José Afonso no

Setembro, 1972. Eleito pelos leitores intensos movimentos artísticos, não podia nacional, que exigia dele a coerência de do Diário de Lisboa, José Afonso vai desperdiçar aquela oportunidade para não pactuar com festivais daquele género, ao VII Festival Internacional da Canção contactar com gente que falava a mesma acontecimentos burgueses e sem interesse Popular do Rio de Janeiro, com Paulo de língua e que valia a pena conhecer. Foge artístico. Há quem o defenda e quem o Carvalho, por escolha da organização. aos compromissos e recepções oficiais e acuse de oportunismo e promoção pessoal. Entre os participantes, encontram-se passa tardes com Jackson do Pandeiro a A opinião afecta ao regime, essa, acusa-o Dave Clayton-Thomas, vocalista dos ouvir música nordestina e a conviver com a de levar canções que não representam o Blood, Sweat & Tears, Demis Roussos, companhia teatral Grupo Opinião e outros Portugal genuíno. No Brasil, o porta-voz dos Aphrodite’s Child, Georges Moustaki, artistas. No dia da sua actuação, com dos padeiros (quase todos portugueses) Astor Piazzolla, Mungo Jerry. Precede-o cobertura nacional televisiva, José Afonso de São Paulo – que tem um programa na o elogio público de , que o enfrenta o mau som do Maracanãzinho rádio chamado Caravela da Saudade e tinha conhecido em Londres, e que fala e a falta de paciência das quinze mil é colunista no Diário de São Paulo, além dele como o “mito da canção de protesto pessoas presentes para ouvirem canções de promotor dum festival em Ibirapuera portuguesa”. José Afonso é recebido pela acompanhadas por viola e percussão, como com ranchos folclóricos e vedetas do imprensa com expectativa e curiosidade. “A Morte Saiu à Rua”. É vaiado e não se nacional-cançonetismo – protesta contra a Nas entrevistas, manifesta respeito pelo apura para a final, como Paulo de Carvalho escolha de José Afonso quando há artistas público mas pouco apreço por eventos ou Georges Moustaki. O prémio é atribuído como Artur Garcia. Mais: faz reparos aos onde a vertente comercial prevalece a Dave Clayton-Thomas. A atitude de responsáveis políticos, que devem ter juízo sobre a música. Confessa que aproveita José Afonso muda um pouco a imagem e não desgostar os patrícios que labutam e o FIC principalmente para conhecer um que o Brasil tem da música portuguesa, vivem no Brasil. país fabuloso como o Brasil e os seus embora a sua presença divida a esquerda

…e em Lisboa

Em Lisboa, em Dezembro de 1968, Vinicius A notícia da leitura chega aos grupos Outros que contem recebe a notícia do Acto Institucional organizados da direita portuguesa. Um Passo por passo: n.º 5 (AI5), que desmantelava os direitos grupo de estudantes vestidos de fato Eu morro ontem políticos do povo brasileiro e abria a porta preto toma conta da saída do hotel onde às perseguições aos opositores. Escreve a a comitiva está hospedada. A gerência Nasço amanhã e dirige-se ao Teatro Villaret pede a Vinicius que não saia porque os Ando onde há espaço: para a terceira noite de representações. estudantes podem tornar-se violentos, – Meu tempo é quando. No palco, pede licença ao público e fala mas o poeta não recua e encara aqueles do que está a acontecer no Brasil. Depois, que o apupam e hostilizam. Observa-os em Diz a história que um dos estudantes abre um livro e lê o poema “Pátria Minha”. silêncio, longamente, até eles se calarem. reconhece o poema e começa a recitá- E aí Vinicius declama: ‑lo com o poeta. No fim, tira o casaco e A minha pátria é como se não fosse, é coloca-o aos seus pés, sendo imitado por íntima De manhã escureço outros estudantes. Vinicius abandona o Doçura e vontade de chorar; uma criança De dia tardo hotel caminhando sobre um manto de dormindo De tarde anoiteço casacos estudantis salazaristas. É minha pátria. Por isso, no exílio De noite ardo. Assistindo dormir meu filho Choro de saudades de minha pátria. A oeste a morte textos Carlos Tê Contra quem vivo Do sul cativo Textos escritos de acordo com a antiga O este é meu nome. ortografia. ficha técnica TNSJ Alinhamento produção executiva Alexandra Novo assistência de produção Maria do Céu Soares direção de palco Emanuel Pina adjunto do diretor de palco Filipe Silva direção de cena Cátia Esteves luz Filipe Pinheiro (coordenação), Adão Gonçalves, José Rodrigues, Nuno Gonçalves, Rui M. Simão maquinaria Filipe Silva (coordenação), Adélio Pêra, António Quaresma, Carlos Barbosa, Joaquim Marques, Jorge Silva, Chora Coração Tom Jobim/Vinicius de Moraes Joel Santos, Lídio Pontes, Paulo Ferreira som António Bica Coro da Primavera José Afonso apoios TNSJ As Pombas José Afonso Estrada Branca Tom Jobim/Vinicius de Moraes Menino do Bairro Negro José Afonso apoios à divulgação Pau de Arara /Vinicius de Moraes Canção de Embalar José Afonso Rancho das Namoradas /Vinicius de Moraes Mulher da Erva José Afonso

