Agosto 2011 - ANO VIII nº 27

– Revista de Cultura da Imprensa Oficial do o Prelo Estado do

Estado do Rio de Janeiro

Uma sala de cultura com a marca da ousadia Espaço criado pela Imprensa Oficial A mulher que homenageia e reflete o mito LeilaLeila Diniz inspirou uma geração Página 4 Página 6

ESPECIAL JORGE DE SALLES O DESENHISTA DO RIO

ILHA DAS FLORES: DUQUE DE CAXIAS: MARINHA TRANSFORMA EM O VIGOR DA SEGUNDA CIDADE MUSEU O PRIMEIRO LAR DE MAIS INDUSTRIALIZADA DO IMIGRANTES DO PAÍS. Página 8 ESTADO. Página 20

Nesta Edição

cAPA 04 Imprensa Oficial inaugura a Sala de Cultura Leila Diniz - Arte e Cultura da Sérgio Cabral Região Metropolitana GOVERNADOR Regis Velasco Fichtner Pereira HISTÓRIA SECRETÁRIO DE ESTADO CHEFE DA CASA CIVIL 08 ‘Você era um estranho e o Brasil o acolheu’ MuSEU 14 Casa de Oliveira Vianna – A morada do pensamento brasileiro Haroldo Zager Faria Tinoco Diretor-Presidente Luiz Sérgio Guerra Diniz PROCÓPIO MINEIRO: Obituário Diretor Administrativo-Financeiro 18 Um jornalista que não se rendeu Jorge Narciso Peres Diretor-Industrial

Rua Prof. Heitor Carrilho, 81 Centro - Niterói - RJ - CEP 24030-230 Telefone: 2717-4141 PABX encarte especial www.imprensaoficial.rj.gov.br Jorge Salles, o desenhista do Rio ANO VIII nº 27

ARTIGO 19 MALDITA–A rádio que virou lenda do Rock brasileiro Rua Prof. Heitor Carrilho, 81 Centro - Niterói - RJ - CEP 24030-230 Assessoria de Comunicação Social - ASCOP Municípios Tels: (21) 2717-4682 20 Duque de Caxias Endereço eletrônico: De engenho de açúcar à maior refinaria do Brasil [email protected]

Editado pela Assessoria de Comunicação Social da Imprensa Oficial FOTOGRAFIA 26 Fotojornalismo - A arte de imortalizar Assessora de Comunicação: Andréa de Freitas Machado a notícia

Redatores: Procópio Mineiro liVROS Luiz Augusto Erthal 30 UFF– De livraria universitária a espaço cultural Estagiários: Mariana Florito Priscilla Daumas Juliana Araújo BIBLIOTECa Ricardo Chau 31 Acervo de 12 mil obras compõe a casa da memória Thiago da Mata fluminense Programação Visual: Regina Leitão Angela Duque Luis Fernando da Silva Reis MEIO AMBIENTE 33 Piscinão De São Gonçalo Revisão: Assessoria de Comunicação Social da Imprensa Oficial

Impressa no Parque Gráfico da AS OPINIÕES EMITIDAS NAS MATÉRIAS SÃO DE RESPONSABILIDADE Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro EXCLUSIVA DOS AUTORES o Prelo 3 Portas abertas para a arte e a cultura da Região Metropolitana Sala de Cultura Leila Diniz, inaugurada em julho, oferece espaço gratuito para artistas de Niterói e municípios vizinhos Fotos: Assessoria de Comunicação da Imprensa Oficial da Imprensa Assessoria de Comunicação Fotos:

A exposição sobre os 80 anos do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro inaugurou o espaço cultural

Procópio Mineiro

naugurada em 1º de julho, sob artísticas. Projetos devem ser enviados na cultura de Niterói e do Estado do Io signo da inovação, a Sala de para o saladecultura@imprensaofi- Rio de Janeiro”, destacou Janaína, Cultura Leila Diniz celebrou os 80 cial.rj.gov.br. durante a inauguração. anos do Diário Oficial, comemorados “A lembrança do nome de Leila A atriz Leila Diniz quebrou ta- na mesma data e a modernização Diniz para esta Sala é uma home- bus, servindo de inspiração para o da empresa iniciada em 2007. Após nagem que Niterói estava devendo momento atual, em que as mulheres descerrar a placa de inauguração, a a minha mãe, uma mulher-símbolo conquistaram sua autonomia e espa- cineasta Janaína Diniz deixou uma de uma época e inspiradora de toda ço. Leila Diniz será sempre símbolo de mensagem no painel interativo, na uma geração. Demorou, mas chegou alegria, simpatia e ousadia, por inovar entrada da sala: “Que este seja um o momento, através desta lembrança através de ideias e atitudes a frente do espaço de ocupação cultural! Liberdade da Imprensa Oficial. É preciso ainda seu tempo. para a expressão artística”. E é sob a dizer que esta decisão de incentivar O simbolismo libertário de Leila égide do incentivo cultural que a Sala os artistas, ao ajudá-los a expor sem Diniz foi destacado também pelo sub- de Cultura, ao lado da sede da Im- custos, tem tudo a ver com o legado secretário estadual de Comunicação prensa Oficial, está de portas abertas libertário de Leila Diniz. Minha mãe Social, Ricardo Cota, ue lembrou o aos artistas da Região Metropolitana, praticou a liberdade e a transparência e fato de o presidente da Imprensa Ofi- oferecendo o espaço sem custos para aqui se cultuará a liberdade de expres- cial, Haroldo Zager, responsável pela os outros. Com 240 metros quadra- são de todo o povo que trabalha com escolha do nome da sala, ter traba- dos, as instalações foram projetadas a cultura. A Imprensa Oficial está de lhado nos anos 1970 em O Pasquim, para abrigar diferentes manifestações parabéns e mais uma vez faz história quando foi publicada uma memorável 4 o Prelo entrevista de Leila Diniz. A reporta- gem marcou época e deu projeção às idéias vanguardistas defendidas pela atriz, exatamente no período em que a Ditadura Militar se esmerava na sua política mais repressiva. O prefeito de Niteroi, Jorge Ro- berto Silveira, por sua vez, comemo- rou a abertura do novo espaço como um enriquecimento para a cidade, já tradicionalmente uma comunidade geradora de arte e cultura. “A Sala Foto: Ass. de Comunicação da Imprensa Oficial Ass. de Comunicação da Imprensa Foto: Leila Diniz é a cara de Niteroi”, saudou. Oficial Ass. de Comunicação da Imprensa Foto: Também estiveram presentes no Janaina Diniz, filha de Leila e do evento o secretário estadual do Traba- cineasta , falou na solenidade de inauguração sobre lho, Sérgio Zveiter; o subsecretário da o legado de sua mãe e conversou Região Metropolitana, Alexandre Feli- animadamente (acima) com o pe; o presidente da Fundação de Arte poeta Luiz Antônio Pimentel de Niterói, Marcos Sabino; o prefeito de Rio Bonito, José Luiz Alves Antu- nes; o chefe de gabinete da Casa Civil, Arthur Vieira Bastos; o presidente do RioPrevidência; Gustavo Barbosa; a superintendente estadual de Museus, Márcia Bibiani; a diretora da Bibliote- ca Estadual de Niteroi, Glória Blauth; e a presidente do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem), Soraya Santos. Outras presenças ilustrem foram o presidente da Folha Dirigida, Adolfo Martins, do presidente do jornal O Fluminense, Alexandre Torres e da presidente da Associação Niteroiense Oficial da Imprensa Ass. de Comunicação Foto: dos Deficientes Físicos (Andef), Tânia O presidente da Imprensa Oficial, Haroldo Zager, o Rodrigues. Além de intelectuais como subsecretário de Comunicação do Governo, Ricardo Cota, o escritor Luís Antônio Pimentel, de Janaina Diniz e o prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira 99 anos, considerado uma das maio- descerram a placa inaugural da Sala de Cultura res expressões da moderna literatura fluminense, e o bibliófilo Carlos Mônaco, o músico João Carino e representantes da Associação Flumi- nense de Jornalistas e do Sindicato dos Artistas de Niterói.

Exposição A inauguração da sala marcou tam- bém a abertura da exposição sobre os 80 anos do Diário Oficial do Estado do Rio, organizada com a colaboração da diretora do Museu do Ingá, a historia- Oficial Ass. de Comunicação da Imprensa Foto: dora e museóloga Dora Silveira. A ex- posição mostrou, a partir das capas do D.O., a evolução do processo gráfico na empresa. O público pôde conhecer objetos e equipamentos utilizados para produzir o jornal desde o tempo da litografia, com a exibição da pedra litográfica (pedra sabão) utilizada para Diversas personalidades ligadas à culura fluminense prestigiaram a inauguração impressão. do novo espaço cultural o Prelo 5 A mulher que inspirou uma geração inteira

A atriz niteroiense Leila Diniz Leila Diniz salta sobre a areia da praia de não se caracterizou por um discurso Ipanema nos anos 70, numa imagem que simboliza a liberdade que tanto defendeu partidário nem mesmo deu mostras

de simpatias políticas explícitas - CPDOC/JB Foto: embora não escondesse sua antipatia ao regime militar -, mas herdou o pensamento libertário feminista que caracterizou algumas mulheres de destaque da Revolução Russa (ver O Prelo, nº 24, Dezembro 2010, matéria de capa: “1910-2010 - Os 100 anos da mulher”). Pode-se dizer que sua rebelião social expressou-se pela vivência de uma plena igualda- de, na direção contrária à situação de subordinação tradicionalmente reservada às mulheres. Marcou sua época e o feminis- mo daquele momento, onde quem ditava o movimento de liberação não eram mais as comunistas politizadas do início do século, mas uma feiosa e algo depressiva norte-americana chamada Betty Friedan, autora do influentíssimo livro “The Feminine Mystique”, de 1963, que pregava a superação do papel feminino de esposa e mãe como ideal de vida. Leila Diniz contradisse essa teoria, definindo seu feminismo tropical como a busca de uma plena igual- estrela do teatro, da televisão e do diferente daquela beleza e talento dade jurídica e social entre o homem cinema, de apenas 24 anos. em forma de mulher que arrancava e a mulher, mas sem fugir ao de- Na conversa com os jornalistas suspiros do público nas salas de terminismo dos gêneros. Queimar Sérgio Cabral, , Luís Carlos cinema e ante as novelas da televi- sutiãs não era a dela, nem pregar o Maciel, Paulo Garcez e Tarso de são, onde brilhava já há cinco anos, lesbianismo. Ser plenamente mulher Castro, Leila Diniz exibiu-se com desde a primeira novela exibida pela era o que ela mais gostava. total transparência. Não recusou recém-criada TV Globo – “Ilusões A entrevista ao humorístico- resposta a pergunta alguma, mesmo Perdidas”, 1965, contracenando com -político-contestador O Pasquim (ver as mais íntimas ou politicamente o galã Reginaldo Faria. trechos da matéria na página ao lado) embaraçosas. Falou mal da censura, Em 1967, estrelou “A Rainha foi publicada na edição de novembro criticou os programas de baixo nível Louca”, de Glória Magadan, e “Anas- de 1969, onze meses depois do Ato da televisão e condenou a orientação tácia, a mulher sem destino”, ini- Institucional nº 5 - editado pela que o governo militar dava ao Insti- ciada por Emiliano Queiroz e com- Junta Militar no dia 13 de dezem- tuto Nacional do Cinema (INC) – que pletada pela estreante Janete Clair, bro de 1968. A noite da ditadura já dificultava a produção de filmes na- que, para corrigir os desacertos da dominava o país e começara a época cionais e sabotava o Cinema Novo, trama de Emiliano, limpou a cena das violências contra qualquer pensa- enquanto privilegiava o acesso dos com um providencial terremoto, mento que fugisse ao figurino impos- filmes dos Estados Unidos ao mer- onde pereceram dezenas de persona- to. A palavra, qualquer palavra fora cado brasileiro. De si própria, deu gens, sobrando apenas a heroína da do léxico do regime, já era a grande um retrato completo, como pessoa, trama, Leila Diniz (que representava inimiga a ser vigiada e suprimida. A como mulher, como atriz. ao mesmo tempo Anastácia e a filha entrevista de Leila ignorou inteira- A entrevista a O Pasquim reve- de Anastácia) e mais dois destaques. mente o dicionário limitado do regi- lou ao público e ao regime militar Outro absoluto sucesso. me militar e provocou consequências uma Leila Diniz ácida, crítica, inde- Um contrato mais vantajoso, terríveis para a vida da já consagrada pendente, politizada - uma imagem porém, a levou à TV Excelsior, em 6 o Prelo 1968 (“O Direito dos Filhos”) e, em de amor” e ”Azyllo muito louco”; e todo o Brasil se sentiram liberadas 1969, à TV Rio (“Os acorrentados”, Carlos Coimbra, “Madona de cedro” para usar biquíni e tomar banho de Janete Clair). e “Corisco, o diabo louro”. de mar. No cinema, estrelou “O mundo O AI-5 foi implacável com a Alegre, ousada, simpática e es- alegre de Helô” (1966), de Carlos entrevista de Leila Diniz. As pa- pontânea, a eterna rainha da Banda de Souza Barros; “Jogo perigoso” lavras da atriz contra a censura de Ipanema morreu em 14 de junho, (1966), de Luiz Alcoriza - roteirista – instrumento-mor da ditadura – num acidente de avião, quando de Luis Buñuel; e “Todas as mu- logo geraria um decreto instituindo voltava do Festival de Cinema da lheres do mundo” (1966), de seu a censura prévia, que, se existissse Austrália, onde representou o filme já então ex-marido Domingos de antes, teria evitado a publicação de “Mãos vazias”, de Luís Carlos La- Oliveira, cujo roteiro se inspirava sua fala no Pasquim. Foi o “Decreto cerda. A morte comoveu o Brasil, a em cenas reais dos três anos em Leila Diniz”, no jargão da oposição. quem ela conquistara com sua gra- que foram casados. Ainda em 1966, Em 1971, ficou grávida do ci- ça, autenticidade e talento, em uma fizera mais cinco filmes, com Do- neasta Ruy Guerra e ousou ao exibir vertiginosa carreira, onde brilhou mingos de Oliveira , “Edu coração de a barriga na praia de Ipanema, de em meia dúzia de peças de teatro, ouro”, com cenas de sua vida real; biquíni, causando mais um rebuliço 11 novelas e 12 filmes – no espaço Nelson Pereira dos Santos, “Fome e quebrando outro tabu. Grávidas de de apenas oito anos.

A ENTREVISTA AO

u espero ainda amar muitos homens na “Eminha vida. Vou amar sempre.”

u acho bacana ir pra cama (só pelo dese- “Ejo). Eu gosto muito, desde que dê aquela coisa de olho e pele, de que eu já falei. Eu não INC (Instituto Nacional do Cinema) acredito nesse amor possessivo, acho chato. “Oé muito sacana. Eu vi muita gente Você pode amar muito uma pessoa e ir para a tomar atitude bacana, muito luta no Cine- cama com outra. Isso já aconteceu comigo. (...) ma Novo, que o INC não apoiou. O INC tem Quando o negócio está bacana, geralmente eu preconceito contra o Cinema Novo. A gente sou fiel.( ...) Já amei gente, já corneei essa gente, faz é cinema. E o INC não faz nada pelo ci- e elas entenderam e não teve problema algum. nema brasileiro, que é função dele. (...) Eles No fundo eu sou uma mulher meiga, adoro só estão a fim de que sejam vendidos, vistos amar, não quero brigar nunca, e queria mesmo e gostados os filmes estrangeiros. Logo, eles é fazer amor sem parar. Eu adoraria isso. Mas são uns filhos da (*).” enquanto eu não posso, não vou me acomodar a uma série de pessoas que para mim não signi- ão admito (censura) de jeito ne- ficam nada. ” “Nnhum. Foi o que perguntei aos censores: que tipo de preparo tem uma sse negócio de lesbianismo é uma coisa pessoa que vai julgar e censurar uma obra “Ede carência afetiva. Todo mundo quer ser de arte? Censura é ridículo, não tem sentido amado. Como homem e mulher foram criados nenhum. (...) Não consigo entender qual é com muitos problemas, e o que eles devem fazer a deles. Censuram filmes e não censuram seria feio ou pecado, etc..., duas mulheres aca- programas (de televisão) em que as pessoas, bam querendo se apoiar uma na outra. Eu acho o para casar, são vendidas como alface, ou são lesbianismo triste por causa disso.” esculhambadas como se fossem cocô.”

o Prelo 7 ‘Você era um estranho e o Brasil o acolheu’ Foto: Coleção Leopoldino Brasil/Uerj/FFP Leopoldino Coleção Foto:

Museu na Ilha das Flores, em São Gonçalo, contará a história da primeira hospedaria de imigrantes do país por meio de depoimentos e fotos de quem se abrigou no local

Priscilla Daumas gurado ainda este ano. O Centro de os viajantes que desembargavam, Memória da Imigração da Ilha das conta Marilene Martins de Almeida, “Rumo aonde, meu Deus? Flores é resultado da parceria da filha de Jorge Martins de Almeida, Agora, para onde estamos indo?”, Marinha brasileira, que é proprie- antigo diretor da hospedaria. As- se perguntava Ana Toncic, imigran- tária das terras onde funcionará o sim que chegavam, os imigrantes te da antiga Iuguslávia, no dia 15 de espaço, e da Universidade Estadual preenchiam um protocolo e eram fevereiro de 1952, após chegar ao do Rio de Janeiro (Uerj). registrados. Passavam por inspeção porto do Rio de Janeiro no navio a O objetivo é tornar a ilha um médica no gabinete sanitário e eram vapor Castelbianco e, novamente, espaço cultural para o estado do Rio encaminhados para os alojamentos embarcar em um pequeno barco. de Janeiro e mostrar para a popula- (que chegaram a ter, ao todo, 1500 A mesma pergunta deve ter pas- ção a história do local. A hospedaria beliches), onde recebiam cobertores e sado pela cabeça da pequena Elke é um símbolo da importância dos material de higiene. Na própria ilha, Giorgierena Grunnupp Evremides, movimentos migratórios na forma- empregos eram oferecidos por agen- de apenas seis anos. O destino era a ção da identidade cultural dos bra- tes de empresários e agricultores. Ilha das Flores, São Gonçalo, onde sileiros. O Centro de Memória será, Entre os destinos mais comuns estava instalada a primeira hos- nas palavras do professor da Uerj e estavam o sul do país, Espírito Santo pedaria para imigrantes do Brasil. um dos coordenadores do projeto, e São Paulo. A história de Ana, de Elke, mais Luís Reznik, “um belo lugar onde Em 2009, Ana Toncic voltou à conhecida como Elke Maravilha, e as pessoas se sensibilizarão com a Ilha para gravar um dos depoimen- de pelo menos outros 300 mil imi- nossa história, construída a partir tos que integram a pesquisa e foi grantes que chegaram ao Estado, dessa diversidade cultural”. convidada a plantar uma roseira, em entre 1876 e 1966, foi resgatada e “Você era um estranho e o Bra- homenagem a todos os imigrantes poderá ser conhecida em um museu sil o acolheu”, essas eram as palavras que por lá passaram. O grupo de a céu aberto, previsto para ser inau- escritas em um cartaz que recebia pesquisa “História de São Gonçalo: 8 o Prelo Foto: Gabriel de Paiva/Ag. O Globo Gabriel de Paiva/Ag. Foto: Foto: Coleção Leopoldino Brasil/Uerj/FFP Leopoldino Coleção Foto:

