UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA

LEGALIDADE E AUTORIDADE: A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1889-1893)

Audenice Alves dos Santos Zacarias

RECIFE-2009

Audenice Alves dos Santos Zacarias

LEGALIDADE E AUTORIDADE: A IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1889-1893)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Marc Jay Hoffnagel

RECIFE – 2009

Zacarias, Audenice Alves dos Santos Legalidade e autoridade : a implantação da República no Estado de Pernambuco (1889-1893) / Audenice Alves dos Santos Zacarias. -- Recife: O Autor, 2009. 154 folhas.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. História, 2009. Inclui: bibliografia. 1. História. 2. República. 3. Estado. 4. Constituições. 5. Pernambuco - Historiografia. 6. Peixoto, Floriano, 1839- 1895 – Governo. I. Título.

981 CDU (2. UFPE 981.34 ed.) BCFCH2009/101 CDD (22. ed.)

AGRADECIMENTOS

Escrevo estas breves palavras como forma de expressar minha gratidão a todos os que foram responsáveis por mais este capítulo de minha história, não apenas acadêmica, mas, acima de tudo, como cidadã de um Estado e de um país cujas lembranças me animam a lhe dedicar minha devoção e amor. Tenho em mim a plena certeza de que só aqui cheguei por contar com o apóio e compreensão de meu orientador, Prof. Dr. Marc Jay Hoffnagel, com a estrutura oferecida pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco e pelo provimento da bolsa de pesquisa que me foi possibilitada pela CAPES. De modo mais particular, gostaria de oferecer homenagem às minhas queridas família Igreja Batista em Afogados, família dos Fieis torcedores do SPORT Clube do Recife, a família Zacarias da Silva e família Alves dos Santos. E, principalmente, às minhas irmãs e melhores amigas Audeni, Adriana, Abigair, Albanita, Auzenita e Ana Cristina. Assim como agradeço ao meu amado esposo, Ronaldo Zacarias da Silva, por ser a extensão de meu corpo e complemento de minha alma. Por último, e mais importante, presto minha devoção ao meu Deus por tudo que ele fez por mim, especialmente, porque além de ter me oferecido seu Filho como meu Senhor e Salvador, permitiu que eu tivesse a melhor mãe do mundo até agosto de 2008, quando ela nós deixou. A você, Maria do Carmo Alves dos Santos minha (e)terna gratidão por tudo o que há de bom em mim.

SUMÁRIO

Páginas Resumo...... 07

Abstract...... 08

Lista de abreviaturas...... 09

Introdução...... 10

Capítulo 1: A recepção da Proclamação da República na Imprensa pernambucana: os desafios da elite política (1889-1890)...... 16

Capítulo 2: A elaboração da Constituição do Brasil e de Pernambuco no início da Primeira República (1890-1891)...... 51

Capítulo 3: Do Barão de Lucena a Barbosa Lima: o alinhamento de Pernambuco na ditadura do Marechal Floriano Peixoto (1891-1892)...... 81

Capítulo 4: O início do governo Barbosa Lima: a crise interinstitucional em Pernambuco (1892-1893)...... 113

Conclusão...... 141

Fontes...... 147

Referências Bibliográficas ...... 149

RESUMO

Legalidade e autoridade: a implantação da República em Pernambuco (1889- 1893) é um trabalho que tem por objetivo analisar a produção discursiva da liderança política pernambucana, especialmente nas falas parlamentares e nos jornais locais, durante a transição de regimes políticos no Brasil, em 1889; na construção da legalidade (aqui entendida como o instrumento jurídico-político elaborado pelo Poder Constituinte Nacional e pelo Poder Constituinte Decorrente de Pernambuco), em 1891; e nas primeiras crises entre os poderes Executivo e Legislativo, entre 1892 e 1893. Em outras palavras, o principal objetivo deste estudo, ao abordar um tema ainda pouco explorado pela historiografia e produção acadêmica regional, é evidenciar na república o continuísmo das linhas de exclusão e conservadorismo no tecido sócio-político pernambucano; a permanência dos valores e práticas da antiga liderança política local, ávida por sua inserção na nova ordem; assim como o enrijecimento da centralização administrativa em torno de uma única autoridade, o chefe do Poder Executivo. Uma sobreposição acentuada durante a presidência ditatorial de Floriano Peixoto, representada em Pernambuco pelo capitão florianista Alexandre José Barbosa Lima, líder local máximo após a crise interinstitucional ocorrida neste estado entre 1892 e 1893.

PALAVRAS CHAVE: República, Estado, Constituições, crise interinstitucionais, ditadura florianista.

ABSTRACT

Legality and authority: the implantation of Republic in Pernambuco (1889- 1893) is a work which target is the analyses of Political Leadership discursive production in the state of Pernambuco, Brazil, specifically in parliamentary speeches and in local newspaper extracts and interviews, during the political government system transition in Brazil, in the year of 1889; Also, in the building of Legality (In our work, reported as a juridical-political instrument as it was worked out by representatives and members of National Constituent Power and by the arisen Constituent Power in Pernambuco), in 1891; and in the first crises between Executive and Legislative Political Power, from 1892 to 1893. In other words, this works aims, on approaching such a rarely explored subject by regional historiography and academic scientific production, to make evident a continuous line of exclusion and conservatism in social and political weaving in the State of Pernambuco. The local lasting and maintenance of old political leadership values and practices, claiming its inserting in the new political order, as well as the growing strength of administrative centralization for a unique representative authority: The Executive Power Chief.. This is the scenery of an emphatic overcoming during Dictatorial Government of the Brazilian President Floriano Peixoto, represented by the “Florianist” Captain Alexandre José Barbosa Lima, greatest local representative leader after the interinstitutional crises that took place in the state of Pernambuco from 1892 to 1893.

KEY-WORDS: Republic; State; Constitution; Interinstitutional crises; “Florianista” Dictatorship; Pernambuco-Brazil History.

ABREVIATURAS

APEJE: Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. DAPPH: Departamento de Arquivo e Preservação Histórico do Legislativo. DORBPPCB: Departamento de Obras Raras da Biblioteca Pública Presidente Castelo Branco. FUNDAJ: Fundação .

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo central analisar como as representações de práticas e valores daqueles que ocupavam os papéis principais no exercício do poder não foram modificados após a implantação da República em Pernambuco, em 1889, permanecendo a disputa pelo controle centralizador da administração pública. Uma realidade que, mesmo após a legalização, através da constitucionalização de 1891, do novo regime de governo, não possibilitou às instituições serem qualificadas como legitimamente estruturadas devido à permanência de ações destoantes com as normas fundamentais da vida política de respeito à autonomia, liberdade, igualdade entre os poderes soberanos estaduais. Antes, mantinham-se dependentes do recurso de intervenção da força e de elementos externos ao membro federado para assegurar a obediência na relação interinstitucional, com seus liderados e com a população. Desse modo, o recém fundado Estado de Pernambuco, progressivamente, passaria a vivenciar a sobreposição do Poder Executivo frente aos demais poderes locais, especialmente, quando o capitão florianista Alexandre José Barbosa Lima se sagraria vencedor na crise interinstitucional pernambucana, entre 1892 e 1893. Entretanto, antes de abordarmos este tema consideramos relevante evidenciarmos a pouca produção acadêmica e historiográfica regional voltada aos primeiros momentos do sistema republicano de governo no território pernambucano, podendo destacar apenas a dissertação apresentada por Tânia Maria Soares de Amorim1 e alguns estudos elaborados por Costa Porto2, Francisco da Cruz Gouvêa3, Flávio Guerra4 e Gonçalves Maia5. No entanto, a temática sobre a propaganda, proclamação e estabelecimento da República no Brasil é extremamente rica e diversificada na historiografia nacional, salientando, em caráter meramente exemplificativo, os trabalhos realizados por Emilia Viotti6, Amaral Lapa7, Paulo Bonavides8, Lincoh de Abreu

1 AMORIM, Tânia Maria Soares de. O ALVORECER DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO: A atuação 2 PORTO, Costa. Os tempos de Barbosa Lima. Recife: Coleção Concórdia, 1966. 3 GOUVÊA, Francisco da Cruz. Uma conjuração fracassada e outros ensaios. Recife: Fundação de Cultura do. Recife, 1982. 4 GUERRA, Flávio. Lucena. Um estadista de Pernambuco. Recife: Arquivo Público do Estado- Imprensa Oficial, 1958. 5 MAIA, José Gonçalves. A política do assassinato uma página da história pernambucana. Recife: Editora Massangana, 1999. 6 COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república. São Paulo: Grijalbo, 1977. 7 LAPA, José Roberto do Amaral (org.). História Política da República. Campinas: Papirus Editora, 1990. 10

Penha9, dentre outros em que, salvo alguns desencontros interpretativos, principalmente quanto à liderança do 15 de novembro, é pacífica a aceitação sobre o modo como, mesmo depois da Leia Áurea, em 1888, a propagação do ideário republicano não parou de se expandir. Isso porque encontrou espaço para criar esperanças em parte da população cansada de um Império ineficiente na distribuição das riquezas nacionais, governando com uma excessiva centralização política e econômica que enrijecia a desigualdade desde dentro das então províncias e na relação interprovincial. Uma realidade que, entretanto, seria alterada no novo sistema de governo. Isso porque não era esta a preocupação maior nem mesmo das lideranças políticas locais, conforme iremos expor ao analisarmos sua produção discursiva na imprensa e nos anais das assembléias provincial, constitucional e estadual de Pernambuco, entre os anos de 1889 e 1893. Ao propormos a análise dos discursos emitidos pelos grupos políticos através do espaço público da tribuna parlamentar e na rede de jornais aliados temos por objetivo principal lançarmos luz sobre como esta produção discursiva servia muito além de uma mera retransmissão sobre o contexto político-social e econômico pernambucano, no início da República como no Império. Antes, criavam um sistema de representações simbólicas dos valores, normas e práticas que identificariam coletivamente o tipo de relação que um determinado grupo teria em suas ações na administração pública. Tais elaborações discursivas, direcionadas a envilecer ou exaltar algum partido ou facção partidária, manifestavam a pouca distinção existente entre aqueles que se revezavam na situação ou na oposição do comando local. Proclamada a República, no golpe militar liderado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, em 15 de novembro de 1889, os chefes e correligionários dos antigos partidos existentes durante o regime deposto empenhariam suas forças para formação e divulgação de discursos que lhes proporcionasse um adequado posicionamento nos primeiros instantes de incerteza quanto à sorte da insurgência militar, e, posteriormente, visando à sua positiva inserção na nova ordem com a gradativa consolidação da ruptura histórica que decretara o fim do Império no Brasil. Para investigar as condições desta produção discursiva faremos uma análise das contradições e semelhanças narrativas construídas pelos líderes locais através de seus

8 BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Textos políticos da História do Brasil. Volume 03, Senado Federal, 1996. 9 PENNA, Lincoln de Abreu. Uma História da República. : Nova Fronteira, 1989. 11 discursos parlamentares, assim como no noticiário dos jornais aliados de cada grupo. Dentre os quais destacaremos os três maiores jornais do período, Diário de Pernambuco, Jornal do Recife e A Província, evidenciando como cada um destes expressava uma representação do contexto histórico social, um diagnóstico da nova realidade e projetos de direcionamento do regime republicano de modo a privilegiar perspectivas favoráveis a um dado grupo ou líder político. Igualmente buscaremos investigar em nome de quem falavam, como montavam suas estratégias através da manipulação de categorias como “espaço”, “ordem”, “desordem”, “legalidade”, “legitimidade”, “patrimonialismo”; a encenação de situações passadas na história política pernambucana que ainda cintilavam no imaginário coletivo e que poderiam servir à construção de imagem positiva de um grupo ou líder político, bem como, a associação de expressões crivadas de princípios considerados de valor generalizado naquela sociedade. Um estudo que somente é possível mediante o auxílio da enorme contribuição teórica de autores como Renato Janine Ribeiro10, Raymundo Faoro11, Bronislaw Baczko12, Raoul Girardet13, George Balandier14 e Michel de Certeau15, dentre outros, e do redimensionamento dado aos jornais como fonte aceita pela historiografia nacional. Uma contribuição que, conforme o estudo da historiadora Tânia Regina de Luca, durante muito tempo foi desprezado porque os jornais eram considerados “pouco adequados para a recuperação do passado, uma vez que essas „enciclopédias do cotidiano‟ continham registros fragmentários”, oferecendo apenas “imagens parciais e distorcidas do real”16. Entretanto, podemos ressaltar que ainda que seja uma fonte de pesquisa complexa, devido sua mutabilidade interpretativa, a imprensa escrita mostra-se um campo extremamente fértil e amplamente propenso a novas investigações sobre o modo como a história pernambucana se refletia no entrelaçamento das redes político- partidárias e os editoriais dos jornais que a cada momento migravam ora para situação, ora para oposição.

10 RIBEIRO, Renato Janine. A República. São Paulo: PubliFolha, 2000. 11 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo, Globo, 1991. 12 BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. Enciclopédia Anthopos-Homem V, EINAUDI, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995. 13 GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas.São Paulo: Companhia das letras, 1987. 14 BALANDIER, George. O poder em cena. Brasília: UNB, 1982. 15 CERTEAU, Michel. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. Id. A invenção do cotidiano. I, Artes e fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994. 16 LUCA, Tânia Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (organizadora). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p.112. 12

Segundo Luis Nascimento17, é durante a efervescência partidária da segunda metade do século XIX que o Jornal do Recife, fundado em 1859 por José Vasconcelos, encontraria maior expansão ao ser contratado como porta-voz do recém criado Partido Progressista, sendo obrigado a deixar o posto de órgão oficial da presidência provincial de Domingos Souza Leão18. Todavia, este distanciamento não ganharia a proporção de um divorcio pleno porque, ao menos em Pernambuco, os Souza Leão tinham uma força considerável ao ponto do Jornal do Recife continuar a divulgar os atos da presidência provincial sem dirigir-lhe crítica ostensiva. Logo após a dissolução do Partido Progressista o jornal supracitado permaneceria em formação ideológica semelhante àquela que seria própria dos liberais de ambas as facções. Contudo, o editorial deste jornal buscava evidenciar que teria apenas “alugado colunas” e que, portanto, “a responsabilidade das informações publicadas era plenamente dos liberais”19. Somente a partir da segunda metade do ano de 1880 é que o Jornal do Recife definitivamente serviria à facção do Partido Liberal liderada por Luis Felipe de Souza Leão, conhecida como “leões”, desde o instante em que passou às mãos de Ulysses Viana e Sigismundo Gonçalves, permanecendo este apenas até o momento em que sairia para ocupar o cargo de presidente provincial local, em 14 de novembro de 1889. Proclamada a República, o Jornal do Recife se uniria ao ascendente líder do Partido Republicano de Pernambuco, Isidoro Martins Junior, que, em 1891, se tornaria redator chefe do referido jornal. Cabia ao jornal A Província, criado em 06 de setembro de 1872, por José Maria de Albuquerque Melo e Minervino Augusto de Souza Leão, o papel de claro defensor da proposta liberal de Monarquia descentralizada. Principalmente quando, após deixar de circular por alguns anos, é reerguido como veículo oficial do Partido Liberal. Assim como, caberia ao Diário de Pernambuco, fundado em 07 de abril de 1825, passando ao controle do comendador Manuel Figueiroa de Faria em 1835, o apoio ao grupo que, no tempo do Império, era conhecido como Partido Conservador. Semelhantemente, nos utilizaremos da contribuição de outras fontes como os folhetos que os líderes políticos mandavam produzir para alcançar a população que não se informava através do jornal aliado; e dos documentos oficiais, como, por exemplo, Portarias, Decretos, Relatórios, Mensagens e Boletins interinstitucionais. Desta forma,

17 NASCIMENTO, Luiz do. História da Imprensa de Pernambuco. Recife: UFPE, Imp. Universitária, 1968. 18 Jornal do Recife, 02 de abril de 1864. Idem. 19 Jornal do Recife, 01 de julho de 1880. Idem. 13 ansiamos demonstrar como espaços privados ou públicos eram empregados pela liderança política para representar a si e aos seus aliados de modo favorável à conjuntura política e neutralizar os opositores. Primordialmente após a proclamação da república quando a arena do comando político-partidário local passaria por um intenso processo de (re)composição. E é em meio à clara ausência de partidos fortemente estruturados que o controle exercido pelo Governo Provisório iria interferir com maior liberdade no Poder Constituinte, responsável pelo processo de constitucionalização da Primeira República do Brasil. Assim como o Poder Executivo Estadual, na pessoa de José Antonio Correia da Silva, marcaria a organização jurídico-política estadual com semelhante sobreposição do executivo, no momento em que efetua intervenção no Poder Constituinte Decorrente de Pernambuco. Tornando a autonomia, harmonia e independência, asseguradas pelas Constituições Federal e Estadual, para guiar a relação dos órgãos da soberania das instâncias nacional e estadual, princípios puramente ficcionais. Não impedindo a ocorrência de uma relação constantemente conflituosa, especialmente, entre os Poderes Legislativo e Executivo, ao pondo de provocar um desgaste tal que levaria o eleito presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, a renunciar ao cargo, sendo substituído pelo também militar Floriano Vieira Peixoto. Nesse instante, o vice-governador de Pernambuco, Antonio Correia da Silva, que dirigia o Estado na ausência do governador eleito e, até aquele momento, maior autoridade política local, o Barão de Lucena, resolve abdicar do posto. Sendo substituído por Epaminondas de Barros, o Barão de Contendas, que logo sentiria os abalos provocados pelo alinhamento deste membro-federado nas trilhas da ditadura florianista ao enfrentar, sem reação, o golpe de 18 de dezembro de 1891 que implantou neste Estado uma Junta Governativa. Buscando obter o maior lucro político possível naquele momento, o Partido Republicano de Pernambuco, liderado por Isidoro Martins Junior, se utilizaria da administração da Junta Governativa como a chance de finalmente dominar a arena política local. Além de ter a oportunidade de ampliar a projeção dos republicanos “históricos”, como eram conhecidos os correligionários do partido supracitado, a nível nacional nas eleições para a Câmara e para o Senado Federal que se aproximavam. O que teria levado a Junta, em 09 de janeiro de 1892, a buscar regulamentar o processo eleitoral estadual para imprimir legalidade às escolhas dos representantes pernambucanos ao Congresso Nacional.

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Contudo, a vitória certa que teriam nessa eleição fora esfacelada no instante em que os deputados do partido republicano, maioria no Legislativo pernambucano e que, por isso, poderiam eleger indiretamente o novo governador, resolvem consultar e acatar a decisão de Floriano Peixoto, elegendo como novo governador estadual o capitão florianista Alexandre José Barbosa Lima. Um líder que se representaria como ardoroso defensor da “pureza” do republicanismo e que, logo nos primeiro atos de sua direção, minaria a força política dos republicanos “históricos” não apenas na administração pública estadual. Isso porque Barbosa Lima soubera imprimir uma eficiente estratégia durante a crise interinstitucional vivenciada, principalmente, entre os Poderes Legislativo e Executivo, entre os anos de 1892 e 1893, em Pernambuco. A partir deste momento seria então enrijecido o fechamento do espaço de atuação dos lideres locais e mesmo dos demais poderes constitucionais deste Estado, pelo controle que progressivamente fora alcançado por Barbosa Lima. Assim, mesmo tendo adotado modernos princípios de harmonia, autonomia, igualdade, liberdade, em sua constitucionalização a Primeira República no Brasil e, especialmente, em Pernambuco teve sua capacidade de real transformação na estruturação das práticas e valores expressos pelas instituições públicas, em sua inter-relação e na interação com a sociedade, limitada pela sobreposição de interesses particulares e partidários. Causando um alto custo que mesmo hoje, cento e vinte anos depois da Proclamação da Republica, ainda nos pesa.

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CAPÍTULO 1

A RECEPÇÃO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA NA IMPRENSA PERNAMBUCANA: OS DESAFIOS DA ELITE POLÍTICA (1889-1890)

Ao analisarmos o noticiário dos jornais pernambucanos Diário de Pernambuco,

Jornal do Recife e A Província, logo após a proclamação da República no Brasil, ocorrida em 15 de novembro de 1889, temos por objetivo evidenciar como este meio de comunicação impressa fora utilizado pelos líderes políticos durante a transição de regimes de modo a produzir um sentido de diferenciação entre os grupos político- partidários que haviam se revezado no comando e na oposição local. Principalmente porque, como demonstraremos, na construção dos discursos registrados nos Anais da Assembléia Legislativa da Província de Pernambuco, no último ano do Império, não haviam conseguido expressar grande distinção entre os valores e práticas manifestos na relação que cada grupo tinha em sua relação com a administração provincial. Não obstante, o espaço do noticiário serviria ainda para construção de representações em que o líder político aliado do jornal figurasse como elemento cuja intervenção era indispensável no anunciado processo de mudança das instituições, bases e forças sociais que articulavam a implantação do novo sistema de dominação no Brasil. Desse modo, mesmo contando com número reduzido de cidadãos alfabetizados, a opinião publicada revelava-se como grande instrumento dos grupos políticos ao poder servir como forte condutora de mobilização, e na construção de uma imagem onde o golpe militar tivesse feições de uma revolução que progressivamente fosse aceita como legal e legítima. Uma vez que tinha a seu dispor a possibilidade de, em seus noticiários, encaminhar o acesso à memória política local e nacional com encenações do passado que produzissem interpretações favoráveis sobre os fatos recém ocorridos. Além de servir para construir linhas de identificação ideológica entre a população e o novo mando político, os jornais, trabalhando com as esperanças, angústias e necessidades sociais, eram o meio pelo qual o novo governo poderia incutir valores e normas que fixassem e traduzissem as representações favoráveis à ordem social e política que se buscava estabelecer.

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A queda do Império fora apenas como o primeiro ato de uma aparente transformação que traz consigo uma liberdade “que limpa o terreno e abri o campo do possível”20, todavia, o desafio que se mostrava à gente do novo governo era fazer a sociedade (re)conhecer quem seria nomeado como a força capaz de ocupar o centro, quem doravante agiria soberanamente. Para enfrentar esse dilema, os autores da proclamação compreendiam que só pela força da espada seu poder estaria constantemente ameaçado, tendo de concentrar suas forças no jogo de representações que caracterizam, especialmente, o contexto da transposição de um regime político para outro. Era preciso organizar e fixar na população um consenso positivo a respeito dos governantes atribuindo-lhes a imagem de “guardiões” que, em defesa das limitações e classificações sociais e políticas, agiriam para reforçar a ordem e atuar contra possíveis atos de desordem. Conforme iriam evidenciar, a “produção de imagens, a manipulação de símbolos e sua organização”21, para que o imaginário que iluminaria o fenômeno político fosse o desejado por aqueles que exerceriam a dominação efetiva da vida social, era uma tarefa tão árdua quanto indispensável. Isso porque, “o imaginário coletivo intervém em qualquer exercício de poder político” por ser através deste que “uma coletividade designa a sua identidade; elabora certa representação de si; estabelece a disposição de papéis e das posições sociais”22. E seria na luta do poder emergente pela conquista desta força reguladora que a liderança local compreendia um espaço para se inserir no novo regime, elaborando, principalmente nas páginas dos jornais, explicações e justificativas à transição de sistemas de governo. Nesse intuito, cada jornal tecia ou desconstruía versões sobre os fatos ocorridos manipulando com conceitos concebidos como de fácil compreensão pela população em geral, como “ordem”, “paz”, “lealdade”, “legalidade”, “legitimidade”, “moralidade”, dentre outros, como passaremos a verificar. Assim como, trabalhariam com as esperanças e temores de uma população pertencente à parcela nortista do Brasil que, em sua grande maioria, não havia obtido grande benefício da centralização política e econômica imposta pelo regime deposto. Para esta parte da nação os problemas eram amplos e complexos, e não se resumiam aos abalos impostos pela Abolição, operacionalizada pelo Império em 1888, pois a fraca economia local já havia imprimido uma redução no tamanho das plantações,

20 STAROBINSKI, Jean. 1789, os emblemas da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 44. 21 BALANDIER, George. O poder em cena. Brasília: UNB, 1982, 21. 22 BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. Enciclopédia Anthopos-Homem V, EINAUDI, Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 1985, p. 309. 17 alargando o uso de mão-de-obra de homens brancos empobrecidos, diaristas que trabalhavam por baixíssimos salários23. Pesando-lhe mais a plenitude do que ficaria conhecido como a “grande depressão”, um ciclo nefasto, entre 1873 e 1896, em que o desenvolvimento do sistema de transporte férreo e navegação a vapor haviam aumentado a oferta dos produtos agrícola no mundo, dificultando ainda mais a já difícil condição da economia nortista. Dentro do país, tinham de enfrentar o desafio de conseguir que o governo imperial promovesse uma política financeira que permitisse a redução dos impostos nas províncias sem que estas fossem mais sacrificadas em suas rendas. Tendo de subsistir com recursos que não chegavam a mais de um quarto do que era arrecadado pelo Império, operar constantes cortes em sua receita e retirar dos impostos de importação e exportação uma de suas principais rendas. A história da luta das províncias por uma melhor distribuição das rendas arrecadadas pelo Império ou maior autonomia para tributarem em sua jurisdição era bastante longa. Isso porque o Ato Adicional, de 1834, havia tolhido a estas o direito de livre tributação em seus territórios, guardando ao Poder Central o controle sobre os impostos, taxas e rendas internas e municipais. Apenas em 1850 é que o Estado Imperial esboça um melhoramento da situação provincial, ao tomar para si os gastos com serviços no setor jurídico e clerical. Porém, ao longo do Segundo Reinado não cessava “a transferência líquida dos recursos do norte para o sul, sob a forma de fundos governamentais”24. Nem mesmo a pressão exercida pela Associação Comercial de Pernambuco, formada em sua maioria por estrangeiros, sobretudo ingleses, apoiada por José Mariano Carneiro da Cunha, conseguiu impor sua exigência de que o governo imperial criasse uma fonte alternativa para a receita com a revogação do imposto provincial. Só restando às províncias cortar gastos e interferir nos impostos, aumentando os já existentes ou mesmo criando novas taxações, o que elevava até mesmo o preço dos gêneros alimentícios. Ao ponto de, em 1880, na guerra fiscal travada entre as províncias brasileiras, das sete tarifas existentes, Pernambuco possuía o mais alto imposto de importação provincial e mesmo assim, entre 1882 e 1885, a dívida da província pernambucana havia crescido cerca de 50%. Igualmente, faltava às províncias do norte uma melhor assistência quanto à infra-estrutura, com melhores e mais eficientes estradas de ferro e navegação, antes a

23 LEVINE, Robert M. Pernambuco na Federação Brasileira (1889-1937). A velha usina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 65. 24 MELO, Evaldo Cabral de. O Norte agrário e o Império (1871-1889). Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 253. 18 produção advinda de locais como a zona da mata pernambucana tinha enorme dificuldade de ter sua carga transportada devido às condições geográficas daquela localidade e pela precária condição do porto da capital provincial. Por volta da década de 1870 o porto do Recife não tinha profundidade suficiente para abrigar os navios que faziam o comércio transatlântico. Com uma profundidade de 7,20 metros, na maré alta, o porto do Recife obrigava os navios grandes a ancorar no meio do porto, só permitindo o embarque e o desembarque dos passageiros por meio de docas flutuantes ou balsas. E como os projetos para a dragagem e expansão eram constantemente adiados, o porto recifense foi empurrado do segundo para o terceiro lugar entre os portos brasileiros em movimento total25. Não fosse o bastante, as províncias nortistas se sentiam prejudicadas com a enorme dificuldade em receber auxílio para suas lavouras de algodão e açúcar. E se tal desatenção era dispensada aos grandes produtores voltados à exportação, ainda pior era a situação dos pequenos proprietários e os plantadores de subsistência que sofriam a mais completa desconsideração pelo poder público. Uma discriminação, intensamente criticada por Joaquim Nabuco, que não se manifestava apenas na questão do tamanho das lavouras, mas em sua localização geográfica, conseguindo os produtores de café do sul créditos com taxas de juros que variavam entre 10 e 12%, enquanto aos agricultores de cana e algodão nortistas as taxas não saiam por menos de 18 e 24%. Contando com tantos problemas o setor agrário de províncias como Pernambuco era tão pouco diversificado que, em pleno século XIX, o açúcar, cujo preço havia perdido cerca de 50% do valor anteriormente constatado, era a maior riqueza produzida. Nem mesmo a introdução de nova técnica de produção e nova variedade de cana tinha surtido algum efeito que amenizasse a crise26. Isto porque, os problemas eram muito mais complexos, compreendendo desde o plantio, à maquinaria dos engenhos e o transporte agrícola. Na capital pernambucana, em 1854, os engenhos movidos a vapor era apenas 1%, 80% dependiam da tração animal, 19% dependiam de energia hidráulica, enquanto em países latinos como Cuba, já no ano de 1870, 70% dos engenhos de açúcar eram movidos a vapor27. Além de enfrentar o crescimento do açúcar

25 LEVINE, Robert M. Pernambuco e a Federação brasileira (1889-1937). In: FAUSTO, Boris (org.). O Brasil republicano, vol1; estrutura do poder e econômico (1889-1930); 6ª. Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, p. 146. 26 ANDRADE, Manoel Correia de. A Terra e o Homem do Nordeste: Contribuição ao Estudo da Questão Agrária no Nordeste. São Paulo: Editora Atlas, 1986, p. 8. 27 FRAGOSO, João Luis. O império escravista e a republica dos plantadores. In: LINHARES, Maria Yeda. Historia Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus. p.153. 19 de beterraba da Europa, havia a concorrência injusta do açúcar do Caribe auxiliado pela “política tarifária norte-americana que dava aos plantadores do país um subsídio de 80%, o que permitia aos cubanos uma redução de 20% do preço do seu açúcar no mercado”28, levando os produtores de açúcar do Brasil a necessitar, desesperadamente, de uma urgente modernização para aumentar sua produtividade. No entanto, a maquinaria moderna importada tinha um valor exorbitante que chegava a ser dez vezes mais caro do que o lucro anual típico de cinco contos dos agricultores provinciais, sendo-lhes também vedada a alternativa de tomar empréstimos nos bancos, de maioria inglesa, que não aceitavam hipotecas rurais como garantia e caso optassem por agiotas teriam de pagar cerca de seis vezes mais do valor adquirido. Para dar uma resposta à urgente necessidade de um plano de modernização que aumentasse a produtividade e diminuísse os custos da produção agrícola o governo imperial resolve implantar engenhos centrais que separavam o fabrico do cultivo do açúcar. Todavia, querendo repassar o custo da modernização agroindustrial das províncias para os capitais estrangeiros, o governo central acabava entregando a parte mais rentável, a manufatura, aos investidores estrangeiros que, sem uma eficiente fiscalização por parte do poder público, muitas vezes enviavam máquinas defeituosas ou tecnicamente imperfeitas. Tentando ocupar o lugar de intermediário entre os grandes produtores da açucocracia nortista e o governo imperial, as lideranças do partido conservador e das facções do partido liberal tentavam costurar uma solução para os problemas acima apresentados. Contudo, fosse como situação, no momento em que seus aliados ocupavam o Gabinete do Império do Brasil, ou como oposição velada, não ao sistema monárquico, mas ao grupo político que no momento gozava os benefícios do controle sobre a administração pública do Império, os avanços eram extremamente lenientes e acanhados devido a pouca força político-partidária dos representantes políticos do norte do país, principalmente com os constantes embates desde dentro dos partidos. Conforme os esclarecimentos de José Murilo de Carvalho, até 1837 não se pode falar em partidos políticos no Brasil e sim de organizações políticas ou parapolíticas do tipo sociedades secretas, somente no final daquela década é que surgiriam os dois grandes partidos Conservador e Liberal. Entretanto, em 06 de junho de 1864, correligionários conservadores e sectários liberais se uniram para compor a Liga

28 LEVINE, Robert M. Pernambuco na Federação brasileira (1889-1937). A velha Usina. Op. cit., p. 65. 20

Progressista ou Partido Liberal Progressista, que logo fora dissolvido, em 16 de junho de 1868, levando parte dos progressistas a formar o novo Parido Liberal enquanto a outra parte ingressou no Partido Republicano, fundado em 1870. Deste modo, até o fim do Império o sistema partidário permaneceu tripartido, tendo de um lado dois partidos monarquistas e, de outro, o Partido Republicano29. Na então província de Pernambuco a bipolarização do Partido Liberal, acentuada em 1878, tinha separado os liberais conhecidos por “leões” (progressistas que haviam desertado do Partido Conservador ao tempo da Liga Progressista30 e se firmado em torno do clã da família Souza Leão) dos liberais históricos conhecidos como “cachorros” ou “democratas”31 (chefiados por Antonio Epaminondas de Melo, contando também com nomes como José Mariano Carneiro da Cunha, José Maria de Albuquerque Melo e Augusto Henrique Milet). O nível da desarticulação entre estes grupos seria plenamente manifesto no episódio que ficaria conhecido por “hecatombe de Vitória”, em 27 de junho de 1880. Na eleição para a vaga de Suassuna no Senado32 e para os cargos de Juíz de Paz e vereadores, na cidade de Vitória33, os “leões” teriam determinado que os democratas não poderiam ter livre trânsito em alguns locais de votação na cidade de Vitória, como a Matriz do Rosário. Seguindo ordens que teria partido do líder dos democratas da cidade de Vitória, Ambrósio Machado da Cunha Cavalcanti34, este grupo decidiu partir para o confronto direto, ocasionando a morte do Barão de Escada, cunhado de Ambrósio Machado que, alegando este motivo, findaria alistando-se na corrente dos propagandistas da República, os históricos de Izidoro Martins Junior35. Eleito pela primeira vez deputado por Penambuco à Assembléia Geral36, o liberal histórico José Mariano Carneiro da Cunha não perdeu a oportunidade de formular discursos culpando os “leões” pelo ocorrido, no entanto, ao mesmo tempo em que Mariano produzia sua fala contra os “fidalgos Leões”, representando-os como

29 CARVALHO, José Murilo de Carvalho. A Construção da Ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980, p. 158. 30 MELO, Evaldo Cabral de. Op. cit., p.132. 31 DAPPH, Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco. Em caloroso debate na Assembleia Provincial pernambucana, o deputado Miguel Ferraz, ao se declarar “liberal de convicção e princípio”, é inquirido pelo deputado conservador, Moreira Alves, para que “deixe claro se é Epaminondas ou Souza Leão”; recebendo como resposta de Ferraz de que “não sou nem leão nem democrata”, 16 de março de 1883. 32 PORTO, Costa. Op. cit. p. 11. 33 José Mariano ou o Elogio da Tribuna. Secretaria do Interior e Justiça de Pernambuco. Arquivo Público Estadual. Recife, 1953, p.20. 34 José Mariano ou o Elogio da Tribuna. Op. cit., 1953, p.20. 35 PORTO, Costa. Op. cit., p. 11. 36 TAUNAY, Afonso de E. A Câmara dos Deputados no Império. São Paulo. Anais do Museu Paulista, nº XIV. 21

“os únicos responsáveis pelo ocorrido em Vitória”, não isenta a parcela de culpa de Ambrosio Machado afirmando que ele “poderia ter evitado tal confronto”37. No último ano do Império a arena política pernambucana era dominada pelas facções do Partido Liberal, “leões” e “cachorros”, e pelos correligionários do Partido Conservador de Pernambuco. Entretanto, como podemos evidenciar ao analisarmos os Anais da Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco, apesar dos desencontros entre os partidos, ou facções partidárias, estes não se diferenciavam quanto ao demonstrarem como as incomensuráveis dificuldades políticas e econômicas enfrentadas pela população local eram preteridas ante o anseio dos lideres partidários em denegrir seus oponentes ou atender sua clientela, que os auxiliaria nas próximas lutas eleitorais. As falas parlamentares, publicadas nos anais internos daquela instituição e nos jornais responsáveis pela divulgação do expediente legislativo provincial, constituem o resultante de um laborioso trabalho argumentativo da liderança política para projetar uma visão dicotômica entre os dois partidos de maior expressão local. Em cada momento de argüição os lideres ou correligionários buscavam emitir, com seus elogios e denúncias, efeitos de verdade que produzissem significações em que a população aparentasse uma necessidade extrema de proteção, ao mesmo tempo em que o grupo político oponente fosse revelado como perigosa ameaça à ordem e aos valores sociais que ele, o emissor do discurso, se posicionava para proteger. Sem, contudo, conseguirem comprovar quaisquer diferenças realmente existentes entre as práticas políticas e formações ideológicas de liberais e conservadores quando lidavam com a administração de setores de maior relevância para a sociedade pernambucana, a saber, segurança, educação, empregos e respeito às instituições públicas. No discurso proferido pelo deputado liberal Antonio Gomes Correia da Cruz, nem mesmo as instituições públicas estavam imunes das ações de desvirtuamento da força policial do interior da província, onde apadrinhados de líderes do Partido Conservador agiriam para tentar impor à força ações que neutralizassem os que lhe faziam oposição. Segundo tal denúncia, sob o consentimento ou ordens diretas do delegado e juiz municipal, ambos aliados ao Partido Conservador, policiais teriam invadido a Câmara Municipal de Triunfo para impedir a reunião dos deputados que em sua maioria eram liberais38. Em seguida, o deputado José Maria de Albuquerque Mello

37 José Mariano ou o Elogio da Tribuna. Op. cit., 1953, p.20 38 DAPPH, Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco, 19 de março de 1889. 22 informa ao plenário ter recebido da cidade interiorana de Bom Jardim uma notificação do senhor José Cypriano, antigo aliado dos conservadores, em que este acusava o major Carlos Leitão, nomeado por seu cunhado, o comendador e deputado conservador Rogoberto Barbosa da Silva, pelo abuso de autoridade ao “invadir e prender a ferro mulheres e crianças dentro da residência do acusador, somente porque este havia elaborado artigos contra o deputado Rogoberto Barbosa”. Buscando produzir em seu discurso maior efeito de veracidade, o deputado liberal apresenta, como prova documental da acusação, um telegrama em que o senhor Cypriano relatava o desrespeito sofrido por ele e por sua família. Além disso, seu mecanismo argumentativo busca atingir intensa ressonância em grande parte da população ao evidenciar em sua encenação cenários e deveres considerados sagrados para a sociedade geral, como a proteção do lar e daqueles considerados de extrema fragilidade, como a mulher e as crianças. Ao mesmo tempo, num período em que ainda estavam extremamente vivas na memória social as mazelas da violência do regime escravocrata, este discurso buscava demonstrar nos adversários práticas de abusos autoritários próprios dos escravagistas que prendiam a ferro seus escravos. Contudo, se o deputado liberal formulava discurso apresentando-se no papel de advogado de um individuo “indefeso”, o deputado conservador Rogoberto produz uma resposta em que, mesmo não desmentindo o fato da prisão, se representa como guardião não apenas de um indivíduo, mas de uma sociedade ao afirmar que seu cunhado agira motivado pelo desejo de “não permitir desrespeitos às leis da moralidade e da decência pública quando o senhor José Cypriano “fora encontrado bêbado”39. Desse modo, alterando a motivação da ação do delegado aliado o deputado conservador considerava pertinente tal abuso daquela autoridade, não encontrando por parte dos demais deputados presentes na sessão quaisquer novas argüições contrarias à sua resposta. Como podemos perceber, as significações de “ordem” e “moralidade” não se encontravam rigidamente estabelecidas nas relações de uma sociedade cuja ética apresentava-se fortemente relativizada, isto é, dependendo das motivações, “em nome da moral”, a ordem do que era considerado inviolável, o lar, e a relação respeitosa entre a polícia e os cidadão era facilmente rediscutida e deslocado para o campo do “justificável”. No instante em que o Partido Liberal voltava a ocupar o comando do Gabinete Ministerial, desde 07 de julho de 1889, com Afonso Celso de Assis Figueiroa, o

39 DAPPH, Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco, 26 de março de 1889. 23

Visconde de Ouro Preto, os deputados conservadores de Pernambuco passaram a utilizar com maior freqüência a tribuna parlamentar da Assembléia Legislativa Provincial. Com formação ideológica semelhante ao que era apresentado nos discursos do grupo liberal, os deputados conservadores formulavam “denúncias” contra seus adversários caracterizando, igualmente, o povo como elemento passivo que tinha seus direitos fundamentais preteridos mediante os interesses dos correligionários e apoiadores liberais. Assim, o deputado José Vicente Meira, fazendo ênfase a sua posição de deputado conservador e professor, buscaria demonstrar uma extrema indignação sobre a “criação de cadeiras de magistério no interior da Província, em localidades onde não há freguesia”, sendo as mesmas funções ocupadas por pessoas não habilitadas, servindo apenas para satisfazer amigos e políticos dos liberais”40. Num período de intensas discussões sobre o enfraquecimento do regime monárquico, cujos atos políticos eram sustentados virtualmente pela prática de preenchimento de cargos públicos por indivíduos protegidos de um determinado líder político41, a atribuição ao Partido Liberal do pleno uso de tais práticas outorgava-lhe uma representatividade de pouco interesse pelas reais deficiências da população, de alto nível de analfabetismo, apenas voltados a ostentar sua proteção à sua clientela e preparar novas vitórias eleitorais. Diante de uma arena política provincial tão enfraquecida, pelas práticas e normas partidaristas que liberais e conservadores expressavam ao ocuparem o controle do mando local ou a oposição a este, não é difícil compreendermos que suas denúncias contra a falta de assistência que o governo deveria dar a esta província soasse como um frágil ruflar de uma ave que se tornava cada dia menor. De um lado, “os liberais pernambucanos não dispunham de líderes verdadeiramente nacionais à maneira de João Alfredo, „vicerei‟ do norte, condição sine qua non da ambição nacional de um político pernambucano”. E na província pernambucana o grupo liberal dos “cachorros” era liderado por José Mariano, político mais liberal por suas ideias do que pela submissão ao partido, que “na sua fase de maior prestígio, foi considerado um tribuno populista42

40 DAPPH, Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco, 11 de outubro de 1889. 41GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1997, p.15 -16. 42O termo “populista” está relacionado à pratica do “populismo” surgido “quando se dá a crise da hegemonia oligárquica e das instituições liberais que obrigam a um amplo e instável compromisso entre os grupos dominantes, presidido pelo fortalecimento político do Executivo. E nestas condições de crise de hegemonia, reserva-se ao líder populista a função de intermediário entre os grupos dominantes e a massa”. In: WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira, 4ª. Edição, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 159. No léxico político brasileiro, a expressão “populista” está historicamente relacionada 24 um epílogo de Nunes Machado mas sem as qualiades de equilíbrio deste”43. E mesmo quando tinham no Gabinete Imperial um aliado, não conseguiam fazer aprovar suas propostas de beneficiamento da açucocracia pernambucana, como ocorrera na questão dos engenhos centrais durante a gestao de João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, o Visconde de Sinimbu, que estivera à frente do Gabinete Imperial entre janeiro de 1878 a março de 1880. Enquanto os maiores nomes da facção liberal dos “leões”, Domingos Souza Leão, falecido em 1879, e seu primo e herdeiro político Luis Felipe Souza Leão “não passavam de caciques provinciais”44 que recebiam o apoio de José Antonio Saraiva, Ministro do Império entre março de 1880 a janeiro de 1882. E quando tinham à frente do Gabinete Imperial um elemento pertencente ao grupo político oponente, o entendimento era ainda mais difícil. Assim, durante a gestão de um gabinete conservador, em 1875, ao presidir a Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco, Domingos Souza Leão, o barão de Vila Bela, propôs no Parlamento o financiamento público da modernização agroindustrial açucareira. Contudo, bem sabiam os intermediários da açucocracia nortista que nem eles nem os comerciantes ligados a exportação do açúcar teriam os seus interesses promovidos pela política de engenhos centrais do Governo imperial, antes tal sistema de lei, de 1875, seria “imposto autoritariamente ao norte agrário em beneficio de capitais estrangeiros e do ativo lobby de „melhoramentos materiais‟ que vicejava no Rio à sombra de lucros fáceis de intermediação que proporcionavam a obtenção e a venda de concessões governamentais”45. Segundo Henrique Augusto Milet, o projeto imperial dos engenhos centrais, posteriormente conduzido pelo Gabinete liberal de João Lins Sinimbu, “desnacionalizava inapelavelmente a agroindústria açucareira, canalizando os lucros para os capitais estrangeiros, fundadores e acionistas”. Expressando um discurso de valorização e legitimação das práticas de um Estado-paternalista, o liberal Augusto Milet advogava que caberia ao Estado promover “toda a proteção que habilite os senhores de engenho a serem os proprietários e administradores das fábricas centrais que hão de moer suas respectivas canas”. Petição reforçada na tribuna da Câmara dos Deputados pela voz de José Mariano que não

ao modo como fora vivido neste país o fenômeno típico da América Latina na segunda metade do século XX, mas precisamente, durante a Revolução de 1930. O que nos leva a questionar se o historiador Evaldo Cabral de Melo, ao considerar José Mariano um “tribuno populista”, não teria cometido um uso anacrônico de tal termo. 43 MELO, Evaldo Cabral de. Op. cit., p. 187. 44 Ibid. p. 187 45 Ibid. p. 162. 25 aceitava o modo como apenas as empresas estrangeiras haviam se beneficiado com a implantação dos engenhos centrais. Contudo, a sincronia entre as falas da facção liberal dos “cachorros” não era de modo nenhum articulada às ações de seu ministro aliado, antes, em 1879, quando a Câmara põe novamente em debate a questão do crédito à lavoura, Sinimbu continuava a afirmar que “a lavoura do norte, que consta principalmente da cultura da cana, não podia ter favor maior que a criação de engenhos centrais”. Do mesmo modo, o gabinete de José Antonio Saraiva, aliado da facção liberal dos “leões”, e os dois gabinetes conservadores, de Cotegipe e João Alfredo, também não promoveram grandes concessões de incentivos financeiros aos proprietários para que introduzissem mecanismos de aperfeiçoamento nos seus engenhos, o que tornava a açucocracia de Pernambuco, segundo Paul Singer, uma simples fornecedora de cana ao capital estrangeiro46. No último ano do regime monárquico brasileiro, a situação da lavoura pernambucana, conforme demonstra o trabalho anteriormente citado de Robert Levine47, ainda era difícil, como podemos perceber no pedido de socorro que o deputado José Mariano formula em seu discurso ao ministro liberal Afonso Celso de Assis, o visconde de Ouro Preto. Representando a situação da lavoura provincial como “aflitiva pela crise longa e falta de recursos para o plantio de cana”, solicita que para Pernambuco fosse enviado “auxílio eficaz de qualquer forma, de qualquer meio”48. Um calamitoso cenário econômico que conflagrava ainda mais a oposição ao regime Monárquico. Enquanto a liderança tradicional do Partido Liberal, como Joaquim Nabuco, ainda defendia que era possível lutar dentro do regime monárquico por uma federalização que trouxesse a eletividade dos presidentes provinciais, crescia a “facção radical e ultrademocrática” de dissidentes liberais propagando um “movimento pela descentralização e federação de modo a encerrar a poderosa e incontrastável força que, de quando em quando, os tiravam das gratas comodidades das situações de poder”49, lançando, no Manifesto Republicano, de 1870, as bases do futuro Partido Republicano.

