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HABEAS CORPUS 190.957 – ELETRÔNICO RELATOR: MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI IMPETRANTE: LARISSA MARIA SACCO ABDELMASSIH E OUTRO PACIENTE: ROGER ABDELMASSIH COATOR: RELATOR DO HC 564.407/SP DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARECER ASSEP-CRIM/PGR 404763/2020

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO DA PENA. PRISÃO DOMICILIAR HUMANITÁRIA. SÚMULA 691/STF. NÃO CONHECIMENTO. PERÍCIA MÉDICA. DOENÇA GRAVE. POSSIBILIDADE DE TRATAMENTO NO PRESÍDIO. DENEGAÇÃO. 1. É inadmissível a impetração de Habeas Corpus contra decisão monocrática de Ministro do Superior Tribunal de Justiça na ausência de teratologia ou flagrante ilegalidade, nos termos da Súmula 691 do STF. 2. É indevida a concessão do benefício da prisão domiciliar humanitária quando o paciente, acometido de doença grave, pode receber tratamento adequado no estabelecimento prisional, sobretudo quando a indicação médica é de tratamento ambulatorial. – Parecer pelo não conhecimento do Habeas Corpus ou, no mérito, pela denegação da ordem.

Excelentíssimo Senhor Ministro Ricardo Lewandowski,

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Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de ROGER

ABDELMASSIH, em face de decisão monocrática proferida pelo Ministro Félix

Fischer, do Superior Tribunal de Justiça, pela qual julgou prejudicado o HC

564.407/SP (DOC. 3).

A defesa do paciente pleiteava, no HC 564.407/SP, o restabelecimento da prisão domiciliar humanitária dantes concedida na primeira instância (DOC.

4), sem prazo determinado e com continuidade condicionada somente à realização de perícia médica trimestral.

Relatam os impetrantes que fora deferida prisão domiciliar humanitária em favor do paciente, originariamente, por prazo indeterminado, em 21 de junho de 2017, pelo Juízo da 1ª Vara de Execuções Criminais da

Comarca de Taubaté-SP (DOC. 4), por ter ficado provado, por meio de perícia médica oficial (DOC. 5), ser portador de doença grave, cujo tratamento adequado, segundo Relatório Médico da Secretaria da Administração

Penitenciária de São Paulo (DOC. 6), não poderia ser realizado no estabelecimento prisional.

Ponderam que, após a veiculação de livro escrito por Acir Fillo dos

Santos, detento recolhido no mesmo estabelecimento prisional que o paciente,

Penitenciária Doutor José Augusto Salgado, em Tremembé-SP, houve a revogação da prisão domiciliar humanitária de ROGER ABDELMASSIH (DOC.

12).

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De acordo com a aludida obra literária, por meio da qual o autor expõe a intimidade de vários detentos daquela Penitenciária, o paciente teria se valido de seus conhecimentos médicos para mascarar o seu estado de saúde e obter, judicialmente, com base em laudo pericial, o benefício da prisão domiciliar humanitária (DOC 10).

A partir da decisão por meio da qual a prisão domiciliar do paciente foi revogada (DOC. 12), sobreveio uma cadeia de ajuizamentos de pedidos judiciais da Defesa, culminando com a impetração do HC 564.407/SP no

Superior Tribunal de Justiça, que não fora conhecido (DOC. 14). Foram, então, opostos embargos de declaração (DOC. 15) e, subsequentemente, interpostos 2

(dois) agravos regimentais sucessivos, estando o último pendente de julgamento (DOC. 17).

Nesse ínterim, foi concedida pelo Juízo da 1ª Vara de Execuções

Criminais de Taubaté-SP nova prisão domiciliar, mas por prazo determinado

(de 90 dias) e prorrogável, com esteio na Recomendação 62/CNJ, por conta da epidemia de COVID-19 (DOC. 18). Em vista disso, o Ministro Félix Fischer,

Relator do HC 564.407/SP, julgou prejudicado o agravo regimental nos embargos de declaração (DOC. 3).

Posteriormente, o Tribunal de Justiça de São Paulo revogou a prisão domiciliar concedida por conta da epidemia de COVID-19, determinando o retorno do paciente à Penitenciária de Tremembé-SP.

