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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE BELAS ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

ANGIE GLORIELA MONTIEL MUÑOZ

O MULTICULTURALISMO E O DEBATE EM TORNO DA “ARTE LATINO-AMERICANA” 1980-1990

Salvador 2017 !

ANGIE GLORIELA MONTIEL MUÑOZ

O MULTICULTURALISMO E O DEBATE EM TORNO DA “ARTE LATINO-AMERICANA” 1980-1990

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes Visuais (PPGAV), Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como parte dos requisitos finais para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais.

Orientadora: Profa. Dra. Rosa Gabriella de Castro Gonçalves

Salvador 2017 ! !

Escola de Belas Artes – UFBA

Muñoz Montiel, Angie Gloriela.

M967 O multiculturalismo e o debate em torno da “arte latino-americana” 1980-1990. / Angie Gloriela Montiel Muñoz. – Salvador, 2017. 147 f.; il.

Orientadora: Profa. Dra. Rosa Gabriella de Castro Gonçalves. Dissertação (Mestrado – Pós-Graduação em Artes Visuais) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Belas Artes, 2017.

1. Arte latino-americana. 2. Multiculturalismo. 3. Pós-modernidade. 4. Exposições de arte. 5. Crítica de arte. I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Belas Artes. II. Título.

CDU 7(7/8)

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AGRADECIMENTOS

Foram tempos emocionantes. Quando cheguei a Salvador sabia que seria o começo de uma viagem cheia de novas experiências e muita aprendizagem. A oportunidade de fazer o mestrado foi a confirmação de uma viagem singular que me levaria de volta aos lares nos quais no passado tive tantas alegrias. E tive a sorte de fazer essa viagem com pessoas incríveis. Cada uma à sua maneira, com ou sem intencionalidade, bem ao lado ou a quilômetros de distância, foi um apoio no percurso amenizando as saudades de casa, animando os momentos difíceis, compartilhando as experiências e alegrando a vida com gestos, palavras e risadas.

Agradeço à minha mãe, Rosa, por tudo e, principalmente, por ter acreditado em mim. Por ser nos últimos anos uma voz de carinho, paciência e incentivo que, apesar da distância, me reconfortou como nenhuma outra.

Ao meu esposo Guillermo, por ser fonte de alegria, amor, paz, força, coragem... Por ser meu companheiro de vida e fazer dela um lar de sonhos e aventuras.

À toda minha querida Família Muñoz pelo carinho e o apoio de toda uma vida.

Aos meus sogros, Geovanni e Lorena, aos meus cunhados, Sebastián e Carolina, e ao meu tio, Guillermo, por seu amor, incentivo e confiança.

Às minhas amigas da vida, Valeria, Desireé, Sheyris, Kaschirie, Carolina, Catalina e Mónica, por uma amizade que transcende o tempo e o espaço.

Aos meus queridos Mariana e Renato por serem nossa família brasileira. Por todos os momentos compartilhados, as conversas, as risadas, os cafés, por tudo! Minha querida Mari, obrigada pelo apoio, leituras, contribuições e pelas dicas preciosas para a dissertação e a vida.

Aos meus amigos, Dona Waldelise, Ricardo, Lucía, Víctor e Francisco, pelos bons momentos.

A todos os colegas do Programa, em especial, Alexia, Maria, João, Geisiel, Natália, Cláudia e Karla, obrigada pelos nossos encontros de boas trocas e bate-papo instigante.

À professora Rosa Gabriella, minha orientadora, pelo apoio e pelos conselhos ao longo do curso. Obrigada pelas valiosas contribuições e ser sempre solícita e paciente comigo.

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Ao corpo docente do Programa, em especial aos meus professores das disciplinas do Mestrado, pelas importantes discussões e contribuições: Maria Herminia Olivera, Viga Gordilho, Danillo Barata, Eriel de Araújo e Maria Celeste de Almeida.

Às professoras Elyane Lins Corrêa e Alejandra Hernández por aceitar o convite para participar da minha banca de Mestrado. Obrigada pelas considerações apresentadas. E também à professora Taisa Palhares pelas valiosas observações durante a qualificação desta dissertação.

Aos funcionários do PPGAV, sempre disponíveis e prestativos.

Ao PPGAV, Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, pela generosidade ao aprovar minha entrada no seu Programa de Mestrado.

À UFBA e à CAPES por possibilitar a oportunidade de realizar esta dissertação.

As pessoas para agradecer são tantas! Muitas não foram citadas, mas, tenham certeza de que foram lembradas.

Gratidão!

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con su corno francés y su academia sueca su salsa americana y sus llaves inglesas con todos sus misiles y sus enciclopedias su guerra de galaxias y su saña opulenta con todos sus laureles el norte es el que ordena

pero aquí abajo abajo cerca de las raíces es donde la memoria ningún recuerdo omite y hay quienes se desmueren y hay quienes se desviven y así entre todos logran lo que era un imposible que todo el mundo sepa que el sur también existe

Mario Benedetti (2000, p. 153)1

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1 Trecho extraído do Poema El sur también existe. Publicado no livro Preguntas al azar. Primeira publicação da Editora Arca, 1986. Tradução: com seu chifre francês e sua academia sueca seu molho americano e suas chaves inglesas sua guerra de galáxias e a sua sanha opulenta com todos os seus louros o norte é quem manda mas aqui embaixo, embaixo perto das raízes é onde a memória nenhuma lembrança omite e há quem se recuse a morrer e há quem se esqueça de viver e assim entre todos se consegue o que era um impossível que todo o mundo saiba que o sul também existe. !

MONTIEL, Angie Gloriela Muñoz. O multiculturalismo e o debate em torno da “arte latino-americana” 1980-1990. 147 f. il. 2017. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Escola de Belas Artes. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2017.

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo principal analisar o debate instigado pelo multiculturalismo em torno da “arte latino-americana” na crítica e na produção das artes visuais da região durante as décadas de 1980 e 1990. Esta análise propõe como eixo de estudo o discurso da “arte latino-americana” e o seu tratamento nas exposições promovidas pela corrente multicultural durante o boom da arte latino-americana, com a intenção de estudar as características principais que apresentaram essas exposições e a sua repercussão no debate. Para aprofundar esta análise abordamos quatro exposições de relevância durante esse período a partir de seus catálogos e outras fontes como artigos acadêmicos: Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987; Latin American Artists of the Twentieth Century; Ante América e Cartographies. Com o propósito de compreender melhor o debate suscitado sobre a “arte latino-americana” nas artes visuais da região propomos a análise de três obras de arte de três artistas que participaram nas exposições pesquisadas: Beatriz González, Ana Mendieta e Jose Leonilson Bezerra.

Palavras chave: arte latino-americana; multiculturalismo; pós-modernidade; exposições de arte; crítica de arte.

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MONTIEL, Angie Gloriela Muñoz. El multiculturalismo y el debate en torno al “arte latino-americano” 1980-1990. 147 p. il. 2017. Disertación (Maestría) – Programa de Posgrado en Artes Visuales, Escuela de Bellas Artes. Universidad Federal de Bahia, Salvador, 2017.

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo principal analizar el debate instigado por el multiculturalismo en torno al “arte latino-americano” en la crítica y la producción de las artes visuales de la región durante las décadas de 1980 y 1990. Este análisis propone como eje de estudio el discurso del “arte latino-americano” y su abordaje en las exposiciones promovidas por la corriente multicultural durante el boom del arte latino- americano, con la intención de estudiar las características principales que esas exposiciones presentaron y su repercusión en el debate. Para profundizar este análisis abordamos cuatro exposiciones de relevancia durante este período a partir de sus catálogos y otras fuentes como artículos académicos: Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987; Latin American Artists of the Twentieth Century; Ante América y Cartographies. Con el propósito comprender mejor el debate suscitado sobre el “arte latino-americano” en las artes visuales de la región proponemos el análisis de tres obras de arte de tres artistas que participaron en las exposiciones abordadas: Beatriz González, Ana Mendieta e José Leonilson Bezerra.

Palabras clave: arte latino-americano; multiculturalismo; posmodernidad; exposiciones de arte; crítica de arte.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa da Revista Time (p.14) Figura 2 – Publicidade da Benetton (p.22) Figura 3 – Paik e Mormam. Concerto for TV, Cello, and Videotapes (p.27) Figura 4 – Guerrilla Girls, How many women had one-person exibitions at NYC museum last year (p.29) Figura 5 – Capa do Catálogo da Exposição Magiciens de la terre (p.32) Figura 6 – Capa do Catálogo da Exposição Art of the Fantastic: Latin America, 1920- 1987 (p.65) Figura 7 – Reverón. Boneca modelo tamanho natural (p.69) Figura 8 – Botero. Autorretrato con Luis XIV después de Rigaud (p.70) Figura 9 – Roche. You have to dream in blue (p.71) Figura 10 – Capa do Catálogo da Exposição Latin American Artists of the Twentieth Century (p.73) Figura 11 –Amaral. Antropofagia (p.76) Figura 12 – Kahlo. Las dos Fridas (p.77) Figura 13 – Laañ. Persistencia de un contorno (p.79) Figura 14 – Tunga. Palindromo incesto (p.80) Figura 15 – Capa do Catálogo da Exposição Ante América (p.81) Figura 16 – Edwards. Zhakanaka (p.84) Figura 17 – Hincapié. Esta tierra es mi cuerpo… (p.85) Figura 18 – Gómez-Peña. Son of The Border Crisis (p.86) Figura 19 – Pierre. Brave Guede Nibo (p.87) Figura 20 – Capa do Catálogo da Exposição Cartographies (p.89) Figura 21 – Bedia. La pequena venganza de la periferia (p.94) Figura 22 – Pérez Bravo. No vi con mis propios ojos (p.95) Figura 23 – Cardoso. Marmol americano (p.96) Figura 24 – González. El altar (p.109) Figura 25 – Mendieta. Nacida del Nilo (p.115) Figura 26 – Leonilson. O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aquí, pronto para servi-lo (p.120)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 11

1. UMA INTRODUÇÃO AO MULTICULTURALISMO...... 17 1.1. MULTICULTURALISMO; CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL...... 17 1.2. O MULTICULTURAL NAS ARTES VISUAIS...... 24

2. SOBRE O CONCEITO DE “ARTE LATINO-AMERICANA” ...... 34 2.1. POSSÍVEIS DISCURSOS...... 40

3. DIVERSOS OLHARES SOBRE A ARTE DA AMÉRICA LATINA...... 54 3.1. O OLHAR MULTICULTURAL DO BOOM...... 54 3.1.1. Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987...... 64 3.1.2. Latin American Artists of the Twentieth Century...... 72 3.1.3. Ante América...... 81 3.1.4. Cartographies...... 89 3.2. O OLHAR CRÍTICO SOBRE A “ARTE LATINO-AMERICANA” ...... 97

4. TRÊS OBRAS DE TRÊS ARTISTAS LATINO-AMERICANOS...... 107 4.1. O ALTAR...... 107 4.2. NASCIDA DO NILO...... 114 4.3. O QUE VOCÊ QUISER, O QUE VOCÊ DESEJAR, EU ESTAREI...... 119 AQUI, PRONTO PARA SERVI-LO

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 125

REFERÊNCIAS...... 130

APÊNDICE A – Ficha da exposição Art of the Fantastic: Latin America...... 135 1920-1987 APÊNDICE B – Ficha da exposição Latin American Artists of the...... 137 Twentieth Century APÊNDICE C – Ficha da exposição Ante América...... 140 APÊNDICE D – Ficha da exposição Cartographies...... 142 APÊNDICE E – Dados biográficos dos artistas: Beatriz González,...... 144 Ana Mendieta e José Leonilson

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INTRODUÇÃO

Durante as décadas dos anos oitenta e noventa a quantidade de exposições e eventos sobre as artes visuais da América Latina aumentou de forma assombrosa (GOLDMAN, 1994b). A promoção e difusão das artes da região atingiu grande relevância no circuito internacional e no mercado da arte durante esse período, motivo pelo qual vários autores o chamaram como o boom da arte latino-americana (SÁNCHEZ, 1994; GOLDMAN, 1994a; PIÑERO, 2014). A realização desses eventos e exposições provocou diversos questionamentos e críticas no campo das artes visuais da região. O principal foi o debate sobre a representação, a identificação e o discurso sobre a “arte latino-americana” que há tempo tinha lugar entre os teóricos, críticos e artistas. O fenômeno do boom converteu-se no cenário para fomentar a discussão, particularmente pelas características que este fenômeno apresentou diferentemente de outros momentos em que o circuito internacional e o mercado tinham mostrado interesse pelas artes latino-americanas. Dentro dos diversos fatores que provocaram esse fenômeno encontramos o multiculturalismo, mencionado por vários pesquisadores no tema mas não abordado com maior detalhe. Nessa época, o multiculturalismo tinha ganhado grande relevância dentro dos debates do campo político, social, cultural e artístico junto às correntes pós-moderna e pós- colonial. Essas correntes promoveram a crítica e a luta contra as estruturas tradicionais que homogeneizaram a produção de pensamento fomentando a visibilidade e o respeito pelo pensamento não ocidental-europeu. Com a inclusão do multiculturalismo como projeto político nos países metrópoles foram difundidas, sob a perspectiva da diversidade cultural, as epistemologias, culturas e artes dos povos das diversas regiões que historicamente tinham sido exotizados. Assim, através de nosso interesse por pesquisar a ligação entre o multiculturalismo e a realização das exposições e os eventos do boom, foi possível perceber que, o multiculturalismo, também exercia um papel de relevância dentro dos debates que surgiram em torno da representação das artes visuais latino-americanas. Um papel que o identificamos relacionado, em parte, à influência da corrente multicultural na criação de classificações homogêneas e fechadas das artes das diversas regiões, como arte latino-americana, arte africana, arte asiática, que ocasionaram um afastamento entre sua exibição e a exibição das produções centrais do circuito internacional. Desta forma apresenta-se o problema abordado na nossa pesquisa que identificamos ! 12

! como o encontro entre o multiculturalismo e o debate sobre a “arte latino-americana”; encontro que incentivou a discussão da crítica, teoria e produção artística sobre a representação, identificação e difusão das artes visuais da região durante o período do boom, 1980-1990. Um problema de pesquisa que chamou a nossa atenção por provocar diversos questionamentos ainda pouco investigados. Das várias perguntas surgidas a partir desse problema de pesquisa a mais relevante como ponto de partida foi: Como intervém o multiculturalismo no debate desenvolvido pela crítica, teoria e produção artística da região em torno da “arte latino-americana” e seu discurso? Sendo importante assinalar dentro dessa pergunta e, consequentemente, dentro do corpo da pesquisa a categoria “arte latino-americana” entre aspas (“”) por ser um conceito questionado dentro do debate pesquisado, portanto, uma categoria que abrange diversas acepções por estar, até hoje, em constante construção. De forma que nosso interesse pela utilização das aspas (“”) está ligado à ideia da continuidade desse questionamento e dessa construção como uma categoria dinâmica, ampla e aberta. Como pesquisadores interessados nesse tema e nos questionamentos que provoca propomos como objetivo geral deste trabalho de dissertação: Analisar o debate instigado pelo multiculturalismo em torno da “arte latino-americana” na crítica e na produção das artes visuais da região. Abordagem que coloca como eixo de estudo o discurso da “arte latino- americana” apresentado nas exposições promovidas pelo multiculturalismo, conhecidas como o boom da arte latino-americana, realizadas durante as décadas dos anos oitenta e noventa. Um estudo que se concentra na pesquisa bibliográfica e na leitura e análise do material selecionado. Para desenvolver a proposta desta dissertação propomo-nos os seguintes objetivos específicos e estratégias metodológicas para cumpri-los; 1. Compreender o surgimento e os aspectos gerais do fenômeno do multiculturalismo no campo das artes visuais. Começamos com o estudo do multiculturalismo e o contexto no qual surge para entender o seu fundamento e a sua importância, assim como os fatores que propiciaram o vínculo entre o multicultural e a prática artística. Este estudo nos permite compreender o surgimento das exposições multiculturalistas e a sua relevância no circuito internacional. 2. Identificar os principais debates sobre o conceito de “arte latino-americana” e seus consensos. Dedicamo-nos a estudar o conceito de “arte latino-americana” enfocando-nos em identificar seus possíveis discursos analisando os elementos tanto teórico-conceituais como

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! formais e estéticos. Entre as referências analisadas destacamos Dos décadas vulnerables en las artes plásticas latinoamericanas, 1950-1970, da crítica de arte Marta Traba. América Latina en sus artes, publicação organizada por Damián Bayón. Visión del Arte Latinoamericano en la década de 1980, uma compilação de vários artigos publicada com a colaboração do Centro Wifredo Lam. 3. Estudar as exposições multiculturais sobre a arte de América Latina durante a década de 1980 e 1990. Analisamos as características principais que apresentaram as exposições multiculturais do boom a partir do estudo de vários artigos sobre o tema. Para aprofundar nossa abordagem sobre as propostas curatoriais dessas exposições escolhemos quatro delas, que são analisadas a partir dos catálogos de exposição, documentos dos museus e artigos acadêmicos. Sua escolha foi determinada pela relevância que tiveram essas exibições para o debate da “arte latino-americana” a partir das características que apresentaram suas propostas curatoriais. As exposições abordadas são: Art of the Fantastic: Latin America 1920- 1987 inaugurada no Indianápolis Museum of Art, em 1987, comissionada por Holliday T. Day e Hollister Sturges; Latin American Artists of the Twentieth Century inaugurada na Plaza de Armas de Sevilla em Espanha, em 1992, comissionada por Waldo Rasmussen; Ante América, inaugurada na Biblioteca Luis Ángel Arango, em Bogotá em 1992, comissionada por Gerardo Mosquera, Carolina Ponce e Rachel Weiss; Cartographies, inaugurada na Winnipeg Art Gallery, no Canadá em 1993, comissionada por Ivo Mesquita. 4. Abordar o debate em torno da “arte latino-americana” presente nas exposições multiculturais. A partir da análise dos catálogos, artigos e outros documentos sobre as exposições se pretende desenvolver uma abordagem sobre as perspectivas em que se trata a “arte latino-americana” e quais são os aspectos críticos que propõem um tipo de rompimento ou transformação de seu discurso. 5. Caracterizar os elementos de rompimento entre os discursos do debate sobre a “arte latino-americana” nas artes visuais da região. Para a realização deste objetivo são analisadas três obras de arte a partir das imagens e textos dos catálogos e artigos. Sua escolha foi determinada por dois aspectos: sua participação dentro das exposições acima mencionadas, portanto, a possibilidade da sua análise em relação às propostas curatoriais; e pelas características formais e conceituais que apresenta cada obra que contribui com o estudo do debate. A análise proposta para cada obra está constituída por três pontos fundamentais: o primeiro é a análise dos aspectos formais da obra e a sua poética visual; o segundo trata sobre o lugar da obra dentro da proposta curatorial da exposição, ou seja, a forma com a qual se

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! relaciona a obra com a exposição; o último ponto está dirigido à análise das obras escolhidas em relação ao debate sobre o discurso e a representação da “arte latino-americana”. As obras analisadas são: O altar [El altar], da artista colombiana Beatriz González, obra que formou parte da exposição Ante América, de 1992; Nascida do Nilo [Nacida del Nilo], da artista cubana Ana Mendieta, obra que formou parte da exposição Latin American Artist of the Twentieth Century, de 1987; O que você quiser, o que você desejar, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, do artista brasileiro José Leonilson, obra que formou parte da exposição Cartographies, de 1993. A principal motivação da realização desta pesquisa nasceu do interesse por estudar a corrente pós-moderna nas artes visuais da América Latina. Este interesse nos dirigiu a abordar a questão do multiculturalismo como um fenômeno de caráter pós-moderno (FOLLARI, 2010; KOSHERBAYEV et al., 2016; ŽIŽEK, 1998) que teve um papel importante no debate sobre o lugar da produção artística das regiões fora do eixo euro-norte-americano dentro da história da arte universal (MOSQUERA, 2010; RAMIREZ, 1996).

Figura 1 – Capa da Revista Time, v. 185, n. 17, maio 11, 2015. Fotografia de Devin Allen. Fonte: http://time.com/magazine/us/3841445/may-11th-2015-vol-185-no-17-u-s/!

Nesse sentido, consideramos que a abordagem do multiculturalismo em relação às artes visuais da América Latina, e outras regiões, continua sendo de relevância no estudo e na análise da difusão e recepção da produção artística. O multiculturalismo surgiu na década dos ! 15

! anos setenta para combater problemas como a discriminação, o racismo e a segregação. Hoje, na atualidade, esses problemas continuam presentes, alimentados pelas bandeiras do fascismo e nacionalismo que ainda agitam-se na nossa sociedade. A revista Time com sua capa da edição em maio 11/2015 fomenta essa reflexão sobre os tempos que vivemos (Figura 1). Nosso interesse com a realização desta pesquisa é fornecer uma análise sobre a influência e o papel que teve o multiculturalismo no campo das artes da América Latina, especificamente, no debate em torno da “arte latino-americana”. Uma análise a qual esperamos que seja uma contribuição para a reflexão desse tema e um aporte para futuras pesquisas que o abordem, acreditando que o estudo e a análise do passado sempre abre caminhos para entender o presente. A partir dos aspectos que caracterizam esta abordagem como: as particularidades do tema escolhido, o recorte temporal, a bibliografia selecionada, os dados coletados e as análises propostas, foi desenvolvida a seguinte estrutura de capítulos.

Capítulo 1. Uma introdução ao multiculturalismo: este capítulo tem por objetivo expor os aspectos mais relevantes do fenômeno do multiculturalismo e da sua presença e relevância dentro do campo das artes visuais das metrópoles e do circuito internacional. Abordagem apresentada em duas partes. • Multiculturalismo; contexto histórico-social: nesta primeira parte apresentamos uma breve abordagem sobre o contexto histórico-social em que surge o multiculturalismo. Análise que enriquecemos com os aspectos mais importantes que caracterizaram seu emprego durante este período. • O multicultural nas artes visuais: nesta segunda parte discutimos o surgimento da corrente multicultural no campo das artes visuais. Também abordamos a relevância do multiculturalismo nos eventos e exposições que foram organizados no circuito internacional das artes.

Capítulo 2. “Sobre o conceito de arte latino-americana”: este capítulo tem como objetivo identificar e caracterizar a principais perspectivas críticas sobre o conceito de “arte latino-americana” e o debate em torno a seu uso, significado e valor como categoria estética promovido principalmente na segunda metade do século XX por críticos, teóricos e artistas, entre os quais, destacamos o papel de Marta Traba. • Possíveis discursos: nesta parte assinalamos quatro discursos de relevância para

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compreender o desenvolvimento do debate sobre a “arte latino-americana”, principalmente a partir da década de 1970.

Capítulo 3. Diversos olhares sobre a arte da América Latina: este capítulo aborda o desenvolvimento do debate sobre a “arte latino-americana” nas exposições multiculturais e o campo da crítica durante as décadas de 1980-1990. • O olhar multicultural do boom: Nesta primeira parte abordamos a importância do multiculturalismo no chamado boom da arte latino-americana. Analisamos os aspectos principais que caracterizaram a promoção e difusão das artes visuais da região através das exposições, aprofundando nossa análise em quatro delas. • O olhar crítico sobre a “arte latino-americana”: nesta segunda parte apresentamos uma análise sobre alguns dos principais aspectos discutidos pela crítica sobre as exposições abordadas e que repercutiram no sentido mais amplo das discussões do período como parte do debate sobre a arte latino-americana.

Capítulo 4. Três obras de três artistas latino-americanos: neste capítulo desenvolvemos uma análise sobre três obras que formaram parte das exposições investigadas. O enfoque central da análise é abordar as particularidades que apresentam as obras em relação às propostas curatoriais das exposições e ao debate em torno da “arte latino-americana” e seus possíveis discursos. As obras abordadas são; • O altar [El altar], 1990, da artista colombiana Beatriz González. • Nascida do Nilo [Nacida del Nilo], 1984, da artista cubana Ana Mendieta. • O que você quiser, o que você desejar, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, 1991, do artista brasileiro José Leonilson.

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1. UMA INTRODUÇÃO AO MULTICULTURALISMO

! Estamos juntos desde muy lejos, jóvenes, viejos, negros y blancos, todo mezclado; uno mandando y otro mandado, todo mezclado; San Berenito y otro mandado, todo mezclado; negros y blancos desde muy lejos, todo mezclado; (Nicolás Guillén, 1947)2

1.1. MULTICULTURALISMO; CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL

Durante a década dos anos oitenta, o termo multiculturalismo ganhou grande relevância e difusão dentro dos principais debates no campo acadêmico internacional, assim como no campo social e político. Sua inclusão em diversas questões relacionadas às políticas governamentais, aos movimentos sociais e culturais, à abordagem teórica de categorias como cultura e identidade, às expressões e processos na dinâmica das artes e aos fenômenos como a imigração e o racismo, fez com que este termo acolhesse um caráter complexo e polissêmico. Segundo vários autores, este termo surge e começa a ser utilizado no âmbito das políticas governamentais, sendo o Canadá, no final dos anos sessenta, o primeiro país que emprega na sua política o multiculturalismo (KOSHERBAYEV et al., 2016, p. 148). Para outros países, principalmente os Estados Unidos e as potências europeias que enfrentavam graves problemáticas na política de integração social, o multiculturalismo se apresentou como um potencial projeto político que fornecia uma visão global das relações sociais sendo, nesse caso, uma alternativa viável para promover a diversidade cultural a partir de políticas de conservação dos rasgos culturais diferenciais e das identidades das minorias. Isto marcou o início de seu uso na prática política dos países metropolitanos que fomentou a transformação dos Estados-Nação, de monouniculturais a multiculturais3. A prática multiculturalista implicou uma contraposição entre a perspectiva política

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2 Trecho extraído do Poema Son número 6. Publicado no livro El son entero, Editora Pleamar, 1947. Tradução nossa: “Estamos juntos há muito tempo, jovens, velhos, negros e brancos, tudo misturado; um dominando e o outro dominado, tudo misturado; São Berenito e o outro dominado, tudo misturado; negros e brancos há muito tempo, tudo misturado; [...]” 3 Sobre este aspecto, Velasco expõe a contraposição entre a perspectiva multicultural, que promove a conservação dos rasgos culturais diferenciais e as identidades das minorias, e os processos de assimilação e integração empregados nos modelos de monoculturalismo e pluriculturalismo (2000, p. 151).!

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! tradicional, em defesa da homogeneidade que, usualmente, promoveu a superioridade e universalidade da cultura ocidental como resguardo da ordem e do progresso, e a perspectiva política progressista, que incorporou a crítica pós-moderna e pós-colonial que se pronuncia contra a lógica de domínio e exploração das Outras culturas, assim como salienta o respeito por suas epistemologias. “O multiculturalismo tornou-se pensamento politicamente correto, perfeitamente adaptado às condições do mundo pós-moderno no qual surgiu”4 (FOLLARI, 2010, p. 58, grifo do autor, tradução nossa). Diversos fatores histórico-sociais forneceram a aparição e a prática do multiculturalismo nas políticas dos Estados-Nação como; a transição do capital monopólico para o capital global que intensificou o fenômeno da globalização; uma maior mobilização de grupos de pessoas entre os países; o ambiente cultural pós-moderno; as lutas dos diversos movimentos sociais e culturais; a importância que ganhou a abordagem e o estudo da cultura; entre outros. Em resumo, o caráter de uma época, marcada tanto pela crítica e a luta social como pelas mudanças no sistema político-econômico mundial, caracterizou a aparição do multicultural. Destarte, o multiculturalismo converteu-se em “[...] um fenômeno particular da vida social que fomenta a coexistência pacífica de diferentes culturas e grupos étnicos dentro de uma mesma sociedade. Tornou-se uma experiência contemporânea inevitável, uma vez que se mostra na vida cultural e política”5 (KOSHERBAYEV et al., 2016, p. 147, tradução nossa). A multiculturalidade dos espaços sociais, que tinha sido constantemente negada e aplacada por políticas homogeneizadoras, passou a ser reconhecida, valorada e até desejada como parte dessa transformação global da sociedade. O político, como podemos observar, é um aspecto fundamental quando se fala sobre o multiculturalismo, termo que assume através do político várias acepções. Como é o caso da política multicultural dos Estados-nação, a qual, como já comentamos, promoveu a diversidade cultural e a conservação e difusão da identidade das minorias através da criação de políticas e leis que trataram vários fatores, como o direito civil e a liberdade de expressão cultural e religiosa. A implementação dessas políticas incluíram a gestão de espaços e eventos voltados à cultura e à arte dos grupos minoritários e dos povos de outros países. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 4 Do original: El multiculturalismo se volvió pensamiento políticamente correcto, perfectamente adaptado a las condiciones del mundo posmoderno en el cual surgió. 5!Do original: […] is a particular phenomenon of social life encouraging the peaceful coexistence of different cultures and ethnic groups within a single society. It has become an inescapable contemporary experience, since it is reflected both in cultural and political life. !

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A transformação multicultural dos Estados-Nação e a criação de diversas políticas de caráter multiculturalista surgiram em grande parte da necessidade de combater a discriminação e a segregação que há décadas os grupos minoritários suportavam. As lutas e os movimentos sociais e culturais que desenvolveram as minorias para lidar com os problemas e conquistar direitos podem considerar-se, além de um antecedente, uma base do surgimento do multiculturalismo e outra vertente do seu aspecto político, que é o movimento multiculturalista. Foi a partir dos anos sessenta, com a luta dos diversos movimentos sociais ao redor do mundo, que o questionamento sobre a diversidade cultural e as identidades coletivas ganhou relevância. Por exemplo, segundo Bloch (1994, p. 62), a militância dos movimentos afro- americanos, na conquista de seus direitos cíveis e sua luta contra a segregação e o racismo, abriu uma nova era para pensar as relações intergrupais questionando o pluralismo que mantinha a noção de uma uniforme cultura hegemônica de identidade política que legitimava a segregação das minorias nos Estados Unidos. No início dos anos setenta, a militância das minorias cresceu no âmbito internacional. Surgiram movimentos em defesa dos direitos da mulher, do Grupo LGTB (protagonizado inicialmente pelo Movimento Gay) e dos indígenas e imigrantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, os movimentos dos anos setenta se caracterizaram por ter um enfoque essencialmente político. Para a década dos anos oitenta, sua luta se tornou cultural gerando uma politização da cultura.

[...] As minorias abandonavam cada vez mais a esperança de que o enfoque político do sistema pluralista melhoraria suas comunidades e começaram a inclinar-se para uma luta cultural. Estas minorias tenderam a enfatizar culturalmente sua identidade, afirmando que a essência da identidade étnica eram as diferenças culturais, embora dependeram da raça, gênero ou sexualidade.6 (BLOCH, 1994, p. 64, tradução nossa)

A luta do movimento multicultural consolidou-se através da aliança das minorias. As noções de raça, etnia, gênero e orientação sexual se tornaram eixos que giram em torno de um elemento unificador, a diferença. A importância do realce cultural da identidade, e os elementos que evidenciam seu caráter distintivo e diferencial, não só se valeu de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 6!Do original: […] las minorías abandonaban cada vez más la esperanza de que el enfoque político del sistema pluralista mejoraría sus comunidades y empezaron a inclinarse hacia una lucha cultural. Estas minorías tendieron a enfatizar culturalmente su identidad, afirmando que la esencia de la identidad étnica eran las diferencias culturales, ya sea que éstas dependieran de raza, género o sexualidad.

