RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 54 [ 27/10/2011 a 2/11/2011 ] Sumário

CINEMA E TV...... 4 Estado de Minas - Aula de história...... 4 Folha de S. Paulo - Documentários enfocam universo teatral no cinema...... 6 Folha de S. Paulo – TV: Amor e dor andam juntos em longa dirigido por João Jardim...... 6 O Estado de S. Paulo - Política como arte e astúcia...... 6 O Estado de S. Paulo - Político mineiro ganha um perfil unidimensional...... 7 O Estado de S. Paulo - Delicadezas de palhaço...... 8 O Estado de S. Paulo - Agridoce, longa discute crise de vocação...... 9 O Estado de S. Paulo - A profissão de vigiar a vida dos outros...... 9 Folha de S. Paulo - Portal renova financiamento para audiovisual...... 10 Jornal de Brasília - Sucesso de brasilienses ...... 11 O Estado de S. Paulo - HELVÉCIO E CLARISSA...... 12 O Estado de S. Paulo - VERSATILIDADE ARTÍSTICA...... 13 O Globo – Longa inédito de Alberto Salvá busca vaga no circuito exibidor...... 14 Folha de S. Paulo - Filmes e leituras celebram Drummond...... 15 TEATRO E DANÇA...... 16 O Estado de S. Paulo – A ditadura pelo olhar de Orfeu...... 16 Correio Braziliense – Resistência festiva...... 16 Folha de S. Paulo - 'O Libertino' seduz corações e mentes com o poder da palavra...... 18 Folha de S. Paulo - Peça 'Orfeu Mestiço' narra a formação do Brasil em tom épico...... 19 O Globo - Depois de prostíbulo na PraçaTiradentes, um ateliê na Lapa...... 19 Correio Braziliense - O homem dos bonecos vivos...... 21 Estado de Minas - Novos tempos no palco ...... 23 Folha de s. Paulo - Festival Contemporâneo de Dança frisa experimentação...... 24 ARTES PLÁSTICAS...... 25 Correio Braziliense – O mestre da gravura...... 25 O Globo - Mostra investiga conceito de escultura...... 26 O Globo - Uma história do Brasil...... 28 MÚSICA...... 29 Correio Braziliense – O voo do menino-guitarra...... 29 Correio Braziliense – Notas do tempo...... 31 Correio Braziliense – , no palco e no estúdio...... 32 Estado de Minas - De volta...... 34 Estado de Minas - Valsa múltipla...... 34 Estado de Minas - Choro para jazz e câmara...... 35 Estado de Minas - Cidadã do mundo Karina Buhr lança o segundo CD, Longe de onde, com traços de seu trabalho fora dos padrões e de suas constantes viagens...... 35 Folha de S. Paulo - Lirinha agora busca caminhos melódicos...... 36 Folha de S. Paulo - Lula e Justus também são temas de ...... 37 O Globo - Criolo mostra no Rio seu ‘Nó na orelha’...... 37 O Globo - Da passeata à parada, pelo funk ...... 38 Correio Braziliense - Filósofo de botequim ...... 41 O Estado de S. Paulo - Baile de Orquestra...... 42 O Estado de S. Paulo - Rua 13 de maio, Nº70 ...... 42 Folha de S. Paulo - Tecnobrega ambiciona derrubar fronteiras...... 44 Folha de S. Paulo - Efervescente, cena paraense interage com tradição...... 44 Estado de Minas - Uma diva assumida ...... 45 Estado de Minas - Música de cinema ...... 46 Estado de Minas - Novo ciclo na carreira ...... 47 O Globo - Osesp toca no Rio e combate fronteiras ...... 47 Folha de S. Paulo - Marisa Monte lança novo álbum sem correr riscos...... 49 Estado de Minas – Sempre à margem...... 50 Estado de Minas – Em Nashville...... 50 Estado de Minas – O poeta inventado...... 51 Estado de Minas – Fiel às raízes...... 51

2 Estado de Minas – Esforço coletivo...... 51 Correio Braziliense – Rock sinfônico...... 52 Correio Braziliense – Pedro Martins no Umbria Jazz...... 53 O Globo - Canções do bem-viver...... 53 O Globo - Simplicidade embalada com luxo...... 54 Folha de S. Paulo - Filha de Glauber Rocha estreia em CD autoral...... 55 LIVROS E LITERATURA...... 56 Correio Braziliense – Oswald, o incendiário...... 56 Folha de S. Paulo - Companhia das Letras, 25, aposta em seleção brasileira...... 59 Folha de S. Paulo - Imaginava só uma editora feita de livros que eu gostaria de ler...... 60 Folha de S. Paulo - Primeiro livro de história da arte sai em português...... 61 Folha de S. Paulo - Escravas foram pioneiras da joalheria local...... 61 Folha de S. Paulo - Romance traz Lima Barreto apaixonado...... 62 Folha de S. Paulo - Obra póstuma, "Clara dos Anjos" é adaptada para quadrinhos...... 63 Folha de S. Paulo - 'Descompressão' norteia Patrícia Melo em nova obra...... 63 Folha de S. Paulo - Andréa del Fuego relata 'susto' com Prêmio Saramago...... 64 Folha de S. Paulo - Novo livro de Edney Silvestre não convence...... 65 O Estado de S. Paulo - Carlos Drummond de Andrade ganha seu dia...... 65 Estado de Minas – Ainda e sempre Pessoa...... 67 O Estado de S. Paulo - 'Photo Poche', edição francesa dedicada a fotos, começa a ser lançada no Brasil...... 67 ARQUITETURA E DESIGN...... 69 Folha de S. Paulo - Bienal de Arquitetura vê cidades como um 'laboratório' de ideias...... 69 OUTROS...... 69 Estado de Minas - Outros territórios...... 69 O Estado de S. Paulo – O “Custo Cultura”...... 71 Folha de S. Paulo - Ironia e perplexidade marcam exposição do MAM...... 71

3 CINEMA E TV

ESTADO DE MINAS - AULA DE HISTÓRIA

Chega a Belo Horizonte o documentário de Silvio Tendler sobre a trajetória de Tancredo Neves. Filme aborda o papel do político mineiro no processo de redemocratização do país

Thaís Pacheco

(27/10/2011)

Tancredo – A travessia, novo documentário de Silvio Tendler, será exibido esta noite, em Belo Horizonte, para convidados. O longa vem compor a trilogia de presidentes: Os anos JK – Uma trajetória política, de 1980, e Jango, lançado em 1984. Esses dois filmes atraíram 1,8 milhão de espectadores nas salas de cinema e faturaram 10 prêmios em festivais.

Silvio Tendler conta que, desta vez, o processo foi mais fácil. “O Tancredo... foi rápido porque há 35 anos trabalho com a temática dos presidentes da República. O mais difícil de fazer foi o JK, porque não era conhecido e, em pleno AI-5, as pessoas tinham medo de se comprometer cedendo imagem e material. Era perigoso, porque eu seria comunista”, lembra o diretor.

Tendler agradece às novas tecnologias. “Ficou mais fácil, graças à internet e ao computador, que facilita a edição. Levei em média dois anos e meio para concluir os filmes anteriores. Este saiu em um ano, mas, na verdade, é consequência de todo um projeto de vida”, conta.

A ideia do documentário surgiu em 1985, para registrar a transição da ditadura para a democracia. “Tanto que montei uma equipe, a única do Brasil, para filmar em película o que seria a posse de Tancredo. Filmei no Congresso Nacional de manhã e à noite no Itamaraty. Jamais imaginei que Tancredo estaria morto 38 dias depois”, relembra.

Tancredo – A travessia é uma aula de história, com detalhes, testemunhas e pontos de vista de diferentes pessoas envolvidas na eleição do mineiro e em sua trajetória política. Além de entrevistas com Fernando Henrique Cardoso, Carlos Chagas, Miro Teixeira, Paulo Maluf, Fernando Brant, Cristóvam Buarque, Roberto Freire, José Sarney, Fafá de Belém, Fagner, Wagner Tiso e , o filme exibe extenso arquivo de fotos e vídeos. “Isso veio do Brasil inteiro. A Bandeirantes me abriu todos os arquivos, a Globo cedeu imagens, porque todos reconhecem a importância de contar a história do Tancredo. Também estive em Minas Gerais: no Memorial Tancredo Neves, em São João del-Rei, e no Palácio das Mangabeiras, em BH, onde entrevistei Aécio Neves”, conta.

O senador Aécio Neves concedeu apenas uma entrevista a Silvio Tendler. Mas a presença dele em várias cenas gerou comentários sobre a eventual intenção do filme de favorecer sua candidatura à Presidência da República. Tendler nega. “Imagine, passar 35 anos de minha vida fazendo isso, ser pitonisa e descobrir que Aécio vai ser candidato. Em qual eleição? Era para o filme ficar pronto no ano passado, quando ele poderia ter se candidatado. Não deu tempo. A equipe concordou em não sacrificar a qualidade pela pressa. Não se trata de uma peça eleitoral, mas de filme biográfico sobre o Tancredo como os que fiz com Jango e JK”, garante.

Caso se tratasse de peça eleitoral, argumenta, teria de esperar até 2013 para lançá-lo. “Além disso, dinheiro de campanha pode ser muito mais bem empregado em mídia de TV, em vez de documentário que vai atingir 70 mil pessoas, plateia que já vem convencida de suas ideias. Meu público é de elite, gente que vê cinema e documentário, que gosta de política. Então, ninguém vai se convencer de nada”, conclui.

Produzido pelo jornalista Roberto d’Ávila, Tancredo – A travessia é distribuído pela Downtown Filmes. Em Belo Horizonte, será exibido no Usiminas Belas Artes a partir de amanhã.

4 O ator Marcos França interpreta Tancredo Neves em cena que reconstitui a última reunião de Getúlio Vargas com seus fiéis aliados (Downtown/divulgação)

Entrevista

Silvio Tendler cineasta

‘‘Acredito nele’’

Qual é a sua opinião sobre a trajetória de Tancredo Neves? Tenho profunda admiração por ele. Não faço filmes sobre personagens em quem não acredito. Pode botar toda a grana do mundo na minha mão que não vou aceitar. Não há hipótese de fazer um filme dessa envergadura sob encomenda. Em 1985, quando pensei em filmar a transição da ditadura para a democracia, ancorada pelo Tancredo, já tinha profunda admiração por ele. Participei da campanha do Tancredo. Era uma campanha eleitoral sem voto, do Colégio Eleitoral, mas a pressão da população era importante. Estava nas ruas, participei de muitas manifestações. Fiz questão de botar uma cena em que apareço no comitê de campanha, no Rio de Janeiro, com Denise Goulart, filha do Jango. Estávamos acabando de lançar o Jango, surfávamos na crista da onda na mídia. Nossa presença lá foi importante para ajudar a formar uma opinião pública. Este filme, de certa maneira, é parte da minha história. Não teria como não contá-la com paixão e carinho.

O fato de ele ser um conciliador não o fazia favorecer as elites? Acho o contrário. O Tancredo conciliador sempre favoreceu o lado mais popular. Ele é um conciliador e um político conservador. O palanque dele tinha todos os partidos da esquerda e ele nunca fez política contra os interesses do povo. Era um conservador na forma de trabalhar política. Tanto que, na transição da ditadura para a democracia, era o nome mais viável de consenso, mesmo tendo outros com igual chance de chegar à Presidência, como Franco Montoro e Ulysses Guimarães. Entretanto, eles não tinham a experiência de Tancredo em todas as áreas, inclusive a direita. Não coloquei a parte econômica no filme, mas o (Francisco) Dornelles, que seria ministro da Fazenda dele, disse que o tio deu esta ordem para ele: “Fecha o cofre para organizar a economia, mas guarda um dinheirinho separado para a reforma agrária”. Não acho Tancredo um conciliador que usa a conciliação para manipular os interesses do povo.

As pessoas perguntam por que Aécio Neves tanto aparece no filme. Suspeitam que isso tenha intenção política. É assim? Aécio é neto do Tancredo, assessor político próximo dele. No filme, você vê Aécio metido em tudo: discursando em Pernambuco, numa caminhada em Brasília. Ele sabia de tudo. Foi quem deu a papelada para o Tancredo assinar horas antes de ser hospitalizado e operado, pois queria deixar assegurada a posse dos ministros. Por que o cortaria do filme? Por que é neto ou, talvez, possa vir a

5 ser candidato à Presidência da República? Não estou fazendo campanha eleitoral. Falei de história e estou muito feliz com o filme que fiz. A decisão de colocar o Aécio tantas vezes quanto quis foi minha. Se algum jornal falar o contrário, porque não acredita na liberdade de expressão, aviso: continuo acreditando na liberdade de imprensa.

FOLHA DE S. PAULO - DOCUMENTÁRIOS ENFOCAM UNIVERSO TEATRAL NO CINEMA

GABRIELA MELLÃO DE SÃO PAULO

(27/10/2011) Dois documentários inspirados no universo teatral estreiam na 35ª Mostra de Cinema: "Mentiras Sinceras", de Pedro Asbeg, e "Cuba Libre", de Evaldo Mocarzel. O primeiro foi inspirado na peça "Mente Mentira", do dramaturgo norte-americano Sam Shepard, encenada por Paulo de Moraes em 2010. O segundo foi feito em viagem da companhia Os Satyros a Havana para apresentar "Liz", do autor teatral cubano Reinaldo Monteiro. Mocarzel enfoca o retorno da transexual cubana Phedra de Córdoba a seu país de origem após 53 anos. "O filme tem ainda as transformações contemporâneas ocorridas na ilha", diz o diretor. "Mentiras Sinceras" aprofunda uma discussão presente na obra de Shepard, na qual a realidade surge como invenção da mente. "Achei que deveria me aproveitar disso e fazer um filme em que nem tudo é real", diz Asbeg. "Jogo de Cena", de Eduardo Coutinho, foi precursor em discutir a linha tênue entre realidade e ficção. Segundo Asbeg, o filme pode tê-lo inspirado inconscientemente. Como Coutinho, ele joga com o público ao sobrepor depoimentos reais e ficcionais, nos quais os atores rememoram seu passado e o de seus personagens. "Quero deixar o espectador em dúvida sobre se vê algo verdadeiro ou não", diz.

FOLHA DE S. PAULO – TV: AMOR E DOR ANDAM JUNTOS EM LONGA DIRIGIDO POR JOÃO JARDIM

Atores interpretam depoimentos reais em produção exibida hoje

JULIANA VAZ DE SÃO PAULO

(27/10/2011) "Amor?", de João Jardim, teve mais apelo entre as mulheres do que entre os homens que o viram no cinema. Faz sentido que ele agora chegue à televisão por uma emissora cujo público alvo é o feminino, o GNT, que inclusive coproduziu o filme. Diante da câmera, rostos conhecidos da teledramaturgia nacional como Lília Cabral, Júlia Lemmertz e Du Moscovis narram, em primeira pessoa, histórias de amor e sexo marcadas por atos de violência, às vezes extremos. Suas falas reproduzem depoimentos dados por pessoas reais, que o diretor optou por não mostrar. O motivo: proteger quem se dispôs a dividir com ele sua intimidade. Assim, é na forma de encenação por atrizes e atores que esses relatos sobre paixões doentias que evoluíram para agressões físicas se apresentam. Definido como uma mistura entre documentário e ficção, o filme não chega a desenvolver nem a fundo nem superficialmente essas questões de gênero. Mais definitivos são suas imagens e sons que se esforçam para ser poéticos e fazem de tudo para emocionar.

O ESTADO DE S. PAULO - POLÍTICA COMO ARTE E ASTÚCIA

Rever história de Tancredo Neves é reinventar gosto pela cidadania, diz Silvio Tendler

LUIZ CARLOS MERTEN

(28/10/2011) Há tempos que os documentários de Sílvio Tendler deixaram de ser assunto para as editorias de cinema. "Em Utopia, coloquei uma fala da Dilma (Roussef), gravada bem antes que ela fosse candidata. E fui acusado de estar atrelando meu filme à sua campanha. Agora, dizem que estou fazendo a campanha do Aécio (Neves)." O novo documentário de Tendler, que estreia hoje, chama- se Tancredo - A Travessia. Mostra como Tancredo Neves construiu a arquitetura política que derrubou a ditadura militar no próprio colégio eleitoral que ela criou, o das eleições indiretas.

6 Tancredo era avô de Aécio Neves - logicamente Tendler está atrelando seu filme à campanha de Aécio para ser presidente.

Dilma, Aécio. Personalidades diferentes, ligadas a partidos diferentes. "O que essa gente pensa que sou?" Tendler está louco para voltar a fazer filmes que interessem aos críticos - e às editorias de lazer e cultura. Tancredo - A Travessia começou a nascer há 26 anos, quando Tendler foi autorizado a documentar a posse de Tancredo Neves como presidente do Brasil. A posse não houve porque, a poucas horas da cerimônia, o Brasil estarrecido descobriu que o presidente eleito não tinha condições de assumir. "Ele virou personagem de uma tragédia grega", sentencia Tendler.

Há dois anos, o projeto sobre Tancredo voltou a sua vida. Fecha o que não deixa de ser uma trilogia, iniciada por Os Anos JK, sobre a presidência de Juscelino Kubistchek, e Jango, sobre João Goulart, que virou estandarte da campanha pelas Diretas. Os Anos JK fez 800 mil espectadores, Jango passou de um milhão. Tendler foi ainda mais longe e seu documentário sobre Os Trapalhões fez estratosféricos 1,7 milhão de espectadores. Esses números superlativos pertencem a outa era. Se Tancredo fizer 100 mil espectadores, Tendler já se dará por feliz. "É a nova realidade do documentário e do mercado", avalia.

Juntando material filmado e de arquivo, Tendler reuniu cerca de 40 horas sobre Tancredo Neves. Não foi um filme difícil de montar, pelo contrário. Durante todo o tempo, Tendler pensava em fazer justiça ao político, mas também ao homem. "Tancredo foi um grande estrategista político. Viveu vinte anos à sombra da ditadura. Tinha fama de conservador. Mas foi ele quem construiu a travessia da ditadura para a redemocratização. Tancredo garantiu a transição pacífica. E ele era um homem engraçado. Tanto quanto o político, queria servir ao homem."

Durante as sessões do filme no Festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade, o público não resistia. Ria e chegou a aplaudir uma declaração de Tancredo - "Mineiro que é radical pode até ter nascido em Minas, mas não é mineiro". Seu nome virou sinônimo de negociador, e nunca foi associado a denúncias de corrupção, esse flagelo que hoje, mais que nunca, assola a política, e não apenas a brasileira. Tendler conta porque isso é tão importante no momento atual. "Há uma descrença dos jovens na política e nos políticos. Mas quando eles negam sua participação política, seu engajamento, na verdade estão fazendo uma política perigosa. Tancredo é uma boa ferramenta para o jovem descobrir a arte e a esperteza, a astúcia da política."

Tendler tem feito um trabalho de formiguinha. Ele levou o filme aos mais distantes rincões do Brasil. Só esta semana esteve em São Paulo, Ribeirão Preto, Campinas e Brasília. Os campinenses estão assistindo a uma retrospectiva de sua obra. Tendler tem muito orgulho de O Veneno Está na Sua Mesa, um documentário de 40 minutos sobre os agrotóxicos que disponibilizou na internet. "É só entrar no YouTube, digitar o título que o filme vai aparecer, com a recomendação de que sejam feitas cópias para ajudar na circulação das informações." Tendler está envolvido em dois ou três projetos neste momento, entre eles, um filme longo sobre o Poema Sujo de Ferreira Gullar e outro sobre a luta dos advogados contra a ditadura militar.

Palavras como humanidade e conscientização não perderam o sentido para esse veterano batalhador. Ele sabe que, à margem das telas, Tancredo - A Travessia conta com as redes sociais para tentar criar um bochicho. Talvez, fora das vias tradicionais, Tancredo termine fazendo um milhão de espectadores - Veneno já fez 100 mil na rede. Tendler põe fé no filme. Muita gente já lhe disse que é seu documentário mais emocionante. Vai ser difícil ficar indiferente diante da integridade do dr. Tancredo, que recorreu à figura mítica de Tiradentes em sua campanha presidencial. Como o inconfidente, o negociador, mineiro até a medula, também era "enlouquecido por liberdade".

O ESTADO DE S. PAULO - POLÍTICO MINEIRO GANHA UM PERFIL UNIDIMENSIONAL

Crítica: Luiz Zanin Oricchio

(28/10/2011) Silvio Tendler ficou conhecido como o cineasta da história recente do País. Em especial por Jango e Anos JK, dois exemplares do documentário político, que tiveram muito boa resposta de um público sempre um tanto refratário ao gênero.

7 Com Tancredo, Tendler prossegue no mesmo continuum histórico, pois Juscelino, Jango e Tancredo são personagens cujas trajetórias se entrecruzaram em muitos momentos. Cada qual ficou marcado na consciência imediata histórica por um clichê dominante. JK, o estadista do desenvolvimentismo; João Goulart, o estancieiro com ideias de esquerda incapaz de levá-las adiante, por isso derrubado pelo golpe militar de 1964. E Tancredo?

Bem, Tancredo Neves fica, na consciência nacional machucada pela ditadura muito menos como o conciliador capaz de operar a transição, depois da derrota da emenda Dante de Oliveira (que restabelecia a eleição direta do presidente), que pela agonia de 38 dias, e a morte que impediu a sua posse.

Não por acaso, Tancredo começa com as cenas diante do Incor, cujas imediações se transformaram em pátio dos milagres durante a doença do presidente. O tom perpassa o filme, que escolhe mais o caminho da emoção que o da reflexão. A trajetória do personagem, reconstruída com material de arquivo e depoimentos de colegas e parentes (o neto Aécio Neves tem papel de destaque) serve bem para forjar uma hagiografia. Presta-se menos à compreensão de um personagem muito rico da História brasileira, que, como os outros do seu quilate, comporta nuances e pontos de ambivalência. Arguto como era, Tancredo Neves talvez se espantasse com o perfil unidimensional que ganhou.

O ESTADO DE S. PAULO - DELICADEZAS DE PALHAÇO

Em seu novo filme, Selton Mello explora o universo do circo e contracena com Paulo José, que vive seu pai

LUIZ CARLOS MERTEN

(28/10/2011) Houve um momento, no Festival do Rio, em que o público aplaudiu Paulo José e Selton Mello em cena aberta, durante a exibição de O Palhaço no Cine Odeon BR. Foi na cena em que pai e filho brincam com o nariz falso. No debate após a exibição do filme na Mostra, houve outro momento emocionante. Um espectador pediu a palavra para dizer que aquela era a sua história. Ele era palhaço no circo do pai, que trocou por outro, de um concorrente. Quando voltou, a relação com o pai nunca foi a mesma. Permaneceu entre eles um mal-entendido, um rancor surdo, uma tristeza.

O Palhaço toma de assalto as telas do País. Para um filme de perfil intimista, delicado, trata-se de uma aposta e tanto da distribuidora Imagem. O Palhaço sai com 200 cópias, tamanho digno de um blockbuster, que o filme não pretende ser. Selton Mello defende uma terceira via para o cinema brasileiro, entre o filme grande, o arrasa-quarteirão, e o miúra, tão pequeno que, em geral, passa despercebido pelo circuito. A história de pai e filho num circo - itinerante, como todos -, o filho duvida da própria vocação, está sempre se perguntando se é mesmo aquilo que quer.

Paulo José estreou no cinema num clássico - O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade, em 1966. Há 45 anos. Desde então, o gaúcho de Lavras tem sido uma das referências do espectador do País - no cinema, TV e teatro. Com tanto tempo de estrada, Paulo deveria estar curtido, mas, graças a Deus, ele ainda se emociona com o aplauso do público, com a resposta das pessoas. Paulo José nem precisou ler o roteiro de O Palhaço para topar fazer o segundo longa de Selton Mello como diretor (após Feliz Natal). O novo filme é muito melhor que o anterior - a afirmação é do repórter. Paulo conta que conhece Selton há uns 30 anos. "Desde garoto, ele e o irmão."

O ator compara a aventura de O Palhaço a um circo de verdade. "Quando a gente faz um filme como este, se reúne, pega a estrada, se ama e depois se separa. É o mesmo processo de uma trupe, quando leva o circo para uma turnê. A gente também foi para o interior, se uniu como se fosse apresentar os números no picadeiro. Pegar a estrada e ir àqueles torrões distantes para compartilhar algo tão bonito fez eu me sentir como se estivesse no caminho para Lavras, onde nasci, olhando a paisagem, passando por Caçapava, prestes a reencontrar a família."

A família do cinema. "Tive o privilégio de conviver com grandes nomes do cinema brasileiro. Joaquim Pedro, que já se foi, o Domingos (Oliveira), que ainda está aqui." No teatro, principalmente, ele tem privilegiado o coletivo, o trabalho com gente jovem, que está começando. "É muito bom ver os talentos desabrochando. Por experiência própria, digo que ninguém ensina quem quer que seja a representar. Mas é possível aprimorar, e a experiência, dos outros e a própria, ajuda bastante."

8 Nos últimos anos, a saúde, o Parkinson, tem inspirado cuidados, mas a situação está sob controle. Paulo tem atuado bastante. O Cadáver de Quincas Berro d'Água, de Sérgio Machado, deu muito trabalho. "Ser arrastado por aquelas ladeiras irregulares de Salvador foi desgastante", ele diz e não está se queixando. Paulo acrescenta que foi buscar lá no fundo da memória a lembrança dos palhaços dos circos que passavam por Lavras, quando era pequeno. Havia um Chiquinho, rei dos palhaços, que o marcou muito. Tinha algo de Carlitos. "Os grandes palhaços são tristes." Um tanto dessa tristeza está no filme.

O ESTADO DE S. PAULO - AGRIDOCE, LONGA DISCUTE CRISE DE VOCAÇÃO

Crítica: Luiz Zanin Oricchio

(28/10/2011) Se alguém for buscar referências cinematográficas em O Palhaço precisará de uma lista do tamanho de um dicionário para enumerá-las. De Federico Fellini ao cinema marginal, as "amizades" fílmicas de Selton Mello estão todas lá, funcionando como guias, porém não como grilhões. Essas referências - e isso é o fundamental - aparecem diluídas e integradas a essa obra orgânica. Nota-se um tremendo salto evolutivo do cineasta Selton em relação à sua primeira experiência na direção, Feliz Natal, muito boa, porém talvez atravancada pelos acenos ao cinema dito "de arte".

Em O Palhaço não há nada disso. Com seu ótimo background de cultura cinematográfica, quando visto, o filme parece feito do nada. Inspira-se na longa tradição mambembe do circo pobre brasileiro, e também universal, com suas figuras emblemáticas. O dono, que é também o palhaço veterano (Paulo José), com seu filho (Selton) em crise de identidade, passando pela equilibrista gostosa, a mulher gorda, a lona rasgada, os veículos caindo aos pedaços. É um protótipo, não um clichê.

O mundo do circo serve também para Selton discutir (possivelmente consigo mesmo) a questão da vocação artística. O estrelato concede muito e também cobra muito. É possível que um astro da TV (este outro circo), mesmo consagrado, fique em dúvida tanto quanto um palhaço iniciante. No fundo, domina a questão: o que se deve fazer nesta vida para sermos felizes? Para que estamos preparados? Devemos seguir nossa vocação, mas o que é uma vocação senão um chamado maior do que nós? E como descobri-la?

Essas perguntas passam nos bastidores (e às vezes em primeiro plano) deste filme de trama simples, visual rebuscado e interpretações inspiradas. A começar pelas de Paulo José e de Selton, mas a se registrar um solo de Moacir Franco, extraordinário como delegado de polícia, e a participação afetiva de Ferrugem.

Há certa melancolia de fundo em O Palhaço, mesclada ao humor, mas qualquer reflexão sobre a vida é assim mesmo. Bonita porém triste. Agricoce.

O ESTADO DE S. PAULO - A PROFISSÃO DE VIGIAR A VIDA DOS OUTROS

Peça mostra o cotidiano absurdo dos espiões e delatores

Crítica: Jefferson Del Rios

(28/10/2011) A impressionante interpretação de Denise Del Vecchio como um ser humano incolor até se revelar implacável espiã, tema de Circuito Ordinário, de Jean- Claude Carrière, faz lembrar que essa foi quase sempre atividade masculina. As exceções são romanescas ou decorrem de fatos nebulosos como o de Mata Hari, acusada de agente da Alemanha e fuzilada na França durante a Primeira Guerra Mundial. O dramaturgo não está interessado em situações implausíveis, mas na espionagem que impõe a paranoia no cotidiano das pessoas. Seu enredo diz respeito tanto à opressão oficial da KGB russa, a PIDE, em Portugal, a CIA no mundo, o nosso SNI da ditadura, como também à cooptação de civis propensos, ou coagidos, à delação.

Em um âmbito menos político, o francês Carrière pode até ter se inspirado na figura da "concierge", a zeladora, instituição nacional do seu país. Se objetivamente são mais chatas do que outra coisa, fica

9 insinuado que tédio ou ressentimento gerados por existências desimportantes podem ser úteis no controle da população. O dramaturgo, contudo, é um artista marcadamente ideológico e veio para dizer que, sim, todos os governos, regimes, movimentos ditos revolucionários e religiões tendem a se intrometer nas nossas vidas. Não importam as proclamadas melhores intenções, artificiosa brandura (o "Leão" do IR), tiradas patrióticas dos "comitês de defesa da revolução", a vigilância pela pureza partidária ou da fé, o recado é para se manter atento às armadilhas no caminho das liberdades.

No denso espetáculo dirigido por Otávio Martins, elas afloram na quase inacreditável conversa entre a mulher-espiã e o superior. Ele teria detectado alguma falha no serviço, e ela precisa viabilizar o inexplicável, o absurdo. Ambos são assombrações do universo autoritário que se defrontam em um ambiente carcerário (metais sugerem grades) de alta tecnologia (câmeras, microfones). O título Circuito Ordinário em português é vago ou parece xingamento. No original significa comum, rotineiro. Esses funcionários são banais e medonhos em todas as épocas, como os "bufos" (dedos-duros) dos 48 anos de Salazarismo, muitos "serenos", os guardas-noturnos do generalíssimo Franco, e todos os olhos do stalinismo encarnados de forma extraordinária pelo ator Ulrich Mühe no filme A Vida dos Outros.

Essa gente miúda da cadeia da repressão em alguns casos carrega fantasias de poder e onipotência. O tiranete da esquina é o centro das atenções de Carrière. O nome vago da obra não impede Otávio Martins de construir um bom espetáculo ao esticar ao máximo a tensão dramática no interior de um aparato cênico inquietante formado pelo cenário, som e iluminação que sintetizam os "porões da ditadura". Nesse minueto de dissimulações e cinismo, dois intérpretes em perfeita adequação estabelecem um clima entre teatro de marionetes ou butô (os gestos de Denise Del Vecchio em um dos seus grandes desempenhos) e a solenidade das execuções (a lentidão calculada de Henrique Benjamin). Em uma hora ilustram como se monta um Estado como, por exemplo, a extinta Alemanha do Oriental onde havia 97 mil funcionários da Stasi - 173 mil informantes para uma população de 17 milhões de pessoas.

