UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

Ecologia e História Natural de Lagartos em área serrana do semiárido brasileiro

MATHEUS MEIRA RIBEIRO

Natal/RN 2015

MATHEUS MEIRA RIBEIRO

Ecologia e História Natural de Lagartos Gymnophthalmidae em área serrana do semiárido brasileiro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas do Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas.

Orientadora: Profa. Dra. Eliza Maria Xavier Freire

Data em ___/____/____

Banca Examinadora:

______Profa. Dra. Eliza Maria Xavier Freire Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Orientadora)

______Prof. Dr. Leonardo Barros Ribeiro Universidade Federal do Vale do São Francisco (Membro Externo)

______Prof. Dr. Rafael Camilo Laia Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Membro Interno)

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa concedida.

À Professora, orientadora e amiga Eliza Maria Xavier Freire, pelos valiosos conselhos e direcionamentos científicos ao longo de toda minha jornada no Laboratório de Herpetologia, também pelo incentivo e orientação deste trabalho.

Ao amigo e companheiro de trabalho Miguel Kolodiuk pela grande parceria no trabalho de campo, pelos conselhos, ajudas, por estar sempre disponível para ajudar no que for preciso e tantas outras coisas. Muito obrigado!

Aos amigos Nelson e Liana por nos receber em sua propriedade e nos ajudar no que fosse preciso. Ao amigo e biólogo Gilvan por todo apoio em campo e direcionamentos na área de estudo. Sem vocês esse trabalho não seria viável. Muito obrigado!

A todos os professores e técnicos do Centro de Biociências (CB) da UFRN, especialmente os que estão ligados ao Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas. Obrigado pela valiosa contribuição de todos vocês para a minha formação profissional.

Aos meus Pais Wellington Ribeiro e Mércia Meira, pela educação, apoio, compreensão, ajuda, e todo amor e carinho ao longo deste percurso, às minhas irmãs Juliana Meira e Gabriela Meira e também ao meu sobrinho Arthur Meira por toda ajuda direta e indireta, durante todo o trabalho.

Aos amigos do Laboratório de Herpetologia: Miguel Kolodiuk, Raul Fernandes, Jaqueiuto Jorge, Maria Jaqueline, José Roberto, Emanuel Luan, André Felipe, Bruno Rêgo e Jadna Maria por toda ajuda e por vocês tornarem o ambiente de trabalho uma segunda casa.

OBRIGADO!

SUMÁRIO

Resumo...... 6

Abstract...... 7

Introdução Geral...... 8

Figura 1. Espécime de Vanzosaura multiscutata, Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil...... 12 Figura 2. Espécime de Anotosaura vanzolinia, Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil...... 12

Metodologia Geral...... 13

Figura 3. Mapa de localização geográfica da área de estudo, Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil...... 14 Figura 4. Aspecto da vegetação durante a estação chuvosa, março de 2014, Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN...... 15 Figura 5. Aspecto da vegetação durante a estação seca, setembro de 2014, Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN...... 15 Figura 6. Armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) instaladas na Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN...... 17 Figura 7. Esquema ilustrativo das estações de armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) instaladas nas diferentes fitofisionomias, Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN...... 17

Referências...... 18

CAPITULO I: Ecologia de população de Vanzosaura multiscutata (Amaral, 1933) em área serrana de Caatinga...... 25

Resumo...... 25 Abstract...... 26 Introdução...... 27 Material e Métodos...... 29 Área de estudo...... 29 Trabalho em campo...... 30 Figura 1. Mapa de localização geográfica da área de estudo, Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil...... 30 Figura 2. Esquema ilustrativo das estações de armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) instaladas nas diferentes fitofisionomias da Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN ...... 31 Coleta de dados e Análises de largura de nichos e de temperatura...... 32

Figura 3. Coleta de espécime seguida por medição dos parâmetros térmicos, utilizando sensor acoplado a termohigrômetro digital de resposta rápida...... 32

Coleta e Análise da dieta...... 33 Resultados...... 33 Tabela 1: Largura de nicho dos recursos espaciais e alimentares de V. multiscutata durante as estações chuvosa e seca, março e setembro de 2014, respectivamente. BH - Largura de Hábitat e

BD - Largura de Dieta...... 34

Tabela 2: Médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata, do ar (Ta), do substrato (Ts) e porcentagem da umidade relativa (HR) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), Serra de Santana, Lagoa Nova/RN...... 34

Figura 4. Dispersão das médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata com as médias das temperaturas do substrato (Ts) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), Serra de Santana em Lagoa Nova/RN...... 35

Figura 5: Dispersão das médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata com as médias das temperaturas do ar (Ta) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), na Serra de Santana em Lagoa Nova/RN...... 35

Figura 6: Dispersão das médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata com as médias das porcentagens da umidade relativa (HR) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), Serra de Santana em Lagoa Nova/RN...... 36 Tabela 3: Composição da dieta de Vanzosaura multiscutata na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, estado do Rio Grande do Norte, Brasil, março e setembro de 2014, estações seca e chuvosa, respectivamente...... 38

Discussão...... 39 Referências...... 43 CAPITULO 2: História natural de Anotosaura vanzolinia Dixon, 1974 em área serrana de Caatinga, nordeste do Brasil...... 49 Resumo...... 49 Abstract...... 50 Short Communication...... 51

Figura 1. Espécime Anotosaura vanzolinia na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil...... 52 Figura 2: Espécime Anotosaura vanzolinia se refugiando entre o solo arenoso e folhiço na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil...... 52 Tabela 1: Composição da dieta de A. vanzolinia na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, estado do Rio Grande do Norte, Brasil, março e setembro de 2014, estações seca e chuvosa, respectivamente. F - Frequência; Ix - Índice de importância relativa; N - Número; e V - Volume...... 54

Referências...... 56 Considerações Finais...... 57 7

Resumo

A família Gymnophthalmidae está distribuída desde o sul do México ao norte da Argentina, ocorrendo também em regiões do Caribe e algumas ilhas continentais da América Central e do Sul; atualmente, 87 espécies desta família ocorrem no Brasil e 15 destas com distribuição conhecida para a Caatinga. Dentre as espécies da Caatinga, algumas têm ampla distribuição nas diferentes fitofisionomias, especialmente em ambientes mais rústicos, a exemplo de Vanzosaura multiscutata, enquanto outras são reconhecidas como tendo distribuição relictual em áreas de clima mais ameno, geralmente em ambientes serranos com predominância de vegetação arbórea, como é o caso de Anotosaura vanzolinia. Considerando que, durante onze anos de estudos sobre a herpetofauna de área de Caatinga stricto sensu da Depressão Sertaneja setentrional no Rio Grande do Norte, foi registrada apenas V. multiscutata, e que, com ampliação desses trabalhos para áreas Serranas e/ou com vegetação arbórea e clima mais ameno (áreas de exceção ou Caatinga lato sensu) da Paraíba e Rio Grande do Norte, registraram-se também A. vanzolinia, este trabalho buscou ampliar e aprofundar o conhecimento sobre a ecologia e história natural destas espécies para identificar possíveis fatores que justifiquem suas distribuições. Foram realizadas duas expedições, com duração de vinte dias cada, à área Serrana de Caatinga no Rio Grande do Norte, nos meses de março e setembro de 2014. Utilizando busca ativa e armadilhas de interceptação e queda, foram coletados 38 espécimes de V. multiscutata e 18 de Anotosaura vanzolinia. Devido à diferença nas amostras, foram analisados o uso do espaço (habitat e microhábitats), ecologia térmica e dieta para cada espécie. A utilização do habitat foi similar, mas V. multiscutata foi encontrada em ambientes com solo exposto. Para ambas as espécies constataram-se correlações positivas entre as temperaturas corporais e as do substrato e do ar, enquanto correlações negativas entre as temperaturas corporais e as porcentagens de umidade relativa. Vanzosaura multiscutata e A. vanzolinia demonstraram similaridade quanto à dieta, com ambas se alimentando predominantemente de insetos, com maiores índices de importância para Hymenoptera/Formicidae (Ix= 29,6 e Ix= 40,1; respectivamente). Os maiores volumes das presas consumidas por V. multiscutata foi Blattaria (36,8%) e por A. vanzolinia foi Hymenoptera/Formicidae (22,8%). Os resultados deste trabalho justificam parcialmente os padrões de distribuição conhecidos para estas espécies, além de ampliar e aprofundar o conhecimento sobre vários aspectos da ecologia e história natural de lagartos gimnoftalmídeos no semiárido brasileiro.

