Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

Classificação atual dos

LEONOR COSTA MAIA - DEPARTAMENTO DE MICOLOGIA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO [email protected]

Os Zygomycota constituem uma das cinco divisões dos fungos, com duas classes: Zygomycetes e Trichomycetes. O grupo é dos mais diversos e menos estudados dos filos fúngicos (Benny et al. 2001), sendo comprovadamente polifilético (van de Peer & De Wachter, 1997).

Os Zygomycota estão amplamente distribuídos nos diversos ambientes, sendo registrados em todas as latitudes e altitudes do planeta (Alexopoulos et al., 1996). Ocupam posição basal na escala filogenética dos fungos verdadeiros, com bagagem enzimática pouco especializada para a decomposição dos substratos, limitando-se a aproveitar os nutrientes mais simples. Polímeros orgânicos de estrutura mais complexa, tais como celulose, hemicelulose, lignina e quitina não são comumente degradados pelos Zygomycota e sim pelos Ascomycota e Basidiomycota (Trufem, 1998).

A classe dos Zygomycetes tem representantes sapróbios, parasitas (haustoriais ou não) de animais plantas e fungos, e simbiontes que formam ectomicorriza, enquanto os Trichomycetes são simbiontes que vivem no trato digestivo de artrópodes, incluindo insetos e suas larvas, e se prendem ao hospedeiro por um “pé” ou “talo” celular ou não celular.

Segundo Benjamin (1979), os Zygomycetes poderiam ser divididos em ordens obedecendo as suas especificidades em relação ao modo de nutrição. Neste caso, seriam considerados os: 1) sapróbios ou parasitas facultativos (não haustoriais), representados por espécies de Mucorales, Mortierellales, Basidiobolales, Kickxellales, alguns Entomophthorales e Endogonales. 2) Parasitas haustoriais ou não haustoriais que formam corpos hifálicos (maioria dos Entomophthorales) ou talos enovelados (alguns ) 3) Simbiontes formando ectomicorrizas (Endogonales).

Os Zygomycetes parasitas de animais pertencem a grupos distintos: alguns são parasitas obrigatórios de insetos, outros são facultativas. Outro grupo é parasita obrigatório da microfauna do solo, como amebas, rotíferos, nematóides. Finalmente, existem os micoparasitas, ocorrendo em outros fungos às vezes da Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

mesma classe.

A classificação mais recente (Benny, 2001; Benny et al. 2001; Kirk et al. 2001), assim como a proposta por Benjamin (1979), um dos maiores estudiosos do grupo, está baseada principalmente na morfologia das estruturas reprodutivas e na presença/ausência de septos. Reprodução sexuada é importante, mas entra como caráter secundário, uma vez que é conhecida para a minoria dos táxons. São consideradas as duas classes mencionadas: Zygomycetes, com 10 ordens, 32 famílias, mais de 120 gêneros e 800 espécies e Trichomycetes, respectivamente com 4 ordens, 7 famílias, 55 gêneros e cerca de 220 espécies. Entretanto, estudos moleculares recentes têm mostrado que esse sistema é altamente artificial, sendo mantido por razões práticas (O´Donnell et al., 2001).

Estava incluída entre os Zygomycetes a ordem Glomales, constituída por fungos que formam micorriza do tipo arbuscular. Atualmente esses fungos estão reunidos em um novo filo, Glomeromycota. De fato, dados moleculares revelaram a pouca relação dos fungos micorrízicos arbusculares (FMA) com o grupo onde eram incluídos e, por outro lado, a sua proximidade com os Ascomycota e Basidiomycota (Schüßler et al. 2001).

Do mesmo modo, foi incluída entre os Zygomycetes a ordem Geosiphonales (com uma família e um gênero) proposta por Cavalier-Smith (1998). No entanto, além dos esporos de Geosiphon serem similares aos de Glomus, gênero de FMA, análise do SSU rRNA havia demonstrado que Geosiphon é membro ancestral dos Glomeromycota (Gehrig et al. 1996), mesmo não formando micorriza arbuscular, mas vivendo em endosimbiose com cianobactérias. Assim, a família Geosiphonaceae, com respectivo gênero e espécie [Geosiphon pyriformis (Kütz) Wettst], foram transferidos para a ordem Archaeosporales, em Glomeromycota.

Entre os Zygomycetes (Tabela 1), a ordem melhor conhecida e que detém o maior número de espécies é Mucorales, com 13 famílias, a maioria composta por poucos gêneros, com exceção da Mucoraceae (23) e Thamnidiaceae (11).

Os Zygomycetes são fungos hifálicos, sendo raras as espécies unicelulares. Algumas espécies podem apresentar dimorfismo, ou seja, de acordo com as condições ambientais, formam micélio ou células leveduriformes (principalmente em Mucorales).

