Jornal Pessoal A AGENDA Amazônica de Lúcio Flávio Pinto • Ano XXVIII • No 576 • 1a quinzena / JANEIRO de 2015 • R$ 5,00

GOVERNO Para onde vai? Poucos apostariam que Simão Jatene se tornaria o primeiro político a ocupar por três vezes o governo do Pará eleito pelo povo. A façanha é mérito pessoal dele ou produto de circunstâncias favoráveis? Agora é o momento de responder.

os 65 anos, o economista Simão o mais poderoso representante do regi- mais próximo e influente dos seus se- Robison Jatene se tornou, no me militar, têm essa façanha nos seus cretários durante os primeiros oito anos Adia 1º, o cidadão que por mais currículos. de permanência do PSDB no poder. vezes assumiu o governo do Pará eleito Ao contrário dos políticos da era Foi necessário recorrer a todas as armas pelo voto direto do povo. Nem Maga- democrática, o tucano Jatene não gal- do estoque que esse longo usufruto no lhães Barata, o homem público mais in- gou por etapas as posições políticas. topo do governo possibilitou para ele- fluente da história republicana estadual, Disputou a primeira eleição, em 2002, ger o candidato, que, eleitoralmente, era nem , o líder político da já diretamente para o governo. O go- pouco mais do que um poste. transição da ditadura de 1964 para o vernador Almir Gabriel, to primeiro a Almir achava que seu candidato não ti- mais recente período de democracia no ser reeleito pelo voto direto, o escolheu nha vocação política e lhe devolveria o car- Brasil, muito menos , como seu sucessor, porque Jatene foi o go quatro anos depois, quando ele – e não

HELDER SOBREVIVERÁ? MAIORANA QUER DAR CALOTE BELO MONTE MAIS CARA outro – conquistaria o troféu de o primeiro vação apenas ligeiramente majoritária. “grupo de Paragominas”, que penetrou governador paraense eleito três vezes pelo Ele poderia preparar uma nova base ainda mais no coração do governo. povo. Jatene tentou fazer valer seu direito à para o terceiro mandato sem se preocu- Mesmo que não possa mais se reele- reeleição do seu antecessor, mas Almir jo- par com nada mais do que marcar o seu ger, Jatene não perdeu a ambição políti- gou pesado. Chegou a acusar seu ex-secre- nome e deixar um saldo mais positivo ca. A equipe que montou, mantendo ou tário de o haver traído com Jader Barbalho. do que o atual, já que não poderá mais remanejando a maioria dos que já esta- Pressionou tanto que Jatene desistiu, mes- se reeleger. Há sinais dessa disposição vam no seu staff, deverá se esmerar em mo sabendo – como qualquer observador na redução do tamanho do primeiro seguir as ordens do chefe, que deverão mais atento – que Almir não ganharia de escalão e dos gastos em custeio para incluir o apoio a quem irá sucedê-lo. O Ana Júlia Carepa, do PT. favorecer os fracos investimentos. Mas herdeiro mais lógico é o vice-governa- A péssima administração da petista, não há uma diretriz coerente e sólida. dor, , dependendo talvez a mais desastrosa da redemocra- Algumas mudanças parecem sem sen- das funtções que lhe forem delegadas. tização, devolveu o cargo a Jatene. O até tido e outras se mostram contraditórias. Uma alternativa plausível é o ex-vi- então considerado impossível se materia- A direção é do desenvolvimento ce-governador (e candidato derrotado lizou pela neutralidade de Jader, que se econômico, com uma maquiagem de ao senado) Helenilson Pontes, que ficou tornara o principal cabo eleitoral da elei- preocupação ecológica e social. Há uma com a estratégica Secretaria de Edu- ção da senadora. Jatene aproveitou muito secretaria agora com essa missão (que cação, que tem o maior contingente de bem essa circunstância, mas se apresentar agrega mineração e energia) e uma servidores. Mas pode ser também o se- para a disputa demonstrou que apetite companhia estatal com a mesma mis- nador , por trás de algumas para o poder ele tinha e realizava essa são. O secretário de meio ambiente é indicações, nesse caso com um fator fa- vontade com o aprendizado nos bastido- deslocado para o planejamento mais vorável: ele não tentaria a reeleição, dis- res e à sombra das maiores lideranças. como demérito do que reconhecimento putando o governo, enquanto Jatene fa- A dele era menor, mas uma combina- da sua importância. ria o caminho inverso, compondo assim ção favorável de fatores externos e o uso O ex-secretário de segurança pú- uma dobradinha perfeita, ou quase, se intenso da máquina pública o habilita- blica, Luís Fernandes, ocupa o lugar de for capaz de inibir ou bloquear alguma ram a iniciar um terceiro mandato, en- Colares e cede seu próprio espaço para insubmissão interna a esse traçado. fraquecido em relação à vitória anterior. o general Jeannot Jansen. A troca de ca- Se realizar a estratégia até o fim do seu Afinal, perdeu para no deiras parece seguir o princípio de que mandato, Simão Jatene poderá acrescentar 1º turno e, revertendo uma situação que é preciso mudar o que cada um titular alguma consistência ao título que conquis- parecia consolidada em favor do pee- vinha fazendo, mantendo esses auxi- tou no dia 1º. Caso contrário, ficará a per- medebista, ganhou na nova eleição com liares na equipe para cumprir a ordem plexidade diante dessa conquista: merecida menos de 52% dos votos válidos. de acelerar a economia, sob a batuta de ou produto do acaso incrivelmente favorá- São indicadores de que o seu gover- quem está afinado com essa linha, como vel a ele? Benéfica também ao Pará? no anterior foi fraco e contou com apro- o secretário Adnan Demachki, líder do Resposta nos próximos meses.

Cadê o Alex? Pará de fora

A Secretaria Especial de Proteção Social do Estado foi uma O Pará é o quinto maior produtor de energia do Bra- dessas ditas super-secretarias que o economista Simão Jatene de- sil e o segundo maior minerador. Mas nenhum paraense cidiu extinguir em bloco no bojo da reforma administrativa que consegue ocupar o ministério das Minas e Energia. Para promoveu para o seu novo mandato de governador. Mas manteve o segundo governo de o escolhido foi o no seu secretariado o cientista social Alex Fiúza de Mello, que co- senador , peemedebista de ocasião que foi mandava as secretarias executivas agrupadas na promoção social. governador do Amazonas, Estado importador de energia. Alex assumiu a nova Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ele substituiu Édison Lobão, outro peemedebista por ade- Educação Técnica e Tecnológica, com mais poderes. são, do Maranhão. O vizinho do Pará recebe a maior parte Mas O Liberal simplesmente excluiu do seu noticiário o nome da energia que consome da hidrelétrica de Tucuruí. de Alex e sua permanência no staff de Jatene. Quem se informar No entanto, o Pará tem tido participação decres- sobre o anúncio do governador apenas pelo jornal dos Maiora- cente na Eletronorte, a estatal federal que é responsável nas vai pensar que o ex-reitor da Universidade Federal do Pará pela usina. Por mistérios do poder central, quem man- foi excluído do terceiro mandato do tucano. A omissão foi tanto dava no setor energético era o senador José Sarney. Sem na relação dos novos secretários quanto, na página anterior, na perspectiva, ele decidiu desistir gloriosamente da car- cobertura do anúncio. E no noticiário da posse, no dia seguinte. reira política, derrotado no seu Estado e deslocado no Seria mera falha inadvertida ou atitude proposital? Pós-doutor reduto eleitoral de adoção, o Amapá. por uma das cátedras da Unesco instalada na Universidade Poli- Sem Sarney, o derrotado, Eduardo Braga avançou técnica de Madrid, Alex foi minha testemunha em processos dos sobre o ministério, sem qualquer base no setor ou fami- irmãos Maiorana (Romulo e Ronaldo) contra mim. A partir daí liaridade com o tema. Não restará ao Pará nem a Ele- passou a ser perseguido na UFPA de todas as maneiras. A perse- tronorte? Ou só resta a Secretaria de Pesca em meio a guição, pelo visto, prossegue. Mas Alex resiste. águas turvas? 2 - JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena O JP e a divisão do Pará Cintia Moura pessoal era uma das questões mais mal re- funcionários teriam escolhido permanecer solvidas nessas ocasiões. no campus (na cidade, na região enfim), matéria que abre o JP nº 574, in- Nas conversas informais, essa transfe- perdendo seu vínculo com a consolidada titulada “A Grande Cisão”, traz à rência compulsória e aparentemente irre- e experiente UFPA e passando a integrar a discussão mais uma vez a polêmica mediável trazia a reboque um velho proble- noviça Unifesspa? questão sobre a divisão do Pará. O tema vem ma: o fluxo de servidores (principalmente Talvez tenha-se tentado evitar uma A docentes) nos campi do interior. Assim, in- evasão significativa de funcionários, para sendo explorado pelo jornal nas últimas edi- ções, desde as eleições de 2014 para governa- dependentemente dos argumentos sobre as não se começar a universidade com um dor do Estado. Mas o processo eleitoral não desvantagens de se vincular a uma univer- desfalque grande de pessoal, uma vez que já se encerrou? O tema não fora amplamente sidade sem história e credenciais, de modo o campus da UFPA em Marabá já carecia discutido em 2011, por ocasião do histórico geral já era pressuposta a ideia de professo- de profissionais para a demanda que apre- e até então inédito plebiscito? res com raízes em Belém quererem reivin- sentava na época, antes da aprovação da Na penúltima edição do ano passado, dicar sua permanência na UFPA como uma Unifesspa. Seria correr um risco muito alto a agenda amazônica do jornalista voltou a estratégia oportuna para se desvincular do dar o direito de escolha aos funcionários. debater o tema, destacando a posição, afir- campus e, consequentemente, da cidade, da Isso faz sentido? Sim, porque essa atitude mada e reafirmada, do belenense a favor da região. Não sem fundamento. em relação ao interior do Estado não é no- integridade territorial do Pará, sem deixar, Nesse sentido, o caso da Unifesspa ilustra vidade no Pará, na Amazônia. entretanto (como de costume), de provocar mais do que a falta de debate e esclarecimen- O projeto da modernidade que se esten- o seu leitor: “Mas quantos belenenses esta- to, que tem marcado o tema da criação de deu e se impôs à Amazônia e que se renova riam dispostos a se transferir para a região novas unidades federativas com o possível na sua história contemporânea, na condição do Baixo Amazonas e de Carajás? Quan- desmembramento do Pará. Ilustra também de colônia de exploração, estabeleceu tam- tos ao menos conhecem essas duas regiões? uma atitude comum do paraense em relação bém aqui seus paradigmas dicotômicos tão Quantos incluem esse tema em algum mo- ao interior do Estado – e, guardadas as pro- característicos, como, por exemplo, moder- mento do seu cotidiano?”. porções, do brasileiro em geral em relação à no versus atrasado, centro versus periferia, Na busca por respostas decentes, o jor- Amazônia. Uma atitude cultural construída urbanizado versus rural. Isso fomenta pos- nal ilustra a questão comentando o caso da ao longo da história de ocupação da região. turas contraditórias acerca das questões po- nova Universidade Federal do Sul e Sudeste Não raro, esse docente lotado nos líticas e socioculturais da vida na região, que do Pará (Unifesspa), com sede em Marabá – campi da UFPA no interior do Estado terminam por influenciar o nosso papel e que teria se tornado a capital do Estado de não quer abrir mão “da sua condição de nossa participação em momentos cruciais Carajás, tivesse vencido a campanha separa- morador da capital”. O interior (leia-se: a da conjuntura. Eu mesma não estive e não tista no plebiscito de 2011 – e algumas de periferia) não lhe seduz, não lhe interes- estou imune a isso. Escolhi abrir mão do suas implicações para os até então funcioná- sa. Ele prefere se acomodar no centro (ou, vínculo institucional que me colocava no rios da UFPA lotados no campus universitá- pelo menos, o mais próximo possível dele), cotidiano da região do Carajás, para me rio do município. onde lhe caberia tão-somente se dedicar ver novamente envolvida com as coisas e as A UFPA decidiu, de cima para baixo, a ao seu trabalho privilegiado. Com certe- pessoas da Amazônia em outro Estado. favor da transferência automática dos recur- za essa imagem não representa a todos os Para alguns leitores, o tema pode até sos humanos do campus de Marabá para a professores da UFPA que atuam fora da parecer que está esgotado ou defasado. universidade recém-criada, sem a devida órbita de Belém, mas não se pode negar No entanto, alguns eventos recentes vêm consulta nem discussão com os seus fun- que é uma realidade na instituição. demonstrando que o tema é pungente e cionários (entre docentes e técnicos) e estu- A ação judicial movida pela Adufpa para está se revelando para além da superfície. dantes. Disso decorreu ação do sindicato dos garantir aos docentes o direito de escolha en- Notadamente, as últimas eleições para go- docentes (Adufpa) junto à Justiça para ga- tre permanecer na UFPA ou passar a integrar vernador surpreenderam no 1º turno com rantir aos professores universitários o direito o quadro de pessoal na universidade recém- a vitória do candidato do PMDB sobre o de escolher entre permanecer na instituição criada pode ser interpretada tanto como uma candidato à reeleição. Mas Helder Barba- de origem ou integrar a Unifesspa. atitude coerente e necessária na garantia de lho acabou perdendo a disputa no 2º turno Para o jornalista, a ausência do debate direitos trabalhistas e do debate democrático pelo mesmo motivo que o levou à vitória no necessário nesse caso ilustra o tipo de ati- no âmbito da universidade pública, quan- 1º: o tema da divisão do Pará. tude que “alarga e aprofunda o fosso que to como um exemplo da indiferença desses O JP 574 discute o tema mais uma vez, separa o sul e o oeste do Pará da região me- profissionais em relação ao Pará que existe instigando a reflexão com o caso da Unifess- tropolitana e da área de influência indireta para além da capital e área metropolitana, pa e alertando para as consequências que as de Belém, a nordeste e centro-oeste”. um momento oportuno para se levar a cabo decisões do governador reeleito em relação às De fato, a decisão não foi discutida de- atitude concreta e coletiva (portanto, fortale- regiões do Estado que apoiam a onda sepa- mocraticamente com a comunidade aca- cida) na direção de se desvincular da região. ratista podem desencadear sobre a questão. dêmica. Trabalhei na instituição por três Assim, pode-se tentar responder as Dadas as circunstâncias, uma coisa pa- anos entre 2010 e 2013. Na maioria das perguntas levantadas pelo jornal com estas rece certa: os interessados na emancipação reuniões havidas no campus para se tra- outras perguntas: Como teria sido para a territorial nas regiões sul e sudeste e oeste tar da Unifesspa, antes de sua aprovação, Unifesspa se essa opção tivesse sido dada do Pará não devem abandonar o tema da a transferência automática do quadro de a docentes e técnicos? Quantos desses divisão do Estado tão cedo... JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena - 3 Obusdman Benedito Carvalho Filho Um debate necessário, além das brigas de galo

