Ches Smith, Craig Taborn, Mat Maneri Com O Peso De Um Manifesto Jon Hassell)
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JAZZ 17 JANEIRO 2016 CicLO “ISTO É Jazz?” COMISSÁrio: PEDro COSTA Ches Smith, Craig Taborn, Mat Maneri Com o peso de um manifesto Jon Hassell). Não fundem nem colam: atravessam. Se fosse um grupo de rock encará-lo- Assim descreveu a crítica um dos pri- -íamos como um power trio, apesar de meiros concertos desta novíssima for- não haver uma guitarra à vista. Não mação com disco debutante (The Bell) é, ainda que o rock esteja lá, podendo a ser editado precisamente na altura da embora não parecer. E se fosse algo sur- sua passagem por Portugal: «Quando gido no seio da new music, essa fórmula o pianista Craig Taborn e o violetista norte-americana surgida para se opor à Mat Maneri tocam a dois, soam como europeia “música erudita contemporâ- algo que tivesse saído diretamente nea”, só poderia ter nascido por design. da Segunda Escola de Viena, algo de Não é igualmente, mas os princípios Arnold Schoenberg ou Alban Berg, e originados na clássica também são con- quando Ches Smith entra, com assentos vocados pelos três músicos. Há, decerto, de pratos e tambor ou um groove fixo, a no que fazem a aplicação prática de um música desliza para um estranho com- conceito, mas entre a fidelidade a uma posto de bebop, metal e minimalismo, condição naturalmente assumida e ser com um hiper-racional mas mutante conceptual vai uma enorme distância tempo que lembra Elliott Carter.» – numa música que vive do momento, Ches Smith estudou com luminárias pouco lugar fica para grandes filosofias. como Pauline Oliveros, Alvin Curran, Quando tal se verifica estas surgem William Winant e Fred Frith. A pri- Bateria, percussão Ches Smith Piano Craig Taborn Viola Mat Maneri por artifício, desligadas da experiência meira é uma das mais importantes com- sonora, numa abusiva intromissão que positoras da actual música de arte, com mascara em vez de explicar. uma atividade paralela nos domínios da Acontece que Ches Smith, Craig livre-improvisação que a levou, entre Taborn e Mat Maneri são exemplos de outros casos, a uma parceria com Joe uma nova estirpe de músicos, capazes McPhee. Membro dos seminais Musica de utilizar vários idiomas musicais com Elettronica Viva, Curran tem um perfil uma perspetiva “de dentro”, que não de semelhante, ora dedicando-se à escrita citação, levando-os essa mesma circuns- de obras de dimensão épica, envolvendo tância a desconsiderar as formas. São por exemplo sirenes de navios e cone- os conteúdos o que lhes interessa, fator xões mundiais via rádio ou Internet, à que é válido, também, para avaliar o que música improvisada e até ao jazz, em há de jazz nos seus temas: esse jazz é associações que foram de Steve Lacy ao tão-somente uma gramática de deci- Rova Saxophone Quartet. fração dos vocabulários em presença. Winant é, pelo seu lado, um dos mais O que propõem é o contrário do que conceituados intérpretes da música dita fez a fusão na década de 1970 (Weather “séria” do século XX, especializado no Report, Return to Forever, Mahavishnu repertório para percussão de John Cage, Dom 17 de janeiro Orchestra) e depois a estética de cola- mas também tocou com os roqueiros 21h30 · Pequeno Auditório · Duração: 1h · M6 gem nos 90 (John Zorn, Bill Laswell, Sonic Youth. Frith revelou-se com a 3 banda prog Henry Cow e depois debru- mesmo músico que passou pelos Theory tudo disponível e o divertido é verificar ou Gorguts, e algum punk, com os Black çou-se sobre a extensão das capacidades of Ruin, banda metal de Alex Newport como os elementos cabem numa peça Flag à cabeça. Afirma ele: «Se ouvir- da guitarra elétrica, assinando algumas (Fudge Tunnel, Nailbomb). Um projeto específica. Numa base de improvisação mos o Art Ensemble of Chicago com das criações mais experimentais das que era «demasiado arty para o pessoal acústica sinto-me livre para pensar em cuidado, por exemplo no disco Fanfare últimas décadas. Volta e meia, volta ao metaleiro e demasiado pesado para os termos não-tonais e eletrónicos. Trazer for the Warriors, verificamos que muito rock, como no caso dos Massacre. Com que apreciavam músicas mais elabo- ideias de outras práticas ajuda a levar do som, da intensidade, até das escolhas mestres como estes, o jovem baterista e radas – era fantástico, toda a gente o uma música para a frente.» Já o fazia de notas é similar ao que se passa vibrafonista só podia ser o que é. odiava». com o saxofonista James Carter no na música clássica contemporânea. E o que é revela-se por igual nos A imprensa musical assinala a sua início da sua carreira, foi o que concreti- E até o metal extremo se tornou mais dois campos em que tem desenvolvido versatilidade, e ele próprio admite que