O alojamento em dois tempos: quando era dormitório masculino dos ...e hoje, com suas caracteristicas arquitetônicas ainda preservadas imigrantes... memória e identidade”,foi respon- leva de imigrantes que chegaram textos com informações, imagens sável pela criação de um banco de à ilha, como a da ex-modelo Elke da ilha e da hospedaria, e vídeos entrevistas, imagens, organização de Maravilha. No total, o grupo de com depoimentos de imigrantes e uma biblioteca temática, pesquisas pesquisa já obteve 36 horas de ex-funcionários. monográficas e alguns vídeos (“Vila gravação de depoimentos com 19 “Queremos contar a História Lage” e “Hospital Luiz Palmier”). imigrantes. Com as informações a partir da memória das pessoas, No mesmo ano, o pesquisador coletadas, foi montado um roteiro os motivos que as levaram a ‘fazer Henrique Mendonça tinha a inten- de visita para a ilha. a América’, o cotidiano na Ilha, os ção de produzir um documentário “Totens com dados com texto e primeiros anos no Brasil. Daí a im- sobre a Ilha das Flores. A ideia era imagens estarão em locais estraté- portância dos depoimentos em ví- fazer algumas imagens na ilha gicos, como alojamentos, o Cais do deos e dos álbuns de família”, conta onde, atualmente, funciona o Bote (onde os imigrantes embarca- Henrique Mendonça. Comando da Tropa de Reforço do vam para ir até São Gonçalo fazer É prevista ainda a construção Corpo dos Fuzileiros Navais, e que compras ou procurar emprego) e de dois novos prédios. Um deles irá possui vários prédios com as carac- em frente ao Morro do Carvalho”, recepcionar os visitantes e terá uma terísticas da época da hospedaria adiantou Rui Aniceto, um dos pro- sala de vídeo que exibirá um curto preservadas, como os alojamentos, fessores da Uerj que trabalha no documentário (de 7 a 12 minutos), a casa do farmacêutico e a capela projeto. produzido pelo próprio grupo, so- de Santa Terezinha. Mas, diante da Os visitantes serão guiados por bre a hospedaria. O segundo espaço riqueza do material recolhido e do alunos bolsistas da universidade. abrigará uma exposição de longa apoio da Marinha, especialmente Ainda em 2011, começa a visitação duração sobre a imigração no estado do Contra-Almirante Jorge Men- à ilha como museu aberto e esta- do Rio de Janeiro. des, na época comandante da Tropa rá na internet a página do Centro O centro contará ainda com de Reforço, a idéia de um museu de Memória que disponibilizará fotografias, jornais, depoimentos aberto a visitação pública Foto: Gabriel de Paiva/Ag. O Globo em vídeo e espaços ceno- tomou forma. gráficos, onde será, por Em 2010, começou o exemplo, debatida assuntos trabalho para que o proje- como o choque dos diferen- to saísse do papel. Os pes- tes hábitos alimentares com quisadores se debruçaram a comida brasileira. “Na em registros históricos e hora do almoço se encon- tiveram acesso às listas trava todo mundo junto no de passageiros e livros de refeitório para almoçar. A registros graças ao apoio maior surpresa foi o arroz do Arquivo Nacional. O com feijão”, conta no de- grupo também recebeu a poimento a croata Graziela doação de fotos dos álbuns Andreani, que chegou ao de família de Martins de Brasil em 1951, com doze Almeida, que foi diretor anos. da ilha, e de Leopoldino História - A ilha já Brasil – membro da segun- foi uma fazenda destinada da geração da família que à piscicultura e era, até a trabalhou lá. Entre os en- primeira metade do século trevistas, está a da última O cais que recebia imgrantes continua em funcionamento no Cenatre XIX, chamada de Ilha de o Prelo 9 Santo Antônio. O nome Ilha das Flores começou a ser usado na épo- ca que era propriedade de Delfina Felicidade do Nascimento Flores, foi comprada, em 1883, com a Ilha do Engenho e Ananazes, pelo Ministério da Agricultura. A hospedaria entrou em funcionamento no mesmo ano, sendo controlada pela Inspetoria Ge- ral de Terras e Colonização – órgão Brasil/Uerj/FFP Leopoldino Coleção Foto: criado, em 1876, encarregado de re- gular desde a entrada dos imigrantes até a instalação nos locais de destino. “Foi construída toda uma estru- tura com dormitórios para homens e mulheres, enfermaria, refeitório, casa de médicos. Três mil pessoas podiam ser hospedadas por vez na ilha, que chegou a receber um milhão de imi- grantes até parar de funcionar. Muitos vieram refugiados da Segunda Guerra, Getúlio Vargas visita a ilha em 1939, convidado para um churrasco pelas altas patentes do Ministério da Marinha da Itália, antiga Iugoslávia e Ucrânia. Para se ter uma ideia, 85% dos alemães em plantões por viverem no con- 1932, serviu como presídio político que chegaram ao Brasil, até 1920, en- tinente. Diante da infraestrutura para os combatentes da Revolução traram pela Ilha das Flores”, conta o para o acolhimento dos imigrantes, Constitucionalista, o levante pau- pesquisador Henrique Mendonça, um a hospedaria chegou a ser consi- lista contra o governo provisório dos coordenadores do projeto. derada “repartição modelo”, por de Vargas e a favor da convocação Nos 90 anos de funcionamento sua estrutura e organização. Cada de uma Constituinte. A partir daí, da hospedaria, portugueses, italia- grupo de uma mesma nacionalida- a ilha foi dividida: o sul recebia os nos, austríacos, alemães, espanhóis, de ocupava um único alojamento e imigrantes e funcionários da hos- polacos, gregos, russos, franceses, tanques biológicos tratavam a água pedaria; o norte funcionava como ingleses, coreanos, húngaros, cuba- e esgoto da ilha. presídio político. nos, haitianos, e outros desembar- Na Primeira Guerra Mundial, O Brasil foi um dos primeiros caram no cais. em 1917, a ilha, provisoriamen- países a assinar a Convenção relativa A Ilha das Flores contava com te, ficou sob a tutela da Marinha, ao Estatuto dos Refugiados de 1951, um hospital, mas não era somen- sendo devolvida ao Ministério da que definiu o conceito de refugiado, te um lugar de quarentena. Se o Agricultura, em 1919. Com o go- seus direitos e deveres. E, logo após imigrante não se curasse ou não verno de Getúlio Vargas, em 1931, a Segunda Guerra Mundial, chega- conseguisse emprego, podia ultra- a Hospedaria passou a ser adminis- ram à hospedaria os refugiados de passar os oito dias estipulados para trada pelo Ministério do Trabalho, guerra. Diferente dos imigrantes a sua estadia. Lá, dispunham de mas continuou com as funções de anteriores, eles receberam 180 cru- moradia (alojamentos), alimenta- acolher e encaminhar imigrantes às zeiros de ajuda de custo. ção (refeitório), atendimentos mé- áreas de plantio no país. De 1953 a 1965, a hospedaria dicos (hospital, farmácia), escola, A ilha, no entanto, não foi recebeu aproximadamente 10.062 lavanderia e área de lazer (havia passagem apenas para os imigran- imigrantes. Ainda oficialmente em praia para imigrantes e funcio- tes, e recebeu a visita de personali- atividade, em 1966, foi instalado nários, outra para o diretor). Em dades como o Presidente Prudente o Centro Nacional de Treinamento alguns momentos, podiam deixar de Morais, que apareceu na hos- (Cenatre) na Ilha das Flores. O Mi- a ilha pelo Cais do Bote e chegar pedaria para demitir funcionários nistério da Marinha tomou posse ao continente pelo porto de Neves que estavam desviando a alimen- da ilha, em 1969, conseguindo a ou pelo atracadouro do Paiva, em tação. O próprio Getúlio Vargas transferência definitiva em 1978. São Gonçalo. foi convidado, em 1939, para um Atualmente, a Ilha das Flores Para fazer com que todos os churrasco, pelas altas patentes do está unida ao continente, na altura serviços fossem executados, a ilha Ministério da Marinha. do Bairro de Neves, devido ao aterra- tinha administrador, médicos, en- A hospedaria teve ainda outras mento para a passagem da Rodovia fermeiros, carpinteiros, cozinheiros funções. Em 1915, acolheu tem- BR101 (Niterói – Manilha) e abriga etc. Alguns funcionários moravam porariamente pessoas sem teto; em um Complexo Naval. Muitas cons- na local, como a família de Leopol- 1917, recebeu retirantes nordestinos truções estão conservadas, mas com dino Brasil, e muitos trabalhavam devido à seca daquele ano; e, em novos usos e funções. 10 o Prelo imigração Um novo mundo Cantoni Família Arquivo Foto: para africanos, europeus e asiáticos Família Cantoni é um exemplo de imigrantes europeus que construiram nova vida no Brasil

Procópio Mineiro demonstra a força política e econômica “animal de trabalho”, desumanizados, do sistema escravista, que envolvia os sem direitos individuais. B rasil tORNOu-se um porto potentados rurais (que eram também No caso dos emigrantes europeus, O de chegada, de sofrimentos e tam- os principais políticos) e o lucrativo sis- deve-se levar em conta que o século XIX bém de reconstrução de vidas para pes- tema de captura e transporte oceânico foi um período convulsionado, pois soas das mais diferentes origens desde dos negros. as grandes transformações políticas que foi descoberto, em 1500, quando Em 1884, o número de cativos já e econômicas na Europa levaram a dois criminosos portugueses, condena- se reduzira daquele 1,6 milhão, de 13 deslocamentos de população, crises de dos a exílio, foram deixados para trás anos antes, para 1,2 milhão e, quatro emprego, mudanças bruscas nas estru- pela esquadra de Pedro Álvares Cabral. anos depois, no momento da abolição, turas sociais, rearrumação agrária ante Logo o interesse econômico pelo pau- estava em torno de 700 mil. Na região a predominância paulatina da economia -brasil passaria a espalhar portugueses de economia mais dinâmica, a do café, urbana industrial e a expansão da agri- ao longo da costa, impulso multiplicado baixara de cerca de 750 mil escravos cultura capitalista, concentradora de pela expansão das lavouras de cana- para apenas 460 mil em apenas 7 terras – e toda essa agonia estimulou a -de-açúcar que semearam engenhos anos, de 1880 a 1887, uma redução decisão autônoma de emigrar, buscar e aglomerações humanas, origem de anual de 41 mil escravos, por mortes, melhores condições para viver. muitas cidades atuais. libertação e fugas, de acordo com Alaor Assim, o Brasil sofria uma crise de Território fechado a outros es- Eduardo Scisínio, no livro “Dicionário mão-de-obra no período em que crescia trangeiros durante os três primeiros da Escravidão”. na Europa a parcela da população des- séculos de colonização, no período o Imagine-se a crise de mão-de- locada, desempregada ou temerosa do Brasil ficou reservado aos índios, aos -obra, quando a cafeicultura estava futuro. A primeira metade do século já colonos portugueses e aos escravos em plena expansão, estendendo suas tinha sido abalada pela Revolução Fran- negros. O país recebeu cerca de 3,5 mi- lavouras ano a ano, enquanto a es- cesa, que Napoleão tratou de semear lhões de africanos, segundo a estatística cravatura se reduzia. Negros agricul- pelo continente. A segunda metade terá mais aceita, e pouco mais de 1 milhão tores alforriados raramente ficavam a unificação italiana, fruto de décadas de portugueses. Nos dois primeiros no campo e tratavam de buscar vida de agitação e mudanças políticas e séculos, entraram 510 mil negros, a nova nas vilas e cidades, esvaziando econômicas nas cidades e no campo, e uma média de 2.550 por ano. Mas, a as fazendas. a unificação alemã, em 1871, ao cabo partir das descobertas das minas e a de uma guerra devastadora contra a A Onda Européia interiorização da ocupação, o afluxo França. desses trabalhadores forçados chegou a Mudar de lugar – e com a certeza Desse modo, são italianos e ale- 2,678 milhões entre 1701 e 1829, uma de nunca mais voltar – é consequência mães, mas também espanhóis e por- média anual de 26 mil africanos, que de uma decisão autônoma ou de uma tugueses – logo depois também esla- baixou para 24 mil ao ano no período situação de força maior. No caso dos vos - as principais levas de europeus de 1830 a 1855. Deve-se lembrar que africanos, foi a submissão pela força, que passam a chegar ao Brasil, para esta altíssima média anual, a partir após caçadas implacáveis, que espa- formar colônias no Sul ou substituir o de 1830, ocorreu quando o tráfico já lharam os negros pelas Américas por trabalho escravo nas fazendas cafeeiras estava oficialmente proibido – o que mais de três séculos na condição de do Sudeste. o Prelo 11 Foto: Coleção Leopoldino Brasil/Uerj/FFP Portugueses imigrar em meados do século XIX, formando um grupo A entrada de portugue- de aproximdamente 150 mil ses aumentou neste período. pessoas, que se fixaram na Mesmo com a interrupção região Sul, especialmente no que se verifica após 1822 e se Paraná. estende até por volta de 1835, período em que o nascente A nova onda Brasil independente passou Os japoneses, em 1908, a detestar tudo que lembras- inauguraram uma nova cor- se os antigos dominadores, rente imigratória, a dos asi- calcula-se que outro milhão áticos, e representaram uma de portugueses entrou no Um grupo se diverte na Praia do Abricó: lazer de imigrantes e funcionários solução emergencial, devido país durante o século XIX, à redução da onda italiana principalmente na segunda metade do ques anuais, o que permite imaginar naquele período em que Roma decidiu século, quando a luta abolicionista (a o movimento do setor encarregado de protestar pela semi-escravidão a que política, no Parlamento e nos jornais, e fazer a triagem e o encaminhamento eram submetidos seus nacionais nas a das ruas, com organização de fugas e desses imigrantes, com as hospedarias fazendas cafeeiras. Desesperados por promoção de alforrias) criou o consen- de imigrantes. Espalharam-se também mais braços, os fazendeiros acharam so da urgência de mão-de-obra livre. por Minas Gerais, Espírito Santo, Para- nos nipônicos a solução. Dos quase A tradição emigratória dos portu- ná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 250 mil japoneses entrados no país gueses prendera-se, nos séculos ante- Já os espanhóis começaram a no século XX, 200 mil foram para riores, às exigências da colonização e, chegar em grande quantidade a par- a lavoura do café em São Paulo, os no caso do destino ao Brasil após 1822, tir de 1880 e, nos 80 anos seguintes, demais se espalhando pelo Paraná. aos anseios de progredir, já que Por- somaram um contingente de 750 mil Hoje, seus descendentes se ocupam tugal não propiciava. No século XX, pessoas emigradas sobretudo de duas ainda de atividades rurais, mas grande outro milhão de portugueses entraram regiões – a Galícia e a Andaluzia. As parte exerce atividades urbanas. É de no Brasil, especialmente nos períodos fazendas de café também foram o se notar que alguns milhares desses de 1901-1930 (750 mil) e 1950-1963 principal destino da maioria. descendentes voltaram ao Japão, (310 mil), grande parte deles passando Segundo dados do IBGE, existem contratados como operários a partir pela Hospedaria da Ilha das Flores. hoje no Brasil cerca de 5 milhões de dos anos 1980. descendentes dos 250 mil imigrantes “Coreanos do sul e chineses de Italianos, espanhóis, alemães, alemães, que começaram a chegar em Taiwan reforçaram a imigração asiáti- eslavos 1818, aumentando as levas em 1824, ca a partir de 1960, calculando-se que Cerca de 4,5 milhões de europeus 1827, 1829 e sobretudo a partir de hoje formam, com os descendentes, vieram para o Brasil entre 1850 e 1930, 1850. Nos 100 anos seguintes, entra- uma comunidade de 250 mil pessoas um período em que nada menos de 50 riam cerca de 180 mil alemães, mar- em São Paulo, Rio e outras cidades, milhões de pessoas deixaram a Europa cando presença em especial em colônias uma vez que se caracterizam por ati- em busca de uma vida melhor em ou- no Rio Grande do Sul, Santa Catarina vidades urbanas. tras terras. Hoje região cobiçada por e Paraná, mas também em Petrópolis, Também ligados a trabalhos deslocados de nações em crise, a Europa Teresópolis e Nova Friburgo, no Rio de urbanos são os sírios e libaneses, daquele tempo é que se livrava dos mi- Janeiro, e ainda no Espírito Santo e em chamados de turcos, e que, a partir lhões de pessoas que não encontravam Minas Gerais (Juiz de Fora). de final do século XIX, chegaram ao lugar em meio às profundas mudanças Os eslavos (poloneses, ucrania- país, formando um grupo de 70 mil em curso nos seus diversos países. Os nos, russos, lituanos) começam a imigrantes do Oriente Médio. países receptores puderam O Centro de Memória Foto: Divulgação contar com uma avalanche de da Ilha das Flores vai recriar gente nova que, ao longo dos grande parte desse movimento últimos 180 anos, ajudou a humano, de gente sofrida que criar o Brasil moderno. se despedira de sua terra natal Logo abaixo dos portu- e que desembarcava na Baía de gueses, os italianos formaram Guanabara atrás de melhores o segundo grupo em volume oportunidades de sobrevivên- a desembarcar no Brasil, em cia. Nesta terra de encontros, especial em São Paulo, para uma ilha de memórias ensina- as lavouras de café ou para rá um importante capítulo de o exercício de profissões ur- nossa História, permitindo a banas. No período de 1871 a muitos religar o próprio pre- 1900, foram 800 mil, uma O Kasato-Maru, que trouxe a primeira leva sente a um momento delicado média de 26 mil desembar- de imigrantes jáponeses, no porto de Santos de seus antepassados. 12 o Prelo A saga de um casal de italianos

