UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE BIOLOGIA

Marina Fernanda Bortolin Costa

"MORFOLOGIA DO ESTIGMA DE L. () E SUAS

IMPLICAÇÕES NO MUTUALISMO FIGO-VESPA DE FIGO"

Campinas, 2015.

Marina Fernanda Bortolin Costa

“MORFOLOGIA DO ESTIGMA DE FICUS L. (MORACEAE) E SUAS

IMPLICAÇÕES NO MUTUALISMO FIGO-VESPA DE FIGO”

Tese apresentada ao Instituto de Biologia da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos

requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora

em Biologia Vegetal.

Este exemplar corresponde à versão final da tese defendida pela aluna Marina Fernanda

Bortolin Costa, e orientada pela Profa. Dra.

Simone de Pádua Teixeira.

Orientadora: Simone de Pádua Teixeira

Campinas, 2015

Campinas, 9 de outubro de 2015

BANCA EXAMINADORA

Prof.a Dr.a Simone de Pádua Teixeira (orientadora)

Prof. Dr. Joecildo Francisco Rocha

Prof.a Dr.a Juliana Villela Paulino

Prof.a Dr.a Larissa Galante Elias

Prof.a Dr.a Kayna Agostini

A ata de defesa, com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

Dedicatória

Aos meus queridos Fátima e Anderson, pelo

apoio em todos os momentos, por cada conselho,

e pelo amor imenso. Agradeço

A Deus, por minha vida como ela é. À Prof.a Dr.a Simone de Pádua Teixeira, pela oportunidade, pelo carinho e por sua orientação nos momentos profissionais e pessoais. Ao Programa de Pós-Graduação em Biologia Vegetal, do Instituto de Biologia, da Universidade Estadual de Campinas, por possibilitar o desenvolvimento da minha dissertação e, em especial, à secretária do programa Maria Roseli de Melo, por todo auxílio e paciência. À Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (USP), pelo espaço físico concedido para a realização deste trabalho. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP – processo 2012/02374- 2) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa concedida e pelo financiamento técnico do trabalho. Aos professores Dr. André O. Simões, Dr.a Larissa G. Elias e Dr.a Priscila A. Cortez, pela avaliação e contribuição a este trabalho durante o período da Qualificação. Aos professores Dr.a Juliana L. S. Mayer, Dr.a Juliana V. Paulino e Dr. Vidal de Freitas Mansano, pela avaliação da prévia deste trabalho e por contribuir para a conclusão do mesmo. Ao técnico do laboratório de Botânica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (USP), Edimárcio da Silva Campos, pelo auxílio com experimentos e por seu carinho e amizade. Aos técnicos Maria D. S. Ferreira (Tuca), José A. Maulin e Maria T. P. Maglia, do Laboratório de Microscopia Eletrônica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), pelo auxílio técnico em microscopia eletrônica de varredura e de transmissão, e por me receberem com paciência, bom humor e carinho. À técnica Vani M. A. Corrêa, do laboratório de Histotecnologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), por incentivar os meus primeiros passos na pesquísa científica, e pelo carinho. Ao técnico Rodrigo F. Silva, do Laboratório de Microscopia Eletrônica de Varredura e Microanálise da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), pelo auxílio técnico em microscopia eletrônica de varredura. A Rodrigo A. S. Pereira, pelo auxílio técnico em microscopia eletrônica de varredura, e pela colaboração essencial com este trabalho desde o projeto até a sua finalização. Aos que contribuíram na coleta e na identificação de espécies de Ficus presentes neste trabalho: Anderson F. P. Machado (Universidade Estadual de Feira de Santana); André Paviotti Santana (Fundação Flora de Apoio a Botânica); Bruno R. Silva e Ricardo Reis (Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro); Geovane S. Siqueira e Gilberto R. Terra (Reserva Natural da Vale - Linhares); Prof.a Dr.a Otilene S. Mattos, Alinne C. C. Rezende e Raquel R. S. Castro (Universidade Nilton Lins); especialmente aos colegas Fernando H. A. Farache, Larissa G. Elias, Luciano P. Rocha, Paulo R. Furini, Priscila C. da Costa e Sergio Jansen González (Laboratório de Biologia Reprodutiva de Ficus, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP). A Camila D. Souza, Jean-Yves Rasplus, Juliana V. Paulino, Lilian J. V. Rodrigues e Viviane G. Leite, pelas imagens de sicônios de Ficus cedidas para este trabalho. A Jorge Capucho e à Prof.a Otilene Mattos, por me receberem em suas respectivas residências durante minhas viagens de coleta à Santa Teresa, e à Manaus. Obrigada pelos cuiados e pelo carinho. Aos meus amigos de graduação, em especial, à Tina, Verusca, Marina, Vanessa e ao Paulinho, exemplos para mim, cada um à sua maneira (saudades). Aos professores e aos meus colegas do curso de Pós-Graduação em Biologia Vegetal. Aos amigos que conheci no Laboratório de Botânica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - USP (Aline, Ana Marie, Ana Paula, Andréa, Bruna, Camila, Cristina, Dani, Flavinha, Flávia, Giseli, Isabel, João, Juca, Juliana M., Juliana P., Liana, Lidiane, Lígia, Margareth, Nádia, Priscila, Raquel, Roberto, Tatiana, Thais, Vanessa, Viviane e Wellinton), pelo excelente convívio, pela troca de aprendizados, e pelo carinho. À Camila D. de Souza, pelo companheirismo nos estudos e trabalhos realizados nesta tese, do início até o fim. Obrigada por sua amizade e seu carinho de sempre. Aos tios Mara S. A. Costa e Álvaro da S. Costa, pelo incentivo, pelos conselhos e por acreditarem no meu potencial. Amo vocês. Aos meus avós, Mauria e Arlindo (in memoriam), Zinha e Paulo (in memoriam), agradeço o amor, os cuidados e todas as melhores lembranças da minha infância. Aos meus tios, primos, cunhados, sobrinhos, pelo apoio, carinho, e pelos momentos felizes que só vocês são capazes de proporcionar. À Lourdes, pelo carinho e pela preocupação com o meu futuro pessoal e profissional. Tenho profunda admiração por sua força de vontade e sua coragem. Obrigada por acreditar em mim. Ao meu pai Fernando, pelo amor e pela valiosa contribuição para a minha educação. Aos meus irmãos, Milena e Lenon, sempre presentes em minha vida, agradeço pelo amor e pela alegria que determinam nossa relação. Vocês são presentes de Deus, meus amores. À minha mãe e amiga Fátima, por proporcionar a vida que tive, pela minha formação e por orientar o meu caráter. Obrigada por colocar seu amor em tudo. Amo você. Ao meu querido Anderson, por sua compreensão e seu apoio quando mais precisei. Obrigada por colorir os meus dias com seu amor e sua amizade. Amo você. RESUMO A estrutura estigmática em Ficus merece destaque devido a sua diversidade morfológica no grupo, à formação do sinestigma e aos importantes aspectos evolutivos relacionados às vespas polinizadoras. A variação na morfologia estigmática observada em Ficus ocorre quanto à forma, à composição da superfície, à presença de exsudato e, quando presente, ao grau de coesão entre os estigmas que formam um sinestigma. Assim, este estudo propõe-se a investigar em detalhe a morfologia do estigma e do sinestigma, assim como o funcionamento do sinestigma, usando como modelos 29 espécies de Ficus, pertencentes a oito, de um total de 19 seções . Desta forma, a tese é estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo, estigmas de oito espécies de Ficus pertencentes a diferentes linhagens, englobando sete seções, com modos de polinização e expressão sexual diferentes, foram observados em microscopia de luz e eletrônica de varredura. Além disso, selecionou-se Castilla elastica, espécie entomófila com polinização passiva, considerada grupo irmão de Ficus, para fins comparativos. Os resultados demonstraram a diversidade morfológica de estigma em Ficus, além de confirmarem a ocorrência de sinestigma em espécies com sistema de polinização ativa, sejam monoicas ou ginodioicas. Surpreendentemente, o entrelaçamento de ramos estigmáticos encontrado em Ficus, ocorre também em C. elastica, sugerindo a existência de um sinestigma como em Ficus. Para o segundo capítulo, 21 espécies de Ficus da seção Americana com polinização ativa foram estudadas quanto à presença e à morfologia de sinestigma. As dimensões do sicônio e de sua cavidade foram consideradas na discussão dos tipos de sinestigma encontrados. Todas as espécies apresentaram sinestigmas, com variações no número e grau de coesão de estigmas por sinestigma e na distância entre os sinestigmas. A presença de sinestigma não é influenciada pelo tamanho do sicônio, mas as dimensões da cavidade siconial podem determinar o grau de aproximação entre os sinestigmas. O terceiro capítulo propôs analisar o funcionamento do sinestigma e suas implicações na interação figo- vespa de figo em seis espécies de Ficus da seção Americana, em especial por meio de observações do comportamento dos tubos polínicos no pistilo em microscopia de epifluorescência. Os resultados permitiram demonstrar tubos polínicos de morfologia atípica crescendo de um estigma em direção a outro, confirmando a importância do sinestigma na distribuição de tubos polínicos. Nossos dados confirmaram muitas proposições existentes na literatura sobre o tema e, principalmente, ao ampliar o número de espécies estudadas, contribuíram com o avanço no conhecimento da interação mutualística figo-vespa de figo.

Palavras-chave: estigma, Ficus, morfologia, Moraceae, polinização, sinestigma, tubo polínico. ABSTRACT The stigmatic structure in Ficus is an important characteristic to be investigated due to its morphological diversity in the group, to the synstigma occurrence, and to the important evolutionary aspects related to the pollinating wasps. The stigmatic morphology variation observed in Ficus manifests in the form, the surface composition, the exudate presence and, when present, the cohesion degree among the stigmas that form a sinestigma. So, this study aims to investigate in detail the stigma and synstigma morphology, as well as the synstigma functionality, using as models 29 species of Ficus, belonging to eight sections, of a total of 19 sections. For this goal, three chapters were developed. In the first chapter, stigmas of eight species of Ficus belonging to the different lineages, with different pollination modes and sexual expression were observed by light and electron microscopy. In addition, the entomophilous species Castilla elastica, with passive pollination and considered sister group of Ficus, was selected for comparative purposes. The results demonstrated the high morphological diversity of the stigmas in Ficus, in addition to confirm the occurrence of synstigma in species with active pollination system, wether monoecious or ginodioecious. Surprisingly, the interwining of the stigmatic branches also occurs in C. elastica, suggesting the existence of synstigma as in Ficus. For the second chapter, 21 species of Ficus of section Americana with active pollination were studied to verify the presence and morphology of the synstigma. Measurements of the syconiua and their cavities were considered in order to classify the kind of synstigma found. All the species presented synstigmas, with variations in the stigmas number, the cohesion degree between the stigmas and the distance between the synstigmas. The presence of synstigma is not influenced by syconium size, but the cavity measurements can determine the degree of closeness between synstigmas. The third chapter proposed to analyze the synstigma functioning and its implications on the fig-fig wasp interaction in six species of Ficus of the section Americana, especially based on observations of the pistils in epifluorescence microscopy. It was observed pollen tubes, with atypical morphology, growing from one stigma towards another, confirming the importance of synstigma in the pollen tubes distribution. Our data confirmed many existing proposals in the literature on the subject, and is especially important becaused it is based on a high number of species. Because of it this study can be considered a great advance in the knowledge on the mutualistic interactions between figs and fig wasps.

Key words: Ficus, morphology, Moraceae, pollination, synstigma, pollen tube.

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SUMARIO INTRODUÇÃO GERAL 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 18 CAPÍTULO 1. DIVERSIDADE MORFOLÓGICA DO ESTIGMA EM ESPÉCIES DE FICUS L. (MORACEAE) 21 RESUMO 21 INTRODUÇÃO 22 MATERIAIS E MÉTODOS 24 Espécies estudadas 24 Morfologia do estigma 25 Terminologia 26 RESULTADOS 30 DISCUSSÃO 49 A polinização passiva em Ficus está associada a um estigma de morfologia singular 49 A polinização ativa em Ficus está associada à presença de sinestigma 50 Aspectos relevantes sobre a morfologia do sinestigma 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 52 CAPÍTULO 2. SINESTIGMA EM ESPÉCIES DE FICUS L. DA SEÇÃO AMERICANA (MORACEAE) 58 RESUMO 58 INTRODUÇÃO 59 MATERIAIS E MÉTODOS 61 Espécies estudadas 61 Análise das dimensões do sicônio 61 Morfologia floral 62 Terminologia 63 RESULTADOS 66 DISCUSSÃO 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 82 CAPÍTULO 3. FUNCIONALIDADE DO SINESTIGMA EM ESPÉCIES DE FICUS L. (MORACEAE) E IMPLICAÇÕES NA INTERAÇÃO FIGO-VESPA DE FIGO 87 RESUMO 87 INTRODUÇÃO 88

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MATERIAIS E MÉTODOS 89 Espécies estudadas 89 Emissão e crescimento do tubo polínico 90 Morfologia do tubo polínico 91 Terminologia 92 RESULTADOS 92 DISCUSSÃO 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 103 CONCLUSÕES 107 ANEXOS 109

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INTRODUÇÃO GERAL O estigma é considerado uma região especializada do gineceu com a função de receber, reter e nutrir o gametofito masculino nas angiospermas (Heslop-Harrison & Shivanna 1977, Heslop-Harrison & Heslop-Harrison 1985). Além disso, a superfície estigmática é o local onde ocorrem reações de reconhecimento, ou de incompatibilidade que podem prevenir a germinação de grãos de pólen provenientes tanto do mesmo indivíduo (autoincompatibilidade), quanto de outros indivíduos da mesma espécie (incompatibilidade intraespecífica) ou de outras espécies (incompatibilidade interespecífica). Devido ao seu papel na interação pólen-pistilo, o estigma tem sido alvo de muitos estudos, sendo considerado muito importante para o sucesso reprodutivo das angiospermas (Heslop-Harrison & Heslop- Harrison 1985). Há na literatura relatos interessantes sobre agrupamentos de dois a vários estigmas, com variados graus de aproximação, formando uma estrutura conhecida por sinestigma, que atua como uma superfície comum de germinação polínica (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003). Entretanto, a ocorrência de sinestigma é rara entre as angiospermas, sendo registrada apenas em representantes de Ficus L., em Moraceae (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003, Basso-Alves et al. 2014) e de Rosa setigera Michx., em Rosaceae (Kemp et al. 1993), merecendo estudos mais detalhados. Moraceae é um grupo interessante para estudos comparativos de morfologia floral, uma vez que seus representantes exibem ampla diversidade de sistemas sexuais (monoicia, androdioicia e ginodioicia) (Datwyler & Weiblen 2004), de arquitetura de inflorescência e de mecanismos de polinização (Clement & Weiblen 2009). Entre os gêneros da família, Ficus destaca-se por ser o gênero mais rico em espécies (cerca de 750 espécies) (Cruaud et al. 2012), apresentar um tipo singular de inflorescência, o sicônio (Berg & Corner 2005), e uma relação coevolutiva bem estabelecida com seus polinizadores (Cruaud et al. 2012). Além disso, é o único grupo com relatos de sinestigma, estrutura especializada e altamente relacionada ao modo de polinização das figueiras. O sicônio é uma inflorescência fechada, com flores distribuídas em seu interior, e apenas uma abertura, o ostíolo, por onde entram as vespas polinizadoras (Clement & Weiblen 2009). O sicônio pode apresentar flores estaminadas, flores pistiladas e flores neutras. As flores pistiladas são caracterizadas por diferentes comprimentos de pedicelo e de estilete, conhecidas por flor de estilete curto (FEC) e flor de estilete longo (FEL) (Janzen 1979), e

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seguem um padrão de distribuição nos sicônios segundo o tipo de expressão sexual da espécie de Ficus. Há espécies monoicas, nas quais um indivíduo porta sicônios com flores pistiladas de estilete curto, longo, e flores estaminadas, que possibilitam o desenvolvimento de galhas, sementes e pólen, respectivamente (Galil & Eisikowitch 1968). Outras espécies são funcionalmente dioicas, mas estruturalmente ginodioicas, por apresentarem indivíduos que portam sicônios com flores pistiladas de estilete curto e flores estaminadas, nas quais se desenvolvem galhas e pólen, respectivamente, e indivíduos com sicônios que possuem apenas flores pistiladas de estile longo, que produzem sementes (Kjellberg et al. 2005). As flores neutras são encontradas em todas as espécies ginodioicas de Ficus, próximas a flores pistiladas de estilete longo, no sicônio funcionalmente feminino. São constituídas por tépalas reduzidas e, frequentemente, por estames abortados, sendo assim, não funcionais (Berg & Corner 2005). A polinização em Ficus é realizada exclusivamente por fêmeas de vespas da família Agaonidae (vespas de figo), que utilizam o sicônio para o desenvolvimento de suas proles (Figura 1). O ciclo da interação mutualística entre figueiras e suas vespas polinizadoras é descrito na figura 1, exemplificado por uma espécie monoica. As flores pistiladas desenvolvem-se primeiro, no início do desenvolvimento do sicônio (Galil & Eisikowith 1968). Na fase em que as flores pistiladas estão com os estigmas receptivos, a fêmea de vespa, fecundada e carregada de pólen, é atraída por substâncias voláteis liberadas pelos sicônios (Hossaert-McKey et al. 1994, Souza et al. 2015). Dentro do sicônio a vespa poliniza as flores pistiladas e inicia a oviposição no ovário através do estigma e estilete. Nesta fase, as flores estaminadas estão em estádios intermediários de desenvolvimento. No momento em que as flores estaminadas estão em antese, as vespas estão completamente desenvolvidas. Assim, os machos emergem das galhas e copulam as fêmeas, que ainda estão imersas em suas galhas. Estas emergem em seguida, já fecundadas e carregando pólen em busca de um novo sicônio, cujas flores pistiladas estejam com os estigmas receptivos (Galil & Eisikowith 1968).