É algo próximo embora possa soar distante. Adquire outras caras no cotidiano das repartições públicas ou das empresas. Na pressão das chefias ou ascensão a qualquer custo. Não é preciso se ater a um roteiro histórico e geográfico, e a peça não faz mesmo menção a datas e lugares. O que interessa é a premonição de George Orwell com seu Big Brother (o regime e, pensando bem, o programa de TV). Circuito Ordinário é o subterrâneo onde circulam verdades e mentiras de burocratas assalariados e dos colaboracionistas. Jean-Claude Carrière deve conhecer a biografia da lendária Coco Chanel, a dama da moda e agente F-7124 do serviço alemão na 2ª Guerra. Mas texto e espetáculo estão além do acerto de contas. O alvo é a falta de humanidade.

FOLHA DE S. PAULO - PORTAL RENOVA FINANCIAMENTO PARA AUDIOVISUAL

Lançado ontem, site cria sistema de "crowdfunding" para captar verbas para produções de cinema e vídeo

Produtores, roteiristas e diretores podem inscrever seus projetos e tentar obter dinheiro via doação pela internet

DE SÃO PAULO

(28/10/2011) De olho no crescimento da indústria audiovisual brasileira e no interesse internacional pelo conteúdo "made in Brazil", a principal produtora de festivais de cinema brasileiro pelo mundo -a Inffinito- resolveu criar um novo portal para intermediar o financiamento e a comercialização de projetos audiovisuais, usando o mecanismo do "crowdfunding" (financiamento coletivo). O termo ficou famoso depois que boa parte da campanha de Barack Obama foi financiada via cidadãos que, pela internet, faziam pequena ou grandes doações. Apresentado ontem em São Paulo, o site MediaFundMarket (www.mediafundmarket.com) aceita inscrições de projetos em diferentes formatos -curtas ou longas-metragens, séries, conteúdos para celular etc. Ao apresentá-lo, o produtor sugere a quantia de que precisa, as diferentes cotas de patrocínio e os respectivos benefícios para o patrocinador/doador.

10 Se pelo menos 80% do valor for arrecadado, a captação é dada como bem-sucedida e o site fica com 4%. "Até março de 2012 o plano é ter pelo menos 30 projetos on-line, com a captação de pelo menos dez deles", adianta Adriana Dutra, uma das sócias da Inffinito. Na outra ponta do mercado, o site também atua na venda de conteúdo já pronto para distribuidores e canais de televisão. Nessa etapa, o produtor paga R$ 10 para que o potencial comprador possa assistir a seu produto. (GABRIELA LONGMAN)

JORNAL DE BRASÍLIA - SUCESSO DE BRASILIENSES

Produções do DF são aplaudidas no Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá

Michel Toronaga

(29/10/2011) A capital do Mato Grosso transpira cultura com a realização do Cinemato – Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá. O evento, que chega a sua 18ª edição, exibe uma série de produções audiovisuais na tradicional sala do Cine Teatro, sempre com entrada franca. Na programação destacam-se quatro produções brasilienses que participam em categorias variadas. A animação I- Juca Pirama, de Ítalo Cajueiro e Elvis Kleber e A Obscena Sra. D, de Catarina Accioly, concorrem ao Troféu Coxiponé na mostra competitiva de curta-metragem.

Em vídeos, o Distrito Federal é representado por O Filho do Vizinho, de Alex Vidigal. O curta foi exibido na última quinta-feira em sessão entre dois filmes mato-grossenses: o documentário Ao Relento, de Amauri Tangará – que fala de um grupo de teatro de Portugal que decide deixar objetos e figurinos de seus espetáculos antigos em uma casa para servir como um museu ao céu aberto – e Mopo'i: O Menino Manoki, de Sergio Lobato – um curioso trabalho inspirado em uma lenda indígena que procura explicar a origem de alimentos como o amendoim e a batata doce.

Mesmo ao lado de candidatos da casa, O Filho do Vizinho conseguiu emocionar a plateia e foi aplaudido. "Confesso que fiquei muito emocionado. Vi como responderam bem. Fiquei feliz porque o público estava muito empolgado e, para mim, não tem uma melhor resposta", contou o cineasta Alex Vidigal sobre a importância da repercussão do público.

O filme é sobre um menino que narra as travessuras causadas pelo garoto que mora na casa ao lado. "É um filme que toca todo mundo porque além de ser sobre a infância, é uma história de amizade", comentou o diretor, que recebeu a verba do Fundo de Apoio à Cultura – FAC para filmar a produção.

11 O ESTADO DE S. PAULO - HELVÉCIO E CLARISSA

FLAVIA GUERRA

Vocês escolheram caminhos muito particulares no cinema que fazem. Tanto em Trecho (curta que levou vários prêmios no Festival de Brasília) quanto no primeiro longa, Girimunho (que representou o Brasil há pouco em Veneza e Toronto), apontado como uma ficção documental. Já se perguntaram por quê?

Helvécio: Há muitos porquês. Não quero ser pretencioso e nem carregar esta responsabilidade, mas é fato que o universo de Guimarães Rosa sempre me inspirou. Sempre viajei pelo sertão de Minas, por São Romão, à beira do Rio São Francisco, onde Girimunho se passa. E este universo rosiano está presente em tudo que faço.

Clarissa: É fato. Nosso jeito de fazer cinema não é óbvio. Pode até ser mais difícil, mas é também mais desafiador.

Além da forma, que transita com poesia entre a fantasia e a realidade, vocês ainda encaram o desafio de dirigirem juntos um filme, o que pode tornar tudo mais complexo também.

Helvécio: É menos cômodo codirigir porque exige mais conversa, exige a divisão de tarefas e responsabilidades, mas é mais rico também. E mais equilibrado se funções forem naturalmente divididas.

Clarissa: Em Girimunho, havia cenas em que Helvécio não dirigia, ficava literalmente escondido atrás de uma parede. E eu comandava. Havia outras em que eu saía de cena. Havia personagens/atores de quem eu "tomava mais conta". Com outros, o Helvécio lidava melhor. É muito bom trabalhar assim. Enriquece muito o processo.

Assim foi todo o processo?

Clarissa: Sim. Foi muito intenso. Helvécio começou a viver este universo há oito anos, conheceu Bastu e Maria, nossas protagonistas, ganhou confiança, intimidade, respeito, conhecia até mesmo a melhor luz de cada lugar dependendo do horário.

12 Helvécio: Ao mesmo tempo em que há tanta realidade do que filmávamos, Girimunho não é documentário. Nem ficção convencional. É outra coisa.

Como tem sido recebida esta Terceira Margem do Rio cinematográfica?

Helvécio: Tem sido variada. Estamos acostumados a uma forma muito convencional de se filmar histórias no cinema. Há muitas críticas. Que venham as críticas. Elas são enriquecedoras quando são verdadeiras.

O ESTADO DE S. PAULO - VERSATILIDADE ARTÍSTICA

Rodrigo Bolzan se divide entre dois dos melhores espetáculos de 2011

MARIA EUGÊNIA DE MENEZES - O Estado de S.Paulo

Rodrigo Bolzan não é propriamente um adepto da fidelidade. Pelo menos quando o assunto é seu percurso como ator. Durante mais de duas horas de conversa, por diversas vezes ele lançará mão de termos como adultério, bigamia e liberdade para explicar o seu zigue-zague por alguns dos mais importantes grupos da cena nacional. E, mais do que isso, sua presença, concomitante, em dois notáveis espetáculos de 2011. Visto recentemente em Ópera dos Vivos, a monumental realização da Cia. do Latão, ele também está em cartaz com Oxigênio, montagem da curitibana Cia. Brasileira de Teatro.

"Ter um grupo de teatro? Já sei que não terei, não nesta vida. Com grupo é sempre assim. A gente se conhece e se gosta. Vira meio uma família. Dá vontade de ficar. Mas tenho essa tendência à bigamia", ele explica. "Uma vontade natural de querer trocar mais, com mais pessoas. Oxigênio me deu esse frescor de confiança. De achar que o meu jeito de pensar estava certo."

Dá para entender por que a peça da Cia. Brasileira dissipou qualquer temor que Bolzan pudesse ter em relação ao futuro. Seu desempenho na encenação dirigida por Márcio Abreu traz uma aura de renovação. Trata-se de composição rara. Distante da noção de representação, a peça não pressupõe que Bolzan e sua parceira de cena, Patrícia Kamis, encarnem personagens. Ao contrário. Os intérpretes falam de algum lugar instável. Sem a proteção de um papel fictício, tomam o texto da obra como s e diante de alguma realidade imediata e urgente. Algo que deve ser dito ali, naquele momento - nunca antes ou depois. "Ele tem um vínculo muito forte com seu ofício. Precisava de alguém que tivesse essa disponibilidade, e entrega", observa o diretor. "Alguém disposto a ficar muito tempo em cima de uma única ideia, de entender tudo isso não só intelectualmente, mas de entrar no jogo."

Se observado a distância, o conceito de interpretação aplicado em Oxigênio não é novo. Aproxima-se da noção de performance, dos experimentos do Living Theatre que tanto influenciaram o teatro brasileiro a partir dos anos 1980. O jeito como Bolzan movimenta tudo isso, porém, carrega esse traço performático para outro lugar: insuspeito, desconhecido. "Houve quem me dissesse: como é bom ver nascer um ator. Mas não brotei no palco do Sesc Consolação. Fiz muitas coisas antes."

O antes começa em 1996, quando entrou na Escola de Arte Dramática, da USP. Ou mesmo no ano anterior, quando estudava para se tornar técnico em Telecomunicações. Foi nessa época que, quase por acidente, ganhou um ingresso e viu-se diante do Teatro Oficina. "Era uma rua escura. Achei que estava no lugar errado. Só tive certeza de ser mesmo ali quando vi o Caetano Veloso e o Gilberto Gil chegarem juntos", lembra. "Quando o portão se abriu, estava diante do lugar mais bonito que já tinha visto. Depois, voltei mais de dez vezes para rever a peça." A peça em questão era Ham-let, versão da saga do príncipe dinamarquês. E Bolzan logo arrumou um jeito de conseguir assistir ao espetáculo "para sempre." Para iluminar algumas cenas com lanternas móveis, o grupo recrutava voluntários. "Como não pagavam, era difícil arrumar quem ficasse no posto. Era minha oportunidade."

13 Desde então botou na cabeça que ia ser ator. "Tinha certeza que ia entrar na EAD. Já estava havia um tempão me preparando." Deixou a casa da família no bairro do Jaçanã e foi morar próximo à cidade universitária. Conheceu ali gente que passou a admirar como Cristiane Paoli-Quito e Francisco Medeiros. Foi ele aliás, que o conduziria mais adiante em Artaud, O Espírito do Teatro (1998) e Hamlet (2002).

Rodrigo Bolzan gosta de ser outros. E se considerarmos que se está a falar de um ator, a afirmação soa tola, quase redundante. Mas é fato que a decisão de trocar constantemente de pele é um dos traços que define esse intérprete. Essa volúpia de estar sempre a descobrir o que existe para além de si.

Ao sair da escola, ele entrou para Os Argonautas, grupo dirigido por Medeiros. Lá, familiarizou-se com processos de pesquisa longos, intensos. "O que me deu muita experiência foram as dezenas de substituições que fiz. Experimentei muito mais substituições do que criações propriamente. As pessoas em geral reclamam, mas eu adoro. Estudo um mês para fazer uma apresentação. Tenho esse lado assim, meio irresponsável."

As substituições foram justamente a brecha para o mais recente "adultério" de Bolzan. O primeiro foi em 2006, quando trocou Os Argonautas pela Cia. do Latão. " Minha má fama já começou ali", recorda. O segundo começou como flerte com a Cia. Brasileira de Teatro. Entrou para suprir a ausência de Rodrigo Ferrarini em Apenas o Fim do Mundo. E, em setembro de 2010, foi convidado para protagonizar a nova montagem do grupo de Curitiba. "Faltavam só duas semanas para a estreia da peça do Latão quando o Márcio me convidou para Oxigênio. Parecia loucura aceitar", ele comenta. "Mas hoje tenho tranquilidade pensando nisso. Quando se convida alguém para seu grupo não há garantia que as coisas durem para sempre. As pessoas ficam enquanto há interesse mútuo. Por isso a gente brinca com estas palavras: adultério, dar um tempo. Porque, no fundo, é muito parecido com um relacionamento."

O GLOBO – LONGA INÉDITO DE ALBERTO SALVÁ BUSCA VAGA NO CIRCUITO EXIBIDOR

Cenas eróticas estão entre os entraves ao filme do cineasta, morto no mês passado

SALVÁ: fiel a uma estética

Rodrigo Fonseca

(1º/11/2011) Morto no dia 13 de outubro, aos 73 anos, em decorrência de um câncer no fígado, o cineasta Alberto Salvá, diretor de “A menina do lado” (1987), deixou como herança para o cinema brasileiro um longa-metragem inédito: o drama “Na carne e na alma”.

Adaptado do romance “Deusa cadela”, de André Abi Ramia, o filme, rodado em duas semanas ao custo de R$ 310 mil, hoje volta a mobilizar esforços de sua equipe, que, num tributo a Salvá, luta para fazer a produção entrar em cartaz.

— Salvá se encantou pelo livro de André e acreditou que poderia fazer o projeto com pouco dinheiro, baseado na força de jovens atores — diz Saulo Moretzsohn, produtor do longa, que não economiza em cenas de nudez.

Corando distribuidores

No elenco, Priscilla Rozembaum, Lolô Souza Pinto e Henrique Pires fazem participações na história de amor e desilusão entre os estreantes Karan Machado e Raquel Maia. Na tela, eles encarnam

14 Rodrigo e Mariana, cujo relacionamento alterna jogos eróticos com discussões sobre fidelidade, respeito e loucura.

— É uma relação de amor ilustrada como o rito de passagem de dois jovens — explica a roteirista Olga Costa, que trabalhou no script com Salvá.

Segundo Saulo, a alta temperatura sexual das cenas entre Rodrigo e Mariana teria corado potenciais compradores do filme, sem previsão de estreia.

— Mostramos “Na carne e na alma” a alguns distribuidores, que tiveram uma reação negativa às cenas de sexo, alegando que elas jogariam a classificação indicativa do longa para 18 anos — conta, explicando que a aposta do diretor de “Inquietações de uma mulher casada” (1978) no erotismo é coerente com sua estética.

— Aqui, a discussão de Salvá sobre relacionamento amoroso se dá de maneira diferente de “A menina do lado”. Aqui, são pessoas da mesma idade. Assim como Salvá, o diretor Emiliano Ribeiro, morto em julho deste ano, deixou concluído “O último páreo”, concebido a partir de um edital de telefilmes do Ministério da Cultura.

Anselmo Vasconcelos vive um apostador viciado em corridas de cavalo no longa, que será exibido no dia 9 numa homenagem que o festival Vitória Cine Vídeo (de 7 a 12 de novembro) presta a Emiliano.

— Inédito em tela grande, o “O último páreo” é um trabalho conclusivo de Emiliano em sua trajetória de filmes sobre vício — explica Anselmo.

Caso semelhante aconteceu com Sergio Bernardes (1944- 2007), que morreu sem ver seu último longa, o documentário “Tamboro”, receber o prêmio especial do júri no Festival do Rio de 2009. O longa até hoje não foi lançado. Já o argentino Carlos Hugo Christensen (1914-1999) , que rodou no Brasil produções como “Viagem aos seios de Duília” (1965), não chegou a finalizar o drama “A casa de açúcar”, com Andrea Murucci e Marcelo Anthony. — Christensen filmou quase 90% do material nos estúdios que tínhamos em Jacarepaguá — diz Alice Gonzaga, diretora da Cinédia. — Ele foi concebido nos anos 1990 para ser o primeiro filme do Mercosul, mas nunca foi concluído.

FOLHA DE S. PAULO - FILMES E LEITURAS CELEBRAM DRUMMOND

Criado para festejar o poeta mineiro na data de seu nascimento, Dia D teve eventos em várias cidades do país

Em São Paulo, em livrarias e casa de show, público acompanhou versos declamados ao vivo e em documentário

DE SÃO PAULO

Tímida e discreta, mas lírica e arrebatadora -tal qual o homenageado.

Em São Paulo, a primeira edição do Dia D, programação para celebrar a obra de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) na data do seu nascimento, 31 de outubro, reuniu poucas pessoas, mas espalhou o verso do poeta.

Concebido pelo IMS (Instituto Moreira Salles), responsável pela guarda de parte do acervo de Drummond, o Dia D teve uma programação extensa em várias cidades (diadrummond.com.br).

Na capital paulista, nas livrarias Cultura do Conjunto Nacional e Ponto do Livro (Pinheiros), foram exibidos os documentários "Consideração do Poema" e "No Meio do Caminho", criados para o dia.

No primeiro, figuras do mundo cultural, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Hatoum e Nuno Ramos, leem poemas de Drummond. Já em "No Meio do Caminho", os célebres versos são lidos em várias línguas.

15 À noite, na casa de shows Casa de Francisca, os poetas Alberto Martins e Fabrício Corsaletti partiram de um trecho de "Consideração do Poema", em que Drummond evoca pares como Murilo Mendes, Neruda e Apollinaire para ler poemas de todos.

Convidado especial, o escritor Reinaldo Moraes deleitou a plateia ao ler poemas eróticos de Drummond. Na Livraria da Vila da Fradique Coutinho, Vila Madalena, o ator Maurício Soares Filho fez uma leitura dramática de três poemas do livro "A Rosa do Povo" (1945).

Um dos organizadores do Dia D, o poeta Eucanaã Ferraz avaliou que a homenagem "deu muito certo". "No Rio, todos os eventos na casa do IMS estavam lotados." TEATRO E DANÇA

O ESTADO DE S. PAULO – A DITADURA PELO OLHAR DE ORFEU

Óperas não foram feitas para teatros comuns. Mas para casas de fachadas imponentes. Quase palácios. Também dá para dizer que, embora tenham surgido para agradar a nobres e plebeus, as encenações operísticas tornaram-se, gradativamente, a manifestação artística própria de uma parcela minoritária. É na contramão de tudo isso que o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos criou "Orfeu Mestiço - Uma Hip-Hópera brasileira", espetáculo que estreia na sexta-feira. "Queria me apropriar desse universo justamente para dar conta da cultura da rua", comenta a dramaturga e diretora Claudia Schapira. "Transformar esse formato grandiloquente e usá-lo para representar uma outra classe, que não a dominante." A cultura hip-hop sempre esteve no horizonte desse grupo, criado em 1999. Desde seu primeiro trabalho, a peça "Bartolomeu, O Que Será Que Nele Deu?", o núcleo já lançava mão de figuras, como o DJ, e de elementos, como o break. Agora, a tônica não é diversa. O hip-hop permanece no horizonte. E se junta a uma série de outras linguagens: ganha companhia do universo de primas-donas e tenores. Mas também matizes das culturas indígenas e africanas. "Montamos um terreiro eletrônico", define a diretora, que se vale de diversos números musicais e convoca músicos e atores a ocuparem o palco. Tantas referências se movimentam para dar conta de um tema intrincado: a ditadura brasileira. Para a encenadora, de origem argentina, o Brasil ainda discute pouco os anos em que aqui vigorou o regime de exceção. "O brasileiro tem essa mentalidade conciliadora. Fala disso como se a ditadura não tivesse influenciado o presente. Essa ainda é uma fase nebulosa. Falta clareza sobre esse assunto", acredita. O personagem mítico Orfeu é convocado à cena para dar conta da história de um homem (interpretado por Eugênio Lima), que perdeu a mulher nos anos pós-AI-5. Desaparecida nos porões do Dops, ela pairou sobre ele como um fantasma. Apenas em 1998, ele recebe uma carta que dá pistas sobre o que teria acontecido. É convocado para reconhecer uma provável ossada de sua Eurídice. Tem início, a partir daí, uma vertiginosa e terrível viagem de volta ao passado. Assinado por Daniela Thomas, o cenário só reforça a aura de caleidoscópio pretendida pela dramaturgia não linear. Cortinas sobrepostas servem para embaralhar espaços e épocas distintas. E também cumprem a função de servir de telas para as muitas intervenções em vídeo que pontuam a montagem.

CORREIO BRAZILIENSE – RESISTÊNCIA FESTIVA

A professora Maria de Souza Duarte lança livro que reconstitui a experiência do Teatro Garagem, na 913 Sul, espaço de efervescência da cultura brasiliense nas décadas de 1970 e 1980

Severino Francisco

16 Vidas Erradas, no espetáculo homônimo, um dos grandes sucessos do teatro brasiliense (Tobias Filho/Divulgação)

(27/10/2011) De meados da década de 1970 até o início da década de 1980, o Sesc da 913 Sul foi o endereço mais quente da cultura em Brasília. Era lá que se armava uma resistência, a um só tempo, organizada, festiva, anárquica, experimental, polêmica, educativa e reflexiva ao sufoco do regime militar. Por lá, nasceram, cresceram ou passaram Os Melhores do Mundo, Vidas Erradas, Asdrúbal Trouxe o Trombone, Chico Expedito, Chacal, Nicolas Behr, o Teatro Oficina (de Zé Celso Martinez Corrêa), Hugo Rodas, Humberto Pedrancini, Jorge Mautner, Jards Macalé, Alceu Valença, o projeto Cabeças, o movimento de cineclubes e TT Catalão. Se a resistência política era alegre, as festas também se tornavam acontecimentos políticos. É essa história que a pesquisadora Maria de Souza Duarte reconstitui no livro duplo Arte educação: o caso Brasília e Arte educação: o caso Garagem (Ed. UnB), a ser lançado no sábado, às 20h, durante a entrega do Prêmio Sesc de Teatro.

O caso Brasília é uma reedição do livro escrito a partir de uma dissertação de mestrado defendida na Universidade de Brasília. Durante o lançamento, será exibido um documentário sobre o Teatro Garagem, com depoimentos de 77 pessoas que participaram da experiência, e apresentado um catálogo de fotos produzido pelo designer Hugo Rocha. Maria Duarte dirigiu o Sesc da 913 Sul de 1970 a 1982 e, ao ser homenageada em 2009, recebeu o convite para escrever a história do reduto da cultura brasiliense daquele período. “Resolvi acoplar os dois livros porque a experiência do Teatro Garagem foi de educação pela arte, inspirada pelos mesmos princípios de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, que nortearam o sistema de ensino nos tempos pioneiros de Brasília”, justifica. A história de O caso Brasília cobre o período de 1957 a 1982, e a de O caso Garagem avança de 1970 até 2000.

O Sesc da 913 Sul foi um espaço importante pela capacidade de articulação, ousadia e compromisso com a questão cultural de Brasília. O espaço era pequeno e pobre, mas havia a troca de hospedagem nas dependências do Sesc por ingressos para a formação de público com o Asdrúbal Trouxe o Trombone, o Teatro Oficina ou Alceu Valença e Macalé. O Sesc estabeleceu uma parceria com a Federação de Teatro Amador e foi criada uma rede de 60 cineclubes, que alcançou muitos espaços da periferia. “Era uma resistência festiva, mas com abrangência muito grande, abrigando as múltiplas tendências estéticas e políticas. Além disso, investimos na formação de pessoal e estabelecemos parcerias com a Secretaria de Educação visando sensibilizar as novas gerações para a arte e a cultura, alcançando as escolas”, conta a autora.

E, hoje, qual o legado dessa experiência? Maria Duarte considera a dispersão e a falta de um ideal comum as mazelas da cultura em Brasília. Ou se espera tudo do poder público ou se fazem as coisas de forma solitária.

Por isso, ela resolveu organizar, em parceria com o Sesc, a UnB, o NAC (Núcleo de Arte e Cultura), o Cena Contemporânea e o Clube do Choro, um seminário sobre o tema “Articulação de entes e agentes culturais”, a ser realizado, hoje, no Auditório da Reitoria da UnB, com a participação de artistas, arte-educadores e produtores da cidade: “É preciso religar educação e cultura para ampliar a

17 formação do público. É necessário também discutir a maneira como a cultura é divulgada nos dias de hoje”, comenta Maria Duarte.

Educação pela arte: O caso Brasília/ Educação pela arte: O caso Garagem De Maria de Souza Duarte. Editora UnB, 250 páginas. ( Reprodução)

FOLHA DE S. PAULO - 'O LIBERTINO' SEDUZ CORAÇÕES E MENTES COM O PODER DA PALAVRA

Peça dirigida por Jô Soares traz as ideias do filósofo Diderot sobre o amor e o desejo

LUIZ FERNANDO RAMOS CRÍTICO DA FOLHA

(27/10/2011) A sedução pela filosofia. "O Libertino", peça de Eric-Emmanuel Schmitt adaptada e dirigida por Jô Soares, investe no poder das palavras em cativar corações e mentes. Neste drama histórico, que reconstitui um dia de lazer atribulado na vida de Denis Diderot (1713-1784), grande filósofo francês do século 18, Paris, libertinagem e argúcia filosófica se confundem. Schmitt, autor, dramaturgo e novelista francês naturalizado belga, é um dos mais encenados e premiados de sua geração. Filósofo de formação, ele escreveu a peça em 1997, mesmo ano em que se doutorou com uma tese sobre a metafísica em Diderot e publicou o ensaio "Diderot ou a Filosofia da Sedução". O mote da trama é a necessidade do personagem central de escrever um verbete sobre a moral para a sua Enciclopédia. Por trás de um registro de comédia, transparece como maior virtude do texto um vigoroso debate de ideias que aproxima a meditação filosófica das reflexões sobre o amor e os desejos humanos carnais. Essa combinação, característica do chamado iluminismo francês, torna-se o principal trunfo do espetáculo. A direção de Jô Soares é discreta e busca valorizar o suculento fraseado de Schmitt. Para isso conta com o talento e a presença ao mesmo tempo histriônica e virtuosa de Cassio Scapin, no papel de Diderot. O ator se equilibra bem, oscilando entre formular pensamentos densos e atuar em situações mais leves, de quiproquó amoroso e duplos sentidos picantes. As outras quatro atrizes que o acompanham têm desempenhos irregulares. Luciana Carnieli, como Madame Therbouche, libertina cuja beleza Diderot cobiça e cuja inteligência ele admira, faz um contraponto à altura de Scapin. Tânia Castello, que interpreta a mulher do filósofo, Érica Montanheiro, como sua filha, e Luiza Lemmertz, como uma adolescente provocante, constroem interpretações mais caricatas.

18 Daniel Warrem, como o assistente do filósofo, também se acomoda na máscara cômica mais óbvia. Já os figurinos de Fábio Namatame exploram fortemente a dimensão erótica, colaborando para apimentar as cenas de sedução e transporte amoroso. Mas, se há um elemento sedutor na encenação, ele está mesmo nas palavras e no raciocínio arguto do personagem Diderot. O filósofo, que fez questão de misturar seu amor pelo saber com suas pulsões sexuais, e deixou uma obra em que estes dois planos convergem naturalmente, encontra na dramaturgia de Schmitt uma rica atualização.

FOLHA DE S. PAULO - PEÇA 'ORFEU MESTIÇO' NARRA A FORMAÇÃO DO BRASIL EM TOM ÉPICO

Espetáculo, que mistura ópera e dança, estreia amanhã no Núcleo Bartolomeu

DE SÃO PAULO

(27/10/2011) A mestiçagem é protagonista de "Orfeu Mestiço", novo trabalho do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, que estreia amanhã. Ela surge soberana no conteúdo e na linguagem do espetáculo, que busca entender a formação do povo do Brasil misturando teatro épico, dança, ópera e elementos da cultura popular com música executada ao vivo. A autora e diretora Claudia Schapira se inspira no mito de Orfeu. O protagonista também desce ao inferno para reencontrar Eurídice. Entretanto, na nova versão, a morte de sua mulher não é causada por uma serpente, mas pela ditadura militar. "A ditadura criou um lapso de memória no país", diz Schapira, que, como o herói grego, foi desenterrar o que foi esquecido. "A cultura indígena ficou submissa em relação à africana e à europeia. Talvez pelo fato de os índios serem mais pacíficos, apesar de guerreiros, e terem sido massacrados em maior quantidade", explica a diretora. Sua Eurídice acerta as contas com a história: "Ela é mestiça, mas traz a afirmação do índio", explica.

ORIGENS A personagem fala com sotaque indígena e apresenta rituais como o quarup, que homenageia os mortos. Signos da cultura europeia e africana também são abordados. O espaço cênico projetado por Daniela Thomas apresenta um palco limpo, formado por diversas cortinas de renda. Ao serem movimentadas pelos atores, redimensionam a cena o tempo todo. Há também um mestre de cerimônias que conduz o espectador na viagem deste Orfeu brasileiro ao passado. "Nossa ideia era pesquisar nossas origens indígena, africana e europeia, além de trabalhar as questões sociais, políticas e culturais que tenham sido determinantes para a formação do nosso povo", resume Schapira. (GM)

O GLOBO - DEPOIS DE PROSTÍBULO NA PRAÇATIRADENTES, UM ATELIÊ NA LAPA

‘Mão na luva’, no estúdio de Daniel Senise, dá continuidade a projeto de Marta Paret

Luiz Felipe Reis

19 ISAAC BERNAT e Marta Paret são um jornalista e uma artista plástica que põem fim a um longo relacionamento: peça de Vianinha estreia hoje

(27/10/2011) Em 29 de julho de 2010, a atriz Marta Paret assumia uma ideia arriscada: transformar um dos quartos do Hotel Paris em palco.

Ela encenava ali pela primeira vez a peça “Navalha na carne”, de Plínio Marcos. A montagem, num lugar inusitado — um dos mais famosos prostíbulos da cidade, na Praça Tiradentes — servia de estopim para uma trilogia que chega hoje, às 21h, à sua segunda etapa. Agora, Marta toma o Ateliê 52, do artista plástico Daniel Senise, para apresentar “Mão na luva”, de Vianinha, com direção de Rubens Camelo, que já comandara a primeira peça. A ideia de encenar autores clássicos da dramaturgia nacional em locais “inadequados” já tem a última etapa prevista para o ano que vem, mas com pouso ainda incerto.

Marta procura um teatro desativado para encenar “Um grito parado no ar”, de Gianfrancesco Guarnieri.

Foram três meses no Hotel Paris, e depois que ele fechou, a equipe foi “para um ainda pior”, conta Marta. — Não imaginava ficar mais do que um mês em cartaz. Era meio suicida fazer uma peça naquele lugar — diz ela.