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No presente writ, os impetrantes alegam ter sido reconhecida judicialmente a inexistência da fraude imputada ao paciente na obra literária do detento Acir Fillo dos Santos (DOC. 10).

Sustentam que o Relatório Médico da Secretaria da Administração

Penitenciária de São Paulo, datado de 3 de abril de 2020 (DOC. 33), permitiu constatar o agravamento do quadro de saúde do paciente desde a primeira perícia realizada, em 2017 (DOC. 4), quando houve a concessão do benefício da prisão domiciliar por prazo indeterminado.

Defendem que a concessão judicial do benefício da prisão domiciliar por prazo determinado, com fundamento na Recomendação 62/CNJ, não implicou a perda do interesse processual do paciente, pois seu grave estado de saúde torna imperioso o deferimento da benesse por prazo indeterminado e condicionada somente à realização de perícia médica periódica.

Requerem, liminarmente e ao final, o restabelecimento da prisão domiciliar por prazo indeterminado e com continuidade condicionada à realização de perícia médica trimestral, tal como foi concedido por meio da decisão do Juízo da 1ª Vara das Execuções Criminais da Comarca de Taubaté-

SP (DOC. 4).

Em decisão liminar, nos presentes autos, foi determinada a internação do paciente no Hospital Penitenciário de São Paulo, para fins de avaliação clínica completa, visando a aferir suas atuais condições de saúde. Confira-se: 4 Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 15/12/2020 20:22. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 7F9CE611.A11AE5A4.562ADDCE.F2FA4AA2

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Pois bem, neste juízo de delibação próprio desta fase processual, é possível verificar, desde logo, que a 6ª Turma Criminal do TJSP, para decidir, utilizou-se de relatório médico oficial datado de 30/9/2019 (documento eletrônico 11), ou seja, anterior ao último laudo encartado nestes autos. Assim, em que pesem a gravidade dos crimes cometidos pelo paciente e as severas condenações a ele impostas, considerada a situação clínica descrita no derradeiro relatório médico constante dos autos (documento eletrônico 33), entendo de rigor a concessão de medida cautelar para que sejam aferidas, em ambiente hospitalar apropriado, as suas atuais condições de saúde. Isso posto, e sem qualquer compromisso ou juízo de valor quanto ao mérito desta impetração, que será oportunamente analisada de modo vertical, defiro a liminar com fundamento diverso, para determinar a imediata internação do paciente no Hospital Penitenciário do Estado de São Paulo, ao menos, até o julgamento final deste writ. Nesse período, o Juízo da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de Taubaté/SP deverá nomear perito médico para que realize completa avaliação clínica do paciente Roger Abdelmassih, sem prejuízo de que, após a confecção do laudo, o(a) magistrado(a) da execução decida sobre a situação prisional do ora paciente, nos exatos termos do art. 66, III, f, e VI, da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

A Defesa requereu a reconsideração da decisão liminar, alegando haver risco de infecção, especialmente tendo em vista a epidemia de COVID-19.

O pedido, contudo, foi indeferido.

A avaliação pericial determinada no aludido decisório liminar foi concluída.

As informações foram prestadas pela autoridade apontada como coatora.

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É o relatório.

I - DO NÃO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS

O ato judicial contra o qual se insurgem os impetrantes, no presente caso, é a decisão monocrática da lavra do Ministro Félix Fischer, do Superior

Tribunal de Justiça, pela qual foi julgado prejudicado o AgRg nos ED no HC

564.407/SP.

Como fundamento da aludida decisão, a autoridade dita coatora mencionou o fato de que, antes do julgamento do HC 564.407/SP, houve concessão do benefício da prisão domiciliar ao paciente na primeira instância, com base na Recomendação 62/CNJ, referente à adoção de medidas preventivas

à propagação da infecção pelo novo coronavírus.

Ocorre que, da referida decisão questionada pela Defesa, foi interposto um segundo agravo regimental, ainda não julgado. Ou seja, o pleito do paciente neste HC ainda não foi apreciado pela instância antecedente, qual seja, o Superior Tribunal de Justiça.

