FACULDADE DE SÃO BENTO

BACHARELADO EM TEOLOGIA

Valdirene Goulart Guzzo

NOÇÕES DO AMOR NA OBRA SÓ O AMOR É DIGNO DE FÉ

DE H.U.V. BALTHASAR E SUA RELAÇÃO COM A OBEDIÊNCIA

São Paulo 2019 FACULDADE DE SÃO BENTO

BACHARELADO EM TEOLOGIA

Valdirene Goulart Guzzo

NOÇÕES DO AMOR NA OBRA SÓ O AMOR É DIGNO DE FÉ

DE H.U.V. BALTHASAR E SUA RELAÇÃO COM A OBEDIÊNCIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de São Bento como exigência para obtenção do título de Bacharel em Teologia sob orientação do Prof. Dr. Sérgio Alejandro Ribaric’

São Paulo 2019 VALDIRENE GOULART GUZZO

NOÇÕES DO AMOR NA OBRA SÓ O AMOR É DIGNO DE FÉ

DE H.U.V. BALTHASAR E SUA RELAÇÃO COM A OBEDIÊNCIA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de São Bento como exigência para obtenção do título de Bacharel em Teologia.

Aprovado em: ___ de ______de 2019.

______Orientador: Prof. Dr. Sérgio Alejandro Ribaric’ Faculdade de São Bento

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AGRADECIMENTOS

Ao Amor por excelência, que me acompanha na caminhada e compartilha comigo o aprendizado da vida. A família e amigos, os que me precederam e os que continuarão em mim, filhos e filhas, por todo carinho e obediência. Em especial, Maria José e à madre Roseli, pelo suporte incondicional. Ao meu grande amigo José Fernando pela dedicação. E ao Professor Sérgio A. Ribaric’ pela atenção durante esse trabalho.

EPÍGRAFE

Sem angústia perante a perspectiva de ser abandonado e de se abandonar a si mesmo. Pois, aos olhos do mundo, só o amor é digno de fé [...] O grão de trigo cristão só terá uma genuína fecundidade formadora se a exemplo de seu Fundador, se entregar e sacrificar como forma particular. Hans Urs von Balthasar

RESUMO

Esta pesquisa tem por tema: Noções do amor na obra Só o Amor é Digno de Fé de H.U.V.Balthasar e sua relação com a obediência. Ela tem o objetivo de adentrar no cerne da vida cristã, considerando o mandamento divino: “Como eu vos amei, amai- vos também uns aos outros” (Jo 13,34). Esse é um desafio a ser respondido pelo homem, não com palavras, mas com a própria vida. No entanto, no decorrer de seu percurso, o próprio homem identifica uma deficiência em seu modo de amar, motivo de duvidar dos atributos do amor absoluto e da capacidade em si de amar. Para tentarmos responder às questões fenomênicas, positivas ou negativas e as que dizem respeito ao cerne do amor, dado pela Revelação, partimos da investigação teórica, supondo que há no amor uma necessidade de aprendizado. Portanto, fundamentados nas Escrituras e firmados no pensamento do teólogo von Balthasar, dividimos essa pesquisa em quatro partes. No primeiro capítulo, as manifestações do amor, onde tratamos três aspectos: a criação como ato de amor; o amor e sua identidade; e o homem diante do verdadeiro amor. No segundo capítulo, falamos sobre o amor de Deus em meio à angústia; a angústia do homem perante sua realidade, e o que em sua humanidade abstraiu do amor; com algumas definições, sobre o tema, em vários autores. Também subdivididos, para melhor trabalharmos alguns aspectos em Tomás de Aquino e outras perspectivas de autores diferentes como C.S. Lewis, R. Cantalamessa, que pensamos corroborar com von Balthasar. Logo após, no terceiro capítulo, uma explanação sobre a resposta de amor do homem, em subtemas como: o amor humano e suas debilidades, o constrangimento diante da pureza do amor de Cristo e a graça que ensina a amar. Por último, uma tentativa de esclarecer como Deus “Amou-nos até a morte”, esse capítulo também dividido em três subtítulos, para compreendermos a lei do amor, o amor obediente e a entrega à Cruz. Na tentativa de respondermos ou ao menos adentrarmos na via de possibilidades do modo de amar como Jesus amou.

Palavras-chave: ágape, angústia, Deus, eros, homem e Cruz ABSTRACT

This research has as theme: Notions of love in the work Only Love is Worthy of Faith of H.U.V.Balthasar and its relationship with obedience. It has the purpose of entering into the heart of the Christian life, considering the divine commandment: "As I have loved you, love one another also" (Jn 13,34). This is a challenge to be answered by man, not with words, but with life itself. However, in the course of his journey, man himself identifies a deficiency in his way of loving, reason to doubt the attributes of absolute love and the capacity itself to love. In order to try to answer the phenomenal questions, positive or negative and those concerning the core of love, given by Revelation, we start from the theoretical investigation, supposing that there is a need for learning in love. Therefore, grounded in Scripture and grounded in the thinking of theologian von Balthasar, we divide this research into four parts. In the first chapter, he manifestations of love, where we deal with three aspects: creation as an act of love; love and its identity; and man before true love. In the second chapter we talk about God's love in the midst of anguish; man's anguish at his reality, and what in his humanity has abstracted from love; with some definitions on the subject in various authors. Also subdivided, to better work on some aspects of Thomas Aquinas and other perspectives of different authors such as C.S. Lewis, R. Cantalamessa, which we think corroborate with von Balthasar. Shortly thereafter, in the third chapter, an explanation of man's love response in subthemes such as: human love and its weaknesses, embarrassment at the purity of Christ's love and the grace that teaches to love. Finally, an attempt to clarify how God “loved us unto death,” this chapter also divided into three subtitles, to understand the law of love, obedient love, and surrender to the Cross. In an attempt to respond or at least to enter the possibilities of the way of loving as Jesus loved.

Keywords: agape, anguish, God, eros, man and cross.

Résumé

Cette recherche a pour thème des notions de “amour” dans l'œuvre Seul l'amour est digne de la foi de H.U.V. Balthasar et de sa relation avec l'obéissance. Pour rentrer dans le cœur de la vie chrétienne, il faut comprendre le commandement divin: «Comme je vous ai aimés, aimez-vous aussi» (Jn 13,34). Cela est un défi pour l’homme à répondre, non pas avec des mots, mais avec la vie elle-même. Cependant, l’homme lui-même identifie une déficience dans sa manière d’aimer au cours de son voyage, une raison de douter des attributs de l’amour absolu et de sa capacité même d’aimer. Afin d’essayer de répondre aux questions des phénomènes, positives ou négatives, et celles concernant le coeur de la notion de l'amour posées par la révélation, on départ de l'investigation théorique, en supposant qu'il y a dans e l’amour lui-même un besoin d’apprentissage. Par conséquent, on départ de la révélation de l’Écriture et d’éclairement de la pensée du théologien Von Balthasar. Ainsi, cette recherche est divisé en quatre parties: le premier chapitre a rapport aux manifestations de l’amour et on interpelle les aspects suivants: la création est un acte d’amour; il faut aimer son identité; l'homme devant le véritable amour. Ensuite, on parle de l'amour de Dieu au milieu de l'angoisse; l'angoisse de l'homme devant sa réalité, et aussi, ce que l'humanité a appris sur l’amour, ainsi que quelques définitions sur le sujet chez plusieurs auteurs. Ce chapitre est également subdivisé afin de mieux travailler sur certains aspects: Thomas d’Aquin et des différents auteurs comme C.S. Lewis, R. Cantalamessa, lequel est censé de corroborer la pensée de von Balthasar. Dans le troisième chapitre, il s’agit de la réponse de l'amour de l’homme: l'amour humain et ses faiblesses, l'embarras devant la pureté de l'amour du Christ et de la grâce qui enseigne à aimer. Enfin, dans le but de clarifier comment Dieu «nous a aimés jusqu'à la mort», ce chapitre est également divisé en trois parties: la loi de l’amour; de l'amour obéissant; et de l'abandon à la Croix. Ce sont des possibilités pour essayer de répondre ou du moins d’entrer sur le chemin d'aimer comme Jésus a aimé.

Mots-clés: agape, angoisse, Dieu, eros, homme et Croix

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CIC Catecismo da Igreja Católica DS Denziger Heinrich DV Dei verbum DM Dives in Misericordia OB Obras completes DCE Deus Caritas Est

SUMÁRIO

Introdução ...... 1

CAPÍTULO I: AS MANIFESTAÇÕES DO AMOR ...... 3

1.1 A criação é um ato de amor ...... 3

1.2 O amor tem uma identidade ...... 7

1.3 O homem diante do verdadeiro amor ...... 10

CAPÍTULO II: O AMOR DE DEUS EM MEIO À ANGÚSTIA ...... 13

2.1 A luta angustiante do homem perante sua realidade ...... 13

2.2 Algumas definições sobre o amor emTomás de Aquino ...... 17

2.3 Outras perspectivas sobre o amor: C.S. Lewis, Raniero Cantalamessa e Hans Urs von Balthasar ...... 18

CAPÍTULO III: O AMOR HUMANO COMO RESPOSTA ...... 23

3.1 O amor humano e suas debilidades ...... 23

3.2 Constrangimentos diante da pureza do amor ...... 26

3.3 A Graça nos ensina a amar ...... 30

CAPÍTULO IV: AMOU-NOS ATÉ A MORTE ...... 33

4.1 A lei do amor ...... 33

4.2 O amor obediente ...... 34

4.3 O amor do alto da cruz ...... 38

Conclusão ...... 45

V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

5.1 Bíblia de Jerusalém...... 52

5.2 Documentos do Magistério ...... 52 5.3 Bibliografia Principal...... 52

5.4 Bibliografia Complementar...... 53

5.5 Dicionários...... 54

5.6 Fontes Digitais...... 54

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por função adentrar no campo daquilo que, podemos dizer, é o cerne da vida cristã: o amor. O decálogo traz em sua formulação "amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças” (Dt 6,5), bem como o próprio Senhor dá aos apóstolos um novo mandamento: “como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis” (Jo 13,34). Se há uma insistência da parte de Deus por esse amor, e se tal amor é cerne da vida cristã, e, ainda, se falamos de amor possível aos homens, como podemos compreender tal mandamento? Quais relações podemos depreender dele? De qualquer modo, não se pode negar que o amor, além de qualquer experiência, é um fenômeno da natureza humana. Sua presença ou sua ausência denotam a existência de algo em nós que envolve a psyché, os desejos, as inclinações, sentimentos e paixões. Isso quase nos leva a dizer que o amor seria um fenômeno psicológico. Todavia, não é o que parece, pois os níveis de sacrifício que os homens fazem por causa dele, mostram uma outra instância que envolve a vontade. Sendo assim, nos propomos aqui a discutir primeiramente como o amor se manifesta, quais são os fatos que envolvem o fenômeno tanto o que está de certo modo inscrito na natureza humana, como o que vem revelado da parte de Deus na criação e na salvação. Essa realidade fenomênica vai de encontro às decepções, à limitação humana tanto quanto ao conhecimento quanto à posse dos desejos, e, sobretudo à realidade da morte. Se por um lado o homem possui essa capacidade de amar, por outro parece que sempre há uma limitação que o aflige. De algum modo, a experiência amorosa inclui a angústia existencial. Tal fato pode ser percebido ainda na própria experiência salvífica da Cruz. O amor e a angústia parecem fazer parte de uma única e mesma realidade existencial, de tal modo que o próprio Cristo diz que " ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15,13). Dessa forma, pensamos ser importante retomar na história os vários conceitos de “amor” para depois elucidar quais atributos podemos incluir nessa compreensão. A figura humano-divina de Cristo é reveladora quanto à compreensão dos atributos do amor, os quais não apenas nos conduzem a termos uma maior clareza, como são necessários ao homem para bem viver. Por fim, procuramos finalizar pelo

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ponto que nos moveu desde o começo, que é o amor dado como lei, mandamento, para compreendermos a relação da vida intratrinitária que se expressa na vida interpessoal humana.

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CAPÍTULO I: AS MANIFESTAÇÕES DO AMOR

1.1 A criação é um ato de amor

Podemos dizer que, a rigor, o amor não é algo palpável, passível de ser descrito no nível das sensações, carrega sim, segundo a antropologia cristã, elementos psíquicos e espirituais. Segundo a teologia tradicional, que pondera a partir do raciocínio da causalidade, em que os efeitos carregam traços da causa, podemos dizer que um dos modos possíveis de se ler o amor é por meio das relações de causalidade. Assim, podemos dizer que o amor de Deus se manifestou em primeiro lugar no universo criado, bem como nas criaturas, e no ápice da criação, o homem. Segundo a mesma teologia tradicional, há de considerar que não há razão de ser para a criação senão o desejo e a vontade daquele que cria, porque com sua força onipotente, não para aumentar sua beatitude ou para adquiri-la, mas a fim de manifestar sua perfeição, o universo é um ato da vontade divina. Tendo em vista que não há propósito na criação que beneficie ou dê razão de ser a Deus, só podemos considerá-lo um ato de amor, que sob esse aspecto é livre1. Partimos do princípio de que Deus é o Ser por excelência, e por isso, criador2. Isso significa que as criaturas, devem seu ser a um ser que não elas mesmas. Num tom poético, se expressou Lewis em sua obra O problema do Sofrimento:

[...] assim somos nós os homens, o que as estrelas representam para o próprio espaço, assim são todas as criaturas, todos os tronos e poderes e excelências dos deuses criados, em relação ao abismo do Ser que existe por si mesmo, que é para nós Pai e Redentor e Consolador, mas de quem nenhum homem ou anjo pode dizer e nem conceber o que Ele é em Si mesmo e para Si mesmo, ou qual é a obra que Ele fez desde o começo até o fim. Pois todas essas são coisas derivadas e sem substância. (LEWIS, 2002, p.75)

1 cf. Denzinger-Shönmetzer (DS) nº 3002/3003 2 Não vamos nos deter aqui acerca de problemas ontológicos das noções de ser, criador etc. Nosso objetivo parte do princípio de que consideramos Deus como criador.

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Assim, confrontamos o ser que possui o ser na sua totalidade, e os outros que devem seu ser a um outro. A essa distinção, que pode ser colocada em termos de ser necessário e contingente, imputamos a distinção entre ser criador e criaturas. Partimos do princípio dessa admissão da teologia tradicional para desenvolvermos o que segue. Com isso, pensamos que Deus não necessita criar, cria por amor, tal como se expressa o ensinamento da Igreja.3 As noções do amor podem ser encontradas tanto no Novo como no Antigo Testamento. No Antigo Testamento, por exemplo, temos o texto do Gênesis que diz: “Eis o sinal da aliança que instituo entre mim e vós e todos os seres vivos que estão convosco...” (Gn 9,12). Algumas dessas noções em conformidade com os sinais da natureza, veterotestamentários, estão expressas em: Gênesis 9,12-17; Jó 38-39; Salmos 19, 1-6 e Sabedoria 13, 1-94. Podemos perceber nestes textos que Deus veio de modo especial para escolher um povo, levá-lo para fora da escravidão e guiar sua história, dando sinais do que é o amor divino. Ainda no Antigo Testamento uma noção representativa do amor de Deus não passa desapercebido pelas criaturas. Tal é o retrato de Deuteronômio 26, 5-10,

3 Catecismo da Igreja Católica (CIC) 293 a 295 “Cremos que o mundo procede da vontade livre de Deus que quis fazer as criaturas participarem do seu ser, e da sua sabedoria e da sua bondade”. 4 Gn 9, 12-17 “ 13 Disse Deus: "Eis o sinal da aliança que instituo entre mim e vós e todos os seres vivos que estão convosco, para todas as gerações futuras: porei meu arco na nuvem e ele se tornará um sinal da aliança entre mim e a terra. 14Quando eu reunir as nuvens sobre a terra e o arco aparecer na nuvem, 15eu me lembrarei da aliança que há entre mim e vós e todos os seres vivos: toda carne e as águas não mais se tornarão um dilúvio para destruir toda carne. 16Quando o arco estiver na nuvem, eu o verei e me lembrarei da aliança eterna que há entre Deus e os seres vivos com toda carne que existe sobre a terra." 17Deus disse a Noé: "Este é o sinal da aliança que estabeleço entre mim e toda carne que existe sobre a terra.". Jó 38, 4 “…4Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra? Dize-mo, se é que sabes tanto…”. Sl 19 “1Do mestre de canto. Salmo. De Davi. 2Os céus contam a glória de Deus, e o firmamento proclama a obra de suas mãos 3O dia entrega a mensagem a outro dia e a noite a faz conhecer a outra noite. 4Não há termos, não há palavras, nenhuma voz que deles se ouça; 5 e por toda a terra sua linha aparece, e até aos confins do mundo a sua linguagem. Ali pôs uma tenda para o sol, 6 e ele sai, qual esposo da alcova, como alegre herói, percorrendo o caminho”. Sb 13, 1-9 “1 Sim, naturalmente vãos foram todos os homens que ignoraram a Deus e que, partindo dos bens visíveis, não foram capazes de conhecer Aquele que é, nem, considerando as obras, de reconhecer o Artífice. 2Mas foi o fogo, ou o vento, ou o ar sutil, ou a abóbada estrelada, ou a água impetuosa, ou os luzeiros do céu que eles consideraram como deuses, regentes do mundo! 3 Se, fascinados por sua beleza, os tomaram por deuses, aprendam quanto lhes é superior o Senhor dessas coisas, pois foi a própria fonte da beleza que as criou. 4 E se os assombrou sua força e atividade, calculem quanto mais poderoso é Aquele que as fez, 5 pois a grandeza e a beleza das criaturas fazem, por analogia, contemplar seu Autor. 6 Estes, contudo, não merecem senão breve repreensão, pois talvez se extraviem buscando a Deus e querendo encontrá-lo. 7Vivendo no meio de suas obras, exploram-nas, mas sua aparência os subjuga, tanto é belo o que vêem! 8 Entretanto, nem estes sequer são perdoáveis: 9 pois se foram capazes de conhecer tanto, a ponto de perscrutar o mundo, como não descobriram antes o seu Senhor?