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Figura 1. Esquema modificado das fases do ciclo da interação figo-vespa de figo em espécies monoicas de Ficus. (Ilustração modificada de Simon van Noort - FigWeb 2014).

As vespas polinizadoras de Ficus podem ter um comportamento de polinização ativo ou passivo. No primeiro caso, assim que emerge de sua galha, a vespa coleta pólen de flores estaminadas em antese, os abriga em estruturas especializadas em seu tórax denominadas bolsos de pólen, e deixa seu sicônio natal. Após encontrar um sicônio com flores pistiladas com estigmas receptivos, a vespa deposita pólen ativamente nestes estigmas. Na polinização passiva, o pólen das flores estaminadas em antese adere ao corpo da vespa recém-emergida de sua galha, e é transportado passivamente até um outro sicônio cujas flores pistiladas estejam com os estigmas receptivos (Galil & Neeman 1977). Na América ocorrem duas seções do gênero Ficus, cada uma com representante de um modo de polinização: Americana, com cerca de 100 espécies com polinização ativa, e Pharmacosycea, com cerca de 20 espécies polinizadas passivamente (Berg 1989). A presença do sistema de polinização ativa em espécies monoicas de Ficus parece estar relacionada à ocorrência do sinestigma (Verkerke 1989). Essa estrutura é interpretada como uma adaptação da planta para garantir a produção de sementes. As vespas que polinizam ativamente as flores, em geral, depositam um ovo nestas flores, resultando em uma

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galha. O sinestigma permite que os tubos polínicos de alguns dos grãos de pólen cresçam lateralmente e fecundem flores vizinhas, possibilitando, assim, a produção de sementes (Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003). Devido à estreita relação entre figueiras e vespas de figo, Ficus tem sido um grupo muito estudado quanto aos padrões evolutivos de planta e polinizador (Galil 1977, Janzen 1979, Wiebes 1979, Bronstein 1988). As espécies de Ficus parecem estar, quase sempre, associadas com uma única espécie de vespa (Bronstein & McKey 1989). Essa complexa interação de figueiras e vespas de figo é considerada mutualística obrigatória, que resulta em benefícios para ambas as espécies (Herre et al. 1999). Numerosos trabalhos sobre o mutualismo figo-vespa de figo são encontrados na literatura; no entanto, poucos trabalhos morfológicos relacionados às estruturas reprodutivas em Ficus foram encontrados, destacando-se: Galil & Eisikowitch (1968), Heslop-Harrison & Shivanna (1977), Verkerke (1986), Verkerke (1987), Beck & Lord (1988a, b), Verkerke (1988), Verkerke (1989), Berg & Wiebes (1992), Jousselin & Kjellberg (2001), Tzeng et al. (2006), Zhang-Hong et al. (2006), Basso-Alves et al. (2014). Considerando a diversidade morfológica observada por estes autores, espera-se: encontrar diferenças na morfologia do estigma de espécies de Ficus relacionadas ao modo de polinização e/ou ao tipo de expressão sexual. De forma que, a presença de sinestigma esteja diretamente relacionada com a polinização ativa. Além disso, também é esperada uma variação na morfologia do sinestigma, estrutural e ultraestruturalmente, não só de acordo com estes diferentes padrões, como relacionada com as dimensões variadas dos sicônios, observadas entre as espécies. Dessa forma, refletindo sobre a importância do sinestigma para o mutualismo figo-vespa de figo (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Jousselin et al. 2003), o objetivo deste trabalho é compreender a morfologia do estigma e suas variações, a distribuição do sinestigma, bem como caracterizar sua função no mutualismo figo-vespa de figo em diferentes linhagens de Ficus, totalizando 29 espécies. As espécies foram escolhidas de maneira a representar diferentes seções, diferentes tipos de polinização e diferentes expressões sexuais, características estas consideradas relevantes na coevolução mutualística de figueiras e seus polinizadores. Assim, esta tese está estruturada em três capítulos:  Capítulo 1. “Diversidade morfológica do estigma em espécies de Ficus L. (Moraceae)” - objetiva caracterizar a morfologia do estigma em oito espécies de Ficus pertencentes a diferentes linhagens, considerando os diferentes modos de polinização e

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expressões sexuais. Além disso, Castilla elastica foi utilizada como grupo externo para fins comparativos.  Capítulo 2. “Sinestigma em espécies de Ficus da seção Americana (Moraceae)” - objetiva caracterizar a morfologia e a distribuição do sinestigma em 21 espécies monoicas de Ficus com polinização ativa (seção Americana), considerando as dimensões e o número de flores do sicônio.  Capítulo 3. “Funcionamento do sinestigma em espécies de Ficus L. (Moraceae) e implicações na interação figo-vespa de figo.” - objetiva estudar detalhadamente o comportamento do grão de pólen e do tubo polínico no sinestigma e nas demais regiões do pistilo em seis espécies de Ficus da seção Americana, demonstrando a importância do sinestigma na distribuição de tubos polínicos pelo sicônio.

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CAPÍTULO 1. DIVERSIDADE MORFOLÓGICA DO ESTIGMA EM ESPÉCIES DE FICUS L. (MORACEAE)

RESUMO Ficus L. é o maior gênero de Moraceae, com cerca de 750 espécies. Seus representantes se caracterizam por uma inflorescência distinta – o sicônio, e por sua polinização singular. O estigma é uma estrutura de destaque na flor do sicônio, pois apresenta características selecionadas em resposta às pressões exercidas pelas vespas polinizadoras. Assim, este trabalho visa a comparar em detalhe a morfologia do estigma em oito espécies de diferentes linhagens de Ficus, com modos de polinização (ativa/passiva) e expressão sexual (monoicia/ginodioicia) distintos, e em Castilla elastica, espécie pertencente a um grupo proximamente relacionado a Ficus. Para tal, sicônios com flores pistiladas cujos estigmas encontram-se receptivos foram processados para observações em microscopia eletrônica de varredura e de luz. O estigma em Ficus pode ser clavado, infundibuliforme, tubular ou apresentar um ou dois ramos filiformes. A superfície estigmática é coberta por cutícula fina, podendo ser lisa ou ornamentada, e composta por papilas curtas ou longas, células convexas, ou tricomas pluricelulares simples. Drusas e células fenólicas podem ocorrer no estigma. As sete espécies com polinização ativa apresentaram sinestigmas (= grupos de estigmas) que variam quanto ao arranjo (congesto ou espaçado), ao número de flores, e ao grau de contato entre os estigmas. Não há contato entre os estigmas de F. obtusiuscula, a única espécie com polinização passiva. Castilla elastica, espécie com polinização passiva, também exibe sinestigma, primeiro relato deste tipo de estrutura em um gênero de Moraceae que não Ficus. Diferenças morfológicas intraespecíficas foram observadas apenas em F. septica e F. obtusiuscula: a superfície estigmática não é papilosa e não há sinestigmas no sicônio funcionalmente masculino de F. septica; em F. obtusiuscula, as flores de estilete longo apresentam ramos estigmáticos maiores que as de estilete curto. A ocorrência de sinestigma em Ficus tem sido associada ao modo de polinização ativa, independente da expressão sexual. Portanto, os resultados obtidos para o estigma em F. obtusiuscula e a confirmação da ausência de sinestigma nesta espécie, reforçam esta associação, confirmando as diferenças morfológicas entre espécies polinizadas passivamente e ativamente. Da mesma forma, o fato de que ambas as flores, de estilete curto e longo, em espécies monoicas, podem ser polinizadas, corrobora os resultados observados nas semelhanças morfológicas entre os estigmas dos dois morfos florais. As diferenças encontradas em F. obtusiuscula sugerem adaptação para potencializar a captura de grãos de pólen, já que estes não são depositados ativamente pelo polinizador. Em F. septica, o estigma papilado da flor de estilete longo pode auxiliar na aderência e germinação do grão de pólen, garantindo a produção de sementes. Este trabalho amplia o conhecimento da morfologia floral como resposta à interação figo-vespa de figo, e mostra que o estigma destas espécies exibe grande diversidade morfológica.

Palavras-chave: anatomia, flor de estilete longo, flor de estilete curto, ginodioicia, monoicia, morfologia, papila, polinização ativa, polinização passiva, tricoma.

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INTRODUÇÃO Ficus L. é o maior gênero de Moraceae, compreendendo cerca de 750 (Cruaud et al. 2012) das cerca de 1100 espécies descritas na família (Clement & Weiblen 2009). Seus representantes estão distribuídos amplamente em regiões tropicais, subtropicais e temperadas (Clement & Weiblen 2009, Judd et al. 2009) e se destacam pela presença universal de um tipo distinto de inflorescência – o sicônio, e por sua polinização singular (Clement & Weiblen 2009). O sicônio é constituído por um receptáculo urceolado, revestido internamente por flores díclinas (=unissexuais) (Verkerke 1989, Berg 1990), com uma única abertura de acesso ao exterior, denominada ostíolo, recoberta por brácteas (Galil & Eisikowitch 1968, Berg 1990). Metade das espécies de Ficus é monoica, portando sicônios com flores estaminadas, pistiladas de estilete curto (FEC) e de estilete longo (FEL), que produzem pólen, e possibilitam o desenvolvimento de vespas e sementes, respectivamente. A outra metade é estruturalmente ginodioica e funcionalmente dioica, ou seja, há indivíduos que portam sicônios apenas com flores pistiladas de estilete longo e produzem apenas sementes, enquanto outros indivíduos com sicônios estruturalmente monoicos, contendo flores estaminadas e flores pistiladas de estilete curto, produzem pólen e vespas, respectivamente (Kjellberg et al. 1987, Anstett et al. 1997). A polinização em Ficus é realizada exclusivamente por fêmeas de vespas da família Agaonidae (vespas de figo), que utilizam o sicônio para o desenvolvimento de suas proles, caracterizando uma interação mutualística obrigatória (Cruaud et al. 2012). O desenvolvimento das vespas de figo e do sicônio pode ser dividido em fases, como exemplificado em espécies monoicas de Ficus, segundo Galil & Eisikowith (1968). A primeira fase corresponde ao desenvolvimento inicial das flores pistiladas, onde o ostíolo ainda se encontra fechado. A seguir, o sicônio entra em uma fase em que as flores pistiladas estão com os estigmas receptivos para a polinização, a fêmea de vespa polinizadora de figo, fecundada e carregada de pólen, é atraída por substâncias voláteis liberadas por glândulas de odor nos sicônios (Hossaert-McKey et al. 1994, Souza et al 2015). Após penetrar no sicônio pelo ostíolo, a vespa poliniza as flores pistiladas e deposita seus ovos no ovário pelo estigma e estilete. O desenvolvimento das sementes e larvas caracteriza a fase mais longa, que pode durar de semanas a meses. As flores que foram somente polinizadas originam frutos com sementes, enquanto aquelas que foram polinizadas e ovipositadas formam galhas onde a larva da vespa se desenvolve (Galil & Eisikowith 1968). De modo geral, os ovos são depositados

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nos ovários de flores com estiletes mais curtos, enquanto as sementes são produzidas em flores com estiletes mais longos (Kjellberg et al. 1987). A maturação dos estames caracteriza a fase de emergência das vespas adultas. Os machos emergem antes e copulam as fêmeas que estão ainda dentro de suas galhas (Galil & Eisikiwitch 1968). Após emergirem de suas galhas, as fêmeas de algumas espécies de vespa podem apresentar um comportamento de coleta e acondicionamento do pólen em estruturas adaptadas em seus tórax (bolsos de pólen), caracterizando a polinização ativa, presente em 75% das espécies de Ficus (Jousselin & Kjellberg 2001, Kjellberg et al. 2001, Jousselin et al. 2004). Em outras espécies, as vespas não apresentam esse comportamento e o pólen é passivamente aderido à superfície do corpo (polinização passiva) durante a movimentação da vespa no interior do sicônio (Galil & Neeman 1977). Fecundadas e carregando pólen, as fêmeas abandonam os sicônios, que “amadurecem”, caracterizando a fase final, em que os figos tornam-se atrativos para diversas espécies de vertebrados frugívoros que atuam como dispersores de sementes (Shanahan et al. 2001). Ao deixar o sicônio natal, a vespa pode percorrer vários quilômetros, transportada pelo vento, até alcançar uma figueira com sicônio contendo flores com estigmas receptivos para polinização e oviposição (Kjellberg et al. 1988, Ware & Compton 1994, Compton et al. 2000). Esta associação entre figueira e vespa de figo surgiu a cerca de 75 milhões de anos, e desde então, estas espécies difersificaram-se juntas, sendo o único exemplo conhecido com um prazo tão longo (Cruaud et al. 2012). Sob este aspecto, um fato interessante, estudado em F. microcarpa L. f., F. aurea Nutt. e F. consociata Blume, é a relação da distribuição das flores pistiladas no sicônio, que consiste em ovários posicionados em diferentes alturas, com o padrão de oviposição exibido pela vespa polinizadora. Em algumas espécies monoicas, a maior incidência de oviposição ocorre nas flores de estilete curto, sugerindo uma possível preferência das vespas, uma vez que a inserção e o direcionamento do ovipositor (curto) podem ser dificultados pelo tamanho do estilete nas flores de estilete longo (Jousselin et al. 2001). A morfologia do pistilo, em especial do estigma, também parece altamente relacionada ao sucesso da polinização, como demonstrado em F. máxima Mill., espécie monoica, com polinização passiva, em que as flores de estilete longo são mais polinizadas do que as de estilete curto. Isso ocorre, devido a diferenças morfológicas entre os estigmas dos dois morfos florais, sugerindo que estas características morfológicas sejam respostas às pressões de seleção exercidas pelo mecanismo de polinização (Jousselin et al. 2004).

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Conclusões semelhantes podem ser obtidas de investigações sobre a relação entre a morfologia estigmática e a polinização ativa nas espécies de Ficus. Alguns estudos demonstraram a presença frequente de contato entre os estigmas (sinestigma) em espécies com sistema de polinização ativa, como em F. fulva Spreng. e F. condensa King (Jousselin & Kjellberg 2001), em F. microcarpa, F. salicifolia Vahl e F. sur Forssk. (Jousselin et al. 2003), e em F. citrifolia Mill., F. híspida L., F. racemosa L. e F. religiosa L. (Basso-Alves et al. 2014). Nas espécies com polinização ativa, os estigmas que se encontram na mesma altura não teriam a mesma chance de receber pólen, uma vez que a vespa garante a polinização da flor que oviposita. Portanto, a presença do sinestigma sugere uma especialização da planta com o objetivo de ampliar o número de flores polinizadas e garantir a produção de sementes, tanto em espécies monoicas quanto dioicas (Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003). Assim, o presente trabalho visa a avaliar em detalhe o modelo proposto por Jousselin & Kjellberg (2001) e Jousselin et al. (2003, 2004), comparando a morfologia do estigma em oito espécies de Ficus, pertencentes a sete seções, com modos de polinização e expressão sexual diferentes. Pretende-se confirmar as características estigmáticas selecionadas em resposta ao mutualismo figo-vespa de figo já relatadas na literatura (Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003, 2004) e verificar a presença de outras em níveis morfológicos mais detalhados. Além disso, pretende-se elucidar a morfologia ultraestrutural do contato entre as papilas estigmáticas, em duas espécies que apresentam sinestigmas com alto grau de coesão entre seus estigmas, F. religiosa L. e F. racemosa L. A fim de melhor compreender a evolução de caracteres morfológicos do estigma em Ficus, selecionou-se Castilla elastica Sessé, espécie androdioica pertencente à tribo Castilleae (grupo irmão da tribo Ficeae, à qual as espécies de Ficus pertencem- Clement & Weiblen 2009) para comparação.

MATERIAIS E MÉTODOS

Espécies estudadas Oito espécies de linhagens diferentes de Ficus - F. microcarpa (seção Conosycea), F. lyrata (seção Galoglychia), F. religiosa (seção Urostigma), F. ulmifolia (seção Sycidium), F. septica (seção Sycocarpus), F. auriculata (seção Sycomorus), F. racemosa (seção Sycomorus), F. obtusiuscula (seção Pharmacosycea) (Figura 1, Tabela 1), segundo Cruaud et al. (2012), e Castilla elastica foram selecionadas para este estudo. Cada

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espécie de Ficus selecionada representa uma seção, ou no caso de F. auriculata e F. racemosa, representam as diferentes expressões sexuais na seção Sycomorus.