46 Ibid. p. 170. 47 LEVINE, Robert M. Pernambuco na Federação Brasileira (1889-1937). A velha usina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 48 DAPPH, Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco, 07 de outubro de 1889. 49 VIANA, Oliveira. O ocaso do Império. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 1990, p.43. 26

Se para tal manifesto fora apenas “uma reprodução dos Anais do Parlamento e dos artigos da imprensa, contendo os clamores dos dois partidos em oposição”50, na interpretação de Reginaldo Carneiro Pessoa “longe de ser vazio e inexpressivo, é um documento em cujo conteúdo pode ser encontrada uma cautelosa mensagem revolucionaria que requeria necessárias reformas em todas as estruturas do país, fundamentadas ideologicamente nos princípios da liberdade-democrática”51. O que pudemos perceber ao analisarmos tal fonte é que mesmo tendo sido assinada por líderes políticos de diversas localidades, como Joaquim Saldanha Marinho, ex- presidente de Minas e São Paulo e ex-deputado por Pernambuco, Aristides Lobo, ex- deputado por Alagoas, Quintino Bocaiuva, jornalista no Rio de Janeiro, José Maria de Albuquerque Mello, ex-deputado pelo Rio Grande do Norte, o manifesto republicano, publicado nas páginas do jornal A República, na cidade do Rio de Janeiro, a 03 de dezembro de 1870, direcionava o acesso à memória sobre os fatos históricos ocorridos na primeira metade do século XIX, especialmente a confederação do Equador e a revolução de Pernambuco, utilizando-os como expressões de um anseio nacionalmente generalizado por uma autonomia provincial. Além disso, ao declararem que “somos da America e queremos ser americanos” estes partidários republicanos tornavam explícito que tipo de regime republicano desejavam, ou seja, uma República Americana de liberdade e federalismo, capaz de impedir a continuidade da intervenção centralizadora do Estado sobre os membros federados e os indivíduos. Todavia, tal sonho americano, desejado pelos grandes proprietários rurais, especialmente paulistas, tinha em sua constituição o elemento da igualdade que estava distante da realidade de uma nação às voltas com o regime escravista e com as disparidades econômicas e sociais entre as províncias. Na então província pernambucana, segundo Marc Jay Hoffnagel, surgira um republicanismo urbano construído pelos profissionais liberais e pequenos proprietários do comércio que idealizava, diferentemente dos paulistas, um Estado que “promoveria uma distribuição mais justa e igualitária de medidas voltadas ao bem-estar do pequeno proprietário trabalhador”. Apenas em 1880 nasceria um novo grupo republicano, possuindo uma base social composta por indivíduos provenientes da classe média urbana, especialmente os bacharéis em direito, que demonstraria alguma expressão de

50 Ibid. p. 85. 51 PESSOA, Reginaldo Carneiro. A idéia republicana no Brasil, através dos documentos. São Paulo: Alfa-Omega, 1973, p. 39. 27 energia. Mais “elitistas do que os republicanos do período anterior, o seu ideário político tendia a girar em torno da concepção comtiana de uma „ditadura República‟; forma de governo que colocava a direção social nas mãos de uma elite escolhida de acordo com a capacidade de compreender as leis cientificas que governava a evolução da sociedade”, na segunda metade da década de 1880 estes “republicanos começaram a tomar medidas visando à transformação de seu movimento numa força política viável”52. Para isso, promovem na convenção, realizada em 1888, com representantes vindos até mesmo do interior, em que fora criado o Partido Republicano de Pernambuco. No primeiro ato oficial desse novo partido, é elaborado um manifesto, cuja autoria é atribuída a Aníbal Falcão, com o apoio de Ambrósio da Cunha Cavalcante, José Isidoro Martins Junior e Maciel Pinheiro, imaginando para este grupo um lugar político de imensas proporções ao declarar que teria “o dever” de falar “a toda a nação claramente as suas idéias”, principalmente quando afirma ser seu discurso autorizado pela “tradição desta província” e legitimado “pelos seus patriotas e pelo sangue de seus mártires”. Ao longo de seu discurso, pregava a incompatibilidade entre o progresso e a Monarquia, ao mesmo tempo em que advogava a implantação de um regime “exercido no campo da ação prática, pela concentração das forças políticas, isto é, pela ditadura tão forte quanto responsável, imbuída de permitir a livre expressão do progresso e da garantia da ordem social”. Quanto ao conceito de descentralização, interpretada como “uma justa aspiração de nosso país”, os republicanos pernambucanos traduziam-no como mera “separação das funções administrativas do governo da administração local”, isso é, “não tem nenhuma feição legislativa nem política, apenas administrativa”53. Para justificar sua defesa por um executivo centralizador, que legaria ao poder legislativo apenas a função elaboração do orçamento trienal, utilizavam em seus recursos argumentativos o medo recorrente em parte da população, ao afirmarem o constante perigo de um possível desmembramento do Brasil. Quanto à sociedade em geral, e principalmente o “proletariado”, seria “incorporado mediante a eliminação de privilégios da burguesia”, uma vez que, na idealização dos republicanos positivistas, a

52 HOFFNAGEL, Marc Jay. “Rumores de Republicanismo em Pernambuco”. In: SILVA, Leonardo Dantas. A República em Pernambuco. Recife: Editora Massangana, 1990. p. 164 e 170. 53 PESSOA, Reginaldo Carneiro. Op. cit., p. 110. 28

República significaria “a abolição de todas as desigualdades por ser o regime do bem público”54 Mesmo assim, o Partido Republicano de Pernambuco, diferentemente do que ocorria em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, ainda era eleitoralmente fraco e não representava a elite econômica da província, isso porque os senhores de engenho de Pernambuco, em contraste com os fazendeiros do sul, não aderiram ao Partido Republicano de Pernambuco em massa, por não enxergar nos centros de propaganda republicana uma irradiação capaz de seduzi-los, levando não mais do que 100 senhores de engenho a “ingressar no Partido Republicano de Pernambuco no período de 1888 a 15 de novembro de 1889”55, levando à pouca expressão que os republicanos tiveram na eleição de setembro de 1889. Afinal, como pudemos perceber ao analisarmos o discurso do Partido Republicano de Pernambuco, em seu manifesto de inauguração, em 1888, o modelo do regime republicano apresentado era tão centralizador, ou até mais, quanto o Poder Moderador. Mantendo no centro da arena política provincial o domínio dos partidos conservador e liberal, ainda que estes se encontrassem fragilizados. Todavia, era no campo das práticas arraigadas na cultura administrativa do Estado Brasileiro que se encontravam um dos maiores entraves à modernização deste país, tendo em vista o incomensurável peso do legado das várias décadas de administrações patrimonialistas, que engessaram toda a capacidade de melhoramento na fiscalização, atuação e desenvolvimento das instituições públicas. É recorrente na historiografia sociológica e filosófica, voltada à análise dos valores e práticas da sociedade brasileira, o modo como, desde o período colonial, a administração pública brasileira se mostrou incapaz de abolir o legado português de dirigir o Estado como extensão da ordem familiar, o que impedia a implantação do Estado Moderno56, caracterizado por uma burocracia impessoal, racional e universalista57, ao contrário, o governo monárquico constituia-se como “um arranjo entre amigos”58, enrijecendo o patrimonialismo herdado do além mar. No entanto, significar o patrimonialismo simplesmente como a apropriação privada da coisa pública

54 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 41. 55 HOFFNAGEL, Marc Jay. Op. cit., p.174. 56 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p. 56. 57 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 58 GRAHAM, Richard. Op. cit., p.222. 29 por políticos ou por pessoas que tenham poder59 constituiria “um equivoco”, segundo o filósofo Renato Janine Ribeiro. Em sua análise sobre a historicidade do conceito do “patrimonialismo” Janine Ribeiro afirma ter sido na revolução de 1383, quando Portugal experimentou o desenvolvimento precoce e o rei João I, com o forte apoio da sociedade burguesa mercantil e do povo, considerou o próprio Estado como sua empresa, que teria se iniciado o sentido preciso de “patrimonialismo”, isto é, o Estado significado com um bem pessoal, um patrimônio, uma propriedade que vem de pai para filho, como herança60. Com tantos desafios econômicos, políticos, sociais e culturais, pouco poderiam esperar os 14 milhões de brasileiros, 24% deles vivendo no meio urbano, que assistiram ou tiveram notícias sobre o parto da república produzido pela parafernália do Exército, isso porque, “a república e a federação eram temas que não participavam das rodas do povo comum”. E mesmo entre a elite social, econômica e política a proclamação sabiam que “seria uma resposta à confecção de uma forma adequada à nova composição social” após a Abolição61, sem grandes alterações nas estruturas econômicas e sociais. Como expressara o escritor carioca , era apenas uma troca de chapéus sobre um mesmo corpo62, uma vez que as mudanças legais, institucionais e ideológicas, de igualdade, liberdade e autonomia, levariam algumas décadas para deixarem de ser apenas letras mortas na Constituição republicana. Proclamada a República, as facções liberais, de “leões” e “cachorros”, os republicanos históricos e os conservadores, que até então se digladiavam na arena política pernambucana, através dos jornais Jornal do Recife, A Província e Diário de Pernambuco, conseguiram construir narrativas dinâmicas que, combinando dimensões temporais distintas e em seqüências nem sempre cronológicas, visavam extrair da pluralidade dos acontecimentos a composição de uma intriga de exaltação a um grupo enquanto denegria outro. Tais narrativas eram tecidas entre louvores a grandeza de modelos comportamentais do passado e insistentes recordações de tradições de um passivo povo “guerreiro”, mas sempre a espera de seu “líder heróico” que lhe explicasse o diagnóstico de seu tempo e lhe indicasse o caminho a ser seguido, sufocando a força

59 Veja: revista semanal brasileira. São Paulo: Abril. Edição 2024, ano 40, nº 35, 05 de setembro de 2007, p.7. “Ministro Joaquim Barbosa: os 40 do mensalão no banco dos réus”. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, relator do famoso “Caso do Mensalão”, utilizou-se do termo patrimonialista com tal significação ao criticar a “doença brasileira de sempre tirar vantagem do que é público”. 60 RIBEIRO, Renato Janine. A República. São Paulo: PubliFolha, 2000, p.12. 61 BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 35. 62 ASSIS, Machado. Obra Completa. Volume III, Rio de Janeiro: Aguiar Editora, 1973, p. 489. 30 inovadora do presente e expondo um julgamento sobre os fatos com críticas que se enunciavam apoderadas pela autoridade do “passado”, sendo este criado para dar o poder de o sentido da “verdade” histórica. Uma verdade dogmática trançada não como uma compreensão parcial, mas como a explicação que, remodelando as experiências vividas e que ainda cintilavam na memória daquela população pernambucana, impunham uma explicação indiscutível. Deste modo, os conteúdos narrados pelos jornais se apresentam metamorfoseados em discursos construídos para neutralizar adversários, e, acima de tudo, levar o leitor ao lugar passivo, sendo-lhe imposta a necessidade de uma adesão imediata a algum sentido transmitido por um dado grupo político, que visava se representar como indispensável à implantação da estrutura política e social ora insurgente63. Assim, o noticiário dos jornais supracitados manifestou como a carga dos interesses daqueles que tiveram durante o Império, e buscavam permanecer na República, a posse ou a intensa influência no mando político impunha um conservadorismo que impediria a renovação, ou plena superação, dos valores e práticas na administração pública, antes possibilitaram o enrijecimento de entraves políticos como a centralização e o intervencionismo de um poder provisório, e posteriormente do Poder Executivo, sob as mesmas bases soberanas que tivera o poder Moderador. Acabando por produzir uma minimizavam das transformações que se anunciavam ao país e da discussão de algo tão importante como as possibilidades de mutações que o presente pode nos trazer ou nos levar a fazer, conforme assegura Jeanne Marie Gagnebin64. Rastreando as publicações do Jornal do Recife, entre a segunda quinzena de novembro e o mês de dezembro de 1889, é possível perceber como a exterioridade do momento político provincial, favorável à facção liberal dos “leões”, manifestou-se no modo como o jornal supracitado noticiou o golpe de militar de 15 de novembro de 1889. Isso porque tal parcela liberal ainda comemorava nas páginas do Jornal do Recife a transição entre o ex-presidente provincial Manuel Alves Araújo, altamente influenciado pela “intervenção autoritária superior da província”, ou seja, os aliados de José Mariano Carneiro da Cunha, e o novo presidente Sigismundo Antonio Gonçalves, genro de Felipe de Souza Leão. Contudo, “o triunfo”, como fora representada a

63 Acerca da análise sobre imaginário social e produção de discursos políticos, ver BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. Enciclopédia Anthopos-Homem V, EINAUDI, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985, e BALANDIER, George. O poder em cena. Brasília: UNB, 1982. 64 GAGNEBIN, Jeanne Marie. Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Editor 34, 2007, p. 187. 31 transição provincial, era significado não como uma conquista partidária, ou melhor, da facção partidária dos leões, antes ganhava um sentido de uma interação desta parcela política com o Poder Moderador o qual teria cometido “uma acertada escolha”, logo aceita pela Câmara Municipal do Recife, “interpretando os sentimentos da população pernambucana”65. Diante desse contexto, os efeitos de sentido produzidos pelo Jornal do Recife sobre o golpe militar operado pelo Marechal Deodoro, na cidade do Rio de Janeiro, expressava muito mais do que uma surpresa, mas um desapontamento e temor quanto à nova ordem e classificação social e política que recairia numa província cujo mapa político-partidário era, como vimos anteriormente, extremamente fragmentado e fragilizado. Ao publicar as primeiras informações que chegavam por telegrama à capital pernambucana, o Jornal do Recife buscaria encontrar positiva recepção ao seu discurso na população ao manipular, em seus mecanismos argumentativos, conceitos como “honra”, “lealdade”, “paz”, “ordem”, “desordem”, “legalidade”, “legitimidade”, que deveriam impedir ações consideradas despóticas66. Ao mesmo tempo em que representaria a população local como uma massa dependente de um líder que lhes aconselharia quem deveria figura nos papéis de “bons”, “vítimas”, “culpados”, “inimigos a serem combatidos”, numa visão maniqueísta própria de uma sociedade considerada como pouco politizada, devendo assim permanecer ao simplesmente aderir, mesmo sem compreender ou concordar, ao diagnóstico e caminho tecido por cada grupo político local através de seu jornal. A partir do dia 16 de novembro, o Jornal do Recife inicia a produção de seu discurso sobre os conteúdos relatados pelos telegramas vindos do Rio de Janeiro com uma matéria intitulada “acontecimentos graves”. Contudo, ao analisarmos os desdobramentos especificamente desta titulação poderíamos evidenciar duas expressões de direcionamento interpretativo. Primeiramente, o jornal trabalha a relação entre a idéia de “acontecimento” e de “fato histórico” que, na indicação de Michel de Certeau, estariam diferenciados uma vez que o “acontecimento” é aquele que recorta, é o meio pelo qual se passa da ordem para a desordem, para que haja inteligibilidade, mas sem

65 Jornal do Recife, 05 de novembro de 1889. 66Sobre estes conceitos, ver: BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. Enciclopédia Anthopos-Homem V, EINAUDI, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985; BALANDIER, George. O poder em cena. Brasília: UNB, 1982; FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 1991; GIRARDET, Rauol. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das letras, 1987; e WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 32 explicar; enquanto o “fato histórico” é aquele que preenche para que haja enunciados de sentido, fornecendo os significantes, destinados a formar, de maneira narrativa, uma série de elementos significativos organizados67. Ou seja, ao nomear os conteúdos relatados por “acontecimentos” o jornal significa-os como desconhecidos que deveriam, doravante, ser ordenados e dispostos de modo a que lhes fosse atribuído um sentido, transformando-os em “fatos históricos”, numa operação que se apresentava urgente por serem os conteúdos adjetivados como “acontecimento graves”. Num segundo desdobramento da titulação, ratificada em todo o corpo da matéria, é expressa a interpretação de que se tratava não de um rompimento histórico, antes encenava uma transitoriedade representada no que seria apenas “uma dura prova” que “a Corte do Império atravessa neste momento”. E como eixo que sustentaria tal sentido de transitoriedade estaria a “honra” da população que não poderia rasgar o pacto que, segundo o Jornal do Recife, havia firmado com “as instituições que juramos manter”. Ao evidenciar “as instituições” monárquicas a facção partidária, que exatamente naquele momento perderia de gozar os benefícios do controle da arena política local, manifestava o enorme perigo aos partidos que até então se revezavam no mando político, e que poderiam perder o controle sobre a gama abrangente das ações do governo imperial em sua relação subjetiva com a população, entre auxílios imediatos e demais interesses atribuídos ao público. Deste modo, os partidos, à frente das câmaras municipais, assembléias e presidências provinciais, senados e gabinetes imperiais, não deixavam de serem atingidos uma vez que eram aqueles responsáveis por fazer presente não só o Império que os escolhia, ou permitia seu exercício nos postos oficiais, mas também era posto em xeque a expressão das práticas e valores por este regime aceitos e operados pela classe política. Levando os jornais, locutores dos partidos locais, a manifestarem não apenas surpresa, mas temor da liderança política de ser demolida do comando político assim como o Império que ruía. Como estratégia de “defesa” a elite política local produziu um tipo de assujeitamento dos leitores que, representados à beira da falésia da deslealdade e da traição a um “juramento” a eles atribuído, deveriam esperar uma “explicação” e uma indicação comportamental. Afinal, na encenação do passado construída pelo Jornal do Recife, a população tinha uma enorme dívida com o regime monárquico porque “em seu governo temos gozado longos anos de paz e progresso moral e social”. O jornal supracitado, indiretamente, se utiliza do pronome

67CERTEAU, Michel. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 103. 33 pessoal na terceira pessoa do plural, “nós”, ao declarar que “temos gozado”, para sugerir um entrelaçamento entre o grupo político que emitia sua mensagem por esse jornal e a população, ao mesmo tempo, maneja os conceitos de “paz” e “progresso”, expressos como indiscutíveis nas preocupações do leitor. Porém, não trata do progresso econômico, algo que nas várias décadas da monarquia seus representantes não conseguiram implantar na então província pernambucana, apenas propõe um abrangente e evasivo “progresso moral e social”. E quanto ao contexto de extrema violência com a qual convivia a sociedade local68, o jornal lançar sobre o regime que se insurgia a suspeita do medo de um possível agravamento da precária situação atual. Contudo, ao produzir efeitos de sentido de uma relação indissolúvel entre a população, criada pelo jornal, o e Império, o Jornal do Recife não se reporta a uma união baseada na legitimidade, mas representa a Monarquia como “o governo legal”. Ou seja, um poder exercido segundo as leis estabelecidas, e não como um mando que gozasse de um grau considerável de consenso na população ao ponto da obediência desta estar apoiada pela adesão. Segundo os princípios metodológicos de Max Weber69, evidenciados no excelente trabalho de Branislaw Baczko, a regulamentação do comportamento humano ocorre em função do sentido visado por cada indivíduo em suas atividades, ocasionando, em sociedade, a construção de uma “rede de sentidos, de marcos de referência simbólicos por meio das quais os homens se comunicam” e “designam as suar relações com as instituições políticas”. A vida social seria, portanto, “produtora de valores e normas, e de sistemas de representações que as fixam e traduzem”70. Deste modo, as relações políticas, entendidas por weber enquanto dominação dos homens por outros homens, seriam muito mais amplas do que simples relações de força e de poderio. Antes, a legitimidade dos poderes estaria fundamentada no sistema de representações coletivas que orientariam as atitudes de obediência uma vez que seria através destes que se exerceriam os três tipos de dominação política enunciados por

68 Sob o título de “Recife sangrenta”, Robert Levine afirma que: “Nas capitais estaduais, as máquinas políticas utilizavam os serviços da milícia assim como da polícia urbana para impor o seu domínio, ao passo que a oposição contratava capangas e, às vezes, buscavam proteção junto aos oficiais federais locais”. LEVINE, Robert. Pernambuco e a Federação brasileira (1889-1937). Op. cit., p. 138. Uma situação que, como vimos ao analisarmos os Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco., no início deste capítulo, era vivenciada igualmente pela população interiorana. 69 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 70 BACZKO, Bronislaw. Op. cit., p. 307. 34

Weber como dominação carismática, burocrática e tradicional. E seria justamente o tipo de dominação tradicional que estaria presente na sociedade brasileira. Nesta sociedade, o peso do sistema de representações coletivas que fundamentariam a legitimidade dos poderes e orientariam o comportamento de obediência dos comandados estaria envolto em bases afetivas e na manipulação de significações como “moralidade”, “eterno ontem” e “lealdade”. Entretanto, tal lealdade, violentamente ou silenciosamente, se desfez ao ponto do regime monárquico não produzir respostas às perguntas que se multiplicavam sobre as relações que regulariam o poder político que, mesmo ainda sendo legal, não era mais representado como legítimo representante de seu povo. Uma vez que a noção de legitimidade “depende dos princípios de uma ética superior ao direito”, “é reconhecida espontaneamente na grande massa da opinião e no segredo dos espíritos e corações” que aceitam “a manutenção das instituições estabelecidas com evidência”, contudo, “na crise de legitimidade o dever da lealdade perde seu valor de existir” porque “o poder, as práticas que põe em ação, os homens que o exercem e que o encenam são, doravante, sentidos como „o outro‟”71. Mais uma vez manipulando o conceito de lealdade, o Jornal do Recife afirmava que “as instituições ainda tem bastante vitalidade para lutar e vencer, e o Exército voltará à calma, sendo o antigo e leal guardador do trono e da honra da pátria”72. Deste modo, imprimia uma interpretação à atitude do Exército com um sentido de traição, devendo antes resguardar as classificações e comportamentos desejados pelos devotos do continuísmo. Somente a partir do dia 19 de dezembro, a substituição da monarquia pela república deixa de ser significada como “acontecimento”, com sentido de transitoriedade, passando a ser representada como “a nova situação do país”. Ao mesmo tempo, o jornal produz um sentido de vacuidade na estrutura jurídica da nova ordem uma vez que esta era imposta “por um governo de fato a espera de ser um governo de direito”, algo apenas possível quando “esse poder fosse consagrado pela Constituição”. Nesse diagnóstico, o Jornal do Recife abria o apropriado caminho para a classe política se inserir na organização do regime republicano, porque com “o fim da monarquia que os organizava, os partidos haviam desaparecido”. Porém, se na arena política local não mais haveria as disputas entre os grupos rotulados de conservadores, republicanos históricos e as facções liberais, dos “leões” e “cachorros”, o que importava ao Jornal do

71 GIRARDET, Rauol. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 88. 72 Jornal do Recife, 16 de novembro de 1889. 35

Recife era defender a idéia de que “a nação precisava ser representada”. E nesse processo que se iniciava de (re)ordenamento das forças políticas a facção dos “leões” não poderia deixar que sua derrota, na perda da presidência provincial, fosse representada por seus oponentes de modo excessivamente negativo. O que impunha uma (re)significação da informação do Diário de Pernambuco de que o Sr. Sigismundo Gonçalves tinha passado o comando local, “apenas 32 horas depois de sua posse, cumprindo ordens vindas do governo central”73, quando, “a bem da verdade histórica, o Senhor Sigismundo Gonçalves (até então dirigente do Jornal do Recife ao lado de Ulisses Viana) passou o poder ao General Cerqueira por considerar que poderia imperar a desordem”. Deste modo, o jornal queria fazer crer que o senhor Sigismundo, a liderança, os correligionários e apoiadores da facção dos “leões”, possuía peso social e político de tal proporção que, ao seu desejo, poderiam deflagrar ações contra a nova ordem imposta. Para tanto, o jornal expõe toda a rede político-partidária que até então autorizava os discursos políticos emitidos por “esse órgão da imprensa que sempre lutou pela ordem e pela liberdade”, e que em tempos de república receberia o reconhecimento “inúmeros amigos, desta capital e do interior do Estado, que nos tem interrogado sobre que atitude deveriam ter em relação ao governo republicano”. Progressivamente, o editorial do jornal expressa a opinião de Ulisses Viana, redator do jornal, José Antonio Saraiva, antigo aliado no cenário nacional, e Luis Felipe Souza Leão, ainda líder dos seguidores daquela que fora a facção liberal dos “leões”, que unanimemente “aconselham a que, de modo definitivo, nossos amigos, individualmente e coletivamente possam aderir francamente ao regime, e sirvam à pátria sob o novo sistema da mesma maneira leal e patriótica que serviram à monarquia. É essa a nossa atitude”74. Mesmo que fosse esta a única atitude que aquela e as demais facções partidárias poderiam tomar, criavam um sentido de “escolha” tomada e aconselhada aos seus ditos seguidores. Nesse “aconselhamento” o grupo político do jornal supracitado manifestava sua percepção sobre a população, ou seja, representava a massa popular como um universo de indivíduos cuja força poderia e deveria ser controlada por hábeis lideranças, especialmente num contexto que, na construção do Jornal do Recife, ainda emitia signos de perigo à nova ordem. Para tanto, oferecia grande destaque ao retransmitir as notícias

73 Diário de Pernambuco, 17 de novembro de 1889. 74 Jornal do Recife, 21 de novembro de 1889. 36 do Jornal do Comercio75 sobre o depoimento de alguns participantes de uma sessão no Centro Republicano Lopes Trovão que teriam ouvido “um romper de vivas à Monarquia e à Princesa Isabel, ameaçando aos que ali celebravam” a vitória da república, ao mesmo tempo em que testemunhas informavam que “pertencentes à Guarda Negra gritavam na rua do Ouvidor dando vivas à Monarquia e ao Partido Liberal, seguindo-se um distúrbio que culminou com o ferimento de um homem no ombro”76. Assim como publicaria novas ações de expressão de desordens praticadas na cidade carioca, atribuindo para alguns líderes principais um peso considerável sob a população mais uma vez representada como uma massa que não pode ficar sem que lhe dirijam as forças, posto que suas convicções ideológicas eram tão efêmeras quanto capazes de produzir atos violentos. Como no momento em que “Silva Jardim proferia orações na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e uma multidão decidiu despedaçar os retratos da Senhora Condessa d‟Eu” e até mesmo “de Dom Pedro II”, somente sendo contida “quando Lopes Trovão usou da palavra para aconselhar que não mareassem a vitória despedaçando retratos. Imediatamente foi aceito e, em meio a aplausos, o povo saiu em ordem”77. Deste modo, a liderança política que emitia sua mensagem através do Jornal do Recife explora o jogo entre “ordem” e “desordem” para representar um contexto político e social em que o novo regime estava constantemente em suspense por não ter atingido o imaginário social coletivo, fazendo o governo provisório depender do trabalho de líderes que estariam capacitados para defender e reforçar a distinção, classificação e limites da nova ordem enquanto a sua inversão, a desordem, ameaçaria a república. Semelhante aos demais jornais daquele período, o Diário de Pernambuco também se utilizou dos medos, necessidades, aspirações e valores que circulavam em grande parte da população para produzir ressonância capaz de gerar identificação ideológica entre os leitores e a formação social e política na qual eram gerados os argumentos do grupo que se expressava pelo Diário. Num primeiro momento, os fatos ocorridos na cidade do Rio de Janeiro recebiam uma adjetivação metafórica de que “as notícias que chegavam eram cruéis”. E nesse breve instante de oposição, ou não identificação imediata do grupo político local

75Jornal de linha conservadora, nascido em 1826, considerado a melhor representação do jornalismo oficial do Império ao ponto da história deste jornal se confundir com a do próprio Reinado. In: MARTINS, Ana Lucia, LUCA, Tania Regina de. A história da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Contexto, 2008, p. 52. 76 Jornal do Recife, 23 de novembro de 1889. 77 Jornal do Recife, 26 de novembro de 1889. 37 com os autores da Proclamação da República, é elaborado um enredo de posicionamento e qualificação dos personagens que seriam julgados pelo deslocamento operado pelo Diário pondo em relevância questões de legalidade jurídica e moral daquele ato. No papel de vítima estava Dom Pedro II, que mesmo em tempos de conflagrada oposição ao Império ainda parecia conseguir emitir signos de um líder que se não tinha mais sólido apóio, também não havia perdido toda a simpatia e até admiração de grande parte dos que agora eram seus ex-súditos. O Diário, assim como os demais jornais, não considerava seguro emitir qualquer expressão de desagravo ao antigo monarca brasileiro, não se referindo a ele, em momento algum, como rei deposto, antes, especialmente naquele ato inicial de transição, o Diário prestava-lhe homenagens que, diante do contexto político-social e econômico da nação, e principalmente do norte brasileiro, parecia excessivamente contraditório aos dados negativos anteriormente apresentados por este mesmo jornal. O Diário, assim como o Jornal do Recife, dava ênfase à formação jurídica do governo de Dom Pedro II apresentando-o como “um príncipe à testa de um grande Império” que “sempre havia governado de forma igualitária entre as partes do país, respeitando os limites da Constituição”, e que naquele momento tinha, metaforicamente, “seu espírito alquebrado” pelos “impacientes de sua corte”, ou seja, pelo Exército “que dera o mau exemplo de uma conspiração militar iniciada por um crime78”. Se a classe militar fora julgada como culpada, pelo erro de “ensinar o caminho dos golpes”, seria aos liberais, que estavam à frente do Gabinete Imperial desde 07 de julho daquele ano, a posição de grande vilão porque, durante a Monarquia, haviam cometido o “crime do mau uso do dinheiro público” e, numa afirmação hiperbólica, “tinham conseguido suas vitórias pela força das baionetas”. Nessa sorte, o Diário, numa análise parcial e partidarista dos elementos do antigo Partido Conservador de Pernambuco que se utilizavam das páginas deste jornal para promover a descompostura pública de seus adversários históricos, interpreta a transposição dos regimes de governo como uma simplória derrota do partido oponente, “a queda do Partido Liberal”, encontrando espaço para pronunciamentos irônicos ao perguntar “o que é feito do arrogante Gabinete de 07 de junho?”. Enquanto este grupo estaria se lamentando por “sua queda”, e os outros pareciam surpresos, o Diário buscava emitir em seu discurso a

78 Diário de Pernambuco, 16 de novembro de1889. Referindo-se ao lastimoso caso do Sr. Barão do Ladário, que, segundo o Jornal do Comercio, em 16 de novembro de 1889, “não querendo obedecer a uma ordem de prisão que lhe fora intimada, resistiu armado e acabou ferido”. 38 segurança própria àqueles que sobrevivem, lutam e vencem através de uma pronta elaboração de “conhecimento”, uma vez que o jornal supracitado afirmava que “tudo, entretanto, não é mistério, o Exército e a Armada impondo-se pela força, fizeram a revolução campear nas ruas do Rio de Janeiro, proclamou-se a República”79. Quanto ao povo pernambucano, mesmo usando uma classificação geral, o Diário passa subjetivamente a classificá-los por suas atitudes, dando às classes mais abastadas uma recepção “angustiada porque sabe que pode e tem o que perder”80, enquanto a grande massa é retratada sob ícones religiosos ao imaginá-la como “Pilatos da procissão católica, a tudo assistindo embasbacado”, tendo diante de si um futuro ainda incerto porque, no diagnóstico apresentado por esse jornal, havia “a possibilidade de reatar os laços quebrados no momento em que o Exército ensinaram o caminho dos golpes de Estado” ou ser definido “o triunfo da revolução”81. Assim como os outros jornais locais, no momento em que se referiam ao “15 de novembro de 1889, quando a monarquia foi derrubada por golpe militar”82, o Diário não faria uma distinção clara ao se utilizar dos conceitos de “revolução” e “golpe de Estado”. Isso porque, segundo Paulo Mercadante, “a diferença talvez esteja na circunstância de que os homens, na primeira, são joguetes das forças que se libertam, ao posso que, no último, maior é o raio de liderança, maior é o desempenho do ator no curso dos fatos. No embate revolucionário, o indivíduo, em termos de sua personalidade e de suas idéias, apaga-se no clarão que ofusca, torna-se o peão que ao acaso destrona o príncipe para vencer ou sucumbir, no processo imprevisível. Já o golpe de Estado parece estar sujeito ao esquema das lideranças, ao papel mais ou menos eficiente dos que articulam, da cabeça mais fria ou da idéia que melhor reponde ao andamento do fato. Uma revolução gera heróis; nivelam-se, na sua corrente mártires e déspotas. Diverso do golpe de Estado, propenso ao surgimento dos energúmenos, fantoches e burocratas. Porque na revolução as forças arrastam as personagens, que, frágeis, se deixam levar ou apenas se debatem no torvelinho desordenado. O golpe é plano, é ciência, maquina-se na intriga, na surpresa, na traição”83. Todavia, essa breve insinuação de oposição, ou desconfiança, para com o movimento militar, que se impôs pela “força” contra um rei que agia “nos limites da

79 Diário de Pernambuco, 16 de novembro de 1889. 80 Diário de Pernambuco, 16 de novembro de 1889. 81 Dário de Pernambuco, 17 de novembro de 1889. 82 COSTA, Emilia Viotti da. Op. cit., 77. 83 MERCADANTE, Paulo. Militares e Civis. A Ética do Compromisso. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978, p. 116. 39

Constituição”, ou seja, dentro da legalidade, não duraria muito. Antes, o Diário publicaria com regularidade “as sucessivas demonstrações de adesão vindas do interior”, numa implícita insinuação de que a população interiorana seria senhora de seu destino e tivesse outra opção, quando, subjetivamente, o jornal supracitado intencionava o assujeitamento generalizado de seus leitores à nova ordem. Restando-lhe apenas a “alternativa” de identificar-se ideologicamente com a nova formação política e social uma vez que, no diagnóstico do Diário, a “revolução era fato consumado”84. Em publicações posteriores do Diário de Pernambuco o grupo que se utilizava desse veículo de comunicação impressa passaria a expor, de forma mais ostensiva, sua busca por uma posição privilegiada de intermediário entre o governo provisório e a população. Para isso, elabora uma encenação do passado histórico da sociedade francesa, manipulando acontecimentos que foram transformados em signos de admiração e, ou, de medo no imaginário de grande parte da população que tomou conhecimentos dos acontecimentos franceses através dos jornais e dos livros. No entanto, se no discurso de Antonio Silva Jardim a Revolução Francesa, que completava seu primeiro centenário naquele ano de 1889, era retratada como “a Revolução adorada que instituiu a paz e a liberdade inabalável na Europa”85, o Diário de Pernambuco ao fazer uma referencia à Comuna de Paris, que ainda cintilava na memória de alguns contemporâneos de tal fato, construía sua argumentação suscitando no imaginário, principalmente da classe dirigente, o receio da confusão de uma massa francesa insurgente, os trabalhadores, ou communards, que, procurando reviver o espírito da Revolução Francesa, acreditaram poder implantar uma República Proletária, em 1871, apenas sendo detidos pelo chefe do Gabinete conservador do governo provisório francês, Adolphe Theirs. Deste modo, o Diário promove uma comparação entre a República proclamada no Brasil, em 1889, e a Comuna de Paris, de 1871, não para entender o que hás diferenciavam, mas tornando o modelo francês como destino ao qual o nosso país, mesmo tendo estruturas políticas e culturais tão pouco francesas, estaria destinado. Como única solução para que o país tirasse daquele estereótipo apenas o que interessava à classe abastada brasileira, se fazia decisivo o apoio do grupo que passava se representar como “elementos conservadores da sociedade brasileira”, sem os quais

84 Diário de Pernambuco, 18 de novembro de 1889. 85 Carta Política de Antonio da Silva Jardim ao país e ao Partido Republicano. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 06 de janeiro de 1889. PESSOA, Reginaldo Carneiro. Op. cit., p. 85. 40 reinaria o que a elite nacional mais temia, a desordem, os distúrbios e o fracasso do novo regime. Assim, alertava o Diário que “a República (brasileira) será conservadora, ou não subsistirá, assim como na França de 1871”, pois “no Brasil atual como na França de então é do concurso dos elementos conservadores da sociedade que pode e deve vir a paz pública, a ordem, a liberdade e o futuro da pátria”. Não havia qualquer alternativa de inovação no presente vivido pelo povo brasileiro, apenas a esperança passiva em heróis rememorados como sujeitos soberanos que protegeriam a nova forma de governo, sendo tal papel representado pelo grupo político do jornal Diário de Pernambuco o qual se lançava a essa missão ao declarar, no uso do pronome pessoal na terceira pessoa do plural, “salvemos o país da anarquia!”86. Todavia, era preciso estabelecer uma clara definição de quem seriam estes aclamados “elementos conservadores da sociedade pernambucana”. Finda a existência dos antigos partidos, Conservador e Liberal, que se revezavam na arena política local, era preciso definir a separação histórica, política e ideológica, entre os seguidores daqueles partidos que durante o regime deposto não haviam apresentado nenhuma grande distinção em suas práticas e valores no exercício da administração pública ou na oposição aos que então governavam, como pudemos verificar ao analisarmos os Anais da Assembléia Legislativa Provincial. Contudo, diante destas sobras do passado político provincial, o Diário formula adjetivações que entrelaçavam a população com um determinado grupo político ao representá-la como uma “sociedade que ainda tem seu espírito conservador abalado”, e que reconheceria apenas “os elementos conservadores, tirados do seio do antigo Partido Conservador”, como “a parte sã da sociedade” uma vez que estes teriam se levantado para assumir sua “função” de “imprimir seu cunho característico, dando à República estabilidade, firmeza e prestígio”, além de “cercar as instituições republicanas” contra a ameaça “da natureza perturbadora do desrespeito aos interesses públicos”87, ou seja, o grupo de José Mariano. Muito além de simplesmente emitir julgamentos pejorativos ao grupo marianista88, o Diário se considerava autorizado pela “imprensa local” para colocar “órgãos como A Província”, que “vem trazendo os ódios partidaristas do velho regime”, à margem não apenas do direito de “aconselhar e intervir na ordenação que tem de ser

86 Diário de Pernambuco, 19 de novembro de 1889. 87 Diário de Pernambuco, 21 de novembro de 1889. 88 Aliados de José Mariano Carneiro da Cunha. 41 operada”, como também da missão de “organizar os acontecimentos” cuja análise “é patrimônio dos historiadores”. E nesse momento, em que o Diário buscava participar da produção documental sobre a implantação da nova republicana, dois aspectos chamam nossa atenção. Em primeiro lugar é manifesta a compreensão, própria do século XIX, do trabalho do historiador como um ato de “reconstrução da verdade” através do estabelecimento de suas fontes, separando, reunindo e transformando em documento certos objetos para que fosse construída uma unificação compreensível e coerente do “fato histórico”. Contudo, segundo Michel de Certeau, em nossos dias “a história não mais ocupa, como no século XIX, este lugar central”, já “não mais parte do „raridade‟ (restos do passado) para chegar a uma síntese (compreensão presente), mas parte da formalização (um sistema presente) para dar lugar aos „restos‟ (indícios de limites e, portanto, de um passado que é produto do trabalho)”. Uma vez que tendo desaparecido da epistemologia contemporânea o conceito de „fato‟, como organização de um sentido, o historiador, de seus próprios modelos, obtém a capacidade de fazer aparecer os desvios, não mais para “reconciliar diversos sistemas de interpretação, de modo a cobrir toda a sua informação, mas se interessa prioritariamente pelas manifestações complexas destas diversidades”89. Do mesmo modo, o Diário refletia a questão que desde aqueles primeiros instantes da transição de regimes já se levantava como de extrema relevância: por que a sociedade brasileira parecia “bestializada sem compreender o que se passava, julgando ver talvez uma parada militar?”90. A isso o Diário respondia que “a ausência de resistência nacional se explica pelo abatimento do espírito público”, numa resolução pronta e seca própria daqueles que estavam mais interessados em como eles iriam participar da nova distribuição de papeis e posições importantes do Estado agora republicano. Para tanto declaravam que era “preciso que a nova ordem se fortaleça com os elementos do bom partido decaído”, pois “o futuro do novo regime vai depender das alianças e adesões que possa obter”91. Na montagem destas redes de alianças, o desafio do Diário era projetar o grupo conservador ideologicamente alinhado se não ao movimento republicano, pelo menos aos conceitos republicanos os quais teriam estado presentes em pretéritas publicações do Diário, lhe dando o direito de, naquele presente momento, se expressar com desenvoltura e firmeza na construção de esclarecimentos e justificativas sobre certos

89 CERTEAU, Michel. A escrita da história. Op. cit., p. 86-87. 90 Carta de Aristides Lobo ao Diário Popular, em 15 de novembro de 1889. BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p.79. 91 Diário de Pernambuco, 23 de novembro de 1889. 42 destinos ou certas formas de organização social do novo governo. Isso é, elabora um passado que uniria “os elementos conservadores” aos históricos defensores dos princípios da nova ordem,“ontem defendemos na imprensa os interesses da ordem e do progresso”, deste modo, buscava tornar o “eles”, republicanos, em “nós”. Contudo, mesmo sendo “os trucidados de ontem, companheiros dos infortúnios dos vencedores de hoje”, o grupo emissor das mensagens do Diário afirmava que “nada pedimos, estamos apenas inspirados no patriotismo”, utilizando uma teatralidade que acentuasse sua força dramática para agir, provocar adesão e receber o poder92, ao mesmo tempo em que desenhavam a imagem do “outro”, o grupo de José Mariano, como aqueles que “agiam pelo ódio do partidarismo”93. Assim, elaborava uma articulação “que integrava dimensões temporais distintas, de uma multiplicidade de eventos diversos, para extrair uma história em que estaria organizada uma unicidade de sentido”94 que neutralizasse o seu maior oponente. Para isso, o Diário selecionava fragmentos de textos anteriormente publicados que representavam o grupo liberal em constantes expressões de desrespeito aos interesses públicos, como anti-republicano. Nesse intertexto, rememorava que “José Mariano Carneiro da Cunha, durante o governo de Joaquim de Souza Leão, em 20 de junho de 1886”, teria consentido que “amigos seus fossem impedir a conferência republicana no Teatro de Santa Isabel, na qual se fazia presente o famoso defensor republicano Antonio da Silva Jardim”. E, como se não fosse o bastante, “aqueles indivíduos foram apedrejar a casa onde Silva Jardim estava hospedado” enquanto “José Mariano (eleito deputado estadual naquele ano) oferecia todo o aparato oficial ao futuro Imperador do Brasil, Conde d‟Eu”95. Ao produzir tal apropriação de acontecimento que ainda eram facilmente acessíveis na memória política local, unindo as figuras de liberais como José Mariano, o barão de Souza Leão e o Conde d‟Eu, nobre que mesmo no tempo da Monarquia não gozava da simpatia do país para que substituísse Dom Pedro II, o Diário reafirmava o seu discurso anterior em que se referira aos liberais como “elementos de natureza perturbadora”96. Ao mesmo tempo em que construía significações de um apoio dos liberais à impopular idéia do terceiro reinado, desqualificando as falas parlamentares de José Mariano que, na tribuna da Assembléia

92 BALANDIER, George. Op. cit., p. 21 93 Diário de Pernambuco, 23 de novembro de 1889. 94 Leal, Ivanhoe Albuquerque. História e ação na teoria da narrativa de Paul Ricoeur. São Paulo: Editora Relume Dumará, 1999, p. 98. 95 Diário de Pernambuco, 06 de dezembro de 1889. 96 Diário de Pernambuco, 21de novembro de 1889. 43

Legislativa Provincial de Pernambuco, havia declarado seu “completo desprezo ao Conde e sobre a influência deste sobre a Princesa”. Principalmente porque, nesse referido discurso parlamentar José Mariano tinha afirmado que “a Abolição foi feito pelo Partido Liberal, foi ele que se sacrificou por ela”97. No entanto, o Diário, desde as suas primeiras publicações, já buscando montar uma linha argumentativa entrelaçando o vitorioso abolicionismo, significado como a “libertação dos escravos deste país”, com o movimento de proclamação da república, representado como a “libertação do país do atraso da Monarquia”. Apontando em ambas as ações a participação decisiva dos antigos membros do Partido Conservador, enquanto “os donos dA Província à frente da polícia davam morras à República, dissolvendo reuniões, ao ponto de serem responsáveis pela morte do jovem Ricardo Guimarães porque este pretendia oferecer sua pena de ouro ao chefe do jornal republicano O Norte (Isidoro Martins Júnior)”98. Conhecido defensor da República centralizadora, segundo o modelo positivista, Isidoro Martins Junior fora escolhido pelo Governo Provisório para cargos de estrema importância na promoção de vigilância e punição, ao ser nomeado, em 19 de novembro de 1889, Chefe de Polícia Interino do Estado. Além de poder trabalhar na propaganda da nova ordem no meio intelectual, após receber do Poder Central o posto de lente substituído da Faculdade de Direito do Recife, em 28 de novembro daquele ano. Tais nomeações foram interpretadas pelo Diário não como respostas ao apoio oferecido por Martins Junior à manifestação da continuidade centralizadora do novo regime99, mas como expressão de prestígio do líder ao qual o Diário queria se aproximar, por enxergar uma necessária aliança ou por não perceber neste uma força persuasiva capaz de provocar movimento popular capaz de enfrentar “os elementos conservadores”. Assim, o Diário constantemente abria espaço para informar, sempre positivamente, acontecimentos envolvendo Isidoro Martins Junior, “líder dos republicanos puros”, enquanto os aliados de José Mariano era retratados como “republicanos de última hora”100.