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! características culturais, mas sim da conformação de uma estética atravessada pela produção artística. De forma que músicos, atores, dançarinos e artistas visuais foram uma parte essencial da representação e dinâmica desses movimentos, sendo, por sua vez, militantes e promotores da luta multiculturalista dentro de seu próprio campo de atuação7. Os multiculturalistas questionaram os cânones ocidentais-brancos-masculinos- heterossexuais a partir dos quais a cultura e a identidade dos grupos minoritários e dos povos de diversas regiões tinham sido distorcidas, mal interpretadas ou totalmente ignoradas da corrente principal dominante. Para contrastar esta situação, o multiculturalismo, como luta social e como projeto político, fomentou o estudo da ampla variedade de culturas e suas particularidades para revelar sua legitimidade e sua contribuição à sociedade. Este tipo de iniciativas forneceram a realização de um diálogo intercultural como forma de resistência à globalização uniformizadora (VELASCO, 2000, p. 151). Neste ponto, destaca-se a importância do multiculturalismo como categoria teórico- filosófica. Seu principal antecedente teórico remite à relevância que tomou a abordagem da cultura nos estudos de vários intelectuais a partir dos anos vinte, principalmente a Escola de Frankfurt, e à fundação, em 1956, dos Estudos Culturais como campo de investigação, a cargo de Raymond Williams, William Hoggart, Edward Thompson e Stuart Hall. A partir dos Estudos Culturais e o surgimento de correntes como a teoria pós- colonial, com representantes como Edward Said, Homi Bhabha e Gayatri Spivak, o termo multiculturalismo ganhou um espaço no campo teórico-filosófico. Assim, o multicultural se relaciona com categorias como alteridade, outro e différence, o que destaca a importância que tem para o pós-colonial e o multicultural a teoria do pós-estruturalismo francês e a postura pós-moderna8 que promove a multiplicidade, a pluralidade, a antitotalidade e o antielitismo, sendo neste particular, a recuperação da individualidade e visibilidade da história dos vencidos sua maior contribuição9. O interesse teórico, acadêmico e político por questões como o conflito das identidades

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 7 Na seguinte parte deste capítulo discutimos mais amplamente esse aspecto. 8 “[...] os pós-modernistas desenvolveram o conceito de “diferença”, “o outro”, ou “a alteridade”, que expressam a ideia da existência de distinções na criação e interpretação das culturas. Os pós-modernistas construíram identidades que definem “os outros”, ou seja, as minorias, baseadas nas diferenças de cor, raça, gênero e sexualidade” (BLOCH, 1994, p. 68, grifo do autor, tradução nossa). Do original: [...] los postmodernistas desarrollaron el concepto de “diferencias”, “el otro” o “la otredad”, que expresan la idea de la existencia de distinciones al crear e interpretar culturas. Los postmodernistas construyeron identidades que definen a “los otros”, es decir las minorías, basadas en diferencias de color, raza, género e sexualidad. 9 O multiculturalismo em relação aos estudos culturais e as teorias pós-colonial e pós-estruturalista merece uma abordagem mais ampla que vai além do propósito de nossa análise. Estudios Culturales: Reflexiones sobre el multiculturalismo, da autoria de Fredric Jameson e Salvoj Žižek, é uma referência valiosa sobre o tema.

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! coletivas e o multiculturalismo fomentou o investimento das mais importantes universidades, especialmente estadunidenses, na fundação de espaços de investigação e de estudo enfocados nas particularidades de diversos grupos sociais e culturais. Desta forma, a partir do final dos anos sessenta, surgiram correntes como os estudos latino-americanos, africanos, de gênero, chicanos, etc.. Esses espaços propiciaram o surgimento e a consolidação de teorias como a pós-colonial, nos anos oitenta, e a decolonial, no final dos anos noventa. O multiculturalismo formou parte das diversas discussões, como podemos observar, precisamente por sua profunda relação com as mudanças e dinâmicas presentes na sociedade daquela época em que a cultura e a identidade alcançaram grande relevância. As artes também ganharam um lugar importante no âmbito do multicultural, o qual se mostrou como uma experiência que tinha fusionado a luta política e a vida cultural. A expressão da identidade como forma de resistência e distinção valeu-se não só dos aspectos corporais, como a gestualidade e a língua, ou de outros elementos como a roupa e os acessórios, a produção artística se converteu em um aspecto fundamental da representação e identificação das pessoas. Todos esses aspectos formaram um tipo de estética que funcionou como fator de diferenciação. Portanto, a defesa da diversidade cultural também significou a defesa das diversas manifestações artísticas e estéticas que tinham sido subjugadas pelos cânones ocidentais-brancos-masculinos-heterossexuais. Além de enfrentar esses cânones, a defesa da diversidade cultural e artística também teve que enfrentar a condição paradoxal em que a indústria cultural e o mercado colocou a arte e a cultura sob a perspectiva multicultural.

[...] Um mercado da arte que atua segundo o poder do “culto da audiência”, cujo apetite pela arte do Outro define a produção da “arte ocidental” e da cultura. Os artistas migrantes são então caracterizados por uma “personalidade mágica”, uma autenticidade que está aderida ao corpo do Outro, da qual, espera-se que forneça um produto cultural autêntico, cujo valor de mercantilização reside na sua proximidade do exótico.10 (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 51, grifo das autoras, tradução nossa)

A promessa da diversidade sob a indústria cultural e o mercado voltou-se ambígua e paradoxal. O multicultural no mercado se transformou em uma etiqueta dos objetos artísticos !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 10!Do original: […] an art market operating on the power of the “cult of the audience”, whose appetite for art from the Other defines the production of “Western art” and culture. Migrant artists then are ascribed a “magic of personality”, an authenticity which sticks to the body of the Other, who is expected to provide an authentic cultural product, whose commodification value lies in its proximity to the exotic. !

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! e culturais que tinham sido absorvidos e convertidos em mercadorias. Por exemplo, a música foi uma das mercadorias multiculturais favoritas da cultura de massas, que era acompanhada pela estética do design das capas dos discos e dos cartazes assim como pelas imagens dos videoclipes que apresentavam aqueles elementos distintivos e exóticos que o público do mercado ocidental gostava tanto. A representação do multicultural foi, frequentemente, reduzida a uma cena constituída por pessoas de diversas etnias, imagem que se converteu em um tipo de estética do multicultural. A publicidade da Benetton é um exemplo importante da visualidade do multiculturalismo durante os anos noventa que, além de renovar a estratégia publicitária do mercado, converteu-se em um referente simbólico do multicultural na vida social. A Benetton conseguiu dar ao multiculturalismo uma imagem que conquistou o grande público mediante a união do conceito da multiculturalidade e do uso impecável da estética da imagem (Figura 2). Além do polêmico sucesso atingido, a publicidade da Benetton foi também objeto de análises críticas em torno do multiculturalismo e da ideologia neoliberal do mercado (FOLLARI, 2010, p. 59).

Figura 2 – Publicidade da Benetton, 1989. Fotografia de Oliviero Toscani. Fonte: http://www.eltiempo.com/multimedia/fotos/curiosidades4/campanas-publicitarias-polemicas-de- benetton/15759935!

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Assim, os anos noventa que vivem nas nossas lembranças estão atravessados por singulares referentes do multicultural como: pela publicidade das crianças felizes e multiétnicas da Benetton; pelas canções e os videoclipes de Michael Jackson como Black or White e They don’t care about us; pela conquista plurilinguística e multirracial da MTV que – por anos esteve voltada à cultura branca-ocidental11 – passou a difundir as músicas populares entre as minorias das metrópoles e as regiões periféricas; pelas crianças que brincavam com a Teresa, a Belinda e a Miko as novas amigas da Barbie; enfim, se aprofundarmos ainda mais nas nossas lembranças perceberemos o paradoxo entre a irrupção no nosso cotidiano desse Outro que imaginamos diferente de nós – distante e exótico – e a revelação de ser nós mesmos esse Outro exibido na televisão, na rádio e nas revistas. Por um lado, a promoção da diversidade cultural possibilitou uma certa representatividade para que todos aqueles Outros – ignorados, explorados, segregados – pudessem identificarem-se como parte da cultura de massas, mas, pelo outro, os estereótipos sobre esses elementos representativos mostraram seu veneno revelando que as lutas das minorias e dos povos explorados vai além da obtenção de reconhecimento e respeito na sociedade; é uma luta que abrange a crítica sobre a forma em que opera a promoção da diversidade cultural no multiculturalismo e os perigos que este pode trazer consigo. A postura crítica sobre o multiculturalismo assinala que o principal problema a enfrentar não está na defesa da diversidade cultural, mas sim na evidente discriminação racial, o que abrange outros aspectos como a imigração e a identidade (KOSHERBAYEV et al., 2016, p. 149). Aspectos que tem a ver principalmente com os Outros, não europeus - não ocidentais, subjugados a uma lógica de dominação. Por outro lado, a política multicultural centrada na defesa do direito à diferença tem o risco de que sob a noção de igualdade na diferenciação se perpetue ou reinstaure a antiga desigualdade que anteriormente tem prejudicado às minorias precisamente por serem diferentes. Para o filósofo Slavoj Žižek, o multiculturalismo na era do capitalismo global manifesta-se como sua forma ideal de ideologia que perpetua a distância eurocêntrica diante da especificidade do Outro instigando o sentimento de superioridade. Assim, “[…] o multiculturalismo é uma forma de racismo negada, invertida, auto-referencial, um “racismo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 11 Os executivos da programação da MTV inicialmente se reusaram a transmitir os videoclipes de artistas afro- americanos. Decisão que, segundo Chin (1992, p. 4), não correspondia a uma demanda social ou governamental, senão a uma perspectiva particular que logo virou ridícula com o sucesso de Michael Jackson que a aplacou.

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! com distância”: “respeita” a identidade do Outro, entendendo-o como uma comunidade “autêntica” fechada, face à qual ele, o multiculturalista, mantém uma distância que se faz possível graças a sua posição universal privilegiada”12 (ŽIŽEK, 1998, p. 172, tradução nossa, grifo do autor). Por outro lado, a atitude liberal, oposta à defesa da diferenciação, pressupõe a superação das limitações dos sujeitos em relação a sua identidade étnica, por meio da conversão em “cidadão do mundo”, termina funcionando como um estreito círculo elitista oposto à grande maioria que é desprezada por ficar presa à sua comunidade ou etnia. Segundo Žižek, esta atitude liberal é dirigida pelo gesto da neutralidade que limita a tomada de posição, sem a qual não se pode ser efetivamente universal (1998, p. 185).

1.2. O MULTICULTURAL NAS ARTES VISUAIS

A corrente multiculturalista nas artes visuais surge na década dos anos oitenta como parte da crítica pós-moderna e pós-colonial dos chamados grandes relatos13, os quais têm seus fundamentos na história ocidental e europeia. A crítica multicultural à história, teoria e produção das artes centrou-se na noção universal que professava a história da arte desde o Renascimento, a qual mantinha-se determinada pela cultura europeia funcionando como o grande relato das artes visuais. Posição que provocou que a história, cultura e arte das demais regiões fossem excluídas do pensamento universal, sendo o pensamento ocidental-europeu que dominou o mundo das artes (WANNER, 2010, p. 186).

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 12 Da tradução em espanhol: [...] el multiculturalismo es una forma de racismo negada, invertida, autorreferencial, un “racismo con distancia”: “respeta” la identidad del Otro, concibiendo a éste como una comunidad “auténtica” cerrada, hacia la cual él, el multiculturalista, mantiene una distancia que se hace posible gracias a su posición universal privilegiada. 13 A tese do fim dos grandes relatos é proposta por Jean François Lyotard no livro A condição pós-moderna, publicado em 1979. Os grandes relatos são discursos legitimadores de certas verdades que tem fundamentado as cosmovisões do mundo ocidental, um exemplo é o marxismo. O questionamento sobre uma única verdade, fundamentado na pluralidade de verdades baseadas em apreciações subjetivas, é uma das principais argumentações do fim dos grandes relatos. Esta tese é considerada um dos pressupostos teóricos mais importantes da teoria pós-moderna. Conceitos do pensamento moderno como razão, sujeito, totalidade, verdade e progresso são questionados nesta tese, sendo o pós-moderno a incredulidade perante as pretensões universalizantes da ciência moderna.

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No seu processo de desmascaramento da razão, assim como na sua obsessão epistemológica pelas fraturas e os fragmentos socioculturais, a pós- modernidade adquiriu consciência de assistir a um desenvolvimento da perda da soberania e do monopólio cultural ocidental em favor do reconhecimento de uma pluralidade linguística e de uma multiplicidade cultural [...].14 (GUASCH, 2000, p. 558, tradução nossa)

Durante séculos, a inclusão das outras culturas no monopólio cultural ocidental foi muito controlada, percebida mais pelas estórias dos viajantes que percorriam as terras distantes. As paisagens, os povos e as costumes dessas outras terras se consideraram algo exótico, termo que com o tempo foi utilizado com mais frequência para referir-se às culturas não ocidentais – ou simplesmente os Outros – fornecendo uma concepção eurocêntrica do mundo. Neste sentido, como assinalam os pesquisadores Robert Stam e Ella Shohat, o eurocentrismo coloca o continente europeu como o principal ponto de referencia da produção dos significados culturais, negando assim, a apropriação da produção material e cultural dos povos não europeus (2002 apud FLORES, 2012, p. 2). De forma que a crítica multiculturalista posiciona-se contra o eurocentrismo (WANNER, 2010, p. 187) promovendo a reivindicação dos diversos saberes e opondo-se às ideias que foram deixadas pelo colonialismo que marcaram a percepção da produção artística das outras culturas. Segundo Guasch, o processo do multiculturalismo afeitou o campo da criação artística na media em que foi necessário reposicionar a arte das culturas colonizadas, das minorias emergentes, das áreas periféricas e das áreas totalmente afastadas até aquele momento do sistema ocidental. De forma que o reconhecimento da existência desse Outro e da sua capacidade transgressora fora efetivo. Este processo, Guasch afirma, não implicou na renúncia às diferenças desses “artistas outros”, senão a aceitação e reivindicação dessas diferenças no mainstream ocidental, sendo a desconstrução do centralismo moderno (2000, p. 558). O reposicionamento e reconhecimento da arte e da cultura dos povos fora do eixo euro-americano foi considerado como um dos principais focos da crítica multicultural e pós- moderna no campo das artes. Esta perspectiva crítica adquiriu força através da participação de artistas, críticos e curadores no movimento multicultural e seus diversos eixos; raça, etnia,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 14 Do original: En su proceso de desenmascaramiento de la razón, así como en su obsesión epistemológica por las fracturas y los fragmentos socioculturales, la posmodernidad tomó conciencia de asistir a un desarrollo de pérdida de la soberanía y del monopolio cultural occidentales en favor del reconociendo de una pluralidad lingüística y de una multiplicidad cultural […].

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! gênero e orientação sexual. Outro ponto importante que permitiu a consolidação do multiculturalismo no circuito artístico, principalmente o internacional dirigido pelas metrópoles culturais, foram as políticas governamentais dos países integrantes do eixo euro- norte-americano e o capital global que se atribuíram o título de grandes gestores e promotores culturais (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 57). A promoção de uma arte multicultural, uma arte constituída pela diversidade de perspectivas, processos e atores, converteu-se na possibilidade de gerar uma mudança significativa no âmbito fechado e dogmático da arte nos circuitos internacionais. Na década de 1980, a luta foi gerando pequenas vitórias no reconhecimento da diversidade das práticas artísticas. No entanto, a participação dos trabalhos dos artistas oriundos de minorias étnicas e imigrantes ou das regiões periféricas, em exposições e eventos organizadas pelas metrópoles, continuava sendo paradoxal pela utilização de noções como exótico, primitivo, fantástico e mágico que estigmatizavam, estereotipavam e homogeneizavam as propostas artísticas. Esta condição fazia impossível a geração de espaços reais de diálogo entre essas produções e as produções dos artistas dos circuitos internacionais. Estes tipos de aspectos paradoxais do multicultural permitiram que os artistas padecessem diversas vicissitudes, por exemplo; ser considerados artistas de menor categoria; expor as obras em espaços diferenciados; estar condicionados a trabalhar somente a questão multicultural; ser valorizados mediante estereótipos; ser aceitos como artistas, mas segregados como pessoas; converter-se em um requerimento como vaga de mulher-negro-imigrante-gay dentro de uma exposição. Um caso que exemplifica este tipo de vicissitude durante os primórdios do multiculturalismo, é o caso do artista, sul-coreano nacionalizado estadunidense, Nam June Paik (1932-2006). Paik é conhecido como um dos pioneiros da vídeo arte junto ao artista alemão Wolf Vostell (1932-1998). Na exposição Music and Electronic T.V, na galeria Parnasse Wuppertal em 1963, apresentou sua primeira vídeo-escultura composta por três pianos, treze televisores, vários relógios e diferentes objetos sonoros que provocavam uma diversidade de sons modificando a experiência habitual que proporciona cada elemento por separado. A partir deste tipo de trabalho e a experimentação nos anos seguintes com a primeira câmara de vídeo portável da Sony, Paik ganhou relevância como artista e sua obra passou a ser reconhecida no circuito internacional. A obra de Paik marcou tanto os processos criativos como a reflexão teórica sobre as artes visuais com propostas que desafiavam ainda mais as fronteiras das técnicas e as

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! linguagens visuais como; a aliança poética entre a performance e a videoinstalação que apresentou com a violoncelista Charlotte Mormam em Concerto for TV, Cello, and Videotapes, 1971 (Figura 3); e a importância de obras como TV Buddha para o estudo sobre a arte, a imagem e as novas linguagens vinculadas à tecnologia que começaram a ser utilizadas durante aquela época15. Apesar do reconhecimento do trabalho de Paik e a sua participação junto a outros artistas igualmente importantes, o tratamento que este artista recebeu nos Estados Unidos, país onde morava, não foi o mesmo que ganharam seus colegas por ser um artista de origem asiática (CHIN, 1992, p. 11). A partir desse aspecto podemos observar que o trabalho de Paik não só confrontou a prática tradicional das artes com a criação de alternativas que transformaram a experiência com a obra de arte, mas sim com seu destaque como artista não euro-norte-americano.

Figura 3 – Nam June Paik e Charlotte Mormam. Concerto for TV, Cello, and Videotapes, 1971. Performance e videoinstalação. Fonte: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/originals/45/5b/7b/455b7b29a72b4206c2d4706013e694e2.jpg!

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 15 Por exemplo, o estudo de Hans Belting intitulado Por uma antropologia da imagem é muito interessante para o estudo de algumas obras de Paik e seu emprego da imagem. O estudo pode ser acessado na revista Concinnitas, v. 1, n. 1, p. 64-78, 2005.

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A importância e destaque do trabalho e papel como artista de Paik colocou-o entre duas faces: o artista universal e o artista Asiático-Americano (Asian-American), que na perspectiva de Daryl Chin, esta fissura mostra o conflito do multiculturalismo como categoria estética e política (1992, p. 9). Nesse sentido, sob a etiqueta de artista Asiático-Americano, Paik contribuiu com várias organizações que pretendiam dar visibilidade e legitimidade aos trabalhos de artistas Asiático-Americanos. O absurdo desta relação é o fato de que nas publicações dessas organizações o trabalho de Nam June Paik fosse excluído16 sob pretextos como: que seu trabalho tinha um reconhecimento maior do que os outros artistas ou que este não fazia referência a aspectos como a identidade ou a representatividade do Asiático- Americano. De acordo com Chin, o trabalho de Paik mostra diversas alusões à sua experiência “intercultural” em torno de sua origem sul-coreana, sua longa estada no Japão e sua cidadania como estadunidense, no entanto, parece que este tipo de tratamento não encaixa na categoria de arte asiática-americana, a qual tinha uma predisposição a abordar o tema da imigração e a sua condição de exploração e marginalidade (CHIN, 1992, p. 10). Na face de artista universal, o trabalho de Paik ganhou um espaço de respeito e reconhecimento dentro da História da arte, um espaço que não é nada fácil de atingir, ainda mais, para um artista proveniente da periferia. A contradição dessa face está no fato de que apesar de que Paik fosse reconhecido como um dos fundadores da vídeo-arte, tivera que ir a trabalhar na Alemanha como professor porque as universidades dos Estados Unidos não lhe ofereciam os mesmos benefícios do que a outros artistas da sua mesma categoria. Ao longo da carreira de Paik, a maior discriminação que experimentou foi justamente essa (CHIN, 1992, p. 11); uma experiência que não podia denunciar já que na década dos anos setenta ainda não existiam leis que o apoiassem e protegessem. A inexistência de uma política concreta que punisse esses e outros tipos de ações segregacionistas, discriminatórias e racistas no mundo da arte e na sociedade estadunidense incentivou vários artistas a formar movimentos e grupos de ação, como Guerrilla Art Action Group e Art Workers Coalition, que funcionaram como espaços de apoio e dispositivos de ação e denúncia. Com o multiculturalismo esses tipos de movimentos ganharam mais força no final dos anos setenta e no início dos anos oitenta.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 16 Chin menciona como exemplo a exclusão do trabalho de Paik na publicação intitulada Moving the Image: Asian Pacific Americans in the Media Arts, em 1992, editada pela Visual Comunications em colaboração com o Asian American Studies Center (Centro de Estudos Asiáticos e Americanos) da Universidade da Califórnia.

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A Guerrilla Girls é outro exemplo importante deste tipo de movimento surgido no período e que atualmente continua em funcionamento. Sua proposta inicial concentrou-se em realizar atividades que forneciam informações pontuais sobre a discriminação e o racismo existente nas instituições de arte como museus, galerias e bienais, ação que chamaram de “serviço público de mensagens”, sendo essa parte dos meios para atingir o objetivo do grupo como “a consciência do mundo arte” junto a uma série de táticas que caracterizaram suas intervenções como: ser anônimos, utilizar uma máscara de gorila e realizar ações surpresas (WITHERS, 1988, p. 285).

Figura 4 – Guerrilla Girls, How many women had one-person exibitions at NYC museums last year? [Quantas mulheres tiveram uma exposição individual nos museus da cidade de Nova Iorque no ano atrasado?], 1985-86. Cartaz. Fonte: https://www.guerrillagirls.com/1985-projects/ahg17jnxxsl4jwhlw2bvql6a6yr3rw!

As ações propostas pelas Guerrilla Girls estão dirigidas a combater todo tipo de discriminação, no entanto, desde suas primeiras intervenções com cartazes nos bairros de Soho e East Village, Nova Iorque em 1985, mostraram como enfoque principal a discriminação contra a mulher e sua invisibilidade na História da arte como artista. Para este tipo de ação o grupo preferiu utilizar uma linguagem simples e concreta baseada em dados verificáveis que demonstraram a discriminação contra as minorias e as mulheres (WITHERS,

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1988, p. 288), aspecto que caracterizou seu trabalho. Por exemplo, no trabalho intitulado How many women had one-person exibitions at NYC museums last year? os dados coletados pelo grupo são mostrados de forma direta e magistral. Com uma pergunta convidam ao público a conhecer uma alarmante situação (Figura 4). Estes tipos de movimentos e grupos corresponderam às demandas e mudanças presentes na época mediante a postura multicultural que, como já comentamos, protagonizou tanto as políticas dos Estados-nação como as tendências estéticas da publicidade. O mundo da arte não foi indiferente ante o desejo de ser pós-colonial e pós-migrante, mas para conseguir escapar da problemática da discriminação e o racismo é preciso mais que um desejo já que, como comentam Kiliç e Petzen, está envolvido o mercado global que obtém benefícios da mercantilização do multicultural (2013, p. 51). Nesse sentido, Kiliç e Petzen dão ênfase à noção de “Arte migrante”17 (2013, p. 50), a qual passou a conformar, segundo as autoras, a estratégia das cidades metropolitanas para perfilarem-se como cidades da cultura e da diversidade “cidades do mundo”, interessadas em mostrar os grupos minoritários e étnicos numa perspectiva, podemos dizer, política- publicitária. Com esse panorama, o “artista migrante” que deseja formar parte do ambiente artístico encara a exigência de mostrar-se exótico para ser interessante e poder tanto incorporar-se como permanecer dentro do mainstream. De acordo com as autoras, a recepção do “artista migrante” no circuito artístico dos países centrais como por exemplo, no ambiente artístico alemão, é de contraposição à cultura ocidental, a qual mediante o exotismo e a racialização etiqueta-os com uma personalidade mágica da qual espera-se que surja um autêntico produto cultural que seja absorvido pelo mercado (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 50). Além de enfrentar este tipo de recepção, os artistas e seus trabalhos recebem, usualmente, críticas ambivalentes que, por um lado, reduzem as obras a uma simples alegoria subdesenvolvida desligada da arte “verdadeira” e, por outro, exigem representar as origens e as tradições “mágicas” do lugar de procedência. Assim, “A lógica de um multiculturalismo neoliberal permite estrategicamente a alguns artistas escolhidos entrar no mundo da arte como representantes exitosos, desse modo, dá alívio aos alemães brancos que querem acreditar que o racismo tem sido superado” (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 55, tradução nossa). A principal estratégia utilizada para dar visibilidade e reconhecimento às produções

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 17 Do original “migrant art”.

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! artísticas das minorias e dos artistas das regiões periféricas foi a gestão e promoção cultural apoiada pelo investimento de capital nacional e privado. Assim, a promoção do multiculturalismo nas artes exigiu a organização de exposições em museus e espaços culturais para propiciar a circulação de obras de artistas de outras regiões nas capitais culturais. Segundo a pesquisadora Chin-tao Wu (apud KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 57), o chamado Sul Global converteu-se na temática predileta, a qual atingiu um importante patrocínio das corporações multinacionais em que não só uma grande quantidade de dinheiro é investida, mas também feita, revelando o interesse pela coleção de “capital cultural”. A promoção do pensamento “politicamente correto” se torna fundamental em cidades como Nova Iorque, Paris, Londres, Berlin, Roma, entre outras, que pretendem mostrar sua face multicultural celebrando a mistura e expondo a possibilidade da convivência pacífica na diversidade. Uma estratégia para celebrar o multicultural é precisamente a gestão de eventos e exibições que promovam a multiculturalidade. A perspectiva de realização dessas exposições abre o debate sobre o pós-colonial na arte e traz de volta o velho problema que têm o Ocidente para colecionar e exibir a arte proveniente de outras culturas sob o dilema do moderno e da tradição. Uma das exposições mais emblemáticas realizadas segundo a perspectiva multiculturalista foi Les Magiciens de la Terre, em 1989, no Centro Georges Pompidou, em Paris (WANNER, 2010, p. 187). O projeto da exposição foi elaborado por Jean-Hubert Martin junto a um comitê constituído por Jan Debbaut, Mark Francis e Jean-Louis Maubant. Esta exposição apresentou um encontro não hierarquizado de obras de artistas ocidentais e não ocidentais distinguidos internacionalmente e de artistas de áreas marginais e periféricas pouco conhecidas nos circuitos habituais da arte18. Mais de cem artistas participaram desta exposição, metade proveniente do Ocidente e a outra metade das outras regiões. Apesar de propor um diálogo entre os artistas do centro e da periferia, essa exposição foi julgada pela crítica como uma operação etnocêntrica e hegemônica19 “[...] não conseguiu desprender-se de considerar aos «outros» como primitivos, e na suposta convivência de códigos culturais contrapostos ficou reduzida a uma confrontação estética que pressupôs em !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 18 Alguns dos artistas expositores foram Esther Mahlangu, Rashedd Araeen, Chéri Samba, Cildo Meireles, Horishi Teshigahara, Francesco Clemente, James Lee Byars, Nam June Paik e On Kawara. Ver em Guasch (2000, p. 562). 19 A exposição foi também criticada por caracterizar a “periferia” como mágica e autêntica. No número especial da Revista Third Text. Third World Perspectives on Contemporary Art and Culture (1989) essa crítica e outras perspectivas foram apresentadas.

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! todo momento a superioridade da cultura ocidental sobre as não ocidentais”20 (GUASCH, 2000, p. 563).

Figura 5 – Capa do Catálogo da Exposição Magiciens de la terre, 1989. Fonte: http://www.dw.com/de/die-kunst-der-ganzen-welt/a-16575901

Les Magiciens de la Terre foi também objeto de crítica para outras exposições que foram consideradas como contra-exposições. Esse foi o caso da exposição African Explores. 20th Century African Art organizada por Susan Vogel, no Center for African Art de Nova Iorque. Vogel desenhou a exposição em um tipo de percurso através da arte africana do século XX, sua relação com as economias marginais de produção e representação, assim como suas possíveis interferências e contaminações das vanguardas metropolitanas e do discurso pós- moderno ocidental21. Outras exposições como The Other Story. Afro-Asian Artists in post-war Britain e Art in Latin America: The Modern Era 1920-1980 organizadas pela Hayward Gallery de Londres

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 20 Do original: [...] no pudo desprenderse de considerar a los «otros» como primitivos, y en la que la supuesta convivencia de códigos culturales contrapuestos quedó reducida a una confrontación estética que presupuso en todo momento la superioridad de la cultura occidental sobre las no occidentales. 21!Ver em Guasch (2000, p. 564).!

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! em 1989, The Decade Show. Frameworks of identity in the 1980’s, exposta no Museum of Contemporary Hispanic Art de Nova Iorque em 1990, e Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 realizada no Indianápolis Museum of Art, em 1987, são alguns exemplos dos eventos que proliferaram nas metrópoles em torno da produção artística das outras regiões. Uma parte significativa dessas exposições se caracterizou por ter sido planejada por curadores e teóricos procedentes dos países do eixo euro-norte-americano. Esse aspecto foi criticado amplamente pelos críticos, teóricos e artistas das demais regiões, como Homi Bhabha e Okwui Enwezor22 que incentivaram aos artistas a libertar-se de toda etiqueta de exotismo, primitivismo e, seu sinônimo, naïf. Assim, a proliferação de exposições panorâmicas sobre as artes visuais de outras regiões ganhou relevância graças à corrente multiculturalista. Essas exposições converteram- se numa janela através da qual o grande público das metrópoles conseguia conhecer a arte, a cultura e a história de lugares dos quais sabia pouco ou desconhecia por completo.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 22 Por exemplo, Guasch (2000, p. 561) faz referência ao texto de Bhabha Beyond the Pale: Art in the age of multicultural translation, publicado no catálogo da Bienal de Whitney de 1993, e ao texto de Enwezor Introduction. Travel notes: Living, working and travelling in a restless world, publicado no catálogo da Bienal de Johannesburgo de 1997.

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2. SOBRE O CONCEITO DE “ARTE LATINO-AMERICANA”

América Latina, como África, é um bloco. Compartimentado, mais bloco ao fim. Por isso, apesar de todas as controvérsias a respeito, é lícito falar de arte latino-americana ou produzida na América Latina, contribuindo assim para definir uma cultura que não pode nem quer confundir-se com as demais. 23 (Marta Traba, 1994)

Durante a segunda metade do século XX, o termo “arte latino-americana” foi alvo de diversos questionamentos em torno de seu significado, uso e valor como categoria estética para o estudo e o desenvolvimento das artes plásticas e visuais da América Latina. Em principio, seu emprego faz referência, precisamente, à produção artística da região conhecida como América Latina, nome utilizado inicialmente na França, na metade do século XIX, para identificar um território onde eram faladas, pela herança colonial, línguas românicas (espanhol, português, francês), enquanto os Estados Unidos reclamaram o nome América para si mesmos (BADDELEY; FRASER, 1989, p. 1). Logo, no transcorrer da história, outros aspectos culturais, políticos, étnicos, sociais e econômicos compartilhados pelos povos da região acrescentaram e dinamizaram o significado de América Latina e marcaram suas diferenças e semelhanças com sua vizinha América. Assim, fatores como o passado colonial, a herança das culturas pré-colombianas e africanas, o processo de conformação dos Estados-nação, os Regimes Ditatoriais, a dominação imperialista, o caráter de economias dependentes, entre outros, converteram-se em eixos do marco interpretativo sobre a América Latina. Uma palavra que, além da alusão ao território, passou a referenciar a história e o caráter social e cultural dos habitantes desse território. Assim, como nos lembra Frederico Morais, “Geralmente, a menção à América Latina vem acompanhada da questão da nossa identidade” (1979, p. 17). Questão que, em relação às artes durante a primeira metade do século XX, esteve mais ligada ao tema do “nacional” como elemento fundamental na consolidação das jovens nações na região e, no final dos anos sessenta apresentou um sentido mais “regional”, ou seja, a questão sobre a identidade da arte

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 23 Do original: “América Latina, como África, es un bloque. Compartimentado, pero bloque al fin. Por ello, pese a todas las controversias al respecto, es lícito hablar de arte latinoamericano o producido en América Latina, contribuyendo así a definir una cultura que no puede ni quiere confundirse con las demás” (TRABA, 1994, p. 165). O trecho foi extraído de uma obra póstuma de Marta Traba.