Palavras-chave: Gymnophthalmidae da Caatinga, ecologia térmica e dieta de Vanzosaura e Anotosaura; distribuição de lagartos na Caatinga. 8

Abstract The Gymnophtalmidae family is distributed from South Mexico to North Argentina, also occurring in the Caribbean region and in some continental islands of Central and South Americas; currently, 87 from this family occur in Brazil, 15 of which have a known distribution along the Caatinga. Among the Caatinga species, some have a wide distribution in the different phytophysiognomies, particularly in more rustic environments, Vanzosaura multiscutata for example, while others are known for having a relictual distribution in areas with milder climate, generally in mountain environments where arboreal vegetation is predominant, as is the case for Anotosaura vanzolinia. Considering that during eleven years of studies on the Caatinga herpetofauna stricto sensu on the Northern Hinterland Depression in Rio Grande do Norte, only V. multiscutata was recorded and with the expansion of these works to Mountain areas and/or with arboreal vegetation and milder climate (exception areas or Caatinga lato sensu) in Paraíba and Rio Grande do Norte, A. vanzolinia was recorded, this work aimed to expand and deepen knowledge on the ecology and natural history of these species in order to identify possible factors that may justify their distribution. Two 20 days expeditions were conducted to each Mountain Caatinga area in Rio Grande do Norte, during the months of March and September 2014. Using active search and pitfall traps, 38 specimens of V. multiscutata and 18 of Anotosaura vanzolinia were collected. Considering the difference in samples, space use (habitat and microhabitats), thermal ecology and diet were analyzed for each species. Habitat use was similar, but V. multiscutata was found in environments with exposed grounds. For both species, positive correlations were found between body temperature and substrate and air temperatures, while negative correlations were found between body temperature and relative humidity percentages. Vanzosaura multiscutata and A. vanzolinia showed similarities regarding diet, with both feeding predominantly of insects, with greater importance rates for Hymenoptera/Formicidae (Ix= 29.6 e Ix= 40.1; respectively). Highest prey consumption volumes by V. multiscutata was Blattaria (36.8%) and by A. vanzolinia was Hymenoptera/Formicidae (22.8%). This works results partially confirmed the distribution patterns known for both species, aside from expanding and deepening knowledge on various aspects regarding ecology and natural history of gymnophthalmids in the Brazilian semiarid region.

Keywords: Caatinga Gymnophtalmidae, thermal ecology and diet of Vanzosaura and Anotosaura, distribution in the Caatinga.

Introdução Geral 9

Os lagartos constituem um grupo bastante diverso de répteis , composto atualmente por 6199 espécies conhecidas no mundo (Uetz, 2015) e 260 destas ocorrentes no Brasil (Costa e Bérnils, 2014). Este táxon é reconhecido como referência em pesquisas de cunho ecológico por apresentar facilidade de observação, de identificação de espécie, captura e manejo (Rocha, 1994). Apresentando distribuição bastante conspícua nas diversas regiões em que ocorrem, os lagartos demonstram uma ampla e eficiente adaptação aos mais diversos tipos de habitats, desde regiões montanhosas e florestas úmidas a regiões quentes e desérticas (Carvalho e Araújo, 2004; Albuquerque, 2010). Os estudos clássicos sobre a ecologia e história natural de lagartos em regiões semiáridas e áridas foram iniciados por Eric Pianka na década de 1960 na América do Norte e na Austrália (Pianka, 1967; 1968; 1969a; 1969b; 1969c; 1970), seguidos por aqueles efetuados no Sul da África, região do deserto do Kalahari (e.g. Pianka 1971a, 1971b; 1971c; 1975; 1980; 1985). No Brasil, os primeiros dados sobre ecologia e distribuição de lagartos em regiões semiáridas (Cerrado e Caatinga) foram publicados por Vanzolini na década de 1970 (Vanzolini1972, 1974, 1976). A partir da década de 1980, estudos clássicos sobre a ecologia de lagartos no semiárido brasileiro, incluindo a Caatinga, foram resumidos em Vanzolini et al., (1980) e detalhados por Laurie J. Vitt e colaboradores (Vitt & Lacher, 1981; Vitt, 1981, 1982a, 1982b, 1983a, 1983b, 1985, 1995; Vitt & Ballinger, 1982; Vitt & Blackburn, 1983). Esses estudos constituíram e constituem a base para a construção do conhecimento acerca da ecologia de lagartos brasileiros, sobretudo na Caatinga. Quanto aos aspectos fitofisionômico e morfoclimático da Caatinga, cabe destacar que são reconhecidas pelo menos duas fisionomias, a Caatinga stricto sensu e a Caatinga lato sensu (Andrade-Lima, 1982). A Caatinga stricto sensu se refere às áreas mais abertas situadas na Depressão Sertaneja (Andrade-Lima, 1982; Veloso et al., 2002), recobertas principalmente por vegetação arbustiva, com temperaturas mais elevadas e irregularidade pluviométrica (Ab’Saber, 1974). Já a Caatinga lato sensu compreende áreas de vegetação arbórea, geralmente situadas sobre encostas e topos das chapadas e serras com mais de 500 m de altitude (Andrade-Lima, 1982; Leal et al. 2005) que recebem influência das chuvas orográficas, apresentando assim temperaturas mais amenas. Nesse cenário, reconhecido anteriormente como um ecossistema pobre em espécies e em endemismos (Vanzolini et al., 1980; Andrade-Lima, 1982; Prance, 1987), 10 a conservação da biodiversidade da Caatinga foi bastante negligenciada (Zanella & Martins, 2003; Leal et al. 2005). Com relação à herpetofauna da Caatinga, Vanzolini (1974, 1976) afirmava que essa região não abrigava fauna própria. No entanto, os estudos de Rodrigues (1991a, 1991b, 1991c, 1996, 2000) demonstraram a existência de grande riqueza de espécies, alto número de endemismo, e possíveis padrões de distribuição, incluindo relictualidade, para algumas espécies ao longo das caatingas (Rodrigues, 2003). Um aumento recente no número de estudos é notável, em busca de cada vez mais somar esforços para a conservação da biodiversidade da Caatinga (resumidos em Albuquerque et al., 2012; Leal et al., 2003; Leal et al., 2005). Nos últimos anos, aumentou consideravelmente o conhecimento acerca dos lagartos da Caatinga, especialmente sobre ecologia (e.g. Kohlsdorf & Navas, 2006; Lima & Rocha, 2006; Kolodiuk et al., 2009, 2010; Sales et al., 2011a, 2011c; Ribeiro & Freire, 2011; Andrade et al., 2013) história natural (e.g Ribeiro et al., 2008; Freire et al., 2009; Ribeiro et al., 2010; Sales et al. 2011b; Ribeiro et al., 2011; Sales et al., 2012; Ribeiro et al., 2012), distribuição geográfica (e.g. Ribeiro et al., 2013; Freire et al., 2013; Sales et al., 2014) e listas comentadas de espécies (e. g. Garda et al., 2013; Cavalcanti et al., 2014; Pedrosa et al., 2014; Magalhães et al., 2015). Na Caatinga do Rio Grande do Norte, especificamente na Estação Ecológica do Seridó (ESEC) Seridó, além de alguns dos trabalhos já listados acima, outros também efetuados durante 10 anos (2002-2011) por meio do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração – PELD- Caatinga/CNPq (e.g. Kolodiuk et al., 2009; Freire et al., 2009; Ribeiro et al., 2010; Ribeiro & Freire, 2010; Kolodiuk et al., 2010; Sales et al., 2011a, 2011b; Ribeiro et al., 2011; Ribeiro & Freire, 2011; Sales et al., 2012; Barbosa et al., 2013), registraram apenas uma espécie de Gymnophthalmidae, Vanzosaura multiscutata (Amaral, 1933; Figura 1). No entanto, durante estudos contemporâneos efetuados também por meio do PELD/Caatinga em área mais mésica, com vegetação mais densa no Cariri paraibano (Caatinga lato sensu), três espécies de lagartos Gymnophthalmidae com distribuição relictual na Caatinga (Rodrigues, 2003), Anotosaura vanzolinia, Dixon 1974 (Figura 2), Acratosaura mentalis (Amaral, 1933) foram registradas (Delfim & Freire, 2007; Vieira, 2011) e Micrablepharus maximiliani (Reinhardt & Lutken, 1861) (Ribeiro & Freire, 2011). O conjunto desses estudos, portanto, demonstraram a existência de uma diferença na composição de espécies de lagartos entre as áreas de Caatinga stricto sensu, como a ESEC Seridó/RN, e área de Caatinga lato sensu, como parte do cariri paraibano. Quando 11 os estudos sobre a herpetofauna da Caatinga do Rio Grande do Norte foram ampliados para áreas serranas de Caatinga, a exemplo da Serra de Santana, município de Tenente Laurentino Cruz (Gogliath, 2012), Anotosaura vanzolinia e Acratosaura mentalis foram encontradas (Gogliath et al, 2010a; 2010b). Além dessas espécies de Gymnophthalmidae, Enyalius bibronii, espécie de Leiosauridae restrita às florestas secas do interior do nordeste do Brasil (Rodrigues, 2003) também foi coletada na mesma área que os Gymnophthalmidae (Gogliath et al, 2010c), reforçando a existência de possível padrão relictual de distribuição de espécies de lagartos da Caatinga, conforme defendido por Rodrigues (2003). Até recentemente, estava registrado para a Caatinga cerca de 47 espécies de lagartos distribuídas em oito famílias, incluindo Gymnophthalmidae, que é bastante representativa com 15 espécies de pequenos lagartos (menores que 60 mm de comprimento rostro- cloacal; Rodrigues, 2003), que possuem hábitos terrestres, fossoriais e arborícolas; apresentam redução dos membros e também um alongamento do corpo (Vitt et al. 2003; Novaes-e-Silva & Araújo 2008; Vitt & Caldwell, 2014). Dentre as espécies de lagartos de ampla distribuição, Rodrigues (2003) considera apenas duas espécies de gimnoftalmídeos com ampla distribuição na Caatinga, Vanzosaura multiscutata (Amaral, 1933) e Micrablepharus maximiliani (Reinhardt & Lutken, 1861), embora esta última tenha sido encontrada também em restinga (Freire,1996) e em área de Caatinga lato sensu (Gogliath, 2012). Já Vanzosaura multiscutata é encontrada nos mais variados habitats da Caatinga, desde ambientes com acúmulo de folhiço sobre o solo, até onde o solo é completamente exposto (e.g Delfim & Freire, 2007; Freire et al., 2009). Dentre os gimnoftalmídeos reconhecidos por Rodrigues (2003) como tendo distribuição relictual, Anotosaura vanzolinia está associado com áreas de Caatinga de clima mésico, nunca encontrado em áreas de caatinga mais rústica (Rodrigues, 2003; Delfim & Freire, 2007). Por se tratar de uma espécie de distribuição restrita, os estudos acerca da sua ecologia e história natural ainda são bastante incipientes (e.g Delfim & Freire, 2007; Gogliath et al., 2010b; Oliveira & Pessanha, 2013). Considerando a ampla distribuição de V. multiscutata na Caatinga e a aparente relictualidade de A. vanzolinia a ambientes mésicos deste Domínio, ou seja, geralmente em regiões de altitude, com predominância de vegetação arbórea, clima ameno, este trabalho teve como objetivos ampliar e aprofundar o conhecimento sobre a ecologia e história natural dessas duas espécies de Gymnophthalmidae em área serrana da Caatinga 12 do Rio Grande do Norte, para analisar possíveis fatores ecológicos que justifiquem seus aparentes padrões de distribuição. Nesse sentido, esta dissertação está estruturada na forma de dois capítulos, os quais correspondem a artigos a serem submetidos à publicação em periódicos científicos especializados. O primeiro capítulo aborda a utilização de hábitats, dieta e ecologia térmica de V. multiscutata, intitulado “Ecologia de população de Vanzosaura multiscutata (Amaral, 1933) em área serrana de Caatinga”. O segundo capítulo trata da história natural de A. vanzolinia, intitulado “História natural de Anotosaura vanzolinia Dixon, 1974 em área serrana de Caatinga, nordeste do Brasil”. A metodologia geral utilizada para os estudos de ambas as espécies, incluindo caracterização da área de estudo com figuras relevantes para a dissertação, mas não adequadas para publicação, estão descritas e inseridas a seguir, antes dos capítulos/artigos.