Sem depender de patrocínios ou abertura de pauta em teatros, ficaram mais seis meses em cartaz. E a criatividade para divulgar e cativar a atenção do público para aquele programa acionou a trilogia. — Percebemos como é bom pegar um clássico, encená-lo num lugar diferente e ver que ele funciona seja onde for.

Escrita por Vianinha em 1966, “Mão na luva” se passa numa casa onde uma artista plástica frustrada, Silvia (Marta Paret), e seu marido, o jornalista Lúcio Filho (Isaac Bernat), estão prestes a findar uma relação de nove anos. A conversa derradeira, regada a mágoas e feridas expostas, passa- se agora num ateliê, em que as telas de Daniel Senise se mesclam ao cenário e à iluminação da montagem.

— É um texto poético do Vianinha e um lindo casamento entre artes plásticas e teatro. E, como todo casamento, repleto de tensões. Atuando no mesmo nível do público, Marta e Bernat não têm a segurança e a estrutura do palco, mas acreditam que o saldo da relação instável é mais que saudável.

— Tem fatores que ajudam e outros que atrapalham, mas o saldo final é positivo. Temos poucas salas no Rio, as temporadas hoje duram um mês e aí depois de penar muito você consegue uma outra pauta... Acho que assim a gente consegue driblar isso e atrair um outro tipo de público.

20 CORREIO BRAZILIENSE - O HOMEM DOS BONECOS VIVOS

José Carlos Vieira e Sergio Maggio

(30/10/2011) Considerado um dos principais representantes da cultura popular em Brasília, o mamulengueiro Chico Simões cobra do Estado mais sensibilidade no tratamento com os artistas locais. Ele critica a ditadura dos editais. “É o edital que tem de se adaptar ao artista popular e não o contrário”. Fala também do início de carreira, da primeira vez que viu a apresentação de um show de bonecos e da necessidade de manter viva a preservação de nossas tradições. Ao Correio, destacou que é necessário ampliar o conceito do que é um ponto de cultura.

Você encontrou os bonecos? Ou foram os bonecos que o encontraram? Fale um pouco sobre o mestre Carlinhos Babau. Foram os bonecos que me encontraram. Tinha 9 anos e estudava no Centro de Ensino 2, em Taguatinga Norte, e apareceu um ventríloquo na escola. Só que o ingresso custava um real da época para assistir à apresentação, eu e uma meia dúzia de alunos não tínhamos o dinheiro. Ficamos nós, com a professora na porta da sala de aula, impedidos de ver a brincadeira, apenas ouvindo a risada dos alunos. Aquilo foi perturbador pra mim. Cheguei em casa revoltado porque minha mãe não tinha me dado a grana. Só que, no outro dia, a apresentação foi gratuita e todo mundo assistiu (risos). Sentei na primeira fila, no chão, e o boneco no colo do ventríloquo, que falava assim “Acorda Joãozinho”. E o Joãozinho dormindo… E o ventríloquo: “Vamos acordar o Joãozinho?”. A gurizada todo mundo gritava “Acorda Joãozinho”. E o Joãozinho dormindo. Levantei e dei um tapa no boneco para ele acordar (risos). A professora desesperada queria me tirar da apresentação, mas resisti (risos). Aquilo me impactou, porque vi, naquele momento, a ilusão do boneco, das coisas interessantes de que ele falava, não me importava o ventríloquo. Até hoje, quando eu me apresento nas escolas, eu olho para a plateia de crianças e imagino estar sentado ali em algum lugar.

E sobre o encontro com a arte do bonequeiro Carlinhos Babau? Nós nos conhecemos em Brasília durante o Projeto Plateia, nos anos 1980. Só que a gente sempre se apresentava nos mesmos horário, eu com a Cia. de Teatro Retalhos e ele com seus bonecos. Não tive a chance de vê-lo atuando naquela época. Mas nos tornamos amigos. Só fui ver as brincadeiras de Carlinhos Babau em 1981, no Espírito Santo, num festival de teatro de bonecos. Fui de carona com a minha companheira, chegamos lá apenas com as mochilas, pois não havíamos sido convidados. Mas queríamos apreender a arte dos bonecos. Mesmo assim, fomos bem recebidos e assistimos aos espetáculos. A apresentação de Carlinhos Babau foi impressionante. Percebi como uma pessoa, com tão pouco, do ponto de vista técnico, pode dominar uma plateia. Foi amor à primeira vista. Quando terminou a apresentação, subi no palco e perguntei: “O que eu faço para ajudar?” Passei então três anos com ele, viajamos juntos pelo Nordeste e lá convivemos com vários mestres, de São Luís até Juazeiro do Norte, onde ele vive até hoje.

Há uma nova geração interessada na cultura popular? Sim. A ideia que a gente tinha no início dos anos 1980 era de que a arte popular estava acabando virando folclore. A própria esquerda, de onde eu venho do fim dos anos 1970, pensava assim. Tinha preconceito com as culturas tradicionais (muitos têm até hoje). Eu a achava conservadora, racista, porque a esquerda também tinha esse pensamento eurocêntrico, do afro, nativo ou indígena serem a barbárie. Naquela época não se compreendia a importância das tradições, da cultura popular… na manutenção da identidade cultural. Foi aí que a ditadura aproveitou e investiu pesado na televisão, fazendo com que ocupasse exatamente o espaço da tolda da barraca do mamulegueiro nas praças do Nordeste. Até hoje, no Sertão, existem aparelhos de tevê nas praças. Mas a cultura popular resistiu. É viva, dinâmica. Nos anos 1970, Glauber Rocha, durante o Festival de Brasília, bradou mais ou menos assim: “Cultura popular não é o que se chama tecnicamente de folclore, mas é uma linguagem de permanente rebelião histórica, somente os intelectuais desligados da razão burguesa e em consonância com as estruturas mais profundas dessa cultura popular, é que configurarão um signo verdadeiramente revolucionário.” Isso fez uma conexão com tudo que pensava.

As crianças de hoje em dia, com internet, tevês e até celulares, são seduzidas pelos mamulengos e suas histórias? São linguagens diferentes, sempre vão viver juntas. O teatro de bonecos não precisa ser massificado. No dia em que isso acontecer, acabou, pois ele perderá sua aura. Sinto a energia viva dos bonecos

21 quando percorro as escolas. A característica do mamulengo é se atualizar, por isso, atravessou séculos.

Por que as universidades de arte não estudam o teatro de bonecos? Dei aulas na Faculdade Dulcina e ajudei a criar, com Izabela Brochado, um núcleo de teatro de bonecos na Universidade de Brasília, que gerou o Festival Internacional de Bonecos. Fiz o primeiro e viajei para Portugal para estudar esse tipo de arte na Europa. Hoje em dia, existem várias publicações sobre o tema. Mas ainda há um distanciamento entre a academia a cultura popular. Por exemplo, o mestre Teodoro, do bumba meu boi, trabalhou a vida toda na UnB, mas só recentemente foi visto como um sábio e reverenciado como tal. Seus ensinamentos só agora estão sendo aproveitados.

Você tem acompanhado o surgimento de novos bonequeiros no DF? O que acha do trabalho do artista Algodão? Pelo menos 10 pessoas que trabalharam comigo têm agora seus brinquedos. Não faço avaliações sobre o trabalhos deles, mas é importante que eles estejam brincando. Algodão veio comigo de Olinda para Taguatinga, em meados dos anos 1980. Achava maluco um olindense querer viver na M Norte (risos), mas ele gosta de Brasília. Todos os anos íamos para Olinda durante o carnaval, mas teve um ano que ele resolveu ficar e perguntou: “Por que a gente não traz o carnaval de Olinda para cá?” Foi aí que criamos o bloco Mamãe Taguá. Depois, ele fez o Menino de Ceilândia.

Gama tem se tornado uma referência em bonecos. Você tem contatos com o pessoal dos grupos Voar e Bagagem? Esses meninos também começaram assistindo a Carlinhos Babau durante o Projeto Plateia. Alguns chegaram a ser alunos meus na Faculdade Dulcina de Moraes. Temos muitos contatos, participamos de muitas oficinas juntos. Eles se desenvolveram muito nos últimos anos, graças a viagens e troca de experiências.

Nos anos 1980, você fez parte de um grupo de poetas e ativistas culturais que criou um jornal (ainda na época do mimeógrafo) de poesias, Garganta. Fale um pouco dessa época e da publicação? Os amigos se reuniam no quintal de casa para produzir o jornal que nos aproximou de outros movimentos no início dos anos 1980, como o Cineclube Caixa d’Água. A gente se encontrava no Bar do Kareka’s, um local de resistência cultural de Taguatinga, para distribuir o jornal. Lá, também era cheio de agentes da ditadura disfarçados, pessoal de direita, militantes de esquerda, poetas, dramaturgos, sambistas, mas conseguíamos conviver. De vez em quando, a gente ia preso por falta de documentos (risos). Mas o que nos unia era o sentimento de lutar pela cultura.

Você acha que os gestores públicos se preocupam com a cultura popular o quanto se deveriam preocupar? É uma pena. O gestor pode até ficar, individualmente, preocupado, mas a máquina não permite. Nos últimos anos do governo Lula, tentei contribuir com ideias para a criação de políticas públicas para a cultura. Foi uma dificuldade, porque há um espaço de poderes tão dividido, retalhado em grupos e em interesses ou econômicos ou de manutenção do poder naquela área, que as ideias somem. Todos acham bacanas, bonitas, as ideias, mas elas não vingam. Quem está no poder é um “sistema” (risos). Pode mudar partido, pode mudar pessoa, eu posso ir pra lá, e quem estará no poder será sempre o “sistema”. O lado positivo disso tudo são as novas redes paralelas ao sistema, que permitem possibilidades de contato que vão fazer girar a grande roda da cultura. As políticas públicas não compreenderam a dimensão e a importância das culturas tradicionais, porque estão muito focadas na economia. Por exemplo, não é aconselhável transformar o festeiro em um produtor cultural, senão a festa vai virar um megaevento, como aconteceu com os rodeios, que perderam toda a sua originalidade.

A relação do artista com o Estado, às vezes, é promíscua, muitos passam o ano fazendo projetos para conseguir algum dinheiro público correndo o risco de ver seu trabalho pasteurizado pelas regras dos editais. Isso não te aflige? Acho que o edital é que teria de se adaptar com o que faço. Hoje em dia, até o Boi do Mestre Teodoro tem de se adaptar ao edital. Os integrantes do grupo precisam ter carteira da Ordem dos Músicos? Um absurdo. Precisa averiguar três contratos para saber qual será o cachê do mestre Teodoro ou do Zé do Pife? A cultura popular não tem que se modificar para dialogar com o Estado, é o estado que precisa mudar. E isso a gente não está vendo. Observamos apenas “cursos de formação para o

22 pessoal fazer projeto”. Isso é maluquice, tem mais gente preocupada em prestação de contas do que fazer teatro. Hoje, o dinheiro que você ganha do Estado é devido a um projeto benfeito tecnicamente e não com um teatro benfeito. As regras precisam se adequar à realidade e não o contrário. Precisamos entender a economia informal e não engessá-la.

Os pontos de cultura estão surtindo efeito? O que precisa para fortalecê-los? Precisamos aumentar o conceito do que é ponto de cultura, pois ponto de cultura não é só aquele grupo que ganhou o dinheiro. É a mesma história: você fez um bom projeto e, por isso, vai ganhar um ponto. Não é só isso, ponto de cultura é um lugar onde pessoal discute e cria temas e produtos que tenham alguma reverberação na comunidade. Agora, chegou a hora de se discutir os resultados sociais desses pontos.

Ser chamado de mestre bonequeiro é uma honraria ou você se incomoda? Me incomodo. Por que o termo foi banalizado. Primeiro, para ser mestre a pessoa tem de ter vivido mais de 65 anos (risos). Antes disso, ele pode ser bom o tanto que for, mas não será um mestre. Conheço muitas pessoas boas, geniais, mas ainda não são mestres. Um mestre é aquele que sabe que está se aproximando da morte e precisa fazer tudo com excelência para eternizar sua arte. Mestre é quem sabe morrer.

ESTADO DE MINAS - NOVOS TEMPOS NO PALCO

Dois espetáculos apresentados no Fórum Internacional de Dança, Espalha pra geral e Âataba, colocam em cena questões contemporâneas sobre apreensão da obra e seu papel alfabetizador

Marcello Castilho Avellar

(31/10/2011) Dois espetáculos que se apresentaram no fim de semana, na programação do Fórum Internacional de Dança (FID), levam ao palco algumas das questões mais urgentes para a relação entre espetáculo e espectador na contemporaneidade. Uma se refere ao tempo, ou melhor, a um de seus aspectos, o timing, a relação entre quantidade e complexidade da informação e o tempo real para sua apreensão pelo espectador. Outra nos remete à pedagogia, à capacidade da própria obra de arte alfabetizar o espectador na linguagem que ela constrói e sobre a qual é construída. Um dos espetáculos foi Espalha pra geral, dos brasileiros Denise Stutz e Felipe Ribeiro. Outro foi Âataba, do grupo marroquinho Cie. Anania, criação de Taoufiq Izeddiou.

A sociedade industrial acelerou o tempo desde as origens, num processo que foi acentuado com a evolução dela – nossa percepção de tempo numa sociedade de alta tecnologia é mais acelerada que em qualquer etapa anterior de nossa era. Basta ir ao cinema ou assistir à televisão para perceber isso – seja um filme para a tela grande, seja um desenho animado de televisão (ou um espetáculo de teatro ou de dança que pretenda integrar o núcleo mais comercial da indústria de espetáculos): é como se tudo ocorresse em velocidade maior que nos filmes, desenhos ou espetáculos antigos. Tanto Espalha pra geral quanto Âataba se recusam a aceitar esse fato como norma. E ao proporem seu próprio timing ao espectador, acabam oferecendo a ele uma possibilidade de escolha a respeito de como ele pretende assistir, fruir, viver.

Cada espetáculo realiza essa postura de rebeldia à sua maneira. E, para isso, precisa desenvolver lógicas e técnicas próprias. O tempo de Âataba é tipicamente pré-industrial, parece nos remeter a uma época em que nossa vida era regida por ciclos do Sol ou da Lua – dias e noites, semanas, meses, anos, e não dos dias de hoje, em que é um relógio com ponteiro de segundos quem dita as regras. Para fazer isso, desenvolve ao extremo a capacidade de contenção de seu elenco e enfrenta possibilidades desagradáveis para o espectador contemporâneo, como a cena longa, o movimento repetido.

Espalha pra geral é mais sutil, realiza uma espécie de negociação com as convicções do espectador sobre o assunto: no detalhe, tem um timing contemporâneo – cada uma de suas peripécias fala a linguagem temporal que o espectador conhece, ágil, sequências de ações em que algo novo parece surgir a cada momento. No conjunto, contudo, é radical em seu tempo pré-moderno, o tempo da contação de histórias, que se dá ao direito de ir e retornar ao mesmo tempo, dar voltas, parar sobre algo aparentemente sem importância e descobrir importância nisso.

23 Um jogo Se uma obra de arte propõe ao espectador um jogo cujas regras ele não conhece, torna-se para ela uma necessidade construir uma pedagogia, “alfabetizá-lo”. Espalha pra geral é, por inteiro, um sistema pedagógico. Não é, na essência, uma contação de histórias por meio do gesto e da palavra, mas um divertido estudo da contação, do prazer que ela proporciona, de seus limites. Os tijolos com que Denise Stutz e Felipe Ribeiro constroem seu espetáculo não são os truques que o palco permite, mas a revelação desses truques. Eles dicionarizam sua ação, propõem traduções dela o tempo todo, e ao fazê-lo ensinam os espectadores que isso pode ser feito, algo particularmente importante num espetáculo cujo público-alvo é a criança. Não se trata simplesmente de criação para assistir, ou com a qual interagir, mas de obra apta a produzir e estimular um comportamento criativo e interativo.

Diante do radicalismo de Âataba, temos duas possibilidades: rejeitá-lo, cortar os vínculos de comunicação, ou reaprender a ver, desenvolver um olhar adequado àquela possibilidade de organização do tempo. Há risco de “perda” de parte dos espectadores por causa da primeira possibilidade (os aplausos efusivos não escondem a perplexidade ou o desagrado de muitos – o provincianismo da cultura mineira transformou o aplauso em obrigação, quando antes era expressão de sua opinião frente ao que via). Quando conquista um espectador, contudo, Âataba o alfabetiza: afinal, a reeducação do olhar, ou a educação para a pluralidade do olhar, é função primeira de qualquer obra de arte em nosso tempo de diversidade estética.

FOLHA DE S. PAULO - FESTIVAL CONTEMPORÂNEO DE DANÇA FRISA EXPERIMENTAÇÃO

Evento tem sua quarta edição na cidade, até o próximo dia 13

AMANDA QUEIRÓS, DE SÃO PAULO

Depois da Bienal de Dança do Ceará e dos festivais internacionais de Recife e Belo Horizonte, chegou a vez do paulistano Festival Contemporâneo de Dança, que dá o pontapé a sua quarta edição.

Neste ano, o evento -que se propõe a colocar uma lupa no que há de mais experimental dessa cena- cresceu. Além da Galeria Olido, sua tradicional casa, ele ocorre também no Centro Cultural Banco do Brasil e segue, quase diariamente, até o dia 13. Apesar de São Paulo receber um fluxo intenso de companhias internacionais de dança, o evento se destaca por reunir nomes estrangeiros interessados em uma pesquisa artística de fôlego.

"Buscamos coreógrafos que estão abrindo novas possibilidades, expandindo o entendimento do que pode ser dança", afirma a diretora artística Adriana Grechi.

Esse alinhamento justifica a escolha de artistas como o marroquino Taoufiq Izeddiou e a espanhola Paz Rojo, que já participaram de outras edições do festival, em detrimento de uma seleção focada em novos rostos.

"Este é um contraponto à atitude consumista de só valorizar a novidade e em seguida descartá-la. Uma obra consistente é resultado de uma investigação contínua, e é isto que procuramos promover", diz Grechi.

Em 2009, Izeddiou dançou um solo ainda inacabado que questionava o papel da identidade em um mundo multicultural. O trabalho se transformou em "Aaleef".

Já Rojo, que havia exibido no ano passado uma colaboração com o brasileiro Cristian Duarte, traz agora "Lo que Sea Moviéndose Así". Duarte também mostra um solo seu, "The Hot One Hundred Choreographers", no qual faz um "patchwork" de trechos de peças emblemáticas de diferentes coreógrafos para discutir as ideias de criação e autoria.

A grande aposta entre os artistas ainda inéditos no Brasil é a húngara radicada em Berlim Eszter Salamon, que apresenta "Dance for Nothing", trabalho que faz ponte com "Lecture on Nothing", de John Cage (1912-1992) -um discurso sobre o valor do vazio e do silêncio.

24 A programação inclui também o sueco Jefta van Dinther e outros brasileiros, como Michelle Moura, do coletivo paranaense Couve-Flor, e Marcelo Gabriel, de Minas Gerais. ARTES PLÁSTICAS

CORREIO BRAZILIENSE – O MESTRE DA GRAVURA

Nahima Maciel

Obras de Carlos Oswald: músicos e paisagens estão no universo do artista (Fotos: Museu Nacional de Belas Artes/Reprodução)

(27/10/2011) A gravura brasileira está muito bem representada e instalada, mas ainda sofre de preconceito. As primas ricas, pintura e escultura, conseguem atrair mais atenção de historiadores, mercado e apreciadores. O crítico paraense Paulo Virgolino acha isso tudo uma injustiça e decidiu travar um combate para elevar a produção brasileira de gravura ao patamar reservado a técnicas consideradas mais nobres. Carlos Oswald: o resgate de um mestre é o primeiro passo. Em cartaz na Caixa Cultural, a exposição reúne 70 gravuras realizadas pelo artista nas primeiras décadas do século 20. Algumas obras foram garimpadas em coleções particulares, mas 99% vêm do Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

Virgolino começou com Oswald por um motivo óbvio. Filho do compositor Henrique Oswald com uma italiana, o artista nasceu em Florença e por lá se dedicou à gravura até desembarcar no Brasil em 1913, aos 31 anos, para fugir da guerra iminente e fincar raízes na terra do pai. Mas gravura era arte sem muita graça ou glamour em solo tupiniquim e poucos brasileiros eram capazes de diferenciá-la de um desenho.

No Rio de Janeiro, o artista recebeu convite para trabalhar como professor no Liceu de Artes e Ofícios. Ganhou ateliê e uma turma inteira de alunos. Aos poucos, encarregou-se de catequizar quem encarava o futuro como um paraíso de tintas e pincéis e converteu dezenas de alunos. Preparou todos para lidar com buril e chapas de metal tão bem quanto manejavam as pinceladas. Em 1919, Carlos Oswald inaugurava a primeira exposição de gravuras da cena artística carioca, com obras de alunos arregimentados durante as aulas. “Ele foi o grande precursor da história e ensino da gravura no Brasil. E desde a década de 1980, não é alvo de uma grande individual”, repara Virgolino.

25 A mão de Oswald passeava por uma série de características muito precisas. Técnica apurada e conjunto harmonioso nas composições acompanharam o artista por toda a vida. A exposição na Caixa Cultural tem percurso cronológico e se divide em dois momentos cruciais. O primeiro trata das obras realizadas ainda na Itália, tempo em que a figura humana pouco aparecia nas paisagens, retratadas sempre com certo destaque para a arquitetura.

O segundo: no Brasil, Oswald passou a dar atenção maior à presença humana, especialmente representada em uma série de retratos selecionados para a exposição. A natureza, evidentemente exuberante naquele Rio de Janeiro do início do século, também passou a ocupar espaço de protagonista. Mas o academicismo era uma marca e pouco se via das ideias que, nos anos seguintes, dariam forma ao modernismo. Mas não fosse Oswald, e logo em seguida Livio Abramo, o Brasil não veria florescer a geração de Fayga Ostrower e Poty Lazarotto, duas vertentes da modernidade que marcaria a gravura brasileira nas décadas seguintes.

O GLOBO - MOSTRA INVESTIGA CONCEITO DE ESCULTURA

Galeria Anita Schwartz reúne a partir de hoje 18 obras que mesclam tridimensionalidade e outras linguagens

Audrey Furlaneto

“VERSO”, de Carla Guagliardi: tábuas de madeira pressionam bolas de borracha

“NUVEM”, de Gustavo Speridião: discussão sobre o tema da exposição

26 “FUGA”, de Waltercio Caldas: peça de aço inox é perpassada por um fio de lã

Especial para O GLOBO

(27/10/2011) Uma pequena folha de papel presa a um cabide tem sua sombra projetada na parede. A luz passa apenas por um recorte no centro do papel e ilumina, no fundo da sala escura, a palavra “nuvem”. A princípio distante da ideia de escultura, a obra do artista carioca Gustavo Speridião será exposta ao público a partir de hoje, na galeria Anit Para o curador Guilherme Bueno, o debate ressurgiu quando observava o acervo da galeria e se deu conta do grande número de objetos que não têm, ao certo, uma categoria.

— Muitas obras são pensadas dentro do espaço da tridimensionalidade, embora não caibam no conceito de escultura — explica Bueno.

Tais trabalhos formam, portanto, um gênero híbrido, que estão sempre na fronteira entre desenho, pintura, instalação e escultura.

A seleção de obras da exposição “Em torno da escultura” contempla nomes mais jovens, como Gustavo Speridião, e outros já consagrados, como Waltercio Caldas. De Speridião, há dois trabalhos — além da obra-instalação, o artista apresenta um bloco de concreto em que também se lê, numa plaquinha de metal, a palavra “nuvem”. De Waltercio, a curadoria escolheu “Fuga”, trabalho de 2009 em que formas geométricas de aço inox são cruzadas por um delicado fio de lã preta.

Contraste de gerações

Há ainda “HO”, pintura sobre ferro em homenagem a Hélio Oiticica, criada em 1980 por Antonio Manuel. Veteranos como Artur Lescher e Ivens Machado dividem os 200 metros quadrados da galeria com Estela Sokol e Ana Holck, entre outros. O contraste de gerações serve para reafirmar que a escultura vem surgindo aberta a diferentes experiências artísticas ao longo dos anos.

— Historicamente, a discussão desse conceito é muito importante para a arte contemporânea.

É a partir do debate sobre escultura e seus desdobramentos que certos problemas da modernidade são levados à tona — diz Bueno. Problemas como o fato de as categorias estarem cada vez menos nítidas, permitindo que novas linguagens sejam incorporadas.

Na exposição, é por meio de objetos com diferentes materiais que se evidencia essa elasticidade. Um canudinho de plástico, por exemplo, fica dentro de um copo de vidro com granito na obra “A queda”, de Felipe Cohen. Um par de tênis coberto com diminutos pratos de bateria resulta no “Sapato sonoro”, de Romano, e tábuas de madeira pressionam balões de ar em “Verso”, de Carla Guagliardi.

27 A artista, que mora em Berlim há muitos anos, é nome novo entre os artistas representados pela galeria Anita Schwartz.

A exposição também marca a aquisição de Angelo Venosa e Ana Linnemann. Dela, será possível conferir uma das obras da série “O mundo como uma laranja”, em que 20 pregos fatiados ao meio são pregados lado a lado e ocupam quase três metros da parede da galeria.

— É um trabalho que usa o lugar de uma pintura, a parede, mas conversa com o conceito de escultura — explica o curador.

A ideia é que a exposição inaugure um ciclo na galeria, cujo mote será sempre a investigação de linguagens na arte contemporânea. Para Bueno, trata-se também de ter a chance de mostrar ao público importantes acervos que nem sempre chegam ao espaço expositivo. ■ conceito de escultura.

O GLOBO - UMA HISTÓRIA DO BRASIL

Com painel do século XVIII a 1930, Pinacoteca de SP prova bom uso de acervo público

‘Arte no Brasil’ Vários

Luisa Duarte

(31/10/2011) Há cerca de um mês e meio publiquei neste mesmo espaço um artigo sobre o desequilíbrio do sistema da arte no Brasil. Um dos objetivos do texto era apontar a necessidade da valorização de coleções de arte públicas no país e refletir sobre a falta de incentivo por parte de entidades privadas e estatais.

O texto de hoje vem mostrar que nem tudo é terra arrasada quando se fala em instituições e acervos no lugar em que vivemos. A mostra “Arte no Brasil — Uma história na Pinacoteca de São Paulo”, em cartaz em caráter permanente na Pinacoteca do Estado de São Paulo, nos mostra que sim, existem coleções públicas, e sinaliza para a possibilidade de uma instituição funcionar com um padrão de excelência em solo brasileiro, desde que conte com recursos constantes e seja conduzida por profissionais de capacidade reconhecida em um projeto de médio e longo prazo.

A Pinacoteca é um exemplo disso, tendo à sua frente o diretor Marcelo Araújo e o curador- chefe Ivo Mesquita, dois grandes responsáveis pelo trabalho realizado neste espaço dedicado à arte contemporânea, mas também moderna e pré-moderna.

“Arte no Brasil” é fruto de um recorte curatorial que busca apresentar uma história da arte no Brasil entre o século XVIII e a década de 1930, época em que se estabeleceu no meio artístico brasileiro a distinção entre “belas artes” e “arte moderna”. O que se vê ao longo de 11 salas divididas por temas como “A tradição colonial”, “Os artistas viajantes”, “A criação da academia” e “A pintura de gênero” é um conjunto com cerca de 500 obras, entre pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e fotografias, que nos recorda um período importante da arte no país, mas cada vez mais esquecido.

Uma tela como “A leitura” (1892), de Almeida Jr., encontra- se no núcleo sobre pintura de gênero. Já a bela “Baía cabralia” (1900), de Antonio Parreiras, é uma pintura de paisagem que nos revela não um Brasil solar, mas sim atravessado por vazio e certa melancolia.

A curadoria elegeu dois grandes eixos que encaminham a mostra, o primeiro deles trata da formação de um imaginário visual sobre o Brasil. Nesse ponto, é fundamental a contribuição dos artistas viajantes estrangeiros dos séculos XVII ao XIX. De outro lado, há a formação de um sistema de arte no país — ensino, produção, mercado, crítica e museus — iniciado com a vinda da Missão Artística Francesa, a criação da Academia Imperial de Belas Artes e o programa de Pensionato Artístico.

Toda a mostra está entremeada por quatro salas de caráter temporário que realizam diálogos com a exposição principal. Este é o caso da coletiva “Viajantes contemporâneos”, que reúne trabalhos de artistas como Cildo Meireles, Carla Zaccagnini, João Modé, Vicente de Mello, Rivane Neuenschwander, entre outros.

28 Todas as obras exibidas foram feitas quando estes artistas estavam na condição de viajantes, por conta de programas como residências, feiras e bienais. Se vemos ao longo de “Arte no Brasil — Uma história na Pinacoteca de São Paulo” uma série de trabalhos feitos por artistas viajantes que vinham para o Brasil e forjavam uma representação do país — sendo o Rio de Janeiro a cidade mais representada —, hoje os artistas trazem para o Brasil o lugar visitado de maneira poética.

Gosto pelo colecionismo

Era preciso um espaço maior para realizar um ensaio crítico sobre uma mostra dessa envergadura, mas fica aqui o registro desta que já é uma exposição histórica e imperdível. Resultado de um trabalho em equipe que mobilizou todos os setores da instituição ao longo de quatro anos, “Arte no Brasil — Uma história na Pinacoteca de São Paulo” revela, entre muitas coisas, como foi forjado no Brasil o gosto pela arte e pelo colecionismo, público e privado, gosto este que está na origem da criação dos museus e dos processos de transformação dos bens culturais em patrimônio público, ou seja, aquilo que pertence a todos nós e forma simbolicamente um país mais reflexivo sobre si mesmo. Consciente de sua história e, quem sabe assim, mais seguro no seu presente e esperançoso quanto ao seu futuro. MÚSICA

CORREIO BRAZILIENSE – O VOO DO MENINO-GUITARRA

Revelação da música instrumental de Brasília, Pedro Martins lança o álbum autoral Sonhando alto, que flerta com o jazz e o choro

Irlam Rocha Lima

(27/10/2011) Um talento mais que precoce. Aos 6 anos, Pedro Martins tirava de ouvido, no violão, Do you want to know a secret, dos Beatles. Com 8 anos, era o melhor aluno de piano erudito do professor Dib Francis, na Escola de Música de Brasília. Ele tinha apenas 10 anos quando, tocando guitarra, liderava a banda de pop rock Fator RH, integrada por Felipe Viegas e pelos irmãos Ritcher e Wrand Azevedo.