A grande onda de imigração Nilza encontra seus rastros também o cunhado, os dois tinham compra- européia e asiática já completou um na Fazenda São Mateus, entre Juiz do uma casa, onde ficam morando século e daqueles sofridos e espe- de Fora e Matias Barbosa, onde fo- os dois casais com os três primeiros rançosos homens e mulheres, que ram escravizados e empreenderam filhos de Emília e Lindolpho, nascidos se lançavam a um desafio de vida e uma fuga desesperada numa ma- em 1936, 1937, 1940 – a segunda morte numa terra desconhecida, hoje drugada fria. geração brasileira dos Cantoni. João estão por todos os cantos do Brasil Já no bairro Tapera, em Juiz de e Jandira Ribeiro teriam um único os descendentes de terceira e quarta Fora, onde, segundo Nilza Cantoni, filho e Emília mais dois (1943, 1944). gerações. É uma his- se aglomeravam mui- Esta segunda geração trabalhou em tória muito fácil de Da Ilha das Flores, tos italianos na mesma comércio, bancos e fábricas e apenas entender, neste país de os Cantoni partiram situação – fugidos de um chegou ao Ensino Médio. imigrantes e migran- fazendas - vieram os A terceira geração brasileira dos para uma fazenda tes: busca-se trabalho, filhos Emília e João. Cantoni começou a aparecer entre essencialmente, onde em MG Foi uma época em que 1960 e 1981 e são nove mulheres o trabalho pareça ofe- Giuseppe se tornou o e três homens, entre os quais já se recer perspectivas de sobrevivência “queridinho” das madames, segundo formam um militar, um advogado, e melhoria de vida. Foi o caso dos insinua Nilza Cantoni, baseando-se uma agrônoma, uma psicóloga, Cantoni, que, passando pela Ilha das em informações da sogra Emília, uma promotora pública, uma ad- Flores, na Guanabara, foram para porque sua banca de feira oferecia as ministradora, uma estatística e uma Juiz de Fora e, de lá, passaram por melhores verduras e legumes. economista. A escolarização tinha fazendas, trabalhando em cafezais A freguesia era boa, mas o di- avançado e os cafezais e as hortas da região, em péssimas condições de nheiro ainda era pouco. E sobreveio viraram história. vida e trabalho. a primeira tragédia: Carolina quei- Hoje, a quarta geração é for- A professora Nilza Cantoni, de mou-se num acidente mada por dois bisne- Petrópolis - casada com um dos fi- doméstico e morreu, em Assim como outros tos, ainda crianças, de lhos da segunda geração de Giuseppe 1912. A segunda tragé- imigrantes, o João (morto em 11 de Cantoni e Carolina Vespignani, o dia ocorreu em 1917, casal chegou a ser março de 1975, aos 70 casal fundador dessa saga -, tornou- quando Giuseppe fale- anos), e por 10 bisne- -se a historiadora da família e da ceu e Emília, 15 anos, escravizado tos – a maioria ainda imigração italiana em Leopoldina, e João, 12, ficaram so- menores - de Emília na Zona da Mata de Minas Gerais. zinhos, porque o avô, Giovanni, já (morta em 11 de setembro de 1993, Em sua página www.cantoni.pro. morrera muitos anos antes. Mas a aos 91 anos). Dos quatro bisnetos br , ela conta o início da novela, que solidariedade dos vizinhos, tão pobres de Emília acima de 18 anos, um já é completamos através de entrevista, quanto eles, abrigou os dois adoles- advogado e dois estudam Agronomia feita através de um “bate-papo”, na centes órfãos até que construíssem a e Direito. Tal como os pais Giuseppe internet. própria vida. e Carolina, Emília e João estão enter- Os Cantoni viviam na região Pouco depois, ambos estavam rados em Juiz de Fora. de Lugo di Ravenna e Giuseppe e trabalhando: João, na fábrica de “Como vê, uma família comum, seu pai eram trabalhadores rurais tecidos Meurer, onde foi operário até que hoje podemos definir como típica volantes – iam atrás de trabalho se aposentar nos anos 50, e Emília, classe média, que se formou ao longo em fazendas dos outros. Giuseppe e como costureira. Aos 24 anos, Emília de 114 anos, desde o desembarque de Carolina, casados e sem filhos, de- se tornou dona-de-casa ao casar-se Giuseppe e sua Carolina, em compa- sembarcaram no Rio com o neto de português nhia do velho Giovanni em 1896”, em agosto de 1896, Terceira geração da Lindolpho Augusto dos diz Nilza Cantoni. Hoje, os Cantoni trazendo o velho Gio- família deixa para Santos, operário da fá- brasileiros estão espalhados por Juiz vanni, de 73 anos, pai trás dos cafezais e brica de cigarros Souza de Fora, Campinas, Niterói, Rio de de Giuseppe. Ficaram Cruz. Janeiro, Florianópolis e Anita Gari- poucos dias na Ilha cursa 3º grau João morou com baldi, em Santa Catarina, ajudando das Flores, porque já a irmã e o cunhado. A a construir o Brasil com ferramentas no dia 22 de agosto estavam en- vida não deveria ser fácil, porque bem diferentes daquelas que mane- trando na Hospedaria de Imigrantes João só se sentiu financeiramen- jaram as mãos calosas de Giovanni, Horta Barbosa, de Juiz de Fora. Logo te seguro para casar aos 35 anos Giuseppe e Carolina. Uma novela real foram contratados pelo fazendeiro (1940), com uma descendente de da vida de todos os que, numa terra Joaquim Fabiano Nogueira Alves, italianos e portugueses. Nesse meio estranha, entre saudades e sofrimen- de Mar de Espanha, e a historiadora tempo, juntando as economias com tos, construíram uma vida nova. q

o Prelo 13 A morada do pensamento brasileiro Foto: Ricardo Chau Casa de Oliveira Vianna completa 100 anos e guarda intactas as lembranças e a obra de um dos mais importantes cientistas sociais do país

Luiz Augusto Erthal

rês nomes são apontados T como pilares do pensamento nacio- nal – Gilberto Freire, Euclides da Cunha e Oliveira Vianna, os “pais” da sociolo- gia brasileira. À exceção do primeiro, pernambucano, os outros dois grandes “descobridores do Brasil” são flumi- nenses e deixaram marcas profundas no chão que lhes deu o berço – Euclides em Cantagalo, região serrana do Estado do Rio, e Oliveira Vianna em Niterói, a capital da “Velha Província”. A hoje agitada Alameda São Bo- aventura, via de ligação entre a ponte Rio-Niterói e o Tronco Rodoviário Norte, caminho para a Região dos Lagos, Nova Friburgo, Campos e outros destinos do interior do estado, já foi um tranquilo e aprazível logradouro do tradicional bairro do Fonseca, em Niterói. Casarões antigos com ares aristocráticos ainda guardam a lembrança desses tempos apagados pela fumaça e poeira do trân- sito vertiginoso dos dias atuais. Bem no início da alameda, no nú- mero 41, situada no “Ponto Cem Réis”, O acervo pessoal de Oliveira Vianna é preservado na casa em que morou, transformada em museu como ainda hoje os niteroienses chamam a praça onde começa o Fonseca, encolhi- dez da arquitetura moderna. Plantada de meio século – a escrivaninha, sua da atrás do jardim e entre dois prédios no centro do terreno, possui varanda poltrona de leitura, os móveis do quarto modernos, uma casa em estilo eclético, lateral e telhado em duas águas coberto e da sala, além da majestosa biblioteca. do início do século passado, guarda não por telhas tipo Marselha. Parece um museu – e é: o Museu Casa só o acervo pessoal, mas as lembranças Da varanda se acessa as salas de vi- de Oliveira Vianna, administrado pela de uma vida – a vida de Oliveira Vianna, sitas e de jantar, além da biblioteca onde Secretaria de Cultura do Estado. O que ali residiu desde a inauguração do se encontra a coleção de 12 mil volumes, espaço é frequentado por estudantes e imóvel até a sua morte, há 60 anos. entre livros, folhetos e periódicos do pesquisadores e está aberto à visitação A construção da casa foi concluída escritor. Na frente do imóvel, o jardim de terça a sexta-feira, das 10 às 17h. A há exatos 100 anos pelo mestre carpin- ostenta árvores frutíferas, um chafa- casa também pode ser visitada virtual- teiro José Mariano de Oliveira, pai do riz em pedra, um caramanchão e um mente, a partir do endereço www.mu- poeta Alberto de Oliveira. Talvez isso pequeno bosque com árvores nativas. seusdoestado.rj.gov.br. Visitas mediadas explique o caráter poético do lugar, Dentro da casa, tudo está do jeito a grupos e escolas podem ser marcadas quase uma ilha bucólica em meio à ari- que Oliveira Vianna deixou, há mais pelo telefone (21) 3601-8220. q 14 o Prelo Foto: Ricardo Chau Ricardo Foto:

A mesa de trabalho do sociólogo intacta, com sua biblioteca de 12 mil volumes ao fundo O homem e a marca de seu tempo Márcia Maria de Jesus Pessanha*

rancisco José de Oliveira Vianna foi Não podemos nos esquecer de Oli- francês e alemão. Por isso, Oliveira Vianna F um dos mais influentes pensadores veira Vianna, porque ele se encontra na no prefácio de Populações Meridionais no sociais do Brasil, na 1ª metade do século raiz das leis trabalhistas, no incentivo à Brasil declara que “eles (os intelectuais) XX . E no Brasil , principalmente, nós criação dos sindicatos durante o governo perdem a visão nacional de nossos pro- não podemos nos esquecer de “Oliveira de Getúlio Vargas. blemas, perdem a noção objetiva do Brasil Vianna entre mitos, utopias e símbolos Não podemos também esquecer real e criam um Brasil artificial e peregrino de brasilidade”, conforme sugestivo título que a 1ª obra que o consagrou como sobre cujo fundo de florestas e campos, de trabalho de E. Cancelli, de 2008. escritor, sociólogo e historiador – Popu- ainda por descobrir e civilizar passam e Preferimos seguir a trilha dos sím- lações meridionais no Brasil – publicada. repassam cenas e figuras tipicamente euro- bolos de brasilidade, pois o sociólogo em em 1920, durante muito tempo consti- péias.” Neste fragmento, o autor refere-se tela, apesar das controvérsias de alguns tuiu-se em importante referencial para à alienação dos intelectuais brasileiros. Ele intelectuais e críticos a respeito das idéias, a interpretação da cultura brasileira. declara ainda que o Brasil possui especifi- concepções e valores expressos em sua Devido à própria época em que cidades que precisam ser estudadas para obra, destaca-se pelo grande esforço que viveu, no seu 1º livro notam-se influ- a criação de organizações adequadas à fez para descobrir e interpretar a reali- ências da escola sociológica de Le Play, psicologia de nosso povo. dade brasileira e compreender “o povo da Psicologia Coletiva de Le Bon e Tarde, Segundo Inácio Strieder, devido à que somos”. Segundo Oliveira Vianna, da Antropo-sociologia e do racismo de sua apresentação de categorias raciais, escritor, sociólogo, jurista, e professor, Lapouge e de Gobineau. Encontram- o sociólogo, em pauta, foi considerado os estrangeiros podem nos ter dado a -se referências de que ele possa ter lido racista, mas constata-se que a mentali- chave da interpretação da evolução de Marx e Weber. Ao pensar os sindicatos dade dos pensadores de sua época estava nossa história social, mas não conheciam acreditava superar o espírito de clã e impregnada pelas idéias do embranque- a realidade brasileira, o desenvolvimento aumentar o compromisso social na so- cimento do Brasil. de nosso país e a história da constituição ciedade brasileira. Encontramos também Outro dado importante vincula- de nosso povo. Por isso, concordar ou em alguns de seus textos indicativos do do ao pensamento de Oliveira Vianna discordar das interpretações feitas deve evolucionismo e do positivismo. era a necessidade da formação de uma ser o resultado de pesquisas muito bem É de se notar que a intelectualidade consciência nacional, pois sem isso o fundamentadas. brasileira era caudatária do pensamento Brasil com toda sua diversidade seria o Prelo 15 Foto: Ricardo Chau uma “republiqueta de sí- de Psicologia Social – 1921; O idealismo na tios” à semelhança do Sítio evolução política do império e da república – do Pica-pau Amarelo. Ele 1922; Evolução do povo brasileiro – 1923; estava a fim de combater o O acaso do império – 1925; O idealismo da coronelismo, os currais elei- constituição – 1927; Problemas de política torais, a corrupção política. objetiva – 1930; Raça e assimilação – 1932; Daí ser mal interpretado Formation ethnique du Brésil coloniel – 1932; e criticado, por considera- Problemas do direito corporativo – 1938; As rem que ele era favorável novas diretrizes da política social – 1939; Os ao autoritarismo político, grandes problemas sociais – 1942; Problemas o que ele nega ao alegar de direito sindical – 1943; Instituições polí- que defendia um autori- A máquina usada pelo escritor ticas brasileiras – 1949; Direito do trabalho tarismo não totalitarista, e democracia social – 1951; Introdução à mas instrumental. Queria tros, interessados em conhecer melhor a história social da economia pré-capitalista organizar as instituições. vida do referido escritor. no Brasil - 1958 (publicação póstuma). Houve um grande esforço de Oliveira É consabido que as cartas contêm rico Até a Revolução de 30, Oliveira Vian- Vianna em sua pesquisa para dar ao Brasil manancial de informações, revelador da na se dedicou, principalmente, ao magisté- esse sentido de formação da consciência personalidade, das idéias do autor, prin- rio e ao estudo da realidade brasileira e isto nacional e se engajou em encaminha- cipalmente as endereçadas aos escritores, sedimentou seu desejo de fazer do Brasil mentos que julgou adequados, naquele acadêmicos, pois era o meio de comuni- um país moderno, para que se pudesse período. Em seu tempo, ele foi criativo, cação que os mesmos utilizavam à época conhecer sua realidade, buscando-se o inovador, por assim dizer o pai da psicolo- para manter diálogos, externar opiniões desenvolvimento de suas potencialidades. gia social no Brasil. Somos frutos de nossa e até divergir dos companheiros. Assim, Em 1932 foi nomeado para a Consul- época e Oliveira Vianna também o foi. E, a narrativa epistolar registra o tempo e o toria Jurídica no Ministério do Trabalho e acima de tudo, ele foi honesto e rigoroso espaço vivenciados pelo autor, seus costu- foi o principal formulador da política sin- no que disse e no que fez. mes, suas querências , seus projetos de vida dical e social do governo Getúlio Vargas e A base da informação para a in- e de atividades concernentes à sua função. em 1940 foi nomeado Ministro do Tribunal terpretação da vida e dos costumes do O escritor e sociólogo Marcos Almir de Contas da União. período colonial e da época medieval, Madeira, niteroiense, também membro Francisco José de Oliveira Vianna Oliveira Vianna buscou nos relatos dos da Academia Brasileira de Letras, doou à nasceu em Rio Seco, Saquarema no dia 20 viajantes que visitaram o Brasil naquele Casa/Museu farta correspondência de Oli- de julho de 1883, filho de Francisco José tempo e nos escritos dos jesuítas. Oliveira veira Vianna. Em 1986, escreveu Homens de Oliveira Vianna e de Dona Balbina Rosa Vianna declarou sua concordância com a de marca, pela José Olympio Editora, RJ, de Azeredo. Estudou em Niterói no Colégio doutrina social católica, baseando-se nas onde destaca dois artigos destinados ao Carlos Alberto, fez Direito na UFRJ. Lecio- encíclicas Rerum Novarum e Quadragésimo homenageado: Oliveira Vianna: pioneirismo nou na Faculdade de Direito da UFF. Lente de Nono. Distanciou-se do panculturalismo e dignidade de um sociólogo, Oliveira Vianna Direito Criminal em 1916. Ocupou diversas dos americanos, de seus seguidores aqui e a Academia, além da escrita de Oliveira funções públicas estaduais e federais, até no Brasil, entre eles Boas, que desejavam Vianna e o espírito de sua obra. tornar-se em 1940, Ministro do Tribunal explicar o sistema social através da cul- Felizmente, nos últimos anos, o de Contas da União. tura. Aproximou-se da mesma linha de pensamento social de Oliveira Vianna Podemos observar a multiplicidade confluência de Paulino José Soares de tem tido maior visibilidade no campo das de funções centradas em um só ser. Ser Souza (Visconde do Uruguai), de Alberto Ciências Sociais e o Museu Casa de Oliveira luminoso pelas idéias defendidas na época Torres e de Sílvio Romero que, segundo Vianna é hoje um centro de estudos para em que viveu. Introspectivo, exalava co- ele, foi quem despertou nele o caminho pesquisadores. nhecimento. Foi um dos mais influentes metodológico e nacionalista que seguiu. Suas principais obras: Populações Me- pensadores sociais do Brasil na primeira Oliveira Vianna manteve relações ridionais no Brasil - 1920; Pequenos estudos metade do século XX. Membro da Acade- de amizade com Montei- Foto: Ricardo Chau mia Brasileira de Letras, eleito a 27 de maio ro Lobato, que publicou de 1937 para ocupar a cadeira nº 8, patro- diversos livros e escritos nímica de Cláudio Manuel da Costa, foi o seus. Por diversas vezes, em segundo ocupante da cadeira, sucedendo a suas raras saídas, visitava Alberto de Oliveira, e teve como sucessor o amigo em Minas Gerais. Austregésilo de Athaíde. Tomou posse em Os dois se correspondiam e 20 de julho de 1940, sendo recebido pelo muitas dessas cartas se en- escritor Afonso d`Escragnolle Taunay. q contram no Museu Casa de Oliveira Viana, em Niterói, e são fonte de pesquisa para *Márcia Maria de Jesus Pessanha historiadores, sociólogos, é doutora em Literatura, professora da Faculdade de Educação da UFF e presidente da Academia estudantes de Direito e ou- As obras de oliveira Vianna estão expostas no Museu Niteroiense de Letras. 16 o Prelo