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Figura 1. Espécime de Vanzosaura multiscutata, Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil.

Figura 2. Espécime de Anotosaura vanzolinia, Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil.

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Metodologia Geral

Caracterização da Área de estudo

Este trabalho foi desenvolvido em uma área de propriedade particular com cerca de 200 hectares, localizada na microrregião da Serra de Santana, mais precisamente no município de Lagoa Nova (6° 07’ 24.01” S, 36° 33’ 51.54” O; 640 m elev.) no semiárido do estado do Rio Grande do Norte (Figura 3). O município de Lagoa Nova apresenta uma altitude média de 700 m acima do nível do mar, o clima é quente com precipitação pluviométrica anual normal de 564 mm e observada de 655,7 mm. O período de chuvas é compreendido entre os meses de fevereiro e maio; a umidade relativa média anual é de 65% e as temperaturas médias anuais podem chegar a máxima de 33, média de 27 e mínima de 18 ºC. Embora situada no Domínio da Caatinga, a cobertura vegetal da Serra de Santana é principalmente arbórea, entremeada por arbustos e caracterizada como Floresta Subcaducifólia, devido à queda parcial das folhas das árvores durante o período seco (CPRM, 2005); a fisionomia da vegetação e a amenidade do clima devido a altitude caracterizam essa área como Caatinga lato sensu. Por se tratar de uma área particular, a área deste estudo se encontra em bom estado de conservação com pouca interferência antrópica. A vegetação, diferentemente da Caatinga stricto sensu, está submetida a pouca interferência do estresse hídrico causado pela estação seca (Figuras 4 e 5).

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Figura 3. Mapa de localização geográfica da área de estudo, na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil.

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Figura 4. Aspecto da vegetação durante a estação chuvosa em março de 2014, Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN.

Figura 5. Aspecto da vegetação durante a estação seca em setembro de 2014, Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN 17

Procedimentos de coleta

Para o inventário e coleta de dados ecológicos de ambas as espécies, foram realizadas duas excursões de vinte dias em campo cada, sendo uma durante a estação seca e outra durante a estação chuvosa, nos meses de março e setembro de 2014, respectivamente. Durante ambos os períodos, para a coleta dos espécimes foram utilizados dois métodos: armadilhas de interceptação e queda (pitfall trap – Figura 6) e busca ativa (Crump & Scott, 1994). Para as armadilhas de interceptação e queda foram utilizados 90 baldes de 38 L distribuídos em 3 pares de estações amostrais de 15 baldes cada, dispostos em formato de “Y”. Cada par de estação foi instalado de modo que contemplasse as mais variadas fitofisionomias da área estudada: o primeiro par foi instalado em uma área de vegetação arbóreo arbustiva com solo arenoso; o segundo par em uma área de vegetação arbórea com solo arenoso e predominância de serrapilheira; e o terceiro par foi instalado em uma área arbóreo arbustiva com a presença de afloramentos rochosos. Cada par de estação foi instalado a aproximadamente 50 m de distância entre si e a aproximadamente 800 m entre cada par (Figura 7). As armadilhas de queda têm se mostrado eficazes e amplamente utilizadas em pesquisas herpetológicas (e.g. Blomberg & Shine, 1996; Cechin & Martins, 2000). As buscas ativas foram efetuadas ao longo de uma transecção de 500 m de extensão, sobre trilha pré-existente, que circundava as estações das armadilhas e contemplava as diferentes fitofisionomias. Esta era percorrida entre 8:00 e 12:00hs de forma aleatória, lentamente, com paradas para revolver a serapilheira utilizando-se um ancinho. O percurso e buscas foram efetuadas por, no mínimo, duas pessoas e, ao final de cada dia, o esforço era medido multiplicando-se o nº de coletores pelo nº de horas gasto na busca (horas.homem= h.H) A soma de todas as h.H diárias corresponde ao esforço empreendido durante a busca ativa por todo o período de coletas. Os métodos específicos para coleta de dados ecológicos no campo e atividades em laboratório para cada uma das espécies estudadas se encontram detalhados nos respectivos capítulos/artigos.

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Figura 6. Armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) instaladas na Serra de Santana, município de Lagoa Nova/RN.

Figura 7. Esquema ilustrativo das estações de armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) instaladas na Serra de Santana no município de Lagoa Nova/RN com suas respectivas fitofisionomias diagnosticadas.

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Referências

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BARBOSA, M. R. V.; ARZABE, C.; ATTAYDE, J. L.; BANDEIRA, A. G.; CRISPIM, M. C.; FREIRE, E. M. X.; LUCENA, J. E.; PANOSSO, R.; QUIRINO, Z. G. M.; SOUZA, J. E. R. T.; XIMENES, M. F. F. M. 2013. Caatinga: Estrutura e Funcionamento de Ambientes Terrestres e Aquáticos. In: Marcelo Tabarelli; Carlos Frederico Duarte da Rocha; Helena Piccoli Romanowski; Odete Rocha; Luiz Drude de Lacerda. (Org.). PELD CNPq: Dez Anos do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração no Brasil: Achados, Lições e Perspectivas. 1ed.Recife-PE: Ed. Universitária da UFPE, 2013, v., p. 1-443.

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CAPITULO 1

ECOLOGIA DE POPULAÇÃO DE VANZOSAURA MULTISCUTATA (AMARAL, 1933) EM ÁREA SERRANA DE CAATINGA Artigo a ser submetido a publicação em periódico, após defesa da Dissertação

Matheus Meira-Ribeiro1,2,3 & Eliza Maria Xavier Freire1,2 1Laboratório de Herpetologia, Departamento de Botânica e Zoologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Lagoa Nova, CEP 59072- 900 Natal, RN, Brasil 2Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário 3Corresponding author: Matheus Meira-Ribeiro, [email protected]

Resumo Dentre as espécies de lagartos Gymnophthalmidae habitantes da Caatinga, Vanzosaura multiscutata é considerada comum e de ampla distribuição; entretanto, o conhecimento sobre sua ecologia, principalmente em áreas serranas de Caatinga (lato sensu) ainda é incipiente e nenhum deles aborda ecologia térmica. Nesse contexto, este trabalho objetivou estudar a ecologia de população de V. multiscutata em uma área serrana de Caatinga no nordeste do Brasil, com ênfase na utilização do espaço, ecologia térmica e dieta, aliadas à sazonalidade, na perspectiva de identificar possíveis padrões para esta espécie. Foram realizadas duas expedições de campo durante 20 dias consecutivos cada, nos períodos chuvoso e seco dos meses de março e setembro de 2014, respectivamente. Utilizaram-se os métodos de busca ativa e armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) para as coletas em três diferentes fitofisionomias. Vanzosaura multiscutata utilizou preferencialmente áreas de vegetação arbórea com solo arenoso, demonstrando baixa largura de nicho (BH= 1,24). Apresentou temperatura corporal (Tb) média de 29.6 ± 1.6 na estação chuvosa e 31.3 ± 2.4 na estação seca; constataram-se correlações positivas entre temperatura do corpo (Tb) e as temperaturas do ar (Ta) e do solo (Ts) nas duas estações, porém a Tb foi negativamente correlacionada com a umidade relativa do ar (HR). A dieta de V. multiscutata apresentou maior índice de importância para Hymenoptera/Formicidae (Ix= 29,6), maior frequência de ocorrência para Aranae (34%) e maior volume para Blattaria (36,8%). O conjunto desses resultados reforça a capacidade para ampla distribuição de V. multiscutata na Caatinga, principalmente quanto à tolerância térmica; quanto à dieta, os dados deste estudo configuram um padrão errante ou oportunista de forrageio. Palavras-Chave: Habitats de Gymnophthalmidae; ecologia térmica de V. multiscutata; dieta de lagarto na Caatinga