Com 14 anos, Pedrinho, como é chamado pelos amigos e colegas de ofício, brilhava ao participar de rodas de choro ao lado do bandolinista Hamilton de Holanda e outros destacados instrumentistas brasilienses. Do alto dos seus 16 anos, juntou-se a músicos experientes na Banda Magnética, que acompanhou Zé Luiz — saxofonista que tocou com Cazuza, Marina Lima, Léo Jaime e outros ícones do pop rock brasileiro nos anos 1980 — no FestCopa de 2009, no Rio de Janeiro.

Aos 18 anos, o jovem multi-instrumentista — ele toca violão, guitarra, piano, baixo e bateria — lança hoje, às 20h, Sonhando alto, o disco de estreia, com show na Sala Cássia Eller (Funarte), pelo projeto Violas, Guitarras e Modernidades. Ao seu lado no palco estarão Felipe Viegas (piano), André Vasconcellos (contrabaixo), Renato Galvão (bateria) e Josué Lopes (sax).

Produzido por Daniel Santiago, com direção geral de Marcos Portinari, o álbum, gravado no estúdio Manga Rosa, no Rio, entre o fim de 2009 e o começo de 2010, traz nove faixas — todas autorais. No CD, ele tem a companhia de Daniel Santiago (violão), Josué Lopez (sax tenor), André Vasconcellos (contrabaixo acústico), Alex Buck e Kiko Freitas (bateria).

29 Temas autorais A maioria dos temas registrados em Sonhando alto, Pedrinho compôs no começo da adolescência — a exemplo da faixa título. “Numa das primeiras vezes em que fui à casa do Daniel Santiago, mostrei minhas composições para ele. Depois de ouvi-las e apresentá-las para outros músicos, no Rio, Daniel sugeriu que eu as gravasse e se prontificou a produzir o disco. Das 15 que estavam prontas, escolhemos nove, que tinham mais a ver com a proposta do trabalho”, revela.

Uma delas é Para o amor que ficou, “a primeira música que compus, quando tinha 14 anos”, lembra. “Logo em seguida, fiz Anos luz, Caminhos, Nas nuvens, e, um pouco depois, Viagem ao Rio e Viva Hermeto. Ciclo da vida ficou pronta quando estava perto de eu entrar em estúdio. Até pensei em fazer algum cover, mas decidi que deveria me apresentar por completo nesse primeiro CD”, justifica. Na produção de Sonhando alto, com prensagem de cinco mil cópias, foram utilizados recursos do próprio músico, advindos do cachê de shows e auxílio da família — o pai, ex-guitarrista de conjunto de baile, é servidor do judiciário.

É eclético o elenco de referências de Pedrinho, que inclui desde os Beatles, “minha primeira paixão musical”, a Maurice Ravel, passando por Supertramp, Hermeto Pascoal, Milton Nascimento, Hamilton de Holanda e Daniel Santiago. “Do som de cada um deles, extraí alguma coisa que depois viria reprocessar”, conta, em tom reverente.

Tomando o título do álbum como projeto de vida, o guitarrista tem planos ambiciosos. “Quero levar minha música para o Brasil e para o mundo.” De imediato, o que ele tem agendado é um show na próxima terça-feira, às 20h, pelo Umbria Jazz Festival, no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura Iguatemi.

O que eles dizem “Pedrinho é um músico que nasceu pronto. É impressionante como ele já tinha na cabeça, no começo da adolescência, tudo o que registrou em Sonhando alto. O tempo vai moldar o estilo desse instrumentista talentosíssimo”

Hamilton de Holanda, bandolinista,compositor e produtor

“Esse menino é um virtuoso. Eu o vi tocar apenas uma vez, mas ficou claro que ele é da escola de Lula Galvão. É um músico de muitas virtudes, que sabe improvisar, como se fosse um guitarrista com muita experiência”

30 Rosa Passos, cantora, compositora e violonista

“Fiquei impressionado com Pedrinho desde quando ele tinha 15 anos e foi meu aluno na classe de guitarra no Curso de Verão da Escola de Música. Na aula, depois que ele tocou, ninguém mais quis tocar. Tem um grande potencial para explorar”

Lula Galvão, guitarrista, violonista e arranjador

CRÍTICA// Sonhando alto ***

Nos ombros do gigante A expectativa em torno da estreia de Pedro Martins não dizia respeito tanto à sua precocidade, mas a que tipo de música ele estaria arquitetando. Atuante em contextos muito diversos, o guitarrista devora a linguagem que vier pela frente, do rock ao choro. Algumas pistas já estavam no ar, na web, em gigs na Escola de Música, mas eram só aperitivo.

Sonhando alto chega surpreendendo em vários sentidos. É um álbum conectado ao jazz de vanguarda, arrojado em sua estrutura, e de grande frescor. Dá para sentir os ventos da cena nova- iorquina, que acolhe guitarristas como Julian Lage, Mike Moreno e — o mais influente da geração — Kurt Rosenwinckel. O toque brasiliano vem, sobretudo, de Hermeto Pascoal, homenageado em uma faixa, e do violão de Daniel Santiago, que assina a produção.

Aliás, cada membro da banda agrega estatura à obra, com especial contribuição de Felipe Viegas (olho nele!). A impressão que se tem é que, nos ombros desse gigante sonoro, Pedrinho viu o mundo. (Gustavo Falleiros)

CORREIO BRAZILIENSE – NOTAS DO TEMPO

Aos 68 anos, César Camargo Mariano faz da paixão pela música o fio condutor de seu livro de memórias

Rosualdo Rodrigues

(27/10/2011) Pianista, produtor, arranjador, compositor, César Camargo Mariano revela mais uma habilidade em Solo, livro de memórias que acaba de lançar: a de contador de histórias. Em quase 500 páginas, ele rememora trechos de uma trajetória que começa em São Paulo, numa madrugada chuvosa de setembro de 1943, quando dona Beth deu à luz o primeiro filho, e para no ponto em que esse menino se torna homem maduro, músico prestigiado, radicado há quase 20 anos em Nova York, mas com fortes laços com o Brasil, onde moram seus filhos — todos, como ele, bem encaminhados no meio musical.

Além da boa memória para relembrar detalhes de acontecimentos passados em diferentes épocas de sua vida, uma característica que salta aos olhos na narrativa de César Camargo é a discrição. Com a autonomia de quem é dono da história, ele dá relevo ao que considera mais importante e minimiza passagens que poderiam despertar o interesse de um leitor acostumado a associar as autobiografias de famosos a revelações bombásticas.

Elis Regina, por exemplo, segunda mulher do músico — a primeira foi a também cantora Marisa Gata Mansa —, ocupa generoso espaço no livro. Mas Mariano prefere se deter no relato de experiências dos dois em palcos e estúdios de gravação a esmiuçar a convivência de sete anos como marido e mulher. “Todos os trabalhos que fizemos juntos eram pretensiosos no sentido da perfeição, dos cuidados, do profissionalismo e dos objetivos. Mas alguns foram realizados sem maiores intenções. Somente porque queríamos fazer, com o objetivo de realizar um sonho”, conta o músico.

Pouco depois da morte de Elis, César — que então vivia no Rio — viu-se obrigado a voltar a morar em São Paulo para cuidar dos dois filhos pequenos, Pedro e Maria Rita. Enquanto tentava organizar a vida de novo na capital paulista, encontrou Flávia, que o ajudaria a pôr ordem no caos e com quem se casaria. Mas, embora ele não perca uma oportunidade de ressaltar a importância da atual esposa em sua vida, o grande par de César Camargo Mariano nessa história toda não é uma mulher, e sim a

31 música. Uma paixão antiga e visceral: “Sempre que lembro ou penso em uma música, já ouço, internamente, o som da orquestração e tudo o mais. Desde criança sou assim”.

E isso não se deu por acaso. O pai do artista, Miro, era pianista clássico amador e costumava receber em casa amigos músicos. “Era programa certo (os músicos) encerrarem suas apresentações e descerem de São Paulo a São Vicente, para a ‘casa do Careca’ — apelido carinhoso que deram ao meu pai —, onde os esperavam acolhida entusiasmada, boas conversas de música, oportunidade de tocar com colegas, cerveja gelada e os bolinhos de banana que minha mãe fazia”, lembra, referindo- se à época em que a família se mudou para o litoral paulista.

Nessa história de amor entre César Camargo Mariano e a música, aparecem, além de Elis Regina, coadjuvantes de peso. Johnny Alf, Tom Jobim, Wilson Simonal, Nana Caymmi, Leny Andrade, Hélio Delmiro, Lennie Dale, Myriam Muniz, Arnaldo Jabor, Manoel Carlos e Tony Bennett aparecem como personagens de histórias descritas com explícita paixão e que têm como cenários recorrentes os estúdios, palcos e casas noturnas onde houvesse um piano disponível. César não poupa detalhes ao descrever processos criativos de discos e shows, os caminhos que percorreu para chegar a este ou aquele resultado ou os contratempos em que o fazer artístico invariavelmente esbarra. E ainda ilustra essa narrativa com desenhos que ele mesmo fez. A propósito, mais uma habilidade revelada: a de desenhista.

SOLO Livro de memórias de César Camargo Mariano. Lançamento LeYa, 510 páginas. Preço médio: R$ 55. (Leya Editora/ Reprodução)

Tudo pela arte Um dos sonhos de César e Elis, realizado no palco, foi Falso brilhante. “Um dia, Elis gritou lá da cozinha: ‘Estou com vontade de fazer um espetáculo!’ E no que ela disse ‘espetáculo’ em vez de ‘show’, eu soube imediatamente do que ela estava falando”, ele conta. O casal vendeu tudo para bancar o sonho e, para economizar, adotou hábitos como usar moto no dia a dia. É uma das raras cenas domésticas descritas no livro: “Elis ia na garupa, João (Marcelo) sentava-se entre mim e ela, ficando bem protegido, e Pedro, como era bem pequeno, eu o colocava sentado no tanque de gasolina (…). Quando parávamos em um sinal, havia sempre alguém que nos chamava de loucos. Continuávamos nossas viagens rindo e comentando: ‘Se eles soubessem…’”.

CORREIO BRAZILIENSE – EDU LOBO, NO PALCO E NO ESTÚDIO

Irlam Rocha Lima

32 Mauro Senise e Edu Lobo no palco do Copacabana Palace, no show de abertura do CopaFest: reverência (Carlos Miller/Divulgação)

(27/10/2011) Edu Lobo ainda se recorda do show que fez há uma década em Brasília, na Sala Villa- Lobos do Teatro Nacional. “Foi uma apresentação especial e o público que lotou a sala me deu ótima acolhida. Antes, apresentou-se Rosa Passos, uma cantora por quem tenho grande admiração”, lembrou o cantor e compositor, em entrevista ao Correio, no camarim que ocupou antes de ser homenageado no CopaFest, na última quinta-feira, no Rio de Janeiro.

No show, ele foi reverenciado pelo saxofonista e flautista Mauro Senise e pelo pianista Gilson Peranzzetta, que recentemente lançaram pela Biscoito Fino o álbum Casa forte, em que gravaram standards da obra do compositor. No fim, Edu subiu ao palco e cantou Vento bravo, Choro bandido e A história de Lily Braun — as duas últimas compostas em parceria com Chico Buarque para a trilha do musical O grande circo místico.

Há três meses, Edu esteve ao lado de Senise e Peranzzetta num concerto em Amsterdã, no qual tiveram a companhia da Metropole Orchestra, fundada em 1945 na Holanda. “O concerto foi registrado em HD e está sendo mixado por técnicos do estúdio da Biscoito Fino. Deve resultar num CD e DVD, mas ainda não sei quando será lançado”, comentou com reservas.

Tido como avesso a entrevistas, Edu mostrou-se à vontade no Copacabana Palace. Contou, por exemplo, que obteve a aprovação de um projeto, via Lei Rouanet, do Ministério da Cultura, para captar recursos visando a realização de uma turnê no próximo ano — algo que o cantor não tem feito regularmente ao longo de 45 anos de carreira. “Quero voltar logo a Brasília”, avisou.

O grande público descobriu Edu Lobo em 1967, quando ele venceu o Festival da Record, com Ponteio, superando Chico Buarque (Roda viva), Gilberto Gil (Domingo no parque) e Caetano Veloso (Alegria alegria). A história do festival foi contada no documentário Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil, que depois de exibição em cinemas — inclusive em Brasília —, foi lançado este ano em DVD.

Antes, porém, conquistara a primeira colocação em outro festival, com Arrastão, que compôs com , defendida por uma cantora em início de carreira, chamada Elis Regina. Outra canção de Edu que se tornou um clássico da MPB foi Pra dizer adeus, com letra do poeta tropicalista Torquato Neto, um dos muitos parceiros do compositor.

33 Com outro parceiro, Chico Buarque, Edu criou a trilha sonora dos musicais O grande circo místico (1983) e Cambaio (2001). Do primeiro, músicas como A história de Lily Braun, Beatriz, Ciranda da bailarina, viraram clássicos e ganharam várias gravações de cantores brasileiros, entre eles Milton Nascimento, Gilberto Gil, Tim Maia, Gal Costa, Simone e Zizi Possi.

Tantas marés é o nome do álbum que Edu lançou em 2010, trazendo as inéditas Coração cigano e Qualquer caminho, compostas com Paulo César Pinheiro, e as regravações de Angu de caroço (lançada originalmente em 1980), Ode aos ratos, A bela e a fera e Ciranda da bailarina, da safra da parceria com Chico Buarque. Nesse disco, há a participação de Mônica Salmaso no acalanto Primeira cantiga.

ESTADO DE MINAS - DE VOLTA

Esta noite, Dori Caymmi mostra em Belo Horizonte as novas canções que compôs em parceria com Paulo César Pinheiro. Com 13 faixas inéditas, o CD Poesia musicada acaba de ser lançado

Eduardo Tristão Girão

É praticamente um casamento. Dori Caymmi comemora os 42 anos de parceria com Paulo César Pinheiro no recém-lançado disco Poesia musicada. São 13 canções feitas recentemente, todas com letra do segundo e melodias do primeiro. Gravado em São Paulo, Rio de Janeiro e nos Estados Unidos (onde Dori mora), o álbum tem produção do próprio artista e participação da mulher e dos filhos de Paulo. O público de Belo Horizonte poderá vê-lo tocando as faixas desse trabalho hoje à noite, no Sesc Palladium.

“Este disco não foi pensado, ele aconteceu. Achei uma poesia do Paulo, “Rede”, nas minhas coisas. Comecei a tocar violão e a música saiu em 40 minutos. Mandei para ele ouvir e, como gostou, enviou mais letras. Achou boa a minha veia. Foi mandando e, não sei por que, fui fazendo uma música atrás da outra. Há dois anos não escrevia nada de novo. Estava traumatizado com a morte dos meus pais”, conta Dori. Dorival Caymmi morreu em 16 de agosto de 2008; Stella Maris, 11 dias depois.

A partir da canção Rede vieram Estrela de cinco pontas, Violeiro, Marinheiragem, Canto praieiro e as demais. Dori gravou as canções no Brasil. Quase todo o processo se deu em São Paulo, enquanto no Rio ele esteve em estúdio com as cavaquinistas Luciana e Ana Rabello (mulher e filha de Paulo César Pinheiro) e o violonista Julião Pinheiro (filho do compositor). De volta aos Estados Unidos, registrou a participação do percussionista Paulinho da Costa e iniciou a mixagem e a masterização.

Gosto Pelas contas de Paulo César, não chegam a 100 as composições que eles assinam juntos. Canções feitas sobre poesias, no caso de Dori, são ainda mais raras: antes da investida recente em Rede, que deu origem ao disco atual, ele havia musicado Na ribeira deste rio (Fernando Pessoa), Alegre menina (Jorge Amado) e não muito mais que isso. “Eu e Paulo somos amigos, temos um modo de pensar parecido e nosso gosto literário é praticamente o mesmo”, conta.

Entre os músicos que tocaram no disco estão nomes de destaque, como o acordeonista Toninho Ferragutti, o flautista Teco Cardoso e o baixista Sizão Machado, além de Luciana Rabello. Na apresentação de hoje, Dori (voz e violão) estará acompanhado por Itamar Assiere (piano), Teco, Sizão e Jurim Moreira (bateria). No repertório, oito canções do novo disco e músicas como Porto, Desenredo e Ninho de vespa.

ESTADO DE MINAS - VALSA MÚLTIPLA

João Renato Faria

(27/10/2011) Uma das bandas mais interessantes da nova cena independente de Belo Horizonte finalmente lançou seu primeiro disco. Valsa Binária se revela uma banda bem diversificada musicalmente e com um baita potencial. O trio é capitaneado pelo vocalista e guitarrista Leo Moraes, figura conhecida nos shows undergrounds da capital pelo trabalho junto ao Gardenais.

34 Bem compostas, as letras do Valsa Binária são inteligentes e fogem de obviedades. A produção do disco é caprichada e, apesar de o grupo contar só com três músicos, vários convidados marcam presença no álbum tocando instrumentos diversos, como trombone, surdo, pandeiro e flauta, ajudando a expandir as limitações do formato guitarra-baixo-bateria.

Porém, é difícil definir um gênero único para o disco. Ao longo de suas 12 músicas, o Valsa Binária passeia por diversos estilos, sem no entanto jurar fidelidade a nenhum deles. O som passeia por estilos como o grunge (O velho cego), o brega (Dessa água), baladas (A mais bonita). A variedade é tanta que sobra espaço para uma música em inglês (Tiny ballad), e duas instrumentais (Degradê e No bidê). Isso fica ainda mais claro com Afogamento, um dos destaques do disco, que chega a mostrar influências de música eletrônica, seguida no disco por Alforria, com andamento acelerado que beira o country americano. Na verdade, faltou só valsa.

Brincadeiras à parte, se não fosse a voz de Leo Moraes, um ouvinte incauto poderia supor que o disco é de uma coletânea e não um trabalho de um grupo só. Se peca na falta de uma unidade, o primeiro disco do Valsa Binária mostra que o grupo tem condições para escolher um rumo e ser bem- sucedido nele, mesmo que o caminho seja a diversidade musical. Competência eles têm.

ESTADO DE MINAS - CHORO PARA JAZZ E CÂMARA

Kiko Ferreira

Classificado como jazz brasileiro, o choro nem sempre recebe tratamento eclético que o similar americano. Por lá, passa pelo filtro do jazz todo tipo de música, de canções tradicionais de folclore ao repertório dos Beatles. Ella Fitzgerald, por exemplo, chegou a gravar Sunshine of your love, do Cream, e Miles Davis surrupiou Prenda minha do repertório tradicional brasileiro.

Algumas iniciativas recentes, como a série Beatles’n’choro, ajudam a colorir mais o choro. Mas não são regra. Dois songbooks lançados agora ajudam a ampliar a abrangência do gênero. Choro for big bands traz 11 temas tradicionais arranjados para a estrutura jazzística das big bands. E Choro meets Bach defende, com exemplos práticos, a tese de que, em sua gênese, o choro era “um jeito brasileiro de tocar música europeia”.

Surgido na década de 1870, com época de ouro nos anos 1920, segundo alguns especialistas o choro começou realmente como estilo de interpretar a música europeia, principalmente a polca, unida a elementos rítmicos da música africana. Por esse caminho foi a equipe do selo especializado Choro Music, que propõe uma viagem no tempo ao adaptar 14 temas de Johann Sebastian Bach para a linguagem do choro. Além das partituras, o livro traz dois CDs com as músicas interpretadas por craques como o flautista Toninho Carrasqueira, o clarinetista Nailor Proveta e Paulão Sete Cordas.

Já Choro para big bands aproveita a boa aceitação dos songbooks da editora no mercado internacional para transpor Três apitos, Flor de abacate, Odeon, A flor amorosa e mais sete temas para a linguagem das big bands. Os arranjos de André Perine e Paulo Serau são interpretados pela Orquestra Fervorosa. Dois lançamentos na medida para um tempo em que o choro está de volta, com boa penetração entre o público jovem.

ESTADO DE MINAS - CIDADÃ DO MUNDO KARINA BUHR LANÇA O SEGUNDO CD, LONGE DE ONDE, COM TRAÇOS DE SEU TRABALHO FORA DOS PADRÕES E DE SUAS CONSTANTES VIAGENS

Mariana Peixoto

(27/10/2011) No último ano e meio, Karina Buhr se tornou uma das cantoras mais incensadas do circuito da nova música de São Paulo. Baiana de nascimento, pernambucana de formação e radicada na grande metrópole brasileira, ela rodou o país com uma performance energética e que ia muito além do que havia mostrado em seu álbum de estreia, Eu menti pra você (lançado em janeiro de 2010). Tudo fruto de uma experiência anterior no teatro (integrou a trupe de José Celso Martinez Corrêa) e de uma sonoridade atual, que foge dos padrões e não pode ser encaixada facilmente em qualquer rótulo.

35 Em meio à turnê, registrou Longe de onde, seu segundo álbum, que ganha lançamento agora. Rápido o intervalo? Nem tanto assim, como Karina explica. “Quando lancei Eu menti pra você, já estava fazendo o show há mais tempo. Então, o segundo não foi tão imediato.” Duas das canções, todas autorais, são inclusive de uma safra anterior: Copo de veneno e Sem fazer ideia estiveram no repertório do primeiro show. A primeira tem uma pegada mais pesada, cheia de efeitos. Na segunda ela quase recita a letra, acompanhada de um trompete.

O título, Longe de onde, traz vários significados. Além de ter vivido em diferentes lugares, Karina não pode ser identificada com somente um. Também durante a feitura desse trabalho tocou fora do país. As fotos do encarte, por exemplo, foram feitas em Casablanca, no Marrocos. A capa, inclusive, explora a escrita árabe. “Quando tento explicar o título, fico com medo de estragá-lo. A verdade é que gosto do som de Longe de onde. Também pode ter a ver com ir para um monte de lugares, sem precisar sair do seu próprio lugar. A frase não é uma pergunta, então cabe que cada um a leia e entenda do seu próprio jeito.”

Karina produziu o álbum ao lado de Bruno Buarque e Mau, seus baterista e baixista, respectivamente. A banda se completa com o tecladista André Lima (que não participou do trabalho anterior), mais Guizado (trompete) e as guitarras personalíssimas de Edgard Scandurra e Fernando Catatau. O álbum vai a extremos. Abre com Cara palavra, com “duelo” de Scandurra e Catatau. É de longe a mais pesada, remetendo às acrobacias de Karina. Logo depois entra uma das mais interessantes faixas do disco, A pessoa morre, com versos repetitivos que vão ganhando novas dimensões graças à interpretação dela. Não me ame tanto, com deliciosa melodia, remete à música popular. Onda semelhante tem Pra ser romântica, com órgão que enfatiza o lado kitsch. Já Cadáver tem uma levada reggae.

“No disco, tive vontade de captar um pouco do show que fazemos (no trabalho anterior, a diferença entre CD e palco era enorme). Daqui para frente, quero que vire uma coisa só.” Para tal, gravou parte das canções praticamente ao vivo. “Gosto de ter uma ligação, não sou uma cantora com banda de apoio. É massa estar todo mundo junto”, acrescenta Karina, que faz em 18 de novembro o primeiro dos cinco shows de lançamento. Por ora, não há data para Belo Horizonte.

FOLHA DE S. PAULO - LIRINHA AGORA BUSCA CAMINHOS MELÓDICOS

Ex-líder do Cordel do Fogo Encantado lança CD em que experimenta 'outros impactos mais ligados à sonoridade'

Ele faz show hoje e amanhã no Sesc Vila Mariana e se diz "magoado" com nome de novela da Globo

RONALDO EVANGELISTA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

(27/10/2011) Se o Cordel do Fogo Encantado era mais próximo do teatro e da poesia, "Lira", o trabalho solo do ex-líder da banda, Lirinha, que será lançado hoje e amanhã em shows no Sesc Vila Mariana, tem uma "mensagem melódica e harmônica", segundo o próprio. Enxugando elementos percussivos e cênicos e citando influência de Velvet Underground, Lirinha (aliás, José Paes de Lira) se apresenta com banda que inclui o guitarrista Neilton, da banda de hardcore pernambucana Devotos, e o gaúcho Astronauta Pinguim nos sintetizadores. "No Cordel estabeleci um tipo de interpretação focado na récita", explica ele. "Agora, pela primeira vez, estou cantando as músicas, pude perceber que exige outro tipo de concentração. É algo mais de reter energia do que uma expansão, uma explosão." "Continuo tentando trabalhar bastante os elementos de show impactante, mas também não estou querendo que isso venha como forma. Estou experimentando outros impactos mais ligados à sonoridade, aos arranjos", diz. Lirinha também notou a semelhança entre o nome de recente novela das seis da Globo, "Cordel Encantado", e o de sua antiga banda. "Eu já estava no processo de construção do disco e num processo de saída do próprio símbolo do Cordel do Fogo Encantado", conta. "Então decidi não chamar a atenção. Mas fiquei bem magoado." Na época do lançamento da novela, a Globo afirmou que o título foi escolha das autoras Duca Rachid e Thelma Guedes e dos diretores e que tomou as medidas necessárias para seu registro.

36 "Era um trabalho inspirado nas histórias de literatura de cordel, com uma pegada contemporânea -algo próximo do conceito da novela. Mas comecei a perceber que a banda estava se tornando um ícone da música regional ligada ao tradicionalismo, foi uma coisa que me incomodou como limitação artística."

FOLHA DE S. PAULO - LULA E JUSTUS TAMBÉM SÃO TEMAS DE SAMBA

DO ENVIADO A NITERÓI

(28/10/2011) Não é apenas a Unidos da Viradouro que homenageia uma figura estranha ao Carnaval em 2012. No Rio, a Renascer de Jacarepaguá faz seu primeiro desfile no Grupo Especial (divisão de elite das escolas) com enredo em louvação ao artista plástico Romero Britto. Evocando sua contribuição estética à humanidade, a letra diz: "Sensibilidade, pop arte ao mundo espalhou". Já em São Paulo, um texto no site da Rosas de Ouro diz que a escola se inspirou "na história da Hungria, uma lendária terra de reis, guerreiros e justos", para compor o samba "O reino dos Justus". O anúncio do enredo na sede da escola, em junho, contou com a presença do empresário Roberto Justus, que declarou do palco: "Eu não entro em nada para perder na minha vida, não. Nós vamos ganhar esse Carnaval." Justus entrará na avenida fantasiado de rei da Hungria. Ambiciosa, porém, é a Gaviões da Fiel, escola ligada ao Corinthians, que terá o enredo "Verás que o filho fiel não foge à luta -Lula, o retrato de uma nação", em homenagem ao ex-presidente. Lula foi o principal aliado de Andrés Sachez, presidente do Corinthians, para viabilizar a construção do estádio do time em Itaquera.

O GLOBO - CRIOLO MOSTRA NO RIO SEU ‘NÓ NA ORELHA’

Cantor dá início hoje ao Festival Faro MPB, no Studio RJ, que terá ainda Tiê, Luisa Maita, Qinho e Jeneci

O COMPOSITOR apresenta pela primeira vez na cidade seu último CD

Luiz Felipe Reis

(28/10/2011) ‘Quando uma pessoa lhe oferece um caminho mais curto... Fique atento, irmão. Fique atento.” A frase ecoa como um mantra na faixa “Bogotá”. Kleber Cavalcanti Gomes, vulgo Criolo, aprendeu o ditado ainda moleque. E é por isso que a trajetória de mais de 20 anos de dedicação ao rap até que o reconhecimento batesse à porta não soa como um fardo.

Considerado a revelação do ano pelo Video Music Brasil — onde recebeu também os prêmios de melhor disco e música, por “Não existe amor em SP” —, Criolo apresenta pela primeira vez no Rio as faixas do seu elogiado disco “Nó na orelha”. Atração de abertura do Festival Faro MPB, que começa hoje no Studio RJ, Criolo diz que pressa nunca foi seu prato preferido.

37 — A vida é feita de cada momento. Você vai fazendo, não dá para mensurar quanto tempo leva. De repente, não sei o que aconteceu, mas aconteceu. Acho que as dificuldades da vida encurtam o caminho entre você e o processo criativo, seja para garantir a música ou o pão de cada dia. Mas, se alguém lhe oferece um caminho mais curto...

— Aí é para ficar atento — brinca. — Meu trabalho não tem dinheiro, apadrinhamento político, é o talento de todo mundo envolvido, de quem produziu o disco (Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral) a quem deu uma palavra de conforto lá no início.

Além de Criolo, compõem a grade do Faro MPB Tiê, Arícia Mess e a banda Les Pops, no sábado, e Luisa Maita, Qinho e Marcelo Jeneci, no domingo.

— Minha cabeça tá a mil de poder tocar aí (no Rio) com a minha banda, com tanta gente que apavora na música brasileira. Filho de um metalúrgico e uma professora, ambos cearenses estabelecidos em São Paulo, Criolo levou 23 anos burilando rimas faladas até decidir bancar a versatilidade de suas criações.

De “Nó na orelha” muito já se falou — por exemplo, sobre a fluidez com que gêneros musicais distintos dialogam, sem atrito. Mas o que impressiona é que entre um afrobeat, um samba, um rap, um reggae e um bolero surja um cantor de timbre, entonação e expressão completamente diferentes.

O nó empregado na orelha deixa a pista: o cara é ator. Criolo veste personagens — o boêmio desiludido e de voz embargada que guia a trôpega “Freguês da meia-noite”, o sagaz metralhador de versos com sufixos improváveis na odisseia “Grajauex”, e o flanador melancólico que vislumbra o acinzentado cotidiano em busca do amor que (não) existe em SP, entre outros.

— Me perguntam se sou eu mesmo quem está cantando, mas só me permiti gravar tudo o que passou pela minha cabeça. Rolou assim, é bem mais simples do que parece.

O GLOBO - DA PASSEATA À PARADA, PELO FUNK

Neto de Ferreira Gullar, o ex-líder estudantil Mateus Aragão é o organizador do evento que celebra o reconhecimento da música das favelas, amanhã, no Centro

38 MATEUS ARAGÃO, na Lapa: aos 30 anos, o produtor articulou MCs, DJs, equipes de som e dançarinos para a Rio Parada Funk, no Largo da Carioca

Silvio Essinger

As duas últimas semanas foram as mais longas da vida de Mateus Aragão, 30 anos. Produtor da Eu Amo Baile Funk (a festa de maior sucesso do Circo Voador desde a sua reabertura, em 2004), ele agora está à frente da Rio Parada Funk: um encontro inédito de MCs, DJs, dançarinos e equipes de som, programado para acontecer amanhã, das 10h às 20h, no Largo da Carioca. A ideia é celebrar o reconhecimento que o funk carioca, outrora maldito, vem conquistando entre a sociedade — a ponto de ter merecido, em agosto, a abertura de um edital de Criação Artística por parte do governo do Estado. A Rio Parada Funk é agito para atrair mais de dez mil pessoas — mas tem provocado contratempos que há dias tiram o sono de Mateus.