Morfologia do estigma Para as espécies monoicas de Ficus, foram analisados estigmas tanto de flor de estilete curto (FEC) quanto de flor de estilete longo (FEL); entre os indivíduos ginodioicos, escolhemos F. septica para comparar o estigma de flores pistiladas (consideradas FEC), provenientes de um indivíduo funcionalmente masculino, ao estigma de flores pistiladas (consideradas FEL) oriundas de um indivíduo funcionalmente feminino; no restante das espécies ginodioicas foram analisados estigmas de FEL. De Castilla elastica foram analisadas flores pistiladas de inflorescências pistiladas. Foram coletados pelo menos cinco sicônios na fase em que as flores pistiladas estavam com os estigmas receptivos para a polinização, para cada espécie de Ficus, e cinco inflorescências pistiladas de C. elastica. Os materiais foram fixados em FAA 50 (Johansen 1940) e/ou FNT (Lillie 1954) por 24 a 48 h, desidratados em série etanólica e armazenados em álcool 70%. Os materiais fixados foram posteriormente dissecados em microscópio estereoscópico Leica M 205 C, no qual foram obtidas fotos digitais. Para o exame de superfície (microscopia eletrônica de varredura - MEV), os materiais foram desidratados em série etanólica, submetidos à secagem por ponto crítico de CO2 em um aparelho Bal-Tec CPD 030, montados em suporte metálico sobre fita adesiva de carbono e/ou cola adesiva grafite, e metalizados com ouro em um aparelho Bal-Tec SCD 050. O tempo médio de metalização foi de 350 segundos. As observações foram realizadas em microscópio eletrônico de varredura Jeol JSM-6610LV em 25kV. Para o exame histológico (microscopia de luz - ML), os materiais foram desidratados em série etanólica e incluídos em resina histológica Leica (Gerrits 1991) e seccionados longitudinalmente (5 μm) em micrótomo rotativo Leica RM 2245 com navalha de aço. Os cortes obtidos foram corados com Azul de Toluidina 0,05% em tampão fosfato (pH = 6,3) (O’Brien et al. 1964) e com Sudan Black B (Jensen 1962). As lâminas foram montadas no momento da observação com óleo de imersão e lamínula de vidro. As observações e fotografias digitais foram obtidas com câmera digital Leica DFC 320 acoplada em microscópio de luz Leica DM 4500 B. Para o exame em microscopia eletrônica de transmissão, foram escolhidas duas espécies que apresentam sinestigmas com alto grau de coesão entre seus estigmas: Ficus

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religiosa e F. racemosa. Amostras foram fixadas em solução de Karnovsky em tampão fosfato 0,075 M (pH 7,2-7,4) por 24 h, lavadas em tampão fosfato 0,075 M (pH 7,2-7,4) (Karnovsky 1965), pós-fixadas em tetróxido de ósmio 1% em tampão fosfato 0,075 M (pH 7,2-7,4) por 1 h, desidratadas gradativamente em solução de acetona e incluídas em Araldite 6005. Posteriormente, seções semifinas (0,5 μm) foram obtidas em ultramicrótomo Leica Reichert e coradas com Azul de Toluidina 0,05% (O’Brien et al. 1964). Após a observação dos materiais e a escolha dos mais representativos, seções ultrafinas (60 nm) foram obtidas em ultramicrótomo Leica Reichert, contrastadas com solução de Acetato de Uranila 2% por 15 minutos (Watson 1958) e Citrato de Chumbo por 15 minutos (Reynolds 1963), observadas e documentadas em Microscópio Eletrônico de Transmissão Philips EM 208, localizado no Laboratório de Microscopia Eletrônica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Terminologia A terminologia adotada para descrever a morfologia floral das espécies estudadas segue Berg (1989, 1990). O termo flor de estilete longo (FEL) foi aqui utilizado para designar flores nas quais, frequentemente, desenvolvem-se sementes; e flor de estilete curto (FEC) para indicar flores que produzem galhas em resposta à oviposição. O termo sinestigma adotado designa o contato entre dois ou mais estigmas, seguindo o modelo proposto por Jousselin & Kjellberg (2001) e Jousselin et al. (2003), e não uma estrutura contínua, ou plataforma, ocupando todo o interior do sicônio, como descrito em Galil & Eisikowitch (1968). O termo flor neutra foi utilizado para indicar a presença deste tipo de flor nos sicônios das espécies ginodioicas estudadas, porém estas flores não fizeram parte do estudo visto que representam flores abortadas, frequentemente estaminadas (Berg & Corner 2005). O grau de coesão entre os estigmas foi considerado seguindo um critério manual de separação dos estigmas: frouxo, nos estigmas que eram separados mais facilmente, e firme, nos que exigiam mais cuidado na separação.

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Figura 1. Hipótese filogenética das relações entre as seções de Ficus proposta por Cruaud et al. (2012) com base em dados moleculares. Os subgêneros de Ficus estão delimitados pelos retângulos coloridos, e os nomes das espécies possuem a mesma cor que a seção a qual pertencem. Setas vermelhas indicam as seções às quais as espécies selecionadas para este trabalho pertencem. O posicionamento de Castilla elastica em relação a Ficus é indicado pela seta preta.

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Tabela 1. Informações sobre as espécies selecionadas de Ficus obtidas de Galil & Snitzer-Pasternak (1971), Berg et al. (1984), Berg & Wiebes (1992), Berg & Corner (2005), Cruaud et al. (2012), R.A.S.Pereira (comunicação pessoal) e de Castilla elastica obtidas de Berg (1972), Sakai (2001). Símbolos: a = Ribeirão Preto, SP, Brasil; b = Yunnan, China; c = Manila, Filipinas; d = Rio de Janeiro, RJ, Brasil; e = Campinas, SP, Brasil. (* os morfos florais indicados referem-se às observações do material coletado). As espécies estão ordenadas na tabela segundo proposto no cladograma de Cruaud et al. (2012). Subgênero/ Modo de Formato da Morfos florais Espécie Expressão sexual Local de coleta Material testemunha Seção polinização inflorescência encontrados*

Urostigma/ pistiladas (FEC, FEL) e a F. microcarpa L. monoicia ativa subgloboso Campus da USP S.P. Teixeira et al. 81 Conosycea estaminadas

Urostigma/ pistiladas (FEC, FEL) e a F. lyrata Warb. monoicia ativa elipsoide Campus da USP S.P. Teixeira et al. 80 Galoglychia estaminadas Urostigma/ pistiladas (FEC, FEL) e Xishuangbanna Tropical F. religiosa L. monoicia ativa subgloboso HITBC 058160 b Urostigma estaminadas Botanical Garden F. ulmifolia Lam. Sycidium/ University of the ginodioicia ativa subgloboso pistiladas (FEL) PUH1649 c (indivíduo feminino) Sycidium Philippines Diliman F. septica Burm.f. Sycomorus/ University of the ginodioicia ativa elipsoide pistiladas (FEC) e estaminadas PUH10 (indivíduo c Sycocarpus Philippines Diliman masculino) F. septica Burm.f. Sycomorus/ University of the ginodioicia ativa elipsoide pistiladas (FEL) e neutras PUH10 c (indivíduo feminino) Sycocarpus Philippines Diliman subpiriforme/ F. auriculata Lour Sycomorus/ a S.P. Teixeira & C.D. ginodiocia ativa subgloboso/ pistiladas (FEL) e neutras Campus da USP (indivíduo feminino) Sycomorus Souza 78 elipsoide Sycomorus/ subgloboso/ pistiladas (FEC, FEL) e Jardim Botânico do Rio F. racemosa L. monoicia ativa d RB 422367 Sycomorus subpiriforme estaminadas de Janeiro

F. obtusiuscula Pharmacosycea/ pistiladas (FEC, FEL) e a monoicia passiva globoso Campus da USP S.P. Teixeira et al. 82 (Miquel) Miquel Pharmacosycea estaminadas Castilla elastica Instituto Agronômico de M.B. Carvalho 122 & androdioicia passiva discoide pistiladas e Sessé Campinas J.F. Benedito

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Figura 2. Sicônios das espécies estudadas de Ficus e Castilla elastica. F. microcarpa (A), F. lyrata (B), F. religiosa (C), F. ulmifolia (D), F. septica (E), F. auriculata (F), F. racemosa (G), F. obtusiuscula (H) e C. elastica (I). Créditos de imagem: Camila D. Souza (A, B, F, H); Jean-Yves Rasplus (D), Juliana V. Paulino (C, G); Lillian J. V. Rodriguez (E); Viviane G. Leite (I). Escalas = 1 cm.

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RESULTADOS Todas as espécies monoicas (F. microcarpa, F. lyrata, F. religiosa, F. racemosa, F. obtusiuscula), na fase em que as flores pistiladas estão com os estigmas receptivos à polinização apresentam os sicônios portando dois tipos de flores pistiladas, FEC e FEL, distribuídas assistematicamente, além de flores estaminadas em fase intermediária de desenvolvimento (Tabela 1) distribuídas entre as flores pistiladas. Entre os indivíduos funcionalmente femininos das espécies ginodioicas, F. ulmifolia apresentou sicônios contendo apenas flores pistiladas (FEL), enquanto nos sicônios de F. septica e F. auriculata, foram observadas, além das flores pistiladas (FEL), flores neutras (Tabela 1). Os sicônios do indivíduo funcionalmente masculino de Ficus septica apresentaram flores pistiladas (FEC) e uma a duas camadas de flores estaminadas (Tabela 1). em desenvolvimento próximas ao ostíolo O estigma das flores das espécies estudadas de Ficus e de Castilla elastica difere quanto ao formato, ao tamanho, à composição celular da superfície e à ocorrência de exsudato (Tabela 2). Os resultados seguem descritos por espécie, segundo a classificação de Cruaud et al. (2012).

Ficus microcarpa (monoica, ativa): O estigma dos dois morfos florais (FEC e FEL) exibe um ramo filiforme (Figuras 3-A, B), ou mais raramente um segundo ramo muito encurtado (Figura 3-C). Há contato frouxo entre os ramos estigmáticos formando um sinestigma atípico, com apenas dois estigmas (Figuras 3-D, E). A superfície estigmática receptiva é formada por células convexas e papilas curtas (Figura 3-F, G), cobertas por uma cutícula fina e lisa (Figuras 3-H, I). As células da superfície são muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais (Figuras 3-F a I). O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas, com citoplasma denso, pequenos vacúolos e núcleo conspícuo (Figuras 3- F), podendo apresentar drusas (Figura 3-F, J).

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Figura 3. Estigma de flores pistiladas de estilete curto (A, C, E, F, H, J) e estilete longo (B, G, I) de Ficus microcarpa (monoica, ativa). O estigma exibe um ramo filiforme (A, B) e pode apresentar um segundo ramo menor (seta) (C). Observe a presença de sinestigma (D) e o contato entre dois estigmas (e) (E). O estigma é papilado (F, G) . Note o detalhe das papilas com cutícula fina e lisa (seta) (H, I). Observe as células do tecido transmissor (seta) (F). Drusas (seta) foram observadas no estigma em luz polarizada (J - espelho da imagem F). Escalas: D = 1 mm; A = 200 µm; B, F, G, J = 100 µm; C, E = 50 µm; H, I = 20 µm.

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Ficus lyrata (monoica, ativa): O estigma dos dois morfos florais (FEC e FEL) exibe um ramo filiforme (Figuras 4-A, B), ou mais raramente um segundo ramo muito encurtado (Figuras 4-C, D). Há contato firme entre os ramos estigmáticos, formando um sinestigma coeso, com entrelaçamento (Figuras 4-E, F) dos tricomas pluricelulares que compõem a superfície estigmática (Figuras 4-G, H). Os tricomas são cobertos por uma cutícula fina e lisa e constituídos por células muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais (Figuras 4-I, J). Conteúdo fenólico é observado, frequentemente, nas células basais dos tricomas (Figuras 4-I, J). O tecido transmissor (Figuras 4-G, H) é composto por células alongadas, com citoplasma denso, pequenos vacúolos e núcleo conspícuo, podendo apresentar drusas (Figura 4-K).

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Figura 4. Estigma de flores pistiladas de estilete curto (A, C, G, I, K) e de estilete longo (B, D, F, H, J) de Ficus lyrata (monoica, ativa). O estigma pode apresentar um ramo filiforme (A, B) ou dois ramos (seta = segundo ramo) desiguais (C, D). Há formação de sinestigma coeso (E) devido ao entrelaçamento dos tricomas (F) entre os estigmas (e). Observe os tricomas pluricelulares (t) no estigma (G, H) e em detalhe com conteúdo fenólico e cutícula (seta) fina e lisa (I, J). Drusas (seta) foram observadas no estigma em luz polarizada (K - espelho da imagem G). Escalas: E = 2 mm; A, B, C, D, G, H, K = 200 µm; F = 100 µm; I, J = 20 µm.

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Ficus religiosa (monoica, ativa): O estigma dos dois morfos florais (FEC e FEL) exibe um ramo filiforme. Há contato firme entre os ramos estigmáticos, formando um sinestigma coeso e contínuo (Figura 5-A), com entrelaçamento das papilas longas que compõem a superfície estigmática (Figura 5-B). O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas, com citoplasma denso, pequenos vacúolos e núcleo conspícuo, podendo apresentar drusas (Figura 5-C). As papilas são cobertas por uma cutícula fina e lisa (Figura 5- D), são muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais, podendo conter compostos fenólicos (Figuras 5-D, E). A coesão entre as papilas estigmáticas é muito forte, envolvendo as paredes celulares (Figuras 5-E a G), o que torna difícil a separação manual dos estigmas. As papilas secretam um exsudato (Figuras 5-E) de natureza aparentemente mucilaginosa (coloração rosada com azul de toluidina). Quando em atividade, elas exibem núcleo conspícuo e citoplasma denso (Figura 5-E). Após a liberação do exudato, as papilas exibem um vacúolo volumoso, citoplasma e núcleo periféricos (Figura 5-E), além de mitocôndrias (Figuras 5-E a G), vesículas (Figuras 5-G), dictiossomos (Figura 5-F) e retículo endoplasmático liso (Figura 5-F) e rugoso (Figura 5-G). Na região de contato entre as papilas de diferentes estigmas é possível visualizar a lamela média descontínua (Figura 5-F), porém em algumas regiões não é possível distinguir duas paredes (Figura 5-G) sugerindo que haja uma união entre as paredes.

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Figura 5. Estigma de flores pistiladas de estilete curto e estilete longo de Ficus religiosa (monoica, ativa), O sinestigma único (A) resulta do entrelaçamento (seta) dos estigmas (e) pelas papilas (p) (B, D). Drusas foram observadas no estigma em luz polarizada (seta) (C - espelho da imagem B). Em E, observe papilas em final de atividade secretora (p1-p7), caracterizadas por vacúolo (v) ocupando todo o volume da célula e citoplasma na periferia; e papilas em atividade secretora, com núcleo volumoso central (n) e citoplasma denso (centro). Note que há exsudato (ex) entre as papilas. No detalhe da conexão entre as papilas, note a lamela média (lm) descontínua (F), e regiões onde ela não aparece claramente (seta) (G). No citoplasma das papilas é possível observar dictiossomo (d), mitocôndria (mi), retículo endoplasmático liso (rl), retículo endoplasmático rugoso (rr) e vesículas (ve). Escalas: A = 1 mm; B, C = 100 µm; D = 20 µm, E = 5 µm, F, G = 1 µm.

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Ficus ulmifolia (ginodioica, ativa): O estigma de flores pistiladas de inflorescências funcionalmente femininas (FEL) é infundibuliforme (Figura 6-A). Há contato frouxo entre os estigmas, sendo encontrados desde estigmas isolados a sinestigmas formados por vários estigmas (Figura 6-A, B, D). A superfície estigmática receptiva é formada por papilas curtas cobertas por uma cutícula fina e lisa (Figura 6-E). As papilas são muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais (Figura 6- E). O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas ou alongadas, com citoplasma denso, pequenos vacúolos e núcleo conspícuo. Não foram observadas drusas ou células fenólicas.

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Figura 6. Estigma de flores pistiladas de estilete longo de Ficus ulmifolia (ginodioica, ativa, sicônio funcionalmente feminino). O estigma apresenta formato infundibuliforme e superfície papilada (A, B) permitindo a formação de sinestigma (C). Note o contato (seta) entre os estigmas (e) (A, C, D) e as papilas com cutícula (seta) fina e lisa (E). Escalas: C = 1 mm; A, D = 100 µm; B = 50 µm; E = 20 µm.

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Ficus septica (ginodioica, ativa): O estigma de flores pistiladas de inflorescências funcionalmente masculinas (FEC) e de flores pistiladas de inflorescências funcionalmente femininas (FEL) são infundibuliformes (Figuras 7-A, B), mas exibem diferenças. Não há contato entre os estigmas de FEC e, portanto, não há formação de sinestigma (Figura 7-C). Os estigmas de FEL, ao contrário, podem ocorrer solitários ou formar sinestigmas com vários estigmas contatados firmemente (Figuras 7-D a F). A superfície estigmática receptiva é formada por células ligeiramente convexas em FEC (Figura 7-G) e por papilas curtas em FEL (Figura 7-H). Em ambos os tipos florais a superfície estigmática é coberta por uma cutícula fina e lisa e constituída por células muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais, podendo conter composto fenólico (Figuras 7-I a K). O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas ou alongadas, com citoplasma denso, pequenos vacúolos e núcleo conspícuo (Figuras 7-G, H). Não foram observadas drusas.

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Figura 7. Estigma de flores pistiladas de estilete curto (A, C, G, J) e estilete longo (B, D, E, F, H, I, K) de Ficus septica (ginodioica, ativa, sicônios funcionalmente feminino e masculino). O estigma apresenta formato infundibuliforme (A-E, G, H), Há ausência de contato entre os estigmas na inflorescência funcionalmente masculina (C) e a presença de sinestigmas na inflorescência funcionalmente feminina (D). Observe contato entre as papilas (seta) (E, F, I). A superfície estigmática pode não ter (A, G, J) ou ter papilas (seta) (B, H, I, K), sendo revestidas por cutícula (seta) fina e lisa (J, K). Escalas: C, D = 1 mm; E = 200 µm; A, B, G, H = 100 µm; F = 50 µm; I, J, K = 20 µm.

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Ficus auriculata (ginodioica, ativa): O estigma de flores pistiladas de inflorescências funcionalmente femininas (FEL) exibe formato tubular (Figura 8-A). Há contato frouxo entre os estigmas, sendo encontrados desde estigmas solitários a sinestigmas com vários estigmas (Figura 8-B). A superfície estigmática receptiva é formada por células ligeiramente convexas cobertas por uma cutícula fina e lisa (Figuras 8-C a E). Estas células são muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais, podendo conter composto fenólico (Figura 8-E). O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas ou alongadas, com citoplasma denso, pequenos vacuolos e núcleo conspícuo. Não foram observadas drusas.

