplicação deve ser cogitada somente em situações excepcionalíssimas, quando a atribuição do tradicional efeito ex tunc (retroativo) à declaração de inconstitucionalidade conduz a uma situação ainda mais afastada da “vontade constitucional” em razão do vácuo que pode ser criado em alguns casos. 8

5 Trata-se de restrição da eficácia temporal da decisão. O contexto histórico no qual se inseriu esta modificação é explicitado na sua Exposição de Motivos (cf. PODER EXECUTIVO. Mensagem nº 396, Exposição de Motivos nº 189, 07.04.1997). 6 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade . 2ª ed. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p. 463-471. No mesmo sentido, confira o voto do Ministro em relevante questão tributária julgada pelo Pretório Excelso (STF – RE 353.657, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.06.07, DJE 07.03.08). 7 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In : SAMPAIO, José Adércio Leite e CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coord.). Hermenêutica e Jurisdição Constitucional . Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 11 e 31. 8 Estes casos, explicitamos em outra oportunidade, são situações específicas que evidenciam a necessidade de solução menos tradicional. Como exemplos, pensem na declaração de inconstitucionalidade de dispositivo normativo: (i) que criou mais cargos de vereadores do que deveria, (ii) que criou certo Município, (iii) que nomeou um grupo de servidores públicos e (iv) que aumentou o vencimento de uma categoria deles. Estes exemplos são rotineiramente examinados pelo STF. São casos delicados onde a aplicação do efeito retroativo ( ex tunc ) pura e simples poderia gerar gravíssimas conseqüências, tanto do ponto de vista fático como também (e especialmente) jurídico. Para tais situações, a aplicação da modulação dos efeitos é plenamente viável, cabível e até recomendável. Observando estas e outras situações de diferentes áreas jurídicas, verificamos que a modulação dos efeitos pode ser salutar em alguns casos. Em outros não! Consultar: ANDRADE, Fábio Martins de. A ADC 18, a modulação e o dilema do STF. Jornal Valor Econômico . São Paulo, ano 10, nº 2.318, Legislação & Tributos, p. E2, 10.08.2009.

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A relevância e atualidade deste tema evidenciam-se com a lembrança de recente episódio vivido no Plenário do Supremo Tribunal Federal que, compreendido no seu aspecto eminentemente jurídico e despido da aparente agressão entre os Ministros interlocutores, revela a sua árdua tarefa de pontuar adequadamente tais institutos na experiência prática deste momento que vivemos, inclusive e especialmente no âmbito interno da própria Corte.

Em questão que fora decidida em ação direta pela inconstitucionalidade da possível regulamentação da aposentadoria de uma parcela dos serventuários da Justiça em regime idêntico aos servidores públicos, decorrentes de legislação proveniente do Estado do Paraná, a oposição de embargos de declaração se prestava a esclarecer a respeito de eventual aplicação da modulação temporal dos efeitos de tal decisão. 9

Embora não conste do acórdão publicado recentemente, na ocasião foi amplamente noticiado o “acalorado debate” protagonizado pelos Ministros e . O pano de fundo jurídico foi justamente a combinação da modulação com o ajuste adequado do conseqüencialismo naquela decisão específica.

Em realidade, o problema não é novo e tampouco só brasileiro, mas se verifica que o equacionamento adequado é urgente na atual quadra. Em breve retrospectiva na seara nacional constatamos que já em meado da década de 1970, a Suprema Corte já se deparava com tal problemática no âmbito do modelo difuso de controle de constitucionalidade e cogitava acerca da aplicação de eventuais efeitos ex nunc , isto é, não retroativos. 10

Tratando-se do modelo concentrado de controle de constitucionalidade, há precedente de 1991 que já trazia tal preocupação. 11 Nos anos seguintes, alguns delineamentos foram esclarecidos através do exaurimento do julgamento de ações diretas, quando se definiu a respeito da possível modulação temporal dos efeitos de suas decisões que poderia ser