Derradeira Primavera Tom Jobim/Vinicius de Moraes agradecimentos TNSJ Câmara Municipal de Fafe Era um Redondo Vocábulo José Afonso Câmara Municipal do Porto Polícia de Segurança Pública Olha Maria Tom Jobim/Chico Buarque/Vinicius de Moraes Mr. Piano/Pianos Rui Macedo Os Índios da Meia-Praia José Afonso agradecimentos Estrada Branca Rui Caldas A Casa Vinicius de Moraes Marcos Lagoa Valter Hugo Mãe Endechas a Bárbara Escrava Luís de Camões/José Afonso Aida Tavares Luís Monteiro Canto Triste /Vinicius de Moraes Catarina Nunes Elisa Santos Balada do Outono José Afonso Carla Assis Teatro Nacional São João O Velho e a Flor Toquinho/Vinicius de Moraes Mecenas Estrada Branca Odeon Ernesto Nazareth/Vinicius de Moraes Verdes São os Campos Luís de Camões/José Afonso Teatro Nacional São João Valsinha Vinicius de Moraes/Chico Buarque Praça da Batalha 4000-102 Porto Benditos José Afonso T 22 340 19 00 Maria Moita Carlos Lyra/Vinicius de Moraes Mosteiro de São Bento da Vitória Rua de São Bento da Vitória Adeus, ó Serra da Lapa José Afonso 4050­‑543 Porto T 22 340 19 00

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edição Departamento de Edições do TNSJ coordenação Pedro Sobrado design gráfico Studio Dobra fotografia Luís Monteiro (interior) impressão Multitema

Não é permitido filmar, gravar ou fotografar durante o espetáculo. O uso de telemóveis ou relógios com sinal sonoro é incómodo, tanto para os intérpretes como para os espectadores. “Que pontos unem estes dois vultos navegando a mesma jangada do verbo e do tempo em terras opostas?”

