novembro-dezembro de 2018 – ano 59 – número 324 A liturgia: comunicação do mistério da fé

A liturgia em Um espaço para a liturgia 3 tempos de Francisco 21 Maria Jeydjane Lunguinho Gomes Márcio Pimentel A homilia e sua preparação Leigo: um conceito 13 segundo o papa Francisco 27 em evolução Jacques Trudel Jean Poul Hansen Roteiros homiléticos 33 Zuleica Aparecida Silvano Sazonal Com você todos PAULUS 2019 os dias do ano!

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Imagens meramente ilustrativas. Imagens meramente 17 18 19 20 21 22 23

Novidade

Calendários Dia a dia com o Evangelho 1 Parede – Paisagem 9 Livro 19 Capa Devocional Maria – Espiral 2 Parede – Santos 10 Capa luxo – Feminina 20 Capa Devocional Maria – Brochura 3 Parede – O Pequeno Príncipe 11 Capa luxo – Masculina 21 Capa Devocional São Lucas – Espiral 4 Bíblico 12 Clássica 1 – Brochura 22 Capa Devocional São Lucas – Brochura 5 Mesa – Tradicional 13 Clássica 2 – Brochura 6 Mesa – Inspiração 14 Floral 1 – Brochura Dia a dia com a catequese 15 Floral 2 – Brochura 23 Agenda catequética Novidade Agendas 16 Floral 3 – Luxo capa dura 7 Liturgia da Palavra de cada dia 17 Capa Devocional Jesus – Espiral 8 De Planejamento 18 Capa Devocional Jesus – Brochura

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Prezadas irmãs, prezados irmãos, graça e paz! Considera-se a premissa de que a liturgia é de seu projeto salvífico para o nosso bem e celebração. Não uma celebração qualquer. É a nossa salvação. celebração de um evento salvífico divino. A li- Disso decorre que sem mistério pascal turgia cristã é existencialmente teologia, porque não se entende a liturgia. Mistério pascal é é sempre a palavra de Deus conhecida na reali- toda a ação de Deus em nosso favor realizada dade e que adquire no rito sua dimensão simbó- em Cristo, cuja atualização é feita no sacrifício lica. Por isso, não se trata de mero espetáculo eucarístico. A morte e ressurreição de Jesus teatral. Embora seja necessário que cada parte da são o centro de nossa fé. No mistério pascal, liturgia (ritos) esteja em harmonia em seus as- estão inseridos também a ascensão e o pente- pectos formais, ela transcende todas as exteriori- costes. Jesus foi ressuscitado pelo Pai, eleva- dades, pois é a comunicação do mistério da fé, é do à glória definitiva. O pentecostes, por sua o encontro de Deus com a humanidade. vez, torna público esse mistério, pela ação do O Concílio Vaticano II considera a litur- Espírito Santo. Assim, a morte e a ressurrei- gia como o “cimo para o qual se dirige a ação ção de Jesus atingiram a todos nós, de modo da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte donde que o conteúdo da liturgia é o mistério pas- emana toda a sua força” (SC 10). É na liturgia cal. A necessidade da liturgia é a necessidade que se experimenta a ação salvífica de um da encarnação. Mas a expressão mistério pas- Deus condescendente, que realiza gratuita- cal resume a obra da salvação, uma vez que a mente a santificação humana. A humanida- obra redentora de Cristo é o mistério pascal. de, por seu turno, ascende respondendo à Assim, a liturgia é a celebração da vida e ação santificadora por meio daquele que é o da fé dos cristãos. De maneira que não se limi- único mediador, Cristo. Ele é o centro e o ta a mera definição conceitual, mas requer cume da liturgia cristã. compromisso efetivo daqueles que participam A obra da salvação é a encarnação. O Deus do mistério que celebram. A liturgia expressa invisível em sua ação salvadora se faz visível a fé de modo evocativo, poético, simbólico; é em Cristo. Essa união se prolonga nos sacra- arte que enche a vida de sentido e nos inunda mentos. Desse modo, diz-se que os sacramen- do mistério, para além das rubricas, dos ma- tos são o invisível da salvação tornado visível nuais frios. A liturgia toca a vida feito um poe- pelos gestos sacramentais. A obra da salvação, ma que nos arrepia e faz nosso ser estremecer. portanto, tem a lógica da encarnação que se A liturgia nos arranca da letargia e nos eleva, manifesta em Cristo, na Igreja e nos sacramen- nos levanta, nos ressuscita. Ela possibilita, já tos (gestos da Igreja). Nesse sentido, a Sacro- aqui na terra, que os homens e mulheres que sanctum Concilium assegura que “Cristo está louvam o nome de Deus saboreiem o gosto sempre presente em sua Igreja e, especialmen- das alegrias eternas. Na liturgia, o primeiro a te, nas ações litúrgicas” (SC 7). atuar é Deus. Isso significa a prioridade da gra- Em Cristo, portanto, foi comunicada a ça. Deus se dignou a descer até nós. Porque plenitude do culto divino. É importante res- Deus se aproximou, nós podemos nos aproxi- saltar que o culto divino é algo que Deus nos mar dele. dá para fazer. Não estamos tentando agradar a Feliz Natal e abençoado ano-novo! Deus. É ele que nos concede adorá-lo e servi- Pe. Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp -lo. Nada é mérito nosso. Tudo é graça, fruto Editor Revista bimestral para sacerdotes e agentes de pastoral Ano 59 — número 324 NOVEMBRO-DEZEMBRO de 2018

Editora PIA SOCIEDADE DE SÃO PAULO Assinaturas [email protected] Jornalista (11) 3789-4000 • WhatsApp: 99974-1840 Responsável Valdir José de Castro, ssp Rua Francisco Cruz, 229 Editor Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp Depto. Financeiro • CEP 04117-091 • São Paulo/SP Conselho editorial Antonio Iraildo Alves de Brito, ssp Redação © PAULUS – São Paulo (Brasil) • ISSN 0507-7184 Claudiano Avelino dos Santos, ssp [email protected] Darci Luiz Marin, ssp paulus.com.br / paulinos.org.br Paulo Sérgio Bazaglia, ssp vidapastoral.com.br Ilustrações Elinaldo Meira Editoração Fernando Tangi Revisão Alexandre Santana Periódico de divulgação científica. Área: Humanidades e artes. e Jennifer Almeida Curso: Teologia.

Vida Pastoral – Assinaturas A revista Vida Pastoral é distribuída gratuitamente pela Paulus. Para contato: A editora aceita contribuições espontâneas para as despesas E-mail: [email protected] Tel.: (11) 3789-4000 postais e de produção da revista. WhatsApp: 99974-1840 Para as pessoas que moram em cidades onde não há livraria Para a efetuação de assinaturas, enviar dados e cópia de compro- Paulus e desejam receber a revista, as assinaturas podem ser vante de depósito da contribuição para despesas postais para: efetuadas mediante envio dos dados para cadastro de assinante Revista Vida Pastoral – assinaturas Rua Francisco Cruz, 229 – Depto. Financeiro (nome completo, endereço, telefone, CPF ou CNPJ) e de contri- 04117-091 – São Paulo – SP buição espontânea para a manutenção da revista. Para os que Contas para depósito de contribuição para despesas postais: já são assinantes e desejam renovar a assinatura, pede-se acres- Banco do Brasil: agência 0646-7, conta 5555-7 centar aos dados também o código de assinante. Bradesco: agência 3450-9, conta 1139-8

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Márcio Pimentel*

A urgência de retomar os trilhos Introdução do Concílio Vaticano II após a fruto mais maduro do Concílio Vaticano OII, a liturgia, encontra no pontificado do ruptura promovida pela instrução papa Francisco a ocasião perfeita para a ne- . cessária e urgente revisão de rota. Na verda- de, os ventos da reconstrução “franciscana” da Igreja começaram a envolver a liturgia já no princípio do pastoreio de Francisco, quando, na Quinta-feira Santa de 2013, ele lavou os pés de jovens muçulmanos, incluin- do mulheres, ao celebrar a missa da Ceia do *Pe. Márcio Pimentel é presbítero da Arquidiocese de Belo Senhor na casa de detenção Casal del Mar- Horizonte, membro do Secretariado Arquidiocesano de Liturgia e pároco da Paróquia São Sebastião e São Vicente. mo. Ainda que, à época, alguns analistas te- Especialista em Liturgia pela PUC-SP e em Música ritual nham diminuído a importância do gesto do pela Faculdade Campo Limpo Paulista. Músico e 324 nº- ponto de vista da sacramentalidade, desves- • compositor, licenciado em Educação Musical pela UEMG. É articulista do Jornal de Opinião (revista eletrônica da tindo-o até mesmo de seu aspecto religioso Arquidiocese de Belo Horizonte). Atualmente, é professor (cf. PAPA..., 2013), a decisão de rever as ru- ano 59 na Pós-Graduação Latu Sensu em Liturgia cristã pela • FAJE-REDE CELEBRA e mestrando em Teologia bricas que regem o rito acusou uma direção (FAJE-CAPES). E-mail: [email protected] obviamente contrária.

3 Vida Pastoral Em dezembro de 2014, o papa Francisco Bento XVI coibiram o desenrolar da reforma dirigiu uma carta ao já então prefeito da Con- litúrgica. O Concílio se viu estancado em sua gregação para o Culto Divino e Disciplina dos potência renovadora, e a liturgia foi – sem Sacramentos, cardeal Sarah. Nesta, solicitava dúvida – um dos espaços que sofreram seve- que as rubricas para o rito do lava-pés fossem ramente com a centralização romana. A “vol- revistas, de modo que, “doravante os Pastores ta à grande disciplina”, diagnosticada por da Igreja possam escolher os participantes neste João Batista Libânio em sua obra clássica já rito entre todos os membros do Povo de Deus. no ano de 1983, fez-se notar no campo litúr- Recomenda-se ainda que aos escolhidos seja gico também com a nomeação de prefeitos fornecida uma explicação ade- para a Congregação para o Culto quada do mesmo rito” (FRAN- “O fruto mais Divino e Disciplina dos Sacra- CISCO, 2014). As novas disposi- maduro do mentos, cujo perfil não se mos- ções quanto às rubricas somente Concílio Vaticano trava de acordo com a perspecti- entraram em vigor com a publi- II, a liturgia, va renovadora apontada pelos cação do decreto da referida Con- encontra no padres conciliares na Sacrosanc- gregação, um ano depois. pontificado do tum Concilium. A mídia conservadora não papa Francisco a Do ponto de vista da produ- poupou críticas na época do ges- ocasião perfeita ção magisterial desses prefeitos, o to de Francisco. Foi exatamente para a necessária grande “passo atrás”, que se tor- nesse momento que a oposição a e urgente revisão nou o pivô do centralismo curial ele passou a se fazer notar publi- de rota” romano também em matéria li- camente, conforme opina Jesús túrgica, veio com a instrução Li- Bastante (2013). O papa começa a ser acusado turgiam Authenticam (LA), do ano de 2001, de fomentar confusões, e a primeira delas será que regulava (e ainda regula, embora já com – evidentemente – de natureza litúrgica. O ressalvas feitas pelo próprio Francisco) as tra- próprio prefeito da Congregação para o Culto duções litúrgicas. Trata-se da quinta instrução Divino e Disciplina dos Sacramentos, Robert para a “reta” aplicação da reforma litúrgica do Sarah, veio a público no intuito de diminuir o Concílio Vaticano II, assinada pelo então pre- impacto da pequena reviravolta inaugurada feito, o cardeal Medina Estevez. Essa instrução pelo pontífice. O tom da resposta dada aos jor- se liga a uma anterior, Varietatis Legitimae (VL), nalistas sobre a obrigatoriedade de lavar ou que se seguiu à publicação da Carta Apostólica não os pés de mulheres no rito da Quinta-feira Vicesimus Quintus Annus, do então pontífice Santa dava a entender que havia algo errado João Paulo II. nas novas orientações oficiais: depois de afir- A quarta instrução trata da relação entre mar que não haveria a obrigatoriedade de in- liturgia e cultura. O apelo do documento as- cluir mulheres no rito, “o cardeal explicou que sinado pelo cardeal salesiano Javierre Ortas um sacerdote ‘tem que decidir de acordo com era claro: permitir que a Igreja fosse enrique- a sua consciência e de acordo com o propósito cida com a “multiforme sabedoria dos povos para o qual o Senhor instituiu esta celebração’” da terra” onde o evangelho ressoasse (cf. VL (CARDEAL..., 2016). 6). A língua é vista com um otimismo realis- nº- 324 nº- • ta: “é através da língua materna, veículo da 1. O “freio” pontifício à reforma mentalidade e da cultura, que se pode atingir litúrgica do Concílio Vaticano II a alma de um povo, modelar nele o espírito ano 59 • Não é novidade que o pontificado de são cristão e permitir sua participação mais pro- João Paulo II e, sobretudo, o “reinado” de funda na oração da Igreja” (VL 28). O núme-

Vida Pastoral 4 ro 30 dessa instrução é claríssimo ao destrin- char a competência da autoridade eclesiástica Hinário Litúrgico III local, bem como a querida participação de Domingos do Tempo Comum – estudiosos de teologia, liturgia, pastoral, e Ano B: o ano de Marcos também da antropologia e da cultura. Até CNBB mesmo sugere recorrer às pessoas “sábias” que, no país, tenham sido enriquecidas com o evangelho. Apesar de todas essas “boas in- tenções”, o texto pulula em advertências aos riscos de a inculturação contaminar a fé. Pre- para-se o caminho para a quinta instrução, Liturgiam Authenticam. Esse documento mina o caminho de reno- vação eclesial pelas vias da liturgia, uma vez 320 págs. que determina a distinção entre a língua na Este é o terceiro fascículo do Hinário qual a Igreja deveria comunicar-se pastoral- Litúrgico, edição em partituras, revisado mente e aquela reservada aos ritos litúrgicos e atualizado, com os cantos para o Ano B, ano de Marcos. O livro contém três (cf. LA 11). Tal tipo de aproximação da reali- partes: “Cantar o Ordinário da Missa”, dade linguística dos povos, embora de per si “Cantar o Próprio do Tempo Comum” e “Cantos Opcionais”. não pareça indicar uma retração no âmbito da inculturação, dá a possibilidade de se “reser- Hinário Litúrgico III var” uma língua para as celebrações litúrgicas, Domingos do Tempo Comum – o que pode favorecer a imposição legítima de Ano A: o ano de Mateus idiossincrasias estranhas às comunidades lo- CNBB cais. Chega-se ao extremo de afirmar que um dialeto, por não gozar de estabilidade (qual língua goza?), de certa razoabilidade acadêmi- ca a ele conferida, não pode ser usado plena- mente como “língua litúrgica”. Essa instrução parece querer retroceder no tempo, a ponto de instigar as Igrejas locais à prática do latim como língua pacífica, nos lugares em que abundarem dialetos ou línguas, aceitando es- 328 págs. tes apenas em alguns momentos da celebra- Apresentamos à Igreja do Brasil o terceiro ção. Isto é, situa-se a Igreja exatamente no co- fascículo do Hinário Litúrgico, edição em meço da reforma litúrgica. partituras, revisado e atualizado, com os cantos para o Ano A, ano de Mateus. Um trabalho minucioso realizado pela 2. A reforma litúrgica no pontificado Equipe de Reflexão de Música, sob a coordenação de Pe. José Carlos Sala. de Bento XVI Imagens meramente ilustrativas. O centralismo romano ganhou força com Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- a Liturgiam Authenticam, uma vez que as Con- 0800-164011 • ferências Episcopais dependem completa- SAC: (11) 5087-3625 mente da Santa Sé em quase todos os passos VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL ano 59 • de implementação de traduções litúrgicas. O paulus.com.br que se dissera anteriormente no documento

5 Vida Pastoral Comme le Prévoit, em 1969, ainda no calor do mos, em relação ao conteúdo, sem paráfrases Concílio e, portanto, muito próximo das fon- ou glosas” (LA 20). Como bem afirma o teólo- tes da renovação litúrgica, deveria ser deixado go liturgista Andrea Grillo, a plausibilidade à parte. Nessa instrução sobre a tradução de dessa regra é absurda, uma vez que a modali- textos litúrgicos, insiste-se que “pertence às dade “expressivo/experimental” de um âmbito Conferências Episcopais decidir dos textos a linguístico – por exemplo, o latino-romano – é traduzir, preparar ou rever as traduções, assumida quase como um modelo expressivo aprová-las e, depois, promulgá-las, ‘fazendo que se deveria impor às outras expressões lin- ratificar seus atos pela Sé Apos- guísticas (GRILLO, 2016). tólica’”. Já Liturgiam Authenti- “Os apoiadores Aquilo que começou com a cam determina que a simples do que se Liturgiam Authenticam ganhou eleição das línguas para as quais convencionou força gradativamente com os se pode traduzir os livros litúr- chamar de novos prefeitos: os cardeais gicos deve passar pela chancela Reforma da Arinze e Antonio Cañizares. (recognitio) da Cúria Romana, e Reforma ajudaram Este último, ainda insistindo na as conferências nacionais não a produzir linguagem dos “abusos”, como podem dar nenhum passo sem documentos muito bem o exemplifica, já no a expressa autorização curial. sobre a liturgia pontificado de Francisco, a Car- Do ponto de vista técnico, a que frearam e, ta sobre o Abraço da Paz, dirigi- fixação curial da Santa Sé se im- em alguns casos, da também às Conferências põe na escolha da maneira de estancaram o Episcopais. Esse documento, de traduzir. Desde Comme le Pré- ímpeto renovador caráter orientador, foi acolhido voit, as Conferências Episcopais da reforma por alguns setores tradicionalis- elaboram suas traduções tendo litúrgica” tas e por não poucos fiéis sem por referência o método deno- suficiente instrução a respeito minado equivalência dinâmica. Nessa maneira da questão como proibição do rito da paz de traduzir, a atenção se concentra mais no por parte do papa Francisco. Claramente, plano do significado do que dos termos, em sob a batuta de Bento XVI, os apoiadores do que se “tem como objetivo a comunicação do que se convencionou chamar de Reforma da significado exato da mensagem original, ex- Reforma ajudaram a produzir documentos pressando-o de forma natural no novo idio- sobre a liturgia que frearam e, em alguns ca- ma” (BARNWELL, 2011, p. 15). Com a Litur- sos, estancaram o ímpeto renovador da re- giam Authenticam já não se pode utilizar esse forma litúrgica. caminho, mas deve-se operacionalizar as tra- duções de acordo com a correspondência for- 3. Um exemplo: o caso do “pro multis” mal, de modo que o original latino deve ser Da época do cardeal Arinze, temos a ins- traduzido fiel e exatamente, sem que haja lu- trução Redemptionis Sacramentum como ícone. gar para a criatividade (cf. LA 20). Se, antes, a Já no título se nota a impostação adversus hae- fidelidade ao texto original não estava ligada resis do texto: “Sobre algumas coisas que se simplesmente à literalidade de cada palavra ou deve observar e evitar acerca da Santíssima nº- 324 nº- • frase, devendo levar em conta a língua falada e Eucaristia”. O que se deseja é coibir abusos o contexto no qual o processo comunicativo que se instauraram com o passar do tempo. se dá, com a quinta instrução define-se que Dos números introdutórios em que se apon- ano 59 • “seja traduzido com total integridade e com a tam as motivações para a instrução, apenas maior exatidão, sem omissões nem acrésci- um cita positivamente, mas de forma genéri-

Vida Pastoral 6 ca, a reforma litúrgica. Ademais, insiste-se nas nhecer em seu conteúdo e significado, mas o “sombras” da reforma, nos “abusos” que “obs- completo desaparecimento do original latino curecem a fé”. É ainda com o cardeal Arinze à por trás da tradução. frente da Congregação para o Culto Divino que se implementa a discussão sobre o retor- 4. O passo seguinte: o no ao pro multis na narrativa da instituição. Já “” (SP) em 2006, no ano seguinte à eleição de Bento No terceiro ano de seu pontificado, Bento XVI e a seu pedido, a Congregação para o Cul- XVI, de livre iniciativa, tornou legítimo o uso to Divino despachou às Conferências Episco- do rito preconciliar. O pretexto era a aproxi- pais nacionais a solicitação para que – obe- mação com os dissidentes lefebvrianos e a dientemente – as traduções em andamento caridade pastoral com os fiéis saudosos da abandonassem o “por todos” da narrativa da liturgia tridentina. Entretanto, esse foi apenas instituição eucarística e utilizassem o “por um passo para que a teologia litúrgica do muitos” (CONGREGAÇÃO PARA O CULTO pontífice se impusesse com toda evidência DIVINO, 2006, v. 43, p. 451). Um ano antes sobre a reforma litúrgica sob o impulso do (julho de 2005), as mesmas conferências fo- Concílio Vaticano II. O próprio cardeal Arin- ram consultadas sobre o uso do “por todos” e ze, no final de 2008, ainda prefeito da Con- do “por muitos”. Em resposta às mesmas gregação para o Culto Divino, escreveu um conferências, a Congregação insistiu sobre a artigo sobre os insights litúrgicos do pontífice, fidelidade das traduções “na linha da instru- entre os quais a discussão sobre o possível ção Liturgiam Authenticam” e determinou que retorno à orientação litúrgica versus orientem “todas” as conferências adotassem para a tra- ou versus Dei (CONGREGAÇÃO PARA DOU- dução seguinte do Missal Romano a expres- TRINA DA FÉ, 2007, v. 43, p. 550-551), o são “por muitos” e não “por todos”. É interes- que foi proposto explicitamente mais tarde sante que, em 2008, ao oferecer elementos pelo cardeal Sarah. Isto é, a lógica da Summo- catequéticos sobre o “por muitos”, o Dicasté- rum Pontificum já não estaria restrita ao que rio reconheça que o “sentido” equivale ao se denominou “forma extraordinária”, mas “por todos” e que esta era a intenção do Se- também se aplicaria à “forma ordinária”, o nhor (CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DI- que posteriormente foi denominado pelo VINO, 2008, v. 45, p. 132). mesmo cardeal Sarah de reconciliação litúrgi- Na época do cardeal Antonio Cañizares, ca e mútuo enriquecimento entre os Missais Bento XVI, escrevendo ao episcopado ale- Romanos (o de Pio V e o de Paulo VI). mão, fez distinção entre tradução e interpre- Quando surgiu a instrução Universae Ec- tação, processos que se haviam fundido na clesiae e se efetivou o fortalecimento da Co- época posterior ao Concílio (BENTO XVI, missão “”, os bispos locais foram 2014, p. 98). A argumentação do pontífice obrigados a acolher os pedidos advindos dos parte da constatação de que a diversidade de fiéis que se sentiam mais à vontade com o traduções com as quais tinha contato em seu rito de Trento. Já não importava se foram pontificado não lhe permitia perceber o subs- contemporâneos desse rito e tinham dificul- trato latino de onde partiram, embora ele dades com o novo ordo. Bastava o interesse nº- 324 nº- também reconheça que o pro multis tenha sig- excêntrico e a formação de um grupo estável, • nificado universalista na mente de Jesus (ou para que os ordinários locais fossem obriga- seja, “por todos”). Note-se que a preocupa- dos a atender às suas exigências. ano 59 ção não parece ser a compreensibilidade, por Podemos reconhecer com Massimo Fag- • parte dos fiéis, daquilo que o texto dá a co- gioli, historiador italiano, que a decisão do

7 Vida Pastoral papa Bento de reabilitar o Missal terá impac- pela espiritualidade, até alcançar o nível ecle- tos duradouros na Igreja (FAGGIOLI, 2017). siológico. Sobre este último aspecto, Alexan- Na verdade, a autorização para o uso do Mis- der Saberschinsky é da opinião que a compre- sal piano (de Pio V) na edição típica de 1962 ensão eclesiológica do Missal de 1962 é diversa já era praxe no governo de João Paulo II para do Missal de 1970, já que no primeiro a assem- casos bem determinados. Conforme Faggioli, bleia não possui nenhum papel designado e, João Paulo II já havia no segundo, é considerada como celebrante (SABERSCHINSKY, 2008, p. 180). De fato, procurado acomodar os tra- uma das guinadas do Concílio Va- dicionalistas litúrgicos emi- “Para fomentar a ticano II em matéria litúrgica diz tindo indultos especiais participação ativa, respeito ao lugar de destaque que para celebrarem a litur- promovam-se as a assembleia alcança. A reforma gia pré-Vaticano II, particu- aclamações dos repensou os ritos e os reordenou larmente em 1984 e 1988. fiéis, as respostas, no intuito de oferecer aos fiéis a Mas jamais lançaram dúvida a salmodia, as possibilidade de “haurir” do ver- sobre a legitimidade e os antífonas, os dadeiro espírito cristão (cf. SC bons frutos da reforma litúr- cânticos, bem 14), pela via da participação ritu- gica conciliar, cuja estrutura como as ações, al. Já não se trata da participação teológica e eclesiológica se gestos e atitudes apenas “interior”, como aparece encontra na constituição Sa- corporais” (SC 30) na Carta Encíclica Mediator Dei de crosanctum Concilium (FAG- Pio XII. Agora, os membros da GIOLI, 2017). Igreja deverão tomar parte na obra salvadora de Cristo mediante os ritos e preces (cf. SC Do ponto de vista teológico, a Summorum 48). As recomendações presentes na Sacrosanc- Pontificum não admite a noção de ruptura entre tum Concilium são muito claras a esse respeito: os dois Missais – de Pio V e de Paulo VI –, insis- “Para fomentar a participação ativa, promo- tindo que se trata de um mesmo rito com for- vam-se as aclamações dos fiéis, as respostas, a mas distintas, um ordinário e outro extraordi- salmodia, as antífonas, os cânticos, bem como nário. Isso é dito claramente na Carta aos Bispos as ações, gestos e atitudes corporais. Não deve que acompanha o motu proprio: “Não há nenhu- deixar de observar-se, a seu tempo, um silên- ma contradição entre uma e a outra edição do cio sagrado” (SC 30). Indubitavelmente, com Missale Romanum. Na história da liturgia, há essas orientações, deseja-se que a comunidade crescimento e progresso, mas nenhuma ruptu- de fé não se comporte como espectadora ra” (BENTO XVI, 2007). Trata-se de um “teore- muda. Pio X, subliminarmente, já recomenda- ma”, na opinião de Andrea Grillo, que dá a jus- va isso no início do século XX, em seu motu tificativa necessária para que se estabeleçam proprio , quando afirmava a dois usos diferentes de uma mesma lex orandi importância da participação ativa do povo. Pio (GRILLO, 2011, p. 6). É bom que se recorde XI retomou esse princípio de maneira explícita que a liberação não se restringe apenas ao Mis- na bula Divini Cultus (n. IX). Pio XII, na Media- sal, mas inclui outros rituais não reformados a tor Dei, desenvolveu as ideias dos seus prede- nº- 324 nº-

• mando do Concílio Vaticano II, incluindo, por- cessores de maneira sistemática. tanto, lecionários e calendários já superados. No entanto, será a Uma vez que a liturgia dá concretude à que providenciará os meios para que a partici- ano 59 • Igreja, sabe-se que as consequências vão desde pação nos mistérios de Cristo se faça oportuna o aspecto celebrativo, passando pela pastoral e e possível, ao recomendar vivamente a reforma