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Figura 8. Estigma de flores pistiladas de estilete longo de Ficus auriculata (ginodioica, ativa, sicônio funcionalmente feminino). O estigma apresenta formato tubular (A, C, D), e a superfície não papilada na face interna dos ramos estigmáticos (C, D, E), revestida por cutícula (seta) fina e lisa (E). Note a ocorrência de sinestigma (B) devido ao contato entre os tricomas do estilete (seta) e entre as papilas da face externa do estigma (A). Escalas: B = 1 mm; A = 100 µm; C, D = 50 µm; E = 20 µm.

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Ficus racemosa (monoica, ativa): O estigma dos dois morfos florais (FEC e FEL) exibe formato clavado (Figura 9-A a C). Há contato firme entre os estigmas, formando um sinestigma coeso e contínuo (Figura 9-A), com entrelaçamento de papilas curtas (Figuras 9-B a D), cobertas por uma cutícula fina e ornamentada. As papilas são muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais (Figura 9-D, E). O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas ou alongadas, com citoplasma denso, pequenos vacúolos e núcleo conspícuo, podendo apresentar drusas. A coesão entre as papilas estigmáticas é muito forte, envolvendo as paredes celulares (Figura 9-E a G), o que torna difícil a separação manual dos estigmas. As papilas são secretoras (Figuras 9-E). Na região de contato entre as papilas de diferentes estigmas é possível visualizar a lamela média descontínua (Figura 9-F), mas há regiões onde não é possível distinguir duas paredes (Figura 9-G) sugerindo que haja uma união entre as paredes de duas células.

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Figura 9. Estigma de flores pistiladas de estilete curto e de estilete longo de Ficus racemosa (monoica, ativa). O sinestigma único (A) resulta do forte entrelaçamento (seta) dos estigmas clavados (e) pelas papilas (B, C, D). Em E observe um grupo de papilas de diferentes estigmas (p1-p5) rodeadas pelo exsudato (ex) produzido. No detalhe da conexão entre as papilas, note que a lamela média (lm) ocorre em algumas regiões (F), mas em outras não é possível distinguir duas paredes (seta) (G). Escalas: A = 1 mm; B, C = 100 µm; D = 200 µm; E = 3 µm; F, G = 1 µm.

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Ficus obtusiuscula (monoica, passiva): O estigma dos dois morfos florais (FEC e FEL) exibe dois ramos filiformes, frequentemente desiguais em comprimento, curtos e menos expostos em FEC (Figura 10-A), e longos e projetados para a cavidade do sicônio em FEL (Figura 10-B). O comprimento dos ramos estigmáticos é a principal diferença entre os tipos florais (Figura 10-C). Não há contato entre os ramos estigmáticos e, portanto, não há formação de sinestigma (Figura 10-D). A superfície estigmática receptiva é coberta por uma cutícula fina e ornamentada (Figuras 10-E a H) e formada por papilas curtas muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais, podendo conter composto fenólico (Figuras 10-F, H). O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas ou alongadas, vacuoladas, com citoplasma denso e núcleo conspícuo (Figuras 10-E, G), podendo apresentar drusas (Figura 10-I).

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Figura 10. Estigma de flores pistiladas de estilete curto (A, E, F) e estilete longo (B, G, H, I) de Ficus obtusiuscula (monoica, passiva). O estigma pode apresentar os ramos estigmáticos filiformes curtos e menos expostos em FEC (A, E) e mais longos e projetados na cavidade do sicônio (D) em FEL (B, C, D, I). A superfície do estigma é papilada nos dois morfos florais (E, G). Note o detalhe das papilas (seta) com cutícula fina e discretamente ornamentada (F, H). Drusas (seta) foram observadas nos ramos estigmáticos em luz polarizada (I - espelho da imagem G). Escalas: D = 1 mm; A, B, C, G, I = 200 µm; E = 100 µm; F, H = 20 µm.

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Castilla elastica (androdioica, passiva): O estigma das flores pistiladas exibe de dois a três ramos longos, lanceolados e retorcidos (Figuras 11-A, B). Há contato raro entre os ramos estigmáticos, pelo entrelaçamento de suas extremidades, formando sinestigma (Figura 11-B). A superfície estigmática receptiva possui reentrâncias, sendo formada por células convexas e papilas curtas, intercaladas assistematicamente (Figuras 11-C, D, E) e cobertas por uma cutícula fina e lisa (Figura 11-F). As papilas são muito vacuoladas, sendo os vacúolos grandes e centrais (Figuras 11-E, F). Compostos fenólicos (Figura 11-E) e outras substâncias ainda de natureza desconhecida (Figura 11-C) foram observados em células da superfície estigmática. O tecido transmissor é composto por células isodiamétricas ou alongadas, vacuoladas, com citoplasma denso e núcleo conspícuo (Figura 11-E, F), podendo apresentar drusas (Figura 11-G).

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Figura 11. Estigma da flor pistilada de Castilla elastica (androdioica, passiva). Note o estigma papilado com dois (A, B) e três (B - r1, r2, r3) ramos lanceolados, retorcidos e, entrelaçados (B - seta). A superfície estigmática apresenta reentrâncias (C, E - seta) e exsudato (C - seta). Note a cutícula fina e lisa que reveste as papilas (seta vermelha) e as células convexas (seta preta) (F). Drusas (seta) foram observadas nos ramos estigmáticos em luz polarizada (G). Escalas: A, B = 1 mm; C, E = 50 µm; D = 500 µm; F = 20 µm ; G = 200 µm.

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Tabela 2. Caracterização morfológica do estigma de flores pistiladas nas espécies estudadas de Ficus e em Castilla elastica. Símbolos: + = presença, - = ausência,

FEC = flor de estilete curto, FEL = flor de estilete longo. As espécies estão ordenadas na tabela segundo proposto no cladograma de Cruaud et al. (2012).

Espessura e Composição Tipo Tipo de Ocorrência Ocorrência Ocorrência de Espécies Formato ornamentação da celular da floral agrupamento de exsudato de drusas células fenólicas cutícula superfície FEC 1 ramo filiforme; raro 2º frouxo; F. microcarpa fina e lisa papila curta - + - FEL encurtado 2 estigmas FEC 1 ramo filiforme; raro 2º firme; tricoma F. lyrata fina e lisa - + + FEL encurtado 2 a vários estigmas pluricelular FEC firme; F. religiosa 1 ramo filiforme fina e lisa papila longa + + + FEL vários estigmas frouxo; F. ulmifolia FEL infundibuliforme fina e lisa papila curta - - - 1 a vários estigmas FEC - célula convexa - F. septica infundibuliforme firme; fina e lisa - + FEL papila curta - 1 a vários estigmas frouxo; F. auriculata FEL tubular fina e lisa célula convexa - - + 1 a vários estigmas FEC firme; F. racemosa clavado fina e ornamentada papila curta + + - FEL vários estigmas FEC 2 ramos filiformes curtos célula convexa F. obtusiuscula 2 ramos filiformes - fina e ornamentada - + + FEL papila curta longos firme; célula convexa e Castilla elastica - 2-3 ramos lanceolados fina e lisa + + + dois estigmas papila curta

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DISCUSSÃO Representantes de Ficus L. apresentam flores pistiladas com estigmas de morfologia muito diversa, tanto quanto ao formato, ao número e tamanho de ramos (Galil & Eisikowich 1968; Baijnath & Ramcharum 1983; Baijnath et al. 1986; Beck & Lord 1988a; 1988b; Baijnath & Naicker 1989; Verkerke 1989; Jousselin & Kjellberg 2001; Berg & Corner 2005; Shi et al. 2006; Basso-Alves et al. 2014; Conchou et al. 2014, presente estudo), como à composição celular da superfície (presente estudo), características provavelmente selecionadas em resposta a pressões exercidas pelos modos de polinização passivo e ativo (Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003, 2004). Esta variação é aqui documentada mais detalhadamente em espécies de Ficus das seções Conosycea, Galoglychia, Urostigma, Sycidium, Sycocarpus, Sycomorus e Pharmacosycea.

A polinização passiva em Ficus está associada a um estigma de morfologia singular Em espécies de Ficus com polinização passiva, como F. obtusiuscula (presente estudo) e F. curtipes Corner (Zhang et al. 2009), os estigmas das flores pistiladas de estilete longo, mais isolados por serem menos acessíveis à oviposição (Nefdt & Comptom 1996, Jousselin et al. 2001), exibem características que facilitam a aderência de um grande número de grãos de pólen (Jousselin et al. 2004) transportados no corpo da vespa (ver Galil & Neeman 1977) no momento em que ela busca locais de oviposição no interior do sicônio. Tais características incluem ramos estigmáticos numerosos, longos, filiformes ou linguiformes, descritos por Berg (1977) e confirmados no presente estudo, e a superfície estigmática papilosa com cutícula ornamentada. Além disto, sabe-se que espécies de Ficus com polinização passiva investem na produção de um maior número de flores estaminadas e, consequentemente, produzem grande quantidade de grãos de pólen (Kjellberg et al. 2001), otimizando a polinização. No caso de Castilla elastica, além do comprimento e do formato dos ramos, devem ser ressaltadas outras características como as reentrâncias na superfície estigmática e a torsão dos ramos, o que deve aumentar a superfície de captação de pólen. O interessante nestes resultados, é que, embora C. elastica e as espécies de Ficus sejam entomófilas, exibem características estigmáticas, como ramos longos, filiformes e papilosos, semelhantes às de espécies anemófilas de Moraceae, como: Morus celtidifolia Kunth e M. insignis Bureau (Berg 2001), M. nigra L. (Heslop-Harrison & Shivanna 1977, V. G. Leite - comunicação pessoal), Trophis involucatra W.C.Burguer (Bawa & Crisp 1980) T. mexicana (Liebm.) Bureau, T.

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cuspidata Lundell, T. racemosa (L.) Urb., T. caucana (Pittier) C.C. Berg e Bagassa guianensis Aubl. (Berg 2001, Maués et al. 2007), e Maclura tinctoria (L.) D. Don ex Steud. (Berg 2001, V. G. Leite - comunicação pessoal). Os diferentes morfos florais (flor pistilada de estilete curto e longo) encontrados nos sicônio de F. obtusiuscula, espécie monoica com modo de polinização passivo, também podem exibir variações na morfologia do estigma, comumente relatadas em espécies ginodioicas, como F. septica (presente estudo), F. asperifolia Miq. (Verkerke 1987) e F. carica L. (Beck & Lord 1988a, b). Tais variações estão relacionadas ao comprimento dos ramos estigmáticos, mais curtos nas FEC, e ao tipo de célula encontrado na superfície estigmática, papiloso nas FEL. Assim, flores com estiletes/estigmas mais longos e ramificados apresentam maior chance de serem polinizadas e menor de serem ovipositadas pelas vespas polinizadoras que possuem ovipositores curtos. Por outro lado, as flores de estiletes/estigmas curtos são mais acessíveis à oviposição (Jousselin et al. 2003, Jousselin et al. 2004). Interessante que nas espécies monoicas com polinização ativa tais variações podem não ocorrer (F. lyrata, F. religiosa, F. racemosa e F. microcarpa), o que indica que, nestes casos, ambos os tipos florais podem ser polinizados.

A polinização ativa em Ficus está associada à presença de sinestigma A diversidade morfológica de estigma observada em Ficus inclui a presença de uma característica raramente encontrada em Angiospermas, o sinestigma, com registros apenas em representantes de Ficus, em Moraceae (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003, Basso-Alves et al. 2014) e de Rosa setigera, em Rosaceae (Kemp et al. 1993). Em todas as espécies estudadas de Ficus que exibem modo de polinização ativo, independente do tipo de expressão sexual (ver Tabela 2), os estigmas encontram-se na mesma altura no interior do sicônio, mantendo contato entre si, formando sinestigmas. Estes dados confirmam os de Jousselin & Kjellberg (2001) e Jousselin et al. (2003), e ampliam tal informação no gênero, por inclusão de um número amostral maior. O sinestigma aumenta a chance de polinização das flores próximas à que foi ovipositada e polinizada, por permitir o crescimento lateral de tubos polínicos. Nas espécies ginodioicas com polinização ativa, como F. septica, F. ulmifolia e F. auriculata, as flores pistiladas de estilete longo formam sinestigma nos figos funcionalmente femininos. Os estigmas das flores pistiladas de estilete curto no figo funcionalmente masculino são isolados.

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Nas ginodioicas com polinização passiva os estigmas são alongados e isolados nos figos femininos (Jousselin & Kjellberg 2001), sem relatos para os figos masculinos. Em espécies monoicas com polinização passiva, como F. obtusiuscula (presente estudo) e F. curtipes (Zhang et al. 2009), não ocorre sinestigma. A diversidade morfológica de estigmas encontrada em Ficus inclui a forma como ocorre a conexão entre os estigmas formando o sinestigma (ver tabela 2). O entrelaçamento de estigmas por tricomas do estilete é a condição mais raramente encontrada, e parece ter valor taxonômico para o grupo, sendo descrita para quatro espécies ginodioicas proximamente relacionadas, em especial do subgênero Sycomorus: F. auriculata (seção Sycomorus) e F. septica (seção Sycocarpus) (presente estudo), F. asperifolia (seção Sycidium - Verkerke 1987) e F. dammaropsis (Warb.) Diels (seção Sycocarpus - Corner 1978). A condição mais comum é o entrelaçamento de estigmas por papilas, formando um sinestigma frouxo ou coeso, encontrado em sete dentre as oito espécies de Ficus aqui estudadas. Outra forma de organização do sinestigma, observada em F. trigona (seção Americana - ver capítulo 2), é o entrelaçamento dos ramos estigmáticos, sem que ocorra especialização da superfície estigmática, característica compartilhada com Castilla elastica.

Aspectos relevantes sobre a morfologia do sinestigma Dados ultraestruturais do estigma de Ficus religiosa e F. racemosa mostram que a coesão forte encontrada entre as papilas no sinestigma é resultado da união entre paredes celulares, um dado inédito para o grupo, o que suscita novas investigações sobre mais um caráter relacionado ao modo de polinização em Ficus. Relatos da presença de sinestigma em outros gêneros da família não foram encontrados, provavelmente por falta de estudos mais acurados que relacionem o modo de polinização com a morfologia floral. Principalmente estudos que considerem as espécies com sistemas de polinização mais especializados, como ocorre em Ficus. Surpreendentemente, o contato entre ramos estigmáticos de flores adjacentes foi observado em Castilla elastica (presente trabalho), espécie polinizada passivamente por Frankliniella diversa Hood e F. insularis Franklin (ordem Thysanoptera) (Sakai 2001), indicando a presença de sinestigma na espécie. Estudos verificando a presença de tubos polínicos com crescimento lateral entre estigmas são ainda necessários para se concluir sobre a funcionalidade do sinestigma nesta espécie. De qualquer forma, este é o primeiro relato de sinestigma estrutural para uma espécie de Moraceae que não Ficus.

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Em outros grupos de , ordem à qual Moraceae está inserida (Haston et al. 2009), estrutura semelhante a um sinestigma foi relatada em Rosaceae, em Rosa setigera (Kemp et al. 1993). Nesta família, as espécies pertencentes à seção Synstylae são caracterizadas por apresentarem estiletes unidos formando uma coluna e estigmas unidos formando um sinestigma. Além disso, algumas espécies de Rosaceae apresentam cômpito, como descrito para Malus x domestica (Sheffield et al. 2005), espécie com cinco estigmas separados, mas com uma região comum de tecido transmissor abaixo do ponto de união dos estiletes, que permite o crescimento de tubos polínicos para qualquer um dos cinco carpelos. A presença de cômpito também é descrita em Rhamnaceae, outra família de Rosales (Medan & Hilger 1992, Medan & Aagesen 1995, Medan & Basilio 2001). A presença de sinestigma, formado por estigmas de várias flores de uma inflorescência, ou por estigmas de vários carpelos livres de uma flor, e de cômpito são condições selecionadas em resposta a diferentes pressões de seleção. Tais condições convergem funcionalmente para otimizar a distribuição de tubos polínicos e, portanto, favorecem a fecundação. Este trabalho amplia o conhecimento sobre a morfologia estigmática em Ficus, contribuindo para o esclarecimento da morfologia floral como resposta à interação mutualística figo-vespas de figo. Além disso, gera oportunidade para novas investigações sobre a morfologia do estigma e sua relação com o modo de polinização em outras espécies de Moraceae.