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Abstract

Among the Gymnophtalmidae lizards that inhabit the Caatinga, Vanzosaura multiscutata is considered common and widespread; however, knowledge on its ecology, especially in mountain Caatinga regions (lato sensu) is still incipient, with no known studies on its thermal ecology. In this context, this work aimed to study population ecology of V. multiscutata in a mountain Caatinga region in northeast Brazil, with emphasis in space utilization, thermal ecology and diet, combined with possible seasonal influences. Two 20 day field expeditions were performed during dry and rainy seasons in the months of March and September 2014, respectively. Active search and pitfall traps were used for the collection in three different phytophysiognomies; V. multiscutata used mainly environments of arboreal vegetation with sandy soil, showing a small niche width (BH=

1.24). It showed an average body temperature (Tb) of 29.6 ± 1.6 in rainy season and 31.3

± 2.4 during the dry season; positive correlations between body temperature (Tb) and air

(Ta) and soil (Ts) temperatures were found in both seasons, however, Tb was negatively correlated with relative air humidity (HR). V. mutiscutata's diet presented a higher importance rate for Hymenoptera/Formicidae (Ix=29.6), higher occurrence rate for Aranae (34%) and higher volume for Blattaria (36.8%). These results reinforce the capacity for the wide distribution pattern of V. multiscutata in the Caatinga, especially regarding thermal tolerance; regarding diet, data from this study configure a wanderer or opportunistic pattern.

Keywords: Gymnophtalmidae habitats; V. multiscutata thermal ecology; Caatinga lizards

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Introdução A Caatinga abriga grande riqueza e endemismo de espécies de lagartos (Rodrigues, 1991a; 1991b; 1991c; 1996; 2000; 2003; Freire et al., 2009; Albuquerque et al., 2012), embora por muito tempo tenha sido considerada inóspita, não abrigando fauna própria (Vanzolini, 1974, 1976; Vanzolini et al., 1980) e, por isso, bastante negligenciada quanto à conservação (Zanella & Martins, 2003; Leal et al., 2005; Albuquerque et al., 2012). Este bioma apresenta características fisionômicas e geográficas peculiares, as quais possibilitaram reconhecer pelo menos duas fisionomias, Caatingas stricto sensu e lato sensu (Andrade-Lima, 1982). A primeira, encontra-se situada na Depressão Sertaneja (Velloso et al 2002), uma região de clima quente, marcadamente seco e com vegetação hiperxerófila (AB’Saber, 1973; Varela-Freire, 2002), enquanto a Caatinga lato sensu é reconhecida como enclaves de mata localizadas geralmente em regiões de altitude, com vegetação predominantemente arbórea e clima ameno, quando comparada a Caatinga stricto sensu (Andrade-Lima, 1982; Leal et al. 2005). Quanto à fauna de répteis da Caatinga, Rodrigues (2003) reconhece que é bem conhecida quando se trata das espécies mais comuns, dentre as quais algumas espécies da Família Gymnophthalmidae de ampla distribuição (e.g. Vanzosaura multiscutata e Micrablepharus maximiliani). A família Gymnophthalmidae é composta por espécies de pequenos lagartos Neotropicais distribuídas desde o sul do México ao norte da Argentina, ocorrendo também em regiões do Caribe e algumas ilhas continentais da América Central e do Sul. Habitantes de áreas abertas e florestadas, são comumente associados a vegetação rasteira e serrapilheira (Vanzolini et al. 1980; Rodrigues et al. 2001). Atualmente são conhecidas para esta família 246 espécies de lagartos distribuídas em 46 gêneros (Uetz, 2015); no Brasil, são conhecidas cerca de 87 espécies e 32 gêneros (Bérnis & Costa, 2014) O conhecimento acerca da ecologia de lagartos da família Gymnophthalmidae tem aumentado nos últimos anos, porém ainda é bastante incipiente, pois alguns destes abordam sobre espécies em estudos de comunidade, com apenas alguns poucos trabalhos que tratam especificamente de ecologia de população ou comunidade de Gymnophthalmidae (e.g. Vitt, 1982; Vitt et al, 1998; Cruz, 1994; Dias & Lira-da-Silva, 1998; Teixeira & Fonseca, 2003; Delfim & Freire, 2007; Vitt et al, 2007; Anaya-Rojas et al, 2010; Maia-Carneiro et al, 2011; Santos et al, 2012; Oliveira & Pessanha, 2013). Trabalhos que tratam de descrições de gêneros e espécies (e.g Rodrigues, 1991a; 1991b; 1991c; Rodrigues et al, 2001) e ampliações de distribuição geográfica (e.g. Gogliath et 29 al, 2010a, b; Andrade et al, 2013; Freitas et al, 2013; Doan & Cusi, 2014) têm sido bastante frequentes, entretanto, quanto ao conhecimento acerca da ecologia de V. multiscutata, ainda encontra-se bastante restrito (e.g. Vitt, 1982; Cruz, 1994; Dias & Lira-da-Silva, 1998, Delfim & Freire, 2007; Freire et al., 2009; Recoder et al., 2013). O gênero Vanzosaura Rodrigues, 1991, outrora considerado monotípico sendo representado apenas pela espécie (Boulenger, 1902) de ampla distribuição no Brasil, passou recentemente por uma revisão sistemática (Recoder et al., 2014), utilizando dados morfológicos e moleculares, sendo proposto um novo arranjo taxonômico no qual restringiu V. rubricauda para as regiões do oeste do Cerrado e, através de uma combinação nova, foi ressuscitada V. multiscutata (Amaral, 1933) para a Caatinga. Vanzosaura multiscutata é um pequeno lagarto pertencente à família Gymnophthalmidae que se distribui amplamente na Caatinga do nordeste brasileiro (Freire et al., 2009; Recoder et al, 2014) podendo ser encontrado nos mais variados habitats, desde ambientes com solo com acúmulo de folhiço, até ambientes onde o solo é completamente exposto (Rodrigues, 2003; Delfim & Freire, 2007; Freire et al., 2009), aparentemente tolerante há um maior gradiente térmico. Considerando que V. multiscutata pode ser encontrado em ambientes com feições bastante distintas, especialmente na Caatinga stricto sensu, é relevante investigar sua ocorrência em áreas de Caatinga lato sensu, como a área estudada, e analisar como as características ambientais, a exemplo de fisionomia da vegetação, temperatura e pluviosidade podem influenciar a ecologia dessa espécie de possível caráter generalista. Nessa perspectiva, este trabalho teve como objetivos estudar a ecologia de população de V. multiscutata em uma área serrana de Caatinga (lato sensu) no nordeste do Brasil, com ênfase na utilização dos hábitats, ecologia térmica e dieta, bem como as respectivas influências sazonais.

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Material e Métodos

Área de estudo Este trabalho foi desenvolvido em uma área particular de aproximadamente 200 hectares localizada na microrregião da Serra de Santana, no município de Lagoa Nova (6° 07’ 24.01” S, 36° 33’ 51.54” O; 640 m elev.) no estado do Rio Grande do Norte (Fig. 1). O município de Lagoa Nova está situado em uma altitude média de 700 m acima do nível do mar e ocupa área de aproximadamente 137 km². O clima é quente e semiárido com sua estação chuvosa estendendo-se para o outono. Apresenta uma precipitação pluviométrica anual normal de 564 mm e observada de 655,7 mm. O período de chuvas é compreendido entre os meses de fevereiro e maio; a umidade relativa média anual é de 65% e as temperaturas médias anuais podem chegar a máxima de 33, média de 27 e mínima de 18 ºC mm. A sua vegetação é composta de Caatinga lato sensu e é conhecida como floresta subcaducifólia, caracterizada pela queda das folhas das árvores durante o período seco (CPRM, 2005). Situada no Domínio da Caatinga e tendo em seu entorno, nos municípios adjacentes, áreas de Caatinga stricto sensu, a cobertura vegetal da área de estudo é principalmente arbórea; a fisionomia da vegetação e a amenidade do clima devido a altitude caracterizam essa área como Caatinga lato sensu. Por se tratar de uma área particular, se encontra em bom estado de conservação com pouca interferência antrópica e também a vegetação, diferentemente da Caatinga stricto sensu, está submetida a pouca interferência do estresse hídrico causado pela estação seca. 31

Figura 1. Mapa de localização geográfica da área de estudo, na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil.

Trabalho em campo

Foram realizadas duas excursões a campo, de vinte dias consecutivos cada, sendo uma durante o período seco e outra no chuvoso, nos meses de março e setembro de 2014, respectivamente. Durante ambos os períodos, para a coleta dos espécimes foram utilizados dois métodos de coleta: armadilhas de interceptação e queda (pitfall trap) e busca ativa (Crump & Scott, 1994). As armadilhas de interceptação e queda foram constituídas por 90 baldes de 38 L distribuídos em 3 pares de estações amostrais de 15 baldes cada, dispostos em formato de “Y”; cada par de estação foi instalado de modo que contemplasse as mais variadas fitofisionomias da área estudada: um par em área de vegetação arbóreo arbustiva com solo arenoso; o segundo em área de vegetação arbórea com solo arenoso e predominância de serrapilheira; e o último par em área com vegetação arbóreo arbustiva e presença de afloramentos rochosos. Cada par de estações foi instalado a aproximadamente 50 m de distância entre si e a aproximadamente 800 m de cada par 32

(Figura 2). As armadilhas de queda têm se mostrado eficazes e amplamente utilizadas em pesquisas herpetológicas (e.g. Blomberg & Shine, 1996; Cechin & Martins, 2000).