Vida Pastoral 8 completa da liturgia. Conforme dito acima, a clarar que, juridicamente, o Missal piano, obje- própria noção de participação será ampliada, e to de reforma que culminou em um Missal dife- será prevista uma diversidade de modalidades rente (de Paulo VI), pode ser utilizado com am- para o envolvimento na ação litúrgica. Essa par- pla liberdade. A reforma litúrgica, portanto, ticipação não será tratada como concessão da perde – do ponto de vista prático – sua razão de hierarquia, mas como a afirmação da mais ínti- ser, e os rituais e lecionários dela oriundos já ma natureza da liturgia, entendida como ação não são indispensáveis para formar a fé e dar- de Cristo e da Igreja, do Corpo-Total, cabeça e -lhe concretude, uma vez que, mesmo aos do- membros (cf. SC 26). Desse modo, a reforma mingos e dias santos, se pode celebrar segundo deverá prever a compreensão e participação dos os cânones do Missal piano. A única exceção é ritos, de modo que o povo celebrante tenha para a missa “sem povo” no Tríduo Pascal. En- acesso à obra de Cristo (cf. SC 21). O povo de- tenda-se o “estado de exceção” na perspectiva verá aprender não apenas a sentir-se representa- de que, com as prescrições da Summorum Ponti- do por aquele que preside, mas, sobretudo, de- ficum, a Sacrosanctum Concilium – norma pri- verá reconhecer-se como sujeito – no Espírito – meira para a pastoral litúrgica católica – é prati- da oferta sacrifical de Cristo (cf. SC 48). camente destituída de sentido e autoridade. Compreende-se, portanto, o dano causa- Talvez para evitar esse tipo de situação, do à pastoral litúrgica estabelecida com base Paulo VI apressou-se em afirmar não ver ne- na Sacrosanctum Concilium. Como tratar e pro- nhum sentido em celebrar segundo o Missal videnciar a participação ativa dos fiéis, de ma- não reformado, pois se trataria do neira que se percebam celebrantes, unidos àquele que preside e aos demais ministros e “[...] símbolo da condenação do Concí- ministras, num rito que – constitutivamente lio. Eu não vou aceitar, em hipótese algu- – não foi pensado para a participação do povo? ma, a condenação do Concílio através de Não se deve esquecer que o Missal plenário um símbolo. Se essa exceção para a litur- piano tem como elemento estruturante o Mis- gia do Vaticano II fosse concedida, todo o sal da Cúria Romana, isto é, previsto para a Concílio ficaria abalado. E, como conse- celebração privada. Um rito centrado na figura quência, a autoridade apostólica do Con- do “sacerdote”, sem preocupação alguma com cílio ficaria abalada” (SCHMIT, 2012). o povo. Basta averiguar o Ritus Servandus que precede o Missal para verificar o fato. E veja-se que até com esse detalhe a Constituição sobre Conclusão: nos passos de Francisco a Sagrada Liturgia do Concílio Vaticano II se Não são poucos os fiéis, clérigos e leigos, que preocupou: “Na revisão dos livros litúrgicos, têm saído em defesa do ministério petrino do procure-se que as rubricas tenham em conta a papa Francisco. Desde que pediu aos membros parte que compete aos fiéis” (SC 31). da Igreja em todo o mundo que orassem por ele Desse modo, mesmo que o pontífice seja e baixou a cabeça para que o povo o abençoasse, claro ao afirmar que o “Missal Romano promul- Francisco é continuamente apontado como des- gado por Paulo VI é a expressão ordinária da truidor da fé católica. É evidente que seus críticos ‘lex orandi’ (‘norma de oração’) da Igreja Católi- mais audazes e ferrenhos são adeptos da menta- nº- 324 nº- ca de rito latino” (SP 1), vê-se estabelecida uma lidade e da prática litúrgica promovidas pela • espécie de “estado de exceção” eclesial, na qual, Summorum Pontificum. Não se sentem à vontade com certa normalidade, se faculta aos presbíte- na Igreja pós-conciliar e estavam certos de que as ano 59 ros, segundo seu desejo, variar os usos do que últimas quase cinco décadas seriam apagadas da • se considera um mesmo rito. Isso significa de- memória eclesial, o que seria garantido simboli-

9 Vida Pastoral camente pelo que convencionaram chamar de Como opina Massimo Faggioli, com usus antiquior da liturgia romana, compreenden- Francisco a liturgia encontrou seu lugar no do a reforma de Trento como a recondução mais horizonte querido e descrito pela Sacrosanc- pura aos costumes mais antigos – o que carece, tum Concilium e corroborado pela reforma evidentemente, de base documental teológica e litúrgica, haja vista as reiteradas reações de histórica. Do ponto de vista das fontes, sabe-se Francisco às declarações nada convenientes que o Missal de Paulo VI seria bem mais “antigo” do atual prefeito da Congregação para o do que o Missal tridentino, o qual coincide com Culto Divino (cf. FAGGIOLI, 2016), na ten- o Missal para a missa privada da tativa de operar a famosa “refor- Cúria Romana. “Na revisão dos ma da reforma”. Quando da eleição de Fran- livros litúrgicos, O ponto alto da perspectiva cisco, muito se perguntou sobre procure-se que as de Francisco sobre a liturgia pode o futuro da Summorum Pontifi- rubricas tenham ser colhido em sua mensagem aos cum. Relata-se que, enquanto em conta a parte participantes da 68ª Semana Na- cardeal em Buenos Aires, em- que compete cional de Liturgia na Itália. Na bora tenha acolhido o motu pro- aos fiéis” (SC 31) ocasião, o papa advertiu sobre a prio de Bento XVI, disponibili- irrenunciabilidade da reforma li- zando uma capela para a celebração da missa túrgica, classificada por ele como um aconte- piana, a real recepção do documento papal cimento irreversível. Em sua fala, destacou a não se fez notar (cf. FELIPINI, 2017, p. 14). importância da liturgia como encontro com Mesmo que Francisco tenha sido rápido em Jesus Cristo vivo, sempre presente na sua Igre- aplicar as diretivas do motu proprio, são pa- ja. Sobretudo, resgatou a compreensão conci- tentes suas opções em matéria litúrgica, com liar de que o sujeito eclesial das celebrações seu estilo despojado quando se trata de pre- não é o clero, mas o povo: “por sua natureza, a sidir a eucaristia, preferindo a estética pós- liturgia é popular” (FRANCISCO, 2017). Tam- -conciliar àquela de seu predecessor (cf. bém, retomou a perspectiva de Paulo VI ao re- CRAUGHWELL, 2013). Sobretudo, se pode lacionar organicamente a reforma ao Concílio, ler, nas entrelinhas de seus discursos sobre o de modo que o trabalho urgente se situa na “saudosismo” de alguns e o apego ao passa- redescoberta das motivações conciliares: “Não do, que Francisco não tolera a rigidez, pois se trata de reconsiderar a reforma revendo as esta nada tem que ver com a novidade e a suas escolhas, mas de conhecer melhor as ra- alegria do evangelho. Sobre a missa tridenti- zões subjacentes, inclusive através da docu- na, especificamente, são suas as palavras: mentação histórica, assim como de interiorizar os seus princípios inspiradores e de observar a “Eu sempre tento entender o que está por disciplina que a regula” (FRANCISCO, 2017). trás das pessoas que são jovens demais Por fim, o último passo ofertado pelo papa, para ter vivido a liturgia pré-conciliar, na esteira da reforma conciliar, deu-se com o mas que a desejam. Às vezes eu me vejo motu proprio Magnum Principium, com o qual é em frente de pessoas que são rigorosas de- devolvida às Conferências Episcopais a autori- mais, que têm uma atitude rígida. E eu dade sobre as traduções litúrgicas, que, desde nº- 324 nº- • me pergunto: Como pode uma tal rigi- Liturgiam Authenticam, estavam sob quase total dez? [...] Essa rigidez sempre esconde al- controle da Sé Apostólica. Ainda que o cardeal guma coisa: insegurança, às vezes até mais Sarah tentasse amenizar o impacto dessa deci- ano 59 • […]. A rigidez é defensiva. O verdadeiro são de Francisco, o pontífice foi rápido em cor- amor não é rígido” (KIRCHOFF, 2017). rigir o prefeito. Enquanto Sarah afirmava reati-

Vida Pastoral 10 vamente que “não há, portanto, mudança no- de novo [...]. Portanto, fica claro que al- tável alguma concernente aos padrões impos- guns números da Liturgiam Authenticam tos, e o resultado que deve se seguir deles para foram revogados ou decaíram [...]” (CAR- cada livro litúrgico” (COLLINS, 2013), o pon- TA..., 2017). tífice lhe respondeu e corrigiu publicamente, deixando claro não apenas que existem equí- Os especialistas em teologia litúrgica aguar- vocos em seu commentaire na interpretação do dam um novo documento sobre as traduções li- motu proprio, mas sobretudo que a práxis da túrgicas que substitua definitivamente a Litur- Congregação para o Culto Divino, no que diz giam Authenticam. Certamente, seguindo as intui- respeito à tradução, deverá ser alterada: ções do pontífice, deverá ser algo na direção da primeira orientação da Santa Sé sobre as tradu- O Magnum Principium não sustenta mais ções, o documento Comme le Prévoit (cf. FERRO- que as traduções devem ser conformes NE, 2017), que respeita o lugar e o papel primaz em todos os pontos às normas da Litur- das Conferências Episcopais nacionais quanto ao giam Authenticam [...]. Por isso, os núme- conhecimento das línguas locais com as quais o ros individuais da Liturgiam Authenticam culto divino se exprime e por meio das quais se devem ser atentamente compreendidos experimenta o encontro com o Senhor.

Bibliografia

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11 Vida Pastoral CRAUGHWELL, Thomas J. Francis: the pope from the end of the Earth. Charlotte (USA): TAN Books, 2013. FAGGIOLI, Massimo. Dez anos de “Summorum Pontificum”: tradição x tradicionalismo. IHU, São Leopoldo, 28 jun. 2017. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2018. ______. Um enorme fosso separa o papa Francisco e os tradicionalistas litúrgicos. IHU, São Leopoldo, 19 jul. 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2018. FELIPINI, Dailton. Papa Francisco: biografia, mensagens e frases de paz. São Paulo: LeBooks, 2017. FERRONE, Rita. Tradução fiel: “Magnum Principium” esclarecido. IHU, São Leopoldo, 17 out. 2017. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2018. FRANCISCO. Carta do papa Francisco ao prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos sobre o rito do lava-pés na liturgia da Missa in Coena Domini. 20 dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2018. ______. Discurso do papa Francisco aos participantes na 68ª Semana Litúrgica Nacional. 24 ago. 2017. Disponível em: . Acesso em: 15 mar. 2018. GRILLO, Andrea. Traduzir a tradição: a “virada pastoral” do Concílio Vaticano II e o problema da Liturgiam Authenticam. IHU, São Leopoldo, 18 fev. 2016. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2018. ______. Igreja introvertida: dossiê sobre o Motu Proprio “Summorum Pontificum”. Cadernos Teologia Pública, São Leopoldo, ano VIII, n. 56, p. 6s, 2011. KIRCHOFF, Timothy. O papa Francisco está certo sobre os tradicionalistas que amam a missa em latim? IHU, São Leopoldo, 14 set. 2017. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2018. PAPA fez gesto sem precedentes ao lavar os pés de dois muçulmanos. G1, Rio de Janeiro, 29 mar. 2013. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2018. SABERSCHINSKY, Alexander. La liturgia, fede celebrata: introduzione allo studio della liturgia. Brescia: Queriniana, 2008. SCHMIT, Ron. “Ressuscitar a missa pré-Vaticano II deixa a Igreja em uma encruzilhada”. IHU, São Leopoldo, 14 dez. 2012. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2018.

Os elementos fundamentais do espaço litúrgico para a celebração da missa Sentido teológico |Orientações pastorais Fr. José Ariovaldo da Silva nº- 324 nº- • A Constituição Sacrosanctum Concilium nos levou a repensar e redefinir o espaço litúrgico para a celebração da Eucaristia, resgatando o sentido teológico e o valor pedagógico dos elementos fundamentais de um espaço litúrgico para a celebração da missa: o , a mesa da Palavra, o espaço da assembleia e a cadeira da presidência. É desses quatro elementos que nos ocupamos neste livro. ano 59 •

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Vida Pastoral 12 A homilia e sua preparação segundo o papa Francisco

Jacques Trudel*

Na , A Alegria Introdução do Evangelho, o papa Francisco m novembro de 2013, o papa Francisco, Erecém-eleito em março, publicava a reserva 25 números para falar Exortação Apostólica Evangelii Gaudium sobre a homilia e sua preparação. (EG), A Alegria do Evangelho, sobre o anún- cio do evangelho no mundo atual. O capítulo As reflexões podem ajudar todos os terceiro, “O anúncio do evangelho”, aborda a que assumem a pregação na homilia e a preparação da pregação nos nú- meros 135 a 159. liturgia, também os leigos e leigas, Quero retomar a leitura desses pontos so- quando compete ao pregador fazer bre o anúncio do evangelho por meio da ho- sentir o gosto que Jesus tinha de milia, pensando na formação dos ministros da Palavra, incluindo leigos e leigas chama- dialogar com seu povo. dos a assumir a pregação nas celebrações da Palavra de muitas comunidades. Sem esque-

*Pe. Jacques Trudel, sj, doutor em Teologia Litúrgica (Santo 324 nº- cer os seus ouvintes! • Anselmo/Roma, 1973). Professor de Teologia na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Publicou Homilia: formação e arte de comunicar (São Paulo: Paulus, 1. A homilia (EG 135-144) ano 59

2015). Em fevereiro de 2017, Creômenes, sj, defendeu no • Institut Catholique de Paris a dissertação de mestrado: Uma Com este título, Francisco, conhecido leitura da obra de inculturação litúrgica de Jacques Trudel. pelas homilias simples que falam ao cora-

13 Vida Pastoral ção, aborda a questão da homilia. Por que e to exige que a pregação oriente assembleia e o que nos ensina? pregador para uma comunhão com Cristo na O ponto de partida é VER a situação. Há eucaristia que transforme a vida. Requer que “muitas reclamações, e não podemos fechar os a palavra do pregador não ocupe um lugar ouvidos”; “Fiéis e ministros ordenados sofrem: excessivo, para que o Senhor brilhe mais que uns a ouvir e os outros a pregar”. Ao contrário, o ministro” (EG 138). a pregação poderia ser “uma experiência in- O segundo texto-fonte da Sacrosanctum tensa e feliz do Espírito, um consolador en- Concilium, de n. 33, afirma: “Na liturgia, Deus contro com a Palavra, uma fonte fala ao seu povo, e Cristo continua constante de renovação e cresci- “Não nos a anunciar o evangelho. Por seu mento”. A homilia permite “ava- pregamos a nós lado, o povo responde a Deus” (SC liar a proximidade e a capacida- mesmos, mas a 33; destaques nossos). A liturgia é de de encontro de um pastor Cristo Jesus, o diálogo entre Deus e o seu povo, e, com o seu povo” (EG 135). Senhor, e nos para Francisco, aqui está o sentido consideramos fundamental da homilia ou prega- 1.1. O que é a homilia? vossos servos, por ção na liturgia. Diálogo/dialogar é Francisco faz duas afirma- amor de Jesus” mencionado por dez vezes nos n. ções importantes que iluminam (2Cor 4,5) 137-143: “A proclamação litúrgica a natureza da homilia. É “uma da Palavra de Deus, principalmen- pregação no quadro duma celebração litúrgi- te no contexto da assembleia eucarística, é [...], ca” (EG 138) e “o momento mais alto do diá- sobretudo o diálogo de Deus com o seu povo logo entre Deus e o seu povo” (EG 137). Afir- [...] e a homilia, [...] o momento mais alto do mações fundamentais cuja fonte se encontra diálogo entre Deus e o seu povo, antes da co- no Concílio Vaticano II, na constituição Sacro- munhão sacramental” (EG 137). sanctum Concilium sobre a liturgia (SC 52 e Na vida do dia a dia, esse diálogo de amor 33). Diz SC 52: “Recomenda-se vivamente a entre Deus e o povo existe, mas: “A homilia é homilia, como parte (destaque nosso) da pró- um retomar esse diálogo que já está estabele- pria liturgia; nela, no decurso do ano litúrgico, cido entre o Senhor e o seu povo” (EG 137). são apresentados, do texto sagrado, os misté- Por isso: “Aquele que prega deve conhecer o rios da fé e as normas da vida cristã”. Francis- coração da sua comunidade para identificar co diz “pregação dentro da liturgia” (EG 135) onde está vivo e ardente o desejo de Deus, e e, sob o título “contexto litúrgico” (EG 137- também onde é que esse diálogo de amor foi 138), escreve: “É um gênero peculiar, já que se sufocado ou não pôde dar fruto” (EG 137). trata de uma pregação no quadro duma cele- O parágrafo seguinte aprofunda a dimen- bração litúrgica” (EG 138). são cordial do que significa a homilia para Por isso, uma homilia ou pregação, sen- Francisco: do parte da liturgia, não pode se “parecer” com “conferência ou lição”, aula (EG 138), O pregador tem a belíssima e difícil mis- por mais “capaz que seja o pregador”. “Deve são de unir os corações que se amam: o dar fervor e significado à celebração” e “ser do Senhor e os do seu povo. [...] nº- 324 nº- • breve”. Se se prolongar demais, a palavra do Durante o tempo da homilia, os corações pregador “torna-se mais importante que a ce- dos crentes fazem silêncio e deixam que lebração da fé”, lesando “duas características fale Ele. O Senhor e o seu povo falam-se ano 59 • da celebração litúrgica: a harmonia entre as de mil e uma maneiras diretamente, sem suas partes e o seu ritmo”. “O mesmo contex- intermediários, mas, na homilia, querem

Vida Pastoral 14 que alguém sirva de instrumento e expri- ma os sentimentos, de modo que, depois, A Missa cada um possa escolher como continuar Subsídio para coroinhas, acólitos, a sua conversa. cerimoniários e demais fiéis celebrantes A palavra é, essencialmente, mediadora e Edson Adolfo Deretti necessita não só dos dois dialogantes, mas também de um pregador que a re- presente como tal, convencido de que “não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nos considera- mos vossos servos, por amor de Jesus” (2Cor 4,5) (EG 143).

Aqui se sublinha a importância da pala- 96 págs. vra humana na evangelização: a pregação “se funda na convicção de que é Deus que deseja O livro traz orientações sobre quatro aspectos de cada parte da missa: aspectos históricos, alcançar os outros através do pregador e de aspectos litúrgico-teológicos, posição corporal que Ele mostra o seu poder através da pala- da ação ritual e aspectos práticos para vra humana” (EG 136). coroinhas, acólitos e cerimoniários.

Com a palavra, Nosso Senhor conquis- As celebrações explicadas tou o coração da gente. De todas as aos coroinhas e acólitos partes, vinham para o ouvir (Mc 1,45). Pequeno manual de liturgia prática

Ficavam maravilhados, bebendo os Edson Adolfo Deretti seus ensinamentos (Mc 6,2). Sentiam que lhes falava como quem tem autori- dade (Mc 1,27). E os apóstolos, que Jesus estabelecera para estarem com Ele e para os enviar a pregar (Mc 3,14), atraíram para o seio da Igreja todos os povos com a palavra (Mc 16,15.20) (EG 136). 120 págs.

Sendo a pregação/homilia uma palavra que Este subsídio, além de rico em indicações faz a mediação entre dois dialogantes, Francis- práticas para coroinhas e acólitos co aponta consequências para a pregação. exercerem bem seus respectivos ministérios nas diversas celebrações de nossas – Imitar o jeito de Jesus dialogar: fazer comunidades, também oferece uma sentir este gosto que Jesus tinha de dialogar fundamentação litúrgico-teológica dos sacramentos e de outras celebrações. com seu povo. Ele dialogava com o seu povo, Imagens meramente ilustrativas. cativando-o com seus ensinamentos, mesmo Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- quando “elevados e exigentes”. “Creio que o 0800-164011 • segredo de Jesus esteja escondido naquele SAC: (11) 5087-3625 seu olhar o povo mais além das suas fraque- VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL ano 59 • zas e quedas [...]. Jesus prega com este espí- paulus.com.br rito” [...]; “O Senhor compraz-se verdadeira-

15 Vida Pastoral mente em dialogar com o seu povo”; “com- homilia e que deve ter um caráter quase pete ao pregador fazer sentir este gosto do sacramental: “A fé surge da pregação, e a Senhor ao seu povo” (EG 141). pregação surge pela palavra de – A conversa da mãe (n. “A homilia, Cristo” (Rm 10,17) (EG 142). 139-141): “A Igreja é mãe e pre- na celebração ga ao povo como uma mãe fala litúrgica, faz parte Numa entrevista, Pe. Spadaro, ao seu filho” (EG 139). Aplican- do diálogo de sj, pergunta ao papa: qual a dife- do para a homilia: amor contínuo rença entre uma homilia e uma entre Deus e o conferência? Responde Francisco: O espírito de amor que reina seu povo como “A homilia é o anúncio, é se fazer o numa família guia tanto a mãe momento mais anjo. A conferência é se fazer o como o filho nos seus diálo- alto desse diálogo. doutor” (SPADARO, 2016, p. VIII). gos, nos quais se ensina e O pregador, como O que esperar, então, de uma aprende, se corrige e valoriza mediador, tem a homilia em que o pregador se faz o que é bom; assim deve missão de fazer “anjo”, anunciando o evangelho? acontecer também na homilia. sentir o gosto de O Espírito que inspirou os Jesus em dialogar” A memória do povo fiel, como a evangelhos e atua no povo de de Maria, deve ficar transbordan- Deus inspira também como se deve escutar a te das maravilhas de Deus. O seu coração, fé do povo e como se deve pregar em cada esperançado na prática alegre e possível eucaristia [...], tanto para saber o que se deve do amor que lhe foi anunciado, sente que dizer como para encontrar o modo mais toda a palavra na Escritura, antes de ser apropriado (EG 139). exigência, é dom (EG 142).

Na homilia, “este âmbito materno-ecle- Em suma: a homilia, na celebração litúrgi- sial” irá se manifestar “através da proximidade ca, faz parte do diálogo de amor contínuo en- cordial do pregador, do tom caloroso da sua tre Deus e o seu povo, como o momento mais voz, da mansidão do estilo das suas frases, da alto desse diálogo. O pregador, como media- alegria dos seus gestos” (EG 140). Todos ter- dor, tem a missão de fazer sentir o gosto de mos afetivos característicos de uma homilia, Jesus em dialogar com seu povo, e de unir os que é o diálogo de coração a coração! corações que se amam. Um diálogo afetivo “Palavras que abrasam os corações” é o como conversa de mãe! Por isso, não é da na- título afetivo que precede os n. 142-144, tureza da homilia se parecer com pregação para caracterizar a tonalidade desejável da doutrinadora ou moralista, discurso ou mes- homilia em vez de apelar para a razão. mo aula de interpretação da Bíblia (exegese). Perguntas para refletir: Depois destas Um diálogo é muito mais do que a comu- linhas, fica mais claro para você o que é uma nicação duma verdade. Realiza-se pelo homilia na liturgia? São assim as homilias prazer de falar e pelo bem concreto que que escuta/prega? se comunica através das palavras entre nº- 324 nº- • aqueles que se amam. [...] 2. A preparação da homilia A pregação puramente moralista ou doutri- (EG 145-159) nadora e também a que se transforma Tendo refletido sobre a homilia e como ano 59 • numa lição de exegese reduzem esta comu- deve ser, Francisco passa agora para a prepa- nicação entre os corações que se verifica na ração da homilia.

Vida Pastoral 16 A preparação da pregação é uma tarefa tão importante que convém dedicar-lhe Homilia um tempo longo de estudo, oração, refle- Formação e arte de comunicar xão e criatividade pastoral. [...] Um pre- gador que não se prepara não é espiritu- Pe. Jacques Trudel, sj al: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu (EG 145).

A preparação há que considerar dois as- pectos: “o que dizer” (EG 145-155) e “como dizer”, ou seja, a forma de desenvolver uma pregação (EG 156-159). Para saber “o que dizer”, Francisco pro- põe um “itinerário” de preparação (EG 145). Corresponde aos dois primeiros passos da lectio divina, isto é, da “leitura da Palavra de Deus num tempo de oração, para permitir que nos ilumine e renove” (EG 152).

1º passo – leitura: o que diz o texto do dia?