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em que encontramos uma expressão do reconhecimento da experiência do amor, ali caracterizado pelo cuidado:

Meu pai era um arameu errante: ele desceu ao Egito e ali residiu com poucas pessoas; depois tornou-se uma nação grande, forte e numerosa. Os egípcios, porém, nos maltrataram e nos humilharam, impondo-nos uma dura escravidão. Gritamos então a Iahweh, Deus dos nossos pais, e Iahweh ouviu a nossa voz: viu nossa miséria, nosso sofrimento e nossa opressão. E Iahweh nos fez sair do Egito com mão forte e braço estendido, em meio a grande terror, com sinais e prodígios, e nos trouxe a este lugar, dando-nos esta terra, uma terra onde mana leite e mel. E agora, eis que trago as primícias dos frutos do solo que tu me deste, Iahweh. (Dt 26, 5-10)

Nessa passagem ainda não se fala explicitamente do amor de Deus, mas nos apresenta sinais de um Deus fiel, solícito e que abençoou repetidamente seu povo escolhido. Um outro exemplo é o de Oséias 1,2-3.55, cujo amor é caracterizado pela misericórdia, diante da infidelidade do seu povo. Aí, Deus se mostra misericordioso, relatado pelo profeta, como o esposo fiel que não quer abandonar sua esposa infiel, o povo-prostituta. Ou outros profetas, pedagogicamente, sentem-se obrigados a passar sua mensagem descrevendo o amor de Deus, comparando-o ao de uma mãe,

5 Os 1,2-3.5 “2Começo das palavras de Iahweh por intermédio de Oséias. Disse Iahweh a Oséias: "Vai, toma para ti uma mulher que se entregue à prostituição e filhos da prostituição, porque a terra se prostituiu constantemente, afastando-se de Iahweh". 3 Ele foi e tomou Gomer, filha de Deblaim, que concebeu e lhe gerou um filho. 5 1Ouvi isto, sacerdotes, atende, casa de Israel, escuta, casa do rei, pois o direito é para todos vós. Fostes um laço para Masfa e uma rede estendida sobre o Tabor, 2 uma cova em Sitim, que eles cavaram. Mas sou eu quem castiga a todos. 3 Eu conheço Efraim e Israel não pode ocultar-se de mim, Por que tu, Efraim, te prostituíste, Israel está manchado. 4 Suas obras não lhe permitem voltar para o seu Deus, pois um espírito de prostituição está em seu seio e eles não conhecem a Iahweh. 5O orgulho de Israel testemunha contra ele, Israel e Efraim tropeçam em sua iniquidade. Judá também tropeça com eles. 6Com suas ovelhas e seus bois eles irão em busca de Iahweh, mas não o encontrarão. Ele afastou-se deles. 7 Traíram a Iahweh, pois como bastardos foram gerados. Por isso agora a lua nova lhes devorará os campos. A guerra fratricida 8 Tocai a trombeta em Gabaá, a tuba em Ramá, dai alarme em BetÁven, perseguem-te, Benjamim. 9 Efraim será uma ruína no dia do castigo, entre as tribos de Israel anuncio uma coisa certa. 10Os príncipes de Judá são como os que deslocam os marcos; sobre eles derramarei, como água, o meu furor. 11Efraim está oprimido, esmagado pelo julgamento, porque persistiu em correr atrás da mentira. 12Mas eu serei como a traça para Efraim e como a cárie para a casa de Judá. Ineficácia das alianças com o estrangeiro 13Quando Efraim viu a sua doença e Judá sua ferida, foi então Efraim à Assíria e enviou mensageiros ao grande rei; mas ele não poderá curar-vos, nem sarar a vossa ferida. 14Pois eu sou para Efraim como um leão, como um filhote de leão para a casa de Judá. Eu mesmo despedaço e vou embora, carrego minha presa e ninguém salva. 15Vou-me embora, ao meu lugar, até que se reconheçam culpados e procurem a minha face; na sua angústia, eles me procurarão”.

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pai ou esposo. E não podia ser diferente, a partir do momento em que experimentaram o amor de Deus, numa relação íntima de afeição ao eterno. Enquanto o Antigo Testamento dá sinais do amor de Deus apresentando algumas noções, tais como, fidelidade, cuidado, esponsabilidade; o Novo Testamento aprofunda e clarifica tais noções mostrando que o amor é obediente até a morte6. Esvaziamento e doação, conforme cita Filipenses 2,7, em Mateus 9, 5-6, o perdão7. E na primeira carta de João: “Deus é amor” (1Jo 4,16). O autor dos escritos joaninos, identifica aquele que só pode ser conhecido por seus efeitos, o criador pelas criaturas, como algo revestido dos atributos do cuidado e da misericórdia, que em suma é o amor. Por isso, o efeito primeiro pelo qual é possível conhecer a Deus é o amor, como diz, “quem não ama, não conhece a Deus” (1Jo 4, 8). Se podemos conhecer e nos aproximar de Deus por meio do amor - que é liberdade - certamente podemos dizer que o mesmo amor nos faz livres. Com isso, podemos compreender porque o Senhor chama “amigos” e não “servos” aqueles com quem Ele convive (ou que podemos dizer, que tem cuidado/ ama). A Igreja, inspirada por esse mesmo amor, vê tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento que Deus, em seu grande amor, nos fala como a amigos e nos admite à comunhão com Ele, sem mérito algum. Isso vem expresso no Vaticano II, na Constituição Dogmática Dei Verbum, como diz o capítulo I, parágrafo dois:

Aprouve a Deus em sua bondade e sabedoria, revelar a si próprio e tornar conhecido o mistério de sua vontade, pelo qual os homens por Cristo, Verbo feito carne, no Espiríto Santo têm acesso ao Pai e se tornam partícipes da natureza divina. Em virtude desta Revelação, Deus invisível, no seu imenso amor, fala aos homens como a amigo.

Assim, a Igreja reconhece em Deus, o cuidado para com seu povo, o que afirma um dos atributos do amor.

6 Fl 2 ,6 -8 “6 Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente.7Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana.E, achado em figura de homem, 8 humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz!”. 7 Mt 9, 5-6 “pensamentos, disse: "Por que tendes esses maus pensamentos em vossos corações? 5Com efeito, que é mais fácil dizer 'Teus pecados são perdoados', ou dizer 'Levanta-te e anda'? 6 Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder na terra de perdoar pecados. . . " disse então ao paralítico: "Levanta-te, toma tua cama e vai para casa".

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1.2 O amor tem uma identidade

As Escrituras dão mostras de que o amor de Deus se apresenta na história humana. O mesmo Deus que interveio de modo especial para escolher um povo e guiá-lo para fora da escravidão, guiou sua história pessoalmente, apresentando de maneira paulatina seu amor divino. Ele transforma as relações de fidelidade e aliança em grandes testemunhos de fé, conquistas e esperanças para outros êxodos. Podemos ver isso no texto de Êxodo 24, 3: “Veio, pois Moisés e referiu ao povo todas as palavras de Iahweh e todas as leis, e todo o povo respondeu a uma só voz: "Nós observaremos todas as palavras ditas por Iahweh”. Ao longo do Antigo Testamento temos a impressão de que Deus utilizando-se das Alianças quer, de algum modo, mostrar-se, não de maneira impessoal e etérea mas com uma identidade. A boa notícia é esta: Jesus Cristo é o rosto do amor, tal como se exprime o Evangelho de João: “...Quem me vê, vê o Pai...” (Jo 14, 9). Ao recapitular as teses fundamentais da obra Só o amor é digno de fé, von Balthasar discutindo que o amor não reside nem na cosmologia, nem na pura antropologia, nem numa teologia existencial, destaca que a síntese do Novo e Antigo Testamentos supera as várias noções de amor que possuímos. A própria síntese protestante das Escrituras entre juízo e graça, Lei e Evangelho, se encaminha para mostrar que Deus dá um rosto concreto para o amor, “O puro rosto do amor do Pai eterno” (VON BALTHASAR, 2008, p.124). Esse é o auge da auto-comunicação divina que se deu em Jesus, presença visível, tangível e crível do “…Emanuel, Deus conosco…” (Mt 1,23). Assim diz a Encíclica Dives in misericordia:

Deste modo em Cristo e por Cristo, Deus com a sua misericórdia torna-se também particularmente visível; isto é põe-se em evidência o atributo da divindade, que já o Antigo Testamento, servindo-se de diversos conceitos e termos, tinha chamado misericórdia. Cristo confere a toda tradição do Antigo Testamento quanto à

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misericórdia divina sentido definitivo. Não somente fala dela e a explica com o uso de comparações e parábolas, mas sobretudo Ele próprio encarna-a e personifica- a. Ele próprio é, em certo sentido, a misericórdia. Para quem a vê nEle - e nEle - a encontra Deus torna-se particularmente visível como Pai rico em misericórdia (JOÃO PAULO II: 1980, I, 2).

Deus se revela amor, cuidado, aliança e fidelidade, e nunca se contradiz. Contudo, mesmo a Revelação, em seu ápice, mostrando que seu amor, cuidado, perdão, aliança, misericórdia são concretos nas relações pessoais – e por isso, dizemos que o amor tem um rosto - esse amor depende da credibilidade. Por isso, von Balthasar concluiu que o amor é digno de fé. O homem pode negar a Deus, não crer em suas manifestações, todavia não há como negar a figura histórica de Jesus de Nazaré. Esse Jesus de Nazaré, homem da história, mostrou-se com sinais de cuidado, perdão e misericórdia. Tais sinais humanos são os mesmos atributos do Deus veterotestamentário. É a isso que chamamos “rosto de Deus”, por serem tais sinais, manifestações concretas do amor no seu máximo grau. Como o amor de Jesus fala ao homem, revela, simultaneamente o amor divino. Também Paulo, na Epístola aos Romanos 5,5, diz: “...O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. E uma vez que no rosto de Cristo é revelado o Pai, o Filho e a presença perceptível deste amor, o Espírito Santo é experimentado como dom de amor. Assim, Deus quis assumir a forma humana para com gestos e palavras ensinar o modo de ser ao ser humano, comunicar-lhe o ser e devolver ao coração do homem o lugar de Deus, que Lhe é de direito, que havia sido usurpado pelo próprio homem. O ápice do cuidado e da misericórdia é, antes de tudo, a doação e a entrega de si mesmo. Um fenômeno agápico em Jesus Cristo. Que até então, não era conhecido em sua dimensão original. Von Balthasar, ao discutir a forma do amor, elenca vários elementos: disposição objetiva da Igreja, vida vivida de maneira nova, humildade, acolhimento, afabilidade, dentre outros. Diz ele ainda, que o amor não pode sequer conter divisões, o que incorreria um destroçamento ao próprio corpo de Cristo. Para ele a verdadeira forma8 do amor é o ágape, pois é ela que informa a existência. E enfatiza que esta forma

8 Forma: o emprego da palavra forma por von Balthasar deve ser entendido no sentido aristotélico tomista, tal como ele discute no capítulo nove da obra Só o amor é digno de fé, pp.107-115.

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originária de doação radical entre Cristo-Esposo e a Igreja-Esposa, no vínculo nupcial da Cruz, é caracterizada essencialmente pela pobreza e pela obediência da cruz. Explicando que: “Assim não há, em rigor, três conselhos, mas o conselho de uma única forma de vida e, correlativamente não há, nesta, três votos, mas o único dom de si ao amor sob a forma da cruz” (VON BALTHASAR, 2008, p.115). De modo que este dom de si ao outro sob o signo da Cruz, é concedido pelo batismo a todos os cristãos que enraizados, ou melhor, sepultados em Cristo, na forma de Cristo, põe-se abaixo de todos para servir ao próximo. Comparando alegoricamente, o amor ágape, como o grão de trigo, relatado no Evangelho de João 12,24 “...Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto”. Morre e apodrece na terra, ressuscitando não para si, mas para a espiga, assim é a vida nova de quem recebe o ágape batismal. Dessa entrega que transcende ao chão (humus) brotam os frutos comuns da vida cristã. Aqui se demonstra a razão do cristão de não poder se focar só no lado transcendente e contemplativo ou em outro extremo imanentemente ativos e voltados só para o mundo, porque isso destroçaria o corpo de Cristo. Assim sendo, ágape é loucura e sensatez9 ao mesmo tempo. No rosto de Cristo se desvela o amor, mas também a angústia que o acompanha até que se alcance o bem desejado. Desse modo, o amor nos parece fazer perder, ao invés de nos completar, esvaziar-nos. Na pessoa de Jesus, é o “desvanecimento kenótico por amor” (VON BALTHASAR, 2008, p.80). Então, o que parecia uma perfeita definição de amor, no rosto do Cristo, o homem também vê que amar é um gotejar de angústias. Von Balthasar sustenta que, sobre a Cruz há o angustioso nascimento do novo Adão. E o homem deve aprender a lidar com essa angústia. Assim, a vida de Cristo nas adversidades do amor torna-se a vida do crente que assume aquela vida nova do grão de trigo que morre, e ressuscita na espiga. Dando exemplo de Paulo, onde explica que as tribulações, as adversidades e as angústias (II Cor 6,4) são de fato as insígnias do seu apostolado e assim ele converte-se em Cristo, o gerador da sua comunidade (I Co 4,15), ainda, recebe o nome de “cristão”, um alter-christos.

9 À disposição desta forma ágape todo cristão, em cada escolha de vida pode segundo seu estado (dos conselhos evangélicos ou do matrimônio) seguir o apelo explícito de Cristo. No estado do matrimônio a ágape colocará seu selo no eros sexual e em tudo que diz respeito à família. E no estado dos conselhos evangélicos que foi a forma explicitada por Jesus Cristo (castidade, pobreza e obediência) a ágape terá caráter de fecundidade de modo muito especial à igreja e ao mundo por amor ao próximo. (cf. VON BALTHASAR, 2008, p.116)

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Desse modo, Jesus dá ao homem a possibilidade de participar do amor e da angústia fecunda da Cruz pois, por sua Cruz toda a angústia posterior pode assumir esta fecundidade. O sofrimento de Jesus e a Cruz não são elementos vãos. Se a alegoria do grão que morre pode ser lida de modo existencial é sinal de que a fraqueza e a derrota tem um valor intrínseco e diverso do valor social. Disso, vemos Paulo sobrevalorar a fraqueza: “Quem é fraco, sem que eu o seja?” (IICor 11,29). O próprio Senhor revela a Paulo diante de sua pergunta: “...Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder" (IICor 12,9). Jesus mostrou-se pleno de angústia, expressando-se no Horto das Oliveiras, com um sofrimento de entrega que o fez suar sangue. Nesse sagrado mistério da Revelação, surge um novo elemento: a obediência, que o fez ir às últimas consequências. Cristo obedeceu ao Pai, serviu aos outros, isto é, assumiu a condição de escravo. Ele sofreu pelos outros por causa do amor. Foi pela obediência que se entregou e aceitou morrer na Cruz entre dois ímpios. A Epístola aos Filipenses atesta que Ele foi “obediente até a morte” (Fl 2,8). Mas, a morte, encerramento ou ponto final para algo, mostra apenas que o amor de Deus é mais forte que ela. Por meio da Ressurreição de Jesus Crucificado, Deus, nos revelou que o “amor do Pai é mais forte que a morte”10. De fato lemos no rosto de Jesus: amor, obediência e angústia. Portanto, queremos trabalhar esses temas, nos próximos capítulos, separadamente, explicitando o pensamento de von Balthasar; com a corroboração de outros autores, e identificando, dentro dos limites da capacidade humana, a possibilidade do homem transcender, a exemplo de Jesus, três elementos: o aprendizado do amor, o sentido da obediência e como superar as angústias.