Carlos Tê

Vinicius de Moraes e José Afonso dourada do Brasil, é observador e fauno e a despirem o formalismo. Era essa nasceram com um intervalo de dezasseis da sua luxuriante diversidade. José ideia que os brasileiros cultos tinham anos. Um, saído da cepa de Zodíaco Afonso cresce com a litania saudosa de dos portugueses: gente formalizada dominada pela Balança. O outro, vindo Coimbra, faz-se andarilho das ruínas do pela História, engravatada pela tristeza. da casa do Leão. Talvez Fernando Pessoa império, trafica cadências de Angola e Dirigindo-se aos presentes, Vinicius afirma lhes tivesse podido traçar o horóscopo. Moçambique, põe a canção ao serviço que a sua pátria é o mundo e reclama-se Foi sobre o renascimento do pós-guerra do desejo libertário, é o punho lírico que herdeiro do legado lírico português e que ensaiaram uma obra que coexistiria convida a História a mover-se. Vinicius duma língua falada por 100 milhões de sob a árvore da língua portuguesa. Entre é filho dum Rio de Janeiro cosmopolita, falantes. Isto, em 1968. Hoje, estamos nos ambos, um Brasil gigantesco afirmando-se canta a leveza eufórica dum país prestes 250 milhões – 200 no Brasil. Estima-se no mundo e um Portugal cismático, refém a perder tragicamente a sua liberdade. que em 2050 serão 380 milhões. Tal será da memória do passado atrapalhando o José Afonso canta um Portugal há muito a dimensão da copa da árvore da língua presente. A uni-los, a madeira das palavras cativo desse destino, insta-o a rachar o portuguesa. Estrada Branca explora uma e dos violões, a História desalfandegando espelho, funda uma obra que vai além da fresca dessa copa, é uma via bordejada a sua bagagem de ritmos, vozes, melodias, luta e abre caminhos para os vindouros. pela folhagem das palavras de José danças, lágrimas, a transumância dos Que pontos unem estes dois vultos Afonso e Vinicius de Moraes através de povos, o Brasil migrando do sertão navegando a mesma jangada do verbo duas vozes herdeiras dum acervo comum: nordestino para as cidades do litoral, e do tempo em terras opostas? Como Mônica Salmaso e José Pedro Gil – um fundando Brasília, símbolo de futuro e se cruzam os seus discursos? Onde se novo tempo, um encontro celebrando a prosperidade duma terra acrescentando- tocam os seus universos? No célebre vitalidade das canções que se emancipam ‑se com gente de todos os lugares, registo discográfico da tertúlia em casa da mortalidade dos autores. ponto imenso de chegada, e Portugal de Amália, Vinicius lê extractos da peça numa sangria constante, fugindo do Orfeu da Conceição – que marca o seu Texto escrito de acordo com a antiga ortografia. negrume de si mesmo, ponto eterno encontro com Tom Jobim – e exorta de partida. Vinicius encabeça a década os portugueses a desengravatarem-se José Afonso e Vinicius de Moraes, de 1913 a 2017