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CAPÍTULO 2. SINESTIGMA EM ESPÉCIES DE FICUS L. DA SEÇÃO AMERICANA (MORACEAE)

RESUMO Sinestigma é uma estrutura formada por agrupamentos de dois a vários estigmas, independente se em uma mesma flor ou entre flores diferentes, com relatos raros em Angiospermas. Ficus (Moraceae) é um gênero com registros de sinestigma associados ao mutualismo figo-vespas de figo, em especial ao modo de polinização ativa, tanto em espécies monoicas quanto ginodioicas. A função descrita para o sinestigma seria a distribuição de tubos polínicos entre as flores, aumentando as chances de polinização e, consequentemente, de fecundação. Assim, o objetivo deste trabalho é estudar a distribuição e a morfologia detalhada do sinestigma em 21 espécies de Ficus da seção Americana, com polinização ativa. Pretende-se verificar a estrutura do sinestigma, suas variações interesepecíficas e sua relação com as dimensões do sicônio no grupo. Para isso, sicônios com flores pistiladas cujos estigmas encontram-se receptivos foram processados para análises de superfície em microscopia eletrônica de varredura e anatômica em microscopia de luz. Os sicônios foram classificados em pequenos, médios e grandes de acordo com seu tamanho externo e o de sua cavidade interna. Todas as espécies apresentaram estigmas solitários e agrupados (=sinestigma), sendo os grupos conectados ou não entre si. O estigma é papilado, apresentando de um a dois ramos em quase todas as espécies, seja nas flores de estilete curto seja de estilete longo, exceto em F. cyclophylla, na qual foram observadas apenas flores com dois ramos estigmáticos. A distribuição dos sinestigmas é congesta, ou seja, os sinestigmas são próximos e coesos, principalmente em espécies com cavidades siconiais menores, como F. aurea, F. clusiifolia, F. eximia, F. lauretana, F. luschnathiana, F. mariae e F. mathewsii. O número de estigmas por sinestigma é maior em F. boliviana, F. citrifolia, F. clusiifolia, F. eximia, F. luschanathiana, F. obtusifolia e F. roraimensis. O contato entre os estigmas ocorre por entrelaçamento de papilas em quase todas as espécies, sendo classificado como firme em nove espécies e frouxo em 12, independente do tamanho das papilas. Em F. trigona, ocorre entrelaçamento dos ramos estigmáticos e do estilete, sendo o sinestigma considerado firme. Conclui-se que a distribuição coesa dos sinestigmas está relacionada a um menor tamanho da cavidade do sicônio nas espécies da seção Americana, e o número pequeno de flores formando o sinestigma pode ser uma resposta adaptativa à competição entre gametófitos femininos presentes um em cada flor. A similaridade morfológica entre os estigmas de flores de estilete curto e flores de estilete longo, assim como o fato de todos estarem na mesma altura, reforçam a função do sinestigma como uma estrutura especializada em garantir que um número maior de flores seja polinizado. Além disso, a presença de exsudato ou de uma conexão mais forte entre as papilas estigmáticas explica a variação no grau de coesão entre os estigmas nas diferentes espécies analisadas. Dessa forma, nossos dados, ao ampliar o número de espécies estudadas de Ficus, confirmam o modelo proposto que relaciona a presença de sinestigma à polinização ativa, e seu significado funcional na interação figo-vespa de figo.

Palavras-chave: anatomia floral, estigma, flor de estilete curto, flor de estilete longo, interação figo-vespa de figo, mutualismo, polinização ativa, monoicia, Urostigma.

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INTRODUÇÃO Sinestigma é conceituado como o agrupamento de dois a vários estigmas, com variados graus de aproximação, formando uma estrutura que atua como uma superfície comum de germinação polínica (Galil & Eisikowitch 1968). Sua ocorrência é rara entre as angiospermas, sendo o termo encontrado em descrições de representantes apenas de Moraceae (Galil & Eisikowitch 1968, Basso-Alves et al. 2014) e Rosaceae (Kemp et al. 1993), merecendo estudos mais detalhados. Moraceae Gaudich. compreende 37 gêneros e, aproximadamente, 1.100 espécies distribuídas amplamente em regiões tropicais e temperadas (Clement & Weiblen 2009). No Brasil, são encontrados 19 gêneros e 198 espécies, sendo que 65 delas são endêmicas (Romaniuc Neto et al. 2010). Seus representantes exibem um conjunto complexo de arquiteturas de inflorescências, sistemas sexuais e síndromes de polinização (Datwyler & Weiblen 2004, Clement & Weiblen 2009), além de hábitos variados, como arbóreo, arbustivo, trepador ou herbáceo (Datwyler & Weiblen 2004, Judd et al. 2009). Ficus L. é o maior gênero de Moraceae e o único representante da tribo Ficeae, com cerca de 750 (Cruaud et al. 2012) de aproximadamente 1100 espécies descritas na família, incluídas em 19 seções e distribuídas amplamente em regiões tropicais, subtropicais e temperadas (Clement & Weiblen 2009). Na América ocorrem duas seções: Americana, com cerca de 100 espécies, e Pharmacosycea, que abrange cerca de 20 espécies, todas monoicas (Berg & Villavicencio 2004). Uma das principais diferenças entre os representantes destas duas seções é o modo de polinização, ativo nas espécies da seção Americana e passivo em Pharmacosycea (Berg 1989). No Brasil ocorrem 76 espécies, sendo 69 da seção Americana e sete da seção Pharmacosycea, distribuídas por quase todos os estados e biomas brasileiros (Romaniuc Neto et al. 2010). As espécies de Ficus apresentam como característica singular uma inflorescência fechada, denominada sicônio (Clement & Weiblen 2009). Nas espécies monoicas, o sicônio é constituído por um receptáculo em forma de urna revestido internamente por flores díclinas, pistiladas e/ou estaminadas, havendo sempre maior número de flores pistiladas (Verkerke 1989, Berg 1990). As flores são pequenas e monoclamídeas; as estaminadas podem apresentar de um a três estames e as pistiladas são monocarpeladas com ovário unilocular, óvulo único e estilete inserido lateralmente (Judd et al. 2009, Basso-Alves et al. 2014). Os sicônios apresentam uma sincronia no desenvolvimento das flores, havendo uma forte protoginia, ou seja, na fase em que as flores pistiladas estão com os estigmas receptivos, as flores

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estaminadas estão em um estádio intermediário de desenvolvimento, e estarão em antese semanas mais tarde (Galil 1977). O ostíolo, a única forma de acesso ao interior do sicônio (Galil & Eisikowitch 1968), é uma abertura estreita, delimitada por brácteas, na margem do receptáculo da inflorescência (Berg 1990). É através do ostíolo que as vespas polinizadoras penetram o sicônio para iniciarem o seu ciclo reprodutivo (Verkerke 1986). Devido à estreita relação entre figueiras e vespas de figo, Ficus tem sido um grupo muito estudado quanto à evolução da interação planta-polinizador (ver Jousselin et al. 2003a,b, Datwyler & Weiblen 2004, Weiblen 2002, Ronsted et al. 2005, Ronsted et al. 2008, Cruaud et al. 2012). As espécies de Ficus são associadas a uma ou poucas espécies de vespa fêmeas da família Agaonidae (vespas de figo), que utilizam o sicônio para o desenvolvimento de suas proles (Bronstein & McKey 1989, Cruaud et al. 2012). Essa complexa relação entre figueiras e vespas de figo é considerada mutualística obrigatória, que resulta em benefícios para ambas as espécies (Weiblen 2002). Nas espécies monoicas de Ficus, quando as flores pistiladas no sicônio estão com os estigmas receptivos, vespas fêmeas fecundadas e carregadas de pólen, que acabaram de deixar o seu sicônio natal, são atraídas por substâncias voláteis (Hossaert-McKey et al. 1994, Souza et al. 2015). Após entrarem através do ostíolo, as vespas depositam seus ovos em algumas flores. Neste processo, também transferem ativamente o pólen para as flores pistiladas, que resulta no desenvolvimento de sementes e galhas no sicônio. A emergência da prole de vespas coincide com o amadurecimento e antese das flores estaminadas. Assim, as vespas macho copulam com as vespas fêmea antes que estas deixem suas respectivas galhas, deixando o sicônio e morrendo. Após a cópula, as fêmeas coletam pólen e deixam o figo natal, em busca de outra árvore com sicônios portando flores cujos estigmas encontram-se receptivos, reiniciando o ciclo (Galil & Eisikowitch 1968, Kjellberg et al. 1988, Ware & Compton 1994, Compton et al. 2000). Em algumas espécies de vespas as fêmeas coletam e acondicionam o pólen em estruturas adaptadas em seus tórax, denominadas bolsos de pólen, caracterizando a polinização ativa, descrita para cerca de dois terços das espécies de Ficus, incluindo as espécies da seção Americana. Nas outras espécies, o pólen é aderido à superfície do corpo da vespa durante sua movimentação no interior do sicônio, o que caracteriza a polinização passiva (Galil & Neeman 1977, Jousselin & Kjellberg 2001, Kjellberg et al. 2001, Jousselin et al. 2004).

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A polinização ativa em Ficus parece estar relacionada à ocorrência do sinestigma (Verkerke 1989, Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003a,b, Basso-Alves et al. 2014, ver cap. 1). As vespas polinizadoras ativas frequentemente depositam um ovo nas flores que elas polinizaram, resultando em uma galha. O sinestigma permite que, após a germinação dos grãos de pólen, alguns tubos polínicos cresçam lateralmente e fecundem flores vizinhas, não ovipositadas, promovendo, assim, a produção de sementes (Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003a). A estrutura do sinestigma, em especial a anatomia, é completamente desconhecida até o momento, o que faz necessário estudos mais detalhados que reforcem a importância e confirmem a função proposta para esta especialização floral rara em Angiospermas. Considerando a importância do sinestigma para o mutualismo figo-vespa de figo (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Jousselin et al. 2003a,b), o objetivo deste trabalho é estudar a distribuição e a morfologia detalhada do sinestigma em 21 espécies de Ficus da seção Americana (de acordo com Cruaud et al. 2012). Pretende-se verificar a ocorrência de variações estruturais do sinestigma no grupo e sua relação com as dimensões do sicônio.

MATERIAIS E MÉTODOS

Espécies estudadas Foram coletados sicônios de 21 espécies de Ficus no Brasil (Sena Madureira - AC, Manaus - AM, Sooretama, Santa Teresa - ES, Corumbá - MS, Cuiabá - MT, Gália, Picinguaba e Ribeirão Preto - SP, Rio de Janeiro - RJ), e na Costa Rica (Guápiles e Ojochal) (Tabela 1) entre os anos de 2011 e 2014. Para os estudos de ocorrência e caracterização do sinestigma, pelo menos cinco sicônios com flores pistiladas com estigmas receptivos foram coletados de cada indivíduo por espécie. Os materiais foram fixados em FAA 50 (Johansen 1940) e/ou FNT (Lillie 1954) por 24 a 48 h, desidratados em série etanólica e armazenados em álcool 70%.

Análise das dimensões do sicônio Para a obtenção das dimensões externa e interna do sicônio foram analisados cinco sicônios por espécie, com auxílio de um paquímetro digital. Foram considerados dois planos: um eixo perpendicular ao ostíolo (= altura) e outro paralelo (= largura). Além disso,

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no sicônio, o plano paralelo ao ostíolo foi mensurado por dois eixos perpendiculares entre si (= largura 1 e largura 2) (Figura 1). O número total de flores foi determinado pela observação de um sicônio de cada espécie.

Figura 1. Medições do tamanho dos sicônios, exemplificadas em Ficus calyptroceras (A), F. trigona (B) e F. carautana (C). Eixo perpendicular ao ostíolo (azul) e eixo paralelo ao ostíolo (vermelho) utilizados para obter a altura (A), e a largura (1 e 2) (B) do sicônio e da cavidade interna (C). Escalas: A = 5 mm, B = 2 mm, C = 1 mm.

Morfologia floral A morfologia do sinestigma e das flores pistiladas foi descrita por meio de observação e ilustração dos materiais fixados com auxílio de um microscópio esteroscópico. Além disto, os materiais foram submetidos a exames detalhados de superfície (microscopia eletrônica de varredura - MEV) e anatômico (microscopia de luz - ML). Para o exame de superfície, partes de sicônios e flores pistiladas foram desidratadas em série etanólica, submetidas ao ponto crítico em um aparelho Bal-Tec CPD 030, montadas em suporte metálico sobre fita adesiva de carbono e/ou cola adesiva, e metalizadas com ouro em um aparelho Bal-Tec SCD 050. O tempo médio de metalização foi de 250 segundos. As observações foram realizadas em microscópios eletrônicos de varredura Jeol JSM 5200 e Jeol JSM-6610LV, em 25 kV. Para o exame anatômico, partes de sicônios foram desidratadas em série etanólica, incluídas em resina histológica Leica (Gerrits 1991) e seccionadas longitudinalmente (5 μm) em micrótomo rotativo Leica RM 2245 com navalha de aço. Os cortes obtidos foram montados em lâminas e corados com Azul de Toluidina 0,05% em tampão fosfato pH = 6,3

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(O’Brien et al. 1964). As ilustrações foram obtidas com câmera digital Leica DFC 320 acoplada em microscópio de luz Leica DM 4500 B.

Terminologia A terminologia adotada para descrever a morfologia floral das espécies de Ficus seguiu Berg (1989, 1990). O termo flor de estilete longo (FEL) foi aqui utilizado para designar flores que frequentemente produzem sementes; e flor de estilete curto (FEC) para indicar flores que são utilizadas na reprodução das vespas. O termo sinestigma adotado designa o contato entre dois ou mais estigmas, seguindo o modelo proposto por Jousselin & Kjellberg (2001) e Jousselin et al. (2003a,b, 2004), e não define uma estrutura contínua delimitando o interior do sicônio, como em Galil & Eisikowitch (1968). O grau de coesão entre os estigmas foi considerado seguindo um critério manual de separação dos estigmas: frouxo, nos estigmas que eram separados mais facilmente, e firme, nos que exigiam mais cuidado na separação. A classificação do arranjo do sinestigma em congesto ou espaçado, foi feita com base na continuidade entre os sinestigmas ou no grande número de espaços entre os mesmos.

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Tabela 1. Informações sobre as espécies selecionadas de Ficus da seção Americana.

Espécies Hábito Formato do sicônio Local de coleta Material Testemunha

Ficus americana subsp. guianensis arbóreo; hemiepífita globoso Manaus A.C.C.Rezende 20 (Desv. ex Ham.) C.C. Berg (obs. pessoal) (Berg & Villavicencio 2004) (AM) arbóreo globoso Ojochal Coleção em álcool F. aurea Nutt. (Burger 1977) (Berg & Villavicencio 2004) (Costa Rica) (FCFRP/USP) arbóreo globoso a obcônico Sena Madureira Coleção em álcool F. boliviana C.C. Berg (Berg & Villavicencio 2004) (Berg & Villavicencio 2004) (AC) (FCFRP/USP) arbóreo globoso a subgloboso Corumbá F. calyptroceras (Miq.) Miq. R.A.S.Pereira et al. 179 (Salis & Crispim 2006) (Berg & Villavicencio 2004) (MS) arbóreo subgloboso Corumbá F. carautana L.J.Neves & Emygdio R.A.S.Pereira et al. 178 (Giulietti et al. 2009) (Berg & Villavicencio 2004) (MS) abóreo ou hemiepífito arredondado a piriforme Ribeirão Preto S.P.Teixeira et al. 79 F. citrifolia Mill. (Pereira et al. 2007) (Santos 2010) (SP) (SPFR 01297) arbóreo; hemiepífita globoso Rio de Janeiro F. clusiifolia Schott RB 342079 (Pederneiras et al. 2011) (Berg & Villavicencio 2004) (RJ) arbóreo esferoidal Guápiles Coleção em álcool F. costaricana (Liebm.) Miq. (Burger 1977) (Burger 1977) (Costa Rica) (FCFRP/USP) arbóreo globoso, subgloboso a elipsoide Cuiabá P.C.Costa & F.H.A.Farache 60 F. crocata (Miq.) Mart. ex Miq. (Berg & Villavicencio 2004) (Berg & Villavicencio 2004) (MT) (SPFR 153222) arbóreo globoso Rio de Janeiro F. cyclophylla (Miq.) Miq. RB 224477 (Pederneiras et al. 2011) (Carauta 1989) (RJ) arbóreo subgloboso a obovoide Ribeirão Preto R.A.S.Pereira et al. 138 F. eximia Schott (Pereira et al. 2000) (Berg & Villavicencio 2004) (SP) (SPFR 9951) arbóreo globoso Picinguaba Coleção em álcool F. gomelleira Kunth & C.D.Bouché (Berg & Villavicencio 2004) (Berg & Villavicencio 2004) (SP) (FCFRP/USP)

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arbóreo subgloboso Santa Teresa F. holosericea Schott A.P.Fontana 7839 (Berg & Villavicencio 2004) (Berg & Villavicencio 2004) (ES) arbóreo subgloboso Sena Madureira Coleção em álcool F. lauretana Vázq. Avila (Berg & Villavicencio 2004) (Berg & Villavicencio 2004) (AC) (FCFRP/USP) arbóreo; estrangulador subgloboso a elipsoide Picinguaba F. luschnathiana (Miq.) Miq. R.A.S.Pereira et al. 124 (Pederneiras et al. 2011) (Berg & Villavicencio 2004) (SP) G.S.Siqueira 819 F. mariae C.C.Berg, Emygdio & arbóreo subgloboso a obovoide Sooretama P.C.Costa & M. F. B. Costa 47 Carauta. (Berg & Villavicencio 2004) (Berg & Villavicencio 2004) (ES) (SPFR 14451) arbóreo globoso Manaus F. mathewsii (Miq.) Miq. A.C.C.Rezende 1 (Berg & Villavicencio 2004) (Berg & Villavicencio 2004) (AM) arbóreo elipsoide a subgloboso Galia R.A.S.Pereira et al. 158 F. obtusifolia Kunth (Mayorga & Cervantes 2001) (Berg & Villavicencio 2004) (SP) (SPFR 11263) globoso, subgloboso, elipsoide, obovoide a arbóreo; hemiepifita Ribeirão Preto R.A.S.Pereira et al. 127 F. pertusa L.f. piriforme (Bronstein 1991) (SP) (SPFR 9959) (Berg & Villavicencio 2004) arbóreo globoso Manaus Coleção em álcool F. roraimensis C.C.Berg (Giulietti et al. 2009) (Berg et al. 1984) (AM) (FCFRP/USP) arbóreo subgloboso Rio de Janeiro Coleção em álcool F. trigona L.f. (Pederneiras et al. 2011) (Berg & Villavicencio 2004) (RJ) (FCFRP/USP)