Os táxons filogeneticamente mais evoluídos apresentam micélio com septos mais freqüentes e ao longo das hifas. Estudos de ultraestrutura revelaram que esses septos diferem entre os Zygomycetes, sendo encontrados “tabiques” Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

completamente fechados, septos com uma cavidade lenticular que contem um “plug”, ou com multiperfurações que permitem a troca de material entre células vizinhas (Benny & Benjamin, 1991).

As hifas geralmente são lisas; a parede celular é de quitosano (Mucorales) e quitina (demais ordens), mas é comum o depósito de incrustações por cristais, principalmente de cálcio, que também podem ocorrer na parede esporangial. Admite-se que a presença de cristais de oxalato seja caráter evoluído, relacionado à proteção do fungo contra a herbivoria por pequenos animais.

Na reprodução sexuada são formados gametângios, que se unem constituindo o zigósporo, que fica protegido pelo zigosporângio, estrutura com parede espessa e em geral ornamentada por espinhos e/ou verrugas. Todos esses caracteres têm valor taxonômico, sendo constantes nos vários táxons.

A grande maioria dos Zygomycetes é heterotálica, sendo pouco freqüente a formação de zigósporos na natureza. A reprodução desses organismos, portanto, é garantida pela forma assexuada, que apresenta elevado peso taxonômico. Quando existe a reprodução sexuada, esta geralmente ocorre simultaneamente com a assexuada.

O esporo formado tipicamente na reprodução assexuada é o esporangiósporo, originado no esporângio. Os esporangiósporos podem chegar a 100.000 unidades em um mesmo esporângio. Quando o esporângio apresenta número reduzido de esporos (2 a cerca de 30), recebe a denominação de esporangíolo; quando tem apenas um esporo é chamado esporangíolo uniesporado. Os esporos dos Zygomycetes também podem ocorrer dispostos em série linear (2-14 unidades), dentro de estruturas saculares, recebendo neste caso o nome de merosporos e a estrutura que os transportam, merosporângios.

Os esporangiosporos em geral são lisos, mas alguns apresentam espinhos, estrias, longos apêndices polares, hialinos, e com diversos graus de flexibilidade. Os esporos são esféricos a levemente globosos, sendo referidos ainda ovóides, cilíndricos, plano-convexos, aciculados ou irregulares.

Como nos demais fungos a reprodução assexuada, originando esporos haplóides, ocorre também pela fragmentação das hifas. É comum também a ocorrência de clamidosporos no micélio aéreo e/ou submerso, principalmente com o envelhecimento da colônia.

Segundo mencionado por Trufem (1998), vários Zygomycetes são responsáveis Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

pela fermentação de alimentos (Hesseltine, 1986). Entre estes estão Mucorales usados para fermentar a soja, transformando-a em tempeh (Rhizopus oligosporus, R. oryzae, R. stolonifer) ou em tofu (Actinomucor elegans, Mucor spp. e Rhizopus spp.). Rhizopus oligosporus é utilizado no preparo do oncon, pasta de amendoim fermentada. Outros Mucorales produzem ácidos orgânicos (cítrico: Mucor piriformis; oxálico: Mucor spp., fumárico: Mucor spp., Rhizopus stolonifer, R. oryzae, Cunninghamella blakesleeana; láctico: Mucor spp., Rhizopus arrhizus, R. stolonifer). Zygomycetes também estão sendo empregados na decomposição de compostos recalcitrantes e/ou cancerígenos. Várias espécies conseguem quebrar as moléculas desse compostos, inativando suas propriedades indesejáveis e tornando-as disponíveis para continuarem a ser degradadas por outros microrganismos do solo ou da água. Espécies de Circinella, Cunninghamella e Rhizopus, dentre outras, degradam o naftaleno, enquanto espécies de Cunninghamella e de Mortierella são úteis na degradação do benzo- pireno. Cunninghamella elegans contribui para degradação do antraceno. Zygomycetes e fungos de outros grupos taxonômicos são apontados como promissores em processos de biossorção de metais pesados e íons radiativos, acumulando no micélio esses metais. Os Zygomycetes entomopatogênicos também apresentam potencial como agentes de controle biológico.

Os Trichomycetes são classificados entre os Zygomycota (Benny, 2001; Kirk et al. 2001) porque em uma das ordens são formados, na reprodução sexuada, estruturas que lembram o zigosporo (com forma bicônica). Por outro lado, todos no grupo têm em comum o fato de ocorrerem associados ao trato digestivo de artrópodes aquáticos, mantendo com eles relação ainda indefinida, que parece compreender formas de comensalismo, parasitismo e mutualismo (Alexopoulos et al., 1996).

Dependendo do autor, a classe é dividida em três ou quatro ordens. Os caracteres utilizados para classificação estão relacionados à presença ou ausência de septos no talo, formação ou não de zoósporo, tipo de esporo assexuado e habitat (Tabela 2).