97 DAPPH, Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco, 23 de maio de 1889. 98 Diário de Pernambuco, 23 de novembro de 1889. 99 Brasil. Decreto-Lei nº 12, de 23 de novembro de 1889. Dispunha ao Governo Provisório o controle das nomeações de Chefes de Estado, Comandantes de Armas e Chefes de Polícia. In: BONAVIDES, Paulo AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 122. 100 Diário de Pernambuco, 15 de dezembro de 1889. 44

Utilizando-se do “perigo sebastianista” que ainda rondava a memória política daquela sociedade101 o Diário formularia acusação contra José Mariano, acusando-o de que “sem saber se era monarquista ou republicano, democrata ou oligárquico, separatista ou unitário” parecia ter-se definido como oposição ao se lançar, segundo o Diário, na “chefia dos sebastianistas”102. E, no reforço a esse “perigo”, o Diário passaria a publicar acontecimentos ocorridos nos estados vizinhos, como na capital maranhense onde “uma ala monarquista do povo, dando vivas à Monarquia, cercara a casa do redator do jornal O Globo (órgão republicano daquele Estado) para impedir que o editor, e chefe do Partido Republicano do Maranhão, Francisco de Paula Belfort Duarte, assumisse o governo local”, somente sendo “a desordem contida quando a infantaria (chefiada por Luis Tavares, que ao lado de Belfort tinha sido nomeado pelo Governo Provisório para administrar interinamente aquele estado) chegou ao local”103. Mesmo sempre trabalhando como um jornal situacionista, o Diário de Pernambuco, num raro momento, publica em seu editorial uma nota de desagravo ao Governo Provisório por ele ter decreta que estariam dissolvidas e extintas as Assembléias Provinciais e ficariam provisoriamente as atribuições dos governantes dos Estados sob seu controle104. Uma medida que fora significada pelo Diário como “desnecessária” e mesmo abusiva ao impor uma possibilidade de intervenção nos Estados em ocasiões não definidas, o que “atenta à proclamada soberania dos Estados”, revelando que “começa (o Governo Provisório) a manifestar não só o esquecimento dos princípios estabelecidos na proclamação, como também a onda de divergência entre os ministros”105. Porém, o alinhamento do grupo político que discursava através do Diário ao Poder Central era de tal importância que esse jornal manifestaria acentuada indignação contra uma possível acusação que teria sido formulada pelos aliados de José Mariano numa “campanha de que podemos (os „elementos conservadores‟ do Diário) prejudicar o Governo Provisório com nossa adesão”106. Tal acusação, advinda, segundo o Diário de Pernambuco, do jornal A Província, infelizmente, não nos foi possível constatar

101 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. Op. cit., p. 115. 102 Diário de Pernambuco, 10 de dezembro de 1889. 103 Diário de Pernambuco, 12 de dezembro de 1889. 104 Brasil. Decreto-Lei nº 07, de 29 de novembro de 1889. In: Livro de Decretos do Governo Provisório, 1889, volume 01, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890. 105 Diário de Pernambuco, 03 de dezembro de 1889. 106 Diário de Pernambuco, 03 de dezembro de 1889. 45 tendo em vista a inexistência de exemplares das publicações do jornal marianista, no segundo semestre de 1889, nos centros de pesquisa de Pernambuco107. Se dentro do governo os embates, apontados pelo Diário, entre as formações ideológicas de liberais e positivistas, representados respectivamente por Rui Barbosa e Benjamin Constant, eram cada vez mais acirrados, no recém fundado Estado de Pernambuco o conflito entre republicanos “históricos”, chefiados por Martins Junior, e liberais, da facção de José Mariano, tornava-se cada vez mais aguçado, principalmente quando este último tinha também contra si o apóio do grupo conservador. De modo recorrente o Diário, como demonstramos anteriormente, tecia pesadas críticas a José Mariano ao mesmo tempo em que prestava rasgados louvores a Martins Junior, numa possível aliança entre “os elementos conservadores” e o chefe dos republicanos, “a quem todos se inclinam”108, ou como estratégia para agitar o mar de ódios existente entre estes dois líderes políticos pernambucanos, na intenção de atingir aquele que os conservadores sabiam ainda gozar de imensa força, principalmente, junto à massa popular, José Mariano. Deste modo, o Diário intensifica e redimensiona suas acusações que não mais eram desferidas contra o Partido Liberal do Visconde de Ouro Preto, apontado inicialmente como aquele que teria “fomentado as causas da revolução”109, e nem mesmo fazendo encenações do passado provincial expondo representantes da facção liberal do “leões”, como o ex-presidente provincial Joaquim de Souza Leão, ao lado de José Mariano110, antes este último era representado como “responsável único de todos os males que agora afligem nosso Estado”111. Enquanto Martins Júnior era significado como possuidor de um papel e posição política de tal importância que “durante um passeio de carro na frente do Palácio do Governo foi chamado para que subisse para conversar com o comandante de armas”112, General José Cerqueira de Aguiar, então à frente do Estado pernambucano, desde 16 de novembro de 1889. E no momento em que chegava ao Recife o novo governador, o General José Simeão de Oliveira, para enfrentar um contexto social, “dos mais graves de se imaginar, pelos amargos ressabios da época em que o terror pairava em todos os espíritos”, econômico, “com a pequenez da safra do açúcar e algodão”, político e cultural, “precisando combater as práticas

107 APEJE e FUNDAJ. 108 Diário de Pernambuco, 04 de dezembro de 1889. 109 Diário de Pernambuco, 18 de novembro de 1889. 110 Diário de Pernambuco, 06 de dezembro de 1889. 111 Diário de Pernambuco, 28 de novembro e 01 de dezembro de 1889. 112 Diário de Pernambuco, 12 de dezembro de 1889. 46 administrativas que dilapidam os cofres públicos”113, o novo líder estadual “foi logo procurar Martins Junior, abraçou e saiu com o grande moço”114. Contudo, “como os republicanos de última hora (José Mariano e Augusto Milet) vinham a trás do general Simeão”, o Diário fazia um alerta a que os “republicanos puros (chefiados por Martins Junior)” se lembrassem “do roubo de Manoel Alves de Araújo (presidente provincial de Pernambuco, entre 17 de junho de 1889 a 14 de novembro de 1889) que veio para os leões e acabou com os marianistas”115. Nada adiantara os alardes do Diário, pois o governador Simeão, “sem nenhuma tarimba política, deixou-se envolver pela facção de José Mariano”, levando Martins Junior a buscar manobras junto aos poderosos do centro do país, como Quintino Bocaiuva, “seu protetor”, até conseguir a demissão do governador e fazer que fosse nomeado o general Albino Gonçalves Meira, “muito interado na vida pernambucana e de inteira confiança de Martins e seu grupo”116. No período de governo de Albino Meira, entre 25 de abril a 21 de junho de 1890, encontramos os primeiros rastros da significação formulada pelos editores do jornal A Província, José Mariano Carneiro e José Maria de Albuquerque Melo, sobre o 15 de novembro onde é possível percebermos que, mesmo passados alguns meses desde o golpe militar, o governo provisório ainda não havia conseguido uma sólida afirmação do novo regime no imaginário social brasileiro. Desse modo, este grupo político, semelhantemente às demais associações políticas, buscava em suas publicações imprimir uma necessidade urgente de reconhecimento do novo governo junto à população. O que abriria o meio pelo qual estes indivíduos políticos pudessem figurar como de extrema importância no leniente processo regulamentação da nova ordem, isso porque que, segundo a interpretação do jornal A Província, só “diuturnamente a consciência nacional iria identificar-se com a ordem das coisas”117. Contudo, assim como o novo regime ainda não possuía uma sólida estrutura no imaginário social, na reconstrução das instituições públicas e na modificação das práticas políticas, os correligionários dos antigos partidos políticos vivenciavam o desafio de reconstruir suas bases, alianças e estratégias para se inserirem na administração do mando político local, principalmente, porque a nível estadual, o

113 Diário de Pernambuco, 13 de dezembro de 1889. 114 Diário de Pernambuco, 15 de dezembro de 1889. 115 Diário de Pernambuco, 15 de dezembro de 1889. 116 PORTO, Costa. Op. cit., p. 15-18. 117 A Província, 01 de julho de 1890. 47 governo provisório ainda não tinha marcado sua intervenção de modo ditatorial, o que possibilitava a ingerência da liderança política local, primeiro dos marianistas no governo José Simeão e depois com os martinistas118 no governo de Albino Meira. No intuito de reorganização das forças político-partidárias pernambucanas seria conflagrado a (re)elaboração das bases e alianças guiadas mais pelos interesses momentâneos do que por possíveis semelhanças históricas ou ideológicas dos grupos. Assim, “no dia 16 de abril de 1890, acontece uma reunião dos próceres conservadores na residência de João Alfredo, para reestruturação do Partido”, enquanto “um grupo dos antigos liberais – Sigismundo Gonçalves, Ulisses Viana119, etc. – talvez ansiosos de aproximar-se do governo, convoca uma reunião, no Jornal do Recife, em 07 de julho, à revelia de José Mariano que, por isso, resolve tumultuar o encontro, pondo-se à porta do jornal”120. Mesmo não tendo o historiador Costa Porto informando qual era o motivo principal desta reunião entre liberais e, até mesmo, conservadores como Francisco Rego Barros Lacerda, acreditamos que os excessos cometidos por José Mariano tenham sido motivados por dois motivos principais. Primeiramente, contra uma campanha, produzida pelo Diário de Pernambuco, sobre o declínio da liderança de Mariano mesmo entre os seus aliados após a saída do governador Simeão, e, em segundo lugar, buscando evitar, ou desqualificar, uma provável construção de aliança que estava sendo formada entre liberais, conservadores e republicanos, como podemos interpretar ao analisarmos os rastros das intrigas entre os grupos partidários pernambucanos nas páginas do jornal marianistas A Província. Diante das condições de produção e divulgação de menor proporção daquela que os seus oponentes, os “elementos conservadores” do Diário de Pernambuco, possuíam, tendo em vista que, ao contrário do jornal A Província, o Diário tinha sua publicação constante e regular, os editores do jornal A Província buscaram elaborar uma estratégia de combate em que se utilizavam do discurso trabalhado pelo próprio Diário, como, por exemplo, o amálgama entre os movimentos da Abolição e da República, despossuídos de ressonância negativa no imaginário social. Entretanto, na encenação do passado nacional e local proposta pela matéria “os heróis abolicionistas” do jornal A Província os leitores se deparavam com um conjunto de signos de luta, abnegação, firmeza, hombridade e humildade atribuídos aos liberais que em tempos de República eram

118 Aliados de José Isidoro Martins Junior. 119 Pertencentes à antiga facção dos “leões” do Partido Liberal. In: MELO, Evaldo Cabral. Op. cit., p.268. 120 PORTO, Costa. Op. cit., p. 22-23. 48 desprezados. Deste modo, o jornal marianista constrói um discurso em que o leitor é representado como possuidor de uma opinião extremamente relevante ao ser questionado se “seria justo só por terem sido monarquistas os heróis do abolicionismo (os liberais) devam ser mal vistos?”121. Quanto às prováveis tentativas de elementos liberais de se unirem com os antigos adversários, e, principalmente, com Martins Junior, José Mariano, querendo apresentar-se como um líder seguro que ainda exercia enorme influência, afirma que “não se opõe” apenas lembrava que “não é possível falar em nome do Partido Liberal já que após o 15 de novembro os partidos foram dissolvidos”, ao terminar “o seu ciclo glorioso com a revolução122”. Todavia, ao mesmo tempo em que evidenciava a dissolução dos partidos, “que haviam cumprido a missão de servir às instituições monárquicas”, o líder anteriormente pertencente à antiga facção liberal dos “cachorros” declarava que a construção de alianças de antigos liberais com outros grupos só poderia ocorrer mediante consulta “ao diretório eleito em assembléia geral”. E que, no caso de enlaçamentos com o chefe do Partido Republicano de Pernambuco tal interação não deveria nem ser cogitada por considerar que “Martins Junior não representa nenhum ideal democrático, ao ter atirado a honra de Pernambuco aos pés de Rui Barbosa em troca de empregos e posições de chefe”123. Sem se indispor com o Marechal Deodoro, atribuindo acusação apenas a Rui Barbosa, conhecido opositor do Partido Liberal ao tempo do Gabinete do Visconde de Ouro Preto, José Mariano intentava minimizar a importância daquelas nomeações, interpretadas pelos jornais Diário de Pernambuco124 e Jornal do Recife125 como grandes vitórias do chefe do Partido Republicano. Até mesmo aqueles considerados mais devotos aliados de José Mariano teriam sido tentados a se aliar aos martinistas, como podemos verificar no discurso proferido por Furtunato Pinheiro quando este teria sido “convidado para ir ao (bairro de) Santo Amaro, à criação de um clube republicano126”. Quando se recusara a participar de tal reunião Furtunato teria sido repreendido, “em nota escrita por Martins Junior no Diário de Pernambuco”, por ter acusado os participantes daquela reunião de serem

121 A Província, 01 de julho de 1890. 122 Assim como os jornais Diário de Pernambuco e Jornal do Recife, analisados anteriormente, também A Província se refere ao golpe militar de 15 de novembro de 1889 usando o conceito de “revolução”. 123 A Província, 04 de junho de 1890. 124 Diário de Pernambuco, 15 de dezembro de 1889. 125 Jornal do Recife, 28 de novembro de 1889. 126 De tais reuniões entre republicanos “históricos” e “homens de antigas agremiações” seria fundado o Partido Republicano de Pernambuco sob os moldes do Partido Republicano Constitucional do Rio de Janeiro. In: Jornal do Recife, 19 de maio de 1891. 49

“verdadeiros traidores”. Uma acusação que seria uma inverdade produzida por “Martins Junior que é que deve ser considerado um traidor, vendido à República por empregos”. Continuando seu desagravo ao chefe interino da Polícia, o marianista manifesta o modo como o conceito de poder era representado no imaginário de muitos participantes da classe política daquela sociedade, ao declarar que “se Martins Junior não gostar do que afirmei, então que me mande prender em Fernando de Noronha se é que tem esse poder”127. Ou seja, o termo “poder” era por eles significado como a capacidade de mandar prender e soltar, nomear e demitir, como “um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras e não como algo que circula e funcional em cadeia, que nunca está localizado aqui ou ali, nunca é apropriado por alguém como uma riqueza ou um bem”128.

127 A Província, 01 de julho de 1890. 128 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 6ª. Edição, São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 183. 50

CAPÍTULO 2

A ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL E DE PERNAMBUCO NO INÍCIO DA PRIMEIRA REPÚBLICA (1890-1891)

Entende-se por Constituição o conjunto de princípios que se situam no vértice de qualquer sistema normativo, isto é, um poder político repartido entre diversos órgãos constitucionais, reconhecidos pelos cidadãos, além de uma série de direitos fundamentais e adequadas garantias contra possíveis abusos cometidos pelos titulares dos órgãos do poder político. A Constituição representaria, portanto, as opções essenciais referentes à forma de Estado ou regime, a organização e função dos poderes públicos, e os direitos e deveres dos cidadãos129. Contudo, tendo em vista os processos de mudanças na sociedade, o texto de sua Constituição poderá ser alterado ou mesmo transformado. No primeiro caso, o ordenamento jurídico-político entrará no que tecnicamente se afirma como ação de um simples poder de revisão, limitado pela obrigação de não renegar as linhas características do sistema jurídico vigente, operando apenas uma adaptação às novas necessidades. Do outro modo, dar-se-ia a instalação de um poder constituinte, que não está vinculado em suas determinações a um sistema jurídico previamente vigente, ao contrário, ele é livre na escolha de seus objetivos e poderá ser exercido por uma pessoa ou por uma Assembléia. Quando a função constituinte se dirige à estruturação e organização dos Estados-membros surge o chamado Poder Constituinte Decorrente que atuara nos Estados Federados compostos de coletividades e dotadas de autonomia, cujo conteúdo principal é a auto-organização através de uma Constituição própria130. Ao analisarmos o processo de convocação para instalação do Poder Constituinte Nacional no Brasil e o Poder Constituinte Decorrente no Estado de Pernambuco, bem como a discussão, elaboração, aprovação e divulgação dos textos constitucionais deles resultantes, temos por objetivo, dentre outros, evidenciar a manifestação das múltiplas

129 BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Guanfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p.258-259. 130 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. “Poder Constituinte dos estados-membros”. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1979, p. 20, 58. 51 influências ideológicas e de interesses de determinados grupos políticos, sociais e regionais devotados a celebrar nas novas Cartas Magnas, nacional e estadual, a manutenção de certos privilégios que deveriam ser incorporados ao novo regime. Legando às décadas posteriores uma verdadeira concha de retalhos entre insinuações democráticas e imposições centralizadoras que pouco, ou em quase nada, transformariam a tessitura das relações preconceituosas, excludentes, conservadoras e desiguais entre os indivíduos, as partes da nação e as instituições dos poderes soberanos. Antes permaneceria quase inalterada a centralização política, econômica e administrativa entorno do Poder Executivo, dos Estados-membros de maior poder aquisitivo e os privilégios da elite social e política. Assim como apenas fora enrijecida a ausência de reconhecimento do gênero feminino e dos analfabetos no centro das decisões políticas, uma vez que, mesmo constituindo a maioria da população daquele período, estes indivíduos permaneceriam excluídos do lugar de cidadãos plenos ao não serem considerados capacitados a participar das eleições periódicas. Conforme haviam prometido os proclamadores da República, de que somente “enquanto, pelos meios regulares, não se proceder à eleição do Congresso Constituinte do Brasil, e bem assim a eleição dos Estados, será regida a nação brasileira pelos governos que hajam proclamado ou, na falta destes, pelos governadores delegados do governo provisório”131, o Marechal Deodoro aceita transferir aos legisladores constituintes a função de criar o ordenamento jurídico-político que regeria e daria forma institucional ao sistema republicano brasileiro. Poucos dias passados, anuncia que a eleição para deputados à Assembléia Nacional Constituinte da República Federal seria “feita por nomeação direta, em que tomarão parte todos os cidadãos brasileiros qualificados eleitores”132, ou seja, “todos os cidadãos brasileiros natos, no gozo dos seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever”133. Semelhantemente, decreta que “os governadores dos Estados convocarão as respectivas assembléias legislativas até abril de 1891, fixando-lhes data para a eleição e para a abertura, de modo que entre a primeira e a segunda medeiem, pelo menos 30 dias”, e mais uma vez buscando encenar uma participação da população na estruturação do novo regime afirma que “essas assembléias receberão dos eleitores poderes especiais para aprovar as Constituições dos

131 Brasil. Decreto nº1, Artigo 4º, de 15 de novembro de 1889. In: Livro de Decretos do Governo Provisório, volume 01, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1889. 132 Brasil. Decreto nº 200-A, de 08 de fevereiro de 1890. Dispõe sobre a Promulgação do Regulamento Eleitoral. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 129. 133 Brasil. Decreto nº 06, de 19 de novembro de 1889. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit.,p. 130. 52

Estados, assim como para eleger os governadores e vice-governadores que houverem de servir no primeiro período administrativo”134. Em meio àquele momento de possíveis mudanças, os congressistas constitucionais teriam de enfrentar vários desafios como a euforia dos defensores de princípios liberais e dos ortodoxos seguidores positivistas que se digladiavam pela sobreposição de seus valores na simbologia nacional republicana e no texto constitucional. Ao mesmo tempo em que os trabalhos das Assembléias Constituintes, nacional e estadual, tinham sobre si as limitações de conteúdo e prazos determinados pelos chefes do poder executivo, apoiados pela artificial produção de uma “ameaça” constante à ordem do novo regime que possibilitava ações centralizadoras contra qualquer tipo de atitude julgada como desordeira. Não fosse bastante, os congressistas constitucionais tinham seu trabalho crivado pela ausência de representatividade política do poder legislativo ante a população, e pela existência de uma dissimulada diferenciação no quantitativo dos votos dos representantes de cada região. Conduzindo a uma urdidura constitucional que, desde a sua elaboração, demonstraria uma fragilidade, inoperância e insuficiência frente aos inúmeros desafios herdados do regime anterior, sendo apenas perpassada pelos princípios da autonomia, divisão de poderes e igualdade na relação entre os poderes executivo, judiciário e legislativo, assim como entre a União e os Estados-membros. Como demonstrou o historiador José Murilo de Carvalho, pelo menos três correntes disputavam a definição da natureza do novo regime: o jacobinismo à francesa, o liberalismo à americana e o positivismo, combatendo-se intensamente nos anos iniciais da República. Idealizada por parte da população urbana, “formada por pequenos proprietários, profissionais liberais, jornalistas, professores e estudantes”, a concepção de sociedade jacobina constituía-se de “apelos abstratos em favor da liberdade, da igualdade e da participação social, embora nem sempre fosse claro de que maneira tais apelos poderiam ser operacionalizados”135. Porém, coube aos positivistas e liberalistas exercer decisiva atuação na elaboração do texto constitucional e nas batalhas simbólicas pela conquista do imaginário político nacional, e nestas os positivistas se envolveram intensamente.

134Brasil. Decreto nº 802, artigos 1º e 2º. De 04 de outubro de 1890. Dispõe sobre a convocação das Assembléias Legislativas Estaduais. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 198. 135 CARVAHO, José Murilo de. A Formação das almas. O imaginário político da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras. 1990, p. 9. 53

Seja na tentativa de implantação de uma alegoria feminina como símbolo da republica brasileira, ou mesmo na mudança na bandeira nacional, intencionavam “tornar a República um regime não só aceito como também amado pela população”136. Uma tarefa nada fácil, tendo em vista que durante o Império a idéia de república e federação eram temas comuns apenas no círculo dos brasileiros letrados137, obrigando aos que produziam a implantação de um imaginário político republicano ir buscar na tradição monárquica elementos que lhes proporcionasse inteligibilidade diante da população para que assim pudessem “induzir valores e modelar os comportamentos individuais e coletivos”138. As tentativas de implantar no imaginário político brasileiro a alegoria feminina para representar a República, como na sociedade francesa no final do século XVIII, se mostrariam improdutivas. Isso se dera porque, diferentemente da atuante participação do gênero feminino na Revolução Francesa, a mulher brasileira do século XIX não gozava de mesmo papel no cenário político, se pública era considerada prostituta. Num país em que política era considerada coisa de homem, e nem mesmo todos estes estiveram presentes no processo da proclamação republicana, “que dizer do povo feminino?”139. Em seu trabalho sobre charges e caricaturas do século XIX, pela historiadora Graça Ataíde e pela arquiteta Rosário Andrade demonstram que em Pernambuco, entre 1870 e 1880, a alegoria feminina se prestava ao papel de algoz do Brasil independente; da luxúria; das representações de inoperância das instituições (decaídas e desacreditadas) e como prostituta ou subserviente140. Do mesmo modo, a imprensa escrita, que retransmitia os debates parlamentares, manifestava como o imaginário daquela sociedade estabelecia e distribuía papeis e posições não apenas excluindo o elemento feminino das decisões políticas, como tolhendo as possibilidades para que elas pudessem adentrar nas profissões que recebiam maior destaque social. Segundo os legisladores provinciais “a mulher não foi preparada para ser política”, assim como “não foi preparada para ser engenheira ou médica”, isto porque “os estudos superiores estão destinados aos homens”. O trabalho da mulher se resumia apenas a “trabalhar para

136 Ibidem, p.127. 137 BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 35; CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p.10. 138 BACZKO, Bronislaw. Op. cit., p. 311. 139 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. Op. cit., p. 92. 140ATAIDE, Graça e ANDRADE, Rosário. História (nem sempre) bem-humorada de Pernambuco. Volume I, Editora Bargaço,1999, p.10. 54 educação de seus filhos, no que dá máxima responsabilidade, ela colabora tanto quanto nós para o bem da humanidade. Não a arredemos de seu oficio”141. Como verificaremos no processo discursivo gerado pela constitucionalização da Primeira República, tal delimitação de papéis sociais dentro da sociedade brasileira republicana não seria rapidamente alterada. Ainda maior repercussão tivera a disputa ideológica entorno da alteração de símbolos nacionais como a nova bandeira do país, uma vez que aos defensores do ideário liberalista interessava a implantação de uma bandeira que seguisse o modelo norte-americano, enquanto os sectários positivistas faziam uma defesa peremptória do estereótipo da ditadura republicana simbolizada na adoção de uma bandeira crivada pelos ensinamentos de Auguste Comte. E é este grupo, liderado por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que consegue impor os ensinamentos comteanos de, “na primeira fase da transição orgânica da humanidade”, manter a bandeira vigente com o acréscimo da divisa política “Ordem e Progresso”. Contudo, assim que a nova bandeira foi conhecida, a partir de 19 de novembro de 1889, deflagrou-se uma imediata oposição em parte da imprensa carioca ao acusar o governo de adotar um símbolo que se prestava ao ridículo e que refletia a posição de uma seita religiosa142. Semelhantemente, o Diário de Pernambuco também expressara sua oposição à bandeira nacional adotada pelo governo provisório, porém, mantendo sua estratégia de evitar confrontas diretos com aqueles que ocupassem o mando político, o Diário manifesta sua posição de modo subjetivo, não em seu editorial, mas, como publicação da livre expressão do conhecido advogado Afonso de Albuquerque e Melo143 que, alegando ser sua fala autorizada pela “população brasileira de maioria católica”, critica a adoção dos dizeres positivista “para uma nação que acabara de sair da ordem do rei” e que “apenas sentia progredir o ateísmo no ridículo lançado à religião”. Assim, trabalhando com os conceitos antagônicos de “ordem e desordem” declamava que “a ordem escrita pela ponta da espada que pensa ter conquistado a liberdade só pode inspirar o terror, só pode produzir a desordem”144. Entretanto, “a ordem e a desordem da sociedade são como a cara e a coroa duma mesma moeda indissociável”, isto é, “a inversão da ordem não é a sua destituição, é-lhe constitutiva, podendo servir para seu

141 Debate na Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco., abril de 1879, transcrito pelo DP, 19 de abril de 1879. In: ATAIDE, Graça e ANDRADE, Rosário. Op. cit., p. 97. 142 CARVALHO. José Murilo de. A formação das almas. Op. cit., p. 114. 143Antigo presidente da Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catariana, em 1869, e futuro primeiro secretário das finanças de Pernambuco, em 1891. 144 Diário de Pernambuco, 24 de novembro de 1889. 55 esforço”145. Tudo indica que o próprio Deodoro não teria ficado plenamente satisfeito com a nova bandeira, porém, os ortodoxos positivistas, como Teixeira Mendes, afirmavam que a bandeira positivista adotada pelo país era como um signo que emitia proteção ao novo regime de governo contra “o perigo” de possíveis “reações metafísicas, clericais e sebastianistas”146. Ameaça que produzia um ambiente propício para os excessos de intervenção do Governo Provisório dizendo agir em nome da “salvação da República” que estaria constantemente ameaçada. Era, no entanto, na reformulação político-administrativa que os adeptos do liberalismo, especialmente os aliados dos grandes proprietários rurais paulista e intelectuais como , idealizavam uma alteração na tendência centralizadora que, durante a vigência da sucessão dinástica no Império, impedia a renovação periódica no Poder Central, impunha ao Parlamento uma submissão necessária para manter sua existência e composição, além de imprimir uma fragilidade acentuada ao Supremo Tribunal de Justiça. Um desequilíbrio entre as forças dos poderes soberanos que os liberalistas desejavam alterar pela normatização da temporalidade e elegibilidade dos representantes do povo, nos poderes Executivo e Legislativo bicameral, ao mesmo tempo em que seria criado um Supremo Tribunal Federal diferenciado do judiciário dos tempos da Monarquia. Entretanto, nas práticas do Governo Provisório e nos textos constitucionais o que se procedera fora uma excessiva valorização de um único poder, executivo, “forte e intervencionista”, conforme queriam positivistas como Aníbal Falcão, para o qual o individualismo liberalista traria a dispersão e o conflito, ao passo que o comunitarismo levava à ditadura republicana de natureza integrativa147. Em meio a tais considerações de apoio ideológico para a permanência da tendência centralizadora, o General Deodoro da Fonseca se sentia autorizado para interferir na elaboração jurídico-política do regime republicano em nome do “consenso da nação”. Considerando “de extrema urgência acelerar a organização definitiva da República e entregar o mais breve possível à nação o governo de si”, decidiu “organizar a Constituição dos Estados Unidos dos Brasil” que seria “posteriormente submetida à aprovação (e não à discussão e aprovação) pela Câmara do Congresso a ser eleito”148.

145 BALANDIER, Georges. Op. cit., p. 67. 146 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas. Op. cit., p. 115. 147 CARVAHO, José Murilo de. A formação das almas. Op. cit., p.31. 148 A Província, 01 de julho de 1890. 56

Ao publicarem seus noticiários sobre o processo de convocação, preparação, elaboração e conclusão do projeto constitucional os jornais pernambucanos A Província, Jornal do Recife e Diário de Pernambuco efetuariam encenações, respectivamente, de apoio, oposição e de aproximação aos chefes do executivo, central e ao seu representante estadual. Posicionamentos editoriais tripartidos que refletiam a momentânea composição das redes políticas no estado pernambucano comandado pela política do Barão de Lucena, no segundo semestre de 1890. Isso porque, para fazer aprovar constituições alinhadas aos princípios que havia imposto em seu projeto, o Marechal Deodoro sabia que era preciso retirar, mesmo que brevemente, o Estado de Pernambuco das arengas entre marianistas e martinistas. Para tanto, em plena reunião ministerial, onde alguns presentes não deixavam de se envolver nas disputas das lideranças estaduais, o Marechal constrói um discurso representando os republicanos históricos, liderado por Martins Junior, como “perturbadores da ordem”149, decretando que o governador martinista Albino Meira fosse substituído pelo mais fiel aliado de Deodoro, o Barão de Lucena. Ao produzir a chapa única para o Congresso Constituinte Nacional, Henrique Pereira de Lucena, devotado a “unir todos os grupos em torno do Marechal Deodoro” opera uma recomposição nos pesos políticos da liderança pernambucana ao não aceitar as imposições de Martins Junior para que fosse retirado o nome de José Mariano150. Este, demonstrando sua grande habilidade no manejo do discurso político, se utiliza do noticiário do jornal A Província para efetuar uma diferenciação entre Martins Junior, representado com aspectos autoritários ao “mandar seus correligionários votar em candidatos do governo, ressalvo o senhor José Mariano”, ao passo que José Mariano, numa significação democrática, apenas “aconselhava positivamente aos seus amigos que aceitasse a chapa completa em excluir um só nome”151. Dois dias após essa eleição, A Província informava que “ao contrário do que o Jornal do Recife noticiou, o pleito do dia 15 de setembro neste Estado ocorrera tranquilo, sem ódios, sem perseguições, como mais uma prova da política moderado do Barão de Lucena”152. Assim como era enobrecido o Marechal Deodoro “por ter se despojar de seu amplo poder que lhe dava a ditadura, para circunscrever-se nos limites constitucionais”, além de justificar o ato de intervenção do Governo Provisório em se

149 GUERRA, Flávio. Op. cit., p.256. 150 PORTO, Costa. Op. cit., p. 23. 151 A Província, 14 de agosto de 1890. 152 A Província, 17 de setembro de 1890. 57 antecipar ao Congresso, como ação “justa e louvável” para “cessar as incertezas que a nação atravessava desde o 15 de Novembro para cá”, apenas criticando a pouca amplitude dos direitos do cidadão, para que “melhor fosse às urnas”153. Um direcionamento interpretativo compartilhado por órgãos da imprensa carioca, como o Correio do Povo, o Cidade do Rio e A Gazeta de Notícia que também aplaudiam o projeto constitucional fazendo as mesmas críticas pontuais por uma mais ampla liberdade ao cidadão. Entretanto, se fora objeto de censura dos jornais da Capital Federal o dispositivo do projeto constitucional que “atentava contra a liberdade religiosa” ao estabelecer “a exclusão da companhia dos jesuítas do país e proibia a criação de novas ordens monásticas”154, o jornal pernambucano alegava que tal resolução procedia do fato de que “a Igreja Romana vem se portando como um partido político”155, deste modo, “temos de aplaudir que o governo provisório o trate como adversário”156. A cada revelação da continuidade centralizadora, a expectativa dos liberalistas de que a Federação, advinda com a República, fosse capaz de alterar decisivamente as inibidoras intervenções do Poder Central ficava cada vez mais distante. No sistema republicano, a Federação se comportaria como pacto entre as partes, significando aos Estados a renúncia em grau muito alto da soberania individual (monetária, completo controle territorial e comando independente do monopólio da violência legal, dentre outras restrinções). Todavia, o federalismo da república brasileira não fora conquistado nem acordado, mas “decretado” por um governo provisório que impunha à autonomia dos Estados da República do Brasil uma estruturação enfraquecida. Sendo constantemente desrespeitados os ideais de igualdade e harmonia entre os poderes soberanos, assim como desnivelada permanecia a representatividade dos interesses das classes e dos gêneros sociais menos privilegiados. Se, conforme o projeto constitucional federal, a República Federativa do Brasil assegurava que “todos são iguais perante a lei”157, no cenário das discussões na Assembléia Nacional Constituinte a representatividade de cada grupo de congressistas

153 A Província, 03 de julho de 1890. 154 Brasil. Projeto da Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1890): aprovado em 24 de fevereiro de 1891, artigo 72º, §8º. 155Em Pernambuco o Partido Católico, na eleição de março de 1891, “se animaria a disputar em faixa própria, com chapa muito suicida”, os cargos ao Senado contra a chapa construída pelo Barão de Lucena. PORTO, Costa. Op. cit., p. 32. 156 A Província, 08 de julho de 1890. 157 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 72º, §2º. 58 não seria igualitária. Isso porque fora estipulado que o número de Deputados (eleitos para representar cada Estado federado) seria “fixado por lei em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes”158, possibilitando aos Estados com maior poder aquisitivo, como São Paulo (22 deputados), Rio de Janeiro (17), Minas Gerais (37) e Rio Grande do Sul (16), enviar mais legisladores para trabalhar por seus interesses, enquanto Estados despossuídos de boas condições infra-estruturais e econômicas, como Pernambuco (17 deputados), Paraíba (5), Ceará (10), Maranhão (7) e Bahia (22), gozavam de um número reduzido de interventores nas negociações da produção do texto constitucional federal. Nessa desproporção de forças a teatralidade democrática era encenada a partir de uma marcação predeterminada das posições de cada um, reservando aos Estados do centro sul, à elite econômica e ao gênero masculino os papéis de atores, sobrando aos demais à mera figuração. Passavam assim a exibir uma articulação pronta para bloquear qualquer tentativa de exteriorização de autonomia pessoal dos congressistas que não estivessem submissos à manutenção das vantagens dos sujeitos principais, ousando interpelar por alterações no direcionamento das riquezas nacionais ou do posicionamento das classes e dos gêneros sociais. Prontamente seria evocado o velho mando do conservadorismo que, concebendo-se não como uma construção cultural, mas natural, impunha um continuísmo das classificações herdadas desde o velho regime. Silenciosamente, pelo controle dos registros das falas parlamentares e sua divulgação na imprensa, ou de forma violenta, com protestos efusivos dos seus pares, os congressistas sabiam, ou logo eram informados, que a idéia de que eles ocupariam o lugar de construtores ativos da urdidura constitucional era mera ficção teórica. Antes verificariam ser a Assembléia Constituinte não um campo democrático, de fraternidade e igualdade entre aqueles que se diziam representantes do povo, mas um ambiente em que a topografia nacional indicaria o peso dado aos discursos de cada congressista. Para tanto, as regiões que, de modo artificial, haviam conseguido compor uma ampla maioria tinha para si o controle sobre o reconhecimento de quais propostas seriam aceitas como legítimas expressões de ordem e progresso. As assembléias, na esfera nacional, assim como estadual, mostraram-se a cada instante dos debates constitucionais como espaços de cruzamento onde circulavam os lugares preestabelecidos, isto é, a circulação da

158 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 28º, §1º.