Eventual julgamento do presente Habeas Corpus, portanto, constituiria supressão de instância, inadmissível na seara recursal. A esse respeito, vide os seguintes julgados dessa Suprema Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO TERMINATIVA UNIPESSOAL. DECISUM NÃO SUBMETIDO A ÓRGÃO COLEGIADO. CONHECIMENTO 6 Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 15/12/2020 20:22. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 7F9CE611.A11AE5A4.562ADDCE.F2FA4AA2

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DO MANDAMUS. INVIABILIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE OU TERATOLOGIA. ENTENDIMENTO CONTEMPORÊNEO E REITERADO DO PLENO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. Esta Corte tem posição firme pela impossibilidade de admissão de habeas corpus impetrado contra decisão proferida por membro de Tribunal Superior, visto que, a teor do artigo 102, I, “i”, da Constituição da República, sob o prisma da autoridade coatora, a competência originária do Supremo Tribunal Federal somente se perfectibiliza na hipótese em que Tribunal Superior, por meio de órgão colegiado, atue nessa condição. 2. Sob essa perspectiva, não se inaugura a competência do Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses em que, como in casu, não esgotada a jurisdição antecedente, visto que, dado o cabimento de agravo regimental, tal proceder acarretaria indevida supressão de instância. 3. Não bastasse, não há que se falar em teratologia ou em ilegalidade da decisão judicial que tão somente aplica entendimento contemporâneo e reiterado do Plenário desta Suprema Corte de que a execução provisória de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade. Precedentes. 4. Outrossim, ainda que já interposto o recurso destinado ao Superior Tribunal de Justiça, o entendimento, também já sumulado, desta Corte é o de que “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem” (Súmula n. 634/STF) e de que “Cabe ao presidente do tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade” (Súmula n. 635/STF). 5. Agravo regimental provido, para negar seguimento ao habeas corpus e, por conseguinte, revogar a ordem concedida. (HC 175179 AgR, Rel. Min. , Rel. p/ acórdão Min. , Segunda Turma, julgado em 25.10.2019, DJe de 29.11.2019) 7 Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 15/12/2020 20:22. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 7F9CE611.A11AE5A4.562ADDCE.F2FA4AA2

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AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DE TRIBUNAL SUPERIOR. RECORRIBILIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. PRECEDENTES. 1. Incidência de óbice ao conhecimento da ordem impetrada neste Supremo Tribunal Federal, uma vez que se impugna decisão monocrática de Ministro do Superior de Tribunal de Justiça (HC 122.718/SP, Rel. Min. ; HC 121.684-AgR/SP, Rel. Min. ; Ag. Reg. no habeas Corpus 138.687, Segunda Turma, j. 13.12.2016, Rel. Min. CELSO DE MELLO; HC 116.875/AC, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA; HC 117.346/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA; HC 117.798/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI; HC 118.189/MG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI; HC 119.821/TO, Rel. Min. GILMAR MENDES; HC 122.381-AgR/SP, Rel. Min. ; RHC 114.737/RN, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA; RHC 114.961/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI). 2. Inexistência de teratologia ou caso excepcional que caracterizem flagrante constrangimento ilegal. 3. Respeito à soberania dos veredictos. A custódia lastreada em decisão do Tribunal do Júri, ainda que pendente recurso especial, não viola o princípio constitucional da inocência. 4. A fixação, em habeas corpus anterior, da possibilidade de recorrer em liberdade, como em toda questão de execução provisória da pena, trata-se de uma cláusula rebus sic stantibus. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 133528, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. , Primeira Turma, julgado em 6.6.2017, DJe de 18.8.2017)

Por outro lado, de acordo com a Súmula 691 desse Supremo Tribunal

Federal, não se admite a impetração de Habeas Corpus contra decisão

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA monocrática denegatória de provimento cautelar, em respeito ao império da colegialidade.

Não se desconhece que esse STF tem, reiteradamente, deixado de fazer incidir o aludido enunciado nos casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder, de decisões de tribunal superior manifestamente contrárias à jurisprudência dessa Suprema Corte ou ainda teratológicas.

No presente caso, porém, não se pode considerar flagrantemente ilegal, abusiva e muito menos teratológica a decisão pela qual foi julgado prejudicado o agravo regimental interposto pela Defesa nos autos do HC

564.407/SP, impetrado no Superior Tribunal de Justiça.