“O primeiro passo, depois de invocar o 152 págs. Espírito Santo, é prestar toda a atenção ao texto bíblico, que deve ser o fundamento da Este livro é fruto da experiência pregação” (EG 146). acadêmica e pastoral do autor Este momento parece fácil, mas é exi- como professor de Teologia gente para descobrir o que de fato o texto e administrador paroquial em diz. A leitura profunda se faz como “culto bairro popular. Tem como meta da verdade”, em que se procura “amar a ajudar na formação dos que Deus que quis falar”. Deve-se fazer “com o se preparam para o exercício da homilia. Primeiramente, máximo cuidado e com um santo temor de os ministros ordenados, mas manipular (o texto)”. Fidelidade à Palavra, também tem como foco leigos e pois ela “sempre nos transcende”; “não so- leigas que assumem um ministério mos donos, mas servidores da Palavra” (EG de “pregação” nas Celebrações 146). Neste passo, “o mais importante é da Palavra das comunidades. descobrir qual é a mensagem principal” (EG 147). “A mensagem central é aquela que o autor quis primariamente transmitir, o que

implica identificar não só uma ideia, mas Imagens meramente ilustrativas. também o efeito que esse autor quis produ- Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- zir” (EG 147). 0800-164011 • Neste passo, é importante verificar se SAC: (11) 5087-3625 compreendemos bem o significado das pa- VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL ano 59 • lavras. Trata-se de algo importante, pois os paulus.com.br textos da Bíblia foram escritos há 2 ou 3 mil

17 Vida Pastoral anos e a sua linguagem é bem diferente da to que age em nós: “O Espírito Santo, que ins- de hoje (EG 147). Ajuda “prestar atenção às pirou a Palavra, é quem hoje ainda, como nos palavras que se repetem”; considerar os per- inícios da Igreja, age em cada um dos evangeli- sonagens: quem são, o que fazem, como zadores que se deixam possuir e conduzir por agem (cf. EG 147). Ele, e põe na sua boca as palavras que ele sozi- nho não poderia encontrar” (EG 151). 2º passo – perguntar-se: “Senhor, a mim, o que me diz este texto?” 3º passo – pôr-se à escuta do povo (EG 153) Se a homilia se insere no diá- Agora, num segundo mo- “A mensagem logo de Deus com o seu povo, mento, queremos ouvir o que do Senhor deve um terceiro passo se torna neces- a Palavra de Deus quer dizer a passar através do sário: “Um pregador é um con- nós pessoalmente. De fato, “a pregador não só templativo da Palavra e também pregação consistirá na ativida- pela sua razão, um contemplativo do povo”; de [...] que é comunicar aos mas tomar posse “pôr-se à escuta do povo, para outros o que foi contemplado” de todo o seu ser, descobrir aquilo que os fiéis pre- (EG 150). pois é o mesmo cisam ouvir” (EG 154); “para Francisco acrescenta outras Espírito que age identificar onde está vivo e ar- perguntas muito úteis: “Com esta em nós” dente o desejo de Deus e tam- mensagem, que quereis mudar bém onde é que este diálogo de na minha vida? Que é que me dá fastio neste amor foi sufocado ou não pôde dar fruto” texto? Por que é que isto não me interessa?; ou (EG 137); descobrir “as aspirações, as rique- então: De que gosto? Em que me estimula esta zas e as limitações, as maneiras de orar, de Palavra? O que me atrai? E por que me atrai?” amar, de encarar a vida e o mundo” da comu- (EG 153). nidade concreta (EG 154). Francisco insiste sobre o fato de que Francisco deseja uma pregação que fale à quem prega há que ser uma testemunha da vida concreta das pessoas. Por isso, sugere Palavra que primeiro ouviu: diversas maneiras de fazer para procurar uma relação entre o texto bíblico e a realidade hu- O pregador deve ser o primeiro a desen- mana. No Brasil, fazemos essa relação nos volver uma grande familiaridade pessoal círculos bíblicos, nos encontros de Natal e da com a Palavra de Deus [...]. Se está vivo Quaresma. Cabe-nos “saber ler nos aconteci- este desejo de, primeiro, ouvirmos nós mentos a mensagem de Deus [...], descobrir a Palavra que temos de pregar, esta o que o Senhor tem a dizer nessas circunstân- transmitir-se-á duma maneira ou dou- cias” (EG 154). Outra maneira seria “recorrer tra ao povo fiel de Deus: “A boca fala da a alguma experiência humana frequente, abundância do coração” (Mt 12,34). como a alegria dum reencontro”, “o medo da As leituras do domingo ressoarão com solidão, a compaixão pela dor alheia”, ou en- todo o seu esplendor no coração do povo, tão “partir de algum fato”. Tudo isso na inten- se primeiro ressoarem assim no coração ção de que “a Palavra possa repercutir forte- nº- 324 nº- • do Pastor (EG 149). mente no seu apelo à conversão, à adoração, a atitudes concretas de fraternidade e servi- A mensagem do Senhor deve passar através ço” (EG 155). ano 59 • do pregador não só pela sua razão, mas tomar Perguntas para refletir: De que mais posse de todo o seu ser, pois é o mesmo Espíri- gostou nas sugestões de Francisco para pre-

Vida Pastoral 18 parar o conteúdo da pregação? Seria possível usar palavras que as pessoas entendam, e aplicar algo disso? não falar “teologuês”! Certa vez fiz notar a um estudante que ele usava palavras difí- 4º passo – saber como pregar ceis. Respondeu: “Quero que as pessoas Um fato: “Alguns pregadores sabem o saibam que estudei!” Prefiro a anedota ver- que dizer, mas descuidam do como, da for- dadeira de um padre amigo sobre uma reli- ma concreta de desenvolver uma prega- giosa simples, com poucos estudos, que ção” (EG 156). E um princípio: o “conteú- disse: “Vê-se que o papa não estudou mui- do da evangelização não deve esconder a to. Entendo tudo o que ele fala!”: Graças a importância dos métodos e dos meios da Deus, irmã! No livro com homilias do papa evangelização”. Preocupar-se com a forma organizado pelo Pe. , de pregar é “responder ao amor de Deus, consta a informação de que Francisco ensi- entregando-nos com todas as nossas capa- nou Literatura; e não só História da Litera- cidades e criatividade à missão que ele nos tura, mas também Escrita Criativa (PAPA confia, mas também é um exímio exercí- FRANCISCO, 2016); ele sabe como comu- cio de amor ao próximo, porque não que- nicar Deus! remos oferecer aos outros algo de má qua- Uma homilia pode ser simples, mas ficar lidade” (EG 156). sem clareza e incompreensível se falta unida- de, lógica, ligação entre as frases (cf. EG 158). 2.1. Recursos pedagógicos “Uma ideia” pode significar não falar tudo, (EG 156-159) mas privilegiar um aspecto, dando unidade à O principal e mais original: “Uma boa ho- mensagem. milia [...] deve conter uma ideia, um sentimen- Por fim, Francisco recomenda usar na to, uma imagem” (EG 157). Uma imagem: homilia a linguagem positiva, que “não diz quem não se recorda dos padres “com cheiro tanto o que não se deve fazer, como sobretu- de ovelhas”, da Igreja como “hospital de cam- do propõe o que podemos fazer melhor. [...] panha”? Vale à pena ler e pôr em prática: Uma pregação positiva [...] não nos deixa prisioneiros da negatividade” (EG 159). Um dos esforços mais necessários é aprender a usar imagens na pregação, À guisa de conclusão isto é, a falar por imagens. Às vezes, Francisco costuma fazer pequenas ho- usam-se exemplos [...], mas esses milias matinais na missa celebrada na capela exemplos frequentemente se dirigem Santa Marta com umas 40 pessoas. Não usa apenas ao entendimento [...]. Uma texto escrito, no entanto prepara a sua ho- imagem fascinante faz com que se sinta milia. Como faz? Padre Antonio Spadaro lhe a mensagem como algo familiar, próxi- perguntou: “Como o senhor prepara as ho- mo, possível, relacionado com a pró- milias de Santa Marta?”. O papa respondeu: pria vida. [...] pode levar a saborear a mensagem que se quer transmitir, des- “Eu começo ao meio-dia do dia anterior. perta um desejo e motiva a vontade na Leio os textos do dia seguinte e, em ge- nº- 324 nº- direção do evangelho (EG 157). ral, escolho uma entre as duas leituras. • Depois leio em voz alta o trecho que es- Outra orientação é que a homilia seja colhi. Eu preciso ouvir o som, escutar as ano 59 “simples, clara, direta, adaptada”, como di- palavras. E depois sublinho no livrinho • zia Paulo VI (cf. EG 158). Simples significa que uso as que mais me tocaram. De-

19 Vida Pastoral pois, durante o resto do dia as palavras e di: ‘Se se faz uma leitura, não se pode os pensamentos vão e veem, enquanto olhar as pessoas nos olhos’. Isso me re- faço aquilo que devo fazer: medito, refli- cordo muito bem e aconteceu antes de to, tomo gosto nas coisas... que eu fosse ordenado sacerdote. Este é o Há dias, no entanto, em que chego à noite ponto. O verdadeiro problema da homi- e não me vem nada em mente, quando não lia escrita é que impede de olhar nos tenho ideia do que vou dizer no dia seguin- olhos das pessoas para as quais quem te. Então eu faço o que diz santo Inácio. prega se volta” (SPADARO, 2016, p. VI). Durmo em cima. E então, de repente, quando acordo, “Uma homilia pode Como exercício final, sugiro vem a inspiração. Vêm coisas ser simples, mas tomar a homilia de Francisco (“A justas, às vezes fortes, às ve- ficar sem clareza vida cristã como discipulado”) zes mais fracas. Mas é assim: e incompreensível pronunciada na missa da memó- eu me sinto pronto” (SPADA- se falta unidade, ria de são Pedro Claver num sá- RO, 2016, p. VIII). lógica, ligação bado, 9 de setembro de 2017, no entre as frases” aeroporto de Medellín, durante a Na mesma conversa, Fran- viagem apostólica à Colômbia. cisco explica por que não usa texto em Santa Os textos bíblicos foram do sábado da 22ª Marta. semana comum, com o Evangelho de Lc 6,1- 5. Na homilia, no entanto, o papa faz alusão “Quando no seminário nos ensinavam a a um trecho maior, de Lc 5,1-11 (da quinta- homilética, eu sentia já uma forte aversão -feira anterior) até Lc 6,12-19, que prolonga pelos textos escritos onde está tudo. [...] a leitura do sábado. A homilia se encontra Eu era e estou convicto de que entre o em: . tudo. Isso recordo muito bem. Até falei Verifique como Francisco desenvolve a na aula. O professor ficou admirado. Me homilia: início, meio – em redor de três pala- perguntou por que eu era contrário a vras – e conclusão. Com base no texto bíbli- preparar toda a homilia. E eu lhe respon- co, como desenvolve o tema?

Bibliografia

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia. São Paulo: Paulinas, 1963. PAPA FRANCISCO. Exortação apóstólica Evangelii Gaudium sobre o anúncio do evangelho no nº- 324 nº-

• mundo atual. São Paulo: Paulus/Loyola, 2013. ______. A felicidade treina-se em cada dia: novas homilias em Santa Marta. Organizado por Antonio Spadaro. Lisboa: Paulinas, 2016. ano 59 • SPADARO, Antonio. Una conversazione con papa Francisco. In: PAPA FRANCISCO. Nei tuoi occhi è la mia parola: omelie e discorsi di Buenos Aires 1999-2013. Milano: Rizzoli, 2016.

Vida Pastoral 20 Um espaço para a liturgia

Maria Jeydjane Lunguinho Gomes*

O artigo apresenta breve estudo Introdução sobre o espaço litúrgico cristão. A espaço interior de uma igreja comporta Ouma ação humana, é lugar de reunião partir de bibliografia comprometida da comunidade. Do ponto de vista teológico- com o significado desses lugares, faz -litúrgico, abriga uma ação de Deus, vai mui- to além da materialidade física, possibilitan- sucinta indicação da evolução do do a comunhão com Ele. espaço de culto e retoma o desejo do Para destinar um espaço ao culto, não basta um dimensionamento construtivo e es- Concílio Vaticano II de retornar às trutural ou artístico; o espaço litúrgico se de- fontes do cristianismo. fine pela liturgia, pelas exigências do rito e do mistério nele celebrado. A organização do espaço litúrgico plasma a fé de forma decisi- va. Pode conduzir ao centro do mistério ou pode dispersar para outras direções. Sinais marcam as pessoas a longo prazo, de forma mais durável do que a palavra dita (cf. RICH­ TER, 1998, p. 18).

1. O espaço como sagrado nº- 324 nº-

As primeiras habitações humanas tiveram • *Ir. Maria Jeydjane Lunguinho Gomes é religiosa da Congregação Pias Discípulas do Divino Mestre. Arquiteta a função de abrigar das intempéries da nature- pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. za, ser proteção contra animais ou inimigos. ano 59 Atua na área de construção e reformas de igrejas no Esses ambientes eram construções simples: ca- • escritório Arquitetura Apostolado Litúrgico. E-mail: [email protected] vidades naturais na terra ou tendas feitas de

21 Vida Pastoral peles sobre estruturas de madeira. Esta é uma em que o cristianismo se desvincula do juda- das funções do espaço, mas não a única nem a ísmo, a sinagoga já não é a sua referência, e o principal. O homem primitivo já fazia distin- pequeno grupo de convertidos continua o ção entre as porções do território; ele cria o que costume de se reunir nas casas. Tal costume chamamos Lugar, espaço habitado, modifica- foi muitas vezes ignorado, mas é, sem dúvi- do e imbuído de significados. Por exemplo, o da, de grande importância para o conheci- espaço destinado à partilha dos alimentos era mento de como se deu o surgimento de mui- diferente daquele destinado à caça, e o lugar tas comunidades nos primeiros séculos. do cultivo de alimentos não era o mesmo do abrigo para o descanso (cf. BENÉVOLO, 1993, 3. A casa da Igreja p. 14). Tal compreensão é atual e serve tam- Segundo o relato de Lucas em Atos 1,13, bém para as construções religiosas. O Lugar após a ascensão do Senhor, no andar superior não é constituído apenas de paredes nem de de uma casa, a comunidade ficou reunida em materiais, mas é, sobretudo, o oração. Nos textos do Novo Tes- vazio, aquilo que está circunda- “A organização do tamento, aparece muitas vezes o do pela matéria. espaço litúrgico termo Oikós para designar uma Essa natural distinção de es- plasma a fé de família ampliada, quando alguém paços se confirma quando se forma decisiva. aderia à fé e se dizia que foi “bati- trata de espaço sagrado. Aí a di- Pode conduzir ao zado com toda a sua casa”. Tam- ferenciação acontece de forma centro do mistério bém em suas cartas, o apóstolo mais clara, pois ele se organiza ou pode dispersar Paulo saúda a comunidade que se segundo uma articulação hete- para outras reúne em casas, como a casa de rogênea, em que há uma dife- direções” Priscila e Áquila (cf. Rm 16,5), a renciação qualitativa, e revela casa de Ninfa, em Laodiceia (cf. um ponto fixo, um “centro”, que serve simbo- Cl 4,15), ou ainda a casa de Filêmon (cf. Fm 2) licamente como orientação (cf. ELIADE, (RICHTER, 1998, p. 51). 1995, p. 26). Conhecemos bem a experiência A mais antiga casa-igreja está localizada de Moisés relatada em Êxodo 3,5: “‘Não te onde hoje é a Síria, perto do rio Eufrates, aproximes daqui’, disse o Senhor a Moisés; numa antiga cidade militar romana chama- ‘tira as sandálias de teus pés, porque o lugar da Dura Europos. Era uma casa familiar onde te encontras é uma terra santa’”. construída no ano 232 e ampliada no ano 240 para abrigar a reunião dos fiéis. Nela foi 2. Origem do espaço cristão removida uma parede que dividia dois cô- Nos primeiros tempos do cristianismo, o modos, proporcionando uma sala mais es- lugar da reunião eram as casas de famílias. paçosa que comportava aproximadamente Por um período, os cristãos mantiveram os 60 pessoas. Em uma das extremidades, na costumes judeus e tinham como referência o parte mais estreita, ficava um estrado de templo e a sinagoga, mas havia também o madeira, onde provavelmente se situava a costume de se reunir e fazer refeição em casas cadeira do bispo. O batismo era feito por de famílias, como fez Jesus durante a sua ati- imersão, numa sala separada, em respeito nº- 324 nº- • vidade pública e na Última Ceia. Como citam aos batizados, pois o rito previa a deposição os evangelhos, a casa de Marta e Maria, a casa das vestes. A sala do batismo era adornada de Pedro, onde Jesus tantas vezes se hospe- com afrescos de inspiração bíblica (cura do ano 59 • dou, certamente se tornaram lugares de reu- paralítico, passagem pelo mar Vermelho, nião após a ascensão do Senhor. Na medida entre outros). No mais, a casa tinha configu-

Vida Pastoral 22 ração de uma moradia comum: um pátio central, ladeado por salas para acomodação Liturgia, de coração e funcionamento da vida doméstica. Espiritualidade da celebração O espaço celebrativo inicialmente não tinha uma atribuição de sacralidade como Ione Buyst temos hoje. Para a comunidade primitiva, sagrada era a assembleia reunida. Havia uma autoconsciência de ser templo espiritu- al, conforme atesta a primeira carta de Pe- dro (2,5): “Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, formai um edifício espi- ritual, um sacerdócio santo, a fim de ofere- cerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo”. O espaço, além da sua dimensão celebrativa, era lugar da dia- conia e do anúncio da Palavra, tarefas fun- damentais na vida cristã. Por isso, o altar era colocado somente na ocasião da eucaristia e retirado em seguida. Até o século IV, o ter-

mo Domus Ecclesiae, casa da comunidade, 144 págs. era usado para designar a reunião e também o lugar onde acontecia a liturgia. Neste volume, a renomada Nas catacumbas romanas, grandes gale- autora Ione Buyst faz um estudo rias subterrâneas escavadas em rocha vulcâ- sobre a liturgia a partir da nica, também se celebrava a liturgia cristã. espiritualidade e dos vários Não eram espaços usados rotineiramente, sentimentos que dela fazem por causa da perseguição, mas locais que parte e são por ela originados. serviam para celebrações esporádicas. Os Uma forma excelente de unir fé e vida a partir da liturgia. romanos usavam-nas como lugar para se- pultar os mortos; e os cristãos de Roma ade- riram a esse costume, sepultando aí os membros de suas comunidades. As famílias mais influentes e abastadas adquiriam terre- nos e doavam à comunidade com essa fina- lidade. Ali foram sepultados também os mártires, e sobre seus túmulos se celebrava a eucaristia, associando a entrega da vida deles ao sacrifício de Cristo. Imagens meramente ilustrativas.

4. As transformações Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- no espaço de culto 0800-164011 • Com o final das perseguições em 313, SAC: (11) 5087-3625 os locais de culto passaram a ser destina- VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL ano 59 • dos exclusivamente a essa finalidade. As paulus.com.br basílicas cristãs, que eram adaptações de

23 Vida Pastoral edifícios de uso público, passaram a ser o uma verticalidade exacerbada, direcionando modelo referencial para a construção das o olhar para o alto. Não obstante os valores futuras igrejas. As basílicas eram construí- artísticos e culturais desse estilo, ele vai na das na direção leste-oeste e tinham uma contramão de uma concepção de espaço organização que previa a cadeira do bispo existente nas casas e também nas basílicas ladeada pelas cadeiras dos presbíteros e dos séculos IV e V, que permitiam às pessoas ministros, de frente para a assembleia. O formar círculos, ora em torno da Palavra, ora altar recebia destaque por es- em torno do altar. tar num nível mais elevado e “As construções No gótico, a disposição do circundado pelo cibório, co- ou readequações espaço separa ainda mais o clero nhecido erroneamente como dos espaços de dos fiéis. Na ação litúrgica, a re- baldaquino. O ambão, que ti- celebração são o lação é clero-celebrante, media- nha origem e se inspirava no reflexo de como dor, e a assembleia, “muda es- bema da sinagoga (espécie de se crê e como se pectadora” (SC 48). A participa- estante alta e ampliada), loca- celebra” ção ativa da assembleia como lizava-se na parte central da sujeito deu lugar às devoções nave da basílica. paralelas à ação comunitária. O balaústre, A partir do século IV, surge outro termo, o que surgiu neste contexto, é um símbolo des- Oikos Kyriakos, que significa “pertencente ao sa separação. Senhor”. Surgem interpretações da simbologia da organização do espaço. Eusébio de Cesa- 5. O retorno às fontes reia, ainda que reconhecesse no espaço de ce- Na segunda década do século XX, o lebração o rosto da comunidade reunida, in- mundo atravessa um período de grandes terpretou a região do altar como cabeça de descobertas. Somado à Revolução Industrial Cristo e o restante como o seu corpo. No e a um vasto movimento artístico, científico período­ da Idade Média, essa distinção evo- e técnico, o desenvolvimento das cidades de- luiu para uma separação entre o altar, designa- marcou um novo estilo de vida. No seio da do ao clero, e a nave, designada aos leigos (cf. Igreja, surgem os movimentos litúrgico, bí- RICHTER, 1998, p. 60). blico e ecumênico que culminaram no Con- A organização espacial da igreja sofreu cílio Vaticano II, o qual propõe um caminho muitas transformações ao longo dos séculos, de retorno às fontes, indicando as comuni- motivadas pelas mudanças na liturgia, pela dades dos primeiros séculos como referência transformação na compreensão do ser Igreja, da missão de Jesus. Assim, não ignorando a que desembocou em modelos muito diferen- riqueza arquitetônica de séculos, a Igreja tes das origens, e pela evolução dos sistemas passa a ressignificar os espaços de celebra- de construção. Da basílica, as igrejas passa- ção, dando alguns critérios para a sua reade- ram também pelos paradigmas da arquitetu- quação, à luz dos princípios teológicos e pas- ra bizantina e ainda pela solidez do estilo ro- torais do Concílio: mânico, pela grandiosidade e suntuosidade do gótico, do barroco e dos movimentos ar- – devolver ao altar a centralidade, a dig- nº- 324 nº- • quitetônicos e artísticos posteriores. nidade e a visibilidade dentro do espaço O estilo gótico foi o auge da conquista de como símbolo do próprio Cristo; muitas transformações na construção do es- – dar o devido lugar ao ambão, conferin- ano 59 • paço destinado ao culto. Predominava a ca- do-lhe destaque por ser, como o altar, mesa racterística de alcançar grandes alturas, com que oferece o pão da vida na Palavra;

Vida Pastoral 24 – dispor a assembleia de forma que se manifeste como um corpo, agente ativo da Técnica vocal ação e da vida litúrgica, prevendo lugares Princípios para o cantor litúrgico para a boa atuação dos ministérios; – destinar uma capela para a reserva eu- Paula Molinari carística como lugar de oração pessoal; – devolver à igreja a fonte batismal, valo- rizando o simbolismo da água, conforme a tradição da Igreja e a recomendação do pró- prio Ritual do Batismo (cap. III, n. 22); – retirar os excessos decorativos destituí- dos de valor simbólico, sem finalidade ritual, motivo de distração para os fiéis. 112 págs. Conclusão A obra é um passo significativo Depois de 54 anos do Concílio Vatica- no diálogo entre fonoaudiologia no II, o rosto das igrejas não esconde as e liturgia. Agora podemos contar marcas da reforma litúrgica e manifesta com um subsídio que nos aponta o nova compreensão de Igreja e nova con- caminho para a mútua fecundação entre essas duas ciências. cepção de liturgia. Podemos afirmar que as construções ou readequações dos espaços Canto litúrgico de celebração são o reflexo de como se crê Forma musical, análise e composição e como se celebra. Mas a recepção do Con- cílio, no que diz respeito ao espaço cele- José Weber, SVD brativo, nem sempre ocorreu nas comuni- dades, também faltou uma pedagogia para evitar traumas próprios de qualquer mu- dança. O que se requer é planejamento e processo gradual que permita às comuni- dades fazer experiência com adaptações provisórias, para que aos poucos possam assimilar as mudanças, apropriar-se de no- vos modelos e dispensar saudosismos. 112 págs. Permanece, portanto, o desafio de cons- O presente livro preenche uma lacuna truir (ou reformar) espaços em sintonia com no rol de subsídios para quem exerce o espírito do Concílio Vaticano II. O norte é o ministério de composição de música litúrgica no Brasil. A maioria dos exemplos sempre a liturgia, memorial do mistério pas- musicais apresentados nele é proveniente cal do Cristo, servidor do Reino, e da sua do Hinário Litúrgico da CNBB.

Igreja, povo sacerdotal, chamado a participar Imagens meramente ilustrativas. ativa, consciente e frutuosamente. Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- Na Exortação Apostólica Sacramentum 0800-164011 • Caritatis, n. 41, o papa Bento XVI diz: SAC: (11) 5087-3625 ano 59

VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL • A profunda ligação entre a beleza e a li- paulus.com.br turgia deve levar-nos a considerar aten-

25 Vida Pastoral tamente todas as expressões artísticas idôneo para uma condigna realização da colocadas a serviço da celebração. [...] A sua ação litúrgica; de fato, a natureza do este respeito, tenha-se presente que a fi- templo cristão define-se precisamente nalidade da arquitetura sacra é oferecer à pela ação litúrgica, a qual implica a reu- Igreja que celebra os mistérios de fé, es- nião dos fiéis (ecclesia), que são as pe- pecialmente a eucaristia, o espaço mais dras vivas do templo (1Pd 2,5).

Bibliografia

BENÉVOLO, Leonardo. História da cidade. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1995. FRADE, Gabriel. Arquitetura sagrada no Brasil: sua evolução até as vésperas do Concílio Vaticano II. São Paulo: Loyola, 2007. GATTI, Vincenzo. Liturgia e arte: il luoghi della celebrazione. Bologna: EDB, 2001. RICHTER, Klemens. Espaços de igrejas e imagens de Igreja: o significado do espaço litúrgico para uma comunidade viva. Coimbra: [s.n.], 1998. ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. Tradução de Maria Isabel Gaspar e Gaëtan Martins de Oliveira. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Missal Romano Encadernado Sagrada Congregação para o Culto Divino

Este Missal Romano apresenta o rito da missa, com enorme variedade de introduções para cada parte da celebração; apresenta também grande alcance pastoral, com as aclamações para todas as orações eucarísticas. 1088 páginas nº- 324 nº- • ano 59

• paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 [email protected]

Vida Pastoral 26 Leigo: um conceito em evolução

Jean Poul Hansen*

O presente artigo apresenta a evolução do conceito de “leigo”, desde a sua completa ausência nas Escrituras, nas quais estão as suas raízes mais significativas, passando pela Igreja primitiva, em que aparece a diferenciação clero-leigo, até chegar à cristandade, em que a distinção vai se tornando progressivamente separação. O Concílio Vaticano II, com sua eclesiologia de comunhão, resgata um conceito positivo do laicato que continua a desenvolver-se na teologia posterior.