59 ordem159 “seja ela qual for, segundo a qual se distribuem os elementos nas relações coexistentes” numa “configuração instantânea de posições, implicando uma indicação de estabilidade”160. Em raros momentos nas resoluções e discussões o assunto que voltava à baila tratava de uma alteração, mesmo que futura, na condição dos Estados do norte através da redistribuição igualitária das arrecadações fiscais efetuadas pelo Poder Central. Antes fora aprovado na Constituição Federal que era da “competência exclusiva da União os impostos sobre importação de procedência estrangeira; direitos de entrada, saída e estadia de navios, sendo livre o comércio de cabotagem às mercadorias nacionais, bem como às estrangeiras que já tenham pago impostos de importação; taxas de selo, dos correios e telégrafos federais”161, ao mesmo tempo em que aos Estados era reservado o direito de “decretar impostos sobre a exportação de mercadorias de sua produção; sobre imóveis rurais e urbanos; sobre indústrias e profissões; taxas de selos quanto aos atos de emanados de seus respectivos Governos e negócios de sua economia; contribuições concernentes aos seus telégrafos e correios”162. Todavia, “só é lícito a um Estado tributar a importação de mercadorias estrangeiras, quando destinadas ao consumo no seu território, revertendo, porém, o produto dos impostos para o Tesouro federal”163. O que impedia, segundo José Mariano, “que Pernambuco, e os demais estados do norte, conseguissem aumentar o auxílio que a União deveria dar aos Estados empobrecidos e atrofiados pela centralização monárquica de mais de meio século”164. Ao contrário, era imposto pela Constituição Federal que “incumbe a cada Estado prover a expensas próprias”165, favorecendo apenas Estados, como São Paulo, que já gozavam das condições necessárias para se manter e se desenvolver por contra própria. Interpretando a manutenção das dificuldades das receitas dos Estados o Jornal do Recife, com a ironia e precisão que lhe eram de costume nesse período, evidenciava como longe ainda estava a superação das desigualdades entre as partes federadas, pois, mesmo tendo a União cedido, “com generosidade digna de passar para a história, os

159 Quanto ao conceito de ordem, ver: BALANDIER, George. Op. cit. 160 CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. I Arte de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p. 201. 161 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 7º, §1º ao 4º. 162 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 9º, §1º, 2º e 4º. 163 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 9º, §3º. 164 A Província 07 de fevereiro de 1891. 165 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 5º. 60 impostos de exportação aos Estados, reservando a si a importação, não fez um mau negócio. O mal foi esquecer que o Império quis fazer o mesmo e nunca o conseguiu, sendo forçado a tolerar a resistência das províncias166, em si deixar literalmente espoliar em favor do centro”. Ao mesmo tempo em que “os Estados tenham que tirar de suas alfândegas parte da receita dos seus orçamentos de impostos de importação para enviar ao poder federal”, os Estados do norte sabiam que “os benefícios que o governo dotou aos Estados do sul não chegarão a Estados como Bahia e Maranhão, sendo estes obrigados a viver com seus míseros orçamentos”. Assim, em sua interpretação, “não valeu a pena mudar de instituição para ver os Estados do norte mais espoliados do que o eram no tempo monárquico”. Isso porque as leis republicanas votadas não apenas eram ineficientes, como também impossíveis de serem cumpridas, a exemplo das restrições impostas durante o Império. Ao encerrar seu editorial o Jornal do Recife chega a cogitar a possibilidade do desmembramento nacional ao se questionar se valeria “ao norte continuar na República Federativa ou se era melhor cada um viver por si”167. Sobre esta questão da precária situação dos Estados o noticiário do Diário de Pernambuco tangencia os informes do Jornal do Recife, transcrevendo as falas do deputado José Vicente Meira de Vasconcelos, um dos representantes pernambucanos no Congresso Constituinte Nacional, de que “Pernambuco foi uma das maiores vítimas do centralismo monárquico”, corroborando com as afirmações de José Mariano, anteriormente citadas. Contudo, para Vicente Meira o que tornava o quadro econômico pernambucano ainda mais deficiente era a desigualdade não apenas entre os Estados, mas desde dentro dos mesmos. Em sua análise, Pernambuco não tinha como progredir enquanto fosse “um Estado agrícola que não possui meios necessários para a manutenção de seu desenvolvimento, só progredindo as usinas que pertenciam a

166 Por exportar muito açúcar, Pernambuco, segundo Gustavo Franco, tinha excessivos impostos para evitar o desabastecimento interno. Assim, “em sucessivos relatórios do Ministro da Fazenda, em meados dos anos 1880, aludia-se ao fato de várias assembléias provincianas estabelecerem impostos sobre a exportação, uma parte da receita dos quais podiam reter, e também a importação, o que era expressamente vedado pela Constituição. Sob pressão de associações comerciais e dos delegados regionais da Fazenda, diversas assembléias foram forçadas a votar a supressão desses impostos. O visconde Paranaguá, em seu relatório para 1883, dava conta de que apenas Pernambuco, Bahia e Maranhão ainda resistiam”. In: FRANCO, Gustavo H. B. A economia em Machado de Assis, O olhar oblíquo do acionista. São Paulo: Jorge Zahar Editor. 2007, p. 59. Entretanto, Pernambuco era a província que recebia maior destaque nas conversas na Corte sobre a instituição de impostos inconstitucionais, ao ponto de receber destaque nas crônicas machadianas: “Ontem, ao voltar uma esquina, dei com os impostos inconstitucionais de Pernambuco. Conheceram-me logo, eu é que, ou por falta de vistas, ou porque eles estejam mais gordos, não os conheci imediatamente”. Balas de Estalo, 16 de maio de 1885. 167 Jornal do Recife, 17 de fevereiro de 1891. 61 indivíduos cuja pretensão única era o monopólio”168, permanecendo a centralização econômica entorno da União, dos Estados do centro-sul e das classes privilegiadas. Se os Estados do norte não tinham muito que comemorar com a permanente asfixia do Poder Central, igualmente os liberalistas não conseguiam dissolver os legados da centralização política e administrativa próprias do Poder Moderar Imperial. Isso porque, mesmo tendo sido estabelecido no texto constitucional federal que “os órgãos da soberania nacional, o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, são harmônicos e independentes entre si”169, a distribuição de competência aos poderes políticos não fora atingida como esperavam. O princípio da separação entre os poderes era inibido por um presidencialismo que “efetivamente contribuiu para arruinar a harmonia e o equilíbrio dos poderes. Fomentando a expansão sem freio da autoridade do Presidente da República, que fazia do primeiro magistrado o centro de todos os poderes, de todas as decisões, de todos os movimentos da máquina do governo”170. Uma vez que era estabelecido como “competência privada do Presidente da República” “nomear e demitir livremente os Ministros de Estado”171; “exercer ou designar quem deva exercer o comando supremo das forças de terra e mar dos Estados Unidos do Brasil, quando forem chamadas às armas em defesa interna ou externa da União”; “administrar o exército e a armada e distribuir as respectivas forças, conforme as leis federais e as necessidades, do Governo nacional”; “declarar a guerra e fazer a paz”. Além de ser da competência do “Presidente da República, com aprovação do Senado, a nomeação dos membros do instituído Tribunal de Contas que verificaria a legalidade das despesas públicas a serem prestadas ao Congresso”172. Sendo assim, eram assegurados ao líder do Poder Executivo nacional todos os mecanismos para que exercesse intervenção nas esferas do controle social, na defesa, justiça, receitas e ordem nacional e com outras nações. Talvez contando com a benevolência perpétua do chefe do Poder Executivo os congressistas constitucionais não manifestavam grande preocupação em resguardar os direitos fundamentais que protegeriam os órgãos dos demais poderes públicos contra

168 Diário de Pernambuco, 02 de fevereiro de 1891. 169 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 15º. 170 BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos políticos da História do Brasil. Volume 03. Brasília: Senado Federal, 1996, p. 70. 171 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 48º, §2º, §3º,§4º,§7º. 172 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 89º. 62 possíveis abusos do Presidente da República, ao permitir uma composição jurídico- política que outorgava a este cargo os cânones de guardião da paz, da ordem e da boa relação entre as instituições republicanas. Uma atitude tal que até mesmo o devotado positivista Alexandre José Barbosa Lima, deputado pelo Estado do Ceará, se insurgira dada a possibilidade de que o chefe do Poder Central pudesse se sobrepor às funções do Legislativo - provavelmente se referindo ao artigo constitucional que decretava que “não se achando reunido o Congresso e correndo a Pátria iminente perigo, exercerá essa atribuição o Poder Executivo federal”,173 contudo, não recebe apóio da maioria174. Apenas sendo votada uma relativa limitação à ameaça ao chefe do Poder Executivo Federal que poderia ser “submetido a processo e julgamento, depois que a Câmara declarar procedente acusação, perante o Supremo Tribunal Federal, nos crimes comuns, e nos de responsabilidade perante o Senado”175. Entretanto, esses delitos seriam ainda “definidos em lei especial”, “outra lei regulará a acusação, o processo e o julgamento”, “leis feitas na primeira sessão do Primeiro Congresso”176. Não fosse o bastante, o Presidente da República tinha o poder de interferir na própria composição do Poder Judiciário, uma vez que cabia ao chefe do Poder Central “nomear os membros do Supremo Tribunal Federal e os Ministros diplomáticos, sujeitando a nomeação à aprovação do Senado”177, poderes que não demorariam a serem utilizados pelo líder do Executivo178. E semelhantemente às fendas de defesa legadas aos demais poderes em sua relação com o Poder Federal, também fora acatado, numa provável tentativa de impossibilitar qualquer forma de poder pessoal dos líderes estaduais, a desconsideração da autonomia dos Estados federados em seu processo de constitucionalização, ao ser imposto que “o Estado que até o fim do ano de

173 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 80º,§1º. 174 A Província, 22 de fevereiro de 1891. 175 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 53º. 176Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 54º,§8º. 177Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 48º, §12º. 178 Veja: revista semanal brasileira. São Paulo: Abril. Edição 2024, ano 40, nº 35, 05 de setembro de 2007, p.54. Em 02 de setembro de 1893, por exemplo, “o presidente Floriano Peixoto fez ameaças muito claras de dissolver o tribunal, caso fosse solto um senador encarcerado, adversário seu. A ameaça teve efeito. Decidido a impedir qualquer arroubo de independência da corte, o presidente adotou ainda outra estratégia: deixou de preencher diversas vagas resultantes da aposentadoria de juízes, e assim, sem quórum, o tribunal passou meses sem operar. Formava-se um padrão para as décadas seguintes. A opinião pública é o que é: barulhenta, às vezes agressiva, e sempre plural. Num país onde o autoritarismo com freqüência solapou as instituições democráticas, foi sempre o poder político que de fato pôs a faca na garganta do Supremo Tribunal Federal”. 63

1892 não houver decretado a sua Constituição será submetido, por ato do Congresso à de um dos outros, que mais conveniente a essa adaptação parecer, até que o Estado sujeito a esse regime a reforme, pelo processo nela determinado”179. A resolução do projeto constitucional do Governo Provisório que excluía do país a Companhia dos Jesuítas e proibia a criação de novos conventos, fora uma das poucas rejeições operacionalizadas pelos congressistas nacionais. Em seu lugar, a Constituição Nacional aprovada pelos congressistas impunha apenas que “nenhum culto ou igreja gozará de subvenções oficiais, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados”180, modificando a relação entre a Igreja Católica e o Estado com o fim do padroado. O mesmo não se perceberia na questão dos papéis delimitados aos homens e às mulheres dentro da sociedade brasileira patriarcal, em fins do século XIX, sendo manifesta a mesma mentalidade conservadora, excludente e preconceituosa que prevalecera na população monárquica. Como podemos perceber no momento em que o deputado Costa Machado, representante do Rio de Janeiro, propõe que “o país seja engrandecido com o direito ao voto para as mulheres”, algo que “deveria ter sido instituído desde a Monarquia”181, recebendo como resposta intensos protestos contrários. Era, então, abertamente manifesta a contradição do texto constitucional que havia decretado serem “todos iguais perante a lei”, ao mesmo tempo em que eliminava a participação das mulheres do centro das decisões políticas, porém, de modo subjetivo. Uma vez que eram considerados eleitores os “cidadãos maiores de 21 anos que não fossem mendigos; analfabetos; praças de pré, excetuados os alunos das escolas militares de ensino superior; os religiosos de ordem monástica, companhias, congregações ou comunidades de qualquer denominação, sujeitos ao voto de obediência, regra ou estatuto que importe a renúncia da liberdade individual”182, o que, legalmente, não cancelava claramente à mulher o direito ao voto. No entanto, ao analisarmos o discurso do deputado Alexandre José Barbosa Lima, afirmando que “o voto feminino constituiria uma anarquia moral e mental à medida que elas se afastem do convívio familiar e consequentemente da educação dos

179 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 2º das Disposições Transitórias. 180 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigos 72º, § 7º, 70º,§1º. 181 A Província, 23 de fevereiro de 1891. 182 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 70º,§1º. 64 filhos para interferir no processo político”, o sexo feminino nos parece ter sido inserido no artigo constitucional referente à inelegibilidade dos “cidadãos” por “incapacidade física ou moral”183. Tornando inalterada apropriação exclusiva do sexo masculino da plenitude do signo gramática de “cidadão”, por serem os homens a representação da capacidade de defensa da República e do bem público àquela sociedade. Alegando que o tema em discussão era outro, os congressistas pedem que tal matéria fique para outro dia, não sendo, aparentemente, mais apreciada pelos debatedores. Estes preferiam empenhar seus esforços contra o discurso produzido por um dos fundadores da República, Aristides Lobo, que estigmatizou o exílio do povo no episódio que marcaria o capítulo vitorioso da luta republicana neste país ao alegar que “o fato é deles (os militares), deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula”, e quanto ao povo este “assistiu àquilo bestializado”184. Àqueles que, teoricamente, representavam a sociedade brasileira tornar de modo tão explicito a exclusão das massas nos instantes de aparente modernização do país, como poderia ser a passagem entre regimes, não parecia nada benéfico. A história sem povo e a ação histórica do Exercito incomodavam profundamente os congressistas constituintes que devotariam longos momentos para debater “quem tinha dado maior prova de ser republicano no 15 de Novembro”. Antes, segundo o senador pelo Rio Grande do Sul, Costa Júnior, era preferível representar “a vitória da República” como “uma vitória do povo, que cedeu à propaganda (efetuada principalmente por civis) e não à ameaça do quartel. O Exército fez grande ajuda, mas foi tremendamente injusta a declaração do senhor Aristides Lobo de que o povo havia aceitado a República „bestializado‟”185. Estando presente nessa sessão da Assembléia Nacional Constituinte o senador Aristides Lobo não podia se defender frente ao discurso efusivo daquele legislador gaúcho, apenas afirmando que “quanto a esta declaração já dei explicações por diversas vezes”186. Com uma “assembléia de calouros que tudo aprovava em silêncio”187, ou se perdia em discussões menores, não foi difícil para o Governo Provisório ter seu projeto constitucional aprovado e nem tão pouco ser o Marechal Deodoro da Fonseca eleito o

183 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 71º,§1º. 184 Carta de Aristides Lobo ao Diário Popular, em 15 de novembro de 1889. BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. p.79. 185 Demonstrando que tal expressão, recorrente na historiografia nacional, desde aquele período deflagrara grande repercussão. 186 A Província, 14 de fevereiro de 1891. 187 CHACON, Vamireh. Parlamento e Parlamentarismo. O congresso nacional na história do Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982, p. 139. 65 primeiro Presidente da República. Um momento significado pelo jornal A Província como “o início do regime democrático” que “fez a pátria pernambucana exultar de alegria”188. E como se a impressão daquele precário documento tivesse o poder mágico de tudo mudar, o jornal supracitado declamava que “os representantes constitucionais cumpriram seu papel de elaborar o elemento poderoso e único de transformação da pátria, dando-lhe igualdade e fraternidade”189, de tal modo que estava “encerrada a fase ditatorial que era uma conseqüência lógica do movimento revolucionário”, passando a raiar “a luz da legalidade trazendo ao país os melhores elementos para conquistarmos o progresso com a aurora do regime constitucional”190. Na prática, ao ter sido adotado como forma de governo, o regime representativo191, assim como os princípios de eletividade e temporalidade nos cargos dos Poderes Legislativo e Executivo, a nação brasileira, e de modo específico a sociedade pernambucana, verificaria a continuidade do controle político exercido pela classe política urbana aliada ao sistema clientelístico do coronelístico das áreas rurais do Estado. Como pudemos verificar em nossa breve análise das discussões dos deputados provinciais, no capítulo anterior, os políticos pernambucanos, se liberais ou conservadores, manifestavam a utilização partidária da máquina pública provinciana para atender aos seus colaboradores e preparar as vitórias eleitorais. Tal entrelaçamento entre as áreas urbanas e rurais constituía uma estrutura que interligava a força pública e a oligarquia por relações dominadas por aquele que se levantaria como líder da zona interiorana da então província, o coronel, cuja “liderança” era medida pela capacidade que este tinha para formar exércitos particulares, recrutado dentre o excessivo número de indivíduos pertencentes à população economicamente miserável; direcionar a “vontade política” da população, dependente do paternalismo autoritário; e barganhar com os representantes políticos, por nomeações e benefícios aos seus apadrinhados. Na República a situação do coronelismo não fora alterada, ao contrário, “formou-se uma pirâmide de compromissos recíprocos entre o eleitorado, o coronel, o poder municipal, o poder estadual e o poder federal192. Isso porque a estratégia da elite política era

188 A Província, 28 de fevereiro de 1891. 189 A Província, 26 de fevereiro de 1891. 190 A Província, 01 de março de 1891. 191 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 1º. 192 JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O coronelismo uma política de compromissos. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 11. 66 facilitada pela interferência que conseguiam impor nos cargos da presidência da Câmara e Intendência Municipais, responsáveis por todo o processo político-eleitoral na “divisão dos distritos de paz, numerando as seções e designando os edifícios em que deverá proceder à eleição”. Principalmente nos pleitos em que o eleitor deveria escolher o Presidente da República e o Governador do Estado, a cada quadriênio, e no intervalo dessas eleições votariam em três Senadores Federais e quinze Estaduais, dezessete Deputados Federais e trinta Estaduais. Isso porque, assim que era “terminada a votação, e logo após a assinatura do último eleitor, a mesa fará lavrar e assinar um termo em que se declare o número de eleitores inscritos no livro”. Depois, “o livro das assinaturas dos eleitores será, com os demais, remetido à Câmara ou Intendência Municipal”. No processo de apuração dos votos “compete à Intendência Municipal na Capital Federal, quando à eleição do Distrito Federal, e as Câmara ou Intendências das capitais dos Estados quanto às eleições neles realizadas, a apuração geral dos votos constantes das autênticas remetidas pelas mesas eleitorais”193. E se caso fossem eleitos legisladores indesejáveis, estes poderiam ser “degolados sob a alegação de fraude ou irregularidades burocráticas, que impediam a posse”194 no momento em que o Congresso desse início aos trabalhos de reconhecimento, declaração e diplomação dos eleitos. O Jornal do Recife, “órgão muito ligado a Martins”195, não deixava de demonstrar as transformações discursivas dos jornais em face da composição momentâneas das redes políticas, uma vez que nos primeiros momentos, quando Martins Junior fora agraciado com benefícios e nomeações, a República fora representada como uma revolução à qual o Jornal do Recife aconselhava que todos aderissem196, mas, em tempos do esplendor lucenista, o chefe dos republicanos históricos197 gritava que a nova ordem era uma “trágica comédia que começou a ser interpretada no dia 15 de novembro de 1889”198. E na peça da constitucionalização do

193 Brasil. Decreto nº 511, de 23 de junho de 1890, capítulo II, artigo 6º, dispõe sobre Regulamento César Alvim. Eleição do Primeiro Congresso Nacional. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 129. 194 JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Op. cit., 38. 195 PORTO, Costa. Op. cit., p.22. 196 Jornal do Recife, 21 de novembro de 1889. 197 Demitido do Banco Emissor de Pernambuco, Jornal do Recife, 15 de fevereiro de 1891, Martins Júnior dedicava-se então a reestruturar seu partido ao lado de Ambrósio Machado e Ribeiro de Brito. No Clube Republicano, os republicanos históricos e “homens de antigas agremiações” fundaram um novo Partido Republicano de Pernambuco, adotando o programa do Partido Republicano Constitucional do Rio de Janeiro. No encerramento da sessão, foi aprovado o envio de um telegrama sobre este ocorrido para o Partido Constitucional do Rio de Janeiro e para Floriano Peixoto. Jornal do Recife, 19 de maio de 1891. 198 Jornal do Recife, 24 de janeiro e 21 de fevereiro de 1891. 67 novo regime, segundo este jornal martinista, o discurso do desiludido Aristides Lobo199, declarando que “a ditadura do poder central não mudou em nada nossos hábitos políticos”200, cabia-nos muito bem. Assim, encenava o Poder Constituinte Nacional como uma teatralização em que “o poder ditatorial foi ao solo do Congresso, por meio de uma célebre mensagem, entregar-lhe os destinos da nação, mas quando o Legislativo quis tornar sério o ato, alias digno, este se amuo e disse que se havia enganado. E sempre que o Congresso indaga de qualquer coisa, mesmo relativa às suas funções constitucionais, mesmo para desempenhar-se dos seus deveres, lhe dizem que se cale. Vote a Constituição que é tudo que lhe cumpre fazer. Infelizmente nós vivemos em um país de surdos e cegos”201. Quanto à eleição do Presidente Manoel Deodoro da Fonseca, o Jornal do Recife afirmava que “já era esperado, o que não poderíamos prever é a derrota moral”202 (referindo-se à eleição de Floriano Peixoto como vice-presidente). Ao noticiar a aprovação da nova Constituição Nacional, o Diário de Pernambuco não manifesta o mesmo tom festivo dA Província, nem as críticas abertas do Jornal do Recife, antes significa a Carta Magna Federal como “uma obra inacabada e crivada de espinhos do ponto de vista dos interesses dos Estados da Federação”. E que talvez não fosse assim se os deputados eleitos para representar os membros desta nação “não tivessem faltado tanto às sessões”, apontando à estes a responsabilidade pela fraqueza do texto constitucional federal. De modo semelhante, o Diário monta uma expectativa de que a atuação dos congressistas estaduais poderia conseguir “tornar a vida destes pobres Estados mais fáceis”, como se acreditasse que o Poder Constituinte Decorrente de Pernambuco pudesse se insuflar contra os desígnios impostos pelo Poder Central, gerenciados pelo maior aliado de Deodoro, o Barão de Lucena, caso os congressistas constituintes pernambucanos falhasse, afirmava hiperbolicamente o Diário que “poderá crescer o desamor pela União” 203. Vencendo “em todas as frentes, se não pacificando, pelo menos amenizando o clima político do Estado”204, o Barão de Lucena, que havia conseguido fazer vitoriosa a chapa por ele montada para a eleição ao Congresso Nacional Constituinte, em 15 de setembro de 1890, imporia intensas modificações nas finanças pernambucanas que lhe

199 Desgostoso por haver Deodoro recusado a assinar atos de nomeação de sua pasta. PORTO, Costa. Op. cit., p. 33. 200 Jornal do Recife, 23 de janeiro de 1891. 201 Jornal do Recife, 03 de janeiro de 1891. 202 Jornal do Recife, 26 de fevereiro de 1891. 203 Diário de Pernambuco, 17 de fevereiro de 1891. 204 PORTO, Costa. Op. cit., p. 29. 68 produziriam um ambiente extremamente propício para as próximas vitórias na condução do Poder Constituinte Decorrente de Pernambuco. Um controle muito favorecido pelas representações favoráveis que recebia de jornais situacionistas como o Diário de Pernambuco, segundo o qual Lucena sempre buscava em suas ações “manter a ordem, a paz perpétua, a liberdade para os eleitores, a reforma no serviço público, além de ter iniciado um plano de reconstrução das finanças do Estado na criação de um banco emissor e contraiu um empréstimo glorioso para Pernambuco”205. A partir de 17 de janeiro de 1890, data da reforma bancária e da nova lei societária, ambas de Ruy Barbosa, o país viveria o que o escritor carioca Machado de Assis chamou de “o primeiro dia da Criação da República”. Destronado o Império, fora, enfim, segundo Gustavo Franco, decidido o impasse de tantos anos a favor do “papelismo” com a inovação do emprego da moeda fiduciária inconversível emitida sobre lastro em apólices como nos Estados Unidos da América. Tais ações faziam parte de sua tentativa de minimizar o agravamento do problema do troco que se disseminava nos Estados e Câmaras Municipais, ao mesmo tempo em que era propagada a prática de emissão de apólices ao portador e pequenos empréstimos usados para o pagamento do ente público. Contudo, o momento de Ruy Barbosa, “crente no progresso, sacerdote máximo da grande arrancada que mudaria a rotina em energia”206, se mostrou “desorganizado. O início dos novos bancos de emissão da República mistura altos desígnios, boa doutrina e a mais rasteira improvisação, ou mesmo doses de mercantilismo e malversação”207. Provocando uma conflagração do problema da existência de vários tipos de moedas e cédulas de diferentes bancos, recém criados ou há muito existentes, dentre estes o Banco Emissor de Pernambuco que, assim como outros bancos, teve notas falsificadas208. No entanto, antes do país ser tomado por essas complicações financeiras a criação do Banco Emissor de Pernambuco ofertou grande destaque à gestão do Barão de Lucena. Isso porque a organização de bancos de emissão, autorizada pelo Marechal

205 Diário de Pernambuco, 15 de outubro de 1890. 206 FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Companhia Editora Nacional, Série Brasiliense, vol. 356, 1976, p. 266. 207 FRANCO, Gustavo H. B. A economia em Machado de Assis. O oblíquo do acionista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 29. 208 “Ora bem, não será assim com o resto? Que são notas falsas, se acaso estão de acordo com as verdadeiras, e apenas se distinguem delas por uma tinta menos viva, ou por alguns pontos mais ou menos incorretos? Falsas seriam, se parecessem tanto com as outras, como um rótulo de farmácia com um bilhete do Banco Emissor de Pernambuco, para não ir mais longe.” In: ASSIS, Machado. Gazeta de Notícias, 05 de fevereiro de 1893. 69

Deodoro, em 17 de janeiro de 1890, previa que o país seria dividido em três regiões, o Norte, compreendendo dede o Estado da Bahia até ao do Amazonas; o Centro, compreendendo os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina; o Sul, compreendendo os Estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás. A cada uma destas regiões corresponderia um banco, cuja capital será de 150.000:000$000, para o banco com sede na Bahia; 200.000:000$000, para o banco com sede no Rio de Janeiro; e 100.000:000$000, para o banco com sede em Porto Alegre209. Porém, o estatuto da sociedade anônima Banco Emissor de Pernambuco obteve licença, concedida por 50 anos, com possível prorrogação, do Governo Federal para conceder empréstimos pessoais e para indústrias nos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará210. Uma concessão que receberia grande evidencia pelo Diário de Pernambuco, principalmente porque este banco teria “a faculdade de emitir 20.000.000$00 em notas, sendo a metade sobre o fundo de apólices federais e outra metade sobre o funde metálico de ouro”, para “atender às necessidades da praça do Recife e facilitar seu giro mercantil”, o que “eleva o Estado frente à União e que é em grande parte fruto da confiança que o honrado Barão inspira”211. Em semelhante interpretação, o jornal A Província, explicitamente governista, definiu os empréstimos obtidos junto ao Governo Central e a concessão do Banco Emissor de Pernambuco como “um triunfo econômico e financeiro”, uma “vitória” urdida nas negociações entre Lucena, o Ministro da Fazenda e os incorporadores do Banco Emissor212. Quanto a açucocracia, segundo Manuel Correia de Andrade, o Barão de Lucena seria o primeiro dirigente pernambucano a modernizar a economia açucareira, sendo seguido por seu sucessor Antonio Correia da Silva e pelo futuro governador Alexandre José Barbosa Lima. Além de implantar um sistema de empréstimos vultosos aos senhores de engenho afim de que substituíssem os velhos engenhos coloniais por modernas usinas de açúcar, montassem fábricas e organizassem os transportes para as mesmas. Deste modo, Lucena conseguiu que a política imperial dos engenhos centrais, analisada no capítulo anterior deste trabalho, fosse alterada ao assegurar que os engenhos centrais pertencentes ao capital estrangeiro se comprometessem a não cultivar

209 Brasil. Decreto nº165, de17 de janeiro de 1890. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 109. 210 Brasil. Decreto nº 880, 18 de outubro de 1890. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 112. 211 Diário de Pernambuco, 26 de outubro de 1890. 212 A Província, 03 de outubro de 1890. 70 a cana, comprando-a dos proprietários de terra que abandonavam a atividade industrial213. Tal política de apoio aos senhores de engenho e comissários de açúcar que viviam no Estado permitiria que o Barão de Lucena, ao sair do governo de Pernambuco, no momento em que fora convocado pelo Marechal Deodoro para assumir o Ministério do Supremo Tribunal de Justiça, deixasse ao seu substituto, Antonio Correia da Silva, um “ambiente favorável para organizar a chapa conjunta para o Congresso do Estado, que seria eleito em março de 1891, uma salada de vários grupos, não trazia a chancela de nenhum partido, mas todos obedeciam à batuta de Lucena”214. Semelhantemente ao que havia ocorrido a nível nacional, em que o Governo Provisório elaborou um projeto constitucional que fora votado e aprovado, sem grandes alterações, pelo Congresso Nacional Constituinte, o governador Correia da Silva não deixou de interferir no Poder Constituinte Decorrente de Pernambuco, mesmo que, pelo menos em tese, considerasse que tal capacidade deveria ser exercida pelo conjunto dos legisladores215. Por meio de um ofício da Secretaria de Governo foram enviados à sessão de Instalação do Congresso Constituinte Estadual 50 exemplares da Constituição de Pernambuco, promulgada por decreto em 21 de novembro de 1890, pelo governador José Antonio Correia da Silva para obter parecer do Congresso Estadual, que apenas seria eleito em março de 1891. Entretanto, ao compararmos o esboço de projeto constitucional que havia sido elaborado pelo senador José Soriano Souza216 com o projeto apresentado por Correia da Silva ao Congresso Constituinte Estadual pudemos verificar que as sugestões do senador não parecem ter operado alguma influência no que fora apresentado pelo chefe do executivo local para ser apreciado pelo Senado Estadual, a partir do dia 18 de abril, e pela Câmara dos Deputados, em 19 de abril de 1891, manifestando mais um exemplo do modo como qualquer tentativa de autonomia pessoal era logo encerrada ou desconsiderada. Juntamente com o projeto constitucional estadual, o chefe do executivo local produz uma encenação em que manifesta sobre a Constituição Nacional ter sido a ausência da descentralização política, econômica e administrativa a falta mais gravemente sentida não apenas pela classe política como também pelas classes sociais privilegiadas economicamente. Deste modo, o governador, na sessão de abertura da

213 ANDRADE, Manuel Correia de. História das Usinas de Açúcar de Pernambuco. Recife: Massangana, 1989. 214 PORTO, Costa. Op. cit., p. 31. 215 A Província 10 de outubro de 1890; DP. 31 de outubro de 1890. 216 Projeto de Constituição para o Estado de Pernambuco. Tipografia do jornal A Época, agosto de 1890. 71 instalação do Congresso Constituinte Estadual de Pernambuco, em 13 de abril de 1891, elabora um discurso em que legaria, teoricamente, aos congressistas constitucionais estaduais a implantação da autonomia na estrutura jurídico-política local através da construção de “linhas divisórias e delimitações entre os poderes”. Entretanto, ao termino de seu discurso Correia da Silva expressaria o maior dilema dos congressistas constitucionais estaduais que era “não apenas criar ou traçar as divisões entre os poderes e sim conseguir formular a nossa independência em relação à União”, “converte-las em realidade, esta será vossa verdadeira missão, difícil missão!”217. Nas discussões dos legisladores constitucionais pernambucanos seria formada uma divisão de três posicionamentos discursivos entre aqueles que, apesar de suas alianças, buscariam prestar um serviço relevante à análise dos textos constitucionais, nacional e estadual, e aqueles que permaneceriam com seus esforços direcionados para produção de mecanismos argumentativos que melhor servissem às redes políticas pró- governistas ou antigovernistas, sendo estes três posicionamentos liderados, respectivamente, pelos deputados bacharéis Henrique Augusto Milet e José Maria de Albuquerque Mello, e o deputado tenente Eugenio Bittencourt. Apenas seis dias após terem sido iniciados os trabalhos do Congresso Constituinte Estadual, o deputado José Maria, articulador de apoio ao governo, reclamava que a comissão nomeada para dar parecer inicial sobre o projeto constitucional enviado por Correia da Silva ainda não tinha terminado suas tarefas. Uma atitude interpretada pelo jornal A Província, ligado ao deputado, como uma “ansiedade para que o Estado possa entrar no domínio da legalidade”218. Contudo, tal preocupação não era ratificada pela análise mais abrangente do deputado Augusto Milet que encarava como o maior desafio do Congresso Constituinte Estadual a não repetição das falhas cometidas pelo Congresso Nacional Constituinte que “votou de afogadilho uma Constituição imperfeita que já dá problemas para ser posta em ação”. Isso porque atendera “às conveniências dos Estados do Sul, ou mais propriamente aos caprichos dos representantes daqueles Estados que, se aproveitando da maioria artificial, conseguiram uma Constituição que nos é muito prejudicial”219. Entretanto, buscando não se indispor com o Marechal Deodoro, o deputado Milet, mais uma vez aponta suas acusações contra “Ruy Barbosa, homem muito ilustre, mas acometido pela febre das inovações, e a

217 A Província, 14 de abril de 1891. DP, 09 de maio de 1891. 218 A Província, 26 de maio de 1891. 219 DAPPH, Anais do Congresso Constituinte do Estado de Pernambuco, 03 de maio de 1891. 72 cada dia expedia novos decretos para alteração da legislação e o Primeiro Ministro (César Alvim) não disfarçava a pretensão de impor a aprovação por simples aclamação do projeto decretado em 22 de outubro de 1890, querendo até mesmo decidir na pauta do dia. Só não obtendo êxito pelo esforço de Prudente de Morais”. Tarefa que não fora fácil para o vice-presidente do Senado Federal porque “a maioria dos membros do Congresso embalavam-se com a ilusão de ser o voto da Constituição imediatamente seguida pela entrada no regime legal e a supressão dos poderes ditatoriais. O pouco empenho dos legisladores levou o projeto constitucional a ser aprovado sem modificações importantes” 220. Caberia, portanto, ao Poder Constituinte Decorrente de Pernambuco a responsabilidade de devotar maior empenho, principalmente quando tinha diante de si tarefas tão importantes como organizar a elaboração das “três leis orgânicas estaduais, a eleitoral, a judiciária e a municipal221” sem as quais “não estaria concluído o pleno gozo de nossa autonomia” e não conseguiria o Estado de Pernambuco encerrar as fendas que permitiam as ações intervencionistas do Poder Executivo, central e estadual. Uma vez que o Poder Central da República, em “nome da „manutenção da legalidade‟, mantinha o controle sobre as autoridades policiais, quando estas deveriam ser entregues a magistrados nomeados pelas autoridades municipais. Conservando o governo federal esta atribuição importantíssima poderá fazer pressão, como em tempo da Monarquia, e decidir as eleições. Daí a importância de termos nossos juízes estaduais. Algo somente possível quando organizarmos as municipalidades que são extremamente dependentes do processo eleitoral”. Além disso, “a Constituição enviada ao Congresso não se pronunciou a respeito da época em que verificariam as eleições municipais e nem tão pouco do processo eleitoral”, assim, enfatizava, “enquanto não forem votadas as leis municipal, judiciária e eleitoral não estaremos efetivamente constituídos”222. Se fosse preciso, defendia Milet, “depois de votada a Constituição Estadual e eleito o governador, não se separasse os membros do Congresso imediatamente e continuasse reunido até que se vote as três leis orgânicas indispensáveis para a efetividade da organização da autonomia de nosso Estado”223. Tal inquietação era igualmente presente na análise do Diário de Pernambuco que definia a formulação das bases dos municípios

220 A Província, 03 de maio de 1891 221 Uma vez que a Constituição Federal, em seu artigo 68º, havia repassado aos Estados a organização das municipalidades “em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. 222 DAPPH, Anais do Congresso Constituinte do Estado de Pernambuco, 20 de maio de 1891. 223 A Província 21 de maio de 1891. 73 como “o primeiro elo da cadeia que deve prender o indivíduo (município) à nação, sem, contudo, tolher-lhe a liberdade na esfera de sua liberdade política”224. Entretanto, o projeto enviado pelo governador, aprovado com pouquíssimas modificações pelo Congresso Constituinte Estadual, garantia apenas que somente “à proporção que os municípios forem-se organizando o governo do Estado lhes dará entregue a administração de seus serviços”225. Permitindo que o funcionamento legal dos municípios, pela eleição dos dirigentes, continuasse preterido pelos interesses do Executivo estadual ao impor, à frente da administração municipal, escolhidos seus. Assim como, semelhante ao que fora acordado na Constituição Federal, o Poder Executivo Estadual tinha reservado a si a manobra intervencionista no âmbito da composição e atuação da magistratura pernambucana por ter sido aprovado que “os juízes de direito serão nomeados pelo Governador dentre os indicados pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça”226. Ingerência igualmente expressa nas atribuições do Poder Legislativo local ao ser aberto precedente de que “quando não houvesse tempo “para se votar as leis orçamentárias o Governador poderia prorrogá-las227. Constituindo uma inovação inaceitável para alguns deputados e órgãos da imprensa que impunham um reconhecimento de que “os eleitores votaram nos deputados para cumprir suas prerrogativas, dentre estas, uma era a votação das leis orçamentárias”228, um precedente que logo manifestaria seu alto custo à harmonia das instituições soberanas, como veremos no capítulo quarto. Mesmo expressando uma aparente devoção ao princípio da representatividade os congressistas constantemente buscavam reafirmar as especificações do pacto firmado entre os representantes e aqueles que seriam considerados os seres representados. Nos debates dos congressistas constitucionais era transparente o enraizado conservadorismo, preconceito e exclusão que marcavam a forma como os analfabetos e, principalmente, o gênero social feminino, eram representados sempre cobertos pelo manto da incapacidade intelectual, política e moral. De tal modo que quando o deputado Milet, considerando a possibilidade de que esta massa de analfabetos seria mais facilmente manobrada por oradores experientes como José Mariano ou num lampejar da

224 Diário de Pernambuco, 04 de maio de 1891. 225 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 14 de junho de 189, artigo 117º. 226 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 14 de junho de 189, artigo 79º. 227 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 14 de junho de 189, artigo 11º. 228 DAPPH, Anais do Congresso Constituinte do Estado de Pernambuco, 14 de maio de 1891 74 compreensão de quem constituía a maioria daquela sociedade, põem em discussão a possibilidade da concessão do direito de voto aos analfabetos provoca uma reação estrondosa não apenas entre os congressistas presentes, mas entre os responsáveis pela seleção do que seria registrado nos documentos oficiais daquela assembléia.