— Foi mais emoção do que esperávamos — admitia ele na terça- feira, com sua voz sempre relaxada e baixa, apesar das intermitentes chamadas do seu rádio e dos acertos urgentes a serem feitos com a Guarda Municipal. Muita emoção mesmo, porque, até semana passada, a Parada iria acontecer na Cinelândia. Mas aí um veto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) surpreendeu Mateus e fez com que o evento tivesse que ser transferido para a Candelária.

— Eu olho pelo lado do patrimônio histórico tombado pelo Iphan. A produção da Parada entendeu que aquele era um espaço público, mas eu tenho que lidar com todo o entorno. Há situações delicadas, como a do Teatro Municipal e das cúpulas do Museu Nacional de Belas Artes — diz o superintendente do Iphan no Rio de Janeiro, Carlos Fernando Andrade, para quem casos como o desfile do Cordão da Bola Preta no carnaval são diferentes, porque o som circula e não fica em um só lugar.

Depois do veto do Iphan (instituição que, alega Mateus, não estava na lista inicial dos que teriam exigências a serem atendidas pelo evento), o produtor se reuniu com a subprefeitura do Centro. E a Rio Parada Funk mudou de lugar mais uma vez, sendo transferida para o atual endereço, no Largo da Carioca.

— Chegamos à conclusão de que o local teria mais condição de abrigar a Parada, pois é uma praça bem larga. Lá na Presidente Vargas não tem onde a galera ficar (uma das pistas da avenida teria que permanecer liberada ao tráfego) — explica.

Tempos de militância

Nessa hora, o rapaz, que é neto do poeta Ferreira Gullar e da atriz e produtora Tereza Aragão, se lembra da adolescência, quando participava do movimento estudantil, era filiado ao PC do B e dirigia a Associação Municipal de Estudantes Secundaristas (Ames).

— Essa energia para realizar veio desse momento. A gente aprendeu a articular, a lidar com as esferas públicas. A gente negociava passeata com a PM, fechava rua... — conta. Nessa época, Mateus teve grandes embates com o avô.

— Ele falava: “Não é nada disso! Eu sei como foi, tá? Não foi assim não, eu estava lá e vi!” — diverte- se o neto, que passou a infância correndo o país porque a mãe, Luciana, era missionária da seita hippie- cristã Meninos de Deus.

— O Mateus se envolveu com o PC do B, que é um partido de origem stalinista. Eu era do PCB, o contrário, mais moderado. Eu disse que ele estava entrando numa furada, mas nunca pretendi fazê-lo mudar — conta Gullar. Ao mesmo tempo, em que se debatia com o avô, houve a descoberta do funk.

— Eu era roqueiro, mas tinha um amigo no prédio, o Fat, que tinha uma dupla de funk. E ele ia cantar na favela. Um dia eu fui lá e fiquei muito impressionado com a autenticidade do funk. Era uma coisa altamente revolucionária. Não politicamente, mas na atitude perante a vida — diz ele, que logo conheceu um personagem fundamental para seu envolvimento com o ritmo: o MC Mr. Catra.

— Ele tem umas ideias revolucionárias e gosta de confusão. Então, quando a militância veio com os temas de revolução, o Catra abraçou a causa na hora — diz.

39 O MC, uma das presenças garantidas no Rio Parada Funk, lembra essa época:

— Nós dois sempre usamos a música como arma revolucionária. E o mais gostoso é que foi uma revolução mental. Hoje, o funk tomou todas as camadas sociais. O Mateus é um professor do funk.

A partir desse encontro, o garoto começou a levar o ritmo para eventos políticos em universidades. Em 2003, numa caravana que saiu do Rio rumo ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, ele resolveu carregar alguns MCs.

— Tinha um palco lá que a gente ocupou. Os funkeiros causaram constrangimento entre a esquerda, que chamava as músicas de reacionárias. E os punks queriam invadir o palco pra derrubar o funk. Foi um caos — conta, aos risos. Para cobrir o rombo financeiro dessa malfadada excursão, Mateus teve a ideia de produzir um show na UFRJ. E aí virou produtor cultural.

— Chamei então o Catra, porque ele tinha um público, e ia atrair também os playboys da faculdade — diz Mateus, que, em 2005, depois de experiências no Circo Voador, começou a festa Eu amo Baile Funk.

— Lá, começamos a botar os DJs e MCs com artistas de outros gêneros, como o Monobloco. E tivemos a ideia de fazer a Velha Guarda do Funk, que deu o diferencial.

‘Um ser político’

Inspirado pelo trabalho da avó com o Fina Flor do Samba (evento de segunda-feira do Teatro Opinião, que buscava no subúrbio os desconhecidos compositores dos famosos), ele foi atrás dos nomes da primeira geração do funk, dos anos 1990. Entre eles, o MC Leonardo, que fazia dupla com o irmão Junior em sucessos como “Rap das armas” e “De baile em baile”, e que depois foi dirigir táxi.

— Eu era só uma pessoa que achava que o funk tinha que se organizar, e o Mateus abriu o Circo para a gente montar a Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk) — diz Leonardo, hoje presidente da entidade, novamente MC e companheiro do produtor nas lutas políticas.

Ao longo de seis anos, a festa Eu Amo Baile Funk virou um ponto de encontro dos MCs e profissionais do batidão, que estenderam o evento do palco para os camarins.

— O Mateus é um ser político, ele esconde todas as dificuldades que a produção de um baile funk tem. Os MCs chegam fora do horário, saem na hora que querem com o cachê e bebem toda a cerveja. E aí você pergunta como está a festa, e ele diz: “Tudo bem!” — entrega Maria Juçá, administradora do Circo Voador.

Em 2009, após o sucesso da edição de aniversário da Eu Amo Baile Funk no Museu de Arte Moderna (MAM), Mateus acordou para o sucesso mercadológico do projeto.

— A festa abriu o funk para um segmento de elite. Virou um baile de gala — conta ele, que começou então a pensar no passo seguinte: a Rio Parada Funk.

— Percebemos que, apesar de o movimento ser gigantesco, ele não se mostrava de uma forma gigantesca. Mateus imaginou então uma parada que contasse a história do funk, com todos os seus protagonistas.

— Um pessoal adorou a proposta logo de cara, outro ficou mais desconfiado. Ouvia-se muito: “Isso vai dar problema.” Mas eles foram se acostumando com a ideia.

O DJ Marlboro foi um dos que acreditaram logo de cara — e que diz presente na parada com sua equipe, a Big Mix.

40 — O pessoal do funk olhava muito para o momento e pouco para o futuro. O Mateus é dessa geração que sabe se comunicar e pensa em colher lá na frente — elogia o DJ. Na ansiedade da Parada, o produtor faz graça:

— A coisa está a um passo de virar passeata. Mas isso eu sei fazer bem.

Que fiquem então as palavras de incentivo do avô:

— Não posso virar funkeiro aos 80 anos de idade, mas apoio o Mateus em tudo o que ele faz. Admiro essas pessoas que se empenham em inventar suas próprias vidas.

CORREIO BRAZILIENSE - FILÓSOFO DE BOTEQUIM

A passagem dos 100 anos do sambista Nelson Cavaquinho é marcada por shows, lançamentos de CDs, programas de tevê e uma série de outras homenagens.

Gabriela de Almeida e Maíra de Deus Brito

Década de 1930, Rio de Janeiro. O soldado da polícia Nelson Antônio da Silva é designado para fazer rondas a cavalo nos bares do Morro da Mangueira. Porém, entre um boteco e outro, ele conhece os compositores Carlos Cachaça, Cartola e Zé da Zilda. As rodas de samba, animadíssimas, distraem o policial que vê, por duas vezes, o cavalo voltar sozinho para o quartel. Após sete anos na corporação, ele decide mudar de vida, troca a farda pelo violão e se transforma em Nelson Cavaquinho.

Conhecido como poeta da morte, pelas letras sobre temas sombrios, o compositor carioca faria 100 anos hoje e continua como referência da música brasileira. “A maior contribuição dele é a sua obra, que é a produção de um gênio. Não existe uma música dele que eu não adore”, afirma a cantora Beth Carvalho que, em 2001, gravou o CD Nome sagrado — Beth Carvalho canta Nelson Cavaquinho só com composições do mestre.

“Ele é especial pelo estilo único, pela linguagem. O tom dark, pesado, e a impressão triste da vida, são postos no samba de forma genial. As letras são pequenininhas, mas maravilhosas. Juízo final não tem nem 10 linhas e diz tudo o que ele pensa da humanidade. Ele é um gênio por saber escrever músicas objetivas, sofisticadas e de apelo popular. Musicalmente o violão dele é inconfundivel, uma

41 marca”, comenta Thiago Marques Luiz, produtor do álbum comemorativo Uma flor para Nelson Cavaquinho — 100 anos, com vozes de Alcione, Leci Bandão, Teresa Cristina, entre outros.

Garrincha e São Francisco Apesar do apelido Cavaquinho, Nelson ganhou fama foi com o violão. O instrumento de seis cordas era tocado como se tivesse sete e dedilhado apenas com o polegar e o indicador direitos. O “beliscar das cordas” criava um som singular. “Como violonista, ele é tão importante, que eu o compararia a Louis Armstrong e o seu trompete. Ambos tocavam e cantavam de uma maneira particular. Todas as gravações que ouço com músicas do Nelson são lindas, mas distantes da realidade estética dele. É preciso encontrar alguém que execute a obra do jeito mais próximo possível para que ela fique mais autêntica”, comenta o violonista Guinga.

Apelidado por Carlinhos Vergueiro de “Garrincha do Samba” (pela genialidade, pela “loucura” e por terem nascido no mesmo dia) e de “São Francisco do Samba” (pela generosidade com amigos e desconhecidos), Nelson era um homem de fé. Apesar de não frequentar igrejas, rezava sempre pelo costume da mãe, lavadeira do convento das Carmelitas, em Santa Teresa.

O boêmio também foi marcado por fortes paixões e chegou a registrar na pele uma delas. Em Tatuagem, ele diz “O meu único fracasso está na tatuagem no meu braço”, referência ao nome Lígia, gravado no ombro direito. Vítima de um enfisema pulmonar, o cantor carioca partiu em 18 de fevereiro de 1986, uma semana depois do carnaval, presenteando a música brasileira com sambas inesquecíveis, como Quando eu me chamar saudade, Folhas secas, Agora é tarde e Luz negra. “Nelson deixou a melancolia das composições (nem todas) e a felicidade de tocar e cantar. Ele dizia: ‘Dor, só nas músicas’”, recorda o cantor Jards Macalé, que realiza show só com músicas de Nelson Cavaquinho.

O ESTADO DE S. PAULO - BAILE DE ORQUESTRA

Depois de lotar shows, o afro funk envolvente do Bixiga 70 vira disco e quebra a sisudez da música instrumental

Roberto Nascimento

(29/10/2011) São raras as bandas de baile que se expressam de forma visceral e conseguem levar a plateia a um êxtase rítmico aquém da razão. Como o respeito do craque pela bola, a confecção de música dançante requer um carinho religioso pela magia do suingue, um ritual pouco valorizado por músicos acostumados a bater o cartão, ler uma partitura e receber o cachê. Infelizmente, a burocracia do groove pragueja a esmagadora maioria de bandas de baile.

Em São Paulo, tocam gafieira, samba rock, salsa, e muitas vezes nos fazem suspirar aliviados quando o DJ lança aquele Best Of do James Brown entre os sets.As surpreendentes exceções à regra ficam por conta de grupos como o Bixiga 70, banda de viés afro-cêntrico, integrada por músicos que atuam ao lado de nomes influentes da cena nacional. Lançam nesta segunda-feira o primeiro disco por meio de download gratuito no site Bixiga70.com (ouça faixas hoje, em primeira mão, no portal do Estado) integrar o seleto grupo de grandes bandas do País. Também inauguram, nesta terça-feira, um baile mensal no Bixiga.

Digno de adjetivos como arrebatador, impecável e animal, o disco é facilmente o grande lançamento instrumental do ano. "Sempre quisemos montar uma banda que fugisse desta ideia de operário da música, do cara que vem, lê e vai embora", explica Cuca Ferreira, o sax barítono da banda."Nós trabalhamos com muitas pessoas, mas sempre deixamos claro, uns aos outros, que este seria nosso projeto principal, por isso o som é diferenciado”, completa o músico, que juntou-se a Décio 7 (bateria), Marcelo Dworecki (baixo) Cris Scabello (guitarra),Mauricio Fleury (teclas e guitarra), Rômulo Nardes e Gustavo Cecci (percussão), Dany Boy, Doug Bone e Daniel Gralha (metais), em 2010, para formar a mini orquestra. A ideia era pesquisar a intersecção de ritmos africanos com brasileiros, colorindo-os com um naipe de metal de uma big band (trompete, trombone e saxofones) em arranjos instrumentais baseados em referências de soul, de afrobeat e de jazz.

O ESTADO DE S. PAULO - RUA 13 DE MAIO, Nº70

42 Até que tudo soasse verdade, muita pesquisa foi feita e muito som rolou em um estúdio no Bixiga

Roberto Nascimento

(29/10/2011) A história da banda Bixiga 70 começa na Rua 13 de Maio, número 70. Trata-se do endereço do estúdio Traquitana, polo que reúne e registra nomes da cena independente de São Paulo, entre eles, Guizado e Leo Cavalcanti.

Décio 7 e Cris Scabello, dois dos fundadores do grupo, atuavam como produtores e instrumentistas no Traquitana quando resolveram juntar energias para formar uma banda que tivesse a exploração rítmica como força motriz. "Queríamos improvisar, buscar uma nova sonoridade, evitar os rótulos fáceis", explica Cuca Ferreira, sax barítono da banda.

O endereço do estúdio, no coração do Bixiga, virou o nome da banda, uma referência ao África 70, o histórico grupo do nigeriano Fela Kuti. Isto fez com que o Bixiga fosse rotulado (indesejadamente) como um revival de afrobeat. A definição é imprecisa. Como mostra o excelente primeiro disco, a ser lançado segunda pelo site Bixiga70.com, as raízes da banda estão na polirritmia do oeste africano, escola rítmica de diversas vertentes, algumas das quais foram adaptadas ao jazz e ao funk por Fela para a criação do afrobeat na Nigéria.

No entanto, a grande influência rítmica do Bixiga 70 tem os pés no Guiné, na música malinké de Famadou Konate, mestre do djembê cuja filha, Fanta Konate, Décio 7 (bateria) e Rômulo Nardes (percussão) acompanharam por alguns anos. "As pessoas acabam associando o som do Bixiga ao afrobeat por falta de referências. Mas, na verdade, nossa inspiração vem de várias Áfricas, desde o Guiné ao batuque afro filtrado pelo nosso som tropical, que chegou a nós através dos afro sambas de Baden, da música de Gil e de Chico Science", conta Décio. No entanto, ao ouvir o disco, é quase impossível apontar influências nitidamente afrobrasileiras. O que se escuta é uma orquestra de jazz com um motor polirrítmico, pontuada por guitarras que remetem ao carimbó (traço brasuca mais palpável), adornada por improvisos e colorida por arranjos cinematográficos, uma banda que trabalha um nicho semelhante à Orquestra Rumpilez, de Letieres Leite, mas com uma pegada mais crua e ritmicamente acessível. No entanto há paralelos como o som de uma big band. As composições da banda são divididas em seções de tema e solos. Ao vivo, esta estrutura é mais livre e as músicas são esticadas para induzir o transe rítmico, assim como Fela fez com faixas que chegavam a mais de uma hora de duração. Esta função musical é a influência mais forte de Felá.

"A ideia é fazer uma música mântrica, que transforma-se em um ritual em que todos estão envolvido de uma forma mais espiritual com o som. Sempre brincamos que a banda é a nossa igrejinha e nos reunimos para rezar e celebrar", conta Cris Scabello, guitarrista da banda.

No disco, as composições foram encurtadas e a força dos imponentes arranjos de metais remete mais a trilhas sonoras de filmes de ação dos anos 70 do que a um ritual afro, lembrando o trabalho de Quincy Jones (They Call me Mister Tibbs) e Lalo Schifrin (Operação Dragão, filme de Bruce Lee).

Mas isto não é uma estratégia. "Acho que as imagens são uma referência natural para todo mundo. É um universo que a gente curte. O som instrumental estimula muito a imaginação, dá espaço para as pessoas abstraírem a música, pensarem no simbolismo dela. Sempre brincamos com as cenas das músicas. É piada interna, mas às vezes piramos numa coisa meio kung fu, meio Bollywood, meio Kill Bill. Aqueles caras dando voadoras no ar... (risos)", conta.

No disco, a faixa Balboa da Silva, feita em homenagem ao pugilista Nilson Garrido, que dirigiu uma academia de boxe ao lado do Traquitana, no Bixiga, é um pretexto para esta comparação. Sobre uma levada de funk, os metais tecem um tema heroico, vitorioso, que torna impossível não pensar na abertura de um filme de ação. "Assim que começa o som, o pessoal já da uns murros no ar", brinca Décio.

A forma inconsciente com que o grupo trabalha suas influências talvez seja o grande diferencial. Ao ouvir o disco, não se tem a sensação comum de que o grupo recorta e cola gêneros, algo que se tornou praxe no cenário digital contemporâneo, em que se tem acesso a tudo e o processamento de referências é muitas vezes raso. "O Bixiga foi embasado em muita pesquisa. Todo mundo se aprofundou e a coisa foi tão intensa que saiu de forma natural", explica Cris. "Não rolou aquilo de 'ah,

43 vamos colocar um afoxé, você entra com um samba-jazz ali’. Já dizia o mestre Charlie Parker: 'você estuda e estuda, mas na hora de subir ao palco, fecha o olho e toca", completa Décio. O ingrediente mais brasileiro do Bixiga 70 fica por conta da guitarra de Cris Scabello, que trabalha pontos em comum entre a guitarrada do Pará e a forma pontilista com que o instrumento é usado no afrobeat.

BIXIGA 70 + DJS RAMIRO Z E RONALDO EVANGELISTA Lumi’s Clube Terça, 23h Rua 13 de Maio, 409 – Bela Vista Tel: 3105 8746 Ingresso: R$ 15

FOLHA DE S. PAULO - TECNOBREGA AMBICIONA DERRUBAR FRONTEIRAS

De olho no mercado nacional, Gaby Amarantos prepara CD que casa instrumentos "reais" e batida eletrônica

Disco terá composições assinadas por Thalma de Freitas e Iara Rennó; Fernanda Takai fará participação especial

MARCUS PRETO DE SÃO PAULO

(31/10/2011) "A voz da Gaby tem potencial para entrar na briga com qualquer Ivete Sangalo, com qualquer Claudia Leitte." Quem chama para o ringue é Carlos Eduardo Miranda, produtor musical que lançou Skank, Raimundos, O Rappa e Cansei de Ser Sexy. A tal Gaby que ele defende com tanta firmeza é a cantora paraense Gaby Amarantos. Se o nome dela não soa muito familiar aos ouvidos do eixo Rio-São Paulo, é o mais repetido em seu Estado. Gaby é a maior estrela do tecnobrega, gênero paraense surgido no começo dos anos 2000 que dá um tratamento eletrônico à música "brega" (pense em Reginaldo Rossi). Ela construiu a carreira à frente da Tecno Show, uma das bandas mais importantes dessa cena. Os shows abusam da tecnologia cênica, com luzes e efeitos especiais. "Todo mundo aplaude Lady Gaga. No Pará, tem gente descendo de disco voador há muito tempo", diz Gaby. Como é regra no tecnobrega, a banda vivia sobretudo de versões em português para hits do pop internacional. A mais famosa foi "Tô Solteira", versão para "Single Ladies", o que lhe rendeu o apelido de Beyoncé do Pará. Mas nada desse espírito "cover" tem a ver com a Gaby que pode "brigar com Ivete". Com direção artística de Miranda, a cantora está à beira de lançar o primeiro álbum solo. E tudo está sendo feito para que ele extrapole fronteiras regionais. A Folha teve acesso ao trabalho, que deve chegar às lojas apenas em 2012. Ali, Gaby faz algo de natureza semelhante ao que Daniela Mercury empreendeu, há duas décadas, com a música de rua da Bahia. Decodificou um ritmo até então tido como "exótico" aos ouvidos do resto do país. "A diferença é que o tecnobrega é [música da] periferia mesmo! Nem no Pará é bem-aceito", diz Luiz Félix Robatto, produtor musical do CD. "O axé era considerado música folclórica e, por isso, bem- aceita até pela elite." Na fórmula da Gaby solo, a batida eletrônica do tecnobrega está intacta. Entram ritmos tradicionais paraenses, como a guitarrada, o carimbó e a lambada. E mais. Ao DJ, figura central do tecnobrega, foram acrescentados músicos "reais": guitarrista, teclado, baixo, bateria, um trio de sopros. O repertório escapa totalmente do passado de versões. Quatro faixas são da própria Gaby. Outras são de nomes como Zé Cafofinho e Alípio Martins, Thalma de Freitas e Iara Rennó. Fernanda Takai participa cantando. O visual? A mesma exuberância cênica. "Eu não quero ser outra cantora de vestido vermelho e flor no cabelo", diz Gaby. "Quero cantar a minha verdade. E ela é assim."

FOLHA DE S. PAULO - EFERVESCENTE, CENA PARAENSE INTERAGE COM TRADIÇÃO

44 ENVIADO ESPECIAL A BELÉM

(31/10/2011) A cena de Belém está efervescente, acompanhando o bom momento da música independente nacional. E cresce além do tecnobrega. Boa parte dela se apresentou na edição paraense do Conexão Vivo, de quinta-feira até ontem. Artistas da velha guarda, como o violonista Maurício Tapajós, Dona Onete e o mestre Pinduca, se integraram à nova geração. E não é um caso isolado o de Gaby Amarantos, que trabalha a linguagem pop a partir da tradição paraense. O carimbó, a guitarrada, a lambada e o brega herdado de Alípio Martins e Frankito Lopes servem de espinha dorsal para quase todos os novatos do festival. Mais para a direita, do lado da tradição, destacaram-se as apresentações das cantoras Aíla, Lia Sophia, Juliana Sinimbú e Iva Rothe. À esquerda, quebrando fronteiras entre centro e periferia, a Gang do Eletro se uniu a Gaby para garantir o espaço e a visibilidade do tecnobrega. A guitarrada esteve bem representada por dois dos responsáveis pela revitalização do gênero: Pio Lobato e Felix Robatto. (MP)

O jornalista MARCUS PRETO viajou a convite do festival Conexão Vivo

ESTADO DE MINAS - UMA DIVA ASSUMIDA

Paula Lima reúne suas canções dispersas em disco que tem a participação de amigos e parceiros. Cantora prepara CD de inéditas para 2012 e está em projeto de Chico Buarque

Filha de um metalúrgico e uma professora, Paula Lima é formada em direito mas se considera feliz cantando

Ana Clara Brant

(31/10/2011) Uma mistura de ‘inéditas, remixes e afins’. É assim que a cantora Paula Lima define o seu Outro esquema, disco que acaba de ser lançado e não deixa de ser um apanhado da trajetória da artista, que largou a advocacia para seguir na música. “Alguns discos meus nem estão mais disponíveis e tinha muita coisa que queria compartilhar e não caberia em um CD de inéditas. É um trabalho diferente. Algumas coisas minhas estavam dispersas e reuni tudo nesse Outro esquema que veio aí para somar”, explica.

O álbum inclui 14 faixas, e conta com a participação de grandes amigos e parceiros como Toni Garrido, Seu Jorge, Max de Castro e a banda japonesa Mondo Grosso. Traz canções como Pisou na bola (Benê Alves) e Solidão gasolina (Curumim-Dan Nakagawa), os sucessos Ela é a tal (Zeca Baleiro-Lúcia Santos), que aparece em duas versões (uma produzida por Bid e Manuel Barenbeim, outra um remix do DJ Deep Lick), além de Tirou onda (Acyr Marques-Arlindo Cruz-Maurição) e É isso aí (Sidney Miller), que se tornaram um dos principais hits da cantora. “ É um trabalho livre, descompromissado. E ficou do jeito que eu queria.” Em janeiro, ela entra em estúdio para trabalhar em disco só de inéditas. “O conceito já está certo, venho com uma música brasileira gostosa, e deve ser lançado em abril de 2012”, revela.

Apesar de estar na estrada há algum tempo, Paula acabou ganhando maior visibilidade com o reality show Ídolos, da Record, onde foi jurada de 2008 até este ano – saiu para dar lugar à colega Luíza Possi. No entanto, a participação no programa acabou limitando o trabalho como cantora e, apesar de ter considerado uma grande experiência, ela assegura que não vai voltar para a atração. “Muita gente passou a me conhecer a partir do Ídolos, mas começou a me prender demais com relação à minha agenda. Não podia fazer show fora do país porque ia gravar, não podia fazer isso ou aquilo porque tinha o programa. Passei a não ter mais liberdade e me deu uma angústia e um estresse, então decidi sair mesmo”, diz.

Resistência inicial Além de estar percorrendo o país com o show do novo disco, Paula Lima é uma das artistas convidadas do projeto Mulheres do Brasil cantam Chico e divide o palco com Daniela Mercury – que assina a direção artística –, Elba Ramalho, Roberta Sá e Margareth Menezes. “Estamos empolgadíssimas com esse show, uma apaixonada pela outra. Cantar Chico Buarque é um

45 desafio pra mim. Infelizmente, não sou uma artista que começou cantando em barzinho e tinha as músicas dele no repertório. Então, é um grande presente. Há três meses estamos nisso e está sendo um grande sucesso”, comemora a cantora, que ganhou o apelido de Diva.

Aliás, no começo de sua carreira, o elogio a incomodava bastante e ela chegou a recusar tal denominação. Mas percebeu que foi algo que surgiu naturalmente do público e da crítica, e acabou assumindo seu lado diva. “Na minha cabeça, diva era aquela mulher que dá piti, que o talento é grande, mas o ego também. Existem poucas divas de verdade. Achava que tinha uma conotação negativa, mas hoje encaro de outra forma. Muita gente me falou que eu deveria aceitar de bom grado, porque era uma diva pela minha música, minha estética e minha postura”, destaca.

Apesar de ter se formado em direito, Paula Lima diz que se sente completamente realizada na vida artística e acredita que a felicidade está exatamente nisso: fazer o que realmente gosta. “Sinto-me muito privilegiada por isso. Vivo bem daquilo que faço e amo. Agradeço todos os dias por isso. Não venho de uma família de artistas, meu pai era metalúrgico e minha mãe professora, mas me deram condições para ser o que sou. Pisar em um palco e ser aplaudida, reconhecida, o público querendo sempre mais, me dá uma enorme satisfação e felicidade”, resume.

ESTADO DE MINAS - MÚSICA DE CINEMA

Wagner Tiso sempre associa suas canções a imagens. Enquanto lança disco com obras para filmes, prepara novas composições para longa

Ailton Magioli (31/10/2011) Preparando-se para compor a trilha de Bach in Brazil (Bach no Brasil), que o diretor alemão Angsgar Ahlers vai rodar em Ouro Preto, no ano que vem, Wagner Tiso lembra que ele sempre se baseou em imagens para compor. “Não sei se o público percebe, mas antes mesmo de compor a música sempre imagino, invento uma cena”, revela o compositor, que, coincidentemente, está lançando Outras canções de cinema. No disco, Wagner revê trilhas arranjadas e compostas por ele para a sétima arte, tendo por convidado o violoncelista Marcio Malard, parceiro de mais de quatro décadas, além de Victor Biglione, Kiko Prazeres, Daniel Guedes, Mingo Araújo e João Batista, em participações especiais.

Autor do hit Coração de estudante, originalmente composto para a trilha do documentário Jango, de 1984, Wagner Tiso fez sua primeira participação nas telas em Os deuses e os mortos, de 1969, do diretor Ruy Guerra, no qual ele assinava arranjos para a trilha do parceiro Milton Nascimento, não por acaso o autor da letra de Coração de estudante. Como faz questão também de lembrar, todas as suas músicas que ganharam letras nasceram, originalmente, para o cinema. Já no filme de Ruy Guerra, ele contribuiria com Matança do porco. Em 1977, ele arranjou as músicas de A lira do delírio, de Walter Lima Júnior, cuja trilha original é de Paulo Moura. Posteriormente, viriam Inocência (1980), Chico rei (1986), Ele, o boto (1987), A ostra e o vento (1997) e Os desafinados (2008), todos do mesmo diretor.

A ideia original de Outras canções de cinema era fazer um disco com grande orquestra interpretando os temas compostos por Wagner Tiso para as telas. No repertório estaria, inclusive, o clássico Coração de estudante, que o compositor diz ter reservado para um segundo volume do projeto. “Por problemas de captação, acabei não podendo gravar com uma grande orquestra”, revela. “Mas não perdi a viagem, já que consegui ter o Marcio Malard, com quem faço duo há anos”, acrescenta, orgulhoso da participação do amigo no novo disco.

Vasta coleção Com mais de 500 composições originalmente feitas para o cinema, entre músicas incidentais e temas de personagens, Wagner Tiso admite ter reservado Coração de estudante, que ele gravou pelo menos umas quatro, cinco vezes com Milton Nascimento, para quando o projeto vingar, com direito a grande orquestra. “Trata-se do meu carro-chefe como compositor, também. Vou aguardar a ocasião especial para fazê-lo novamente”, promete o compositor, que ainda fez músicas para O toque do oboé, de Claudio Mac Dowell, Vida de menina, de Helena Solberg, e O guarani, de Norma Bengell.

Depois de Duas mulheres, do diretor português João Mário Grilo, e Os desafinados, do amigo e parceiro Walter Lima Júnior, ele aguarda encontro com o diretor alemão Angsgar Ahlers, que está no

46 Brasil, para definirem a linha de trabalho que adotarão em Bach in Brazil. “Trata-se de uma grande história em torno de crianças brasileiras que tocam a obra de Bach. No fim do filme elas vão se apresentar na Alemanha”, revela, salientando ter tocado a obra do mestre, principalmente, em duo de pianos com João Carlos Assis Brasil. No disco Manú çaruê – Uma aventura holística, de 1988, ele gravou pequena peça do compositor, que também toca em concertos.

ESTADO DE MINAS - NOVO CICLO NA CARREIRA

Thaís Pacheco

Depois de sete anos de pausa, Consuelo de Paula lança o DVD Negra

(31/10/2011) Já está nas lojas o primeiro DVD da cantora Consuelo de Paula, Negra. A obra chega sete anos depois do último lançamento da cantora, o CD Dança das rosas, de 2004. É assim que funciona a carreira de Consuelo. Sem pressa. Mineira de Pratápolis, formou-se em farmácia, na Universidade Federal de Ouro Preto. Depois de terminar a faculdade, em 1988, mudou- se para São Paulo, onde, aos poucos, foi largando a farmácia e mergulhando na música. Entre cursos e shows, lançou o primeiro CD, Samba, seresta e baião apenas 10 anos depois, em 1998. No primeiro trabalho já começou a chamar a atenção da crítica

Em seguida vieram Tambor e flor (2002) e Dança das rosas, (2004), que compõem o que ela chama de trilogia. É como se fosse uma missão cumprida que, agora, permite que ela lance o novo trabalho iniciando um novo ciclo. “Esperei a trilogia terminar para poder ampliar essa sonoridade. Por isso, Negra tem uma tecitura maior de sons. Principalmente pela entrada do piano e baixo acústico. Era uma trilogia que falava muito de sons e ritmos de percussão, das referências brasileiras e regionais e, agora, precisava mostrar isso de outras formas”, conta Consuelo.