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! colombiana, mexicana, brasileira, costarriquenha, chilena, passou a ser logo também uma questão sobre a arte latino-americana e a sua identidade.

Sempre estivemos até as últimas décadas muito preocupados em levantar a produção e a teoria diretamente vinculadas a nossas regiões culturais. Isso, em todos os países. Como se somente pudéssemos começar a pensar em termos do continente quando tivéssemos terminado um inventário, que é relativamente recente, sobre as tendências e as artes em cada um dos diversos países. (AMARAL, 2006, p. 131)

Foi durante esse período que a reflexão sobre a noção de “arte latino-americana” atingiu maior relevância dentro da intelectualidade da região em relação às décadas anteriores, reflexão que esteve vinculada aos conceitos América Latina e o latino-americano. De forma que a referência à produção artística da região que proferia o termo “arte latino- americana” foi tratada com maior atenção, sendo a questão da identidade um aspecto fundamental relacionado a conceitos como “originalidade” e “autenticidade”, os quais evocaram discórdias em relação à possibilidade ou impossibilidade de determinar os critérios estéticos de forma e conteúdo para definir a expressão do latino-americano numa obra de arte na pretensão de demarcar o que se entende como “arte latino-americana”. A abordagem da questão da identidade e os conceitos de América Latina e latino- americano foram também nesse período de grande interesse para o âmbito intelectual internacional. A importância que os Estudos Culturais e teorias como a pós-colonial atingiram durante o período forneceram a abertura de centros especializados no estudo das culturas e sociedades das regiões periféricas, catalogadas algumas como parte do Terceiro Mundo. A fundação dos estudos latino-americanos esteve a cargo da Academia Estadunidense, motivada também pelo acontecimento da Revolução Cubana e pelo sucesso literário do boom narrativo (RICHARD, 1997, p. 2). Logo, em 1966, foi fundada a conhecida Latin American Studies Association. Para teóricas como Nelly Richard (1997, p. 2), o chamado latino-americanismo, amplamente comentado durante aquela época, não foi mais que uma produção e produto da Academia Estadunidense, a qual continuou estimulando a postura latino-americanista durante os anos oitenta e noventa através do debate sobre o multiculturalismo e a abordagem sobre as identidades locais ligada com aspectos ideológicos dos acontecimentos econômicos e políticos do continente. Nessa lógica, afirma a autora, o sentido do latino-americano é reduzido a uma noção homogênea e estereotipada que influi na representação que nas

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! metrópoles é promovida através de eventos que tratam as culturas e a produção artística da região. No caso dos intelectuais latino-americanos e seu interesse pelo estudo e a análise da criação artística a nível da América Latina como região, a resolução da Conferência Geral da UNESCO em Paris, em 1966, foi um evento importante que contribuiu para fomentar esse interesse através da gestão de um projeto de estudo das culturas latino-americanas a partir de sua literatura e de suas artes (AMARAL, 2006, p. 129). Projeto que sublinhou a importância do estudo da América Latina por parte de especialistas latino-americanos. A realização dos Simpósios em Lima, em 1967, e em Quito, em 1970, deram continuidade ao projeto fomentando o diálogo entre os intelectuais da região e dinamizando o desenvolvimento do pensamento latino-americano. A publicação paulatina de uma série intitulada América Latina en su cultura formada por sete volumes, entre os quais estão América Latina en su literatura, de 1972, coordenado por César Fernández, América Latina en sus artes, de 1974, coordenado por Damián Bayón e América Latina en su arquitectura, de 1975, coordenado por Roberto Segre, representou a coroação do projeto que deixava como legado uma importante contribuição para os estudos sobre a América Latina a partir da própria América Latina. A publicação do volume América Latina en sus artes24, assim como a totalidade da série, abordou a América Latina como um todo, como uma região que apresenta uma unidade cultural a qual era preciso estudar e analisar fomentando um processo de autoconsciência sobre seus fenômenos. No caso particular desse volume dedicado às artes plásticas e visuais a abordagem sobre a noção de “arte latino-americana” ganhou relevância estimulando sua reflexão durante o processo mesmo do desenvolvimento do volume e posteriormente com a sua publicação convertendo-se numa referência importante na continuidade desse tipo de pesquisas. Assim, a palavra “arte latino-americana” foi redescoberta no pensamento latino- americano ganhando um certo caráter de novidade. A resolução da UNESCO como incentivo no estudo da América Latina e seu paralelismo com o auge dos estudos latino-americanos na Academia Estadunidense não podem considerar-se um simples acaso. América Latina tinha se convertido numa moda

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 24 O processo de elaboração do volume contou com a participação de vários especialistas da região que de acordo com suas recomendações selecionaram-se os autores e os textos que conformaram a publicação. Os autores que formam parte do volume são: Antonio Romera, Jorge Alberto Manrique, Adelaida de Juan, Fermín Fevre, Damián Bayón, Ángel Kalenberg, Jorge Romero Brest, Filoteo Samaniego, Mário Barata, Juan García Ponce, Francisco Stastny, Saúl Yurkievich, Edmundo Desnoes e Jorge Enrique Adoum.

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! durante essa época o qual, como diz Morais (1979, p. 17), não significava precisamente um reconhecimento, já que com frequência as modas são provocadas artificialmente. No caso da “arte latino-americana”, comenta Morais, as grandes bienais internacionais e a proliferação de exposições interessadas em abordar a produção artística da região foram fatores que fomentaram sua moda no circuito artístico tanto internacional como regional. Europeus, norte-americanos, latino-americanos, todos interessados no tema. América Latina en sus artes, de 1974, passou a formar parte de uma série de publicações que durante esses anos foram realizadas por diversos autores com o propósito de abordar a “arte latino-americana” como um todo25. Algumas delas são: Contemporary Art in Latin America (1970) de Gilbert Chase; Historia del arte y de la arquitectura latino- americana (1970) de Leopoldo Castedo; Dos décadas vulnerables en las artes plásticas latinoamericanas 1950-1970 (1973) de Marta Traba; Política artística visual en Latinoamerica (1974) de Jorge Romero Brest; Arte popular y sociedad en América Latina (1977) de Néstor García Canclini. Antes do surgimento dessa série de publicações poucos autores tinham dedicado um trabalho à arte latino-americana. Com frequência atribui-se a Marta Traba, crítica e teórica , ser a primeira autora de um livro dedicado ao tema26 com a publicação de La pintura nueva en Latinoamérica, em 1961. No entanto, outros autores já o tinham feito anteriormente; Ángel Guido com o livro Redescubrimiento de América en el arte, de 1944; Felipe Cossio del Pomar com o livro La rebelión de los pintores: ensayo para uma sociologia del arte, de 1945 (MOSQUERA, 1996 apud BAZZANO, 2005, p. 11). Embora Traba não fosse a primeira a tratar o tema, críticos e teóricos como Mari Carmen Ramírez consideram Marta Traba como a primeira em elaborar um marco crítico sobre as artes plásticas e visuais na América Latina que tivesse em conta a suma de países e nacionalidades que conformam a região. Sua experiência direta com os artistas e suas produções através de suas constantes viagens ao longo do continente permitiu-lhe elaborar um panorama amplo que fundamentou sua visão da América Latina como um todo27.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 25 Ver em Morais (1979, p. 19) e Amaral (2006, p. 130). 26 Ver em Olívar (p. 173), Ramírez (2005, p. 44), Bazzano (2005, p. 11). 27 Ramirez assinala o livro Dos décadas vulnerables en las artes plásticas latinoamericanas 1950-1970 como o trabalho mais importante de Traba, no qual ela consegue oferecer uma visão mais completa de seu pensamento.!

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Elaborando sobre sua própria experiência da arte e dos artistas do continente, Marta Traba fundamentou uma edificação axiológica e amplamente teórica da arte “latino-americana”, (uma minima moralia, se aproveitamos o pensamento de Adorno). Trata-se de um ambicioso, embora por momentos ambíguo projeto, que ela perseguiu com audácia ao longo de toda sua vida.28 (RAMÍREZ, 2005, p. 44, grifo da autora, tradução nossa)

La pintura nueva en Latinoamérica foi o segundo livro publicado por Traba. Esta publicação, proposta pela autora como uma visão mais geral da arte continental, está formada por cinco conferências. Nelas destacam-se dois argumentos que vão estar presentes ao longo de seus estudos posteriores. O primeiro é o esquema de abordagem constituído por duas categorias de áreas abertas e áreas fechadas, as quais fazem referência a uma divisão e agrupamento dos países da região a partir de fatores como a presença importante da cultura indígena, os padrões regionais de imigração e a aceitação das correntes internacionais29. Esse esquema permitiu a Traba apresentar um panorama amplo sobre o desenvolvimento e as particularidades da produção artística da região. O segundo argumento está relacionado a dois conceitos de autenticidade e diferença, através dos quais Traba aborda a nova geração de pintores, naquele momento referindo-se a Botero, de Szyszlo, Obregón, entre outros, afirmando que eles têm desenvolvido uma forma de expressão pictórica “autêntica” que contrasta com os modelos importados ou com o realismo socialista que assumiram os artistas que os precederam. Segundo a autora, esta nova pintura latino-americana apresenta um caráter singular que a diferencia entre os modelos dominantes. A diferença, como sugere Ramírez (2005, p. 47), representa na perspectiva de Traba, que os artistas conhecem e abraçam a especificidade geográfica e histórica de seu contexto. Perspectiva que marca o preâmbulo da categoria teórica mais importante da obra de Traba desenvolvida em trabalhos posteriores, a Resistência. As argumentações de Traba caracterizaram-se por ser diretas, inteligentes e polêmicas. O estilo de Traba, sua forma veemente de dizer as coisas, às vezes com uma impetuosa

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 28 Do original: Elaborando sobre su propia experiencia del arte y de los artistas del continente, Marta Traba colocó los cimientos para una edificación axiológica y ampliamente teórica del arte “latino-americano”, (una minima moralia, si aprovechamos el pensamiento de Adorno). Tratase de un ambicioso, aunque por momentos ambiguo proyecto, que ella persiguió con denuedo a lo largo de toda su vida. !! 29 O esquema de áreas abertas e fechadas foi empregado de forma esboçada em artigos prévios a essa publicação como em; ¿Qué quiere decir “Un arte americano”?, de 1956; Algunos problemas acerca del arte abstrato en América Latina, de 1957, (BAZZANO, 2005, p. 17). Em posteriores publicações a autora utiliza e enriquece esse esquema de análise, como em Dos décadas vulnerables en las artes plásticas latinoamericanas 1950-1970 (2005, p.158), o qual se converte num eixo teórico importante de sua obra em geral.

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! subjetividade e outras com uma severa objetividade, mas com perspicácia para referir-se a aspectos pouco tratados ou evitados colocou-a no meio de diversas discussões e a fez alvo de diversas críticas. Desde suas primeiras publicações e intervenções essas características estiveram presentes, como no caso de La pintura nueva en Latinoamérica, publicação que suscitou polêmica pela postura crítica que Traba manifestou em relação ao trabalho de artistas como Guayasamín, Pedro Nel Gómez e os muralistas mexicanos, os quais considerou sujeitos a perspectivas indigenistas e nacionalistas. Embora sua crítica fosse severa revelou aspectos sobre a reprodução político-ideológica dessas perspectivas o que evidenciou a agudeza de sua crítica. Outro aspecto polêmico dessa publicação foi o lugar privilegiado que artistas como Botero, Obregón, Ramírez e Wiedemann receberam no texto, no entanto, sua relevância foi fundamentada de forma engenhosa por Traba, aspecto que foi reconhecido pela crítica. Uma parte das críticas mais severas a essa publicação, como afirma Estanislao Gostautas, esteve baseada em atacar mais a autora que o próprio livro, o qual apresenta uma série de problemáticas que o fazem desordenado e confuso mas que não diminuem o mérito que para aquela época uma publicação como essa merecia, e por motivo de outras questões não foi outorgado. “Não é um livro perfeito e sofre de grandes vazios em apreciações, estilo, forma, unidade e ordem, mas tem que se dizer que no caso dos “eleitos”, não há melhor”30 (GOSTAUTAS, 1961, p. 769, grifo do autor, tradução nossa). Desta forma, publicações como as de Traba, Bayón, e outros pesquisadores do campo artístico da região fomentaram o estudo sobre as artes plásticas e visuais latino-americanas incentivando a análise da produção artística de cada país em ligação à região como um todo cultural. Perspectiva que durante este período, anos sessenta e setenta, cada especialista abordou sob seus próprios pontos de vista revelando os consensos e as contradições sobre a reflexão em torno da “arte latino-americana”. Noção que embora fosse ambígua para vários deles a maioria concordou que a sua reflexão, em conjunto ao caráter do “regional”, era importante e necessária. Assim, desenvolveu-se durante o período um tipo de discurso regional sobre a “arte latino-americana” que destacou-se em relação a outros elementos discursivos fundamentando- se em categorias como resistência e dependência, as quais formaram parte do desenvolvimento de uma postura mais ampla que caracterizou de forma geral o pensamento

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 30 Do original: No es un libro perfecto y adolece de grandes caídas en apreciaciones, estilo, forma, unidad y orden, pero hay que decir como en el caso de los “elegidos”, no lo hay mejor.

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! latino-americano da época31. Antes de continuar com a abordagem desse tipo de discurso, o qual abrange a década dos anos oitenta e antecede o discurso global que ganhou força nos anos noventa, gostaríamos de nos referir brevemente à mais dois discursos que são de importância para o nosso estudo sobre a arte latino-americana e seu debate. Os quatro discursos que assinalamos não são os únicos que formaram parte deste período da arte da América Latina, no entanto, foram os que atingiram, em momentos específicos maior relevância na caracterização da produção artística a nível regional. De forma que ganharam um lugar fundamental no debate em torno da “arte latino-americana” e na reflexão sobre as dinâmicas da prática artística em relação ao contexto latino-americano. É importante sublinhar que cada um dos quatro discursos abrangem diversas discussões, aspectos singulares e dinâmicas em relação ao contexto no qual surgem, sendo seu estudo em profundidade um objetivo que vai além de nossa análise. Nosso interesse se concentra em identificar e caracterizar através dos quatro discursos assinalados as principais perspectivas críticas e suas sínteses conceituas torno do conceito de “arte latino-americana”.

2.1. POSSÍVEIS DISCURSOS

Primeiramente trataremos do discurso nacional, que se desenvolveu no que Jorge Alberto Manrique chamaria a “primeira grande guinada do século na arte latino-americana” representada pelas primeiras gerações das décadas de 1920 e 1930 dos grandes movimentos artísticos; como o Muralismo Mexicano, o Modernismo Brasileiro, o Grupo Martín-Fierrista na Argentina, o Grupo Montparnasse no Chile e o Grupo da pintura cubana liderado por Víctor Manuel, os quais separaram em duas faces a História da arte moderna latino- americana. Duas faces que para Manrique ficaram separadas, mas ao mesmo tempo unidas.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 31 A Teoria da dependência foi muito importante para o pensamento latino-americano da época, sendo uma referência para as análises de diversos autores que refletiram conceitos como resistência e dependência, como foi o caso de Marta Traba e Damián Bayón no campo das artes. A Teoria da dependência foi proposta nos anos 50 e nas décadas posteriores foi enriquecida por diversos teóricos como Theotonio Dos Santos e Andre Gunder Frank.

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Une e separa, de um lado o século XIX constituído fundamentalmente de imagens de outras partes, de importações de artistas, de obras e de escolas, que na realidade se adia no fundamental até as duas primeiras acácias do século nosso; e do outro lado um século XX no qual a América Latina diz, por fim, “sua” palavra ao mundo em matéria de artes plásticas.32 (MANRIQUE, 1974, p. 19, grifo do autor, tradução nossa)

A busca de uma expressão artística singular capaz de diferenciar-se das artes europeias deu passagem ao modernismo latino-americano. Os artistas mostraram grande interesse pela questão da identidade olhando com maior atenção a própria realidade social e cultural de seus países, sendo o passado e a promessa do futuro aspectos importantes nos seus trabalhos. No entanto, seu olhar para ambos os lados do Atlântico permaneceu e a produção europeia continuou sendo uma referência importante a partir da qual se pretendia remarcar a diferença. Durante esse período o patrocínio oficial por parte dos governos de estado teve um papel fundamental na criação plástica da região, sendo considerado uma característica própria do desenvolvimento das artes na América Latina33. O interesse dos governos pelas artes fundamentava-se, por um lado, na consciência que desde finais do século XIX as jovens nações tinham ganhado sobre a importância da arte como fator de progresso e de integração nacional, e por outro lado, na preocupação que surgiu com a ideia de não possuir uma expressão artística que fosse “essencialmente própria”, sendo esse um fator vital na construção das identidades nacionais. Assim, o nacional e a identidade formaram parte essencial do processo criativo dos movimentos e grupos artísticos na América Latina durante o período. Processos que estiveram acompanhados de outros meios além da pintura e da escultura para difundir o pensamento dos artistas como parte da intelectualidade de cada país. A escrita foi o principal, sendo revistas como Klaxon (Brasil), Avance (Cuba), Martín Fierro (Argentina), Los nuevos (Colômbia), Amauta (Peru), El Machete (México) e Válvula (Venezuela), parte dos meios impressos encarregados de difundir o espírito nacional daquela época (TRABA, 1979, p. 51). As tradições locais e o valor da chamada arte popular converteram-se em eixos fundamentais nos processos criativos dos artistas e suas obras de caráter figurativo, sendo parte da sua reflexão sobre a realidade social de seus países. Como se apresenta em vários !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 32 Do original: Une y separa, hacia un lado un siglo XIX constituido fundamentalmente de reflejos de otras partes, de importaciones de artistas, de obras y de escuelas, que en realidad se prolonga en lo fundamental hasta las dos primeras acacias del siglo nuestro; y hacia el otro lado un siglo XX en el que América Latina dice, por fin, “su” palabra al mundo en materia de artes plásticas. 33 Ver em Stanton L. Catlin; Terence Grieder. Arte latinoamericano desde la independência. México, Instituto Nacional de Bellas Artes, 1967. p. 9-10.

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! trabalhos de pintores como Diego Rivera e seus murais sobre a história de México; Pedro Figari e seus carnavais de cores vibrantes tradicionais no Uruguai; Candido Portinari e seus personagens camponeses mulatos e negros do interior do Brasil. A crítica do período com frequência referiu-se a esse processo como um redescobrimento dos valores próprios. Segundo Manrique (1974, p. 26), os movimentos que surgiram entre 1920-1930 lograram criar uma arte que expressasse o nacional com uma linguagem universal, um propósito que foi especialmente notório no caso de México e Brasil. No entanto, a vitalidade dessa expressão estava condenada a perecer com o tempo, já que o sentido do nacional atrapalha a possibilidade do universal. Além dessa premissa, a radicalidade dos nacionalismos entre as décadas de 1930 e 1950 foram arrebatando a vitalidade dessa prática artística deixando no seu lugar sua simples reprodução como uma forma de representação da tradição do nacional. O esforço por parte dos movimentos de fornecer uma síntese que expressasse o nacional de forma universal como uma solução definitiva à perturbante questão da identidade não tinha sido atingida. Nesse sentido, a decadência do discurso nacional abriu o debate sobre a pertinência do tratamento da identidade, da tradição e do nacional por parte dos artistas em suas obras questionando a busca do próprio em relação à impossibilidade de definir e homogeneizar a produção artística de um país. Questão que pensada a nível regional como “arte latino-americana” conduzia o debate a dúvidas similares. No meio desse debate nos finais da década dos anos quarenta surgiu a “segunda grande guinada do século da arte latino-americana” que consistiu no quase abandono da busca do próprio (MANRIQUE, 1974, p. 32). Período no qual desenvolve-se um tipo de discurso neutro nas artes plásticas da região que fomentou o interesse em questões propriamente relacionadas ao campo das artes, sendo a reflexão estética mais relevante do que o relacionado à difusão de uma perspectiva político-social. As obras daqueles artistas que não tinham sido fundamentadas na questão do nacional e a preocupação sobre a definição da identidade, como Emilio Pettoruti, Roberto Matta, Rufino Tamayo e Joaquín Torres García, começaram a ser valorizadas e exaltadas dentro de uma outra face da arte plástica latino-americana. Ao tempo que a face anterior era fortemente criticada, como foi o caso da Escola Mexicana e o próprio Muralismo que foi menosprezado pela crítica. Por exemplo, Marta Traba argumentou “[...] passado o assombro e a comoção dos primeiros afrescos polêmicos de Rivera, de Orozco e Siqueiros, [...] vê-se com claridade o transitório dessa pintura realista-histórico-figurativa, enquanto crescem as apreciações

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! inteligentes em torno do único heterodoxo, Rufino Tamayo”34 (1956, p. 476, tradução nossa). A questão sobre como identificar numa obra sua expressão mexicana, peruana, argentina perde sentido, já que implica definir um modelo estético que enquadre a produção artística de um país, ou seja, obrigar a um pintor que pinte como os “grandes mestres” que o precederam, uma dinâmica evidentemente questionável. Assim, começou a ser assumido que bastava ser mexicano, argentino ou peruano para fazer uma pintura mexicana, argentina ou peruana (MANRIQUE, 1974, p. 32). Países como Venezuela, Colômbia, Brasil e Argentina começam a ter uma abertura importante às correntes internacionais. O nacionalismo radical parecia ter ficado no passado e as novas gerações de artistas que surgiram na década dos anos 1950 mostraram maior interesse pela experimentação de materiais e outras linguagens visuais que os motivaram a concentrar-se mais nos aspectos formais de suas obras. A produção artística apresentou uma grande diversidade: pintura, instalação, escultura, objetos móveis, entre outros; que ofereceram novas percepções ao público, cuja participação virou vital em muitas obras. As linguagens construtivas e geométricas foram predominantes durante a época. O artista uruguaio Joaquim Torres Garcia (1874-1949) foi uma referência fundamental para o fomento dessas linguagens. Suas ideias repercutiram a nível regional e internacional, sendo o conceito de universalismo construtivo35 muito influente nos trabalhos de muitos artistas (MORAIS, 1979, p. 80). Por exemplo, para os grupos argentinos Arte Concreto-Invención (1945) e o grupo Madí (1946) o pensamento de Torres Garcia foi um referente fundamental para suas propostas e processos criativos. Em países como o Brasil, a arte concreta atingiu grande importância na prática artística e na reflexão teórico-crítica. O concretismo brasileiro foi promovido por críticos como Mário Pedrosa e artistas como Lygia Clark, Hélio Oiticica e Almir Mavignier. A arte cinética também ganhou relevância no campo artístico da região. Os trabalhos dos artistas venezuelanos Jesús Soto e Carlos Cruz-Diez se converteram em referentes importantes do movimento na América Latina e do cinetismo venezuelano. Os artistas latino-americanos desse período tiveram uma influência importantíssima no circuito internacional. Por exemplo, o cinetismo francês foi dominado por dentro pelos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 34 Do original: [...] pasado el asombro y la conmoción de los primeros frescos polémicos de Rivera, de Orozco y Siqueiros, […] se ve con claridad lo transitorio de esa pintura realista-histórico-figurativa, mientras crecen las apreciaciones inteligentes alrededor del único heterodoxo, Rufino Tamayo. 35 Esse conceito foi proposto por Torres García em sua obra intitulada Universalismo Constructivo, publicada pela Editora Poseidón, Buenos Aires, 1944.

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! argentinos Le Parc, Sobrino, García-Rossi, Demarco e Marta Boto, e os venezuelanos Soto, Cruz-Diez e Debourg. Segundo Morais (1979, p. 80), outros artistas anteciparam processos e práticas artísticas como os brasileiros Lygia Clark e Oiticica com suas obras plurissensoriais; e como o uruguaio Rothfuss e o argentino Kosice que anteciparam com suas molduras recortadas as shaped canvas de Frank Stella. Durante as décadas de 1960-1970, o número dos países governados por regimes ditatoriais aumento. A violência e a repressão exercida pelas ditaduras durante esse período acrescentaram a crisis política e social vivida na América Latina. Por exemplo, a continuidade da brutal tirania praticada na região pelos prolongados regimes iniciados entre 1930-1950 por ditadores como: Anastásio Somoza García na Nicarágua (1936-1956); Rafael Trujillo na República Dominicana (1930-1961) e Alfredo Stroessner no Paraguai (1954-finalizou até 1989); foi assumida pelas ditaduras instauradas nas décadas seguintes. Por exemplo, a maioria dos países da América do Sul durante a década dos anos setenta estiveram governados por ditaduras militares. Em países como Brasil (1964-1985), Chile (1973-1990) e Peru (1968-1980) os regimes foram prolongados; em outros países como Argentina (1966-1973, 1976-1983) se desenvolveu nessa época mais de um golpe de estado que resultou na instauração de mais um regime ditatorial36. O contexto da Guerra Fria entre os Estados Unidos (capitalista) e a União Soviética (socialista) foi um fator determinante no advento das ditaduras em toda América Latina. Os Estados Unidos, descontente com as possíveis transformações sociais, econômicas e políticas nos países latino-americanos e temendo o avanço do socialismo, apoiaram técnica e politicamente tanto a orquestração de golpes militares aos estados democráticos como o estabelecimento de regimes ditatoriais repressivos. Assim, as ditaduras instauradas se encarregaram de desmobilizar as massas através da repressão violenta. Para exercer essa repressão as ditaduras promoveram o aumento dos poderes do executivo de maneira que, caso fora conveniente, pudessem suspender os direitos civis dos cidadãos e até fechar o Congresso. Exemplo disso foi o caso do Ato Institucional Nº5 (A.I5) instituído no Brasil em dezembro de 1968. Considerado o período mais rígido da ditadura brasileira. Nesse panorama, a situação político-social latino-americana se converteu em um tema

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 36 Ditadura autodenominada “Revolução Argentina” (1966-1973) instaurada por meio do golpe de estado liderado pelo General Juan Carlos Onganía. Ditadura autodenominada “Processo de Reorganização Nacional” (1976-1980) instaurada por meio do golpe de estado liderado General Jorge Rafael Videla.

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! a ser abordado pelos artistas nos seus trabalhos. As artes visuais, do lado de outras expressões artísticas, foram um meio para manifestar a voz silenciada dos povos. Assim muitos artistas exibiram através de suas poéticas a repressão militar vivida nos seus países, os casos de tortura, assassinato e da grande quantidade de desaparecidos. Para tratar esses temas, os artistas utilizaram diversas linguagens visuais: pintura, desenho, instalação, objetos, performance. Também foi um período de apogeu da arte conceitual. Alguns exemplos desses artistas são: os brasileiros Antônio Dias e Cildo Meireles; os argentinos Diana Dowek e Victor Grippo; os chilenos Carlos Leppe e Lotty Rosenfeld. Apesar das condições desfavoráveis do período o interesse dos artistas latino- americanos pelas realidades sociais de seus países propiciou um diálogo de cooperação entre a comunidade artística da região. Críticos, teóricos e curadores também propiciaram esse diálogo e se interessaram por analisar a situação regional da América Latina. Assim o tema do regional ganhou relevância durante o período e a reflexão sobre a “arte latino-americana” virou de interesse, de forma que começou a desenvolver-se um tipo de discurso regional. Assim críticos, artistas e demais especialistas do campo artístico decidiram unir esforços para o desenvolvimento da reflexão teórico-prática das artes plásticas e visuais na América Latina. Uma perspectiva que pretendeu fortalecer a prática artística diante a repressão das ditaduras e a perspectiva colonizadora das culturas dominantes; o fomento de um pensamento de união, luta, resistência e liberdade. O desenvolvimento de posturas próprias surgidas e debatidas na região por especialistas latino-americanos virou fundamental. Isto propicio o aumento das publicações, assim como de eventos e exposições que abordaram a produção artística da América Latina como um todo, o que fomentou o debate sobre a chamada “arte latino-americana”. Com o aumento das publicações da intelectualidade da América Latina se ambicionou incorporar esse pensamento no repertório teórico da intelectualidade metropolitana, sendo a oportunidade de ter uma voz própria. Esta série de aspectos, entre outros, converteu em muitos casos o exercício da crítica numa prática gestora e promotora de novas teorias sobre a arte latino-americana, sobre o papel da crítica, dos artistas e do público em geral sobre a situação da arte na época37.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 37 Ver em Morais (1979, p. 23), Serviddio (2012, p. 3).

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Foi um momento de transição, no qual os críticos, transformados em teóricos, colocaram suas reflexões dentro de uma temporalidade preditiva [...] procurando imaginar para onde dirigir-se-iam as práticas artísticas da região, e como devia ser reconfigurado o papel do crítico de arte no novo contexto.38 (SERVIDDIO, 2012, p. 3, tradução nossa)

Críticos como Jorge Romero Brest, Mário Pedrosa, Juan Acha, Marta Traba e Damián Bayón formam parte do grupo de autores mais relevantes entre as décadas de 1950 e 1970 que além de seu papel no âmbito da crítica, começaram a propor suas próprias teorias sobre a arte enriquecendo o pensamento artístico da região, e por sua vez, evidenciando a diversidade de perspectivas possíveis sobre o fenômeno cultural e artístico da América Latina. Logo, uma nova geração de críticos surgiu e começou a participar ativamente na década dos anos setenta nos debates sobre a teoria e a prática artística latino-americana. Jorge Alberto Manrique, Rita Eder, Mirko Lauer, Jorge Glusberg, Néstor García Canclini, Eduardo Serrano, Aracy Amaral, Frederico Morais e Roberto Pontual, são os nomes de alguns dos críticos dessa geração que, além de ser autores de ensaios e livros, desempenharam o papel de animadores culturais (MORAIS, 1979, p. 28). Ambas as gerações de críticos tiveram um papel muito importante dentro da oposição e da crítica às ditaduras e aos modelos políticos repressivos na região durante o período fomentado através da arte a análise crítica da situação político-social. Apesar das condições políticas, a realização de simpósios, encontros e reuniões de diversa índole organizados com o propósito de promover o diálogo entre os especialistas do campo da cultura, a literatura e as artes, se tornava possível graças à condição econômica favorável presente em alguns países da região como resultado da criação da OPEP (Organização de Países Exportadores de Petróleo) e dos excedentes econômicos do petróleo no mercado (OLÍVAR, 2014, p. 183). Segundo Juan Acha, “1978 foi o ano dos simpósios dedicados à arte latino- americana”, importantes eventos como o Primeiro Encontro Ibero-americano de Críticos de Arte e Artistas Plásticos, em Caracas, e o Simpósio da Primeira Bienal Latino-americana, em São Paulo, foram realizados (OLÍVAR, 2014, p. 183). Dentro da ampla quantidade de eventos organizados, alguns deles passaram a ter uma relevância maior como é o caso do chamado “Simpósio de Austin” realizado em 1975, o qual se tornou uma referência importante para os

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 38 Do original: Se trató de un momento de transición, en el que los críticos, transformados en teóricos, ubicaron sus reflexiones dentro de una temporalidad predictiva […] buscando imaginar hacia donde iban las prácticas artísticas de la región, y cómo debía reconfigurarse el rol del crítico de arte en el nuevo contexto.