Numa expressão de autonomia, o deputado Milite construía um discurso argumentando que “esse direito é uma personificação do povo soberano a quem não podemos impor restrições”, uma vez que “um homem por ser analfabeto não é destituído de inteligência, tino e compreensão dos negócios públicos. No Haiti um preto analfabeto Toussaint Vouverture (grafia errada do nome de François-Dominique Toussaint Louverture) fundou a República do Haiti e (segundo Milet) não sabia ler”. Mesmo na França, analfabetos, soldados, mendigos, todos gozam do direito de cidadania229. Assim, “o analfabeto deve ter os mesmos direitos políticos de ser eleito e elegível, desde que satisfaça os requisitos de domicílio e de idade, dentre outras prerrogativas”. Deste modo, “poderemos corrigir o preconceito aristocrático que levou o Congresso Federal a tirar o direito de voto ao analfabeto”230. Nesse momento o Congresso Estadual, formado em sua larga maioria por bacharéis, demonstra de modo exacerbado sua natureza excludente, conservadora e elitista, ao serem proferidos discursos de oposição como o do senador Gaspar Drummond para o qual tal concessão seria “uma irrisão para o eleitorado”. Sendo nessa interpretação acompanhado pelo também senador Rogoberto Barbosa da Silva afirmando ironicamente que “seria bonito uma Assembléia de analfabetos”, recebendo como resposta do deputado Milet uma declaração que lhe causaria muitos problemas, quando afiançou que “eles, com bons secretários, poderiam legislar melhor do que certos bacharéis” 231. Estava, portanto, formada aquela que seria uma das maiores, senão a maior, ação conjunta entre os deputados, de redes políticas opostas, mas unanimemente acordados de que tal frase era uma “verdadeira ofensa, porque não há bacharel que legisle pior do que um analfabeto”, segundo o deputado José Maria. Ao ler as transcrições das sessões da assembléia estadual constituinte no jornal A Província, o deputado Arthur Henrique Albuquerque Mello, que esteve presente na sessão do dia 14 de maio, sem, contudo, ter se pronunciado naquela sessão, solicita, em

229 DAPPH, Anais do Congresso Constituinte do Estado de Pernambuco, 14 de maio de 1891. 230 A Província, 21 de maio de 1891. Transcrevendo a sessão do dia 14 de maio de 1891. 231 A Província, 21 de maio de 1891, 14 de maio de 1891. 75 sessão plenária posterior, que a frase final do deputado Milet “seja riscada dos anais do Congresso”. Diante de tantos protestos, o deputado Milet concorda que seja retirada sua frase daquele documento que, em tese, exporia todas as tentativas de modernização democrática dos legisladores. Entretanto, tal rasura não seria necessária uma vez “o taquigrafista não havia registrado nos Anais do Congresso Estadual tal ofensiva frase”232, segundo o presidente da mesa. Demonstrando que as informações encontradas naqueles anais nada têm de natural, antes sua materialidade estava envolta em condições precisas de produção e organização. Os legisladores, mesmo diante das altíssimas taxas de analfabetismo e o número reduzido de leitores interessados em analisar os documentos oficiais da assembléia constituinte, ou mesmo acompanhar pelos jornais, não poderiam dispensar o controle no mapeamento das imagens e linguagens daqueles que deveriam representar a proteção e intervenção no espaço público e no cotidiano da população. Uma sociedade que pouco teria sua estrutura alterada, principalmente em relação ao papel e posicionamento desses desprivilegiados analfabetos, e, especialmente o gênero feminino. Isso porque se em relação ao primeiro grupo ainda pudemos encontrar tentativas de modificações democráticas, com o deputado Milet, tal benevolência não fora partilhada sobre a atuação política das mulheres. O que expressa o modo como a marginalização deste gênero social estava enraizada na sociedade, a tal ponto que, por convicções próprias ou por não querer se indispor com os “cidadãos” masculinos, o deputado Milet alegava que “as mulheres casadas, na constância do matrimônio não podem exercer pessoalmente o direito de intervenção nos negócios da comunhão social. Assim, o voto das mulheres seja exercido pelos maridos”233. A provação sucessiva dos artigos do projeto enviado pelo governador em exercício, Correia da Silva, expressava uma passividade incomoda até mesmo entre aqueles que figuravam no grupo de apoio ao governo, como o deputado marianista Augusto Milet que, constrangido por tanta submissão, alegava uma necessária substituição nos artigos 70 e 71 do projeto constitucional que obrigavam o Congresso a remeter a Constituição, depois de aprovada, para ser promulgada pelo governador, declarando que “nem é conveniente isso, pois o governador é provisório, representante do Governo Federal, e não eleito. Assim, devemos aprovar e promulgar a Constituição e

232 A Província, 14 de junho de 1891, dia 09 de junho de 1891. 233 A Província, 24 de maio de 1891. Transcrevendo a sessão do dia 15 de maio de 1891. 76 depois enviar um autógrafo ao governador”234. Querendo cercear as agitações que se conflagravam por uma participação mais efetiva na construção da Carta Magna Estadual, o senador governista Gaspar Drummond procurava lembrar aos congressistas estaduais que “em fase do decreto de promulgação da Constituição do Estado235, nada podemos fazer, alterar ou inovar”. Sendo tal argumentação aproveitada por aqueles que se posicionavam contra o comando estadual, como o deputado Eugenio Bittencourt que, se dizendo autorizado pela adesão de seus “camaradas do Clube Militar”, se insuflava contra o fato de que “no Parlamento atual, assim como na Monarquia, o representante o é em grande maioria da ignorância do povo, porque em todos os Estados as eleições não são livres e o povo não pode escolher para seus representantes os que se empenham por seu progresso. Em geral, os chefes escolhem para fazer parte da representação nacional um pessoal em que possa predominar a elite. O que torna a representação uma falsidade”, porque não se pode “compreender como se dá poderes ao eleitorado para enviar representantes com poderes limitados neste ou naquele sentido, quando se faz uma Constituição”. E decreta que tal situação, em seu diagnóstico final, “não é regular”236. Assim, a população veria apenas espasmos de modernidade e democracia presentes nos artigos da Declaração dos Direitos na Constituição Federal que estabelecia que “todos são iguais perante a lei, pois a República não admite privilégios e desconhece foro de nobreza”; “todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum”; “a República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita”; “será leigo o ensino nos estabelecimentos públicos”; “em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato”; “a exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente”; “ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, salvas as exceções especificadas em lei, nem levado à prisão ou nela detido, se

234 A Província 14 de maio de 1891. 235 Promulgação efetuada pelo governador interino Antonio Correia da Silva, em 21 de novembro de 1890. 236 DAHPP, Anais do Congresso Constituinte do Estado de Pernambuco, 11ª sessão do Congresso Constituinte Estadual, 03 de junho de 1891. 77 prestar fiança idônea nos casos em que a lei a admitir”; “ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ela regulada”; “aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas”; “dar-se-á o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”237. Conquistas ratificadas pela Carta Magna Estadual que também assegurava “os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pelas autoridades municipais”238. Entretanto, no que consistia a maior deficiência da sociedade pernambucana daquela época, o altíssimo índice de analfabetismo, pouco fora resolvido porque mesmo sendo assegurado que seria da competência do Poder Legislativo “criar estabelecimentos de instituições públicas normal, secundária, profissional e técnica, fundando academias ou Faculdades de ciência, bem como criando e mantendo as escolas primárias municipais”, tais instituições deveriam ser direcionadas não para o desenvolvimento intelectual do indivíduo, mas para “promover o bem e o progresso do Estado”239. Diante do parco avanço conquistado pelos congressistas estaduais, assim como pelos congressistas nacionais, o Jornal do Recife os representou como “pseudo- representantes do povo”, pois “ela (a Constituição Estadual) não é outra coisa mais que o projeto do governador que ganhou uma preponderância tal que anula os outros poderes”. Desta forma, na teatralidade da Assembléia Constituinte do Estado de Pernambuco apenas havia construído “uma máscara transparente com que se procurou disfarçar a ditadura” revelada na apatia e submissão dos legisladores que logo elegeriam Henrique Pereira de Lucena, o Barão de Lucena, governador, e Antonio Correia da Silva, vice-governador cumprindo, segundo o jornal supracitado, sua “obrigação” porque “não poderiam negar o voto àqueles que os tinham elegido deputados”240. Como podemos perceber, diante daquelas redes político-partidárias que se faziam e se desfaziam rapidamente não por questões ideológicas, mas puramente por interesses do instante, o conceito de “representatividade política” encontrava-se ainda

237 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 72º,§2º ao §6º,§12º ao §16º, §22º. 238 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 14 de junho de 189, artigo 126º,§6º. 239 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 14 de junho de 189, artigo 36º,§5º. 240 Jornal do Recife, 17 de junho de 1891. 78 mais fragilizado. O conjunto de princípios que se encontravam no vértice do sistema normativo construído, nas esferas nacional e estadual, reforçava ainda mais tal desconexão entre os representados e seus representantes, tanto pelo alinhamento na ditadura positivista, com a continuidade da centralização política, administrativa e econômica de poderes e riquezas, como pelo axioma do liberalismo de distanciar, tanto quanto possível, o Estado da população. Assim, o verbo “representar” e o substantivo “representação” pareciam ser cada vez mais restritos a um universo do qual a sociedade em geral não se sentia participante, visto que nas expressões comportamentais e nas reproduções de prioridades ou peculiaridades da classe política não eram refletidas características que espelhassem ou evocassem os sujeitos que, hipoteticamente, seriam os representados. Ao contrário, a cada manifestação da autonomia excessiva dos representantes, em nada privado de seus próprios interesses, tornava a compreensão da representação política, apenas como uma delegação de poderes, ainda mais distante. Ficava, portanto, explicito que não era a população brasileira, em sua totalidade, o verdadeiro destinatário das benfeitorias da Constituição republicana, federal e estadual, construída pelo governo e aceita pelos congressistas, mesmo que fossem, ou devesse ser a maior interessada naquele processo já que seria, com certeza, a verdadeira financiadora das mazelas ou benefícios advindos da implantação e atuação da nova Carta Magna. Antes, lhes seria imposto um texto em que cada antiga província, transformada em Estado-membro federado, e cada indivíduo permaneceriam a ocupar o mesmo papel e posição político-social, tendo seu caminhar prescrito pela elaboração geográfica constitucional que lhes indicava qual “rua” de legalidade poderiam percorre em busca de seu próprio desenvolvimento; quais os “vetores” de mudanças financeiras foram-lhes oferecido; quais as “paredes” ainda impossibilitavam que aqueles que historicamente eram menos privilegiados pudessem alterar o “sentido único” dos benefícios e prerrogativas do poder público da República brasileira. Quanto àqueles excluídos, analfabetos e o gênero social feminino, poucos trechos da produção constitucional lhes seriam apropriados em sua vivência cotidiana, isso porque o processo da teórica modernização democrática da nação em nada alterou a conservadora experiência dos lares patriarcais e elitistas daquela sociedade. Antes, as mulheres se manteriam submissas ao (re)uso do princípio centralizador que fazia do chefe patriarcal uma entidade semelhante ao líder do poder executivo, discordante em dividir sua soberania ante os considerados inferiores. Deste modo, a sociedade e os Estados, como

79 se fosse uma massa homogênea, apresentavam-se continuamente como “meros consumidores daquilo que lhes seria imposto”241. Os jornais governistas, como era de se esperar, não abriram espaço para tal protesto, antes o Diário de Pernambuco preferiu noticiar que “o Congresso terminou sua missão de estudar a Constituição decretada pelo atual governador”. Diagnosticando ainda que “satisfeitos foram os preceitos democráticos que visa garantir os direitos cívicos e políticos dos habitantes” num “Estado autônomo que faz parte da União Federal Brasileira. A forma de governo é republicana e os poderes, legislativo, judiciário e executivo, são delegações do povo”242. Diante de tal representação, o governador Antonio Correia da Silva expressaria sua satisfação com o “trabalho” dos legisladores comemorando a “conquista” como uma retribuição à sua rede de apoio na imprensa mandando publicar exemplares da Constituição Política do Estado de Pernambuco, pelas tipografias dos jornais aliados A Província e Diário de Pernambuco (Tipografia de Manoel Figueiroa de Faria e Filhos), e decreta 17 de junho feriado estadual, para que o povo festeje243, mesmo que não soubessem o que.

241 CERTEAU, Michel. A invenção do Cotidiano. Op. cit., p. 34. 242 DP, 12 de junho de 1891. 243 APEJE, Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco, 1891. 80

CAPÍTULO 3

DO BARÃO DE LUCENA A BARBOSA LIMA: O ALINHAMENTO DE PERNAMBUCO NA DITADURA DO MARECHAL FLORIANO PEIXOTO (1891-1892)

Nos tempos em que o Barão de Lucena, maior aliado e representante do presidente Deodoro da Fonseca, comandava a administração pública e política pernambucana a atuação centralizadora do poder executivo se tornava ainda mais ostensiva. Ampliando sua intervenção no instante em que o Marechal Floriano Peixoto, ao permitir a implantação da Junta Governativa, em 1891, e direcionar a eleição do governado Alexandre José Barbosa Lima, em 1892, estruturaria o alinhamento do Estado de Pernambuco em sua ditadura legalista, como passaremos a analisar. A ascensão de Floriano Vieira Peixoto ao Poder Central fora inaugurada em meio à conflagração da “primeira pressão pela legitimidade do regime republicano”244, isso porque mesmo o Marechal Deodoro tendo regido o processo constitucional não conseguia construir um controle legitimamente aceito por se mostrar ineficiente na opção pela maioria de seus escolhidos nos Estados, pouco habilidoso para lidar com os negócios públicos e interagir democraticamente com os outros poderes soberanos, antes demonstrava “profunda dificuldade em lidar com as regras e o que sempre lhe pareceu insuportáveis limitações constitucionais às funções autônomas e à vida independente de seu domínio”245. Um problema acentuado pela personalidade forte deste líder que, diferentemente do aspecto “sóbrio e tranqüilo”246 atribuído por Flávio Guerra, é representado por Costa Porto como “temperamental, impulsivo, violento, que não sabia aceitar críticas, irritava-se, perdia a calma, e em pouco tempo havia criado atritos com todo mundo, imprensa, políticos, Congresso e companheiros de campanha”247. Nem mesmo com seu Gabinete Ministerial, responsável pelas iniciativas políticas e legislativas, o presidente Deodoro da Fonseca conseguia obter harmonia. Quando alguns de seus ministros foram eleitos para cargos legislativos o Marechal Deodoro,

244 FAORO, Raymundo. Os donos do Poder. Formação do padroado político no Brasil. Porto Alegre: Globo, 1976, p. 553. 245 BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 55. 246 GUERRA, Flávio. Op. cit., p. 332. 247 PORTO, Costa. Op. cit., p. 32. 81 diante da “oportunidade de escolher novos ministros de sua confiança”248, obrigou-lhes a optar entre os mandatos e o Ministério, alegando considerar inaceitável a “acumulação hermafrodita de funções no Executivo e Legislativo”249. E é justamente a relação entre estes dois poderes que iria produzir as maiores dificuldades à consolidação da República brasileira após sua constitucionalização. Isso porque a descentralização administrativa, objetivada pelos liberalistas na Constituição Federal da Primeira República do Brasil, não fora alcançada. Ao contrário, o país vivenciaria os embates entre a elite política de São Paulo, hegemônica no Legislativo Nacional, e a ânsia do presidente Deodoro da Fonseca para não perder o controle de toda a Federação. Demonstrando que a liberdade dos Estados-membros, assim como a harmonia e independência dos órgãos da soberania nacional, Judiciário, Executivo e Legislativo, asseguradas, respectivamente, nos artigos 6º e 15º da Constituição Federal, eram pura ficção. Na difícil relação entre os líderes do Executivo e Legislativo Nacional o paulista Prudente José de Moraes e Barros, vice-presidente do Senado, “que nunca havia se conformado em ter sido derrotado por Deodoro na disputa pela presidência da República, movia um projeto de responsabilidade, no último trimestre de 1891, que deixaria o chefe do Poder Executivo à mercê dos adversários”250. Para legitimar tal ação, representada como um “combate à ditadura perfeitamente integrada do Poder Executivo onipotente”, o Deputado Federal pelo Estado de São Paulo, Bernardino José de Campos Júnior evocaria as prerrogativas do artigo 54º, parágrafo 3º, da Constituição Federal que assegurava a possibilidade do Presidente da República ser julgado por atentar contra o livre exercício dos Poderes políticos. Dessa forma, buscaria desfazer “a grande soma de força, de prestígio e atribuições concedidas ao Poder Executivo pelo texto constitucional”, votado até mesmo por este legislador que naquele momento passaria a evidenciar que o Executivo, “na sua relação com o Poder Legislativo, não tinha as prisões e ligações que se encontram no regime parlamentar”, concebendo como única solução “fazer voltar o regime parlamentarista”251. Todavia, o projeto dos parlamentares receberia, é claro, o veto presidencial, uma vez que, conforme interpretação do historiador Edgar Carone, a lei de responsabilidade arquitetada pelos

248 CARONE, Edgard. A República Velha. II evolução política (1889-1930). São Paulo: Difel, 1983, p.48. 249 GUERRA, Flávio. Op. cit., p. 276. 250 PORTO, Costa. Op. cit., p. 37. 251 FAUSTO, Boris (organizador). O Brasil Republicano. Estrutura de Poder e Economia (1889 - 1930) - Tomo III, Vol. 8. São Paulo: Bertrand Brasil, 2001, p.39. 82 legisladores paulistas era um verdadeiro ato de impeachment do Legislativo sobre o Executivo252. Como órgão da soberania nacional responsável por “julgar as causas em que alguma das partes fundar a ação, ou a defesa, em disposição da Constituição Federal”253 o Judiciário, expressava o custo de serem os membros do Supremo Tribunal Federal nomeados pelo Presidente da República na clara ausência de sua neutralidade. Como podemos verificar no momento em que o Ministro do Supremo Tribunal Federal, o Barão de Lucena254, demonstrava ostensivo apoio ao chefe do Poder Executivo. De tal modo que procura o Floriano Vieira Peixoto para que ele interferisse nos trabalhos do Congresso, uma vez que cabia a ele, como vice-presidente da República, a presidência do Senado Federal255. Ao descreverem a resposta de Floriano Peixoto a tal solicitação do Barão de Lucena, os historiadores Flávio Guerra e Edgard Carone demonstram divergências em seus relatos. Mesmo representando constantemente Floriano Peixoto como “uma figura de comportamento dúbio” Carone afirma que Floriano teria “prontamente respondido a Lucena que, encontrando-se doente, infelizmente, não poderia atendê-lo”256. Contudo, no estudo elaborado por Flávio Guerra, Floriano Peixoto teria alegado que “mesmo não sendo mais amigo do Sr. Marechal Deodoro desde o dia em que ele duvidou da sua lealdade”, ainda se considerava “seu camarada, deste modo Lucena poderia contar com seu apoio para salvar a República”. Mas, ao não cumprir o prometido Floriano Peixoto teria “traído a confiança que lhe fora depositada pelo político pernambucano, e Prudente de Morais, continuando na presidência do Senado, viola a Constituição e inclui para a ordem do dia da sessão posterior a discussão do veto presidencial”257. Sem conseguir qualquer acordo com o Congresso Nacional, Deodoro da Fonseca constrói em seu “manifesto aos brasileiros” um diagnóstico onde acusa os legisladores de “aprofundar cada dia mais a divisão entre os poderes públicos” ao divulgarem seus discursos sem se importar com os “sofrimentos da população”. Uma atitude presente

252 CARONE, Edgard. A República Velha II - Evolução Política (1889-1930). Difusão Européia do Livro: São Paulo, 2ª Edição, 1974, p. 60. 253 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 60º. 254 Nomeado pelo Presidente Deodoro da Fonseca, em 14 de novembro de 1890, tomou posse em 28 de fevereiro de 1891 e foi aposentado em 25 de janeiro de 1892. 255Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 32º. 256 CARONE, Edgard. A República Velha II - Evolução Política (1889-1930). Op. cit., p. 61. 257 GUERRA, Flávio. Op. cit., p. 327-329. 83 desde a Assembléia Constituinte que havia “introduzido na obra constitucional idéias e princípios que transferiram para o Poder Legislativo a mais vasta soma de atribuições, embora diminuindo e absorvendo muitas das que são da essência e natureza do Poder Executivo”. Assim, se “o Governo não age por si nem oferecia recursos imediatos a tantos males” sentidos no cotidiano da população não era culpa sua, antes “porque o Poder Executivo de um lado é vedado pela lei, e de outro o Congresso lhe obstava, negando-lhe autorizações oportunas ou a aprovação pronta de seu plano”. Nesse cenário, o presidente Deodoro da Fonseca proclamava-se autorizado pela situação vigente “para salvar as instituições republicanas”, mandando fechar o Congresso Nacional258. Além de preparar para que “um novo Congresso proceda à revisão da Constituição de 24 de fevereiro de 1891 nos pontos que serão indicados no decreto de convocação”, resguardando apenas “as disposições constitucionais que estabelecem a forma republicana federativa e a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade e segurança individual”259. Esperava o chefe do Poder Central continuar a urdidura de um poder soberano com liberdade semelhante à que era atribuída ao Poder Moderador, tendo como único diferencial a eletividade a cada quadriênio. Como resposta, os ex-congressistas nacionais acusam Deodoro da Fonseca de tentar exercer “um poder despótico, e refletir em si as preocupações individuais e exacerbadas de que se acha possuidor”. Quanto às falas proferidas no Congresso Nacional, os representantes dos Estados-membros salientavam que às câmaras estavam ainda reservados os direitos de criticar e censurar os atos do Governo260. Conforme pudemos perceber, a ação do presidente era facilitada porque a liderança política tinha expressão nacional e representatividade ainda menor do que muitos liberais e conservadores possuíam no Império. Desse modo, a alegação de Deodoro de que os discursos dos congressistas eram responsáveis por “aprofundar a divisão entre os poderes públicos”, constituindo-se como “verdadeiras armas de guerra contra a República”261, nos parece desproporcional àquele contexto político. Igualmente sua argumentação sobre a “diminuição das atribuições do Poder Executivo” pela

258 Manifesto do Presidente Deodoro da Fonseca aos brasileiros, 03 de novembro de 1891. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 227. 259 Brasil. Decreto-Lei nº 641, de 03 de novembro de 1891. Dispõe sobre dissolução do Congresso Nacional e convocação de eleição para o novo Congresso. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 226. 260 Manifesto do Congresso Nacional em resposta ao ato de Deodoro, 04 de novembro de 1891. BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 237. 261 Manifesto do Presidente Deodoro da Fonseca aos brasileiros, 03 de novembro de 1891. BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto, p.227. 84

Constituição de 1891 é discutível uma vez que, conforme lembrava Silvio Romero, o parlamentarismo do Império tinha sido mais liberal e progressista que a República prenunciava ao ter permitido um presidencialismo irresponsável na falta de compromissos reais que na geral indisciplina e desordem do caráter brasileiro resvala para o despotismo262. Os Estados receberam a comunicação sobre o fechamento do Congresso sem esboçar qualquer reação, “pois, devido às sucessivas mudanças, de governos estaduais, boa parte das suas representações é favorável ao governo federal”263. Um apoio igualmente apregoar na capital pernambucana pelo jornal A Província que ratificaria sua ligação à rede política de Deodoro da Fonseca ao formular uma interpretação em que a atitude do Presidente de dissolver o Congresso Nacional era significada como “uma solução lógica e patriótica porque é necessário que cada um esteja nos limites das suas atribuições, para não perderem seu prestígio”264. Contudo, o que nos chama à atenção é que mesmo tendo o Marechal Deodoro ordenado a revisão da Carta Magna Nacional o jornal supracitado afirmava que sua ação deveria ser compreendida como uma “defesa da Constituição Federal”265. Quanto ao Barão de Lucena, mesmo apoiando a intenção do presidente Deodoro da Fonseca de alterar “o futuro constitucional da República”, preferia alertar que tal missão traria ainda mais problemas porque não agradaria ao forte Estado de São Paulo, e ele tinha razão. Na cidade do Rio de Janeiro, Campos Sales e Prudente de Morais organizavam um movimento de conspiração que contava com o apoio de militares como Floriano Peixoto “excitando os almirantes Custódio José de Melo e Eduardo Wandenkolk para levantarem a Marinha”, além do coronel Sólon e José Semeão de Oliveira266. Porém, Deodoro, mesmo contando com a maioria do Exército, resolve passar o cargo a Floriano Peixoto alegando preocupação em “não atear fogo em uma guerra civil”. No mesmo dia 23 de novembro de 1891, quando assume a Presidência da República do Brasil, o Marechal Floriano Peixoto lançaria as bases de sua ditadura num manifesto em que justificava sua posse como expressão da busca pela manutenção da legalidade. Deste modo, empunha a bandeira do respeito à vontade nacional e a dos

262 Cartas de Silvio Romero ao conselheiro Ruy Barbosa. In: Parlamento e Presidencialismo na República Brasileira. Rio de Janeiro: Companhia da Imprensa, 1893, p. 149-151. 263 CARONE, Edgard. A República Velha II - Evolução Política (1889-1930). Op. cit., p. 64. 264 A Província, 05 de novembro d e1891. 265 A Província, 06 de novembro de 1891. 266 GUERRA, Flávio. Op. cit., p. 340. 85

Estados em suas livres manifestações sob o regime federal, além de anular a dissolução do Congresso Nacional. Todavia, na prática o “ciclo florianista se desencadearia em todo o território da república devastando a federação e derrubando governadores regularmente eleitos”267, entre novembro de 1891 a março de 1892. E “se Floriano iria transformar o panorama geral do país, o teatro maior da mudança teria que ser Pernambuco”268 por ser considerado “a chave de todo o norte”269. Na arena política estadual o governador José Antonio Correia da Silva, antes da abdicação do Marechal Deodoro, gozava de um ambiente administrativo favorável por possuir uma relação tranquila com o Congresso Estadual. Isso porque no centro das discussões dos congressistas pernambucanos não figuravam protestos veementes contra o líder do executivo local, mas uma agenda temática que tinha como principal ponto o projeto nº 25 que tratava sobre a regulamentação dos cargos e carreiras no serviço público civil do Estado. Segundo este projeto, tais funções somente seriam preenchidas por meio de concurso, isentando-se apenas os cargos de confiança do governo, como Secretário de Estado e Chefe da Segurança Pública. Sendo também asseverado que os candidatos deveriam ter idade menor que 53 anos, tendo em vista que a aposentadoria se daria aos 60 anos do servidor. Após 05 anos de serviço o funcionário concursado seria considerado efetivo e somente poderia ser demitido se ficasse provada sua falta de aptidão, incúria ou crime, conforme decretavam as leis penais existentes270. Assim, os congressistas pernambucanos, liderados pelo presidente da Câmara Estadual, José Maria de Albuquerque Mello, buscavam representar uma preocupação de sua rede política em defesa da tão propagada “moralidade da administração pública” fazendo superar o clientelismo. Principalmente num momento em que os Estados eram chamados à responsabilidade de “prover a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração”, só recebendo “socorro da União (quando solicitado) em caso de calamidade pública”271. Com tais exigências, era cada vez mais evidente o insustentável custo da distribuição dos cargos públicos entre aliados da classe política quando muitos destes apadrinhados não possuíam aptidão necessária para o bom desempenho de sua função.

267 MAIA, José Gonçalves. Horas de prisão. Recife: Imprensa Universitária, 1923, p.39. 268 PORTO, Costa. Op. cit., p. 38. 269 GUERRA, Flávio. Op. cit., p. 373. 270 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 04 de outubro de 1891. 271 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 5º. 86

E é justamente por uma melhor qualificação da seleção, condições de trabalho e proteção para o pleno exercício das atribuições dos servidores públicos do Estado que deputados como Augusto Henrique Milet iriam centralizar seus discursos, ao ponto de evocar o princípio constitucional federal de igualdade entre os cidadãos brasileiros, independentemente se fossem civis ou militares. Segundo o deputado Milet, “assim como aos oficiais do Exército não lhes pode mandar despir da farda por qualquer motivo ou eventualidade, é preciso dar aos empregados civis algumas garantias, asseguradas no projeto nº25”. Devendo o Estado, através da estabilidade do emprego público, abonar ao servidor a autonomia de poder “se expressar livremente” sem temer sua demissão. Sem perder a oportunidade de direcionar o acesso ao passado político recente estadual de modo a representar os aliados do grupo republicano de Martins Junior atrelados às normas patrimonialistas, o deputado lembra que quando o seu filho “ocupava as funções de promotor público, e que todos diziam cumprir bem seus deveres, foi demitido pelo governador Albino Meira sem motivo, a não ser por falta de confiança política. Inquirido por mim, o governador apenas respondera que foi obrigado pelos insistentes pedidos de Martins Junior”272. Outro ponto que esteve no centro da arena legislativa estadual, em novembro de 1891, foi a criação da repartição denominada de Questura Policial, em substituição da Secretaria de Polícia que seria extinta. Ao analisarmos a lei de criação desta instituição podemos verificar a extensão do poder concedido ao chefe do Executivo Estadual, então aliado do Congresso Estadual, ao controlar uma instituição como a Questura Policial que tinha atribuições de não apenas punir, mas exercer intensa vigilância sobre a população. Uma vez que a Questura Policial seria destinada a: “auxiliar a Polícia Municipal na prevenção e repressão dos crimes, e na manutenção da ordem pública e proteção dos cidadãos”. Além disto, deveria “fiscalizar as reuniões públicas de qualquer natureza”; “os divertimentos e festas públicas, representações teatrais e outros passatempos lícitos, bem como jogos ilícitos”; “fiscalizar a imprensa, publicações, cartazes, manifestos e outros meios de publicação”, devendo “os dados recolhidos ser enviados ao Juiz de Direito para abrir processo criminal”. No comando desta instituição estaria o Questor Policial “nomeado pelo Governador dentre os Bacharéis ou Doutores em Direito que por sua capacidade e prática em Direito, se tenha tornado recomendável”, sendo o mesmo oficial “de imediata confiança do Governador, e

272 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 24 de outubro de 1891. 87 conservará o lugar conquanto bem servir”. Isso porque “como auxiliar do Governador do Estado, o Questor é o chefe da segurança pública e responsável pelos atos que por autoridade preferir praticar no exercício de seu cargo”, bem como, “dispondo das forças públicas de que o Governador do Estado destinar”, deverá “cumprir as ordens verbais ou escritas do Governador”273. A construção de um cargo de tal amplitude era justificada por seus idealizadores como um comprimento da regulamentação do serviço da polícia interna do Estado, conforme274. Entretanto, desde o período anterior à constitucionalização o líder de maior expressão estadual, Henrique Pereira de Lucena, o Barão de Lucena, já atuava para assegurar maior controle do executivo local na segurança pública ao extinguir os cargos de polícia e decretar a restauração da Guarda Local275, em 09 de outubro de 1890. Uma ação elogiada por seu sucessor, Correia da Silva, para o qual a guarda local muito contribuía para “oferecer vantagens ao governo do Estado e principalmente às administrações locais”. Contudo, para Correia da Silva era preciso, “sem sobra de dúvida”, que fosse instituído “um corpo policial com caráter militar, como sucedeu na capital da República, para prestar melhores serviços à causa republicana em vista da concentração e coesão de força inerente às instituições de tal natureza”276. Como podemos perceber, a militarização de instituições responsáveis pelo controle social, como a força de segurança pública, era considerada prática comum e benéfica à “causa republicana”, ou melhor, ao poder executivo dos Estados. Nesse empenho, em 23 de abril de 1891, no decreto nº 156, o governador Correia da Silva busca efetuar o pleno controle sobre aquele que era um dos maiores pilares do domínio social, ao reorganizar a Guarda Nacional do Estado de Pernambuco reforçando o número de praças no interior. Buscando não se deixar vulnerável às possíveis armadilhas dos Estados, o Poder Federal se fazia presente em toda a nação através dos sete distritos militares que asseguravam intervenção do Governo Federal “para restabelecer a ordem e tranquilidade dos Estados”277. Um destes distritos militares se concentrava no Estado

273 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 07 de novembro de 1891. In: Livro de Autografo de Leis 1891, Lei número 14, Artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 8º. 274 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigos 18º. 275 Criada pela Lei nº 1130, em 30 de abril de 1874. Diário de Pernambuco, 15 de outubro de 1890. 276 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo vice- governador Desembargador José Antonio Correia da Silva, 10 de agosto de 1891. 277 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigos 6º, §3º. 88 pernambucano para atender as necessidades também dos Estados nortistas da Bahia, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ao comando deste distrito militar foi nomeado pelo Poder Central o General de Brigada Luís Henrique de Oliveira Ewbank, “um militar puro, apolítico, eqüidistante de facções, homem de caserna, voltado unicamente ao trato dos assuntos militares”278. Em Pernambuco a atuação do executivo, desde a capital até a área interiorana, permanecia estruturada de modo a favorecer a minoria privilegiada ao incentivar o desenvolvimento de certos setores da classe produtora e do gênero masculino, assim como não alteraria o desrespeito à regulamentação das eleições e consequente autonomia dos municípios, como podemos demonstrar na apreciação do relatório enviado pelo então governador Antonio Correia da Silva ao Congresso Estadual. No balanço supracitado, o chefe do executivo expressa que não esteve entre suas maiores preocupações buscar regulamentar o processo eleitoral em Pernambuco, o que garantiria aos municípios exercer autonomia administrativa, conforme asseverava a Constituição Estadual279 e a Carta Magna Federal280. Antes, limitando-se a justificar que tendo sido dissolvidas as Câmaras Municipais pelo Governo Provisório, no decreto nº 107, de 30 de dezembro de 1889, ainda “não tinha ocorrido um recente alistamento eleitoral nos municípios” pelos Conselhos de Intendência, substitutos das Câmaras Municipais. Desta forma, os municípios teriam de aguardar as eleições dos conselhos e câmaras municipais, que se realizariam em 30 de setembro daquele ano. Até aquele momento, o líder do executivo poderia evocar o artigo 2º, das Disposições Transitórias da Carta Magna pernambucana281 para interferir diretamente na escolha dos indivíduos que figurariam nos Conselhos Municipais provisórios. Porém, a autonomia econômica dos municípios era arquitetada para entrar rapidamente em validação, de modo que o governador Correia da Silva informa aos legisladores que seguiria os conselhos de seus inspetores de finanças no repassado aos municípios das despesas que estes tivessem com a Guarda Local, magistério primário e iluminação282. Como comprovante para tal

278 PORTO, Costa, Op. cit., p. 41. 279 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigos 88º. 280 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigos 68º. 281 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 2º, dispõe que enquanto não houver nova lei regulando o processo eleitoral no Estado, ficarão em vigor os atuais e vigentes decretos e regulamentos. 282 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo vice- governador Desembargador José Antonio Correia da Silva, 1891. 89 posicionamento, alegava que mesmo tendo o Estado de Pernambuco demonstrado algum crescimento em suas reservas - tendo, em 1890, uma receita orçamentária de 3.696.257$623, com despesas de 3.657.884$347, perfazendo um saldo de 38.373$276 - não havia deixado grande margem para investimentos no ano de 1891. O que o teria obrigado, no cumprimento do artigo 57º do texto constitucional estadual283, a repassar tais gastos aos municípios e promulgar, desde 31 de julho de 1890, a prorrogação do atual orçamento para que tivesse validade no ano seguinte. No entanto, tal “responsabilidade” orçamentária não parece ter sido barreira para os incentivos concedidos pelo governador à aristocracia açucareira e às fábricas pertencentes aos seus aliados. Se durante a gestão do Barão de Lucena o executivo estadual, “julgando concernente a fundação de usinas com o capital do Estado, resolve abrir um crédito de até 200.000$000 contos, em apólices, aos juros de 7% ao ano, com garantia de hipoteca das terras do proprietário, para fundação de usinas e o desenvolvimento de empresas deste Estado”284, o governador Correia da Silva, desde 31 de janeiro de 1891, decretara que o Estado passaria a conceder empréstimos de até 250.000$000 contos, nas mesmas condições de pagamento e garantia. Assim como estudaria a possibilidade, conforme sugestão do engenheiro Henrique Augusto Milet, do Estado patrocinar a criação do laboratório químico e histológico, no convento de São Francisco, para estudar a moléstia da cana que afligia grandemente os produtores naquele ano. Todavia, ao analisarmos o noticiário dos jornais pernambucanos comprovamos que, semelhantemente ao período monárquico, em que os precários equipamentos britânicos dos engenhos centrais não haviam conseguido superdimensionar a produção do açúcar, ao contrário, faziam perder grande quantidade de açúcar e do caldo285, a grande perturbação da classe produtora açucareira era também o contínuo problema com a qualidade e acessibilidade das peças da maquinaria utilizada pelas usinas locais. Em 1890, representantes das companhias francesas, como a Casa Mariolle Piuguet, formulariam acusações, na imprensa e em cartas enviadas ao Barão de Lucena, de que declarações procedentes das oficinas que atendiam às usinas pernambucanas, como a Irmãos Cardoso, de que “o material francês é extremamente fraco e de menor

283 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891): aprovada em 17 de junho de 1891, artigo 57º, §3º. Dispõe que caberia ao chefe do Poder Executivo Estadual aplicar os fundos consignados pelo Congresso aos diversos serviços do Estado. 284 Diário de Pernambuco, 18 de outubro de 1890. 285 MELO, Evaldo Cabral de. Op. cit., p. 175-176. 90 duração do que o inglês”, seriam altamente “questionásseis”. Isso porque, segundo a Casa Mariolle, desde 1883 esta representante francesa já estava atendendo a usinas como a Nova Conceição que chegava a fabricar até 100 sacas de açúcar por dia, “sem que as máquinas tenham ido às oficinas do Senhor Cardoso ou a qualquer outra, certo de que esta usina não tem oficina própria e nem operários especializados, antes confia o trabalho do fabrico a um ex-escravo”286. Como resposta, o representante do material inglês, Five Lille, defende que suas peças seriam superiores porque usariam mais bronze que as francesas, confeccionadas com maior concentração de ferro e apenas guarnecidas de bronze muito fino, impossibilitando uma melhor adequação das usinas à destilação do álcool, preferida ante a baixa do preço do açúcar287. Tais obstáculos ao desenvolvimento sustentável das usinas pernambucanas, permanentes no ano subsequente, provavelmente, teriam contribuído para que o governador Correia da Silva tivesse que decretar o aumento no limite máximo do crédito fornecido pelo Estado “às empresas que se destacavam no Estado”. Recebendo diversas críticas formuladas pelo noticiário do Jornal do Recife288. Entretanto, no momento em que passa a citar as empresas favorecidas, existentes ou em processo de construção, o relatório explicita a forte presença de seus aliados na rede de auxílio orçamentário oferecida pelo governo estadual. Uma vez que dentre os contemplados estavam antigos coligados ao grupo lucenista, como o bacharel José Maria de Albuquerque Mello289 que declarou a intenção de montar, “nos próximos três anos”, uma fábrica de fósforo na qual utilizaria em seu capital humano “homens, mulheres e meninos, que receberiam ensino e salário”290. O que podemos verificar é que o Estado continuava perdendo muito de sua competitividade não apenas por tais benefícios, em que as empresas eram dispensadas de pagar os impostos do Estado e do Município, presentes e futuros, por um prazo de 10 anos, mas pelos contínuos desvios e fraudes, em alta escala, no processo de arrecadação dos impostos de exportação quando muitos fabricantes “faziam passar por gêneros de procedência de outros Estados os de produção neste”. Contudo, em vez de sanar tais

286 Diário de Pernambuco, 10 de outubro de 1890. 287 Diário de Pernambuco, 14 de outubro de 1890. 288 Em seu artigo sobre “Concessão para fundação e exploração de fábricas e usinas nos terrenos dos engenhos”, o jornal enfatiza que tais ajudas “acompanham circunstâncias de agravamento da administração pública”. Jornal do Recife, 10 de maio de 1891. 289 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), Nomeado comandante da Guarda Nacional do Estado de Pernambuco, em 13 de junho de 1891. 290 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo vice- governador Desembargador José Antonio Correia da Silva, 1891. 91 fissuras, o chefe do executivo demonstra a mesma política das administrações provinciais quando aceita tranquilamente que “teríamos de aumentar os impostos de exportação sobre o açúcar e o algodão”, assim como havia aumentado os impostos de exportação do feijão, milho e farinha sob alegação de que tais produtos faziam parte da alimentação básica das classes menos favorecidas, atingidas com maior gravidade pela severa seca daquele ano. Quanto à inanição intelectual da população analfabeta, que constituía a grande maioria da sociedade de então, os atos do governo estavam, pois, moldados às tentativas próprias do Estado, segundo Antonio Gramsci, “de fazer cristalizar permanentemente um determinado estágio de desenvolvimento e situação, criando certo tipo de civilização e cidadão”291 adequados à continua centralização de privilégios à elite social e política, assim como ao gênero masculino. Urdindo um individuo que compreendesse a propagada “regeneração político-social brasileira” não como vinculada às mudanças na conjuntura político-social e econômica, antes deveria ter sua educação “fortificar pela tradição nacional, impregnando nas gerações atuais as virtudes que animaram as gerações passadas”. Entre os reparos a serem empreendidos nas escolas era evidenciado um melhoramento nos métodos de ensino, adoção de livros, bibliotecas mais equipadas e, principalmente, aperfeiçoar a Escola Normal com uma duração de três anos e uma bifurcação para que esta “não continue a oferecer para ambos os sexos uma mesma educação, porque organizações físicas diferem homens e mulheres, o que impede que recebam uma mesma instrução”. Mesmo constituindo a minoria da população pernambucana, com cerca de 504 mil indivíduos contra 527 mil mulheres292, aos homens deveria ser reservada uma instrução mais “positivo e real, a fim de formarmos cidadãos que pensam, que sabem, que conhecem e que conduzem, segundo a luz da razão”. Enquanto às mulheres seria oferecida “uma criação mais humanista e ideal, que as capacite para incutir no espírito dos filhos, desde a tenra idade, o sentimento das virtudes cívicas e sociais”. Outra questão imposta era reparar o ensino secundário, não “somente como base do ensino superior, com seu caráter técnico, mas especialmente como fonte de uma instrução geral e integral que habilite o cidadão não só a lutar pela vida, mas também pela civilização, pelo progresso, pelo desenvolvimento de sua nação”. Nesse sentido, deveria ser

291 GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990, p.95-96. 292 Estatística Histórica do Brasil. Série de Estatística retrospectiva, volume 03, Série Economias, Demografias e Sociais, 1550-1985. IBGE, p. 34. 92 aperfeiçoado o Ginásio Pernambucano como um espaço para construção de uma elite, isso porque deveria ser “não apenas uma ponte entre o ensino primário e o secundário, mas que produza uma alta cultura intelectual e moral digna da República, em que a influência diretriz deva pertencer aos espíritos mais elevados”293. Entretanto, com a saída do Marechal Deodoro da Fonseca da Presidência da República, em 23 de novembro de 1891, a força do sustentador e conselheiro político do governador Correia da Silva, o Barão de Lucena, ficara intensamente minimizada tanto no cenário nacional como no direcionamento da administração estadual. E mesmo com a tendência legalista anunciada por Floriano Peixoto, que garantia “respeitar a vontade da nação, dos Estados” e dos demais poderes ao tornar nula a dissolução do Congresso Nacional294, o governador Correia da Silva não se sentia à vontade para continuar no comando estadual. Assim, numa “maneira cômoda de esconder a dura pressão”295 ou porque sua saúde já não lhe permitia os arroubos de uma política que se mostrava em iminente transformação296, José Antonio Correia da Silva resolve abandonar o governo do Estado de Pernambuco, em 27 de novembro de 1891. Com a saída de Correia da Silva, assume o comando local o vice-governador eleito Epaminondas de Barros Correia, o Barão de Contendas, em 30 de novembro. Porém, o novo governador logo sentiria que o legalismo prometido por Floriano Peixoto era menor do que sua ânsia de imprimir uma administração cada vez mais centralizadora. Dando o primeiro sinal de sua intervenção no cenário político pernambucano ao negar o pedido feito pelo governador Contendas de que fosse mantido no comando do 2º Distrito Militar, sediado em Pernambuco, o general Luis Henrique de Oliveira Ewbank. Antes, responde a tal solicitação nomeando, em 04 de dezembro de 1891, o General Joaquim Mendes Ourique Jaques que, segundo Costa Porto, era um oficial parcialíssimo, mais político do que soldado e que era muito ligado a Martins Junior. Ávido pelo controle político local, Martins Junior proclamava que sua oposição a Contendas era motivada porque a permanência de um amigo de Lucena, maior aliado do antigo líder nacional Marechal Deodoro, era “extremamente perigoso ao novo

293 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo vice- governador Desembargador José Antonio Correia da Silva, 1891. 294Manifesto de Floriano Peixoto ao País assumindo o Governo, 23 de novembro de 1891. In: BONAVIDES, Paulo, AMARAL, Roberto. Op. cit., p. 245. 295 PORTO, Costa. Op. cit., p. 39. 296 Em diversas edições dos jornais pernambucanos, A Província e Diário de Pernambuco, desde o início do ano de 1891, há referências à debilidade na saúde do governador Antonio Correia da Silva. 93 governo”, mesmo sabendo que Contendas não tinha feito qualquer pronunciamento, “nem contra nem a favor de Deodoro, sendo quando muito um elemento neutro297”. O que verdadeiramente inquietava Martins Junior era a possibilidade de perder a oportunidade de finalmente tomar para seu grupo o poder estadual. Principalmente quando se erguia um novo conjunto político, o partido autonomista de Pernambuco, formado por antigos líderes liberais (como José Maria de Albuquerque Melo, José Mariano Carneiro da Cunha), antigos conservadores (dentre eles o Barão de Lucena e José Antonio Correia da Silva) e mesmo republicanos positivistas (era o caso de Aníbal Falcão)298. Sendo este último um dos líderes que apenas fizeram crescer sua projeção não apenas local, mas por toda a nação por ter, durante o antigo regime, lutado pela abolição e pela república, participado ativamente na Proclamação da República, ao receber a missão de Benjamin Constant para “agitar o povo” enquanto o golpe militar ainda não estivesse concluído299, além de ter colaborado também durante o processo de constitucionalização, ao ser eleito, em 1890, para participar da Assembléia Constituinte Nacional de 1891. Em tempos da república florianista, o então deputado federal Aníbal Falcão tinha ampliado de tal forma sua força que, entre 17 e 18 de dezembro de 1891, se reuniria com o deputado federal Alexandre José Barbosa Lima e o Ministro de Floriano, José Higino, para arquitetar que o também deputado federal Miguel Pernambuco pudesse substituir o Barão de Contendas no governo de Pernambuco. Uma vez que segundo o próprio Aníbal Falcão, ironizando o prestígio que Martins Junior considerava possuir, o Partido Republicano não tinha em Pernambuco um diretor conhecido300. Entretanto, para Martins Junior “não era possível consentir que na política interna pernambucana prevalecesse a vontade do Sr. Aníbal Falcão”, seu “desafeto pessoal e inimigo político”301. Deste modo, os líderes do Partido Republicano de Pernambuco articulam com o comandante do 2º Distrito Militar, General Joaquim Mendes Ourique Jaques, para depor o governo local. Tal conjuração encontra em nossa historiografia e na imprensa local vários desencontros quanto a autoria direta, o andamento e a participação de populares. Segundo José Maria de Albuquerque Melo a direção do golpe deveria ser atribuída a Ambrósio Machado que, na rua da Aurora, na calçada do Quartel-General, insistira para

297 PORTO, Costa. Op. cit., p. 41. 298 GUERRA, Flávio. Op. cit., p. 371. 299 LEMOS, Renato. Benjamin Constant. Vida e história. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 409 300 PORTO, Costa. Op. cit., p. 17. 301 DORBPPCB, Folheto. “A monção parlamentar do dia 18”, proferida pelo deputado Isidoro Martins Junior, em 18 de junho de 1892, Tipografia do Jornal do Recife, 10 de agosto de 1892. 94 que “fosse o General (Ourique Jaques) depor, naquela ocasião, o Governador; pois se não se realizasse naquele dia a deposição não se efetuaria mais”302. Narração não acompanhada pelo historiador Flávio Guerra que descreve a construção da conjuração sob a batuta de Martins Júnior que havia, por diversas vezes, conferenciado com o comandante das Armas do Recife, Ourique Jaques, até convencê-lo que a presença daquele amigo do Barão de Lucena no governo de Pernambuco constituía um perigo para a garantia administrativa de Floriano. O melhor seria uma deposição imediata de Contendas303. Semelhantemente a essa interpretação, a mocidade republicana, composta por caixeiros e estudantes, atribuiu a Martins Junior a liderança daquela conjuração que, para eles, nos primeiros dias após sua execução já era plenamente vitoriosa. Ao ponto de formularem um chamado de mobilização popular “no dia 27, às 17 horas no Campo da República, para cumprimentar a Junta e Martins Junior”. Depois, teriam partido em passeata “para saudar as redações do Jornal do Recife, Gazeta da Tarde e Diário de Pernambuco”304, manifestando o quão explícitos estavam os elementos, da política e da imprensa, que constituíam a rede de apoio à Junta Governativa de Pernambuco. Todavia, para o historiador Francisco da Cruz Gouvêa o “artífice intelectual da expulsão do Barão de Contendas” não foi outro se não José Vicente Meira de Vasconcelos, contando com a intervenção do próprio Floriano Peixoto quando resolve nomear Ourique Jaques, como novo comandante mesmo sabendo que se tratava de um “politiqueiro reconhecidamente ligado aos „históricos‟”. Desta forma, o Presidente efetuou o “sinal verde para o golpe contra o governador estadual” objetivando “alinhar Pernambuco na ditadura florianista”. Assim, com as bênçãos do Poder Central o general Ourique Jaques concentrou a tropa de linha diante do Palácio do Governador num movimento que acabou num violento tiroteio “iniciado acidentalmente contra a força policial ali estacionada, ocasionando a morte de centenas de homens”305. Dentre estes mortos estava o jovem cadete Júlio Gustavo Borges, de 23 anos, que teria sido assassinado dentro do Palácio do Governo. Uma perda causada, segundo seus amigos da Mocidade Acadêmica do Recife, porque ele “resolveu erguer o braço e lutar contra a força das trevas do senhor José Mariano Carneiro da Cunha e José Maria