Reconhecida pela crítica como uma das mais belas vozes brasileiras e dona de um som regional e singular, a cantora já esteve na capa do Guia Japonês Brasilian Music (Massato Asso), que selecionou os 500 melhores CDs da música brasileira de todos os tempos, participou do programa Ensaio na TV Cultura e gravou CD com Rolando Boldrin, além de participar da coletânea Divas do Brasil, disco de prata em Portugal, que reúne nomes como Elis Regina, Maria Bethânia, Astrud Gilberto e Zizi Possi.

A cantora conta que muitas referências fazem parte do que produz seu som, agora totalmente autoral. A infância mineira assistindo às festas de congado, serestas e bailes de carnaval de rua (ela criou um bloco feminino em Pratápolis aos 13 anos) e influências externas de vários lugares. “Quanto mais você começa a caminhar, mais recebe. Tem influência latina, africana, música negra de todo mundo que ouço e adoro. Ouço jazz dos Estados Unidos, fado de Portugal, o flamenco da Espanha. Não que eu vá fazer esse tipo de música, mas são cosias que o artista vai ouvindo e se alimentando”, explica.

Outro bom parceiro no processo criativo da artista é o silêncio. “A singularidade também está muito no jeito do brasileiro, o jeito de respirar, a forma que cantamos. E namorei muito com o silêncio para, primeiro, ter uma consciência. Na hora de fazer, como vou dizer isso sem fazer uma simples reprodução?”

Dona de voz única e digna do hall das melhores cantoras que o Brasil já produziu, Consuelo apresenta Negra gravado ao vivo, no Teatro Polytheama, em Jundiaí (SP), com sete músicos no palco, em versão acústica.

Consuelo conta sobre o processo de criação e as interferências sobre o novo trabalho. “Começou partindo de lembranças. Como qualquer começo de um novo ciclo. Lembranças da infância, cantigas, coisas que estão no inconsciente de todo mundo, como cantigas de roda. E isso, inspirando uma composição, sempre com uma trova no meio, como se eu estivesse escrevendo com uma cantiga na cabeça”, conta.

O GLOBO - OSESP TOCA NO RIO E COMBATE FRONTEIRAS

Orquestra, que inicia Turnê Brasil hoje no Municipal, amplia peças de autores populares e séries na próxima temporada

47 Luiz Fernando Vianna

(31/10/2011) Pode não haver chance igual nos próximos três anos: a Osesp inicia hoje, pelo Teatro Municipal do Rio, sua Turnê Brasil, jornada que só deverá repetir em 2014 — a Europa será o destino da maior parte das viagens da Orquestra do Estado de São Paulo em 2012 e 2013.

A apresentação, às 20h (preços entre R$ 80 e R$ 190), terá a abertura de “Sonho de uma noite de verão”, de Mendelssohn; o Concerto para violino em mi menor, também do compositor alemão e tendo como solista o violinista Augustin Hadelich (alemão nascido na Itália, de 28 anos); e cenas de “Romeu e Julieta”, de Prokofiev, selecionadas pelo atual regente da orquestra, o francês Yan Pascal Tortelier.

— O nosso conceito para a Osesp é “uma orquestra brasileira de São Paulo”. Ela tem essa vocação para ser uma orquestra do Brasil — diz o diretor artístico da Osesp, Arthur Nestrovski, que consolidou o programa da turnê, com dois momentos inspirados em Shakespeare — O repertório precisa permitir o acesso de um público neófito, mas mantendo o interesse dos especialistas.

Frevo de Edu Lobo ao ar livre

Até 10 de novembro, o grupo de cerca de 90 músicos também passará por Salvador, Aracaju, Recife, Brasília, Goiânia e Curitiba. Nas capitais da Bahia e do Paraná, haverá apresentações extras ao ar livre, nas quais o concerto para violino será trocado pela Suíte popular brasileira, feita por Edu Lobo para a orquestra.

— O terceiro movimento da suíte, “Frevo”, é a carta que temos na manga para o bis das apresentações em teatro — adianta Nestrovski, lembrando que apenas esse tema foi encomendado ao compositor, mas ele entregou uma suíte inteira.

A Osesp tocará em 2012 peças criadas especialmente por dois músicos populares, Paulo Bellinati e Toninho Ferragutti, e um conjunto de canções de Chico Buarque arranjadas para orquestra por Luiz Claudio Ramos.

— Por incrível que pareça, ainda há resistência por parte do público da música de concerto (ao uso de compositores populares), embora pequena. As grandes orquestras do mundo estão fazendo um esforço para apagar essa linha imaginária, porque, afinal, quem tem o classicômetro? E não faria sentido, com a riqueza da nossa música, respeitarmos essas fronteiras que não existem — afirma Nestrovski.

O crítico e violonista assumiu em janeiro de 2010 para pôr fim à crise em que a Osesp se envolveu com a tumultuada saída de John Neschling. O maestro, que acumulava a direção artística, foi afastado pelo conselho da instituição, presidido por Fernando Henrique Cardoso, após longa briga para se manter à frente da orquestra que liderava, com bons resultados, desde 1997.

‘Depuração da qualidade’

A temporada 2012 é a primeira toda concebida por Nestrovski, A grande novidade será a estreia como regente titular da americana Marin Alsop, que também está à frente da Orquestra Sinfônica de Baltimore. Ela tem contrato até 2016. Yan Pascal Tortelier se tornará “regente convidado de honra”.

O brasileiro Celso Antunes, maestro do coro da Rádio da Holanda e professor da Escola de Música de Genebra, será o regente associado.

— Eu tenho feito trabalhos com Marin nos últimos dois anos, e somos muito exigentes — destaca Antunes. — A Osesp precisa de um trabalho sério e profundo, de afinação e depuração da qualidade que a orquestra possui. Acho que, apesar da fase traumática por que passou, seu padrão de qualidade não se alterou.

Nestrovski calcula que, somando todas as formações, a Osesp fará 282 apresentações em 2012, uma “atividade que poucas orquestras do mundo têm”, segundo ele. A programação completa está na

48 página www.osesp.art.br, onde também será possível comprar ingressos, assim como pelo telefone. A renovação de assinaturas começa em 3 de novembro e a aquisição de novas, em 9 de dezembro. Os ingressos avulsos serão vendidos apenas no próximo ano.

Embora ressaltando que “nem toda a programação precisa ter ligação com o tema”, o diretor artístico da Osesp, Arthur Nestrovski, criou um norte para a temporada 2012: “Música em tempos de guerra e de paz”. — Estamos (na Sala São Paulo) no meio da Cracolândia, não podemos fingir que o que fazemos não tem a ver com o resto do mundo. Embora possa ser maravilhoso pensar a música como um refúgio da realidade, ela não é só isso.

A música sempre esteve ligada à realidade de seu tempo — afirma ele.

Nestrovski escolheu como “compositor transversal”, aquele que será interpretado por diversas formações da orquestra, o russo Alfred Schnittke (1934-1998), que viveu sob o stalinismo.

E há programas em que o contexto histórico é forte, inclusive partes dos três que serão comandados pelo regente associado Celso Antunes, especializado em corais: em março, “A canção da terra”, de Mahler; em abril, duas peças para coro de Schnittke; e em agosto, composições de Haydn e James MacMillan.

— “A canção da terra” antecede a Primeira Guerra, é música ainda em tempo de paz, mas logo depois se deu um dos momentos mais trágicos da História — explica Antunes. — Schnittke viveu em outro tipo de guerra, a Guerra Fria. A sinfonia de Haydn (Sinfonia nº 52 em dó menor) foi composta quando Viena era palco de transformações políticas muito grandes (segunda metade do século XVIII), e a Missa in tempore belli ele criou após as invasões napoleônicas. Já MacMillan trata da guerra civil em El Salvador (em “O exorcismo do Rio Sumpul”).

Expectativa de mais verbas

Entre as outras apresentações previstas para 2012 estão as com Antonio Meneses, violinista consagrado internacionalmente que inaugurará a série “Artista em residência”.

Ele tocará dois concertos com todo o conjunto orquestral, um quinteto com o Quarteto Osesp e um recital com o pianista José Feghali.

O governo de São Paulo deverá reajustar os R$ 43 milhões dados neste ano para a manutenção da orquestra. A instituição ainda poderá captar até R$ 24 milhões usando as leis de incentivo fiscal. E acredita conseguir, no máximo, R$ 10 milhões em vendas de ingressos e aluguel da Sala São Paulo. A Osesp tem em suas temporadas três séries mais populares: Concertos Matinais (gratuitos), Concertos a Preço Popular e Ensaios Abertos.

FOLHA DE S. PAULO - MARISA MONTE LANÇA NOVO ÁLBUM SEM CORRER RISCOS

'O Que Você Quer Saber de Verdade' é bastante similar a seus CDs anteriores

MARCUS PRETO DE SÃO PAULO

(01/11/2011) Barulhinho bom. A expressão que batizou o álbum duplo de Marisa Monte em 1996 resume perfeitamente o som do novo trabalho da cantora, "O Que Você Quer Saber de Verdade". Tudo no disco é tecnicamente agradável e perfeito. A voz, os arranjos, a produção musical (que a própria Marisa divide com Dadi Carvalho): nada está fora do lugar, nada destoa nem incomoda. Mas nada surpreende. Marisa parece ter fincado o pé em seu próprio passado. É difícil achar uma faixa que não pudesse estar em "Memórias, Crônicas e Declarações de Amor" (2000) ou em "Infinito Particular" (2006). É verdade que a sonoridade atual agrega elementos que não estavam naqueles trabalhos: os músicos Pupillo, Dengue e Lúcio Maia, da banda pernambucana Nação Zumbi, o baterista Domenico Lancellotti, o grupo argentino Café de los Maestros, arranjadores americanos etc.

49 Mas, no final das contas, o bloco sonoro resulta muito parecido com o que ela já fez -e que sempre deu tão certo. O risco é zero. Uma pena. Boa parte das canções segue a trilha "cafona chique" de "Amor I Love You". É assim "Ainda Bem", o primeiro (e fracote) single do CD, e "Depois" (Marisa/Carlinhos Brown/Arnaldo Antunes). Outras transitam pelo terreno de Tim Maia e Hyldon, como a baladona "Era Óbvio" (Marisa/Antunes). Ou pelo chão de Raul Seixas, caso de "Aquela Velha Canção". O samba, que dava as cartas em "Universo ao Meu Redor" (2006) e surgiu às pinceladas em todos os álbuns da cantora, sai da jogada. Entra o forró. "Hoje Eu Não Saio Não" é arrasta-pé de Arnaldo, Marcelo Jeneci, Betão Aguiar e Chico Salem. Também puxado na sanfona, "O Que se Quer" é a primeira parceria de Marisa com Rodrigo Amarante. Não há dúvida: "O Que Você Quer..." vai fazer sucesso no rádio e virar trilha sonora de fim e de começo de namoro. Mas é suficiente para uma artista como Marisa Monte? É bom que ela se lembre de que, nos cinco anos e meio que separam seu outro disco deste, surgiram Tulipa Ruiz, Andreia Dias, Karina Buhr, Céu, Iara Rennó, Nina Becker, Mallu Magalhães. Nem tão perfeitas quanto ela, mas muito mais surpreendentes.

ESTADO DE MINAS – SEMPRE À MARGEM

Kiko Ferreira

(01/11/2011)

Nascido em 1947, em Cachoeiro do Itapemirim (ES), e morto no Rio de Janeiro, em 1994, Sérgio Sampaio passou para a história pelo sucesso retumbante de Eu quero é botar meu bloco na rua, há 37 anos. Mas ele foi muito mais que autor de um hit só. Basta conferir a escalação de admiradores que participaram do disco-tributo Balaio do Sampaio, lançado na década de 1990: Erasmo Carlos, Chico César, João Bosco, Lenine, João Nogueira, Zizi Possi, Elba Ramalho e, claro, Zeca Baleiro.

Amigo e parceiro de primeira hora de Raul Seixas, com quem dividiu o antológico álbum conceitual A Sociedade da Grã Ordem Kavernista apresenta sessão das dez (com Miriam Batucada e Edy Star), o capixaba pode ser incluído na lista dos autores “malditos”. Atuou à margem do mainstream e ficou conhecido pela personalidade difícil. Apesar de ser artista admirado, só gravou um disco brilhante pela Philips (o quase tropicalista Eu quero é botar meu bloco na rua), um outro, brasileiríssimo, pela Continental (Tem que acontecer, de 1976), e este Sinceramente, seu álbum mais intimista, simples e doméstico.

Rasgadamente romântico em Nem assim, familiar em Meu filho, minha filha e frágil em Sinceramente e Tolo fui eu, Sérgio Sampaio soa confessional nas 11 faixas. E captura o ouvinte pela sinceridade.

ESTADO DE MINAS – EM NASHVILLE

Banda Chaparrall gravou disco nos Estados Unidos

(01/11/2011) A banda sertaneja Chaparrall já gravou seu novo disco. Desta vez, o grupo entrou em estúdio em Nashville, nos Estados Unidos. O vocalista Gui Cattoni explica que a cidade foi escolhida por sua afinidade com estilos que celebrizaram grupos americanos na área do rock, folk e country. “Ali se respira música 24 horas por dia”, lembra Cattoni.

O CD foi gravado no esquema crowdfunding, em que fãs ajudam a patrocinar o projeto dos artistas. Em junho, o grupo pôs na rede hot site Vai que eu tô pagando. Os interessados puderam comprar kit com CD e DVD por R$ 20, viabilizando a gravação. Participantes também concorrem a show acústico da banda em sua própria casa.

O público conhecerá o novo disco da Chaparral dia 19, em show no Espaço Meet Porcão, marcado para as 22h.

50 ESTADO DE MINAS – O POETA INVENTADO

(01/11/2011) Seis músicos, poetas e artistas plásticos de Belo Horizonte se uniram para a criação coletiva que resultou no livro Exemplar disponível ao roubo (Autêntica Editora, 144 páginas, R$ 27). Marcos Braccini, Marcos Sarieddine, Rafael Fares, Rafael Ludicanti, Thiakov e Vinícius de Morais do Espírito Santo assinam a obra, cuja autoria é atribuída a um personagem fictício: Miguel Capobianco- Livorno. São 80 poesias, cada uma delas criada em conjunto. O lançamento será hoje, às 19h, no Museu Inimá de Paula, Rua da Bahia, 1.201, Centro.

O prefácio foi escrito por Arnaldo Baptista. Os poemas dão um toque de irreverência e leveza a temas existenciais profundos e contraditórios, tais como crença e desilusão nos relacionamentos humanos, no comportamento moral e na relação do homem com suas próprias aptidões e limites.

Para os autores, Exemplar disponível ao roubo não é objeto comercial, mas produção que foge à lógica do mercado editorial. Ainda que fictício, Miguel Capobianco-Livorno se apresenta como indivíduo real, dotado de biografia, atitude e opiniões próprias. A proposta do “autor” é ir além de constatar e reconhecer a dinâmica coletiva, transformando-a em sua principal motivação para a criação.

ESTADO DE MINAS – FIEL ÀS RAÍZES

De férias no Barão Vermelho, o baixista Rodrigo Santos aproveita para mostrar seu lado cantor e compositor. Hoje, em Belo Horizonte, ele lança o primeiro DVD solo

Thaís Pacheco

(01/11/2011) Hoje à noite, véspera de feriado, o baixista do Barão Vermelho, Rodrigo Santos, faz show no Chalezinho, para lançar o primeiro DVD solo, Ao vivo em Ipanema. Antes, ele já gravou muitos outros CDs e DVDs não só com o Barão, mas também com Kid Abelha, Lobão, Léo Jaime e João Penca e seus Miquinhos Amestrados.

Investindo na carreira solo desde 2007, Rodrigo já gravou três álbuns: Um pouco mais de calma (2007), O diário do homem invisível (2009) e Waiting on a friend (2010). Recentemente, tocou no Rock in Rio, em palco da Rock Street. O DVD é justamente uma compilação de todos esses trabalhos. “Uma mistura de tudo que sou”, diz o artista. “Tem meu lado compositor, intérprete, cantor dos três CDs solo. Tem meu lado entreteiner de fazer shows, festas, energia para cima. E tem minhas influências, tocando com outros músicos.”

A banda que o acompanha é formada por Kadu Menezes e Fernando Magalhães, o power trio Rodrigo Santos e Os Lenhadores. Na gravação do DVD, ele contou com as participações especiais de vários artistas, como Milton Guedes, Leoni, Ney Matogrosso e Frejat. Mas essa noite será apenas o trio. “Seremos só nós mesmos, mas o show será de hits de alguns desses artistas também. Músicas que entraram no DVD, como Pro dia nascer feliz, Maior abandonado, Na rua, na chuva, na fazenda...e por aí vai.”

Ainda sobre o show de hoje à noite, Rodrigo avisa: “Vou tocar baixo e nossa formação em trio comporta algumas músicas autorais, as mais dançantes. Se eu, porventura, pegar o violão, será para fazer algo mais voltado à parte autoral, que não cabe em power trio, mas sempre resolvo na hora”. O repertório, revela, tem cerca de 25 músicas. “E de quebra vou homenagear duas bandas mineiras na mesma música, um medley”, antecipa. Para saber quais serão, só indo lá.

ESTADO DE MINAS – ESFORÇO COLETIVO

Eduardo Tristão Girão

(01/11/2011) Sem experiência profissional no mundo da música, há três anos os belo-horizontinos da banda Ram começaram a abrir o próprio caminho e hoje comemoram o feito com o lançamento do disco Orange orgio orbis. O show de lançamento será hoje à noite, na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes, em Belo Horizonte. O ingresso dá direito ao CD, que contém duas faixas a mais que a versão a ser disponibilizada para download em breve no site do grupo, www.rrram.com.

51 “Conhecemos tudo na prática, dialogando com todo tipo de iniciativas, como festivais e coletivos”, afirma o vocalista, guitarrista e tecladista Paim, autor de todas as composições do disco.. “Somos bem articulados nesse sentido. Dialogar com todo mundo é fundamental.” Apesar de Paim assinar as 15 faixas sozinho, o disco tem arranjos feitos por toda a banda, que conta também com Beto Fernandes (violão e baixo), Edu Megale (guitarra), Victor Munhoz (teclado) e Leo Dias (bateria). É a própria banda que responde pela produção.

O som que fazem é basicamente, rock, mas essa é uma classificação vaga, como gosta de lembrar Paim: “É rock clássico. A ideia é experimentar a partir de escolas como folk, jazz e soul. O disco demorou muito tempo para ser elaborado, por isso ficou tão variado. As composições mais recentes, por exemplo, foram mais para o lado do soul. O krautrock também é uma influência para nós”, conta ele, revelando que já planeja um EP com três músicas inéditas para o ano que vem.

CORREIO BRAZILIENSE – ROCK SINFÔNICO

A banda Trampa e a orquestra do Teatro Nacional encerram hoje na cidade a turnê do projeto, cercadas de convidados

Luiz Prisco

(01/11/2011) Misturar rock’n’roll pesado e música clássica pode soar como algo não harmônico. No entanto, o Trampa Sinfônica mostra justamente o contrário. O projeto, que promove a junção de guitarra, bateria, violas, flautas e clarinetes, ganha o palco da Sala Villa-Lobos hoje, às 20h, com regência do maestro Joaquim França. É a segunda vez que a banda Trampa e a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro apresentam esse concerto na cidade. Agora, vêm cercados de convidados para participações especiais — entre eles, o maestro Claudio Cohen, os vocalistas Gog, Tiago Freitas (Etno) e Frango Kaos (Galinha Preta), o guitarrista Dillo Daraujo e a cantora Renata Jambeiro.

“Encerrar a turnê em Brasília é fazer show onde tudo começou, no local onde temos um trabalho consolidado. Essa apresentação vai ser uma festa”, acredita André Noblat, vocalista da Trampa. Segundo ele, a princípio a ideia não era terminar na capital a turnê de divulgação do DVD, que passou por Recife, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. “Não íamos fechar aqui, mas quando fomos tocar em algumas casas, o público começou a pedir e acabou nos convencendo”, explica. O grupo também quer aproveitar a oportunidade para mostrar que em Brasília ainda há projetos criativos e de qualidade quando o assunto é rock.

A união entre sons distintos demanda treino entre os músicos envolvidos. No entanto, acontece de forma natural. “A adaptação às orquestras é muito rápida”, conta André. “Os caras são estudiosos, executam exatamente como está na partitura. Mas, de toda forma, precisamos praticar. Nossa experiência mostra que dois ensaios e uma passagem de som são suficientes para resolver o problema.”

Para que tudo se passe na mais perfeita sincronia, o entrosamento entre banda e orquestra precisa estar afinado. “Como são eles que ditam o ritmo, o maestro e o baterista têm que ficar se olhando o tempo todo. Não é à toa que ficam de frente um para o outro o show inteiro”, ressalta o vocalista. Joaquim França já comandou quatro apresentações do Trampa Sinfônica.

Com o fim da turnê, o grupo pretende trabalhar em outros projetos. “A sensação é de que uma fase da banda está acabando. Agora é pensar para frente”, enfatiza André. Ainda este mês, eles lançam o clipe da música Te presenteio com a fúria. Em seguida, vão ao estúdio dar início à produção e gravação do segundo disco — com previsão de lançamento para o primeiro trimestre de 2012.

O pai da ideia» O grande idealizador do Trampa Sinfônica foi o maestro Sílvio Barbato — falecido em 2009, no acidente com o avião da Air France, que caiu no Oceano Atlântico, no trajeto Rio-Paris, matando 228 pessoas. O músico foi quem encorajou os meninos da banda a unirem o rock’n’roll com a orquestra sinfônica. “Todos os shows da turnê foram em homenagem ao Sílvio. A iniciativa de começar isso aqui tudo foi dele”, ressalta o vocalista da banda.

52 CORREIO BRAZILIENSE – PEDRO MARTINS NO UMBRIA JAZZ

Irlam Rocha Lima

O guitarrista Pedro Martins abre show do pianista Ramberto Ciammarughi

(01/11/2011) Pedro Martins participa hoje, pela primeira vez, de um evento internacional. O jovem guitarrista brasiliense é convidado do festival Umbria Jazz, e abre a programação em Brasília às 20h, no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura, no shopping Iguatemi, tocando antes do consagrado pianista italiano Ramberto Ciammarughi. A entrada é franca e os ingressos devem ser retirados no local.

Nesta apresentação, Pedro vai mostrar temas do CD Sonhando alto, que lançou em show na última quinta-feira, no Teatro Cássia Eller, do Complexo Cultural da Funarte, para uma plateia que lotou o espaço. “Vou tocar, também, algumas composições ainda inéditas, entre as quais Canção serena, Entardecer, Refletindo e Tempo frio”, anuncia. No palco, ele terá a companhia do tecladista Felipe Viegas e do baterista Renato Galvão, que tomaram parte na gravação disco.

Sobre os temas que tem composto, o guitarrista diz que eles expressam seus sentimentos. “Embora costume fazer uma espécie de psicografia dos diferentes estilos musicais que ouço, dos filmes que assisto e de situações por que passei, o que me inspira na hora de compor são coisas da minha vida, mesmo. Quem ouve com atenção minhas músicas vai perceber que há aquelas com mais suingue, mais balanço; mas tem outras que fiz em momentos de reflexão.”

Oartist não se alinha com nenhum estilo musical específico, e deixa claro ao situar-se. “Não sou jazzista. O que faço é música instrumental contemporânea universal.” Ele ainda se emociona ao falar a acolhida que recebeu do público no show na Sala Cássia Eller. “Foi linda a reação das pessoas. Senti que elas estavam atentas ao que ouviam e reagiam de forma carinhosa, com muitos aplausos. Houve até quem dançou”, comemora.

Intercâmbio O Umbria Jazz, que será levado também a São Paulo, na sexta-feira, tem como atração principal o pianista Ramberto Ciammarughi. Realizado há 38 anos na Itália (em Marche, na Umbria, na Toscana e em Emilia Romagna), ocorre desde 2006 no Brasil, já tendo passado por Curitiba, Ouro Preto, Rio de Janeiro e Salvador. O objetivo do projeto é estabelecer intercâmbio cultural entre os dois países.

Principal atração desta edição, o pianista e compositor Ramberto Ciammarughi é de Assis e iniciou suas atividades na década de 1980, tocando sozinho e em trio, nos clubes de jazz italianos. Depois passou a participar de grandes festivais em seu país e no exterior. Entre os artistas com quem já trabalhou estão Randy Brecker, Billyy Cobham, Steve Grossman, John Clark, Dee Dee Bridgewaterm Vinnie Colaiuta e Jimmie Owens.

Ciammarughi compôs e fez arranjos para peças teatrais e instalações de artes visuais como Leituras em filosofia, Gulliver, Barco de lixo, Pequeno círculo fechado e a trilogia Memorando, Horace e Cassandra. Entre 1999 e 2000 escreveu e encenou Um hino ao irmão Francisco. Em Roma, foi professor na Academia Romana de Música. E tem estado à frente de seminários e cursos na Filarmônica de Villadossalo.

O GLOBO - CANÇÕES DO BEM-VIVER

Entre filosofia e autoajuda, Marisa Monte canta a vida com serenidade em seu novo CD

CINCO ANOS depois de lançar “Universo ao meu redor ” e “Infinito particular ”, Marisa Monte está de volta com o solar “O que você quer saber de verdade”, oitavo disco de sua carreira

Leonardo Lichote

(1o/11/2011) Na conversa de Marisa Monte com Francisco Bosco, a cantora define uma espécie de carta de princípios sobre a qual se baseia o disco “O que você quer saber de verdade” (Phonomotor/ EMI):

53 “É melhor gostar do que não gostar; é melhor ser feliz do que ser triste; é melhor resolver do que viver problemas”, diz Marisa, ao responder a uma pergunta sobre a clareza do álbum (a conversa com Bosco é uma das cinco distribuídas à imprensa para cumprir o papel das entrevistas exclusivas não concedidas, numa estratégia de divulgação similar à de Chico Buarque em seu último CD, “Chico”).

Claro, direto, solar, fresco e adjetivos semelhantes saltam do CD, o oitavo de sua carreira, lançado cinco anos após “Universo ao meu redor” e “Infinito particular”, os mais recentes. A ideia acompanha o álbum desde os primeiros versos (“Vai sem direção/ Vai ser livre/ A tristeza, não/ Não resiste”, em “O que você quer saber de verdade”) até os últimos (“Se a gente vai e vem/ Se a gente nem/ Sabe onde está bem/ Está bem aqui”, em “Bem aqui”). No caminho — entre tango, canção cafona, carimbó — ela canta a vida sob uma ótica pop — filosofia e autoajuda, como nota Hermano Vianna, outro dos interlocutores de Marisa — em “Seja feliz” (“Tão curta a vida/ Curta a vida”), “Ainda bem” (“Que agora encontrei você”), “Amar alguém” (“Só pode fazer bem”), “Verdade, uma ilusão” (“Verdade, seu nome é mentira”), “Depois” (“Quero que você seja melhor/ Hei de ser melhor também”). Um desejo do “bem- viver”, como define a própria Marisa.

A maioria das canções foi composta por ela nos últimos quatro anos, com vários parceiros antigos (Carlinhos Brown, Arnaldo Antunes, Dadi) e um novo (Rodrigo Amarante, que participa do CD). A elas, Marisa juntou duas antigas: “Descalço no parque”, valsa dos primórdios de Jorge Ben Jor, e “Lencinho querido (El panuelito)”, sucesso com Dalva de Oliveira nos anos 1950.

Sobre “Descalço no parque”, ela diz: “É uma música que está na minha vida há um bom tempo, já cantei em alguns shows por aí.” Já “Lencinho querido”, escolhida para uma participação num show do Cafe de Los Maestros, que acabou participando, ele próprio, da faixa, Marisa explica assim: “Comecei a pesquisar o que tivesse no universo brasileiro que se adequasse à linguagem deles. Lembrei dos tangos gravados no Brasil nos anos 1940 e 50.”

Além de vasculhar preciosidades em baús, Marisa aponta para um jovem compositor no disco. “Nada tudo” é de André Carvalho, filho de Dadi — amigo, parceiro e coprodutor do CD.

“A Maria Gadú gravou uma música do André que toca bastante (‘Tudo diferente’). Quando eu comecei a tocar com o Dadi, o André tinha 12 anos. Ele está desenvolvendo uma linguagem como compositor muito própria, fez o primeiro disco recentemente, e a música que eu gravei está nele. Fiquei com a música na cabeça: ‘Nada, nada, nada, tudo, tudo, tudo, tudo, nada e tudo, eu não sei mais.’ Fiquei encantada, aprendi a tocar em casa... É sempre assim que elas vão parar nos discos.” Os caminhos do disco têm muito a ver com o momento em que ele foi feito, após o fim da turnê “Universo particular”, explica a cantora: “Fiquei mais em casa, tive tempo, tive uma filha. Um momento muito tranquilo, muito gostoso, em que eu pude viver a música, viver a criação...

E ler muito, viver o afeto, viver o amor e estar nutrida. Acho que ele passa uma preocupação em aproveitar a vida, ouvir meu coração e encontrar o que é relevante para mim dentro de todas as opções que existem neste planeta.”

A maneira calma e familiar (a partir do estúdio caseiro de Marisa) como o trabalho foi produzido também se reflete ali: “Eu e o Dadi, que mora do outro lado da rua, começamos a nos encontrar sem horário marcado. ‘Ah, Dadi, passa aqui?’ Isso quase todos os dias: ‘Vamos registrando aquelas músicas, para pelo menos não esquecer?’

Então, enquanto você faz isso, naturalmente você já vai encontrando um andamento confortável, um tom bom para cantar, uma forma que fique simpática, legal.”