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RESULTADOS As dimensões externa e da cavidade do sicônio apresentam uma pequena variação entre as amostras da mesma espécie. Os valores médios obtidos permitem estabelecer as dimensões do sicônio e de sua cavidade em três tamanhos: pequeno (P), médio (M) e grande (G) (Tabela 2). Com base na análise da relação entre o tamanho externo do sicônio e de sua cavidade, as espécies foram classificadas em cinco grupos: 1. sicônio P (4 a 6 mm) e cavidade P (1 a 4 mm) - F. aurea, F. carautana, F. clusiifolia, F. mathewsii, F. lauretana e F. pertusa; 2. sicônio M (9 a 11 mm) e cavidade P (1 a 4 mm) - F. calyptroceras, F. costaricana, F. eximia, F. guianensis, F. holosericea, F. luschnathiana, F. mariae, F. roraimensis e F. trigona; 3. sicônio M (9 a 11 mm) e cavidade M (5 mm) - F. citrifolia; 4. sicônio G (14 a 21 mm) e cavidade M (5 a 9 mm) - F. boliviana, F. crocata, F. cyclophylla e F. gomelleira; 5. sicônio G (14 a 21 mm) e cavidade G (10 mm) - F. obtusifolia. O número total de flores por sicônio varia proporcionalmente ao tamanho da cavidade (Tabela 2). Espécies que apresentam sicônios com cavidades menores também apresentam menor número de flores (100 a 300), enquanto cerca de 400 a 700 flores são observadas nas espécies com medidas intermediárias de cavidade, e mais de 1000 flores nas espécies com cavidades de maiores dimensões (Tabela 2). Ficus boliviana é a única espécie com mais de 2000 flores. As 21 espécies apresentam sicônios com dois tipos de flores pistiladas: flores com estilete curto (FEC) e flores com estilete longo (FEL) (Figura 2-A). Tais flores estão distribuídas assistematicamente pelo sicônio, intercaladas pelas diferentes alturas dos ovários, com todos os estigmas na mesma altura (Figura 2-B). Flores estaminadas em desenvolvimento são encontradas em todas as espécies (Figura 2-C), distribuídas por todo o sicônio. As flores pistiladas exibem ovário unilocular e uniovular (Figura 2-D), estilete posicionado acima e lateralmente ao ovário (Figura 2-D, E), e superfície estigmática parcialmente revestida por papilas (Figura 2-F, G). O estigma apresenta variação intraespecífica no formato, ocorrendo duas formas, independente da flor exibir estilete curto ou longo (Tabela 3): com um ou dois ramos filiformes (Figura 3). Quase todas as espécies apresentam flores com ambos os tipos de estigma no mesmo sicônio, exceto F. cyclophylla (Figuras 3-I, J), cujas flores exibem apenas

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estigmas com dois ramos. Além disso, entre os estigmas que apresentam dois ramos, há uma variação quanto ao comprimento dos ramos, sendo encontrados estigmas com dois ramos desiguais (Figuras 3-F a H) e estigmas com ramos semelhantes em comprimento (Figuras 3-I a L). Apesar da diferença no tamanho do sicônio entre as espécies, todas apresentam desde estigmas solitários a grupos de estigmas (= sinestigma) conectados ou não entre si, com variações no número de estigmas formando o sinestigma, na proximidade entre os sinestigmas e no grau de coesão entre os estigmas de um sinestigma (Tabela 3; Figuras 4 a 6). A proximidade entre os grupos de estigmas é maior em F. aurea (Figura 4-B), F. clusiifolia (Figura 5-A), F. eximia (Figura 5-E), F. lauretana (Figura 5-H), F. luschnathiana (Figura 6-A), F. mariae (Figura 6-B), e F. mathewsii (Figura 6-C), gerando uma distribuição mais congesta dos sinestigmas pelo sicônio. O restante das espécies apresenta sinestigmas mais espaçados entre si (Tabela 3). O número de estigmas por agrupamento varia de dois a cerca de 10 na maioria das espécies, exceto em F. boliviana, F. citrifolia, F. clusiifolia, F. eximia, F. luschanathiana, F. obtusifolia e F. roraimensis, nas quais também são observados grupos contendo de 15 a 20 estigmas (Tabela 3). O contato entre os estigmas ocorre por entrelaçamento dos ramos e das papilas em 20 espécies (F. americana, F. aurea, F. boliviana, F. calyptroceras, F. carautana, F. citrifolia, F. clusiifolia, F. costaricana, F. crocata, F. cyclophylla, F. eximia, F. gomelleira, F. holosericea, F. lauretana, F. luschnathiana, F. mariae, F. mathewsii, F. obtusifolia, F. pertusa e F. roraimensis - Figuras 7 a 9), e por entrelaçamento dos estiletes, dos ramos, mas sem entrelaçamento de papilas em F. trigona (Figura 6-H) (Tabela 3). Este entrelaçamento pode ser firme ou frouxo, caracterizado aqui pela dificuldade ou facilidade em separar manualmente os estigmas unidos (Tabela 3). O grau de coesão entre os estigmas, firme ou frouxo, parece não estar relacionado ao tamanho das papilas estigmáticas (Tabela 3). Por exemplo, em F. calyptroceras, F. carautana e F. costaricana, as papilas estigmáticas são curtas e o grau de coesão entre os estigmas é frouxo, mas no restante das espécies nas quais o contato também é frouxo, as papilas estigmáticas são longas (Tabela 3). Em F. trigona, além do entrelaçamento entre os lobos do estigma, houve também, em alguns casos observados, o entrelaçamento dos estiletes (Figura 6-H), dificultando a separação das flores, sendo a coesão, então, considerada firme.

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Tabela 2. Informações sobre o número de flores e as dimensões do sicônio (média ± DP) na fase feminina das espécies estudadas de Ficus da seção Americana. P = pequeno, M = médio, G = grande. Dimensões do sicônio Dimensões da cavidade do Classificação do Classificação da (média, mm) sicônio (média, mm) Nº de flores em Espécies sicônio segundo cavidade segundo um sicônio Altura Largura 1 Largura 2 dimensões Altura Largura dimensões

F. americana 9,3±0,2 10,6±0,2 10,0±0,2 M 2,9±0,2 4,2±0,2 P 506

F. aurea 6,1±0,6 5,6±0,6 5,5±0,5 P 1,4±0,4 2,4±0,4 P 303

F. boliviana 15,2±2,7 15,9±2,2 15,6±3 G 4,5±0,5 9,2±0,9 M 2041

F. calyptroceras 10,5±0,4 8,9±0,7 8,1±0,7 M 3,0±0,3 3,9±0,7 P 624

F. carautana 4,9±0,5 4,7±0,4 4,5±0,5 P 1,5±0,2 1,5±0,3 P 258

F. citrifolia 10,1±0,3 11,1±0,5 9,7±0,7 M 4,5±0,5 5,5±0,4 M 494

F. clusiifolia 5,2±0,2 5,2±0,2 4,9±0,2 P 1,0±0,2 1,4±0,1 P 152

F. costaricana 9,7±1,1 9,4±1,4 8,3±0,6 M 3,5±0,9 4,1±0,8 P 382

F. crocata 16,4±0,5 18,9±0,7 19,6±0,8 G 3,9±0,5 8,4±0,9 M 1845

F. cyclophylla 14,5±0,8 12,2±0,8 11,7±0,7 G 3,2±0,2 5,4±0,7 M 1067

F. eximia 9,8±1,1 9,2±0,3 8,5±0,5 M 1,8±0,4 4,2±0,3 P 532

F. gomelleira 16,6±0,7 17,2±1,2 17,0±0,9 G 4,6±0,8 7,9±0,9 M 1403

F. holosericea 9,6±0,9 8,6±1,1 8,5±0,7 M 1,9±0,3 3,1±0,7 P 463

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F. lauretana 5±0,4 4,5±0,5 4,6±0,4 P 1,5±0,2 1,4±0,1 P 148

F. luschnathiana 9,1±0,6 7,7±0,2 7,7±0,2 M 1,3±0,4 1,6±0,3 P 318

F. mariae 9,2±0,3 9,2±0,9 9,2±0,7 M 2,5±0,2 2,8±0,5 P 310

F. mathewsii 4,1±0,3 4,1±0,2 4,1±0,2 P 1,0±0,2 1,4±0,2 P 125

F. obtusifolia 21,8±1,5 16,6±0,9 14,3±1,5 G 10,5±1,2 7,9±0,7 G 1738

F. pertusa 5,4±0,3 6,6±0,6 6,4±0,4 P 1,2±0,2 2,7±0,8 P 210

F. roraimensis 10,1±0,9 10,7±1,0 10,4±0,7 M 3,5±0,7 3,6±0,7 P 440

F. trigona 10,9±0,9 10,1±0,6 9,3±0,7 M 4,2±0,8 4,5±0,6 P 416

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Tabela 3. Informações sobre a morfologia do estigma/sinestigma no sicônio com flores pistiladas cujos estigmas estão receptivos, em espécies estudadas de Ficus da seção Americana. FEC = flor de estilete curto; FEL = flor de estilete longo.

Nº de ramos por Sinestigma estigma Espécies Tipo de Tamanho das papilas Grau de coesão entre FEC FEL Arranjo Nº de flores entrelaçamento do estigma os estigmas

F. americana 1-2 1-2 espaçado 2-11 ramos/papilas longas frouxo

F. aurea 1-2 1 congesto 2-10 ramos/papilas longas firme

F. boliviana 1 1-2 espaçado 2-20 ramos/papilas longas firme

F. calyptroceras 1-2 1-2 espaçado 2-10 ramos/papilas curtas frouxo

F. carautana 1-2 1-2 espaçado 2-10 ramos/papilas curtas frouxo

F. citrifolia 1-2 1-2 espaçado 2-17 ramos/papilas longas frouxo

F. clusiifolia 1-2 1-2 congesto 2-15 ramos/papilas curtas firme

F. costaricana 1-2 1-2 espaçado 2-5 ramos/papilas curtas frouxo

F. crocata 1-2 1-2 espaçado 2-10 ramos/papilas longas firme

F. cyclophylla 2 2 espaçado 2-10 ramos/ papilas; longas firme

F. eximia 1-2 1-2 congesto 2-20 ramos/papilas longas firme

F. gomelleira 1-2 1-2 espaçado 2-10 ramos/papilas longas firme

F. holosericea 1-2 1-2 espaçado 2-5 ramos/papilas longas frouxo

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F. lauretana 1-2 1-2 congesto 2-5 ramos/papilas longas frouxo

F. luschnathiana 2 1 congesto 2-15 ramos/papilas curtas frouxo

F. mariae 2 1-2 congesto 2-10 ramos/papilas longas frouxo

F. mathewsii 1-2 1-2 congesto 2-10 ramos/papilas longas frouxo

F. obtusifolia 2 1-2 espaçado 2-15 ramos/papilas longas frouxo

F. pertusa 1-2 1-2 espaçado 2-11 ramos/papilas longas firme

F. roraimensis 1-2 1-2 espaçado 2-20 ramos/papilas longas frouxo

ramos/ F. trigona 1-2 1 espaçado 2-10 curtas firme estiletes

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Figura 2. Morfologia de flores e estigmas de Ficus obtusifolia (A, F), F. citrifolia (B, C, D) e F. pertusa (E, G). MEV em A e G. ML em B-F. Observe as flores de estilete curto e longo (A, B) intercaladas, permitindo a disposição dos estigmas na mesma altura na cavidade siconial (B). Flor estaminada em desenvolvimento (C). Ovário uniocular e estilete lateral (D, E). Estigma revestido por papilas (F). Detalhe das papilas estigmáticas (G). Símbolos: a = antera, e = estigma, es = estilete, fec = flor de estilete curto, fel = flor de estilete longo, o = ovário, ov = óvulo, p = papila. Escalas: A, B, E = 500 µm; C, D = 200 µm; F, G = 100 µm.

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Figura 3. Estigmas (MEV) em Ficus citrifolia (A,B), F. crocata (C), F. eximia (D), F. holosericea (E), F. calyptroceras (F,G), F. luschnathiana (H), F. cyclophylla (I,J), F. obtusifolia (K) e F. roraimensis (L). Os esquemas (A, F, I) representam as três variações observadas quanto ao formato, um ramo filiforme (B-E), dois ramos de comprimentos desiguais (G, H) e dois ramos semelhantes em comprimento (J-L). Observe a superfície estigmática revestida por papilas. Escalas = 100 µm.

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Figura 4. Arranjo dos sinestigmas (ML) no sicônio de Ficus americana (A), F. aurea (B), F. boliviana (C), F. calyptroceras (D), F. carautana (E) e F. citrifolia (F). Note a variação na proximidade entre os sinestigmas e a distribuição mais congesta dos sinestigmas em F. aurea (B). Escala: A-C= 1 mm; D-F = 500 µm.

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Figura 5. Arranjo dos sinestigmas (ML) no sicônio de Ficus clusiifolia (A), F. costaricana (B), F. crocata (C), F. cyclophylla (D), F. eximia (E), F. gomelleira (F), F. holosericea (G), F. lauretana (H). Note a variação na proximidade entre os sinestigmas e a distribuição mais congesta dos sinestigmas em F. clusiifolia (A), F. eximia (E) e F. lauretana (H). Escalas: A, D, E, G, H = 500 µm; B, C, F = 1 mm.

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Figura 6. Arranjo dos sinestigmas no sicônio (A-G: ML; H: MEV) de Ficus luschnathiana (A), F. mariae (B), F. mathewsii (C), F. obtusifolia (D), F. pertusa (E), F. roraimensis (F) e F. trigona (G, H). Note a variação na proximidade entre os sinestigmas e a distribuição mais congesta dos sinestigmas em F. luschnathiana (A), F. mariae (B), F. mathewsii (C). Note o entrelaçamento de estigmas e estiletes (seta) em F. trigona (G, H). Escalas: A, C, E, G = 500 µm; B, D, F = 1 mm; H = 100 µm.

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Figura 7. Anatomia do sinestigma (ML) de Ficus americana (A), F. aurea (B), F. boliviana (C), F. calyptroceras (D), F. carautana (E) e F. citrifolia (F). Detalhe da conexão entre as papilas estigmáticas (setas) de diferentes estigmas. Escalas: A-F = 50 µm.

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Figura 8. Anatomia do sinestigma (ML) de Ficus clusiifolia (A), F.costaricana (B), F.crocata (C), F. cyclophylla (D), F. eximia (E), F. gomelleira (F), F. holosericea (G) e F. lauretana (H). Detalhe da conexão entre as papilas estigmáticas (setas) de diferentes estigmas. Escalas: A, B, D, E, H = 50 µm; C, F, G = 100 µm.

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Figura 9. Anatomia do sinestigma (ML) de Ficus luschnathiana (A), F. mariae (B), F. mathewsii (C), F. obtusifolia (D), F. pertusa (E) e F. roraimensis (F). Detalhe da conexão entre as papilas estigmáticas (setas) de diferentes estigmas (e). Escalas: A, B, C, E, F = 50 µm; D = 100 µm.

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DISCUSSÃO Os dados aqui obtidos confirmam o modelo proposto que relaciona a polinização ativa à presença de sinestigma em Ficus (ver Verkerke 1989, Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003a,b, cap. 1), ampliando de seis (F. microcarpa, F. salicifolia, F. sur - Jousselin et al. 2003; F. citrifolia, F. racemosa, F. religiosa - Basso-Alves et al. 2014) para 27 o número de espécies monoicas estudadas. Além disso, o significado funcional do sinestigma para Ficus, estreitamente relacionado à polinização ativa, mesmo em espécies ginodioicas (ver Jousselin & Kjellberg 2001, cap. 1), é confirmado, tendo em vista que a presença de sinestigma não é exclusiva de espécies da seção Americana, sendo também registrada em outras oito seções: Conosycea (Anstett 2001, Jousselin et al. 2003a, cap. 1), Galoglychia (Verkerke 1986, cap. 1), Urostigma (Baijnath & Naicker 1989, Jousselin et al. 2003a, Basso-Alves et al. 2014, cap. 1), Ficus (Jousselin & Kjellberg 2001), Eriosycea (Jousselin & Kjellberg 2001), Sycidium (Verkerke 1987, 1989, Shi et al. 2006, cap. 1), Sycocarpus (Corner 1978, Shi et al. 2006, Basso-Alves et al. 2014, cap. 1), e Sycomorus (Galil & Eisikowich 1968, Baijnath & Ramcharum 1983, Baijnath et al. 1986, Verkerke 1988, 1989, Jousselin et al. 2003a, Basso-Alves et al. 2014, cap. 1). O termo sinestigma não é bem definido na literatura, o que pode gerar controvérsias nas comparações. Em Ficus, por exemplo, o termo descreve um conjunto de estigmas de flores diferentes formando um tapete ou uma plataforma que delimita toda a cavidade do sicônio (Galil & Eisikowich 1968). Mais tarde, Verkerke (1989) descreveu o sinestigma de espécies pertencentes aos subgêneros Urostigma e Pharmacosycea como uma estrutura descontínua, semelhante à uma teia de aranha. Já em espécies de Rosa setigera L. da seção Synstylae (Rosaceae), o termo foi adotado para uma estrutura composta de vários estigmas unidos de uma mesma flor, cujo gineceu é apocárpico mas os estiletes são unidos (Kemp et al. 1993). No presente estudo, adotamos o termo sinestigma como sendo um grupo de estigmas, independente se de uma mesma flor, como no caso de Rosa setigera Michx. (Kemp et al. 1993) ou de flores na inflorescência, como ocorre nas espécies estudadas. Além disso não consideramos o número de flores envolvidas. Assim, os sicônios de todas as espécies estudadas da seção Americana e das seções Conosycea, Galoglychia, Urostigma, Sycidium, Sycocarpus e Sycomorus exibem vários sinestigmas por sicônio, que podem ou não estar conectados formando uma única plataforma, exibindo uma ampla variação morfológica, como observado em F. asperifolia Miq. (Verkerke 1987), F. capensis Thunb. (Baijnath & Ramcharum 1983), F. condensa King (Jousselin & Kjellberg 2001), F. cyrtophylla (Wall. ex