9 Sob o aspecto processual, é curioso notar que quando julgado tais embargos, foram eles conhecidos por unanimidade. No mérito, cujo julgamento foi iniciado em 18.03.2008, quatro Ministros davam-lhe provimento e quatro negavam-lhe provimento. Em seguida, a sessão foi suspensa para colher o voto dos demais Ministros da Corte que, na ocasião estavam ausentes justificadamente. Retomado o julgamento em 22.04.2009, os embargos de declaração foram rejeitados pela maioria dos votos do Pleno. Confira: STF – Pleno, ADI 2.791, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 16.08.2006, DJU 24.11.2006; STF – Pleno, ADI 2.791-ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ ac. Min. Menezes Direito, j. 22.04.2009, DJe 04.09.2009. 10 A título ilustrativo confira o debate travado nos seguintes julgamentos: STF – 2ª Turma, RE 78.594, Rel. Min. Bilac Pinto, j. 07.06.1974, DJU 30.10.1974; STF – 2ª Turma, RE 79.343, Rel. Min. Leitão de Abreu, j. 31.05.1977, DJU 02.09.1977. 11 STF – Pleno, ADI 513, Rel. Min. Célio Borja, j. 14.06.1991, DJU 30.10.1992.

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fundamentada por “política judicial de conveniência”, 12 o silêncio equivaleria à aplicação da regra geral (efeito retroativo ou ex tunc ), 13 não seria cabível quando reconhecida a constitucionalidade do ato questionado, 14 seria cabível e recomendável quando transcorrido muito tempo a ponto de consolidar uma enorme gama de situações concretas, 15 dentre outros parâmetros que foram sendo acrescentados na chamada doutrina prospectiva.

Com efeito, precisamente a partir do art. 27 da Lei nº 9.868/99 que a modulação temporal dos efeitos da decisão judicial ganha força no sistema jurídico brasileiro. 16 A interpretação literal e restritiva de que tal dispositivo aplicar-se-ia somente ao Supremo Tribunal Federal tem sido cada vez mais suplantada pela interpretação sistemática e ampliativa, pela qual se aplica aos demais Tribunais Superiores,17 bem como aos outros tribunais colegiados. 18 Tem faltado, no

12 STF – Pleno, ADI 1.102, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 05.10.1995, DJU 17.11.1995. 13 STF – Pleno, ADI 2.728-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 19.10.2006, DJU 05.10.2007. 14 STF – Pleno, ADI 1.040-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.05.2006, DJU 01.09.2006. 15 STF – Pleno, ADI 3.615, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 30.08.2006, DJU 09.03.2007. 16 Eis a dicção do dispositivo: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Recentemente, verificamos tal faculdade legislativa ampliando-se na esfera dos demais entes federativos. Como exemplo, é curioso notar que, na seara estadual, a Lei nº 5.427, de 01.04.2009, que estabelece normas sobre atos e processos administrativos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, tendo por objetivo, em especial, a proteção dos direitos dos administrados, preceitua, nos termos do § 3º do art. 53 que: “Os Poderes do Estado e os demais órgãos dotados de autonomia constitucional poderão, no exercício de função administrativa, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, restringir os efeitos da declaração de nulidade de ato normativo ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de determinado momento que venha a ser fixado”. 17 No mesmo sentido, confira: FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio; CARRAZZA, Roque Antonio; NERY JUNIOR, Nelson. Efeito ex nunc e as decisões do STJ . 2ª ed. Barueri, SP: Manole: Minha Editora, 2009. Assim, o Superior Tribunal de Justiça já se viu envolvido na consideração acerca da aplicação ou não da modulação temporal dos efeitos de certas decisões que tomou, dentre as quais se destaca o detalhado exame em torno do Crédito-Prêmio do IPI (STJ – 1ª Seção, EREsp. 765.134, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. p/ ac. Min. Teori Albino Zavascki, j. 27.06.2007, DJU 22.10.2007; STJ – 1ª Seção, EREsp. 771.184, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. p/ ac. Teori Albino Zavascki, j. 27.06.2007, DJU 22.10.2007; STJ – 1ª Seção, EREsp. 738.689, Rel. Min. Albino Zavascki, j. 27.06.2007, DJU 22.10.2007). Recentemente, o STJ admitiu a aplicação do efeito não retroativo ( ex nunc ) ao decreto de inidoneidade pela Controladoria Geral da União e sua não interferência nos contratos já existentes e em andamento de acordo com as licitações anteriormente vencidas pela empresa posteriormente declarada inidônea (STJ – 1ª Seção, MS 13.101, Rel. Min. José Delgado, Rel. p/ ac. Min. Eliana Calmon, j. 14.05.2008, DJE 09.12.2008). 18 No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, cabe registrar que há julgados tanto no sentido de que cabe a aplicação da modulação temporal dos seus efeitos, sob o fundamento de reduzir o impacto de suas decisões (TRF-1ª Região, 7ª Turma, EDAC 200738010009502, Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, j. 14.10.2008, DJU 16.01.2009), como também no sentido contrário, inadmitindo-a, vez que o art. 27 deveria ser aplicado apenas e tão somente nas hipóteses excepcionalíssimas dentro do universo de julgamento das ações diretas e não se coadunam com a sentença eminentemente declaratória em controle difuso (TRF-3ª Região, 6ª Turma, AC 1346618, Rel. Des. Fed. Lazarano Neto, j. 30.10.2008, DJU 01.12.2008; TRF-3ª Região, 6ª Turma, AC 1357085, Rel. Des. Fed. Lazarano Neto, j. 29.01.2009, DJU 16.03.2009). Como exemplo de possível aplicação do efeito ex nunc pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confira o seguinte parecer da lavra do Professor Ives Gandra da Silva Martins, que versou