ESPECIAL JORGE DE SALLES O legado de um artista carioca

LUIZ AUGUSTO ERTHAL

m uma pequena Ecasa de vila, hoje fechada, funcionou por vários anos, na Rua das Laranjeiras, Zona Sul do Rio, o “Ateliê carioca de humor”. A denominação informal e prosaica fora dada pelo próprio mora- dor, um artista singular, que vivia solitariamente cercado de desenhos e esculturas feitas a partir de sucatas de ferro. No fi nal do ano passado, com a morte Jorge de Salles posa ao de Jorge Salles, aos lado de uma de suas 61 anos, esse espaço esculturas com sucatas de ferro em foto recente caótico e irreverente (acima). Em suas muitas perdeu o humor. Ficou representações do Rio apenas aquele que de Janeiro, o bonde de fora o mais carioca dos Santa Teresa aparece com ateliês, embora agora frequência circulando não quieto e abandonado. só pelas ruas do bairro, Mas o humor, a gra- mas por várias outras ça, a descontração, as regiões da cidade, como cores vivas e as escul- se o artista desejasse que turas mais vivas ainda, a alegria e a descontração moldadas no ferro frio e dos bondinhos fossem inservível, permanecem reproduzidas em todos os espalhadas por toda a lugares cidade e até em lugares remotos do mundo. Ao longo da vida, Jorge Salles, outras permutadas por almoços da temática carioca, dois persona- que nunca exerceu outra ocupação em restaurantes e até por tra- gens foram também recorrentes em senão a dedicação exclusiva à sua tamentos de saúde, meio en- sua obra e representados das mais arte, criou, desenhou, pintou e es- contrado pelo artista para suprir diversas formas: Dom Quixote e São culpiu freneticamente. Sua produção algumas de suas necessidades Francisco de Assis. seria difícil de ser hoje quantifi ca- ao longo de uma carreira mar- Ele também foi pioneiro na criação da, segundo a ex-mulher, Walkíria cada tanto pela instabilidade das esculturas de sucatas de ferro, d’Oliveira Matheus, com quem ele econômica quanto pelo talento. chegando, com isso, a inspirar o per- viveu por cinco anos. Ela e o fi lho Jorge só viria a conseguir algum sonagem Pardal, um escultor vivido único, Marcos Matheus de Salles, equilíbrio fi nanceiro nos últimos pelo ator Tony Ramos na novela “Livre são atualmente os curadores de uma anos de vida, quando a Uni- para voar”, produzida e exibida pela obra que conta com cerca de 25 es- versidade Veiga de Almeida o Tv Globo, no hário das 18h, entre culturas e mais de 100 originais dos contratou como diretor cultural. setembro de 1984 e abril de 1985. A seus desenhos, além de um grande Jorge Salles tinha o estilo in- partir disso, Tony Ramos ingressou número de peças espalhadas por confundível dos grandes artistas. na extensa roda de amigos de Jorge galerias da cidade. Os desenhos retratavam o Rio de Salles, também integrada por outros Isso, porém, não chega nem Janeiro e seus bairros, sua arqui- nomes conhecidos, como Nássara, perto das centenas de escul- tetura, a boemia da cidade que o Ziraldo, Millôr Fernandes, Jaguar, turas e incontáveis criações no atraía irresistivelmente e as suas Iberê Camargo, Paulo e Chico Caruzo papel, muitas presenteadas e paixões, como o Flamengo. Além e Juarez Machado, entre outros. o Prelo ESPECIAL Jorge de Salles entre amigos Dono de uma personalidade carismática e cativante, Jorge de Salles criou, ao longo da vida, uma extensa relação de amigos, muitos deles colegas de talento e destreza no manejo do lápis, como os cartunistas Nássara, Ziraldo, Jaguar, os irmãos Chico e Paulo Caruso e Millôr Fernandes, que chegou a lhe nomear, por escrito, como curador do seu acervo em caso de morte, sem saber que o destino levaria Jorge primeiro. Muitas das amizades foram cultivadas na boemia, nos bares e restaurantes que ele gostava de frequentar pelo prazer da boa mesa, da descontração e das conversas com os amigos. Outras viriam dos contatos proporcionados pela vida artística, como foi o caso do ator Tony Ramos, que se tornou íntimo de Jorge depois de viver na televisão o Com Tony Ramos personagem Pardal, um escultor inspirado e outros atores, na vida do artista. Algumas das obras no set de gravação da novela “Livre de Jorge de Salles chegaram a compor o para voar”, em que cenário da novela “Livre para voar”. apareciam algumas Jorge também devotava verdadeira de suas esculturas, amizade àqueles que o infl uenciaram, com Ziraldo, mesmo sem tê-los conhecido, como e com o o caricaturista J. Carlos, cujo traço fi lho Marcos, Jorge de ele reproduziu em alguns desenhos Salles apresentava para homenagear o mestre. Tornou-se uma personalidade cativante, capaz de íntimo dos fi lhos de J. Carlos, de quem produzir amigos com recebeu vários originais. Organizou a mesma facilidade uma exposição itinerante do célebre com que realizava desenhista, divulgando a sua obra suas criações também em palestras. artísticas o Prelo ESPECIAL O mundo dividido entre Dom Quixote e São Francisco de Assis Excetuando as reproduções do Rio de Janeiro, as representações de Dom Quixote e São Francisco de Assis eram as imagens mais constantes nas criações de Jorge de Salles. Tanto em aquarelas como nas esculturas feitas com sucatas de ferro, os dois personagens povoam o imaginário do artista. Eles formam um mundo à parte, dividido entre a loucura idealista do cavaleiro espanhol e o despojamento material do santo católico. O protagonista da obra de Miguel de Cervantes é apresentado das mais variadas formas: de pé, a cavalo, sozinho e acompanhado de seu fifiel el escudeiro, Sancho Pança. Sua atitude é a de uma permanente prontidão diante da missão suprema que lhe foi conficonfiada. ada. Já o santo é retratado na permanente companhia dos animais. Suas aparições se dão tanto de dia quanto de noite, como a mostrar que o seu exemplo de vida deve ser seguido diuturnamente. Uma das obras reproduzidas nesta página mostra o curioso encontro entre os dois personagens em uma estrada deserta, sob um céu estrelado, a sugerir uma união das virtudes dos dois personagens. o Prelo ESPECIAL Paixão rubro-negra “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”. O lema cantado no hino do clube rubro-negro parece ser seguido pelos mais diferentes personagens – de Napoleão ao arlequim – e se apresenta dentro dos mais variados cenários – no bonde, nos bares, nas ruas. Jorge de Salles transferiu para as imagens criadas a paixão nutrida por ele e pela maior torcida do Brasil. Uma paixão que trazia no peito e que sabia expressar com toda a sua irreverência e humor. o Prelo ESPECIAL O Rio como inspiração Se a criação artística de Jorge Salles teve uma musa inspiradora, esta sem dúvida foi a cidade do Rio de Janeiro. Suas paisagens foram retratadas sob os mais diferentes ângulos, com especial destaque para o casario antigo, os prédios tradicionais, as ruas e os bondes de Santa Teresa. Além dos lugares específi cos, ele também criou mapas recheados de belas ilustrações dos pontos turísticos cariocas. O refúgio bucólico do sociólogo Márcia M. J. Pessanha

A Casa de Oliveira Vianna pouco. Seu mundo era sua casa. A partir realmente habitado, protegido das apresenta características de dali, ele viajava pelo mundo através de forças adversas, daí ser um espaço da inspiração romântica, própria da suas leituras e pesquisas. Suas viagens topofilia (lugar da felicidade). Neste arquitetura do começo do século reais se restringiam a São Paulo, São José sentido, podemos dizer que a Casa XX. Situada abaixo do morro dos Campos e às estâncias hidrominerais de Oliveira Vianna congrega todos do Holofote, na Alameda São para tratamento de saúde. esses elementos: centro/referência Boaventura, tendo em frente a Igreja Casa de Oliveira Vianna – centro de do ser no mundo, pois residiu aqui de São Lourenço, no Ponto Cem estudos; Casa de Oliveira Vianna – centro durante muito tempo, casa enraizada Réis, Fonseca, bairro tradicional da familiar, de tradição cristã. Oliveira pela tradição familiar, e ele próprio antiga capital fluminense, era um Vianna era devoto de Santa Terezinha, que nunca se afastou de suas raízes, local tranqüilo para se morar antes imagem até hoje conservada em seu sentia-se preso ao solo pátrio, o que da construção da Ponte Rio-Niterói. quarto, na casa, que guarda ainda hoje pode ser metaforicamente ilustrado Bela chácara com pomar, jardim muitos objetos de uso pessoal de Oliveira com as raízes das frondosas árvores com chafariz. As salas de jantar Vianna, daí serem considerados por frutíferas do pomar. e de visita mantêm a maioria do nós, segundo Ecléa Bosi em Memória e Recebia poucas visitas, quase mobiliário da época, inclusive o rádio Sociedade, como objetos biográficos, pois não saía de casa. Seu paraíso era sua antigo e a cadeira de balanço, bem fazem parte da história de vida do autor. casa, sua biblioteca; suas viagens como o quarto do autor com a cama Não foram simples objetos decorativos, eram os livros. Assim era visitado e demais pertences. Atualmente este trazem vestígios incrustrados do uso, pelas irmãs Zilda, Cinira e Clotilde e espaço é museu aberto à visitação, do toque das mãos do dono. Possuem, pelas suas sobrinhas, principalmente centro de pesquisa e desenvolve acima de tudo, o segredo da alma das Emérita de Oliveira Rodrigues, que atividades educativas e culturais, coisas. cuidou dele, devotamente, até sua propiciando a interligação da casa Este ano marca os sessenta anos morte. Atualmente, sua sobrinha com a comunidade. sem Oliveira Vianna e o centenário neta Marlene dá continuidade Oliveira Vianna não foi um de construção desta casa. O filósofo a esse ritual afetivo da família, observador abstrato da sociedade Heidegger já dizia que “a linguagem é a visitando nas datas específicas o em que viveu. Sempre quis pensar morada do ser”; o texto bíblico declara túmulo do “Tio Chico”, como era o Brasil, olhar a realidade brasileira que “a casa do pai tem muitas moradas” carinhosamente chamado pelas com a visão do cidadão brasileiro, e o texto de Gaston Bachelard, sobre “A sobrinhas, levando-lhe flores no comprometido com a sua nação. De poética do espaço”, situa a casa como Cemitério da Confraria de Nossa índole retraída, introspectivo, viajava referência do ser no mundo, como espaço Senhora da Conceição, no Barreto. q Foto: Ricardo Chau Ricardo Foto:

A casa centenária é visitada hoje por estudantes e pesquisadores o Prelo 17 Procópio Mineiro (1945-2011) Um jornalista que não se rendeu

discrepância era gritante em relação Luiz Augusto Erthal aos números da Proconsult, cujo sof- tware, descobrir-se-ia depois, possuía um “coeficiente delta” que desviava screver o obituário dos amigos é, votos brancos e nulos para a conta de E talvez, a mais dolorosa das tarefas Moreira Franco. atribuídas aos jornalistas. É quando, De início, o próprio Jornal do ainda chocados e perplexos pela per- Brasil mantivera-se cauteloso. Pro- da, levantamos o véu que separa o cópio apostava a sua cabeça naquela texto impresso ou transmitido eletro- ousada cobertura das eleições, de- nicamente do homem por trás da no- monstrando uma das maiores vir- tícia em sua luta diária pela informa- tudes de seu caráter profissional: a ção. E, muitas vezes, ao libertarmos o intransigência com a verdade jorna- velho profissional de imprensa de seu lística. Brizola daria uma entrevista à quase ostracismo, surpreendemo-nos imprensa internacional, anunciando com o interesse jornalístico inerente as evidências de fraude fornecidas pela àquela vida, àquela história, e com o Rádio Jornal do Brasil e fazendo com valor da informação por tanto tempo que a apuração mudasse radicalmen- sonegada ao público. te a tendência dos resultados finais, o Esse é exatamente o sentimento que lhe garantiu a vitória. Procópio que me assalta ao ver-me incumbi- Mineiro, com sua coragem e profis- do da triste missão de informar aos sionalismo, ajudava a impedir que as leitores de O Prelo sobre a morte do primeiras eleições da abertura política nosso colega Procópio Mineiro, ocor- brasileira fossem conspurcadas. rida no dia 29 de julho, quando fe- A partir de então, Procópio ja- chávamos a presente edição da revis- mais voltaria a ocupar um cargo de ta. Nestas páginas podem ser lidas prestígio na chamada “grande im- as últimas matérias assinadas por prensa”. Em compensação, empres- ele e o próximo número da publica- tou seu talento e capacidade de traba- ção ainda estará impregnado da sua Jornalista ajudou a solidificar a própria lho a órgãos como a Rádio Roquette atividade, através das contribuições democracia brasileira Pinto, que dirigiu por duas vezes a sempre relevantes que oferecia em “lenta, gradual e progressiva” esta- convite de Leonel Brizola. Também nossas reuniões de pauta. belecida pelo Regime Militar, tendo editou durante um período o cader- Era, sem dúvida, a voz mais agora a participação de políticos, no noticioso do Diário Oficial, cria- experiente e respeitada de nossa pe- como Leonel Brizola e Miguel Arra- do em 1984, e a revista Cadernos do quena equipe, cuja colaboração foi es, que vinham de um longo exílio. Terceiro Mundo, publicação de caráter decisiva quando o atual presidente O clima ainda era muito tenso, com socialista dirigida pelo jornalista e da Imprensa Oficial, Haroldo Zager, atentados praticados no período pré- ex-deputado Neiva Moreira e Beatriz decidiu, logo ao assumir a direção da -eleitoral, entre eles a explosão da Bissio. Na editora de Neiva, Procópio empresa, retomar a edição de O Prelo, bomba no Riocentro. também ajudou a fundar e editou a após um período em que a produção A disputa pelo governo flumi- primeira revista de ecologia brasileira da revista esteve sob a responsabilida- nense chegava ao seu final bastante – Ecologia e Desenvolvimento –, tendo de do Conselho Estadual de Cultura. acirrada, com um empate técnico recebido com ela alguns prêmios de Procópio abraçou com entusiasmo a entre os candidatos Miro Teixeira, jornalismo. nova orientação, vendo nela a opor- Moreira Franco e Leonel Brizola, que Tão expressiva quanto a sua tunidade de imprimir à publicação iniciara a disputa com apenas 3% honradez profissional era a simplici- um caráter mais jornalístico, baliza- nas pesquisas e crescera de forma dade de Procópio Mineiro. Ex-semi- do pelo interesse cultural intrínseco à vertiginosa na reta final. A empresa narista, ele conservaria por toda a linha editorial de O Prelo. Proconsult, contratada para fazer a vida o jeitão quieto e manso, próprio Procópio Mineiro exercia o seu totalização dos votos, apresentava dos monastérios. Uma atitude despo- trabalho de redator na Imprensa seguidos resultados que indicavam jada, quase franciscana, caracteriza- Oficial com a responsabilidade, a ca- a vitória de Moreira Franco. Brizo- va o pernambucano que viera para pacidade e o profissionalismo que o la já demonstrava nítido desânimo o Estado do Rio ainda adolescente, caracterizaram nos altos cargos de durante uma entrevista na própria fixando-se na cidade de São João de imprensa que ocupou e em momen- Rádio JB e estava prestes a jogar a Meriti, Baixada Fluminense, de onde tos dramáticos da história política toalha, quando Procópio, que parti- nunca se mudou. Foi enterrado no recente do país, quando sua atua- cipava da mesa redonda com outros sábado, dia 30 de julho, aos 65 anos, ção profissional ajudou a solidifi- jornalistas, lhe deu a notícia: no cemitério do subúrbio carioca car a própria democracia brasileira. - Mas, pelas nossas contas, o go- de Irajá, vítima de acidente vascular- Trata-se do episódio que se tornou vernador eleito é o senhor! cerebral, e deixa três filhos. conhecido como “o escândalo da Pro- A apuração paralela montada Uma semana antes, Procópio consult”, uma tentativa de fraude nos por Procópio Mineiro com a ajuda de mostrara-me, entusiasmado, o pro- resultados da eleição para governador outros jornalistas, como Peri Cota, jeto de uma nova revista de ecolo- do Estado do Rio de Janeiro, em 1982, desmascarou a maquiagem dos nú- gia. Também conversamos sobre a abortada graças à apuração paralela meros. De posse de cópias dos bole- preparação de um livro sobre o caso montada por ele, à época diretor da tins de urna, os repórteres da rádio Proconsult, que completará 30 anos Rádio Jornal do Brasil. abasteciam um centro de totalização em 2012. Era daqueles que não se O Brasil vivia a sua primei- que fornecia resultados parciais, a rendem. Viveu lutando. Morreu so- ra eleição desde o início da abertura todo momento divulgados no ar. A nhando. q 18 o Prelo A rádio que virou lenda do rock brasileiro

Em 1985, o empresário Roberto Medina organizava o primeiro Rock in Rio e resolveu se aconselhar com um grupo de jovens sobre a programação do festival. Eram os responsáveis pela escolha do repertório que tocava na mais importante rádio especializada da época, a “Maldita”, como se tornou conhecida a Fluminense FM, templo do rock brasileiro nos anos 80. Criada em 1982 por Luiz Antonio Mello e Samuel Wainer Filho, o Samuca, a Maldita já não toca mais no dial, embora o grupo O Fluminense ainda mantenha uma rádio digital com a mesma marca acessível em http://portal.ofluminense. com.br/radios.aspx. Mas a lenda da rádio revolucionária, que praticamente embalou o surgimento do rock brasileiro, permanece viva na memória da geração que se prepara para assistir, este ano, a mais um Rock in Rio. Neste artigo, O Prelo convida Luiz Antonio Mello a relembrar a experiência de criar um mito da mídia e da música brasileira.