Não há ilegalidade manifesta ou teratologia na conclusão de que, havendo concessão de prisão domiciliar na primeira instância, não há mais razão para tratar do benefício em sede de Habeas Corpus, em tribunal superior.

É razoável inferir que houve perda do objeto da ação impetrada para garantir direito (de locomoção) já reconhecido.

A circunstância de ter sido a referida decisão da primeira instância posteriormente reformada pelo TJSP, ensejando o retorno do paciente à

Penitenciária de Tremembé, não torna teratológica ou flagrantemente ilegal o decisório questionado neste HC, proferido quando a circunstância era outra.

Quando o HC 564.407/SP foi julgado prejudicado no Superior

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Tribunal de Justiça, o paciente ainda gozava do benefício da prisão domiciliar e, portanto, fazia-se necessário reconhecer a perda de objeto.

Cabe, pois, a incidência da mencionada Súmula 691 desse STF, haja vista que a decisão proferida pela autoridade apontada como coatora não se revela flagrantemente ilegal ou teratológica.

Em casos como este, essa Suprema Corte, em diversas oportunidades, já se posicionou da seguinte forma:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. RATIO SÚMULA 691/STF. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA OU ILEGALIDADE MANIFESTA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO DO WRIT IMPETRADO NA CORTE ESTADUAL. PERDA DE OBJETO. 1. Ato coator parametrizado com a jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de que incabível habeas corpus impetrado contra indeferimento de liminar em outro writ, salvo no caso de manifesta ilegalidade ou teratologia. Ratio da Súmula 691/STF. 2. Inviável o exame das teses defensivas não analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 3. A superveniência do julgamento do mérito do habeas corpus impetrado no Tribunal de segundo grau prejudica a análise da impetração. Precedentes. 4. Ao deixar de conceder a ordem de ofício, o julgador não está decidindo a matéria de fundo, razão pela qual não tem o dever de fundamentar exaustivamente sua conclusão. Do contrário, a situação geraria indesejável “indeferimento de ofício”, incompatível com os postulados do contraditório e da ampla defesa, pois poderia a ordem ser deferida em outra instância.

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5. Agravo regimental conhecido e não provido. (RHC 192968 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 07.12.2020, DJe de 9.12.2020)

Seja pelo fato de ainda haver recurso pendente de apreciação na instância precedente, seja pelo fato de a decisão questionada pela Defesa ter sido proferida monocraticamente, o presente Habeas Corpus não há de ser conhecido, sob pena de haver supressão de instância e desrespeito à colegialidade.

II - MÉRITO

Por força da decisão liminar proferida nos presentes autos de Habeas

Corpus, o médico perito oficial José Ricardo Gomes de Alcântara, em 6 de novembro de 2020, subscreveu o Laudo Médico Legal do Instituto de Medicina

Social e de Criminologia de São Paulo-IMESC, tendo concluído:

Decorrente da análise do presente processo bem como da documentação médica e exame físico in loco, conclui-se que o periciado é postador (sic) de Cardiopatia Grave, irreversível, compensada por medicação contínua. Devido à baixa tolerância ao exercício decorrente da baixa função cardíaca, somos da opinião de que o tratamento do mesmo em ambiente de cárcere pode propiciar inadequação de tratamento e sobrecarga cardíaca acima da tolerância individual atual, podendo precipitar descompensações ameaçadoras da vida. (grifos acrescentados)

A conclusão acima, porém, contém termo – “somos da opinião” – que não expressa a tecnicidade que se espera de um laudo médico pericial. Ela

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA denota, pois, ausência de cientificidade e retira do parecer a credibilidade própria de trabalhos técnicos.

Por outro lado, a afirmação de que o tratamento do paciente no ambiente do cárcere pode vir a ser inadequado denota, mais uma vez, uma incerteza, uma nebulosidade incompatível com um laudo de natureza pericial.

A mencionada afirmação contradiz ainda as informações constantes do próprio Laudo Médico Legal de que se cuida, bem como de todos os demais laudos anteriores constantes dos autos, que deixam claro ser o paciente portador, sim, de cardiopatia grave, mas compensada e passível de controle mediante tratamento ambulatorial (DOCs 5, 9 e 11).

Os peritos que subscreveram os aludidos laudos admitiram a possibilidade de haver necessidade eventual de atendimento hospitalar do paciente, em caso de descompensação da sua doença.