Figura 2. Esquema ilustrativo das estações de armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) instaladas na Serra de Santana no município de Lagoa Nova/RN com suas respectivas fitofisionomias diagnosticadas.

As buscas ativas foram efetuadas ao longo de uma transecção de 500 m de extensão, em trilha pré-existente no entorno das estações das armadilhas e contemplava as diferentes fitofisionomias. A transecção era percorrida entre 8:00 e 12:00hs aleatoriamente, com paradas para revolver a serapilheira utilizando-se um ancinho. O percurso e buscas foram efetuadas por, no mínimo, duas pessoas e, ao final de cada dia, o esforço era medido multiplicando-se o nº de coletores pelo nº de horas gasto na busca (horas.homem= h.H) A soma de todas as h.H diárias corresponde ao esforço empreendido durante a busca ativa por todo o período de coletas. Para cada espécime coletado foram registradas as informações referentes ao primeiro avistamento, tais como, tipo de hábitat e exposição ou não à luz solar. Os dados sobre hábitat e ecologia térmica só foram registrados para os espécimes obtidos durante as buscas ativas. Todos os espécimes coletados foram levados ao Laboratório de Herpetologia da UFRN, onde foram feitas as identificações, tombamento na Coleção Herpetológica (UFRN) e análise da dieta.

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Coleta de dados e Análises de Largura de Nicho e de Temperatura

Os dados registrados quanto ao uso dos hábitats/microhabitats e dieta para cada espécime coletado foram utilizados para identificar a largura de nicho nas dimensões espaço e alimento. As larguras destes nichos foram calculadas por meio do inverso do Índice de Diversidade de Simpson - B (Simpson 1949), utilizando o software Ecological Methodology 5.2 (Kenney & Krebs 2000).

Para os registros de temperatura, os espécimes de V. multiscutata foram coletados manualmente, junto com um pouco do substrato em que se encontravam para evitar contatos com o coletor e, imediatamente, colocados em uma bandeja plástica; em seguida, foram medidas as temperaturas corporal (Tb), do substrato (Ts), e do ar (Ta) a 5 cm do solo, além da umidade relativa (RH). Para medida da Tb foi utilizado um sensor de temperatura acoplado a um termo higrômetro digital de resposta rápida (Instruterm® modelo HTR-160 - precisão de 0.1 °C e 1s de tempo de resposta; Figura 3); a aferição foi feita em um tempo máximo de 30 segundos. Os espécimes coletados nas armadilhas de interceptação e queda foram desconsiderados para a análise de temperatura. As temperaturas corporais médias para V. multiscutata foram obtidas pela média de todas as temperaturas cloacais registradas. Regressões lineares simples e múltiplas (Stepwise; Zar, 1999) foram realizadas para testar a relação entre as temperaturas corporais e as temperaturas do substrato e do ar para cada período/estação e também com a umidade relativa. O teste T de Student foi utilizado para comparar as médias das temperaturas obtidas; também foi realizada análise de covariância (ANCOVA) entre as temperaturas corporais e as temperaturas ambientais, utilizando Ts e Ta como fatores covariantes (Zar, 1999).

Figura 3. Coleta de espécime de Vanzosaura multiscutata e medição dos parâmetros térmicos.

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Coleta e Análise da dieta

Ao final de cada turno de coleta, os espécimes foram eutanasiados com injeção de lidocaína a 2% e posteriormente dissecados para a retirada dos respectivos estômagos, que foram mantidos em álcool a 70% para análise em laboratório. Após abertura dos estômagos, os seus conteúdos foram analisados sob estereomicroscópio (OLYMPUS®) para identificação dos itens alimentares até o nível de Ordem. As larvas de coleópteros, dípteros e lepidópteros foram consideradas em uma só categoria (larva de inseto), visto que são muito semelhantes, agrupando-os assim em um único morfotipo. Os itens alimentares cuja identificação não foi possibilitada devido a sua grande fragmentação, foram agrupados em uma única categoria “partes de artrópodes”. O comprimento e a largura de cada item foram medidos com o auxílio de papel milimetrado, sob estereomicroscópio. Para determinar o volume da dieta, foi utilizada a fórmula do esferoide: V= (π.comprimento.largura2) /6 conforme Faria & Araújo (2004) e Kolodiuk et al., (2010). O Índice de Importância Relativa (Ix) foi calculado para cada táxon de item alimentar, somando-se as porcentagens de frequência de ocorrência, número e volume de itens, e dividindo-se por três (e.g. Howard et al. 1999; Menezes et al. 2006; Kolodiuk et al. 2010).

Resultados

Com o esforço amostral em campo de 343 horas.balde e 120 horas.homem na estação chuvosa (8 a 27 de março de 2014); e 415 horas.balde e 140 horas.homem na estação seca (10 a 29 de setembro de 2014), foram coletados 38 espécimes de V. multiscutata, sendo 26 durante a estação chuvosa e 12 na estação seca. Dos 38 espécimes coletados, 36 (94,7%) foram encontrados no hábitat classificado aqui como vegetação arbórea com solo arenoso e serapilheira, somente no microhábitat solo arenoso. Apenas dois espécimes foram encontrados em armadilhas de interceptação e queda, sendo um na estação situada na área de vegetação arbóreo arbustiva com solo arenoso, e o outro na área de vegetação arbustiva com afloramentos rochosos. Esses espécimes foram considerados apenas para a análise da dieta. Vanzosaura multiscutata utilizou todos os três hábitats previamente identificados para a área de amostragem (figura 2), sendo 89,4% (n = 34) na vegetação arbórea com solo arenoso e serapilheira (estação 2), seguido de 5,26% (n = 2) dos espécimes 35 registrados no hábitat com vegetação arbórea arbustiva com solo arenoso (estação 1), e 5,26% (n = 2) na arbórea arbustiva com afloramentos rochosos (estação 3). A largura de nicho geral quanto ao uso de hábitats por V. multiscutata foi baixa

(BH = 1,24) quando comparado ao número de hábitats que ele utilizou (H = 3), o que indica especialização a um dos hábitats. O valor de largura de nicho para cada período/estação foi bem aproximado (BH = 1.6 – chuvosa; 1.4 – seca) bem como na análise geral, conforme Tabela 1.

Tabela 1. Largura de nicho dos recursos espaciais e alimentares de V. multiscutata durante as estações chuvosa e seca, março e setembro de 2014, respectivamente. BH - Largura de Hábitat e

BD - Largura de Dieta. Inverso de Simpson Estação chuvosa Estação seca Geral (Ambos os períodos)

BH 1.6 1.4 1.24

BD 3.98 3.36 3.80

Para os 36 indivíduos de V. multiscutata analisados quanto à ecologia térmica, a média da temperatura corporal e das temperaturas do ar e substratos durante a estação chuvosa foram sempre maiores do que durante a estação seca A média da umidade relativa do ar durante a estação chuvosa foi de 65.6% ± 8.3 enquanto na estação seca a média foi de 50.0 ± 13.0 (Tabela 2).

Tabela 2: Médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata, do ar (Ta), do substrato (Ts) e porcentagem da umidade relativa (HR) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), Serra de Santana, Lagoa Nova/RN.

Variáveis Estação Chuvosa Estação Seca Estatística

Tb (°C) 29.6 ± 1.6 (26.1–32.4) 31.3 ± 2.4 (28.4–35.4) t = -2.592; gl = 34; p = 0,014

Ta (°C) 26.9 ± 2.0 (23.9–30.6) 27.5 ± 2.9 (24.2–32.7) t = - 0.691; gl= 34; p = 0,494

Ts (°C) 28.1 ± 1.7 (25.2–31.5) 29.1 ± 4.5 (24.3–40.4) t = - 0.98; gl = 34; p = 0,334

HR (%) 65.6 ± 8.3 (48.5–81.9) 50.0 ± 13.0 (47.3–87.2) t = 4.345; gl = 34; p ≤ 0,001

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A temperatura corporal foi positivamente correlacionada nas estações seca e 2 chuvosa, tanto com a temperatura do substrato (chuvosa: R = 0,387; F1,23= 14,573, 2 p=0,001; seca: R = 0,496; F1,9= 8,875; p=0,015) quanto com a temperatura do ar 2 2 (chuvosa: R = 0,244; F1,23= 7,440, p=0,012; seca: R = 0,197; F1,9= 2,212; p=0,171), sendo a temperatura do substrato a variável mais associada com a temperatura corporal do lagarto; no entanto, quando comparada com a umidade relativa, a temperatura corporal 2 apresentou uma correlação negativa (chuvosa: R = 0,047; F1,23= 1,132, p=0,298; seca:

2 R = 0,709; F1,9= 21,962; p=0,001) (Figuras 4, 5 e 6).

Figura 4: Dispersão das médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata com as médias das temperaturas do substrato (Ts) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), Serra de Santana em Lagoa Nova/RN.

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Figura 5: Dispersão das médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata com as médias das temperaturas do ar (Ta) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), na Serra de Santana em Lagoa Nova/RN.

Figura 6: Dispersão das médias das temperaturas corporais (Tb) de V. multiscutata com as médias das porcentagens da umidade relativa (HR) nas estações chuvosa (n=25) e seca (n=11), Serra de Santana em Lagoa Nova/RN.

