Jazz 10 de maio 2014 Ciclo “Isto é Jazz?” Comissário: Pedro Costa

Sidsel Endresen e © Andre Loyning com vários outros, e até o fator free é Parker, o histórico do free jazz e da free sequer os seus excelentes dotes como relativo – a versão original pretendia music Evan Parker, apontou como o guitarrista («quero estar mais envolvido libertar a improvisação da escrita e o melhor músico em atividade nas ilhas musicalmente do que isso, esticando que 50 anos depois se improvisa faz-se britânicas) e descobriu que cruzar ruído e recompondo os contextos», afirma), com uma perspetiva assumidamente e melodia tem a particularidade de mas a sua atitude tanto descomprome- composicional. melhor evidenciar as propriedades de tida quanto inclusivista. Dois dos mais insignes (e porque cada um. Percebeu também outro fator: E, não menos fundamental, o facto de haveria o protagonismo de ser só de que tocar livremente e com propósitos conseguir levar a um público mais alar- um?) representantes dessa atitude exploratórios significa nada excluir em gado aquela que é uma prática musical experimental tornada “pop” são os termos de discurso e linguagem musi- habitualmente constrangida a sobrevi- noruegueses Stian Westerhus e Sidsel cais. Ser livre não é necessariamente ser ver na margem. Um público que não se Endresen. Tornada? Uma análise abstrato; é ser abstrato e ser tonal, sem agrada coma música experimental ou o musicológica séria faz-nos ver que o preconceitos. avant-jazz mas que segue entusiasma- Sáb 10 de maio experimentalismo só podia existir no Depois, Stian mergulhou na música damente as suas pisadas. 21h30 · Pequeno Auditório campo da música popular, dado que o erudita contemporânea e juntou à Fusão? Colagem? Algo que vem dos Duração: 1h · M3 conservatorial, por sua própria natu- irreverente energia do rock e ao balanço anos de ouro da Mahavishnu Orchestra reza, tem por finalidade reproduzir os pulsativo do jazz a complexidade e dos Weather Report ou que continua Voz Sidsel Endresen Guitarra Stian Westerhus padrões existentes, vindos do passado. harmónica que o fascinou nos grandes os preceitos de Frank Zappa e John Stian podia ser tomado como o típico compositores. Diz ele: «Pois, não sou Zorn? Nada disso. São as substâncias, guitarrista de rock, o que começa desde músico de jazz, sou apenas músico. não os invólucros, que lhe importam: O que tiver de acontecer logo pela sua aparência física, que inclui O pessoal do rock diz que o que eu faço «O divertido é verificar como os parâ- longo cabelo eriçado a gel, numa explo- não é rock, e o do jazz afirma que não metros de músicas diferentes se encai- A profecia de William Parker parece são de amarelo, calças justas como uma toco jazz. Estou-me nas tintas. Sinto-me xam no “puzzle” que quero construir. estar a cumprir-se, mas de modo bem segunda pele, casaco “retro” e botas Doc feliz por ter as minhas próprias ideias Lidar com esses parâmetros é que torna diferente daquele que este contrabai- Marten. Essa conotação é reforçada pela quanto à forma como quero que as um projeto em algo de nosso.» xista norte-americano vem pregando insistência na distorção e no feedback coisas soem e por não estar fechado A obra gravada de Stian e os seus e não o tendo a ele como timoneiro. como principais recursos guitarrísticos dentro de um dogma. O certo é que foi concertos já foram definidos pela A “revolução cultural” que ele antevia, e pronuncia-se ainda mais quando per- a minha formação jazz que me abriu os imprensa como o que fariam uns mais e que muito se esforçou por realizar cebemos que o seu mundo sonoro está ouvidos.» radicais Radiohead, Coldplay, The Blue (por exemplo tornando-o groovy), era algures entre o legado “prog” dos King Mesmo em bandas de rock como Nile e Talk Talk, mas o certo é que não é a de que o free jazz voltaria a ser uma Crimson de Robert Fripp e a influência Puma e Pale Horses esta sua carac- possível compará-lo com terceiros. Até música popular, tal como acontecera thrash metal dos Slayer. Acrescente-se terização está patente, e foi ela o que faz com a guitarra não é equipa- pela