A revista Carta Capital, nº 830, de onde, segundo João Meirelles, milhares somos grandes produtores de energia, 17 de dezembro de 2014, publicou o de crianças e adolescentes são obrigados mas a tributação do setor é feita na pon- resultado de um encontro promovido a subir em palmeiras para coletar frutos. ta, e o Pará fica apenas com o ônus dos pela revista chamado. Diálogos Capitais. Um dado revelador denunciado nesse impactos ambientais. Dessa vez abordou a metrópole Belém evento assusta. De acordo com os dados Ele dá um exemplo, a cidade de Alta- na matéria escrita pela jornalista Marina da Procuradoria do Trabalho em Belém, mira, onde se constrói a Hidrelétrica de Teles. Como debatedores estavam João na Amazônia existem 500 mil crianças Belo Monte. Afirma: a cidade teve que Coral, da Energia e Institucional da Cia de alguma maneira forçadas a realizar um ser duplicada pouca causa das obras, e as Vale do Rio Doce, João Meirelles, dire- trabalho considerado perigoso, muitas contrapartidas não cobrem as deficiên- tor do Instituto Pearbiru e escritor, Suê- delas com menos de 16 anos, idade mí- cias, principalmente em serviços públi- nia Souza, gerente do Centro Sebrae do nima para desempenhar uma atividade cos, como escolas, saneamento. E enfa- Centro de Sustentabilidade, Dal Mar- produtiva. Meirelles informa ainda que tiza: a região não pode continuar como condes, mediador, e José Francisco. esse cenário de risco avança sobre outros almoxarifado para o Brasil. É preciso Neste evento foram discutidos vários ramos importantes na região, como a pe- rever a tributação das cadeias de com- problemas enfrentados na cidade de Be- cuária, que engloba cerca de 50 mil pe- modities originadas na Amazônia. lém, como as comunidades ribeirinhas em quenos produtores. Segundo ele, é a ati- Ao ler essa matéria da revista paulis- dezenas de ilhas espalhadas pelo seu litoral, vidade com maiores registros de acidente ta não pude deixar de relacionar com os a necessidade de planejamento (coisa que do trabalho no Estado do Pará. dados fornecidos pelo Jornal Pessoal nº não se faz há muito tempo), a definição Ou seja, temos a repetição de uma 575 na matéria A Belém no rabo da fila, de áreas prioritárias para investimentos. modalidade de exploração que é históri- onde o jornalista nos mostra que Belém Um dos conferencistas revelou que o Pará ca na Amazônia: a utilização de formas está em penúltimo lugar dentre as 16 importa 85% do que consome (a mesma pré-capitalistas de trabalho, inclusive de regiões metropolitanas, de acordo com realidade da cidade de Manaus). crianças, como meio de enriquecer os o critério do IDHM (Índice de Desen- Falou-se em “áreas estratégicas de donos dos negócios, que nem sempre vi- volvimento Humano Municipal). A ca- desenvolvimento”, mas, como disse um vem na Amazônia. pital, como afirma o jornalista, só ganha dos debatedores, os planos de desenvol- O diretor institucional da Cia do de Manaus, sua rival do vizinho Estado vimento aplicados à região poucas vezes Vale do Rio Doce, João Coral falou so- do Amazonas. tem continuidade e não existe uma real bre as dificuldades de gerar emprego, Os debates sobre a Amazônia e os mensuração de seus impactos. Como pela carência de profissionais treinados problemas de suas cidades são muito aqui em Manaus, tudo é feito na base na região e afirma, ao mesmo tempo, da importantes e deveriam ser mais cons- do improviso, pois a cidade nem mesmo falta da participação do Estado. Suênia tantes, conclamando todos os cidadãos conhece a sua área metropolitana. Os de Souza afirmou que há demandas es- para que participem. Isso faria com que dados cartográficos da própria região são truturais que atrapalham o caminho das olhássemos os nossos problemas mais imprecisos, como observa uma geógrafa soluções, entre elas a má distribuição tri- de perto, pois enquanto o povo amazô- da Universidade Federal do Amazonas. butária e a informalidade de muitas ati- nico continuar sendo almoxarifado para O mesmo debatedor alertou para a vidades extrativistas. Para ela, Belém é o o Brasil, fazendo a disputa no subsolo, disparidade dos investimentos realiza- centro irradiador de informação, forma- ou na lama, jogando fezes um no outro, dos na cidade, onde, segundo ele, foram ção e cultura na região, e arca com a res- como vimos na matéria de capa do JP, destinados mais um bilhão de reais para ponsabilidade de ser um grande polo de isso acaba desviando a nossa atenção saneamento e menos de 20 bilhões para atração de trabalhadores. Mas, como diz para trivialidades e rixas corporativas. a mobilidade. Ou seja, a cidade incha, Meirelles, nas comunidades ribeirinhas O Pará não merece a imprensa que as ruas estão lotadas de veículos e o que praticamente só tem crianças e velhos. tem hoje. Somos uma província com uma vemos, como em todas as cidades bra- O prefeito da cidade de Belém, Ze- classe dominante que só pensa nos seus sileiras, é a falta de infraestrutura para naldo Coutinho, afirmou que o proble- interesses, que é se aproveitar desse mo- acolher seus moradores. ma deve ser entendido de maneira mais delo de exploração colonial que vemos Belém, com pouco mais de 1,4 mi- ampla. Diz ele: Não é possível falar de diante de nós. Os que pensam e se preo- lhão de habitantes, vive a carência de ser- desenvolvimento da Amazônia sem cupam com o destino da região tem sido viços públicos, como afirmou Suênia de fazer relação com o restante do país. cada vez mais reduzidos. Quem pensa Sousa, gerente do Centro de Sustentabi- A região sofre com a desoneração das fica cada vez mais solitário, vendo o teatro lidade. A carência de serviços públicos e cadeias exportadoras de commodities, de absurdo da política social e econômi- trabalho formal cria distorções e ilegali- principalmente a Lei Kandir, criada nos ca paraense. As temporadas das baixarias dades nas relações de trabalho, como é anos de 1990 para facilitar a exportação vão continuar enquanto o povão se em- o caso da exploração do açaí nas ilhas e e hoje foco de distorções, importantes na briaga com as mediocridades, como se a territórios próximos à capital paraense distribuição tributária regional. Também política fosse uma briga de galo. 4 - JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena Dilma dá sobrevida a Helder Barbalho?

A Secretaria de Pesca e Aquicultura ma passagem de um nativo, Fernando seu sucessor no exercício do cargo, (com status de ministério) conseguirá Coutinho Jorge, que foi ministro do Simão Jatene não poderá mais se ree- preservar alguma forma de poder ins- meio ambiente de Itamar Franco entre leger, o que enfraquecerá um pouco o titucional para Helder Barbalho? A in- 1992 e 1995. E passa a ser o quinto PSDB. Além disso, é pouco provável tenção é justamente essa. A presidente paraense na cúpula do governo federal que os tucanos consigam evitar uma Dilma Rousseff renovou a aliança com em 29 anos de redemocratização, pro- desunião maior do que a de 2014. Jader Barbalho, que herdou do seu an- porção bem menor do que na Repúbli- Essa conjuntura poderá favorecer tecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, ao ca Velha. Helder, se ele não for apenas minis- garantir uma posição de influência para No posto, Helder poderá dar con- tro decorativo. E se tiver um desem- o filho do senador do PMDB no seu tinuidade à sua campanha por um penho na Secretaria de Pesca melhor novo governo. novo mandato político, já em 2016, do que na prefeitura de Ananindeua. O posto é de baixa categoria e difí- para uma prefeitura, ou preparando- Em 2018 ele não deverá contar com cil. Por ele, nos oito anos da sua exis- se para nova tentativa ao governo do a mesma retaguarda que o pai, tendo tência, já passaram seis chefes. Assim, Estado, dois anos depois. Apesar do que tratar da sua instável saúde, ainda a deferência é proporcional ao peso do insucesso em 2014, por muito pou- lhe proporciona. Terá que provar se é beneficiado na política nacional, que é co ele não venceu no primeiro turno; capaz de segurar sozinho o bastão do mínimo (não pela pesca em si, mas por acabou derrotado no segundo turno poder ou se é fogo-fátuo na política do seu tratamento desleixado que lhe dá o por ter relaxado a sua participação e Pará. governo). Ainda assim, tem sua impor- ter perdido a orientação direta do pai, De qualquer forma, Dilma Rou- tância, quando nada pela sua função de absorvido pelos seus graves proble- sseff permitiu uma sobrevida para os representação. mas de saúde. Barbalhos no Pará. PT e PMDB con- Um paraense volta ao ministério da Em 2018, mesmo que apoie a can- tinuam de mãos dadas no Estado, sob república quase 20 anos depois da últi- didatura de um correligionário para o comando de Jader. Até quando?