1.3 O homem diante do verdadeiro amor

Em von Balthasar, vemos que abraçar a Cruz é a chave para interpretar o amor, o que faz muitos cristãos não assumirem o amor em sua vida pessoal. Segundo ele há uma fuga do verdadeiro amor por não verem sabedoria na Cruz, nada de sensato, apenas violência. O que nos parece é que o fato social do sofrimento denota ser mais persuasivo do que o que nos ensina a fé. O elemento social não reconhece fruto na

10 Cânticos 8,6

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angústia, na morte ou na dor. Se a Cruz é a chave hermenêutica para o amor, isto é, se a angústia e a dor são elementos integrantes do amor, há de ter algo que não o reduza ao mero padecimento. O elemento de redenção, como diz von Balthasar, é a alteridade: “O totalmente Outro de nós surge no lugar do outro, no sacramento do irmão (Deus)” (VON BALTHASAR, 2008, p.125). O amor implica assim certa obrigatoriedade. Nessa linha de raciocínio, o homem irá pensar que não faz sentido o próprio Cristo impor-lhe a obrigatoriedade de amar; se ele é livre para tal. Ora, o mandamento do amor parece contrariar o que é próprio do amor. Assim essa forma de pensar intimida a muitos ao contemplar o preço da liberdade. Não há como amar fora da liberdade. Por mais que alguém fosse obrigado ao amor, isso não seria possível, pelo fato que vimos do amor incluir não apenas sinais exteriores, mas envolver o corpo, a alma e o espírito. Por isso a obrigatoriedade cristã do amor não é outra coisa senão o mesmo amor que convida o homem a uma resposta livre. Olhando para o texto do Gênesis, capítulo 2, adentramos ao aconchego de um convite que parte do próprio criador. Inclinando-se ao homem em sua liberdade convida-o, também, a uma resposta livre, em vista da preparação do lugar, de todos os cuidados, beleza, conforto, poder, alimento e companhia. Mas eventualmente, esse mesmo amor faz-lhe uma restrição, impondo-lhe a chaga da obediência, dizendo-lhe: “Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim. Apenas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer” (Gên. 2, 16-17). E conforme nos ensina o Catecismo da Igreja em vários de seus parágrafos11, a morte entrou no mundo a partir do momento em que o homem, em seu livre arbítrio, escolheu decidir por si mesmo sua vida. Se dirigir à árvore do conhecimento, é poder dizer não a Deus e governar a si mesmo. Neste exato momento o homem se firmou como capaz de discernir seus próprios interesses adquirindo as consequências de sua escolha e atestando sua liberdade. Provando a sua predisposição de se colocar no lugar de Deus, ele causa o rompimento na relação criador-criatura: o pecado. De antemão, essa desobediência é um tema fundamental para compreendermos a respeito da angústia. Diz Paulo na Epístola aos Romanos: “A morte é salário do pecado” (Rm 6,23). Ela é o termo da vida terrestre, por conseguinte algo angustiante.

11 CIC 390, 412, 1007, 1008.

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No entanto, von Balthasar, afirma que a Palavra de Deus não conhece o medo da angústia, mas é antes, uma força que a combate em igual posição de franqueza, tudo o que o homem soma do “pós-queda”12 à redenção em vias de consumar-se. Para todos os homens, cedo ou tarde, essa realidade é um fenômeno: o paradoxo da existência. Não é fácil descobrir uma existência finita, desde a antiga aliança inscrita entre o nascimento e o retorno ao pó, menciona von Balthasar (2000). E fora destes dois termos tudo ressoa como trevas, por conseguinte algo angustiante. Cristãos ou não, a angústia, presente no homem por lidar com seu fim, é certa. Todavia, von Balthasar lança o seu olhar para a angústia do cristão e dela extrai o sumo do amor. Então é desta angústia que iremos tratar no próximo capítulo.

12 Eclo 40, 1-7.

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CAPÍTULO II: O AMOR DE DEUS EM MEIO À ANGÚSTIA

2.1 A luta angustiante do homem perante sua realidade

Constatamos que entre o homem e o mundo há uma dissociação, como já foi tratada ao longo do século XX por autores cristãos e não-cristãos, como por exemplo Kierkegaard e Camus13. É propriamente a essa dissociação que os autores dão o nome de angústia. O próprio Jesus no decorrer de sua existência aponta para essa angústia: "Minha alma está triste até a morte.... E, indo um pouco adiante, prostrou- se com o rosto em terra e orou: “Meu Pai, se é possível, que passe de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres" (Mt 26, 38-39). Vemos com isso que o verbo de Deus, Jesus Cristo, experimenta a vida angustiante. Ao abordar esse tema, von Balthasar (2000), da ênfase ao modo de ação do Verbo, que não teve a pretensão de preservar o homem terreno da dor e da morte, tampouco do fardo da angústia. Não desceu do céu simplesmente para isso e também não poupou nenhum esforço para lhe demonstrar o amor. O medo da morte não poupa ninguém, grandes ou pequenos, pobres, ricos, sábios, até o Cristo se angustiou diante de tal realidade. A angústia é o denominador comum na visão de von Balthasar, pois reduz a realidade cotidiana e a irrealidade do sonho em um mesmo patamar. O homem, até em seu descanso, choca-se com as preocupações de todos os dias. Von Balthasar ao discutir a relação entre a dor humana e sua consequente culpa frente à possibilidade de uma prova divina, apresenta os traços dessa angústia ao dizer:

Para o homem apanhado no abraço da angústia, não são distinguíveis os dois motivos que estão na origem da provação, a sua própria culpa que o leva quase ao ponto de ser abandonado a si mesmo e o encontrar-se à mercê das ondas de Deus (VON BALTHASAR, 2000, p.31).

O livro do Eclesiástico confirma esse dado da angústia constante ao dizer: “E até no tempo de repousar no leito, o sono da noite lhe perturba o espírito” (Eclo 40,6). Sob o mesmo ponto de vista, von Balthasar (2000) constata que essa angústia comum a

13 Autores com quem von Balthasar (2000) dialoga.

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todos os homens tem uma característica neutra que não deixa de ser dotada de nulidade, pois revela o aspecto comum da existência. O que ele de fato quer tratar é a angústia que distingue o comportamento e o estado de espírito dos bons. Contra um conceito de neutralidade que envolve tal angústia, ele chama os cristãos a contemplar e corrigir tal pensamento. O homem mesmo na experiência dessa angústia deve gozar de seus dias com plena consciência do que se lhe espera, deve alegrar-se na sua finitude. Há de se considerar que a existência humana é em si limitada, privada da luz total. Von Balthasar diz que esse limite não é uma incapacidade do homem, mas, “a perfeita e positiva vontade de Deus” (VON BALTHASAR, 2000, p. 19). Por isso, é sábio contemplar e usufruir do presente porque, às margens de sua existência, o antes e o depois estão privados de luz. Também por isso, relata que o cristão deve se adaptar à luz que é um dom de Deus para seus dias finitos, na qual os dons divinos do amor, da fé e da esperança no Messias se encarnaram. O resultado necessário dessa visão acerca da existência, isto é, da separação existente entre o homem e o mundo, implica uma dupla possibilidade: ou o homem se entrega à revolta com todas as consequências, ou admite sua condição e entrega-se à confiança apresentada pelos testemunhos das Escrituras. Von Balthasar mostra que essa segunda opção produz um estado de espírito libertador. Diz o livro do Eclesiástico: “Não temas a sentença da morte, lembra-te dos que te precederam e dos que te seguirão. É uma sentença do Senhor para toda carne; por que recusares a vontade do Altissímo?” (Eclo 41, 5-7). E é com esta exortação de Eclesiástico que todo cristão é convidado a se resignar na angústia inevitável, com serenidade diante dos preceitos. Exatamente neste ponto, se separam os homens voltados para Deus, e essa é a diferença da angústia da existência em sentido completamente oposto do caráter comum, que permitiu que se falasse da angústia como um único fenômeno.14 Uma vez distinta a angústia dos maus e dos bons, é sabido, pelas Escrituras, que os maus fogem sempre da luz, não querem ser vistos e nem reconhecidos como

14 “(...) Grandes filósofos resolveram fazer da angústia um tema central da ontologia e da religião: Schelling, Hegel, Baader, citados por Kierkegaard” (VON BALTHASAR, 2000, p.11). Ressalta Balthasar em seu comentário que Kierkegaard foi o único que tratou do tema como teólogo, apesar de ainda ver a questão da angústia mais no espírito finito, presa do terror, de fronte da própria infinitude e que além disso Cristo e o próprio Deus não sejam nomeados em seu livro de inspiração indubitavelmente cristã. Comentário próprio do autor.

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o são de modo que o que é claro lhes causa medo15. Von Balthasar especifica que a luz liga e unifica, portanto, a má escolha de estar longe da luz comporta a perda da realidade e o encerramento no mundo dos fantasmas e das sombras. Ou seja, na noite da angústia não se distingue nenhum tipo de visão, subjetiva ou objetiva, em todos os casos são insubsistentes. São apenas imagens e formas sem conteúdo, que refletem uma realidade no âmbito da angústia, transferindo o estado de ânimo do sujeito que as vê. Esse é um mundo subjetivo provocado unicamente pelo mau, irrealidade construída de sua má consciência. Por outro lado, a angústia dos bons não é algo que permanece estático nas sombras. Se na antiga Aliança os bons padeciam da angústia em suas relações com o Deus da Aliança, era em razão das condições de fronteira na zona de luz, em que o justo sempre se encontrava, devido ao caráter da promessa de toda a Aliança e que não era a salvação plena, a definitiva remissão do pecado. Mas era um movimento para a nova Aliança, incompreensível ao homem, mas já, “uma luz diante deles” (Ex 13, 21) para que seguissem a meta.

O cristianismo quer e pode redimir o homem da angústia do pecado, se o homem se abre à redenção e se submete às suas condições; em lugar da angústia do pecado, ele dá-lhe acesso a Deus sem angústia, na fé, na caridade e na esperança; as quais, porém, derivando da cruz, podem por si mesmas provocar uma nova, carismática, coexpiante forma de angústia, no âmbito da solidariedade universal. (VON BALTHASAR, 2000, p.51)

Se o Deus da Aliança, formidável e exigente, cuidadoso e fiel, em sua majestade e divindade, provocara medo, chegaria, ao homem, o momento em que se cumpriria a promessa do Messias. E então aquele que mal conseguia compreender o cuidado de um Deus único e zeloso, manisfeto na grandiosidade de sua majestade, olha para Cristo, o rosto da misericórdia desse mesmo Deus, reconhecendo-se diante d´Ele como pequeno e miserável frente à misericórdia, e abaixa os olhos diante do terror que se desvela. Na plenitude dos tempos Deus se dá à criatura com suave presença humana. Se antes era “fogo devorador e Deus ciumento” (Dt. 4,24), que não se podia olhá-Lo

15 “(...) Escondem durante o dia, não conhecem a luz. Para eles amanhã é uma sombra espessa, pois estão acostumados com os terrores da noite.” (Jó 24, 16-17)

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(Is 6,5), agora é possível não só ver, mas tocá-Lo. O anúncio da Boa Nova imbuído de mansidão e pureza faz o homem ver a si mesmo. Uma pureza consumidora do Filho de Deus, a que o homem é convidado a viver, revelando assustadoramente suas faltas, mostrando o seu ser frágil e obstinado a não querer e não poder. De forma que sua história não está isenta da mais profunda angústia. Ainda que Deus o constranja de forma ameaçadora a não ter receio, o homem sempre possuído pelo temor de que Deus não queira mais reconhecer a Aliança, tantas vezes interrompida (pois ele não sendo fiel tem medo de que Deus não o seja), luta de forma angustiante por livrar-se do jugo da angústia e alcançar o seu domínio pela paz. Assim desde o pós-queda a relação de Aliança, ainda que rompida inúmeras vezes pelo homem, é o meio pelo qual ele estorna ao criador toda sua angústia de incompletude, medo de si mesmo, do outro e do próprio Deus na busca de sentido do limitado, no ilimitado. Não raro, se depara com a angústia provocada pelo desejo de conhecer o seu ser e repudiá-lo ao mesmo tempo. Por conseguinte, von Balthasar associa o cristão à figura de Jó, em que culmina a prefiguração do justo sofredor e angustiado, uma pressignificação da Cruz.

A angústia tem-se, na antiga Aliança com Jó: o irromper da treva no reino finito da luz da fé. Esta transgressão da velha ordem podia ser usada unicamente para pressignificar a cruz, a angústia do próprio Deus. Deus não podia tornar-se homem senão conhecendo a angústia humana e assumindo-a: “Pois que os filhos têm em comum a carne e o sangue, também Ele participou nestas coisas para reduzir à impotência, pela sua morte, aquele que tem o império da morte, isto é, o diabo, e para libertar todos aqueles que durante a vida inteira estavam reduzidos à escravidão pelo medo da morte... (VON BALTHASAR, 2000, p. 37).

O próprio Deus16 veio de encontro à angústia sofrida pelo pecador. Todas as angústias, do Antigo e do Novo Testamentos, são aqui resumidas e potencializadas ao infinito, porque é a pessoa de Deus que sofre em sua natureza humana e ao mesmo tempo, em sua natureza divina, Deus infinito. Esta é a paixão do infinitamente puro e justo por todos os impuros. Revestido da fragilidade humana, menos o pecado, põe-se no lugar do tormento daquela angústia que caberia ao pecador, no tribunal de Deus. Então, em Jesus Cristo, toda e qualquer angústia posterior assume um novo

16 Para melhor se inteirar dessa teologia ler: Hb 2, 14-18, Hb 4, 15, Hb 5,7.

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valor, porque agora ela tem a possibilidade de ser participação da angústia fecunda da Cruz. Von Balthasar (2000), deixa claro o significado profundo da angústia para o cristão, alegoricamente diz ser como as dores do parto, a sensação subjetiva num processo objetivo de dilatação, tal como no parto, faz com que cada cristão a seu tempo possa dar à luz ao novo homem, em Cristo Jesus. O cristão assim o faz consciente de que para abraçar este novo nascimento, deve abraçar a Cruz. Assim sendo, o amor em seu estado mais elevado requer um mergulho de braços abertos em meio a toda angústia que o espera, na Cruz do crucificado. Não qualquer cruz, não qualquer angústia, mas a Cruz de Cristo em que nada há de natural. Diante desse amor, o cristão sente temor, angústia, na esperança de possuir o sobrenatural por graça e não mérito. Se por um lado a angústia vivida por Cristo revela um novo nascimento, tal como nos referimos na alegoria do parto, essa mesma angústia revela a positividade do amor, e colocamo-nos a questão do que é esse amor. Para isso tentamos elencar alguns posicionamentos: a teologia filosófica de Tomás de Aquino, as considerações teológico-poéticas de Lewis, a síntese pneumático-mística de Cantalamessa e, o cerne de nosso interesse, a teologia existencial de von Balthasar. Esse percurso nos abre caminho para identificar que os vários elementos do amor remetem ao amor profundamente humano, sobre o qual nos deteremos a seguir.

2.2 Algumas definições sobre o amor em Tomás de Aquino

De início, Tomás de Aquino distingue três tipos de apetites, para depois relacioná-los ao amor, são eles: apetite natural, o apetite sensível e o apetite intelectivo. O apetite natural que nada mais é que as necessidades básicas, conatural, porque é a condição animal do homem, biologicamente falando (fome, sede, procriação). Outro, o apetite sensível, próprio dos animais e do homem racional, envolvendo-lhe a percepção dos sentidos. Se por um lado os apetites naturais escapam ao domínio da razão, esse apetite sensível no homem é feito para obedecer ao comando da mesma, participando, à sua maneira, da escolha do indivíduo. E ainda há o apetite intelectivo, como ensina Aristóteles, é o apetite do desejo refletido, esse procede segundo um juízo livre.