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Miq.) Miq. (Shi et al. 2006) e F. hispida L. f. (Shi et al. 2006, Basso-Alves et al. 2014), F. microcarpa L. f. (Anstett 2001, Jousselin et al. 2003a, cap. 1), F. ottoniifolia (Miq.) Miq. (Verkerke 1986), F. racemosa L. (Basso-Alves et al. 2014, cap. 1), F. religiosa L. (Basso- Alves et al. 2014, cap. 1), F. salicifolia Vahl (Jousselin et al. 2003a), F. septica Burm. f. (cap. 1), F. sur Forssk. (Baijnath et al. 1986, Jousselin et al. 2003a), e F. sycomorus L. (Galil & Eisikowich 1968). O sinestigma de espécies de Ficus da seção Americana não é muito extenso, ou seja, os agrupamentos não são formados por um número grande de flores, mesmo que o sicônio comporte muitas flores (ver Tabelas 2 e 3). O número de flores que compõem o sinestigma pode refletir um balanço de pressões seletivas antagônicas atuando no sicônio. Por um lado, é vantajoso que haja união entre estigmas no momento da oviposição e polinização, garantindo a produção de sementes, por meio do crescimento lateral do tubo polínico em direção às flores vizinhas daquelas em que a vespa depositou o ovo, como demonstrado em F. condensa (Jousselin & Kjellberg 2001). Por outro lado, a competição por tubo polínico entre os gametófitos femininos (= saco embrionário), únicos por flor, geneticamente diferentes entre si, selecionaria sinestigmas com número menor de flores. De fato, o sinestigma é uma condição rara entre as angiospermas, registrado para uma espécie de Rosaceae, cujo gineceu é apocárpico (Kemp et al. 1993) e, ao que parece, em Typhaceae, nas quais há união de grupos de quatro flores e o pólen é disperso em tétrades (observações pessoais). Mesmo em Ficus, não ocorre em todo o grupo. Nas espécies com polinização passiva, as flores que recebem ovos e as polinizadas são morfologicamente diferentes, em especial com relação ao tamanho e à forma dos estigmas (ver F. obtusiuscula - cap. 1), de forma que a flor de estilete curto, com estigma em forma de plataforma, é mais acessível à oviposição (Jousselin & Kjellberg 2001). As flores de estilete longo exibem estigma com dois ramos longos, projetados para o interior do sicônio, que tocam o corpo das polinizadoras quando elas procuram sítios de oviposição (Jousselin et al. 2003a, Jousselin et al. 2004). O contato entre um número maior de sinestigmas parece ter uma relação direta com o tamanho da cavidade, ocorrendo uma distribuição mais congesta, com menos espaços entre os sinestigmas, quando a cavidade siconial é menor, embora algumas espécies da seção Americana com cavidades pequenas apresentem uma distribuição espaçada (ver tab. 2 e figs. 4-6). Estes dados obtidos pelo estudo da relação entre as dimensões do sicônio e a morfologia do sinestigma são inéditos para o grupo. Análises futuras, com dados quantitativos sobre o sinestigma e mesmo dimensões das flores, como comprimento de ramos estigmáticos podem

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enriquecer estes resultados e esclarecer mais esta relação. A conexão entre estigmas formando um sinestigma é atribuída à presença de papilas ou de tricomas (Verkerke 1989, Jousselin et al. 2003a, Basso-Alves et al. 2014), podendo ser mais forte em algumas espécies como F. lyrata, F. religiosa, F. septica e F. racemosa (ver cap. 1). Entre as espécies da seção Americana, não há uma distribuição tão coesa dos sinestigmas como demonstrado em F. lyrata, F. religiosa, F. septica e F. racemosa (ver cap. 1), mas há uma variação no grau de coesão, provavelmente devido à liberação de exsudato com o rompimento da cutícula fina que reveste as papilas, como ocorre em F. racemosa (Basso-Alves et al. 2014), ou devido a uma ligação mais forte entre as papilas, como em F. religiosa e F. raccemosa (ver cap. 1). Portanto, as ilustrações de anatomia do estigma das espécies de Ficus da seção Americana sugerem que a conexão entre as papilas seja mais forte que o relatado na literatura, ou seja, parece ocorrer união de paredes celulares (ver cap. 1). Concluindo, a variação na ocorrência de sinestigma nos diferentes grupos de Ficus está relacionada, principalmente, à adaptação das espécies ao modo de polinização, confirmando a hipótese sugerida por Jousselin & Kjellberg (2001) e Jousselin et al. (2003 a,b). A morfologia do sinestigma das espécies de Ficus da seção Americana permitiu identificar semelhanças à apresentada por espécies de grupos filogeneticamente próximos, monoicos e com polinização ativa, como F. ottoniifolia, da seção Galoglychia (Verkerke 1989), assim como por espécies filogeneticamente mais distantes como F. religiosa, da seção Urostigma (Basso-Alves et al. 2014, ver Cap. 1), o que corrobora a funcionalidade da interação entre figueiras e vespas polinizadoras de figo. Em adição, nosso trabalho, além de ampliar o número de espécies investigadas sob este aspecto, inova ao abranger várias espécies de uma mesma seção e demonstra que mesmo com morfologia semelhante, as espécies mais próximas de Ficus podem apresentar diferenças morfológicas significativas. São exemplos: a variação no tamanho das papilas do estigma, no comprimento dos ramos, e no padrão de distribuição destes estigmas pelo sicônio. Além disso, este estudo dá os primeiros passos para o entendimento da relação entre as dimensões do sicônio e a morfologia do estigma, criando novos horizontes para extender esta análise a outras espécies de Ficus, ou ainda, de Moraceae.

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CAPÍTULO 3. FUNCIONALIDADE DO SINESTIGMA EM ESPÉCIES DE FICUS L. (MORACEAE) E IMPLICAÇÕES NA INTERAÇÃO FIGO-VESPA DE FIGO

RESUMO

Ficus, o maior gênero de Moraceae, com cerca de 750 espécies, caracteriza-se por possuir um tipo único de inflorescência, o sicônio, e uma relação mutualística obrigatória com seu polinizador, fêmeas de vespas da família Agaonidae. Devido a esta estreita relação o grupo tem sido muito estudado quanto à coevolução planta- polinizador. Uma característica morfológica interessante em algumas espécies de Ficus associada a esta interação é a presença de sinestigma. O sinestigma consiste no agrupamento de estigmas de várias flores dentro do sicônio, o que permite que alguns grãos de pólen depositados em uma flor que foi ovipositada emitam tubos polínicos que podem crescer lateralmente e fecundar flores vizinhas, permitindo assim a produção de galhas e também de sementes. O sinestigma em Ficus está relacionado com a polinização ativa, com ocorrência ampla em espécies da seção Americana. Assim, o objetivo deste trabalho foi estudar, em detalhe, o comportamento do grão de pólen e do tubo polínico no sinestigma e nas demais regiões do pistilo em seis espécies de Ficus da seção Americana (F. carautana, F. citrifolia, F. eximia, F. obtusifolia, F. pertusa e F. roraimensis), a fim de caracterizar a atuação do sinestigma como facilitador na produção de sementes. Sicônios foram coletados na fase em que as flores pistiladas continham estigmas receptivos, dissecados, sendo os pistilos processados para observações em microscopia de luz (incidente e transmitida) e microscopia eletrônica de transmissão. O grão de pólen depositado no estigma é pequeno, diporado, elipsoide a circular e com exina psilada. O tubo polínico emitido cresce pelo exsudato e pelos espaços intercelulares do tecido transmissor, desde o estigma até atingir a micrópila. Tubos polínicos crescendo de um estigma em direção a outro foram observados em cinco das seis espécies (F. carautana, F. eximia, F. obtusifolia, F. pertusa e F. roraimensis). A ausência de observação deste fenômeno em F. citrifolia deve-se, provavelmente, ao grau de coesão frouxo entre os estigmas observado na espécie. Os resultados são inéditos para a seção Americana e ampliam as informações para o gênero, principalemtene quanto a função do sinestigma em otimizar a polinização no mutualismo figo-vespa de figo.

Palavras-chave: anatomia floral, estigma, grão de pólen, interação pólen-pistilo, monoicia, polinização ativa, sinestigma, tubo polínico, ultraestrutura.

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INTRODUÇÃO Ficus L. é o maior gênero de Moraceae, contendo cerca de 750 (Cruaud et al. 2012) de aproximadamente 1100 espécies descritas na família (Clement & Weiblen 2009). Seus representantes estão incluídos em 18 seções, com ocorrência registrada para as regiões tropicais, subtropicais e temperadas (Clement & Weiblen 2009, Judd et al. 2009). Este grupo é muito conhecido pela interação mutualística obrigatória com vespas polinizadoras e pela presença do sicônio, um tipo de inflorescência fechada, com apenas uma abertura para o meio externo, o ostíolo, revestida por brácteas (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Berg 1990, Clement & Weiblen 2009). Em espécies monoicas, todos os indivíduos portam sicônios contendo três tipos de morfos florais: estaminado, pistilado de estilete curto (FEC) e pistilado de estilete longo (FEL), nos quais se desenvolvem pólen, sementes e vespas, respectivamente. Por outro lado, nas espécies funcionalmente dioicas ocorrem indivíduos funcionalmente masculinos, com sicônios que contém flores estaminadas e flores pistiladas de estilete curto, que produzem pólen e são utilizadas no desenvolvimento das vespas, respectivamente, e indivíduos femininos com sicônios compostos apenas por flores pistiladas, nas quais são formadas sementes (Kjellberg et al. 1987, Verkerke 1987, Anstett et al. 1997). As vespas polinizadoras penetram o sicônio através do ostíolo, iniciando, assim, seu ciclo reprodutivo (Verkerke 1986). Entre as duas seções de Ficus que ocorrem na América (Americana e Pharmacosycea), os representantes da seção Americana são caracterizados pela presença de sinestigma (capítulo 2), monoicia, e sistema de polinização ativa (Berg 1989). O sinestigma foi tradicionalmente definido como uma estrutura contínua, semelhante a uma plataforma no interior do sicônio, que atua como uma superfície comum de germinação polínica (Galil & Eisikowitch 1968). Entretanto, estudos recentes em Ficus consideram como sinestigma qualquer agrupamento de dois a vários estigmas, com variados graus de aproximação (caps. 1 e 2), formando uma estrutura que atua como facilitadora da germinação polínica (Jousselin et al. 2003a). Dessa forma, um sicônio pode ter de um (= plataforma única) a vários sinestigmas, que podem variar quanto à proximidade com outros sinestigmas e quanto ao grau de coesão dos estigmas que o compõem (ver capítulos 1 e 2). Sua ocorrência é rara entre as angiospermas, sendo relatado apenas em espécies de Ficus (Moraceae) (Galil & Eisikowitch 1968, Basso-Alves et al. 2014) e em Rosa setigera Michx. (Rosaceae) (Kemp et al. 1993). A função hipotética do sinestigma em Ficus é a de permitir que os tubos polínicos emitidos por grãos de pólen depositados no estigma de uma flor também ovipositada pelas

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vespas polinizadoras cresçam lateralmente, através de estigmas próximos, e fecundem flores vizinhas não ovipositadas, promovendo, assim, além da produção de prole de vespas, a produção de sementes (Jousselin & Kjellberg 2001, Jousselin et al. 2003a). No entanto, trabalhos que contenham ilustrações comprovando tal função são escassos na literatura. Pode- se citar apenas a imagem de Jousselin & Kjellberg (2001) em microscopia de epifluorescência, que mostra o crescimento lateral de um tubo polínico em flores de um sicônio feminino de F. fulva Spreng. Considerando a presença de sinestigma nas espécies de Ficus da seção Americana (ver capítulo 2), a escassez de informações acuradas a respeito de sua funcionalidade e os registros da importância do sinestigma para a produção de sementes neste grupo (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Jousselin et al. 2003a, b), o presente trabalho tem como objetivo estudar, detalhadamente, o comportamento do grão de pólen depositado no estigma e do tubo polínico em crescimento no sinestigma e nas demais regiões do pistilo em seis espécies monoicas de Ficus pertencentes à seção Americana (subgênero Urostigma): F. carautana L.J.Neves & Emygdio, F. citrifolia Mill., F. eximia Schott, F. obtusifolia Kunth., F. roraimensis (C.C.Berg) e F. pertusa L.f.. Pretende-se caracterizar a atuação do sinestigma como facilitador na produção de sementes na interação figo-vespa de figo.

MATERIAIS E MÉTODOS

Espécies estudadas Ao menos dois indivíduos de cada uma das seis espécies de Ficus foram amostrados. Estas espécies foram escolhidas por representarem as variações que ocorrem na formação do sinestigma em relação ao número de flores que o formam e ao grau de coesão entre os estigmas (Tabela 1).

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Tabela 1. Informações sobre as espécies selecionadas de Ficus da seção Americana.

Sinestigma Data de Espécies (nº de estigmas/ Local de coleta Material testemunha coleta grau de coesão) F. carautana 2-10/frouxo Corumbá - MS 03/2012 R.A.S.Pereira et al. 178- S.P.Teixeira et al. 79 F. citrifolia 2-17/frouxo Ribeirão Preto - SP 09/2011 (SPFR 01297) R.A.S.Pereira et al. 138 F. eximia 2-20/firme Ribeirão Preto - SP 04/2012 (SPFR 9951) R.A.S.Pereira et al. 158 F. obtusifolia 2-15/frouxo Galia - SP 10/2011 (SPFR 11263) R.A.S.Pereira et al. 127 F. pertusa 2-11/firme Ribeirão Preto - SP 07/2011 (SPFR 9959) Coleção em álcool F. roraimensis 2-20/frouxo Manaus - AM 07/2012 (FCFRP/USP)

De cada espécie, foram coletados pelo menos seis sicônios na fase em que as flores pistiladas estavam com os estigmas receptivos. Para garantir que a análise acompanhe todo o percurso do tubo polínico pelo pistilo, tal fase foi dividida em três subfases: 1 - sicônio contendo vespa viva (= momento da polinização); 2 - sicônio contendo vespa morta e estigmas claros e túrgidos; 3 - sicônio contendo vespa morta e estigmas oxidados. Os sicônios foram cortados ao meio, agrupamentos de flores pistiladas foram dissecados e utilizados frescos ou fixados, de acordo com o processamento descrito na literatura para observações em microscopia fotônica (campo claro e fluorescência) e eletrônica de transmissão. Os fixadores utilizados foram FAA 50 (Johansen 1940), FNT (Lillie 1954) e Karnovsky (Karnovsky 1965).

Emissão e crescimento do tubo polínico A emissão e o crescimento do tubo polínico no estigma de uma flor e entre flores foram analisados em materiais frescos e fixados, observados em microscopia de luz. Pistilos frescos foram amolecidos e clareados em hidróxido de sódio (20%) à temperatura de 60ºC por um período de 20 a 40 minutos, lavados em água destilada, esmagados e montados entre lâmina e lamínula em Azul de Anilina (0,1%) em tampão

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K3PO4 (0,1M) (Martin 1959) e observados em um microscópio de luz com epifluorescência Leica DM 5000 B, com filtro A (360 a 470 nm). Amostras fixadas foram desidratadas em série etanólica, incluídas em resina histológica (Gerrits 1991) Leica e seccionadas longitudinalmente (5 μm) em micrótomo rotativo Leica RM 2245 com navalha de aço. Os cortes obtidos foram montados em lâminas e corados com Azul de Anilina (0,1%) em tampão K3PO4 (0,1M) (Martin 1959) para observação em microscópio de epifluorescência Leica DM 5000 B, com filtro A (360 a 470 nm).

Morfologia do tubo polínico A morfologia do grão de pólen (liberado da antera) e do tubo polínico em crescimento pelo pistilo foi estudada em materiais fixados e observada em microscopia de luz e microscopia eletrônica de transmissão. Para análise em microscopia de luz, amostras fixadas de todas as espécies foram desidratadas em série etanólica, incluídas em resina histológica (Gerrits 1991) Leica e seccionadas longitudinalmente (5 μm) em micrótomo rotativo Leica RM 2245 com navalha de aço. Os cortes obtidos foram corados com Azul de Toluidina (O’Brien et al. 1964) 0,05% em tampão fosfato (pH = 6,3). As lâminas foram montadas no momento da observação com água destilada ou óleo de imersão e lamínula de vidro. As observações e fotografias digitais foram obtidas com câmera digital Leica DFC 320 acoplada em microscópio de luz Leica DM 4500 B. Para o exame em microscopia eletrônica de transmissão, foram escolhidas três espécies: Ficus citrifolia, F. obtusifolia e F. pertusa. Amostras foram fixadas em solução de Karnovsky em tampão fosfato 0,075 M (pH 7,2-7,4) por 24 h, lavadas em tampão fosfato 0,075 M (pH 7,2-7,4) (Karnovsky 1965), pós-fixadas em tetróxido de ósmio 1% em tampão fosfato 0,075 M (pH 7,2-7,4) por 1 h, desidratadas gradativamente em solução de acetona e incluídas em Araldite 6005. Posteriormente, seções semifinas (0,5 μm) foram obtidas em ultramicrótomo Leica Reichert e coradas com Azul de Toluidina 0,05% (O’Brien et al. 1964). Após a observação dos materiais e a escolha dos mais representativos, seções ultrafinas (60 nm) foram obtidas em ultramicrótomo Leica Reichert, contrastadas com solução de Acetato de Uranila 2% por 15 minutos (Watson 1958) e Citrato de Chumbo por 15 minutos (Reynolds 1963), observadas e documentadas em Microscópio Eletrônico de Transmissão Philips EM

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208, localizado no Laboratório de Microscopia Eletrônica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Terminologia A descrição do grão de pólen foi realizada com base nos trabalhos de Barth (1976) e Punt et al. (2007). O termo sinestigma é aqui utilizado como o contato entre dois ou mais estigmas, seguindo a proposta de Jousselin & Kjellberg (2001) e Jousselin et al. (2003a, 2004) e não define uma estrutura contínua delimitando o interior do sicônio, como em Galil & Eisikowitch (1968). O termo flor de estilete longo (FEL) foi aqui utilizado para designar flores que frequentemente produzem sementes; e flor de estilete curto (FEC) para indicar flores que são utilizadas na reprodução das vespas. O grau de coesão entre os estigmas foi considerado seguindo um critério manual de separação dos estigmas: frouxo, nos estigmas que eram separados mais facilmente, e firme, nos que exigiam mais cuidado na separação.