O juiz que quasevirou secretário O Repórter 70, a principal coluna qual a constituição confere prerroga- acusado de fraude para obter recursos de O Liberal, surpreendeu a todos ao tivas excepcionais no serviço público dos incentivos fiscais da Sudam. anunciar que o juiz federal Antonio para exercer sua função com indepen- Romulo Júnior pode entrar com Carlos de Almeida Campelo fora con- dência e autonomia, se tornasse um seu carro no estacionamento privati- vidado pelo governador Simão Jatene subordinado do chefe de outro poder, vo de juízes e funcionários da justiça para assumir o comando da Secreta- o executivo, demissível a qualquer mo- militar e subir no elevador privativo, ria de Segurança Pública do Estado. mento, por exercer cargo de confiança. protegendo-se assim do assédio dos Segundo o jornal, o governador “en- Assumir um lugar desses impediria o veículos de comunicação do seu prin- caminhou a solicitação ao CNJ, que juiz de retornar ao judiciário, pela per- cipal inimigo, o senador Jader Barba- também já recebeu o pedido de licença da da sua condição de imparcialidade, lho. Gentilezas foram dadas a Ronaldo do próprio magistrado”. Jatene “estava mesmo que apenas em tese. Maiorana, também réu no processo, certo que Campelo aceitaria o convi- Por que o juiz, que não desconhece a durante o seu depoimento. te, tanto que não pensou em nenhum situação, ainda tentou obter a liberação Se o patrocínio tivesse vingado, ha- outro nome. Ficará apenas faltando a junto ao CNJ? Acreditou que o seu pa- veria ainda outro inconveniente: Cam- decisão do CNJ”. drinho teria força suficiente para demo- pelo passaria a ser chefe da sua atual Como era previsto, o Conselho ver o conselho ou recorrer a influências esposa. Ela acabou de concluir o curso Nacional de Justiça não autorizou o ainda mais poderosas para alcançar seu de formação de delegado de polícia. juiz a se licenciar da 4ª vara criminal objetivo, que criaria um precedente pe- Pela praxe, devia ser designada para da justiça federal em Belém, da qual rigoso para a magistratura nacional e o um posto no interior do Estado, onde é titular, para ser o chefe da Segup. próprio poder judiciário? o policial inicia a sua carreira, como Imediatamente Jatene, embora não Mais do que isso. Ao incorporar a outros servidores públicos. Se assumis- tivesse cogitado de alternativa para o iniciativa do jornal, admitindo o patro- se a secretaria, Campelo a mandaria magistrado, na informação do jornal cínio, não se expunha ao desgaste de se para o interior? Se a convocasse para da família Maiorana, apresentou como tornar suspeito por essa relação? É que a capital, iniciaria com o pé esquerdo novo secretário o general Jeannot Jan- o juiz concedeu regalias ao principal a sua gestão. sen da Silva Filho. executivo do grupo Liberal, Romulo Por essas e outras, foi melhor que o Seria um inédito e mau exemplo, Maiorana Júnior quando, em 2011, ele CNJ não lhe permitir virar auxiliar do caso o CNJ permitisse que um juiz, ao foi depor, como réu, na 4ª vara federal, chefe do poder executivo estadual. JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena- 5 Um ministério General na Segup 50 anos depois de ficha marcada

Meio século depois, um general Militar, o general Jansen, em público, A lei da vale para selecio- volta a ser secretário de segurança classificou a cesta básica, o principal nar pretendentes a mandatos políticos no pública do Estado do Pará: é o ge- programa de inclusão social do PT, Brasil. Por que não haveria de valer para o neral Jeannot Jansen da Silva Filho, como demagógica e produtora de preenchimento de cargos de confiança na ex-comandante militar da Amazô- “vagabundos”. A partir daí, foi pre- cúpula do poder executivo? Não são car- nia. O anterior foi também um ge- terido nas promoções no exército e gos políticos por excelência? Ao invés de neral de divisão da reserva do exér- passou para a reserva na patente de criar mitologias e teratologias, bastava à cito, José Manoel Ferreira Coelho, general-de-divisão. presidente da república estabelecer esse cri- nomeado pelo coronel Jarbas Passa- Ele também fez críticas à atua- tério: para o preenchimento das vagas no rinho, o primeiro militar a assumir ção do governo federal na Amazônia primeiro escalão do governo o critério de o governo depois do golpe de 1964, durante visita de cortesia à sede da admissão é o mesmo seguido para os cargos eleito, por via indireta, pela Assem- Federação da Agricultura do Estado eletivos: a lei da ficha limpa, conforme a ju- bleia Legislativa. do Pará. Suas críticas visaram o orça- risprudência e doutrina da justiça eleitoral A indicação de Ferreira Coelho mento do governo federal, os movi- e o mandamento constitucional. Quem não era coerente com a conjuntura da mentos sociais, a atuação de órgãos pode se candidatar a político também não época: a segurança estadual era con- ambientais do governo, que estariam pode ser ministro. trolada por bacharéis e delegados coniventes com algumas ONGs, e a Se, para os efeitos legais, alguém só vinculados ao “baratismo”, a cor- omissão com relação à soberania na- perde a primariedade ou ganha nova puni- rente política liderada pelo caudi- cional, referindo-se à internaciona- ção nos antecedentes se a sentença conde- lho Magalhães Barata. A polícia era lização e à ocupação desordenada e natória transita em julgado, para a conve- usada contra os inimigos e adver- ilegal da Amazônia. niência da administração pública bastaria sários do governo, e também como Manifestou perplexidade com o or- que tivesse decisão contrária em órgão guarda pretoriana, dando suporte çamento do governo federal em curso, colegiado da justiça. Talvez fosse até mais a atividades que geravam fontes de que reservava 24 bilhões de reais para o acautelatório estender o veto a sentença de renda ao poder estabelecido, como Ministério do Desenvolvimento Social juízo singular. o jogo do bicho e o contrabando. O e Combate à Fome, enquanto que para Uma vez constatada a incidência desse general Ferreira Coelho devia atacar o exército foram destinados apenas R$ ônus, em pesquisa simples da assessoria da esses redutos, aproveitando o regime 1,2 bilhão. Atribuiu a disparidade ao presidente, ela agradeceria pela indicação de exceção. objetivo político do programa social: e lamentaria não poder fazê-la em função A escolha de um novo general (a “A cesta básica venceu a ética e o bom desse princípio, que atingiria tanto a gregos patente máxima desde então foi a senso”, declarou. quanto a troianos, sem precisar recorrer a de coronel, do próprio exército ou Opinando sobre uma questão de subterfúgios ou escamoteações. da Polícia Militar) contrasta com grande importância na região ama- Mas aí a formação do governo passa- o regime democrático atual, mas zônica (e na jurisdição da secretaria ria a ser mais séria e rigorosa. Diminuiria pode ter duas explicações. Uma, que irá comandar), apontou como a a margem de adequação a conveniências e para efeito interno: estabelecer um causa maior dos conflitos de terras fraquezas, que, mais uma vez, acabaram por poder de mando verticalizado na a falta de organização fundiária, por definir a substância do novo ministério, de Segup, que enquadraria os focos de culpa do próprio governo federal. E 39 cadeiras. resistência interna e as infiltrações também pela existência de organiza- Governar é transigir, negociar, negar o da política oposicionista – espe- ções sociais que não querem alcançar dito, refazer o feito, se desmilinguir e lique- cialmente ligadas ao senador Jader benefício social “e, por isso, estamos fazer, quando a chefe de governo, se sen- Barbalho, do PMDB – na estrutura atentos, silenciosos, mas acompa- tindo fraca, precisa da conivência do parla- de segurança. nhando os assentamentos e as inva- mento, cheio de culpas, para transformá-lo Ao mesmo tempo, marcar posição sões em todo o país, porque há ideo- em cúmplice do objetivo comum: a impuni- do PSDB do Pará, que traz para um logias muito estranhas à nossa”. dade de ambos. lugar de destaque um militar que foi O novo secretário de segurança, Por isso Dilma voltou atrás do compro- para a reserva criticando o governo que é sergipano, mas morava em Bra- misso e aceitou comandar uma colcha de do PT e suas extensões. Quando ain- sília, deverá continuar a falar – e dar retalhos mal alinhavada. Um exército Bran- da estava no comando da 8ª Região o que falar. caleone. Edição

Absorvido pela edição especial sobre a cabanagem, que de alguns temas do cotidiano. Em compensação, foi já está circulando, fechei aos tapas esta edição para não signif icativa a contribuição de leitores. Que eles deixá-la atrasar, o que prejudicou o acompanhamento compareçam ainda mais em 2015, é o que desejo.

6 - JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena Atraso de Belo Monte pode custar 4,5 bilhões

O início do funcionamento da hi- dinheiro púbico através de roubo, pro- to da hidrelétrica)? Mantidas as regras drelétrica de Belo Monte, no rio Xin- pina, maracutaia. E como está em cau- atuais, pelos acionistas da Norte Ener- gu, no Pará, projetada para ser uma das sa a maior obra do PAC (Programa de gia. Seus controladores são empresas maiores do mundo, está atrasado um Aceleração do Crescimento), é rombo estatais de energia, à frente a combalida ano. A primeira das 20 turbinas devia que não fica a dever à corrupção na Pe- Eletrobrás, e fundos federais de pensão. começar a gerar em fevereiro de 2015 – trobrás. Ou seja, o governo. Em última instân- ou menos de um mês, portanto. Por ora, pelo menos, não é isso – ou cia, o contribuinte, No novo cronograma, isso só de- ainda não é. O ônus de R$ 370 milhões Sem capital próprio, porém, o con- verá acontecer no primeiro trimestre ao mês surgiu porque a usina não ficou sórcio poderá recorrer a empréstimo. de 2016. O concessionário e a Aneel, a pronta na data estabelecida no contrato O BNDES manteria sua disposição de agência federal de energia elétrica, dis- de concessão para começar a fornecer financiar 80% de tudo que Belo Monte cutem sobre a responsabilidade por esse energia ao Sistema Integrado Nacional, gastar, como vem fazendo com o cro- atraso. Se for sua, a Norte Energia terá com seus compradores contratados. O nograma financeiro regular do empre- que comprar de terceiros a energia que concessionário atribui o atraso a fatores endimento? será obrigada a fornecer aos consumi- externos, que vão desde as manifesta- Parar a obra, no estágio avançado dores com os quais assumiu compro- ções de protesto até demoras nas libera- em que ela está, parece fora de cogita- misso para 1º de fevereiro de 2015. ções e autorizações de responsabilidade ção. Por isso, uma coisa é certa: a hi- A conta é de 370 milhões de reais ao de órgãos públicos. drelétrica do rio Xingu passará logo do mês. Se for confirmado o atraso de um Sem essas interferências vindas de limite de R$ 30 bilhões. É o momento ano, o encargo adicional somará quase fora do canteiro, as obras teriam evo- para submeter o projeto a um teste de R$ 4,5 bilhões, o equivalente a 15% do luído no tempo previsto e Belo Mon- consistência e a uma verificação de pla- custo total da usina. A preços de hoje, te cumpriria os seus compromissos. E nilhas. Quando o leilão da hidrelétrica ela passaria a quase R$ 35 bilhões. O ainda poderia começar a gerar com lu- foi decidido, as empreiteiras integravam valor do prejuízo em virtude do atraso cro, segundo a Norte Energia, porque o consórcio formado para produzir a supera a correção do quanto ela custa- os preços no mercado de energia estão energia. Quando as obras se iniciaram, ria quando o contrato de concessão foi superiores aos assumidos em 2010. pularam o balcão e assumiram o seu assinado, em abril de 2010, e hoje, que Seus argumentos, entretanto, não lugar tradicional, de empresas de enge- foi de R$ 1,5 bilhão. É um acréscimo foram aceitos pela Aneel, que decidiu nharia e construção. impossível de ser absorvido pelo con- impor à empresa as despesas extras pelo Foi um imprevisto ou um jogo de cessionário se ele não puder repassá-lo uso de energia de terceiros. O conten- cartas marcadas? Se as cartas estavam para a tarifa ou se não dispuser de capi- cioso ainda está sujeito a discussões marcadas, os parceiros sabiam que isso tal novo para arcar com o prejuízo até ou revisão e a Norte Energia, na nota ia acontecer e que o BNDES se apre- poder ser ressarcido. É esse o maior de- que distribuiu para esclarecer a matéria, sentaria para salvar o orçamento da safio imediato da obra. acredita que poderá mudar a posição da obra, acolitado pelas estatais de energia Quem leu a manchete de O Liberal Aneel. e os fundos federais de pensão? Se a da semana passada sobre o assunto e a Um dos motivos para o atraso só resposta for positiva, o esquema que era matéria distribuída pela agência de no- pode estar na complexidade dos canais usado na Petrobrás também se aplicava tícias de O Estado de S. Paulo, usada pelo de adução de água do reservatório prin- no sistema Eletrobrás. É preciso checar jornal paraense, deve ter pensado que se cipal para a casa de máquinas, uma ino- essa história antes dos últimos fatos se trata de mais um derivativo do escânda- vação temerária em relação ao projeto consumarem. lo da Petrobrás. original. Se for mantido o entendimen- O acréscimo feito ao orçamento da to do órgão governamental, como essa hidrelétrica é tratado como “rombo”. nova conta será paga, se puder ser paga Se é um rombo, trata-se de desvio de (o que parece impossível no orçamen-

No calor da hora

Feito em cima da hora para circular no dia 7, data dos 180 anos da cabanagem, o Dossiê Jornal Pessoal nº 9, que já está nas bancas, é formado por matérias já anteriormente publicadas e também inéditas, fruto de longas pesquisas sobre o tema. Uma das suas contribuições é uma relação de livros que ajudam a saber mais e entender melhor um acontecimento tão decisivo para a história do Pará quanto do Brasil.

JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena - 7 BALAIO DO REPÓRTER Jornalistas em ação como hordas de hunos portos internacionais pelo mundo inteiro. pesaroso e ainda inconformado, devolveu que estava se justificando para a compa- São aquelas pessoas que não respeitam a cada item ao frigobar. nheira de voo a Tóquio em função da ba- faixa amarela que atravessa a área frontal Já escolado, em outra viagem, esta para rulheira dos jornalistas brasileiros a bordo, aos pontos de atendimento das companhias Marabá, adverti meu companheiro de ex- “quando chegou um deles para conversar. aéreas. As demais se mantêm atrás dessa cursão, outro fotógrafo, que ele não podia E pôs o pé descalço sobre o meu joelho. faixa, que protege e dá intimidade a quem retirar nada daquela pensão, a melhor da ci- Eu nunca havia viajado com um grupo de está fazendo check-in e despachando baga- dade, que levava o nome da família Mutran. jornalistas. A partir daquela noite passei a gem. Quando em grupo, então, os brasilei- Não só por ser vetado. Era também pela evitar a repetição de um tal vexame”. ros se tornam mais selvagens. E quando a fama da proprietária, que a tudo fiscalizava Também tive minha experiência similar. turma é de jornalistas, a selvageria ultrapas- da sua cadeira de vime de balanço, à por- Estava na companhia do ministro da saúde sa qualquer padrão de barbárie. ta da entrada, com olhos de águia e ânimo do mesmo general-presidente Geisel, Pau- O que tem impedido o Brasil de dar belicoso. lo de Almeida Machado, numa mesa ao ar certo é que nenhum projeto de governo é Mais afoito ainda, o fotógrafo ignorou livre no hotel do Incra em Rurópolis. Era, acompanhado por um projeto de civiliza- meu alerta. Quando deixávamos a pensão, em 1975, um oásis de ostentação e conforto ção. A riqueza que se acumulou em vários a meticulosa dona exigiu que abríssemos no rústico cruzamento da Transamazônica períodos da sua história, como agora, acaba nossa bagagem. A minha foi aprovada. A com a Santarém-Cuiabá, que depois – para evaporando como perfume barato. A gera- do meu companheiro provocou um turbi- não variar no serviço público brasileiro – se ção dos abonados não pensa nos sucessores. lhão acusatório: lá estava uma das toalhas arruinou. Gasta tudo, dilapida. Mais do que o dinhei- do quarto. A gritaria foi tanta que decidi Conversávamos descontraidamente por- ro, a civilidade e a cultura. resolvê-la à moda da casa: comprei a toalha que já nos conhecíamos do tempo em que Alexandre Garcia relata no seu livro usada pelo preço de uma nova. E assim fo- ele dirigiu o Inpa (Instituto Nacional de Pes- Nos bastidores da notícia, de 1990 (Editora mos liberados. quisas da Amazônia), em Manaus. Chega o Globo, 358 páginas), episódios dessa fal- Por essas e muitas outras, não é imere- fotógrafo, outro, ainda mais novo, vindo do ta de modos e de educação dos jornalistas cida a má fama de jornalistas em geral nas jantar. Senta, levanta as pernas e a deixa fi- brasileiros que fizeram a cobertura da visi- suas missões externas, sejam viagens como car sobre a mesa, para espanto do ministro ta do general-presidente Ernesto Geisel a meras coberturas locais de acontecimen- e horror do seu segurança, um discreto e ex- Tóquio, em 1976. Os exemplos que cita, à tos. A dos fotógrafos, em particular, é ainda cepcionalmente (para aqueles tempos) afável margem da jornada, são ilustrativos. O final mais nefanda: como dom José Cavaca dizia agente da Polícia Federal. Rapidamente dou da permanência da horda no hotel deixou dos goleiros, onde ele pisa não nasce mais uma bicuda por baixo da mesa no fotógra- um saldo impressionante: “os brasileiros grama. fo, que retira as pernas – menos em função haviam levado não apenas bíblias e garrafas Os fotógrafos são (ou eram) indóceis, de súbita recuperação de modos, inexisten- térmicas dos quartos mas também yukatas irrequietos e, quase por derivação, incon- tes, do que pela dor do golpe. Ainda se vira – trajes para dormir nos quais o hotel punha sequentes, irresponsáveis, incômodos. Por para dizer alguma coisa para mim, mas, fe- uma etiqueta, informando que um yukata que um deles decidiu subir em determinada lizmente, compreende meu olhar irado. Algo como aquele estava à disposição do hóspe- cadeira para pegar um ângulo (diferente, como a noção da idade e da hierarquia numa de numa das lojas do térreo, por um preço conforme sempre se justificam, a posteriori) viagem o calam. O ministro e o agente me baratíssimo. Pois além disso levaram tam- da bela e enorme sala na residência do en- agradecem com outro par de olhares. bém cortinas do hotel e até uma torneira genheiro Paulo Maluf, que dava entrevista Conto essas histórias sem que elas com- do banheiro”. coletiva à imprensa, ungido que fora pelo prometam a minha gratidão por alguns O testemunho de Garcia puxou da mi- general-presidente Costa e Silva (na verda- fotógrafos que me acompanharam nos mo- nha memória cena parecida. Mal entramos de, por sua esposa, dona Yolanda), naquele mentos em que atuei como enviado espe- no apartamento no hotel São Francisco, em ano nada glorioso de 1969? cial, dentro e fora do Pará, principalmente São Luís do Maranhão, onde iríamos ficar Pois costumava ser sempre assim. Um quando iniciava na profissão. Foram mui- para uma cobertura jornalística, o fotógrafo dentre os muitos fotógrafos em ação sem- tas as ocasiões em que Porfírio da Rocha, que me acompanhava abriu sua enorme va- pre encontra uma maneira de se distinguir Ayrton Quaresma, Emanoel Ó de Almeida lise e começou a colocar dentro dela todas (e valorizar) dos demais a partir de uma ou Tolentino Martins, na velha A Província as garrafinhas de bebidas que estavam sobre perspectiva original ou inédita para o seu do Pará, meu primeiro emprego na carreira, o frigobar e o conteúdo do aparelho, dei- clique na máquina. O dito cujo levantava o supriram minhas falhas e faltas, me orienta- xando-o zerado. pé para se firmar na cadeira quando dona ram na apuração em campo (ou redigindo o Fiz minhas contas e o alertei que na- Sílvia, a esposa do novo prefeito biônico de texto na redação) ou me protegeram. quele momento ele estava em débito na São Paulo, levantou-se da sua e saiu como O problema, nas viagens, é que a maioria gerência em determinado valor, que não flecha a tempo de dar um empurrão no fo- dos fotógrafos faz o seu serviço mais rapida- era nada pequeno. Como?, reagiu ele, es- tógrafo, que desabou do outro lado. mente do que o repórter. A partir daí quer ir tupefato. Porque aquela despesa não estava Sem perder o aplomb, a nova primeira embora, fazer outro serviço ou ir flanar. Após incluída na nossa conta e eu não ia poder dama da maior cidade da América do Sul vários desentendimentos, decidi que iria via- justificá-la para a contabilidade do jornal na se explicou, sem pedir desculpa: jar sozinho, munido da minha Pentax velha prestação de contas. Era ônus pessoal dele e – Essa cadeira tem 150 anos. de guerra (hoje dignamente aposentada num ponto final, inclusive porque o hotel tinha a O profissional da fotografia, umas qua- escaninho da biblioteca). relação de tudo que havia no apartamento. tro vezes menos idade. Não era uma atitude muito profissional Depois de algum protesto, o fotógrafo, Alexandre Garcia conta ainda no livro e merecia o repúdio de colegas. A viagem, ••• 8 - JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena Campanha contra Celpa é pelo calote do Liberal

O Pará, com oito milhões de habi- O momento é delicado. Precisa da Se a Celpa concordar em trans- tantes, tem um milhão a mais do que atenção e da ação do novo concessionário, formar seu crédito em permuta, pro- o Maranhão, com seus sete milhões da população e das autoridades. Já seria movendo uma hemorragia de pu- em números redondos. No entanto, o uma tarefa ingrata por si não fora a campa- blicidade nos veículos das ORM, a Maranhão possui 30 mil unidades con- nha iniciada em outubro pelo grupo Libe- campanha cessará de imediato. Como sumidoras de energia a mais do que o ral. Seria uma campanha meritória, tantos num passe de mágica, o mesmo que Pará. Pelos dados da Aneel, a agência são os motivos de queixa e as razões de in- beneficiou a Celpa mais de 10 anos federal de energia elétrica, as UCs aten- satisfação da população se a iniciativa não atrás, e também o Banco da Ama- didas pela Cemar somam exatamente se devesse a capricho e interesses pessoais zônia e a Vale. De inimiga pública, 2.278.898. Já as da Celpa são 2.148.720. contrariados do principal executivo do a empresa passará a ser exemplar. A discrepância, que não é nada mis- grupo Liberal, Romulo Maiorana Júnior. Nunca mais uma crítica perturbará teriosa, pode ser resolvida. É que agora O Liberal prestaria um excelente essas relações celestiais. Ou alguém a Celpa (com a totalidade das ações) serviço à população se preparasse uma constata um tisnar de tinta vermelha e a Cemar (com 65%) são controladas equipe de repórteres para ouvir as quei- sobre a Vale, que oferta anúncios sem pela Equatorial Energia, empresa com xas da população, fazer ronda nos ór- fim ao grupo Liberal? ativo de 15 bilhões de reais e que tem gãos públicos que tratam do problema, Ao insistir na campanha, Romu- entre os seus acionistas o Burger King, inventariar as ações na justiça e pene- lo Júnior quer mostrar para a Celpa Unidas, PDG. Le Biscuit, Inbrands e trar nos labirintos do processo de re- que cumprirá a ameaça que fez a dois outros sócios. cuperação judicial para reconstituir os diretores da concessionária de ener- Tanto a Cemar quanto a Celpa esta- motivos da precária situação em que a gia, interrompendo a negociação que vam em situação de insolvência quando Celpa acabou ficando, além de manter eles faziam com diretores das ORM: a Equatorial as assumiu. A concessio- um acompanhamento rigoroso da evo- quebrará a Celpa se ela não se dobrar nária maranhense já passou a vizinha lução do novo controlador, a Equatorial aos seus interesses e caprichos, do Pará em todos os índices, da quali- Energia, à frente da ex-estatal paraense. Uma fonte ligada à empresa ga- dade dos serviços à redução de perdas Ao invés disso, o jornal passou a acolher rantiu, porém, que será mantida a co- e de inadimplência, faturamento e ren- – sem qualquer critério ou rigor – tudo que brança do débito da corporação. Os tabilidade. O desafio, agora, é a Celpa. diz respeito à conta de luz, de forma nega- devedores terão que quitar o passado Pelos números comparativos dos tiva, sensacionalista, sem apurar os fatos e e assumir a conta mensal de energia, dois Estados, dá para constatar que se sem ouvir adequadamente a parte contrá- que Maiorana quer transformar inte- a Celpa se tornou a pior empresa do ria. A pressão não é para melhorar o servi- gralmente em permuta de publicidade setor elétrico brasileiro, chegou a essa ço, mas para impor a vontade de Romulo para os seus veículos de comunicação. situação por péssima gestão da conces- Maiorana Júnior. Ele simplesmente não Se sua vontade for atendida, a Ce- sionária e má supervisão pelo governo. quer pagar sua conta de luz. lpa, que teve orçamento de R$ 3 mi- Depois de passar pela recuperação ju- Essa conta tem um débito acumulado lhões de publicidade em 2014, teria dicial durante os últimos dois anos, sob de 20 milhões de reais e aumenta R$ 700 que programar, só para o grupo Li- o peso de uma dívida de 3,8 bilhões de mil por mês. Ela abrange 150 unidades beral, R$ 8 milhões. Além de bonifi- reais, se não se tornar solvente só lhe consumidoras, que vão desde as instala- car o calote, dando péssimo exemplo resta falir de vez e perder a concessão. ções do jornal, da televisão e de outros ne- para os consumidores sem privilégio, Ao governo, a partir daí, a intervenção gócios das Organizações Romulo Maio- é um absurdo diante da carência de e novo leilão atrás de algum grupo inte- rana, até residências particulares, algumas recursos da empresa para suas despe- ressado, em reprise negativa. delas luxuosas, como a de Romulo Júnior. sas prioritárias.