Quanto à dieta, dos 38 espécimes analisados, 33 (86,8%) continham pelo menos um item alimentar no estômago. Dos três indivíduos (7,8%) que estavam com o estômago vazio, dois (5,2%) foram coletados na estação seca e um (2,6%) na estação chuvosa. Vanzosaura multiscutata consumiu oito categorias de presas (Tabela 3), com uma dieta composta principalmente por artrópodes, sendo identificados seis táxons de insetos e um de aracnídeo. Além desses, também foram registrados itens fragmentados (Tabela 3). Na análise geral da dieta, entre os itens alimentares identificados o que apresentou maior Índice de Importância foi Hymenoptera/Formicidae com Ix = 29,6; seguido por Blattaria com Ix = 28,1 e Aranae com Ix = 27,5. Os itens de maior frequência de ocorrência foram Aranae (34%), Blattaria (27,6%) e Hymenoptera/ Formicidae (25,5%). Em termos numéricos, os itens mais encontrados foram Hymenoptera/Formicidae (46,6%), Aranae (25,3%) e Blattaria (20%). Com relação aos maiores volumes, Blattaria aparece em primeiro com 36,8%, seguido por Aranae (23,1%) e Hymenoptera/Formicidae (16,7%). Com relação a sazonalidade, Hymenoptera/Formicidae foi o item com maior índice de importância (Ix = 39,5), seguido de Blattaria (Ix = 25,2) e Aranae (Ix = 24) na 38 estação seca e Blattaria (Ix=31.0), Aranae (Ix=29.8) e Hymenoptera/Formicidae (Ix= 22,5) na estação chuvosa. 39

Tabela 3 – Composição da dieta de Vanzosaura multiscutata na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, estado do Rio Grande do Norte, Brasil, março e setembro de 2014, estações seca e chuvosa, respectivamente. F - Frequência; Ix - Índice de importância relativa; N - Número; e V - Volume.

Tipos de Estação Chuvosa Estação Seca Amostra Total Presa F (%) N (%) V (%) Ix F (%) N (%) V (%) Ix F (%) N (%) V (%) Ix Aranae 11 (35.4) 13 (29.5) 102.3 (24.6) 29.8 5 (31.2) 6 (19.3) 74.3 (21.5) 24 16 (34) 19 (25.3) 176.6 (23.1) 27.5 Blattaria 8 (25.8) 9 (20.4) 194.2 (46.7) 31.0 5 (31.2) 6 (19.3) 86.8 (25.1) 25.2 13 (27.6) 15 (20) 281 (36.8) 28.1 Coleoptera 1 (0.31) 1 (2.3) 10.5 (2.5) 1.7 - - - - 1 (2.1) 1 (1.3) 10.5 (1.3) 1.6 Hymenoptera 7 (22.6) 17 (38.6) 26.2 (6.3) 22.5 5 (31.2) 18 (58.0) 101.5 (29.3) 39.5 12 (25.5) 35 (46.6) 127.7 (16.7) /Formicidae 29.6 Isoptera 1 (0.31) 1 (2.3) 24.5 (5.9) 2.8 - - - - 1 (2.12) 1 (1.3) 24.5 (3.2) 2.2 Larva de 2 (6.4) 2 (4.5) 6.8 (1.6) 4.2 1 (6.2) 1 10.4 (3.02) 3.4 3 (6.3) 3 (4) 17.2 (2.2) inseto 4.2 Orthoptera 1 (0.31) 1 (2.3) 3.5 (0.8) 1.1 - - - - 1 (2.1) 1 (1.3) 3.5 (0.4) 1.3 Partes de - - 48.2 (11.6) - 73.2 (21.2) - - - 121.4 (15.9) - Artrópodes 40

Discussão

A captura de espécimes por meio das armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) durante este trabalho foi considerada baixa, pois apesar do grande esforço amostral por esse método, apenas dois espécimes foram coletados. Esse resultado não corresponde ao sucesso obtido com este método de captura em outros estudos com gimnoftalmídeos. Por exemplo, Recoder e Nogueira (2007) durante estudo realizado no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, centro oeste do Brasil, Vanzosaura savanicola foi a espécie mais abundante (N = 60) em coleta por pitfall. Recentemente, Araújo et al., (2014) também obtiveram êxito com pitfall ao capturarem 375 lagartos distribuídos em cinco famílias dentre as quais o gimnofitalmídeo Micrablepharus atticolus foi o mais abundante (N= 153); além deste, foram coletados os também gimnofitalmídeos, Cercosaura ocellata e Cercosaura schreibersii. As armadilhas de interceptação e queda continuam sendo bastante utilizadas atualmente em diversos estudos com lagartos, principalmente gimnofitalmídeos (e.g. Santos et al., 2012; Andrade et al., 2013; Freiras et al., 2013; Doan & Cusi, 2014). O baixo número de espécimes de V. multiscutata coletado nessas armadilhas durante este estudo pode estar relacionado à sensibilidade desta espécie à remoção de serrapilheira e solo para instalação das armadilhas, uma vez que demonstrou dependência do solo arenoso coberto com folhiço, é bastante arisca e se esconde rapidamente sob este microhabitat. O fato de Vanzosaura multiscutata ter utilizado predominantemente o habitat com vegetação arbórea, associado aos microhábitats com solo arenoso, corrobora os resultados obtidos em vários estudos (e.g. Vanzolini et.al., 1980; Vitt 1995, Delfim & Freire, 2007); o registro dessa espécie em microhábitats com solo exposto também era esperado, uma vez que essa espécie apresenta uma ampla distribuição em todas as fitofisionomias da Caatinga (Rodrigues, 2003). Quanto à ecologia térmica de V. multiscutata, a correlação positiva entre as temperaturas corporais e as temperaturas ambientais (Ta e Ts – figuras 4 e 5) nas duas estações (Tabela 2), aliada à temperatura corporal média maior do que as temperaturas do ambiente, constatadas neste estudo, constituem os primeiros resultados sobre termorregulação para esta espécie na Caatinga.

O fato de neste estudo a Tb média de V. mutiscutata ser sempre maior do que as temperaturas do ambiente pode indicar uma possível estratégia comportamental de termorregulação, pois, Gogliath (2012) sugeriu, através de dados comportamentais, que

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V. multiscutata é um termorregulador ativo e heliotérmico, sendo visualizado sobre a serrapilheira, diretamente exposto ao sol. Espécies de lagartos de outras famílias como, por exemplo, Liolaemus lutzae, também apresentaram dados de Tb positivamente correlacionados com Ta e Ts durante as estações chuvosa e seca em área de restinga do Rio de Janeiro (Maia-Carneiro et al.,

2012). Por outro lado, L. lutzae mesmo habitando região de baixa altitude teve sua Tb (31.7 ± 3.4°C) semelhante a de outras espécies do mesmo gênero habitantes de áreas de altitude (e.g. L. altissimus 33.0°C e L. schroederi 33.3°C; Carothers et al., 1997). É muito provável que, em áreas de Caatinga mais rústica, com temperaturas mais altas

(Depressões Sertanejas), a exemplo da ESEC Seridó, a Tb de V. multiscutata seja mais alta ainda que a ambiental; essa capacidade de suportar grande amplitude térmica justifica a ampla distribuição geográfica desta espécie. Por outro lado, deve ser considerada também a hipótese de vários autores de que quanto menor for a distância filogenética das espécies, mais próximas são as suas temperaturas corpóreas, mesmo estas vivendo em hábitats diferentes (Bogert, 1949; Schall, 1977; Rocha & Vrcibradic, 1996; Andrews, 1998; Kiefer et al., 2005; Rocha et al., 2009, Menezes & Rocha, 2011).

Com relação à umidade relativa do ar (HR), quando comparada com a Tb de V. multiscutata, foi encontrada uma correlação negativa, ou seja, constataram-se tendências a menores Tb registradas em altas umidades. Esse resultado foi semelhante ao encontrado por Nicholson et al. (2005) que também encontraram uma correlação negativa entre a HR e as temperaturas do ambiente para Anolis stratulus e Ameiva exsul na ilha de Guana na região do Caribe. Nesse contexto, sabendo que fatores ambientais como a Ta, Ts e a radiação solar direta influenciam diretamente na Tb dos lagartos (e.g Rocha, 1995; Maia- Carneiro et al., 2012), a umidade relativa do ar, neste caso, pode estar atuando como uma barreira de isolamento térmico, interferindo diretamente no processo de termorregulação dessas espécies. Em relação à dieta de V. multiscutata registrada neste estudo como composta principalmente por insetos de grande mobilidade, sugere que este lagarto comportou-se como forrageador sedentário, pois, das sete categorias de presa cuja identificação foi possível, seis são móveis. A única categoria de presa sedentária registrada foi larva de inseto. No estudo de Dias & Lira-da-Silva (1998), efetuado na Caatinga stricto sensu dos estados de Alagoas e Sergipe, durante o enchimento do reservatório da Usina Hidrelétrica