altura em que o subgénero surgiu, a devoção que tem por Jimmy Page, dos que interessou aos Jaga Jazzist e à rável ao que ouvimos em Vinny Reilly, na década de 1960, identificando-se com Led Zeppelin, a qual sobressai quando Crimetime Orchestra quando estes o Fred Frith e Bill Frisell, para apontar o levantamento black is beautiful. pega num arco de violoncelo e o aplica chamaram, bem como a Nils Petter os nomes avançados pelos críticos que A realização da mensagem parkeriana sobre as cordas. Molvaer e, mais recentemente, a Sidsel equivocadamente o tentaram. a que presentemente assistimos tem Mas não é tudo. Stian Westerhus Endresen, resultando no duo que Também as suas perspetivas “orques- outras características: a designação estudou jazz em Londres, aí entrando gravou o álbum Didymoi Dreams e que trais” (para “ensembles” como o Britten “jazz” para o que ouvimos é duvidosa, em contacto com a música do canadiano agora se apresenta em Lisboa. Não é a Sinfonia ou simplesmente decorrendo dado que, se o idioma musical em expatriado Kenny Wheeler (o mesmo mescla de estilos que quem requisita da forma como utiliza a pedaleira e a questão está lá, partilha influências trompetista mainstream que outro a sua colaboração procura nele, nem tecnologia de estúdio) foram analisadas

3 com alusões a figuras como Ingram Sandy Denny, o que se torna duplamente A isto já não podemos chamar free Sidsel Endresen Marshall e o Krzysztof Penderecki de mais óbvio quando introduz elementos jazz ou free improv. É improvisação sem antes da conversão neoclássica, mas do folclore norueguês, e das tradições da ser “música improvisada”, esse rótulo Sidsel Endresen tem estado na primeira o erro mais uma vez se repetiu. Stian China e do Japão, em canções frequen- que vingou apesar de se querer recusar linha da cena musical nórdica nos últi- Westerhus é um caso único e inclusive temente interpretadas com uma língua as etiquetagens: «Nesses domínios mos 30 anos. O seu trabalho atravessa as suas referências, os discos a que volta por si inventada, mas que não escondem há ainda demasiadas definições do géneros que vão da fusão ao jazz-rock sempre, não servem para categorizar o uma antiga paixão por Joni Mitchell. que é bom ou mau, do que se pode ou nos anos 1980, à improvisação livre e à que emerge na música «com sujidade Canções, de facto, e essa é meia explica- não fazer. Gosto de deixar as coisas ‘nova música’ na década seguinte e no debaixo das unhas» que nos presenteia. ção para a sua acessibilidade. correrem, mesmo que se julgue não novo milénio. É considerada pioneira e No momento de criar apaga tudo o «A voz é um canal. É o músculo que pertencerem ali. Com a minha teimosia, uma forte influência na improvisação que tem na cabeça, ouve o que está à sua me liga ao mundo. Como faz parte do acabarão um dia por pertencer.» vocal e nas chamadas “técnicas vocais volta e toca. «O importante para mim corpo, tem uma relação direta com os Nada está proibido, e talvez seja essa expandidas”. é que o período de tempo que decorre meus processos de pensamento. Não há a novidade mais absoluta de propostas Recebeu largo reconhecimento inter- entre virem-me as ideias e traduzi-las filtros, é algo de bastante pessoal. A voz musicais como a que teremos agora nacional e numerosos elogios da crítica no instrumento seja o mais curto possí- é como um casamento feliz entre o “eu” a oportunidade de apreciar ao vivo. através das suas gravações a solo, nos vel, de maneira a não pensar nelas. Cada musical intuitivo e o intelecto. Quando Com certeza que Stian não saturará o anos 90, para a ECM, So I Write e Exile peça é a sua improvisação e em todas estou à procura de alguma fórmula espectro sonoro como no álbum a solo (em colaboração com Django Bates, obrigo-me a cobrir novos territórios», inédita, essa atividade é mais cerebral, The Matriarch and the Wrong Kind of Nils Petter Molvaer e ), comenta. mas depois passa para o lugar a que per- Flowers, e que Sidsel abrirá o seu jogo dos três álbuns em dueto com Bugge Assim como Stian Westerhus é mais tence realmente, a espontaneidade. Isso para