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! eventos organizados posteriormente. A Universidade de Texas foi a sede do Simpósio de Austin. Seus colaboradores Damián Bayón e Kasuya Sakai foram fundamentais para a organização do evento, o qual abrangeu duas áreas da cultura latino-americana: literatura e arte, reunindo pela primeira vez um número amplo de escritores, artistas e intelectuais do período (TRABA, 1979, p. 57). Na área dedicada à arte dois temas foram abordados com especial interesse; a questão da identidade e a categoria de “arte latino-americana”. O simpósio permitiu naquele momento que os intelectuais conhecessem e debatessem suas perspectivas. Posteriormente, converteu-se numa referência importante na análise sobre os consensos e as contradições presentes na intelectualidade do período. Em publicações como El artista latinoamericano y su identidad, de 1977, a qual reúne as comunicações e os debates desse simpósio, seu organizador Damián Bayón faz referência na introdução aos diversos tipos de crítica e de críticos que ele divisou no encontro, desde o crítico-chefe do clã e o crítico-teórico de corte filosófico até o crítico-sociólogo de perspectiva histórica (1977 apud AMARAL, 2006, p. 141). No meio das marcadas diferenças entre alguns argumentos, ou a pouca compreensão em relação a outros, também apresentaram-se pontos de encontro entre as diversas posturas e consensos importantes entre as perspectivas dos teóricos, críticos, artistas e demais especialistas. Para nossa abordagem, os consensos suscitados nesse simpósio são importantes para vislumbrar três perspectivas gerais sobre a “arte latino-americana” de relevância tanto para o debate do período como para a continuidade desse na década seguinte. A primeira perspectiva geral teve como base a ideia de que “a identidade não pode continuar sendo um problema para a arte latino-americana”. Como comenta Romero Brest em sua análise sobre o simpósio “O mais surpreendente foi o reconhecimento quase total mas com matizes, de que a identidade do artista latino-americano já não é mais um problema” 39 (1978, p. 26, tradução nossa). Entre os artistas participantes Rufino Tamayo foi o mais enfático nessa questão “Esta preocupação da identidade é uma espécie de complexo de inferioridade que se está tendo aqui e o qual devemos descartar totalmente”40 (1977 apud ROMERO, 1978, p. 26, tradução nossa). Na opinião do crítico Jaime Concha, falar sobre identidade em 1975 resulta no retorno !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 39 Do original: Lo más sorprendente fue el reconocimiento casi total pero con matices, de que la identidad del artista latinoamericano ya no es problema. 40 Trecho extraído da publicação de Romero: “Esta preocupación de la identidad es una especie de complejo de inferioridad que se está teniendo aquí y el cual debemos descartar totalmente”.

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! aos problemas de 1930, sendo uma questão ultrapassada para a reflexão contemporânea. Nesse sentido, para Concha, “[...] um artista é latino-americano quando sua experiência não se esgota numa problemática circunstanciada senão que coincide com uma riqueza de grupo ou com uma experiência histórica [...]”41 (1975 apud TRABA, 1979, p. 57, tradução nossa). Uma aproximação conceitual que, para Marta Traba, foi pertinente já que resultava válida para qualquer artista, não só para o latino-americano. “A impossibilidade de estabelecer uma única definição sobre a arte latino-americana” é a segunda perspectiva geral que identificamos, a qual como se pode perceber, está ligada de forma fundamental com a primeira42. Assim, temos depoimentos como os do crítico Juan Acha que questiona a existência da arte latino-americana como uma expressão distinta, já que ela encontra-se constituída por uma diversidade de expressões, conceitos e práticas “[...] nem todo o latino-americano é latino-americano, nem ninguém pode assinalar com certeza o que é e não é legitimamente latino-americano em arte; ainda menos o impor aos artistas”43 (ACHA, 1975, p. 1, tradução nossa). Marta Traba referiu-se a esse aspecto na sua comunicação de uma forma que concordou com a de Acha, só que com seu estilo particular mais direto e polêmico: “Não existimos nem como expressão distinta, nem como expressão artística fora dos limites de nosso continente” (1975 apud AMARAL, 2006, p. 149). Segundo Traba, a possibilidade de existência da arte latino-americana não depende de uma identidade, mas sim da capacidade de dar sentido à diversidade dessa produção artística e o valor que possui em relação às outras. Uma afirmação com a qual Aracy Amaral (2006, p. 149) concordou, e em reflexões posteriores de finais dos anos noventa lembra afirmando que aquela expressão de Traba ainda mantém sua validade, já que os artistas da América Latina continuam não sendo tratados em pé de igualdade com os artistas do chamado Primeiro Mundo. Situação decorrente em parte da noção estereotipada sobre a categoria de arte latino-americana. Por sua parte, Jorge Manrique manifestou sua posição em relação à ideia do latino- americano entendido segundo uma perspectiva de unicidade e homogeneidade, a qual assinalou como uma invenção forçada resultado da união arbitrária de uma série de fatores. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 41 Trecho extraído da publicação de Traba: “[…] un artista latinoamericano lo es cuando su experiencia no se agota en una problemática circunstanciada sino que coincide con una riqueza de grupo o con una experiencia histórica […]. 42 Como comenta Olívar “En esta época, lo latinoamericano no sería ya una unidad definida, sino un proceso en evolución surgido para diferenciarse de “lo otro” foráneo y, así, definirse como identidad, identidad continental que engloba particularidades nacionales y culturales” (2014, p. 184). 43 Do original: [...] no todo lo latinoamericano es latinoamericano ni nadie puede señalar con probidad lo que es y no es legítimamente latinoamericano en arte; menos aún imponérselo a los artistas.

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“Todos sermos coloniais não é suficiente para encontrar rasgos que nos façam realmente identificáveis como uma unidade só, se tem conseguido criar do díspar, uma unidade, e é uma realidade agora a força de tanto quere-la”44 (MANRIQUE, 1975 apud ROMERO, 1978, p. 27, tradução nossa). A última perspectiva geral que identificamos é “a necessidade de consolidar o campo artístico na sua teoria e prática na América Latina”, perspectiva que surge da responsabilidade assumida pelos especialistas da região em produzir pesquisas e análises locais sobre a produção artística local capazes de atingir a relevância para se sobrepor ao discurso proposto pela Europa e pelos Estados Unidos e sua autoridade legitimadora. Juan Acha foi um dos críticos que mais defendeu a ideia de que a crítica latino- americana precisava criar sua própria teoria afirmando que “Hoje, mais do que nunca, a América Latina, da mesma maneira que outros setores do Terceiro Mundo, necessita produzir teorias eficazes para transformar e nutrir nossas aspirações e ações” (apud MORAIS, 1979, p. 23). Na sua comunicação assinalou que a crítica tem um labor pendente na elaboração de uma base teórica para a arte latino-americana, sem a qual os problemas sobre a identidade resultam na falta de compreensão sobre o que somos e sobre o que queremos ser (ACHA, 1977 apud OLÍVAR, 2014, p. 188). O crítico Frederico Morais também assinalou a necessidade de produzir teorias que que surjam da reflexão sobre a produção artística da região atendendo as problemáticas que esta apresenta de forma que se possa contar com um corpus teórico que seja adequado a nossa realidade (1977 apud OLÍVAR, 2014, p. 191). Morais deu ênfase à necessidade de abordar as dinâmicas da arte do período, particularmente, as relacionadas a outras linguagens visuais e o desenvolvimento delas por parte de artistas da região, como era o caso de Cildo Meireles e Marta Minujín que desde 1960 realizavam diversas experimentações. A consolidação do campo artístico da região foi para Marta Traba também um aspecto fundamental. A resistência, categoria fundamental da obra de Traba, foi exposta no simpósio como um dos caminhos para consolidar a produção teórica e a prática artística em relação aos modelos dominantes de forma que “[...] a arte latino-americana da resistência existe para nós e cumpre uma função epistemológica e um serviço político”45 (1977 apud OLÍVAR, 2014, p.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 44 Trecho extraído da publicação de Romero: “Ser coloniales todos no es suficiente para encontrar rasgos que nos hagan realmente identificables como una sola unidad, se ha conseguido crear de lo dispar, una unidad, y es una realidad ahora a fuerza de tanto quererla”. 45 Trecho extraído da publicação de Olívar: “El arte latinoamericano de la resistencia existe para nosotros y cumple una función epistemológica y un servicio político”. ! ! 50

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189, tradução nossa). Converte-se em um exercício de reflexão sobre o contexto latino- americano, sendo prioridade tanto a visão regional, como um todo, assim como a particular. Para a década dos anos oitenta, as três perspectivas gerais abordadas anteriormente continuaram tendo validade e significado para o campo artístico da região. Por um lado, a questão da identidade não deixou de ser um tema constantemente presente nos debates e acrescentado com a recente postura do multiculturalismo. No entanto, para vários intelectuais foi importante continuar questionando a identidade para assim afastar os essencialismos que no passado tinham determinado sua reflexão, como no anteriormente mencionado discurso nacional. Por outro lado, apesar da violência dos regimes ditatoriais numa grande parte dos países latino-americanos, mencionada anteriormente, e dos conflitos armados surgidos em Centro-América, a intelectualidade continuou unindo esforços para fortalecer os vínculos regionais. O exílio de muitos teóricos, críticos e artistas fomentou essa vontade com o retorno a seus países, sendo um bom exemplo o caso dos brasileiros que se interessaram tanto por estudar a América Latina como por ter uma relação mais estreita com os países da região (AMARAL, 2006, p. 78, 155). Assim, o tipo de discurso regional surgido em finais dos anos sessenta manteve seu sentido na década de 1980. Perspectivas de cooperação, aliança e resistência foram importantes para o pensamento de uma arte latino-americana diversa mais unida em torno da sua diferença em prol de defender suas liberdades artísticas e de pensamento.

Juntos temos que elaborar as teorias capazes de fazer avançar nossa produção artística, juntos temos que promover dentro e fora do Continente nossos artistas e as tendências estéticas aqui nascidas. Só assim poderemos evitar o bloqueio das multinacionais do mercado de arte e a colonização imposta pelas grandes mostras internacionais. Resistir e libertar. (MORAIS, 1979, p. 13)

A abordagem do caráter do regional baseado nos elementos da arte e cultura popular contemporânea continuou sendo parte da obra de vários artistas das gerações anteriores e passou a ser de interesse para alguns dos artistas das novas gerações. Uma reflexão motivada tanto pelo espírito da época que parecia exigir a reflexão sobre a realidade latino-americana, como pelas propostas desenvolvidas pelos teóricos da região, entre as quais, a resistência de Marta Traba continuava sendo relevante impulsionando os artistas a desenvolver uma obra

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! que mantivesse a força e a coragem de uma estrutura de sentido que fosse significativa para o público latino-americano. A Bienal de Havana inaugurada em 1984 foi um dos eventos mais representativos desse tipo de perspectivas regionais, sendo um dos eventos mais importantes realizados no período que tiveram como objetivo dar visibilidade às artes plásticas e visuais das regiões do chamado Terceiro Mundo46. “A Bienal se concebeu a si mesma como uma plataforma para reverter o desconhecimento e falta de interação entre os países marginais [...] para alterar uma situação colonial que perpetuava relações de poder e imagens tipificadas do “Terceiro Mundo” (PIÑERO, 2014, p. 175, tradução nossa). Alguns dos artistas premiados da primeira edição foram Arnoldo Belkin, José Gamarra, Branca de Oliveira e Gustavo Acosta. As seguintes duas edições da Bienal de Havana, em 1986 e 1989, apresentaram diferenças nas suas propostas e objetivos em relação à primeira edição. Diferenças que evidenciavam as mudanças que estavam acontecendo no período nas perspectivas dos críticos, teóricos e artistas da América Latina. O interesse por promover a produção artística e teórica da região continuava sendo um objetivo importante, no entanto, a perspectiva do regional que tinha impulsionado e motivado o campo artístico parecia tornar-se um obstáculo para a concreta participação das artes plásticas e visuais da América Latina no circuito internacional. A proliferação de exibições dedicadas à produção artística da região e a sua maior participação nos circuitos internacionais, além da crescente reflexão sobre o multiculturalismo, o pluralismo, a pós-modernidade e o fenômeno da globalização, foram fatores que incentivaram novos debates dentro da intelectualidade latino-americana e fomentaram o interesse pela análise de outras possíveis visões sobre a arte da região em relação tanto ao contexto da América Latina como ao contexto global. Numa época de maior clama com a democracia restabelecida em muitos países da região durante os anos oitenta e o ansiado Acordo de Paz de 1986 que deu fim à guerra em Centro-américa. Desta forma, um tipo de discurso global começa a surgir, sendo a década de 1990 o período no qual atinge maior força. As pesquisadoras Jacqueline Barnitz (2001 apud ISE, 2011, p. 39), Gabriela Piñero (2014, p. 161) e Mónica Amor (1996, p. 250), coincidem em assinalar uma mudança significativa no debate do período em torno da “arte latino-

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 46 A Bienal de Havana foi inaugurada em 1984 como o primeiro projeto organizado pelo Centro de Arte Contemporânea Wifredo Lam, fundado um ano após a morte de Lam em 1982. A primeira edição foi dedicada à artistas da América Latina e Caribe. Nas seguintes edições foram incorporados artistas provenientes de diversos países da Ásia, África, Meio Oriente e com residência na Europa e nos Estados Unidos. !

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! americana”, a qual foi caracterizada pelas discussões sobre a globalização e o multiculturalismo que fomentaram um outro discurso sobre a prática artística e teórica da região. Mari Carmen Ramírez, Héctor Olea, Gerardo Mosquera, Ivo Mesquita, Luis Camnitzer e Guillermo Gómez-Peña, são alguns dos críticos, teóricos e artistas do período que fomentaram essas mudanças no debate da “arte latino-americana” em torno das correntes de pensamento da época e as experiências com a reflexão, prática e difusão da produção artística, sendo de interesse a abordagem da arte da América Latina a partir de outras perspectivas que atingiram a realidade contemporânea. Nesse sentido, a categoria de “arte latino-americana” continua sendo eixo de discussão só que a diferença das décadas anteriores sua análise crítica não está dirigida só a contrariar as posições rígidas, estereotipadas e homogeneizantes senão também a questionar a continuidade de seu uso como categoria. Assim como no campo da curadoria Gerardo Mosquera, Carolina Ponce de León e Rachel Weiss o colocaram em discussão na exposição Ante América, de 1992, e Ivo Mesquita o fizera na exposição Cartografias, de 199347. Enquanto os especialistas do campo artístico da região debatiam e questionavam o uso da categoria de “arte latino-americana”, tendo em consideração os debates das décadas anteriores nos quais tinha sido assinalado por vários autores a impossibilidade de estabelecer uma única definição ou identidade da produção latino-americana precisamente por sua diversidade. Vários especialistas das metrópoles continuavam difundindo uma visão reduzida e estereotipada da chamada “arte latino-americana” através de exibições organizadas em seus países e em suas publicações teóricas como catálogos e artigos. Outros especialistas mostraram um interesse mais comprometido e sincero contribuindo com a pesquisa sobre as artes plásticas e visuais na América Latina fora da região48. Um exemplo interessante é o trabalho de Oriana Baddeley e Valerie Fraser, Drawing the line: art and cultural identity in contemporary Latin America (1989), o qual apresenta análises e argumentações muito valiosas, no entanto, a abordagem da questão da identidade dirigida a definir um tipo de expressão do latino-americano49 apresenta uma problemática que

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 47 Ambas as exposições são analisadas com profundidade no terceiro capítulo da presente dissertação. 48 Exemplos, Art in Latin America: The Modern Era 1820-1980 (1989), de Dawn Ades e Arte latinoamericano del siglo XX (1996), de Edward Sullivan.! 49 Uma das principais referências da publicação, da qual as autoras fazem menção especial, é o catálogo da exposição Art of the Fantastic: Latin American, 1920-1987. Exposição que foi fortemente criticada no período por abordar quase 70 anos de produção artística sob a ideia do “fantástico” que restringiu a compreensão das ! ! 53

! continuava sendo na época parte da visão dos especialistas das metrópoles, a qual era criticada pelos especialistas da América Latina dinamizando o debate nas artes durante essa última década do século XX. Ao longo do capítulo temos apresentado um breve panorama dos caminhos que tem transitado o conceito de “arte latino-americana”. Estudo no qual procuramos identificar e caracterizar as principais perspectivas da crítica de arte latino-americana e suas sínteses conceituas em torno desse conceito. Ora, o questionamento surgido durante a década de 1990 sobre a continuidade do emprego e significado do conceito de “arte latino-americana” como categoria estética deixa- nos a pergunta sobre a dinâmica, valor e significado que essa categoria desempenha agora no século XXI. Ponto de partida para futuras pesquisas que empreendam o estudo sobre os atuais debates no campo das artes visuais da América Latina como “debates com história”. Uma história na qual a “arte latino-americana” parece abrir-se e fechar-se alternadamente.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! poéticas e práticas artísticas latino-americanas a um único conjunto de critérios. No capitulo 3 desta dissertação discutimos essa exposição e sua crítica.

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3. DIVERSOS OLHARES SOBRE A ARTE DA AMÉRICA LATINA

Somos, com nosso pesar, latino-americanos. E uma das características do latino-americano é perguntar-se o que é um latino-americano. Por quê? Porque impuseram-nos desde fora procurar essa identidade.50 (Emir Rodríguez Monegal, 1975)

3.1. O OLHAR MULTICULTURAL DO BOOM

Os anos oitenta e noventa são considerados por vários críticos e teóricos como um período chave para as artes visuais da América Latina em relação a sua projeção em nível mundial. Durante essa época desenvolveu-se o chamado boom da arte latino-americana (SÁNCHEZ, 1994; GOLDMAN, 1994a; PIÑERO, 2014) fenômeno caracterizado pela proliferação de eventos e exibições, as quais apresentaram como parte de seus objetivos gerais: mostrar a arte e os artistas da América Latina nas capitais culturais; promover o estudo histórico e crítico da sua produção artística e cultural; incorporar a arte latino-americana na História da arte universal51; fortalecer a integração e formação multicultural do continente. O campo das artes plásticas e visuais de outras regiões fora do eixo euro-norte- americano também experimentou, durante esse período, fenômenos similares ao boom. Nesse sentido, pode se considerar o panorama em conjunto como um fenômeno maior que, como processo de difusão dessas práticas e produções artísticas, salientou categorias segundo sua procedência como arte asiática, arte africana, arte latino-americana. De forma que, paralelo à organização das exposições de arte latino-americana, também eram realizadas exposições dedicadas a outras regiões. Isto caracterizou as exibições do período como eventos que beneficiaram a vinculação entre padrões geográficos com os artísticos e os culturais. O interesse que surgiu no circuito internacional de incorporar a produção artística das regiões periféricas apresentou um vínculo importante com o multiculturalismo, o qual funcionou como uma ponte entre a gestão do “politicamente correto” das políticas !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 50 Do original: “Somos, a pesar nuestro, latinoamericanos. Y una de las características del latinoamericano es preguntarse lo que es un latinoamericano. ¿Para qué? Porque nos impusieron de afuera buscar esa identidad” (RODRÍGUEZ, 1975 apud PONTUAL, 1994, p. 65). 51 Pode observar-se que os objetivos expostos incorporam os fundamentos da luta multicultural nas artes plásticas e visuais. A crítica à noção universal da História da arte dominada pela cultura europeia convertida no grande relato das artes visuais (MOSQUERA, 1992 apud ANTE AMÉRICA, 1992) foi um dos eixos que mobilizou a promoção da arte latino-americana e das outras produções artísticas excluídas do pensamento universal do mundo das artes (WANNER, 2010, p. 186).

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! governamentais, o capital privado, o mercado da arte e as lutas dos movimentos sociais e multiculturais (GUASCH, 2000, p. 558). Isto permitiu estabelecer um diálogo que possibilitou gestar o financiamento e a promoção de eventos e exposições que promoveram a dinâmica multicultural no mundo das artes visuais (KILIÇ; PETZEN, 2013, p. 57). Assim, a promoção e visibilidade dos trabalhos de artistas das minorias e das periferias ganhou maior força através das exposições multiculturais. Por exemplo, a produção artística de diversas regiões foi apresentada tanto de forma específica, ou seja, em exposições dedicadas à arte plástica e visual de uma única região, como também de forma plural em exposições que abrangeram a produção artística de diversos lugares esperando promover a integração cultural, a diversidade artística e um diálogo mais horizontal. Objetivos que não eram facilmente atingidos como no caso de Magiciens de la Terre (1987) e a sua proposta curatorial que, assim como outras exposições52, foi muito criticada pelas contradições que apresentou em torno do tratamento das obras de arte, seu discurso e o enfoque multicultural. As exposições organizadas e financiadas sob a perspectiva multiculturalista converteram-se numa janela através da qual o grande público das metrópoles teve acesso a arte, a cultura e a história de lugares dos quais se sabia pouco ou quase nada. No caso da difusão da arte da América Latina, o fator do público – o espectador – ter desempenhado um papel importante para incentivar a gestão e o investimento na realização das exposições. Sua importância baseou-se nos aspectos sociais e culturais que podiam ser melhor recebidos e identificados pelo público dos centros culturais, sendo considerada a arte e a cultura da América Latina a melhor opção para esse objetivo (SÁNCHEZ, 1994, p. 15). A cultura da região foi considerada como uma das mais ocidentais dentre as antigas colônias, perspectiva baseada em várias de suas características como: as línguas oficiais que são europeias e a religião cristã predominante. Em relação à cultura norte-americana outras características de relevância foram: a proximidade geográfica e a relação sócio-histórica (PIÑERO, 2014, p. 160). De forma que uma das produções artísticas estrangeiras mais acessíveis para promover dentro das metrópoles foi a latino-americana. Outro fator determinante para a difusão da arte da região durante as décadas de oitenta e noventa foi o valor e a relevância que a produção artística latino-americana já tinha ganhado antes do multiculturalismo. Diversos eventos organizados na região e fora desta tinham contribuído para o desenvolvimento do campo das artes visuais fomentando a prática criativa,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 52 Na segunda parte do primeiro capítulo comentamos brevemente algumas dessas exposições, como Magiciens de la Terre (1987).

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! crítica e teórica. A fundação da Bienal de São Paulo em 1951 foi um dos primeiros eventos realizados na região em difundir a arte da América Latina no circuito internacional. Sua realização converteu-se numa referencia importante tanto para a fundação de outras bienais na região, especialmente, a partir dos anos sessenta53, sendo significativa a I Bienal Latino-americana (São Paulo, 1978), como para outros eventos em formato de simpósios, como o Simpósio de Austin em 197554. Eventos que contribuíram para o desenvolvimento da perspectiva histórica, crítica e criativa do campo das artes plásticas e visuais da América Latina. A difusão da produção artística e da reflexão teórica desta dentro da região foi muito importante para a construção de vínculos artísticos, culturais e acadêmicos, entre outros. O campo artístico se ampliou e enriqueceu conforme os vínculos entre os artistas, críticos e teóricos de cada país aumentava. A dissolução das fronteiras para as artes e o pensamento foi uma perspectiva valiosa que o circuito da arte na América Latina procurou desenvolver, principalmente a partir dos anos setenta. Não só para fomentar o conhecimento da arte e da cultura dos mais de vinte países que conformam a região, senão também para consolidar uma aliança cultural diante as culturas dominantes (TRABA, 2009, p. 143). As características que apresentou o desenvolvimento geral das artes visuais da região e as particularidades que mostraram cada geração de artistas, cada período no qual realizaram sua produção e cada país de procedência, foram fatores importantes pelos quais se apresentou em momentos específicos um interesse por parte de outros países em abordar e difundir em seu território a arte latino-americana. Interesse que, usualmente, esteve vinculado a aspectos de índole econômico e político (PONTUAL, 1994, p. 65; PIÑERO, 2014, p. 159). Nesse ponto é interessante, por exemplo, a perspectiva de Roberto Pontual (1994, p. 65), que considera que o interesse pela “reflexão global” sobre a produção artística de América Latina do século XX iniciou fora do território, o que tem suscitado a presença de um incisivo olhar proveniente de fora que tem obrigado aos latino-americanos a procurar uma identidade, sendo essa questão uma constante problemática na arte da região. Por outro lado, estão os benefícios que têm fornecido à produção artística as exibições organizadas fora da

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 53! Ver no artigo do crítico de arte Juan Acha Las bienales en América Latina de hoy. Revista del arte y la arquitectura en América Latina de hoy, Medellín, v. 2, n. 6, p. 14-16, 1981.! 54 Vários críticos e teóricos de arte fazem referência a este simpósio, organizado pela Universidade de Texas, como um evento relevante que reuniu pela primeira vez um amplo número de profissionais do campo das artes de América Latina. O Crítico de arte Romero Brest, que não assistiu, faz uma análise interessante do simpósio em El artista latino-americano e sua identidade. Plástica, Órgano Cultural de la Liga de Estudiantes de Arte de San Juan. San Juan, n. 2, p. 26-30, 1978.

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! região, as quais incrementaram a circulação de obras de arte, os debates com troca de ideias, a formação do público e do meio especializado, entre outros (PONTUAL, 1994, p. 67). Nas análises sobre a difusão e a representação das artes plásticas e visuais da América Latina fora da região, os Estados Unidos aparece como um dos países que tem apresentado um reiterado interesse por exibir a arte e a cultura latino-americana durante o século XX. Por exemplo, Roberto Pontual (1994, p. 65) distingue quatro períodos específicos em que as políticas de gestão cultural estadunidense promoveram a produção artística da América Latina. Outros estudos, como o realizado por Gabriela Piñero (2014, p. 159) apresentam um esquema formado por três períodos. Os esquemas de ambos os autores coincidem nos dois primeiros períodos, o terceiro período de Pontual fica só e o quarto concorda com o terceiro de Piñero. Antes de abordar os últimos períodos assinalados em ambos os esquemas, que são o recorte temporal do objeto de estudo de nossa pesquisa, acreditamos ser válido abordar brevemente os períodos prévios para compreender melhor os aspectos que os caracterizaram e os diferenciaram. O primeiro período podemos o situar inicialmente na década dos anos trinta com as políticas do “Bom vizinho” e o New Deal do presidente Roosevelt que impulsionaram o trabalho dos muralistas mexicanos (PONTUAL, 1994, p. 65). O interesse continua durante a primeira metade da década seguinte, marcada pela Segunda Guerra Mundial, incitado pela preocupação dos Estados Unidos pela simpatia que vários países da América Latina mostraram pelo fascismo, sendo motivo para estudar e analisar a região (PIÑERO, 2014, p. 159). As artes não foram a exceção e alguns museus começaram a adquirir obras de artistas latino-americanos. O Museum of Modern Art de Nova Iorque (MOMA) foi um dos museus que mais fortaleceu sua coleção sobre a arte da região (exibida por primeira vez em 1943) e que desenvolveu exposições de grande relevância como: Diego Rivera (1931), Veinte Siglos de Arte Mexicano (1940) e Portinari of Brazil (1943). Além da aquisição de obras foram criados novos espaços para sua exposição e promoção, como o Programa de Exibição da União Pan- americana55, fundado na década dos anos quarenta em Washington D.C., sob a direção do crítico de arte cubano José Gómez Sicre.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 55 Em 1948 a União Pan-americana é renomeada como a Organização de Estados Americanos (OEA). Em 1976 a OEA fundou o Museu de Arte das Américas, o qual adquiriu a coleção do Programa de Exibição da União Pan-americana.

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Apesar da importante difusão das artes da América Latina durante esse período, os espaços destinados a mostrar as obras tiveram a característica de estar separados das exibições centrais, ou seja, a apresentação das obras foi delimitada a sua categoria como arte latino- americana. Esse aspecto provocou que a produção artística precisara de espaços específicos para sua exibição sendo afastada das principais exposições do cânon moderno europeu. Esta dinâmica na exibição da produção artística da América Latina foi comum durante os períodos assinalados, no entanto, no último deles converteu-se em objeto de crítica. A consolidação dos Estados Unidos como potência hegemônica e a Revolução Cubana, em 1959, marcam o início do segundo período que se alarga até 1970. O interesse político estratégico do país do norte pela América Latina continua sendo, neste período, um fator importante na promoção das artes da região, principalmente, pela problemática política dos Regimes Ditatoriais, não esqueçamos, apoiados pelos Estados Unidos. Segundo Pontual (1994, p. 66), duas exposições do período confirmam essa necessidade de abordar a questão latino-americana, El arte de América Latina desde la Independencia, organizada pela Yale University, e La Década Emergente: Pintores e Pinturas de América Latina en los Años 60, exibida no Guggenheim Museum de Nova Iorque. Outro aspecto relevante é o aumento de investimento de capital estadunidense na fundação de instituições de gestão cultural em diversas cidades da região, sendo a Fundação Rockefeller uma das maiores colaboradoras. Centros como o Instituto Torcuato di Tella, em Buenos Aires, foram fundados e prontamente se converteram em espaços culturais que promoveram as vanguardas latino-americanas na região e fora dela. A aprovação de bolsa para artistas, críticos e teóricos da América Latina foi também um fenômeno importante no período, entre as quais se destacou a Bolsa Guggenheim (PIÑERO, 2014, p. 160). Em 1974, inicia-se o terceiro período assinalado por Pontual (1994, p. 66) o qual apresentou uma característica diferente dos dois períodos anteriores. Além do aumento das exposições realizadas nos Estados Unidos, a própria América Latina ganhou relevância dentro do âmbito internacional como sede de exposições e eventos. Foram celebradas em 1978, por exemplo, as primeiras Bienais Ibero-americanas de Pintura (Cidade de México), realizaram- se a Reunião Interamericana de Diretores de Museus de Arte (Oaxaca), o Encontro Ibero- americano de Críticos de Arte e de Artistas Plásticos (Caracas) e a I Bienal Latino-americana (São Paulo). O quarto período de Pontual coincide com o terceiro assinalado por Piñero. Este período se inicia na segunda metade da década de oitenta e abarca a década de noventa, sendo

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1991 e 1992 os anos em que se realizou a maior quantidade de exposições (ISE, 2011 p. 39). O boom da arte latino-americana é o termo que vários autores, como Pontual e Piñero, têm utilizado para referir-se a este período (SÁNCHEZ, 1994, p. 11; GOLDMAN, 1994a, p. 89). Entre os fatores que fundamentaram o surgimento do boom destacam-se; as Guerras de Centro-América que incentivaram o financiamento de eventos culturais e artísticos pelo interesse político e estratégico dos Estados Unidos nessa região e suas relações políticas com América Latina (GOLDMAN, 2014b, p. 100); o investimento das maiores casas de leilão do mercado da arte como Christie’s e Sotheby’s que promoveram a venda da arte latino- americana incrementando tanto seu valor monetário como seu valor cultural (PONTUAL, 1994, p. 67); a celebração do V Centenário da chegada de Cristóvão Colombo a América; o fenômeno da pós-modernidade e o multiculturalismo que promoveram os enfoques plurais e a reflexão sobre a noção da diferença na cultura e nas artes.

A política do multiculturalismo no país do norte e a nova preocupação pela diferença e a alteridade fomentaram a promoção de exposições sobre regiões tradicionalmente rejeitadas com produções artísticas distintas às patrocinadas pelo cânon modernista. A atenção especial que América Latina e sua arte receberam neste período pode explicar-se por uma série de fatores. A proximidade do aniversário da chegada de Colombo a América situou a representação da região e suas produções artísticas na agenda política do “norte” e dos países europeus do traçado colonial. Por outro lado, como assinalou Adriano Pedroza, o interesse na arte da América Latina durante esses anos pode explicar-se porque, a partir da “perspectiva do hemisfério norte, os latino-americanos podem representar ao outro mais acessível.56 (PIÑERO, 2014, p. 160, grifo do autor, tradução nossa)

Além de promover as exposições e os eventos do boom da arte latino-americana, o multiculturalismo teve um papel relevante no debate sobre a representação e a identificação da produção artística da região em relação a questão sobre sua participação no circuito internacional. O caráter pós-moderno do chamado gosto pelo outro que mostrou o multiculturalismo como – o interesse do Ocidental pelo Outro – dos países centrais (como os Estados Unidos e vários países europeus) pelas artes plásticas e visuais da América Latina, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 56 Do original: La política del multiculturalismo en el país del norte y la nueva preocupación por la diferencia y la otredad fomentaron la promoción de exposiciones sobre regiones tradicionalmente relegadas con producciones artísticas distintas a las patrocinadas por el canon modernista. La atención especial que América Latina y su arte recibieron en este periodo puede explicarse por una serie de factores. La proximidad del aniversario de la llegada de Colón a América situó la representación de la región y sus producciones artísticas en la agenda política del “norte” y de los países europeos del trazado colonial. Por otro lado, como señaló Adriano Pedroza, el interés en el arte de América Latina durante estos años puede también explicarse porque, desde “la perspectiva del hemisferio norte, los latinoamericanos pueden representar al otro más accesible”.