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Tomás trata o amor como algo próprio do apetite, porque ambos - amor e apetite - tem o bem por objeto. Sempre há no homem uma integridade entre o amor natural e o intelectivo que se chama mútua adequação do apetite (apetite sensitivo ou vontade), tanto o amor sensitivo como o amor intelectivo estão na esfera do concupiscível pois se refere ao bem absolutamente, porém dentro do domínio da razão. Isto nos ajuda a entender como ágape e eros podem e devem se desenvolver mutuamente na sua integridade. Como o amor está na potência apetitiva, este visa a coisa como é em si. Ao passo que o conhecimento pertence à razão, o que obriga o Aquinate à seguinte proposição: a perfeição do amor está no ato de amar, basta que se ame e por isso pode-se dizer que uma coisa é mais amada que conhecida, porque pode ser amada perfeitamente ainda que não seja perfeitamente conhecida17. Ele afirma que conforme a diferença do apetite tal é a diferença do amor e explicando todas as instâncias do amor, concluiu que o amor é o princípio do movimento que tende para o fim amado. Isto pode se dar de duas maneiras, o amor natural e o amor intelectivo18. Com isso, Tomás demonstra que o amor é virtude e paixão. Que consiste numa mudança do apetite pelo objeto apetecível. Quer dizer que o movimento apetitivo age circularmente, de modo que o fim do movimento coincide com o princípio do mesmo. E para fechar sua resposta com chave de ouro, completa dizendo que a união é obra do amor. Assim, o amante se refere ao amado como a si mesmo, por isso, a união é a forte consequência e pertence ao amor enquanto pela complacência do apetite.

2.3 Três perspectivas sobre o amor: C.S.Lewis, Raniero Cantalamessa e Hans Urs von Balthasar

Lançamos mão de mais três autores, C.S. Lewis19, Raniero Cantalamessa20 e von Balthasar21, para elucidar as definições feitas sobre esse tema, a título de enriquecer a pesquisa.

17 São Tomás III, q. 27 a. 3, rep. 2. 18 Ibidem, q. 26, a. 1, rep. 19 “Os quatro amores’’, 2017. 20 “Eros e ágape”, 2017. 21 “Só o amor é digno de fé”, 2008.

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Em seu livro “Os quatro amores”, C.S. Lewis, faz uma incrível definição entre os tipos de amor, muito parecida com as definições de Tomás de Aquino. Ele nomeia gradativamente os modos de amar em afeição, eros, amizade e ágape, colocando-os em três patamares, são eles: amor dádiva, amor apreciação e o amor necessidade. Assim para melhor explicar que o amor evolui em etapas e por amadurecimento conforme a abertura que se der a ele. Abertura que é própria do ser humano. Lewis segue explicando que, dentre todos esses modos de amar, há num primeiro momento, uma necessidade implícita no homem. Referente a Deus a primeira busca é para suprir suas necessidades. O seu modo de amar, nesse momento se enquadra no patamar do amor-necessidade. Ele nos faz clamar a Deus, e não se trata das necessidades básicas (biológicas), aqui tem a conotação de necessidades mais elevadas, enquanto alma humana, porque não haveria união com Deus se não fosse a nossa indigência, o “nada” do qual fomos criados. Implica necessariamente o convite feito pelo próprio Deus: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo...” (Mt 11,28) ou “...abra a boca e eu a encherei” (Sl 80,11). Desse modo, Lewis salienta com sensível poesia, que “esse é o ingrediente principal na mais elevada saudável e realista condição espiritual humana, sentir a necessidade de Deus, o amor por excelência” (LEWIS, 2017, p. 15). Contudo não podemos deduzir que o ser humano não possa amar sem interesse, passando ao amor-dádiva, nomeado por Lewis. Esse pode ser alcançado na philia ou no ágape, modalidades mais elevadas que denotam o total desinteresse. Mas diante da possibilidade de amar com total desinteresse, a alma justifica sempre alcançar por graça tal efeito. Porque o amor dádiva é divino. O vemos quando o “Filho se dá a si mesmo de volta ao Pai, e dá a si mesmo ao mundo, e pelo mundo ao Pai, e assim dá o mundo (em si mesmo) de volta ao Pai” (LEWIS, 2017, p.11), ou seja essa doação total é dádiva de Deus, por isso amor ágape. Mas ainda para Lewis, entre o amor-necessidade e o amor-dádiva há o amor- apreciativo, de pura intelecção. Nesse patamar podemos encontrar todas as modalidades do amor, mesmo afeição e eros. O amor-apreciativo envolve as faculdades finas sensitivas e motoras que colaboram na apreciação, é o prazer da contemplação. Assim como um especialista em vinhos já contém em si elementos de discernimento, concentração, julgamento e disciplina, ou os talentos de um artista. Identifica-se nesses prazeres um convite ao desinteresse. No amor-apreciação se contempla, suspira e fica em silêncio, se alegra com aquilo tão somente porque aquilo

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existe, não precisa nos pertencer, não há medo de perder, há um contentamento em saber que aquela maravilha é: “...E Deus viu que isso era bom...” (Gên. 1,10). Diante das quatro formas de amor: afeição, eros, amizade e ágape, até que haja aprimoramento, e se houver, porque nem sempre se está disposto a sair do condicional, e segundo Lewis, somos capazes de experimentar os três elementos, a necessidade, a contemplação e até mesmo o total desinteresse no amor se misturando de momento a momento. E é aí que está a beleza de amar. Esses elementos sucedem um ao outro de maneira que sentimos a falta do outro e de Deus, às vezes mais ou às vezes menos. Ao mesmo tempo que podemos apreciar ou nos doarmos. Nós amamos a Deus, por exemplo, então, em princípio, nos achegamos a Ele pelo amor-necessidade, clamamos por Ele devido à nossa pobreza. Mas por via do amor-apreciativo, damos graças a Deus por Sua imensa Glória, e pelo amor-dádiva somos capazes de servir e até mesmo sofrer por Deus. Assim sendo, o amor com todos os seus atributos deve ser experimentado e transmitido integralmente. Em Raniero Cantalamessa se defende a urgência de descobrirmos o amor em sua unidade original. Falando a cristãos que imaginam atingir o ágape sem o eros, Cantalamessa, alerta sobre o perigo de padecerem de um amor frio, porque não se envolvem. Quando na verdade esse amor é retratado por uma imposição da vontade e não de um impulso íntimo do coração. Ora, sem a participação do ser inteiro há uma separação naquilo que é mais primordial enquanto se refere ao amor. Portanto, eros sem o ágape não passa do amor romântico e sensual. Falamos aqui de um impulso, desejo e atração, são forças que nos movem para o bem, independente se este bem causará muitos males, como o adultério, por exemplo. Por causa da desordem que habita o interior do homem, esse amor pode obscurecer o intelecto, geralmente passional, podendo chegar à violência. Comumente reduz o outro a objeto do próprio prazer. Segundo Cantalamessa, é impossível não perceber como eros sem o ágape ignora as dimensões de sacrifício, doação e fidelidade. Por isso é necessário resgatar a saúde e a beleza do eros junto ao ágape. Então, o autor nos convida a ver o verdadeiro e integral amor como uma pérola escondida dentro de duas conchas que

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são eros e ágape22. Eros e ágape são dimensões do mesmo amor, não podem ser separados sem que se destruam. Cantalamessa vislumbra o ser humano com todas as possibilidades de amar, a si mesmo, ao outro e a Deus no sentido humano e divino. Não obstante, dentre as definições sobre o mesmo tema em diferentes autores, encontramos um denominador comum: todos esses autores prezam pela integridade do amor. O pensamento balthasariano só acrescenta, porque para que haja essa integridade no modo de amar onde falta a perfeição, Deus, em sua graça, comunica- a. Por isso Cristo viveu todas as condições da humanidade, exceto o pecado. Significa que amou sensivelmente, que experimentou os limites do amor humano e mostrou que é possível aperfeiçoá-lo na caridade com a própria vida. Assim sendo, a própria Palavra de Deus (o Verbo) nos leva ao ágape. Entretanto, afirma von Balthasar, que o amor surge como algo informe e não pode ser medido, senão por ele mesmo. Explica que o amor não se mede por obras e nem pela fé, sofrimentos, sacrifícios ou experiência subjetiva de Deus. Analisando as obras, ele vê que elas podem ser apenas o eco do amor, se nelas houver essa intenção. Quanto à fé, ela pode não passar de um simples ato de ter por verdadeiro algo que ainda não é a conquista em si, o verdadeiro bem. Não passando de uma espécie de esquizofrenia, diz ele, uma separação das propriedades do amor. Quanto ao sofrimento, este também não pode mensurar o amor, pois, nele pode não haver nada de voluntário, e o sacrifício ser apenas auto justificação. E até mesmo a mística não é capaz de mensurá-lo, mesmo porque a experiência sempre será subjetiva. Para entender a transcendência de alguns atos dos amantes da Cruz é preciso antes de mais nada “aceitar essa aparente ausência de forma” (VON BALTHASAR, 2008, p.107). Haja vista, o amor que atrai o limitado é ilimitado, e tem uma identidade, vontade e disposições divinas, que por mais claras e envolventes que sejam, se comunicadas, ainda assim tudo será infinitamente obscuro para a criatura que está apreendendo o amor. Por assim dizer um passo no escuro. É deste amor que nos importa falar, este é o amor urgente. É o “sim” antecipado a tudo, seja até mesmo à

22 “É necessário começar reconciliando entre si Eros e Ágape também teoricamente na doutrina. De maneira exemplar nos deixou o Papa Bento XVI na encíclica Deus Caritas Est: “Eros e ágape-amor ascendente e amor descendente- não se deixam jamais separar um do outro(...). A fé bíblica não constrói um mundo contraposto ao original fenômeno humano que é o amor, mas aceita o ser humano inteiro intervindo na sua busca pelo amor para purificá-la, destravando-lhe ao mesmo tempo novas dimensões. ” (Deus Caritas Est n. 7-8)

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Cruz. “O sim do Filho ao Pai e o sim da Virgem ao anjo” (VON BALTHASAR, 2010, p.107), revela a atitude de disposição ao desconhecido, à vontade do Outro, ao esquecimento de si, uma extraordinária experiência no abandono e na inutilidade do ser, do seu próprio ser para que o outro seja. A postura de Cristo ensina o amor sem reserva no fiat e, a partir do seu sim a resposta de todo cristão em face desse mesmo amor, se torna uma atitude objetiva da própria Igreja, como norma de disposição àquele que ama. Esse amor que surge como algo de informe e que até o presente momento não definimos com todas as propriedades é por tudo o que vimos até agora, compromisso, que de fato está além de todas as determinações do homem, como inicialmente dissemos, uma força que o ameaça e o angustia.

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CAPÍTULO III: O AMOR HUMANO COMO RESPOSTA

3.1 O amor humano e suas debilidades

As experiências antropológicas, as perdas e realizações possíveis, a livre experiência do amor e da reflexão nos dão um panorama geral do movimento do amor em seu limite. Todavia, parece haver um grande assalto ao homem e que, de tempos em tempos, cada vez mais pobre, demonstra fracassar em sua missão de amar. Surpreendido pela angústia que domina o homem, o amor parece não ter chances e pouco consegue realizar no seu modo mais elevado de ser. Von Balthasar se refere à fuga que o homem realiza diante da responsabilidade de amar. Em sua análise teológica parte do amor limitado para o ilimitado, observando todos os possíveis pontos onde o amor pode fracassar ou superar obstáculos. Com vista na Revelação, é no rosto de Cristo que o homem pode interpretar o sinal do amor sem limites por ele. Obtendo num primeiro momento uma pré-compreensão23 do que realmente pode obter desse amor, conforme afirma von Balthasar (2008, p.61): “Ao encontrar o amor de Deus em Cristo, o homem não experimenta apenas o que é verdadeiramente o amor; experimenta ao mesmo tempo de modo irrefutável que ele, o pecador e o egoísta, não tem verdadeiro amor”. É sob a forma do amor humano que Deus quis se encontrar com o homem e lhe aparecer em carne24. Isto é antes de mais nada contraditório, a tudo que a razão podia receber. Por isso, inicialmente, uma pré-compreensão. No entanto, é a partir dessa pré-compreensão que agora o homem se vê convidado a uma conversão do coração, e que lhe faz enxergar que ainda não ama. O que indica uma mudança radical de vida que lhe obriga a reaprender o que antes considerava como amor, pois agora ele sabe que é preciso amar como Jesus amou. O primeiro passo desse aprendizado é reconhecer-se finito, mas também, reconhecer as raízes humanas que, irrecusavelmente são seladas na realidade do

23 Pré-compreensão significa, no pensamento de von Balthasar, o homem que, em sua limitação, não está pronto à visão beatífica por mais que deseje conhecer a sua própria condição se torna impedimento. Sob o véu da humanidade, Cristo continuará mistério na presença do homem. 24 DV nº 4

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amor. Essa finitude e a reflexão sobre ela, mediante a infinitude é uma evidência que não deixou de ser espanto25 até mesmo aos filósofos. Espanto esse entendido como admiração que provoca a busca pela verdade. Ao longo da história, são muitas as especulações, mas não é qualquer teoria capaz de explicar o fenômeno amor em sua complexidade, por exemplo, a simples vontade de poder ou não amar. Um dos aspectos curiosos que o amor provou ter é a transformação do ser em prol da preservação da espécie. Von Balthasar (2008) comenta que, em circunstâncias limites para o homem, diante da preservação do grupo ou da espécie, o homem é capaz de renúncias. Provando que o amor eros em seu jogo perigoso, pode chegar à renúncia do indivíduo a favor do todo (ágape). Esse dom de si a serviço da prole, segundo von Balthasar é uma característica que, no homem, tem uma dimensão espiritual e supratemporal. Talvez o amor eros seja de início a porta de acesso a um conhecimento maior do outro e de si mesmo, por via da fidelidade a espécie, uma relação de transformação onde a prole se conhece no amor familiar, natural e espiritual. Infelizmente existem muitos motivos que limitam o movimento do amor. A morte de um ente querido, por exemplo. Porém, não é apenas essa uma potente limitação ao movimento do amor. A essa limitação potente, chamamos alienação. Toda forma de alienação amorosa26, a dependência que aprisiona o indivíduo ao meio, ou na estirpe, a luta pelo lugar ao sol, a competição seletiva natural, as leis do tempo que passa, tudo isso são limitações. E dentro desses eventos, ainda, podemos citar as amizades que parecem definitivas, mas se esfriam, os corações que se tornam estranhos com o tempo, companheiros de uma vida que se descobrem distantes mesmo próximos no dia-a-dia, outros que são dispersos pela vida, pelos sofrimentos, opiniões e também pela distância espacial. Não raro, pode ainda um novo amor adentrar a vida mesmo sem convite. Diante de todos esses fatos devemos admitir que há uma fragilidade no modo humano de amar. Quantas promessas que se pretendiam ser eternas e, no seu limite,

25 Platão, Teeteto: “(...) A admiração é a verdadeira característica do filósofo. Não tem outra origem a Filosofia”. 26 Alienação amorosa também é tratada por Lewis: “Estamos confundindo com amor algo que não é amor de maneira nenhuma”(2017,p. 12). E Wojtyla faz relatos sobre a inversão de valores e o abuso do outro, comenta: “O amor deve possuir sua plenitude e integridade moral, e as suas manifestações psicológicas não podem bastar”. (2016, p.160).