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42 de Xingó (região de baixa altitude), V. multiscutata consumiu apenas quatro itens alimentares e as presas mais importantes foram: formigas, aranhas e larvas de insetos; os itens com maior volume foram baratas e larvas. No entanto, Vitt (1995) registrou em área de Caatinga stricto sensu que cupins e formigas foram importantes itens alimentares para V. multiscutata; nesse mesmo estudo também foi registrado que as larvas de insetos se apresentaram em grande número na dieta desta espécie. Esses resultados de Vitt (1995) sugerem V. multiscutata como forrageador ativo, já que as presas consumidas foram principalmente sedentárias. Portanto, comparando os resultados de Vitt (1995) com os deste estudo, é muito provável que V. multiscutata seja forrageador errante ou oportunista, fato que também pode estar aliado à sua ampla distribuição geográfica. Vanzosaura multiscutata teve uma dieta diferente quando comparada a de outros gimnofitalmídeos habitantes da Caatinga, como por exemplo Nothobachia ablephara, que apresenta uma grande preferência por larvas de insetos, aranhas, pseudoescorpiões e isopodas (Rocha & Rodrigues, 2005; Santos et al., 2012). Já Leposoma scincoides, gimnofitalmídeo habitante da Mata Atlântica, também mostrou uma dieta baseada em sua maioria por Insecta, semelhante a V. multiscutata neste estudo, porém L. scincoides consumiu mais itens alimentares (12 categorias; Teixeira & Fonseca, 2003). Quando comparamos a dieta de V. multiscutata (este estudo) com a de A. vanzolinia, um gimnofitalmídeo que também apresenta hábito fossorial e distribuição relictual na Caatinga (Rodrigues, 2003), inclusive na Serra de Santana (Gogliath, et al., 2010), ambos consomem mais insetos, porém A. vanzolinia apresentou um maior índice de importância (Ix) para Isoptera seguido de Hymenoptera/Formicidae (Oliveira & Pessanha 2013), enquanto que o item com o maior Ix para V. multiscutata foi Hymenoptera/Formicidae. Quanto ao efeito da sazonalidade sobre a dieta de V. multiscutata, constatou-se que tanto em termos de frequência, volume, número e índice de importância, os dados da estação chuvosa prevaleceram na maioria dos tipos de presa, com exceção de Hymenoptera/Formicidae, que apresentou suas porcentagens de número, volume e também índice de importância maiores na estação seca, juntamente com a porcentagem de volume de Larvas de insetos (Tabela 3). Essa diferença entre as estações na dieta é comum para outras espécies da Caatinga stricto sensu (e.g. Kolodiuk et al. 2010; Ribeiro & Freire 2011; Sales et al. 2011). No entanto, cabe destacar que o fato de Hymenoptera/ Formicidae ter se mostrado como o principal item para V. multiscutata quanto ao número, frequência e importância (Ix) na estação seca, quando comparada com a dieta da estação

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43 chuvosa, pode estar relacionado com a escassez de outros recursos disponíveis durante essa estação; as formigas podem estar em maior disponibilidade no ambiente neste período, tornando-se os principais itens consumidos por V. multiscutata.

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CAPITULO 2

HISTÓRIA NATURAL DE ANOTOSAURA VANZOLINIA, DIXON 1974 (SQUAMATA: GYMNOPHTHALMIDAE) EM ÁREA SERRANA DE CAATINGA, NORDESTE DO BRASIL

Matheus Meira-Ribeiro1,2,3 & Eliza Maria Xavier Freire1,2 1Laboratório de Herpetologia, Departamento de Botânica e Zoologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Lagoa Nova, CEP 59072- 900 Natal, Brasil 2Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário 3Corresponding author: Matheus Meira-Ribeiro, [email protected]

Resumo A família Gymnophthalmidae é composta por espécies de pequenos lagartos que ocupam diversos tipos de habitats, dentre estas Anotosaura vanzolinia é fossorial com distribuição relictual em áreas de Caatinga, sempre associada a solos arenosos e folhiço. Por se tratar de uma espécie fossória e de distribuição restrita, as informações sobre sua ecologia e história natural são bastante incipientes. Assim sendo, este trabalho teve como objetivo registrar informações acerca da história natural de A. vanzolinia em uma área serrana de Caatinga no nordeste do Brasil, as quais possam subsidiar análises futuras que justifiquem seu possível padrão relictual de distribuição geográfica. Foram realizadas duas expedições, com duração de vinte dias cada, nos meses de março e setembro de 2014, para coletas por meio de armadilhas de interceptação e queda, complementadas por busca ativa. Foram coletados 18 espécimes de A. vanzolinia em habitat de vegetação arbórea e sempre associado com solo arenoso e folhiço. A temperatura corporal média (Tb) dos espécimes coletados por busca ativa (n = 7) foi de 28.6 ± 2.4°C, enquanto a temperatura do ar (Ta) e do substrato (Ts) foram 26.1 ± 2.8°C e 25.8 ± 1.7°C respectivamente. A dieta de A. vanzolinia foi composta principalmente de insetos, tendo Hymenoptera/Formicidae como o item de maior importância (Ix = 40,1), maior frequência de ocorrência (36,3%), maior número (61,1%) e maior volume (22,8%). Estes dados incrementam o conhecimento sobre a história natural de A. vanzolinia, apontam possíveis fatores que possam justificar sua distribuição restrita, mas necessita de maior amostragem e em diferentes áreas de Caatinga lato e stricto sensu.

Palavras chaves: Gymnophthalmidae de Caatinga; temperatura em lagartos; dieta de Anotosaura; padrão de distribuição.

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Abstract

The Gymnophthalmidae family is made up by small lizard species that occupy several types of habitats, among which Anosotaura vanzolinia is fossorial with relictual distribution in Caatinga areas, always associated with sandy soil and leaf litter. Seeing that this is a fossorial species with restricted distribution, information on its ecology and natural history are still incipient. Therefore, this work's objective was to register information on the natural history of A. vanzolinia in a mountain Caatinga area in northeast Brazil, that may subsidize future analyses that justify its possible relictual geographical distribution pattern. Two expeditions were held, with a duration of twenty days each, during the months of March and September 2014, for collection through catch and pitfall traps that were further complemented by active search. Eighteen specimens of A. vanzolinia were collected in arboreal vegetation and were always associated with sandy soil and leaf litter. The average body temperature (Tb) of specimens collected through active search (n = 7) was of 28.6 ± 2.4°C, while the air (Ta) and substrate temperatures were of 26.1 ± 2.8°C e 25.8 ± 1.7°C, respectively. The diet of A. vanzolinia consisted mainly of insects, where Hymenoptera/Formicidae were the item of highest importance (Ix = 40.1), higher occurrence frequency (36.3%), highest count (61.1%) and higher volume (22.8%). This data enhances the knowledge on the natural history of A. vanzolinia point to possible factors that may justify its restricted distribution, but calls for larger samples and in different Caatinga lato and stricto sensu areas.

Keywords: Caatinga Gymnophthalmidae; lizard temperatures; diet of Anotosaura; distribution patterns.

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“Short Communication”

A família Gymnophthalmidae é composta, em geral, por espécies lagartos de pequeno porte (adultos menores que 60 mm de comprimento rostro-cloacal) de atividade diurna e também noturna (e.g. Nothobachia e Calyptommatus); apresentam hábitos terrícolas, fossoriais e semiaquáticos (Novaes-e-Silva & Araújo 2008; Bernarde, 2012). Distribuem-se desde a porção sudeste da América Central até a América do Sul ocorrendo também na porção leste dos Andes (Pellegrino et al. 2001). No Brasil, atualmente ocorrem 89 espécies de gimnoftalmídeos distribuídas em 32 gêneros (Costa & Bérnils, 2014), dentre os quais o gênero Anotosaura está representado pelas espécies Anotosaura collaris Amaral, 1933 e Anotosaura vanzolinia Dixon, 1974 (Figura 1). Estas espécies apresentam uma distribuição bastante restrita na Caatinga, estando associadas a ambientes florestados com características ambientais mésicas, vivendo em solos arenosos e com a presença de folhiço (Rodrigues, 2003). Delfim e Freire (2007) abordaram a escassez do conhecimento acerca dos lagartos gimnoftalmideos na Caatinga, bem como as suas reais distribuições, e registraram A. vanzolinia em área de Caatinga com vegetação arbórea e clima ameno na região do Cariri paraibano. Para o estado do Rio Grande do Norte, Gogliath et al. (2010) já haviam registrado A. vanzolinia (n=40) em parte da Serra de Santana, embora no município de Tenente Laurentino Cruz, também considerada área de exceção ou Caatinga lato sensu por apresentar características distintas da Depressão Sertaneja Setentrional (Veloso et al., 2002). Recentemente, Oliveira e Pessanha (2013) analisaram o uso de microhábitat e dieta de A. vanzolinia em área de altitude (550 m) situada no Planalto da Borborema na Paraíba, no qual foram coletados um grande número de exemplares desta espécie (n = 46) e até então a maior amostra para o nordeste. Considerando os poucos registros disponíveis, especialmente sobre a ecologia desta espécie de hábito fossorial, e o aparente padrão relictual de distribuição na Caatinga, é relevante registrar aspectos de sua ecologia e/ou história natural para melhor avaliar esse possível padrão. Nessa perspectiva, este trabalho buscou ampliar o conhecimento acerca da história natural de A. vanzolinia, particularmente quanto ao habitat, microhábitat, temperatura e dieta, em área de Caatinga de altitude do Rio Grande do Norte. Foram realizadas duas expedições de 20 dias em campo, durante os meses de março e setembro de 2014, à Serra de Santana, município de Lagoa Nova (6° 07’ 24.01”

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S, 36° 33’ 51.54” O – elev. 640 m), estado do Rio Grande do Norte, onde foram coletados 18 indivíduos de A. vanzolinia por meio de armadilhas de interceptação e queda (pitfall traps) e busca ativa ao longo de transecção no entorno destas. No momento da captura dos espécimes durante busca ativa, foram registradas informações sobre habitat e microhábitat, e aferidas as temperaturas do corpo do lagarto (Tb), do ar a 5 cm do solo

(Ta) e do substrato em que foi coletado (Ts). Os estômagos de todos os espécimes foram dissecados, levados para laboratório e analisados sob estereomicroscópio OLYMPUS®. Todos os espécimes foram fixados, tombados e depositados na Coleção Herpetológica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Figura 1. Espécime de Anotosaura vanzolinia na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil.