O GLOBO - SIMPLICIDADE EMBALADA COM LUXO

‘O que você quer saber de verdade’

Marisa Monte

Silvio Essinger

54 (1º/11/2011) Nas idas e vindas de sua carreira, esse oitavo álbum de Marisa Monte acaba tendo muito a ver com “Memórias, crônicas e declarações de amor” (2000): cantora e compositora estão em busca da essência da canção popular, aquela que bate e fica, sem medo de expor o mais banal dos sentimentos. Muito do que deu em “Amor I a l you” (canção regravada até por Reginaldo Rossi) está de volta em “O que você quer saber de verdade” — só que com uma roupagem que obedece às inquietações e ao padrão MM de qualidade. “Depois” talvez seja a canção que melhor encarne o espírito do disco: um pop de rádio AM anos 1970, meio dramático, meio Márcio Greick, com a Nação Zumbi na base e cordas arranjadas por Miguel Atwood-Ferguson (parceiro de Flying a li, o atual a ling das eletrônicas experimentais). O popular de Marisa tem grife — mas não deixa de ser popular. Primeira faixa a ser divulgada, “Ainda bem” é outro bom exemplo disso, juntando violão flamenco, guitarra surf music, trompete mariachi e muito a-nã-nã-nã numa canção de esquematismo aterradoramente eficiente.

Ecos daquele Brasil profundo, alimentado por música caipira-country, se fazem ouvir em “Aquela velha canção”, faixa que traz versos abusados (“não vou te mandar pro inferno porque eu não quero”). E quem um dia esperava ver Marisa cair no forró vai se fartar com “Hoje eu não saio, não”, que traz o acordeom de Waldonys. “Hoje eu não saio, não / Quero ver televisão”, canta ela, num irônico contraponto ao “Já sei namorar” dos Tribalistas (“Não tenho paciência pra televisão/ Eu não sou audiência para a solidão”). Novidade no universo da cantora, o compositor André Carvalho é responsável por “Nada tudo”, canção entre o choro e o chamamé, que traz sabores mais sofisticados para este disco de temperos fortes, como os de “Lencinho querido”, tango resgatado do repertório de Dalva de Oliveira com a moldura dos argentinos do Café de Los Maestros. Disco de contrastes, “O que você quer saber de verdade” por um lado traz aquilo que se espera de Marisa (a reciclagem da tribalista faixa-título, a recriação de um velho Jorge Bem, “Descalço no parque”). Por outro, apresenta-a relaxada, na lúdica “Seja feliz”. É a simplicidade embalada com luxo, com ousadias bem dosadas, para todo mundo curtir junto.

FOLHA DE S. PAULO - FILHA DE GLAUBER ROCHA ESTREIA EM CD AUTORAL

Ao mesmo tempo em que apresenta primeiro longa no cinema, Ava Rocha se lança como vocalista da banda Ava

Foi no teatro, convidada por José Celso Martinez Corrêa, que ela fez sua primeira aparição pública como cantora

MARCUS PRETO, DE SÃO PAULO

Filha de Glauber Rocha, Ava, 32, ainda não leu "A Primavera do Dragão", livro de Nelson Motta sobre a juventude do cineasta, instantes antes de ele se tornar a figura central do cinema novo.

"Mas eu disse ao Nelson que, mesmo tendo agora mais idade e menos talento do que meu pai naquele período, estou vivendo a minha primavera do dragão", ela diz.

A exposição começou.

Ava, que também é cineasta, mostrou há uma semana o primeiro longa, "Ardor Irresistível", na Semana dos Realizadores, mostra dedicada ao cinema independente.

Sete dias depois, lança "Diurno", o primeiro álbum da banda da qual é vocalista. Ava é o nome da cantora e é também o nome da banda.

"Eu não conseguia ser uma cantora sozinha", diz. "Os meninos foram determinantes na descoberta do conteúdo desse trabalho -e mesmo do meu exercício de cantora. Descobrimos juntos o que eu era. Minha voz foi só o elo." Os "meninos" a que ela se refere são Daniel Castanheira, Emiliano 7 e Nana Carneiro da Cunha -todos, como Ava, ligados ao cinema, à música feita para a imagem.

Daniel vem de arte sonora e é filósofo. Emiliano é editor de som, constrói trilhas. Nana é musicista de teatro experimental e, diz Ava, "toca violoncelo com rebeldia".

"A gente estava nessa sintonia de transar música de uma maneira muito livre."

55 Ela canta desde menina.

A voz grave carrega uma atmosfera dramática. É noturna, contrastando com o título do álbum. Lembra de longe os graves de Cássia Eller.

Aos 20, começou a compor, em parceria com o irmão Pedro Paulo Rocha, também cineasta. Mas foi Zé Celso Martinez Corrêa quem a levou a se assumir cantora, quando, em 2006, a convidou para cantar nos DVDs de "Os Sertões", do Teatro Oficina. Foi sua estreia oficial.

"O Zé foi tão veemente, e a figura dele é tão determinante, que me senti encorajada. Saí decidida a dar uma pausa na coisa do cinema e me dedicar à música."

Fez, com a banda, alguns shows, no Rio e em São Paulo, mostrando o repertório que resultaria em "Diurno". São temas compostos pela banda: sambas, , peças instrumentais com sabor de trilha sonora, experimentalismo. Regravou Edu Lobo e Jards Macalé.

Ava diz se sentir inserida na geração que, hoje, faz a música do Brasil. "Mas meu compromisso estético não é estritamente musical."

É a música da imagem. LIVROS E LITERATURA

CORREIO BRAZILIENSE – OSWALD, O INCENDIÁRIO

Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, homenageia o vanguardista poeta responsável pelo Manifesto antropófago

Ullisses Campbell

Oswald de Andrade herdou um verdadeiro império imobiliário aos 30 anos. Apesar da fortuna, morreu pobre (Reprodução do livro 100 Brasileiros)

São Paulo — Pai do modernismo que tomou conta da cultura brasileira a partir da década de 1940, o escritor Oswald de Andrade ganhou uma exposição só para ele no Museu da Língua Portuguesa, em

56 São Paulo. Não se trata de uma mostra tradicional na qual se expõem objetos pessoais como se vê em museus. Isso nem combinaria com sua figura polêmica e avançada. Ao entrar no universo do poeta, romancista e dramaturgo paulistano, depara-se com uma série de painéis ilustrados a partir de textos e desenhos do artista e passagens picantes e conturbadas de sua vasta vida amorosa.

Oswald era um homem de muitas facetas. Foi burguês, boêmio, modernista, agitador e, acima de tudo, um grande revolucionário. Ele era filho de família riquíssima. Para se ter noção do tamanho dessa fortuna, seus pais eram donos de todos os prédios do bairro de Cerqueira César, um miolo espremido entre o Centro, e os bairros Higienópolis e os Jardins. Com tanto dinheiro no bolso, ele viajou o mundo, conheceu as novidades da Europa e levou para São Paulo o primeiro conceito em que se dizia que o Brasil é uma fonte de cultura e, por isso, não precisava importar ideias de outros países, como França e Estados Unidos. É justamente o retrato dessas ideias que foram grafitadas nas paredes do Museu da Língua Portuguesa.

Painéis retratam ações e várias fases do escritor paulistano (Fernanda Galib/Divulgação)

O escritor sempre olhou para frente e registrou o que nos anos 1940 era considerado absurdo. Assim que voltou de uma dessas viagens internacionais, reuniu-se com amigos e disse que o Brasil, a China e a Índia iam despontar no futuro, ditando regras e costumes. Claro que ele foi motivo de chacota na época. No entanto, registradas em forma de manifesto, essas ideias hoje ganham força e soam como uma profecia concretizada seis décadas depois. Isso fica claro no painel que reproduz o poema “As quatro gares” (1928), escrito um ano antes do Manifesto antropófago.

Filho único, herdou sozinho um verdadeiro império imobiliário aos 30 anos. Apesar da fortuna, morreu pobre. “Não se sabe ao certo como ele torrou a fortuna que recebeu e como ele perdeu os bens. O que importa é que ele nos deixou muito conteúdo e um legado riquíssimo para a cultura brasileira”, diz o professor de literatura Roberto Santini, de 42 anos. Na terça-feira, ele visitou a exposição com um grupo de estudantes e saiu de lá impressionado.

“Fica claro que ele estava muito à frente do seu tempo”, comenta. Na exposição, o cômodo que representa a queda vertiginosa do poeta da riqueza para a pobreza está representado por um painel no qual se vê uma explosão de dinheiro.

57 (Reprodução de Internet)

Instalação Em outro espaço, foi construída uma instalação que representa o apartamento amplo que ele mantinha no Largo da Sé, cujo nome já diz tudo: Garçonier. Lá, Oswald recebia amigos para farras gastronômicas que varavam a madrugada e mulheres, muitas mulheres. Os registros dessas visitas estão nas páginas de um livro espesso chamado O perfeito cozinheiro das almas desse mundo, no qual as suas visitas escreviam um pequeno relato das impressões de ter estado naquele ambiente.

A maioria das mensagens é de amantes e amigos que compartilhavam de suas ideias modernistas. O livro de registros se tornou uma peça importante porque o próprio escritor deixa, em forma de poesia, suas impressões das mulheres que passavam por lá. Com tanto amor nas palavras e no trato com o sexo feminino, O perfeito cozinheiro das almas desse mundo acabou tornando-se um manancial de frases de amor e desenhos, além de textos de amigos modernistas.

A exposição deixa claro que Oswald amava as mulheres e São Paulo. Por todos os lados tem citações que reverenciam a maior cidade do país e suas diversas namoradas. Se levar em conta o número de poesias que escreveu para a artista e intelectual Tarsila do Amaral, pode-se afirmar que ela era a sua preferida, mas não única. “Até nessa seara romântica, sua visão de futuro era impressionante para a época”, diz o professor de filosofia Halfh Sabadinni, 48 anos.

Namorada O ímpeto do escritor com as mulheres reservou a ele um capítulo indigesto em sua biografia. Numa viagem de navio à Europa, ele se envolveu com uma adolescente de 16 anos, o que lhe acarretou a acusação de pedófilo feita pela família da jovem. Outra passagem amarga é uma namorada de 19 anos que ele teve e que morreu em consequência de um aborto mal-sucedido.

No banheiro masculino e feminino do museu, está exibida a parte mais picante da obra do escritor. Frases impublicáveis que ele escrevia relatando momentos de prazer com suas inúmeras namoradas estão afixadas na parede. Por conta do conteúdo impróprio, a direção da exposição adverte logo na entrada com um aviso de que é proibida a entrada de menores de 18 anos. Um outro banheiro no andar superior está livre das frases obscenas do poeta.

O diretor do Museu da Língua Portuguesa, Antônio Carlos Sartini, explica por que se trata de uma exposição especial: “Além de Oswald ter ideias atualíssimas, ele é o primeiro escritor paulistano homenageado aqui no espaço”. A exposição ganhou o nome de Oswald de Andrade: o culpado de

58 tudo e ficará aberta para o público até janeiro de 2012, um mês antes das comemorações dos 90 anos da realização da Semana de Arte Moderna de 1922, da qual o escritor foi um dos mentores.

FOLHA DE S. PAULO - COMPANHIA DAS LETRAS, 25, APOSTA EM SELEÇÃO BRASILEIRA

Editora faz um quarto de século empenhada em grandes autores nacionais

Publicação de Drummond é novo lance de processo iniciado nos anos 2000, que se reflete em aumento de vendas para governos

FABIO VICTOR DE SÃO PAULO

(27/10/2011) Seu primeiro best-seller foi de um americano, Edmund Wilson, "Rumo à Estação Finlândia". Seu campeão de vendas até hoje é um norueguês, Jostein Gaarder, com "O Mundo de Sofia". E os estrangeiros continuam a dominar seu catálogo -75% do total. Mas talvez a maior novidade da Companhia das Letras aos 25 anos, completados hoje, seja o crescente fervor por grandes autores brasileiros. A publicação da obra de Carlos Drummond de Andrade, a partir do ano que vem, é o lance mais ousado de um processo iniciado nos anos 2000. A editora, que já tinha então em seu catálogo Vinicius de Moraes, adquiriu os direitos das obras de Erico Verissimo (em 2002), Jorge Amado (2007) e Lygia Fagundes Telles (2008). Não há indicação de que a escalada tenha cessado. Instado pela reportagem a nomear genericamente autores que gostaria de ter em seu time, o fundador e editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, citou somente escritores nacionais -Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira. Alertado da coincidência, emendou: "Nacionalismo e literatura não combinam. Não quero passar a ideia de que editar [Jorge Luis] Borges, Ian McEwan, Georges Perec, Italo Calvino etc esteja abaixo no nosso trabalho, de jeito nenhum."

PARADIDÁTICOS Fato é que a editora se aprimorou para abrigar sua seleção brasileira. Possui um departamento exclusivo para atendimento aos professores. Faz seminários de capacitação, tem profissionais que visitam escolas e produz caprichados manuais de orientação para o trabalho em sala de aula das obras dos seus autores nacionais mais clássicos. Em outra frente, criou, em 2009, a Claro Enigma, editora voltada ao mercado de obras paradidáticas. O reflexo imediato dessas ações coordenadas foi o aumento nas vendas de livros para o governo. A casa não informa seu faturamento. Schwarcz diz que a editora cresce cerca de 15% ao ano. As vendas para o governo representam, segundo ele, de 20% a 25% do total das receitas, chegando no máximo a 30%. Antes de ter no catálogo autores brasileiros consagrados, esse percentual, estima, não passava de 10%. A evolução tornou a Companhia das Letras uma das editoras brasileiras do segmento de obras gerais (exclui livros didáticos, técnicos e religiosos) que mais vendem ao governo, segundo dados levantados pela reportagem. A Secretaria de Educação de São Paulo informou que desde 2007 a Companhia recebeu R$ 19 milhões do Governo do Estado, que comprou 3,3 milhões de livros, sem no entanto dar o ranking das campeãs de vendas. Já pelo PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola, do Ministério da Educação), a Companhia e a Claro Enigma venderam, juntas, R$ 4,5 milhões em 2010 e 2011, colocando-as entre as campeões do ranking no período. A mesma situação ocorre nos programas de livro e leitura da Fundação Biblioteca Nacional, vinculada ao Ministério da Cultura, dos quais a Companhia recebeu R$ 3,7 milhões desde 2007. Não à toa, três autores nacionais estão entre os mais vendidos da história da editora (veja quadro abaixo). Schwarcz elogia as políticas públicas para livro e leitura do governo federal, ou o que chama de "16 anos de uma política estável de investimento em bibliotecas".

59 Diz que sua editora busca "apostar no crescimento educacional" brasileiro e revela que se prepara para viajar o país divulgando seu time de autores a secretarias estaduais, para que a casa deixe "de ser passiva nessas compras". Conta que, pela primeira vez, está com vontade de conversar com um ministro da Educação, "para tentar entender o futuro digital que o governo está projetando" e "ver onde a Companhia pode entrar com esse patrimônio de autores".

ADOTADAS "Há uns bons 15 anos trabalhamos para ter obras adotadas", afirma Schwarcz, usando o termo que, no jargão, define os livros adquiridas em programas governamentais e admitidos em escolas públicas. São obras em geral vendidas em grande volume e que, por isso, garantem retorno financeiro, ainda que os descontos sobre o preço de capa sejam colossais. A presidente do Snel, o sindicato nacional das editoras, Sônia Machado Jardim, fala das especificidades de trabalhar com obras adotadas. "É quase como ter outro negócio, um segmento dentro do segmento editorial. Você precisa ter divulgação escolar, pois não é um livro vendido para o leitor, mas para o professor", explica. "É um técnica diferente da usado para o mercado tradicional, em que você vende para o livreiro e para o leitor final", afirma a editora, também vice-presidente de operações do Grupo Record, que perdeu Drummond e Jorge Amado para a Companhia. A condição não impede que Sônia Machado saúde o aniversário da concorrente. "É uma editora consolidada e respeitada. O sindicato como entidade de classe fica muito satisfeito em ver editoras que entram pra ficar, que não são uma aventura."

FOLHA DE S. PAULO - IMAGINAVA SÓ UMA EDITORA FEITA DE LIVROS QUE EU GOSTARIA DE LER

LUIZ SCHWARCZ - fundador e editor da Companhia das Letras / ESPECIAL PARA A FOLHA

(27/10/2011) Fiquei desempregado por pouco tempo. Quando decidi deixar a Brasiliense, quis antes ver se havia no mercado editorial alguma proposta mais tentadora do que a editora que já sonhava criar. Balancei quando Jorge Zahar me propôs sociedade, chamando-me para trabalhar com ele na editora recém-criada. Eu adorava o Jorge, mas achava que nossos perfis poderiam conflitar. Jorge era cauteloso e pessimista. Eu carregava comigo pouca cautela e um otimismo que meus 30 anos ainda não conseguiam inibir. Resolvi seguir meu caminho. Precisava avisar alguns autores, agentes e me mexer: conseguir títulos rapidamente. Pensava numa editora pequena, mas estável. Produzindo todo mês. Novidadeira para a imprensa, constante para o livreiro e para o público leitor. Achei que tinha que começar com mais de um título para chamar atenção. Decidi por quatro no primeiro mês, logo também por quatro a cada mês, durante o primeiro ano. Depois disso eu tentaria crescer. Assumi esse compromisso comigo mesmo. Se falhasse, eu deixaria de me considerar um editor sério. Falei com muitos autores e com colegas que conhecera na Brasiliense, principalmente graças ao ambiente fértil do "Leia Livros", jornal que Caio Graco fundara pouco antes do meu estágio na sua editora. Rodrigo Naves foi um deles. Lembro que fomos tomar um caju amigo no Pandoro, para que eu lhe contasse sobre meus planos. Rodrigo vibrava e falava alto, antevendo um futuro promissor para a editora, ainda sem nome. As palavras que usou eu não teria coragem de repetir, nem 25 anos depois. Ainda me soam exageradas, mas me deixaram muito feliz. José Paulo Paes foi outro que me acolheu efusivamente. Passei várias tardes em sua casa no Brooklin, e em uma delas José Paulo até arriscou um nome para a jovem editora: Letras e Companhia. Na próxima reunião que tivemos, levei-lhe a sugestão do título invertido, já com a ideia inicial do logo: uma caravela. Muitos livros do nosso catálogo saíram dos meus encontros com Zé Paulo, que, além de tradutor e poeta, havia sido memorável editor na Cultrix. Pedi um livro dele, para começar. Seria meu amuleto, eu lhe disse. Perguntei se traduziria W. H. Auden. Falei do prazo e Zé Paulo topou. Propôs dividir a tarefa com João Moura, já que não daria conta de tudo sozinho, no prazo necessário.

60 Poucos se lembram que a editora não começou apenas com "Rumo à Estação Finlândia". Com o tempo, o sucesso do livro de Edmund Wilson deixou a impressão de que havia sido aquela a primeira publicação isolada da Companhia das Letras. Eu mesmo ajudei a formar o mito. Talvez tenha me acomodado com a fama de ter acertado em grandes proporções logo no primeiro livro. Mas, além da coletânea bilíngue de poemas do grande poeta inglês da qual José Paulo se incumbiu, publicamos na primeira fornada o romance "A Graça de Deus", de Bernard Malamud, e o livro de ensaios e traduções de Augusto de Campos "O Anticrítico". As quatro primeiras edições esgotaram- se em poucos dias, ou semanas. Wilson voou longe, encabeçou a lista de mais vendidos por meses e ajudou a espalhar a fama da jovem editora pelo mundo. Afinal, um best-seller tão inesperado, mais ainda no Brasil, chamava mesmo a atenção. Editei muitos outros livros de José Paulo, que, como Jorge Zahar, foi um dos muitos pais que a vida me deu. Edmund Wilson também continuou a ser publicado por nós, mas sem o mesmo êxito. O mesmo ocorreu com Malamud. Muitas pessoas vislumbraram um sucesso maior do que eu para a pequena editora que começava sua vida em outubro de 1986. Eu imaginava apenas uma editora sem grandes encalhes, feita de livros que eu mesmo gostaria de ler. Posso dizer que Rodrigo Naves e Zé Paulo Paes representam aqui os amigos e autores que me acompanharam desde então. Agradeço a todos comovido, querendo viver tudo isso outra vez, desde o começo.

FOLHA DE S. PAULO - PRIMEIRO LIVRO DE HISTÓRIA DA ARTE SAI EM PORTUGUÊS

"Vidas dos Artistas" reúne trajetória e técnicas de produção de pintores

FABIO CYPRIANO CRÍTICO DA FOLHA

(29/10/2011) "O contorno das pernas é belíssimo, enquanto os flancos esbeltos têm inserções divinas; nem se viu jamais pose tão suave e graciosa que se lhe equipare." A descrição um tanto apaixonada não faz parte de um romance: é como Giorgio Vasari (1511-1574) apresenta o famoso Davi, de Michelangelo, esculpido entre 1501 e 1504. Seu livro "Vidas dos Artistas", publicado em 1550, lançado, agora, na íntegra, pela primeira vez no Brasil, e mesmo em língua portuguesa, foi o primeiro grande compêndio sobre os artistas do Renascimento, num misto de relato biográfico e considerações pessoais. Muito do que se sabe sobre Leonardo da Vinci (1452-1519) e sobre o próprio Michelangelo (1475- 1564), de quem Vasari era amigo, é conhecido por conta de sua narrativa preciosista e empolgada. A primeira parte do livro aborda as diferentes técnicas de produção da arquitetura, escultura e pintura da época e a vida de mais de cem artistas, divididos em três fases. Na primeira fase dos relatos biográficos, que tem início com Giovanni Cimabue, Vasari fala de artistas que começaram a imitar os antigos. Na segunda, o autor trata dos que inventaram o uso da perspectiva, como Botticelli e Andrea Mantegna. Finalmente, na terceira fase, ele aborda de Da Vinci até Michelangelo, porque depois dele, deixa claro, nada restava a um imitador fazer. A narrativa, recheada de adjetivos, nem de longe coloca dúvidas sobre a pesquisa minuciosa para a publicação de 500 anos. Sobre "A Última Ceia", de Da Vinci, o afresco na parede de um convento em Milão, apontada como uma das obras seminais do Renascimento, o autor chega a relatar detalhes de bastidor: "A nobreza da pintura [...] provocou no rei da França o desejo de levá-la ao reino, coisa que ele tentou por todos os meios, pensando em recorrer a arquitetos que com vigas de madeira e ferros a sustentassem de tal maneira que ela pudesse ser levada incólume". O esforço, conclui, foi em vão. Vasari foi também pintor e arquiteto, mas o que de fato o fez fundamental foi ter iniciado uma narrativa tão bem articulada a ponto de ser tido como pai da história da arte.

FOLHA DE S. PAULO - ESCRAVAS FORAM PIONEIRAS DA JOALHERIA LOCAL

61 Livro "Joias de Crioula" aponta negras como criadoras de um estilo nascido no Brasil

VIVIAN WHITEMAN EDITORA DE MODA

(29/10/2011) As escravas de origem africana trazidas ou nascidas no Brasil nos períodos colonial e do Império não só usavam acessórios sofisticados como deram os primeiros passos na criação de um estilo de joalheria que pode ser considerado tipicamente brasileiro. "Os índios não trabalhavam com metalurgia. As portuguesas e brasileiras brancas importavam o estilo europeu. Já as escravas, a partir de um mix de estilos, inauguraram um novo capítulo no design de joias", afirma a pesquisadora e artista plástica Laura Cunha, autora do livro "Joias de Crioula". Em parceria com o fotógrafo alemão Thomaz Milz, Laura Cunha pesquisou coleções particulares e acervos de museus e conseguiu reunir um registro surpreendente sobre os hábitos das escravas e negras alforriadas que viviam nas cidades, as "crioulas". Muitas delas podiam ficar com o excedente que conseguissem vendendo produtos como frutas e doces de tabuleiro para seus senhores. Como não tinham acesso a bancos, encomendavam aos ourives peças de ouro de baixo quilate, prata, coral, ossos, pedras locais e coco. Assim, guardavam seu "pé-de-meia" nos colares, pulseiras, berloques e balangandãs. As joias exuberantes e coloridas contrastavam com as pérolas e diamantes usados pelas brancas. "Essa espécie de poupança tinha muitas utilidades. Muitas dessas mulheres compraram sua própria liberdade e alforriaram parentes usando as joias como pagamento", conta a autora. Já as escravas de casas ricas eram adornadas por seus próprios senhores. Quando saíam para as ruas acompanhando suas senhoras ou crianças, eram exibidas em trajes finos e carregadas de joias. "Nesses casos, a própria escrava era um objeto de ostentação do dono, um objeto de luxo a ser mostrado publicamente", completa. Do ponto de vista da inovação de forma, o livro revela que as joias de crioula eram uma mistura de elementos africanos, europeus e árabes. Crucifixos e figas aparecem ao lado de figuras representando frutas, bichos e elementos ligados aos orixás, como o tridente de Exu. As joias de crioula tinham uma forte carga religiosa e mística. Outra inovação veio na forma de uso dessas joias. As crioulas privilegiavam o excesso, usando colares, pulseiras, anéis e brincos juntos. Acima do valor de cada peça, estava o impacto visual dado pela fartura do conjunto.

FOLHA DE S. PAULO - ROMANCE TRAZ LIMA BARRETO APAIXONADO

Após ensaio premiado sobre autor, Luciana Hidalgo estreia na ficção

Livro ambientado na belle époque carioca mostra a juventude do escritor, já mordaz, porém puro e idealista

FABIO VICTOR DE SÃO PAULO

(29/10/2011) Pesquisadora dos limites entre sanidade e loucura em Lima Barreto, a jornalista Luciana Hidalgo recorreu à ficção para mostrar uma face menos conhecida do escritor. Recém-lançado pela Rocco, o romance "O Passeador" constrói um personagem terno, puro e idealista. Ao percorrer a juventude de Lima Barreto (1881-1922), antes de ele publicar os livros que o tornariam respeitado, Hidalgo revela um homem já mordaz, mas bem mais suave que aquele da fase adulta -amargurado, belicoso e atormentado por alucinações decorrentes do álcool. "Ele buscava a sinceridade, a verdade e a pureza. Mas, com as dificuldades e a rejeição que enfrentou, inclusive da crítica, foi se amargurando. Por isso que escrevo [no livro] que só é muito cínico quem um dia já foi muito ingênuo", conta a autora. O primeiro mergulho de Hidalgo no gênio do autor de "Triste Fim de Policarpo Quaresma" produziu "Literatura da Urgência - Lima Barreto no Domínio da Loucura" (Annablume), ganhador do prêmio Jabuti de crítica literária em 2009 e derivado da sua tese de doutorado em literatura comparada na Uerj (Universidade do Estado do RJ).

62 Se naquele trabalho a jornalista investigou a influência da experiência manicomial sobre a escrita de Lima Barreto, agora a aventura ficcional lhe garante maior licença para mesclar gêneros. Meio novela, meio romance, "O Passeador" -que recebeu a Bolsa Funarte de Criação Literária, de R$ 30 mil- agrega pitadas de história e ensaio e traz dados biográficos e trechos do diário de Lima Barreto. O cenário é o Rio da belle époque, entre 1904 e 1905, um caótico canteiro de obras da reforma urbana do prefeito Pereira Passos. O personagem de Lima Barreto, identificado pelo primeiro nome do escritor, Afonso, é o "passeador" do título, que, inconformado com a descaracterização da cidade, faz vigílias noturnas observando as alterações. Durante o dia, divide-se entre o trabalho burocrático na Secretaria da Guerra e as idas ao sebo do livreiro português Tiago, onde trabalha a jovem Sofia, cuja origem a trama desvenda aos poucos -e com quem Afonso mantém um flerte platônico. Nascido há 130 anos no Rio, o que justifica tantos títulos em torno dele em 2011, Lima Barreto foi um celibatário. Ia a prostíbulos, mas, recorda Hidalgo, saía enojado. Seria Sofia um alter ego de Luciana Hidalgo? "Tem um pouquinho, sim. A paixão pela literatura, o idealismo. Mas Sofia também é meio que um duplo feminino dele." Ex-repórter de cultura do "Jornal do Brasil" e de "O Globo", a carioca Hidalgo, 46, que mora temporariamente na França, onde faz pós-doutorado na Universidade Sorbonne/Paris 3, é autora da biografia de outro artista a ter sua obra impregnada pela internação manicomial: Arthur Bispo do Rosário (1911-1989). "O Senhor do Labirinto", premiado em 97 com o Jabuti de livro-reportagem e base do filme homônimo de Geraldo Motta que deve ir a circuito em 2012, acaba de ganhar reedição atualizada (Rocco). Após se debruçar nos últimos anos sobre a relação entre loucura e criação, a autora investiga agora a chamada autoficção, tema de seu pós-doc. Em julho de 2012, participará de um colóquio internacional sobre o tema em Cerisy, na Normandia, e planeja ainda um próximo romance, uma história de amor.

FOLHA DE S. PAULO - OBRA PÓSTUMA, "CLARA DOS ANJOS" É ADAPTADA PARA QUADRINHOS

ROBERTO KAZ DE SÃO PAULO

(29/10/2011) Em uma das cenas iniciais de "Clara dos Anjos", adaptação para quadrinhos do romance homônimo de Lima Barreto, o personagem Cassi Jones -um caricato sedutor carioca- é flagrado na cama alheia, prestes a deflorar uma jovem. Munido de uma pistola, o pai da moça esbraveja: "Indecente! Eu mato... Dou-lhe um tiro na boca!". "A frase não estava no romance original. Mas escolhi usá-la porque soa gostosa", disse, por telefone, o roteirista Wander Antunes, 45. "Pensei: 'Agora esse livro é meu. E tudo o que o Lima Barreto narra em terceira pessoa vai ser encenado'." Antunes assina com o ilustrador Marcelo Lelis, 44, a adaptação daquele que foi o último romance de Barreto, publicado após sua morte. Recriado em aquarela sobre nanquim, "Clara dos Anjos" será lançado em novembro pela Quadrinhos na Cia. O posfácio é de Lilia Schwarcz. Barreto ainda escrevia "Clara dos Anjos" quando morreu, em 1922, de infarto. Deixado incompleto, o livro retratava o subúrbio carioca onde morava, ao qual ele se referia, de forma ácida, como "o refúgio dos infelizes". Na trama, Clara é uma jovem mulata engravidada pelo conquistador Cassi Jones. Desassistida e maltratada por causa de sua cor ("A culpa foi sua, negrinha!", condena a mãe de Jones), chega ao fim da história "grávida, pobre e preta", conforme escreve Schwarcz. "O Lima Barreto era um crítico da elite", diz o desenhista Lelis, que pesquisou a iconografia do Rio nos anos 20 para reproduzir a cidade com fidelidade. Antunes concorda: "Ele tinha raiva -e eu gosto de quem tem raiva". Após um ano e meio debruçado sobre o romance, conclui: "Esse tipo de tragédia ainda não acabou. O subúrbio do Rio continua a ser habitado por pessoas invisíveis".