302 MAIA, José Gonçalves. Horas de prisão. Op. cit., p. 47. 303 GUERRA, Flávio. Op. cit., p. 371-372. 304 Diário de Pernambuco, 23 de dezembro de 1891. 305 GOUVÊA, Francisco da Cruz. Uma conjuração fracassada e outros ensaios. Recife: Fundação de Cultura do Recife, 1982, p. 22-23. 95

Albuquerque (Secretário de Justiça, Legislação, Polícia e Segurança Pública do Governo de Pernambuco)”306. Diante de tantas versões, Costa Porto evidencia como as construções narrativas obedeciam aos interesses dos grupos aos quais cada narrador contemporâneo estava coligado. Desta forma, “segundo os situacionistas e a sua imprensa, a Força Federal, que cercava o Palácio, abrira fogo contra a sede do governo, enquanto os „históricos‟ alegavam haver a polícia atirado contra o povo”. O que parece possível assegurar é que “o plano de depor Contendas” não causara nenhum espanto à população que tinha acesso aos jornais pernambucanos porque tal assunto era rotineiro no “Diário de Pernambuco, então lucenista, que polemizava com o Jornal do Recife, porta-voz dos martinistas, acentuando, em editorial de 13 de dezembro, que não se animara o órgão dos históricos a negar „positivamente o emprego de diligências‟ no sentido de afastar o governador”307, expressando como o recurso golpista era de sobremodo presente no contexto político republicano. Ao analisarmos as edições do Diário de Pernambuco daquele período verificamos que a informação sobre o ocorrido no largo da República fora transmitida sem despontar qualquer esboço de surpresa ou, muito menos, de reprovação, apenas busca evidenciar que tal ação fora produzida “por pessoas de todas as classes”, e não por um único partido. E para reforçar a “veracidade” de sua versão, o Diário de Pernambuco descrevia os fatos não apenas como um simples órgão da imprensa local, mas como testemunha presencial, pois seus editores ainda estariam na redação do jornal quando “às vinte horas do dia anterior, na rua do Imperador, uma porção de pessoas de todas classes proclamaram uma Junta Governativa, composta pelo comandante Ourique Jaques, e José Vicente Meira e Ambrósio Machado”, em seguida, “ouvimos dez minutos de tiroteio, três ou quatro tiros de artilharia e depois o silêncio”308. Prosseguido, o Diário de Pernambuco informava que a conjuração teria contado “com o apoio da Guarda Local”, cabendo ao Esquadrão da Cavalaria os disparos que provocaram ferimento em muitos e a morte de dez pessoas (07 militares e 03 populares), com especial destaque ao nome do Cadete Júlio Borges, pertencente à Bateria de Artilharia. Assim, diante do noticiário deste jornal nos parece questionável a afirmativa do historiador Francisco Gouvêa sobre a morte de “centenas de homens” na “hecatombe de

306 DORBPPCB, Homenagem da Mocidade Acadêmica do Recife. Recife, 18 de janeiro de 1892. 307 PORTO, Costa. Op. cit., p. 42-44. 308 Diário de Pernambuco, 19 de dezembro de 1891. 96

18 de dezembro”309, do mesmo modo que nos chama a atenção o desencontro narrativo do Diário de Pernambuco que na edição do dia 20 de dezembro afirma ter sido a Junta aclamada “no quartel general”, e não na rua do Imperador, como descrevera na edição do dia 19 de dezembro daquele ano. Entretanto, uma das versões mais reveladoras fora aquela produzida pelo próprio governador Epaminondas de Barros, o Barão de Contendas, ao manifestar seu despreparo em lidar com o mundo da política, composto por teias ardilosamente feitas e desfeitas ao sabor dos interesses. Ao narrar os agitados últimos dias de seu governo, o governador ressalta que mesmo quando teve seu pedido rejeitado por Floriano, para permanência de Ewbank em Pernambuco, acreditava que seu mandato seria “respeitado pela União”, simplesmente por ouvir do general Ourique Jaques, que retornava ao Recife em 16 de dezembro, a garantia de que ele “permaneceria distante das disputas partidárias locais”. Diante de tal afirmativa, Contendas ressaltava que a única coisa que lhe causava temor eram os incansáveis ataques dos republicanos históricos que se manifestava através do Jornal do Recife. Seguro de que o general Ouriques era “um elemento neutro”, o governador solicita a presença do comandante para que juntos pudessem formular um telegrama informando ao presidente Floriano sobre movimentos perturbadores da ordem em Garanhuns. Nesse motim, telégrafos e trens haviam sido tomados por agitadores cuja intenção era depor as Intendências de Quipapá e, para impedir a reação do governo estadual, estavam preparando o corte do tráfego no interior através de interferência nas estradas de ferro de Palmares. Mesmo com a gravidade da situação e a demora de Floriano em responder o telegrama enviado, Jaques afirma ao chefe do executivo local que ele não deveria temer, porque lhe daria apóio. Porém, como as ações ocorridas no interior eram fruto “de anarquistas que queriam danificar a estrada de ferro e ameaçar a linha inglesa, se chegassem a Palmares”, o comandante considera que “era caso de intervenção das forças de seu comando”. O Barão de Contendas, demonstrando sua falta de envergadura política, afiançava que mesmo achando que o comandante “agia além de seu dever”, continuava acreditando “plenamente em sua neutralidade” e apenas solicita que Jaques assine uma requisição “esclarecendo suas intenções”. Não obstante, o governador, sentindo-se seguro porque o general Jaques estava “forte o bastante na capital”, resolve enviar seus praças de confiança para conter o que considerava uma

309 GOUVÊA, Francisco da Cruz. Op. cit., 1982, p. 23. 97

“revolução” em Palmares, enquanto ele iria “imediatamente” à redação do Jornal do Recife para averiguar alguns problemas, informados pelo ajudante de ordens de Jaques, sobre o pedido de proteção especial feito pelo administrador daquele jornal. Ao chegar à redação do Jornal do Recife, o chefe do executivo estadual consulta os membros daquele órgão se eles sentiam proteção “apenas com a minha garantia, eles disseram que sim. E voltaram ao trabalho”. Nesse instante o governador afirma ter percebido a participação do Jornal do Recife nas agitações na cidade, se não de forma direta, pelo menos como centro de conflagração onde se agrupavam os opositores do governador que “saldavam o general Jaques”, quando, finalmente, percebe a gravidade da situação e envia um comandante aliado para guardar o Palácio do Governo. Mas, ao se dirigir à sede do governo, o Barão de Contendas é informado, pelo comandante do 2º batalhão de polícia, que “sessenta a setenta pessoas haviam atacado a cavalaria da polícia”. Considerando que já não havia mais nada que pudesse fazer, uma vez que Ourique Jaques era “o único com autoridade para garantir a ordem”, aceita que ele “assuma o governo”310. Assim, o governador era deposto manifestando a fragilidade da rede política lucenista que não tinha conseguido apoiá-lo contra os perigos iminentes, muito menos contra a força da intervenção que se instalava na administração estadual, a Junta Governativa pernambucana, “nomeada diretamente pelo ditador Floriano Peixoto”311. Como órgão da imprensa que ocuparia a posição de apóio à nova ordem, o Jornal do Recife, cujo editor chefe era o líder do Partido Republicano de Pernambuco, Martins Junior312, constrói um cenário dos dias antecessores à “revolução do dia 18 de dezembro” como um ambiente em que prevaleceria o clima de temor na capital do Estado pernambucano, então dirigido pelos marianistas e lucenistas. Afirmando que estes grupos foram responsáveis por fazer presentes na capital pernambucana “capangas assalariados vindos do interior que abandonam suas famílias a morrer de fome para agruparem-se no Palácio do Governo e no Senado”, tendo deixado “a população inquieta sem conseguir dormir, julgando insegura sua vida e sua propriedade”, ao mesmo tempo em que, “cresciam os boatos de que no interior o povo havia deposto as intendências municipais”313. Diante desse clima de insegurança à população e à ordem pública estabelecida, a atuação forte contra aqueles que representariam “a anarquia e a

310 Diário de Pernambuco, 25 de dezembro de 1891. 311 NASCIMENTO, Luis. Op. cit., p. 123, 312 Desde 01 de abril de 1891, Isidoro Martins Junior chefiava a redação do Jornal do Recife. 313 Jornal do Recife, 19 de dezembro de 1891. 98 imoralidade” parecia justificável. Desse modo, o Jornal do Recife, como se estivesse capacitado para produzir julgamentos, decretava que “a tremenda responsabilidade da horrorosa carnificina deve cair sobre aquele ente degenerado”, o dirigente da “polícia de capangas que espinafrava a população”, José Maria de Albuquerque Melo314. Assim, é produzido um diagnóstico da situação política estadual como “uma mudança indispensável pela necessária transição do regime da capangagem e da política estreita (representada pelos marianistas e lucenistas) para o regime da moralidade e justiça (significada pelos martinistas)”315. Sendo igualmente encenada uma incapacidade e pouca confiabilidade do Barão de Contendas, uma vez que, ao contrário do que o ex-governador havia afirmado, os trabalhadores do Jornal do Recife, quando conversaram naquela noite com ele, tinham declarado que “não se sentiam seguros com a força policial daquele líder, porque tal policiamento era composto por elementos de anarquia e desordem”. Semelhantemente, o Jornal do Recife retifica o Barão e o Diário de Pernambuco316 ao notificar que a ovação oferecida a Jaques “fora produzida pelo povo, em frente ao Jornal do Recife” e que fora ali o momento e o cenário em que “a Junta fora aclamada”317, não fazendo referência à participação, mesmo que parcial, do presidente Floriano Peixoto. Entretanto, o Jornal do Recife expõe contradições em sua própria narrativa ao afirmar primeiro que “o povo fora convidado a ir ao palácio depor o governador”318, e na edição posterior assegura que “o povo foi ao Jornal do Recife reclamar por garantias, dando vivas a Martins Junior, ao General Ourique Jaques, a Ambrosio e outros pedindo a deposição do governador do Estado”319. Já no artigo do dia 22 de dezembro, atribui aos estudantes da Faculdade de Direito o papel de terem “agitado o povo a ir ao Palácio depor o governador de então”. Por fim, dias depois certifica que “o povo impulsivo dirigiu-se ao palácio a fim de retirara Contendas do poder local”320. No diagnóstico apresentado pelos republicanos “históricos” e da nova situação que em muito favorecia ao grupo de Martins Junior321, o situacionista Diário de

314 Jornal do Recife, 20 de dezembro de 1891. 315 Jornal do Recife, 01 de janeiro de 1892. 316 “Sendo a Junta Governativa aclamada no quartel general”. Diário de Pernambuco, 20 de dezembro de 1891. 317 Jornal do Recife, 19 de dezembro de 1891. 318 Jornal do Recife 19 de dezembro de 1891. 319 Jornal do Recife, 20 de dezembro de 1891. 320 Jornal do Recife, 22 de dezembro de 1891. 321 Cujo prestígio junto ao Poder Central era evidenciado ao ser noticiado a nomeação de Isidoro Martins Junior para o cargo de Diretor da Faculdade do Recife, sendo tal líder político “aclamado pelos lentes daquela instituição”. Diário de Pernambuco, 24 de dezembro de 1891. 99

Pernambuco aponta como “pura calúnia” as informações vinculadas pelo A Província contra “os bravos e leais pernambucanos que fizeram a revolução do dia 18 de dezembro”. Afirmando que “ainda não passou pela cabeça dos líderes vitoriosos a idéia de vingança por terem os adversários empreendidos cega resistência no dia 18 de dezembro” 322. Parece que não tinha adiantado nada a intenção de Aristides Lobo ao ter solicitado ao Congresso Nacional uma comissão que acompanhasse a situação das administrações dos Estados, pois “em todo território nacional reinava a anarquia produzida pela ausência de um programa verdadeiramente republicano e honestamente democrático”323. Antes, crescia a atuação do Governo Federal nos Estados, principalmente naqueles que tinham poucas forças para resistir aos tumultos das carabinas federais, como o Estado nortista do Ceará que teve seu governador, José Clarindo de Queiroz, deposto pelo Poder Central. Nesse instante, a mais nova “vítima” recebe a solidariedade do jornal marianista A Província que, mesmo não podendo contar neste período com as fortes presenças dos líderes José Maria e o Coronel Francisco Torres, ainda foragidos por temerem as reações da nova ordem local, consegue reunir “uma grande multidão” na cidade do Recife para receber o ex-governador José Clarindo que estava de passagem pela capital pernambucana. Contudo, em meio a esta reunião surge repentinamente “uma cavalaria na rua do Imperador do lado do Palácio, e com espadas faz dispersar a multidão”, imediatamente os populares, que foram àquele lugar expressar apoio ao grupo de José Mariano, iniciam gritos de “morra a José Maria, a Batista (pseudônimo de Gonçalves Maia, editor do jornal O Estado de Pernambuco), a Lucena e a todos os vencidos, dando vivas a Floriano e a Martins Junior”324. Tão violenta ficara a reação contra os marianistas que somente com a chegada de uma ordem telegráfica do Presidente Floriano Peixoto é que o general Clarindo Queiroz pôde seguir viagem em segurança. Ao analisarmos tais ações dos aliados de José Mariano e José Maria durante o processo de deposição dos governadores impetrado pela república florianista, nos parece possível evidenciar duas sinalizações sobre o posicionamento deste grupo. Primeiramente, percebemos que mesmo em meio a “um sistema federativo altamente

322 Diário de Pernambuco, 27 de dezembro de 1891. 323 Gazeta da Notícia, 16 de dezembro de 1891. 324 MAIA, Gonçalves. Op. cit., p. 39-41. 100 competitivo que dificultava a unidade regional”, antes “atirava um Estado contra o outro em busca dos recursos federais” e “intensificava velhas animosidades”325, o grupo marianista procurava criar uma certa união regional. Uma intenção revelada não somente durante a ditadura florianista, ao prestar solidariedade “às vítimas” da deposição na região nortista, mas desde a constitucionalização em que o jornal A Província fazia constantes protestos sobre a dura sorte dos representantes não apenas de Pernambuco, mas de todos os Estados do norte do Brasil326. Em segundo lugar, o jornal acima citado desde os primeiros momentos procurou se defender contra possíveis ataques da Junta Governativa, formada por Ambrosio Machado, José Vicente Meira e o General Ouriques Jaques, protestando contra a suposta ausência de liberdade que teria “obrigado José Maria e o Coronel Francisco Torres a se manterem em silêncio”. E é justamente o “cerceamento da liberdade deste órgão oposicionista” e não a falta de recursos financeiros, como alegavam o Diário de Pernambuco e o Jornal do Recife, que teria levado o jornal A Província a parar durante alguns dias sua publicação. Diante da nova ordem, sem o apoio do Marechal Deodoro e seu aliado o Barão de Lucena, os marianistas sentiam-se tão enfraquecidos que afirmavam só haveria um caminho a seguir, “a resignação e confiança no futuro da pátria pernambucana”. Ao mesmo tempo em que apresentavam o cenário estadual durante a ascensão da Junta Governativa e da Presidência de Floriano Peixoto com aspecto “tenebroso, aos opositores dos republicanos „históricos‟”327. E não estavam errados, pois logo sofreriam com o processo de demissão operado pela Junta. Expressando a fragilidade do respeito às leis constitucionais da república brasileira, a Junta Governativa tomaria como uma de suas primeiras providências a dissolução do Congresso Estadual, dominado pelos aliados de José Mariano, sob alegação que este órgão da soberania estadual estaria “fora da legalidade constitucional” por ter sido “conivente e solidário com o ex-governador ao aderir ao golpe do ex- presidente em dissolver o Congresso Nacional” 328. Diante de tal acusação e intervenção

325 LEVINE, Robert. “Pernambuco e a Federação Brasileira, 1889-1937”. FAUSTO, Boris e PINHEIRO, Paulo Sérgio. O Brasil Republicano: volume 02. Sociedade e Instituições (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 131-132. 326 Conforme propagava José Mariano “Pernambuco, e os demais Estados do norte, não conseguirão (durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1891) aumentar o auxílio que a União deveria dar aos estados empobrecidos e atrofiados pela centralização monárquica de mais de meio século”. A Província, 07 de fevereiro de 1891. 327 A Província, 23 de dezembro de 1891. 328 APEJE, Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco, 1892. 101 clara do Poder Central o jornal marianista A Província reclama a nulidade da descentralização administrativa tomando para si uma expressão que fora utilizada anteriormente pelo Jornal do Recife329, quanto este estava na oposição, ao afirmar que “a Federação fez-se, mas o centro, a cabeça do polvo, continua a dirigir como um senhor absoluto. Se no centro fora o primeiro ato da trágica comedia, deixa estar que coisas ruins virão!”330. Semelhantemente foram anulados os Conselhos Municipais e a posse do primeiro prefeito eleito do Recife, José Mariano Carneiro da Cunha, que tomariam posse em 02 de janeiro de 1892331, por serem considerados pelos dirigentes da Junta Governativa “sem nenhuma confiança pelo povo”. Ao mesmo tempo em que a Junta não sinalizava a regulamentação das eleições municipais por considerarem que “o meio mais direto, eficaz e completo para chegar ao dito resultado em uma revolução é a aclamação de escolhidos”, ou seja, dos seus escolhidos332. Alquebrado o princípio de respeito e independência entre os poderes constitucionais e na relação constitucional do Estado com os Municípios, a Junta Governativa passaria a interferir nos cargos mais relevantes do aparelho do Estado pernambucano. Iniciando o processo de demissões de seus adversários ao dispensar os senhores José Maria de Albuquerque Mello, da Secretaria de Justiça, legislação e segurança pública, e Arthur Henrique de Albuquerque Mello, o secretário de questura. Sendo nomeados aliados do Partido Republicano de Pernambuco, partido oficial da Junta, como os senhores Joaquim Tavares de Melo Barreto, novo questor, e Francisco Xavier Guedes Pereira, delegado do 2º distrito policial da capital. Deste modo, passaria o novo grupo a efetivar maior controle sobre os postos oficiais da força pública do Estado, indispensável na defesa contra possíveis ataques dos demais grupos político- partidários e nos processos eleitorais. Quanto à fidelidade dos republicanos “históricos” ao seu discurso, propagado anteriormente no Jornal do Recife, ela se mostraria tal sólida quanto às alianças e posicionamentos políticos que se faziam e se desfaziam ao sabor dos fatos. Assim, se durante os governos lucenistas os auxílios oferecidos aos usineiros foram objeto de dura campanha formulada pelo Jornal do Recife, agora no poder os republicanos “históricos” se limitaram a nomear uma comissão para que pudessem “conhecer melhor as condições

329 Jornal do Recife, 24 de janeiro de 1891. 330 A Província, 31 de dezembro de 1891. 331 José Mariano ou o Elogio da Tribuna. Op. cit., p. 26. 332 APEJE, Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco, 1892. 102 e vantagens que as numerosas concessões podem aferir à administração estadual” 333. Defendendo que o processo de romper com a idéia de separar a atividade agrícola da industrial, propagada pelos partidários dos engenhos-centrais, e promover uma política de apoio financeiro à instalação de usinas de açúcar, produzida pela administração lucenista, se mostrava positivo. Isso porque Pernambuco tinha conseguido financiar não só a compra de máquinas como também a instalação de estradas de ferro das próprias usinas, possibilitando a ampliação da área de coleta da cana que seria esmagada por cada fábrica, estimulando uma grande modificação na economia e arrecadação fiscal no Estado. Mesmo que, nos anos seguintes, tais procedimentos provocassem sérios problemas pelo alto índice de inadimplência dos usineiros, tal política conseguiu contribuir, nos anos iniciais, com um aumento de 70% da renda do Estado334. Além disto, a Junta tríplice pernambucana sabia que não poderia abrir mão do forte apoio econômico e político da classe usineira pernambucana. Como também não poderiam deixar de preparar a máquina de publicitária para dar visibilidade ao que considerasse positivo em sua gestão administrativa. Para isso, a Junta Governativa utilizou-se de uma prática que em nada se diferenciou do que fora comum durante o regime monárquico quando a cada mudança no comando local eram modificados os contratos firmados entre a administração provincial e o jornal escolhido para fazer a divulgação dos expedientes púbicos. Uma vez que o jornal alugado era selecionado por fazer parte da rede política do grupo então dominante, seu noticiário se apresentava, no mínimo, complacente com os atos do governo. E mesmo se esforçando para fazer crer aos seus leitores que sua edição era “independente”, tinham sobre si o peso não apenas das alianças, mas dos contratos assinados legalmente com a direção do poder público. Exemplo desse entrelaçamento entre governo e imprensa ocorrera ao jornal A Província quando foi escolhido o órgão da imprensa oficial do governador General Semeão e, mesmo tendo divulgado em seu editorial que o aluguel desta empresa pelo chefe do executivo “não significava que teria cerceada sua liberdade de fazer um jornalismo independente e justo”335, tinha assinado, em 22 de março de 1890, um contrato contendo uma cláusula contratual, a 12ª, em que o jornal A Província se sujeitava à pena de rescisão, sem direito a indenização, caso imprimisse artigos de oposição ostensiva e sistemática ao governo Estadual ou à República.

333 APEJE, Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco, 1892. 334 ANDRADE, Manuel Correia de. Pernambuco Imortal. Recife: Jornal do Comercio, 1995, p. 7. 335 A Província, 30 de março de 1890. 103

Alegando que o jornal A Província vinha infringindo esta 12ª cláusula do contrato, a Junta Governativa resolve encerrar o aluguel firmado pelo Estado com esta empresa. Como meios comprobatórios, relata artigos ofensivos e sistemáticos de oposição ao governo do Estado, assim como à República, no instante em que A Província considerava a Junta Governativa “uma tomada de posse do poder local por aqueles que foram escolhidos pelo ditador (Floriano Peixoto)”336. Além de ter, segundo a Junta, “adulterado os fatos, publicando protestos de terceiros e demais artigos subversivos contra a ordem pública e estabilidade do governo. Deste modo, o contrato ora firmado entre a administração pública deste Estado e A Província passa a ser estabelecido com o Jornal do Recife, para publicação do expediente das repartições deste Estado, e o Diário de Pernambuco, responsável pela divulgação dos ofícios da Secretaria do Governo”337. Tentando expor uma possível relação inconveniente entre a imprensa oposicionista e algumas instituições públicas durante a gestão do governador lucenista Correia da Silva, a Junta divulga um pedido que teria vindo do jornal A Província solicitando à Chefia da Polícia que pagasse a dívida referente a objetos de expediente fornecidos à respectiva secretaria de polícia pelos dirigentes do jornal supracitado. Em resposta a tal situação, a Junta Governativa, representando seu propagado “zelo pela administração pública”, apenas apresenta uma declaração, nº512, da Secretaria da Fazenda do Estado informando que não poderia ser feito tal restituição financeira tendo em vista o esgotamento orçamentário do Estado com o pagamento de pessoal. Restando à empresa requerente entrar com um pedido de reintegração de posse do material através de processo junto ao Ministério de Justiça338. E é justamente no âmbito da competência do poder judicial que a Junta efetuaria mais uma intervenção na busca pela imposição de uma centralização administrativa e sobreposição aos demais poderes. Assim, mesmo sabendo que não tinha sido concluído o inquérito policial sobre os graves acontecimentos na noite fatídica de 18 de dezembro de 1891, a Junta solicita que fosse ordenada a prisão dos senhores Ricardo José Correia, José Maria de Albuquerque Mello e o Coronel Francisco Gonçalves Torres por considerá-los “os únicos responsáveis pelo derramamento de sangue na noite de 18 de

336 A Província, 23 de dezembro de 1891. 337 APEJE, Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco, 1892. 338 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 12 de janeiro de 1892. 104 dezembro”. Contudo, conseguiria efetuar apenas a reclusão do primeiro suspeito, tendo em vista que os outros dois se encontravam foragidos. Esta arbitrariedade da Junta Governativa, de tentar impor a prisão de suspeitos de um crime ainda sob investigação judicial, constituiu um ato que desrespeitava o direito firmado pela Lei Maior da nação que certificava a todo cidadão de que, “a exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente”. Destarte, “aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em 24 horas ao preso e assinada pela autoridade competente com os nomes do acusador e das testemunhas”339. Não fosse o bastante, a liderança da Junta Governativa procura “lembrar” ao presidente do Tribunal do Recife sobre “a mudança política porque passou Pernambuco após a revolução de 18 de dezembro”. Informando que num “período revolucionário, não podemos obedecer aos princípios da lei comum, aos olhos da qual a própria revolução poderia ser considerada um crime”. Diante disso, a Junta solicita que fosse negado o pedido de habeas corpus aos acusados, mesmo sendo este direito assegurado pela Constitucional Federal que declarava “o habeas corpus, sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder”340. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado comunica ao poder executivo pernambucano haver concedido habeas corpus para que fosse solto o senhor Ricardo José, e expedido habeas corpus preventivo aos senhores José Maria e Francisco Torres. Ao tomar conhecimento de tais prosseguimentos da justiça local, a Junta remete documento oficial “lamentando que esse Tribunal, que deveria ser o primeiro a concorrer para a manutenção da ordem pública e salvaguarda dos interesses sociais deste Estado, tenha-se colocado numa posição verdadeiramente incompatível com as graves responsabilidades que pesam sobre esta Junta, procurando embarcar a marcha do atual governo”. Mais uma vez reitera sua compreensão de que “toda a força que fosse

339 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 72º, §13º, §14º. 340 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891): aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 72, §22º. 105 necessária para que o atual governo revolucionário pudesse desempenhar sua missão seria utilizada”341. No entanto, a Junta sabia que era preciso mais do que impor força, era imprescindível obter maior legitimidade ao seu comando. Assim sendo, busca revolver a ilegalidade constitucional do Estado pernambucano pela inexistência dos três órgãos representantes da soberania estadual, situação presente desde a dissolução do Congresso Estadual no início da administração da Junta Governativa. Porém, a reabertura do Legislativo Estadual, com a eleição de 30 de março de 1892, fora plenamente controlada pelo “partido oficial da Junta, o Partido Republicano, que praticamente elegeu o Congresso todo”342. E é esse Congresso aliado que ofereceria “flores e salvas de palmas a Martins Junior”, além de cantar louvores à “gloriosa revolução de 18 de dezembro”, que segundo o deputado Moreira Alves Leite “veio extinguir a anarquia implantando um período de paz e tranqüilidade”. Quanto aos atos arbitrários cometidos pela Junta Governativa ao invadir as atribuições dos demais poderes, foram aceitos como “totalmente necessários” e, dando mais uma amostra de como na compreensão política dos dirigentes as diretrizes constitucionais estavam desprestigiadas, até mesmo ameaçadas, o deputado estadual afirma que “os golpes à Constituição foram exigidos pela suprema lei da salvação pública”. Isso porque, no momento em que um governo “revolucionário” opera a “reorganização do Estado, o respeito à Constituição é impossível”343. Tal Legislativo parcial ao governo da Junta Governativa, ou melhor, do Partido Republicano de Pernambuco, não poderiam deixar de formular ataques aos opositores de Martins Junior, divulgando denúncias de que o jornal A Província não teria cumprido o acordo de entregar exemplares da Constituição344, recaindo aos dirigentes deste jornal, principalmente a José Maria Albuquerque Mello, a denúncia de lesão aos cofres públicos durante a vigência do que o deputado Alves Leite considerou “uma ladroeira cujos desmandos só se encerraram com a gloriosa revolução de 18 de dezembro” 345.

341 APEJE, Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco, 1892. 342 PORTO, Costa. Op. cit., p. 47. 343 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 06 de abril. 344Acordo estabelecido entre o jornal A Província e o então governador Antonio Correia da Silva, conforme expusemos no capítulo anterior. APEJE, Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco, 1891, p. 267 345 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 06 de abril 1892. 106

Contudo, os republicanos “históricos” sabiam que em nada podiam sentir-se seguros uma vez que o cenário político do país, em 1892, ainda estava extremamente fragmentado pela ausência de partidos políticos nacionalmente fortes. O que aumentava o perigo de deposições urdidas pelas violentas paixões dos grupos políticos rivais, assim como, em maior escala, a ameaça da intervenção do Poder Federal. Conforme assegura Robert Levine, o texto da Constituição republicana de 1891 tornava mínima a capacidade intervencionista da União para “desmontar máquinas políticas locais”. Porém, na prática, tal limitação somente ocorreria quando estas redes políticas estaduais estavam em condições de serem consideradas “poderosamente entrincheiradas”, e sua liderança local tinha o controle de uma potente força pública de segurança. Deste modo, o regime de governo republicano manifestava a permanência “da violência- em nível municipal, estadual e federal- como um instrumento político indispensável”346. A Junta Governativa, “considerando que o corpo de policia e o esquadrão de cavalaria devem ter organização mais adequada às exigências do serviço público e atenta às conveniências de uma econômica disciplina”, resolve decretar, em 04 de janeiro de 1892, que o Corpo de Polícia e o Esquadrão de Cavalaria formariam um corpo composto por sete companhias347. Porém, longe estava a força pública de segurança pernambucana da militarização e coordenação necessárias para obter maior expressão no cenário nacional, como ocorria ao Estado de São Paulo que tinha uma força policial estadual organizada e comandada por homens da confiança dos líderes locais. Quanto aos demais Estados brasileiros, como Pernambuco, estes permaneciam à mercê da obtenção ou não do apoio militar do Poder Central. Além disso, a Junta Governativa não era impopular apenas entre os oposicionistas dos republicanos históricos, “apesar de seu predomínio” o próprio Martins Junior também “mostrava-se descontente com a administração da Junta”348. O que teria motiva ao recém eleito Congresso Estadual, liderado pelo grupo de Martins Junior, resolver encaminhar a Floriano Peixoto uma lista tríplice para que ele indicasse qual nome melhor lhe agradava. Recebendo como reposta uma completa desconsideração para com os nomes enviados e um informativo secamente elaborado

346 LEVINE, Robert. Op. cit., p.22. 347 DAPPH, Coleção das Leis e decretos do Estado de Pernambuco, 1892-1899. 348 CARONE, Edgard. A República Velha. Evolução política. Op. cit., p. 82. 107 decretando que “o Capitão Alexandre José Barbosa Lima aceita e agradece” o governo pernambucano. Nas eleições internas do Congresso Estadual, o capitão florianista receberia dos congressistas trinta e cinco votos, lhe proporcionando uma vitória por maioria absoluta, sendo eleito como vice-governador Ambrosio Machado da Cunha Cavalcante, com trinta votos. Já Martins Junior, este receberia dezenove votos para presidir o Legislativo Estadual, mas, como expressão de sua insatisfação sobre a situação política estadual, pede demissão de seu posto no dia seguinte à sua eleição. No entanto, com a submissão habitual dos legisladores, a “vitória” de Barbosa Lima era tão certa e sacramentada que não ocuparia muito do espaço das falas parlamentares. Antes, focavam seus discursos em produzir uma representação positiva do período em que estivera à frente do governo estadual a Junta Governativa, e informar, sem nenhuma argumentação sobre possíveis soluções, sobre os problemas sociais desta capital que precisavam ser solucionados349. Na carta enviada por Luis Oliveira Lima ao seu irmão Manoel, que residia em Lisboa, percebe-se que mesmo sendo fato consumado que, “em reunião no Palácio, os congressistas resolveram eleger Governador daqui o Dr. Alexandre José Barbosa Lima”, o cenário político pernambucano ainda parecia oferecer alguma esperança aos republicanos “históricos” se estes conseguissem manter o novo líder distante dos marianistas. Uma tarefa que não parecia difícil, pois, conforme assegurava Oliveira Lima, “o Engenheiro Militar é rapaz ainda, e é inimigo pessoal do Dr. José Mariano”350. Ao produzir uma representação de inimizade entre estes líderes pernambucanos, Oliveira Lima remete a um retorno ao passado recente do regime republicano em que o posicionamento dos então deputados federais José Mariano e Barbosa Lima era de estrema oposição. Como procuramos demonstrar nos primeiros capítulos deste trabalho o jornal pernambucano dirigido pelos marianistas, A Província, oferecera ostensivo apoio ao governo do presidente Manoel Deodoro da Fonseca. Enquanto isso, o deputado Capitão Alexandre José Barbosa Lima perguntava à Assembléia Nacional Constituinte o que seria de uma Constituição “nas mãos de um indivíduo (Deodoro) que se aproveita da força para amordaçar a opinião pública?”351. Efetivado o fechamento do Congresso Nacional, Barbosa Lima figurou à frente dos que combatiam os atos deodoristas, seja

349 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 06 de abril 1892. 350 Carta datada do Recife, 08 de abril de 1892. Oliveira Lima Family Papers”, Oliveira Lima Library, Universidade Católica da América, Washington, Estados Unidos. In: GOUVEA, Francisco da Cruz. Op. cit., p. 27. 351 SANTOS, José Maria dos. Bernardino de Campos e o Partido Republicano Paulista, p. 221-222, In: CARONE, Edgar. A República Velha. Evolução Política. Op. cit., p.50. 108 como legislador, assinando um compromisso de ação política parlamentar ao lado da bancada paulista, e mesmo como integrante da parcela do Exército, liderada por nomes como Floriano Peixoto, que decidira fazer oposição velada ao presidente Deodoro da Fonseca. E fora justamente a articulação da oposição militar e do Congresso que possibilitou o enfraquecimento e queda do Governo deodorista, e alavancou a ascensão da república florianista. Além disso, ao dar prosseguimento à intervenção federal nos Estados, permanecendo alguns poucos como o antideodorista Lauro Sodré no Pará, o presidente Floriano Peixoto sinalizava que não deixaria à frente dos membros federativos elementos que tinham sido aliados do antigo líder nacional. Uma troca nos governos estaduais por indivíduos que gozassem de maior confiança do Poder Central que é interpretada pelo historiador Lincoln Penna como uma “medida de sabedoria política”, porque Floriano teria percebido que “a República ingressava num período de grande turbulência e que sua existência, como regime, corria perigo”. Assim, se ergueria a república florianista afirmando “o caráter do presidencialista, indispensável na época de sua existência, e iniciaria o processo de consolidação do Regime” combinando “o ideal positivista da ditadura da „coisa pública‟ com a pregação do jacobinismo mais chegado ao nacionalismo exacerbado e aos interesses sociais”, como oposição à “política das elites bacharelescas que expressavam uma idéia de regime liberal-conservadora”352. Contudo, numa leitura menos simpática à República das espadas, o historiador Boris Fausto aponta aquele período da presidência dos militares como “uma demonstração de que diante do jogo político a Constituição era apenas papel”, e “se Deodoro ferira o Congresso, Floriano arranharia a autonomia dos Estados”353. Quanto às delimitações acordadas na Constituição Estadual, elas seriam tranquilamente desprezadas na imposição do representante florianista no governo pernambucano. Isso porque, ultrapassada a prática comum durante o Império de escolher para as províncias dirigentes sem intimidade com as mesmas, a Constituição Estadual obrigava ao futuro chefe do executivo local “ter residido no Estado desde pelo menos oito anos antes da eleição”354. No entanto, o governador escolhido pelo Poder Central, Barbosa Lima, morava no Rio de Janeiro onde exercia o mandato de deputado federal pelo Ceará. Semelhantemente, ao vice-governador recaiam empecilhos legais ao

352 PENNA, Lincoln de Abreu. Op. cit., p. 59-64. 353 FAUSTO, Boris. Op. cit., p. 43-44. 354 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 14 de junho de 189, artigo 53º,§ 2º. 109 ser determinado que não pudesse ser “eleito senão passados quatro anos depois de findo o período governamental”355, e Ambrosio Machado fazia parte da Junta que se despedia do poder local. Alheio a tudo isso, Barbosa Lima chega às terras pernambucanas, em abril de 1892, onde encontraria os partidos esgotados por tantos embates pelo mando político e em franco processo de reorganização. Crescendo no cenário político local o Partido Autonomista, formado por potentes lideranças como José Mariano, Rosa e Silva e o Barão de Lucena, enquanto o Partido Republicano buscava maior expressão nacional ao vincular-se com Partido Constitucional do Rio de Janeiro356. Em relação aos órgãos da imprensa, sua apresentação aos inúmeros populares que não conheciam o jovem governador fora direcionada pela tensão político-partidária da localidade. O jornal A Província, como não poderia deixar de ser, fora tomada de intenso prazer em poder publicar a falência das intenções de domínio dos republicanos históricos. Ironizando que tendo se reunido “no salão do Palácio, os congressistas estaduais a fim de escolherem o futuro governador do Estado” ficou “resolvida a candidatura do Senhor Barbosa Lima”357. E apenas conseguiram os martinistas como consolo, a eleição do vice-governador Ambrosio Machado, que “foi imediatamente tomar posse do seu cargo, sozinho e ligeiro, como quem vai ali aos cajus”358. Como era de seu costume, o Diário de Pernambuco soube mais uma vez prestar seus longos elogios a quem iria ocupar o trono do poder local, afirmando que do “distinto oficial do Corpo de Engenheiros” esperava “uma administração benéfica e desapaixonada”359. Somente A Gazeta da Tarde, num raro momento de lembrança sobre as diretrizes constitucionais, evidenciava o descompasso das decisões do Poder Central e o texto da Constituição Estadual, em seus já citados artigos 47º e 53º. Além disso, conforme verificamos no artigo 4º das Disposições Transitórias da Carta Magna Pernambucana, apenas era assegurado “aos representantes da primeira eleição, dos Municípios, Governador, vice-governador e demais funcionários eletivos, não terão vigor as disposições desta constituição”. Porém, sem grandes esperanças, noticiava que “tudo correra de acordo com as determinações severas emanadas do Rio de Janeiro,

355 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 14 de junho de 189, artigo 47º. 356 Jornal do Recife, 19 de maio de 1892. 357 A Província, 06 de abril de 1892. 358 A Província, 17 de abril de 1892. 359 Diário de Pernambuco, 08 de abril de 1892. 110 numa centralização talvez desconhecida nos tempos imperiais. Pelo menos as ordens da Corte não traziam o sinete das baionetas”360. Entretanto, apenas o apoio do Poder Central não seria o bastante para Barbosa Lima conseguir imprimir um governo sustentável, não apenas pelas birras entre os líderes políticos locais, mas pela precária condição da estrutura econômica, social e administrativa em que se encontrava o Estado de Pernambuco. É o que podemos perceber no relato de Oliveira Lima sobre a carestia crescente na cidade do Recife em que “tudo está pelo triplo do preço do que custava, até o açúcar, gênero do país, está se vendendo a arroba por 11$000, a própria farinha de mandioca, que é aqui alimentação dos pobres, está subindo todo o dia”361. Enquanto isso, os deputados discutiam sobre a alta dos preços dos gêneros alimentícios e sobre a falta de água potável neste Estado362, apontando como de extrema emergência que o governo local abrisse mão de alguns impostos a fim de “equiparar os municípios do interior à Capital”363. Diante desse anseio dos legisladores, podemos perceber que a situação do interior pernambucano continuava sendo de extrema miséria, tendo em vista que o parâmetro aos municípios era a cidade do Recife que, conforme exporemos no capítulo seguinte, tinha uma situação extremamente complicada. Contudo, Barbosa Lima demonstraria total segurança em seu propósito de atenuar a luta intensa que agitava o Estado anunciando em seu primeiro discurso em Pernambuco a implantação de uma “administração benéfica e desapaixonada”, somente guiada pelos “princípios do verdadeiro republicanismo”364, não se poderia duvidar que a todo custo Barbosa Lima fosse defender o mando que lhe fora confiado. Presença firme, Alexandre José Barbosa Lima suscitou múltiplas percepções na historiografia nacional e entre aqueles que conviveram com ele. Sendo representado pelo historiador Francisco da Cruz Gouvêa como “mais civilista do que os políticos de portas de quartéis” que dirigiam este Estado “exibindo seus títulos de doutores e professores, eram francos, quando não ignoravam o que seria desenvolvimento econômico no sentido global, apenas no plano setorial, isto é o açúcar”365. E se em alguns momentos fora produtor de ações violentas, é que como parlamentar (deputado federal em nove legislaturas e senador por sete anos) ou governador sempre “agia em

360 Gazeta da Tarde, 08 de abril de 1892. 361 GOUVEA, Francisco da Cruz. Op. cit., p. 27. 362 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 11 de abril de 1892. 363 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 15 de abril de 18892. 364 Diário de Pernambuco, 08 de abril de 1892. 365 GOUVE, Francisco. Op. cit., p. 12. 111 defesa do bem público, não admitindo transigências, facilidades e acomodações”366. Antes buscava enfrentar a grande luta para que a República “não se desmoralizasse ao se moldar às práticas do velho regime decaído, com o qual acabaria se parecendo demais”367. Líder “de personalidade de aço - de quebrar, mas não torcer - não se sujeitaria a servir de títere em mãos de ninguém”368, assim como “não aceitava a disciplina ou obediência partidária imposta”369. Ao mesmo tempo, era apaixonado pela disciplina positivista que aprendera no longo período de sua vida em que se dedicara à leitura dos livros de Augusto Comte. Chegando a se tornar, segundo o Flávio Guerra, um dos maiores representantes da corrente “dos jacobinos de coletes vermelhos, dos democratas, que liam o „Federalismo‟ como uma bíblia e dos positivistas para quem Augusto Comte se afigurava um semideus”. O escolhido de Floriano Peixoto se mostrou, desde o início de seu governo, como um exímio manipulador das situações políticas que enfrentava. Tendo uma grande capacidade não apenas de construir as suas bases de sustentação, ao dar continuidade à política de desenvolvimento e modernização da economia açucareira que lhe garantisse o apóio dos senhores de engenho e comissários do açúcar que viviam no Estado e tinham intensa influência política local370, mas também se mostraria adepto da velha tática de dividir para reinar. Deste modo, conforme afirma Robert Levine, “o impetuoso administrador autoritário Barbosa Lima, logo que chegou do Rio de Janeiro, revelou sua intenção de esmagar os Republicanos”371 de Martins Junior em sua administração alinhada à ditadura legalista de Floriano Peixoto, conforme analisaremos no capítulo seguinte.