Introdução palavra “leigo” (em grego laïkós, e em A latim laicus) deriva da palavra grega laós, que quer dizer “povo”. No entanto, o termo teve sempre uma conotação negativa: “leigo” é aquele que não sabe, que não do- mina determinado conhecimento, que não *Pe. Jean Poul Hansen pertence ao clero da da Campanha (MG). Estudou Teologia no Instituto Teológico tem o conhecimento ou a habilidade neces- Interdiocesano São José, em Pouso Alegre (MG). É mestre sária para determinada arte ou ciência, que em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade de 324 nº- não possui conhecimento aprofundado so- • Salamanca, na Espanha, docente na Faculdade Católica de Pouso Alegre (Facapa), coordenador diocesano de bre determinada área do saber. Pode ser to- pastoral e assessor da Pastoral Catequética na sua mado como sinônimo de ignorante. Foi usa- ano 59 diocese. É também membro da equipe de redação da • Revista ECOando e pároco da Paróquia Nossa Senhora da do assim, sobretudo na Idade Média, para Conceição, em Careaçu (MG). E-mail: [email protected] diferenciar o povo, muitas vezes iletrado,

27 Vida Pastoral sem acesso à cultura, de uma elite cultural e Durante os dois primeiros séculos, as co- muitas vezes clerical. Na modernidade, o munidades cristãs viveram sua experiência termo se estendeu ao nível geral, sendo usa- de fé como um povo eleito, todo ele consa- do em praticamente todas as áreas humanas grado e santificado em Jesus Cristo (cf. 1Cor com este sentido pejorativo. 11,1), dirigindo-se uns aos outros como Foi o Concílio Vaticano II (1962-1965) “santos” (cf. At 9,13; Rm 1,7; 15,25.31; 2Cor – sem dúvida, o maior evento eclesial do 1,1; Ef 1,4; 1Ts 5,27), pois se sabiam todos século XX – que, entre outras tantas ques- “eleitos”, igualmente “herdeiros da promessa” tões, superou essa compreensão negativa e (cf. Gl 3,19; At 20,32) e chamados a exercer estabeleceu um conceito positivo de “lei- um sacerdócio real, oferecendo a Deus um gos”, designando-os da seguinte forma na culto verdadeiro no Espírito (cf. 1Pd 2,9). Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lu- Encontramos, nessa época, uma diferen- men Gentium: ciação de dons e carismas, a ser- “Durante os dois viço do crescimento da comuni- Todos os cristãos que não primeiros séculos, dade e da missão. Há clara dis- são membros da sagrada as comunidades tinção de funções e de tarefas – Ordem ou do estado reli- cristãs viveram apóstolos, colaboradores, líderes gioso reconhecido pela sua experiência locais e membros da comunida- Igreja, isto é, os fiéis que, de fé como um de etc. –, sem que isso realize incorporados em Cristo povo eleito, todo uma diferenciação hierárquica pelo batismo, constituídos ele consagrado na comunidade (cf. FAIVRE, em Povo de Deus e torna- e santificado em 2001, p. 25-27). As cartas autên- dos participantes, a seu Jesus Cristo” ticas de Paulo são disso um tes- modo, da função sacerdo- temunho, pois nelas não aparece tal, profética e real de Cristo, exercem, uma hierarquia definida, visto que, na sua pela parte que lhes toca, a missão de redação, ainda não se tinha institucionaliza- todo o Povo cristão na Igreja e no mun- do o carisma. do (LG 31). 2. Na Igreja primitiva, o primado O ponto de partida é ainda negativo, ou da unidade seja, a negação do estado clerical e religioso, O primeiro a usar a palavra “leigo” foi são mas logo em seguida aparecem o batismo e o Clemente de Roma (35-97 d.C.), por volta povo de Deus, os dois grandes fundamentos dos anos 90 d.C., não para distinguir nem da teologia conciliar e pós-conciliar do laicato. para hierarquizar os ministérios no movi- mento cristão, mas simplesmente para desig- 1. Nas Sagradas Escrituras, a raiz nar as pessoas que não chegaram ao conheci- As Sagradas Escrituras, contudo, não co- mento espiritual, ou seja, à vida nova em nhecem essa palavra nem esse conceito, mui- Cristo, e pensam que sua salvação vem da to embora a sua raiz, laós (povo), esteja mui- observância dos preceitos e do culto da anti- to presente em toda a Bíblia, especialmente ga aliança. São Clemente Romano fala de nº- 324 nº- • no Primeiro Testamento (cf. Ex 6,6-7; Dt 7,6- “homens leigos sujeitos a preceitos leigos”. 10; 29,12; 2Sm 14,13; Jr 7,23). Também no Os fiéis em Cristo foram homens e mu- Segundo Testamento, em que normalmente lheres que, compartilhando lado a lado as ano 59 • pretenderíamos encontrar a palavra e o con- condições ordinárias da vida das pessoas ceito de “leigo”, eles não aparecem. do seu tempo, caminhavam como povo

Vida Pastoral 28 chamado à santidade, inseridos na vida so- tria deles, e em toda pátria são estrangei- cial, na qual, conscientes de serem escolhi- ros. Casam-se como todos e geram filhos, dos por Deus para tornar realidade seu mas não abandonam os recém-nascidos. projeto de amor no meio do mundo, anun- Põem a mesa em comum, mas não o lei- ciavam e testemunhavam o evangelho, vi- to; estão na carne, mas não vivem segun- vendo como discípulos no seguimento de do a carne; moram na terra, mas têm sua Jesus Cristo e testemunhando sua centrali- cidadania no céu; obedecem às leis esta- dade na própria vida. belecidas, mas com sua vida ultrapassam A conversão não supunha para eles, regra as leis; amam a todos e são perseguidos geral, o abandono de suas famílias, de seu es- por todos; são desconhecidos e, apesar tado de vida, de suas ocupações profissionais disso, condenados; são mortos e, deste etc. Sua vida no meio do mundo, isso sim, era modo, lhes é dada a vida; são pobres e paradoxal (cf. LÓPEZ, 2012, p. 54-70), como enriquecem a muitos; carecem de tudo e testemunha a Carta a Diogneto (V e VI):1 têm abundância de tudo; são despreza- dos e, no desprezo, tornam-se glorifica- Os cristãos, de fato, não se distinguem dos; são amaldiçoados e, depois, procla- dos outros homens, nem por sua terra, mados justos; são injuriados, e bendi- nem por sua língua ou costumes. Com zem; são maltratados, e honram; fazem o efeito, não moram em cidades próprias, bem, e são punidos como malfeitores; nem falam língua estranha, nem têm al- são condenados, e se alegram como se re- gum modo especial de viver. Sua doutri- cebessem a vida. Pelos judeus são com- na não foi inventada por eles, graças ao batidos como estrangeiros, pelos gregos talento e a especulação de homens curio- são perseguidos, e aqueles que os odeiam sos, nem professam, como outros, algum não saberiam dizer o motivo do ódio. ensinamento humano. Pelo contrário, vi- Em poucas palavras, assim como a alma vendo em casas gregas e bárbaras, con- está no corpo, assim estão os cristãos no forme a sorte de cada um, e adaptando-se mundo. A alma está espalhada por todas aos costumes do lugar quanto à roupa, ao as partes do corpo, e os cristãos estão em alimento e ao resto, testemunham um todas as partes do mundo. A alma habita modo de vida admirável e, sem dúvida, no corpo, mas não procede do corpo; os paradoxal. Vivem na sua pátria, mas cristãos habitam no mundo, mas não são como forasteiros; participam de tudo do mundo. A alma invisível está contida como cristãos e suportam tudo como es- num corpo visível; os cristãos são vistos trangeiros. Toda pátria estrangeira é pá- no mundo, mas sua religião é invisível. A carne odeia e combate a alma, embora 1 A Epístola do discípulo a Diogneto (em grego: Πρὸς não tenha recebido nenhuma ofensa Διόγνητον Ἐπιστολή) é provavelmente o exemplo mais an- tigo da apologética cristã (textos em defesa do cristianis- dela, porque esta a impede de gozar dos mo contra seus acusadores). O autor e o destinatário são prazeres; embora não tenha recebido in- gregos do século II d.C. O autor é um cristão de comuni- dades joaninas que não usa o termo “Jesus” nem a pala- justiça dos cristãos, o mundo os odeia, vra “Cristo”, preferindo o uso de “o Verbo”. O destina- porque estes se opõem aos prazeres. A

tário, um tal Diogneto, pode ter sido um tutor do impe- 324 nº- alma ama a carne e os membros que a • rador romano Marco Aurélio, o que é improvável; o mais provável é que “o excelentíssimo Diogneto” seja Cláudio odeiam; também os cristãos amam aque- Diógenes, procurador de Alexandria na virada do século les que os odeiam. A alma está contida ano 59

II para o século III d.C. Nada mais se pode afirmar, perma- • necendo desconhecidos o autor e o destinatário desse no corpo, mas é ela que sustenta o cor- singular escrito. po; também os cristãos estão no mundo

29 Vida Pastoral como numa prisão, mas são eles que sus- na comunidade eclesial e, depois do ano tentam o mundo. A alma imortal habita 313 d.C.,2 nas próprias estruturas do Impé- em uma tenda mortal; também os cris- rio. Leigos conscientes de que o ponto de tãos habitam como estrangeiros em mo- partida é o batismo. Ele é o início do ser radas que se corrompem, esperando a cristão, ou como afirmou são Jerônimo incorruptibilidade nos céus. Maltratada (347-420 d.C.), de maneira breve, mas elo- em comidas e bebidas, a alma torna-se quente: “O batismo é o sacerdócio do leigo” melhor; também os cristãos, maltrata- (Dialogus contra luciferianos, n. 4). dos, a cada dia mais se multiplicam. Tal Podemos dizer que a igualdade de todos é o posto que Deus lhes determinou, e os fiéis perante Deus é um dos princípios ba- não lhes é lícito dele desertar. silares da sociedade cristã. A diferenciação que lentamente ocorreu, durante os séculos I Os cristãos estiveram, por- e II, com o aparecimento de es- tanto, inseridos em sua realida- “A igualdade de truturas organizativas na comu- de, trabalhando, convivendo todos os fiéis nidade, respondia à necessidade nos lugares públicos e habitu- perante Deus é de propor um intermediário visí- ais, mantendo quanto possível um dos princípios vel entre Deus e as pessoas, don- o mesmo jeito e modo de ga- basilares da de surgiria uma classe particular nhar a vida, e evitando apenas sociedade cristã” e eleita, o clero. Isso só acontece os espetáculos do circo e as obs- claramente no século III. É só a cenidades do teatro (cf. Tertuliano, Apologéti- partir de santo Ireneu (130-202 d.C.) que se ca, 38,4). A ambiguidade da história, a pre- pode falar de uma diferenciação hierárquica sença nela de realidades e estruturas de peca- entre clero, no qual se agrupam os ministé- do, não foram ocasião de fuga para os pri- rios, e leigos (cf. LÓPEZ, 2012, p. 44-46). meiros cristãos, senão de fazer-se presentes Não nos esqueçamos de que foi a partir no meio dela como sal e luz (cf. Mt 5,13-16). do século IV que se estabeleceu o uso de E foi essa inserção, ademais, o próprio méto- do de evangelização. 2 Em 313 d.C., o tetrarca ocidental Constantino I, o Gran- de, e Licínio, o tetrarca oriental, emitiram o Édito de Milão, que declarava que o império romano seria doravante neu- 3. Na cristandade, cresce a tro em relação ao credo religioso, o que pôs um ponto fi- diferenciação e se torna separação nal à perseguição sancionada oficialmente aos cristãos. Se algo caracteriza a Igreja primitiva é a Sua aplicação fez devolver os lugares de culto e as proprie- dades que tinham sido confiscadas aos cristãos e possibili- escassa diferenciação entre “leigos” e “cléri- tou-lhes o ingresso no serviço público, deu ao cristianismo gos”, o que fica patente quando constata- (e a todas as outras religiões) o estatuto de legitimidade, comparável com o paganismo, e, com efeito, privou o pa- mos que a presença dos leigos na organiza- ganismo da condição de religião oficial do império romano ção institucional ocupa um papel relevante e dos seus exércitos.

Homilias e comentário ao Cântico dos Cânticos Patrística – Vol. 38 Orígenes

nº- 324 nº- Embora Orígenes não tenha sido o primeiro a compor um comentário patrístico sobre o • Cântico dos Cânticos, sua interpretação colhe misticamente a intensidade da linguagem do amor matrimonial, transpondo-a da atração sexual à relação amorosa religiosa. A leitura origeniana do motivo matrimonial no Cântico dos Cânticos funda-se na primazia do amor. ano 59 • paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 [email protected] 376 páginas

Vida Pastoral 30 lugares diferenciados na celebração litúrgi- rápida expansão. Também Orígenes (185-253 ca para o clero e o povo. Este detalhe foi d.C.) sentiu na pele essas mudanças, pois ele, testemunhado pelo Codex Theodosianus,3 que era leigo e professor de Teologia em Ale- um século mais tarde, ao determinar que os xandria e sempre pregara nas eucaristias dian- clérigos fossem postos na abside ou capela- te dos bispos que as presidiam, acabou sendo -mor e os fiéis, na nave da igreja, denomi- proibido de pregar. Larga controvérsia se esta- nada “o lugar de oração do povo” (Codex beleceu, até que, no século V, são Leão Magno Theodosianus, 9,45). Nessa época, clérigos e (400-461 d.C.) colocou um ponto final na leigos se vestiam da mesma maneira e, ade- questão, afirmando: mais, levavam um mesmo estilo de vida, sendo também habitual ao clero o trabalho Ninguém, seja monge ou leigo, atreva-se manual. Nem sequer a recomendação pau- a atribuir-se o direito de ensinar e de pre- lina da continência (cf. 1Cor 7,1-2.7-9.32- gar […]. Não se deve permitir que 35) se havia transformado ainda na lei ca- ninguém que não pertença à Ordem nônica do celibato.4 Sacerdotal se atribua a prerrogativa de A mudança das relações internas da co- pregar, sendo conveniente que, na Igreja munidade, com a institucionalização da hie- de Deus, todas as coisas sejam ordenadas rarquia sacerdotal e com a desigual participa- (LÓPEZ, 2012, p. 95). ção na vida litúrgica, produziu variadas rea- ções. A mais ferrenha foi a do Montanismo, Estava assim estabelecida a distinção e a um grupo de cristãos que vivia separado da distância entre clérigos e leigos, acentuada por Igreja e se denominavam “pneumáticos” (ins- um laicato medieval desprovido de acesso à pirados pelo sopro do Espírito), em oposição cultura, o que provocou e reforçou a ausência aos demais cristãos, considerados “psíquicos” dos leigos na tarefa da difusão da fé. Só o Con- (ou racionalistas). A resistência que o Monta- cílio Vaticano II, no século XX, é que veio re- nismo impunha à instituição eclesiástica tor- dimir e redimensionar, com sua eclesiologia nava-o perturbador à hierarquia, uma vez que de comunhão, o papel do leigo na Igreja, pre- o movimento respondia às necessidades e an- conizado pelo aflorar da Ação Católica duran- seios de largas camadas cristãs, desiludidas te o pontificado de Pio XII (1939-1958) e pe- ante o retardamento da parúsia,5 razão de sua los contemporâneos movimentos bíblico, li- túrgico e ecumênico, os quais o Concílio reto- 3 O Codex Theodosianus é uma compilação das leis do im- mou para fazer ressurgir uma imagem de Igre- pério romano sob os imperadores cristãos desde 313 d.C. ja menos hierárquica, descrita como Corpo Uma comissão, com 22 pesquisadores, foi criada por Teo- dósio II, em 429 d.C., e a compilação foi publicada na me- Místico, comunhão de pessoas. Isso se expres- tade oriental do império romano em 438 d.C. Um ano sará de maneira especial com a imagem bíblica depois, também foi introduzida no Ocidente pelo impera- dor Valentiniano III. Foi a primeira ocasião em que o gover- da Igreja povo de Deus, termo que, em padres no romano, por sua autoridade pública, tentou recolher e tão significativos como são João Crisóstomo publicar as suas leis. O código, com mais de 2.500 consti- (349-407 d.C.), é referido como laós. tuições emitidas entre 313 e 437 d.C., aborda temas polí- ticos, socioeconômicos, culturais e religiosos. 4 O primeiro cânon que surgiu como legislação eclesiástica Conclusão

obrigando ao celibato pertence aos 81 cânones emanados 324 nº- O Concílio Vaticano II, na perspectiva • do Concílio de Elvira, na Espanha, no século IV (entre 303 e 324 d.C.), que reuniu 19 bispos da Península Ibérica. de sua eclesiologia de comunhão e do res- 5 Parúsia (do grego Παρουσία, “presença”) é termo usual- gate do conceito fundamental de povo de ano 59 mente empregado com a significação religiosa de “volta Deus, é o primeiro concílio, na bimilenar • gloriosa de Jesus Cristo, no fim dos tempos”. É também traduzido por segunda vinda de Cristo. história da Igreja, a dedicar-se ao tema da

31 Vida Pastoral

atividade apostólica dos cristãos leigos e o interlocutor da Igreja, ou seja, alguém que está faz com a publicação do decreto Apostoli- em condições de dialogar. cam Actuositatem, na última sessão conci- Passados 18 anos, os bispos do Brasil liar, em 18 de novembro de 1965. Como empenharam-se numa atualização daquele não podia ser diferente, subjaz ao decreto documento e publicaram, em 2017, o Do- uma concepção do leigo como destinatário cumento 105, Cristãos leigos e leigas na Igreja da ação da Igreja. e na sociedade, sal da terra e luz do mundo, Após o Sínodo de 1987, João Paulo II foi o claro avanço no conceito em questão, pois primeiro papa da história da Igreja a publicar agora nossos bispos chamam os cristãos lei- um documento pontifício sobre os leigos. Vi- gos e leigas a serem sujeitos plenos da Igre- nha a público, em 30 de dezembro de 1988, a ja. Para tanto, convocou-se um Ano Nacio- Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles nal do Laicato, de 26 de novembro de 2017 Laici, sobre a vocação e missão do cristão leigo a 25 de novembro de 2018, com o objetivo na Igreja e no mundo, uma tentativa de reto- de investir na formação destes que são a in- mar, aprofundar e até mesmo redirecionar o contável maioria do povo de Deus, os leigos caminho conciliar. Dez anos passados, a Con- e leigas, para que tenham clara sua identida- gregação para a Doutrina da Fé emitiu uma de, vocação e missão, na Igreja e na socieda- Instrução acerca de algumas questões sobre a co- de. Esta configura o seu primeiro e prioritá- laboração dos fiéis leigos no sagrado ministério rio âmbito de ação, naquela se realiza sua dos sacerdotes. O título já deixa notar o claro segunda tarefa, em colaboração com a mis- incômodo causado por algumas Igrejas locais são dos pastores. que investiram no protagonismo laical, outro- Estamos diante de uma grande oportu- ra solicitado e instigado. nidade para tomar consciência do enorme Foi então a vez de os bispos do Brasil en- processo que passa por nós e continua no trarem em cena e indicarem, de modo claro, amadurecimento da compreensão do proje- qual era o direcionamento para a “missão e to de Deus, revelado em Jesus Cristo, proje- ministérios dos cristãos leigos e leigas na Igreja to que vai tomando corpo em nós, pastores e no mundo”, título dado ao Documento 62 e fiéis, clero e laicato, quando juntos nos da CNBB, aprovado na sua 37ª Assembleia empenhamos na mesma tarefa de edificar o Geral, em abril de 1999. Aqui o conceito de Reino de Deus em nosso mundo carente do leigo já não é de destinatário, mas surge como fermento, do sal e da luz do evangelho.

Bibliografia

FAIVRE, Alexandre. Los primeros laicos: cuando la Iglesia nascía al mondo. Burgos: Monte Carmelo, 2001. GONZÁLEZ, Miguel Anxo Pena. La edad patrística y la configuración de una espiritualidad laical. In: nº- 324 nº-

• LÓPEZ, Elisa Estévez (org.). Hombres y mujeres de espíritu en el siglo XXI. Salamanca: Universidad Pontificia, 2012. LÓPEZ, Elisa Estévez. Los primeros cristianos como modelo de espiritualidad laical. In: ______. Hom- ano 59 • bres y mujeres de espíritu en el siglo XXI. Salamanca: Universidad Pontificia, 2012. ______. Hombres y mujeres de espíritu en el siglo XXI. Salamanca: Universidad Pontificia, 2012, p. 95.

Vida Pastoral 32

Roteiros homiléticos

Zuleica Aparecida Silvano*

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*Ir. Zuleica Aparecida Silvano, Todos os Santos religiosa paulina, licenciada em 4 de novembro Filosofia pela UFGRS, mestra em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma) e I. Introdução geral doutora em Teologia Bíblica pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Neste ano dedicado ao laicato, é muito significativo cele- Teologia (Faje), onde atualmente brar a solenidade de Todos os Santos e Santas, pois o caminho leciona. É assessora no Serviço de de santidade tem sua raiz principal na graça batismal, no ser Animação Bíblica (SAB/Paulinas) em Belo Horizonte. E-mail: zuleica. introduzido no mistério pascal de Cristo e receber seu Espíri- [email protected] to. Esse caminho é um dom, mas é também um convite cons- tante ao compromisso com o Reino de Deus (evangelho). A Igreja, ao fazer memória de seus santos (canonizados ou não) e mártires, ensina que é possível a todos percorrer esse cami- nho, mesmo diante de forças adversas (I leitura). O evangelho nº- 324 nº- de hoje nos faz recordar as palavras do papa Francisco em sua • nº- 324 nº- Exortação Apostólica (GE) sobre a santi- •

dade: “Se um de nós se questionar sobre como fazer para che- ano 59 •

gar a ser um bom cristão, a resposta é simples: é necessário ano 59 • fazer [...] aquilo que Jesus disse no sermão da bem-aventuran- ça” (GE 63). De fato, ser santo é viver como filho de Deus, Vida Pastoral

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deixar-se transformar, entregar-se à vivência A segunda visão (vv. 9-14) apresenta uma do amor (II leitura) e seguir Jesus Cristo no multidão incontável, proveniente de todas as dia a dia, tendo como programa de vida as nações (universalidade). A túnica branca re- bem-aventuranças (evangelho). trata a salvação e, no Apocalipse, foi prometi- Roteiros homiléticos Roteiros da aos vitoriosos e aos mártires (3,4; 6,11), II. Comentário dos textos ou seja, àqueles que são fiéis ao projeto de bíblicos Deus e venceram as forças que se opõem a 1. I leitura: Ap 7,2-4.9-14 Cristo. Da mesma forma que Deus salvou Is- Este texto do Apocalipse objetiva animar rael da escravidão do Egito, também o Cor- as comunidades cristãs a permanecer fiéis a deiro salvará aqueles que resistiram a toda Cristo, sobretudo diante da perseguição e das opressão. A vitória e a salvação pertencem a tribulações. O capítulo 7 está situado na se- Deus e ao seu Cordeiro. Deste modo, os már- ção da abertura dos selos (6,1-7,17) e é res- tires e os perseguidos (que passaram pela tri- posta à pergunta do capítulo precedente (Ap bulação) participam da Paixão de Cristo, mas 6,17): quem poderá ser considerado inocente também de sua vitória. (“ficar em pé”) no dia da intervenção final e A pergunta do ancião, no v. 13, tem a fina- do julgamento de Deus? A resposta é: aquele lidade de enfatizar a solenidade da revelação e que permanece fiel ao seguimento de Jesus o significado do simbolismo das “túnicas Cristo, mesmo que isso possa lhe custar a en- brancas”. A resposta paradoxal de que as túni- trega da própria vida. cas são brancas porque foram lavadas no san- A primeira cena (vv. 2-4) tem como con- gue do Cordeiro nos faz vislumbrar a salvação texto a terra, sob ameaça dos ventos que vêm final, já experimentada, mas não totalmente, dos quatro ângulos, considerados ventos no- ao aderirem a Jesus, o Messias, e serem intro- civos e destruidores (cf. 1 Henoc 76). Os ser- duzidos no tempo messiânico pelo batismo. vos, porém, serão poupados por meio de Deste modo, a purificação trazida pelo sangue uma intervenção direta e gratuita de Deus, do Cordeiro permite aos cristãos realizar um conforme anuncia o quinto anjo encarregado culto agradável a Deus por meio de sua vivên- por Deus de dar as ordens aos mensageiros cia comunitária e pelo cumprimento da mis- descritos no v. 1. são, dada a cada um, de anunciar o Reino de Ser assinalado na fronte, como mencio- Deus e de por ele chegar a doar a própria vida. nado no v. 3, é expressão da proteção divina (cf. Ex 12,21-30), e os assinalados, provavel- 2. Evangelho: Mt 5,1-12a mente, são aqueles que não se deixaram con- As bem-aventuranças marcam o início taminar pela idolatria (cf. Ez 9,1-11) e, por- dos discursos sobre o Reino de Deus no tanto, pertencem a Deus. Esses dois comen- Evangelho segundo Mateus. Os destinatários tários ajudam a compreender o significado de da mensagem de Jesus são pessoas prove- sermos assinalados no rito do batismo. nientes de vários lugares (tanto de Israel O número 144 mil é simbólico (v. 4), in- como das regiões dos gentios), ou seja, todas dica que são muitos e formam uma totalidade as nações (cf. Mt 4,25). perfeita (144 mil é um número perfeito, re- Jesus sobe ao monte e assume a posição nº- 324 nº- • sultado da multiplicação de 12 x 12 x 1.000). de Mestre. O monte é o lugar da revelação e Provavelmente, refere-se ao povo de Deus é o local onde Jesus ensina com autoridade que será preservado das ameaças e dos flage- (cf. Mt 7,28-29). É possível estabelecer um ano 59 • los pela sua fidelidade ao Deus vivente (cf. paralelismo entre Jesus e Moisés. Moisés su- Nm 1,20-43). bia ao Sinai para receber a Lei de Deus desti-

Vida Pastoral 34 nada a Israel (cf. Ex 19,3; 24,15.18), sinal da atenção a relação existente entre os “pobres aliança entre Deus e o povo, enquanto Jesus, em espírito” (v. 3) e os que “vivem perseguidos como Messias e Filho de Deus, sobe ao mon- por causa da justiça” (v. 10), pois em ambos os te para apresentar não uma Lei, mas um pro- casos o verbo “ser” está no presente (“porque grama de vida, e para estabelecer nova alian- deles é...”) e a herança consiste no Reino de ça com toda a humanidade (cf. Mt 5,1-7,27). Deus. Desse modo, é legítimo afirmar que os A bem-aventurança é o resultado daquilo “pobres em espírito” são os perseguidos por que é constatado após uma sequência de fatos. causa da justiça, ou seja, os que sofrem nas Por isso está relacionado ao passado e ao pre- mãos dos opositores a Cristo, os que acredi- sente, e não somente ao futuro. As bem-aventu- tam que o Reino de justiça, vivido e anunciado ranças, em Mt, podem ter um caráter escatoló- por Jesus, não é sonho utópico e por isso lu- gico, no sentido do “já e ainda não”: ou seja, já tam e resistem para que esse Reino aconteça. acontecem e são reveladas nos gestos de Jesus Um texto que poderia nos ajudar a entender Cristo, que inaugura o Reino de Deus, e daque- os “pobres em espírito” é Mt 25,34-40, no les que seguem o Messias Jesus, mas serão vi- qual se afirma que aqueles que têm compaixão venciadas em sua plenitude na salvação futura. para com os mais pobres herdarão o Reino de O papa Francisco afirma que ser “bem- Deus. Assim, os “pobres em espírito” são tam- -aventurado” tornou-se sinônimo de ser san- bém aqueles que são solidários, dóceis à Pala- to, “porque expressa que a pessoa fiel a Deus vra e abertos à incessante novidade de Deus. e que vive a sua Palavra, na doação de si mes- Os aflitos, contemplados na segunda ma, vive a verdadeira felicidade” (GE 64). bem-aventurança, são os que sofrem por cau- O discurso das bem-aventuranças é o ale- sa das forças do mal, os que são vítimas da gre anúncio do Reino de Deus, dirigido ao opressão e da violência. O termo “consolar” povo pobre, oprimido, indefeso, marginali- – que literalmente pode ser traduzido por zado, aflito. Em Cristo, Deus vem para defen- “chamar para junto de”, ou seja, defender, in- der, consolar, acolher, ouvir novamente o tervir em favor daquele que não pode se li- clamor do povo. Deste modo, as bem-aven- bertar sozinho – remete-nos à missão proféti- turanças descrevem o modo cristão de viver ca descrita em Is 61,1-2. o seguimento de Jesus, de estar em comuni- A terceira bem-aventurança está baseada dade, na história. É um convite à mudança no Sl 37,11, quando menciona os injusta- de mentalidade ao qual não podemos ficar mente desapropriados de suas terras. Por indiferentes (cf. Mt 4,17). Essa mudança tem isso, podemos traduzir por felizes os oprimi- como critério a novidade do Reino, que nos dos, os fracos, os que se encontram em con- desconcerta, visto serem chamados de “feli- dições lastimáveis e percebem, pelo anúncio zes” aqueles que a sociedade despreza, ex- de Jesus, ser possível restituir sua dignidade clui, os considerados “infelizes”. e contar com a partilha, na qual todos terão o A primeira bem-aventurança é dirigida necessário para sobreviver. aos “pobres em espírito”, no entanto não po- Os que têm fome e sede de justiça são demos interpretá-los como aqueles que tole- aqueles que optaram por viver a justiça de tal ram passivamente a pobreza. “Pobre” é a pes- forma, que ela perpassa seu modo de ser, de nº- 324 nº- soa que tem consciência de sua total depen- pensar, de agir, é uma necessidade. Justiça • dência de Deus. Por isso, está disponível a significa ter justa relação com Deus, com o cumprir a sua vontade, pois tem consciência próximo e consigo mesmo. Justo é alguém ano 59 de que não é possível depositar sua confiança que se deixa configurar a Cristo, alguém que • na riqueza ou nos bens. No texto, chama a se insere no processo de humanização de