permitir a dose necessária de inte- Wesseltoft, bem como de outros discos do que um guitarrista, a Sidsel Endresen implica, claro está, que ser espontâneo ração, pelo que um CD como One não para a editora Jazzland – Punkt Live não podemos chamar propriamente dá muito trabalho», esclarece Sidsel. nos elucida sobre o que vamos encon- Remix: Sidsel Endresen & Jon Hassel em “cantora”. O que faz com a voz é Também ela faz questão de não trar. O que podemos esperar é aquilo 2008 (com & Erik Honoré), surpreendente e só acreditamos no partir de pressupostos e muito menos que Stian Westerhus costuma prometer Merriwinkle em 2004 (com Helge Sten que nos entra pelos ouvidos quando a de preconceitos. O que a atrai em Stian quando acompanha a sua conterrânea: e Christian Wallumrød), Undertow em vemos produzir aqueles sons diante de Westerhus é a aspereza, o caráter rude, «Será um momento muito íntimo, frágil 2000, entre outros, e da sua gravação de nós – não finge ser um instrumento, ao de diamante em bruto, não domesticado e exigente para nós. Um momento de voz a solo One (SOFA Records, 2006). contrário das vocalistas improvisadoras por modos e procedimentos corren- enorme concentração em que nada será Os media internacionais classificaram- que pretendem ser “diferentes”. É, isso tes. É isso igualmente que aprecia nos combinado previamente. Acontecerá o -na como a “Grande Dame do nórdico, sim, como que um sintetizador humano. Humcrush (Stale Storlokken e Thomas que tiver de acontecer.» poético, jazz de câmara” e como “a mais E no entanto, o seu percurso está Stronen, membros do mais conhecido Seria curioso observar a reação de inovadora cantora de jazz da Europa”. mais ligado ao jazz (o jazz nórdico, bem grupo escandinavo de improvisação, William Parker a esta atuação e escutar Todavia, ela não se considera uma entendido, a exemplo das suas parcerias Supersilent) e nesse mago do sampling as suas opiniões. O mais provável seria cantora de jazz no estrito sentido da com Django Bates e ) que é Jan Bang, companheiros de outras que não gostasse. E o que achariam palavra. As suas influências e as suas prá- do que o do jovem com quem partilha o aventuras. São rápidos a responder e a Robert Fripp, Kenny Wheeler, Sandy ticas musicais são múltiplas, incluindo palco, ainda que o trabalho de pesquisa propor caminhos, sem com isso sacri- Denny, Joni Mitchell? Food for expressões vocais étnicas e contempo- que vem desenvolvendo esteja a par de ficarem a beleza das situações. «Vamos thought… râneas. Sidsel está sempre a mover-se uma Cathy Berberian, uma Meredith facilmente do doce para o histérico e daí para novas direções, constantemente Monk ou uma Fátima Miranda. Como se para o monumental, e eu nem sequer Rui Eduardo Paes renovando a sua música e a sua atitude não bastasse para nos confundir, a tes- tenho de sugerir emoções, algo que Crítico de música, ensaísta, perante a música, desafiando o papel e situra vocal que possui remete-nos para prefiro evitar», salienta. editor da revista “online” jazz.pt a função tradicionais do cantor. Hoje

4 5 em dia é considerada uma influência a paixão de Stian pela música foi aca- Próximo espetáculo maior para toda uma nova geração de rinhada pela família e pela professora cantores. Tem trabalhado muito a voz de música da escola que frequentava. PANOS 2013 © Cindy Manta como instrumento a solo e desenvolveu O impacto da música de Mike Oldfield, um estilo de improvisação vocal muito dos sons de King Crimson e de Jimi PANOS próprio e inconfundível, bem como uma Hendrix foram momentos decisivos e palcos novos palavras novas “linguagem” abstrata, fonética, baseada marcantes no seu estilo e atuação. na exploração da pura expressão do som Começou por estudar em Londres, da voz humana. Os seus concertos a solo no curso de jazz da Universidade de são intimistas e minimalistas, concentra- Middlesex, tendo depois regressado à dos completamente na sua voz, sem utili- Noruega para a Academia de Jazz de Teatro Sex 16, sáb 17, dom 18 de maio zar efeitos ou equipamentos eletrónicos. Trondheim. Em 2009, o seu primeiro Pequeno