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entanto a compreensão adequada de que, em qualquer caso, devem ser observados os limites legalmente estabelecidos.

No atual momento, por conseguinte, a análise em torno da eventual aplicação do art. 27 da Lei nº 9.868/99 (diretamente ou por aplicação analógica) ganha espaço junto aos mais variados órgãos colegiados dos diferentes tribunais da Federação e alcança diferentes searas legislativas. Cabe assinalar, no entanto, que tal dispositivo permanece envolvido em variados questionamentos sobre sua inconstitucionalidade, tanto em sede doutrinária 19 como também jurisprudencial.

Na seara jurisprudencial, insta salientar que esta relevante questão pende do pronunciamento definitivo do Plenário do Supremo Tribunal Federal desde o ano de 2000. Neste ano foram ajuizadas duas ações diretas questionando de modo expresso a adequação do art. 27, além de outros dispositivos da Lei nº 9.868/99, em relação à Constituição da República.20

Por conseguinte, temos que o art. 27 da Lei nº 9.868/99 permanece envolvido desde 2000 em sérias dúvidas e questões relacionadas à sua inconstitucionalidade, por suposta violação ao art. 1º (Estado Democrático de Direito) e art. 5º, incisos I (igualdade formal) e II (legalidade), todos da Constituição da República, além dos variados entendimentos doutrinários a respeito.

sobre a declaração de inconstitucionalidade pelo seu Órgão Especial de leis do Município de Campinas que dispõem sobre regras de zoneamento na cidade: MARTINS, Ives Gandra da Silva. Parecer: Leis municipais com declaração de inconstitucionalidade cinco anos após sua edição – Eficácia ‘ex nunc’ justificável. Revista Dialética de Direito Processual . São Paulo: Dialética, nº 77, ago 2009, p. 138-152. 19 Embora seja a parte minoritária da doutrina, merece referência esta orientação defendida por autores do calibre de: Álvaro Ricardo de Souza Cruz, Olavo Alves Ferreira, Ingo Wolfgang Sarlet, Silvio Nazareno Costa, Ives Gandra da Silva Martins, Elival da Silva Ramos, Lenio Luiz Streck, José Adércio Leite Sampaio e o Ministro Moreira Alves (cf. FERREIRA, Olavo Alves. Controle de Constitucionalidade e seus Efeitos . São Paulo: Método, 2003, p. 89-93). No mesmo sentido, confira a orientação do Prof. Ives Gandra no seguinte trecho de sua obra: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade : Comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 205-206. Confira os argumentos levantados por Álvaro Ricardo no seguinte trecho de seu livro: CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição Constitucional Democrática . Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 423. 20 De um lado, a Confederação Nacional das Profissões Liberais – CNPL ajuizou a ADI 2.154 em 22.02.2000 contra alguns dispositivos da referida lei, inclusive o art. 27, sob o fundamento de que violaria diretamente o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, inciso II) e, indiretamente, o princípio constitucional da igualdade formal (art. 5º, inciso I), visto que a declaração de eficácia poderia beneficiar uns em detrimento de outros. De outro lado, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB ajuizou a ADI 2.258 em 27.07.2000 contra outros dispositivos da referida lei, inclusive o art. 27, sob o fundamento de que viola tanto o princípio constitucional da legalidade (art. 5º, inciso II) como também o Estado Democrático de Direito (art. 1º).