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o ser amado apresenta mais defeitos do que se imaginava, quão frágil se apresenta esse amor, sua finitude parece falar contra si mesmo. Diante dessa realidade, comenta von Balthasar (2008), que o homem é levado a desejar, assim como o personagem Dom Juan, muitas experiências, na tentativa de abarcar o que lhe escapa. Ou mesmo em outro caso, como na literatura de Fausto27, vendo a eternidade se esquivar na multiplicidade dos instantes resolve, o personagem, barganhar sua alma com o desconhecido para não mais perecer. Porém é preciso reconhecermos que com todos os limites humanos, esse amor que integra as relações é motivo de vida. Ainda que seja como Nietzsche28 descreve. Para o filósofo, o amor pode ser interpretado no âmbito das considerações do poder. É este que determina as relações, as virtudes e os sentimentos. É a luta da seleção natural entendida por Nietzsche:

Declara o filósofo com todas as letras: “vontade de potência é vontade de vida” , e “viver é essencialmente expropriar, ferir, violentar o fraco e o estrangeiro, oprimi- lo, impor-lhe suas próprias formas, assimilá-lo [...] explorá-lo [...]. A exploração não é o feito de uma sociedade corrompida, imperfeita ou primitiva, mas é inerente à natureza mesma da vida”. (NIETZSCHE, apud BOFF,C., 2014, p. 297)

Segundo von Balthasar (2008), não se pode desprezar as exigências perante o ponto de vista biológico e cultural. Haja vista, existe uma linha tênue entre amor e o interesse, mesmo porque, no trato com o outrem, não se podem ignorar as forças vitais agônicas, seria contradizer a si próprio se isentar desses atributos, de poder e prepotência diante do amor. O que nos leva a entender a concupiscência do amor eros, por dois ângulos: primeiramente uma força vital e necessária, mas também, esse amor submisso com todos os seus atributos, está sob o domínio da razão. Identificamos desse modo que todos os movimentos sensuais são e devem ser subordinados ao entendimento. Nisso consiste a função da virtude, conhecida por temperança. A despeito disso convém lembrar que o homem participa da dignidade da imagem de Deus, animado por uma alma espiritual29, que não é produzida pelos

27 Segundo o mito de Mefistófeles, um conto alemão de data imprecisa, Fausto se desesperou ao descobrir a finitude de seu ser e decidiu fazer um pacto com este suposto demônio que lhe prometia romper todas as barreiras para o conhecimento. 28 A vontade de poder. Para Nietzsche o amor era visto como vontade de poder. (Fragmento Póstumo 1881) 29 CIC 366, da imortalidade da alma.

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pais, mas criada por Deus mesmo. Dizemos, desse modo, que o amor humano partilha a contradição insolúvel de uma existência ao mesmo tempo mortal e espiritual. Vejamos como é esclarecedor o que diz Bento XVI na Carta Encíclica Deus caritas est, parte I, n.5:

Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem sua dignidade. E se ele por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a matéria, o corpo como realidade exclusiva perde igualmente sua grandeza... Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma. Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor - o eros - pode amadurecer até sua verdadeira grandeza.

Assim explica von Balthasar (2008), que quando dois amantes juram entre si “amor eterno”, num momento de vislubramento, sabem que não sobreviverão por tanto tempo, segundo a natureza daquele amor, não reduzido à alma. O contrário é, essa alma não existe separada, essa existência os faz crer no instante intenso do amor que será sempre uma promessa. É o fato dessa alma ser imortal que impele um ser humano a fazer um juramento eterno a outro ser humano, com base em nenhuma segurança, pois qual a probabilidade desse amor ser eterno? Mas essa espécie de amor, com sua fecundidade intensa e motivadora, revela-se na simplicidade da criança e, nos adultos, permanece espiritualmente velado. Assim sendo, nosso teólogo compara o amor humano em sua realidade, puramente criatural, a um hieróglifo em termos de gramática, porque não se consegue de forma válida, transferir-se a si mesmo para um modo indicativo. Amamos e somos uma incógnita. Entretanto é nesse degrau - eros - que o Cristo se coloca diante do homem, amando-o com o coração humano e amor divino ao mesmo tempo.

3.2 Constrangimentos diante da pureza do amor

Conforme abordamos no texto anterior, há falhas nas decisões humanas em amar. Uma resposta ao amor é exigida pelo próprio amor. Falávamos de um sim ao

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amor, porém é preciso se valer de muita virtude para sustentá-lo. O homem diz não onde Cristo disse sim por amor. O homem faz isso sem notar que no amor de Cristo houve sensibilidade humana. Ele se torna insensível, e diz, sem amor, um sim a Jesus, mas só para a expiação de seus pecados. Essa distância que os separa elimina a possibilidade de se apaixonar e sofrer nesse relacionamento. O homem definitivamente, não deseja compromisso com o amor, porque amar dói, é esvaziamento de si ao outro30. As características que vimos no capítulo primeiro acerca do amor, que envolvem cuidado, misericórdia, compaixão, denota, ainda um modo de agir levado a consequências extremas. Essas são manifestas pela dádiva não meritória que certamente constrange os que estão incapacidados de agir dadivosamente. É dessa maneira que a Revelação apresenta o amor de Cristo: um amor que constrange mediante a bondade e a gratuidade. Portanto à luz da Revelação se torna manisfeto todo egoísmo, antes crido como amor, por conseguinte a culpa aparece diante das expressões mais básicas de convivência com o próximo, e, consequentemente com Jesus. Se o homem estava acostumado com as relações pautadas em “olho por olho, dente por dente”, então deve aprender a dar a outra face, só por amor. Tal é o ensinamento em Mateus 5, 38-39: “Eu, porém, vos digo: não resistais ao homem mau; antes, àquele que te fere na face direita, oferece-lhe também a esquerda”. Enfim, em ocasião do evento da Paixão do Senhor, a humanidade inteira, cristãos, judeus e pagãos, foi exposta à verdade de si mesma. Porque é diante da Cruz, num abraço sem igual, que o homem percebe o seu resgate. O resgate aqui é antes com o que estava perdido, com ele mesmo, com sua natureza. Depois é que se pode resgatar a relação com Deus. Porque sem a si mesmo não se pode ir ao outro. Um outro elemento relevante, infelizmente, nos é apresentado no ato da Paixão: a consciência da recusa, constatado por von Balthasar (2008). Ele diz que diante da verdade revelada existe a consciência da recusa, presente nas relações inter- humanas, que não pode ser reparada no plano superficial, ou seja, na tentativa de equilibrar o erro e a expiação. Se assim fosse possível, então o bem e a justiça poderiam sempre ser restabelecidos plenamente. E não é só isso, há uma consciência da paralisia, por parte do homem, em torno do bem que se deve mover, uma

30 Cf. BENTO XVI, Carta Encíclica Deus Caritas Est, n.3 ao 6 “...O NT dá preferência em geral ao termo ágape. Enquanto que no AT podemos encontrar descrito como o cuidado do outro, a descoberta do outro, ou seja, independente do termo dodim ou ahabà, há uma conotação de entrega de si ao outro, de cuidado do outro”.

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decadência, isto é, certa consciência da dureza de seu coração, que não está à altura de nenhuma norma de amor. Também destaca von Balthasar (2008), que o homem não tem forças para amar, como o amor pede, porque não descobre em si esta força e ousadia. E não podendo calcular ao certo onde este caminho o levaria, sem forças vai perambulando e tateando as coisas mais baixas. Assim mergulha numa resignação natural da culpa. Porque a culpa será escondida de si mesma. Como se a finitude da existência justificasse a finitude do amor. Quando não há forças para amar como o amor exige, o comum é fugir do sofrimento do amor, ou melhor, do que é próprio do amor. Logo, não tarda o homem a se esconder em espaços e modelos que cria para si mesmo como um autovalor. Com isso, as fugas, que são os modos de existência criados para si, podem se manifestar na imaginação de se viver como que em ilhas. Por exemplo, como a ilha da simpatia mútua, ou do eros, ou da amizade, ou do amor à pátria, ou ao final de tudo por um amor universal31, com base na natureza humana tão somente e, idêntica em todos os homens. Esperando uma outra identidade para o amor, a que justifique a união de dois amantes semelhantes, mas, fechados em si, como numa ilha32, ilha do amor. De modo que aquilo que se apresenta na imaginação seja ampliando para o universal, superando todas as diferenças, toma forma abstrata, uma espécie de encapsulamento. Comum em algumas religiões filosófico-místicas e até atitudes modernas quase religiosas sob o signo da gnose33. No entanto, é preciso afirmar que essas atitudes são fugas. A Revelação nos distancia desse tipo de amor acima citado que se manifesta como fuga. Para isso, nos apresenta o agir de Deus, enraizado no modo concreto de ser. Este é um modo humano, de um Deus misericordioso presente na história. Uma vez, porém, que o agir divino não se pode decifrar ou presumir a priori a partir de nenhuma vertente da natureza criada, é na autoexposição de Deus perante os

31 Generalização do termo amor, quase banalização, crítica balthasariana. 32 Von Balthasar se refere aos modelos de ilhas com ironia, são elas as ideologias que alienam grupos e grupos 33 Um conjunto de correntes filosófico-religiosa que chegaram a mimetizar-se com o cristianismo nos primeiros séculos. Termo de origem grega que significa teoria do conhecimento. Em geral para os gnósticos o conhecimento era condição para a salvação. Este nome foi adotado pela primeira vez pelos ofitas ou sociedade da serpente, que mais tarde se dividiram em diversas seitas. Estas utilizavam textos religiosos atribuídos a personalidades bíblicas, exemplo o Evangelho de Judas. Outros textos dessa espécie em traduções coptas foram encontrados. A principal teoria do gnosticismo é o dualismo dos princípios supremos (ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia; tradução Alfredo Bosi. São Paulo: wmf Martins Fontes, 2012, p. 565).

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homens, que se encontra a chave para a inteligibilidade do que foi feito para os homens. Pode-se dizer que de maneira concreta há uma incongruência entre o concreto amor divino, revelado por Jesus, e as fugas humanas projetadas por um amor fantasia. Desse modo o encontro dos anseios humanos com o amor humano revelado por Jesus é conflituoso. Trata-se de um embate de amor entre Deus e o homem pecador. Inclusive torna-se comum o homem medir forças com Deus, uma vez que não compreende e tenta entender tudo o que envolve esse combate. Todavia, não é porque há esse embate amoroso, nessa aliança, que o homem tem a posse da compreensão ou o poder de julgar a Deus. Porque o que Deus realizou por amor enquanto homem e para o homem só é inteligível na medida em que, precisamente, não pode ser compreendido e justificado a partir do que é humano. Não pode ser na medida humana, se assim o for, será interpretado como loucura. O amor revelado então é propriamente o amor humano. Por isso partimos do amor em seu modo mais natural, eros, que deve possuir na sua plenitude e integridade, o valor moral34, dizemos desse amor que é o que o homem está mais acostumado a responder. Esse amor só estará psicologicamente maduro quando atingir a esfera do valor moral, quando chega a ser a virtude do amor. Nesse ponto, qualquer ser humano pode responder às exigências objetivas do outro, da pessoa amada, que exige ser amada, porque todo ser humano em sua integridade exige ser amado e não usado, uma vez que se ama a pessoa, integralmente, e não somente o corpo. Se o eros não caminhar para a temperança, sob domínio do entendimento, o outro será alvo do prazer egoísta, muitas vezes objeto descartável de relações friamente calculadas. É “a virtude a aptidão para ter sempre em equilíbrio o apetite da concupiscência, graças a uma atitude habitual a respeito do verdadeiro bem definido pela razão” (WOYTYLA, 2016, p. 162). Segundo o pensamento de João Paulo II (2016), Jesus com seu modo de vida ensinou que ser casto nada mais é que, ser puro em suas intenções, é ter uma atitude transparente a respeito de qualquer pessoa. Portanto a castidade é a transparência da interioridade. Podemos dizer que a castidade é a transparência do homem interior,

34Cf. BENTO XVI, Deus Caritas Est, n.6: “O amor é êxtase (loucura divina, no sentido de nos conduzir além de nós próprios requer um caminho de ascese, renúncia, purificações e saneamento) no sentido de êxodo”. E também, “Eros necessita de disciplina, de purificação para dar ao homem, não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude para o qual tende o nosso ser (a loucura divina) ” (DCE n.4).

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e sem a qual o amor não é amor, e não pode ser enquanto o desejo de satisfação não estiver subordinado à disposição para amar em todas as circunstâncias. Também é na pessoa de Cristo que vemos o valor do corpo humano. Como o corpo humano deve ser humilde perante a grandeza da pessoa, porque é ela que dá a medida do homem. Ou seja, o corpo humano de Cristo mostrou-se humilde perante a grandeza do amor35. Assim, o homem deve imitá-lo. Sem esta pureza de intenção, o corpo não está subordinado ao verdadeiro amor. Falando ainda do amor sensível, em Jesus, esse amor o possibilitou ir à máxima paixão, amor de toque, ósculos, abraços, partilhas, olhares, palavras, dores, satisfações e gozos com os amigos. Um amor humano permeado das características que Lewis apresentou no capítulo dois acima: amor-necessidade, amor-dádiva e amor-contemplação. Todos esses gestos são exemplos do verdadeiro eros, da amizade sincera e são caminhos para ágape. O próprio ágape requer então aprendizado, tempo para ser ordenado. Queremos dizer com isso que pelas condições misteriosas do amor humano, esse amor no qual quis Deus se apresentar não poderia ser interpretado apenas de modo sentimental. Se deve ir além em tudo que abarca o seu mistério, mesmo que por uma pré-compreensão, se lançar ao ágape, ao totalmente outro. Mesmo que essa pré-compreensão incoativa conduza o homem a escutar a mensagen de entrega, e ao mesmo tempo ser motivo de tropeço para si mesmo. Contudo a graça pode ensiná-lo a amar.

3.3 A Graça nos ensina a amar

O que chamamos acima pré-compreensão é o movimento inicial do homem que aceita o amor. Isso ocorre porque há uma conexão necessária na relação amado- amante. Essa necessidade podemos nomear como amor a priori. O amor transparente de Jesus só pode ser concialiado com o amor a priori, do nosso ponto de vista, enquanto fé. Por isso von Balthasar se exprime dizendo que o amor é digno de fé. Da parte da Revelação, o simples fato da Palavra ser proferida já implica no amor. Todavia, como o amor em seu caráter necessário, supõe relação, a fé torna-se

35 “O corpo humano deve ser humilde perante a grandeza do amor” (WOJTYLA, 2016, p. 165).

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a resposta livre ao amor de Deus, e é ao mesmo tempo o elemento preparado por Deus como berço para o amor. Disso decorre o ensinamento de Jesus, pois, se há ensinamento, isso se deve a alguma ruptura daquela condição apriorística do amor. Nesse sentido, Jesus se apresenta humanamente como o mestre que ensina: “[...] Eu falei às claras ao mundo[...]. Nada falei às escondidas[...]” (Jo 18,20; Lc 8,17; Lc 12,2; Mt 10,26; Mc 4,22). O ensino do mestre é necessário para nos predispor ao mesmo amor. Embora, não ignoramos que o amor é dom, graça. Perceber seu valor, sua beleza e sua grandeza requerem, porém, um constante exercitar que é a preparação para estar, por graça à altura do objeto da Revelação e a ele se ajustar36. Analogicamente, nosso teólogo se utiliza da figura da mãe que ao longo de muitos dias sorri para o seu filho espontaneamente ao recebê-lo em seu peito. A criança que acabara de chegar ao mundo não tem a compreensão do mistério que a envolve, no entanto, associa o olhar da mãe ao que há de mais vital. Naquele momento, o rosto, o sorriso, o cheiro, todos aqueles movimentos de amor são apenas amamentação, uma provisão à necessidade mais básica da criança. Aparentemente essa criança capta algo do amor, mas não sabe nada do amor propriamente dito. Esse amor será avivado pedagogicamente. Mas já se encontra no íntimo como um movimento que os liga, mãe e filho. O amor o conscientiza do próprio ser. Ele se entende como ser, com o outro. De acordo com von Balthasar a criança ao despertar para o amor desperta também para o conhecimento, porque ao despertar, as impressões vazias dos sentidos congregam-se e tudo em relação ao “tu” começa a fazer sentido. A partir do conhecimento, com todo seu equipamento de intuição e conceito, o amor começa a atuar, porque o jogo do amor partiu primeiro da mãe. Houve uma ação, mas a partir do transcendente. Assim também Deus se manifesta ao homem, seu olhar fixo diante dele infunde a sua luz em seu coração, o qual consegue ver precisamente esse amor, o amor absoluto: “Deus disse: do meio das trevas brilhe a luz! Foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações, para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo...” ( 2Cor 4,6), mas antes de dizer, Ele já existia por si mesmo, antes de qualquer palavra Deus é, só depois Ele diz. Assim sendo o amor é

36 CIC 27, 35,153 e 156.

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o princípio. O rosto do amor no sorriso, é ao mesmo tempo paternal e maternal, origem do ser, conforme explica von Balthasar. No movimento unilateral e totalmente gratuito de Deus, o homem pode ser alimentado em seu peito ferido de amor. Como aquela criancinha que não compreende todo o mistério, mas sabe que no mistério é alimentada. O homem capaz de Deus, é capaz de amar como o Cristo está ensinando. Não fosse possível esta palavra de resposta não poderia estar explícita nas Escrituras, para von Balthasar. “O amor não quer outra recompensa exceto uma resposta de amor” (VON BALTHASAR, 2008, p. 95). Essa só pode ser uma resposta viva, que sai do espírito humano suscitada pela graça amorosa de Deus, tal qual a resposta da “esposa” que clama: “Vem” (Ap 22,17) e “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Aqui, vemos então a relação de amor originalmente justa, como num nó. Nesse nó nos aparece todas as condições da percepção do amor divino através do homem, o amor eros em Cristo. O qual o homem pode se reconhecer: meu eros37, meu Cristo.