Dos 18 espécimes capturados 11 foram por meio das armadilhas de interceptação e queda e sete por meio de busca ativa. Todos os espécimes foram encontrados em habitats com vegetação arbórea e somente em microhábitats com solo arenoso. Todos dos espécimes coletados através da busca ativa foram encontrados nos microhábitats próximos a troncos de árvores, muitas vezes em meio as suas raízes e sempre associados a solo arenoso com folhiço (Figura 2).

Figura 2. Espécime de Anotosaura vanzolinia se refugiando entre o solo arenoso e folhiço na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, Rio Grande do Norte, Brasil.

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A média da temperatura corporal dos sete espécimes de A. vanzolinia foi de 28.6 ± 2.4°C (24.8 – 29.2 ºC) enquanto que a média da temperatura do ar e do substrato foram 26.1 ± 2.8°C e 25.8 ± 1.7°C respectivamente. Com relação à dieta dos espécimes analisados (n = 18), 14 (77,7 %) espécimes foram coletados no mês de março (estação chuvosa) e quatro (22,2%) no mês de setembro (estação seca). Dos três espécimes que apresentaram o estomago vazio, dois foram coletados na estação chuvosa e um na estação seca. Anotosaura vanzolinia consumiu seis categorias de presas (Tabela 1), sendo identificados quatro táxons de insetos e um aracnídeo. Além desses, também foram registrados itens fragmentados, nomeados como partes de artrópodes. Na análise geral da dieta, entre os itens alimentares identificados o que apresentou maior Índice de Importância foi Hymenoptera/Formicidae (Ix = 40,1), seguido por Coleoptera (Ix = 17,9) e Aranae (Ix = 12,8). Os itens de maior frequência de ocorrência também foram Hymenoptera/Formicidae (36,3 %), Coleoptera (27,2%) e Aranae (18,1%). Os mesmos itens foram relevantes em termos numéricos: Hymenoptera/Formicidae (61,1%), Coleoptera (16,6%) e Aranae (11,1%). Com relação aos maiores volumes, Hymenoptera/Formicidae continua em primeiro (22,8%), seguido por Larva de inseto (11,1%) e Coleoptera (9,9 %).

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Tabela 1 – Composição da dieta de A. vanzolinia na Serra de Santana, município de Lagoa Nova, estado do Rio Grande do Norte, Brasil, março e setembro de 2014, estações seca e chuvosa, respectivamente. F - Frequência; Ix - Índice de importância relativa; N - Número; e V - Volume.

Categoria de presas Estação Seca Estação Chuvosa Amostra Total N F(%) (%) V (%) Ix F(%) N (%) V (%) Ix F(%) N (%) V (%) Ix 2 Aranae - - - - 2 (20) 2 (11.7) 13.9 (12.8) 14.8 (18.1) 2 (11.1) 13.9 (9.2) 12.8 Blattaria - - - - 1 (10) 1 (5.8) 8.3 (7.7) 7.8 1 (9.1) 1 (5.5) 8.3 (5.5) 6.7 3 Coleoptera - - - - 3 (30) 3 (17.6) 14.9 (13.7) 20.4 (27.2) 3 (16.6) 14.9 (9.9) 17.9 16.7 Larva de Inseto - - - - 1 (10) 1 (5.8) 16.7 (15.4) 10.4 1 (9.1) 1 (5.5) (11.1) 8.5 20.9 10 4 34.4 Hymenoptera Formicidae 1 (33.3) 1 (50) (50) 44.4 3 (30) (58.8) 13.4 (12.4) 33.7 (36.3) 11 (61.1) (22.8) 40.1 20.9 62.1 Partes de Artrópodes 2 - (50) - - - 41.2 (37.9) - - - (41.3) -

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A presença de A. vanzolinia em ambientes de vegetação arbórea e em microhábitat de solo arenoso com folhiço é bem conhecida para muitos gminofitalmídeos (e.g. Vanzolini et.al., 1980; Vitt 1995, Delfim & Freire, 2007); no entanto, no estudo de Oliveira e Pessanha (2013) A. vanzolinia foi encontrado, em sua grande maioria (n=30), ao redor de afloramentos rochosos. A maioria dos espécimes de A. vanzolinia coletados em busca ativa foi encontrada sempre próxima às raízes de arvores, provavelmente esse microhábitat atue como um tipo de refúgio para o lagarto diminuindo assim suas chances de ser predado. Já Vanzosaura multiscutata, um gminofitalmídeo de ampla distribuição na Caatinga, não foi registrado neste tipo de microhábitat nessa área de estudo (Obs. Pessoal; este estudo) A temperatura corporal de A. vanzolinia, bem como as temperaturas ambientais registradas neste estudo foram semelhantes às temperaturas encontradas para essa mesma espécie, também em parte da Serra de Santana, no município de Tenente Laurentino Cruz

(Gogliath, 2012), quando foram registradas Tb = 29,6 ± 2,3 ºC; Ta = 25.8 ± 3,5 ºC e Ts = 25.7 ± 3,0 ºC. Esses dados demonstram um possível padrão de ocorrência em áreas com temperaturas mais brandas, quando comparadas às áreas de Caatinga stricto sensu, favorecendo assim a distribuição relictual dessas espécies em áreas consideradas de exceção (lato sensu) deste bioma. Já V. multiscutata apresentou uma amplitude térmica (26.6 – 32.4 ºC) superior a de A. vanzolinia (24.8 – 29.2 ºC) e com limites superiores de temperatura corpórea também mais elevados, isso pode ser um indicativo do porquê uma espécie habita uma região com temperatura mais amena e a outra suporta temperaturas mais elevadas. Porém, novas análises com mais espécimes são necessárias em diferentes áreas de Caatinga lato sensu e Stricto sensu. Com relação à dieta de A. vanzolinia neste estudo (Tabela 1), comparada com a do estudo de Oliveira e Pessanha (2013), constatou-se uma semelhança quanto à categoria de maior frequência (Hymenoptera/Formicidae), porém o número de categorias de presa (14) foi superior ao encontrado para Lagoa Nova o que pode ser, em parte, explicado pelo maior número de espécimes coletados (n= 46). Para esses dois estudos, as presas mais consumidas por A. vanzolinia foram insetos, porém outros táxons também foram consumidos no estudo de Oliveira e Pessanha (2013) (e.g Moluscos, Aracnídeos, Miriápodes e Crustáceos). Durante a estação chuvosa observou-se uma tendência generalista por parte de A. vanzolinia, talvez por ser uma estação onde a temperatura do ambiente é mais amena, comparada com a estação seca, o que pode favorecer a uma maior

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57 atividade de forrageio e, consequentemente, uma captura mais eficiente das presas disponíveis no ambiente.

Referências

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DELFIM, F. R.; FREIRE, E. M. X. 2007. Os lagartos gimnoftalmídeos (Squamata: Gymnophthalmidae) do Cariri Paraibano e do Seridó do Rio Grande do Norte, Nordeste do Brasil: Considerações acerca da distribuição geográfica e ecologia. Revista Oecologia Brasiliensis, 11 (3):365-382.

GOGLIATH, M.; RIBEIRO, L. B. & FREIRE, E. M. X. 2010a. Geographic distribution. Anotosaura vanzolinia (NCN). Herpetological Review 41: 243-243. GOGLIATH. M.S. 2012. Composição, diversidade, ecologia e comportamento termorregulatório de espécies de Squamata em área serrana de Caatinga, nordeste do Brasil. Tese, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Rio Grande do Norte.

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VANZOLINI, P.E.; RAMOS-COSTA, A.M.M. & VITT, L.J. 1980. Répteis das Caatingas. Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, 161p.

VITT, L.J. 1995. The ecology of tropical lizards in the caatinga of northeast Brazil. Occasional Papers of the Oklahoma Museum of Natural History, 1: 1-29.

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Considerações Finais

Vanzosaura multiscutata e Anotosaura vanzolinia são gimnoftalmídeos com diferentes distribuições (ampla e relictual, respectivamente) no bioma Caatinga, porém compartilham algumas características ecológicas quanto aos habitats, microhábitats, recursos alimentares e térmicos em ambientes de Caatinga lato sensu. Anotosaura vanzolinia vive associada a terrenos de solo arenoso e vegetação arbórea e V. multiscutata habita tanto terrenos de solo arenoso e vegetação arbórea quanto áreas de Caatinga mais rústicas (Depressão Sertaneja). Ambas as espécies apresentam grande parte de seus recursos alimentares compostos por insetos e suas temperaturas corporais médias se diferenciam de modo que V. multiscutata suporta uma maior amplitude térmica, atingindo limites superiores de temperatura mais elevados. Vanzosaura multiscutata, por ser uma espécie de ampla distribuição e aparentemente tolerar temperaturas mais elevadas nas áreas da Depressão Sertaneja, pode estar utilizando estratégias/ajustes comportamentais para manter sua temperatura sempre na mesma faixa nos dois ambientes (Caatinga lato sensu e stricto sensu). Por outro lado, A. vanzolinia pode não se utilizar de tais ajustes para sobreviver a esses ambientes mais áridos, por isso não habita esses ambientes. A complementação deste trabalho com maior amostragem de A. vanzolinia e em diferentes áreas com fisionomias de Caatinga stricto sensu e lato sensu, aliado a estudo de ecologia térmica comportamental, será de grande relevância para elucidar a possível relictualidade quanto à distribuição geográfica dessa espécie na Caatinga.

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