1913 Outubro – Nasce VM. 1959 Humberto Delgado pede asilo político 1970 JA edita Traz Outro Amigo Também, 1926 Maio – Estado Novo português. ao Brasil. gravado em Londres, nos estúdios 1929 Agosto – Nasce JA. 1960 Inauguração de Brasília. da Pye. 1933 VM edita o primeiro livro de poemas, 1961 Começa a guerra colonial em Angola. VM começa a parceria com Toquinho. O Caminho para a Distância. Fim do império português na Índia. 1971 JA edita Cantigas do Maio, com 1937 Estado Novo brasileiro. VM começa a compor com Carlos “Grândola, Vila Morena”. 1939 VM escreve o “Soneto da Felicidade”, Lyra. 1972 JA edita Eu Vou Ser como a Toupeira no Estoril. 1962 VM começa a compor com Baden e vai ao VII Festival Internacional da 1941 VM trabalha como crítico Powell. Canção Popular do Rio de Janeiro cinematográfico enquanto concorre JA canta na Alemanha e na Suíça com a canção “A Morte Saiu à Rua”. à carreira diplomática. e grava para a televisão sueca. 1973 VM compõe, com Toquinho, a banda 1946 VM é nomeado vice-cônsul do Brasil 1963 JA edita o EP Baladas de Coimbra, sonora da telenovela O Bem-Amado. em Los Angeles, onde convive com com as canções “Menino do Bairro JA edita Venham Mais Cinco. artistas brasileiros em Hollywood, Negro” e “Os Vampiros”. 1974 Revolução de Abril. como . VM compõe com Edu Lobo e Francis 1975 VM grava em Itália, com Toquinho 1949 JA viaja por Angola e Moçambique Hime. e Ornella Vanoni, o disco O Poeta com o Orfeão Académico de 1964 JA edita Baladas e Canções. Parte e o Violão. Coimbra. para Moçambique e dá aulas em 1977 VM participa no espectáculo Tom, 1950 Inaugurada em São Paulo a Rede Tupi, liceus da Beira e Lourenço Marques. Vinicius, Toquinho e Miúcha, que fica a primeira emissora de televisão do A guerra colonial estende-se a sete meses em cartaz no Canecão. Brasil. Moçambique. 1978 É lançado o documentário Um Rapaz 1953 Primeiro disco de JA, o single “Fados Instauração da ditadura militar de Família, filmado por Susana de de Coimbra”. no Brasil. Moraes, filha de VM. VM assina, durante nove meses, sob 1965 VM vence o primeiro festival da TV 1979 A convite do líder sindicalista do ABC o pseudónimo Helenice, o correio Excelsior, com o tema “Arrastão”, em Paulista, Luiz Inácio Lula da Silva, VM sentimental do semanário Flan. parceria com Edu Lobo, e cantado lê o poema “Operário em Construção” A secção intitula-se “Abra o coração”. por . numa assembleia sindical. Compõe o seu primeiro , em 1966 VM edita o disco Afro-, 1980 Julho – VM morre no Rio. parceria com António Maria, gravado com Baden Powell. 1983 JA edita o disco Ao Vivo no Coliseu, por Aracy de Almeida. 1967 JA volta a Portugal e é colocado o seu último concerto. É reintegrado 1954 VM publica a peça Orfeu da Conceição. em Setúbal, como professor. Pouco no ensino oficial, como professor de 1956 VM estreia em palco Orfeu da depois, é expulso do ensino oficial. História e Português. Conceição, com música de Tom Jobim 1968 JA edita Cantares de Andarilho. 1985 Reposição da democracia no Brasil. e cenários de . VM é recebido em casa de Amália, JA edita o seu último disco, Galinhas 1957 VM é colocado em Montevideu. onde estão presentes, entre outros, do Mato, cantado por outros artistas 1958 Humberto Delgado perde as eleições David Mourão-Ferreira, Natália devido à sua condição física. presidenciais com fraude eleitoral do Correia, Ary dos Santos. A tertúlia é 1987 Fevereiro – JA morre em Setúbal. governo salazarista. gravada e sai no disco Amália/Vinicius. 2017 Maio – VM e JA encontram-se em Sai o disco emblemático da Bossa 1969 VM é expulso da carreira diplomática, Estrada Branca, no Mosteiro de São Nova, Canção do Amor Demais, de através do Acto Institucional n.º 5. Bento da Vitória, nas vozes de Mônica Elizeth Cardoso, com letras de VM JA edita Contos Velhos, Rumos Novos. Salmaso e José Pedro Gil. e Tom Jobim, com os temas “Chega VM volta a Lisboa e faz um recital de de Saudade” e “Estrada Branca”. poesia na Livraria Quadrante, editado em disco no ano seguinte. Estrada Branca música de José Afonso e Vinicius de Moraes um projeto de José Pedro Gil, Emanuel de Andrade, Mônica Salmaso, Teco Cardoso, Nelson Ayres, Carlos Tê direção musical Nelson Ayres, Teco Cardoso, Emanuel de Andrade dramaturgia Carlos Tê dispositivo cénico Manuel Aires Mateus colaboração de Ricardo Pais desenho de luz Rui Simão desenho de som Nelson Carvalho voz Mônica Salmaso, José Pedro Gil piano e acordeão Nelson Ayres flauta e saxofone Teco Cardoso piano Emanuel de Andrade quarteto de cordas Ana Pereira, Ana Filipa Serrão, Joana Cipriano, Nuno Abreu produção 3H Produções Culturais apoio TNSJ mecenas Resiquímica

Mosteiro de São Bento da Vitória (Porto) 26+27 maio 2017 sex+sáb 21:00

Centro Cultural Olga Cadaval (Sintra) 30 maio 2017 ter 21:30

São Luiz Teatro Municipal (Lisboa) 3 junho 2017 sáb 21:00

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