••• além de significar o momento de maior texto, mas a apuração ficava melhor porque Sem fotógrafo e também sem a compa- aprendizado, era também a oportunida- dispunha de mais tempo para se diversi- nhia de qualquer outro repórter por compa- de de faturar diárias, passear e ter acesso ficar e aprofundar. Zanzei pela Amazônia nhia ou como competidor, fui pioneiro em a coisas e gente inacessíveis até aos mais durante vários anos como repórter solitário quase todas as frentes que se abriam atrás do endinheirados turistas, ainda que também em lugares ermos, naqueles pontos em que a novo eldorado: minérios, madeira, terra, espe- houvesse uma face nada desejável: conflitos, Amazônia mais interessava aos novos donos culação, saque. Histórias às vezes únicas, que ameaças, sacrifícios, desgastes, riscos graves da terra, que faiscavam suas riquezas com estão à disposição nos arquivos dos jornais e, e, eventualmente, mortes. ferramentas tecnológicas mais sofisticadas ainda maiores e mais detalhadas, em dezenas Sem um fotógrafo, minha expedição e começavam a explorá-las como um novo de cadernos de viagem que me acompanham perdia na qualidade das ilustrações para o almoxarifado de mercadorias para o mundo. como história, desafio e assombração. JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena - 9 A hidrelétrica Os PM que estão na rua sem reservatório a serviço de particulares A Agência Nacional de Energia O governador Simão Jatene provavel- realmente quer impor a aplicação da lei Elétrica autorizou, no mês passado, mente nada fará. Tanto porque é refém da no setor sob a sua jurisdição o início da operação comercial da pessoa citada pela na notícia, como por- “O juiz togado do Tribunal Regional quarta e última unidade geradora que a fonte da informação já não lhe me- do Trabalho, Vicente José Malheiros da da hidrelétrica de Santo Antônio rece qualquer crédito. Mas se realmente Fonseca, diz que a conduta dos policiais do Jari, que fica na divisa do Amapá ainda governasse para os paraenses, teria que prestam serviços para particulares é com o Pará. Essa é a menor das má- que mandar apurar a denúncia feita há ilícita e imoral. Ex-presidente do TRT, quinas. Instalada na segunda casa de duas semanas pelo Repórter Diário. Malheiros fundamenta sua avaliação força, sua potência é de apenas 3,4 Um informante disse à coluna do Di- na quantidade de ações que o Tribunal megawatts. ário do Pará, o jornal da família Barbalho, recebe envolvendo policiais que fazem Ela irá complementar a geração que um militar fardado estaria na direção ‘bicos’ e no final da relação de trabalho das três turbinas principais e permi- de um carro com a logomarca do jornal com empresa ou empresário reivindi- tir que a usina opere com sua plena O Liberal na porta do condomínio Lago cam direitos trabalhistas. Ele defende capacidade, que é de 373,4 MW, o Azul, às 23,20 do dia 23 de dezembro, que nesses casos policiais e empresários suficiente para atender o consumo “tendo ao seu lado segurança particular sejam penalizados, os primeiros por suas de três mil pessoas. A potência fir- do proprietário do jornal, por sinal mili- respectivas corregedorias e os segundos me durante o ano é de 217,7 MW. tar da reserva”. O personagem referido é pela Delegacia Regional do Trabalho, Essa energia já faz parte do Sistema Romulo Maiorana Júnior. com multa. Integrado Nacional, podendo ser co- Apurar a denúncia não seria fácil, Vicente entende que não há relação mercializada no próprio local ou em mas era pelo menos necessário tentar. de emprego entre contratante e soldados qualquer ponto de consumo do país. Em 21 de janeiro de 2005 (há quase e a conduta dos policiais abre um prece- A energia da usina entrará no mer- 10 anos, portanto), quando davam co- dente para a desordem pública. Muitos cado livre já a 1ª de janeiro. bertura à agressão contra mim pelo seu se aproveitam do treinamento da corpo- A proprietária da usina é a mul- patrão, Ronaldo Maiorana, no início ração e até de uniformes e armamentos tinacional EDP, que atua em 12 paí- da tarde de uma sexta-feira, o sargento para complementar os salários. ‘Ao invés ses e é a terceira maior produtora de Manoel Santana e o subtenente Edson de fazerem uma luta justa por melhor energia eólica do mundo. No Brasil, Nazareno de Carvalho, ambos perten- remuneração, procuram essa válvula de está presente em nove Estados. A hi- centes aos quadros da PM, mas que escape para conseguir um complemento drelétrica do rio Jari, a maior sob seu prestavam serviço de segurança particu- salarial através da segurança particular’, controle, exigiu investimento de 1,4 lar ao empresário, apareciam no contro- constata. bilhão de reais. le informatizado da corporação como se ESCÂNDALO - O juiz afirma que este Originalmente, foi concebida estivessem no quartel. não é um problema sem importância. para suprir de energia a fábrica de Sempre foi assim. Para todos os efei- Trata-se de um problema de segurança celulose que o milionário americano tos eles desempenhavam suas funções no pública muito grave, porque policiais, Daniel Ludwig implantou na região, serviço ativo da Polícia Militar enquanto pagos pela sociedade, abandonam seus hoje de propriedade do empresário acompanhavam o então diretor corpo- postos para proteger pessoas ou empre- paulista Sérgio Amoroso. rativo (hoje, jurídico) do grupo Liberal. sas individualmente em detrimento do A hidrelétrica opera a fio d’água, Nesse dia, 500 militares estavam fora interesse coletivo. ‘Já soube de caso inclu- com pequeno reservatório, de 31,7 dos seus lugares de trabalho público para sive de bombeiros que saíram do cum- quilômetros quadrados, formado atuar como agregados, em disponibilida- primento do dever público para atender acima da cachoeira de Santo Anto- de ou de forma inteiramente ilegal. a particulares. Infelizmente é preciso que nio, uma das mais bonitas da Ama- Quantos seriam na noite de ontem? aconteçam situações da gravidade da zônia, que – ao menos em tese – será Dez anos atrás o mesmo Diário do ocorrida na última sexta-feira para que as preservada. O rio foi desviado na Pará publicou a seguinte matéria a pro- providências sejam tomadas. A prestação margem esquerda para ser utilizado pósito da agressão de Ronaldo com seus de serviços por policiais a empresários como fonte de energia, num curso dois policiais militares, que ainda merece e empresas é escandalosa e ocorre com artificial. As águas, depois de turbi- atenção das autoridades e, agora, do ge- muito mais frequência do que se imagi- nadas, voltam ao leito natural do Jari, neral-secretário de segurança pública, se na’, denuncia.” abaixo das quedas d’água.

O Pará do Século XX ÁLBUM DA MEMÓRIA A seleção dos dois primeiros livros da série Memória do Cotidiano (a sessão preferida dos leitores do Jornal Pessoal), já no 5º volume. 10 - JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena Nova Olinda: do petróleo que não deu à catarata ruim Li, emocionado e triste, matéria que para sabotar a busca de petróleo pela tes, calor, secreções e, finalmente, visão saiu na edição do dia 21 de dezembro da Petrobrás. Anos depois do meu pai, fui a turva e cegueira. Folha de S. Paulo. O enviado especial Nova Olinda, que fica a 150 quilôme- Dias depois, os idosos foram levados Lucas Reis denunciou a maldade prati- tros de Manaus. Fiquei emocionado por a um hospital de Manaus, mas o quadro cada contra moradores de Nova Olinda estar lá e triste pelo abandono em que era irreversível. do Norte, no vizinho Amazonas. Essas a deixaram depois de tanto otimismo. “Eu enxergava e trabalhava como pessoas perderam a visão após serem Abandono atestado pela excelen- mecânico. Fiquei cego de um olho, e atendidas num mutirão contra a catarata, te reportagem da Folha. Como fiz agora estou com problema na outra vis- em 2011, e nunca foram indenizadas. no meu blog, reproduzo aqui tam- ta também. Entrei em depressão, isso Nova Olinda entrou para o meu bém o texto a seguir. Ele que devia foi o fim da minha vida”, conta Edmil- imaginário através do meu pai, que esteve ser lido por todos. É exemplo forte son Freitas, 71, ao lado da oficina em na base da Petrobrás, logo em seguida ao do escárnio pela gente do interior. seu quintal, abandonada. grande fato: em 13 de maio de 1955 pela Depois de quase duas semanas in- primeira vez jorrou petróleo na Ama- Se eu saio de casa sozinho, não sei se ternados e recebendo colírios, contam zônia. Ainda criança, vi as fotos do meu voltarei vivo”, diz ao repórter um dos os idosos, foram levados de volta a Nova pai em instalações que mais pareciam “18 pacientes que sofreram as sequelas Olinda, mas nunca mais receberam cenografia de filmes de Hollywood. Seu Antônio, 73, mora perto do rio qualquer explicação ou satisfação sobre Papai era deputado estadual pelo Madeira, mas não come mais peixe. o caso. “Diziam que a gente iria voltar PTB do Pará, eleito por Santarém e o Dona Senhorinha, 64, precisa se esco- a enxergar em um mês”, afirma Freitas, Baixo-Amazonas, em início de manda- rar em varais para chegar ao quintal. O que até hoje sente dores no olho. to. Acompanhou, a convite, a comitiva carpinteiro Seu Raimundo, 95, aposen- “Meu olho estava cheio de bactérias do governador amazonense, Plínio tou-se há três anos e foi obrigado viver quando procurei outro médico. Ele dis- Coelho, também do PTB (igualmente trancado em casa. se que o olho parecia um algodão mo- o partido do presidente Getúlio Var- A história de 18 idosos da pequena lhado”, diz Antônia Reis, 70. gas). Aquele parecia ser o primeiro Nova Olinda do Norte (a 135 km de Naquele momento, todos eles co- capítulo da redenção da região depois Manaus) mudou radicalmente em abril meçaram a descobrir o que era viver no do fim da exploração da borracha. de 2011, quando um mutirão de cirur- escuro. A Amazônia, como detentora da gias de catarata do governo do Amazo- “Eu não como mais peixe por causa maior bacia sedimentar do planeta, estava nas terminou em cegueira permanente. do espinho. Era o que eu mais gostava de “vocacionada”, por sua geologia, para Quase quatro anos depois, os idosos comer”, conta Antônio Aureliano da Sil- acumular hidrocarbonetos. Nova Olinda tentam sobreviver com a ajuda de pa- va, 73. “E não saio mais sozinho de casa.” era a prova dos nove. Daí o entusias- rentes e amigos em uma cidade de 34 Os idosos sofrem com tombos cons- mo de todos, incluindo meu pai, que o mil habitantes, acessível apenas pelo tantes e ferimentos nos pés, não con- transmitiu à família. Todos queriam ver rio, com pouca infraestrutura e nenhum seguem se alimentar sozinhos e muito o óleo jorrar e cair sobre os mais afoitos, respaldo do poder público. menos andar pela cidade sem apoio de que tratavam de trazer sua amostra À espera de justiça, ao menos 5 dos alguém. “Se eu saio de casa sozinho, do ouro negro, inclusive na roupa. 18 idosos já morreram desde então, um não sei se voltarei vivo”, diz Francisco Nos dois anos seguintes cinco novas deles após complicações em decorrên- Rolim, 81, que também foi obrigado a perfurações foram feitas em torno do poço cia da cegueira: após um tombo, preci- parar de trabalhar, a exemplo de Railde pioneiro. O petróleo voltou a subir pelas sou amputar uma perna e definhou. Lima, 65. sondas, mas os poços não foram desen- “A nossa vida acabou. Não conse- Jandira Lemos, 79, que já tinha pro- volvidos porque um geólogo americano, guimos fazer mais nada direito. O que blemas em um olho, ficou totalmente Walter Link, contratado pela Petro- eu posso fazer agora? Só morrer”, diz o cega. À noite, reclama de dores. brás, garantiu que o volume contido carpinteiro Raimundo Barros Neto, 95. Quase nenhum deles consegue distin- não era comercial. Não compensaria o MUTIRÃO guir um rosto. “Eu vejo apenas vultos, e só investimento. E com isso os poços foram consigo reconhecer meus filhos por causa lacrados e nunca mais a afirmativa do Em março de 2011, o mutirão do da voz”, conta Senhorinha da Silva, 64. terrível Mr. Link foi testada em campo. governo do Amazonas desembarcou Alguns procuraram advogados e en- O episódio ficou como mais um em Nova Olinda do Norte para reali- saiaram uma ação coletiva de indenização, capítulo da teoria conspirativa contra a zar 36 cirurgias de catarata. Horas de- mas o processo não foi adiante. “Voltar a Amazônia. No caso, colocada em prá- pois, metade dos operados ficou com os enxergar, não vamos. Nossa esperança é tica por um emissário dos Rockefeller olhos vermelhos, com dores lancinan- que seja feita justiça”, diz Freitas.

JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena - 11 GUERRA da polícia. Em 10 anos nessa Já às proximidades do fim missão, ele registrava taxa zero da Segunda Guerra Mundial, MEMÓRIA de acidente. em julho de 1945, o coronel PROMOÇÃO Ney Peixoto, chefe da seção de DO COTIDIANO abastecimento, distribuição e Jair Rodrigues e Dalva de controle de carnes verdes, pes- Oliveira animaram a festa or- cados e mariscos do Estado ganizada pelo colunista social comunicava ao público que “a sendo editada “por nova di- que resolvido o impasse”. Pierre Beltrand (Ubiratan de carne de mamote e suas vísce- reção”, fora suspensa por de- Aguiar) para proclamar Iza CÍRIO ras” seriam vendidas exclusi- terminação do DEIP, a versão Neyde Moreira como a Miss vamente em quatro talhos: na estadual do famigerado DIP Durante a “quadra naza- Belém 1964 e apresentar as avenida São Jerônimo (atual (Departamento de Impren- rena” de 1964, 13 pessoas (do new faces daquele ano. Na Governador José Malcher), sa e Propaganda), criado por Pará e do Maranhão) vende- Assembleia Paraense, com entre Rui Barbosa e Quintino; Lourival Fontes (o Golbery ram balões no Largo de Na- traje passeio completo. na Benjamin Constant canto do Couto e Silva do Estado zaré, utilizando 28 cilindros GUARANÁS com Ó de Almeida; na 14 de Novo) para censurar a im- de gás. Gastaram 228 latas de Março canto com Boaventura prensa, sob a ditadura (que já soda cáustica e 342 quilos de Alguma cidade do mesmo da Silva, e na Manuel Barata agonizava) de Getúlio Vargas. alumínio, enchendo 54.864 porte no Brasil teve mais mar- canto com a Frei Gil de Vila Segundo a explicação do cen- balões, comercializados entre cas de refrigerantes do que Be- Nova. sor, a revista estava circulando os frequentadores do anima- lém? Como a pergunta nunca Advertia que tais talhos “fora da lei”. Seus responsáveis do arraial do Círio (naquela foi feita, a resposta jamais foi iam vender livremente a carne já estavam “entrando em en- época, balão custava algum di- dada. Mas essa é uma ques- e as vísceras de mamote, “isto tendimento com as autorida- nheiro). Nenhum acidente foi tão na qual vale a pena pensar. é, fora do racionamento, ao des do sul da República” para registrado, segundo o relatório Para estimular investigadores, preço de Cr$ 8,00”. Qualquer tentar liberar o semanário, que do responsável pela fiscali- publica-se nesta página anún- um podia comprar essa carne, voltaria a circular, com uma zação da atividade, Amílcar cios de algumas dessas marcas, “independente da quota a que edição especial, “assim que fi- Cabral, perito toxicologista em circulação entre a segunda tenham direito pelos cartões metade da década de 50 e os de racionamento destinados anos 60. aos mercados ou talhos de De algumas quase não há rua”. mais registro, como os três produtos (guaraná, kola e, IMPORTAÇÃO naturalmente, a “rainha das Na mesma época, Pi- aguardentes” de cana, prefe- ckerell Representações S/A rida “do Oiapoque ao Chuí”) oferecia orçamento a quem da Fábrica Igarapé-Mirí, de quisesse fazer importação di- Pereira & Araújo, que funcio- reta das fábricas de artigos que nava na Travessa São Francis- representava, como cimento co, bem no centro de Belém. cinzento americano Hercu- Tão antigo e ainda competin- les, farinha de aveia Quaker, do no mercado é o Guaraná farinha de trigo Northern Soberano, que continuou a ser King e Granada, azeites finos produzido até recentemente, para mesa (Bela Albion e A na rua Siqueira Mendes, a pri- Andaluza), uísque Balmoral, meira aberta em Belém. Me- aguardentes John Bull e Juízo, receu verso, como este, meio ou linotipos da Mergenthaler, de pé quebrado: “Tua fórmula de Nova York. Também acei- PROPAGANDA é o mágico segredo,/ que refri- tavam assinaturas para as re- gera, dá saúde, anima,/ e quem vistas Time, Life, Architetural Das ferragens ao esporte te bebe vive forte e ledo”. Fórum e Fortune. Já o sucesso de público Em plena expansão, a Importadora de Ferragens inaugurava fez o Guarasuco deixar de CENSURA sua filial da praça Amazonas, em 1970. O local está agora sem ser estritamente refrigeran- Uma pequena e vaga nota uso. A prefeitura ou o governo podiam desapropriar essa área, te para ser uma expressão de publicada na Folha do Norte enorme e estratégica, e transformá-la num centro de esporte para gíria. Alguém era chamado de 5 de julho de 1945 infor- os jovens das escolas públicas, muito bem equipado, protegido e de Guarasuco porque estava mava que a circulação da re- com uma equipe de professores e instrutores. Para proporcionar em todas. Para reforçar a ima- vista A Semana, que estava lazer e formar atletas em várias modalidades esportivas. gem, o refrigerante patrocina- 12 - JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena va um campeonato colegial através da rádio e televisão (a Marajoara ainda era a única). E tinha também o Sacy, que, talvez por se apresentar como guaraná mesmo, se julgava “do outro mundo”. Um brinde aos nossos muitos guaranás, neste clima que clama por um, desde ime- moriais eras indígenas.