37 Cf. Bento XVI, Carta Encíclica Deus Caritas Est,n. 7: “Amor ascendente e amor descendente nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois se encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. Embora o eros seja inicialmente sobretudo ambicioso, ascendente – fascinação pela grande promessa da felicidade- depois, à medida que se aproxima do outro far-se-á cada vez menos pergunta sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se –a cada vez mais dele, doar-se-á e desejará existir para outro. Assim se insere nele o momento da ágape; caso ao contrário, o eros decai e perde mesmo sua própria natureza. Por outro lado, o homem também não pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor deve ele mesmo recebê-lo em dom”.

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CAPÍTULO IV: AMOU-NOS ATÉ A MORTE “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim’’ (Jo 13,1)

4.1 A lei do amor

Seria possível o amor obrigar a morte a Jesus? Para melhor compreendermos a lei do amor julgamos necessário um breve comentário a respeito do que significa a lei para o homem. Segundo Tomás de Aquino, o termo “lei” não tem a dureza voluntarista e a exterioridade que lhe atribuíram no nominalismo e ainda as morais da obrigação. A lei é uma obra da sabedoria ordenadora, que procede do amor pelo bem comum e ensina as vias da justiça de acordo com a Escritura e a razão. Ela de certa forma e naturalmente se torna interior e coincide com a ação do Espírito Santo na fé e na caridade. Os padres da Igreja, bem como Tomás de Aquino, aplicam à lei leveza, riqueza e interioridade. Na Suma Teológica38, as questões sobre a lei nova exercem a função de uma pedra angular. São em si a fonte de toda verdadeira lei, a lei natural, que é inscrita no coração do homem; a lei humana, uma derivada, e, enfim, a lei revelada: antiga e nova. Essas se comunicam entre si por meio de uma dinâmica que tem o seu ápice e perfeição para o homem na lei nova. Esse estudo das leis em Tomás expõe os princípios e as causas dos atos humanos, nos quais dominam as virtudes como princípios interiores e pessoais. O homem é chamado a encontrar sua felicidade plena na visão amante de Deus e (em seu Filho) na humanidade de Cristo que é a via necessária para ascender à visão bem-aventurada. As questões sobre a lei nova se entrelaçam estreitamente às outras partes da Suma Teológica e apresentam-se a nós como um estudo concedido por Deus no Cristo, como fonte espiritual de sabedoria e graça para dirigir a nossa vida em direção à verdadeira felicidade. Do mesmo modo, toda a Tradição e Magistério foram meios para, pedagogicamente, atingir o cerne dos amigos de Jesus, com objetivo de ganhá-los em suma liberdade, pela vivência autêntica do amor. O sermão da montanha comentado por Agostinho39 é apresentado como modelo perfeito da vida cristã, contendo todos os preceitos - ou leis - que devem reger a vida do cristão, ou, em

38 Para questões referents à lei, vide AQUINO, 2005, v.IV, I seção, parte II, Q.90-10. 39 AGOSTINHO,2016.

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outras palavras, para viver o verdadeiro amor. É apenas reflexo do que o Mestre viveu, com leveza e simplicidade. Nada lhe parecia imposto, deixou a sua glória e amando entregou-se à humanidade até a morte e morte de Cruz, por obediência ao amor do Pai, pois conhecia o Pai e o Pai o conhecia, estavam em sintonia na relação Pai e Filho. A lei é um modo de realizar os princípios da humanidade, cuja revelação plena está em Jesus. Não poderia, então, subsistir de outro modo senão na obediência. O princípio da lei, mostrada na pessoa de Moisés e subsistindo na sua obediência a Deus conduz o povo à liberdade. Do mesmo modo, o princípio da lei - que é Deus -, mostrado pela Revelação plena em Jesus, é concretizada na sua obediência ao Pai. Essa obediência, porém, não é outra coisa senão o amor que ao invés de cessar com a morte, encerra-se na mais plena liberdade.

4.2 O amor obediente

O termo obediência é de raiz latina, ob audire, significa estar pronto para ouvir ou escutar. A obediência também é tida como uma virtude moral que está em total dependência com a virtude da justiça, cujo objeto é dar a cada um o que lhe corresponde. Dizendo em outras palavras, a obediência é a dedicação total ao outro, é resposta de amor é entrega que causa o estado de perfeição (Mc 8,34). Dela, Santa Tereza de Jesus, disse ser uma disposição de alma para contentar-se com coisas que em tudo contradizem a nossa própria vontade40 Jesus, Verbo eterno do Pai se intitulou o Filho do homem. Fala de si conforme a visão de Daniel 7,1341, ao Filho do homem foi dado todo o poder de julgar as nações, conferido ao Unigênito pelo Pai. Mas, Jesus ao se referir a si mesmo, desse modo, fala redundantemente, de que é o messias encarnado, não só declara que é Ele o ser da visão profética, como também, quer dar provas de seu amor divino-humano vivendo-o e declarando que todo homem é Filho do homem ()42. Este homem-Deus, em posse de sua plena liberdade, pressuposto para o amor, amou incondicionalmente e levou os homens a se sentirem amados.

40 Teresa de Jesus, 2012, p.83 41 Dn 7,13 “...nas minhas visões noturnas, quando notei, vindo sobre as nuvens do céu, um como Filho de homem...” 42 Ben Adam = filho de Adão expressão utilizada no judaísmo, comumente interpretado como ser humano.

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Jesus, por seus atos, confundiu poderosos, exaltou os humildes e curou a muitos, por amor. Um amor tão livre e libertador que conquistou seguidores a ponto de Lhe entregarem suas vidas. Mas poderia esse mesmo Senhor exigir o amor, por via de um cumprimento da lei? Se somos livres ao amar, porque parece-nos, à primeira vista, nos impor a nova lei como um fardo? Nos dizeres de Jesus: “Dou-vos um mandamento novo: Que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Jo 13,34). Embora os princípios da obediência em relação à liberdade possam ser questionados pelo homem, é observando o próprio Filho do homem que lemos em seus atos que a lei ou a regra não são empecilhos à liberdade. De modo que demonstrou isto. Sua obediência não foi barreira para a realização do amor, pelo contrário, esse mesmo amor que pressupõe a liberdade é ao mesmo tempo exercício da lei. Todavia, a lei pesa se se restringe ao mero cumprimento de regras. A verdadeira lei é uma pessoa que se segue, Jesus. Por isso, Deus é amor como nos afirma a Epístola joanina e, logo, o que se ama não é um preceito que subsiste por si, mas alguém com quem se tem um relacionamento e se segue. Não só os mais íntimos de Jesus, como os apóstolos, experimentaram essa forma de entrega e relação pessoal de amizade com Deus, como também, muitos outros que passaram pela vida do Mestre aspirando seus mistérios. Porque “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). A verdade é que os relatos do quarto Evangelho retratam a comunidade joanina intimamente ligada à experiência desse amor. Essa se mostra impregnada de fatos que demonstram princípios e causas do amor. Isso nos leva a concluir que somente amigos que vivem juntos no mistério da obediência podem se exercitar no amor, tal como Jesus ordenou. Segundo Agostinho, a primeira das liberdades é poder buscar a verdade43. Isso demanda exercício de ascese. E Tomás Aquino44 concordando diz que o amor é decisão. Portanto, amar de todo coração é se decidir em todos os momentos da vida presente em vista do fim último de todas as coisas, razão da bem aventurança, desejo de se unir a Deus em amizade, amor entendido como a íntima amizade com Deus e não um modo de amar em graus.

43 AGOSTINHO, 1995, cap 2, p28. 44 AQUINO, 2003, v.III parte II Q 25-28.

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O próprio Cristo ensinou a intimidade nesse modo de se relacionar com os seus - philia45. No processo da amizade, existe um princípio, e neste, fomos amados por primeiro. Segundo João, o amor vem de Deus e também é Deus e, Ele se manifestou por primeiro ao homem como pura dádiva.

Caríssimos, não vos escrevo um novo mandamento, mas um mandamento antigo que recebestes desde o início; este mandamento antigo é a palavra que ouvistes. E, no entanto, é um mandamento novo que vos escrevo – o que é verdadeiro nele e em vós -, pois as trevas passam e já brilha a luz verdadeira (1Jo 2, 7-8).

O novo tratamento, “caríssimos”, alternado com o termo “filhinhos” em 1João 2,1-8, pertencem ao mesmo âmbito do pai que chama seu filho de querido. Chama-o assim porque o quer bem, preza-o, como o que se tem de mais caro. Dessa forma o autor da Primeira Epístola de João, também, se apresenta como um pai que escreve a seus filhos porque tem cuidado com eles. João exprime o ensinamento que recebe do mestre por gestos e palavras. Mesmo que o filho não entenda este cuidado num primeiro momento, ele responde ao pai por obediência, com respeito e reconhecimento de quem sabe o que é próprio dessa relação. Do mesmo modo, o homem ao aceitar sua realidade de filho de Deus, se sente obrigado a responder. E o faz de maneira positiva ou negativa. O homem aceita a realidade de filho de Deus quando pela graça bastismal é sepultado na morte de Jesus, adquirindo a forma que todo cristão deve ter, uma vez que sepultado com Cristo na morte, com Cristo é ressuscitado entre os mortos pela glória do Pai. O próprio Deus, em sua infinita bondade e sabedoria, o chama a essa amizade. Ele se inclina sobre o homem se doando a ele, é a nova lei, que é a graça do Espírito Santo e se manifesta na fé, que opera por amor. E oportuniza o homem a repetição do fiat. Von Balthasar (2008, p.109) vê essa repetição do fiat como obra do amor enquanto necessariamente lhe confere a “última forma”. Porque em última instância o homem em sua nudez perante essa morte, ou seja, sua radical entrega de si a Deus,

45 Para os antigos “a amizade parecia ser o mais feliz e o mais completamente humano de todos os amores, a coroa da vida e a escola da virtude (...) Philia- é o termo traduzido por amizade, Aristóteles a classificou entre as virtudes. Ela tem o dom de nos elevar quase acima da humanidade, esse amor que é livre do instinto e do dever, exceto daquele que o amor assumiu, e quase livre por inteiro do ciúme, sem necessidade de ser necessário, é eminentemente espiritual. É o tipo de amor que alguém pode imaginar acontecendo entre anjos. Será que encontramos aqui um amor natural, que é o Amor em si?” (LEWIS, 2017, p. 108)

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espera de Deus a sua nova forma como veste batismal. “Os homens conseguem essa graça, pelo Filho de Deus feito homem, cuja humanidade primeiramente encheu de graça, e depois foi comunicada a nós” (AQUINO, v.IV, parte I. Q. 108 a.1). A resposta do homem a esse amor, positiva ou negativa, carrega o peso da responsabilidade, não só consigo mesmo, como também em relação ao outro. Porque o homem novo é chamado à forma de vida de Cristo. Ao amor como misericórdia e acolhimento. Por conseguinte uma resposta negativa acontece pelo simples fato contrário. Von Balthasar (2008, p.109), insiste na reflexão sobre esse amor que dá a verdadeira forma, a última forma, o que lhe confere um sentido a todos os estádios anteriores e ao processo de integração, porque esse amor não é outro senão o do Cristo. O da nova e eterna Aliança, como abertura benévola de acolhimento, total disposição de humildade, afabilidade que não se defende, persistência longânime, enfim, como tolerância e perdão. Pois Deus mesmo perdoou. No cristão todos esses atos demonstram as virtudes já informadas de modo decisivo pelo vínculo da perfeição. Em geral tanto as Escrituras, como os padres da Igreja46 tratam o amor por analogia devido à complexidade temática e, certamente, por revelar a intimidade da vida divina. No entanto, o amor tem claro seus atributos, e o que nos parecia contrário se complementa: se por um lado é cuidado e misericórdia, simultaneamente é obediência. Isso pode ser compreendido do seguinte modo: o cuidado e a misericórdia reúnem dois aspectos, cujo cerne é único, o bem ou o querer bem daquele que é amado. Isso mostra que a realização espiritual do que ama só pode acontecer nesse querer bem ao outro. Tal querer não pode ser uma vida de ensaios e erros, ou, em outros dizeres, uma vida de experiência, sem um parâmetro seguro, que seria a garantia de acertos. Por isso, o amor, nessas condições de cuidado e misericórdia se exprime em Jesus, o qual demonstra o amor na obediência, cujos atributos tornam-se serviço. É como se tal obediência ordenasse ou regrasse algo que está fora da ordem. De certo modo, a própria lei é uma maneira de ordenar. Se não houvesse uma desordem no modo de viver Ele mesmo não precisaria ordenar que vivêssemos no

46 Agostinho diz o mesmo da complexidade das coisas espirituais (Santíssima Trindade). Evangelho de S. João comentado por Santo Agostinho

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amor. Assim a obediência pode ser vislumbrada como o modo por excelência do ser livre, e, desse modo, do próprio amor. Se Deus cria deixando na criação os efeitos de sua essência que é Amor, é por meio desses efeitos que realizaremos o que é como um propósito para a vida humana: o próprio amor. No entanto, isso não pode apenas se dar por testes e experimentos cegos. É só por meio de um parâmetro, uma “regra” que o homem consegue realizar o que há de mais divino em si, o que o aproxima de Deus, o que mostra seu cuidado e misericórdia, o que o faz amigo de Jesus, em suma o Amor. E essa regra ou parâmetro é o que se chama lei. E como a função da lei é libertar - o que é mostrada em Moisés e em Jesus - o homem alcança sua liberdade, obedecendo à lei divina, que mais que um conjunto de preceitos é a prática, o amor a Deus e aos irmãos, expressos em Jesus. Por isso as Escrituras ensinam que o amor é o próprio Deus, que se fez entender-se por nova lei: o amor a Jesus - homem e Deus - que nos impele a amar à Deus e aos homens.

4.3 O amor do alto da Cruz

Afirma von Balthasar (2008) que na Paixão de Cristo o mistério íntimo de amor de Deus é em si mesmo amor e por conseguinte Trinitário. Ele diz que a Paixão tudo explica e tudo torna possível. Por isso, ao olharmos para o evento Paixão e morte de Jesus, não podemos ter uma visão pessimista, de algo violento, como uma catástrofe. Se assim fosse não haveria nexo toda Palavra de Deus, inclusive o Sermão da Montanha. Mas o que a Paixão nos comunica? Como podemos extrair sabedoria de uma história que mais tem a ver com a insanidade? O cristão deve contemplar a glória de Deus no alto da Cruz, porque não há outra maneira de ver a glória de Deus sem aceitar Jesus crucificado, a redenção do próprio homem. Assim sendo, consideramos que uma pré-compreensão do amor, exposto anteriormente por von Balthasar (2008), se dá à luz de uma vida inteira voltada para a derradeira hora da Cruz (João 13, 13-16; 15, 20-25).