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! revelou outros aspectos que contrariaram a idealização sobre o multicultural57. Por um lado, o objetivo de promover e dar visibilidade a arte latino-americana através de eventos e exibições fomentados pelo multiculturalismo beneficiou a produção artística da região, por outro lado, o questionamento e a crítica dessa dinâmica se iniciou com o observar e perguntar quem teve a autoridade na organização e na curadoria dessas exposições. Esse questionamento revela o gosto pelo outro que apresentou a dinâmica multicultural com o fato de que a maioria das exposições e eventos organizados durante o período do boom nas capitais culturais estiveram a cargo de especialistas em arte moderna europeu que conheciam pouco ou quase nada da história da arte latino-americana (RAMÍREZ, 1996, p. 230). Assim, o gosto pelo outro apresentou-se como um ato ideológico e de poder por parte das culturas dominantes, as quais atribuíram-se o direito de falar pelo Outro – o latino- americano, o africano, o asiático – e representar essa “outra arte” segundo seus gostos, expectativas, perspectivas e categorias, afastando a esse Outro da invenção da sua própria representação e história. Esse tipo de ato pode ser considerado uma violência do poder simbólico que, de acordo com Nelly Richard (1994 apud ISE, 2011, p. 33), expressa-se como o controle do ato ou processo de representar exercido através do domínio dos meios de difusão do discurso e seu significado. No campo artístico esse controle sobre os meios, o discurso e a sua significação se concentra primordialmente nos museus, exposições e catálogos. Nessa perspectiva, o fenômeno da curadoria invertida é um exemplo valioso sobre o controle da representação, já que esta curadoria se manifesta como o processo no qual “[...] os países receptores curam as exibições das culturas cuja arte vai-se expor, quase nunca no sentido oposto e isto parece o mais natural”58 (MOSQUERA, 2010, p. 74, tradução nossa). De forma que a curadoria invertida parece ser um fenômeno constante das exposições sobre a arte latino-americana realizadas nas capitais culturais; organizadas pelo seu próprio grupo de profissionais e com uma mínima ou nenhuma participação de especialistas latino-americanos. Esse controle sobre a representação das artes plásticas e visuais da América Latina, e das outras regiões periféricas, foi uma das principais contradições que apresentaram a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 57 Na crítica ao multiculturalismo o gosto pelo outro faz referência a distância eurocêntrica do Ocidental diante da especificidade do Outro o que provoca um sentido de superioridade. “[…] o multiculturalismo é uma forma de racismo negada, invertida, auto-referencial, um “racismo com distância”: “respeita” a identidade do Outro, entendendo-o como uma comunidade “autêntica” fechada, face à qual ele, o multiculturalista, mantém uma distância que se faz possível graças a sua posição universal privilegiada” (ŽIŽEK, 1998, p. 172, tradução nossa, grifo do autor). 58 Do original: [...] os países receptores curan las muestras de las culturas cuyo arte se va a exponer, casi nunca al revés, y esto parece lo más natural.

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! exposições e eventos promovidos pelo multiculturalismo. “É curioso que o multiculturalismo tenha feito pouco dentro dos centros por exigir às instituições hegemônicas projetos de exposições de outras culturas realizados com a participação decisiva delas [...]”59 (MOSQUERA, 2010, p. 76, tradução nossa) Os questionamentos que surgiram a partir do papel do multiculturalismo nas exposições do boom, e em geral pelas características que essas apresentaram, fomentaram o debate no campo artístico da região sobre a representação, exibição e identificação da “arte latino-americana”. Segundo Piñero (2014, p. 160), o aumento da participação dos profissionais nas artes plásticas e visuais da América Latina na discussão e difusão da sua própria produção artística no circuito regional e internacional foi uma característica importante que diferenciou o período do boom dos períodos anteriores nos quais tinha aumentado a exibição da arte latino-americana fora da região. Nas décadas anteriores ao boom, a curadoria invertida foi um processo usual, quase “natural”, das exposições de arte latino-americana realizadas nas capitais culturais. No entanto, a partir dos anos oitenta os críticos, historiadores, curadores e artistas latino- americanos tiveram uma participação muito mais ativa e significativa nesse tipo de projeto. Isto graças à relevância e consolidação que a crítica de arte latino-americana tinha ganhado ao longo das décadas anteriores. A curadoria invertida converteu-se em um fenômeno pouco a pouco mais criticado e menos tolerado. O papel paradoxal como espectadores que receberam os críticos e curadores da região, especialistas na produção artística de seus países e sua história, provocou a indignação e a crítica. Numa nota da revista Arte em Colombia/Art Nexus Bélgica Rodríguez, que foi presidenta honorária da AICA (Associação Internacional de Críticos de Arte), com sarcasmo em relação a esse assunto perguntou: “Na Latino-américa não existem museus nem especialistas capazes? [...]”.60 O questionamento sobre o controle da exibição e da representação da “arte latino- americana” converteu-se em eixos importantes para a reativação do debate sobre a própria arte latino-americana sua crítica, teoria, prática e produção. O incremento da participação da crítica de arte latino-americana nas exposições do boom permitiu abrir o espaço para pensar e

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 59! Do original: Es curioso que el multiculturalismo haya hecho poco dentro de los centros por exigir a las instituciones hegemónicas proyectos es exposiciones de otras culturas hechos con la participación decisiva de éstas […].! 60 Ver em Brian Mallet. La crítica del arte latinoamericano y la crítica de arte en América Latina: El dado cargado. Historia Crítica, n. 13, p. 16-20, 1996. !

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! questionar a concepção homogênea, simples, acrítica e estereotipada que dominava o olhar “externo” sobre a arte da região (PIÑERO, 2014, p. 161). Assim começaram a ser organizadas exposições que ambicionaram fomentar novas abordagens que, além de ser capazes de mostrar a diversidade e a riqueza da produção artística da América Latina, combateram o discurso dominante da noção periférica dessa produção que acarretava um olhar etnográfico face à sua representação. O enfoque multicultural continuou sendo parte dessas exposições fomentado: a integração do continente, a visibilidade das singularidades da produção artística e a diversidade cultural. Dessa forma, podemos observar que as exposições multiculturais do boom da arte latino-americana não só incentivaram o debate sobre a produção artística da região mas também foram uma parte fundamental desse. Para aprofundar nossa análise sobre a importância das exposições e suas propostas curatoriais para o debate da “arte latino- americana” consideramos valioso destacar duas tendências as quais permitem-nos compreender melhor o desenvolvimento do debate tanto no eixo curatorial das exposições como na análise realizada sobre elas pela crítica de arte. As exposições da primeira tendência caracterizaram-se por apresentar nas suas propostas curatoriais uma perspectiva histórica e cronológica da arte latino-americana que, usualmente, forneceu uma vista panorâmica da produção artística devido ao amplo número de artistas selecionados e suas obras, os mais importantes de cada geração. Esse tipo de perspectiva privilegiou, na maioria dos casos, o período modernista latino-americano. Diego Rivera, Emilio Pettoruti, Frida Kahlo, Joaquín Torres-García, Roberto Matta, Wifredo Lam, Tarsila do Amaral, são alguns dos artistas cujos nomes converteram-se em requisito dos catálogos das exposições. Com frequência, suas obras viraram a imagem dos eventos aparecendo nas portadas dos catálogos (Figura 6 - Figura 10), convertendo-se em um tipo de eixo de sentido e de representatividade para toda a exposição. Outro aspecto importante que identificamos nas exposições dessa tendência é a curadoria invertida. As exposições apresentaram pouca ou nenhuma participação de relevância por parte de especialistas latino-americanos e foram exibidas, usualmente, só nas capitais culturais, sendo escassas as possibilidades de um diálogo multicultural através da participação do público latino-americano. Por outro lado, esse tipo de dinâmica permitiu que a “arte latino-americana” virasse uma categoria determinada pela crítica de arte moderna europeia sob noções de “primitiva”, “exótica”, “mágica”, “fantástica”. Esta tendência surgiu junto às primeiras exposições do boom da arte latino-

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! americana, e esteve presente com maior frequência durante a década dos anos oitenta. Das exposições que apresentaram esta tendência podemos citar: Art in Latin America. The Modern Era 1920-1980 (1989)61; Hispanic Art in the United States: Thirty Contemporary Painters and Sculptors (1988)62; Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 (1987); Latin American Artists of the Twentieth Century (1992). A segunda tendência que consideramos importante abordar corresponde às exposições que foram realizadas com maior frequência na década de noventa, que apresentaram uma alternativa diferente às exposições da primeira tendência assumindo uma postura crítica em relação a essas exposições declarando, em alguns casos, um caráter de contra-exposições. Como parte das características que apresentaram destacam-se a participação ativa e significativa de especialistas latino-americanos na organização e curadoria das exposições e o seu interesse por fomentar o diálogo multicultural através da apresentação das exposições em diversos espaços culturais ao longo do continente Americano. Outro aspecto importante das propostas curatoriais dessas exposições, relacionado à sua postura crítica, foi a abordagem sobre a representação e o discurso da “arte latino- americana” a qual promoveu a diversidade da produção artística e a compreensão sobre a sua transformação no seu desenvolvimento contrapondo-se a ideais como “pureza” e “originalidade”. Esses tipos de propostas deram maior ênfase à arte contemporânea latino- americana e, usualmente, preferiram selecionar um número menor de artistas para apresentar de forma mais significativa sua poética visual através da exibição de uma quantidade maior de suas obras. Alguns exemplos das exposições que apresentaram esse tipo de tendência são: Artistas Latinoamericanos en Nueva York desde 197063, El espíritu Latinoamericano: Arte y Artistas en Estados Unidos, 1920-1970 (1988)64; Transcontinental, 9 Latin American Artists (1990)65;

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 61 [Arte em América Latina. A Era Moderna 1920-1980]. No artigo Art in Latin America: permanência de lo pintoresco Aracy Amaral apresenta uma análise sobre esta exposição a qual foi organizada pela curadora Dawn Ades. Ver em: Visión del Arte Latinoamericano en la década de 1980. Lima: Proyecto Regional de Patrimonio Cultural, Urbano y Natural-Ambiental PNUD/UNESCO e Centro Wifredo Lam, 1994. 62![Arte Hispano nos Estados Unidos: Trinta Pintores e Escultores Contemporâneos]. Exposição organizada e curada por John Beardsley e Jane Livingston. Ver em: Piñero (2014, p. 166) e Sullivan (1994, p. 85).! 63 [Artistas Latino-americanos em Nova Iorque a partir de 1970]. Exposição organizada por Jacqueline Barnitz. Ver em Goldman (1994a, p. 90) e Sullivan (1994, p. 86). 64 [O espírito Latino-americano: Arte e Artistas nos Estados Unidos 1920-1970]. Exposição organizada e curada por Luis Cancel. Ver em Goldman (1994a, p. 90) e Sullivan (1994, p. 86). 65! [Transcontinental, 9 Artistas Latino-americanos]. Exposição organizada e curada por Guy Brett. Ver em: Piñero (2014, p. 174) e Guy Brett. Transcontinental. Fragmentos. In: Visión del Arte Latinoamericano en la década de 1980 Lima: Proyecto Regional de Patrimonio Cultural, Urbano y Natural-Ambiental PNUD/UNESCO e Centro Wifredo Lam, 1994.!

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Ante América (1992); Cartographies (1993). Com o propósito de enriquecer e aprofundar nossa pesquisa sobre as propostas curatoriais das duas tendências expositivas e o seu papel dentro do debate sobre a “arte latino- americana” apresentamos a continuação de uma abordagem sobre quatro exposições que tiveram grande relevância, tanto no desenvolvimento do debate que estamos estudando, como em geral no período do boom da arte latino-americana. Sua análise foi realizada através de seus catálogos, artigos acadêmicos e documentos da imprensa. Acreditamos que a abordagem das quatro exposições: Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 (1987), Latin American Artists of the Twentieth Century (1992) da primeira tendência e Ante América (1992), Cartographies (1993) da segunda tendência; enriquece e fortalece os argumentos que ao longo do capítulo temos apresentado e fornece uma maior compreensão em relação à dinâmica que apresentaram as exposições quanto à sua organização, sua proposta curatorial e os critérios de seleção das obras e dos artistas. De maneira que podamos abordar as obras de arte exibidas em relação à representação e ao discurso sobre a “arte latino-americana” assumido pelas exposições.

3.1.1. Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987

The Indianápolis Museum of Art foi a sede da exibição Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 (Arte do Fantástico: América Latina 1920-1987), realizada em 1987, entre os dias 28 de junho e 13 de setembro. Formou parte da celebração do Décimo Aniversário dos Jogos Pan-Americanos. Os críticos de arte estadunidenses Holliday T. Day e Hollister Sturges66 foram os encarregados pela proposta curatorial e pela seleção das obras. A exposição foi recebida com grande expectativa, sendo considerada um evento de destaque, o que motivou sua apresentação em outros espaços culturais como no Queens Museum of Art, em Nova Iorque, e no Center of the Fine Arts, em Miami. A grande expectativa em torno da Art of the Fantastic surgiu do que significava a realização de um evento com suas características nos Estados Unidos. A principal dessas foi, precisamente, que o eixo do evento fosse a abordagem e a apresentação das artes plásticas e visuais de América Latina. Um eixo que não tinha sido desenvolvido numa exposição de ampla magnitude – como Art of the Fantastic tinha a proposta de ser – em nenhum grande

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 66!Ver no “Apêndice A” desta dissertação mais informação sobre os curadores.!

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! museu do país norte-americano nos últimos 20 anos (DAY; STURGES, 1987, p. 10). Esse aspecto, além de motivar Day e Sturges para desenvolver o projeto, converteu-se na justificativa para o mesmo, sendo, por um lado, um meio para dar visibilidade à arte da região e, por outro, ser uma proposta atraente e inovadora para a gestão e inversão cultural estadunidense que estava interessada em promover a diversidade e o multiculturalismo. Tal interesse que era fomentado pelo aumento no mercado da arte latino-americana que cada vez era mais lucrativo, aspecto que facilitava o financiamento do governo e das corporações para esse tipo de eventos (SULLIVAN, 1994, p. 81). Outro fator importante para a proposta de Art of the Fantastic que aportou um maior significado a sua realização, foi a falta de conhecimento que nos Estados Unidos o público, tanto geral como o especializado, possuía sobre a prática e a produção artística da América Latina. Segundo Day e Sturges (1987, p. 10), além de serem pouco conhecidas, as publicações sobre o tema eram muito escassas nas livrarias e bibliotecas, ainda mais àquelas que abordavam o período após 1965. Daí o reduzido campo de estudo e investigação que contava com poucos especialistas no tema. Um panorama que as políticas culturais pretendiam minimizar por meio de exposições como a proposta por Day e Sturges.

Figura 6 – Capa do Catálogo da Exposição Art of the Fantastic: Latin America, 1920-1987, 1987. Imagem da Capa: Tarsila do Amaral. Floresta, 1929. Óleo sobre tela.

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De forma que Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 converteu-se numa das exposições mais ambiciosas realizadas até aquele momento sobre a arte latino-americana. Esteve composto por 29 artistas da região provenientes de onze países. México foi o país que contou com maior representação com sete artistas: Rufino Tamayo (1899-1991)67, Frida Kahlo (1907-1954), Alberto Gironella (1929-1999), Francisco Toledo (1940-), Alejandro Colunga (1948-), Rocio Maldonado (1951-) e German Venegas (1959-). Seguindo a Argentina com cinco artistas: Alejandro Xul Solar (1887-1963), Roberto Aizenberg (1928- 1996), Jorge de la Vega (1930-1971), Armando Rearte (1945-) e Guillermo Kuitca (1961-); e o Brasil com quatro artistas: Tarsila do Amaral (1886-1973), Antonio Henrique Amaral (1935-2015), Siron Franco (1947-) e Waldemar Zaidler (1958-). Também participaram os artistas cubanos Wifredo Lam (1902-1982), Luis Cruz Azaceta (1942-) e José Bedia Valdes (1959-); os colombianos Fernando Botero (1932-) e Beatriz González (1938-); os venezuelanos Armando Reverón (1889-1954) e Jacobo Borges (1931-); os uruguaios Joaquín Torres-García (1874-1949) e José Gamarra (1934-); o porto- riquenho Arnaldo Roche Rabell (1955-); a peruana Tilsa Tsuchiya (1928-1984); o nicaraguense Armando Morales (1927-2011); e o chileno Roberto Matta (1911-2002). A seleção desse grupo de artistas e seus respectivos trabalhos foi determinada por um conceito central, o fantástico, em torno do qual se desenvolveu a exposição. O fantástico foi considerado por Day e Sturges como “[…] uma das mais poderosas formas de expressão na cultura latino-americana [...]”68 (1987, p. 10, tradução nossa). Segundo os curadores, o fantástico tem sido abordado pelos artistas e escritores latino-americanos de uma forma particular que se diferencia das outras produções artísticas do século XX vinculadas ao surrealismo o qual também se enriquece do fantástico. Nesse sentido, Day e Sturges sugerem que o fantástico surge como algo espontâneo e fundamental do latino-americano baseado tanto na imaginação e na intuição, assim como também em outras fontes como a história cultural que inclui as religiões, os mitos e as práticas pré-colombianas. Essas características o diferenciam do surrealismo que se apresenta de forma mais teórica e sistemática, justamente como um ismo, enquanto o fantástico pode apresentar-se como um ingrediente de qualquer outro estilo, como o geométrico (DAY; STURGES, 1987, p. 38). !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 67 Os anos colocados ao lado dos nomes dos artistas fazem referência ao nascimento e morte dessa pessoa. Pensamos que é um dado importante que contribui com a leitura de nossa abordagem. 68 Do original: [...] one of the most powerful modes of expression in Latin American culture […]. !

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A arte fantástica é caracterizada pela justaposição, distorção ou amalgamação de imagens e/ou materiais que prolongam a experiência, contradizendo nossas expectativas normais de maneira formal ou iconográfica. Dispositivos como metamorfoses, híbridos incongruentes, deslocações no tempo e espaço, e mudanças em escala e materiais criam imagens fantásticas que quebram as regras do mundo natural.69 (DAY; STURGES, 1987, p. 38, tradução nossa)

Desta forma a ideia do fantástico caracterizada pela ruptura com o tempo e o espaço real, com o híbrido e a distorção, é utilizada para descrever a realidade latino-americana e como esta é representada nas obras de arte, sendo os diversos elementos culturais que a distinguem os que geram o fantástico na produção artística. Assim, o fantástico é entendido como um elemento que distingue a arte latino-americana e a diferença das outras produções, o que lhe permite ter um caráter próprio. Nas palavras de Day e Sturges, “Ao longo da fase de planeamento do projeto, o desenvolvimento da ideia do fantástico foi importante devido a seu papel determinante no estabelecimento da arte latino-americana no âmbito da cultura ocidental do século XX”70 (1987, p. 11, tradução nossa). Para fundamentar a importância do fantástico na arte latino-americana e a sua relevância como eixo central da exposição Art of the Fantastic, Day e Struges fizeram ênfase na sua proposta curatorial sobre o que eles chamaram seis impulsos culturais que, segundo eles, fundamentaram o caráter do fantástico nas artes plásticas e visuais da região durante o século XX. Os seis impulsos culturais representam, de acordo com os curadores, os 400 anos de desenvolvimento da identidade cultural latino-americana, que pese às diferenças existentes entre as nações da região, é compartilhada uma história que representa o vínculo traçado por seis impulsos culturais: “[…] sua fé católica; seu passado colonial; sua herança pré- colombiana e africana; suas instituições políticas em constante mudança; sua luta pela independência política, econômica e cultural da Europa e dos Estados Unidos; e finalmente;

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 69 Do original: Fantastic art is characterized by the juxtaposition, distortion, or amalgamation of images and/or materials that extend experience by contradicting our normal expectations formally or iconographically. Devices such as metamorphoses, incongruous hybrids, dislocations in time and space, and shifts in scale and materials create fantastic images which break the rules of the natural world. 70!Do original: Throughout the planning stage of the project, the development of the idea of the fantastic was important because of its defining role in establishing Latin American art within the framework of twentieth- century Western culture.

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! seu isolamento dos centros da Cultura Ocidental”71 (DAY; STURGES, 1987, p. 10, tradução nossa). Os seis impulsos mencionados foram explorados pelos artistas nos trabalhos que fundamentaram a Art of the Fantastic, segundo seus curadores, por meio de diferentes estilos e objetivos que corresponderam ao período geracional ao qual cada artista pertence, assim como também a sua relação com sua identidade nacional (DAY; STURGES, 1987, p. 40). Por exemplo, de acordo com os curadores, a igreja católica foi abordada por alguns artistas como fonte de espiritualidade, e por outros, como forma de opressão, mostrando uma variabilidade nas maneiras de interpretar seu papel. Da mesma forma com o período colonial abordado como uma herança de crenças e tradições que se misturam com a exploração e a exterminação dos povos pré-colombianos. Essa diversidade de interpretação se apresentou também, segundo os curadores, no tratamento da herança cultural pré-colombiana e africana, entre o interesse pelas raízes ancestrais e a construção da identidade cultural moderna. A questão da identidade também foi abordada por meio das obras que criticaram a opressão e a exploração que as nações latino- americanas têm sofrido por parte de seus governos e das potências mundiais. Uma condição que fortaleceu o isolamento geográfico e psicológico vivido desde a colônia e que, com o desenvolvimento da urbanização e a industrialização parece ter diminuído. A partir desses seis impulsos culturais da expressão da arte latino-americana – do fantástico – Day e Sturges analisaram e selecionaram as obras de arte que formaram parte de Art of the Fantastic. Essa seleção foi organizada em três seções que corresponderam a três gerações de artistas, sendo cada geração determinada por um período específico, e não pelas nacionalidades dos artistas, em um recorte de caráter histórico que abarcou desde 1920, com o início do modernismo nas artes da América Latina, até 1987, data da exibição. A primeira seção foi intitulada “The Early Modernists: Forging an Identity” (Os primeiros modernistas: Modelando uma Identidade). Nesta seção foram exibidas as obras de alguns dos artistas mais importantes da primeira geração do modernismo latino-americano. Segundo os organizadores, esta geração de artistas é de grande importância já que eles foram os primeiros a criar uma verdadeira Latinidade (Latin-ness) na sua arte, rompendo com os cânones acadêmicos da estética europeia e o estilo dominante, modelando assim uma !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 71! Do original: […] their Catholic faith; their Colonial past; their pre-Columbian and African heritage; their constantly changing political institutions; their struggle for political, economic, and cultural independence from Europe and the United States; and finally, their isolation from the centers of Western culture. !

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! identidade da arte latino-americana entrelaçada à herança pré-colombiana e africana.

Figura 7 – Armando Reverón. Boneca modelo tamanho natural, 1920-1954. Pano, tecidos, pintura, papel e arame. Representação de uma mulher “guajira”. Fonte: http://cdn.c.photoshelter.com/img-get2/I0000nDuwAI1VTSU/fit=1000x750/070627LB027.jpg

Entre os trabalhos mais importantes que foram exibidos nesta seção, que forneceram uma ênfase singular à questão da identidade proposta pelos curadores, encontramos as pinturas Abaporu (1928), da artista Tarsila do Amaral, e Leão e Cavalo (León y Caballo, 1942) do artista Rufino Tamayo. Outro trabalho que tratou essa questão e que chama nossa atenção são as bonecas de pano do artista Armando Reverón (Figura 7), que ressaltaram dentre as outras obras desta seção (a maioria pinturas) apesar de não ter sua mesma relevância, já que essas bonecas de tamanho natural eram utilizadas por Reverón como modelos para suas pinturas, não sendo criadas como obras em si mesmas. Na opinião de Edward Sullivan, as bonecas de Reverón são uma parte importante para compreensão da obra do artista, no entanto, elas não deveriam ter sido expostas em Art of the Fantastic como parte da obra de Reverón, já que elas não foram criadas com esse objetivo (1988, p. 377). Na nossa perspectiva, as bonecas mostram uma riqueza estética e uma força expressiva pela qual mereceram ser expostas, no entanto, também se pode observar que a decisão de Day e Sturges de exibi-as obedeceu outros aspectos relacionados à representação

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! do fantástico, o mágico e o misterioso da arte latino-americana que, como expressa Sullivan, pretendeu exemplificar o “imaginário exótico” desses artistas (1988, p. 377).

Figura 8 – Fernando Botero. Autorretrato con Luis XIV después de Rigaud [Autorretrato com Luis XIV depois de Rigaud], 1973. Óleo sobre tela, 289.5 x 197 cm. Museo de Arte Contemporáneo, Caracas. Fonte: https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/736x/29/31/3e/29313e34108ceb4713f980f0a058d160.jpg

“Generation in Conflict” (Geração em conflito) foi a segunda seção da exposição, formada pela geração de artistas que ganharam relevância no circuito regional e internacional das artes a partir da década de sessenta e setenta. Vários deles beneficiados pelo aumento na fundação de Bienais durante essas décadas que forneceram-lhes: prestígio pessoal e profissional, visibilidade a seu trabalho e a sua incorporação no esquema internacional do mercado da arte72. Artistas como Fernando Botero (Figura 8), Armando Morales e Tilsa Tsuchiya foram apresentados como parte dessa geração que foi partícipe de uma série de mudanças no mundo das artes relacionadas às novas linguagens visuais73 e às exigências do

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 72 Ver no artigo do crítico de arte Juan Acha Las bienales en América Latina de hoy. Revista del arte y la arquitectura en América Latina de hoy, Medellín, v. 2, n. 6, p. 14-16, 1981. 73 Os artistas escolhidos para essa parte da exposição desenvolveram a maior parte da sua obra na tradição da pintura e da escultura. As obras expostas em “Generation in Conflict” são na sua maioria pinturas. Esse aspecto é ! ! 71

! mercado. A última seção foi “The Contemporaries: Confrontation with Mass Culture” (Os Contemporâneos: confrontação com a cultura de massa) dedicada à geração de artistas mais jovens74 e às particularidades da sua época, caracterizada pela aceleração das redes de informação e do mercado. Esta parte da exposição foi a mais plural em relação às tendências estéticas e aos temas abordados pelos artistas.

Figura 9 – Arnaldo Roche. You have to dream in blue [Você tem que sonhar em azul], 1986. Óleo sobre tela, 84 x 60 pol. Coleção do artista. Fonte: http://aprender-con-arte.weebly.com/uploads/1/3/6/8/13682182/944580297.jpg?292

Rocío Maldonado e Germán Venegas, por exemplo, mostraram em suas obras referências da identidade latino-americana, sugeridas pela exposição mesma, como símbolos

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! relevante se consideramos que outros artistas contemporâneos a essa geração empregavam nos seus trabalhos outras linguagens visuais, como os artistas venezuelanos da arte cinética Jesús Soto e Carlos Cruz-Diez, e os artistas brasileiros do neo-concretismo Hélio Oiticica e Lygia Clark, ausentes na exposição. A noção de Conflito utilizada para caracterizar a essa geração sugere, segundo nossa perspectiva, a questão sobre o desenvolvimento da “arte latino-americana” durante o período e o problemático que parece tornar-se sua identificação – sua expressão do fantástico – com o cosmopolitismo dos artistas e o seu interesse por outros temas e linguagens visuais. 74 Todos os artistas dessa última parte, à exceção de Luis Cruz Azaceta, tinham naquele momento menos de quarenta anos de idade.

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! espirituais e religiosos da tradição popular, particularmente mexicana, e os associaram com elementos da cultura de massas. Nesse sentido, parece-nos imprecisa a palavra “confrontação” com a cultura de massas usada para esse grupo de artistas quando sua pluralidade e contemporaneidade sugere-nos que também acontece um reconhecimento e apropriação da cultura de massas como parte da sua época. Outros artistas, como Luis Cruz Azaceta e Arnaldo Roche expandiram o tema a outras questões. Azaceta com sua obra A Viagem (The Journey, 1986) apresentou um tipo de paralelismo entre a difícil viagem que muitos cubanos iniciam em direção aos Estados Unidos e a ideia de que a vida e a experiência humana podem entender-se como uma viagem árdua e incerta. E Roche com sua obra Você tem que sonhar em azul (Have you to dream in blue, 1986. Figura 9) aborda de forma singular o tema do corpo a partir de si mesmo. O artista propõe em sua obra uma exploração da forma física e da essência do corpo que retrata através de uma técnica própria de frottage, a qual dá uma intensidade a sua obra e enfatiza a intimidade que surge entre ela e o Roche.

3.1.2. Latin American Artists of the Twentieth Century

A segunda exposição à qual gostaríamos de fazer referência é Latin American Artists of the Twentieth Century (Artistas Latino-Americanos do Século XX). Esta exposição foi promovida pela Comisaría da Ciudade de Sevilla, Espanha, pela celebração do V Centenário da chegada de Cristóvão Colombo a América, que é comemorado na Espanha como o Día de la Hispanidad. Através do Conselho Internacional foi solicitado ao Museum of Modern Art de Nova Iorque (MOMA) que a organizasse. Naquele momento o estadunidense Waldo Rasmussen75 era o Diretor do Programa Internacional do Museu e aceitou com grande expectativa a curadoria da exposição. Durante seu desenvolvimento como projeto a exposição ganhou grande relevância no ambiente artístico e na gestão cultural, não só pelos aspectos que tinham propiciado sua realização como também pelo caráter e significado que Rasmussen lhe estava atribuindo. Por um lado, Latin American Artists of the Twentieth Century, segundo o proposto por Rasmussen, poderia converte-se na maior exposição realizada sobre a arte da América Latina, contando com a participação de mais de noventa artistas e uma mostra formada por

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 75 Ver no “Apêndice B” desta dissertação mais informação sobre o curador.!

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! aproximadamente 300 obras. Por outro lado, sua realização reafirmaria o papel que orgulhosamente o MOMA mostrava como promotor da arte latino-americana por ter sido a primeira instituição fora da América Latina a colecionar e exibir a arte da região com a exposição dedicada à obra do artista mexicano Diego Rivera, em 1931 (RASMUSSEN, 1993, p. 11).

Figura 10 – Capa do Catálogo da Exposição Latin American Artists of the Twentieth Century, 1993. Imagem da Capa: Tarsila do Amaral. O ovo ou Urutu, 1928. Óleo sobre tela.

As particularidades do projeto permitiram que ganhasse o apoio e o financiamento de importantes organizações como A Fundação Rockefeller76, El Banco Mercantil de Venezuela, The National Endowment for the Arts77, entre outras. Com seu apoio Latin American Artists of the Twentieth Century deixou de ser uma proposta e se converteu numa realidade,

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 76 A fundação Rockefeller teve uma participação muito ativa no apoio e no financiamento dos diversos eventos e exposições organizadas durante as décadas de oitenta e noventa. Esse interesse pela arte latino-americana esteve presente a partir da década de sessenta com o financiamento de centros culturais como o Torcuato Di Tella em Buenos Aires, Argentina. 77 The National Endowment for the Arts (NEA) é uma Agência Federal do Governo dos Estados Unidos encarregada de financiar, promover e fortalecer a prática e a participação artística do povo estadunidense. !