Há, porém, informação constante de Relatório Médico da

Administração Penitenciária de São Paulo no sentido de que o presídio onde se encontra recolhido o paciente dispõe de ambulância e que, em caso de necessidade, os presos são conduzidos a um hospital (DOC. 7).

Ou seja, inexiste razão para concluir que o paciente tem o direito de cumprir a sua pena sob regime de prisão domiciliar humanitária.

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O tratamento ambulatorial pode ser realizado no presídio, que dispõe de ambulância para conduzir o paciente a um hospital, caso seja necessário. Essa, aliás, é a conclusão constante do Laudo Médico Legal subscrito pelo Dr. Élcio

Rodrigues da Silva, do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São

Paulo (DOC. 11):

Do ponto de vista médico e sob o enfoque dos critérios e conceitos utilizados, o estado do periciando não se enquadra em situações previstas para o indulto humanitário. O tratamento atual pode ser realizado na modalidade ambulatorial. Existem riscos de complicações em qualquer local que esteja domiciliado, contudo devem ser cumpridas as exigências descritas no item 8.2 relativas a gravidade da doença (ciência do estado de sáude, adesão a tratamento, orientação para detecção precoce de agravamento e planejamento estratégico caso ocorram complicações). (Grifos acrescentados)

Vê-se que o parecer acima transcrito, diferentemente daquele emitido por força da decisão liminar proferida no presente HC, revela uma precisão própria de laudos periciais e não contém termos nebulosos, desprovidos de cientificidade.

Conforme consta de todos os laudos juntados a este processo, a cardiopatia do paciente vai se agravando naturalmente ao longo do tempo e, quando descompensada, pode levar a óbito. O fato de estar em casa ou no presídio não altera a realidade.

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O médico perito oficial José Ricardo Gomes de Alcântara, subscritor do Laudo Médico Legal de 6 de novembro de 2020, ainda menciona que o presídio é um lugar inadequado para tratar o paciente, por conta da sua baixa tolerância ao exercício. Mas não há notícia de que ROGER ABDELMASSIH, na

Penitenciária de Tremembé-SP, fosse obrigado a se exercitar e não pudesse gozar do repouso requerido pelo seu estado de saúde.

Há nos autos, aliás, manifestação bem recente do Ministério Público de São Paulo, de 27 de novembro de 2020, na qual há menção a parecer técnico do Centro de Apoio Operacional à Execução do MPSP, cujas discussão e conclusão vêm ao encontro do que foi colocado até aqui, na presente manifestação. Os seguintes trechos são elucidativos:

Não se pode admitir que a conclusão de um Laudo Pericial que somente deve se balizar pelo critério técnico- científico afirme com expressões de fé: “acreditamos”, “risco elevado ao agravo à saúde” sem que se demonstrem objetivamente os critérios utilizados que direcionam o suposto perito a tal afirmação. (...) Não se observam alterações ou intercorrências significativas que justifiquem, no momento, intervenções tais, como necessidade de tratamento em ambiente hospitalar cardiológico ou mesmo em unidade de terapia intensiva, bem como intervenções cirúrgicas. (...) Não há qualquer indicação médica para a mudança do ambiente atual para o domiciliar, salvo o benefício do conforto material proporcionado pelas condições materiais e pela convivência com familiares, que são diretamente proporcionais às condições 14 Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 15/12/2020 20:22. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 7F9CE611.A11AE5A4.562ADDCE.F2FA4AA2