SENADO A terrasse do Grande Ho- tel abrigou um dos maiores e mais antigos “senadinhos” de Belém, que lá se reunia para jantares de confraternização. O de começo de ano, em ja- neiro de 1966, porém, foi no restaurante do aeroporto de Val-de-Cans, numa longa mesa decorada com flores em castiçais. No cardápio, o previsível filé de peixe ao molho de ca- marão e filé de carne com ba- FOTOGRAFIA tatas francesas, tendo o pudim como sobremesa, tudo acom- Calouros em trote panhado de vinho e cham- panhe. O brinde foi puxado Assim foi o trote dos calouros do curso de direito de 1950 em frente à sede da faculdade, então pelo advogado João Baptista unidade isolada de ensino superior (a UFPA só seria instalada oito anos depois). No local, está Klautau de Araújo, seguindo- hoje a OAB do Pará, no largo da Trindade. O prédio perdeu boa parte das suas linhas originais. se uma homenagem ao presi- dente, Adriano Guimarães, e breves palavras – como seria DIRETAS Sebastião Curió, do PDS, e Jinkings. ----- A posição que a de desejar – do então universi- As notas a seguir deviam Ademir Andrade, do PMDB, deputada Lúcia Viveiros ado- tário e corretor Eliezer Athias. ter saído na seção Em Pou- trocaram um diálogo violento. tou em plenário, na discussão Também estiveram nes- cas Linhas da coluna Repór- Curió estava justificando-se das “diretas, já”, provocou a se banquete os comerciantes ter 70, de O Liberal de 1984. sobre o porquê da sua posição pronta reação da alta direção Oswaldo Gurjão de Carvalho, Mas Romulo Maiorana as contrária às “diretas, já”, quan- do Incra. Chegou a ser trans- Alírio Serruya e Armando Fa- vetou. Quando ia jogar a lau- do foi aparteado pelo depu- pirado ontem à tarde que o vacho Pereira, o industrial Ro- da fora, pedi para guardá-la. tado Ademir Andrade, que presidente do Incra, Sr. Paulo naldo Romariz, o fazendeiro Com 30 anos de atraso, di- censurou sua posição. ----- Na Yokota, telefonou para o Incra Oscar Bentes, o vereador Al- vulgo-as para o leitor. Conti- réplica e da tribuna, Curió cha- várias vezes. Queria o apoio docir Cordeiro, os advogados nuam a ter interesse. mou seu colega de “esquerdista de Júlio Viveiros, o marido da Almério Serruya e Geraldo Alguns lances de paraenses de uísque” e “grileiro” de terras. deputada Lúcia, para que ten- Dantas, os universitários Sér- na sessão de ontem do Con- Aí não prestou mais, com um tasse persuadir a parlamentar gio Mattos e Sérgio Couto, os gresso, quando de discussão bate-boca de baixíssimo nível, no sentido de votar com o Go- secundaristas José Abraão Ben- das “diretas, já”. A deputada com interferência da “turma do verno, contra as “diretas, já”. --- chimol, José Alberto Ohana e Lúcia Viveiros fez declaração deixa disso” e suspensão ligeira -- Mas ontem à tarde, o enge- Carlos Alberto Ohana, mais os de votos a favor das diretas. --- dos trabalhos. ----- Da galeria, nheiro Júlio Viveiros resolveu funcionários Francisco de Assis -- Disse a deputada paraense dava-se para ver nitidamente não ir ao Incra, porque tinha Farias e Rubens Oliveira. que ia votar a favor das diretas três paraenses que aplaudiam compromisso em sua fazenda Todos “democraticamente porque o Governo deu “sinal as colocações de Ademir An- em Curuçá e lá não há tele- unidos pela amizade e o gos- verde” ao governador Jader drade contra Curió. Eram fone, tendo ficado ilhado, não to pela palestra inteligente”. Barbalho, no Pará, para obter os deputados Paulo Fonteles tendo recebido, assim, o telefo- Como tem que ser com sena- empréstimo de 60 milhões de de Lima e Romero Ximenes nema do presidente do Incra, dores honorários. dólares. ----- Os deputados e o líder sindical Raimundo Sr. Paulo Yokota. JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena - 13 um. O preço que se paga é muito alto demais, como o Grupo Sol do Meio Dia no da Paz, a montagem CART@S certamente sabe Lúcio Flávio. e apresentação da peça A Ameaça de Marco Antô- Benedito Carvalho Filho nio Oliveira pelo Grupo Experiência, em 1974, e da peça Estamos Sós e Abandonados, do mesmo autor Jornalismo Confraria com direção de Homerval Teixeira no da Paz, em Nesta semana de dezembro, quase perto do Entre 1967 até 1978 três turmas ocupavam 1978, todos confrades daqueles degraus. Natal e término de 2014, li o último livro do jorna- todas as noites, de domingo a domingo, a escada- Isto sem contar um sem número de grandes lismo Bernardo Kucinsk chamado Cartas a Lula (o ria lateral do Teatro da Paz em frente ao quiosque espetáculos a que tínhamos acesso, no da Paz, a sa- jornal particular do Presidente e sua influência no da Praça da República. Na extremidade direita, ber, O Avarento de Molière, com Procópio Ferreira, governo do Brasil) próximos da galeria Ângelus, ficavam os alegres O Rei da Vela de Oswald de Andrade, com direção Conheci Bernardo primeiramente numa pales- rapazes e seus simpatizantes, uma turma formada de José Celso Martinez Correia, o Assalto, de José tra promovida nos anos 70 em Belém do Pará pelo predominantemente de finas personalidades do Vicente, e tantos outros a que mensalmente as- Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará, quan- mundo das artes plásticas, cênicas e musicais da sistíamos por benesse do inesquecível porteiro de do – se não estou enganado – Lúcio Flávio era seu cidade, onde, entre outros, pontificava o cantor então, o “seu” Justino da Paz, cujo filho, Henrique dirigente. Nos anos 80, com mais idade, em plena Walter Bandeira, o produtor e diretor teatral Luís da Paz, muito fez pelo teatro na Vila de Icoaraci. Isto época da ditadura, revi o jornalista no jornal Em Otávio Barata, o restaurador de obras sacras João apesar da dissipação, distração, insônia e otras co- Tempo, no bairro de Pinheiros, São Paulo. Era um Mercês e a figurinista Marizete; no centro, ficava o sitas más. dos melhores quadros atuando naquele jornal, no grupo lítero-anárquico-político-construtivo inicia- Enfim, por volta de 1978 a Confraria se desco- meio de uma diversidade de jornalistas e outros in- do em 1968 e que a partir de 1972, por inspiração lou das escadarias e seus integrantes se dispersa- telectuais que naquele momento lutavam contra a de um de seus membros, Fernando Lúcio Coelho ram, mas não por completo. Os motivos principais ditadura militar. Tempos difíceis aqueles... de Miranda, filho da escritora paraense Lindanor foram o trabalho e os comprometimentos conjugais No anexo do livro Bernardo Kucinski publicou Celina, passou a se autodenominar de A Confraria. e de trabalho. Os Tropicalistas, por exemplo, que num editorial a última Carta Crítica escrita na sexta- Por fim, na outra extremidade ou por vezes em um eram os mais esporádicos, já até se haviam deban- feira, 30 de junho de 2006, onde cita o Jornal Pesso- dos bancos dos jardins da praça, ocasionalmente, dado dali, anos mais cedo, compulsados por dissen- al, que era escrito por Lúcio Flávio Pinto, de Belém se faziam presentes os Tropicalistas, uma plêiade sões intestinas. Ainda resistiram por mais alguns do Pará. Na verdade, o JP continua vivinho da silva, liderada pelo novelista Vicente Franz Cecim e seus semestres os alegres rapazes da Ângelus, sempre pois já chegou na 575ª edição. turbulentos companheiros surrealistas. muito unidos. Mas o importante no livro do Bernardo é pen- Vale, contudo, aqui salientar que, mesmo com Destarte, prezado Lúcio, conforme o quadro sar na seguinte questão: é possível a atuação de um as particularidades e diferenças, existia entre es- acima descrito, o compositor Rui Barata, seu filho e jornalista crítico junto ao poder? ses três grupos um natural equilíbrio, respeito e a insigne poetisa Ana Maria Barbosa jamais em tem- O livro, em vários momentos, mostra como o até admiração recíprocos, não tendo sido registra- po algum se sentaram na escadinha com a turma poder, seja de direita ou de esquerda, é intolerante do, ao longo dos anos em que esta configuração da Confraria, da qual o Dr. Luís Lima Barreiros par- e resistente a qualquer observação crítica que se ali perdurou, nenhum caso de agressão física ou ticipava, o que, aliás, caso tivesse ocorrido, tenho faça às suas decisões políticas. Nas páginas do livro, verbal entre quaisquer de seus integrantes, donde certeza que muito o teria honrado. Nem tampouco em vários momentos Kucinski mostra as irritação está correto afirmar que a convivência entre eles a citada poetisa foi a qualquer tempo fundadora da do Presidente Lula quando lhe enviava certas car- era exemplarmente pacífica. Confraria. Ana Maria Barbosa só aparece entre nós tas, ácida, muitas vezes, como dizia o Lula. É uma A Confraria, contudo, a meu juízo, foi a mais já tardia por volta de 1974, e assim mesmo em casa tarefa impossível para quem se propõe a ela, pois populosa, ecumênica, aglutinadora e cosmopoli- de Fernando Lúcio à Frei Gil de Vilanova, por conta sempre se é obrigado a conviver numa relação ins- ta das plêiades belenenses durante toda esta fase da amizade que, então, mantinha com este. tável e crítica. Afinal, o poder – como sabia Maquia- refulgente. Isto se deveu pelo fato de que ali com Ana Maria, Rui ou seu filho, durante a década vel, que foi assessor de um rei – não tolera quando frequência desfilava um número sempre variado de de 70, transitavam na Praça da República até de se diz coisa que não quer ouvir, mesmo quando sua figuras interessantes e bizarras as quais iam desde forma esporádica, e quando o faziam sediavam-se sabedoria ensina que, não poucas vezes, o pior ami- atores e autores de teatro, turistas, sulistas, inte- no Bar do Parque, no terraço de cima ou atrás, ao go é o bajulador, o amigo mais próximo. lectuais, garotas de programa e até eventualmente rés-do-chão, nas umbras das árvores. Podem até O poder seduz e o jornalista que quer ser seu alguns espias da ditadura, aliás, facilmente identifi- ter estado nas escadarias com adventícios, mas porta-voz, ou questiona as suas decisões. Ele rara- cáveis pelo bem que se vestiam, pouco que falavam eventualmente ou, quem sabe, em companhia dos mente se sustenta, porque o Rei, por mais bondoso e pelo muito que escutavam, além dos cigarros de rapazes da Ângelus, pois afinal o local era amplo e que seja, sempre possuí uma dose elevada de nar- filtro que generosamente a todos distribuíam. público; contudo com o pessoal da Confraria, eu, cismo, uma das patologias do poder, como vimos A par do que acima vai dito, a Confraria foi que ali frequentava os 365 dias do ano, garanto-lhe nas ditaduras e nos regimes totalitários. também, sem dúvida alguma, o mais autêntico, que não, a bem da verdade. É isso que aparece com frequência nas narra- criativo, independente, arejado e combativo en- Tinha acontecido que, por volta do mês de tivas de Bernardo Kucinski, sempre enfrentando, tre todos os grupos desta época plúmbea da vida agosto do ano de 1967, Luís Lima e eu nos enga- como ele diz na última Carta, “as borrascas e suas nacional na cidade de Belém. Seja porque, sem jamos no movimento juvenil da paróquia da Trin- fúrias”. nenhuma reserva, desde logo se opôs de forma dade. Tínhamos vindo do Mon Amie, que ficava O Jornal Pessoal segue lema diferente, seme- clara, frontal e inequívoca à ditadura militar, seja no térreo do Edifício Manoel Pinto da Silva, onde lhante aos dos velhos anarquistas: contra o poder. também porque de pronto se afastou da estreite- jogávamos xadrez tomando coca-cola, juntamen- Prefere não dar conselhos diretos ao Rei, manter-se za e da frivolidade provinciana, do carreirismo, da te com Haroldo Pereira e Max Parijós. Então, lá na independente e seguir na sua posição, o que não subserviência e da vassalagem aos poderosos do Trindade, logo ao chegar, fundamos também um deixa de ser uma tarefa hercúlea e muito difícil de regime como de seus consectários, tendo, sobre- clube de xadrez, mas em menos que sessenta dias levar a cabo, pois as borrascas e suas fúrias são tudo por esses motivos mesmos, sempre infun- fomos excluídos do grupo pelo padre Carlos Coim- grandes demais. Lúcio Flavio sabe disso e, muitas dido nos meios conservadores temor e despeito, bra e seus conselheiros, porque numa reunião so- vezes, é mal compreendido, até mesmo por mim, senão até às vezes repulsa e indiferença, inclusive cial nos declaramos ateus. Daí, rejeitados pelo céu e quando percebo que ele extrapola nas suas críticas. na mídia de então quase inteiramente dominada seus santinhos, nos dirigimos para o inferno e seus Mas eu pergunto: será que assumir uma posi- pelo jornalismo de bajulação, de necessidade e de capetas, verbi gratia, o Bar do Parque. Daí, banidos ção contra o poder não é uma forma de poder, um encômio aos generais e seus títeres. e sem dinheiro, sentamos os dois, Luís Lima e eu, “empoderamento”, como se diz hoje? Claro, não o Assim, a Confraria, conquanto também fosse desolados na escadaria lateral do da Paz e a partir poder das armas, que na maioria das vezes vence, um berçário de intelectuais e de artistas, muito de então fomos agregando pessoas. mas certo poder simbólico, que é importante nas diferentemente de outras plêiades não possuía Quanto a José Otávio Pinto, também mencio- estratégias de lutas. Um poder que está do outro amigos nem parentes nem aderentes dentro das nado na matéria jornalística em comento, era, por lado e conta história não só dos vencedores, mas, redações, das produções e das instâncias do poder, sinal, pessoa muito bem quista por Luís Lima e sim- também, dos vencidos. onde, aliás, qualquer desvio do paradigma por míni- pático a todo o grupo, então, por volta de 1971, já Infelizmente, os conselheiros dos reis nos tem- mo que fosse, era tido como subversão, daí porque completamente formado. Na ocasião tínhamos lá pos de hoje não fazem o trabalho que fez Bernardo. se manteve na penumbra. Contudo, a sua discrição uma lista de avaliação crítica dos filmes exibidos Eles estão cercados de bajuladores, os chamados e banimento, que contrasta com a exaltação de ou- na capital de que ele, José Otávio, inclusive, era assessores de imprensa, que escrevem para agra- tros grupos locais, alguns adesistas, não deve ser in- partícipe. Contudo a sua nota de avaliação era nor- dar os governantes. Muito distante das Cartas Crí- terpretada como um vacum, posto que desta época malmente passada em local distante da escadaria, ticas. Ajudar o governante a governar é caminhar datam os concorridos saraus literários na casa do geralmente no passeio da Praça: o Luís Lima desta- na corda bamba e com grandes riscos para quem se poeta Rubens Almeida, a princípio na Rua do Horto cava-se do grupo e ia a seu encontro. Porém dele propõe a essa tarefa. Mas ir contra a maré, contra e depois na Teófilo Conduru; as publicações do livro sentar-se na escada com o pessoal da Confraria, o poder, também. A Casa de Dadá de José Veríssimo, em 1972; a parti- tal como Tadeu Ponte e Souza, Cláudio Barradas e Para quem deseja a informação com mais fide- cipação de Fernando Lúcio no festival universitário Nazareno Tourinho, isto foi Lana caprina, até por- lidade, claro, a segunda é a melhor. Mas, como dis- de música, em 1974; o espetáculo Sabor de Cho- que José Otávio era um sujeito muito escabriado; se, tem, também, seus riscos e não é para qualquer colate de Wenceslau Otero Alonso em 1974 com já Tadeu Ponte e Souza, era porque tinha muito mais ligações com os surrealistas comandados por Vicente Cecim do que propriamente conosco da Confraria. Jornal Pessoal Contato: Rua Aristides Lobo, 871 CEP: 6.053-020 Outro ponto de que me obrigo a comentar Fone: (091) 3241-7626 • E-mail: [email protected] aqui é quando Vossa Senhoria expressa que “Luís Editor: [email protected] Site: www.jornalpessoal. Lima foi um desses que nasceu para ser muitas coi- Lúcio Flávio com.br • Blog: http://lucioflaviopinto.wordpress.com sas e sabe-se lá bem por quê, não foi exatamente Pinto Diagramação e ilustrações: Luiz Pinto isso.” É verdade, Luís Lima não chegou a James Joyce, Thomas Mann ou mesmo a Guimarães