Luiz Antonio Mello* Brasil para assumir a direção da Flu- incentivo e generosidade do Dr. Alberto minense FM, em 15 de setembro de Francisco Torres, saudoso presidente o último dia primeiro de 1981, o projeto “Maldita” não exis- do Grupo Fluminense de Comunicação; N março, a Rádio Fluminense FM, tia. Samuel Wainer Filho, o saudoso Ephrem Amora, na época superinten- “Maldita”, faria 29 anos de idade. Falo Samuca, deixou o JB para embarcar dente; João Luiz Faria Neto, consultor de um mito que nasceu em 1982 e na aventura comigo, mas precisou da presidência; e Gilson Monteiro, na virou a cabeça do país inserindo um voltar em dezembro. Eu optei por ficar. época diretor do Grupo Fluminense. A novo texto e contexto na mídia ele- Convidei Sergio Vasconcellos, Amaury eles dedico essa revolução. Tive carta trônica nacional. Não parece que foi Santos e Alex Mariano para serem os branca absoluta para fazer o que qui- ontem porque seria uma citação muito produtores da rádio, além do também sesse e quando quisesse sem precisar óbvia, totalmente anti-Maldita. saudoso e genial Carlos Lacombe para consultá-los. Essa liberdade foi crucial Impressionante é o volume de a gerência de promoções. para o sucesso do projeto e se, entre 15 pessoas que cultuam essa rádio. Mais Trabalhamos duro de 16 de de setembro de 1981 e 1º de abril de impressionante ainda é constatar que setembro de 1981 até as 6 horas da 1985 (meu período na rádio), houve pelo menos 70% das pessoas que me manhã de 1º de março de 1982 quando erros, a culpa foi minha. procuram (média de três por semana) a “Maldita” entrou no ar. Foram meses Ano que vem a “Maldita” faria por e-mail, por telefone, para dar de trabalho árduo. Ouvimos pelo me- 30 anos de idade. Coincidentemente, entrevistas sobre a rádio, escrever nos cinco mil discos, todos de nossos meses depois do Rock in Rio acontecer. artigos, ensaios e tudo mais não eram acervos pessoais. Publicamos num Sim, para o primeiro Rock in Rio, em nascidas em 1982. Isso mesmo. Pesso- classificado de domingo o anúncio: janeiro de 1985, nós fomos chamados as cultuam a memória de uma rádio “Locutora – Radio FM contrata sem por Roberto Medina para opinarmos e que fez o mercado capotar. experiência mas com ótima pronúncia sugerirmos nomes para se apresenta- Aí vem a pergunta: por que este de inglês”. Apareceram mais de 500 rem no festival. Modéstia à parte, na fenômeno? Parece simples, mas não candidatas. Coube a Amaury Santos minha opinião, foi a melhor seleção é. Quando deixei a Rádio Jornal do selecionar e treinar cada uma delas da história do festival. que além de falar tinham que operar Enfim, há muito, mas muito a mesa de áudio. O time inicial: Selma mais o que falar sobre essa rádio re- Boiron (6 às 10 horas da manhã), volucionária. A ela, a minha eterna Selma Vieira (10 às 14 horas); Monika gratidão. A ela e aos colegas que se Venerabille (14 às 18 horas); Liliane tornaram amigos ao longo do tem- Yussim (18 às 22 horas), Edna Mayo po e engrossam o grito: - Maldita (22 às 2 horas da madrugada). sempre!.q Mas, com certeza, a histórica * Jornalista, radialista e escritor. rádio de Rock, Blues e afins não teria E-mail: [email protected] nascido não fosse o estímulo, coragem,

o Prelo 19 Foto:Divulgação/Prefeitura de Caxias

A baixada caxiense se desenvolveu com a criação da Reduc

Duque de Caxias Do engenho de açúcar à maior refinaria do Brasil Uma história construída com suor, tijolos e indústrias Procópio Mineiro

ma das principais cidades bra- Falar do município de Duque de Caxias Isto quer dizer: intensos deslocamen- U sileiras em população, arrecadação é caminhar na história da modernização tos populacionais, urbanização constru- de impostos e produção, Duque de Caxias brasileira que vem ocorrendo nos últi- ída de forma caótica, com adaptações consolida-se como segundo centro indus- mos 80 anos, um período muito curto se infindáveis que ainda não cessaram, pro- trial da Região Metropolitana do Rio de comparado com aos 250 anos do início blemas ambientais, sanitários e sociais, a Janeiro, enquanto aprofunda a busca por da industrialização europeia. Tal como convivência do moderno com o atraso, uma identidade própria a partir das va- ocorreu no processo europeu (leia-se “A áreas perfeitamente infraestruturadas ao riadas matrizes culturais que compõem situação da classe trabalhadora na Ingla- lado de porções precárias, estes sempre a sua população, formada por brasileiros terra em 1845”, de Friedrich Engels, para maioria, refletindo a pirâmide social do de diversos estados e também segmentos se ter uma imagem bastante semelhante país e, sobretudo, as limitações financei- de imigrantes estrangeiros. Inserido na às situações atuais do nosso próprio ras das cidades e problemas de gestão. Baixada Fluminense, partilha com os processo), a modernização verificada na Ou, segundo estudiosos, mostrando municípios vizinhos a mesma origem cidade da Baixada Fluminense, com poucas o estágio ainda incompleto da cultura histórica, contemporânea da fundação de variações, marcou o mesmo impulso e as política, da autopercepção social e da São Sebastião do Rio de Janeiro, vivendo mesmas consequências do desenvolvimen- prática da cidadania. em íntima conexão com a capital a partir to em dezenas de pólos espalhados pelo A Duque de Caxias de 2011 contrasta daqueles primeiros momentos. território nacional. em muito com a de apenas um século

Foto: Instituto Histórico de Caxias

20 o Prelo atrás e já não tem nada a ver de indústrias e arrecadação de com a dos outros 350 anos impostos, o que deve ser olhado anteriores. É uma terra nova, com viés crítico” – observa ainda uma cidade nova, com uma a historiadora Tânia Amaro, população nova ainda em fase que dirige há dez anos o Institu- de acomodação. Mas progre- to Histórico de Duque de Caxias, diu muito nas últimas seis ligado à Câmara de Vereadores décadas, desde que ganhou sua da cidade, e edita a revista Pilares autonomia no início da nossa do Petrobras Imprensa de Assessoria da História, que publica pesqui- industrialização. sas acadêmicas sobre Caxias e os Em 1911, os 468,3km2 de demais municípios da região. Caxias ainda estavam integra- “A Baixada é hoje a segun- dos ao município-gigante de O fogo permanente da refinaria é uma das marcas da região da mais importante região do Nova Iguaçu, mãe da maioria Estado e uma das mais impor- das cidades da Baixada Fluminense. O tórios de diversas áreas do Brasil e de tantes microrregiões do País. Com uma núcleo caxiense passou da Freguesia tantas outras nações do mundo. Esta população de aproximadamente 3 mi- de Nossa Senhora do Pilar, cerca de 10 população tão diversamente heterogênea lhões e meio de habitantes, possui vasto quilômetros ao norte, para as margens é composta por povos de diversas origens patrimônio histórico e cultural, além de do Rio Meriti, onde a estação de Mere- e identidades culturais, formando um ser uma região privilegiada pelos seus re- ty, da ferrovia Leopoldina, começara a mosaico riquíssimo de tendências que cursos naturais”, define a pesquisadora. adensar a população em seu entorno, se manifestam nos comportamentos so- Caxias em particular, sediando a que viria a se tornar o centro da cidade. ciais, nas artes, na política, na economia maior refinaria da Petrobrás, a Refinaria A mudança de nome, para homenagear e nos mais diversos campos da vida em de Duque de Caxias-REDUC, e dezenas o herói da Guerra do Paraguai, só viria sociedade.” de outras indústrias e empresas de ser- em 1931, quando se criou o Distrito de Como se vê, se o destino do Brasil é viços ligados ao ramo petrolífero, alcan- Caxias, que se tornou município, no misturar culturas e raças, a Baixada Flu- çou o estágio de segundo município em último dia de 1943. minense - e Caxias em especial, por sua arrecadação de impostos e movimento Nos últimos 100 anos – período em enorme população -, é hoje um caldeirão econômico, no Estado, sendo superado que a região saiu do descalabro ambiental privilegiado dessa sopa de humanidades apenas pelo Rio, a capital. e sanitário iniciado na segunda metade do em plena fervura. Quem não é “oriundi” A história industrial caxiense come- século XIX, levando a malária e o cólera interno ou estrangeiro, é filho ou neto çou há poucas décadas. a despovoar a Baixada -, a população de algum. Se há inúmeras identidades caxiense de pouco mais de 800 habitan- pairando no ar, é preciso reconhecer A industrialização tes, em 1910, cresceu para quase 900 que não faltam iniciativas para a cons- Não seria exagerado dizer que a mil, segundo os dados mais recentes do trução do conhecimento do passado e industrialização da Baixada foi iniciado IBGE. Os números testemunham o aflu- a sedimentação de um sentimento de em Caxias, em junho de 1942, quando, xo desordenado de migrantes mineiros, identificação local. em Xerém, começa a funcionar a Fábri- capixabas e nordestinos, estes o principal “Apesar de envolvida com enormes ca Nacional de Motores (FNM). Foi o grupo humano a caracterizar o municí- conflitos ambientais, devido a um de- período da II Guerra Mundial, quando pio. A estes brasileiros de variadas origens senvolvimento urbano desordenado, Getúlio Vargas aprofunda seu programa deve-se somar uma fração de imigrantes com problemas de poluição e violência, de modernização, com a criação também estrangeiros, sobretudo portugueses, que a Baixada tem hoje um crescimento da Companhia Siderúrgica Nacional, da chegaram no período pós-I Guerra. Já econômico acentuado, com a instalação Companhia Hidroelétrica do São Francis- em 1930, a população alcançava Foto: Divulgação/Prefeitura de Caxias 28.756 habitantes e, em 1940, apenas dez anos depois, superava os 100 mil. Segundo a historiadora ca- xiense Tânia Amaro, ela mesma neta de um marceneiro portu- guês, “a partir das décadas que sucederam a II Guerra Mundial, os municípios que integram a Baixada tiveram um crescimento demográfico acentuado, que foi resultado de processos migra-

Nos anos 30 do século passado, o povo trabalhador do município já fazia dos trens o seu principal meio de transporte o Prelo 21 Foto: Rogério Torres ao instalar sua refi- quase 900 mil brasileiros e estrangeiros e naria no município, seus descendentes de duas gerações. Um em 1961. A Reduc é a olhar sociológico talvez constatasse que principal unidade da ainda estão se habituando ao ambiente Petrobrás, ocupando que brotou nestes últimos 70 anos: um uma área de 13 km2 mundo diferente, nem sempre amisto- no distrito de Cam- so, socialmente confuso, desigual e em pos Elísios, e responde transformação, sobre a mesma velha pela maior parcela da terra de quase 500 anos de história. receita municipal. Em seu recém-lançado livro “De Aos cofres públi- Merety a Duque de Caxias – Encontro cos, a Reduc recolhe com a História da Cidade” (APPL-CLIO, R$ 1,2 bilhão por ano. 2010, Caxias, RJ), escrito em parceria Sua presença atraiu com o também historiador local An- Av. Nilo Peçanha anos 40: início do surto desenvolvimentista dezenas de outras in- tônio Augusto Braz, Tânia Amaro não dústrias para a região. Uma verdadeira esquece de frisar a complexidade entre o co, da Companhia Vale do Rio Doce e da cidade industrial plantada dentro de desenvolvimento econômico acelerado e Companhia Nacional de Álcalis, entre ou- Caxias, a refinaria emprega milhares de a qualidade de vida da população, uma tras destinadas a montar a infraestrutura funcionários e continua a expandir-se. vez que a excelente situação industrial industrial para aquele país ainda rural. No próximo ano, inaugura um de seus não corresponde a um Índice de Desen- Da FNM, diz o pesquisador Eduardo maiores investimentos, o Pólo Gás- volvimento Humano semelhante, alcan- Nazareth Paiva (Coppe/UFRJ, 2004), em -Químico, o maior da América Latina, çando apenas um IDH de 0,75, segundo sua tese “A Fábrica Nacional de Motores o que já atrai empresas produtoras de o padrão do Unicef (longevidade, renda, (FNM) e a Pré-História da Implantação plásticos para Duque de Caxias, como educação), abaixo do de cidades bem da Indústria Automobilística no Brasil a Nutriflex e a Polibrasil, duas gigantes menores do próprio Estado. do Ponto de Vista da Teoria Ator-Rede do setor de polímeros. “De um povoado evitado, (Duque de (...) foi uma das iniciativas brasileiras No município funciona também a Caxias) tornou-se uma cidade populosa, que mais se opôs ao dogmático estigma maior termelétrica a gás natural do país, próspera e complexa, com uma sociedade da inviabilidade latino-americana de a TermoRio, capaz de responder por 22% marcada pela desigualdade social e por conseguir autonomia tecnológica em da energia fluminense. Atravessando de estratégias diversas de enfrentamento setores estratégicos de alto impacto eco- leste a oeste o território do município, pela sobrevivência”, escreve a historiadora nômico, como é o caso da indústria au- está em construção o Arco Rodoviário Tânia Amaro, e,m “De Merety a Duque de tomotiva. Ela pode ser considerada um Metropolitano, uma estrada de 72 qui- Caxias (página 114). “Ao longo do pro- dos mais simbólicos projetos de tentativa lômetros que ligará as cinco principais cesso histórico de sua formação, a cidade e neste sentido e neste contexto” (p.312). vias do Estado, correndo de leste a oeste, a vida da cidade revelam a multiplicidade A FNM foi criada para fabricar mo- para servir de escoamento à produção do das estratégias construídas por sua gente tores aeronáuticos Ciclone, sob licença Complexo Petroquímico de Itaboraí, em em um complexo e contínuo esforço da norte-americana Curtiss-Wright, e, direção ao Porto de Itaguaí. No trecho social. A história do município Caxias depois da guerra, passou a fabricar tra- caxiense, o Arco, ainda em construção, já construiu-se a partir da perspectiva des- tores e caminhões, sob licença da Isotta movimenta empresas a adquirir terrenos ses homens e mulheres, protagonistas italiana, mais tarde da Alfa Romeo, a para implantar suas fábricas. simples dessa luta”, completou quem foi vendida pelo regime militar em Nas proximidades do monumento Assim é Duque de Caxias, uma ci- 1968, passando em seguida à Fiat, que industrial que é a REDUC, com as mar- dade industrial cuja população vive os a fechou em 1985 - quando concentrou gens tomadas pela intensa aglomeração efeitos do fluxo econômico com suas suas atividades em Betim, Minas Gerais. das moradias de trabalhadores, continu- fases concomitantes de inclusão e ex- O caminhão FNM foi o primeiro am a fluir para a Guanabara os históri- clusão social. Como o país, uma cidade construído no Brasil, a partir de 1949, cos rios Pilar, Meriti, Sarapuí e Iguaçu, já em construção. q e a fábrica passou a lançar também esquecidos dos seus antigos Foto: Rogério Torres automóveis a partir de 1960, com o portos e da gente antiga. JK-2000, sendo seu último modelo o Alfa Romeo-2300, de 1974. Hoje, as Superpopulação instalações da FNM abrigam a fábrica Toda essa transformação Ciferal/Marcopolo, de carrocerias de econômica provocou , tam- ônibus urbanos. bém a chegada de um povo novo, vindo de todas as par- Reduc - Outro marco do projeto ge- tes, atrás de oportunidades tulista de construir a capacidade tecno- de trabalho. Hoje chegam a lógica brasileira, a Petrobrás, criada em 1953, iria ligar em definitivo o destino de Av. Nilo Pessanha, anos 70: Duque de Caxias à indústria petrolífera, imagem de um comércio vibrante 22 o Prelo Foto: Instituto Histórico de Caxias Foto: Estado do Rio de Janeiro Passado