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Os autos da ADI 2.154 (ajuizada pela CNPL) foram apensados a ADI 2.258 (ajuizada pelo Conselho Federal da OAB). Em 14.02.2007, o julgamento pelo Tribunal foi iniciado. Na ocasião, foram examinados alguns dispositivos então inquinados e, no tocante específico ao art. 27, foi suspenso por falta de quorum . Retomado em 16.08.2007, o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, prolatou voto no sentido da inconstitucionalidade do referido dispositivo. 21 Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista da Ministra Cármen Lúcia. 22

A importância do ativismo judicial na proteção dos direitos fundamentais

Podemos considerar o Ministro Ricardo Lewandowski como vigoroso defensor do protagonismo do Supremo Tribunal Federal na proteção dos direitos fundamentais. Dada a sua vida pregressa como magistrado respeitado e a notável independência com a qual tem atuado na Suprema Corte, assinalamos neste momento breves considerações captadas de lições clássicas lembradas pelo Ministro.

Em 28.08.2009, o Ministro Ricardo Lewandowski foi o convidado de honra do painel dedicado aos “Diálogos com o Supremo” promovido pela Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e cuidou do tema relacionado ao “ativismo no STF”.

De fato, lembrando a previsão positiva de Norberto Bobbio a respeito do limiar do século XXI que se avizinhava quando concedeu certa entrevista, o Ministro destacou o protagonismo do Poder Judiciário como um todo e do STF de modo particular no que seria a “Era dos Direitos”, ou seja, a “Era do Poder Judiciário” ou de ativismo judicial. Neste cenário, sobressai o seu papel primacial de dar cada vez mais concreção e efetividade aos direitos fundamentais.

Comungamos da percepção do Ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de que é precisamente a proteção dos direitos fundamentais que deve ser a linha de condução dos temas

21 Cf. o Informativo nº 476 do STF: “O Min. Sepúlveda Pertence, relator, julgou procedente o pedido relativamente ao art. 27 da Lei 9.868/99 [...]. Salientando que a nulidade da lei inconstitucional decorre, no sistema da Constituição, da adoção, paralela ao controle direto e abstrato, do controle difuso de inconstitucionalidade, entendeu que uma alteração dessa magnitude só poderia ser feita por emenda constitucional. Ademais, considerou que, ainda que ultrapassada a inconstitucionalidade formal, seria necessário dar interpretação conforme ao referido dispositivo, a fim de evitar que sua aplicação pudesse atingir o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, eventualmente surgidos da inconstitucionalidade da lei”. 22 Em prognóstico acerca do possível reconhecimento da constitucionalidade do art. 27: “Todavia, registre-se nossa opinião, em consonância com a de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, no sentido de que provavelmente esta inovação será admitida como válida pelo Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado e no controle difuso” (FERREIRA, Olavo Alves. Controle de Constitucionalidade e seus Efeitos . São Paulo: Método, 2003, p. 98).

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submetidos ao exame do Poder Judiciário de modo geral e da Suprema Corte no tocante às questões constitucionais de repercussão geral. 23

Afinal, o Poder Judiciário é o último bastião a que se socorre o cidadão quando violado em seus direitos pelos órgãos governamentais, leis e atos normativos abusivos ou arbitrários e o Supremo Tribunal Federal é a última trincheira na proteção dos seus direitos fundamentais, fazendo prevalecer os ditames estabelecidos na Lei Maior.

Esta é a função primordial reservada ao guardião último da Constituição da República consoante a orientação de variadas correntes de pensamento da filosofia constitucional, com evidente destaque para o movimento do neoconstitucionalismo, cujos defensores e estudiosos crescem cada vez mais no País (com destaque para o Professor Luís Roberto Barroso).

Voltando ao painel da FGV que contou com a participação do Ministro Ricardo Lewandowski, ele finalizou a sua apresentação explicando que a palavra “crise”, quando escrita em chinês, se traduz em dois ideogramas. Um deles quer dizer “perigo” e o outro “oportunidade”. Talvez em face de uma situação de perigo, salientou, nós estejamos diante de uma oportunidade para repensarmos o sistema político institucional brasileiro.

A encruzilhada pendente do Supremo Tribunal Federal

Percebemos, portanto, que a conjugação dos elementos que elegemos para trabalhar (o conseqüencialismo, a modulação, o ativismo e o Estado de Direito) leva a um estado de coisas complexo, por resolver e até paradoxal no âmbito interno do Supremo Tribunal Federal e, como decorrência, do Poder Judiciário como um todo.