366CENTENÁRIO de nascimento de Alexandre José Barbosa Lima. Brasília: Câmara dos Deputados, 1962. Deputado Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho. 367 CENTENÁRIO de nascimento de Alexandre José Barbosa Lima. Brasília: Câmara dos Deputados, 1962. Deputado Nelson Carneiro. 368 PORTO, Costa. Op. cit., p. 52. 369 CENTENÁRIO de nascimento de Alexandre José Barbosa Lima. Brasília: Câmara dos Deputados, 1962. Deputado Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho. 370 ANDRADE, Manuel Correia de. Secretaria da Fazenda. Um século de história. Recife: Secretaria da Fazenda, 1991, p. 12. 371 LEVINE, Robert. Op. cit., p. 126. 112

CAPÍTULO 4

O INICÍCIO DO GOVERNO BARBOSA LIMA: A CRISE INTERINSTITUCIONAL EM PERNAMBUCO (1892-1893)

Desde os primeiros instantes em que o capitão florianista, Alexandre José

Barbosa Lima, se utilizou do posto de “primeira autoridade de Pernambuco”372 para implementar uma peremptória centralização administrativa em torno do Poder Executivo, conflagrou-se neste Estado uma crise institucional que manifestaria a parca legitimidades dos poderes soberanos estaduais, principalmente no momento de maior tensão. Uma tensão, inicialmente artificial, construída como estratégia discursiva dos personagens principais de tal embate, o líder Partido Republicano e do Congresso, Isidoro Martins Junior, e o Governador, Barbosa Lima, que produziriam uma intensa manipulação exegética do direito constitucional a fim de estabelecer a qual destas instituições caberia o direito de exercer, de modo mais incisivo, o comando sobre os demais organismos do poder público. Passando, posteriormente, a emitir uma prontidão de resistência, à mão armada, no momento de maior fervor da referida anormalidade institucional, provocada, em última instância, pelo desequilíbrio na principal base de um Estado Moderno que é a legalidade e legitimidade dos poderes soberanos373. Isso porque nem o Executivo, nem o Legislativo, ou mesmo o Judiciário Estadual conseguiam construir às suas determinações um grau de consenso capaz de assegurar a obediência e adesão sem fazer uso da ameaça de utilização da força ou de um suporte externo. Expressando a ausência de harmonia, autonomia, liberdade e, principalmente, democracia desde dentro da relação interinstitucional estadual e na interação deste Estado com o Poder Central. Ao analisarmos as ações contestatórias empreendidas pelo grupo político que então liderava o Congresso Estadual contra o governador Barbosa Lima, os republicanos históricos demonstravam uma constante preocupação de expressar claramente que sua revolta não se direcionava a ordem constituída, ou que visassem alterar as estruturas que se exprimiam no regime republicano recém adotado. Através de

372 Jornal do Recife, 06 de maio de 1893. 373 BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Guanfranco. Op. cit., p. 674-676. 113 uma rejeição abstrata da realidade social vigente, se postavam em oposição ao governo, mas sem qualquer sinalização que, em defesa de uma suposta democracia, iriam combater a centralização administrativa local que cintilava, de modo cada vez mais forte, desde a elevação de Floriano Peixoto à Presidência da República. Antes, esperavam que fosse aceita, mesmo que de modo impositivo, uma proposta de gestão do sistema estabelecido que lhes permitisse alguma participação ativa no controle da administração pública local. Dessa forma, o contexto político pernambucano vivenciaria a encenação de uma bifurcação que se mostrava de extrema complexidade àqueles que buscavam encontrar grandes diferenciações entres os opositores. Isso porque, mesmo possuindo formações sócias distintas, tanto o bacharel Martins Junior como o militar Barbosa Lima se igualavam na formação discursiva e ideológica devotada à ditadura positivista. Era conhecido como na história política nacional recente Barbosa Lima também havia figurado como rigoroso opositor ao deodorismo, gerando no líder do Partido Republicano de Pernambuco a expectativa e esperança de que em nada seria confundido, antes o novo governador, ungido por Floriano Peixoto e aceito passivamente pelo Congresso martinista, se empenharia numa intensa aversão, ou mesmo perseguição, aos marianistas, antigos aliados do ex-presidente. Contudo, as afinidades históricas e ideológicas não se mostrariam de tal monta que fizesse o capitão florianista, mesmo que nos primeiros momentos, conjecturar a possibilidade de repartir o comando local como forma de expressão de aliança ou, principalmente, qualquer dívida para com o grupo de Martins Júnior. Antes, evidenciaria não apenas uma completa independência política e administrativa, mas igualmente catalisaria a perda de prestígio daquele líder político diante da gestão e opinião publica e, até mesmo, dentro de seu próprio reduto, o Congresso Estadual. Com extrema habilidade em representar-se sob posse, única, dos cânones do “puro republicanismo”, Barbosa Lima passaria, em sues atos e discursos oficiais, a manifestar sua percepção de quais valores eram considerados de maior relevância na sociedade pernambucana, em suas várias classes, naquele período inicial do novo regime. De modo recorrente justificava suas ações através de discursos simples e palavras de apelo sentimental, ao mesmo tempo em que tais atitudes eram sempre adornadas com um constitucionalismo de um visionário em implantar a “real moralidade administrativa”. Ao mesmo tempo em que, intensificava a construção discursiva visando significar os republicanos históricos e seus aliados como expressão

114 de desvirtuamento político e falta de espírito público ao expor, constantemente, os erros cometidos pela Junta Governativa, gerenciada por aquele grupo político. Percebendo como, progressivamente, o governador trabalhava para marginalizá- los dos postos oficiais, ao empreender sucessivas demissões de correligionários republicanos, e divorciá-los, ainda mais, da população, os martinistas buscariam inicialmente angariar uma aproximação com o governo barbosistas e somente após a clara evidencia que não encontrariam neste um espaço aberto para manutenção de sua rede de apóio, se lançariam à oposição através mensagens, monções e projetos parlamentares, e até mesmo ameaças de deposição golpista por meio de movimentos armados no interior pernambucano. Contudo, este grupo político não demonstraria grandes diferenças nos mecanismos argumentativos e divulgação de sua produção discursiva em relação ao que seria igualmente utilizado pelo governador. Nas páginas dos jornais aliados, nos documentos oficiais e nos folhetos distribuídos àqueles que não fossem atingidos pelos meios anteriormente expostos, a interlocução com a população era então concebida de modo a emitir efeitos de sentido de um envolvimento social em que urgindo a todos uma adesão a um dos combatentes. Assim, as várias classes sociais deveriam se perceber promovidas à posição não de co-participantes das decisões política, mas com dependentes da proteção, benefícios e auxílios daqueles que melhor poderiam “protegê-los” e “garantir” suas mais básicas necessidades. Deste modo, ambas as produções discursivas almejavam neutralizar o adversário sugerindo, primeiramente de modo subjetivo e depois de maneira evidente, uma sensação de indignação e temor público pela ruptura entre o Congresso e o Governo Estadual. Um rompimento que, segundo Martins Junior, teria se iniciado desde o momento em que Barbosa Lima, mesmo tendo anteriormente reiterado que as eleições para o Senado e Câmara Federal, marcadas pela Junta Governativa, para o dia 20 de maio de 1892, poderiam “ocorrer sob a mais completa liberdade do voto”374, resolve modificar a data deste pleito. Para isso, alegaria não terem sido eleitos os Conselhos Municipais de diversas localidades que “não cessavam” de lhe informar “sobre abusos de autoridades” e “a falta de criação das seções eleitorais e consequente embaraço ao exercício do voto”. Assim, considerando que não era “tão urgente” aquela eleição, uma vez que o Congresso Nacional não estava “por isso impedido de funcionar”, decreta o

374 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 22 de abril de 1892. 115 adiamento das eleições do dia 20 de maio para o dia 27 de junho375. Ao mesmo tempo em que ampliava sua rede política ao se aproximar dos indivíduos que foram, ao tempo da Monarquia, agrupados no Partido Conservador ao nomear o então diretor do Diário de Pernambuco, tradicional jornal do supracitado partido, Felipe Figueiroa de Faria Sobrinho como novo Inspetor Geral da Instrução Pública376. Abalado por tal decisão, o líder do Partido Republicano de Pernambuco resolve, no dia seguinte ao decreto de adiamento das eleições, procurar o governador não para questionar sua resolução, mas buscar “garantias” de que seu grupo continuaria com plenas possibilidades de vencer as eleições através do controle de postos oficiais capazes de intervir, indiretamente, no processo do pleito. Para isso, Martins Junior, “pondo em causa todo valimento pessoal e político” que tinha “com o chefe do executivo e com seus amigos”, intensifica sua solicitação a que fosse nomeando seu “correligionário” Francisco Xavier Guedes Pereira como novo questor policial. Um “posto chave da administração, alguma coisa parece lembrar a Secretaria de Segurança de nossos dias, posição desta sorte muito cobiçada num tempo em que eleições se faziam sob o tacão da polícia”377. Nascido na Paraíba, em 1867, Francisco Xavier Guedes Pereira era filho do Coronel da Guarda Nacional, Ignácio Guedes Pereira, e irmão de Nuno Guedes Pereira, signatários durante a campanha abolicionista378. Formado pela Faculdade de Direito do Recife, em 1888379, já em 17 de novembro de 1889 era primeiro delegado do Segundo Distrito Policial da capital pernambucana, quando “eliminou inteiramente a horda de desordeiros e capangas que infestavam a cidade, mandando uns trezentos e tantos ao presídio de Fernando de Noronha”380. Prestigiado pelos dois maiores jornais locais, fora considerado como “ativo e trabalhador que tem dado sobejas provas de critério e tino, merecendo, num ato de justiça, a nomeação ao importante e espinhoso cargo de questor policial que ele alias já tem por diversas vezes exercido interinamente (desde a nomeação do antigo questor, Joaquim Tavares de Melo Barreto a fiscal do Banco

375 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 16 de maio de 1892. 376 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 17 de maio de 1892. 377 PORTO, Costa. Op. cit., p. 56. 378 ALMEIDA, Horácio de. Brejo de Areia, p. 204. 379 BEVILAQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife, vol. III. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1927, p. 298. 380 Jornal do Recife, 24 de maio de 1892. 116

Emissor de Pernambuco) com circunspecção e zelo”381, um “moço de caráter nobilíssimo, digno de alta prova de confiança que prestará grandes serviços ao republicanismo por não se deixar guiar por terceiros”382. Todavia, não concordamos com a definição do historiador Costa Porto de que Barbosa Lima, ao ter nomeado Guedes Pereira como novo questor, em 18 de maio383, teria cometido “um erro”. Isso porque o governador, que permanentemente buscava representar sua gestão como “zelosa pela moralidade na administração pública”, e havia sido informado, “por pessoas insuspeitas e testemunhas fidedignas, de que a esse cidadão faltavam os requisitos que não podem dispensar numa autoridade em que pesa grave responsabilidade”384, sabia que juntamente com a nomeação daquele jovem estava entrelaçada a própria sorte dos republicanos históricos. Uma vez que na carta de Martins Junior, solicitando a nomeação de seu “correligionário e amigo”, independentemente da estrutura moral do mesmo a qual era, evidentemente, do conhecimento do chefe dos republicanos históricos, este líder político havia “posto neste negócio todo valimento pessoal e político” que tinha não apenas perante o governador, mas, principalmente, diante dos seus “amigos”385. Numa administração pública com espaços cada vez mais diminutos para possíveis intervenções, e pleitos eleitorais cujas datas dependiam terminantemente do chefe do executivo, os grupos políticos, que ainda não manifestavam uma plena reestruturação interna, mantinham a prática de buscar expressar sua força por meio de enfrentamentos nas páginas dos jornais e nos espaços públicos. Quando estivesse em questão a “honra” daqueles que eram considerados seus reais chefes, não o povo ou os superior burocráticos, mas os líderes partidários, não demonstrar qualquer constrangimento em ultrajar suas responsabilidades como formadores da opinião publicada e mesmo de ocupantes de cargos oficiais. Nesse contexto da cultura política, Barbosa Lima sabia que não demoraria muito até que o jovem questor comprometesse seu grupo político, e tal “ensejo almejado pelo governador”386 sucederia no momento

381 Diário de Pernambuco, 19 de maio de 1892. 382 Jornal do Recife, 19 de maio de 1892. 383 APEJE, Portaria do Governo do Estado de Pernambuco, 18 de maio de 1892. 384 Diário de Pernambuco, 24 de julho de 1892. 385 DORBPPCB, Folheto: “Política de Pernambuco, resposta do Doutor Martins Junior à mensagem do Senhor Barbosa Lima”, Tipografia do Jornal do Recife, 10 de agosto de 1892. 386 DORBPPCB, Folheto: “Política de Pernambuco, resposta do Doutor Martins Junior à mensagem do Senhor Barbosa Lima”, Tipografia do Jornal do Recife, 10 de agosto de 1892. 117 em que o irrequieto irmão de Martins Junior, Henrique Martins387, em resposta a descompostura produzida pelo marianista Francisco Torres contra o chefe dos republicanos históricos388, resolve convocar “o cabra Chico Torres para dar lugar à prova de sua valentia ou poder afirmar a sua covardia”389 num confronto marcado para acontecer ao meio dia, na rua 15 de novembro. Um duelo que expressava como a sobreposição dos valores e interesses pessoais, familiares e partidários imprimia uma frouxidão hierárquica da responsabilidade dos indivíduos investidos de um cargo público que deveria zelar pela ordem, bem e espaço públicos. No entanto, na afirmação do historiador Costa Porto, de que a acareação marcada “era um espetáculo em que Martins Junior muito teria a lucrar, pois ou Chico Torres aceitava o desafio – correndo o risco de apanhar, porque não é de supor que fosse o juiz de peito aberto – ou recusaria do entrevo, como fez, e ficaria desmoralizado”390 (grifos nossos), é evidenciado que tais atitudes não encontravam ressonância negativa em grande parte daquela sociedade. Algo que pudemos constatar ao verificarmos que nos documentos investigados, produzidos pela imprensa, pelo governador, ou por coligados a Martins Junior, não foi feito qualquer tipo insinuação de que tal acontecimento tivesse produzido a mínima aversão na população, antes é citado grande ajuntamento também de populares para assistir o conflito. Um confronto que Barbosa Lima, “num gesto de prudência e precaução”391 ou por ciência de que não seria plenamente atendido, busca impedir. Para tanto, segundo a versão do próprio Francisco Xavier Guedes Pereira, publicada pelo Jornal do Recife, em 28 de maio de 1892, e ratificada por Martins Junior, em folheto que seria divulgado apenas em agosto daquele ano, o governador solicita que o então questor “mandasse chamar os senhores Henrique Martins e Francisco Torres para que parassem as ameaças ou seriam detidos”. Caso não fosse atendido, o questor deveria “pessoalmente se dirigir à rua 15 de novembro para dispersar o povo e, ao mesmo tempo, enviar 10 praças para fazer a segurança do jornal A Província”. Ordem que seria rebatida pelo questor num diálogo travado com Barbosa Lima em que apontava sua intenção de “apenas chamar o

387 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892). Provocador de constantes atritos com o então governador Correia da Silva, até pedir exoneração do cargo de promotor público da comarca de São Bento, 26 de outubro de 1891, sendo posteriormente nomeado juiz de direito da capital ao tempo da Junta Governativa. 388A Província, 21 de maio de 1892. In: PORTO, Costa. Op. cit., p. 57 389 Jornal do Recife, 24 de maio de 1892. In: PORTO, Costa. Op. cit., p. 57. 390 PORTO, Costa. Op. cit., p. 58. 391 PORTO, Costa. Op. cit., p. 58. 118 senhor Francisco Torres para assinar o termo de bem viver392”, quanto teria recebido do governador a declaração de que “essa lei era inconstitucional393”. Desde então, teria “firmado” o seu propósito de “pedir demissão” porque não consentia se “sujeitar ao papel secundário de executor de ordens de um governador que considera inconstitucional a lei que regia” o seu “cargo”. Porém, “não querendo se apressar”, informa ter procurado seu “chefe, o senhor Martins Junior”, sendo por este líder impedido de sequer supor o ato demissionário “porque poderia dar lugar a um rompimento”. Enquanto se dava esta consulta, o questor mandava, “por telefone”, que o subdelegado fosse à rua do entrevo uma vez que “tinha certeza de que o senhor Henrique Martins”394 lhe escutaria (grifos nossos), o que não acontece. Ao contrário, a multidão que se havia aglomerada na rua 15 de novembro, formada por “desordeiros e soldados disfarçados”395 ou constituída de “moços acadêmicos, empregados do comércio, afilhados do Partido Republicano, congressistas estaduais e populares”396, não sendo contemplados com o “espetáculo”, dada ausência de Francisco Torres, se dirige para a residência à Caxangá, onde “tristemente os partidários se excederiam, partindo, à bengaladas, o vidro da casa” 397 do jornalista. O governador, apoiado na Lei de Questura398, alega ter “verificado que as ordens solicitadas para dissolução do ajuntamento, provocado por artigos violentos publicados pela imprensa desta capital, não foram cumpridos, antes, devido à demora imperiosa na aplicação das providências que a situação exigia, foram consentidos os acontecimentos que tiveram lugar, à noite, na Caxangá, à revelia da autoridade policial competente”, resolve demitir “o senhor Francisco Xavier Guedes Pereira”399. No mesmo instante em que fora exposta nos jornais tal demissão, os republicanos históricos se fizeram representar por um grupo liderado pelos senhores

392 DAPPH, Livro de Autógrafos de Leis. Segundo a Lei de Questura, Artigo 3º, § 5º, o questor policial deveria “remeter os suspeitos de pretensão criminosa manifestadas por ameaças e provocações para que, diante de um juiz de direito, fossem obrigados a assinar o termo de bem viver em segurança”. 393 Diário de Pernambuco, 28 de maio de 1892. Na versão apresentada pelo governador, a alegação de inconstitucionalidade fazia referência não à Lei de Questura, mas à atitude do questor em exercer predileção por um daqueles senhores. 394 Jornal do Recife, 28 de maio de 1892. 395 Diário de Pernambuco, 28 de maio de 1892. Estando, nesse período a Guarnição Federal sob direção de um aliado dos republicanos históricos, Roberto Ferreira, era positivo para Barbosa Lima caracterizar este grupo político como desvirtuadores dos servidores públicos. 396 Jornal do Recife, 28 de maio de 1892. 397 DORBPPCB, Folheto: “Política de Pernambuco, resposta do Doutor Martins Junior à mensagem do Senhor Barbosa Lima”, Tipografia do Jornal do Recife, 10 de agosto de 1892. 398 DAPPH, Livro de Autógrafos de Leis. Segundo a Lei de Questura, artigos 6º e 8º: O cargo de questor policial é “de imediata confiança do governador, e conservará seu lugar enquanto bem servir”, devendo sempre “executar as ordens verbais ou escritas do Governo do Estado, dentro de suas atribuições”, 399 APEJE, Portaria do Governo do Estado de Pernambuco, 25 de maio de 1892. 119

Sigismundo Gonçalves, que tanto nos discursos de Barbosa Lima como de Martins Junior figurava como uma das lideranças mais respeitadas daquele período; Ribeiro de Brito, prefeito do Recife; Luís Gonçalves, o Barão de Arariba; Ambrósio Machado, vice-governador; e Martins Junior, que se dirigiu ao Palácio do Governo na tentativa de impedir que a demissão, tomada à revelia dos republicanos históricos, fosse interpretada perante a opinião pública e, principalmente, pelos demais grupos políticos, como uma manifestação da perda de prestígio do Partido Republicano na gestão pública. Acreditando, mesmo diante de uma ostensiva demonstração de independência do governador, numa ingênua esperança de impor a Barbosa Lima uma encenação de arrependimento para manutenção da artificial harmonia com este grupo político e, consequentemente, com o Congresso Estadual por eles liderado. Nas discussões parlamentares do Congresso Estadual, a ação de autonomia do governador catalisaria o início de uma futura formação de um mosaico de interpretações que muito além de revelar como as atitudes do governador ressoavam no Legislativo Estadual, manifestavam o perigo à liderança de Martins Junior diante de um poder cada vez menos homogêneo em seus interesses e percepções. Naquele momento, os legisladores igualmente expressariam o modo como a administração dos cargos públicos servia não apenas para beneficiamento de um grupo, mas, principalmente, à desestruturação do partido opositor. Do mesmo modo, manifestariam como as preocupações sociais e de consolidação do regime republicano eram compreendidas como indissociáveis da plena e constante satisfação dos interesses do partido que tivesse maior capacidade impedir o pleno cumprimento das funções dos demais poderes, ou mesmo ameaçar deposições. Ao pôr em discussão uma monção parlamentar contra “a maneiro lamentável pela qual fora demitido do cargo de Questor Policial, o Doutro Francisco Xavier Guedes Pereira”, o deputado Aureliano Lins se utiliza de frases que redimensionavam as situações históricas passadas, que ainda cintilavam no imaginário coletivo, para formar imagens que traduziam, ao plano de emergência daquele momento, a possibilidade da utilização de atos golpistas, como “o momento em que nossos soldados subiram na noite gloriosa de 18 de dezembro de 1891 (quando fora deposto o Barão de Contendas)”. Entretanto, o imediato “rompimento da Câmara com o depositário do poder executivo” proposto, fora considerado excessivamente radial pelo deputado Esmeraldino Bandeira a que a ação do governador não significava “falta alguma, nem teve a intenção de desprestigiar o partido republicano”. Isso porque, “o governador

120 ainda não nomeou inimigos nossos para cargo algum”, o que para o parlamentar expressava uma peremptória “prova de que governa conosco que o elegemos para manter em Pernambuco a verdadeira causa republicana”. Lembrando aos presentes que a monção posta em votação era “de pouco valia”, o legislador Moreira Alves indicaria, como punição “a esse ato impolítico e desastroso de nos ter retirado o cargo mais importante de imediato auxiliador do governo”, que fosse “negado tudo quanto Sua Excelência julgar necessário à sua administração, mesmo que paralisemos o Estado”. Uma vez que “o mais importante é que ele faça uma administração mais humana”, isso é, “mais de acordo com as conveniências do partido republicano que são as conveniências do Estado, e devem ser as de Sua Excelência que governa”. Por ora, seria enviado, conforme proposta do deputado Eduardo Tavares, não uma declaração de rompimento, mas apenas “uma censura”, isso porque “nós sabemos como foi feita a nomeação do senhor Guedes Pereira, uma verdadeira imposição partidária”. O que fazia sobressair, segundo o deputado e tenente Eugenio Bittencourt, as semelhanças entre este grupo político e o governador Barbosa Lima que, no discurso deste deputado militar, era representado como um gestor despreparado, ambíguo e traiçoeiro porque quando não era “conhecedor bastante do pessoal político deste Estado, e querendo estar de acordo com o partido dominante, fez a nomeação por todos nós acatada e, agora, efetua a demissão que, do modo como foi feita, enfraquece este grupo”. Porém, afirmava Bittencourt, poucas diferenças havia entre Barbosa Lima e o Partido Republicano, uma vez que “a situação atual é tão anormal e desvirtuada como à anterior, da Junta Governativa”400. Não recebendo do governador qualquer sinal de redirecionamento de sua intenção de reservar a si o controle administrativo, antes amargando progressiva perda de prestígio não apenas entre os servidores públicos, não mais nomeados e demitidos por conveniências de seu partido, mas, especialmente, em meio aos seus pares, Martins Junior, em sessão tumultuada no Congresso Estadual apresentaria sua versão sobre a ruptura com governador que, continuava a evidenciar, “fora eleito pelo generoso Partido Republicano”. No entanto, diferentemente do discurso do governador, que emitia um sentido à ação do líder dos republicanos históricos como prova de partidarismo e apego mesquinho ao controle dos cargos públicos, Martins Junior alegava que a ruptura teria sido motivada pelas ações de “deslealdade” e falsidade do governador nas sucessivas

400 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 27 de maio de 1892. 121 remarcações das eleições municipais e ao Congresso Nacional. Dizendo-se confiado na palavra que teria dado o governador, em 08 de junho, de que “nem ao menos pensava na possibilidade de remarcar o pleito”, Martins teria escrito “aos amigos do interior” para “aconselhar e garantir as eleições”. Contudo, o governador passaria a expressar “a intenção de modificar a lista dos candidatos ao Senado e Câmara Federal”, substituindo o nome do senhor Ulysses Viana por José Joaquim de Almeida Pernambuco, republicano histórico com menor submissão à figura de Martins Junior. Segundo alegação de Barbosa Lima, tal nome teria sido sugerido pelo próprio Floriano Peixoto ao declarar, numa carta enviada ao chefe do executivo estadual, que mesmo não querendo “interferir na política do Estado” era de sua “satisfação” o nome do senhor Joaquim Pernambuco. Uma indicação não aceita por Martins que, numa divergência discursiva, justifica sua resolução ora por ser “devotado e fiel aos compromissos pessoais e políticos com o amigo Ulysses Viana”, ora porque segundo sua interpretação tal suposição teria sido elaborada por Aníbal Falcão e ele “não poderia consentir que na política interna de Pernambuco prevalecesse a vontade do Sr. Aníbal Falcão” seu “desafeto pessoal e inimigo político”, passando a dirigir “aos amigos e especialmente ao ilustre Sr. Dr. Sigismundo Gonçalves, de modo a prevenir-lhes da traição oficial”401. Aproveitando-se de tal encenação em que os republicanos históricos apresentavam tantas subdivisões, Barbosa Lima elabora uma estratégia discursiva que, de modo subjetivo, representa, no título de seu discurso, o grupo político que se opunha à sua administração como supostamente falsos republicanos. Políticos ultrapassados, “divorciados dos ensinamentos da doutrina do bem comum”, que emitiam em suas práticas “a permanência dos vícios arraigados que a Monarquia infiltrou nos nossos costumes políticos e que desacreditam a política”. Contra estes, se levantariam “os verdadeiros republicanos” para “não lhes dar trégua pela falta de cumplicidade nas criminosas práticas que se não compadecem com o regime republicano”, querendo se utilizar dos cargos públicos como “trincheiras eleitorais”. Desde a chegada de Barbosa Lima, este grupo político, que havia legado uma precária situação financeira e da instrução pública ao tempo da Junta Governativa, teria formulado “vários discursos exaltados, na intenção ridícula de me julgar subordinado continuamente ao Dr. Martins Junior, ou se desencadearia a fúria do avesso parlamentar”. Uma imposição que seria plenamente rechaçada no instante em foram demitidos vários “amigos e correligionários

401 DORBPPCB, Folheto. “A monção parlamentar do dia 18”, proferida pelo deputado Isidoro Martins Junior, em 18 de junho de 1892, Tipografia do J10 de agosto de 1892. 122 dos republicanos históricos”, não como retaliação mesquinha do governador, mas “porque não poderia deixar de ser uma vez que”, segundo Barbosa Lima, constituíam “a quase totalidade das autoridades que encontrei nomeados pela Junta”. E, na introdução de uma “real moralidade administrativa”, muitos tiveram que de deixar o serviço público pela falta de capacidade. Quanto aos adiamentos das eleições, alegadas por Martins Junior como o principal motivo da ruptura, o governador afirmava que, ao contrário do que havia afirmado Martins, “não é verdade” que teria dado a sua palavra que não adiaria as eleições. Apenas que no momento em que fora questionado por Martins Junior “não tinha suficientes motivos para isso”, do mesmo modo que fora este líder quem o havia procurado para saber se os nomes da sua chapa “agradariam ao Marechal Floriano”, ao que o governador teria respondido que “lamentava a ausência do Doutor Joaquim Pernambuco por considerar que este nome unificaria o Partido Republicano”. Entretanto, reforçando sua tese do apego partidarista dos martinistas aos cargos públicos como a verdadeira causa do rompimento com o Congresso, afirma que a “irritação do senhor Martins Junior, que se supõe chefe, fora na verdade pelas demissões feitas sem uma previa comunicação, principalmente de seu amigo Francisco Xavier Guedes Pereira”. Uma exoneração que havia provocado a organização de uma comissão formada pelos líderes do Partido Republicano que ainda acreditava numa possível imposição de submissão do governador por lhe ter “dado o seu voto”, como alegava o “arrogante Barão de Arariba”, tendo com resposta que nem a ele “nem a nenhum daqueles senhores” o escolhido do Poder Central era devedor. Ao mesmo tempo em que ocorria tal encontro no Palácio, “alguns amigos do Doutor Martins iam pelos quartéis tentando arrastar a tropo para a minha deposição” e no Congresso o deputado Aureliano Lins apresentava uma monção parlamentar que “mostrou a insinceridade do senhor Martins Junior que estava presente no edifício, e mesmo não tendo votado declarava ser a favor”. Assim, como “uma questão de amor próprio de chefe ferido na vaidade de lord protetor que se supunha e que verificava não encontrar a passividade em mim”, encaminhava o encerramento “da cordialidade de nossas relações” com mais uma das “duras provas que fui tendo dia-a-dia de sua deslealdade com que ele procedia comigo”, ao não se empenhar, “como me prometera em favor pessoal”, na aprovação da questão da prorrogação do contrato entre o Estado e

123 a empresa de iluminação a gás”402 que abasteciam algumas cidades, a exemplo da capital pernambucana403. Ambas as produções discursivas dos líderes institucionais, em última instância, manipulavam significações como se estas fossem fundamentais ao sistema republicano, devendo provocar imediata adesão e alinhamento popular em devoção a um dos lados da bifurcação pública. Uma atitude nada facilidade tendo em vista que nos conjuntos de representações e atitudes deles, e das redes políticas e sócias às quais estavam unidos, emergiam as semelhantes formações discursivas e ideológicas. Produzindo, nas encenações sobre as motivações que teriam determinado a desconstrução de uma suposta aliança “cordial”, efeitos de sentido de um plano que teria emergido sem que lhes tivesse sido oferecido outra escolha que não fosse uma ruptura brusca. Assim, apoiados numa linha argumentativa de exposição serena dos fatos, os “humildes” locutores estariam diluídos numa árdua missão de derrotar “inimigos” não seus, mas do progresso da República, como se este fosse um desejo generalizado a todos que, doravante, deveriam ser ancorados a uma dada imagem de ideal de poder público encontrado em um daqueles que figurariam como opostos. Deste modo, o chefe do executivo pernambucano buscaria, através das páginas do seu jornal aliado e nos documentos oficiais, apresentar sua gestão com contornos de progresso, ordem e independência para com os demais poderes, especialmente o Congresso. Sempre buscando evidenciar a herança das gestões anteriores e seu modelo próprio de gerenciamento governamental, não apenas respondendo às requisições enviadas pelos legisladores, mas, especialmente, às solicitações que lhes eram enviadas pelas autoridades municipais, pela população em geral e, principalmente, às investigações que fazia pessoalmente nas repartições públicas, de modo a figurar como um governante extremado pelo bem de seus protegidos. Logo que o Congresso lhe envia solicitação para que seja verificada a possibilidade da água potável, canalizada pela Companhia Beberibe, estar prejudicando a saúde pública da população recifense, bem como sobre a atual exploração da ilha de Itamaracá por interesses privados404, Barbosa Lima, compreendendo a intenção dos

402 “A solução aconselhada pelo Senhor Barbosa Lima seria muito favorável aos interesses pecuniárias do Senhor Fielden Brotheres, dando prejuízo ao Tesouro e à população do Recife”, Jornal do Recife, 26 de maio de 1892. 403 DORBPPCB, Folheto “O governador de Pernambuco. Aos verdadeiros republicanos”. Tipografia de Manuel Figueiroa de Faria e Filhos. Recife, 24 de junho de 892. 404 APEJE, Secretaria da Câmara dos Deputados do Estado de Pernambuco. “A Câmara comunica ao governador que, em sessão do dia 18 de junho, fora solicitado informações sobre o abastecimento de água 124 legisladores em mostrá-lo conivente com os desvios cometidos por possíveis aliados seus, como os autonomistas405, não apenas faz publicar os resultados das pesquisas sobre a qualidade da água potável oferecida à população406 como solicita que igualmente fossem de conhecimento público as informações sobre suas ações de coação às práticas patrimonialistas e criminosas do antigo governador Correia da Silva407. Entretanto, quanto à política econômica empreendida pelo Barão de Lucena e pelo próprio Correia da Silva, Barbosa Lima seguiria no processo de formalização dos empréstimos fornecidos pelo Estado às usinas. Apenas fazendo evidenciar que as informações sobre tal questão deveriam ser permanentemente repassadas pelo Inspetor do Tesouro do Estado, ao governador408. Não fosse o bastante, Barbosa Lima aumentaria “assustadoramente o teto dos empréstimos, chegando a fornecer 900 contos à Usina Catende”. E “quando alguns usineiros se negam a pagar seus empréstimos, a única medida tomada pelo governador foi aumentar os juros de mora”, o que favorecia “o beneficiamento da nova camada da aristocracia açucareira de Pernambuco a se consolidar economicamente”409. Assim como, alegando a “solicitação da população”, passaria a interferir nos “domínios” dos republicanos históricos, as administrações dos municípios, especialmente, no Recife. Promovendo encontro com o gerente da empresa de iluminação a gás carbônico desta capital, o Prefeito e o presidente do Conselho Municipal da capital pernambucana, a Associação do Comércio, o questor policial, o engenheiro de obras públicas e a junta de tesouraria do Estado para “atender às necessidades da cidade do Recife”. E como “o governador não tenha sido, até hoje, a esta capital e fiscalização da Companhia do Beberibe, assim como a regulamentação do abastecimento de água e exploração de Itamaracá”, 20 de junho de 1892. 405 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), A permissão para exploração das terras de Itamaracá, com fins de produção agrícola e industrial, foi concedida ao senhor José Joaquim da Costa Maia pelo governador Antonio Correia da Silva, em 28 de janeiro de 1891. 406 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo governador Alexandre José Barbosa Lima, 1893, Segundo a conclusão dos técnicos contratados pelo governador, a água da cidade do Recife apresentava elevado nível de chumbo proveniente do contado que a água tem com os canos fabricados com chumbo não puro, o que facilita sua oxidação. Deste modo, é solicitada a troca dos canos velhos por canos de chumbo puro. 407 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, Em denúncia formulada pelos martinistas, em 28 de maio de 1892, o ex-governador Antonio Correia da Silva, logo após deixar o cargo, “tirou do Palácio do Governo uma mobília junco e uma secretaria em jacarandá no valor de, aproximadamente, 720$000 (setecentos e vinte mil reis). Entretanto, o deputado Tenente Domingos Alves Leite, aliado do governo, solicita que “toda a população seja informada que ao ser informado Barbosa Lima logo determinou ao desembargador a restituição imediata dos moveis, ou o valor equivalente”, 13 de junho de 1892. 408 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 19 de maio de 1892. 409 CARONE, Edgard. A República Velha. Instituições e classes sociais. Op. cit., p. 56. 125 armado pelo Congresso dos recursos indispensáveis para efetuar a aludida substituição”, resolve prorrogar, por mais seis meses, o contrato firmado com a atual fornecedora de energia. Do mesmo modo, justificando ter “verificado pessoalmente irregularidades e acentuada imperfeição no serviço de policiamento oferecido à população, que se aproxima dos 150.000 habitantes”, decreta “uma melhor distribuição dos praças”, uma vez que nesta cidade “há um praça para cada 560 pessoas”410. Mas nenhuma oportunidade para uma definitiva intervenção do chefe do executivo estadual poderia ter sido mais propícia do que os acontecimentos no Mercado de São José. Numa expressão do modo como a população, muitas vezes, era marginalizada das decisões políticas apenas quando tal enfadonho universo não atingia, de modo mais incisivo, seu cotidiano, uma multidão se revoltaria contra o aumentando os tributos municipais, baixado pelo orçamento apresentado pelo Prefeito Ribeiro de Brito. Aborrecidos com tal atitude, locatários do Mercado Público de São José, “que não encontraram acolhida amiga por parte do Prefeito”, e conhecendo a crise existe entre os poderes públicos, resolvem “procurar atrair a simpatia de Barbosa Lima” que, como um pai providencial, “ouvi-lhes as reivindicações e promete atender-lhes”411. Considerando “os protestos grandiosos como justas queixas por parte da população”, Barbosa Lima, promovendo uma encenação em que era evidenciada a necessidade de proteção desta população, procurou o prefeito que “se negou a entrar em acordo com o governo no sentido de minorar os efeitos desta situação”. Diante de tal situação o governador, amparado pelo fato de que os Conselhos Municipais ainda não tinham sido legalmente eleitos, decretou a suspensão do orçamento aprovado pela gestão municipal, voltando a vigorar o que existia em 1891412. Este grupo político, buscando minimizar o progressivo divórcio com a sociedade, de modo a se utilizar da massa popular no embate iminente com o governador, informa que “os impostos já tinham sido suspensos”, significando a atitude do governador como “pura expressão ditatorial” que servira apenas para os marianistas puderam dar uma “prova de que os deletérios já podiam proclamar abertamente sua união como o senhor Barbosa Lima”, o que, segundo o diagnóstico do discurso do

410 DAPPH, Coleção das leis e decretos do Estado (1892-1899), 29 de junho de1892. 411 PORTO, Costa. Op. cit., p. 67. 412 DAPPH, Coleção das leis e decretos do Estado (1892-1899) 10 de agosto de1892. 126 grupo político declinante, “decreta que voltaremos aos dias em que o cidadão não tinha garantias à sua vida”413. Além da aproximação, cada vez maior, dos marianistas, a rede de apóio político do governo fixou sua união com o órgão de opinião publicada dos “elementos conservadores”. Isso porque Barbosa Lima rescindiu o contrato firmado com o Jornal do Recife, por considerar que este órgão da imprensa local havia “infringido a cláusula 12ª, ao fazer oposição sistemática ao governo e à ordem pública com artigos subversivos”, sendo contratado para o seu posto os serviços do Diário de Pernambuco414. Caberia então a este jornal, de modo mais ostensivo, servir ao governo local na produção de uma imagem do contexto político-social favorável ao chefe do executivo. Desse modo, encenaria a reação popular às atitudes recente do governador como de “estrema felicidade expressa pelos aplausos”, enquanto os republicanos históricos, representados pelos jornais “Jornal do Recife e Gazeta da Tarde, órgãos dissidentes” mostrariam uma completa discordância com o que provocava a “alegria” da sociedade. Assim, o jornal governista elabora um diagnóstico em que “a ação do governo” é apontada como “correta uma vez que a autonomia dos municípios (afiançada pelo artigo 118º da Constituição Estadual) não é independência absoluta, antes é preciso que todos os municípios saibam que o governador é o administrador supremo do Estado”415. Entretanto, nesse cenário deveria ser preservada a manutenção do direcionamento comportamental passivo da população, especialmente daquelas classes sociais que se haviam revoltado. Declarando que “a população pode manifestar-se contra o mal que lhes aflige de outro modo, que não fosse com tantos excessos”416, ao menos quanto tais “excessos” não interessassem a rede política a qual pertencia o Diário de Pernambuco. Montado o teatro político de modo favorável, o governador não cessaria sua intervenção apenas na capital pernambucana, antes evidenciaria como no tempo da Junta Governativa “foram arbitrariamente constituídos os municípios durante o regime político anterior, sem cogitar regras que verificassem a existência real de recursos”. Tão somente interessados em “atender as exigências dos chefes políticos locais, criando vilas e municípios de tal forma que dos 66 municípios de Pernambuco, de 61 é quase

413 Jornal do Recife, 10 de agosto de 1892. 414APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 28 de junho de 1892. 415 Diário de Pernambuco, 11 de agosto de 1892. 416 Diário de Pernambuco, 13 de agosto de 1892. 127 impossível obter informações sobre as rendas efetivamente arrecadas desse último decênio”. Uma “criação artificial que serve apenas à politicagem”, mas em nada favorável a população que continua “sem condições de vida, quase indigentes, sofrendo com uma pobreza em par com a ignorância”. Nesse quadro de representação de práticas clientelistas dos republicanos históricos, Barbosa Lima promove a dissolução dos Conselhos Municipais, nomeia interventores “para organizarem os serviços que por força da Constituição Estadual passaram do Estado para os Municípios” e determina eleições, a serem realizadas em 30 de setembro de 1892, para Prefeito, vice-prefeito e Conselhos Municipais417. Decretos plenamente aprovados pelos jornais que formavam sua rede de apóio, composta não apenas pelo Diário de Pernambuco como também pelo jornal O Estado de Pernambuco, pertencente ao marianista Gonçalves Maia, que, conforme evidenciara o Diário, havia produzido uma interpretação à atitude do governador como uma representação do intuito do chefe do executivo em “moralizar a administração pública”418. Mas, para o jornal dos republicanos históricos, a retirada dos Conselhos Municipais, escolhidos ao tempo da Junta Governativa419, significava uma “ação ditatorial do Senhor Barbosa Lima”420. Para rechaçar tal atitude “criminosa” do governador, Martins Junior envia, pelas mãos do chefe do diretório do Partido Republicano de Pernambuco, Albino Meira, solicitação a que o Congresso Federal julgue o governador. Enquanto isso, passariam a organizar reações armadas em vários municípios do interior do Estado com o objetivo de impedir a posse dos dirigentes municipais que seriam enviados pelo governador. Entretanto, em nenhuma localidade a conjuração contra as ordens do chefe do executivo pernambucano fora tão intensa como no município de Triunfo onde a sublevação, liderada pelo deputado Antonio Corrêa da Cruz e pelo padre Lourino Douettes, ficaria conhecido como “a Revolução de Triunfo” ou, como o preferia rotular Corrêa da Cruz, “O movimento patriótico do Município de Triunfo”. Na capital pernambucana, os congressistas, a um longo tempo, faziam veementes acusações emitindo ao governador uma representação de líder ateísta que, “desrespeitando as crenças católicas da ilustre sociedade pernambucano, mandou retirar

417 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 15 de agosto de 1892. 418 Diário de Pernambuco, 18 de agosto de 1892. 419 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 18 de janeiro de 1892. 420 Jornal do Recife, 10 de agosto de 1892. 128 do Palácio imagens da religião do povo”421. Ao mesmo tempo em que preparavam projetos para minimizar a utilização da força de segurança pública pelo governador ao considerarem “a necessidade de Pernambuco ter um Corpo de Polícia composto de cidadãos moralizados e que possuíssem a estabilidade para não ficarem sujeitos a demissões por qualquer capricho de influência partidária”422, além de remover a existência da Questura Policial, fazendo voltar a Secretaria de Segurança Pública com menor submissão ao chefe do executivo423. Deflagrado o conluio em Triunfo, os líderes locais podiam trabalhar não apenas com um cenário de perseguição política, mas também religiosa. De tal forma que este levante, que conseguiu “conquistar um tão grande número de correligionários”, fora comparado, segundo interpretação do historiador Mario Melo, àquele que futuramente seria promovido por Antonio Conselheiro. Para manter tão sublevação, Martins Junior enviava constantemente cartas não assinadas, mas que, pela letra, denunciavam sua autoria. Em tais correspondências garantia que Barbosa Lima estava “perdido de todo” pelo iminente apoio de Floriano Peixoto aos republicanos históricos, e que tudo estaria resolvido na abertura do Congresso, em 06 de março de 1893, quando “hei de forçar o Governo Central a ser por nós ou contra nós definitivamente”. Quanto à ausência de publicidade, “na imprensa amiga (Jornal do Recife e Gazeta da Tarde)”, para promover sua articulação, “era justificada por Martins pelo perigo de qualquer coisa a este respeito”424. Isso porque, Barbosa Lima não ficaria sem reagir à ameaça de seus opositores, antes, “considerando que a Guarda Local, repassada aos municípios em 09 de outubro de 1890, não correspondiam satisfatoriamente às exigências do policiamento”, resolve dividir o Estado em 04 regiões, delegando justamente ao município de Triunfo uma quantidade de praças, 35, somente inferior àquela reservada à capital pernambucana, 207, e ao Quartel Central, 101425. Somente após retornarem às suas atividades, em 06 de março de 1893, os martinistas puderam utilizar o Parlamento Estadual para “denunciar” o que o deputado Octavio Hamilton Tavares Barreto considerava como “reação funesta, ridícula e