Kirk et al (2001), seguindo Cavalier-Smith (1998), colocam os Amoebidiales em Protozoa, enquanto Alexopoulos et al. (1996) e Benny (2001), concordam com Lichtwardt (1986), que é reconhecido como uma das maiores autoridades no grupo, e mantêm essa ordem em Trichomycetes. Comparações filogenéticas de seqüências do 18S rDNA mostraram que Amoebidium parasiticum é mais relacionado com um certo grupo de protozoários, enquanto os Harpellales aparecem como grupo irmão dos Kickellales (Zygomycetes). Análises moleculares e outras características, como presença de aparelho de Golgi e Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

parede com celulose fazem com que as afinidades dos Eccrinales com os fungos verdadeiros seja duvidosa, mas os estudos ainda são insuficiente para definir a posição taxonômica e filogenética dessa ordem.

Como destacado por Benny at al. (2001), os estudos mais recentes demonstram que o modo mais ou menos uniforme como os Zygomycota vinham sendo tratados, levando em conta apenas a interpretação de caracteres morfológicos e biológicos, não se enquadra nas propostas atuais. Na medida em que novos dados forem sendo disponibilizados, sobretudo ligados à análise de seqüências moleculares, é possível que a classificação do grupo seja modificada, de modo a melhor traduzir as relações filogenéticas entre as espécies de Zygomycetes e Trichomycetes.

Tabela 1. Taxa de Zygomycetes (adaptado de Benny et al. 2001 e Kirk et al. 2001)

Ordem Família Gêneros Basidiobolales Basidiobolaceae Basidiobolus Dimargaritales Dimargaritaceae Dimargaris, Dispira, Spinalia, Tieghemiomyces Endogonales Endogonaceae Endogone, Pteridiospora, Sclerogone, Youngiomyces, Densospora (este de afinidade incerta) Entomophthorales Ancylistaceae Ancylistis, Conidiobolus, Macrobiotophtora Completoriaceae Completoria Entomophthoraceae Batkoa, Entomophaga, Entomophthora, Erynia, Eryniopsis, Fúria, Massospora, Orthomyces, Pandora, Strongwellsea, Tarichium, Zoophthora Meristacaceae Ballocephala, Meristacrum, Zygnemomyces Neozygitaceae Neozygites, Thaxterosporium Kickxellales Kickxellaceae Coemansia, Dipsacomyces, Kickxella, Linderina, Martensella, Martensiomyces, Spirodactylon, Spiromyces Mortierellales Mortierellaceae Aquamortierella, Dissophora, Echinosporangium, Modicella, Mortierella, Umbelopsis Mucorales Chaetocladiaceae Chaetocladium, Dichotomocladium Choanephoraceae Blakeslea, Choanephora, Poitrasia Cunninghamellaceae Cunninghamella Gilbertellaceae Gilbertella Mucoraceae Absidia, Actinomucor, Apophysomyces, Chlamydoabsidia, Circinella, Circinomucor, Dicranophora, Gongronella, Halteromyces, Hyphomucor, Micromucor, Mucor, Mycocladus, Parasitella, Rhizomucor, Protomycocladus, Rhizopodopsis, Rhizopus, Spinellus, Sporodiniella, Sygygites, Thermomucor, Zygorhynchus Mycotyphaceae Benjaminiella, Mycotypha Phycomycetaceae Phycomyces Pilobolaceae Pilaira, Pilobolus, Utharomyces Radiomycetaceae Hesseltinella, Rdiomyces Saksenaeaceae Saksenaea Syncephalastraceae Syncephalastrum Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica.

Thamnidiaceae Backusella, Cokeromyces, Ellisomyces, Fennellomyces, Helicostylum, Kirkomyces, Phascolomyces, Pirella, Thamnidium, Thamnostylum, Zychaea Zoopagales Cochlonemataceae Amoebophilus, Aplectosoma, Bdellospora, Cochlonema, Endocochlus, Euryancale Helicocephalidaceae Brachymyces, Helicocephalum, Rhopalomyces Piptocephalidaceae Kuzuhaea, Piptocephalis, Syncephalis Sigmoideomycetaceae Reticulocephalis, Sigmoideomyces, Thamnocephalis Acaulopage, Cystopage, , Zoopage, Zoophagus * Glomales e Geosiphonales estão atualmente incluídas em Glomeromycota e por isso não constam da tabela.

Tabela 2. Características das ordens de Trichomycetes (Alexopoulos et al., 1996; Benny, 2001)

Ordem Talo Esporo assexual Zigosporo Hospedeiro Família e número septado de gêneros Amoebidiales Não Células amebóides Não Larvas de insetos Amoebidiaceae (2) e esporangiosporos aquáticos, crustáceos Asellariales Sim Artrosporos Não Isópodos, Asellariaceae (3) colembolas Eccrinales Não Esporangiosporos Não Milípedes, Eccrinaceae (14) isópodos, Palavasciaceae (1) crustáceos, Parataeniellaceae (2) besouros Harpellales Sim Trichosporos Sim Larvas de insetos Harpellaceae (5) aquáticos Legeriomycetaceae (28)

Referências

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