zou no emblemático álbum Junk Magic dissonante, movendo-se na direção do a sua atividade, a do jazz (com These são os seus parceiros de ocasião que e depois com os Farmers By Nature, politonalismo e do atonalismo.» Arches, os Snakeoil de Tim Berne, Mary «determinam o resultado da minha tendo consigo William Parker e Gerald Este gosto pessoal não é o de um Halvorson, Wadada Leo Smith ou John escrita e o que toco», mas não é disso Cleaver, e é o que distingue os seus músico de jazz que observa as correntes Tchicai) e a do rock (com Mr. Bungle, que se trata. Sim de valorizar mais muito aplaudidos solos. do rock por fora. Taborn desconfia de Xiu Xiu, Ceramic Dog, Secret Chiefs esta ou aquela vertente da sua funda Tem mesmo uma máxima, «combinar quem tem essa postura, acreditando 3, Good for Cows). Mas não só, tendo bagagem linguística. Em qualquer das o racional e o irracional», procurando que só faz sentido aproveitar aspetos em conta o trabalho que realizou com situações a que adere, Smith é igual a si em cada instante «ser o mais solto do metal, do punk ou das associações o compositor minimalista Terry Riley e próprio, apenas se adaptando ao que a possível, e simultaneamente manter-me hardcore que têm sido realizadas dessas os encontros que mantém regularmente música pede. As coordenadas que regem ligado a uma estrutura». O pensamento duas tendências se quem o faz tem real- com percussionistas vudu do Haiti. o seu grupo These Arches não serão musical de Taborn é, à partida, asso- mente delas um conhecimento de causa. Sempre com uma atitude em particular: muito diferentes do que está em causa ciativo. Falar de uma das suas maio- Com esse posicionamento como ponto «Sinto-me atraído pelos exemplos que na sua união com Taborn e Maneri: res influências, Brian Eno, o “pai” da de partida, agrada-lhe o que também desafiam cada género e isso porque não «Interessa-me a função tradicional dos música ambiental, leva-o a citar outras motiva Ches Smith: aquilo que, dentro é o estilo de música aquilo que mais me arcos na arquitetura das pontes, com o duas de uma linhagem totalmente dis- de determinados parâmetros, rebenta importa. O que realmente me motiva peso a ser suportado pela tensão hori- tinta, os indeterministas Cage e Morton com estes. «No metal, interessam-me são as liberdades que posso tomar nos zontal criada pelos pontos de encontro Feldman, porque neles deteta um vetor especialmente aqueles que fazem outras diferentes contextos. Nas minhas com- dos arcos. Levo isso para as pontes da comum, «a atenção dada ao formato de coisas com essa moldura, e posso dizer posições, que regra geral se resumem música: as pontes nas composições, as uma nota», atenção essa que tem como isso sobre qualquer tipologia musical. a definir uma melodia, um ritmo e um pontes entre improvisação e composi- consequência imediata a «manipulação Não gosto de apropriacionistas – falta- tempo ou dois, não trabalho conscien- ção, as pontes entre as vozes individuais dos sons, assim conseguindo introduzir -lhes a vibração necessária para tocarem temente com referências idiomáticas, dos improvisadores.» uma especial energia na música». aquilo.» ainda que estas depois possam transpa- Esta definição de parâmetros ainda Energia é, inclusive, um fator chave Outro axioma avesso à fusão e à cola- recer na música.» é mais clara por parte de Craig Taborn. para o pianista, e entre os seus heróis – gem é defendido pelo autor de Avenging Uma particular devoção de Ches Com estudos clássicos e de jazz e junto de Errol Garner, Duke Ellington, Angel: não reconciliar os estilos. «Sou Smith vai para Thelonious Monk, dedicações passadas ao techno e ao Bill Evans, Ahmad Jamal, Keith alheio a questões de estilo. Sempre me um dos maiorais da história do jazz. metal, este teclista que descobriu o Jarrett, Cecil Taylor, Roscoe Mitchell senti atraído por músicas que desa- «Oiço-o desde os meus 17 anos ou talvez sintetizador ao mesmo tempo que o (com quem trabalha, de resto), Muhal fiam os géneros, mas ao mesmo tempo até mais novo. É alguém a que estou piano afirma guiar-se mais pelo «largo Richard Abrams, Anthony Braxton – tenho uma profunda afeição pelo metal sempre a regressar, sobretudo para o mundo do som» do que por filiações estão bandas de metal bastante mus- enquanto tal, ou pelo punk enquanto que ele gravou com Art Blakey e Max musicológicas: «Não limito as minhas culadas, como Mettalica, Slayer, tal», refere. Para Taborn, o que os Naked Roach», indica. E no entanto… este é o escolhas criativas a um idioma. Está Megadeth, Voivod, Venom, Meshuggah City de Zorn faziam era simplesmente 4 5 «atirar materiais uns contra os outros», músicos é a da era da informação. A de todo de uma peça. «E preciso abando- em jeito de caricatura.