A Av. Presidente Kennedy, principal acesso da cidade nos anos 40 e 50 do século passado, e a Igreja do Pilar, sede de uma rica frequesia no século XVIII

le período, tanto na Guanabara quanto em narrativa sobre o que Brás Cubas fez com Uma outros pontos do litoral fluminense. tanta terra, mas já nos informam que logo Os historiadores recorrem ao próprio toda a região estava semeada de fazendas de padre José de Anchieta para mostrar que cana-de-açúcar e de igrejas e capelas, que história de os invasores não ficaram apenas no forte asseguravam a identidade da colonização e da ilhota em frente à praia do Flamengo, organizavam a vida dos moradores. Açúcar, mas iniciaram um trabalho de colonização melado, aguardente, para consumo regional 446 anos por toda a região: após a reconquista da e exportação, mais milho, mandioca para Guanabara, os portugueses encontraram farinha, arroz, feijão, verduras e legumes – história de Duque de Caxias em aldeias indígenas às margens do rio também o café, no século XIX - e criação de guarda uma forte identidade com a Iguaçu, em terras hoje caxienses, crianças gado, caracterizavam a produção, que, em Ados demais municípios da Baixada Flumi- vestidas com hábitos beneditinos, herança Caxias, tinha por centro a Igreja de Nossa nense, pois toda a região começou a ser da catequese dos monges franceses que ti- Senhora do Pilar e seu arraial, às margens ocupada no mesmo período, a partir de nham estabelecido uma fazenda na região, do rio Pilar, afluente do Iguaçu, cerca de 1565, como uma espécie de expansão da a partir de 1561. 10 quilômetros ao norte do atual centro de recém-fundada São Sebastião do Rio de Ja- Em 1565, após a fundação do arraial Caxias, que no século XIX migrou para as neiro, de modo a assegurar a posse da região de São Sebastião e das primeiras refregas margens do rio Meriti. que, nos 12 anos anteriores, estivera sob o para a retomada territorial, é exatamente Como em todas as regiões deste país de controle de franceses. A povoação carioca naquela região de Caxias que se dá a Cris- florestas que eram cerradas, também os rios nascia em meio a uma dura guerra contra tóvão Monteiro, um fidalgo do exército de da Baixada Fluminense foram os caminhos os invasores, aliados dos índios tamoios, Estácio de Sá e ouvidor-mor de São Vicente, de penetração e marcaram a fixação do co- donos do território que se estendia do norte sesmaria de uma légua quadrada (43 km2), lonizador, como já acontecera com os índios paulista até Cabo Frio. tendo o rio Iguaçu por eixo, provavelmente tamoios e, antes deles, milênios antes, com os Os inimigos tamoios representavam um englobando as terras dos monges franceses, ainda bem desconhecidos índios da civilização risco real de perda do controle desta parte do que já se tinham retirado. Em 1596, falecido dos Sambaquis - os ostreiros de mais de 6 território brasileiro pela Coroa de Portugal, Cristóvão, sua viúva doa metade da área aos mil anos de que o município guarda ainda devido às boas relações que mantinham com beneditinos portugueses, que iriam ali esta- alguns exemplares. Os rios Iguaçu, Sarapuí franceses, holandeses e ingleses nos negócios belecer a mais florescente fazenda da região, e Meriti, que correm de oeste a leste e desem- do pau-brasil. A região da Baía de Guanabara a Fazenda de São Bento, hoje bairro de São bocam na Baía de Guanabara, atravessam o fazia parte da Capitania de São Vicente, de Bento e uma das muitas joias históricas de território caxiense e por eles e seus afluentes Martim Afonso de Sousa, mas as atenções do Duque de Caxias. menores, como o Pilar, aconteceram a ocu- donatário e seus administradores posteriores Como a missão de Estácio de Sá envolvia pação territorial, a exploração agropecuária estavam concentradas na área paulista das colonizar a região, de modo a evitar futuras e madeireira, e o comércio com a cidade do vilas de São Vicente e Santos, deixando a re- invasões, já em 1566, antes mesmo da bata- Rio de Janeiro, abastecida pela produção da gião norte de possessão sem muita proteção. lha final de Uruçumirim que se daria a 20 de Baixada. Isto ocasionou facilidade para o intenso trá- janeiro de 1567, uma supersesmaria era do- Os portos fluviais na região eram de- fico pirata e levou Nicolau de Villegaignon a ada ao notável Brás Cubas, companheiro de zenas e diariamente partiam e chegavam instalar sua França Antártica na Guanabara Martim Afonso de Sousa desde 1531 e já por barcos. Os rios eram então volumosos e por longos 12 anos. duas vezes capitão-mor da Capitania de São navegáveis e assim ficaram por quase 300 Duque de Caxias entra na história neste Vicente. Naquele momento, ele era respon- anos, antes que a substituição das florestas momento, pois os franceses exploraram todo sável pelos impostos reais, além de possuir por campos de cultivo resultassem em queda o entorno da baía. Jean de Léry (“Viagem à o maior latifúndio da Baixada Santista, onde do volume das correntes, assoreamento do Terra do Brasil”) conta ter navegado pelos fundara a vila de Santos. Pela importância leitos, surgimento de pântanos como focos rios da região e percorrido 20 quilômetros do personagem, a sesmaria tinha que ser à de doenças e a crise daquele mundo que se foi terra adentro, passando por muitas aldeias altura e foi: 3 mil braças por 9 mil braças - e não mais voltou, na virada do século XIX dos aliados tamoios, em 1557. Se o projeto antiga medida de comprimento equivalente para o XX. O último golpe foi a construção de Villegaignon é definido em geral como a 2,2 metros, um retângulo a partir do rio das estradas de ferro, que deixaram os portos um empreendimento de protestantes, deve- Meriti , 130 km2 de terras de Caxias e de fluviais sem função. -se assinalar que com eles veio também o Belford Roxo, chegando até a paliçada da Caminho do Ouro - Mas, antes que capuchinho André de Thévet, cuja obra aldeia indígena de Jacutinga, onde hoje está isso acontecesse, Caxias, que era ainda Pilar, “Singularidades da França Antártica” é uma o centro desta última cidade. viveria grandes momentos, como zona de fonte importante de informações sobre aque- Os historiadores nos devem ainda uma produção agropecuária e madeireira e, no o Prelo 23 A montadora de ônibus Ciferal, com seu parque industrial gigantesco (foto abaixo), é um do símbolos de vigor econômico da cidade

Fotos: Divulgação/Prefeitura de Caxias Histórico e Artístico Nacional foi transferido do porto de Iguaçu, que se desde 1938. No próximo ano, tornou Iguaçu Velho, para o entorno da 2012, completam-se os 400 estação de trem, Maxambomba, logo depois anos de criação da Freguesia de Nova Iguaçu. Nossa Senhora do Pilar, origem No caso da futura Caxias, o cada vez de Duque de Caxias. O templo mais abandonado Pilar via, ao sul, crescer atual já completou 313 anos seu distrito em torno da parada de trem da desde o início de sua constru- Leopoldina, criada próxima ao Rio Meriti. ção, tendo substituído a capela Foi às margens dessa Estação de Merety, em primitiva edificada em 1612. terras que um dia foram do poderoso Brás No final dos Setecentos, Cubas, que aumentou uma nova povoação, a Freguesia de Nossa Senhora hoje o centro de Caxias. do Pilar contava com uma Mas houve um grande sofrimento antes população de 3.895 pessoas, que, a partir dos anos 1940, o distrito inicias- das quais 1.219 eram escravos. se o galope modernizador que o notabiliza Só era superada pela Freguesia até hoje. de Nossa Senhora da Piedade O sofrimento foi o aprofundamento da do Iguaçu, origem de Nova degradação ambiental de toda a Baixada, na século XVIII, também como passagem obri- Iguaçu, com 9.182 moradores, dos quais segunda metade do século XIX, quando os gatória do ouro mineiro em direção ao porto 1.868 escravos, e Nossa Senhora da Piedade rios assoreados multiplicaram os pântanos, do Rio e ainda como escoadouro do café do do Inhomirim, hoje território de Magé, com a malária se tornou endêmica e o cólera Vale do Paraíba. As bandeiras paulistas ti- 5.007 fregueses, dos quais 2.179 escravos. aparecia em surtos epidêmicos. As áreas nham feito as primeiras descobertas de ouro A ferrovia - A pujança econômica da mais afetadas se despovoaram e o número em Minas Gerais, no final dos Seiscentos. região continuaria ainda nas primeiras dé- de moradores regrediu a níveis de dois sé- O transporte do metal tornou-se um cadas do século XIX, com a introdução da culos antes. problema, pelas distâncias dos portos e pelos cultura do café, mas já estava em curso uma Somente a partir de 1910, por iniciativa riscos envolvidos. O porto mais próximo rearrumação espacial, decorrente de novos do então presidente Nilo Peçanha, iniciou- era o do Rio de Janeiro, que, num primeiro caminhos para o interior (Caminho do Pro- -se um vasto programa de saneamento da momento, se alcançava via Parati, através da ença a leste e, a oeste, o Caminho do Tinguá), região, intensificado no governo de Getúlio única e sinuosa estrada então existente, que que, desde o século anterior, prejudicaram o Vargas, a partir de 1930, quando toda a passava por terras paulistas, seguindo-se o movimento do porto de Pilar e beneficiaram região é preparada para acolher populações transporte marítimo até a Guanabara para os de Iguaçu, da Estrela e das Caixas. necessárias ao impulso da industrialização, a exportação final para Lisboa. De Parati As consequências ambientais da derruba- embora, segundo os historiadores locais, o às minas, podia-se levar até três meses de da das florestas ao longo dos rios, por mais objetivo inicial fosse o de retomar a vocação caminhada. de 200 anos, começaram a aparecer, com o agrícola que a região vivera de forma tão Coube a um caminhante incansável, Gar- assoreamento dos leitos fluviais e redução do eficiente nos séculos anteriores, abastecendo cia Rodrigues Paes, desde adolescente compa- volume das águas. Já em 1844, a navegação a capital. Prova disso é que a Fazenda São nheiro das jornadas do pai, Fernão Dias Paes era tão problemática pelo Iguaçu que o enge- Bento é desapropriada e se torna um Núcleo Leme (o Caçador de Esmeraldas), acertar com nheiro e coronel Conrado Jacob de Niemeyer de Colonização, em 1932, com 102 km2, o rei a empreitada de abertura de um cami- recebeu a missão de abrir um canal para com atividades agrícolas e de beneficiamento nho mais curto, direto para o Rio de Janeiro, desviar águas do rio Utum para o Iguaçu, tocadas até por imigrantes estrangeiros. reduzindo a viagem para apenas 15 dias – em de modo a engrossar a corrente deste último. Em 1942, viria a Fábrica Nacional de troca, naturalmente, de diversas vantagens e Um avanço tecnológico nos transportes, Motores (FNM), produzindo motores de honrarias. De 1699 a 1704, este foi o trabalho porém, deu um golpe final nos portos flu- aviação e, mais tarde, tratores, caminhões e do bandeirante Garcia, que, apesar de gastar viais logo depois: a Maria-Fumaça começou automóveis, seguindo-se tecelagens e outras recursos próprios, ia colecionando sesmarias a correr pela Baixada a partir de 1854, com a fábricas, e, em 1961, o impacto moderniza- ao longo do trajeto e títulos de fidalguia. A primeira ferrovia, empreendimento do Barão dor da Refinaria de Duque de Caxias (Reduc), ele o Ministério dos Transportes ainda deve de Mauá na região de Estrela, impondo uma em cuja trilha dezenas de outras indústrias o batismo de alguma rodovia. nova dinâmica de ocupação do território. do ramo químico e serviços correlatos se O Caminho Novo do Pilar ou Caminho Nos anos seguintes outras ferrovias corta- instalaram no município, definindo sua atual de Garcia Paes ligava as minas exatamen- ram a Baixada. pujança econômica e seu destino. te ao porto caxiense, de onde a preciosa Se até então os rios e os portos determi- Diz-se que a História é uma janela, pelo mercadoria era embarcada para o Cais dos navam a concentração populacional, agora qual o tempo contempla, às vezes divertido, Mineiros, perto da Rua Direita, hoje Primeiro eram as estações das estradas de ferro D. muitas vezes preocupado, o surpreendente de Março, no centro do Rio. Primeira ligação Pedro II (atravessando Iguaçu), Leopoldina caminhar dos homens, os quais, os olhos direta do Rio com o interior do país, o Ca- (cortando Caxias) e Linha Auxiliar (correndo imersos no momento, enquadram-se na minho de Garcia Paes ou do Pilar recebia e por São João de Meriti e Belford Roxo) que História quase sempre inconscientes das expedia mercadorias para o Rio de Janeiro, passavam a fixar o povo e os negócios em seu marcas do passado, que pisam sem notar. Minas, Goiás e Mato Grosso. Por isso, Pilar entorno. O centro do já município-gigante O povo novo de Caxias não haveria de ser tornou-se outro marco histórico do muni- de Iguaçu, criado em 1833 e que englobava exceção, mas começa a ligar seu presente a cípio e sua igreja é tombada pelo Patrimônio também Caxias como um de seus distritos, um passado que foi importante. q 24 o Prelo quisadores de História (APPH- Em busca -CLIO) deu início a um processo da identidade de incentivo à formação de seus membros, visando o ingresso Regiões de populações recentes nos programas de mestrado de Foto: Rio Além do Rio Rio Além do Foto: formadas por gente das mais variadas História, com o compromisso de origens, como a Baixada Fluminense, discutir nesses programas te- estão ainda num processo de auto-reco- mas e objetos ligados à história nhecimento mútuo e integração, embora da região e do município. Além sob o impacto comunicacional da vizinha de promover cursos, seminários e dominante capital, o Rio de Janeiro, contribua para a percepção das singulari- e diversos eventos nos quais se destacava cujos jornais, rádios e tevês são o que se dades da terra onde vive. Este trabalho de a realização do Congresso de Professores lê, o que se ouve e o que se vê na região. pesquisa e historiografia estende-se, igual- e Pesquisadores da Baixada Fluminense, Sabe-se quase tudo do Rio e quase nada mente, a reflexões sobre temas da atuali- defendeu a incorporação, na grade do cur- do próprio município em que se vive. dade, como questões sociais, ambientais e so de graduação em História da FEUDUC Tem avançado, porém, o movimento econômicas que marcam o dia a dia. (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em busca da conscientização e constru- Por iniciativa da Secretaria de Cul- de Duque de Caxias), as disciplinas de ção de uma identidade própria regional, tura de Duque de Caxias, do Instituto História Local e Regional, o que efetiva- capaz de levar a imensa população a se Histórico da Câmara de Vereadores e do mente ocorreria a partir de 1992. O livro perceber com um rosto próprio. Afinal, Conselho Municipal de Cultura, surgiram que agora se apresenta pretende se situar são 3,5 milhões de pessoas juntas na os “Passeios Culturais” dedicados a visitar na esteira dessa tradição e nos quadros maior conurbação brasileira, pois são as relíquias históricas da Baixada Flumi- dessa estratégia” nove cidades coladas umas às outras, nense. Um roteiro que engloba igrejas, Nestas últimas duas décadas, foram onde nem sempre se percebe onde uma portos, estradas e caminhos, fazendas, várias instituições dedicadas à redesco- acaba e começa a outra. Os historiadores ruínas de diversas naturezas e surpreen- berta da região para sua população. Além da Baixada estão no front desse trabalho, dentes sítios arqueológicos. O percurso da APPH-CLIO, destaca-se o Instituto especialmente nos últimos 20 anos. E, foi elaborado pelos historiadores Armando Histórico de Duque de Caxias, ligado ao lado deles, outros setores ligados à Valente e Rogério Torres e a iniciativa está à Câmara Municipal e cuja diretora é Cultura e à Educação. narrada em “Pelos Caminhos que a Histó- Tânia Amaro, formada e pós-graduada Os historiadores, de modo particular, ria Deixou”, de Stélio Lacerda e Rogério pela Universidade do Estado do Rio de formaram há tempos uma espécie de máfia Torres (editado pelos autores, Duque de Janeiro (UERJ). Hoje, são dezenas de do bem: uniram-se em uma espécie de Caxias, 2004). historiadores, professores, artistas e juramento de fidelidade à Baixada e, acima Na “Apresentação” de sua recente obra promotores culturais envolvidos nessa dos limites municipais, vêm trabalhando “De Merety a Duque de Caxias”, os autores tarefa de construir uma face local e que, em equipe para reconstituir o passado da Antônio Augusto Braz e Tânia Maria Amaro como dizem Antônio Augusto Braz e Tânia região, preservar locais históricos, recu- de Almeida explicam esse movimento, Amaro, “construindo-a, colaboram para a perar a rica arqueologia e dar à população que ganhou maior força a partir dos anos luta de promover mais equilíbrio e justiça atual um enquadramento temporal que 1990: “A Associação de Professores e Pes- à vida em nossas tão sofridas cidades”.

De uque d Caxias em números Área: 468,3 km2 Orçamento anual da Prefeitura: Museu Ciência e Vida, no bairro 25 População: 864.000, com densidade R$ 1,9 bilhão de Agosto de 1.813,9 habitantes por km2 (3ª do RJ Renda per Capita: R$ 21.722,00 Museu da História Política de Duque de e 18ª do Brasil) Indice de Desenvolvimento Caxias (em organização no prédio que foi a Pirâmide Etária: 0-19 anos – 300 Humano (IDH): 0,753 (52º entre os 92 chamada Fortaleza de Tenório Cavalcante, mil (160 mil mulheres, 140 mil homens); municípios fluminenses - PNUD/2000) o Homem da Capa Preta e da inseparável 20-59 anos – 500 mil (270 mil mulheres, Alfabetização: 93% metralhadora Lurdinha, o jornalista e 230 mil homens); Escolas: 168 municipais, 102 deputado, migrante alagoano, que foi o Acima de 60 anos – 60 mil (35 mil estaduais, 2 federais, 128 particulares, 4 coronel político da cidade do final dos anos mulheres, 25 mil homens), em números universidades 1940 a início dos 60) redondos. Bibliotecas: a principal é a Leonel Religião: Sede da Diocese de Duque Indústrias: 1.984 estabelecimentos Brizola, no Conjunto Arquitetônico de Caxias e São João de Meriti Principais empresas: Refinaria , que domina a Praça do Sítios Históricos: Duque de Caxias (REDUC/Petrobrás – Pacificador, logo à entrada da cidade, obra Igreja de Nossa Senhora do Pilar, raiz processa 242 mil barris/dia), Pólo Gás- do famoso arquiteto da cidade e tombado pelo IPHAN Químico, Texaco, Shell, Esso, Ipiranga, Teatros: o Teatro Raul Cortez integra Igreja Santa Terezinha, no Parque White Martins, IBF, Sadia, Ciferal, o Conjunto Arquitetônico Oscar Niemeyer, Lafaiete, antiga Trairaponga TermoRio, Weather Ford, Tensor, Gás Brasil com a Biblioteca Leonel Brizola Fazenda São Bento , Parque Gráfico da Ediouro. Cinemas: 11 salas Sambaquis Comércio: 19.562 estabelecimentos Museus: Manifestação Típica: Feira dos Criação de empregos: 131 mil, com Casa do Duque de Caxias, na Taquara; Nordestinos, no centro, aos sábados e carteira assinada, nos últimos dois anos Museu Histórico, do Instituto Histórico domingos, reunindo sempre centenas de (2º do RJ) da Câmara de Vereadores feirantes, artistas, cordelistas e milhares PIB: R$ 32 bilhões (2º do RJ e 8º do Museu Vivo de São Bento, na antiga de visitantes, faz parte da Agenda Cultural Brasil/IBGE 2008) Fazenda São Bento de Duque de Caxias. q o Prelo 25 FOTO JORNA A arte de imortalizar a notícia LISMO Repórteres fotográficos produzem informação, emoções e despertam reflexões a cada clique Foto: Custódio Coimbra

Fotografia é luz. Tendo apenas a claridade da lua, o fotógrafo Custódio Coimbra conseguiu capturar em sua lente os bondinhos do Pão de Açucar ao se cruzarem em plena noite