Quando nos debruçamos sobre a análise jurisprudencial, releva assinalar que o comprometimento do Supremo Tribunal Federal com o ativismo judicial não significa necessária comunhão com o discurso de fundamentação que invoque a proteção dos direitos

23 Para aprofundamento do protagonismo do Poder Judiciário de modo geral e do STF de maneira particular na vida pública do País e na proteção dos direitos fundamentais, confira o seguinte estudo recentemente publicado: VIEIRA, José Ribas; CAMARGO, Margarida Maria Lacombe; SILVA, Alexandre Garrido da. Brasil nas mãos dos tribunais – O Supremo Tribunal Federal como arquiteto institucional: a judicialização da política e o ativismo judicial. Versus – Revista de Ciências Sociais Aplicadas do CCJE/UFRJ . Rio de Janeiro: UFRJ, ano I, nº 02, ago 2009, p. 75-84. Disponível na internet: http://www.versus.ufrj.br [14.09.2009].

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fundamentais. 24 É que sob certo aspecto têm se aproximado mais de um ativismo judicial proporcionado pelo pensamento conseqüencialista do que pela perspectiva teórica própria do neoconstitucionalismo. 25

Já apontamos em outra oportunidade que, nos últimos tempos, o Supremo Tribunal Federal tem adotado um posicionamento dito “conseqüencialista”, vale dizer, bastante atento às conseqüências práticas de suas decisões. A razão prática tem passado a exercer um papel preponderante na administração da Justiça, sobrepondo-se, por vezes, às razões eminentemente teóricas. Tal orientação, no entanto, pode conduzir a desvios indesejáveis. 26

A modulação deve ser utilizada com parcimônia na grande maioria dos casos. Constitui exceção ao princípio da nulidade absoluta da lei inconstitucional. Deve, outrossim, ser sempre utilizado em favor dos cidadãos que tenham agido com base na confiança legítima e na boa-fé, que defluem da segurança jurídica que, por sua vez, decorre do Estado Democrático de Direito. A modulação temporal não pode, em nenhuma hipótese, agravar a situação dos cidadãos,

24 No mesmo sentido: “Assim, a prática demonstra que, embora o STF esteja enveredando por uma trajetória de desenvolvimento do identificado ativismo jurisdicional, essa mesma opção de política judiciária não tem encontrado um discurso de fundamentação que invoque, como pedra angular, a tutela dos direitos fundamentais” (VALLE, Vanice Regina Lírio do (Org.). Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal . Curitiba: Juruá, 2009, p. 64). 25 Essa é a conclusão a que chega um grupo de pesquisadores engajados em laboratório de análise jurisprudencial do STF sobre o seu ativismo jurisdicional: “A partir dos casos jurídicos analisados, afirma-se que a argumentação dos ministros do Supremo Tribunal Federal em seus votos, ao trabalhar com categorias jurídicas como ‘força normativa dos fatos’, ‘situação excepcional’, ‘contexto’ e ‘realidade constitucional’, têm se aproximado mais de um ativismo judicial proporcionado pelo pensamento pragmatista do que pela perspectiva teórica, mais valorativa e principialista, própria do neoconstitucionalismo”. Em seguida, o grupo de pesquisadores exemplificou com algumas das principais causas que foram examinadas: “No entanto, apesar de não desempenharem um papel protagonista, as principais teses do neoconstitucionalismo – como a metodologia da ponderação e o princípio instrumental da proporcionalidade na justificação da modulação temporal dos efeitos decisórios nos casos analisados sobre os municípios inconstitucionais (ADI 2.240-7/BA e 3.489-8/SC), assim como a tese sobre a força normativa da Constituição aliada às considerações pragmáticas expostas no caso sobre o direito de greve dos servidores públicos (MI 670 e 712) - exerceram um papel também importante na motivação dos votos dos ministros nesses casos”. Em complemento, acresce que: “Ainda quando a questão de fundo provocadora do exercício da jurisdição constitucional envolve direitos fundamentais – como nos mandados de injunção sobre o direito de greve no serviço público, e na RCL 4.335, cujo tema central é o direito à liberdade – o fio condutor dos votos proferidos não é a efetividade desses mesmos direitos ou os compromissos valorativos do texto fundamental, mas os imperativos de ampliação da eficácia das pronúncias já havidas em sede de jurisdição constitucional, ou seja, a afirmação e a ampliação da competência normativa da corte, particularmente nas situações que ela qualifica como excepcionais” (VALLE, Vanice Regina Lírio do (Org.). Ativismo jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2009, p. 133-134). 26 ANDRADE, Fábio Martins de. O dilema do Supremo Tribunal Federal. Jornal do Commercio . Rio de Janeiro, ano CLXXXII, nº 154, Opinião, p. A13, 14.05.2009; Correio Braziliense . Brasília, 22.06.2009 (Direito & Justiça), p. 03.