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suas relações, alguém que deseja e constrói to cultual e pode ser também entendida no uma sociedade justa e fraterna. sentido ético, ou seja, tornamo-nos semelhan- A bem-aventurança seguinte é centrada tes a Cristo quando agimos conforme seus en- na misericórdia, tema fundamental em Mt, a sinamentos, tão bem retratados no evangelho, Roteiros homiléticos Roteiros qual se expressa na compaixão para com o e deste modo vamos sendo santificados. outro por meio de gestos concretos (cf. Mt 9,13; 12,7; 25,35-37) e no perdão nas rela- III. Pistas para reflexão ções comunitárias (cf. Mt 18,33). As leituras desta solenidade de Todos os A expressão “puro de coração” nos repor- Santos e Santas nos ajudam a compreender a ta ao Sl 24. A maior das impurezas é a “mor- vocação universal à santidade. Vocação que te”, assim os “puros de coração” são aqueles fomos convidados a reavivar por meio da ins- que promovem a vida e experimentam pro- tituição do Ano do Laicato e por meio da fundamente a presença do Deus da vida. A Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, do “pureza de coração” também está ligada à papa Francisco. Elas também contribuem santidade e à integridade interior. para esclarecer as concepções errôneas de A expressão “os que promovem a paz” que a santidade é algo ultrapassado, que nem pode ser interpretada como referência aos jus- cabe considerar, ou algo tão distante, que tos (cf. Sl 34,15), por terem uma vida perpassa- não é possível atingir, restando-nos desistir e da por valores éticos. A paz é a síntese dos bens continuar com uma vida cristã acomodada. prometidos por Deus para os tempos messiâni- Ser santo não consiste num desenfreado es- cos. Trabalhar pela paz, portanto, é ser colabo- forço humano e num afastamento quase total rador de Deus na construção de seu Reino. de tudo o que esteja ligado às “coisas do Ser perseguido é a experiência dos cris- mundo”; significa, antes, viver profunda- tãos, membros das comunidades primitivas, mente o nosso ser batizado, que é um dom, como é o caso da de Mateus, por serem se- uma graça recebida de Deus (II leitura), mas guidores do Mestre Jesus e fiéis às suas pala- supõe uma resposta, um compromisso com o vras e gestos. Reino de Deus e uma vida pautada pelas bem-aventuranças (evangelho). 3. II leitura: 1Jo 3,1-3 Nesta solenidade, cada cristão é ainda Este texto se inicia com uma exulta- convocado a permanecer fiel a Cristo, resistir ção, motivada pela constatação de que o cris- à perseguição e às realidades que se opõem tão que experimenta o amor de Deus Pai, ao projeto de Deus (I leitura) e também fazer pela adesão a Jesus e por meio do batismo, é memória dos santos e santas (canonizados filho de Deus. ou não) e dos mártires da América Latina, No v. 1, a palavra “mundo” deve ser en- que tão bem souberam viver as bem-aventu- tendida como tudo aquilo que se opõe a ranças e expressá-las nos pequenos gestos no Cristo. Na primeira carta de João, são aque- cotidiano (GE 16). les que não reconhecem Jesus como Messias e Filho de Deus. A frase “como ele é” (v. 2), 32º Domingo do Tempo Comum neste contexto, ressalta a diferença entre co- 11 de novembro nº- 324 nº- • nhecer Jesus Cristo e o Pai por meio da fé e a visão de Deus, em sua glória, no fim dos I. Introdução geral tempos. As leituras bíblicas deste domingo têm ano 59 • A expressão “santificar a si mesmo” ou como temas centrais a confiança no Deus “purifica a si mesmo” (v. 3) pertence ao âmbi- verdadeiro e a entrega total da própria vida,

Vida Pastoral 36 conforme fez Jesus Cristo (II leitura), em con- para a sobrevivência dela e de seu filho. Elias traste com a falsa piedade dos escribas (evan- depende do abandono confiante da viúva e gelho) e com os falsos ídolos que conduzem à lhe exige uma fé que vai além do amor para morte (I leitura). Deste modo, elas nos convi- com seu filho e para consigo mesma. A viúva, dam a estar disponíveis para nos dedicarmos mesmo diante do extremo sofrimento, da totalmente ao serviço do Reino. dor, da morte, confia, ajuda o profeta, entre- gando-lhe tudo que possuía. Pela confiança II. Comentário dos textos de ambos e pela generosidade da pobre viú- bíblicos va, Deus age e se revela como o Deus da vida. Note-se que a vasilha de farinha e a jarra 1. I leitura: 1Rs 17,10-16 de óleo não se encheram, mas também não se Acab, rei de Israel, ao casar-se com Jeza- esvaziaram, ou seja: Deus cumpre a promessa, bel, filha do rei da Fenícia, permitiu que fos- mas no pouco. Desse modo, Ele convida a viú­ se introduzido no Reino do Norte o culto a va, o profeta e a nós a confiar a cada dia e nos Baal (deus cananeu ao qual se atribuía o dom ensina que pouca coisa é necessária para viver da chuva e da fertilidade da terra), abando- quando confiamos na sua presença, a qual se nando o verdadeiro Deus de Israel. Diante manifesta no cotidiano e em nossa pobreza. desta realidade, em 1Rs 17,1-9 Elias profetiza a seca em toda a região, mas ele mesmo é sus- 2. Evangelho: Mc 12,38-44 tentado por Deus, que lhe dá água da torren- Na passagem de Mc 12,38-44 há a des- te e o alimenta com o pão levado pelos cor- crição do último ensinamento público de Je- vos todas as manhãs. No v. 7, somos informa- sus no Templo. Nesse ensinamento (vv. 38- dos de que a torrente secou e assim o profeta 40), Jesus questiona o comportamento dos não tem como sobreviver, passando a sofrer escribas pela ostentação, pela exploração das as consequências do seu anúncio: a seca e a viúvas e pelas orações feitas para impressio- fome. Nesse contexto, Deus dá nova ordem: nar os outros. Desse modo, não obedecem ao “Vá a Sarepta da Fenícia para viver aí; eu or- primeiro mandamento, que diz respeito a denarei uma viúva que te dê comida”. Uma Deus, nem ao segundo mandamento, ao ex- ordem que exige fé e obediência, dado que plorarem as viúvas, pessoas que deveriam ser Sarepta era cidade localizada ao sul de Sidô- protegidas por eles (cf. Ex 22,21-23; Is 1,17; nia, na Fenícia, terra de onde provinha Jeza- 10,1-2). Por isso, Jesus afirma que terão um bel e seu culto a Baal, e o profeta precisava juízo muito severo da parte de Deus. contar com a generosidade de uma viúva es- É nesse contexto que Jesus chama a aten- trangeira, pobre, possuidora somente de um ção para a atitude da viúva pobre, oposta à punhado de farinha para alimentar o seu fi- dos escribas, que privavam as viúvas de seu lho e a si mesma. Por outro lado, essa indefe- patrimônio, empobrecendo-as. Num primei- sa viúva é também desafiada a confiar num ro momento, o evangelista especifica onde estrangeiro (Elias) e lhe é exigida atitude de Jesus se posiciona, o que observa (vv. 41-42), profunda fé em um Deus que não conhecia, e e depois nos dá a conhecer sua avaliação, isso num momento crucial, no qual não ha- fundamentada naquilo que vê. Sentado dian- nº- 324 nº- via nenhuma possibilidade de esperança. te do cofre do Templo, Jesus observa que os • Essa tensão e exigência são expressas na dra- ricos oferecem muito e a pobre viúva oferece maticidade da fala da viúva (“comeremos e duas moedinhas, que correspondem a muito ano 59 depois morreremos”) e na insistência do pro- pouco. A avaliação dele não se baseia no va- • feta, que pede a essa mulher tudo que tinha lor econômico, mas existencial. Aprova a li-

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berdade da viúva pobre diante do bem mate- Nos vv. 24-25, são ressaltadas várias dife- rial que possui e também sua atitude de total renças entre Jesus e o sumo sacerdote. A pri- confiança em Deus. Ela, por sua vez, de- meira está na afirmação de que Jesus entra no monstra a capacidade de amar a Deus com céu e diante de Deus intercede a nosso favor, Roteiros homiléticos Roteiros toda a alma, com todo o coração, com toda a enquanto o sumo sacerdote entra no santuário mente e com toda a força, que são os bens terreno (v. 24a, santuário feito por mãos hu- materiais (cf. Mc 12,30), não reservando manas). Desse modo, confirma que Jesus é o nada para si, mas generosamente depositan- único mediador entre Deus e nós. A segunda do “todo o seu viver” nas mãos de Deus. Je- está na constatação de que o rito de expiação sus reprova tanto os escribas (cf. vv. 38-40), era realizado anualmente. Assim, não eram ex- que se deixaram corromper pela ambição e piados os pecados definitivamente, ao passo pela vanglória e exploram os pobres no pou- que o sacrifício expiatório de Jesus, sua morte, co que têm, quanto os ricos, que doam a é oferecido uma única e definitiva vez. Deus de seu supérfluo. Identificamos três temas nos vv. 27-28: a Este relato nos indica que o lugar do en- vinda de Cristo no fim dos tempos, a espera contro com Deus não se situa no âmbito do ativa dos cristãos e a salvação que será obtida. poder cultual ou institucional, mas no da to- Esses versículos apresentam Jesus como sacer- tal abertura e disponibilidade a Deus. Outro dote e o verdadeiro Cordeiro de Deus, que eli- aspecto a ser sublinhado é que, na atitude mina todos os pecados em virtude da força despojada dessa viúva pobre, que oferta expiatória de seu sangue, baseando-se no cân- “todo o seu viver”, transparece a atitude de tico do Servo do Senhor em Is 52,13-53,12. Jesus de doar a própria vida, entregar-se to- talmente por amor e por fidelidade ao proje- III. Pistas para a reflexão to de Deus. Portanto, os discípulos são cha- As duas viúvas (da I leitura e do evange- mados a seguir não o exemplo dos escribas, lho) nos interpelam sobre o que significa doar- mas sim o da pobre viúva, que centra a vida -se sem medida e ensinam a cada um de nós no amor gratuito a Deus. que o critério para discernir a autenticidade de nosso seguimento de Jesus é o despojamento. 3. II leitura: Hb 9,24-28 De fato, é impossível seguir Cristo sem total Tendo presente o tema central do evange- confiança em Deus, atitude vivenciada radi- lho desta liturgia, que é o doar-se totalmente a calmente por Jesus ao entregar-se por fidelida- Deus, o texto de Hb 9,24-28 enfatiza a entrega de ao projeto do Pai (II leitura). plena de Jesus, a fim de destruir o pecado, e Ao fazermos memória do único sacrifício seu acesso ao santuário celestial, por meio de de Cristo, possamos ter consciência deste sua morte, para interceder por nós. amor transbordante do Deus crucificado, que Nesta passagem, o autor estabelece um deseja ardentemente ocupar os espaços de contraste entre o sacrifício de Cristo e a cele- nossa existência que ainda permanecem fe- bração do Dia das Expiações, na qual o sumo chados, sem vitalidade, para plenificá-los sacerdote, uma vez por ano, entrava no Santo com sua presença e nos impulsionar à entre- dos Santos (o lugar mais sagrado do Templo) ga de nossa vida em solidariedade com as nº- 324 nº- • para aspergir o propiciatório (provavelmen- inúmeras vítimas sacrificadas pela exclusão, te, um objeto colocado sobre a tampa da arca pela marginalização em nossa sociedade. da Aliança) com o sangue das vítimas ofere- Desse modo, estaremos adorando o Deus ano 59 • cidas em sacrifício em expiação pelos peca- verdadeiro revelado em Jesus Cristo, aquele dos do povo. que intercede por nós junto ao Pai.

Vida Pastoral 38 33º Domingo do Tempo Comum 18 de novembro Liturgia eucarística dos domingos e solenidades I. Introdução geral Livro do altar Como sinal concreto do Ano Santo Extra- ordinário da Misericórdia (2016), o papa Sagrada Congregação para o Culto Divino Francisco instituiu o 33º Domingo do Tempo Comum como o dia mundial dos pobres, por meio da Carta Apostólica intitulada Miseri- cordia et Misera (cf. n. 21). Para o papa, esse dia irá “ajudar as comunidades e cada batiza- do a refletir como a pobreza está no âmago do evangelho e tomar consciência de que não pode haver justiça nem paz social enquanto Lázaro jazer à porta da nossa casa (cf. Lc 16,19-21)”. O papa Francisco exorta tam- bém a fazer deste dia “uma forma genuína de nova evangelização (cf. Mt 11,5), procuran- do renovar o rosto da Igreja na sua perene ação de conversão pastoral para ser testemu- nha da misericórdia”.

II. Comentário dos textos 176 págs. bíblicos 1. I leitura: Dn 12,1-3 É de extrema importância O livro de Daniel foi escrito no período apresentar ao povo a nítida distinção entre Liturgia da Palavra dos Macabeus (século II a.C.), quando o e a sacrifical. Esta só começa povo judeu sofria a dominação grega dos se- com a colocação do pão e lêucidas, sobretudo de Antíoco IV Epífanes. do vinho sobre o altar. Daí a Pela dificuldade em falar abertamente, pois necessidade de um Livro do altar, do contrário seriam duramente torturados e que pode e deve permanecer até mortos, o autor opta por uma linguagem no altar, distinto do Missal. O metafórica e simbólica, utilizando visões, volume traz a liturgia eucarística símbolos, elementos que chamamos apoca- dos domingos e solenidades de lípticos, a qual algumas vezes não é de fácil todo o ano. compreensão. A finalidade desses textos, que nos parecem enigmáticos, não é falar do fim do mundo ou de uma realidade futura, mas animar as comunidades a continuar re- Imagens meramente ilustrativas. sistindo e ser fiéis ao projeto de Deus. A pas- Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- sagem de hoje afirma que Deus está presente 0800-164011 • e intervém na história da humanidade ao SAC: (11) 5087-3625 introduzir a figura de Miguel (nome que sig- VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL ano 59 nifica “Quem como Deus”), o chefe do exér- paulus.com.br • cito celeste, que tem a missão de defender o

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povo e presidir sua libertação final. Dn 12, “daquele dia” (vv. 32) e a salvação dos que por ser a conclusão da revelação descrita nos permanecem fiéis ao projeto de Deus (v. 27). capítulos 10-11, sustenta que, apesar de No v. 24, após a menção à “grande tribu- todo sofrimento (v. 1) e da possibilidade da lação”, é anunciado um cataclismo cósmico, Roteiros homiléticos Roteiros destruição do inimigo, é necessário instaurar aspecto típico do anúncio do julgamento di- o Reino de Deus, no qual seus eleitos, cujos vino contra as nações nos livros proféticos e nomes estão “inscritos no livro” da vida (cf. nos discursos apocalípticos (cf. Is 13,10; Sl 69,29), serão salvos. 34,4; Jr 4,23-24; Ez 32,7-8; Jl 2,2.10.31). O Nos vv. 2-3 há uma das poucas alusões à cataclismo cósmico tem a finalidade de mos- ressurreição no AT (cf. 2Mc 7), com a afir- trar o controle de Deus sobre o universo e mação de que os justos (aqueles que são fi- proclamar a vinda do Messias. éis ao projeto de Deus) ressuscitarão para a No v. 26, o autor descreve a vinda do vida eterna, enquanto os injustos, para a “Filho do homem” utilizando a linguagem vergonha eterna (derrota definitiva). Essa das teofanias presentes no AT (cf. Ex 16,10; afirmação não serve para que o povo se con- 24,15; Lv 16,2; Nm 11,25). Em Mc 13, as forme com o sofrimento e com a opressão, nuvens, o poder e a glória simbolizam o ca- mas para alimentar a esperança de que ráter divino do “Filho do homem”, ou seja, aqueles que optaram pelo Senhor e vivem reforçam a dimensão divina de Jesus, que em comunhão com Deus já experimentam a manifesta a potência e a glória de Deus Pai. vida concedida pelo Messias Jesus na histó- Os anjos simbolizam a proximidade da pre- ria, e também participarão eternamente da sença divina. vida divina (v. 3). É essa a certeza que sus- A salvação prometida para os eleitos, tenta o povo a continuar resistindo, pois a provenientes de todos os povos (sentido uni- vitória final será do Senhor da vida, que versal), consiste na unificação e na comu- também concederá a vida aos sábios, por se nhão com Deus (cf. Is 34-35 e Zc 2,10). Isso comprometerem e ensinarem a justiça. é expresso na parábola da figueira, nos vv. 28-29, a qual retrata o florescimento da co- 2. Evangelho: Mc 13,24-32 munidade cristã, que tem como fundamento O capítulo 13 de Marcos é chamado de Jesus Cristo e será a verdadeira “casa de ora- “discurso escatológico” e assume algumas das ção” para todos os povos (11,17). O evange- principais características da literatura apoca- lista nos dá sinais de esperança, o Reino de líptica judaica. O capítulo se inicia com a ad- Deus já foi instaurado, mas é necessário dis- miração das pessoas diante do Templo de Je- cernir seus sinais na história. rusalém, o discurso de Jesus sobre sua des- O “tudo isso”, no v. 30, provavelmente se truição (13,1-8) e o futuro daqueles que se- refere à destruição do Templo (vv. 7-8), à vin- guem Jesus Cristo (13,9-37). Esse anúncio da do Filho do homem (vv. 26-27) e ao flo- não tem a pretensão de prever o que aconte- rescimento da nova comunidade cristã. Por cerá, mas quer refletir sobre a Guerra Judai- conseguinte, a comunidade pode confiar na ca, a destruição do Templo e da cidade de vitória final da salvação de Deus, mesmo Jerusalém no ano 70 d.C. diante dos conflitos e da opressão, pois Deus nº- 324 nº- • Os vv. 24-32 expõem o conteúdo central cumprirá sua Palavra (v. 31). do discurso: a vinda da figura do Filho do Mc 13,24-32 não tem a finalidade de homem (cf. Dn 7,14-15) e a garantia da vitó- apresentar uma realidade futura, e sim de in- ano 59 • ria final do Reino de Deus. Outros dois temas dicar a novidade da fé cristã em Jesus ressusci- importantes são a negação da previsibilidade tado e mostrar que a instauração do Reino de

Vida Pastoral 40 Deus não se dará no futuro, pois ele já foi já foi instaurada por Jesus Cristo (II leitura). inaugurado com Cristo e será plenamente ma- Assim, somos chamados a estar a serviço da nifestado na parúsia. Assim, a parúsia, que justiça e a ser portadores de esperança, anun- consiste na presença soberana de Deus no uni- ciando a certeza de que o Senhor da vida está verso, faz parte da esperança cristã. Esperança ao nosso lado e sua Palavra permanece para que não nos decepciona, pois é fundamentada sempre (evangelho). na Palavra de Deus e em sua fidelidade. Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do 3. II leitura: Hb 10,11-14.18 Universo A passagem de hoje retoma os elementos 25 de novembro presentes no texto do domingo passado (Hb 9,24-28). Desse modo, estabelece um con- I. Introdução geral traste entre o Dia das Expiações e o sacrifício Hoje celebramos a solenidade de Cristo, de Cristo, acentuando a eficácia definitiva da Rei do Universo, a qual encerra o ano litúrgi- oferta de Jesus. co e é também o coroamento do ano dedica- O tema central dos versículos escolhidos do ao laicato. Essas duas recordações nos aju- para a liturgia deste domingo é a salvação de- dam a retomar o que dizia o Concílio Vatica- finitiva obtida por meio de Jesus Cristo. O au- no II, ao afirmar que leigos são “cristãos que tor parte do pressuposto de que somente o estão incorporados a Cristo pelo batismo, sacrifício de Cristo, a sua oblação ao Pai, nos que formam o povo de Deus e participam das purificou dos pecados, concedendo-nos aqui- funções de Cristo: sacerdote, profeta e rei. lo que os antigos sacrifícios não poderiam rea- Realizam, segundo sua condição, a missão de lizar (v. 11): nossa santificação e a perfeição todo o povo cristão na Igreja e no mundo” definitiva (v. 14). Por isso, diferente dos sacri- (LG 31; cf. DAp 209). Portanto, nesta cele- fícios, Jesus se oferece uma única vez. Outro bração, apresentemos ao Senhor Jesus, servo contraste é que, enquanto o sumo sacerdote e servidor, nossa vocação batismal, nosso ser permanece no Templo, Jesus é introduzido à discípulos missionários e o desejo de, cada presença de Deus Pai, está sentado à sua direi- vez mais, sermos sujeitos eclesiais (“sal da ta e essa é a vitória obtida ao oferecer sua vida terra e luz do mundo”), assumindo nossa pela salvação da humanidade. Portanto, a sal- missão de construtores do Reino de Deus. vação, concedida por Deus em favor da huma- nidade, é obra de sua misericórdia. II. Comentário dos textos bíblicos III. Pistas para reflexão 1. leitura: Dn 7,13-14 Neste dia mundial dos pobres, a primeira O capítulo 7 do livro de Daniel inicia-se leitura nos exorta a ser anunciadores da espe- apresentando a visão das quatro feras, símbo- rança, mesmo numa realidade em que preva- lo dos quatro grandes impérios que oprimi- lece a opressão, e aponta para nossa missão ram Israel: os babilônios, os medos, os persas de ser sábios, ou seja, de ensinar a justiça. O e o rei selêucida Antíoco Epífanes. Quando evangelho reforça a mensagem da I leitura, este último inimigo for destruído, será ins- nº- 324 nº- dando-nos a certeza de que a última palavra taurado o Reino de Deus, descrito na segun- • é de Deus, pois ele é fiel ao seu projeto de da visão de Daniel nos vv. 13-14, na qual amor, solidariedade e justiça. Outro aspecto a Deus é representado por um Ancião e ocorre ano 59 ressaltar é que o Reino de Deus não é realida- a entronização celeste de um ser humano, o • de a ser esperada para o fim dos tempos, mas “Filho do homem”, em contraste com as feras

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anteriormente mencionadas. Esse “Filho do tauração do seu Reino, que é a manifestação homem” é personagem simbólico que, na tra- de sua ação salvífica na história. Desse modo, dição judaica, foi identificado com o Messias Jesus testemunha a verdade por se posicionar davídico e, no NT, com Jesus, mas em Dn a favor dela, e essa verdade só poderá ser Roteiros homiléticos Roteiros retrata o povo de Deus perseguido pelos im- compreendida por aqueles que são filhos de périos opressores e a quem Deus confere o Deus (cf. Jo 8,47). De fato, a “verdade” não é poder, a realeza e todos os povos e nações. doutrina, teoria, conhecimento a ser adquiri- Este reino não será destruído e podemos in- do, mas consiste em escutar e transmitir a terpretá-lo como o Reino de Deus. Dn 7,13- Palavra de Deus, alimentar uma experiência 14 é o texto apropriado para esta solenidade, profunda de encontro com Cristo e segui-lo. pois afirma que o Reino não é semelhante aos É importante salientar que, no Evangelho impérios opressores que devoram o povo. segundo João, Jesus reina não somente na ressurreição, mas em todo o processo de jul- 2. Evangelho: Jo 18,33b-37 gamento, na paixão e na morte, pois são oca- O trecho de Jo 18,33b-37, situado no cen- siões nas quais manifesta o amor, a glória de tro da narrativa da prisão, julgamento e morte Deus e a realeza divina. de Jesus (Jo 18-19), sublinha a realeza de Cris- to, seu poder universal sobre todas as coisas, e 3. II leitura: Ap 1,5-8 revela o amor incondicional de Deus e de seu O texto escolhido para a II leitura deste do- Filho, que se entrega totalmente à vontade do mingo faz um recorte na perícope, priorizando Pai. Este evangelho tem como cena principal os versículos que sublinham os motivos pelos Pilatos, que se retira no pretório e se dirige a quais Jesus é considerado o príncipe dos reis da Jesus para perguntar sobre sua realeza. terra. No v. 5a, os títulos dados a Cristo revelam O texto deixa transparecer que Jesus não que ele é declarado Senhor não somente no tem dúvida de sua dignidade régia nem Pila- sentido político e terrestre, mas também cósmi- tos. Este, porém, considera que a realeza de co e escatológico. Nos vv. 5b-6, há um louvor Jesus seja religiosa, não política. Diante da (doxologia) dirigido a Cristo como vivificador e pergunta de Jesus e da resposta de Pilatos, Senhor universal. Este louvor expressa o reco- percebe-se que ser “rei dos judeus” é a acusa- nhecimento do amor de Cristo por parte da ção principal apresentada pelos sumos sacer- comunidade e é um agradecimento pela remis- dotes e pelo povo, a qual, para o procurador são dos pecados e pela salvação. A comunida- romano, constitui um argumento fraco para de, porém, não é somente objeto da história da considerar o prisioneiro um criminoso. salvação, mas sujeito. Para reafirmar esse prota- Um elemento relevante é que Jesus é rei gonismo, o autor, no v. 6, faz referência a Ex para dar testemunho da verdade (v. 37). A 19,6, convidando a comunidade a tomar cons- palavra “verdade”, conforme as interpreta- ciência de ser um reino e um povo sacerdotal, ções que utilizam como substrato a cultura que tem como missão estar a serviço do outro. grega, pode ser entendida como um desvela- Esse texto do livro do Êxodo também faz me- mento do que estava oculto e, nesse sentido, mória da experiência do povo de ser resgatado seria a revelação, o dar testemunho do misté- e santificado, quando foi liberto do Egito. nº- 324 nº-

• rio, da realeza do Pai. Esse termo também O v. 7 anuncia a vinda de Cristo, a volta pode assumir o sentido de “fidelidade”, con- daquele que foi crucificado, servindo-se das forme a cultura hebraica. Assim, a paixão e profecias de Dn 7,13 (I leitura) e Zc 12,10. ano 59 • morte de Jesus revelam a fidelidade de Deus O alfa e o ômega, mencionados no v. 8, às promessas, cujo núcleo é justamente a ins- são a primeira e a última letra do alfabeto