Auditório e Palco do Grande Por vezes acompanha-se com instru- álbum Galore foi lançado pela Rune Auditório · M12 mentos simples (uma pequena kalimba, Grammofon, seguido um ano mais tarde um velho mini gravador, um copo). O seu por Pitch Black Star Spangled, muito repertório é um misto de improvisações acalmado pela crítica. Em 2010 deu Os PANOS juntam a nova escrita para teatro ao teatro que é feito nas escolas ou e de material escrito por ela. início a um projeto com a cantora Sidsel por grupos juvenis. Pela nona vez, mais de trinta grupos de todo o país encenam Endresen, Didymoi Dreams, gravado em uma das três peças oferecidas. Este ano os textos são de Gonçalo M. Tavares, Stian Westerhus 2012 pela Rune Grammofon. Em 2011, a Lucinda Coxon e Sandro William Junqueira. encomenda de Stian para a Trondheim Stian Westerhus é um guitarrista com Jazz Orchestra foi estreada no Molde Próximo espetáculo de música uma técnica invejável, uma poderosa Jazz Festival. Nesse mesmo ano, o gui- presença nos palcos, uma grande tarrista foi escolhido para fazer parte do imaginação criativa, que emerge agora prestigioso programa Norwegian Jazz também como um dos mais importantes Launch 2011/12. Homenagem a improvisadores, compositores e mem- No outono de 2012 lançou o CD bros de bandas da atualidade. a solo The Matriarch and the Wrong Nos últimos anos tornou-se conhe- Kind of Flowers (Rune Grammofon) e, Vinicius de Moraes cido pelo seu trabalho com PUMA, já em 2014, lançou Maelstrom (Rune Mônica Salmaso, Teco Cardoso Monolithic ou o grupo de Nils Petter Grammofon), como S.W. & Pale Horses. Molvaer, assim como, cada vez mais, e Nelson Ayres através dos seus inovadores projetos a solo. Nas suas paisagens musicais resi- Música Sex 23 de maio dem os mundos tanto do experimen- Grande Auditório · 21h30 · Dur. 1h20 · M3 talismo como do jazz, estando ainda confortável na cena da música clássica contemporânea. Já atuou por todo o De novo na Culturgest uma das melhores cantoras brasileiras deste tempo, num mundo, desde o Japão às sessões para a programa inteiramente preenchido com músicas de Vinicius ou para as quais ele BBC em Londres. escreveu os poemas. Um belo concerto que nos lava a alma. Tendo crescido numa remota parte da Noruega, no norte de Trondheim, Mais informações em www.culturgest.pt

6 Conselho de Administração Comunicação Técnico Auxiliar Presidente Filipe Folhadela Moreira Vasco Branco Álvaro do Nascimento Estagiárias: Frente de Casa Administradores Sara Ramos Rute Sousa Miguel Lobo Antunes Mariana Cunha Margarida Ferraz Bilheteira Publicações Manuela Fialho Assessores Marta Cardoso Edgar Andrade Dança Rosário Sousa Machado Clara Troni Gil Mendo Atividades Comerciais Teatro Receção Catarina Carmona Francisco Frazão Sofia Fernandes Patrícia Blazquez Arte Contemporânea Ana Luísa Jacinto Miguel Wandschneider Serviços Administrativos e Financeiros Auxiliar Administrativo Cristina Ribeiro Serviço Educativo Nuno Cunha Paulo Silva Raquel dos Santos Arada Teresa Figueiredo Coleção da Caixa Geral de Depósitos Pietra Fraga Isabel Corte-Real Alice Neiva Direção Técnica Inês Costa Dias Estagiária: Paulo Prata Ramos Maria Manuel Conceição Teresa Vaz Direção de Cena e Luzes Direção de Produção Horácio Fernandes Margarida Mota Assistente de Direção Cenotécnica Produção e Secretariado José Manuel Rodrigues Patrícia Blázquez Audiovisuais Mariana Cardoso Américo Firmino de Lemos (coordenador) Jorge Epifânio Paulo Abrantes Exposições Ricardo Guerreiro Coordenação de Produção Suse Fernandes Mário Valente Iluminação de Cena Produção Fernando Ricardo (chefe) António Sequeira Lopes Vítor Pinto Paula Tavares dos Santos Edifício Sede da CGD Fernando Teixeira Maquinaria de Cena Rua Arco do Cego, 1000-300 Lisboa, Piso 1 Culturgest Porto Nuno Alves (chefe) Tel: 21 790 51 55 · Fax: 21 848 39 03 Susana Sameiro Artur Brandão [email protected] · www.culturgest.pt

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As emissões de gases com efeito de estufa associadas à produção desta publicação foram compensadas no âmbito da estratégia da CGD para as alterações climáticas.