Thiago da Mata frente ao instante do clique e do flash. exposição internacional de fotojornalis- A fotografia surgiu por volta de mo”, intitulada World Press Photo 11, vida é fascinante, mas é preciso 1826 e o primeiro registro é atribuído ficou em cartaz do dia 17 de maio ao dia “A olhá-la através das lentes cor- ao francês Joseph Nicéphore Niépce. Mas 19 de junho. retas”. A frase, atribuída ao escritor e o mérito pela criação é compartilhado Inspiração para a criação de fo- dramaturgo francês Alexandre Dumas por inventores, com a contribuição de tonovelas, retratos de família, registro (1802-1870), revela que o romancista diversos curiosos. Para melhor compre- oficial de eventos esportivos, culturais, conhecia o poder da imagem observada ender a história da fotografia, tema da políticos, fotomontagens, murais artísti- por meio de um recorte especial. Não exposição no Centro Cultural Banco do cos, entre muitas outras descobertas, até se tem informações se ele chegou a se Brasil, os curadores da mostra Foto Rio mesmo a invenção do cinema, que depois familiarizar com a arte da fotografia, 2011, Milton Guran e Joana Mazza, que veio a inspirar o nascimento da televisão, mas a sua máxima pode ser adotada contam com Jean-Luc Monterosso para a fotografia foi adotada pelo jornalismo como um lema para os fotógrafos de a seleção de vídeos, escolheram a auto- como um complemento importante para todo o mundo. -representação na fotografia contempo- a mensagem que se queria transmitir Através de lentes objetivas e máqui- rânea como tema da programação oficial nas notícias. O chamado fotojornalis- nas eletromecânicas, o fotógrafo rouba do evento. A exposição fica em cartaz no mo tomou forma e valor que lhe deram por um momento a essência de uma cena espaço de exposições do CCBB, no centro status de arte. cotidiana e reproduz em uma imagem es- do Rio, até o dia 10 de julho e apresenta, A partir de 1915, com o aperfeiço- tática a intenção no movimento. Posadas com fotografias e vídeos, “um panorama amento dos processos de impressão, a ou tomadas de assalto, as fotos tiradas geral da utilização do corpo do autor imprensa mundial passou a reconhecer no ato não capturam a alma de homens como instrumento e elemento catártico o valor que a fotografia agregava às e mulheres, como poderiam supor os de sua própria expressão, indo além dos notícias. A idéia de que uma imagem nativos de uma tribo indígena remota. No tradicionais auto-retratos”. vale mais do que mil palavras tornou os entanto, aquele que tem a figura tomada Outro centro de exposições na jornais espaço cativo de fotógrafos que pela conversão da luz em registro físico, capital fluminense abriu espaço para a atuavam como jornalistas. Surgiram, no papel, ganha também a imortalidade fotografia. Em cartaz no Centro Cultural então, os grandes nomes da fotografia do momento, a eternidade do sorriso da Caixa Econômica Federal, “a maior mundial. Eles deixaram um legado im- 26 o Prelo portante, que contribuiu nas carreiras Custódio Coimbra: A arte de imortalizar a notícia e nas experiências vividas por famosos A foto-síntese fotógrafos brasileiros como Sebastião Salgado, Custódio Coimbra e João Ro- Fotojornalista desde os anos 70, o berto Ripper. carioca Custódio Coimbra passou pelas redações de importantes jornais do Rio de Henri Cartier-Bresson: Janeiro, como O Repórter e Última Hora O momento decisivo – ambos extintos – depois pelo Jornal do Brasil até ser admitido no jornal O Globo, Nascido em 22 de agosto de 1908, onde trabalha há mais de 21 anos. Suas fotos já ilustraram reportagens publi- numa família de industriais têxteis mem- Custódio Coimbra bros da classe média abastada de Chan- cadas em diversos jornais e revistas do teloup-en-Brie, na França, Henri Cartier- Adepto de uma filosofia que se mundo. Com olhos treinados para notar -Bresson (1908-2004), foi o primeiro aproximaria às idéias de Henri Cartier- imagens que melhor traduzam os fatos fotógrafo da Europa Ocidental a registrar -Bresson, sem descartar o caráter base- importantes da sociedade, cobriu alguns de maneira livre a vida na União Soviética. ado na edição, proposto por Sebastião dos acontecimentos mais relevantes da Fotografou os últimos dias de Gandhi e os Salgado, o fotógrafo Custódio Coimbra história recente, como as campanhas eunucos imperiais chineses, logo após a fala sobre “foto-síntese”, como caracte- presidenciais de 1989, 1994, 1998, 2002 Revolução Cultural. Em 1947, juntou-se rística de seus trabalhos. A possibilidade e 2006, além das visitas de Gorbatchev, a outros ases da época e fundou a agência de repetição quase ilimitada na captação Ronald Reagan, Henry Kissinger, Fidel fotográfica Magnum. Os fotógrafos e co- de imagens, graças às modernas máqui- Castro, Jacques Chirac, Papa João Paulo -fundadores da empresa, Bill Vandivert, nas digitais, tornariam, segundo ele, o II e Dalai Lama ao Brasil. Robert Capa, George Rodger e David trabalho do fotógrafo direta e instanta- Com quase 30 anos de carreira, já Seymour “Chim” ajudaram-no a dar o neamente relacionado ao do editor, que participou de várias exposições indivi- pontapé inicial ao período de sofisticação no escolhe a melhor fotografia segundos duais e coletivas, todas com forte cunho seu trabalho. Revistas como Life, Vogue e após o momento que a fez, quando ainda sócio-ambiental. A mais recente, “Diário Harper’s Bazaar procuraram-no com pro- pode tentar refazê-la. Para Coimbra, o do Rio”, ocorreu no Centro Cultural Cor- postas de contratos para viajar pelo mundo fotógrafo só consegue dar o clique cer- reios, no Rio, e foi rebatizada de “Le Brésil produzindo registros em imagens únicas. teiro quando está a par do assunto. “É à la une” para ser exposta na Maison des Da Europa à América do Norte, da Índia à necessário mostrar com uma imagem a Amériques Latines em Paris, como parte China, Bresson deu seu ponto de vista para essência da matéria”, afirma. do calendário do Ano do Brasil na França. o planeta que conheceu. Foto: Custódio Coimbra Entre os trabalhos que Muitos livros da década de mais lhe trouxeram satisfação, 1950 foram lançados com suas o ganhador do Prêmio Esso de imagens, sendo o mais importan- Contribuição à Imprensa e do te deles “Images à la Sauvette”, Grande Prêmio Ayrton Senna, publicado em inglês com o título: na categoria Jornal, lembra que “The Decisive Moment” (1952), o mais prazeroso em sua vida ou “Momento Decisivo” (na tra- foi fotografar sua cidade do dução literal). A obra passou a alto, sentado no braço do Cristo traduzir o conceito que definiria Redentor até o amanhecer. seu discurso sobre a fotografia, o Nascido no bairro carioca momento no qual a fotografia é a de Quintino Bocaiúva, Custodio impressão definitiva, ou seja, que José Bouças Coimbra começou sintetiza toda a informação no a fotografar aos 11 anos de recorte da imagem e a mensagem idade. Sua trajetória profissio- por trás do seu trabalho. nal vai levá-lo, mais tarde, a O Outros fotógrafos desenvol- Repórter, publicações sindicais veram diferentes metodologias e, em seguida, à Última Hora, para conceituar a maneira com em 1982, quando suas fotos que produzem as imagens. O ilustravam matérias de página renomado brasileiro Sebastião inteira. Salgado falou certa vez sobre sua “Mas todo fim de semana filosofia. Aparentemente, ela é eu era freelancer no JB. Uma baseada num método contrário vez, fiz umas fotos da greve de ao de Bresson. De acordo com motoristas de ônibus para o JB Salgado, o momento decisivo no domingo, mas a notícia deu para fazer a imagem não depende capa na edição de segunda. O de um único clique, mas de uma chefe viu o meu nome na foto exaustiva repetição do processo do concorrente e me demitiu”, para que, diante das diversas conta. A história poderia ter fotografias, seja escolhida aquela Mesmo sem luz, Custódio conseguiu registrar o momento de sido trágica, se não fosse pela que sintetiza o discurso. maior concentração do Comício das Diretas-Já, em 1984 seqüência do relato: Coimbra o Prelo 27 Foto: Custódio Coimbra telefonou para Alberto Ferreira, que na época era editor de fotografia do JB, e disse a ele: “Poxa, Alberto, acabei de ser demitido na Última Hora”, ao que Ferrei- ra respondeu de pronto: “Meus parabéns! Você acaba de ser admitido no JB”. Na nova empresa, onde ficou de 84 a 89, conheceu a rotina dos grandes jornais e onde adquiriu mais experiência. A morte de sete pessoas pisoteadas em 1985, durante o velório do ex-presidente Tancredo Neves, em Belo Horizonte, foi um episódio que marcou sua vida. “De todos os fotógrafos que estavam na cobertura, – e olha que tinha gente de todos os jornais e agências de notícias –, só eu consegui registrar aquela cena. Subi num muro do Palácio da Liberdade e fiz as fotos sem perceber que só havia eu fazendo aquelas imagens. Quan- do terminei de fazer as fotos, ganhei um tapinha nas costas do ‘papa da fotografia’, O flagrante dramático do pisoteamento de pessoas no tumulto do enterro de Tancredo Neves, Luiz Pinto (do concorrente O Globo). Ele clicado por Custódio Coimbra disse: Parabéns, garoto!”, recorda com um largo sorriso. De acordo com Coimbra, ele do participou da implantação da cor nas João Roberto Ripper: só entendeu os parabéns no dia seguinte, fotos do impresso. Depois de coordena- Imagens humanas quando o JB abriu três páginas só de foto- dor e editor dos departamentos de foto- legendas e nenhum outro jornal tinha fotos grafia dos jornais de bairros, Custódio Também carioca, João Roberto para publicar. Um convênio do Jornal do passou a cuidar das matérias especiais Ripper teve uma participação reduzida Brasil com a Agência AP fez com que as produzidas para as edições dominicais. em jornais. Mas sua marca registrada fotos fossem transmitidas para mais de 7 Também já publicou trabalhos em vários sempre foi traduzir com imagens con- mil jornais no mundo. Nos Estados Unidos, livros, como O Rio sob as lentes de seus tundentes as dificuldades, os anseios, uma das imagens foi publicada na primeira fotógrafos, de 1992, Tons sobre Tom — as lutas e iniciativas das populações página em seis de cada dez jornais. “E olha A vida e a obra de Tom Jobim, de 1996, carentes, muitas vezes desprezadas pe- que eu ainda tive tempo de ajudar a salvar e Brasil 500 anos, em 2000. las coberturas jornalísticas na grande muitas pessoas no incidente”, orgulha-se. Sobre sua filosofia de trabalho, expli- imprensa. O resultado da dedicação na O belo trabalho no jornalismo o tor- ca que “procuro o clímax, a hora mágica. defesa dos direitos fundamentais dos nou conhecido e requisitado. Finalmente, Seja num grito de dor, de alegria ou de tris- cidadãos deu-se num portifólio foto- em 1989, foi convidado por Anibal Philot teza. Vou em busca da emoção. Da minha gráfico, que cobre da vida do homem ao para integrar a equipe de O Globo, quan- e do que estou fotografando”, esclarece. habitat indígena, da seca do nordeste ao

1855 - O britânico Roger Fenton faz 1925 – A empresa alemã Leitz começa 1932 - O francês Henri Cartier-Bresson 1936 - O norte-americano Henry Luce, os primeiros registros de fotografia a comercializar a primeira câmera começa sua carreira como fotojornalista, um dos criadores da revista Time, funda jornalística durante a Guerra da Criméia. fotográfica 35 mm, a Leica, inventada desenvolvendo um estilo definido por ele a revista Life, nos Estados Unidos (EUA), 1861-1865 - O norte-americano pelo engenheiro Oskar Barnack. Ela dá como a busca pelo “momento decisivo”. com o objetivo de substituir a fotografia Mathew Brady faz a cobertura da Guerra um grande impulso ao fotojornalismo 1933 - O norte-americano Harold acidental, improvisada, por uma edição Civil Americana e torna-se um dos por ser silenciosa, rápida, portátil e por Edgerton desenvolve o flash eletrônico. de fotografia planejada. Vários dos primeiros fotojornalistas do mundo. ter disponíveis diversos tipos de lente e principais nomes do fotojornalismo 1908 – A Universidade do Texas, em acessórios. mundial trabalham para a Life, entre Austin (EUA), torna-se pioneira no ensino eles Robert Capa, que faz a cobertura de universitário ao criar uma cadeira de guerras em todo o mundo, durante vinte fotojornalismo. anos, até morrer no Vietnã, ao pisar em uma mina terrestre. 28 o Prelo Foto: João Roberto Ripper FOTO JORNA ambiente urbano, do trabalho escravo de LISMO carvoeiros à situação de dificuldades de crianças no Mato Grosso do Sul. Em 1972, aos 19 anos, Ripper in- gressou na carreira de repórter-fotográ- fico no impresso Luta Democrática, de Tenório Calvacante. Vieram em seguida o Diário de Notícias, a Última Hora, a filial do carioca O Estado de São Paulo e O Globo. Sem contar os trabalhos como freelancer para diversos outros jornais e revistas. Isto até perceber que gostaria que suas fotos tivessem o poder de levar às pessoas reflexões sobre a realidade. Sem estereótipos, sua idéia era fazer um retrato social da desigualdade que o inco- modava. O resultado de todo o idealismo A capacidade destrutiva do homem, mesmo diante do gigantismo da floresta, na foto de foi o pedido de dispensa de O Globo para João Roberto Ripper participar da criação da agência F4. Para Paparazzi: não autorizadas. E por isso, os preços Ripper, os jornais são veículos usados A curiosidade pelo proibido pagos pelas editoras aos paparazzi in- pelos mantenedores da sociedade partida centivam ainda mais a caça de flagrantes. entre pobres e ricos, na qual impera a O ofício do fotógrafo às vezes pode A seu favor, muitos desses fotó- discriminação que faz com que os mo- render prestígio e dinheiro, mas há oca- grafos afirmam que não há motivo para radores das periferias sejam excluídos. siões onde este trabalho é tomado como mudarem de ramo, já que prestam um Presente em grande parte dos seus uma séria e desrespeitosa invasão da serviço onde os dois lados se beneficiam. trabalhos, o cotidiano da comunidade ca- privacidade. Para as pessoas públicas e Segundo dizem, algumas celebridades rente é uma prioridade. Não só o retrato, famosas que estampam as revistas de chegam a informar onde vão estar para mas a participação ativa do fotógrafo no fofocas, certos fotógrafos não conhecem serem fotografados e assim aumentarem contato afetivo, conhecendo a vida dos os limites entre o que pode ou não ser sua exposição na mídia. Algumas dessas moradores de favelas, conversando, com- registrado na vida alheia. Quando isso celebridades, dizem os paparazzi, gostam preendendo e aprendendo com as pessoas. acontece, o homem detrás das lentes até mesmo de sair nas imagens pratican- Em sua opinião, o resultado é sempre acaba sendo mesmo taxado de paparazzo, do ações que normalmente não fariam. melhor quando ele usa esse método. Na ou paparazzi no plural, um bisbilhoteiro. É como disse, no Livro do Desassossego, filosofia de trabalho do fotógrafo há uma A busca dos fãs por informações so- o poeta Fernando Pessoa (1888-1935): legítima busca pela beleza que se esconde bre cada passo de seus ídolos estimula a “as figuras imaginárias têm mais relevo na condição de pobreza. produção de notícias com as fotografias e verdade que as reais”. q

1945 - A empresa austríaca Voigtländer Década de 50 - Após a II Guerra Década de 90 - Intensifica-se o uso 2002 – O Museu de Arte de Cincinnati desenvolve as lentes zoom, que permitem Mundial, uma corrente da fotografia volta das câmeras digitais, principalmente no exibe uma retrospectiva de Weegee, fotografar objetos situados a grande a passar por uma fase abstracionista e fotojornalismo e na publicidade. pseudônimo do norte-americano Arthur distância da câmera. deixa de ter o compromisso de registrar 2001 – O fotógrafo norte-americano Fellig (1899-1968), lendário fotógrafo 1947 - Os fotógrafos Robert Capa, a realidade. Richard Drew, da agência Associated de crimes que se tornou um dos mais Daniel Seymour, Henri Cartier-Bresson 1981 - O brasileiro Sebastião Salgado Press, tira 215 fotografias nas influentes profissionais do fotojornalismo e George Rodger fundam nos Estados torna-se mundialmente conhecido ao ser proximidades do World Trade Center ao trabalhar durante a primeira metade Unidos (EUA) a agência cooperativa o único fotógrafo a registrar a tentativa logo após o atentado terrorista de 11 do século XX na cobertura policial e Magnum. de assassinato do presidente norte- de setembro em Nova York (EUA); uma humana de Nova York (EUA). americano Ronald Reagan. delas, que registra o salto suicida de um homem não identificado

o Prelo 29 Fotos: Divulgação/Ed. UFF

De livraria universitária a espaço cultural Uff reinaugura loja com café, eventos e acesso gratuito à Internet

da universidade com a comunidade”, a ex-aluna de Enfermagem da universi- Mariana Florito destacou o diretor da Eduff, Mauro dade, Jussara Reis. einaugurada em abril deste ano, a Romero Passos. Primeira editora a receber o certificado R Livraria da Editora da UFF cativa Todo o mobiliário foi projetado “Carbono Zero”, o selo lança cerca de 40 no- tanto pela paisagem natural, de frente especialmente para se adaptar a dife- vos títulos por ano e tem catálogo com qua- para a praia de Icaraí, em Niterói, quanto rentes tipos de evento, com expositores se 600 publicações entre livros e revistas, pela arquitetura modernizada do prédio equipados com rodízios que possibilitam das mais diversas áreas do conhecimento. A de dois andares, anexo ao edifício art diversas ordenações do espaço. Essa fle- livraria possui ainda mais dois espaços: nos déco da Reitoria da universidade. Além xibilidade está sendo usada para imple- campi Gragoatá e Valonguinho, ambos em de apresentar um catálogo variado, mentar uma agenda de eventos, iniciada Niterói, e uma livraria virtual com venda composto por títulos que vão das obras por lançamentos da própria Eduff e de de títulos pela internet. O site oferece uma acadêmicas aos best sellers, o ambiente outras editoras, além de autores inde- biblioteca livre em que é possível fazer o “do- não lembra nem de longe o espaço som- pendentes de Niterói. O Clube de Leitura wnload” de títulos da editora em formato brio e pesado sugerido por uma livraria também está sendo realizado na Livraria PDF (e-book) gratuitamente, bastando para de obras acadêmicas. Icaraí, com debates mensais sobre livros isso preencher um cadastro. A Livraria Icaraí se transformou escolhidos pelos participantes, sempre Os livros do acervo estão sendo dis- em um pequeno centro cultural, onde, com entrada franca. ponibilizados digitalmente aos poucos. além de participar de oficinas e eventos, Para quem é fã de CDs e DVDs, a De acordo com o programador visual, o público pode, entre xícaras de café Editora da UFF promoveu a renovação da capista e responsável pela transição do servidas no bar, folhear livros de todos parceria com a gravadora Biscoito Fino, impresso para o digital, José Luiz Stllei- os tipos, dentro de um clima moderno além de firmar acordo com o projeto Ar- ken, “a partir de agora cada lançamento e confortável. mazém das Artes, a fim de exibir artigos da editora será feito nos dois suportes, Com mobiliário que integra es- artesanais produzidos por funcionários e dois anos após o lançamento os livros tantes e sofás, a Livraria Icaraí também e ex-funcionários da UFF. serão disponibilizados também no site oferece lugar exclusivo para crianças, “Eu adoro isto aqui e costumo dizer em PDF, de graça”. acesso gratuito à internet (wi-fi), ar que a UFF é um celeiro de conhecimento, A Livraria Icaraí fica na Reitoria da condicionado central, banheiros adap- tendo sido a partir da minha experiência universidade, na Rua Miguel de Frias, 9, tados, rampa de acesso para portadores aqui que eu me constituí cidadã”, contou Icaraí, e abre de segunda a sexta-feira, de necessidades especiais e um ponto das 9 às 18 horas. Nos fins de sema- de venda de títulos da Editora da UFF na, o horário de funcionamento é das em versão digital. A livraria também 10 às 14 horas. O acervo digital da é a primeira com showroom do livro Editora da UFF pode ser consultado digital, onde o público pode ver e no site: http://www.editora.uff.br. q adquirir as versões digitais dos livros da Eduff. “Este espaço é muito mais do Uma das rodas de leitura que acontecem que uma livraria, é o contato direto regularmente no interior da livraria 30 o Prelo A casa da memória fluminense Foto: Divulgação/Ed. UFF Além de abrigar livros e documentos raros ligados à história do Estado do Rio. CMF também recebe contribuições de cidadãos comuns