Vida Pastoral 42 grego, ou seja: Deus é o princípio e o fim, perdemos gradativamente a capacidade de por isso está presente em todo o tempo e esperar. Ele exorta a saborear a novidade de perpassa, com sua benevolência, toda a his- Deus e nutrir a esperança de sua vinda. É o tória humana desde a criação. tempo propício para contemplar o grande mistério da encarnação, que celebraremos no III. Pistas para reflexão Natal, mas também para desejar a vinda defi- Os textos bíblicos desta celebração da so- nitiva do Senhor, preparando-nos por meio lenidade de Cristo Rei, que marca o encerra- da escuta atenta de sua Palavra e do agir con- mento do Ano do Laicato, reportam-nos a trí- forme à sua vontade (II leitura). É a ocasião plice missão, recebida no batismo, de sermos da espera fecunda, esperançosa, mas também sacerdotes, reis e rainhas, profetas e profetisas. ativa. É o momento de contemplar a certeza Como sacerdotes (II leitura), somos mediado- da vinda do Senhor nos gestos de solidarie- res e servidores e convidados a viver em co- dade e na vivência da justiça e da paz (I leitu- munhão com Deus e com o outro. A nossa ra) e de anunciar, diante da realidade de missão, como reis e rainhas, é estar a serviço opressão, que a “nossa libertação se aproxi- do Reino de Deus, da mesma forma que Jesus ma” (evangelho). Cristo é Rei porque instaurou o Reinado do Pai, realidade dinâmica que vai crescendo pro- II. Comentário dos textos gressivamente até atingir o seu objetivo final: a bíblicos total soberania de Deus. Como profetas e pro- 1. I leitura: Jr 33,14-16 fetisas, somos chamados a anunciar o evange- A passagem do profeta Jeremias tem lho, consolar as pessoas, alimentando suas como tema central a restauração da dinastia esperanças, e a resistir àqueles que se opõem davídica, após a destruição de Jerusalém e do ao Reino. Este se expressa na vitória sobre Templo pelo império babilônico, abalando todo mal e na percepção dos sinais de Deus também a fé do povo nas promessas feitas em nossa história; portanto, não é algo somen- por Deus, entre as quais a promessa relativa à te para o futuro, mas depende de cada um de dinastia de Davi, narrada em 2Sm 7. O rei nós torná-lo sempre mais visível em nossa so- prometido (“rebento legítimo”) é descrito por ciedade, assumindo também a vocação profé- meio de várias características da monarquia tica ao resistirmos à opressão e anunciarmos o davídica, ou seja, unificará os dois reinos (v. amor e a justiça de Deus (I leitura). Por isso, é 14: de Israel e de Judá, do Norte e do Sul), oportuno nesta celebração nos perguntarmos: instaurará a justiça (“farei brotar a semente Em que consiste o Reino de Deus? Como per- da justiça”) e administrará com justiça e con- cebemos seus sinais em nossa sociedade? O forme a vontade de Deus. Esses elementos Reino de Deus está no centro de minha vida? aparecem na confissão testamentária de Davi: Quais obstáculos impedem que o Reino se tor- “Quem governa os homens com justiça e ne visível entre nós? Com estou assumindo a quem governa segundo o temor de Deus é tríplice missão que recebi no batismo? como a luz da alva ao nascer do sol, manhã sem nuvens depois da chuva, que faz brilhar 1º Domingo do Advento – Ano C a erva do solo” (2Sm 23,3-4). nº- 324 nº- 2 de dezembro Tanto a imagem vegetal contida nas ex- • pressões “rebento” e “farei brotar” como a re- I. Introdução geral cordação das últimas palavras de Davi, antes ano 59 O tempo do Advento vem na contramão de sua morte, expressam a fecundidade dian- • do ritmo acelerado em que vivemos, no qual te de uma realidade de morte e destruição. O

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novo rei será também mediador da justiça Num cenário marcado pelos abalos cósmi- divina, dando a paz e o bem-estar ao povo (v. cos, surge o “Filho do homem” (v. 27), descrito 16). Por isso, será legitimado por Deus (o com atributos divinos (os sinais teofânicos re- nome dele será “O Senhor é a nossa justiça”). presentados pela nuvem) e como portador da Roteiros homiléticos Roteiros A justiça, na Bíblia, é concebida como ade- missão de manifestar o poder e a glória de quada relação com Deus e com o próximo. É Deus, de julgar aqueles que se opõem ao seu viver relações harmoniosas em todos os âm- projeto (vv. 25-26) e libertar os que são fiéis (v. bitos, tendo como critério a dignidade huma- 28). Esses versículos estão baseados no Sl 65,8 na e a solidariedade. e nas profecias de Is 34,4 e Dn 7,13-14. Lucas não dá prioridade à unificação de 2. Evangelho: Lc 21,25-28.34-36 todos os povos, como acontece no texto de A linguagem apocalíptica presente neste Mc, aprofundado no 33º domingo comum, texto é própria de contextos difíceis, como é e sim à ação salvífica do Filho do homem, o de surgimento do Evangelho segundo Lu- pois, apesar de os acontecimentos serem cas, escrito por volta dos anos 90 d.C., após descritos de forma terrível, para os cristãos a Guerra Judaica e a destruição de Jerusalém são sinais de esperança, da proximidade da e do Templo, tempo marcado por conflitos libertação, da garantia da salvação. Desse entre os judeus e os seguidores de Jesus Cris- modo, o “Filho do homem” virá para asse- to. Esse contexto é retratado nos vv. 20-24. gurar a vitória da vida sobre a morte e pos- Nos vv. 25-28, o autor oferece elementos sibilitar à humanidade o reconhecimento da diferentes daqueles presentes nos outros soberania de Deus. evangelhos. De fato, Lc não sublinha as ca- A expressão “esse dia”, vv. 34-35, é típica tástrofes cósmicas, mas a reação das pessoas dos profetas para falar do “dia do Senhor”, e diante dos acontecimentos (vv. 25-26), abre- aqui é identificada com a vinda de Cristo. As via a descrição da parúsia (v. 27) e acentua o exortações à vigilância e à oração (vv. 34-36) sentido positivo que os eventos que prece- têm a finalidade de alertar os cristãos para o dem a vinda do “Filho do homem” têm para risco de se perderem no que é secundário e, os cristãos. amedrontados, perderem a capacidade de O autor recorre a uma linguagem apoca- discernir a vontade de Deus e enxergar a sua líptica, com características próprias dos anún- manifestação nesta realidade. cios proféticos de julgamento de Deus sobre as nações, como é notório nos vv. 25-28. Após 3. II leitura: 1Ts 3,12-4,2 os abalos cósmicos que atingem as nações Em 1Ts 3,6-13, Paulo exorta a comunida- contrárias ao projeto de Deus, é prometida a de, retomando a chamada tríade paulina (fé- salvação àqueles que permaneceram fiéis. -esperança-caridade). Os vv. 12-13, escolhi- Esses versículos, provavelmente, têm a in- dos para a liturgia, fazem parte de uma oração tenção de ajudar as comunidades a avaliar os de Paulo dirigida a Deus em favor da comuni- conflitos que estão vivendo, a animá-las a dade, tendo como conteúdo a vivência da ca- não desistir do projeto de Deus, mas conti- ridade. Apesar dessa centralidade na caridade, nuar testemunhando e esperando a liberta- há uma correlação entre a fé em Cristo e o nº- 324 nº- • ção. Portanto, têm a finalidade de sustentar a amor pelos outros. Ter fé consiste em acreditar esperança cristã, de alimentar a fé na presen- no amor de Deus revelado em Jesus Cristo; ça do “Filho do homem” e reforçar a sobera- por conseguinte, a caridade é expressão da fé ano 59 • nia de Deus como criador, redentor e Senhor no Deus que é amor, no Filho que se entrega da história. por amor e no Espírito que santifica por amor.

Vida Pastoral 44 O amor pelos outros já faz parte da comunida- de (cf. 1Ts 1,3), mas Paulo pede ao Senhor O que é Liturgia? que o plenifique com seu Amor. De fato, o amor não é um mero sentimen- Pe. Gregório Lutz, CSSp to, mas se expressa no compromisso de cons- truir comunidades fraternas, marcadas pelo cuidado mútuo, por ações solidárias, sobretu- do num contexto perpassado por violência, opressão e tribulação e completamente desfa- vorável, como era a realidade da comunidade de Tessalônica, que sofria perseguição. No v. 13, Paulo suplica a Deus Pai e ao

Senhor Jesus que mantenham a comunidade 48 págs. na santidade, até a vinda de Jesus Cristo no Pe. Gregório Lutz, conhecedor da fim dos tempos, na parúsia. A santidade é um liturgia, concedeu várias entrevistas dom, mas também um empenho da comuni- radiofônicas. Consciente da utilidade dade em escutar a vontade de Deus e pô-la dessas entrevistas, ele as apresenta agora em formato de livro. em prática. Neste texto, podemos dizer que uma vida santificada é vida voltada para o próximo, marcada pelo amor, pelo sair de si, mesmo quando predominam a violência e a falta de solidariedade. A santidade consiste Pequeno vocabulário em sermos sinais do Reino e do seguimento prático de liturgia de Jesus em todos os espaços, sobretudo nos Susana Alves da Motta (org.) espaços públicos, e não somente em nossas comunidades, paróquias, igrejas. Ela se ex- pressa na humanização das relações nas ex- periências cotidianas, sendo uma caracterís- tica do ser cristão, um estilo de vida que, contudo, sempre está em processo, sempre pode ser aprimorado. Por isso, em 1Ts 4,1-2, o apóstolo convida a comunidade a continu-

ar progredindo. Paulo também esclarece que 64 págs. essas orientações não são feitas em seu pró- Este pequeno vocabulário foi feito para o prio nome, mas em nome do Senhor Jesus. uso do povo, que muitas vezes conhece Desse modo, as exortações são transmitidas as realidades, mas não está familiarizado pelos apóstolos, mas são fundamentadas na com os conceitos próprios da linguagem canônica. O conteúdo deste trabalho autoridade de Deus. Por conseguinte, rejeitar pretende ser eminentemente prático. essas normas é rejeitar o próprio Deus. Imagens meramente ilustrativas. Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- III. Pistas para reflexão 0800-164011 • Neste tempo de Advento, somos convida- SAC: (11) 5087-3625 dos a perceber nossas infidelidades ao projeto VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL ano 59 • de Deus e novamente ouvir o apelo do profeta paulus.com.br para sermos portadores de esperança (I leitura).

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O evangelho reafirma a necessidade de reavi- babilônico, a deportação dos habitantes de varmos nossa esperança e acreditarmos na li- Judá e o retorno do exílio. Essas imagens re- bertação de todo tipo de opressão. Mas é neces- tratam uma relação de casamento, de alian- sário nos mantermos firmes, perseverar no se- ça, comum nos oráculos proféticos. Desse Roteiros homiléticos Roteiros guimento de Jesus e progredir na vida cristã. modo, Deus assume o papel do Pai, por ser Assim, a liturgia deste 1º domingo do Advento o criador e aquele que ensina. O comporta- direciona-nos para a vigilância, na espera do mento dos filhos (a infidelidade do povo) Senhor que virá no fim dos tempos (evange- provocou a sua ira, por isso os castigou com lho), e, para isso, convida-nos a reavaliar nossas o exílio. Jerusalém é apresentada como a atitudes e reavivar nossa vocação à santidade, mãe inocente, a esposa abandonada pelo Se- que consiste num processo contínuo de huma- nhor ou a viúva que sofre com a infidelidade nização das nossas relações (II leitura). dos seus filhos. Apesar de sua tentativa de interceder pelos filhos, ela não foi ouvida, 2º Domingo do Advento assim vive a dura realidade do abandono e 9 de dezembro da desolação (cf. Pr 19,18; Dt 13). Nesse texto, o foco central é a intercessão da mãe, I. Introdução geral Jerusalém, pelos filhos. A liturgia deste 2º domingo do Advento Diante da realidade catastrófica do exílio, tem como fio condutor o anúncio da salva- a principal pergunta era se Deus permanece- ção. A profecia de Baruc anuncia a salvação ria indiferente ao sofrimento do povo. Após a por meio da vinda de Deus, o qual tem como confissão dos pecados e a exortação à conver- objetivo refazer sua aliança com o povo, por são, Deus anuncia, por meio do profeta, a li- ser misericordioso (I leitura). O evangelho bertação para Jerusalém (a capital de Judá). nos convida à conversão para acolhermos a Ao recorrer a uma linguagem simbólica e me- salvação que virá por meio de Jesus Cristo, o tafórica, o autor convida Jerusalém a termi- Filho de Deus. Essa salvação é um dom e é nar o luto, revestir-se do esplendor e da gló- anunciada a todos, mas requer uma mudança ria do Senhor e envolver-se com sua justiça. de mentalidade e uma vivência marcada pelo Assim, é anunciada nova relação entre Deus e amor fraterno (II leitura). o povo, que será manifestada também para as nações (v. 3). A cidade receberá de Deus novo II. Comentário dos textos nome, que aponta também a sua missão: “Paz bíblicos na justiça, Glória na piedade”. Esse novo 1. I leitura: Br 5,1-9 nome revela que as relações humanas e com No contexto da exortação do profeta à Deus serão marcadas pela justiça, que terá conversão e à confissão dos pecados (Br 4,5- como fruto a paz. 5,9), Br 5,1-9 descreve um oráculo de salva- Jerusalém é convidada a se levantar do ção e de consolo para Jerusalém após a reali- pó, sair do luto e contemplar o retorno dos dade do exílio. Diante do exílio, às vezes, o seus filhos do exílio (v. 5). Eles foram exila- povo tinha atitudes de revolta contra Deus, dos e experimentaram o que significa ser es- pois o considerava como responsável pela cravos (à semelhança da experiência do êxo- nº- 324 nº- • desgraça e pela destruição de Jerusalém e do), agora retornam como reis (v. 6). O pro- seus habitantes. Em outros momentos, reco- feta anuncia a eliminação de todos os obstá- nhecia a sua culpa. culos (v. 7) e o retorno seguro do povo, con- ano 59 • O autor recorre a imagens do contexto tando com a proteção, com a justiça e com a familiar para retratar a opressão do império misericórdia de Deus (vv. 7-9). Ele guiará o

Vida Pastoral 46 povo como um pai amoroso que não abando- A menção do “deserto” nos remete à experiên- na seus filhos, apesar de suas infidelidades, cia do êxodo; ou seja, essa nova realidade, que porque é misericordioso. será inaugurada por Jesus Cristo, é uma expe- riência de libertação de toda opressão (vv. 2. Evangelho: Lc 3,1-6 1-2), em direção à terra prometida (o Reino de O tema dessa unidade (vv. 1-6) é a pessoa Deus instaurado pelo Messias Jesus). de João e a sua missão, porém a finalidade é João é apresentado pelo evangelista Lu- explicitar a missão de Jesus Cristo e o início cas como um profeta, o qual fundamenta sua da nova história inaugurada por ele. pregação na profecia do Segundo Isaías (40- O v. 1 nos oferece um panorama da si- 55). O Dêutero-Isaías, provavelmente, foi es- tuação política da Palestina, dominada pelo crito por um profeta do período persa que império romano e tendo como imperador buscava encorajar o povo após a dura experi- Tibério (14-37 d.C.). Pôncio Pilatos foi ência do exílio e da destruição de Jerusalém, procurador da região da Judeia, que abar- realizada pelo império babilônico. cava também a Idumeia e a Samaria (25-35 João tem consciência de não ser o Mes- d.C.). Herodes Antipas, filho de Herodes, o sias, porém tem um papel fundamental, que Grande, e Maltace, administrava a Galileia é abrir os caminhos para a vinda do Messias. e a Pereia (4 a.C.-39 d.C.). Filipe, filho de Ele anuncia um batismo de penitência, de Herodes, o Grande, e Cleópatra, adminis- mudança de estilo de vida, de perdão, que trava a Itureia, a Traconítide, a Gaulaníti- consiste em retomar um relacionamento jus- de, a Bataneia e os territórios vizinhos (4 to com Deus e com o próximo. a.C.-34 d.C.). Lisânias administrava Abile- A passagem transcrita nos vv. 4-6 é retira- ne, porém a duração de sua administração da de Is 40,3-5 (conforme a versão grega – é desconhecida. Abilene era o distrito que LXX), um texto que tem a finalidade de ani- circundava Abila, ao nordeste do Hermon, mar o povo, anunciando o fim do exílio e ao sul do Antilíbano. As lideranças religio- uma vida nova, quando o Senhor Deus virá sas são Anás e Caifás. Na realidade, somen- para resgatar o seu povo e celebrar com ele te Caifás era sumo sacerdote (18-36 d.C.), uma nova aliança (cf. Is 40,1-11). Ao utilizá- mas o evangelista sabe da grande influên- -lo nesse contexto, o evangelista provavel- cia que exercia Anás (sumo sacerdote de 6 mente tem o objetivo de apresentar João a 15 d.C.), sogro de Caifás, nas questões anunciando uma mudança profunda, uma religiosas e também políticas. mudança interior, a fim de eliminar todos os No v. 2, o narrador introduz o persona- obstáculos à comunhão com Deus e com o gem principal, João, filho de Zacarias, que re- próximo (vv. 4-6), os quais podem ser a cebe de Deus a missão de pregar um batismo opressão social (“os vales”), as potências polí- de conversão para o perdão dos pecados (cf. ticas e religiosas que oprimem e exploram (as Mc 1,4). O registro das informações históricas “montanhas”, “as colinas” e as “passagens tor- e da missão de João nos indica que o centro da tuosas”) ou a ruptura do relacionamento com história, o qual dá sentido aos acontecimen- o outro por meio da injustiça. tos, não é o poder político e religioso, mas a A profecia de Isaías (v. 6, cf. Lc 2,30-32; nº- 324 nº- Palavra de Deus revelada a João, anunciando At 28,28), inserida na narrativa de Lc, assu- • uma virada histórica que será realizada por Je- me novo significado, pois indica que a salva- sus, mas é preparada pelo seu precursor. A ção de Deus que será vista por toda a huma- ano 59 missão de João tem como objetivo preparar o nidade é Jesus Cristo, o Filho de Deus. Ela é • coração do povo para acolher o Messias Jesus. dada a todas as pessoas, como um dom, mas

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necessita ser acolhida por meio de uma mu- consciência de que Deus é aquele que sempre dança de mentalidade. Essa salvação não é está próximo para salvar e de que é necessário algo abstrato, mas é inserida num contexto renovar a nossa fé em Cristo, nosso Salvador. preciso (vv. 1-2), é inaugurada por Jesus e Neste dia, possamos, a exemplo de Paulo, Roteiros homiléticos Roteiros consiste em acolher Jesus Cristo, aderir a ele agradecer por todo bem realizado na comuni- e percorrer suas pegadas como discípulos dade (II leitura), pela perseverança de cada missionários. cristão, e contemplar a alegria da salvação dada a todos indiscriminadamente. Diante 3. II leitura: Fl 1,4-6.8-11 dos apelos de João Batista, somos também Embora a escreva num contexto hostil, chamados a nos perguntar: Qual vereda é pre- provavelmente na prisão, Paulo, na carta aos ciso endireitar em minha vida? Quais vales, Filipenses, manifesta seu afeto, seus sentimen- montanhas e colinas estão dificultando o meu tos e deixa transparecer o tema da alegria. Isso encontro com o outro? Quais caminhos aci- é percebido na oração presente nos versículos dentados precisam ser aplainados em minha da liturgia de hoje, na qual o apóstolo exprime família, na comunidade, na sociedade, para seu louvor pela participação da comunidade acolher o Senhor que vem? na difusão do evangelho, agradece a Deus pela perseverança dos filipenses e proclama a cer- 3º Domingo do Advento teza de que a obra pela qual a comunidade 16 de dezembro está empenhada pertence a Deus e é Ele que a conduz até o fim dos tempos, a parúsia (v. 6). I. Introdução geral Ademais, indo além de uma oração de agrade- “Alegrai-vos, o Senhor está próximo”: cimento, Paulo intercede a favor da comuni- esta é a mensagem de esperança que ecoa dade, tendo como preocupação a vivência do neste terceiro domingo do Advento (II leitu- amor. Amor que não é mero sentimentalismo, ra). Alegria que nasce da certeza de que Deus mas um dom discernido, refletido, que impul- nos perdoa e nos liberta do mal. Alegria por- siona a comunidade a sair de si e ir ao encon- que aquele que esperamos já está conosco. tro do outro. Amor que nasce da experiência Assim, diante das dificuldades, da angústia, profunda do imenso amor de Deus, manifes- da preocupação, possamos nos deixar conta- tado em Jesus Cristo. giar pelo apelo do profeta Sofonias, que nos exorta a não temer e não nos deixarmos levar III. Pistas para reflexão pelo desânimo (I leitura). Por outro lado, Como foi dito na introdução, o segundo como nos recorda João Batista, não há ale- domingo do Advento do ano litúrgico C tem gria profunda sem o retorno a Deus de todo como fio condutor o anúncio da salvação (I o coração, sem nos deixarmos conduzir por leitura) e é marcado pela presença de João Ba- Ele (evangelho). tista, que nos exorta à conversão, a uma mu- dança radical de mentalidade e de estilo de II. Comentário dos textos vida. A citação de Isaías nos convida a prepa- bíblicos rar as veredas do nosso coração, aplainar os nº- 324 nº- • caminhos acidentados de nossa sociedade, 1. I leitura: Sf 3,14-18a marcada pela injustiça, pela violência, pelo O texto da primeira leitura de hoje é atri- ódio, pela intolerância, e proclamar a salvação buído a Sofonias, mas, conforme os estudio- ano 59 • que vem de Deus e se revela em Jesus Cristo. sos, Sf 3,9-20 foi inserido posteriormente no Assim, o tempo do Advento nos faz tomar livro desse profeta, tendo sido escrito prova-

Vida Pastoral 48 velmente por um discípulo dele, possivel- cos, une-se, por conseguinte, às suas mani- mente no final do século VI e início do século festações salvíficas (defesa contra os adversá- V a.C. Os verbos utilizados para expressar a rios externos e salvação) e ao controle das alegria (v. 14) são típicos dos anúncios de sal- forças hostis (v. 15). Ao proclamar essa reale- vação. De fato, essa salvação será anunciada za, o texto anuncia a inconsistência do agir nos vv. 15.17, que descrevem as razões para dos opressores. Alude também à necessidade tal alegria. O convite a esta é motivado pela do reconhecimento da soberania do Senhor ação de Deus de reunificar os israelitas dis- na história, não somente sobre Israel, mas so- persos e restaurar Jerusalém. Sua finalidade é bre todas as nações e em todos os âmbitos animar um pequeno resto, que sobreviveu à (religioso, político, social). destruição e agora, sustentado por Deus, tem A exortação a “não temer” visa a animar e a possibilidade de construir nova sociedade. encorajar o povo, partindo da confiança na O primeiro verbo, “canta de alegria”, no v. presença, na proteção e na ação salvífica (vv. 14, é típico do contexto cultual (cf. Lv 9,24; 16-18), pois os pobres serão governados por Sl 71,23; 98,4; 95,1). Esse verbo, em hebrai- Deus, que também será seu defensor (guer- co, geralmente expressa a alegria pelo retor- reiro). Ele realizará tudo isso por amor, por- no do exílio, tem como contexto a confirma- que deseja estabelecer com o povo nova ção da soberania divina e, ao mesmo tempo, aliança (vv. 17-18a), por fidelidade às pro- cria a expectativa pela imediata irrupção do messas. Desse modo, ele também é o esposo reinado universal de Deus, conforme pode- que renova seu amor para com seu povo, e mos perceber no v. 15, que afirma que o rei por isso será um amor permanente. de Israel é o Senhor. O verbo “rejubila”, no v. 14b, também 2. Evangelho: Lc 3,10-18 pode ser traduzido pelos verbos “gritar” e A passagem do Evangelho segundo Lucas “aclamar” e é utilizado para expressar a ale- dá continuidade à narrativa do domingo passa- gria pela vitória contra o inimigo, a qual do, quando o autor introduz João Batista e sua será outro motivo para o júbilo no v. 15. missão de preparar a vinda do Messias, pregan- Outras razões são a revogação da sentença do um batismo de conversão para o perdão dos que Deus tinha decretado contra alguns pecados e anunciando a salvação de Deus. moradores de Jerusalém (cf. Sf 3,8) e a ree- Nos vv. 10-18, várias categorias de pesso- dificação do Templo. Tais motivos são a ga- as (a multidão, os cobradores de impostos, os rantia de que o povo não verá mais a des- soldados) vão até João Batista e perguntam graça. O motivo principal, porém, é a pre- sobre o que é necessário fazer. João Batista sença do Senhor no meio do povo como rei não pede que façam penitência, práticas as- de Israel (v. 15b). céticas, ritos especiais, e sim que tenham O título de rei atribuído a Deus é típico uma vivência autenticamente humana, base- do período exílico e pós-exílico, como uma ada em valores éticos, como a solidariedade, crítica à queda da monarquia davídica (cf. Sl a justiça, a partilha, a comunhão dos bens, o 89), à infidelidade dos líderes (reis) e à rup- não abuso de poder. A primeira instrução di- tura da aliança estabelecida com Ele. Assim, rigida à multidão acentua o amor para com o nº- 324 nº- Deus assume o papel de rei e é visto como próximo, baseado em Is 58 e Ex 22,25. • aquele que age contra os adversários internos Os cobradores de impostos eram vistos e externos (rei-guerreiro, v. 17) de seu povo e como aqueles que contribuíam para man- ano 59 como aquele que restabelece a ordem social e ter o poder e a riqueza do império romano, • ética. A realeza do Senhor, nos textos bíbli- por isso eram discriminados, considerados

49 Vida Pastoral ladrões e injustos. Assim, João os exorta a para limpar a eira, recolher o trigo e queimar não aproveitar do trabalho que realizam para a palha, no v. 17. A segunda interpretação enriquecimento injusto. compreende o batismo no Espírito e no fogo Os soldados recebem três recomenda- como alusão ao batismo cristão, ao conside- Roteiros homiléticos Roteiros ções: não tomar à força dinheiro de ninguém, rar a presença dessas imagens em Pentecostes não fazer falsas acusações (não caluniar as (cf. At 2,3). Desse modo, o v. 17 seria uma pessoas) e se satisfazer com seu salário, ou advertência ao cristão para produzir frutos seja, não abusar do seu poder e estar satisfei- (cf. Sl 1,4-5; Ml 3,19; Is 4,4), a fim de subli- tos com a sua porção. nhar a seriedade da conversão e a novidade Diante da pregação e da ação de João Ba- do batismo cristão. tista, o povo se pergunta se ele não seria o Messias, mas João nega e responde, apresen- 3. II leitura: Fl 4,4-7 tando as características do verdadeiro Messias Na passagem da segunda leitura de hoje, (vv. 16-17). No v. 16, anuncia a vinda iminen- Paulo, inicialmente, renova o convite à ale- te do Messias e o caracteriza como o “mais for- gria, um dos temas principais da carta aos te”, designação que qualifica Deus em Dt Filipenses (cf. Fl 1,18; 2,17.18.28; 3,1). A 10,17, 2Mc 1,24 e Ap 18,8. Provavelmente, alegria no Senhor é aquela vivida e funda- João Batista concebe a vinda do Messias como mentada na experiência de comunhão com uma intervenção divina, manifestada pelo en- Cristo, não obstante o sofrimento e as dificul- vio de um ser celeste ou de um mensageiro dades que a comunidade precisa afrontar. (um profeta ou um descendente de Davi). Isso é explicitado quando o apóstolo afirma A expressão “não sou autorizado ser necessário estar alegre em todas as cir- (não tenho a capacidade de exercer o direito) cunstâncias (cf. 1Ts 5,16). a desamarrar a correia de suas sandálias” é Em seguida, convida os filipenses a ser jurídica e refere-se à lei do levirato (cf. Dt bondosos (v. 5), no sentido de ser benevolen- 25,5-10; Rt 4; Is 54). João Batista está afir- tes, tolerantes, amáveis com todas as pessoas, mando que ele, por não ser o Messias, não é sem discriminação. A expressão “o Senhor o esposo detentor do direito de assumir a está próximo” pode ser entendida no sentido noiva (comunidade) para estabelecer com ela espacial, indicando que o Senhor está do nova aliança (I leitura). A pessoa autorizada lado daquele que deposita nele sua esperan- para exercer tal direito, por ser o esposo legí- ça, e também como referência àqueles que, timo, é Jesus. Portanto, para João Batista, o no seu agir, expressam os atributos do Se- Messias vem como esposo para renovar a nhor benevolente e compassivo (Sl 34,19; aliança com o povo. 119,151; 145,18; Dt 4,7). Essa frase pode A segunda característica do Messias é que ainda ser interpretada no sentido temporal, ele batizará no Espírito e no fogo. Há duas aludindo à proximidade do “dia do Senhor” possibilidades de interpretação dessas pala- (cf. Sf 1,7.14; Is 13,6; Jl 1,15). Em todos os vras de João Batista. A primeira as considera sentidos, o apóstolo exorta a comunidade a como uma alusão aos juízos de salvação ou confiar em Deus, presente em seu meio agora de condenação. A salvação seria representada da mesma forma que estará no fim dos tem- nº- 324 nº- • pelo envio do Espírito de Deus ao coração pos. Ao carregar essa certeza, a comunidade das pessoas para renová-las por dentro. O não deve se preocupar e ter o coração inquie- fogo devastador seria uma referência ao juízo to, mas confiar no Senhor com simplicidade ano 59 • de condenação. Essa compreensão do v. 16 é e ter sempre como meta estar em comunhão reafirmada com as imagens da “pá na mão” com Ele por meio da oração.