421 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 06 de junho de 1892. 422 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 23 de junho de 1892. 423 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 01 de julho de 1892. 424 Revista do Instituto Histórico e Geográfico. Recife: volume 39, p. 189. MELO, Mario. “O Movimento Patriótico do Município de Triunfo”. 425 APEJ, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 01 de outubro de 1892. 129 prepotente de um ditador (Barbosa Lima) que assalta a autonomia dos municípios com sua prostituta espada fazendo ataques de perseguição às famílias, cometendo prisões e assassinatos apenas alegando, falsamente, o crime de rebeldia em localidade como Triunfo”426. Isso porque, para encerrar ou impedir a expansão da conjuração dos municípios em defesa dos republicanos históricos, Barbosa Lima reconstruía, em seus pronunciamentos oficiais e na imprensa aliada, situações passadas na história pernambucana para reelaborar a interpretação sobre o período de maior pujança dos martinistas, o golpe de 18 de dezembro de 1891. Representando-o como “lutosa deposição do governo deste Estado, gerando penúria, dúvidas, incertezas e sustos de terror na população ameaçada pelo furor das paixões partidárias que dissolvem todos os laços da disciplina social, erguendo o despreparo da autoridade”. Assim, fazendo emergir do imaginário social tal acontecimento que deu início à desastrosa gestão da Junta Governativa, cujos erros constantemente eram manifestos nos relatórios do Palácio do Governo, o discurso do chefe do executivo impunha a emergência em ver a conjuração interiorana encerrada. Impondo a este movimento contornos conspiratórios daqueles que se deixavam usar “pelo cobiça e desrespeito”, afirmava que “tudo indica a existência de um plano que consiste em sublevar os municípios do interior do alto sertão para permitir a escalada do poder”, e, de modo mais acentuado, “nos municípios de Triunfo e Floresta, sertanejos iludidos pelo padre Douette tomam armas para vencer o destacamento do governo, confiscar a correspondência oficial e impedir a comunicação com a capital”. Diante de tal ameaça golpista, Barbosa Lima se apresentava como um dirigente que apenas estaria “respondendo aos homens ordeiros pelos que pedem que o governo livre eles e suas famílias dos perigos”, assim como para fazer cessar as ameaças produzidas desde a capital pernambucana onde “os instigadores das insurreições do sertão redobram os esforços para retirar o governador”. Ao utilizar a expressão “homens ordeiros” o autor do discurso se referia àqueles indivíduos que exerciam o papel modelo de comportamento, plenamente inseridos na classificação, distinção, imposta à ordem social criada e “defendida pelos interditos”427. E como “prova” da culpabilidade que seus adversários recebiam, Barbosa Lima evidenciava sua situação de vítima ao ter recebido do Comandante do 14º Batalhão da Infantaria, e também Senador Estadual, Julião Augusto de Serra Martins, “ordens a que eu me

426 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 06 de março de 1893. 427 BALANDIER, George. Op. cit., p. 43. 130 considerasse preso no Palácio do Governo sob o falso crime de lhe ter insultado nas páginas do Jornal do Recife”428. Diante do ocorrido, o Ministro da Guerra, Francisco Antonio de Moura, substituto de Custódio de Melo, ao ser informado de que “o Coronel Serra Martins teria prendido o capitão Barbosa Lima, governador deste Estado, por tê-lo insultado em lugar público (e não no Jornal do Recife, como alegara o governador)”, afirma que “o Marechal (Floriano Peixoto) declara-vos que Barbosa Lima não se acha aí em serviço militar e sim investido da autoridade de Governador”. Entretanto, ao mesmo tempo em que afiançava que “a desavença entre eles não pode ser resolvida pelo Governo Federal”, para não comprometer o Poder Central, aponta sobre quem recaia sua simpatia ao “aconselhar o Coronel Serra Martins que, fora do exercício de Senador, não intervenha nas questões políticas”. Somente depois desse pronunciamento Roberto Ferreira, Comandante do Distrito Militar, “passou a adotar uma linha de mais equilíbrio”, enviando a Barbosa Lima ofício em que informava ter Serra Martins “agido nos negócios públicos sem o seu consentimento”, e como punição o referido comandante seria suspenso de suas funções429. O que favorecia o propósito de Barbosa Lima em demonstrar a fragilidade da base dos martinistas, se diferenciando de tal grupo pelos elementos que compunham sua rede de apóio e, especialmente, por sua gestão. Assim, tratando do alto índice de analfabetismo que atingia cerca de “80% da população”, Barbosa Lima se utilizaria da instrução pública como veículo para manifestação de sua conhecida devoção aos princípios positivistas, impondo às instituições de ensino a objetivação do progresso “do Estado”. Apoiando sua atuação no relatório produzido pelo Inspetor de Instrução Pública, Felipe Figueroa, que evidenciara a continua precariedade de escolas onde “faltam à fiel observância das leis pedagógicas e das instruções cívica e moral utensílios técnicos indispensáveis aos ensinos preliminares na matemática”, além de que “professores, muitos vezes, exercem o magistério sem terem vocação ou mesmo diploma”430. Diante desse cenário, o governo propõe uma reforma na educação pública estadual para moldá-la às necessidades da nova ordem. Representando-se como “advogado dos professores”, promovia os mestres à condição de julgadores não das atitudes do governo, mas das ações que foram ou

428 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo governador Alexandre José Barbosa Lima, 06 de março de 1893. 429 PORTO, Costa. Op. cit., p. 78. 430 Relatório do Inspetor Geral da Instrução Pública, Filipe Figueiroa de Faria Sobrinho, apresentado ao Excelentíssimo Senhor Governador de Pernambuco. Alexandre José Barbosa Lima, 15 de fevereiro de 1893. 131 seriam aceitas entre os docentes estaduais que passariam a ser “identificados” entre os “não portadores de clara vocação” e aqueles que participariam “na missão do governo” como “delegados literários”. Tendo como função “fiscalizar e informar sobre a marcha do ensino e quando os chefes políticos tentassem se utilizar das escolas para extorquir votos e converter rebeldes” não apenas contra o governo, mas em oposição à modernidade por ele representada. Contudo, o envolvimento dos professores não se daria apenas baseado em “adesões ideológicas” uma vez que, como lembrava o governador, “os professores que passaram a servir nos municípios tem seus vencimentos equiparados ao de serventes, tendo em vista a deplorável condição financeira dos municípios”431, necessitando continuarem no quadro funcional do Estado. Assim, pouca resistência teria ao estruturar o direcionamento educacional “por critérios técnicos”, privilegiando a obtenção de materiais para laboratórios de química e física “num ensino prático acompanhado pela teoria e trabalhos manuais que familiarizassem os alunos com a tecnologia”432. Contribuindo na elaboração de um cenário favorável ao direcionamento educacional pretendido pelo governador, o jornal governista encenava a “extrema necessidade” de profundas modificações no espaço público da capital pernambucana. Alegando que era “árduo à sociedade recifense ter de conviver com graves problemas pela falta de planejamento na construção das habitações”, gerando “sérias dificuldades à saúde da população”. Uma situação provocada porque se no princípio “fizeram construções quase a esmo sem um alinhamento perfeito e regular, como se poderá observar na maior parte das ruas tortuosas e estreitas, nesses becos imundos e irregulares como no bairro do Recife, o antigo Conselho Municipal (composto por republicanos históricos) consideravam a cidade como uma das mais atraentes cidades brasileiras”, enquanto ao povo a cidade vivenciada era, acima de tudo, um “foco de infecção”. Suas construções “nada modernas não atendiam aos princípios mais rudimentares da higiene”, com “ruas muito estreitas, casas baixas sem ventilação em que não se pode respirar um ar livre, pelo contrário, uma atmosfera mortífera e

431 DAPPH, Requerimentos ao Congresso Estadual. Num abaixo assinado, professores públicos primários, antigos no exercício do magistério, que tinham sido aproveitados pelo Estado para servirem por conta dos municípios, reclamavam que estes não queriam indenizá-los das gratificações, se mobilizam para requerer à Assembleia que permitam aos suplicantes continuarem a receber pelo cofre do Estado, 27 de abril de 1893. 432 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo governador Alexandre José Barbosa Lima, 06 de março de 1893. 132 inteiramente carregada”433. Além disso, o governador evidenciava que “as escolas tem de alugar edifícios para funcionar”, tornando justificáveis suas ações e, de maneira especial, o investimento para criação da Escola de Engenharia, em 1895. Mesmo não tendo conseguido operar grandes alterações no Tribunal de Justiça do Estado, ainda repleto de aliados dos republicanos históricos, quando excluiu “alguns magistrados que foram escolhidos pela Junta”434, Barbosa Lima atingiu seus adversários em seu maior reduto, o controle das funções legislativas do Estado. Para burlar o impedimento constitucional435, alegava não ter recebido resposta do Congresso desde o momento em que se negou a sancionar o projeto orçamentário enviado pelos deputados e enviou, “desde 04 de agosto de 1892”, nova proposta orçamentária. Desse modo, “decreta estar o orçamento de 1892 prorrogado para o ano de 1893, até reabertura do Congresso no dia 06 de março de 1893”436. Uma atitude que mesmo tendo recebido contornos de constitucionalidade437, seria representada como “irregularidade pública”438 pelo jornal de oposição. Enquanto aos aliados significaria o único caminho ao qual o governador “fora obrigado por estar diante de um Congresso que é representante de um partido que chegou ao poder meios extraordinários, e quer apenas consolidar-se na suprema direção do Estado, se enveredando no caminho esterilizador do partidarismo ao tentar impedir que o governador siga seu programa de felicitar o Estado com uma administração moralizada pelo fiel cumprimento da lei”, mesmo que para isso o Congresso tivesse de “romper os laços da solidariedade com a administração pública e com a população, que já admirava o governo atual por vê-lo seguir sem os conselhos dos legisladores”439. Não fosse apenas a sucessiva perda de espaço nos postos de comando oficial, Martins Junior amargaria uma diminuição de seu prestígio desde dentro do Congresso, limitando ainda mais sua capacidade de reação. Na primeira sessão parlamentar do ano

433 Diário de Pernambuco, 11 de janeiro de 1893. 434 APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo governador Alexandre José Barbosa Lima, 06 de março de 1893. 435 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 17 de junho de 1891, artigo 36º: “Compete ao Congresso Legislativo: 1º) fazer leis, suspender ou revogá-las; 2º) fixar anualmente a despesa e orçamento do Estado”. 436APEJE, Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo governador Alexandre José Barbosa Lima, 1891, 06 de março de 1893. 437 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 17 de junho de 1891, artigo 12º: “As sessões anuais (do Congresso) durarão 03 meses, podendo ser prorrogadas por mais 30 dias, caso não tenha votado as leis orçamentárias, o governo do Estado poderá prorrogar as do ano anterior”, da Constituição Política do Estado de Pernambuco, aprovada em 17 de junho de 1891. 438 Jornal do Recife, 19 de agosto de 1892. 439 Diário de Pernambuco, 07 de agosto de 1892. 133 de 1893, os martinistas preparariam um “processo de julgamento do Governador do Estado pelos crimes de responsabilidade, ao ter assumido atribuições que são da competência do Poder Legislativo”. Não seria fácil, contudo, ao líder político conseguir a adesão dos legisladores, devido o crescente número daqueles que se mostravam cada vez mais simpatizantes como o governador e desiludidos com o Congresso. Isso porque, segundo o deputado José da Cunha Rabelo “esta Assembleia é incapaz de governar o povo”, cabendo “ao Poder Executivo, investido pela Constituição, governar de modo independente e autônomo”440. Mesmo assim, os martinistas conseguem não apenas que seja aprovado, sem votos contrários, na Câmara este processo, conhecido como Lei 65, como também fazer o Senado incorrendo em grave erro no direito constitucional441, ao ter enviado notificação ao governador de que “o vice-governador Ambrósio Machado da Cunha Cavalcante deveria assumir imediatamente as funções do governo deste Estado442. O que, segundo o governador, em discurso retransmitido à população pelas páginas do Diário de Pernambuco, constituía “mais um atentado contra a Constituição do Estado uma vez que a sentença fora imposta a ser cumprida sem o julgamento prévio do Tribunal competente”. Alegaria, então, “não temer este Congresso faccioso que não poderá ser obedecido porque acima dele está a Constituição do Estado, e esta, assim como a Pátria Pernambucana, está do meu lado”. Mas, para evidenciar que, caso necessário, o governador contava com amplo apóio da força de segurança pública, o jornal expõe, logo abaixo da mensagem de Barbosa Lima, assinaturas dos Corpos de Polícia e Esquadrão de Cavalaria em que afiançavam somente obedecer “Barbosa Lima que é o legítimo governador”. Assim como o Corpo Municipal de Polícia do Recife que, buscando ridicularizar a atitude de Ambrosio Machado em aceitar-se governador, classificaria tal atitude como prova de que vice-governador estaria “sofrendo com sua mentalidade enferma”443. Não fosse o bastante, o jornal governista oferecia grande destaque aos telegramas que chegavam do interior declarando disposição “para resistência constitucional contra o decreto do poder Legislativo”444.

440 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 06 de março de 1893. 441 Brasil. Constituição Política do Estado de Pernambuco (1891), aprovada em 17 de junho de 1891, artigo 125º: “Todos os funcionários públicos do Estado e Municípios, serão responsabilizados civil e criminalmente perante a Justiça do Estado por prevaricar, abusar ou interferir no exercício das funções das demais repartições”. 442 APEJE, Secretaria do Senado do Estado de Pernambuco, 07 de maio de 1893. 443 Diário de Pernambuco, 07 de maio de 1893. 444 Diário de Pernambuco, 09 de maio de 1893. 134

Afiançado por tais emissões de apoio local, Barbosa Lima escreve ao então Ministro das Relações Externas, e também jurista, Felisbelo Firmino de Oliveira Freire, encenando um quadro de perseguição e medo produzido pelo Congresso “que me impõe suspensão do exercício de meu cargo pelo crime único de dissolver os Conselhos Municipais”, e que tem produzido “intensa indignação nos municípios que estão armados e preparados para fazer valer autonomia local”. Porém, numa expressão de que ainda era considerado como possuidor único do mando local, afiançava que “felizmente nada farão sem uma palavra minha”, e que “nem assim atentarei contra o Congresso”, apenas não se responsabilizaria se o “governador intruso (Ambrosio Machado) cometer qualquer ato contra o governo”, então “serei obrigado a prisão pelo ato de sedição” e “não poderei evitar a guerra”445. Ampliando a gravidade das ações dos martinistas, Barbosa Lima representaria não apenas uma oposição ao governo local, mas uma contestação da legitimidade de todo o conjunto de instituições, valores e forma de exercício que anima a vida política republicana, ao afirmar que estaria ameaçado o regime recém implantado. Isso porque seus adversários haviam conseguido que, “por ordens do senhor Serzedello446, o armamento que viria para garantir a sustentação da República fosse desviado para a Fortaleza do Brum”447. Entretanto, as acusações de ilegalidade, pelo exercício do poder fora do âmbito e da conformidade das leis estabelecidas, ou pelo menos aceitas; e ilegitimidade, devido ausência da capacidade em produzir consenso, sem apóio da força ou auxílio externo, não foram apenas atribuídas ao Congresso pelo Governador, mas igualmente seriam repassadas por este ao Poder Judiciário Estadual. Uma vez que, segundo Barbosa Lima, este poder local também não estaria investido da legitimidade e legalidade devido à manipulação por ele sofrida no tempo da Junta Governativa448. Assim, não poderia aceitar ser julgado pelo Tribunal Estadual por considerar a possibilidade de que “Ambrosio trate de reunir ou tentar reunir esse poder judiciário excepcional e

445 Telegrama do governador Alexandre José Barbosa Lima ao Ministro das Relações Exteriores, Felirbelo Freire, 26 de abril de 1893. In: FREIRE, Felisberto. História da Revolta de 06 de setembro de 1893. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p. 143. 446 Segundo Afonso de Albuquerque Melo, os então Ministros da Marinha e da Fazenda, Custódio José de Melo e Serzedelo Corrêa, apoiariam as ações de Martins Junior pela deposição de Barbosa Lima, na esperança de que este pudesse auxiliá-los na candidatura à sucessão de Floriano Peixoto. DP, 15 de abril de 1893. In: COSTA, Porto. Op. cit., p. 59. 447 Telegrama do governador Alexandre José Barbosa Lima ao Ministro das Relações Exteriores, Felirbelo Freire, 29 de abril de 1893. In: FREIRE, Felisberto. Op. cit., p. 143. 448 APEJE, Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco (1891-1892), 24 de fevereiro de 1892. 135 inconstitucionalmente”, declarando que o “Tribunal Judiciário Federal, este sim pode impor-me suspensão”449. Mesmo evidenciando a crise institucional pela qual passava o Estado de Pernambuco, sua recusa em ser julgado pelo Tribunal local fazia-o incorrer numa divergência discursiva e ideológica, porque aquele líder “que entendia mais de direito do que de estratégia militar”450 havia buscado sempre significar sua resistência como ação plenamente constitucional, mas sua rejeição, justificável ou não, estava em desacordo com a Carta Magna Nacional451. Os republicanos históricos, em mais uma desconsideração quanto à autonomia do Estado de Pernambuco, evocaria o 6º artigo Constitucional Federal452 para insistir que Floriano Peixoto “decida definitivamente” sobre o conflito institucional pernambucano, e como medida para forçar um aceleramento da decisão do Poder Central, Ambrosio Machado sinaliza a possibilidade de “organizar a polícia estadual”453. Enquanto isso, Martins Junior assegurava que o Congresso não retornaria aos seus trabalhos “por não admitir a ditadura de Barbosa Lima”454. Uma ameaça enfraquecida porque este líder não conseguia impedir divergências discursivas com sua base de divulgação pública. No momento em que Martins afirmava que “ninguém neste recinto recorreu unicamente ao número de dois terços para justificar suas resoluções”, é retificado pelo deputado Cunha Rabelo que se utilizaria “da coluna do Jornal do Recife, que é órgão do partido de Vossa Excelência e este já declarou que „por mais inconstitucional que seja um projeto, desde que seja aprovado por dois terços do Congresso é Lei do Estado porque só ao Congresso compete o direito de fazer leis, interpretá-las suspende-las e revogá-las, conforme o artigo 36º da Constituição Estadual‟455”, sem poder fazer maiores contestações Martins Junior apenas confessa que

449Telegrama do governador Alexandre José Barbosa Lima ao Ministro das Relações Exteriores, Felisbelo Freire, 06 de maio de 1893. In: FREIRE, Felisberto. Op. cit., p. 143. 450 GUERRA, Flávio. Ob. cit., p. 276. 451 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 62º: “As Justiças dos Estados não podem intervir em questões submetidas aos Tribunais Federais, nem anular, alterar, ou suspender as suas sentenças ou ordens. E, reciprocamente, a Justiça Federal não pode intervir em questões submetidas aos Tribunais dos Estados nem anular, alterar ou suspender as decisões ou ordens destes, excetuados os casos expressamente declarados nesta Constituição”. 452 Brasil. Constituição Política da República dos Estados Unidos do Brasil (1891), aprovada em 24 de fevereiro de 1891, artigo 6º: “O Governo Federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados, salvo para: 2º) manter a forma republicana federativa; 3º) restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados, à requisição dos respectivos Governantes; 4º) assegurar a execução das leis e sentenças federais. 453 Telegrama de Ambrosio Machado a Floriano Peixoto a Felisberto Freire, 07 de maio de 1893. In: FREIRE, Felisberto. Op. cit., p. 144, 454 Jornal do Recife, 04 de maio de 1893. 455 Jornal do Recife, 03 de maio de 1893. 136

“o fato é novo para mim”456, expressando a progressiva perda de controle até mesmo no jornal que deveria servir ao partido ao qual se considerava líder. Já não conseguia uma interlocução produtiva nem mesmo no seu meio, nem tão pouco com a sociedade de seu tempo, antes buscaria elevar seu discurso à condição de “documentos que os futuros historiadores terão necessidade de conhecer quando refletirem sobre estes momentos (decretados pelo jornal como) infelizes do Estado de Pernambuco”, no entanto, esperando que “a historiografia cumpra missão de julgá-los”, mas alertava a que “ninguém seja condenado sem defesa prévia”457. Percebendo que a cada momento se fazia mais forte a possibilidade de um sangrento combate entre os martinistas e os aliados do governador pernambucano, o Poder Centra, finalmente, emitiria seu parecer sem se comprometer por ter “indicado” o capitão florianista no tempo da eleição governamental, em março de 1892. Antes, declarava, ao presidente do Senado, que “o Governo constituinte desse Estado é o que foi eleito pelo Congresso, cumprindo-me reconhecê-lo como governador até que o poder judiciário resolva as questões que lhe foram afetas. Não tenho de intervir, não só por me faltar por ora competência, mas pela ausência de causas que me levem e justifiquem a intervenção constitucional do poder executivo federal”458. Uma ação que para o Jornal do Recife fora “um meio cômodo de declinar de si a responsabilidade da solução do conflito suscitado entre o Governador e o Congresso, entre as leis e os princípios, antes autoriza a manutenção do Governo ilegal, assumindo maior responsabilidade do que aquele que ele tentou fugir, porque se fez co-participante de um crime”. Isso porque, “não cumpriu uma lei votada por dois terços do Congresso, e mesmo se fosse inconstitucional, o que não é, torna-se de modo irrefragável lei que decretou a suspensão do governador no caso julgado e sentenciado pelo Senado Estadual”459. Entretanto, na interpretação do governista Diário de Pernambuco a resolução de Floriano Peixoto fora enobrecida porque “não foi uma intervenção, apenas cumpriu o seu dever que era pura e simplesmente respeitar os fatos existentes e deixar (como se estivesse acima dos demais poderes soberanos nacionais, podendo permitir ou não o cumprimento de suas funções) o Poder Judiciário Federal agir”, produzindo, segundo

456 DAPPH, Anais do Congresso do Estado de Pernambuco, 07 de maio de 1893. 457 Jornal do Recife, 09 de maio de 1893. 458 Telegrama Floriano Peixoto ao Presidente do Senado Estadual, 11 de maio de 1893. In: FREIRE, Felisberto. Op. cit., p. 149. 459 Jornal do Recife, 12 de maio de 1893 137 este jornal, grande alegria na população que logo depois de ter sido notificada de tal pronunciamento “pelos boletins que o governador mandou espalhar, se juntaram na frente do Palácio” para festejar “o triunfo do governador deste Estado”460. Vitória que se completaria com o apoio recebido do Congresso Nacional e, posteriormente, do Poder Judiciário Federal. Em resposta ao telegrama enviado por Martins Junior, através do chefe do diretório do Partido Republicano de Pernambuco, Albino Meira, em que era solicitado aos legisladores nacionais “a impugnação da eleição do preenchimento das vagas ao Congresso Nacional e nos municípios, uma vez que os Conselhos Municipais, impostos pelo governador, não tinham competência para dar prosseguimento às atribuições de suas funções. Além de ter o governador dissolvido os Conselhos Municipais legitimamente constituídos, também cometeu o crime de interferir nas funções do Congresso”. Recebendo como resposta de Ruy Barbosa, chefe da comissão de constituição e poderes, declaração de que “não é exato que o governador dissolveu os Conselhos Municipais, o governador mandou executar a lei nº 848, de 11 de novembro de 1890, que afirma disposições para existência do recurso extraordinário, é indispensável que concordemos com os seguintes requisitos”. Assim como, definiria que a ação de impedimento do governador “só seria legítima depois do julgamento, pois antes de julgado, o Governador era simplesmente indiciado e de nenhum modo condenado passível de pena” 461, sendo em tal interpretação seguida pelo também jurista Felisbelo Freire. Semelhantemente não deixaria de se posicionar favoravelmente ao ungido de Floriano Peixoto o Supremo Tribunal Federal, na resolução definitiva emitida em 19 de maio de 1893. Contudo, longe de representar o fim das ameaças ao governador462 e, principalmente, a plenitude dos direitos constitucionais, da democracia e legitimidade dos poderes soberanos do Estado de Pernambuco o encerramento, oficial, da crise institucional local significaria um reforço ao alinhamento da centralização administrativa do capital florianista. Um direcionamento que, conforme expusemos anteriormente, não fora contestado nem mesmo pelos opositores de Barbosa Lima, ou mesmo pela imprensa local. Antes, o grupo oposicionista levantaria sua força, ou a que lhe restou, para declarar que, quanto à tendência comportamental da população,

460 Diário de Pernambuco, 13 de maio de 1893. 461 Diário de Pernambuco, 17 de maio de 1893. 462 O movimento em Triunfo somente seria debelado em fins de outubro de 1893. PORTO, Costa. Op. cit., p. 74. 138 indicava uma passiva sujeição ao propor que “devemos nos resignar e sujeitar-nos ao veredicto dos altos poderes”463. Enquanto os “elementos conservadores” aplicavam sua força para produzir uma diferenciação dentro da rede que se formara em torno de Barbosa Lima, remontando expressões utilizadas no tempo do Império para representar “a atual política em Pernambuco”. Segundo este jornal existiria, ainda na República, uma divisão entre “dois grupos, os Violões (martinistas), que se dizendo republicanos históricos, querem o renascimento da bastilha, a canonização de Martins Junior e foros de nobreza à toda família Souza Leão, e os Deletérios (marianistas), que se dizendo também republicanos, querem a democracia incondicional, o parlamentarismo, e talvez a separação do Norte”. Como alternativa aos martinistas, digladiando com o governo, e os marianistas, cada vez mais próximos a Barbosa Lima, o Diário encenava a existência de uma “alternativa, um grupo („os elementos conservadores da sociedade‟) fora deste campo, que quer a estabilidade, a União da Pátria, a Paz, o Trabalho e a ditadura bem entendida”464. Desse modo, quando a vitória de Barbosa Lima fora garantida, o Diário, em nenhum momento, mostrou esmero por desmentir as acusações do jornal oposicionista de que o governador era um “déspota, balmaceda”, mas apontava os próprios legisladores, muitos deles participantes da Assembleia Constituinte Estadual, em 1891, por tal estrutura constitucional. Assim, ironizava o Diário, que “a pobre gente rica do Congresso brada com raiva que Barbosa Lima é um déspota tirano, balmaceda465”, mas “que culpa tem o governador que esteja reduzido à ditadura? Não foi o Congresso que o dinvestiu querendo assumi-la. Em regra o povo que adotou a república não pode congratular com a ditadura, mas muitas vezes a salvação da pátria exige”. Uma “salvação” que, ao contrário de significar regeneração, renovação, ou abertura de um novo tempo de pureza e integridade, era, antes, personificada na imagem do “digno Marechal Presidente que dando verdadeira interpretação aos bons sentimentos do governador e da maioria da população” fizera os republicanos históricos sofrer porque “viram desabar o castelo e o mar de dúvidas em que vivíamos”. Em lugar “da ditadura do Congresso, oligárquico e faccioso”, ficaria, pois, “a ditadura do governo em defesa

463 Jornal do Recife, 18 de maio de 1893. 464 Diário de Pernambuco, 11 de janeiro de 1893. 465 “O manejo das idéias novas, essa espécie de exercício tão atraente para os principiantes, ao qual se pode dar o nome de política silogística. É uma pura arte de construção no vácuo. A base são teses, e não os fatos; o material, idéias e não homens; a situação, o mundo e não o país; os habitantes, são as gerações futuras e não as atuais”. NABUCO, Joaquim, 1849-1910. Balmaceda. São Paulo: Nacional; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1937, p.12. 139 da Constituição, sustentado pela força legal e, em caráter de auxílio, na força federal, governando só, sem o Congresso”466. Nada mais restava àquela sociedade que não vivenciar a implantação da República legalista e autoritária no Estado de Pernambuco.

466 Diário de Pernambuco, 18 de maio de 1893. 140

CONCLUSÃO

Evidenciar o modo como a coletividade da liderança político-partidária pernambucana, logo após a proclamação da República assim como no último ano do Império, emitia similares representações de valores e práticas quando se encontravam na oposição ou governo é, de modo geral, a questão sobre a qual este trabalho se detém. Para tanto, buscamos analisar como os inúmeros problemas sociais, econômicos e políticos locais eram utilizados no jogo discursivo desta classe sem, contudo, apresentarem qualquer manifestação de real interesse em resolução ou minimização de tais falhas. Dentre as quais poderíamos destacar a precariedade das condições de produção, infra-instrutora para exportação e o preço do principal produto de riqueza local, o açúcar; a imperfeita arrecadação fiscal e quase inexistente apreensão do poder central em suprir as enormes necessidades das partes menos privilegiadas da nação; o desvio de função de alguns funcionários públicos, como a força policial, para atender interesses eleitorais de alguns líderes e grupos políticos, dentre outras práticas patrimonialista que continuariam prejudicando, cada vez mais, a estrutura pernambucana no novo regime. Como pudemos evidenciar em nossa análise nos anais que registram a última assembleia legislativa da Província de Pernambuco, em 1889, as normas e ações dos grupos políticos eram semelhantes. O que contribuía à permanência das causas do cenário exposto acima, estando na presidência provincial conservadores ou membros de alguma das facções liberais pernambucanas. Isso porque tanto liberais como conservadores utilizavam os problemas internos como fios que eram entrelaçados em discursos construídos para tecer representações de legitimação da ordem estabelecida ou de apóio às atuações empreendidas contra esta. Ao contrário de uma preocupação para preservação e bom andamento da administração pública, os trabalhos de presidentes e legisladores provinciais se direcionavam para ampliar a atuação de um grupo ou anular a intervenção do seu oponente, sem dispensar, até mesmo, o uso da violência durante os embates sempre existentes na fragmentada arena político-partidária local. E é justamente esta dispersão de energias, provocada pelas arengas internas, que tornava quase anêmica a força política das petições formuladas pelos representantes locais junto ao poder central. Mesmo quando as reivindicações provinham de líderes

141 pertencentes ao mesmo grupo político que os chefes do Gabinete Ministerial do Império as respostas recebidas manifestavam a progressiva perda de prestígio de grande parte da liderança pernambucana que não conseguia emitir signos de um poder capaz de alterar, ou pelo menos ameaçar decisivamente, a sustentação do regime. E mesmo diante de expressa ineficiência para resolução, ou minimização, dos entraves à sustentabilidade e ao desenvolvimento local, tais correntes político- partidárias não se sentiam sequer ameaçadas pelo (re)surgimento de grupos republicanos. Isso porque nas propostas defendidas pelos pequenos proprietários do comércio e profissionais liberais, na década de 1870, como no ideário disseminado pelos republicanos provenientes da classe média urbana e bacharéis do Recife, formadores do Partido Republicano de Pernambuco, em 1888, não eram claras as diferenças e evoluções que o assistencialismo a ser exigido do Estado ou a política de uma “República ditatorial” positivista teriam ante o unitarismo monárquico vigente. O que contribuía para que os conservadores e as facções liberais se revezassem, entre oposição e comando, até o momento em que, ao final da penúltima década do século XIX, a deflagração das tendências centrífugas não foi mais cerceada. Sendo então decretada a transição de regimes não pelas empobrecidas províncias do norte, como Pernambuco, mas por aquelas que haviam conseguido, nos longos e estáveis anos do reinado de Dom Pedro II, força capaz para determinar o fim da centralização do governo imperial. Todavia, diante da paisagem quase lunar de lideranças civis para encerrar definitivamente a já decrépita monarquia e, sobretudo, após a emersão, desde o fim da Guerra do Paraguai, dos militares como uma instituição imprescindível aos que almejavam exercer um controle nacional, são a estes indivíduos de farda que seria legado o direito de atuar como atores principais na proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Efetuado o encerramento do Império, a produção discursiva dos chefes políticos pernambucanos não manifestou grande alteração do modo como era elaborada durante o antigo regime. Assim como construíam suas falas de parlamentares provinciais para exaltar o líder ou grupo político aliado e envilecer o adversário, semelhantemente, no início da implantação e na legalização do novo sistema de governo, urdiam seus discursos como espaços em que projetariam, naquela paisagem de movimentações circunstanciais, uma capacidade de controle sobre as direções comportamentais, assim como domínio sobre qualquer (re)construção das posições sociais e políticas.

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Empregando conforme os seus interesses o noticiário dos jornais aliados, entre os quais destacamos neste trabalho o Jornal do Recife, A Província e o Diário de Pernambuco, e até mesmo a função de representantes nacionais e estaduais, durante as assembleias constituintes de 1891, quando deveriam ter construído aos brasileiros e pernambucanos o código de sua emancipação política. Contudo, assim como ocorrerá aos deputados constitucionais federais, os representantes estaduais estiveram longe de privilegiarem, como centro de suas preocupações, a elevação dos antigos súditos em cidadãos plenos e o respeito aos princípios republicanos de igualdade, justiça e fraternidade. Não conseguindo impor as necessárias modificações nos entraves que a constitucionalização da recém criada Federação brasileira determinou aos estados que continuaram sendo desprivilegiados na distribuição das riquezas nacionais. Antes, utilizaram tanto o espaço pública parlamentar como o espaço privado dos jornais se não como veículos de intervenção naquele processo de estruturação do regimento republicano, ao menos como meio para edificar sua inserção na nova ordem. Na “arte de moldar frases como quem molda percursos”467, os grupos político- partidários apresentavam estratégias discursivas, seja em seus respectivos meios de comunicação ou na utilização da tribuna parlamentar, com uma geografia semelhante. Mesmo guardadas algumas poucas curvas de diferenciações quanto à atribuição dos papéis de “vilões”, “heróis”, “vítimas” ou “figurantes” nas encenações daquele momento, que somente posteriormente seria concebido como efetiva ruptura histórica, o jogo discursivo manipulava representações entre o que seria estabelecido como “ordem” e o que seria sua oposição, ou na verdade seu reforço, a “desordem”468. Numa encenação que constantemente buscava no imaginário social a iluminação necessária à trajetória estabelecida na exposição do fenômeno político construída para exaltar ou condenar os chefes políticos. Sendo, a cada instante, oferecido aos leitores um julgamento regido não pela competência que os líderes pudessem possuir, mas pela imaginação política e social que lhes eram atribuída ou recusada. De sorte que somente os chefes do grupo político que direcionava o editorial de cada jornal eram apresentados

467 CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. I Arte de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 1994, p. 201, p.179. 468 BALANDIER, George. O poder em cena. Brasília: UNB, 1982, p.21. 143 com imagens magnificentes, capazes de “duplicar e reforçar a dominação efetiva” e mesmo “garantir a obediência pela conjugação das relações de sentido e poderio”469. Trabalhando com um passado político-social composto por traços que ainda cintilantes e outros já silenciosos, os mecanismos argumentativos de cada jornal buscava impor luminosidade, por vezes violenta, em certos cômodos da imaginação social, de modo a tornar visível ou delegar ao esquecimento o que era ou não conveniente ao líder ou grupo político que propunha a caminhada. Independentemente do grupo político pelo qual falavam, as opiniões publicadas acentuavam, ou mesmo criavam, uma sensação de vazio, de não pertencimento do leitor no contexto sócio- político que era evidenciado. O que facilitaria uma possível formalização de “contrato” em que o condutor da produção textual, como se segurasse o leitor pela mão, estabelecia uma ordem espacial organizada, direcionada, imposta, no conjunto de possibilidades de percursos que o leitor-andarilho deveria circular. Ao mesmo tempo em que eram construídos muros para impedir, ou dificultar, seu vagar independente por outros deslocamentos interpretativos. Sem percursos lineares ou aleatórios, ardilosamente era calculado o jogo de frases que estabeleciam o tipo de relação e posicionamento que cada indivíduo deveria ter com as imposições da nova ordem. Para isso, os jornais mantinham o entrelaçamento de ruídos das histórias fragmentadas retiradas das caixas do passado, do presente ou mesmo de um suposto futuro para ampliar, alterar ou abafar os sentidos almejados pelos informes jornalísticos. Ao propormos em nosso trabalho a análise dos jornais daquele período compreendemos que apenas uma pequena parcela daquela sociedade tinha condições financeiras para comprar e capacidade intelectual de compreender plenamente o noticiário local. Porém, ressaltamos que sendo a manutenção da nova ordem não dependente apenas e exclusivamente da formulação jurídica, a legalidade, mas supunha sempre certa forma de engajamento voluntário, a legitimidade470, a contribuição dos jornais era extremamente relevante. Principalmente porque, se os antigos líderes estavam ávidos por (re)ingressarem no comando político, a dificuldade enfrentada pela comunicação visual e sonora imposta pelo Governo Provisório, na (re)criação dos símbolos nacionais, era igualmente grandiosa. Assim como era, ou se tornava, notório

469 BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. Enciclopédia Anthopos-Homem V, EINAUDI, Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 1985, p.299. 470 GIRARDET, Rauol. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 89.

144 que as formas empregadas pelos então dirigentes da administração pública republicana, no cenário federal ou estadual, não se diferenciavam dos modos e práticas utilizados durante o regime deposto. Se antes todos se curvavam ao cedro do Poder Moderador, nos tempos de república a centralização administrativa e política gravitavam em torno do Poder Executivo Federal, especialmente durante as presidências ditatoriais que buscavam sua sustentação entre a dissolução do Congresso Nacional e o enfraquecimento dos governos locais, sempre em pleno desrespeito à autonomia dos demais poderes soberanos e do governo dos estados. Mesmo quando saíra de cena o Marechal Deodoro da Fonseca, líder de pouca educação político-democrática, a orquestra ditatorial ficara sob a regência do igualmente autoritário o General Floriano Peixoto, o qual passaria a alinhar os membros-federados em sua ditadura. E fora neste propósito que o “Marechal de Ferro” permitiria em Pernambuco a ascensão da Junta Governativa e em seguida operaria o que poderíamos chamar de “imposição branca” ao indicar o nome do militar Alexandre José Barbosa Lima para o governo deste estado na eleição indireta estabelecida pelo Congresso Estadual, em 1892. Sem regras muito bem postas, estabelecidas e respeitadas o estado pernambucano passaria a ver manifestas as fendas na organização democrática e republicana entre os poderes soberanos, assim como na relação entre o poder nacional e estadual. Vivenciando as ameaças das baionetas da rede de apóio do capitão florianista Barbosa Lima no momento em que este digladiaria, sob a supervisão do Poder Federal, com o líder do Partido Republicano de Pernambuco e do Congresso local, Isidoro Martins Junior, ao exorbitar suas funções e limitações constitucionais. E seria com a benção do Governo Central que o então governado se tornaria o líder máximo em Pernambuco ao vencer a luta interinstitucional pernambucana, ocorrida entre 1892 e 1893. Embate que legaria ao governador as condições plenas para implantar uma administração que buscava legitimar e legalizar as práticas autoritárias do Poder Executivo, estadual e nacional, representando-o como espécie de guardião dos “fieis princípios republicanos”. Assim, encerramos este estudo expondo como nosso maior desejo termos contribuído para que seja evidenciado como desde o início do regime de governo republicano, que neste ano completa cento e vinte anos de proclamação em nosso país, a justiça, a liberdade e a igualdade estiveram ausentes nas relações estabelecidas desde dentro da sociedade, na sua conexão com o Estado republicano e na relação entre seus

145 poderes soberanos. Todavia, gostaríamos de, mais uma vez, lançarmos luz às enormes dificuldades impostas a todos aqueles que desejam mergulhar no fascinante e revolto mar que é o período da transição e primeiros anos da república em Pernambuco. Primeiramente, destacaríamos a situação precária de alguns documentos de nossos arquivos públicos e departamentos de preservação do patrimônio do legislativo, onde documentos essenciais simplesmente não foram encontrados, ou estão em condições físicas e de arquivamento não adequadas. Do mesmo modo que nos fora muito difícil verificar a tímida produção da historiografia e pesquisa acadêmica regional sobre este tema que, neste momento, deixaremos de lado enquanto tomamos novo fôlego para novas aventuras nas “ruas e becos” dos avanços democráticos e desvios ditatoriais dos primeiros anos da República em Pernambuco.

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FONTES

FONTES IMPRESSAS

- Anais da Assembleia Legislativa da Província de Pernambuco. Recife, DAPPH, 1889. - Anais do Congresso Constituinte do Estado de Pernambuco. Recife, DAPPH, 1891. - Anais do Congresso do Estado de Pernambuco. Recife, DAPPH, 1892-1893. - Boletim do Expediente do Governo do Estado de Pernambuco. Recife, APEJE – Jordão Emerenciano, 1891-92. - Coleção das Leis e decretos do Estado de Pernambuco. Recife, DAPPH, 1892-1899. - Livro de Autografo de Leis. Recife, DAPPH, 1891. - Livro do Expediente do Governo Executivo do Estado de Pernambuco. Recife, APEJE- Jordão Emerenciano, 1891-92. - Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo vice- governador Desembargador José Antonio Correia da Silva. Recife, APEJE – Jordão Emerenciano, 1891. - Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Estado de Pernambuco pelo governador Alexandre José Barbosa Lima. Recife APEJE – Jordão Emerenciano, 1893.

FONTES MANUSCRITAS

- Portaria do Governo do Estado de Pernambuco. Recife, APEJE- Jordão Emerenciano, 1892. - Relatório do Inspetor Geral da Instrução Pública, Filipe Figueiroa Faria Sobrinho, apresentado ao Excelentíssimo Senhor Governador de Pernambuco Alexandre José Barbosa Lima. Recife, DORBPPCB, 1892. - Requerimentos ao Congresso Estadual. Recife, DAPPH, 1893.

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FOLHETOS

- “A monção parlamentar do dia 18”, proferida pelo deputado Isidoro Martins Junior, em 18 de junho de 1892, Tipografia do Jornal do Recife. Recife, DORBPPCB, 10 de agosto de 1892. - “Política de Pernambuco, resposta do Doutor Martins Junior à mensagem do Senhor Barbosa Lima”, Tipografia do Jornal do Recife, Recife, DORBPPCB, 10 de agosto de 1892. - “O governador de Pernambuco. Aos verdadeiros republicanos”. Tipografia de Manuel Figueiroa de Faria e Filhos. Recife, DORBPPCB, 24 de junho de 1892. - Homenagem da Mocidade Acadêmica do Recife. Recife, DORBPPCB, 1891.

PERIÓDICOS

1.1Jornais A Província. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1889-93. Jornal do Recife. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1889-93. Diário de Pernambuco. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1889-93.

1.2.Revistas

Veja: revista semanal brasileira. São Paulo: Abril. Edição 2024, ano 40, nº 35, 05 de setembro de 2007. Revista do Instituto Histórico e Geográfico, volume 39. MELO, Mario. “O Movimento Patriótico do Município de Triunfo”.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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