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! convertendo-se na maior exposição até aquele momento sobre a arte latino-americana, sendo exibida em várias das capitais culturais mundiais ganhando um grande número de visitantes. A exposição foi inaugurada na Plaza de Armas de Sevilla em agosto de 199278. Posteriormente foi exposta em várias cidades europeias como em Paris, no Musée Nacional d’Art Moderne do Centre Georges-Pompidou e no Hôtel des Arts, e na cidade de Colônia, Alemanha, no Josef-Haubrich Kunsthalle. Sua última exibição se realizou no Museum of Modern Art de Nova Iorque, entre os dias 6 de junho e 7 de setembro, em 1993. Esta última mostra de Latin American Artists of the Twentieth Century foi considerada a mais emblemática e esperada de todas por ter sido precisamente o MOMA a instituição encarregada da sua organização e da publicação do catálogo, sendo essa exibição a mais mencionada pelos críticos, e assim a mais lembrada. Segundo Rasmussen, a realização de uma exposição com as características que apresentou Latin American Artists of the Twentieth Century era necessária para fornecer uma mudança na condição de exclusão que a arte latino-americana experimentava no panorama do circuito internacional das artes visuais. A negligência por parte das instituições culturais devia ser combatida com o apoio e a promoção de eventos que fomentaram o conhecimento e estudo. “Foi a relativa indiferença para com a arte latino-americana o que me impulsionou primeiramente a desenvolver um projeto para uma grande exibição sobre essa arte, com o qual eu esperava ajudar a corrigir essa situação”79 (RASMUSSEN, 1993, p. 16, tradução nossa). Esse aspecto da fundamentação da exposição mostra a importância que o movimento multicultural exercitou dentro das políticas internacionais de gestão artística e cultural. A luta contra exclusão de artistas e suas obras converteu-se em parte do “politicamente correto”, sendo um discurso recorrente dos eventos. “Meu anseio mais profundo é que os artistas latino-americanos se unam mais plenamente à comunidade mundial de artistas nos termos de igualdade e dignidade que merecem”80 (RASMUSSEN, 1993, p. 17, tradução nossa). Ora, para concretizar a participação da arte latino-americana no contexto internacional é preciso, além de sua difusão em eventos e exposições agendadas, sua aquisição e coleção

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 78 Matéria do Canal Sur da exposição em Sevilla. Ver em: https://www.youtube.com/watch?v=3frGQZOOzxc Acesso em: 15 fev. 2017. 79 Do original: It was this relative indifference to Latin American art that first led me to develop a project for a major exhibition of this art, which I hoped might help redress the situation. 80 Do original: My deepest dream is for Latin American artists to join more fully the world community of artists on the terms of equality and dignity they deserve. !

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! nas galerias e museus. Fator que a exposição também pretendeu fornecer a partir do próprio centro promotor, o MOMA. De forma que Latin American Artists of the Twentieth Century funcionou não só como uma plataforma para a exibição da arte latino-americana, pensada em propiciar sua mostra e valorização junto a suas contrapartes norte-americanas e europeias, mas que também deu força e crédito ao mercado de arte latino-americano que tinha apresentado um grande crescimento e aumento em suas projeções (PONTUAL, 1994, p. 67). Os diversos aspectos que pretendeu atender esta exposição fizeram que a sua organização fosse dirigida a partir de uma perspectiva mais pontual e objetiva, a histórico- cronológica, tentando deixar de lado ideias e conceitos – como o mágico, o misterioso e o exótico – que tinham sido questionados em eventos prévios. Assim, a exposição propôs fornecer uma visão ampla das diversas e complexas vertentes da arte latino-americana através do agrupamento das obras de forma cronológica, evitando também a ordem pela nacionalidade. O não agrupamento pela nacionalidade responde à necessidade que fala Rasmussen de contrariar a interpretação nacionalista da produção artística. “[...] evitei conceitos – como aqueles que enfatizam a natureza exótica, folclórica, surrealista ou política – que reduzem a complexidade das contribuições dos artistas. Em vez disso, tentei explorar o trabalho intensamente rico dos artistas latino-americanos da maneira mais inclusiva e aberta possível”81 (RASMUSSEN, 1993, p. 16, tradução nossa). Podemos observar que a proposta de Latin American Artists of the Twentieth Century esteve dirigida na promoção de uma abordagem que desestima a ideia de que os artistas latino-americanos compartilham uma identidade que possa ser definida com facilidade, ou, que os separe dos outros artistas. De maneira que foi privilegiada uma visão em conjunto das artes plásticas e visuais da América Latina organizada a partir das afinidades estilísticas com o fim de providenciar uma ampla visão de seu desenvolvimento histórico. A perspectiva histórico-cronológica da exposição privilegiou a seleção das obras dos artistas considerados mais importantes e influentes da arte latino-americana a partir de 1914, com a primeira geração de modernistas, até aos artistas contemporâneos, incluindo aqueles que residiam nos Estados Unidos82. Apesar da amplitude em número de artistas e obras que

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 81 Do original: [...] avoided concepts such as those that stress the exotic, folkloric, surrealist, or political that reduce the complexity of the artists contributions. Instead, I have attempted to explore the intensely rich body of work by Latin American artists as inclusively and openly as possible. 82 O “Apêndice B” desta dissertação apresenta a lista dos artistas que formaram parte da exposição Latin American Artists of the Twentieth Century.

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! conformou o evento o critério de seleção deixou de fora vários artistas importantes83 que consideramos, além de ter enriquecido com sua participação a noção de pluralidade e heterogeneidade que a exposição tinha como objetivo fornecer, foi uma falta de apreciação e reconhecimento do trabalho dos artistas excluídos que, na sua maioria, eram provenientes dos países menos desenvolvidos da América Latina, como a região Centro-americana e Caribe.

Figura 11 – Tarsila do Amaral. Antropofagia, 1929. Óleo sobre tela, 126 x 142 cm. Coleção privada. Fonte: Latin American Artists of the Twentieth Century: A selection from the exhibition, 1993.

As obras selecionadas foram organizadas em oito seções que representaram os principais movimentos e correntes estéticas da História da arte latino-americana84. A primeira foi intitulada “Early Modernism” (Primeira Geração de Modernistas), e abrangeu artistas como Rafael Barradas, Xul Solar, Tarsila do Amaral e Diego Rivera. A seção deu grande ênfase às características que os artistas compartilhavam como: a formação em escolas acadêmicas do modelo europeu; sua posterior renúncia aos cânones clássicos pela influência do modernismo e a criação de uma poética visual própria de reconciliação entre a modernidade e a experiência latino-americana. Nessa perspectiva, obras como Paisagem !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 83 Alguns exemplos: o costarriquenho Francisco Zúñiga, a jamaicana Petrona Morrison, o equatoriano Oswaldo Guayasamín, a peruana Tilsa Tsuchiya, o guatemalteco Luis González Palma, o nicaraguense Armando Morales, a hondurenha Teresita Fortín, o peruano Fernando de Szyszlo. 84 Ver em no documento de imprensa Latin American Artists of The Twentieth Century (1993).!

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! zapatista (Paisaje zapatista, 1915) e Antropofagia (1929) foram de relevância para a seção. “Expressionism and Landscape Painting” (Expressionistas e Paisagistas) foi o nome da segunda seção. As obras de artistas como Armando Reverón, José Cúneo Perinetti e Pedro Figari constituíram este espaço no qual a diversidade nas formas de exploração e interpretação da pintura de paisagem foi um dos aspectos mais relevantes e interessantes. Assim, observamos obras como a Pampa (sem data) de Figari, que é associada às paisagens de Van Gogh, Bonnard e Vuillard85, e obras como Paisagem em Azul (Paisaje en Azul, 1929) de Reverón que mostra sua experiência sobre a costa caribenha de Macuto, na Venezuela.

Figura 12 – Frida Kahlo. Las dos Fridas [As duas Fridas], 1939. Óleo sobre tela, 173,5 x 173 cm. Museo de Arte Moderno, Ciudad de México. Fonte: Latin American Artists of the Twentieth Century: A selection from the exhibition, 1993.

A terceira seção “Mexican Painting and Social Realism” (Pintores Mexicanos e Realismo Social), abordou o conteúdo político que foi mais explícito, a partir da segunda metade da década de vinte, na produção artística. São apresentadas algumas obras dos três grandes muralistas mexicanos Diego Rivera, José Clemente Orozco e David Alfaro Siqueiros, artistas que promoveram como função primaria da arte a educação das massas, motivo pelo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 85 Uma comparação que Rasmussen assinala no Catálogo (1993, p. 13).

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! qual adotaram o realismo para fazer mais claro o conteúdo de suas obras. Em relação ao realismo e o tema da consciência social foram também apresentadas as obras de artistas argentinos como Antonio Berni e brasileiros como Cândido Portinari e Emiliano Di Cavalcanti. Artistas importantes da arte regionalista a qual dominou o ambiente artístico desse período. Foram também apresentadas algumas obras das mexicanas Frida Kahlo e María Izquierdo com a diferença de que, em relação aos muralistas, ambas as artistas tratam a questão política no nível mais pessoal, sendo o autobiográfico um caráter importante da obra dessas pintoras. Por exemplo, a obra As duas Fridas (Las dos Fridas, 1939. Figura 12), trata, segundo nossa perspectiva, sobre a luta política da identidade, uma luta que Frida representa mediante seu duplo retrato, de um lado a Frida branca e europeia que sangra e, do outro, a Frida mexicana ligada ao pequeno retrato de Diego, um vínculo da sua mexicanidade que parece pequeno, mas é poderoso. “Surrealism and Lyric Abstraction” (Surrealismo e Abstração Lírica) é a quarta seção da exposição na qual encontramos artistas como Roberto Matta, Wifredo Lam e Rufino Tamayo, considerados os mais destacados deste grupo. Obras importantes como A vertigem de Eros (Le vertige d’éros, 1944), A Selva (La Jungla, 1943) e Moça atacada por um estranho pássaro (Muchacha atacada por un extraño pájaro, 1947) foram fundamentais para essa seção, que também deu ênfase ao percurso dos artistas e as suas experiências em relação a sua estadia na Europa e à Segunda Guerra Mundial. A quinta seção “Geometric Abstraction and Kinetic Art” (Abstração Geométrica e Arte Cinético), abordou o construtivismo considerado uma das correntes estéticas mais importantes da América Latina a qual teve como maior representante a Joaquín Torres- García, artista que contribuiu para impulsionar os movimentos abstratos na região. Foram expostas as obras dos artistas mais representativos da arte abstrata e as diversas vertentes como: Persistência de um contorno Madí (Persistencia de un contorno Madí, 1946) da artista Diyi Laañ e Dada (1936) de Carmelo Arden, ambos do Grupo Madí integrado por artistas argentinos e uruguaios, assim como a Asociación Arte Concreto-Invención da qual obras de artistas como Enio Iommi e Lidy Prati foram exibidas.

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Figura 13 – Diyi Laañ. Persistencia de un contorno Madí [Persistência de um contorno Madí], 1946. Esmalte sobre madeira, 44 x 84.5 cm. Coleção privada. Fonte: Latin American Artists of the Twentieth Century: A selection from the exhibition, 1993.

Outros movimentos de grande relevância que integraram a seção foram o Neo- concretismo brasileiro representado pelas obras de artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica, e a Arte cinética e ótica representada por trabalhos como Mural de luz contínua: Formas em contorção (1966) do argentino Julio Le Parc e Escritura Global (1970) do venezuelano Jesús Rafael Soto. “New Figuration, Pop Art, and Assemblage” (Nova figuração, Arte Pop e Montagem) é uma seção interessante que mostrou parte da variedade de métodos que os artistas latino- americanos experimentaram e empregaram nos seus processos criativos a partir da década de 1950. Métodos que estiveram ligados ao tratamento e expressão de um dos períodos mais repressivos da história da região, sendo o trabalho deste grupo de artistas uma resposta crítica, social e política. Artistas como Fernando Botero, Jacobo Borges e Jorge de la Vega formaram parte da seção. A sétima seção intitulada “Recent Painting and Sculpture” (Pintura e Escultura Recente) foi, junto a oitava seção, o espaço da exposição dedicado à arte contemporânea da América Latina. Ambas as seções foram destinadas à mostrar a diversidade da produção artística dentre finais da década de setenta até inícios de noventa. Esse aspecto as caracteriza como as duas seções mais pluralistas do evento. Por exemplo, as obras de artistas ligados à arte conceitual, como Luis Camnitzer, Ana Mendieta, Waltercio Caldas e Frida Baranek, interessados em linguagens alternativas à pintura e à escultura tradicional, compartilharam o espaço com as obras de artistas como Julio Galán, Liliana Porter e Arnaldo Roche Rabell, que mantém como linguagem a pintura e como estilo o figurativo. ! 80

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A última seção, que parece dar continuidade à anterior por não ter tido título e ter exposto arte contemporânea, esteve constituída por três instalações criadas especialmente para Latin American Artists of the Twentieth Century86. Segundo Encontro (Segundo Encuentro, 1992) foi a instalação que o artista José Bedia realizou a qual abordou precisamente o tema da comemoração do V Centenário em relação à violência do colonialismo e o seu legado. O artista Tunga apresentou Palindromo incesto (1992) formada por grandes recipientes de ferro, rodeados de aros suspensos, longas fitas de cabo de cobre e quatro toneladas de imãs; e o artista Alfredo Jaar instalou um quarto escuro para revelação fotográfica chamado Blow-Up, uma proposta caracterizada pela importância do expectador como participante ativo da obra.

Figura 14 – Tunga. Palindromo incesto, 1992. Instalação (imãs, cobre, ferro, aço e termômetros), 850 x 500 cm espaço aproximado. Coleção do artista. Vista da instalação, Galerie Nationale du Jeu de Paume, Paris. Fonte: Latin American Artists of the Twentieth Century: A selection from the exhibition, 1993.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 86 Ver em no documento de imprensa Latin American Artists of The Twentieth Century (1993).!

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3.1.3. Ante América

A celebração do V Centenário da chegada de Cristóvão Colombo a América motivou a realização de Ante América, assim como outros eventos e exposições que foram efetuadas na década de noventa. Essa celebração atingiu outros sentidos para o projeto durante seu desenvolvimento; deixou de ser só a comemoração ou a lembrança de um fato histórico para considerar-se como um ponto de partida para enriquecer a perspectiva latino-americana sobre o seu passado e o seu presente. Assim, Ante América foi pensada como um evento que fora além do comemorativo, um evento que fornecera a análise, a reflexão e, inclusive, a polêmica. A possibilidade de pensar o continente a partir da arte.

Figura 15 – Capa do Catálogo da Exposição Ante América, 1992. Design do Catálogo: Diego Amaral.

A Biblioteca Luis-Ángel Arango e o Banco de la República de Colômbia foram os principais promotores de Ante América, e com o apoio da Fundação Rockefeller de New York o projeto atingiu maior promoção com a realização de um ciclo de exposições. A exposição inaugural foi realizada na Biblioteca Luis-Ángel Arango em Bogotá, de 27 de outubro até 20 de dezembro, em 1992. Posteriormente foi apresentada em cinco museus nos Estados Unidos ! 82

! como The Queens Museum of Art em Nova Iorque e The Spencer Art Museum em Kansas; e em dois museus na América Latina El Museo de Arte y Diseño Contemporáneo na Costa Rica e El Museo de Artes Visuales Alejandro Otero na Venezuela. A curadoria de Ante América esteve a cargo da crítica de arte colombiana Carolina Ponce de León, da pesquisadora estadunidense Rachel Weiss e do crítico de arte cubano Gerardo Mosquera87. Na sua apresentação na Biblioteca Luis-Ángel Arango, Ante América formou parte de um evento do mesmo nome composto por mais uma exposição intitulada Cambio de foco (exposição de fotografia) e um encontro teórico intitulado Ante América: problemas da arte e cultura, no qual foram discutidas várias das questões que os curadores de Ante América trataram na sua proposta. A fruição, a difusão e o conhecimento sobre a arte da América Latina na própria América Latina e no continente foi uma das questões abordadas. O ciclo de exposições de Ante América, que abrangeu museus tanto da região como dos Estados Unidos, foi um dos aspectos que a proposta de Mosquera, Ponce e Weiss apresentou como uma possibilidade para facilitar o diálogo entre o Sul e o Norte de uma forma mais integral e multicultural. Desafiando a versão reducionista e clichê sobre a arte latino-americana que, além de negar a complexidade dos fenômenos artísticos da região, dificultava a construção dessa arte a partir do Sul.

Ver a arte da América a partir de si mesma e a partir do sul, e tentar difundi- la na sua complexidade, evitando as generalizações estereotipadas, as “alteridades” de um novo exotismo e a satisfação de expectativas clichês [...] descolonizar as cartografias seguindo concepções múltiplas, multifocais, e por sua vez integradoras dentro da diferença.88 (MOSQUERA; PONCE; WEISS, 1992, p. 10, tradução nossa)

Desta forma, Ante América converteu-se em uma das primeiras exposições sobre a arte da América Latina que escolheu uma perspectiva alternativa às mostras antológicas e panorâmicas que proliferaram durante aquele período (PIÑERO, 2014, p. 182), que, em sua maioria, tinham preferido oferecer uma síntese da arte da região que contribuía pouco à

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 87 Ver no “Apêndice C” desta dissertação mais informação sobre os curadores.! 88 Do original: Ver el arte de América desde él mismo y desde el sur, e intentar difundirlo en su complejidad, evitando las generalizaciones estereotipadas, las "otrizaciones" de un nuevo exotismo y la satisfacción de expectativas cliché […] descolonizar las cartografías siguiendo concepciones múltiples, polifocales, y a la vez integradoras dentro de la diferencia. ! !

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! reflexão crítica sobre ela. Nesse sentido, Ante América apresentou uma proposta dirigida a incentivar a perspectiva e a análise crítica sobre a arte do continente a partir de um “discurso de integração” que abordou o conceito de América em um sentido aberto e flexível, como uma unidade marcada pela geografia, a história, a economia e o social mas também como uma formação meta e multicultural. Aspecto que, segundo os curadores, era preciso abordar em relação à plástica da “América de Hoje” aprofundando nas intuições e compreensões emanadas da experiência artística, a qual tinha sido limitada e estereotipada por categorias como pós-colonial e pós-moderno (MOSQUERA et al., 1992, p. 10).

O interesse pós-moderno no Outro tem aberto algum espaço nos circuitos “internacionais” para a arte latino-americana [...] Mas tem introduzido uma nova sede de exotismo, portadora de um eurocentrismo passivo o de segunda instancia, que em vez de universalizar seus paradigmas condiciona certas produções culturais do mundo periférico de acordo com paradigmas que se esperam de lá para o consumo dos centros.89 (MOSQUERA, 1992 apud ANTE AMÉRICA, 1992, tradução nossa, grifo do autor)

De forma que Ante América propôs-se mostrar uma visão da arte atual da América Latina que expandira a perspectiva limitada que nos centros culturais se tinha sobre ela. Uma visão ligada a uma consciência americana que abrange seus problemas, suas sensibilidades e os diversos modos que compõem sua cultura contemporânea (MOSQUERA et al., 1992, p. 10). Esse aspecto marcou de forma importante a curadoria da exposição, a qual apresentou uma ênfase na arte contemporânea que, na nossa perspectiva, foi um critério que marcou esta proposta curatorial. Segundo os curadores, sua proposta tentou evitar uma curadoria que ilustrasse seu próprio discurso com as obras utilizando um conceito aberto na sua seleção (MOSQUERA et al., 1992, p. 10), por meio do qual, as obras foram entendidas segundo suas próprias particularidades mostrando de maneira mais direta ao público a poética de cada artista junto à reflexão sobre América. “[...] Ante América, aspira a exemplificar algumas das interações mais importantes, como a relação com o vernáculo e o imaginário popular, com a tradição, os

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 89 Do original: El interés postmoderno en el Otro ha abierto algún espacio en los circuitos “internacionales” para el arte latinoamericano […] Pero ha introducido una nueva sed de exotismo, portadora de un eurocentrismo pasivo o de segunda instancia, que en vez de universalizar sus paradigmas condiciona ciertas producciones culturales del mundo periférico de acuerdo con paradigmas que se esperan de allí para el consumo de los centros. ! !

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! problemas sociais e o vínculo entre o indivíduo e o meio, a sexualidade e outras respostas da arte a um entorno provocador”90 (MOSQUERA et al, 1992, p. 11, tradução nossa). Outro aspecto fundamental do “critério aberto” da curadoria de Ante América foi a ruptura com o requisito da “representação da nacionalidade” no processo da seleção dos artistas. A perspectiva como “discurso de integração” no fortalecimento do diálogo Sul-Norte deu ênfase à multiplicidade cultural que apagou as fronteiras e estabeleceu nexos históricos e sociais entre os artistas, suas práticas criativas e suas poéticas artísticas. Assim, artistas latino- americanos, imigrantes latino-americanos, chicanos, afro-estadunidenses e nativos norte americanos encontraram em Ante América um espaço para compartilhar sua experiência e sua arte.

Figura 16 – Melvin Edwards. Zhakanaka, 1989. Série Lynch Fragments. Ferro soldado. Fonte: Ante América, 1992.

A exposição foi constituída por 26 artistas que, provavelmente, reuniram-se pela primeira vez no mesmo espaço expositivo. Um espaço que se apresentou como uma América Latina expandida desde o sul e as ilhas caribenhas até os bairros de Nova Iorque. Assim, obras como Message Critic (1988) e Zhakanaka (1989) do artista afro-estadunidense Melvin

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 90 Do original: [...] Ante América, aspira a ejemplificar algunas de las interacciones más importantes, como la relación con lo vernáculo y el imaginario popular, con la tradición, los problemas sociales, el vínculo entre el individuo y el medio, la sexualidad y otras respuestas del arte a un entorno provocador. !

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Edwards (1937-), que incorporam cadeias e arames farpados como material artístico evocando diversos sentidos como poder, opressão e violência, compartilham significados e formas com as obras do estadunidense Jimmie Durham (1940-), que explora de maneira crítica a realidade dos povos nativo-americanos; com os altares de Amalia Mesa-Bains (1943-) que reúnem a experiência e a expressão da arte chicana; e com as obras da porto-riquenha Marina Gutiérrez (1954-), que numa perspectiva autobiográfica aborda o tema da identidade e a imigração. Do lado das obras esses artistas foram exibidas as obras dos demais artistas do continente. Sem um tipo de distribuição dividida em seções temáticas ou conceituais Ante América desenvolveu sua proposta de integração das diversas poéticas artísticas através das dinâmicas, sensibilidades e expressões das próprias obras expostas. Assim, o público desfrutou da heterogeneidade da prática artística contemporânea da América Latina, tanto nas obras dos artistas com distinta procedência como nos provenientes do mesmo país.

Figura 17 – María Teresa Hincapié. Esta tierra es mi cuerpo… [Esta terra é meu corpo…], 1992. Performance. Fonte: Ante América, 1992.

Nesse sentido, como expectadores, podemos encontrar uma diversidade formal e conceitual entre as obras dos seis artistas colombianos Beatriz González (1938-), Antonio Caro (1950-), José Antonio Suárez (1955-), María Teresa Hincapié (1956-2008), Doris Salcedo (1958-) e María Fernanda Cardoso (1963-); e os cinco cubanos Luis Cruz Azaceta ! 86

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(1942-), Ana Mendieta (1948-1985), Juan Francisco Elso (1956-1988), José Bedia (1959-) e Carlos Rodríguez Cárdenas (1962-). Artistas que desenvolveram nas obras expostas diversos temas e linguagens visuais, algumas mais tradicionais como as pinturas de González e Azaceta e outras contemporâneas como a performance de Hincapié, Esta terra é meu corpo... (Figura 17), na qual aborda as tarefas domésticas como possibilidades significativas entre o machismo, o feminismo e a representação do cotidiano. Essa diversidade na prática artística também se fez presente entre os demais artistas que integraram a exposição. Os mexicanos Francisco Toledo (1940-), Enrique Chagoya (1953-) e Guillermo Gómez-Peña (1955-); os jamaicanos Everald Brown (1917-2003) e Milton George (1939-2008); os uruguaios Luis Camnitzer (1937-) e Carlos Capelán (1948-); os chilenos Alfredo Jaar (1956-) e Arturo Duclos (1959-); o venezuelano José Antonio Hernández (1964-); e o haitiano André Pierre (1916-2005).

Figura 18 – Guillermo Gómez-Peña. Son of The Border Crisis [Filho da Crise Fronteiriça], 1992. Performance e Vídeo. Detalhe de três dos sete vídeo-poemas performances que conformam o trabalho. Son of border crisis; El Post-Mojado; e The Mexican Fly. Fonte: Ante América, 1992.

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Figura 19 – André Pierre. Brave Guede Nibo, 1966. Óleo sobre tela. Fonte: Ante América, 1992.

Assim, Ante América pode ser entendida como uma proposta de jogo entre a “diversidade” e a “integração” das obras expostas deixando ao público – e a nós como pesquisadores e expectadores – a possibilidade de ligar e desligar sensibilidades e experiências. Por exemplo, na nossa perspectiva, obras como Son of Border Crisis [Filho da Crise Fronteiriça, 1992. Figura 18]91 de Guillermo Gómez-Peña, que aborda a situação política e cultural entre México e os Estados Unidos sobre a imigração através da performance e o vídeo, apresenta uma conexão com a pintura Brave Guede Nibo (Figura 19) de André Pierre, que mostra a interpretação do artista de uma deidade Vodun na forma de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 91 Son of Border Crisis (1992) é uma obra constituída por “sete vídeo-poemas performances” de curta duração intitulados Son of border crisis; El Post-Mojado; The Mexican Fly; Dear Californian; Employer Sanctions; The Year of the Yellow Spider e The Year of the Hispanic. Guillermo Gómez-Peña é o performer e Isaac Artenstein o diretor. Acesso a um fragmento do vídeo-poema Son of border crisis em http://www.vdb.org/titles/son-border- crisis Acesso em: 16 abr. 2017. !

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! uma pessoa da sua época. Embora, sejam temas e linguagens distintas, ambos os artistas apropriam-se de elementos da cultura popular e os transformam em ícones do seu universo simbólico e sua poética visual. Nesse tipo de vínculos ativos entre os artistas, suas obras e a realidade da América Latina podemos perceber o que, segundo Mosquera, é um rasgo geral da arte do continente, o qual se antepõe à ideia da suposta carência de identidade da produção artística comentada amplamente pela crítica de arte (1992 apud ANTE AMÉRICA, 1992). A identidade, como afirma Mosquera, aparece constantemente no debate sobre a cultura e a arte da América Latina, sendo o relato totalizante e homogeneizante da identidade e a ideia da nação um obstáculo que impede entender a diversidade e o contraditório que é a América Latina. Nesse sentido, Ante América convidou a seu público a perguntar-se: o que define a arte latino-americana? O que a caracteriza? O que a faz ser latino-americana? No lugar de dar respostas definitivas e complacentes a proposta expositiva optou por abrir o debate na perspectiva que “Sua resposta usualmente é misturada, relacional, apropriadora… enfim, “inautêntica”, e portanto adequada para enfrentar a realidade de hoje”92 (1992 apud ANTE AMÉRICA, 1992, tradução nossa). Uma perspectiva que pretendeu combater tanto a ideia da arte da América Latina com um pobre pastiche da arte europeia como o critério que qualifica essa arte como original quanto mais “exótica” e “fantástica” aparentar ser. O questionamento sobre o sentido da “latinidade” em Ante América mostrou o interesse que Mosquera, Ponce e Weiss tinham por romper a borda divisória que por tanto tempo tinha impedido os artistas latino-americanos e das chamadas minorias do continente formar parte da História da arte moderna e contemporânea. De forma que Ante América impulsionou a luta pela incorporação no circuito internacional de uma arte latino-americana aberta, flexível e consciente de si mesma.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 92 Do original: Su respuesta suele ser mezclada, relacional, apropiatoria... en fin, “inauténtica”, y por lo tanto adecuada para enfrentar su realidad de hoy. !

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3.1.4. Cartographies

Cartographies é a última exposição da nossa abordagem. Esta foi inaugurada na Winnipeg Art Gallery, no Canadá em 1993, entre os dias 19 de março e 6 de junho. Sua curadoria foi realizada pelo crítico de arte brasileiro Ivo Mesquita93 que propôs para a exibição uma cartografia aberta sobre a arte latino-americana, a qual lhe permitisse transpassar aquelas fronteiras reais e imaginárias que a bordeiam. Assim, a proposta de Cartographies esteve dirigida a expandir as perspectivas tanto de análise como curatoriais sobre a produção artística da região com o intuito de tratar questões relacionadas à diversidade, à multiculturalidade e ao afastamento existente entre os centros e as periferias.

Figura 20 – Capa do Catálogo da Exposição Cartographies, 1993.

Uma das estratégias da organização para abordar essas questões foi a partir do tour preparado para a exposição, o qual abarcou museus e espaços culturais da América Latina, do Norte América e da Europa. Durante o mesmo ano da sua inauguração Cartographies foi apresentada no Museo de Artes Visuales Alejandro Otero na Venezuela e na Biblioteca Luis Ángel Arango na Colômbia. Em 1994, foi apresentada na National Gallery of Canada, no !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 93!Ver no “Apêndice D” desta dissertação mais informação sobre o curador.!!

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Bronx Museum of the Arts em Nova Iorque, e no ano seguinte na Fundación Caixa Madrid, na Espanha. Embora algumas das obras não formassem parte do percurso todo, a proposta expositiva ganhou relevância pela perspectiva apresentada e as questões que suscitou. As duas principais questões que Cartographies apresentou como proposta foram: a primeira, a crítica à categoria de “arte latino-americana” e, a segunda, a análise do papel e da metodologia do campo curatorial. Ambas as questões vinculadas e tratadas a partir do âmbito do contemporâneo e seus respectivos debates no período. Assim, em relação à primeira questão, Cartographies pretendeu “[...] examinar se o que frequentemente chamamos “Latino-americano” nas artes visuais é capaz de descrever e interpretar de maneira integral e produtiva a arte produzida no continente”94 (MESQUITA, 1993, p. 13, tradução nossa). Segundo Mesquita, no campo das artes plásticas e visuais, América Latina tem sido registrada pela historiografia e a crítica de arte como geradora de dois segmentos da imaginação visual: 1-) como imagem da nação e da tradição popular baseada na iconografia mítica e religiosa legada da cultura pré-colombiana, africana e europeia, e mais recentemente, do realismo mágico; 2-) como espaço de militância política que promove uma arte comprometida, sendo uma forte referência o muralismo mexicano (MESQUITA, 1993, p. 37). Ambos os segmentos são efetivamente vertentes importantes que têm caracterizado a produção artística da região. No entanto, segundo Mesquita, esses dois segmentos têm ganhado um papel ainda mais categórico sobre a arte latino-americana delimitando seu emprego como categoria estética no instante em que condiciona a prática artística a um tipo de produção. Daí, sua problemática para atender a produção artística que não encaixa na sua categorização, o qual revela sua incapacidade para descrever e interpretar toda a arte da América Latina a partir de um único conjunto de critérios. “América Latina não existe sob a única identidade”, afirma Mesquita (1993, p. 31, tradução nossa), e nessa mesma perspectiva, como já observamos, o curador dirige seu argumento sobre as artes visuais latino-americanas assinalando a insensatez da utilização de um único padrão formal e conceitual para sua abordagem. A ideia de uma transformação constante da identidade artística e cultural guia de forma importante a proposta de Cartographies, contrapondo-se a noções como “pureza” ou “autenticidade” que, junto a termos como primitivo e exótico, têm sido utilizadas para caracterizar a arte latino-americana

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 94 Do original: [...] examine whether what we have come to call “Latin American” in the visual arts is capable of describing and interpreting in a holistic and productive manner the art produced in the corresponding continent. !