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Na Cruz se fundiu o amor do Pai pelo Filho e do Filho pelo Pai, razão da glória de Deus. O evento da Cruz é descrito por Paulo como kênosis47. O esvaziamento não é senão a manifestação da glória desse Deus Trino e Uno. Doutrina que o homem deve interpretar sempre em função da hora48, na qual faz todo sentido e a qual o Filho do homem focou sua vida. A hora é a própria Cruz que une os elementos do amor: misericórdia, obediência e redenção. Toda uma vida de mistério e cuidados, mas que desde o Batismo aspira à consumação de sua missão, a Nova Aliança na Cruz. João, em seu Evangelho, descreve: “Antes da festa da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). O que fundamenta a hora de Jesus com duas palavras, são elas: a hora da passagem e a hora do amor até o fim. Não obstante, essa doutrina do amor conduz o homem à entrega de si ao outro. O esvaziamento de Jesus ensina que agora não é mais o sacrifício de sangue dos animais a antiga Aliança. Trata-se do Sacrifício do próprio Deus, do Sangue que pode purificar a humanidade decaída, o único, de uma vez por todas. Por este dom de si pelos “amigos” (Jo 15,13), pela “multidão” (Mt 20,28; Mc 10,45) e por “todos” (Jo 12,32;17,21). O homem conhece a Salvação. Eis a glória de Deus, o Filho devolve ao Pai toda humanidade redimida. Todavia, esse dom surge como o ato de obediência, o qual já comentamos acima, imposto pelo próprio amor, com o devido fim ao rebaixamento de si e no serviço de escravo para com todos (Lc 22,27), testemunhando o amor. Consequentemente, segundo a lógica divina, nessa doutrina49, também a este Sacrifício mortal se agrega cada um dos seus adeptos, em toda a sua existência, queremos dizer sob o mesmo logos da Cruz (1Cor 1,18). Entretanto, é exatamente esse um ponto nevrálgico, porque o logos da Cruz suprime todo o logos e toda lógica. Pois, por essa via se coloca a vida sob a lei da morte. Mas, se conseguirmos compreender a importância derradeira de Jesus no Calvário, como sendo o ato e a

47Kênosis= esvaziar, extenuar, reduzir a nada, verdadeiro estado de humilhação. “A sua significação teológica encontra-se no novo testamento, o Filho de Deus, Verbo de Deus, sendo Deus a segunda pessoa da trindade aniquilou-se, humilhou-se e assumiu a condição humana. E sendo humano tornou-se servo” (XAVIER, Donizete José. A teologia da Santíssima Trindade-Kénosis das Pessoas Divinas como manifestações do amor e da misericórdia. São Paulo: Palavra e Prece Editora, 2005, p.87). É a ação de Deus presente na história, esvaziando- se não quis ser tratado como Deus, mas como servo. O homem só se realizará humanamente à medida que se dispõe a caminhar pelos mesmos caminhos escolhidos e experimentados pelo Deus Kenótico (Fl2,7). 48 Jo 2,4; Jo 12,23 49 Fl 2,1-11

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manifestação do poder e da sabedoria de Deus, torna-se viável admitir que a morte de Jesus domina Sua vida. Cristo abraça a humanidade ferida abrindo seus braços na Cruz, acolhendo a todos no Pai. Isto nos leva a compreender que o abraço de Cristo à sua Cruz, visto como a mais intimidante fraqueza e loucura para os sábios, ensina a verdadeira e eficaz via ao amor absoluto. Ele, agora, se revela em seus atributos inimagináveis como a fraqueza e a loucura. Esses atributos são revelados na função do amor absoluto e por isso são mais fortes e mais sábios do que os homens (1Cor 1,25)50. Também isso, fica expresso na parábola do “pai misericordioso” ou do “filho pródigo”: “Partiu então e foi ao encontro de seu pai. Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos” (Lc 15,20). Desse modo, von Balthasar (2008) inferiu que para que o amor tivesse lugar nos corações dos homens, Jesus aspirou o não-lugar nesse mundo. Porque sua entrega assume, sem nenhuma hesitação, a não explicação a tudo que o homem considera, por razão. Ele vai além de todo elemento moral e sociológico e se lança com toda sua existência corpo e espírito ao abismo do abandono: a morte como abandono por Deus (Mt 27,46). A morte é uma via escolhida por Deus, como alimento sacrificial e indispensável a todos. “[...] O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6, 51). A lógica por detrás do Sacrifício da Cruz está em manifestar o poder e a sabedoria, que não se apoiam em si e nem permanecem em si mesmos, mas, com ensinamento de profunda humildade se difundem nas instâncias da fraqueza humana, propriamente a morte. Mediante isso, a via sacrificial revela sobretudo que a decisão de Jesus torna possível ao ser humano decidir-se por Deus, numa hora como essa. Destarte a natureza humana de Jesus não ficou amputada por causa da sua unidade com o logos, mas, continua completa e é a assunção da humanidade51 em sua integridade que permite o Mestre ensinar o amor absoluto. Decisão livre e consciente, uma vez que a vontade da pessoa, o Filho de Deus, é quem acolhe em si mesmo a vontade natural (natureza humana). E isso se faz possível sem a destruição do elemento essencialmente humano, porque, a partir da criação a vontade humana

50 “Pois o que é loucura de Deus é mais sábio do que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens (1 Cor 1, 25). 51 Conforme união hipostática.

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está orientada para a divina. Jesus por amor à humanidade assumiu em si mesmo toda vontade humana e transformou-a em vontade do Filho. Portanto é o Filho que se comunica com o Pai no alto da Cruz e é o Filho de Deus quem sofre, redimindo o homem e ensinando o esvaziamento de si. Uma observação interessante faz von Balthasar (2008, p.79), Jesus em todos os seus atos não falou de si mesmo em nenhum momento com acento do eros estático. Mas, ao falar de si deixa transparecer todo o esvaziamento. Sábio, não demonstrou nenhum tipo de exaltação dionisíaca ou fanatismo. Ao contrário, sua manifestação é a obediência, sem subtrair à responsabilidade. Ensina-a dirigindo-se ao Pai, e reconhecendo que toda a iniciativa e responsabilidade suprema é do Pai, configurando-se a ela. E por isto que dá glória ao Pai. Nesta manifestação do amor o rosto de Jesus brilha ressaltando sua identidade, ou seja, sua aparição é de amor eterno, de Deus pelo mundo, quando se anula a si mesmo. É como servo de Deus, no escondimento de si que se dá a aparição. Ali mesmo a majestade e realeza eternas se revelam de modo irrefutável na humilhação. Na humildade obediente do Filho de Deus ao Pai, torna-se manifesto o amor obediente, essencialmente obedecer é amar. Amor que nos traz o mistério íntimo de amor de Deus e que em si mesmo “é amor” (1Jo 4,8). Como afirma von Balthasar (2008, p. 80), embora a Trindade52 divina tenha sido revelada no Calvário, essa é uma luz obscurecedora e incompreensível à razão do homem. No entanto, ela é a única hipótese que permite esclarecer, de um modo fenomenologicamente justo o evento Cristo. Esse dogma da Trindade expressa o absoluto como amor, de modo que se o absoluto não fosse amor permaneceria como logos53 (saber absoluto). Essa revelação do amor absoluto, desde o início, inspirada por meio do Espírito Santo, é somente compreendida na fé e ultrapassa todas as garantias e critérios próprios. Experimentado na humanidade de Cristo, porque Ele teve que crer por

52 “Deus é amor em si mesmo antes do tempo, porque desde sempre tem em si mesmo um Filho, o Verbo, que ama com amor infinito que é o Espírito Santo. Em todo amor há sempre três realidades ou sujeitos: Um que ama, um que é amado e o amor que os une” (CANTALAMESSA, 2007, p. 28). 53 A razão divina diante da razão humana é contradição. “Deus não aparece só no homem como totalmente outro, aparece, ademais naquilo que no homem o faz aparecer como o mais dissemelhante de Deus. Mas o sinal de contradição só é um véu para o homem na sua razão natural e pecadora, não para Deus; e se Deus, na Sua liberdade soberana, escolhe este sinal para dele fazer uma expressão e uma imagem de si mesmo, este sinal é por si de todo adequado e não paradoxal; é o que se revela logo que o homem na fé adota o ponto de vista de Deus. Vê então com certeza que o amor de Deus na sua inapreensibilidade encontrou a mais expressiva de todas as palavras” (VON BALTHASAR, 2010, p. 80).

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primeiro. Assim o Espírito realiza e atesta, ao mesmo tempo, a ação kenótica por amor, Jesus aprendeu a ter fé, para que o homem encontrasse o caminho nEle. Então, é apenas por um ato de fé que o homem pode tomar posse da dimensão dessa contradição, que é ver o próprio Deus feito homem morrer na Cruz. Mas, para Deus é tão somente um sinal escolhido, por Ele, para fazer dele uma expressão e imagem de si mesmo. A kenosis dá ao homem a certeza de um amor sem palavras. Em si, a Trindade é um mistério inapreensível, tanto quanto a Cruz. Atendendo à fé, Jesus mergulhado no amor do Pai, atrai para si o pecado da humanidade. E a separação mediante a morte é definitivamente superada. “Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Em síntese, somente a falta de fé e a ausência desse amor podem deixar o homem num estado de paralisia mediante o seu passado. Visto que todo gênero se tornou livre pelo Espírito em todo tempo. Por conseguinte a nova geração cristã, com o auxílio do Espírito Santo, deve testemunhar o amor transbordante na Cruz. Convictos do retorno de Cristo54, essa geração cristã deve modelar e transformar o mundo na ação do amor. Esse mesmo Espírito que agiu no esvaziamento de Cristo e na sua ascensão ao céu, é que dá a forma, e que alimenta o cristão na verdade e no amor expresso em Jesus. Portanto a obediência cristã em face à norma absoluta encarna na relação com o outro. Na alteridade tomamos parte na obediência perfeita do Senhor. Porque o agir cristão é em seu caráter primordial uma resposta à ação primeira de Deus. No alto da Cruz o cristão pode encontrar a resposta para a deficiência que assalta os corações: não saber amar. Amar como Jesus amou, amor que comporta temor. Segundo von Balthasar (2008), no abandono de Deus, na angústia do crucificado é que o homem encontra a resposta, ele pode ver e reconhecer do que realmente foi resgatado e preservado. Ali na Cruz, o homem é preservado da perda definitiva de Deus, gratuitamente. O terrível abandono de Deus desperta em seu

54 “(...) O termo técnico parusia para se referir à vinda de Jesus na glória. O tempo da ausência do mestre que parte de viagem e dá ordens e seus servidores (cf. Mt 25,14-30; Lc 19,11-27) é o tempo que falta até a parusia” (SESBOÜÉ, 2003. P.349).

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coração o temor, mostrando-lhe que o inferno55 não é apenas uma ameaça pedagógica. De maneira que, com um olhar para o coração trespassado de Cristo na Cruz pode enxergar todo seu pecado. O lugar privilegiado onde o amor eterno apareceu em sua dimensão temporal é a Cruz, e também, o lugar do cristão. Onde ele reconhece sua culpa, ao ver seus pecados objetivados diante de si em Cristo. Um lugar de abandono, em todos os sentidos abandono que ninguém pode experimentar nem mesmo por aproximação, a distância que Cristo experimentou do Pai. Eternamente unido por essência ao Pai, só Ele pode revelar tal abandono, no qual o homem é resgatado em plenitude de todo e qualquer abandono. Porque é exatamente sofrer essa indisível distância do Pai que nos gera aproximação a Ele. O Filho de Deus assumiu em Si todo tormento, de todos os homens que sofrem nesse mundo pela aceitação de Deus. Ele leva ao coração do Pai o brado de angústia do mundo atormentado pela ausência de Deus. Consequentemente o brado do Filho no tormento extremo é simultaneamente a certeza da resposta divina. Contudo, o homem pode recuar e não aceitar esse amor. Von Balthasar (2008), expõe claramente, ao longo de seu trabalho, que o pecado que o homem lança no rosto do amor conhecido pesa incalculavelmente mais que o pecado cometido no estado de queda e ignorância. Com isso explica porque foi subtraída do homem toda a medida para avaliar o amor de Deus. O não-amor ou a separação, é distância do rosto de Deus. Mas, aos amigos da Cruz de Cristo, fica o legado mais precioso que o amor revelou: a esperança cristã. Esperança esta que se distingue da esperança humana, porque não é circunscrita por incertezas ou possibilidades. A esperança cristã, tal como a fé, tem parte no incondicional e universal do amor. Haja vista, “a caridade tudo crê e tudo espera” (1Cor 13,7). Ela

55 “Não há como negar: a ideia de uma condenação eterna, que se formou visivelmente no judaísmo dos dois últimos séculos anteriores ao cristianismo, está firmemente arraigada tanto na doutrina de Jesus (Mt 25,41; 5,29; 13,42; 22,13;1 18,8; 5,22; 18,9; 8,12; 24,51; 25,30; Lc 13,28) como nos escritos apostólicos (2Ts 1,9; 2Ts 2,10; 1Ts 5,3; Rm 9,22; Fl 3,19; 1Cor 1,18; 2Cor 2,15; 4,3; 1Tm 6,9; Ap 14,10; 19,20; 20,10-15; 21,8). Nessa medida, o dogma repousa sobre um solo firme quando se fala da existência do inferno (DS, 76, 858, 1351) e da eternidade de suas penas (DS 411). (...) O que é específico do cristianismo se mostra aqui, em seu convencimento da grandeza do homem: A vida do homem é uma emergência; ela não pode ser convertida, por obra de uma astúcia da razão, num momento dos planos de Deus; há o irreversível e também destruição irreversível- o cristão tem de viver com essa emergência e essa consciência da emergência. Essa seriedade absoluta da existência e da ação humana adquira sua forma palpável na cruz de Cristo, que lança luz sobre o nosso tema a partir de duas perspectivas. Deus sofre e morre- o mal não é, para Ele, o irreal; para Ele, que é amor o ódio não é um nada. Ele supera o mal não na dialética da razão universal, que pode converter todas as negações em afirmações; Ele o supera numa sexta feira Santa, não especulativa, mas absolutamente real. (RATZINGER, 2019, p. 214-6).

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transcende, vai além das dúvidas, “espera contra toda a esperança” (Rm 4,18) enquanto ato espiritual e não por instinto humano. De modo tal, que só é inteligível dentro da modalidade do amor (ágape). Com efeito o que para muitos permanece racionalmente insolúvel, aquele que tem fé pode acolher como inteligível na sua capacidade de amar. Sendo assim, o amor - esperança - sobrenaturalmente se torna a única atitude legítima e, portanto, a única permitida. A via expressa para a imitação de Cristo.

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Conclusão

Ao compreender sistematicamente o que do alto da Cruz se manifestou, o cristão, imbuído desse espírito, deseja salvar-se com todas as outras criaturas e não recusa a parte que lhe foi conferida no sofrimento expiatório a favor de toda humanidade. Mesmo que seja por aquela pré-compreensão, a qual tratamos em von Balthasar. Por fim, com vista no que foi exposto do pensamento balthasariano, é em virtude da real condição do homem, o pecador, que há uma má interpretação do amor revelado da parte de Deus. O amor manifesto em sua pureza, da criação à redenção, é uma complexa luz obscurecedora ao coração do homem. E por isso Deus se serve do próprio homem para lhe falar:

Graças ao sinal de Deus que se rebaixa encarnando e se aniquila na morte e no vazio de Deus, é que se pode esclarecer porque é que Deus, já como criador do mundo, saiu de si e desceu abaixo de si: Correspondia assim ao seu ser e a sua essência absolutos revelar-se, ... como amor insondável em profundidade, altura, comprimento e largura do próprio ser. (VON BALTHASAR, 2008, p. 121)

O sinal de Cristo é em última instância, o seu dom humano de amor, até a morte. Sinal de aprendizado enquanto homem, e de exercício divino, o qual demonstrou que o amor é relação. Que amar é morrer para si mesmo em função do outro, é se envolver com o outro. E por esta relação com o amor, num primeiro momento, pela fé, é que se chega ao abraço da Cruz. Ali, o amor é abraço, resgate, acolhida e também dor, humilhação e sacrifício. O homem-Deus ensinou que o amor nos obriga a morrer pelo outro, que sua lei é obedecer e obedecer é morrer. Von Balthasar ao ressaltar a humanidade de Cristo, jamais o fez a ponto de dar ênfase de modo que pudesse ser visto nele um super-herói ou um semideus como na antiga gnose e no arianismo. Nem se falou de uma cristologia bem-intencionada mas pouco esclarecida, como vemos hoje em dia. Ao contrário, em seu pensamento, reaviva o Cristo homem-Deus, verdadeiro modelo e graça para a humanidade que em seu modo de ensinar a viver o amor, do eros ao ágape, encoraja o homem a amar.