Vida Pastoral 50 Àqueles que confiam em Deus é prometi- diálogo, pela tolerância, pelo respeito. Neste do o dom da paz, que não é uma paz externa, dia, portanto, somos chamados a perceber a mas atinge a profundidade de cada fiel, a importância da figura de Maria e compreen- sede das decisões de cada pessoa (coração e o der que, a seu exemplo, somos portadores da entendimento); uma paz que não se reduz Boa-Nova. Somos também convidados a re- aos limites dos esquemas humanos. ver o nosso processo de “gestação”, de confi- guração de nossa vida com a vida de Cristo III. Pistas para reflexão por meio do Espírito Santo, assim como a A liturgia deste terceiro domingo do Ad- qualidade dos nossos relacionamentos. vento é marcada pela alegria, porque aquele que esperamos está conosco e é ele que con- II. Comentário dos textos duz a história. bíblicos A alegria é uma das características dos 1. I leitura: Mq 5,1-4a tempos messiânicos e da vida cristã, pois é O oráculo dirigido à cidade de Belém em fruto da certeza de que o Deus da salvação Mq 5,1-4a foi posteriormente interpretado se manifesta em Cristo. Não há, porém, pos- como uma profecia messiânica em Mt 2,6, sibilidade de alegria sem profunda conver- para referir-se ao nascimento de Jesus. são, conforme proclama João Batista no Belém (nome que significa “casa do pão”) evangelho de hoje. Conversão que supõe era a cidade de Davi, escolhido como rei da uma mudança radical do nosso modo de terra de Israel. A menção a Éfrata (nome que proceder em vista da caridade e da justiça. significa “fecunda”, “aquela que gera”) tem a Que neste domingo, aproximando-nos de finalidade de diferenciar Belém de Judá da João, possamos perguntar: “O que devemos outra cidade, com o mesmo nome, localizada fazer?” e ter a coragem de ouvir sua respos- em Zabulon. A expressão “é de ti que sairá ta, que nos convida a reassumir o nosso ba- para mim aquele que governará Israel” indica tismo e retomar o exercício radical do nosso que de uma cidade de periferia, considerada discipulado (evangelho). pequena e insignificante, de uma aldeia, sur- girá a esperança de Israel. Essa pessoa que 4º Domingo do Advento governará será da descendência de Davi, po- 23 de dezembro rém não é chamado de “rei”, e sim de “gover- nante” e de “pastor”. I. Introdução geral No v. 2 há uma alusão ao exílio e à espe- Além de Isaías e de João Batista, Maria é rança de um líder (um pastor) que reunirá o uma personagem importante do Advento, povo disperso (v. 3) e reunificará os dois rei- como será destacado no evangelho deste do- nos (do Norte e do Sul). Ele receberá o poder mingo. Por isso, somos chamados a refletir do Senhor, governará em seu nome e seguirá a sobre a grandeza do sim de Maria, uma deci- vontade de Deus. O v. 4 caracteriza esse gover- são que muda seus planos, sua vida, mas nante como alguém de paz, que protegerá Is- também a contemplar o encontro de duas rael, dando ao povo segurança. Não podemos, mulheres que geram a vida dentro de si e ao porém, deixar de considerar que a paz é fruto nº- 324 nº- seu redor. Também nós, como Igreja, esta- da justiça, o que reforça a caracterização do • mos grávidos da vida de Deus; ou seja, o cor- oráculo como um anúncio de esperança numa po de Cristo é gerado, nutrido pelo trabalho realidade na qual as pessoas eram exploradas e ano 59 de evangelização, pela oração, pela escuta da oprimidas e onde reinava a injustiça tão de- • Palavra, pelos gestos de solidariedade, pelo nunciada pelo profeta Miqueias.

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2. Evangelho: Lc 1,39-45 no seio aquele que é Bendito, o seu Senhor, A narrativa deste domingo começa com a mas também porque é fiel e por acreditar na tomada de decisão de Maria, que apressada- Palavra de Deus e acolhê-la (cf. Dt 28,1.4). mente se dirige à casa de Isabel, localizada Ao mesmo tempo, Maria confirma a eficácia Roteiros homiléticos Roteiros num povoado da Judeia. Há várias tentativas da palavra do anjo Gabriel (cf. Lc 1,26-38). de identificar a cidade e a casa para onde se A bem-aventurança destinada a Maria (v. dirigiu Maria, mas não existe consenso entre 45) é também destinada a todos os cristãos os estudiosos; somente sabemos que de Na- que escutam a Palavra de Deus e a põem em zaré a qualquer povoado da Judeia seriam prática (cf. Lc 8,21; 11,27-28). necessários dois dias de caminhada. O encontro das duas mulheres grávidas 3. II leitura: Hb 10,5-10 (Isabel e Maria) prefigura a relação estreita Nestes versículos da carta aos Hebreus, entre os filhos que carregam: Jesus e João, o o autor apresenta o sacrifício de Cristo como Messias e seu precursor. A saudação de Maria fonte de salvação definitiva para todos os faz João pular de alegria no ventre de sua que creem. Essa carta é perpassada por uma mãe. Com este sinal e ao receber o Espírito linguagem cultual associada à morte de Je- Santo, Isabel torna-se capaz de compreender sus Cristo. e de interpretar o significado daquilo que Os textos do AT utilizados pelo autor são está ocorrendo. Sente-se privilegiada e com- Sl 40,6-9 e Jr 31,33.34, porém relidos na preende profundamente a graça de Deus pre- perspectiva da fé cristã e da salvação univer- sente neste encontro, pois intui que aquela sal por meio de Cristo Jesus. O Sl 40,7-9, que tem diante de si é a mãe do Messias. De uma ação de graças pela libertação gratuita fato, Maria carrega o Santo em seu ventre, de Deus, ao ser relido, reafirma que a salva- aquele que é a fonte de todas as bênçãos e ção será dada gratuitamente por meio de Je- traz a alegria prometida aos tempos messiâni- sus Cristo. Desse modo, pela oferenda única cos. Maria é, portanto, a portadora da pre- do corpo de Jesus, realizada uma vez para sença salvífica para a casa de Zacarias e Isabel sempre, os cristãos recebem o perdão dos e para a humanidade. seus pecados (v. 10). Para o autor, graças ao A resposta de Isabel à saudação da prima projeto salvífico, Deus nos santificou em Je- é composta de várias frases do AT. A primeira sus Cristo e, por meio dele, somos consagra- frase nos remete a Jt 13,17-20 e a segunda dos a Deus e orientados ao seu serviço. Jesus pode nos remeter à expressão de Davi diante se encarna para revelar o projeto divino, mas da arca em 2Sm 6,9 ou 2Sm 24,21. Ao consi- não é aceito. Por isso, por fidelidade ao plano derar a segunda frase e 2Sm 6,9, podemos do Pai, entrega-se à morte. Ao ser fiel, somos afirmar que Isabel vê Maria como a arca santa salvos definitivamente e de forma gratuita. que carrega a misteriosa presença do Senhor em seu seio. Apesar de ser uma interpretação III. Pistas para reflexão interessante, alguns estudiosos a criticam No relato do Evangelho segundo Lucas, porque a arca é levada por Davi pelo seu po- indicado para este domingo do Advento, há der de matar. Outra possibilidade de inter- duas mulheres, Maria e Isabel, que acolhem nº- 324 nº- • pretação é considerar o texto de 2Sm 24,21, a Palavra e por isso são capazes de estar a quando Davi compra o terreno de Areúna, serviço, disponíveis, alegres, e de descobrir que será depois o local do Templo de Jerusa- no outro a manifestação da presença de ano 59 • lém; ou seja, Jesus é o lugar da presença de Deus. Esse encontro possibilita uma consci- Deus. Assim, Maria é bendita, porque carrega ência mais plena do mistério divino. É um

Vida Pastoral 52 encontro também marcado pela presença do humanidade. Envolvido pela luz deste misté- Espírito Santo, que gera comunhão. rio, cada cristão é convidado a se deixar No mundo em que vivemos, a visita de transformar pela vinda de Deus em nossa Maria a Isabel nos desafia a avaliar nossas re- carne (II leitura). lações, a qualidade das nossas conversas, diá­ logos e encontros. Essa visita também nos II. Comentário dos textos convida a nos deixar afetar pela novidade do bíblicos outro, tornando nossos encontros em mo- mentos proféticos e na ocasião de experi- 1. I leitura: Is 9,1-6 mentar e nos encantar com as maravilhas que Os vv. 1-6 podem ser estruturados em Deus realiza entre nós. É ainda a oportunida- duas partes: um oráculo que apresenta o fim de de nos questionarmos sobre como esta- da opressão (vv. 1-4) e o anúncio do nasci- mos gerando vida ao nosso redor, na comu- mento do príncipe da justiça e da paz (vv. nidade, na família, na sociedade, nas vicissi- 5-6). Alguns estudiosos relacionam esses ver- tudes do dia a dia. Somos convocados a rever sículos com Is 8,23b, em que se descreve o o nosso processo de configuração a Cristo, tempo de humilhação de Zabulon e Neftali, nosso processo de gestação por meio do Es- regiões pertencentes ao Reino do Norte, após pírito Santo. Reaver nossa adesão a Cristo Je- serem tomadas pelo rei da Assíria, Teglat-Fa- sus, o Filho de Deus, refletir sobre o que sua lasar III. É, porém, hipótese questionável, se- encarnação tem para nos dizer e o que tem gundo pesquisas atuais. Desse modo, não é que ver com nossas esperanças (I leitura) e possível datar esse poema de Isaías. retomar ou reavaliar a missão de sermos por- No v. 1, percebe-se que se trata de um tadores da Boa-Nova da salvação em nossas povo oprimido por algum império potente, relações cotidianas (II leitura). descrito simbolicamente como “um povo que caminha nas trevas” (símbolo do caos e da Natal do Senhor – Missa da noite morte). A “luz intensa” indica uma nova cria- 24 de dezembro ção, visto que a “luz” nos remete a Gn 1,3 e ao fim do caos. De fato, a profecia de Isaías I. Introdução geral anuncia o fim da opressão política, social, A solenidade do Nascimento de Cristo econômica (v. 3) e bélica (v. 4) e a alegria da não é comemoração do aniversário de Jesus, libertação, traduzida por meio de duas ima- mas é a celebração da manifestação de Deus gens: a alegria por uma colheita abundante e em nossa humanidade, a alegria pelo cum- a alegria por repartir os despojos, após a vitó- primento das promessas e pela salvação que ria numa guerra (v. 2). entra definitivamente em nossa história. Nes- O “dia de Madiã”, no v. 3, refere-se à vitó- ta noite, em que celebramos o mistério da ria de Gedeão (cf. Jz 7,16-22), quando as lu- encarnação, as leituras nos apresentam o me- zes das tochas amedrontaram os inimigos. nino Jesus como o esplendor da luz da glória Desse modo, a opressão e a guerra aca- de Deus (I leitura), a qual envolve todos os baram porque é anunciado o nascimento de povos, e ouvimos o alegre anúncio: “Nasceu um menino destinado a governar. Ele é des- nº- 324 nº- hoje o Salvador, que é o Cristo, o Senhor” crito por meio de vários atributos. Cada um • (evangelho). É a noite em que celebramos dos títulos apresentados exprime uma qua- também a nova criação, a transformação do lidade extraordinária e nos indica tratar-se ano 59 mundo inteiro, pois Deus se manifesta em de um soberano escolhido por Deus (a for- • toda a terra e a paz é proclamada a toda a ma passiva do verbo), de um conselheiro

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dotado de sabedoria única e de poder sobre- A narrativa do nascimento de Jesus é só- -humano, o qual tem a garantia de vida lon- bria (v. 6), e o filho é designado como “primo- ga e é portador de paz eterna. A forma pela gênito”; portanto, será o filho consagrado a qual é descrita essa pessoa nos revela que Deus conforme a tradição judaica (cf. Ex 12,3; Roteiros homiléticos Roteiros exercerá um papel messiânico, porque será Nm 3,13). O primeiro elemento que nos cha- o salvador de todos. Esse texto é uma profis- ma a atenção é que a salvação vem de um po- são de fé de Israel num soberano divino que bre filho de migrantes (v. 3) e Maria dá à luz substituirá todos os reis infiéis, entre os fora de casa, tendo por perto somente José, quais o rei Acaz. longe do aconchego dos familiares e amigos. A segunda narrativa (vv. 8-14) descreve o 2. Evangelho: Lc 2,1-14 anúncio do nascimento de Jesus aos pastores. A passagem de Lc 2,1-14 pode ser dividi- A figura dos pastores pode ser interpretada da em dois relatos: o nascimento de Jesus de duas formas. A primeira é influenciada (2,1-7) e o anúncio aos pastores (2,8-14). pelos textos de Mq 4,8, ao descrever a pro- Nos vv. 1-7, somos informados de um messa da origem do Messias relacionada a decreto de César Augusto, que ordena o re- Belém e ao recordar que Davi era um pastor censeamento de toda a terra, obrigando José, (cf. 1Sm 17,15.28.34). Ela também nos re- habitante de Nazaré, a se deslocar com Ma- mete à tradição targúmica de Gn 35,21 (Tar- ria, grávida, para a cidade natal dele: Belém. gum é a tradução, paráfrase e comentários É importante sublinhar que José não parte em aramaico da Bíblia hebraica), que afirma para Belém por causa de uma mensagem di- que a “torre do rebanho” será um lugar da vina, mas por um motivo contingente, o edi- revelação do rei Messias no fim dos tempos. to de um imperador. A segunda interpretação ressalta que os pas- Do ponto de vista histórico, os dados tores eram pessoas simples, de uma classe apresentados são imprecisos e criam várias social menosprezada por não respeitarem a dificuldades, mas, provavelmente, a intenção propriedade alheia, considerados incapazes de Lucas não é fornecer informações históri- de ser testemunhas e não aptos ao papel de cas sobre Jesus, e sim inserir seu nascimento juiz. São, porém, escolhidos pelo autor deste na história universal, pois este menino é por- terceiro evangelho como os primeiros a rece- tador de esperança não somente para Israel, ber a notícia do nascimento de Jesus e teste- mas para toda a humanidade. munhar essa Boa-Nova. Os vv. 8-9 nos repor- César Augusto, a figura mais poderosa do tam à I leitura, por trazer dois aspectos pre- mundo, que exerce seu poder recenseando sentes no oráculo de Isaías: a escuridão e a toda a terra, com a finalidade de expor a luz (cf. Is 9,1 e Lc 2,8-9). grandeza do seu domínio e de cobrar impos- Essa narrativa da infância de Jesus é um tos, contrasta com o verdadeiro Salvador e relato teológico da história que nos conduz Senhor de toda a terra, Jesus Cristo, que nas- para o ponto central, o anúncio da realização ce numa manjedoura em Belém, na pobreza e da salvação (cf. 2,11). O autor, além de enqua- na fragilidade de uma criança. drar o nascimento de Jesus no contexto do No v. 4, o autor insiste que José é da fa- mundo romano, descreve-o à luz do evento nº- 324 nº- • mília e da casa de Davi (Belém), ou seja, re- central de nossa fé, o mistério pascal. De fato, força sua descendência davídica. Essas indi- há vários pontos de afinidade entre o nasci- cações nos remetem à profecia de Miqueias mento e a morte de Jesus (cf. Lc 2,7 e 23,53). ano 59 • (cf. Mq 5,1-2) aprofundada no domingo pas- O autor, nos vv. 9-10, utiliza elementos sado, no 4º domingo do Advento. típicos das teofanias. A expressão “a glória do

Vida Pastoral 54 Senhor os envolveu de luz” (v. 9) indica que dos anjos diante da identidade daquele meni- é o próprio Deus que se comunica (cf. Ex no envolvido em faixas e deitado numa man- 40,34) por meio do símbolo da luz e da me- jedoura; ou seja, ele é a manifestação da gló- diação de um anjo. A glória de Deus (isto é, o ria de Deus e traz gratuitamente a paz ao próprio Deus) aparece numa nuvem (cf. Ex mundo (I leitura). 16,10) ou na coluna de fogo (cf. Ex 13,21), O hino no v. 14 estabelece relação entre sempre de forma luminosa, com a finalidade glória e paz, Deus e os homens, céu e terra. O de proteger ou guiar o povo eleito. fio condutor desses elementos é o nascimen- O v. 10 confirma que é uma manifestação to de Jesus. Assim, a glória de Deus, sua po- divina por meio da expressão “não tenhais tência salvífica, revela-se no menino que es- medo” (cf. 1,13.39). A alegria é tema caracte- tabelece a paz na terra, ou seja, é ele quem rístico de Lucas e da era messiânica, é fruto traz a salvação do tempo messiânico (cf. Is da intervenção salvífica de Deus na história e 9,5.6). Desse modo, a paz expressa todo o do cumprimento da esperança messiânica conteúdo da salvação, que consiste na comu- pelo surgimento de um novo rei davídico, as- nhão com Deus e com o outro. pectos presentes neste anúncio de Lc 2,11- A expressão “aos homens por Ele amados” 14. Assim, aos pastores é comunicado o põe o acento não na disposição humana (como anúncio do nascimento e da identidade de o faz a tradução “aos homens de boa vonta- Jesus em forma de revelação divina. de”), mas no comportamento de Deus. Desse A palavra “hoje” (v. 11) é plena de signi- modo, todos são chamados a experimentar a ficado (cf. 4,21; 19,9; 23,43) e indica o início gratuidade de Deus, sua benevolência, seu da era messiânica, tempo que foi esperado e amor infinito que se revela na fragilidade do preparado. “Hoje” é o dia da intervenção úl- menino Deus: o Messias Jesus, nosso Salvador. tima de Deus. A indicação da “cidade de Davi” confirma o sentido messiânico desse 3. II leitura: Tt 2,11-14 evento, e “Salvador” é a função principal do Essa carta é considerada tritopaulina, Messias (cf. Lc 1,47). também chamada de carta pastoral; é atribu- O v. 11 segue o estilo da proclamação de ída a Paulo, mas provavelmente não foi escri- nascimento ou de entronização de reis, prín- ta por ele. cipes ou imperadores, dirigida aos nobres da No v. 11, o autor afirma que a manifesta- sociedade na cultura helênica. O autor utili- ção da graça de Deus (evangelho) se deu na za esse estilo com a finalidade de proclamar obra salvífica realizada por Jesus Cristo (v. o nascimento de Jesus, condensando nos tí- 14). Essa graça tem três características: pro- tulos “Cristo Senhor” a confissão de fé cristã vém de Deus, é salvífica e universal. Sua pe- e a sua intenção teológica de não separar a dagogia apresenta duplo aspecto: o negativo, realidade messiânica de Jesus da ressurreição por sugerir a renúncia às paixões mundanas, (cf. At 2,36). Não se dirige, porém, aos no- e o positivo, traduzido em novo estilo de bres, e sim aos pobres (aos pastores). Para vida. Esse convite à conversão está funda- Lc, a pobreza é o lugar da revelação da reale- mentado na autodoação do Messias Jesus (cf. za divina, da potência de Deus, do Messias e Is 53,12) por fidelidade ao projeto do Pai, li- nº- 324 nº- Senhor, do Salvador. bertando-nos do mal, consagrando-nos total- • O v. 12 nos indica que a salvação nasce mente a Deus e constituindo-nos seu povo (v. onde menos se espera, e percebe-se a harmo- 14; cf. Ex 19,5). A expressão “o nosso grande ano 59 nia entre o sinal dado aos pastores para ir Deus e Salvador” nos remete à experiência do • adorar o Salvador e a manifestação jubilosa êxodo, quando Deus resgatou o seu povo da

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escravidão e estabeleceu com ele uma aliança nova criação e da libertação proporcionada (cf. Ex 6,2-8.15). Com Jesus, o cristão tam- por um Messias enviado por Deus, que gover- bém é resgatado do mal, é purificado, liberta- nará com sabedoria e fará reinar a paz (I leitu- do, consagrado, e é estabelecida nova alian- ra). A narrativa segundo Lucas, ao reler as pro- Roteiros homiléticos Roteiros ça, marcada pela gratuidade de Deus. Desse fecias do AT, diz-nos que o Salvador, o Senhor, modo, o cristão é convocado a um processo o Messias, é Jesus. Ela também nos surpreende de conversão, que consiste em ser libertado ao narrar o nascimento do Filho de Deus, Se- da escravidão do pecado e viver a graça, cul- nhor de toda a terra, o descendente de Davi, tivando os valores da sabedoria, da piedade, numa pobre gruta em Belém, revelando-o a da justiça, na espera da vinda definitiva de nós na fragilidade de um menino. Os pastores Jesus no fim dos tempos. são os primeiros a receber a mensagem da sal- Abandonar a impiedade consiste em rejei- vação e a ouvir o canto dos anjos, que procla- tar toda espécie de idolatria, definida como a mam a paz a todo aquele que crê que a glória, atitude de substituir o verdadeiro Deus revela- a realeza e a potência divinas se manifestam do em Jesus Cristo por pessoas ou coisas (di- no Menino Deus envolto em faixas e deitado nheiro, poder, status, projeção social). As pai- numa manjedoura (evangelho). O trecho da xões mundanas se expressam na injustiça, no carta a Tito nos recorda a identidade desse me- egocentrismo, na ganância, no orgulho, ou nino: ele é o crucificado e ressuscitado, que seja, em tudo aquilo que nos faz perder o equi- nos concedeu a salvação gratuitamente e nos líbrio e deixar de viver de forma sábia e justa. convida a ser fiéis ao projeto de Deus, rejeitan- Assim sendo, o cristão é convidado a viver a do toda espécie de idolatria, injustiça, egoís- ética cristã, baseada na pobreza, no esvazia- mo e orgulho e vivendo eticamente, a fim de mento (evangelho), tornando visível, por meio manifestar com nossa vida a salvação realizada de sua vida, a manifestação da graça de Deus. por Deus em nós e entre nós. Para que o Natal não seja somente uma noite ou um dia duran- III. Pistas para reflexão te o ano, pensemos que a “glória de Deus nas Na noite de Natal, acende-se a luz no in- alturas” consiste em sermos mais humanos, terior de uma gruta, numa manjedoura. A luz pessoas dignas e felizes em todos os momen- da manifestação de Deus num menino, que tos de nossa vida, porque acreditamos que Je- irradia seu esplendor por toda a terra. Acen- sus é o Messias, o nosso Salvador. de-se também em nós a luz da esperança e da vontade de recomeçar. Apesar da fadiga, das Natal do Senhor – Missa do dia forças diminuídas, da alma estressada, somos 25 de dezembro revigorados com a madrugada do Natal, com o encanto de um Deus que desce para nos I. Introdução geral libertar. Desse modo, a contemplação do nas- O Natal nos convida a contemplar, na cimento de Jesus nos impulsiona a perceber a fragilidade de uma criança, a plena revelação profundidade do mistério da encarnação e o do amor de Deus (evangelho), do Salvador sentido da existência humana. Na pobreza, prometido pelos profetas (I leitura). De fato, na humildade da gruta de Belém, somos con- as leituras deste dia nos conduzem a reco- nº- 324 nº- • vidados a contemplar o dom do amor de nhecer Jesus Cristo como a Palavra encarna- Deus, que se revela numa criança. da (evangelho), o ápice da criação e da histó- A profecia de Isaías anuncia o triunfo da ria (II leitura), a responder a essa revelação ano 59 • paz e da justiça numa realidade marcada pela por meio de nossa adesão e a ser testemunhas opressão, pelo caos, pela morte. É anúncio de deste Deus que habita entre nós.