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! permitindo que o discurso do Outro seja sobre “Nós”. Nesse sentido, é interessante que Mesquita faça referência à relevância que a categoria de arte latino-americana ganhou com a visibilidade que as identidades das minorias (política, étnica, sexual, ambiental) tinham atingido, graças, em parte, à pós-modernidade e à ideologia do “politicamente correto” (1993, p. 39). Relevância que, lamentavelmente, continuou sujeita a considerações já institucionalizadas e, portanto, não promoveu uma mudança significativa no tratamento homogêneo e reducionista da arte da região. A proposta de Mesquita em Cartographies promoveu a necessidade de confrontar esse panorama para dar espaço a noções como a diferença e a singularidade, através das quais foram pesquisadas as diversas possibilidades em que a arte contemporânea da América Latina pôde ser abordada. Promovendo outras formas de compreensão menos rígidas às fornecidas pela História da arte do século XX (MESQUITA, 1993, p. 47). Seguindo essa perspectiva, Mesquita escolheu abordar as possibilidades do campo curatorial através de Cartographies para propor outras possíveis rotas de abordagem sobre a diversidade e complexidade da arte latino-americana. A ideia do “Curador como Cartógrafo” foi um eixo importante de Cartographies, a partir do qual, segundo nossa perspectiva, o conceito de “cartografia” atingiu maior força dentro da exposição, já que a criação de uma “outra cartografia” – outra perspectiva – da arte latino-americana foi vinculada ao percurso proposto pelo curador que, como um viajante, atravessa o território das sensibilidades, concepções e significações da produção artística com o fim de dissolver as fronteiras e abrir outras rotas possíveis no mapa da arte contemporânea.

Cartografia – a arte e técnica da criação de mapas – é um método de trabalho com uma dupla função: recorrer e detectar a paisagem, suas características e transformações e, simultaneamente, apresentar as condições para seu conhecimento e assinalar as rotas de aceso para o atravessar [...] Desta maneira, o conceito de cartografia funciona como um método de trabalho que abrange o olhar do curador sobre a produção artística do presente, preservando um olhar sensível diante das confrontações internas que a arte apresenta para si mesma no esforço por constituir uma visualidade contemporânea.95 (MESQUITA, 1993, p. 21, tradução nossa)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 95 Do original: Cartographies – the art and technique of map-making – is a method of work with a double function: to travel through and detect the landscape, its features and transformation, and, simultaneously, to present conditions of knowledge and mark ways of passage through it […] Thus, the concept of cartography serves the need for a working method that involves the curator gazing over the artistic production of the present, preserving a sensitive eye to the internal confrontations that art sets up for itself in an effort to constitute a contemporary visuality.

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Assim, o sentido de “cartografia” dirigiu a proposta metodológica curatorial de Mesquita. O trabalho do curador foi entendido como um diário de viagem que diferentemente dos mapas tradicionais – esquemas definidos e protocolares – propôs uma cartografia pessoal caracterizada por construir-se ao mesmo tempo em que o território que aborda, portanto, a “curadoria como cartografia” foi apresentada como um processo em constante construção. Daí que a proposta de Mesquita se caracterizou por não ter um final, origem ou destino, mas sim o objetivo de ser ilimitada na abertura de novos territórios, novas possibilidades como mapas imaginários, convidando também ao público a participar do processo ativamente como criadores de sua própria cartografia, uma que desse conta da sua própria experiência. Nessa perspectiva, a proposta de Cartographies possui um caráter pós-moderno que opera na multiplicidade de leituras possíveis sobre a exposição que descarta o discurso do curador como referência única de sentido ressaltando a subjetividade.

A partir da perspectiva pós-moderna, Eu abandono, portanto, a procura da verdade, impulso que tem caracterizado o exercício tradicional do pensamento no Ocidente, para dedicar-me à procura de sistemas de percepção e das diversas formas de inteligibilidade para desenhar outros mapas e revelar outros mundos.96 (MESQUITA, 1993, p. 23, tradução nossa)

O gesto de arbitrariedade que Mesquita (1993, p. 53) atribuiu ao processo de seleção das obras de Cartographies, também apresentou esse caráter pós-moderno no qual a noção de subjetividade permitiu ao curador ter uma abertura nas escolhas e decisões pertinentes de maneira que não foram limitadas a um conjunto de normas do campo da curadoria nem da própria proposta e seu conjunto de ideias e conceitos. Assim, a seleção dos trabalhos que formaram parte da exposição não foi realizada sob a pretensão de ilustrar uma ideia ou tema, aspecto que pode ter influído com a ausência de textos no catálogo sobre as obras. No entanto, o interesse do curador em selecionar e reunir um grupo de obras de artistas contemporâneos ficou evidente no corpo do catálogo. Esse interesse pela arte contemporânea e pelas leituras e interpretações proporcionadas propriamente pelo conjunto de obras selecionadas foram aspectos que Mesquita propôs para contribuir com o debate da arte latino-americana e o expandir à questão da contemporaneidade nas artes visuais.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 96 Do original: From a postmodern perspective, I therefore abandon the search for truth that has characterized the traditional exercise of thinking in the Western world, in order to launch into the search for systems of perceptions and different forms of intelligibility for drawing other maps and revealing other worlds. !

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Esse interesse pela contribuição para o debate a partir propriamente da prática artística – a diversidade e singularidade das obras – propiciou a seleção de um número menor de artistas para abrir o espaço a um número maior de trabalhos. Assim, um grupo de 14 artistas conformou a mostra: os cubanos José Bedia (1959-) e Marta María Pérez Bravo (1959-); os colombianos Germán Botero (1946-) e María Fernanda Cardoso (1963-); os brasileiros Carlos Fajardo (1941-), Iole de Freitas (1945-), Mario Cravo Neto (1947-2009) e José Leonilson (1957-1993); os chilenos Juan Dávila (1946-) e Gonzálo Díaz (1947); os mexicanos Julio Galán (1958-2006) e Nahum B. Zenil (1947-); o argentino Guillermo Kuitca (1961-); e o venezuelano-austríaco Alfred Wenemoser (1954-). A abertura a um espaço expositivo maior para cada artista deu à exposição um panorama visual composto por grupos de obras por artista que, embora, a curadoria pretendeu não dar ênfase a seções temáticas, esses conjuntos de obras converteram-se em fragmentos de ideias, cores e formas que dirigiram ao público a adentrar-se no universo de cada artista. Por outro lado, esses grupos de obras podem ser considerados também como uma estratégia valiosa para a proposta que ambicionou transformar a cada visitante em um viajante conduzido pelos sentidos através dos territórios que atravessa e descobre, criando simultaneamente sua própria cartografia (MESQUITA, 1993, p. 17). Nesse sentido, como pesquisadores-viajantes de Cartographies, gostaríamos de realizar nossa própria cartografia da exposição, a qual, iniciamos com a única obra exposta de José Bedia A pequena vingança da periferia (Figura 21). Obra que trata o tema da relação entre os centros e a periferia, o qual foi abordado também por Mesquita no seu texto curatorial. Ambas as perspectivas estiveram dirigidas a promover a transgressão da subordinação que essa dualidade tem provocado, sendo o discurso do Outro um dos aspectos abordados por Mesquita e Bedia. Um vínculo que achamos interessante de sublinhar no marco da exposição. Em A pequena vingança da periferia, Bedia apropria-se de uma ilustração de inícios do século vinte (aproximadamente 1911) utilizada para representar o tema da divisão racial através da imagem de cinco homens caracterizados como nativo-americano, nativo- australiano, africano, asiático e europeu. O europeu – o branco – é colocado no centro dominando a cena, o que ilustra a perspectiva eurocêntrica e colonial da época. Período no qual o poema de Kipling The White Man’s Burden se tornou muito popular. O conteúdo simbólico da ilustração adquire maior riqueza quando Bedia converte a centralidade do homem branco-ocidental-europeu em um alvo que é atacado por flechas e outras armas feitas

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! a mão. A idealização do “homem branco” como civilizador dos povos “selvagens”, como centro do mundo, é apagada e a reconfiguração da lógica do mundo fica reclamada.

Figura 21 – José Bedia. La pequena venganza de la periferia [A pequena vingança da periferia], 1993. Detalhe. Instalação. Frumkin/Adams Gallery, Nova Iorque. Fonte: Cartographies: Exploring the Limitations of a Curatorial Paradigm (1996).

Nossa cartografia continua com as fotografias de Marta María Pérez Bravo, que teve uma participação importante na exposição com 13 de suas obras. A cultura popular cubana e as religiões de matriz africana se apresentam em suas obras misturadas com sua experiência de vida. Uma intenção autobiográfica, mas não de autorretrato manifesta-se com a presença de seu próprio corpo nas fotografias. Um corpo que usualmente parece estar suspenso no ar, no limbo, mas ao mesmo tempo se entrega a um tipo de violência e precariedade. Em obras como Proteção [Protección] encontramos esse cruzamento entre a dor, o sagrado, o erótico e o estético. E em Não vi com meus próprios olhos (Figura 22) objetos e formas da santería cubana se misturam entre o simbolismo do seu corpo e da sua experiência. A obra de Pérez Bravo, na nossa cartografia, apresenta um diálogo interessante com a obra ! 95

! também fotográfica do artista Mário Cravo Neto que utiliza o recurso do preto e branco para evocar referências, símbolos e corpos que apresentam uma estreita ligação com sua cidade natal, Salvador da Bahia, e a cultura afro-brasileira.

Figura 22 – María Pérez Bravo. No vi con mis propios ojos [Não vi com meus próprios olhos], 1991. Fotografia em branco/preto, 50 x 40 cm. Coleção privada. Fonte: http://pdnbgallery.com/SITE/marta-maria-perez-bravo/images/marta-maria-perez- bravo/0939MyEyes_g0i5.jpg

Seguindo com nossa cartografia, encontramos na exposição uma ampla variedade de pinturas, na sua maioria figurativas. Os corpos ambivalentes de Juan Dávila que mostram o paradoxo entre o promíscuo, o híbrido e o mestiço por meio da violência e da repressão social, se encontram com o humor e o sarcasmo do jogo autorreferencial das obras de Julio Galán, os provocadores autorretratos de Nahum Zenil e as cenas que bordejam entre o abstrato e o figurativo de Guillermo Kuitca. O estilo abstrato também esteve presente em Cartographies por meio da escultura. Assim, nossa cartografia continua através das grandes telas metálicas de Iole de Freitas que, com suas formas sinuosas, propõe um diálogo entre o ambiente e o espectador. As esculturas de Freitas, consideramos, dialogaram também com as esculturas abstratas de Germán Botero, que apresenta em suas obras diversas texturas e formas, opacas e brilhantes, que evocam uma mistura entre o ancestral e o contemporâneo. ! 96

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Finalizamos nossa cartografia com as obras de quatro artistas as quais apresentaram diversos linguagens e recursos nas suas poéticas visuais. José Leonilson, por exemplo, por meio de peças que vinculam imagens e palavras em desenhos, bordados e tecidos apresentou um trabalho que explora seu próprio universo, o seu imaginário e o seu cotidiano. No caso de Alfred Wenemoser, Gonzalo Díaz e Maria Fernanda Cardoso, os trabalhos expostos tiveram o caráter de instalações. Particularmente o trabalho de Cardoso chama nossa atenção pela utilização de material biológico ou orgânico (animais dissecados e plantas) que evocam referências ao ciclo da vida-morte da natureza. Em obras como Mármore Americano (Figura 23) a artista apresenta uma ressignificação da vida dos objetos por meio de fileiras de ossos de boi que, assim como os chifres de elefantes, são a memória de um objeto que adquiriu vida depois da morte.

Figura 23 – María Fernanda Cardoso. Marmol americano [Mármore americano], 1992/2000. Instalação de 394 ossos de boi, 20 x 300 x 340 cm espaço aproximado. Vista da instalação, Exposição Cantos Cuentos Colombianos, 2013, Casa Daros, Río de Janeiro. Fonte: http://u-in-u.com/es/specials/2013/casa-daros/cantos-cuentos-colombianos/23-maria-fernanda- cardoso/

Com nossa breve cartografia propomos entender melhor a perspectiva de Mesquita e da sua curadoria percebida como um processo que é desenvolvido de forma simultânea à criação de uma cartografia própria por parte do expectador, sendo um processo subjetivo que permite ligar e desligar as sensações e reflexões que trazem as obras. De forma que

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Cartographies se oferece a si mesma como sua própria explicação (MESQUITA, 1993, p. 27). O tempo e o espaço não nos permitiram de forma concreta ser expectadores de Cartographies, no entanto, pensamos que a ideia dos mapas imaginários possíveis de Mesquita são no nosso caso o percurso de nossa cartografia.

3.2. O OLHAR CRÍTICO SOBRE A “ARTE LATINO-AMERICANA”

Durante o período do boom da arte latino-americana, 1980-1990, a apresentação da “arte latino-americana” teve uma dinâmica constante entre discursos historicistas, desconstrutivos, analíticos, reducionistas, panorâmicos, homogeneizadores, temáticos, críticos, entre outros. Nesse panorama, o debate formado, por um lado, pelas perspectivas propostas através das exposições, seus catálogos e as instituições promotoras, e por outro, pelas perspectivas desenvolvidas no campo da crítica por parte tanto de críticos e teóricos como de artistas, evidenciou o jogo dos diversos olhares possíveis sobre a arte latino- americana. Nesta parte de nossa abordagem interessa-nos analisar a postura crítica – o olhar crítico – sobre as exposições do boom e o discurso por elas apresentado sobre a arte latino- americana. De forma que, a partir das leituras realizadas sobre as exposições; Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987; Latin American Artists of the Twentieth Century; Ante América; e Cartographies; apresentamos a continuação de uma análise sobre alguns dos principais aspectos discutidos pela crítica sobre essas exposições e que repercutiram no sentido mais amplo das discussões do período como parte do debate sobre a arte latino- americana. Iniciemos com a questão do “fantástico”, a qual esteve constantemente presente no debate desenvolvido nas exposições e na crítica. O significado do “fantástico” vinculado a termos como “mágico”, “exótico”, “primitivo” foi com frequência utilizado para caracterizar a arte da América Latina nas exposições realizadas antes e durante o período do boom. Das exposições do boom Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 (1987) converteu-se numa das principais referências da utilização do “fantástico” como eixo da representação e do discurso da produção artística da região, sendo considerado como uma poderosa forma de expressão da cultura latino-americana e sua arte uma expressão que a fundamenta e a diferença das outras produções artísticas do século XX (DAY; STURGES, 1987, p. 10).

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O emprego do “fantástico” como uma categoria que engloba a produção artística latino-americana – como um eixo de sentido que a fundamenta – foi muito criticado97 assim como as argumentações que respaldaram seu uso98. O passado colonial, a religião católica, a herança pré-colombiana e africana, entre outros aspectos, que sem dúvida são importantes para o estudo e a análise da cultura e das artes da América Latina, foram questionados por ser utilizados como parte de um critério determinante para a sua compressão. Um critério que privilegiava um conjunto de aspectos formais, estéticos e conceituais que não davam conta da riqueza e da diversidade da produção artística latino-americana. Por exemplo, na exposição Art of the Fantastic o “fantástico” foi utilizado para caracterizar um período amplo de aproximadamente 70 anos que reuniu três gerações de artistas: os primeiros modernos, a geração do pós-guerra, e a geração de artistas iniciados nos anos setenta. Para a crítica, um período tão amplo e complexo entendido sob a ideia do “fantástico” representou um discurso simplista e estereotipado que referenciava o imaginário, o irreal, o mágico, restringindo a compreensão das poéticas e práticas artísticas latino- americanas a um único conjunto de critérios. “[…] o eixo do fantástico como categoria que abarca e engloba tão diferentes modos de expressão que a mostra reúne resulta por demais questionável por limitado e reducionista. Seria muito difícil pensar que está certo que quase sete décadas das distintas manifestações artísticas possam categorizasse sob esse rótulo”99 (ISE, 2011, p. 41, tradução nossa). Um rótulo que fundamentou o estereótipo que era utilizado como margem de diferença entre os centros com sua ARTE e os outros, a periferia com nossa arte. O fantástico, como descreve Aracy Amaral (1987), tende a produzir uma dicotomia entre a ideia de inferior ou inconsciente relacionada à fantasia que se contrapõe à ideia de uma expressão erudita ou intelectual. Dicotomia que revela a expectativa que se tem da produção artística realizada fora dos centros culturais – espiritual, tribal, pré-moderna – e a posição simbólica que se lhe atribui. Uma expectativa que, pela falta de conhecimento do público, converteu-se no meio para atraí-lo às exposições. E no mercado da arte foi relevante como estratégia para subir as vendas (SULLIVAN, 1994, p. 82). !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 97 Algumas referências críticas sobre a exposição podem ser vistas em Sullivan (1998, p. 376), Ramírez (1996, p. 234), Amaral (1987). 98!Ver a crítica realizada por Mesquita no catálogo da exposição Cartographies (1993, p. 37).Crítica comentada na abordagem sobre esta exposição apresentada na parte anterior do capítulo.! 99 Do original: […] el eje de lo fantástico como categoría que abarca y engloba tan diferentes modos de expresión que la muestra reúne resulta por demás cuestionable por limitado y reduccionista. Sería muy difícil pensar que es acertado que casi siete décadas de las distintas manifestaciones artísticas puedan categorizarse bajo este rótulo.

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Nesse sentido, é interessante observar a expectativa que exposições como Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 e Latin American Artists of the Twentieth Century geraram como parte de dois eventos que ambicionaram celebrar o multicultural, mas reproduziram em vários aspectos uma visão estereotipada da cultura e da arte da região. Na inauguração dos Jogos Pan-americanos 1987100, evento do qual formou parte Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987, a representação das culturas latino-americanas se baseou na exploração das noções do tropical e do primitivo misturadas com a magia do universo de Mickey Mouse e seu castelo dos sonhos. Assim, foi recriado um carnaval cheio de Carmen(s) Miranda(s), figuras multicor de amplo sorriso e animais dançantes101. No caso de Latin American Artists of the Twentieth Century a celebração do V Centenário da chegada de Cristóvão Colombo a América propiciou a realização da exibição na cidade de Sevilla em Espanha. Celebração que foi realizada no mesmo ano em que a maior e última Exposição Universal de Sevilla102 do século XX fora organizada. A memória lembra- nos que a celebração de ambos os eventos está simbolicamente ligada ao poder colonial e, nessa perspectiva, a exposição da arte latino-americana fica, embora não seja essa a intenção, no meio de um discurso que reproduz as relações de poder entre centro e periferia. Uma cena na qual a periferia continua sendo um objeto de exibição. Outra questão discutida entre os críticos latino-americanos durante o período foi a “desvalorização do campo artístico latino-americano dentro do circuito internacional”. A difusão das artes plásticas e visuais da região através das exposições do boom permitiu uma maior presença no circuito internacional da produção artística latino-americana. A luta contra o grande relato da História da arte baseado na arte europeia ganhou força com a perspectiva multicultural nas artes e sua aspiração em propiciar espaços abertos à diferença. No entanto, entre essa aspiração e a sua realização as contradições apareceram. A maior participação das obras, artistas, críticos e curadores na cena internacional não garantiu que tivessem o mesmo valor – o mesmo papel – que as obras, artistas, críticos e curadores provenientes das capitais culturais. De forma que o reconhecimento ao campo

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 100 Ver a inauguração em: https://www.youtube.com/watch?v=m52nYQatI7g Acesso em: 15 out. 2016 101! A crítica Shifra Goldman também faz referência a celebração dos Jogos Pan-americanos em relação à exposição Art of the Fantastic. Descreve a ambos como mecanismos que promovem e perpetuam ideologias e mitos culturais. Ver em Dimensions of the Americas. Art and social change in Latin America and The United States. Chicago University Press, 1994. p. 354.!! 102! Na inauguração participou a Monarquia Espanhola e, se bem que é normal sua participação nesse tipo de evento na Espanha, sua presença evoca o paradoxo entre os discursos em prol da humanidade e o que o poder monárquico tem representado. Ver a inauguração em: https://www.youtube.com/watch?v=b8E407grOFI Acesso em: 15 out. 2016!

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! artístico latino-americano não era completo, continuava apresentando uma dinâmica de perda de controle sobre o seu discurso que, como um ato de violência do poder simbólico continuou outorgando um sentido de superioridade ao campo artístico euro-norte-americano sobre os outros (RICHARD, 1994 apud ISE, 2011, p. 33). Um exemplo dessa dinâmica é a subalternização da obra de artistas latino- americanos, e em geral das periferias, à obra de artistas europeus. É compreensível que na análise da obra de um artista seja percebida a influência de outro artista, no entanto, assegurar que a obra de um artista está determinada e pode ser entendida por meio da obra de outro artista apresenta uma série de questionamentos sobre a delimitação e a depreciação da obra que não está sendo analisada através de suas próprias qualidades. Essa problemática a encontramos em vários textos das exposições do boom, nos quais, a arte da América Latina apresenta-se como derivada da arte europeia (PIÑERO, 2014, p. 170), de forma que as obras de grandes mestres da história da arte da região foram analisadas em relação ao parecido e à aparente influência que o trabalho de outros artistas europeus puderam exercer na sua criação, às vezes, insinuada como uma forma de pastiche. O paradoxo deste tipo de análise é que a influência entre artistas que são contemporâneos não possa ser pensado em sentido inverso. Por exemplo, no texto escrito por Edward Lucie-Smith, A Background to Latin American Art para o catálogo de Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987, as obras de artistas de grande relevância como Wifredo Lam e Roberto Matta foram analisadas a partir de uma lógica de influências através da qual Lam aparece como receptor e seguidor de Pablo Picasso e Matta como influenciado por André Masson103. Outro exemplo, pode ser encontrado no texto sobre a seleção de obras da exposição Latin American Artists of the Twentieth Century (1993, p. 13), no qual, as paisagens do artista Pedro Figari são consideradas evocações das paisagens de artistas europeus como Van Gogh, Bonnard e Vuillard. Análises que delimitam a riqueza das singularidades das próprias obras. No caso do trabalho dos críticos e curadores, sua desvalorização começou com sua ausência nas exibições organizadas pelos centros culturais. Às vezes a justificação sobre esta ausência ficou no limbo, ou seja, para os organizadores pareceu não ser preciso explicar o porquê, igualmente alguns críticos latino-americanos também assumiram essa lógica de curadoria invertida como normal (MOSQUERA, 2010, p. 74). Outras vezes, a não

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 103 Ver em Piñero (2014, p. 170).

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! participação de especialistas latino-americanos foi anunciada como simplesmente não desejável como foi no caso dos curadores da exposição Hispanic Art in the United States: Thirty Contemporary Painters and Sculptors (1988)104, que asseguraram não precisar trabalhar nem consultar especialistas em arte latino-americana porque seus próprios critérios estéticos eram superiores (GOLDMAN, 1994a, p. 90). As noções de “primitivo” e “exótico” ligadas ao pensamento irracional e inconsciente, que tinham prejudicado à produção artística latino-americana estereotipando-a, também funcionaram para desacreditar o campo da crítica e da teoria da arte da região, situando esse campo em um rol diferenciado. Por exemplo, na introdução do catálogo de Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987, os curadores argumentam que o trabalho dos críticos de arte da América Latina é diferente do realizado pelos críticos de arte do norte, já que o crítico de arte latino-americano baseia sua valoração na sensibilidade e na imaginação que a obra lhe inspira, não precisando ser sempre científico, enquanto que o crítico norte-americano depende da organização da informação factual sobre o artista e sua obra (DAY; STURGES, 1987, p. 11). Segundo Day e Sturges, Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 apresenta um estilo de trabalho da crítica de arte norte-americana. Essa perspectiva em conjunto com o argumento sobre a diferença entre os estilos do norte e do latino fundamentaram a criação de uma seção dentro do catálogo chamada “Another View” [Outro ponto de vista] na qual foi colocado o texto do único especialista latino-americano, Damían Bayón. Esse tipo de diferenciação entre ambos os pensamentos evoca, primeiramente, a ideia de que o norte é portador do pensamento científico e erudito – da intelectualidade – e ao latino lhe corresponde o emocional e como base o sensível. Além dessa dicotomia, surge o paradoxo de colocar a voz do especialista latino-americano como a “outra voz”. Segundo Mari Carmen Ramírez (1996, p. 240), a legitimidade que recebeu o trabalho dos críticos e curadores do Primeiro Mundo como portadores de um juízo estético de qualidade significou, além da desvalorização dos especialistas latino-americanos, a depreciação das singularidades da produção artística da região, já que sua valoração foi realizada a partir do critério de valores e ideologias modernistas dos conservadores do Primeiro Mundo. A circulação de discursos que forneciam uma visão estereotipada, homogeneizante, simplista, historicista, sobre a arte latino-americana; a desvalorização do campo artístico da !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 104![Arte Hispano nos Estados Unidos: Trinta Pintores e Escultores Contemporâneos]. Exposição organizada e curada por John Beardsley e Jane Livingston. Ver em: Piñero (2014, p. 166) e Sullivan (1994, p. 85).!

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! região; a falta de participação de especialistas latino-americanos nas exposições do boom; a depreciação das singularidades das obras de arte na curadoria invertida; a exigência do circuito internacional de uma autenticidade da identidade artística; entre outros aspectos, fomentaram na discussão da crítica a questão sobre “o discurso promovido sobre a ‘arte latino-americana’ a partir da América Latina”. Durante a década dos anos setenta vários críticos da região como Juan Acha, Aracy Amaral, Marta Traba, Frederico Morais, Damián Bayón, entre outros, assumiram um papel fundamental no desenvolvimento do pensamento sobre a arte da América Latina. Vários de seus trabalhos tiveram como objetivo contribuir para a consolidação de uma teoria da arte latino-americana. O trabalho desses críticos durante os anos setenta e posteriormente nas décadas de 80 e 90 foi um referente importante que contribuiu com o desenvolvimento de vários discursos sobre a produção artística da região que contrariaram o criado nas metrópoles. A fundação da Bienal da Havana em Cuba, em 1984, também foi um antecedente importante que fortaleceu a iniciativa de promover o pensamento latino-americano sobre a arte plástica e visual da região. A Bienal surgiu como uma plataforma que teve como objetivo promover a troca de ideias e o conhecimento sobre a produção artística dos países marginais. “Na perspectiva dos organizadores da Bienal, era necessário um maior conhecimento das artes das zonas marginalizadas para alterar uma situação colonial que perpetuava relações de poder e imagens tipificadas do “Terceiro Mundo””105 (PIÑERO, 2014, p. 175, tradução nossa, grifo da autora). O interesse e, inclusive, a necessidade durante o período do boom de promover um discurso sobre a arte latino-americana a partir do pensamento latino-americano apresentou diversas vertentes, ou seja, diversos discursos. Alguns deles estiveram mais próximos das perspectivas desenvolvidas durante os anos setenta em relação à noção do território e as suas particularidades ligadas a ideia da identidade, sendo a arte latino-americana entendida como um conjunto diferenciado de outras produções artísticas. Outros discursos promoveram uma perspectiva de militância e resistência face à cultura dominante e a imposição de noções da crítica moderna europeia, no entanto, alguns criticaram por sua vez a postura latino- americanista. Enfim, várias questões enriqueceram e ampliaram os diversos discursos que

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 105 Do original: En la perspectiva de los organizadores de la Bienal, era necesario un mayor conocimiento de las artes de las zonas marginadas para alterar una situación colonial que perpetuaba relaciones de poder e imágenes tipificadas del “Tercer Mundo”.

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! surgiram106. Exposições como Ante América apresentaram como proposta precisamente a construção da arte latino-americana a partir da América Latina e o Sul Global. O crítico de arte cubano Gerardo Mosquera, que tinha participado da organização da Terceira Bienal de Havana, desempenhou um papel importante na elaboração do projeto em relação a essa perspectiva, problematizando as dificuldades que a arte latino-americana tinha experimentado devido a expectativas clichê promovidas nos circuitos internacionais.

A arte latino-americana tem sido tradicionalmente subvalorizada e marginalizada nos centros, os circuitos supostamente internacionais e a História da Arte – que cada vez descobre-se mais como um grande relato eurocêntrico, assim como o resto da produção contemporânea, não tradicional, do Terceiro Mundo. Ainda em exposições como “Primitivism” in 20th Century Art ou Les Magiciens de la Terre, sua presença resulta insignificante, apesar de que houvessem tido muito que fornecer a elas, sobre todo aprofundando e problematizando suas perspectivas. Além dos mecanismos de poder em jogo, essa arte não tem sido compreendida em quanto resposta comprometida com seu próprio contexto. Um mito da autenticidade tem dificultado apreciá-la como reação viva às contradições e hibridações pós-coloniais, demandando uma “originalidade” forçosa ou própria da tradição e as antigas culturas, que corresponde a uma situação desaparecida.107 (MOSQUERA, 1992 apud ANTE AMÉRICA, 1992, tradução nossa, grifo do autor)

O interessante do discurso de Ante América foi a abertura e a flexibilidade que a categoria de arte latino-americana recebeu. Nesse sentido, Ante América aspirou mostrar um conjunto de obras e de artistas que apresentassem uma reflexão sobre o seu contexto e uma consciência sobre o mesmo já fosse estética, cultural, social, religiosa ou vivencial. No entanto, a escolha desse conjunto e a sua reflexão não esteve sujeita a critérios baseados na questão da identidade, que ainda alguns setores da crítica latino-americana defendiam, ou na forçosa ideia da autenticidade. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 106 A abordagem das particularidades de cada discurso merece uma análise que vai além do propósito de nossa pesquisa. Para conhecer mais sobre o tema recomendamos o estudo de Gabriela Piñero (2014). 107 Do original: El arte latinoamericano ha sido tradicionalmente subvalorado y marginado en los centros, los circuitos supuestamente internacionales y la Historia del Arte -que cada vez se descubre más como un gran relato eurocéntrico, al igual que el resto de la producción contemporánea, no tradicional, del Tercer Mundo. Aun en exposiciones como "Primitivism" in 2Oth Century Art o Les Magiciens de la Terre, su presencia resulta insignicante, a pesar de que hubieran tenido mucho que aportar a ellas, sobre todo profundizando y problematizando sus perspectivas. Además de los mecanismos de poder en juego, este arte no ha sido comprendido en cuanto respuesta comprometida con su propio contexto. Un mito de la autenticidad ha dificultado apreciarlo como reacción viva a las contradicciones e hibridaciones post coloniales, demandando una "originalidad" a ultranza o propia de la tradición y las antiguas culturas, que corresponde a una situación desaparecida. !

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Ante América questionou a ideia de uma arte latino-americana diferenciada e fechada fundamentada numa identidade cultural essencialista e estática. Seu discurso foi de “integração” e diálogo entre as culturas e as produções artísticas do continente Americano que historicamente foram marginalizadas. Assim, a noção de região cultural demarcada por fronteiras geográficas foi apagada e se promoveu uma integração multicultural do continente. Nesse sentido, a crítica de Ante América à categoria de arte latino-americana pode considerar-se mais como uma proposta de enriquecimento e expansão dessa categoria do que uma intenção de apagá-la. A defesa do discurso sobre a produção artística latino-americana a partir da própria América Latina e o interesse por abordar seu contexto, suas problemáticas e suas sensibilidades, ratificam o uso do termo arte latino-americana, mas como uma categoria em constante transformação. A seguinte, e última, questão discutida pela crítica latino-americana que vamos abordar é “o global”. O aumento da participação da produção artística latino-americana nos circuitos internacionais e a reflexão sobre o multiculturalismo, o pluralismo, a pós- modernidade e o fenômeno da globalização incentivaram os questionamentos sobre as noções regionalistas e nacionalistas que tinham formado parte importante (junto à questão da identidade e da tradição) da representação e do discurso sobre a arte latino-americana, tanto na região como fora dela. A exposição Cartographies foi um referente importante sobre a questão do “global” em relação à crítica sobre a categoria de arte latino-americana. A proposta do curador e crítico brasileiro Ivo Mesquita em Cartographies esteve dirigida precisamente a abrir e flexibilizar o mapa sobre a arte latino-americana expandindo as fronteiras geopolíticas da região que lhe eram impostas com o fim de configurar novas possibilidades de análise, nas quais, não existiram limites. Assim, Cartographies propôs pensar a arte latino-americana não mais como “latino-americana”, mas sim como um território sem fronteiras, uma arte que vai além do catalogado como “latino-americano”. “Atualmente, o curador aceita a não existência de fronteiras entre as questões discutidas pela produção artística, e tem se transformado em um cidadão transnacional, responsável por uma cartografia da dissolução das fronteiras culturais”108 (MESQUITA, 1992, p. 19, tradução nossa). A visão transnacional do curador em um esquema global implica !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 108 Do original: Today, the curator accepts the non-existence of boundaries among the issues discussed by art production, and has transformed herself into a transnational citizen, responsible for a cartography of the dissolution of cultural frontiers. !