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especialmente em casos que resultam da inércia do Poder Público (demora de legislar e morosidade na prestação jurisdicional).

Mais do que nunca é necessário o engajamento de toda a sociedade civil para o adequado enquadramento destes temas que escolhemos explicitar neste trabalho. É certo, porém, que tal engajamento deve partir dos acadêmicos para abrir as trilhas, dos doutrinadores para pavimentar o caminho e dos advogados para zelar pela qualidade da jurisprudência sobre estes temas que ainda carecem de adequada aplicação pelos intérpretes da Constituição (compreendidos como na sociedade aberta idealizada por Haberle). 27

Enfim, é o momento de desatar o nó que se tornou o encontro dos elementos que escolhemos trazer ao estudo: o conseqüencialismo na decisão judicial, a modulação temporal dos seus efeitos, o ativismo judicial e o Estado de Direito.

Talvez um possível termômetro sobre a orientação da Suprema Corte e o papel de todos e cada um rumo ao crescente debate em torno das questões que optamos em trazer possa ocorrer antes mesmo do que imaginamos. Pende de julgamento uma relevante questão constitucional em matéria tributária relacionada à inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS, cuja questão jurídica aguarda o desfecho junto ao Pleno do Supremo Tribunal Federal desde 1999.

A ADC 18 aguarda o julgamento de mérito e, caso a expectativa de julgamento favorável aos contribuintes seja confirmada, NÃO cabe na situação posta aplicá-la com efeito ex nunc ou pro futuro , como pleiteado na petição inicial de tal ação. É que seis votos dos atuais integrantes do Pleno já são conhecidos e o julgamento desta questão se iniciou há exatos dez anos, isto é, não há qualquer tipo de “surpresa” que possa ser alegado no caso.

Se o argumento conseqüencialista de cunho econômico pode (im)pressionar em favor da pretensão fazendária, vejamos o reverso da moeda. Contraposto ao tal “rombo” que a decisão favorável aos contribuintes acarretaria, temos o rombo já embolsado pelo Fisco de toda aquela quantia que já foi paga, não foi questionada, cujo direito de repetir decaiu e prescreveu. 28

27 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição . Trad. Gilmar Ferreira Mendes. : Sergio Antônio Fabris Editor, 1997. 28 Para aprofundamento desta questão específica, confira: A ADC 18 e a modulação temporal dos efeitos: por que a eventual decisão acerca da inconstitucionalidade da inclusão da parcela do ICMS na base de

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Insta salientar a oportunidade que tal julgamento pode propiciar ao Supremo Tribunal Federal para reverter as mensagens que foram cunhadas em matéria tributária para a sociedade e o governo, considerando os três precedentes de relevância nacional já julgados. Tais mensagens, resumidamente, foram no sentido de promover ainda maior litigiosidade entre os contribuintes e o Fisco.

Dado o caráter pedagógico dos precedentes firmados pela Suprema Corte, torna-se cada vez mais preocupante que subsistam decisões dela emanadas que a coloque como espécie de “segunda instância do governo” em claro amesquinhamento do elevado mister a que é destinada pelos ditames constitucionais.

Afinal, como assistimos em sustentação oral recente no Pleno do Supremo Tribunal Federal, “modular efeitos para minimizar perdas financeiras do Estado equivale a reduzir esta Corte Constitucional ao papel de curadora de um Estado que se tem por incapaz”. 29

É hora de definirmos se a modulação temporal dos efeitos das decisões judiciais vai ser utilizada como mais um instrumento de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos ou se vai servir a interesses específicos, nem sempre de caráter republicano.

cálculo da Cofins e do Pis na ADC 18 não deve ter efeito ex nunc em benefício da Fazenda Nacional. Revista Dialética de Direito Tributário . São Paulo: Ed. Dialética, n. 166, jul 2009, p. 61-77. 29 ANDRADE, André Martins de. Sustentação oral no Caso Pettenati, onde figurou como Recorrente Pettenati S/A Indústria Têxtil e Recorrida a União Federal/Fazenda Nacional (STF – Pleno, RE 577.302, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.08.2009, DJe 10.09.2009).

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