Juliana Araújo

ANTER LAÇOS DE identifica- M ção e afeição com o lugar onde se vive é um exercício de cidadania. A boa notícia é que cada vez mais são freqüentes os movimentos de preser- vação da memória regional. O Centro de Memória Fluminense (CMF) é um símbolo dessa nova perspectiva. Fun- O acervo do CMF é formado por 14 coleções até o momento dado em março de 1992, a entidade foi criada com o intuito de reunir, do Rio, somam-se às contribuições indiscriminadamente pelos moradores preservar e divulgar a memória flu- avulsas que o Centro de Memória de Niterói. Ao perceber essa triste re- minense. O acervo, hoje com cerca de recebe para o acervo pessoal. alidade, o professor Emílio Eigenheer, 30 mil peças (entre livros, publicações “São pesquisadores e estudantes responsável pelo Programa de Coleta periódicas, folhetos, fotografias, que enviam seus projetos e mono- Seletiva de Lixo do Bairro de São Fran- postais, mapas, plantas, partituras grafias, além de pequenas coleções cisco, se juntou ao Centro de Memória e manuscritos) é referência para os e exemplares que são doados pelo Fluminense (CMF) para evitar o que pesquisadores da história regional. cidadão comum”, explicou Antônio. ele chamou de “sangria dos materiais O Centro de Memória mantém O primeiro a contribuir com o de memória”. um perfil diferente das demais bi- Centro foi Carlos Mônaco, o livreiro O material (livros, mapas, bliotecas, embora faça parte e esteja mais antigo de Niterói, que ao longo revistas, jornais, moedas, etc.) é re- situado em uma pequena sala na ala dos anos formou uma biblioteca colhido e enviado para o CMF, onde oeste da Biblioteca Central da UFF, pessoal com mais de 8 mil livros e será selecionado e avaliado. “Junta- no campus do Gragoatá. A dinâmica 2 mil revistas, jornais e fotografias mos o caos da coleta com a técnica de pesquisa ao acervo não tem no- contando a história da região flumi- e organização do Centro”, explicou vidades, no entanto, além de buscar nense. A diversidade dos temas con- o professor. Os itens que não são informação, as pessoas podem con- templados pelo Centro de Memória úteis ao acervo são encaminhados tribuir com material próprio, itens é grande e atrai preferencialmente para a reciclagem. que guardaram e acharam relevantes pesquisadores e estudantes interes- A coleção Nóbrega de Siqueira para a construção da memória local. sados em dados específicos sobre os foi o marco inicial dessa parceria, eu “Temos obras de grandes histo- bairros e monumentos da cidade. hoje reúne também a coleção Emílio riadores e literatos da cultura flumi- Entre os itens mais raros figuram Eigenheer, totalizando 3524 títulos nense, mas isso não nos impediu de coleções de autores como Julio Pom- disponíveis para consulta, um livro abrir espaço para autores aternativos peu de Castro Albuquerque, Nilton - “Resíduos e Memória”, que registra que estão fora do grande circuito co- Brasil Alcântara, Rodolpho Villanova o trabalho de resgate dos materiais, mercial e que não possuem reconhe- Machado, que fizeram a história do além das exposições, catálogos e ca- cimento público”, explicou Antônio município através da perspectiva dos dernos baseados no projeto. Gusmão, chefe-bibliotecário do CMF. cidadãos. A mais recente aquisição foi Ferramentas de pesquisa - A fim de No total, são 14 coleções (13 a Coleção Brandão Junior, composta criar novas ferramentas de pesquisa, o particulares e uma pessoal) doadas por documentos do ex-prefeito, que ad- Centro de Memória em parceria com ou cedidas em regime de comodato, ministrou Niterói em dois períodos: de a Coordenadoria de Microfilmagem ou seja, a posse do material pode ser dezembro de 1935 a julho de 1936, e da Biblioteca Nacional, criou a Série retomada pelo proprietário para si ou de novembro 1937 a fevereiro de 1945. Memória. São CDs que reúnem cole- direcionada para outro lugar. Junto Memória e coleta seletiva - Obje- ções importantes para a história da ao material enviado pelas persona- tos e publicações de valor histórico cidade de Niterói, mas que devido à lidades ligadas à vida intelectual de e cultural para a comunidade flu- fragilidade do material impresso, não Niterói e a área acadêmica do Estado minense estavam sendo descartados podem ser manuseadas. o Prelo 31 “Dessa forma garantimos a preservação do material e amplia- Do Centro de Memória Fluminense para a Bienal Foto: Ricardo Chau mos a circulação e divulgação desses Responsável pela maior parte do documentos”, explicou Maria José acervo do Centro de Memória, Carlos Fernandes, bibliotecária que esteve Mônaco é o proprietário da Livraria à frente do CMF por 15 anos. A dis- Ideal, fundada em 1935, e tribuição do conteúdo é gratuita, o formou, ao longo dos anos, uma biblioteca de obras raras Centro de Memória Fluminense pede que hoje é disponibilizada à apenas ao usuário que traga um CD/ população no Centro de Me- DVD virgem para a cópia mória Fluminense. Filho do A primeira série de CDs “Rela- imigrante italiano Silvestre Seleção - A seleção Car- tórios dos Prefeitos de Niterói” reúne Mônaco, um engraxate que los Mônaco Leu e Recomenda desfila verdadeiros ícones documentos da gestão de prefeitos se transformou no mais des- tacado livreiro fluminense do literários. De Euclides da da cidade no período de 1904 a 1930. Cunha, Contrastes e Con- Em 2010, foi lançada a coleção di- século XX, ele herdou do pai a livraria e um sentimento de frontos, um marco da fase gitalizada do periódico “A imprensa culto ao livro. amazônica do grande es- ” e, recentemente, foi a vez Evangélica “Percebi que havia critor; Memórias da Rua do das obras do historiador José Mattoso grande carência por ma- Ouvidor, de Joaquim Manoel Maia Forte serem microfilmadas e teriais que ilustrassem e de Macedo – autor de A Mo- reunidas em um CD. explicassem a história dos reninha -, traz um retrato da Outra via de pesquisa criada pelo municípios e vi que o Cen- vida carioca no Século XIX; outra prosa memorialista é Centro de Memória é a série Cadernos tro poderia ampliar a visi- bilidade e o acesso público Recordações do Rio Antigo, de do Centro de Memória Fluminense. Luís Edmundo. Completam Criada em 2003, a publicação atribui ao meu acervo” explicou Carlos Mônaco. O livreiro a seleção “As Primaveras”, um caráter permanente e didático às é o responsável pela sele- obra-prima do Romantis- exposições e mostras realizadas pela ção de livros - alguns deles mo, e “Capítulos de História equipe. Hoje, a publicação está em seu presentes no CMF - que a Colonial”, de Capistrano de 15º número. Imprensa Oficial reeditará Abreu. “Faz parte do compromisso do para a XV Bienal do Livro A reedição de clássicos da literatura brasileira já é CMF com o cidadão e com os proprie- do Rio de Janeiro – de 1º a uma tradição da Impren- tários das coleções”, disse Maria José. 11 de setembro. A coleção do livreiro sa Oficial. Entre as obras encontra-se tratada em sua publicadas pela empresa SERVIÇO totalidade, e em 2002, por pública, estão O Rio de ocasião das comemorações Janeiro do Meu Tempo, O A consulta ao acervo é local Rio de Janeiro no Tempo dos e disponibilizada para a comuni- dos dez anos do Centro de Memória, foi publicado o Vice-Reis (ambos do me- dade em geral, de segunda à sex- moralista Luís Edmundo), ta, das 10h às 20h. O CMF não catálogo geral dividido em dois volumes, o primeiro A Alma Encantadora das realiza empréstimos, nem per- Ruas, de João do Rio; Pági- mite a reprodução do material dedicado exclusivamente às monografias e o segundo nas Recolhidas, de Machado através de xerox. No entanto, o para o restante do acervo. de Assis; e Contos e Crônicas usuário pode fotografar os itens Em maio de 2010, Mônaco de Lima Barreto. Desde do seu interesse com máquina fez uma nova contribuição e 2007, a Imprensa Oficial, fotográfica digital. Algumas cedeu também em regime de já distribui 40 mil livros coleções também se encontram comodato, a coleção Nemé- a escolas e bibliotecas pú- disponíveis na Internet, através cio Calazans, composta por blicas e nas duas últimas do catálogo on-line (www.ndc. obras reunidas pelo escritor edições da Bienal do Livro uff.br) do Sistema de Bibliotecas sobre o Cenáculo Fluminense do Rio de Janeiro (em 2007 da UFF. de História e Letras. e 2009). q

• Evolução do Povo Brasileiro • Em defesa de Casimiro de As raridades do CMF – Oliveira Viana Abreu – Alberto Francisco • Sertões dos Puris – Heitor de Torres • A Terra Goytacá – Alberto Bustamante • O Bandolim – Luis Pistarini; Lamego • Memória histórica e docu- editado em 1899 mentada das aldeias dos índios • Dicionário Bibliográfico Bra- • A mais antiga escola normal sileiro – Sacramento Blake da Província do Rio de Janeiro – Joaquim Norberto de Souza e do Brasil – Lacerda Nogueira • A Glória de Euclydes da Silva; editado em 1854. • Além de grande acervo de fotos Cunha – Francisco Venâncio • O Rio de Janeiro no século antigas de Niterói e rio antigo, etc. Filho XVII – Vivaldo Coaracy 32 o Prelo Fotos: Ricardo Chau

Crianças aprendem brincando a preservar o meio ambiente. Ao lado, a barreira de isolamento que protege a área de manguezal no piscinão.

Diversão e educação ambiental ao alcance de todos Parque Ambiental Praia das Pedrinhas, denominação oficial do projeto do Piscinão, se configura no maior point de lazer, educação e esporte da população gonçalense

Juliana Araújo durante o ano inteiro. Além da praia e vestiários, além de um pólo do artificial com areia, conchinhas e o CBMERJ e da PMERJ instalados no s gritos da criançada anuncia- espelho d’água de 9 mil metros qua- interior do Piscinão para reforçar a O vam mais uma tarde animada drados (o equivalente a mais de um segurança dos usuários. no Piscinão de São Gonçalo. A rotina campo do Maracanã), a população barulhenta e agitada foi retomada há também pode se exercitar e manter Educação Ambiental um ano após a reabertura do local, no a saúde em dia nas quadras de vôlei Localizado no interior do Par- dia 1º de maio. Abandonado e vítima e futebol de areia, nos aparelhos de que Ambiental Praia das Pedrinhas, de depredações constantes, o Parque ginástica e na ciclovia. o Piscinão também é sinônimo de Ambiental Praia das Pedrinhas, deno- A nova infraestrutura motivou educação ambiental e sustentabili- minação oficial do projeto do Piscinão, uma mudança no comportamento dade. Através do Programa Atitude passou por obras de revitalização, entre dos frequentadores. “Antes eram Sustentável, o parque tem promovido os anos de 2008 e 2010, e hoje se confi- comuns os furtos dos fios da rede diversas ações com o objetivo de cons- gura no maior point de lazer, educação elétrica e a depredação das louças cientizar a comunidade para a adoção e esporte da população gonçalense. sanitárias e chuveiros, hoje eu assis- de práticas sustentáveis no cotidiano “O Piscinão de São Gonçalo pas- to a própria população zelando pela doméstico, tais como a reciclagem e sou por uma grande reforma, evoluiu qualidade do espaço e advertindo as a economia de água e energia elétrica. e cresceu para atender a carência de pessoas que insistem em manter uma O público infantil é o principal lazer e cultura do município. O nosso conduta irresponsável”, observou foco do projeto e recebe atenção espe- objetivo principal é fazer com que Érika Sales, bióloga e coordenadora cial durante as visitas guiadas. Alu- a população reconheça no parque a de Meio Ambiente do parque. nos de escolas públicas e privadas do sua segunda casa”, contou Alexandre Outros espaços disponíveis no município de São Gonçalo aprendem Felipe, subsecretário de Estado de go- Piscinão de São Gonçalo são: anfite- a preservar o meio ambiente e conhe- verno da Região Metropolitana. atro, um lago de água salgada com cem um pouco mais sobre a fauna Mais que uma alternativa para espécimes locais, a estação de trata- e flora que compõem o manguezal. os dias ensolarados, o Piscinão é ga- mento de água, área de convivência, O ponto de partida do passeio é rantia de diversão para todas as idades refeitório, manguezal, banheiros sempre o mesmo: a estação de trata- o Prelo 33 Fotos: Ricardo Chau Fotos:

O simpático carangueijo São Gonça recepcionou a garotada durante a II Semana do Meio Ambiente mento. “Primeiro eles tem a certeza sar pela barreira, predominantemen- sobre como aproveitar o óleo de cozi- de que toda a água que entram em te, garrafas pet e sacolas plásticas. nha velho e transformá-lo em sabão. contato no parque, exceto no man- “O mais interessante foi a estação II Semana do Meio Ambiente guezal, é limpa. Só depois que eles de tratamento. É incrível como a água estão liberados para brincar no pisci- Durante os dias 31 de maio e entra muito suja e sai limpinha no não”, explicou Érika. Com capacidade 5 de junho (Dia Mundial do Meio final do processo. Espero voltar em de tratar 50 litros de água por se- Ambiente), o Piscinão de São Gon- breve ao Piscinão, mas dessa vez para gundo, a estação abastece o Piscinão çalo realizou a II Semana do Meio dar um mergulho e aproveitar o sol”, e as demais dependências do parque. Ambiente. No total, cerca de 32 mil contou Guilherme Miranda, aluno do pessoas participaram do evento. “O 8º ano do Ensino fundamental e inte- Ecossistema objetivo foi incentivar os estilos de grante da Guarda Mirim de Tanguá. O manguezal ganhou cara nova vida preocupados com o consumo depois das ações de preservação. “A consciente e a conservação do meio Serviço vegetação avançou numa região que ambiente. O evento visou alertar a po- Localizado às margens da Ro- antes era sem vida e tomada pelo barro. pulação para essas atitudes”, destacou dovia Niterói - Manilha, na altura Temos visto com mais freqüência espé- o subsecretário de governo da Região do bairro Boa Vista, o Piscinão está cies como a garça azul, o quero-quero Metropolitana, Alexandre Felipe. aberto ao público de terça a sexta, das e o teiú. Além disso, a população de O caranguejo São Gonça, masco- 7h às 18h, e de 8h às 17h nos fins de caranguejos triplicou no último ano”, te do parque, foi o anfitrião do even- semana e feriados. A entrada é gratui- observou Érika Sales. to. Com o tema “Todo Ambiente”, o ta e um painel eletrônico no principal O cordão de isolamento colocado parque criou uma série de atividades acesso indica quando o parque atingir ao redor do manguezal impede que socioeducativas, onde as crianças sua lotação máxima, cerca de 13 mil a poluição da Baía avance sobre a receberam desde aulas de reciclagem, pessoas. Para mais informações e o vegetação e os mutirões de limpeza de como transformar o lixo em ar- agendamento de visitas escolares, o organizados pela equipe do parque tigos de decoração, instrumentos de telefone é 2607-8193 ou visite o site retiram o material que consegue pas- percussão e brinquedos até instruções www.piscinaodesaogoncalo.rj.gov.br. q Divulgação/Piscinão Divulgação/Piscinão

Além das atrações tradicionais, o parque oferece aulas de dança, atividades esportivas e recebe visitas escolares o ano inteiro 34 o Prelo

A SALA DE CULTURA LEILA DINIZ, INAUGURADA NO DIA 1º DE JULHO EM COMEMORAÇÃO AOS 80 ANOS DO DIÁRIO OFICIAL, É A NOVA CASA DA CULTURA FLUMINENSE. O MODERNO ESPAÇO É CAPAZ DE ABRIGAR DIFERENTES TIPOS DE MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS SEM CUSTOS PARA OS EXPOSITORES.

SALA DE CULTURA LEILA DINIZ FUNCIONAMENTO: De 2ª à 6ª - de 10:00 às 17:00 h. – ENTRADA FRANCA

Rua Prof. Heitor Carrilho, 81 Centro, Niterói - Rio de Janeiro

ENVIO DE PROJETOS PARA AVALIAÇÃO: www.imprensaoficial.rj.gov.br [email protected]

SECRETARIA DA CASA CIVIL