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA socioeconômicas e financeiras de cada indivíduo, vinculadas intrinsecamente ao poder aquisitivo e à classe social. No momento, não é uma questão médica, valendo afirmar que o sentenciado goza de atenção à saúde no ambiente prisional até mesmo de forma mais célere e eficaz que os cidadãos brasileiros (milhares de pessoas) que se encontram em condições similares do ponto de vista cardiológico. (...) Ademais, a narrativa contida no laudo pericial referente à perícia realizada no IMESC em 29 de outubro de 2020 contempla expressões que podem ser questionadas do ponto de vista de uma simulação, posto que dependentes de interpretação subjetiva, sem as devidas descrições objetivas que a justifiquem. Assim o fazendo, sugere tratar-se não de um parecer, e sim de uma opinião – arriscando qualificar o juízo como emissor de opinião imperativa, passível de ser influenciada por outra opinião. (...) Este perito que elabora esse parecer técnico-científico participou como assistente técnico pelo MPSP da perícia realizada no IMESC anteriormente a essa atual enviada para análise, tendo realizado inclusive o exame físico, exame do estado mental e análise de todos os exames e prontuários apresentados. Com base nesse fato, pode afirmar que não houve alteração médica que justifique mudança das conclusões apresentadas no ano de 2019, sendo observável somente a evolução natural corporal e da patologia como esperado para as condições gerais do periciando e totalmente compatíveis com o esperado para a maioria dos indivíduos da faixa etária e condições cardiológicas similares. (...) O tratamento ambulatorial significa não haver necessidade de internação hospitalar, bastando o paciente estar em condições materiais com logística para a remoção em caso de urgência ou emergência, e serem atendidas as necessidades de dieta, uso regular da medicação prescrita e avaliações médicas regulares. 15 Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 15/12/2020 20:22. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 7F9CE611.A11AE5A4.562ADDCE.F2FA4AA2

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Assim, é possível o manejo sob o cumprimento de pena na unidade prisional que oferece as condições para a remoção ao hospital penitenciário em caso de descompensação ou qualquer necessidade de atenção médica de emergência. (Grifos acrescentados)

O art. 117, I e II, da Lei de Execução Penal admite o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando for maior de 70

(setenta) anos e estiver acometido de doença grave.

A jurisprudência, inclusive dessa Corte Suprema, vem estendendo a referida possibilidade aos presos submetidos aos regimes semiaberto e fechado, em face do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da

Constituição Federal), sobretudo da garantia do respeito à integridade física e moral dos presos (art. 5º, XLIX, da Constituição Federal).

A referida analogia, porém, pressupõe estar o condenado acometido de doença grave e necessitar de tratamento médico que não possa ser oferecido no estabelecimento prisional.

Conforme esclarecido, o paciente pode ser tratado ambulatorialmente e, portanto, não se faz necessária a concessão do benefício da prisão domiciliar humanitária em seu favor.

Assim como o paciente, outros presos ficam doentes (inclusive gravemente) ao longo do cumprimento de suas penas, vindo a receber os tratamentos correlatos, quando possível, no interior do presídio.

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O ambiente doméstico, em caso de doença, se comparado a um presídio, é naturalmente mais acolhedor, permeado de cuidados e do afeto dos familiares. Por outro lado, porém, aquele que comete crime pode vir a ser privado da liberdade e também pode vir a adoecer ao longo do cumprimento da pena.

Ao cometer crime pressupõe-se que o agente preveja que, garantida a dignidade da pessoa humana, haverá cumprimento de pena e, portanto, eventual afastamento do conforto do lar.

No caso, o paciente foi condenado a cumprir um total de 278

(duzentos e setenta e oito) anos de reclusão, por ter cometido, enquanto exercia a Medicina, em seu consultório, estupros e atentados violentos ao pudor, tentados e consumados, contra mais de 70 (setenta) vítimas do sexo feminino.

É razoável, pois, esperar que se faça valer o ordenamento jurídico, ou seja, que o paciente cumpra a pena e, estando doente, venha a ter acesso ao tratamento devido, neste caso, o ambulatorial, com a possibilidade de eventualmente receber cuidados em estabelecimento hospitalar penitenciário quando necessário, a fim de se garantir o direito à saúde a que fazem jus todos os encarcerados.

O condenado a cumprir pena privativa de liberdade, saudável ou doente, está submetido a condições ambientais piores do que as de quem goza de liberdade. 17 Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 15/12/2020 20:22. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 7F9CE611.A11AE5A4.562ADDCE.F2FA4AA2

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Em face do exposto, o PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA manifesta-se pelo não conhecimento do Habeas Corpus ou, no mérito, pela denegação da ordem.

Brasília, data da assinatura digital.

Augusto Aras Procurador-Geral da República Assinado digitalmente

18 Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ANTONIO AUGUSTO BRANDAO DE ARAS, em 15/12/2020 20:22. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 7F9CE611.A11AE5A4.562ADDCE.F2FA4AA2