Vida Pastoral 56 60,16; 63,5.8.9) na defesa do povo (cf. Is II. Comentário dos textos 41,14; 44,6; 49,7; 63,8; 61,8-10). bíblicos Assim, há o convite a anunciar a salva- 1. I leitura: Is 52,7-10 ção, isto é, as manifestações da potência divi- Nos vv. 7-8, há um elogio dirigido ao na, por intervenção de ações concretas, reali- mensageiro que leva a boa-nova a Sião. A zadas na criação e na história de Israel. imagem da sentinela (v. 8), geralmente, ca- As nações (v. 10) podem ser entendidas racteriza a missão profética (cf. Jr 6,17; Os como os responsáveis pelo povo (os sobera- 5,8; 6,5; Hab 2,1; Ez 13,5; 33,1-9). nos das nações) e pelos tribunais (os juízes). No v. 7, predominam verbos de comuni- O convite a reconhecer o poder de Deus e cação, tendo como tema central o anúncio a celebrar sua soberania, portanto, é direciona- Jerusalém de sua libertação e o resgate de do a todos, não só ao povo de Israel. seu esplendor, visto que é o lugar da morada A mensagem a ser transmitida (“teu Deus de Deus. Os verbos “proclamar” e “evangeli- reina”) é uma espécie de profissão de fé. Além zar” são usados para indicar um anúncio do monoteísmo, essa expressão reafirma a re- público de algo novo ou que acontecerá (cf. aleza de Deus explicitada nas manifestações Is 40-48). O verbo “dizer”, no Segundo Isa- salvíficas e tem como consequência o resta- ías (Is 40-55), é empregado para introduzir belecimento ético, por meio dos termos “paz” um conteúdo positivo, como no v. 7, ao pro- e “bem”, trazendo a estabilidade, o bem-estar clamar a realeza de Deus (cf. Is 40,9; 44,26; e o controle das forças cósmicas hostis a fim 41,13; 51,16; 62,11). Esses verbos são utili- de manter a ordem que, não obstante tenha zados para o anúncio de um evento aconte- sido instaurada nos inícios, se encontra em cido no passado, em lugar diverso daquele processo de contínua restauração. no qual está sendo anunciado, e que tem O exultar de alegria (v. 8), provavelmen- repercussão junto aos interlocutores. De te, tem como motivo a vitória de Deus, o seu modo geral, são notícias positivas, e, no julgar com retidão (cf. Sl 51,16; 67,5; 145,7; sentido teológico, seu conteúdo é a vitória Dt 32,43), e a alegria pelo cumprimento das do Senhor e o advento da salvação. O verbo promessas monárquicas à comunidade dos “anunciar”, mormente, tem como sujeito pobres (cf. Sl 132,9.16). Esse convite certifi- um mensageiro enviado por Deus (cf. Is ca a realização da redenção prometida pelo 41,27). Essa missão tem um caráter univer- Deus de Israel, a qual todos poderão contem- sal. Tal anúncio é como um sacrifício de plar (v. 10), e revela os efeitos da inauguração ação de graças, que consiste na proclamação do Reino de Deus (v. 7; cf. Sl 72). da ação salvífica, sob a forma de agradeci- O louvor hínico, explícito no v. 9, tem mento, restrita a uma assembleia cultual. como motivação o ser consolado e resgata- Os termos traduzidos por “bem” e “paz” do. Após a mudança da condição de Jeru- podem ser entendidos como consequência salém, o v. 10 abre um horizonte universal, do evento histórico salvífico – o retorno dos no qual o Senhor mostra a salvação para exilados – no qual o povo é liberto de seus todas as nações. adversários (cf. Na 2,1). A paz também tem o A expressão o “braço do Senhor” (v. 10) nº- 324 nº- significado de bem-estar e segurança nas di- retrata seu poder como autor da salvação (cf. • mensões política e econômica (cf. Gn 26,29; Is 51,9-11). Percebe-se que a santidade de Dt 23,7; Esd 9,12; Jr 8,15). Deus consiste em se voltar para a humanida- ano 59 A salvação, no v. 7, assume o significa- de de multíplices maneiras, a fim de libertá- • do de administração da justiça (cf. Is -la, salvá-la e conduzi-la (vv. 9-10).

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A presença divina plenifica Jerusalém (v. salvação, por se contraporem às trevas. Es- 10) e a torna lugar por excelência da revela- ses pontos de contato, provavelmente, têm a ção teofânica da santidade a todas as nações. intenção de apresentar Jesus como a Sabe- De fato, todos os povos são chamados a con- doria criadora de Deus, que gera vida (vv. Roteiros homiléticos Roteiros templar a revelação do mistério e da santida- 3-4), mas também, progressivamente, apre- de do Deus único e Senhor, que comunica sentar a vinda da Palavra divina, que se en- seu mistério na história do povo de Israel. carna e entra na história. A experiência da santidade está vinculada Nos vv. 6-13, num estilo mais narrativo, à ação de resgatar o povo (v. 9) e de reconhe- o autor evoca a figura de João (vv. 6-8), pre- cer a realeza divina (v. 7). O conteúdo da cursor e testemunha da luz; ele não é a luz, consolação e da redenção é histórico e políti- ou seja, não é o Messias. Ser testemunha, em co, marcado pela reconstrução da cidade e Jo, equivale a suscitar a fé em Jesus. Essa luz pela mudança política e religiosa. testemunhada provoca nas pessoas uma to- mada de posição. Assim, ela pode ser tanto 2. Evangelho: Jo 1,1-18 rejeitada (vv. 9-11) como acolhida (vv. 12- O prólogo do Evangelho segundo João 13). Todos aqueles que acolhem a luz, ou (Jo) se assemelha a um hino e, ao mesmo seja, acreditam na luz que é Jesus Cristo, são tempo, é uma síntese introdutória, ao con- considerados filhos de Deus (vv. 12-13). Pro- densar vários elementos teológicos que se- vavelmente, trata-se de uma alusão ao batis- rão desenvolvidos no decorrer do evange- mo, pois os batizados são aqueles que acredi- lho. As várias menções ao AT permitem arti- tam que Jesus é o Messias e seguem seus en- cular várias tradições teológicas, como a da sinamentos. criação, a do êxodo, a teologia da presença, Essa Palavra geradora de vida, que existia a sapiencial e a da aliança. Os vv. 1-18 po- junto de Deus, encarna-se em nossa história dem ser estruturados em três partes: a ori- (v. 14); e, pela primeira vez, é afirmado que a gem da Palavra divina (vv. 1-5), seu destino Palavra é Jesus Cristo. O v. 14 se reveste de (vv. 6-13) e a encarnação e sua acolhida pela uma densidade teológica, sendo influenciado comunidade (vv. 14-18). pela tradição do êxodo, quando apresenta a O Evangelho segundo João, diferente- encarnação de Jesus em nosso meio (cf. Ex mente dos evangelhos sinóticos (Mt, Mc e 40), para nos revelar o Pai e ser o ponto de Lc), não se inicia com as atividades de Jesus encontro de Deus com a humanidade. Cristo ou com as narrativas de sua infância, mas Jesus é a manifestação da glória divina; ou nos remete a Gn 1,1, o relato da criação (v. seja, por meio de sua humanidade, manifes- 1), afirmando a força criadora da Palavra, ta-se a glória de Deus. Assim, o Filho de Deus que dá vida. O v. 1 também nos remete ao preexistente (existente antes da criação) assu- texto de Pr 8,22-36 (cf. também Eclo 24,3 e me a condição humana ao se encarnar na his- Is 55), a Sabedoria criadora. Desse modo, a tória. O termo “carne” designa a totalidade da Palavra existia antes da criação e participava pessoa e também a humanidade em sua con- da criação do mundo, sendo mediadora da dição de fragilidade. criação (v. 3). Essa Palavra geradora (que dá A expressão “e estabeleceu morada entre nº- 324 nº- • a vida e é a vida) é também luz que ilumina nós”, provavelmente, está relacionada às tra- nossos passos para a vida, dissipando as tre- dições do Antigo Testamento, sobretudo com vas (cf. 12,35), pois Jesus é a luz do mundo a festa das Tendas (cf. Lv 23,34-36; Nm 12,5; ano 59 • (cf. 8,12; 9,5), a luz que ilumina todos (v. 29,12-38; Dt 16,13-15; Esd 3,4; Zc 14-16), 5). Desse modo, a luz e a vida são dons da com o fato de armar a tenda como manifesta-

Vida Pastoral 58 ção da glória de Deus (cf. Ex 25,8-9; 40,34- 3. II leitura: Hb 1,1-6 35; 1Rs 8,10-13; Ez 44,4) e com a tenda do Os vv. 1-4 introduzem a chamada “carta encontro (cf. Ex 26,1s; 33,7-11.18; 2Sm 7,1- aos Hebreus”, porém o conteúdo desse livro se 13; 1Rs 5,15-19; Nm 7,89). O “fazer mora- assemelha a uma homilia litúrgica. O objetivo da” nos remete à presença de Deus, que destes versículos é apresentar Jesus Cristo acompanhava o povo no deserto, à morada como o centro da história, como a definitiva da sabedoria (cf. Eclo 24,7-10), e pode tam- Palavra reveladora de Deus, e o seu papel na bém significar a presença definitiva de Deus ação salvífica. Em Cristo, as revelações e inter- (cf. Jl 4,17-18; Zc 2,14; Ez 3,37; Eclo 2,48). venções divinas descritas no AT são plenifica- A expressão “graça e verdade” ocorre na das. Ele é a expressão máxima da comunica- revelação de Deus a Moisés, quando este ção de Deus com a humanidade (v. 1). pede que Deus mostre a sua glória (cf. Ex No v. 2, o autor anuncia a identidade de 34,5-7). A palavra “graça” pode ser entendi- Jesus, ou seja, aquele a quem Deus constituiu da no sentido de compadecer-se, aproximar- herdeiro universal e por meio de quem criou o -se de alguém com benevolência. Tais pala- universo. Esses elementos estão em harmonia vras também são utilizadas na liturgia do com o texto do evangelho desta liturgia (Jo 1,1- povo de Israel. A verdade não é um atributo 18). A menção à herança nos remete ao AT e abstrato, mas significa que Jesus é alguém sintetiza as esperanças messiânicas (cf. Sl 2,8). fiel, no qual é possível confiar. A estreita relação existente entre o Pai e o O termo “Palavra”, no v. 14, encerra em Filho é descrita no v. 3 por meio de metáforas si todo o significado expresso nos versículos retiradas do livro da Sabedoria (cf. Sb 7,26; anteriores, a saber: o ser/estar dessa Palavra 8,1). Jesus é o reflexo da glória do Pai, algo já com o Pai na eternidade (vv. 1-2); sua parti- acenado no comentário do evangelho, mas cipação na obra da criação (v. 3); sua impor- também participa da criação e a sustenta com tância para as pessoas e para seu destino (vv. sua Palavra. Além da relação de Jesus com a 4-5). Palavra testemunhada por João Batista criação, o texto evoca o evento histórico sal- (vv. 6-8) com o objetivo de suscitar a fé em vífico de sua morte por meio da expressão Jesus Cristo, que revela o Pai, é Criador, Se- “purificação dos pecados”. Assim, Cristo Je- nhor do universo, Salvador (vv. 9-12). sus é o mediador entre Deus e a humanidade Por meio da encarnação do Filho, Deus tor- e elimina tudo aquilo que causa ruptura nas na possível à comunidade (“nós”) a contempla- relações (os “pecados”). Outro aspecto men- ção da glória divina; isto é, a comunidade expe- cionado é a entronização divina do Filho (v. rimenta a manifestação da presença de Deus 3). Por isso, ele é considerado superior aos (cf. Ex 33,11.18). Assim, por meio da fragilida- outros seres celestes, por exemplo, os anjos. de (encarnação) e da extrema vulnerabilidade Para justificar essa afirmação, o autor insere humana (morte), é manifestada a glória de várias provas escriturísticas nos vv. 5-6. As Deus. A cruz, desse modo, é o lugar da revela- referências ao Sl 2,7 e a 2Sm 7,14 confirmam ção, do encontro entre Deus e a humanidade a diferença entre os seres celestes e Jesus: ele (cf. Jo 6,51; 11,51-52; 12,24; 18,14). é superior porque é Filho, por isso tem uma Portanto, no prólogo joanino, somos comunhão especial com o Pai; reafirmam nº- 324 nº- conduzidos a conhecer Jesus Cristo – encar- também a relação existente entre o messia- • nação da Palavra na história humana –, res- nismo de Jesus e a dinastia davídica. Desse ponder a esse anúncio por meio da nossa fé e modo, os anjos são convidados a render ao ano 59 ser também testemunhas deste Deus que se Filho a mesma honra devida a Deus, ou seja, • faz carne e habita em nós e entre nós. a adorá-lo (v. 6).

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tar no coração as maravilhas de Deus” (Amo- III. Pistas para reflexão ris Laetitia, n. 30). O Natal para nós é mais que uma celebra- Nesta festa, somos chamados a refletir so- ção. É o momento de deixar Cristo renascer bre o amor no relacionamento conjugal e fa- Roteiros homiléticos Roteiros dentro de nós. É a ocasião de acreditar no miliar. Conforme a exortação , amor de Deus revelado em Jesus Cristo. É a o amor é a atitude que precisa permear esses oportunidade de contemplar um Deus que relacionamentos, amor que se expressa no ser- acredita no ser humano e, por isso, envia o seu viço, no perdão, no desprendimento, na ter- Filho, que “se faz carne e habita entre nós”. nura, na capacidade de alegrar-se com o outro, Como sugere a profecia de Isaías, possa- no confiar, no suportar os desafios, as fadigas, mos, neste dia, ser os anunciadores da paz e as tensões e os sofrimentos no dia a dia (II lei- da salvação e proclamar em todos os cantos tura). A I leitura também nos aponta o desafio do mundo: o Reino de Deus está em nosso de respeitar os pais e cuidar deles na velhice, meio, e já resplandece a salvação (I leitura). última etapa de sua vida. Ressalta também a De fato, é revelada sua presença e santidade a necessidade da humanização de nossa vida fa- todas as nações no Filho de Deus, que se en- miliar e faz às famílias o apelo para que sejam carnou e habita em nós e em nossa história. solidárias às necessidades de outras famílias, Hoje somos convidados a agradecer o que vivem em condições precárias. dom de experimentar a ação salvífica de Deus, sua presença, sua Sabedoria manifesta- II. Comentário dos textos da em Jesus, sendo para nós luz e vida (evan- bíblicos gelho). Ele que é a definitiva comunicação de 1. I leitura: Eclo 3,3-7.14-17a Deus, o centro da história, a realização das A leitura é um comentário detalhado do promessas feitas aos patriarcas e proclamadas quarto mandamento: “Honra teu pai e tua pelos profetas (II leitura). mãe” (cf. Ex 20,12; Dt 5,16). Percebe-se que A celebração do nascimento de Jesus tam- há uma igualdade de tratamento tanto para o bém nos encoraja a reavivar nossa adesão a pai como para a mãe. Cristo, nossa acolhida da luz, nossa condição O autor recomenda aos filhos, tanto jovens de filhos de Deus e perceber a manifestação de como adultos, ter carinho e cuidado para com sua bondade e os sinais de sua presença na his- seus pais, pois é necessário honrá-los (vv. 3-6), tória de nosso povo e, sobretudo, na fragilida- respeitá-los (v. 7), não abandonar o pai (v. 15) e de humana. Cristo é a razão de nossas espe- consolar a mãe (v. 7). O dom que os pais po- ranças, o mediador entre Deus e nós, aquele dem fazer pelos filhos é dar-lhes sua bênção (vv. que todo o universo é chamado a adorar. 8-9), fonte de prosperidade e fecundidade. En- tre as promessas feitas aos filhos pelo cuidado Sagrada Família: Jesus, Maria e José com os pais, é ressaltado o perdão dos pecados 30 de dezembro (vv. 4.16). As outras promessas são: acúmulo de tesouros (v. 5), alegria com relação aos filhos I. Introdução geral (v. 6), vida longa (v. 7), oração atendida (v. 6). Nesta festa, cada família tem diante de Aqueles, porém, que abandonam seus pais são nº- 324 nº- • si o ícone da Sagrada Família, e, a exemplo considerados blasfemadores e malditos (v. 18). de Maria, conforme afirma o papa Francis- co, “as famílias são exortadas a viver, com 2. Evangelho: Lc 2,41-52 ano 59 • coragem e serenidade, os desafios familiares O autor, no v. 41, apresenta uma infor- tristes e entusiasmantes e a guardar e medi- mação geográfica importante, por se tratar do

Vida Pastoral 60 Evangelho segundo Lucas: o deslocamento da família de Jesus de Nazaré (ou da Galileia) Liturgia para Jerusalém. Esse movimento perpassará Conheça mais para celebrar melhor todo esse evangelho e será a direção tomada por Jesus durante seu ministério público, até Pe. Luiz Miguel Duarte sua morte em Jerusalém. A peregrinação anual a Jerusalém fazia parte dos costumes judaicos. A Lei prescrevia que cada judeu deveria peregrinar três vezes ao ano a Jerusalém para celebrar as grandes festas: da Páscoa, das Cabanas e das Semanas (Pentecostes). No entanto, aqueles que mo- rassem longe (a distância de um dia) eram dispensados dessa lei. A família de Jesus pe- regrina a Jerusalém para ter a oportunidade de estar no Templo e cumprir algumas pres- crições religiosas, pelo menos uma vez por ano, ainda que morasse distante, como nos informa o relato. No judaísmo, o jovem, a partir dos 13 anos, adquiria a maturidade religiosa e tinha o direito de ler a Torá na sinagoga. Não te- 64 págs. mos, porém, dados para saber se realmente isso era realizado no tempo de Jesus, apesar Este livro é um ingresso ao vasto de esse ritual nos ajudar a compreender a campo da liturgia. As pessoas permanência de Jesus no Templo entre os poderão entrar nele e tomar mestres da Lei e a ver nele não somente al- conhecimento sobre o significado guém pleno de sabedoria, mas também aque- dos objetos, palavras le que revela a sabedoria do Pai. Jesus tam- e símbolos mais comuns utilizados bém é identificado como Mestre, como aque- nas celebrações litúrgicas. le que fala com autoridade (cf. Lc 4,32). O evangelista não nos oferece nenhum detalhe sobre o que realmente ocorreu ou como foi possível não notar a ausência do fi- lho na caravana de volta para Nazaré (vv. 43- 45), dado que, provavelmente, a intenção do autor era realçar a preocupação dos pais ao perceberem a perda do filho.

Nos vv. 46-50, o narrador expõe a cena Imagens meramente ilustrativas. do encontro de Maria e José com Jesus e en- Vendas: (11) 3789-4000 nº- 324 nº- fatiza a resposta deste diante da angústia dos 0800-164011 • pais. A indicação de tempo, após “três dias” SAC: (11) 5087-3625 (v. 46), é muitas vezes interpretada como VISITE NOSSA LOJA VIRTUAL ano 59 • uma alusão à morte e à ressurreição de Jesus, paulus.com.br apesar de isso não ser uma característica de

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Lc. No entanto, tal aspecto pode ser conside- 3. II leitura: Cl 3,12-21 rado quando se sublinham as afinidades exis- A carta aos Colossenses é chamada deu- tentes entre esse relato e as narrativas da pai- teropaulina, ou seja, é atribuída a Paulo, mas xão, morte e ressurreição de Jesus. não foi escrita por ele. Provavelmente, tenha Roteiros homiléticos Roteiros No diálogo, nos vv. 48b-50, Jesus apre- sido escrita por um discípulo ou um líder da senta sua identidade e missão, ao se revelar comunidade de Colossas. como Filho de Deus (cf. Lc 4,43) e ao expri- A passagem escolhida como II leitura de mir sua total disponibilidade à vontade do hoje tem o objetivo de delinear as atitudes Pai. A cena do encontro de Maria com o fi- fundamentais dos membros da comunidade lho é descrita de maneira simples, com um cristã, sobretudo nas relações familiares. Es- tom semelhante ao daquelas situações em sas exortações são alicerçadas na ação salvífi- que pais aflitos encontram os filhos suposta- ca realizada por Jesus, que promove a criação mente perdidos, nas quais há uma mistura de um mundo renovado, de uma nova hu- de preocupação, angústia, cuidado, “raiva”, manidade. Por meio de nossa fé em Cristo, como forma de desabafar o desespero que de nossa adesão a ele, tornamo-nos filhos de os sufocavam. Percebe-se, porém, que se Deus (cf. Cl 2,12-15) e irmãos entre nós. trata de família que vive as exigências de sua Desse modo, somos exortados a viver o amor vocação específica e, dialogando, tenta dis- fraterno, a paz, e a ser assíduos à escuta da cernir a vontade de Deus diante dos aconte- Palavra. Com a fidelidade a Cristo, o cristão cimentos cotidianos. vive uma existência nova que o habilita a Apesar da incompreensão da atitude de descobrir, na história e na vida, a realização Jesus, Maria não fica indiferente a esse misté- do projeto salvífico de Deus, o qual se identi- rio e o guarda no coração. Note-se que o fica com sua vontade. Assim, é chamado a Evangelho de Lucas permanece fiel à sua fi- estabelecer novas relações, assumir nova nalidade de revelar a verdadeira identidade mentalidade, novo estilo de vida. Esse novo de Jesus somente depois da ressurreição. estilo de vida é esboçado em Cl 3. Os vv. 51-52 apresentam Jesus nova- Os versículos escolhidos para a II leitura mente submisso aos seus pais, vivendo con- desta festa da Sagrada Família (vv. 12-21) des- forme a Lei de Deus e cumprindo os manda- tacam: recuperar a imagem de Deus, retomar mentos, sobretudo o de “honrar pai e mãe” sua relação com Jesus Cristo, resgatar a aliança (cf. Dt 5,16 e o texto da I leitura). Apesar do com Deus (v. 12), restabelecer nova relação contraste com a cena precedente e da cons- com o outro, vivendo em comunhão e em fra- ciência de Jesus de sua filiação divina, estes ternidade (vv. 12-13). Essa mudança nos con- versículos nos mostram que realmente o Fi- duz à vivência da caridade e da sabedoria. A lho de Deus assume a condição humana e o caridade é o vínculo da perfeição, pois nos processo normal de crescimento. De fato, conduz à perfeição. Esta é entendida no senti- Lucas descreve Jesus adolescente, que pro- do de atingir a meta, chegar àquilo que deseja- gride em sua maturidade humana, física e mos e almejamos – a plenificação do nosso espiritual. Também confirma o que é dito na amor, vivendo profundamente em comunhão I leitura, ou seja: aquele que é obediente aos com Deus e com o outro. Podemos também nº- 324 nº- • pais e os trata com respeito receberá as bên- entender essa expressão numa perspectiva çãos de Deus. O termo “graça” pode ser pascal, ou seja, a caridade identifica-se com o também traduzido por “amor”, “caridade”, amor salvífico revelado em Cristo. ano 59 • ou bondade, que, conforme a II leitura, é o A sabedoria, em Cl 3,16, é apresentada vínculo da perfeição. como a faculdade de compreender e de julgar

Vida Pastoral 62 as situações e os acontecimentos. Em 2,18, agir com sabedoria é agir moralmente. De fato, Arquitetura do o texto sugere ser necessário orientar as deci- Apostolado Litúrgico sões para nossa opção fundamental: Jesus Rua Conselheiro Crispiniano, 105, sala 42 | Cristo. Essa opção, marcada pela caridade e Centro | São Paulo/SP pela sabedoria, transforma o nosso modo de pensar e de agir e contribui para melhor dis- cernirmos a vontade divina em todas as cir- cunstâncias, sendo este o verdadeiro culto a O setor de Arquitetura do Deus. Nesse contexto, são inseridos os precei- Apostolado Litúrgico elabora tos particulares e domésticos, influenciados projetos arquitetônicos de pelo ambiente cultural greco-romano, mas construção, reforma, interiores e também com várias características do modelo vitrais, bem como no desenho e execução de painéis artísticos. judeu-helenista. A novidade dessas normas Pelo trabalho realizado, procura- está em fundamentá-las na experiência cristã, -se a materialização do Mistério na experiência profunda com Jesus Cristo. celebrado e, ao mesmo tempo, A primeira regra doméstica é dirigida às atendem-se as necessidades esposas, chamadas a ser “solícitas” com seus funcionais da liturgia, maridos, ou seja, cuidar deles, cultivando manifestando a beleza intrínseca às coisas de Deus. um relacionamento de respeito, carinho, ternura, delicadeza, marcado pelo diálogo, pelo perdão, pelo compartilhamento de mo- mentos de alegria e de tristeza. “Submeter- -se” também pode ser interpretado como renunciar a determinadas atitudes para a edificação da família, trilhar o caminho do amor com suas exigências e enfrentar as fra- gilidades. De fato, todo relacionamento, sendo algo construído constantemente, está sujeito às vicissitudes do dia a dia: proble- mas econômicos, instabilidade, experiên- cias dolorosas, conflitos, alegrias, sonhos, esperanças. A relação conjugal exige a re- núncia à idealização do outro e também a acolhida de seus limites e de sua originali- dade. Isso supõe compreensão, aceitação mútua, paciência. Ser solícito é compreender que o amor é um dom, o qual consiste em

aprender a promover a vida do outro. “Sub- Imagens meramente ilustrativas. meter-se” é renunciar aos muitos desejos APOSTOLADOLITURGICO.COM.BR nº- 324 nº- egoístas para estabelecer fortes e profundos • [email protected] laços de comunicação interpessoal. Tudo isso Tel.: (11) 3120.3264 exige ampliação de espírito, treinamento, ca- ano 59 pacidade de amar. Submeter-se no amor é su- • portar o outro, carregando a sua fragilidade,

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sendo solidário na sua dor e, sobretudo, empreendimentos, a consolá-los nos seus er- alegrando-se com suas pequenas vitórias. É ros e fracassos, a orientá-los em suas deci- suportar também os desafios apresentados sões, a ter paciência com o seu processo. no dia a dia. “Submeter-se”, neste texto, não Roteiros homiléticos Roteiros pode ser interpretado como uma submissão III. Pistas para reflexão sexual ou de si mesma ao marido, pois, se A Sagrada Família, que se desloca para fosse essa a intenção, o autor não exortaria Jerusalém, convida-nos a percorrer caminhos os maridos a amar as esposas como Deus novos, a escutar a Palavra de Deus e sua von- ama o seu povo, ou seja, a amá-las tendo tade. A escuta da Palavra nos faz romper com como fundamento o amor gratuito de Deus, nossa mentalidade fechada, nossos esquemas manifestado em Cristo, que exclui qualquer preestabelecidos, nossas convicções absolu- tipo de submissão (cf. 1Cor 13,1-13). tas, nosso modo fechado de viver, e nos inse- Neste texto, os maridos são exortados a re na aventura de buscar novos horizontes e expressar seu amor para com as esposas, pois acolher essas realidades em nosso coração, é importante para elas ouvir que são amadas, como fez Maria. valorizadas, reconhecidas por aquilo que são. Os textos bíblicos escolhidos para esta fes- Expressar também por meio de gestos de ter- ta da Sagrada Família também nos apontam nura, de compreensão, de aconchego, de grandes desafios, a saber: a humanização de proteção, de solidariedade, de serviço, sain- nossas relações familiares, a sensibilidade para do de si mesmo para acolher o outro. De fato, com os pais (I leitura), o discernimento nas amar supõe a capacidade de renunciar ao po- situações difíceis (evangelho), o acolhimento der de submeter o outro, de tomar posse do das diferentes etapas dos membros de nossas outro, renunciar à satisfação pessoal à custa famílias, o amor mútuo nas relações conjugais do outro e pôr o bem da esposa à frente do (II leitura). Inspirando-se na Família de Naza- próprio. É experimentar a grandeza de doar- ré, nossas famílias são chamadas a gerar vida, -se sem calcular, é estar a serviço, num des- alimentar e sustentar os laços humanos e pro- prendimento de si mesmo. mover a solidariedade, tornando o ambiente Os pais também são convidados a não ir- familiar num lugar onde prevaleça a paz, o ritar os filhos, ou seja, a animá-los nos seus amor, a fraternidade, o respeito.

Sacramentário

Sagrada Congregação para o Culto Divino Imagens meramente ilustrativas.

A obra apresenta os vários ritos dos sacramentos e sacramentais, congregando as celebrações mais usadas pelos sacerdotes em sua atuação pastoral, como batismo, penitência, matrimônio, unção dos enfermos e exéquias. nº- 324 nº- • Foi elaborado para pastores que percorrem enormes

232 págs. distâncias para ir ao encontro das comunidades eclesiais. ano 59 • paulus.com.br 11 3789-4000 | 0800-164011 [email protected]

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