RESULTADOS As espécies exibiram poucas variações quanto à morfologia do pólen e do tubo polínico, e ao comportamento do tubo polínico em crescimento pelo pistilo. Em cada espécie, estes caracteres também não variaram entre flores de estilete longo e de estilete curto. O grão de pólen depositado nos estigmas é pequeno, com cerca de 8-10 µm (Figuras 1-A a C). Ele germina na superfície estigmática papilada rapidamente (1ª subfase – presença da vespa viva) em quase todas as espécies (Figuras 1-D a E), exceto em F. pertusa, em que a germinação é um pouco mais lenta, sendo observada na 2ª subfase (presença da vespa morta). Em cinco das seis espécies (F. carautana, F. eximia, F. obtusifolia, F. pertusa e F. roraimensis) foram observados tubos polínicos crescendo de um estigma em direção ao adjacente (Figura 2). Os tubos polínicos, nestes casos, não crescem retos, exibindo pequenas curvas (Figuras 2-D, E). O tubo polínico cresce em meio ao exsudato liberado pela degeneração das células estigmáticas, pelos espaços intercelulares (Figuras 1-A, B) alcançando o estilete na 3ª subfase (presença da vespa morta e estigmas já oxidados) (Figura 3). Continua seu crescimento pelos

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espaços intercelulares do tecido transmissor (Figuras 3-A-D) que ocupa toda a porção central do estilete até chegar ao ovário (Figuras 3-E, F). Nas flores ovipositadas, foi possível observar a cicatriz ao longo do estilete (Figuras 4-A) e na porção final do estilete, próxima à região do funículo no ovário (Figura 4- B), provocada pela penetração do ovipositor da vespa ao depositar o ovo entre os tegumentos e o nucelo (Figura 4-C). Interessante destacar que tubos polínicos também foram observados no estilete das flores ovipositadas. O crescimento do tubo polínico por entre espaços intercelulares do estilete ocorre sem que haja penetração ou degradação das células do tecido transmissor (Figura 5). Neste momento, as células do tecido transmissor exibem parede fina (Figura 5), um grande vacúolo (Figuras 5), um núcleo lobado centralizado (Figura 5-C) e o citoplasma periférico, contendo amiloplastos (Figuras 5-A, C), retículo endoplasmático rugoso (Figuras 5-B, 6-A, C), mitocôndrias (Figuras 5-A, 6-A) e numerosas vesículas (Figuras 5-A, 6-C), características de células em atividade secretora. O tubo polínico exibe parede espessa, estruturada em dois estratos: o externo, composto por substâncias pecto-celulósicas, e o interno, constituído por calose (Figuras 6-A a C, 7-C), e citoplasma denso, com vesículas (Figura 7-A, C), dictiossomos (Figura 7-A) e microtúbulos (Figuras 6-C, 7-B). Não foram observadas conexões citoplasmáticas entre o tubo polínico e as células adjacentes do tecido transmissor, mas as paredes de um e outras parecem intimamente ligadas (Figuras 6, 7-H).

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Figura 1. Fotomicrografias (ML) de estigmas de Ficus carautana (A, B), F. eximia (C, E), F. citrifolia (D) e F. roraimensis (F). Observe os grãos de pólen (gp) no estigma (e) (A-D) e tubos polínicos (tp) crescendo no exsudato (ex) por entre as papilas (p) (A-C, E, F). Escalas: A, B, C = 20 µm; D, E = 100 µm; F = 50 µm.

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Figura 2. Fotomicrografias (ML) de estigmas de Ficus carautana (A), F. eximia (B), F. obtusifolia (C), F. pertusa (D, E), e F. roraimensis (F). Tubo polínico (tp) crescendo de um estigma (e1) em direção ao outro (e2) (A-F). Observe os grãos de pólen (gp) germinando no estigma (E, F). Escalas: A = 50 µm; B, C, E, F = 100 µm; D = 20 µm.

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Figura 3. Fotomicrografias (ML) de estigma, estilete e ovário de Ficus obtusifolia (A), F. carautana (B, D), F. citrifolia (C, F) e F. pertusa (E). Visão geral do estigma e estilete (A) e do ovário (E). Observe o tubo polínico (tp) crescendo pelos espaços intercelulares no estigma (e) (B), no tecido transmissor (tt) do estilete (es) (A, C, D), e na porção final do estilete, próxima ao ovário (o) (F). Escalas: A = 100 µm; B, D = 20 µm; C, E, F = 200 µm.

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Figura 4. Fotomicrografias (ML) de flor ovipositada de Ficus citrifolia (A-C). Observe a cicatriz do ovipositor da vespa (co) no tecido transmissor (tt) do estilete (es) (A), e na porção final do estilete, próxima à região do funículo (f) no ovário (o) (B, C). Note o ovo do polinizador (op) ao lado do nucelo (n) (C). Símbolos: m = micrópila; se = saco embrionário; ti = tegumento interno; te = tegumento externo. Escalas: A, B = 50 µm; C = 200 µm.

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Figura 5. Eletromicrografias (MET) do tubo polínico no estilete de flores de Ficus citrifolia (A), F. obtusifolia (B) e F. pertusa (C). Observe o tubo polínico (tp) elétron-denso crescendo entre as células intactas do tecido transmissor (tt) do estilete (A, B, C). Note que as células do tecido transmissor apresentam parede fina (seta), um grande vacúolo (v), amiloplastos (a) (A, C), núcleo (nu) centralizado e centralizado (C), retículo endoplasmático rugoso (rr) (B), vesículas (ve) e mitocôndrias (mi) (A). Escalas: A = 5 µm; B, C = 3 µm.

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Figura 6. Eletromicrografias (MET) do tubo polínico no estilete de flores de Ficus citrifolia (A), F. obtusifolia (B) e F. pertusa (C). Observe a parede (seta) do tubo polínico (tp) com o estrato mais interno constituído por calose (A, B, C), e presença de vesículas (ve) e microtúbulos (mt) (C) . As células do tecido transmissor (tt) exibem mitocôndria (mi) (A), retículo endoplasmático rugoso (rr) (A-C) e vesículas (ve) (C). Escalas: A-C = 1 µm.

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Figura 7. Eletromicrografias (MET) do tubo polínico no estilete de flores de Ficus citrifolia (A), F. obtusifolia (B) e F. pertusa (C). Observe o citoplasma elétron-denso do tubo polínico (tp), com vesículas (ve) (A, C), dictiossomos (d) (A) e microtúbulos (mt) (B). Note a proximidade (seta) entre as paredes do tubo (tp) e da célula do tecido transmissor (tt) (B) e o estrato mais interno da parede (seta) do tubo (tp) constituído por calose (C). Escalas: A-C = 1 µm.

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DISCUSSÃO A observação de tubos polínicos crescendo de um estigma para o outro em Ficus carautana, F. eximia, F. obtusifolia, F. pertusa e F. roraimensis confirma a função do sinestigma como distribuidor de tubos polínicos entre flores próximas à que foi ovipositada e polinizada, promovendo a formação de larvas de vespas e de sementes e amplia informação preliminar demonstrada em F. fulva Spreng e F. condensa King (ver Jousselin & Kjellberg 2001) e F. microcarpa L. f., F. salicifolia Vahl e F. sur Forssk. (ver Jousselin et al. 2003a). Interessante ressaltar que tubos polínicos também foram observados no estilete das flores ovipositadas (observações pessoais), confirmando as informações de que as larvas de vespa polinizadora encontradas nos sicônios em espécies monoicas de Ficus com polinização ativa se desenvolvem às custas do embrião vegetal e do endosperma e, portanto, dependem do processo de fertilização na planta (Jansen-González et al. 2012). Características relacionadas à germinação do grão de pólen e ao crescimento do tubo polínico parecem sofrer pouca ou nenhuma pressão de seleção das vespas polinizadoras, dada a sua semelhança entre diferentes morfos florais na mesma espécie e entre flores das seis espécies estudadas de Ficus. Surpreende o fato do número de estigmas e seu grau de coesão na composição do sinestigma também não interferirem no comportamento e na morfologia do tubo polínico. Esperava-se que características como sinestigmas mais frouxos e sinestigmas formados por menor número de estigmas determinassem (a) um percurso curvilíneo do tubo polínico até atingir a micrópila, com implicações no tempo de fertilização desde a polinização, e (b) a formação de tubos polínicos ramificados, numa tentativa de ampliar os recursos para o crescimento do tubo (Maheshwari 1950). Tal dificuldade foi registrada apenas em F. citrifolia, espécie com sinestigma frouxo, na qual não foram observados tubos polínicos crescendo entre flores, enquanto em F. carautana, F. obtusifolia e F. roraimensis, o tempo de germinação encontrado foi semelhante às espécies com sinestigma firme, como F. carica L., em que tubos polínicos foram observados no estilete 24 horas após a polinização (Beck & Lord 1988a). A germinação rápida do pólen nas espécies estudadas de Ficus e em F. carica (Beck & Lord 1988a) deve-se provavelmente ao fato do grão de pólen ser liberado na forma tricelular, o que lhe confere menor longevidade (ver Dafni & Firmage 2000), como observado em F. elastica (Zhang et al. 2003). Soma-se a isto o fato do crescimento do tubo polínico nas espécies estudadas ser caracterizado como heterotrófico na maior parte de seu tempo de vida, ou seja, dependente de reservas externas (ver Mulcahy & Mulcahy 1982, Taylor & Hepler

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1997, Graaf et al. 2001), provenientes do exudato liberado pelas células do estigma e, possivelmente, do tecido transmissor. O dado de que o tubo polínico cresce através de espaços intercelulares e não por penetração/degradação das células do tecido transmissor (ver Maheshwari 1950, Cocucci & Mariath 2004, Lersten 2004, Malhó 2006) confirma esta ideia. Um dado que merece destaque neste estudo é a morfologia curvilínea do tubo polínico com crescimento lateral, no sinestigma das espécies estudadas de Ficus. Este tipo de crescimento, com a presença de curvas, foi observado em F. fulva (Jousselin & Kjellberg 2001) e também pode ser associado ao modo heterotrófico de obtenção de nutrientes pelo tubo em crescimento (Mulcahy & Mulcahy 1983). Qual relação teria a morfologia atípica do tubo polínico com a presença de sinestigma, então? Na tentativa de responder esta questão, levantamos duas proposições: (1) A conexão entre os estigmas faria com que o tubo polínico crescesse em resposta a vários sinais químicos, emitidos tanto pela oosfera (Herrero 2000) do saco embrionário presente na flor polinizada/ovipositada quanto pelas oosferas presentes nas flores próximas, unidas pelo sinestigma. Estes vários sinais provocariam interrupções no crescimento do tubo polínico, ocasionando as curvas numerosas e curtas em sua estrutura. (2) A atuação de algum dos mecanismos de incompatibilidade na flor próxima à que foi polinizada/ovipositada poderia gerar a morfologia atípica do tubo polínico (Lee 1984). A produção de sementes nas flores próximas à que foi polinizada/ovipositada (Galil & Eisikowitch 1968, Verkerke 1989, Jousselin et al. 2003a, b) e, mesmo, a ocorrência de hibridizações em Ficus (Condit 1950, Parrish et al. 2003) não apoiam a segunda proposição. Embora Moraceae inclua aproximadamente 1100 espécies (Clement & Weiblen 2009), poucos são os trabalhos sobre a interação pólen-pistilo no grupo, destacando-se os de Beck & Lord (1988a, b) para F. carica. Estudos que apresentam apenas algum aspecto desta interação foram encontrados para F. carica (Gaaliche et al. 2013), F. condensa, F. deltoidea Jack, F. fulva (Jousselin & Kjellberg 2001), F. microcarpa (Jousselin et al. 2003b), F. ottoniifolia (Miq.) Miq. (Ramirez 2007) e F. sur (Jousselin et al. 2003b). Entre as espécies abordadas nestes estudos, destaca-se Ficus carica, espécie de interesse econômico e amplamente cultivada pelo mundo. Por ser uma espécie ginodioica, a comparação entre flores de estilete curto e longo resultou em uma variação na presença de exsudato estigmático - presente nas flores de estilete longo (Beck & Lord 1988a). Nas espécies monoicas estudadas no presente trabalho, esta variação não foi encontrada, pois ambos os morfos florais são polinizados, seja por deposição direta do grão de pólen (flores de estilete curto), seja através do sinestigma.

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Os dados apresentados são inéditos para os representantes de Ficus pertencentes à seção Americana, e demonstram, claramente, que um grão de pólen pode emitir um tubo polínico no estigma de uma flor e, este ser direcionado para o estigma de uma flor vizinha. Além disso, nossos resultados ampliam os dados existentes na literatura, até o momento, para outras seções: Sycocarpus (F. condensa), Ficus (F. fulva) (Jousselin & Kjellberg 2001), Conosycea (F. microcarpa) e Sycomorus (F. sur) (Jousselin et al. 2003 a).

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CONCLUSÕES Este trabalho reune informações importantes e, em parte, inéditas sobre a morfologia floral diversa do estigma de espécies de Ficus e suas adaptações à interação mutualística figo-vespa de figo. Estudos como este, que relacionem a variação de caracteres florais em Ficus às pressões exercidas pelos modos de polinização ativo e passivo são fundamentais para ampliar o conhecimento dessa relação mutualística singular. Entre as 29 espécies de Ficus analisadas, foram observadas diferenças no formato, e na superfície do estigma, um fato esperado com base em outros trabalhos, e por tratar-se de espécies pertencentes a diferentes linhagens, com diferentes modos de expressão sexual e polinização. Apesar das variações morfológicas no estigma, todas as espécies com polinização ativa apresentaram sinestigma, independente do tipo de expressão sexual. Dessa forma, foi possível corroborar a relação proposta entre os caracteres anatômicos estigmáticos e o tipo de polinização em Ficus, ampliando o conhecimento sobre a morfologia do estigma para diferentes seções, e contribuindo para o esclarecimento da morfologia floral como resposta à interação mutualística figo-vespa de figo. Além disso, a demostração, inédita para espécies da seção Americana, do crescimento de tubos polínicos de um estigma para o outro em Ficus carautana, F. eximia, F. obtusifolia, F. pertusa e F. roraimensis confirma a função do sinestigma como distribuidor de tubos polínicos entre flores próximas à que foi ovipositada e polinizada, promovendo a formação de larvas de vespas e de sementes. Este estudo dá os primeiros passos para o entendimento da relação entre as dimensões do sicônio e a morfologia do sinestigma, criando novos horizontes para outras análises quantitativas no grupo, que considerem características florais em níveis mais específicos. Além disso, o trabalho é inédito em utilizar estudos ultraestruturais para entender o contato entre as papilas do sinestigma e o comportamento do tubo polínico no pistilo de Ficus, revelando que, nas espécies analisadas - F. racemosa e F. religiosa, o alto grau de coesão entre as papilas estigmáticas resulta da união entre paredes. Estes resultados sugerem que a união entre paredes é uma característica a ser considerada e investigada em outras espécies do gênero, ou ainda, de Moraceae. A compilação de dados inéditos que ampliam o conhecimento sobre a morfologia estigmática em Ficus contribui, sem dúvida, para o esclarecimento da funcionalidade do sinestigma no gênero. Assim, confirmamos hipóteses anteriores sobre o papel do sinestigma em espécies da seção Americana e de outras seções, caracterizadas por ambos os sistemas reprodutivos, monoicia e ginodioicia, e pelo mesmo modo de polinização, ativa.

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O ineditismo deste trabalho também ocorre em detectar a presença de contato entre os estigmas em Castilla elastica, que apresenta polinização passiva, sendo o primeiro relato de sinestigma para uma espécie de Moraceae que não Ficus. Entretanto, devido à raridade da ocorrência de sinestigma no material observado, e ao fato de não ter sido realizado nenhum experimento de germinação de grãos de pólen no estigma de C. elastica, faz-se necessária uma avaliação com a finalidade de comprovar se há alguma função para o sinestigma nesta espécie. Estudos como o nosso, propondo uma análise comparada mais detalhada sobre a morfologia do estigma e do sinestigma, assim como sobre a morfologia e o comportamento do tubo polínico em espécies de Ficus com modos de polinização diferentes e abrangendo outras seções, sem dúvida ampliam o nosso conhecimento sobre possíveis variações dentro do grupo, e proporcionam um grande avanço na pesquisa sobre interações figo-vespa de figo. Dessa forma, em vista da importância do sinestigma, estrutura selecionada em resposta a diferentes pressões evolutivas, otimizando a distribuição dos tubos polínicos, e tão incomum e pouco relatada em Angiospermas, estudos de interação pólen-pistilo devem ser ampliados para outros grupos de Moraceae, com diferentes tipos de polinização e sistemas sexuais.

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ANEXOS

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