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Quando ainda éramos pecadores Deus lançou seu abraço acolhedor a nós, “[...]inimigos fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho[...]” (Rm 5, 10). Desse modo incompreensível à razão humana é que Deus nos amou, antes de qualquer previsão de resposta, na pura gratuidade, o amor deu provas de que já antes existia. Para complementar esse raciocínio, dentro da visão balthasariana, é relevantemente percebido que João, ao inferir o Cristo como logos, em sua primeira Epístola, mostra que lhe atribuiu o lugar da razão universal, pela qual todas as coisas se tornam compreensíveis. Mas, Ele não quis provar isto mediante a projeção da vida de Jesus no âmbito da sabedoria grega. João faz sua explanação interpretando o que o próprio logos aparecido na carne fez de si mesmo e, só é possível porque o logos se manifesta como graça do amor, e nesta graça como a glória. Portanto, a simples possibilidade de entender o fato histórico e lhe conferir uma necessidade torna-se uma redução àquilo que o homem poderia exigir ou esperar dele. Eis o inapreensível que se deixa tocar, não por categorias intelectuais dominantes. Porque, o amor na liberdade da sua graça não é para ser elaborado no domínio do intelecto, mas para ser experimentado a priori. A experiência feita pelo Cristo revela não menos que o amor absoluto em relação com os homens. Esse amor absoluto torna possível todas as ações cristãs, fundamentadas nele. Entretanto, diante da autoviolência56 do crucificado, o homem consegue desconfiar desse amor a ele manifestado. Desconfia desse amor quando não se conhece a distância infinita do respeito perante a majestade do amor de Deus na Cruz. Ou quando não existe nenhum temor perante o juízo57. Mesmo assim, desconfiando desse amor, permanece nessa vida em busca de sentido, buscando algo que o complete, vagando por perfeição, “nisto consiste a perfeição do amor em nós: que tenhamos plena confiança” (1Jo 4,17-18). No entanto, von Balthasar reafirma em sua teologia a resignação à Cruz. Não ao mero sofrimento humano, mas à luz da inteligência de Cristo e por fenômenos que

56 Auto violência é renunciar-se a si mesmo: É a noite escura da alma, segundo são João da Cruz. Movimento ascético para a união com Deus; em Jesus modelo de perfeição trata-se da kenosis divina. 57 “O juízo escapa a nossa tentativa de imaginá-lo. A primeira vista pode ser Deus (2Ts 1,5; 1Cor 5,13; Rm 2,3ss; 3,6; 14,10; Mt 10,28; 6,4.6.15.18), diz-se igualmente que é Cristo (Mt 25,31-46; 7,22ss; 13,36-43; Lc 13,25-27; 1Ts 4,6; 1Cor 4,4ss; 11, 32; 2Cor 5,10) finalmente em Mateus 19,28 disse aos Doze que: Quando chegar a “regeneração”, eles se sentarão sobre os doze tronos e julgarão as doze tribos de Israel ou ainda em 1 Coríntios 6, 2: “Não sabeis vós que os santos ão de julgar o mundo?” (RATZINGER, 2019, p. 206).

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ficaram fixados na história, como seus atos e palavras. Demonstrando que há um valor insondável em se conformar à Cruz. O homem conformado com a Cruz percebe-se para além do amor humano e se por ventura vier a se questionar diante da Paixão de Cristo, suas dúvidas não são senão possibilidades de amar apaixonadamente a Deus e ao próximo como Jesus o ordenou, lhe conferindo por via das dúvidas proximidade com o crucificado. Essa configuração a Ele é o que faz todo o sentido nesse caminho. Mediante a isso, incontáveis atributos do amor forjam esse ser humano configurado ao Cristo. Dentre os atributos se destaca a humildade, por ser ela a via que leva ao homem interior. Somente com humildade se desenvolve a lei do amor e, pela via da obediência, ele passa a trilhar uma liberdade inconfundível que o conduz a plena união com Deus. No entanto, bons e maus amam a si mesmos, em virtude de sua própria conservação. A diferença só podemos encontrar nos frutos, então é conforme a raiz desse amor que apreciamos os frutos. Os bons apreciam em si mesmo a natureza racional, isto é, a parte espiritual, o homem interior como havia mencionado Tomás de Aquino. E os maus, por sua vez apreciam a natureza sensível, quer dizer o homem exterior. Mas quem conhece a si mesmo ama-se de verdade. Desse amor provém os frutos espirituais que no coração daquele que deseja a integridade do homem interior tem uma raiz profunda. Não se pode dizer o mesmo daqueles que só alimentam o homem exterior, estes não sentem prazer nem em viver consigo mesmos, se alimentam de todos os tipos de paixões, e voltando-se ao seu próprio coração, encontram os males presentes, passados e um futuro detestável. Os maus denotam a ausência dos atributos próprios do amor, amam a si mesmo desregradamente, não vivem em paz consigo mesmos, disse Tomás, e não encontraram paz no outro também (AQUINO, v.III, parte II, Q.26, a.4; Q.27, a. 3; Q.29, a.4). Quanto ao amor-próprio destemperado é preciso tempo e muitos combates, para aperfeiçoá-lo. Equivale a uma luta diária do interesse contra o desinteresse. Segundo os teólogos que corroboram com o pensamento balthasariano, o amor é partilha e decisão, ele quer bem a si mesmo e ao outro, em primeiro lugar quer a existência do outro e que ele viva, quer que ele tenha bens e lhe faz bem vivendo com ele, concordando e partilhando alegrias e tristezas. É o homem interior quem dá as provas quando o amor atinge um grau mais elevado. Podendo dar os frutos além da

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cumplicidade de uma bela amizade (philia), e indo ao mais alto cume que demanda o ágape. Assim sendo, todo cristão é chamado a amar como aqueles que foram transformados na presença do Amor. Como por exemplo, um João da Cruz que aceitou o desafio da noite escura para sua alma. E a chamou desse modo por se tratar de uma escuridão que encontrou ao descer os degraus de seu próprio interior, buscando se conhecer. Um dos primeiros passos do exercício ascético e que a princípio ele mesmo buscou por amor a si mesmo, se privando de todos os tipos de paixões, obscurecendo em si mesmo, pela razão, todos os sentidos por meio da renúncia e da carência. Outro motivo porque ele a chama noite escura é o fato em si de caminhar à união com Deus, em razão de não haver outro caminho senão a fé, e esta, pode ficar tão escura para o entendimento como é a noite. João da Cruz, o místico, em seus relatos afirma que até mesmo a própria união da alma com Deus é algo incompreensível, portanto denomina-a, também, uma escuridão. Porque, dessa união dadivosa, nada se tem o intelecto, trata-se do total abandono ao amor. Essa passagem da escuridão dos sentidos e do entendimento abre uma grande clareira ao homem interior que, aí, passa a ser alimentado misticamente do próprio amor que emana dessa união. O homem interior fortalecido não hesita dar a sua vida, como ensina Jesus nos últimos momentos antes da cruz: “Ninguém tem maior amor que dar a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Na intimidade do Horto, Jesus, mesmo angustiado, consola os apóstolos perturbados, desejando também ser consolado. Pode a princípio ser difícil imaginar um Deus onipotente sendo consolado por aqueles homens, mas é próprio do amor esse desejo, e em sua carência pediu aos apóstolos que ficassem com ele. Porque naquele momento pesava-Lhe a angústia de não distinguir humanamente o sofrimento que estava sobre seus ombros, num momento em que ainda não podia discernir, por ele mesmo, entre sua inocência e a culpa alheia. Porém, dá testemunho de lealdade e aprendizado de fé, que vivenciou em sua vida terrena. Doravante, o homem em situação semelhante, pode e deve partilhar sua angústia com Cristo, pois, dela brota o exercício de expiação. Contra o não-amor o amor absoluto se manifestou destruindo o abismo das trevas e se fazendo passagem fundamental para a Vida. De modo outro, o pecador se angustia com sua própria culpa e a culpa do mundo, ele teme o futuro incerto. Sua própria culpa é causa de desordem e insegurança, como vimos, “quem teme não é perfeito no amor” (1Jo 4,17-18).

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Não obstante o medo do desconhecido seja perfeitamente natural ao homem, a proposição divina o convida a ir além do medo. Isso quer dizer que, no amor consolador de Jesus, os seus amigos mesmo com medo, se entregam ao amor e consequentemente à perfeição. Mas também é um fato que a recusa a esse amor pode estar presente no encontro. Se o cristão mantiver os olhos fixos só nas coisas visíveis, dificilmente poderá ultrapassar o medo. A reprovação entre os homens, o ódio e o desespero podem assim dominá-lo, com tendência a se refugiar em qualquer concepção individualista da Salvação, como Judas58. Não raro, cria para si outras saídas e abandona o outro. Embora o Senhor tenha deixado uma exemplar lição, lavando os pés, também do traidor, sem hesitar e mostrando a todo cristão como celebrar a vida servindo um ao outro.59 Esse dom de serviço ao outro ensina que não se extrai amor de onde não há amor. A ausência de amor em grau maior ou menor tem sua raíz nas trevas do egoísmo. Do amor- próprio ao ódio é um único passo, porque o homem está fora do seu estado original. No encontro de Jesus e o homem vemos que o homem é bom, mas está mal e só o doente necessita de médico. Doente de amor- próprio desejou não amar como foi criado para amar. O encontro do amor e da recusa é o encontro da luz e das trevas, do poder do mal e da onipotência do amor. Na verdade Jesus, pelos ensinamentos da Paixão e morte, indica-nos que não existe outro encontro decisivo com o mal, senão no Getsêmani e no Gólgota. Essa recusa cosciente no coração do homem é pura rebelião. E não existe outra resposta à loucura dessa rebelião senão a loucura da Cruz. Ele nos deu a vitória, se revestindo de fragilidade e humilhação, cuja onipotência é a própria fragilidade e pobreza. Fez-se necessário o esvaziamento dado em Jesus para desestimular o ódio e a recusa da humanidade. Mas é preciso crer nesse amor, em resumo a fé se torna um condicional elementar. A fé significa, para von Balthasar, a resposta ao amor que se entregou por amor e em respeito à liberdade do homem para que se pudesse conhecer que a loucura, à qual Deus o chama, consiste em não se defender, mas render-se ao amor. O amor é digno de fé porque decididamente diante do poder, Cristo não se fez poderoso. A fé

58 Lc 22, 1-6. 59 Jo 13, 1-35 – O lava-pés.

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perfaz a metafísica e a moral sobrelevando-as. Contrariou a todos, quis ser tão “manso e humilde de coração” (Mt 11,29) que sua “pobreza de espírito” (Mt 5,3), transpareceu em perfeição do amor, tornando-se presente, nos seus, nas atitudes de cada cristão. Concluímos que há um espaço livre para Deus agir dentro de cada cristão e não brota de uma decisão soberana. Há também, uma linha tênue que distingue o desejo de agir e deixá-Lo agir, isto é, no relacionamento entre o homem e Deus a decisão é concórdia e já obediência a uma ordem. Assim obediente, o agir cristão é um ser inserido, por graça, na ação de Deus. O agir cristão é amar com Deus e só aí é que tem lugar um conhecimento de Deus. “Pois aquele que não ama não conhece a Deus” (1Jo 4,8). Infelizmente, o drama do homem é o de não crer. Não crer no amor de Deus é permanecer na angústia eternamente. É não considerar que o próprio Deus manifestou sua fé no homem, tendo em vista, que Jesus creu no amor do Pai e o Pai no amor do Filho. O Pai esperou que seu Filho fosse ao fim de sua missão e o Filho esperou, no abandono, que o Pai fosse capaz de triunfar sobre a morte com a vida. E tudo foi consumado em virtude do amor desinteressado e gratuito de Deus pelo homem. Isto é, perdão. Assim também o homem ao perdoar se entrega ao Pai em Jesus. Reflexão esta que deve ser seu próprio exercício de fé, porque “quem muito perdoa muito ama” (cf. Lc 7, 47). O perdão de Deus é um ato de fé na humanidade e a esperança de uma resposta de amor. Por isso o homem mesmo em sua finitude pode superar toda a angústia já aqui entre seus semelhantes, indo além de si mesmo, aceitando e distribuindo perdão, com isso semeando justiça e benevolência, não uma justiça meramente humana, mas, porque o amor tem seu próprio reino e nele o que é justo belo e verdadeiro envolve a frequência de uma luz que clareia e unifica todas as modalidades do amor. No reino do amor o abismo, que frequentemente é visto no homem, não existe, pois, foi preenchido com todos os atributos do eros ao ágape para lhe dar o ser na totalidade. Podemos dizer, assim, que o rosto desfigurado do Crucificado é a resposta revolucionária para os constantes assaltos no coração do homem. Esse rosto desfigurado pelo ódio e pelo egoísmo se reconstrói na Cruz, mesmo lugar onde o homem pode suscitar tal excesso de amor. Tendo em conta todas as possibilidades de um novo ser gerado para sempre livre e liberto do mal.

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Por um sussurro, braços abertos, suspenso na Cruz, Jesus convida o homem a se entregar também nas mãos do Pai.

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V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

5.1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus. 4ª impressão, 2006.

5.2 Documentos do Magistério

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Vozes, Loyola, Ave-Maria, 1998.

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DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. (atualizada por Johan Könings e preparada por Peter Hünermann e Helmut Hoping). São Paulo: Paulinas; Loyola, 2013.

5.3 Bibliografia Principal

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LEWIS,C.S. Os quatro amores. Traduzido por Estevan Kirschner. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

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VON BALTHASAR, Hans Urs. Só o amor é digno de fé. Lisboa: Assírio & Alvin, 2008.

______. O cristão e a angústia. (tradução de Antonio Alves Guerra).São Paulo: Novo Século, 2000.

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WOJTYLA, Karol. Amor e responsabilidade- Moral sexual e vida interpessoal. São Paulo: Cultor e Livros, 2016.

5.4 Bibliografia Complementar

AGOSTINHO. A Graça. (tradução de Agustinho Belmonte). São Paulo: Paulus, 1998.

______. O livre arbítrio. (tradução, organização, introdução e notas Nair de Assis Oliveira; revisão Honório Dalbosco). São Paulo: Paulus, 1995.

______.Sobre o sermão do Senhor na montanha. (Tradução e nota de Carlos Nougué). São Paulo: Filocalia, 2016.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. (tradução Torrieri Guimarães). São Paulo: Martin Claret, 20125.

BERGANT, Dianne; KARRIS, Robert J. (Org). Comentário Bíblico. Vol. III. (tradução Bárbara Theoto Lambert). São Paulo: Edições Loyola, 1999.

BOFF, Clodovis. O livro do sentido. Volume 1. São Paulo: Paulus, 2014.

CRUZ , João da, Obras completas. 2ª Ed. Fátima: Carmelo de São José, 1947.

LEWIS,C.S. O problema do sofrimento. Tradução de Neyd Siqueira. Scaneado e distribuído sem fins lucrativos por Herbert Lopes, 2002.

RATZINGER, Joseph. Escatologia: morte e vida Eterna; tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Molokai, 2019.

RATZINGER, Joseph (Bento XVI). Introdução ao Cristianismo- Preleções sobre o Símbolo Apostólico com um novo ensaio introdutório. (Tradução Alfred J. Keller). São Paulo: Loyola, 2005.

______. Jesus de Nazaré- Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição. (Tradução de Bruno Bastos Lins). São Paulo: Planeta, 2011. 11

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SALES, Francisco de. Tratado do amor de Deus. (Tradução pelas Religiosas da Visitação). Porto: Livraria Apostolado da Impressa, 19583.

SESBOÜÉ, Bernard. O homem e sua salvação. tomo2. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

VISSEN, G.; KAHMANN, J.J.A.; DEHANDSCHUTTER, B. As cartas de Paulo, João e Judas. (tradução Fredericus Antonius Stein, Valério Heissen, Johan Konings). São Paulo: Edições Loyola, 1999.

VON BALTHASAR, Hans Urs. A verdade é sinfônica- aspectos do pluralismo cristão. (tradução do alemão: Ney Vasconcelos de Carvalho). São Paulo: Paulus, 2016.

5.5 Dicionários

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LATOURELLE, René; FISICHELLA, Rino. Dicionário de Teologia Fundamental. (Tradução de Luiz João Baraúna). Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.MCKENZIE, John l.

Dicionário Bíblico. (Tradução Álvaro Cunha...et al,;revisão geral Honório Dalbosco). São Paulo, 1984.

5.6 Fontes Digitais

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JOÃO PAULO II. Veritatis Splendor, Carta Encíclica sobre algumas questões fundamentais do ensinamento moral da Igreja. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/johnpaulii/pt/encyclicals/documents/hf_jpii_enc_0608199 3_veritatis-splendor.html. Acesso em: 25 de Abril 2019.

JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis, Carta Encíclica. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/johnpaulii/pt/encyclicals/documents/hf_jpii_enc_0403197 9_redemptorhominis.html. Acesso em: 25 de Abril 2019.

LEÃO XIII. Rerum Novarum. Carta Encíclica sobre a condição dos operários. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l- iii_enc_15051891_rerumnovarum.html. Acesso em: 25 de Abril 2019.

TERESA, de Jesus, Comentário das Fundações – Preparação para o V centenário de Santa Teresa de Jesus disponível em: h ttp://teresadejesus.carmelitas.pt/ficheiros/noticias/Fundacoes.pdf. Acesso em 25.05.2019.