14 - JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena Rosa, mas publicou pequenas pérolas perfeitas como o são os contos, Um Rompimento; Reencon- tro no Lennon Bar; Kátia Foi Passear no Bosque; Esboço Para Uma Tarde de Verão; Bossa Nove; Duas Irmãs; Quatro Dias e Um dia na Vida Cabreira Sobre o que a campanha de João Carioca Macaxeira. Todos insertos nas três antologias, Maromba, Contos Paraenses e Novos Contos Paraenses, aliás, organizadas, editadas e publicadas por ele sob a chancela da APL, da qual de O Liberal nada noticia ele foi seu fundador e presidente. Ademais, Luís Lima Barreiros, manteve por mais de um ano uma página semanal inteira so- A venda da Celpa, em 1998, na ad- privado começou a escrever, interessa bre assuntos artístico-culturais no jornal Diário do ministração Almir Gabriel, do PSDB, diretamente aos dois milhões de con- Pará; foi pioneiro local em filmes Super 8; abriu e influenciou mentes, transmitiu conceitos, revelou constitui o mais nefando capítulo da sumidores do Pará e ao próprio Esta- caminhos estéticos, filosóficos e políticos, fez es- história das privatizações das conces- do. Os resultados ainda são modestos, colhas autênticas, escola, amizade e lealdade en- tre seus pares, foi o dono de seu próprio norte e sionárias estaduais de energia elétrica. mas parecem positivos, principalmen- desprezou como ninguém os bens materiais em fa- À parte o valor irrisório da transação te em virtude da situação agônica em vor dos valores intelectuais a que durante sua vida toda se devotou gratuitamente. Então, isto não é e dúvidas e suspeitas em torno da ne- que a deixou o grupo Rede. ser bastante? gociação, a troca de comando fez com Houve melhora em todos os indi- Marco Antônio Rodrigues de Oliveira que uma empresa mediana no setor, en- cadores, embora, em relação a alguns, o Petrobrás A propósito do texto sob o título “Os barões quanto estatal, se transformasse na pior avanço deva provocar reações contrá- ladrões”, uma alusão às conturbadas ações após o de todas, depois de privatizada. rias, sobretudo no combate às altíssi- esfacelamento do país dos soviéticos, volto a empu- nhar o escudo da repulsa à parcialidade das críticas, A péssima gestão pelo grupo Rede mas perdas e à ruinosa inadimplência. como já fiz em recentes comentários publicados resultou na inviabilização da Celpa e Surpreendentemente, porém, o princi- nesse JP. Todos estamos cientes do tamanho do rombo e dos desmandos perpetrados na Petrobrás seu ingresso no regime de recuperação pal front não foi estabelecido na linha e outras estatais, mas devemos estar conscientes e judicial como o único meio de salvação. de frente, na relação entre o distribui- ponderados naquilo respeitante a autoria, respon- sabilidade e tempo de funcionamento da esbórnia Quando isso ocorreu, em fevereiro de dor de energia e os consumidores, en- no território brasileiro. Não devemos – mesmo ci- 2013, a empresa estava praticamente tre o devedor e seus credores, ou vice- tando alguma falcatrua de partidos da oposição, talvez para mascarar o objetivo final – eleger um insolvente, quebrada. Sua dívida bru- versa, mas numa guerra de imagem. único partido como responsável indefectível pelo assalto aos cofres públicos. Não estou defenden- ta era de 3,35 bilhões de reais. Seriam A Celpa está “menos ruim” sob a do ninguém, só entendo que a temperança ainda necessários 15 anos de faturamento só nova direção, mas ainda está batante deve-se sobrepor-se aos nossos fígados. Porém, se não estamos dispostos a esta alternativa, seria para saldar a dívida líquida. ruim. O melhor caminho para acom- mais crível ajustar-se ao tresvario momentâneo do O custo operacional real da compa- panhar sua recuperação, que será ine- autêntico Millôr Fernandes “Pode ser que um dia se passe mesmo o Brasil a limpo. Até agora a quadrilha nhia superava, em R$ vitavelmente grada- política, fez do Brasil apenas papel higiênico.” Para 80 milhões ao ano, o tiva, e impor-lhe as atualizar dito do falecido Millôr, sugiro acrescentar “e alguns empresários”. custo que a Aneel (a exigências corretas Rodolfo Lisboa Cerveira agência federal regu- tnão é seguir o flau- ladora) reconhecia. As tista de Hammelin perdas no consumo encastelado no seu eram de 35%, enquanto a Aneel só ad- gabinete luxuoso atrás do bosque Ro- IAP até o fim mitia reconhecer na tarifa 28%, acarre- drigues Alves. É exigir transparência, tando novo prejuízo de R$ 80 milhões. cobrar explicações, melhores serviços, Nos últimos quatro anos Tito Ba- O valor final de perdas da Celpa em respeito, cordialidade e honestidade rata foi de uma pontualidade raríssima 2012 foi o maior já registrado no se- do concessionário, recorrendo às ins- no Pará e, em especial, no setor público: tor elétrico brasileiro. A inadimplência tituições de controle e fiscalização, presenteou-me com as edições anuais real era de 4,12%, enquanto o limite da quando necessário. promovidas pela gerência de literatura Aneel era de 0,9%. O índice de satisfa- O governador Simão Jatene foi um do Instituto de Artes do Pará, pela qual ção da população era de 44% para um dos atores da privatização da Celpa, foi responsável. Dessa maneira criou padrão nacional de 78%. A empresa em 1998, como todo-poderoso secre- “uma política consistente de publicação deixava cada paraense sem luz durante tário de Almir Gabriel. Sua biografia de livros e atualização literária”, prova- quatro dias inteiros ao longo do ano. está maculada por esse capítulo, que da em números. Depois de dois anos de processo, a levou à criação da pior empresa esta- Nesses quatro anos, a gerência foi Celpa saiu da recuperação judicial para dual do setor elétrico brasileiro. responsável pela edição de 52% de buscar uma recuperação de fato e voltar O perigoso estágio alcançado pela todo o acervo do instituto desde 1999 a funcionar saudavelmente. Saiu a Rede campanha do grupo Liberal impõe ao quando foi criado efetivamente. Tito e e entrou o grupo Equatorial. Seu maior governador, como porta-voz, media- equipe publicaram mais do que todas as trunfo então era ter mudado o perfil e dor e líder da sociedade, que opte: ou gestões anteriores somadas. Um feito a atuação da concessionária estadual do cresce ou se apequene de vez, deixan- que podia ter garantido a perenidade do vizinho Maranhão. A Cemar era con- do que uma questão grave e vital vire IAP, mas, fundido a outros órgãos para siderada caso perdido e agora é a 3ª do moeda de troca em circuito fechado. dar lugar à nova Fundação Cultural do ranking nacional do setor elétrico e a Os paraenses, já céticos ou desespe- Pará, comandada por Dina Oliveira, 18ª empresa preferida para o trabalho. rançados, sonham com uma boa sur- atesta a fecundidade do IAP. Morreu O terceiro capítulo da história da presa. Ela podia vir na inauguração do gloriosamente. Celpa, que o segundo controlador novo mandato do tucano. JORNAL PESSOAL Nº 576 • JANEIRO DE 2015 • 1ª quinzena - 15 Ameaça ao Tapajós, o mais belo dos rios

Tínhamos a resposta na ponta da a junção do rio Juruena, que nasce mem a respeito do seu valor econômico língua quando alguém perguntava qual na serra dos Parecis, no Estado de para a implantação de uma empírica e o mais belo rio do mundo: o Tapajós. DMato Grosso, com o rio São Manuel, incipiente agricultura de subsistência. Essa é ainda uma crença sólida entre ou Teles Pires, que nasce da confluência A importância da seringueira como os habitantes do grande vale, capita- do rio Paranatinga, na altura da Cacho- riqueza escapava, pois, do conhecimen- neado, a partir da sua foz, pela cidade eira dos Índios, no mesmo Estado, tem to dos nativos da região, que utilizavam de Santarém. Era também a convic- a sua origem, a partir da barra do São o seu látex exclusivamente para a im- ção de Joaquim Rodrigues Lopes, que Manuel, um dos mais soberbos rios do permeabilização de tecidos, preparo de expõe em Mundurucânia, o livro que Brasil e do mundo – o Tapajós. sapatos rústicos, bolsas para transpor- escreveu e nunca conseguiu publicar. Dessa forma o majestoso rio não te de líquidos, sacos para depósitos de Seus filhos me deram, anos atrás, apenas existe dentro da opulenta natu- roupas e outros pertences, e bolas para a versão original manuscrita. Eu a reza que o contém, como acontece com diversões esportivas. li e guardei. Fui buscá-la quando muitos outros, que egoisticamente nas- A partir da vila de São Luiz do Tapajós me veio a ideia de apresentar aos cem por si próprios, em uma determi- para jusante, o aspecto do rio se modifica habitantes das outras áreas do Pará nada região, a dominam em toda a sua totalmente. Desaparecem por completo as e do Brasil uma descrição ao mesmo extensão e lançam-se solitariamente em quedas e cachoeiras e o leito se vai alargan- tempo íntima, apaixonada e exata outros maiores, ou, então, ao mar. do cada vez mais, até alcançar, em frente à do nosso rio, no qual fui banhado O Tapajós é um rio que se originas da vila de Alter do Chão, situada a três horas quando ainda era bebê, para que suas existência de outros não menos soberbos de barco a motor, a partir de Santarém, a águas cristalinas penetrassem no meu e lindos, com os quais passa a coexistir largura de vinte e quatro quilômetros, para, corpo e se transformassem em lago até o final da sua declinação geográfi- em seguida, comprimir-se até três quilô- sereno na minha alma, onde estão ca, que é contribuir para a grandeza do metros de largura, aproximadamente, na até hoje e me acompanharão até o maior rio do mundo – o Amazonas. foz, percurso esse compreendido entre a fim – o meu, não – o do Tapajós. O seu curso total é de 1.240 qui- referida cidade e a Ponta Negra. O rio precisa continuar a vi- lômetros, aproximadamente, e os seus Nesse percurso existem várias ilhas ver em sua beleza e pujança, con- principais afluentes são, pela margem cobertas por vegetações arbórea e arbus- dições ameaçadas por um plano esquerda, Cururu, Tropas, Crepori, Ja- tiva, próprias de várzeas inundáveis, e la- obtuso de transformá-lo em fonte manxim e Crepori, e, pela esquerda, gos inferiores que abrigam muitas espé- de energia, para isso represan- Açu, Anuri e Arapiuns. cies da fauna aquática, algumas das quais do suas águas e deformando-as. Desde o local da sua formação até um em vias de extinção, em consequência da O autor deste texto, por profissão pouco acima da vila de São Luiz do Tapa- caça predatória que há mais de século e engenheiro agrônomo, mas, acima de jós, no município de Itaituba, o seu curso meio vem sendo praticado pelos nativos tudo, um humanista singelo e sábio, é interrompido por diversas quedas e ca- da região. Dentre elas as mais atingidas foi meu padrinho de batismo. Pa- choeiras majestosas e lindas. Parece que a são a tartaruga, o peixe-boi, a lontra, a pai o escolheu por tê-lo na conta de natureza, ao criar tais obstáculos no men- ariranha e o jacaré. o homem de maior sabedoria que ele cionado trecho, teve por objetivo retardar, As águas são límpidas em todas as épo- conhecia. Talvez ele pudesse iluminar pelo maior espaço de tempo possível, o cas do ano, permitindo a visibilidade per- a mente do seu afilhado. E, pós-mor- domínio do homem sobre o imenso po- feita do fundo do leito às proximidades das te, a iluminou mesmo, com o patri- tencial de riquezas nele existentes, a fim margens, até mesmo a profundidades rela- mônio de conhecimento que gerou e de que o mesmo não viesse a ser dilapida- tivamente grandes, durante os momentos deixou para as gerações seguintes. do antecipadamente a um processo de ex- de intensa radiação solar, quando a colora- Como, infelizmente, pouco do ploração racional em proveito de muitos. ção oscila entre o verde junto às praias e o que ele escreveu foi publicado, achei Enquanto a borracha não havia des- azul nos lugares mais profundos. que um pequeno trecho de Mun- pertado nenhum interesse econômico Em alguns trechos do rio, no período durucânia, em que ele penetra nas nos nativos da região, as seringueiras ali da vazante, existem extensas praias forma- entranhas do rio e o descreve soli- disseminadas pela mata eram guarda- das por areia muito alva, que estabelecem dariamente, talvez ajude os para- das pelos referidos acidentes geográfi- o limite entre a água e a mata ribeirinha. enses a se interessarem pela sorte cos, para uma utilização futura que viria Essas praias desaparecem completamente do Tapajós diante dos projetados marcar uma época de prosperidade para no período da enchente, quando a água aproveitamentos hidrelétricos que o os habitantes da região e de grandes be- sobe e se encosta à mata das margens al- governo federal pretende lhes impor. nefícios para toda a humanidade. tas ou então inunda várzeas e ilhas baixas. Mais cuidado e mais res- Enquanto isso, em outras regiões Há, assim, um verdadeiro contraste entre peito com esse rio. Pois ele mais acessíveis, essas mesmas árvores ambos os períodos dentro de um cenário é o mais belo da Terra. eram destruídas pela ignorância do ho- de grandeza e harmonia extasiantes.