FOLHA DE S. PAULO - 'DESCOMPRESSÃO' NORTEIA PATRÍCIA MELO EM NOVA OBRA

Livro de contos mantém universo da violência, mas de forma mais diluída

63 Morte e crise de valores são os eixos principais das histórias; escritora trocou SP por imóvel de frente para lago suíço

MORRIS KACHANI DE SÃO PAULO

(29/10/2011) O novo livro de Patrícia Melo, "Escrevendo no Escuro", é uma espécie de ponto de mutação em uma carreira que já soma outros oito títulos. Primeiro, por se tratar de sua estreia no gênero de contos (são 15 no total). "É um suporte narrativo difícil, que muitas vezes funciona como uma camisa de força, pois tudo tem que caber ali. Mas me senti mais madura tecnicamente, foi a conquista deste livro", diz Melo, 49, à Folha. O universo da autora continua o mesmo: a violência, o caos urbano, o acaso, a velocidade dos acontecimentos, o moralismo. Mas desta vez há algo de diferente em sua prosa, que ela chama de "descompressão" -e que atribui a uma mudança de ares. Depois de anos vivendo sobretudo em São Paulo, Melo fixou residência em um apartamento de frente para o lago de Lugano, na Suíça, ao lado de John Neschling, ex-diretor artístico e ex-regente titular da Osesp, com quem é casada há quase dez anos. Também mudou de editora, em 2009. Trocou a Companhia das Letras, depois de quase 16 anos, pela Rocco. "Os últimos anos no Brasil foram muito difíceis", lembra ela. "E São Paulo é uma cidade muito opressiva, é preciso estar sempre na ponta dos cascos. Não dou mais conta", diz. "Fui para um lugar que é o oposto. Que preza sobretudo a liberdade e com menos contrastes sociais." São Paulo e Rio de Janeiro sempre tiveram protagonismo nas suas histórias. Em "Escrevendo no Escuro", também. Mas a observação à distância parece fazer a diferença, tornando a percepção da violência mais diluída. Há dois eixos costurando as histórias. A morte -que, quando não é consumada, aparece simbolicamente como esgotamento, descontrole, ausência de amor- e a crise de valores. "Para mim, a falta de um modelo ético é uma questão contemporânea", explica. No conto que dá título ao livro, Patrícia narra a história de um editor e crítico literário viciado em soníferos e que, como efeito colateral, sofre de surtos amnésicos. Aos trancos, concebe um livro, sua "obra-prima gótica". Ele tenta se valer de sua influência, mas não consegue publicá-lo, e acaba virando joguete na mão dos editores. A amizade de Melo com o escritor Rubem Fonseca, alimentada pelas conversas por Skype, e a inegável afinidade temática vêm à tona. Pelas páginas de "Escrevendo no Escuro" desfilam a garota de programa que troca SMS com amigas na balada enquanto faz o papel de amante de um ex-hippie diante da mulher, o artista com câncer que desperdiça fortunas em tratamentos alternativos, o investigador policial com síndrome do pânico. Ou o seu vizinho ao lado.

FOLHA DE S. PAULO - ANDRÉA DEL FUEGO RELATA 'SUSTO' COM PRÊMIO SARAMAGO

Escritora paulista foi a vencedora deste ano com seu romance "Os Malaquias"

ISABEL COUTINHO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LISBOA

(29/10/2011) Andréa del Fuego jamais poderia "pensar, sonhar ou tomar ácido e delirar" que ganharia o Prêmio José Saramago, disse a escritora paulista, que considerou a conquista "um susto". Ela recebeu 25 mil euros (cerca de R$ 60 mil), entregue na última terça, em Lisboa, pelo romance "Os Malaquias" (Língua Geral). Para "coroar tudo", ela - que publicou aos 35 anos (hoje tem 36) o romance que demorou sete anos a escrever e é baseado na história de sua família (os bisavós morreram quando a casa foi atingida por um raio numa região rural de Minas)- está grávida. "Estou à espera do meu primeiro filho, que se chamará Francisco. Pilar del Río [viúva de Saramago, morto em 2010] disse que ainda acaba em José [risos]. Acho que Francisco José tem tudo a ver...", acrescentou. O prêmio, instituído pela Fundação Círculo de Leitores, é atribuído de dois em dois anos a uma obra lusófona de um escritor de até 35 anos. Foi atribuído pela segunda vez a um autor brasileiro (Adriana Lisboa, com "Sinfonia em Branco", ganhou em 2003).

64 Andréa só percebeu "que era isso mesmo" na cerimônia em que recebeu o prêmio do secretário da Cultura português, Francisco José Viegas, e vendo a leitura que os jurados fizeram do livro. "Acho que se imaginaria que outros autores contemporâneos estariam na frente por ter mais livros publicados, quem sabe até mais maduros", disse à Folha. Agora, ela quer entrar em "reclusão séria" para acabar o próximo.

FOLHA DE S. PAULO - NOVO LIVRO DE EDNEY SILVESTRE NÃO CONVENCE

'A Felicidade É Fácil', recém-lançado, esbarra na tipologia superficial e denuncista ao retratar o início dos anos 90

ALCIR PÉCORA ESPECIAL PARA A FOLHA

(29/10/2011) O novo livro de Edney Silvestre, "A Felicidade É Fácil", está quase todo situado no dia 20 de agosto de 1990 e na madrugada seguinte. É o dia planejado para o sequestro do filho de um publicitário enricado como testa de ferro de falcatruas do governo, narrado na abertura do livro. Logo também se fica sabendo que o sequestro foi orquestrado por certa Organização de Santiago, formada por ex-agentes e torturadores das ditaduras militares sul-americanas, especializada em serviços de bandidagem nas recentes democracias do continente. Mas não tão profissional assim, já que os bandidos sequestram por engano o filho da empregada. Se o leitor se lembrar de que, em 1990, o governo Collor marcava a ascensão da mistura entre políticos e publicitários que faria escola nos esquemas de evasão de divisas oriundas de caixa 2 de campanhas eleitorais, pagamento de propinas a deputados, desvio das privatizações etc., pensaria tratar-se de um thriller policial e político. A impressão se reforçaria se considerasse o capítulo 13 do livro, passado em 1984, no grande comício das Diretas Já! na Praça da Sé. Ali se encontram as principais personagens do sequestro, cada uma com suas próprias preocupações: o líder dos sequestradores, desiludido com a frouxidão do presidente Figueiredo para lidar com os subversivos; o publicitário e seu sócio, antevendo o sucesso do PT e as novas oportunidades de negócio; um soldado pobre, que viria depois a ser o motorista da mulher do publicitário, sonhando em dar estudo à filha. Se a intenção era essa, o romance fracassa. Pois a despeito da cronologia cronometrada, não há ação suficiente para compor algum suspense, nem há análise política dos acontecimentos fora de uma tipologia superficial e denuncista. O que se pode denunciar quando o objeto da denúncia é um simples clichê? Quando a caracterização de todas as personagens repõe estereótipos -da perua, ex-garota de programa, aos pobres sonhando com a casa própria, dos ricos desalmados aos políticos corruptos? Mas se não havia intenção político-policial, e se devesse entender a narração, antes, como esforço de construção literária inovadora, o resultado é pior. A rala colagem de letras de música pop e palavras de ordem, as referências cômicas aos antecedentes étnicos de cada um que aparece, a inconsistência dos registros linguísticos (em que a empregada semialfabetizada, diz "tu sabe", mas também "vós tendes" e "vós ereis"), os diálogos didatizantes a ajudar o leitor a se lembrar do período, nada é inspirado. Tampouco funcionam as seguidas perguntas esvaziadas para marcar a perplexidade dos humildes que nunca sabem de nada, as referências às marcas dos produtos como signos dos emergentes, "dropping names" da cultura supostamente sofisticada. Assim como repetições forçadas nos inícios de frases, cenas de sexo canhestras ("Assim. Assim. Vai. Assim. Ah. Ah. Ah. Ah. Aaaah. Aaaah. Aaah. Aaah."), erros históricos como dar "a reeleição" como "favas contadas", num tempo que não havia sequer essa possibilidade. Tudo leva a reconhecer no texto, no máximo, um embrião de roteiro no filão "Tropa de Elite 2" ou um esboço de prosa realista com apliques ornamentais isolados.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.

O ESTADO DE S. PAULO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE GANHA SEU DIA

Hoje, data do aniversário do poeta, tornou-se o Dia D, em que seus versos ganham vida na voz popular

Ubiratan Brasil

65 (31/10/2011) Para o Instituto Moreira Salles, não existe nenhuma pedra no caminho. Afinal, hoje, dia do aniversário de Carlos Drummond de Andrade (nasceu em 1902), foi transformado pela entidade que cuida do precioso acervo do poeta no Dia D - Dia Drummond, que passa a figurar no calendário cultural do País. "Não queríamos que um material tão rico ficasse limitado aos muros do instituto", conta Flávio Moura, um dos curadores da festa, ao lado do poeta Eucanaã Ferraz. "Nossa inspiração foi o Bloomsday, que acontece todo 16 de junho, quando os irlandeses (e todo o mundo) comemoram a vida e a obra de James Joyce."

O ponto de partida foi envolver o maior número possível de admiradores do poeta, tanto famosos como desconhecidos. Assim, foi elaborada uma programação diversificada, que se espalha por diversas capitais brasileiras (veja abaixo a programação de São Paulo). Um dos destaques será a exibição do filme Consideração do Poema, produzido pelo IMS justamente para a data, no qual nomes importantes da cultura brasileira leem poemas de Drummond, entre eles Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Hatoum, Fernanda Torres, Adriana Calcanhotto, Cacá Diegues, Antonio Cícero, Paulo Henriques Brito e Marília Pêra.

Procure acompanhar a leitura do poema Elegia a Um Tucano Morto, o último escrito por Drummond e dedicado a seu neto, Pedro Augusto, que vai ler os versos.

Com o evento, os curadores pretendem incentivar fãs anônimos a também lerem suas poesias preferidas: todos podem enviar por e-mail para o site oficial (www.diadrummond.com.br) seus próprios vídeos com leituras de poemas. O material vai inspirar um novo filme. Vale tanto famosos como Poema de Sete Faces (Quando nasci, um anjo torto / desses que vivem na sombra /falou: Vai, Carlos, ser gauche na vida) como o emblemático No Meio do Caminho (No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra), que Mario de Andrade considerou formidável mas fruto de um cansaço intelectual.

Um terceiro vídeo também produzido pelo IMS estará disponível no site: No Meio do Caminho (2010) conta com 11 versões em língua estrangeira do poema mais conhecido de Drummond declamadas por personalidades diversas, como David Arrigucci Jr., Matthew Shirts, Jean-Claude Bernardet e Heloisa Jahn.

E, para que a iniciativa ganhe as ruas, inúmeros adesivos foram espalhados por livrarias e centros culturais, promovendo o Dia D. Também o Portal Estadão participa do evento, com a reprodução de uma leitura feita pelo ator Paulo Autran, além de disponibilizar diversas crônicas publicadas no Jornal da Tarde, entre 1981 e 1985.

Tantos festejos surpreenderiam o próprio homenageado. Meses antes de morrer, em 1987, o poeta estava seguro que, dali a dez anos, ninguém mais se importaria com sua obra. O excesso de modéstia certamente cegou o escritor, que deixou seus papéis cuidadosamente arquivados e catalogados, como se tivesse clareza quanto à importância de documentos ligados à vida literária na constituição - ou reconstituição - da história de uma carreira.

"Entre o material guardado pelo IMS, encontram-se preciosidades como uma pasta catalogada pelo poeta como Receitas", conta Samuel Titan, coordenador executivo do instituto. "Ali, Drummond colocou em ordem alfabética recortes de assuntos culinários, mas é possível notar que ele não entendia tanto de gastronomia, pois, na letra A, constam verbetes muito genéricos, como Aves."

O assunto alimenta um divertido folclore sobre a tendência metódica do poeta. "Dizia-se que até os remédios na prateleira eram ordenados por ordem alfabética", diverte-se Moura, que revela que o trabalho de catalogação do material vem sendo executado progressivamente. "Há muita preciosidade, o que exige tempo na separação. Certamente, vamos descobrir uma nova face de Drummond."

De fato, sua escrita encobre mistérios - afinal, como um homem tão pouco viajado pode ter escrito, desde os primeiros livros publicados em Belo Horizonte, uma poesia tão audaciosa e rigorosamente cosmopolita? A dúvida já foi levantada pelo escritor e pesquisador Silviano Santiago, colunista do Sabático, que continua: "Como um profissional que desde cedo se definiu pela quase imobilidade da carreira de funcionário público pode dar lição tão rica e tão ampla de geografia e de história universais?"

66 As respostas não surgem com simplicidade, mas a reunião de vozes celebrando a poesia de Drummond permite a descoberta da expressão mais pura de sua arte.

ESTADO DE MINAS – AINDA E SEMPRE PESSOA

José Bento Teixeira de Salles

(01/11/2011) A Academia Mineira de Letras (AML) vem mantendo elogiável programa de sucessivos lançamentos de livros, seguidos de palestras proferidas pelos autores, numa iniciativa que se assemelha ao Sempre um papo. Há entre os dois, porém, uma diferença, pois o da AML prevê a venda dos primeiros 50 livros a preços módicos, o que concorre para o expressivo comparecimento registrado.

Ainda recentemente, assim foi feito com o livro Fernando Pessoa – Uma quase autobiografia, em sua 5ª edição.

O autor, José Paulo Cavalcanti Filho, revela-se, desde as primeiras páginas, profundo conhecedor da vida e obra do festejado poeta português. E esse atributo tanto mais deve ser exaltado quando se avalia a complexa e mesmo contraditória personalidade de Fernando Pessoa e sua consequente produção literária.

Por outro lado, o livro revela também toda a exaustiva pesquisa do autor, obtendo dados e informações que lhe possibilitaram aprofundar-se no imenso e atormentado universo de Fernando Pessoa.

Nesse sentido, um fato apenas pode comprovar a extensão dos trabalhos realizados: nada menos do que 127 heterônimos foram utilizados pelo genial poeta português, “um homem inquieto, o corpo frágil, a angústia da alma, a dimensão grandiosa da obra”, como ressaltou José Paulo Cavalcanti Filho.

Com inteligência e habilidade, o autor traça nítido retrato do meio em que viveu Fernando Pessoa em sua torturada existência, bem como sua intensa e profunda depressão, notadamente nos últimos anos.

Com 734 páginas, o livro se desdobra em quatro atos, à guisa de índice. O trecho final do volume vai num admirável crescendo de intensidade dramática, entrecortado de versos do poeta, numa esplendorosa projeção da “morte em vida”.

Um livro, enfim, para ser lido com atenção por todos aqueles que se interessam pela obra do biografado e ser guardado com carinho por aqueles que reconhecem sua dimensão genial.

O ESTADO DE S. PAULO - 'PHOTO POCHE', EDIÇÃO FRANCESA DEDICADA A FOTOS, COMEÇA A SER LANÇADA NO BRASIL

Volumes com trabalhos de Sebastião Salgado, Cartier-Bresson e mais três artistas chegam ao País

SIMONETTA PERSICHETTI , ESPECIAL PARA O ESTADO

Foram quatro anos de negociações entre a CosacNaify e a editora Acte Sud para poder trazer ao Brasil em versão traduzida a coleção de livros Photo Poche, que chega às livrarias a partir de hoje. "São livros de grande qualidade que narram a história da fotografia e abrem espaço para novas iniciativas neste setor", comenta Cassiano Elek Machado, diretor editorial da Cosac.

67 Dhanbad na Índia, fotografada no final dos anos 80 pelo brasileiro Sebastião Salgado

Criada em 1982 em Paris pelo editor de livros Rober Delpire, foi inicialmente publicada pelo Centre Nationale de la Photographie, órgão ligado ao Ministério da Cultura com a finalidade de difundir a fotografia como expressão. Com mais de 150 livros publicados em 3 coleções (Histórias, Notas e Sociedade)e um dos projetos editoriais em fotografia mais difundidos do mundo, é refêrencia para qualquer estudo ou pesquisa sobre a área.

Inicialmente serão lançados cinco volumes: Henry Cartier-Bresson, Sebastião Salgado, Man Ray, Helmut Newton e Eliott Erwitt. Como toda e qualquer seleção, a escolha dos primeiros autores - que não segue a cronologia da coleção francesa - se deu a partir de uma reflexão entre a história da fotografia e a história da própria editora, há tempos ligada ao gênero. "Optamos por Cartier-Bresson por já termos publicados livros sobre o autor e por acharmos que ele representa o fotojornalismo do século 20; Sebastião Salgado, por ter sido o primeiro brasileiro a entrar na coleção; Man Ray por termos também uma ligação com livros sobre o surrealismo; Helmut Newton como representante da moda; e Elliot Erwitt, também fotojornalista, mas que esteve muitas vezes no Brasil", diz Machado.

Um bom início que abarca também diferentes estéticas em períodos históricos distintos, abrindo assim um panorama que vai do jornalismo à moda, passando pela fotografia autoral. Ao mesmo tempo, são nomes já mais conhecidos do público em geral - o que facilita também sua entrada no pais.

A coleção, que já é publicada em 7 países no mundo todo, se destaca por ser temática, evidenciar o autor e valorizar a fotografia como forma de expressão. "Sua edição incentivou sobretudo a difusão de uma fotografia na qual a marca e o estilo pessoal foram vistos como símbolo de valor estético nas imagens, contribuindo para A elaboração de critérios de distinção entre s simples operação da câmara fotográfica e o ato da criação", escreve a brasileira Sabrina Moura (que foi pesquisadora de políticas culturais e fotografia no departamento de Artes Plásticas na Universidade Paris VIII e atualmente trabalha no MoMA em Nova York) em sua dissertação de mestrado, A Edição da Coleção Photo Poche e as Políticas Culturais em Favor da Fotografia na França.

Um panorama fotográfico que abrange a fotografia mundial, evidentemente com mais ênfase para a criação francesa e americana, e em especial aos fotógrafos que fizeram ou fazem parte da agência

68 Magnum. De brasileiros, além de Sebastião Salgado, só Tiago Santana faz parte da coleção, com o livro Sertões, lançado no começo deste ano.

A intenção da CosacNaify é lançar dez volumes por ano, que poderão ser comprados separadamente ou em uma caixa única. Além disso, o Brasil será o único país a manter a mesma cor da capa e o mesmo nome já que nos outros países onde é publicada o nome foi nacionalizado e cada um escolheu sua própria cor. "Para nós, era importante manter esta identidade que a faz reconhecida no mundo todo, manter sua marca registrada que é a cor preta para termos uma edição mais próxima do original", afirma Machado. Outra semelhança com o original é a grande tiragem com a qual os livros são lançados: Cartier-Bresson, Sebastião Salgado e Man Ray saem do forno com 7 mil exemplares e Helmut Newton e Eliott Erwitt com 5 mil, algo inovador para este tipo de publicação no Brasil. ARQUITETURA E DESIGN

FOLHA DE S. PAULO - BIENAL DE ARQUITETURA VÊ CIDADES COMO UM 'LABORATÓRIO' DE IDEIAS

Nona edição da mostra acontece na Oca e tem a construção do espaço urbano como tema

Exposição começa hoje com 400 projetos de 30 países e deixa o pavilhão da Bienal de SP pela primeira vez

SILAS MARTÍ, DE SÃO PAULO

Fora do pavilhão que ocupou nas oito edições anteriores, a Bienal de Arquitetura de São Paulo, agora na Oca, não tem mais aqueles vazios incômodos. Mas também não conseguiu se livrar do aspecto de colcha de retalhos. Depois de cortar relações com a Fundação Bienal de São Paulo, a mostra de arquitetura abre hoje sua nona edição em outro prédio de Oscar Niemeyer no Ibirapuera.

Embora o conceito vago de "construção da cidadania" seja o mote geral, projetos díspares estão espalhados pela Oca -no térreo estão as representações nacionais, no andar de cima, um espaço do governo federal e, no último piso, projetos escolhidos pelos curadores da mostra.

No subsolo, visitantes vão poder inventar e montar uma cidade com peças de Lego. "Mais do que uma exposição, a ideia é que seja um grande laboratório", diz Valter Caldana, curador da mostra. "Deve ser uma discussão sobre o processo de produção e construção de uma cidade."

Na representação holandesa, o laboratório se estende até a rua. Um dos projetos da "arquitetura não solicitada" que o grupo preconiza é a singela intervenção numa rua do Brás, em São Paulo.

"Era um lugar movimentado, e os pedestres não conseguiam atravessar. Então desenhamos uma faixa no asfalto", diz o curador holandês Jorn Konijn. "Arquitetura pode ser simples e ativa."

Menos lúdica e mais histórica, a representação israelense na Bienal mostra a evolução do conjunto modernista de Tel Aviv desde os anos 30 até seus contornos atuais.

Seguindo o esquema arquitetônico das cidades-jardim, ideia do britânico Ebenezer Howard em que construções seriam rodeadas por cinturões verdes, Tel Aviv virou um celeiro de experimentações do estilo internacional com a migração em massa de europeus, entre eles muitos arquitetos da Bauhaus, que foram para a região nos anos 40.

"Tel Aviv é elo entre o início do modernismo e suas experimentações tardias, como Brasília", aponta a curadora israelense Tal Eyal. "É a maior concentração de arquitetura moderna hoje no mundo." OUTROS

ESTADO DE MINAS - OUTROS TERRITÓRIOS

Walter Sebastião

69 (27/10/2011) Três dias para conhecer e experimentar criações que escapam de rótulos. Reunido para compor painel de arte intermídia – nascida do cruzamento de música, artes visuais, cênicas e audiovisual –, o projeto surgiu nos circuitos alternativos e vem influenciando o mainstream. Assim será a edição de estreia do Conexões exploratórias em música & performance híbrida (Coma), em cartaz de hoje a sábado, no Espaço Cento e Quatro.

“Queremos o público debatendo o que estamos fazendo”, avisa Bruno Verner, um dos curadores do Coma. Ele e Eliete Mejorado formam o duo Tetine, projeto elogiado da cena underground. Bruno explica que se trata de programação sólida e extensa com poéticas muito pessoais, marcadas pelo hibridismo.

“Todos desregulam os territórios em que atuam. São mais que apenas grupos de música ou performance”, observa. Procedimento muito comum, além do trabalho com som, corpo e visual, é o uso da própria imagem. Está em cena uma arte estranha e sensorial, feita por pessoas que têm experiência de maior ou menor percurso (traduzida em shows, livros e discos, por exemplo), construída fora dos esquemas tradicionais.

Grupos de vanguarda? “De alguma maneira, sim”, responde Bruno Verner. “Os trabalhos são herdeiros de movimentos como dadaísmo, surrealismo e arte conceitual. Carregam um pouco dessa vibração da vanguarda”, admite. Mas o músico prefere promover o diálogo dos grupos “com coisas interessantes do início dos anos 1980, quando zero de dinheiro acabava gerando trabalhos muito interessantes e singulares”. Verner lembra: naquela época, a indústria cultural ainda não havia acuado undergrounds e alternativos.

O projeto Coma ressalta investigações estéticas praticadas internacionalmente, sempre à margem. “Quando se segue o caminho que escapa a rótulos fáceis, o prazer é poder fazer o que se quer, sem amarras da indústria e da censura. Isso tira os cacoetes, traz espontaneidade para a criação”, afirma Bruno Verner. A dificuldade é encontrar espaço para exibir o realizado. “Como você não se enquadra, muita gente vira a cara. Mas tudo é um modo de operar. O essencial é ter personalidade, acreditar no que você está fazendo. E sem medo de levar um não – aliás, o que mais se ouve”, recomenda Verner.

O festival surgiu da sensação de deslocamento em relação às cenas artísticas experimentadas por Bruno e Eliete com o Tetine. Assim surgiu a ideia de um evento que reunisse todos os “estrangeiros” em relação a conceitos e categorias já estabelecidos. A primeira tentativa nesse sentido foi o projeto Babel, realizado em São Paulo, que reuniu de drag queens ao bailarino japonês Kazuo Ono.

Oficinas Hoje, no Espaço Cento e Quatro, serão promovidas oficinas gratuitas. Às 10h, com a theremista, cantora e instrumentista austríaca Dorit Chrysler, radicada nos Estados Unidos. Às 14h, Joana Seguro, produtora portuguesa e curadora de música eletrônica e novas tecnologias, faz palestra. Às 15h, o público poderá conhecer o trabalho do DJ e músico Paul B. Davis, norte-americano que trabalha em Londres e é professor no Departamento de Artes Plásticas do Goldsmith College.

Sábado, às 15h, Andrew Horn, diretor do filme The Nomi song, participa de sessão comentada do documentário sobre o artista Klaus Nomi.

De Sampa a Londres A atriz paulista Eliete Mejorado e o músico belo-horizontino Bruno Verner, curadores do Coma, integram o Tetine, respeitado duo experimental. Radicados em Londres, gravaram 11 discos. A dupla se conheceu durante trabalho com o grupo Oficina, em São Paulo. Uma cena de improvisação aproximou os dois, que, intrigados com o bom resultado, resolveram estender a pesquisa.

Em 1995, surgiu a pequena apresentação daquilo que o duo chamava de música eletrônica sensorial e corporal. No fim de 1999, os dois ganharam bolsa para residência em Londres para desenvolver essa proposta. Mudaram-se para lá.

Tetine começou circulando por galerias de arte e museus graças à trilha para um filme da artista plástica Sophie Calle. “Descobrimos ali uma cena que nos permitia veicular o que fazíamos”, recorda Bruno.

70 Além de seus 11 discos, o duo produziu a primeira coletânea do funk carioca que chegou à Inglaterra. Outra coletânea reúne “um apanhado de coisas estranhas do Brasil da década de 1980”, informa Bruno. A nova atividade da dupla é a performance com a atriz Helena Ignez, em São Paulo, para recriar a trilha sonora do filme O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, clássico do cinema underground brasileiro.

O ESTADO DE S. PAULO – O “CUSTO CULTURA”

Estudo do MinC e FGV mostra custo da cultura no País

AE - Agência Estado

(28/10/2011) O Ministério da Cultura divulgou essa semana o resultado de uma pesquisa encomendada ao Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que inventaria o "custo cultura" em seis Estados brasileiros. O levantamento identificou valores de mão de obra e serviços do setor cultural de cinco regiões - salários de atores, cantores, cenotécnicos, diretores, figurinistas, eletricistas, assistentes de som e palco, seguranças, web designers, consultorias, anúncios, entre outros.

É o primeiro levantamento do tipo no País. Foi encomendado na gestão de Juca Ferreira pelo ex- secretário executivo do MinC, Alfredo Manevy, em 2009, e concluído agora. O MinC informou que pretende utilizar o levantamento como base para análise de projetos em busca de dinheiro via renúncia fiscal no governo. As capitais-base da pesquisa foram Belém, Recife, Brasília, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro. Entre as fontes consultadas, estão tabelas de sindicatos e associações, de fornecedores e taxas de serviços públicos.

Na avaliação do ministério, o estudo deve beneficiar também produtores culturais e empresas, que passarão a contar pela primeira vez com indicadores nacionais de preços da cultura, levantados segundo parâmetros e técnicas de mercado. "A pesquisa servirá para finalmente se lastrear e avaliar propostas candidatas à renúncia fiscal pela Lei Rouanet", diz nota do MinC.

O levantamento será nacional e detectará os valores médios de 255 itens, entre serviços e mão de obra do universo da produção cultural. Entre as curiosidades do material, estão as diferenças entre preços e salários de regiões muito distintas. Por exemplo: pagar um ator de teatro em Recife e Belém pode custar quase o dobro do que custa em São Paulo e Rio de Janeiro - cerca de R$ 400 por semana no eixo Rio-São Paulo e R$ 623 no Norte e Nordeste.

O que se paga a um dramaturgo da área de audiovisual é igual no Norte e Nordeste e no Sul, cerca de R$ 21 mil por obra. Valor que é idêntico ao que se paga ao roteirista do mesmo setor. Visagistas (produtores de figurino) da área cinematográfica cobram de R$ 645 a R$ 1.074,00 por semana. Tradutores, na área editorial, cobram o mesmo no País todo: R$ 0,35 por palavra.

Entre os serviços, o que mais encarece um projeto cultural são os anúncios na mídia. Sem a Lei Rouanet, raramente se conseguiria publicidade para um espetáculo (elemento considerado essencial para o sucesso de um projeto). Os preços variam entre R$ 43 e R$ 105 mil por anúncio de meia página em revista ou jornal, e é linear em todo o País.

O Ministério da Cultura dispõe de um banco de avaliadores de projetos culturais para fins de benefícios da Lei Rouanet, mas as planilhas eram analisadas mais com base no bom senso do avaliador do que em critérios objetivos. Agora, de posse da pesquisa, o MinC poderá saber se algum preço é estratosférico ou se foge das perspectivas de mercado. "A proposta não é engessar e sim servir como parâmetro, em torno do qual deverão gravitar os valores aprovados", disse, em nota oficial, Henílton Menezes, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC. A base é de agosto, mas, a cada mês, a FGV atualizará os preços em 2 praças, repassando-os ao ministério. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

FOLHA DE S. PAULO - IRONIA E PERPLEXIDADE MARCAM EXPOSIÇÃO DO MAM

71 Panorama da Arte Brasileira, em cartaz no museu até 18/12, reúne trabalhos produzidos por artistas em 'trânsito'

FABIO CYPRIANO CRITICO DA FOLHA

"Da arte experimental de butique eu pulei para o turismo predatório. What a fuck I am doing here (que merda estou fazendo aqui)", escreve o artista Ducha em sua obra "Relíquias do Tempo". Ela é composta por anotações mescladas a desenhos, onde relata sua viagem entre Ouro Preto e Paraty. A citação de Ducha, um tanto sarcástica, um tanto perplexa, serve como síntese para a 32ª edição do Panorama da Arte Brasileira do MAM de São Paulo, a cargo de Cauê Alves e Cristiane Tejo. Seguindo a polêmica edição de Adriano Pedrosa, de 2009, que descartou artistas brasileiros, a dupla optou por uma temática que não confronta seu sucessor. Ao contrário, eles apontam agora para uma produção feita por artistas em trânsito, no qual seu território inicial não importa, algo muito semelhante ao que Pedrosa fez ao exibir uma produção "brasileira" feita por estrangeiros. A questão agora é que o tema refere-se mais a um modo de operação do que a uma estratégia poética em si, e a perplexidade de Ducha, de certa forma, coloca em xeque a própria mostra. Essa autocrítica é assumida pelos próprios curadores, que apresentam com destaque a monumental "Crise de Credibilidade", de Hector Zamora. Trata-se um conjunto de birutas, aparatos que apontam o sentido dos ventos, mas que, impulsionadas por ventiladores, apontam para todos os lados. Essa desorientação revela o caráter ambíguo do mostra. Por um lado, ela aponta para a real diversidade na produção nacional. Por outro, há uma clara ausência de posicionamento dos curadores frente a essa complexidade.

72