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! que não possui mais uma identidade definida, de igual forma os artistas e a produção artística. Nessa lógica, o “nacional” e o “regional” perdem valor na construção das identidades e o “global” adquire mais relevância em relação ao contexto contemporâneo. A exposição Ante América também abordou a questão da dissolução das fronteiras através da crítica à ideia de território, no sentido geopolítico, como determinante para arte latino-americana, no entanto, continuou salientado a reflexão sobre o contexto latino- americano como parte importante das obras apresentadas na exposição. Cartographies, por outro lado, questionou o latino-americano como eixo de sentido considerando-o não necessário como critério na seleção das obras. Críticos e curadores como Mari Carmen Ramirez e Héctor Olea também refletiram sobre outros possíveis critérios para apresentar a arte da América Latina de uma forma mais “global” como parte do circuito internacional. Exposições como Heterotopías: Medio siglo sin-lugar: 1918-1968, organizada por Ramírez em 2000, e Inverted Utopias. Avant-garde in Latin America, organizada em conjunto com Olea em 2001, são um exemplo importante desse tipo de propostas que marcaram uma diferença em relação às propostas curatoriais das exposições do final da década de oitenta109. A abordagem da questão do “global” marcou no debate sobre a “arte latino- americana”, segundo as pesquisadoras Jacqueline Barnitz (2001 apud ISE, 2011, p. 39), Gabriela Piñero (2014, p. 161) e Mónica Amor (1996, p. 250), uma fase ou linha diferente, a qual desenvolveu-se principalmente a partir da década dos anos noventa estendendo-se à década de 2000. Essa fase caracterizou-se pela relevância que conceitos como singularidade e diferença atingiram dentro das perspectivas sobre a arte da América Latina através das quais foram questionadas as posturas rígidas e estáticas sobre as identidades culturais.

Apesar de que as perguntas sobre a identidade cultural ou nacional ainda existirem, não são mais definidas em termos de iconografias específicas, ou pelo menos esses assuntos não têm a mesma iminência que tiveram no passado [...] fato que tem conduzido a um novo discurso para a arte latino- americana tendo em conta a iminente globalização.110 (BARNITZ, 2001, apud ISE, 2011, p. 39, tradução nossa)

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 109 Ver no ensaio de Gabriela Piñero Re-estructurar el proyecto de un arte latino-americano: el modelo constelar. Revista Intervención, n. 7, 2013. 110 Trecho extraído da publicação de Ise: “A pesar de que las preguntas sobre la identidad cultural o nacional aún existen, no son más definidas en términos de iconografías específicas, o por lo menos estos asuntos no tienen la misma inmediatez que tuvieron en el pasado [...] hecho que ha conducido a un nuevo discurso para el arte latinoamericano teniendo en cuenta la inminente globalización”. !

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As pesquisadoras assinalam uma primeira fase do debate caracterizada por uma posição militante que defendeu uma frente Sul/Latino-americana de resistência e confrontação à modernidade ocidental, como a apresentada nos textos iniciais da Bienal da Havana. E as perspectivas no campo artístico que promoveram a ideia da América Latina como uma aliança ou um bloco unido e diferenciado por suas particularidades. Essa primeira fase seguida pela fase do “global” na qual, como menciona Piñero (2014, p. 161), desenvolveram-se “discussões globalistas” que fundamentaram um outro discurso sobre a “arte latino- americana” motivado pelo pensamento multicultural. Segundo Mónica Amor, durante essa outra fase nos anos noventa do debate a “arte latino-americana” foi caracterizada como multicultural, híbrida e plural. “Se a identidade foi encaixada nos oitenta como “primaria”, “a-histórica” ou “autêntica”, nos anos noventa temos desenvolvido outro enfoque essencialista entanto que América Latina é considerada diversa, plural, um “harmonioso melting pot””111 (AMOR, 1996, p. 250, tradução nossa, grifo da autora). O que interessa-nos assinalar em relação à identificação dessas duas fases no debate sobre a “arte latino-americana” é a importância que o multiculturalismo atingiu dentro das discussões em torno do discurso sobre a produção artística da região como provocador de diversos questionamentos que propiciaram outras perspectivas – outros olhares – sobre a arte latino-americana. Argumento que sintetiza a análise desenvolvida ao longo do capítulo e fundamenta a proposta de nossa pesquisa. De forma que as discussões sobre o multiculturalismo em relação à produção artística podem ser considerados como um espaço de transição entre uma primeira fase do debate nos anos oitenta e uma segunda nos anos noventa que esteve ainda mais influenciada pelo multicultural devido ao fenômeno da globalização.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 111 Do original: If identity was framed in the 1980s by the “primal”, the “ahistorical” and the “authentic”, in the 1990s we have developed another essentialist approach whereby Latin American art is considered diverse, plural, a “harmonious melting pot”.

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4. TRÊS OBRAS DE TRÊS ARTISTAS LATINO-AMERICANOS

Minha pintura não é a busca de um fim através de temas irônicos, mas uma pintura com temperatura. (Beatriz González, s/d)112

Eu tenho me jogado dentro dos elementos que me produziram, usando a terra como minha tela e minha alma como minhas ferramentas. (Ana Mendieta, s/d)113

Toda arte é importante, ela é a documentação de um momento, de um círculo-vitae e de uma corrente humana, ela deve ser a livre expressão de um pensamento ou sentimento, sem pré-conceitos, padrões, vergonhas, futilidades ou censuras básicas, ou cortantes, ela deve ser solta, deve voar, pousar, atingir, agitar, coagir, educar, divertir, instruir e relaxar. (José Leonilson Bezerra Dias, 1978)114

No presente capítulo apresentamos uma análise sobre três obras que formaram parte das exposições investigadas e analisadas no capítulo 3. O enfoque central da análise é abordar os aspectos formais e conceituais que apresentam essas três obras em relação às propostas curatoriais das exposições e ao debate sobre a “arte latino-americana” daquele período.

4.1. O ALTAR

A realidade colombiana é um eixo fundamental na obra da artista colombiana Beatriz González115. Tanto os acontecimentos políticos e os problemas sociais, como as figuras da cultura popular e as modas e gostos do cidadão colombiano atingiram um espaço importante na poética visual da ampla trajetória artística de González, a qual começou em inícios da década de 1960. Seu trabalho artístico de mais de cinco décadas é composto por pinturas, objetos, móveis, telões, esculturas, desenhos, xilogravuras e serigrafias. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 112!Trecho original “Mi pintura no es la búsqueda de un fin por intermedio de temas irónicos, sino una pintura con temperatura”. Ver em http://www.banrepcultural.org/blaavirtual/biografias/gonzbeat.htm Acesso em 20 fev. 2017.! 113 Trecho original “Me he lanzado dentro de los elementos mismos que me produjeron, usando la tierra como mi lienzo y mi alma como mis herramientas”. Ver em Mosquera (2000, p. 2). 114 Trecho extraído do texto “A arte e Eu” da caderneta de campo do artista utilizada no período de estudos na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Ver em Cassundé (2011, p. 18). 115 Artista visual, historiadora e crítica de arte. Beatriz González Aranda nasceu em 16 de novembro de 1938 em Bucaramanga, Colômbia. Realizou o Curso de Mestrado em Artes Plástica na Universidad de los Andes, em Bogotá, e estudos em gravura na Academia Van Beeldende Kunsten, em Rotterdam. Atualmente a artista tem 78 anos de idade. Ver no “Apêndice E” desta dissertação mais dados biográficos sobre a artista.

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O uso de imagens de periódicos, e em geral de meios impressos, caracterizou o processo criativo da artista na sua abordagem do cotidiano, da cultura e da história colombiana. As notícias ilustradas converteram-se em um dos principais recursos utilizados por González. As imagens escolhidas eram reelaboradas por meio de outras técnicas como a pintura ou a serigrafia aplicadas em diversos suportes. A reelaboração das imagens caracterizou-se pela simplificação visual baseada na eliminação das sombras mediante o emprego de superfícies uniformes, usualmente destinadas a ser cobertas por cores brilhantes e saturadas. Para a artista, esse processo de construir uma imagem mais simples visualmente com figuras planas e recortadas representava a possibilidade de fazer dessa imagem um registro poético independente do papel que inicialmente tinha em conjunto com o texto da notícia, crônica, matéria, etc.116 No período situado entre a década dos anos oitenta e inícios dos anos noventa, o tratamento da realidade colombiana na obra de González apresentou singulares mudanças. Por um lado, a situação crítica da política do país e o grande aumento da violência incentivaram na artista a reflexão sobre o papel da arte e suas possibilidades de incidir na realidade, de forma que sua obra ganhou um caráter mais sensível e crítico. “Essas obras foram feitas como “pensando em voz alta”, como tentando dar-lhe rosto e corpo a um novo aspecto de sua obra, tentando comprometer mais acidamente sua inspeção da realidade atual através da arte”117 (PONCE DE LEON, 1988, p. 27, grifo da autora, tradução nossa). Por outro lado, a artista alterou seu processo de reelaboração de imagens, o qual tinha caracterizado seu trabalho e contribuído para a consolidação de seu estilo. A artista começou a criar suas próprias composições surgidas a partir de seus novos interesses e deixou de lado a utilização integral das composições das imagens escolhidas. Assim, seus trabalhos viraram mais complexos no sentido do esquema espacial. A obra O altar, de 1990 (Figura 24), forma parte dessa fase do trabalho de González na qual a artista se interessou em representar a complexidade da atualidade colombiana entre as contradições e tolices dos políticos, a crescente violência e o papel dos personagens da cultura popular, intentando criar uma síntese semântica. As pinturas à óleo, como o trabalho O altar, foram particularmente importantes nesse período de exploração formal e conceitual.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 116 Ver em Ponce de León (1988, p. 16). 117 Do original: Estas obras fueron hechas como “pensando en voz alta”, como tratando de darle cara y cuerpo a un nuevo viraje en su obra, tratando de comprometer más ácidamente su inspección de la realidad actual a través del arte. !

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Em O altar percebe-se uma continuidade de seu estilo característico na simplificação das formas mediante o uso de planos uniformes de cores estridentes, sendo a tríade cromática azul-violeta-amarelo a harmonia base dessa obra.

Figura 24 – Beatriz González. El altar [O altar], 1990. Óleo sobre tela, 185 x 150 cm. Fonte: Ante América, 1992.

No esquema espacial, observamos em O altar uma composição de tríptico formada por uma imagem central e dois frisos, um na parte superior e o outro na parte inferior. Na imagem central observamos diversos planos representados por espaços que geram formas

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! vinculadas a vários personagens. No primeiro plano encontramos o goleiro de futebol René Higuita representado de forma dupla numa simetria característica da arte sacra, como uma analogia da relevância que o futebol ligado à violência teve nessa época118. No segundo e terceiro plano a simetria é trocada pela complexidade de formas e a dinâmica dos personagens. Nos frisos observamos uma dinâmica visual diferente, menos agitada. A cena tranquila de uma paisagem com um grupo de indígenas em canoa contrasta com a cena central. Esse contraste pode ser percebido como a complexidade da simultaneidade dos tempos que a artista observa no seu país. Uma Colômbia construída entre a herança colonial ocidental com sua religião e a herança dos povos originários da região. O resultado em O altar é de uma imagem icônica da atualidade colombiana que expressa a experiência confusa e ambígua de uma dinâmica social complexa119. Para González, o interesse por abordar a realidade colombiana apropriando-se de elementos e figuras da cultura popular, como no caso do goleiro Higuita, não está dirigido a glorificar ou enaltecer “o nacional”, pelo contrario, a artista propôs-se a fomentar no expectador um olhar crítico e mais sensível sobre o seu cotidiano. A possibilidade de questionar essa memória atual que ela apresenta nos seus trabalhos, sendo um ponto de partida para enfrentar as problemáticas e contradições que parecem naturalizadas e que González busca revelar através da arte. Durante este período, final de 1980 e inícios da década de 1990, os trabalhos da artista foram com frequência selecionados para participar das exposições dedicadas à arte latino- americana (CELEMÍN, 2009, p. 69), as quais eram organizadas cada vez com maior frequência nos Estados Unidos, em cidades como Nova Iorque, Miami e San Diego, e na América Latina, em cidades como Caracas e Bogotá. Ante América, por exemplo, foi uma dessas exposições realizadas no período na qual a obra O altar e mais outras cinco obras de González foram apresentadas. A exposição Ante América120 teve como um de seus eixos centrais incentivar a perspectiva e a análise crítica sobre a arte do continente a partir de um “discurso de

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 118 Durante esse período a ligação entre o narcotráfico e o futebol profissional colombiano provocou mortes, ameaças e sequestros. Em 1990, Higuita, por exemplo, foi muito criticado por visitar a Pablo Escobar na prisão. Ver em: http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM-164658 Acesso em: 12 jun. 2017. 119 No catálogo de Ante América a crítica de arte colombiana Carolina Ponce de León expõe uma análise da obra O Altar de González. Ver em Ante América (1992). 120 Exposição abordada com maior detalhe no capítulo 3 desta dissertação como parte fundamental de nosso estudo sobre o multiculturalismo e o debate em torno da “arte latino-americana”.

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! integração” entendendo a América como uma formação multicultural. Por meio dessa perspectiva pretendeu-se contrariar a visão limitada sobre a arte contemporânea da América Latina que nos centros culturais era difundida. De forma em que fora promovida uma visão ligada a uma consciência sobre as diversas sensibilidades presentes nessa produção artística imersa nas realidades latino-americanas. “Ante América, aspira a exemplificar algumas das interações mais importantes, como a relação com o vernáculo e o imaginário popular, com a tradição, os problemas sociais e o vínculo entre o indivíduo e o meio, a sexualidade e outras respostas da arte a um entorno provocador”121 (MOSQUERA et al, 1992, p. 11, tradução nossa). Nesse sentido, obras como O altar desempenharam um papel interessante dentro da exposição já que, como mencionamos anteriormente, a poética de González se enriquece da realidade colombiana a qual expressa a partir de uma postura crítica que procura gerar uma consciência sobre as contradições das dinâmicas sociais utilizando o próprio imaginário popular. Em O altar podemos observar uma representação e interpretação de um momento particular da situação histórica-social da Colômbia na qual a artista não precisou empregar imagens simplistas e clichês do imaginário colombiano-latino-americano, fator que consideramos de grande valor para a proposta da exposição que pretendeu promover uma visão ampla e diversa da “arte latino-americana”. De forma que fosse questionada a ideia de que a “arte latino-americana” para ser “latino-americana” precisa empregar em determinadas maneiras os elementos legitimados como “latino-americanos”. O aspecto formal da obra de González, como observamos em O Altar, baseado na simplificação visual e na utilização de uma gama cromática saturada, características associadas à Pop-Art122, foi outro fator que também enriqueceu a ideia da possibilidade de abordar temas regionais a partir de outros critérios formais e na exploração de novas linguagens. Perspectiva que contraria a visão reduzida e estereotipada que durante aquela época foram privilegiados certos critérios formais para exaltar o exótico e o primitivo, noções

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 121!Do original: [...] Ante América, aspira a ejemplificar algunas de las interacciones más importantes, como la relación con lo vernáculo y el imaginario popular, con la tradición, los problemas sociales, el vínculo entre el individuo y el medio, la sexualidad y otras respuestas del arte a un entorno provocador.! 122 A obra de González tem sido associada e classificada como pop-art. Como assinala Ponce de León, essa classificação é contraproducente já que a obra de González apresenta outras características que a diferenciam da pop-art, corrente cultural e artística norte-americana. “[...] la obra de Beatriz González hace lo que no hace el pop. Penetra, analiza y comenta la cultura popular y crea, con y para ella, un nuevo campo de significación. A diferencia del pop Beatriz González parte de imágenes que tienen en ellas mismas la expresión de una idea (arte popular), que muestran una forma de interpretar el mundo. El pop, en cambio, sólo arroja una luz “artística” sobre imágenes anodinas” (PONCE DE LEÓN, 1988, p. 18, grifo da autora).

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! que nas capitais culturais foram determinantes para falar de “arte latino-americana”. Os curadores de Ante América procuraram, sem necessidade de utilizar seções temáticas na disposição das obras nas salas, que os próprios trabalhos exibidos fossem os encarregados de seduzir e conduzir ao expectador a adentrar-se no universo de cada artista, sendo esse percurso, por sua vez, a estratégia para visibilizar a dinâmica multicultural e plural que as próprias obras apresentam a partir de suas características formais e conceituas. Nesse sentido, a obra O altar de González não só permitiu ao expectador conhecer a poética visual da artista e aprofundar através dela a atualidade colombiana, mas também, em relação às demais obras expostas, contribuiu para mostrar uma realidade entre as múltiplas realidades latino-americanas e uma linguagem entre outras exploradas pelos artistas. A pintura no caso de González, o vídeo-performance no caso de Guillermo Gómez-Peña, a performance no caso de Maria Teresa Hincapié, e assim com cada artista participante. Obras que foram reunidas em Ante América para mostrar as diversas visões que pode evocar a arte sobre América. A reflexão sobre o lugar da obra da artista Beatriz González em Ante América através de trabalhos como O altar nos dirige a refletir sobre a relação entre esse tipo de trabalho com o debate em torno da “arte latino-americana” do período, do qual exposições como Ante América foram parte. Nesse sentido, como mencionamos anteriormente, a etapa do trabalho artístico de González durante o período analisado (1980-1990), da qual a obra O altar está integrada, apresentou um interesse maior por tratar de maneira mais provocadora e crítica as problemáticas políticas e sociais de seu país. Esse interesse que a artista mantém pela realidade nacional vincula-se a uma postura de caráter regional presente na produção artística da América Latina. A importância do “regional” nas artes plásticas e visuais latino-americanas começou a ser promovida a partir da segunda metade da década de 1960. Diversos fatores como a violência e a repressão dos Regimes Militares em vários países, as problemáticas políticas e sociais associadas ao subdesenvolvimento, a ingerência dos países hegemônicos como os Estados Unidos, as emergentes multinacionais, entre outros, foram importantes para o desenvolvimento de uma postura regional da América Latina como uma unidade cultural diversa. Esse pensamento abrangeu a noção de arte latino-americana através de um tipo de “discurso regional”123, o qual formou parte das análises dos críticos, teóricos e artistas, entre

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 123 A importância do sentido regional na produção artística da região vinculado à análise do conceito de “arte latino-americana” é abordado com maiores detalhes no capítulo 2 da presente dissertação.

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! os quais destacou-se a postura de Marta Traba. Durante esse período, Traba participou ativamente do circuito continental e, especialmente, do âmbito artístico colombiano como professora na Universidade dos Andes e diretora do Museu de Arte Moderna de Bogotá. Seu pensamento e postura crítica, fundamentados na sua tese sobre a resistência cultural diante os modelos hegemônicos através de uma arte regionalista124, foram muito significativos para o trabalho artístico de Beatriz González125 e outros artistas como Fernando Botero e Alejandro Obregón. Em reflexões de González como “Minha pintura é uma sub-pintura para países subdesenvolvidos” pode perceber-se uma declaração de independência e resistência vinculada ao pensamento do período, sendo uma autorreflexão sobre o que seu trabalho trata e a quem está dirigido. Obras como O altar do período da década de 1990, evocam a constância dessas reflexões no trabalho artístico de González. A continuidade que a artista desenvolve nas obras desse período sobre a realidade colombiana, relacionada dialeticamente com a realidade regional, vinculam a poética visual de sua obra com um tipo de “discurso regional” da produção artística latino-americana. Um discurso que, para a década dos anos noventa, tem perdido força em relação às décadas anteriores, sendo questionado e debatido. De forma que, ao mesmo tempo em que muitos artistas começaram a manifestar a necessidade de abordar outros temas, outros artistas como González continuaram considerando necessário refletir o regional.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 124 O “regionalismo” foi um conceito chave no pensamento de Traba. Conforme pontua Bazzano (2005, p. 31), o caráter regional da arte colombiana foi um dos aspectos que Traba afirmou mais admirar, já que permite que “a linguagem da artista coincida com os códigos de compreensão de uma comunidade”. Assim, o público consegue ser participe do fenômeno da arte e é criada uma forma de resistência diante da cultura dominante. Por outro lado, como assinala Ramírez (2005, p. 45), é preciso entender que o regionalismo de Traba e sua noção de “América Latina como um todo” não se baseia nem homogeneidade nem tampouco na exaltação do autóctone. Contrário a isso fundamenta-se na diferença geográfica, cultural e sociopolítica que vincula aos países da região. Recomendamos a leitura do texto de Traba La cultura de la resistência (2009). 125 Ver em Celemín (2009, p. 61), Ponce de León (1988, p. 18).

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4.2. NASCIDA DO NILO

A tríade corpo-mulher-natureza tem na obra da artista cubano-americana Ana Mendieta126 uma grande relevância para a expressão de seu universo simbólico. Seu próprio corpo foi o principal meio expressivo de seu trabalho artístico, majoritariamente performático, sua experiência de vida como mulher numa sociedade opressiva e violenta foi um eixo de denúncia e resistência, e os elementos da natureza foram a força espiritual que Mendieta usou para apaziguar sua “sede de ser”127 na procura de sua origem. Durante a década dos anos setenta, Mendieta elaborou os trabalhos mais conhecidos e emblemáticos de sua obra. Um exemplo é a série Siluetas [Silhuetas] (1973-1980) formada por mais de 200 silhuetas fotografadas, resultado das performances realizadas pela artista durante vários anos. Nesse trabalho, Mendieta reinterpretou mitos ancestrais afro-cubanos e indo-americanos explorando, através de seu corpo e sua representação nas silhuetas, os elementos da natureza: fogo, terra, água e ar, junto a um quinto elemento que representou para a artista vitalidade e violência, o sangue. Esse período foi fundamental para a seguinte e última face de sua obra 1980-1985, na qual Mendieta começou a criar objetos de caráter escultórico. De forma que no aspecto formal sua obra apresentou uma mudança significativa em relação ao caráter efêmero de suas performances, as quais continuou realizando ao lado desses outros processos. Na parte conceitual seus trabalhos continuaram numa linha similar e a sua poética visual permaneceu vinculada às suas obras anteriores (CABAÑAS, 1999, p. 16). Na obra Nascida do Nilo [Nacida del Nilo], de 1984 (Figura 25), pode perceber-se essa continuidade na sua poética. A referência ao corpo – o próprio corpo da artista – continua sendo vital e a forma da silhueta, como marca ou evidencia da presença desse corpo, é um recurso constante do caráter simbólico do trabalho de Mendieta. A silhueta em Nascida do Nilo possui contornos bem definidos e arredondados cuja cor e textura de areia a fazem parecer uma formação antiga emergida da terra. Os recursos para sua elaboração, madeira

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 126 Artista visual. Ana Mendieta nasceu em 18 de novembro de 1948, em Havana. Estudou na University of Iowa onde realizou a Graduação e o Mestrado em Pintura e Intermídia. Em 8 de setembro de 1985 a artista faleceu em Nova Iorque. As causas de sua morte continuam sendo controvertidas entre um acidente, suicídio ou assassinato, no entanto, seu esposo, o artista Carl Andre foi acusado e absolvido em 1988. Ver no “Apêndice E” desta dissertação mais dados biográficos sobre a artista. 127 “[…] su carácter performático se encuentra cargado de religiosidad, constituye un acto místico lleno de significados personales. Por un lado, elabora una larga metáfora del regreso a lo esencial, construida desde su “sed de ser”, como afirmó ella misma” (MOSQUERA, 2000, p. 2). !

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! coberta de uma capa de areia, reafirmam a intenção da artista em criar uma obra que pareça surgida da natureza e que de igual forma facilmente poderia voltar a ser absorvida por ela.

Figura 25 – Ana Mendieta. Nacida del Nilo [Nascida do Nilo], 1984. Areia e cola sobre madeira , 7 x 48.9 x 156.2 cm. Museum of Modern Art, New York. Fonte: Latin American Artists of the Twentieth Century: A selection from the exhibition, 1993.

Assim, a artista apresenta em Nascida do Nilo a marca de seu próprio nascimento numa figura que tem suas mesmas dimensões corporais resguardando a memória de sua presença e de suas origens. A terra, pela cor e a textura da silhueta, joga um papel vital na referência à origem mas no título da obra a artista introduz outro elemento, a água. A menção do Rio Nilo é significativa na reinterpretação que Mendieta faz da Santería afro-cubana, em especial em relação à Oxúm (Oshun), rainha da água doce, da feminilidade e dos rios, Orixá importante para Mendieta128. A questão da origem é um aspecto que constantemente é evocado na poética de Mendieta, vinculado tanto a mitos em torno da natureza e da religiosidade como em questões determinadas pela experiência de exílio vivida pela artista. Mendieta chegou em 1961, aos 12 anos de idade, ao Aeroporto Internacional de Miami como parte da Operação Peter Pan129. A partir desse momento começou uma nova vida marcada pela palavra imigrante130.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 128 Ver em Cabañas (1999, p. 13). 129 A Operação Peter Pan foi um projeto católico e anticomunista que teve como objetivo trasladar crianças cubanas (entre 6 e 18 anos) aos Estados Unidos com o apoio desse governo e a CIA. Entre 1960 e 1962 foram levadas 14.048 crianças para o país norte-americano. As crianças sem família nesse país, como foi o caso de Ana Mendieta e sua irmã Raquel, foram levadas para orfanatos. Cinco anos depois as irmãs Mendieta reuniram-se com sua mãe e irmão e em 1979 com seu pai. Ver em Antivilo (2013, p. 203), Cabañas (1999, p. 12). 130 Mendieta comenta em entrevista que na escola foi vítima de racismo por parte de seus colegas que diziam para ela: “Go Back to Cuba, you whore” e “Ana nigger” (CABAÑAS, 1999, p. 12).

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A última fase de seu trabalho artístico esteve marcada por uma maior ênfase à questão das origens fomentada por seu regresso a Cuba em 1980, período no qual a artista viajou constantemente a ilha e criou uma relação mais íntima com sua cultura e história. Parte desse reencontro com seu passado e suas origens materializou-se na série de esculturas rupestres que realizou no Parque Nacional Jaruco, perto de Havana. A cultura Taína131 foi a inspiração de Mendieta para a elaboração desse trabalho composto por dez esculturas baseadas em deidades femininas taínas. Esse trabalho marcou o início da criação de obras de caráter permanente, aspecto muito simbólico se fazemos uma analogia entre os Taínos com sua exterminação e a própria Mendieta com seu exilio, sendo as esculturas a evidência da presença e origem de ambos na ilha, assim como um retorno à madre terra. Nessa época de inícios dos anos oitenta, o trabalho de Mendieta era já bastante conhecido. Sua morte repentina e polêmica em 1985 provocou maior difusão e interesse na sua obra. Os organizadores das exposições dedicadas à arte latino-americana, as quais aumentaram durante esse período, mostraram-se muito interessados em fazer das obras de Mendieta parte das exibições. Latin American Artists of the Twentieth Century, exposição organizada pelo MOMA inaugurada em 1992, foi parte das exposições do período que exibiram vários dos trabalhos de Mendieta. No caso específico dessa exibição três obras da artista, incluída a obra Nascida do Nilo, foram parte do evento. Latin American Artists of the Twentieth Century132 foi organizada sob a perspectiva de fomentar a difusão e o estudo sobre as artes plásticas e visuais da América Latina que, segundo seu curador Waldo Rasmussen, era necessário pela condição de exclusão que a arte latino-americana experimentava no panorama do circuito internacional. Como resposta crítica a essa exclusão Rasmussen organizou um projeto ambicioso para a exposição. Assim, converteu-se no maior evento realizado até aquele momento sobre a arte da América Latina, com uma participação de mais de 90 artistas e aproximadamente 300 obras. A proposta curatorial foi dirigida a mostrar uma visão ampla das diversas e complexas vertentes da arte latino-americana através de uma perspectiva mais pontual e objetiva, a histórico-cronológica, tentando deixar de lado ideias e conceitos – como o mágico, o misterioso e o exótico – que tinham sido questionados em eventos prévios. Assim, as obras

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 131 Os taínos foram os habitantes das ilhas da região do Caribe que foram exterminados durante a colônia. Mendieta mostrou grande interesse pelos mitos sobre a madre terra dos taínos e a importância do símbolo da caverna como espaço de nascimento associado à concavidade uterina (ANTIVILO, 2103, p. 205). 132! Exposição abordada com maior detalhe no capítulo 3 desta dissertação como parte fundamental de nosso estudo sobre o multiculturalismo e o debate em torno da “arte latino-americana”.!

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! selecionadas foram organizadas em oito seções que representaram os principais movimentos e correntes estéticas da História da arte latino-americana. A obra Nascida do Nilo e os outros trabalhos de Mendieta foram exibidos na sétima seção intitulada “Recent Painting and Sculpture” (Pintura e Escultura Recente). Essa seção e a oitava foram as últimas seções do recorrido da exposição encarregadas de representar a produção artística contemporânea da América Latina dentre finais da década de 1970 até inícios de 1990. Nessa perspectiva, as obras de Mendieta tiveram um papel muito relevante já que a artista formava parte do grupo de artistas contemporâneos latino-americanos mais conhecidos do período no circuito internacional. Outro aspecto importante da obra de Mendieta para a curadoria foi sua singularidade, a qual contribuiu com o objetivo de destacar o caráter plural da produção contemporânea. De forma que as obras exibidas contrastaram entre mostrarem essa pluralidade distinguindo essa seção (período) das outras que mostraram visualmente maiores afinidades estéticas. Assim, por exemplo, a obra Nascida do Nilo de caráter escultórico contrastou visualmente no espaço expositivo com outras obras escultóricas como Inclassificada de Baranek, obra de grande formato formada de alumínio e aço. Também foi referência da exploração de uma linguagem ligada à chamada arte conceitual diferenciando-se de outras linguagens como a pictórica, presente em obras de artistas como Julio Galán e Arnaldo Roche Rabell. A reflexão sobre a exibição da obra de Mendieta em exposições como Latin American Artists of the Twentieth Century, em particular obras de seu último período como Nascida do Nilo, conduze-nos a refletir sobre o debate em torno da “arte latino-americana” presente no período, no qual o multiculturalismo como política cultural promoveu a realização de exposições com as características de Latin American Artists of the Twentieth Century nas capitais culturais, e como corrente de pensamento e movimento social chamou a atenção de vários artistas como foi o caso de Ana Mendieta. A obra artística de Mendieta, como mencionamos anteriormente, está marcada por sua experiência pessoal de vida nos Estados Unidos em condição de exilada. Uma experiência que conduziu a artista a buscar através de sua arte a sua origem; “Minha arte é a maneira como restabeleço os laços que me unem ao universo. É um retorno à fonte materna”133. Essa reflexão sobre sua origem atravessada pela situação de imigrante nos Estados Unidos em um

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 133 Trecho original “My art is the way I re-establish the bonds that unite me to the universe. It is a return to the maternal source”. Ver em http://www.tate.org.uk/art/artworks/mendieta-untitled-silueta-series-mexico-t13357. Acesso em 20 fev. 2017.

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! período de luta política e ideológica (1960-1980), no qual a arte desempenhou um papel transgressor e, em muitos casos, de militância, marcaram o trabalho artístico de Mendieta. A nova performance e a arte feminista influíram em sua obra, logo, sua obra converteu-se numa referência relevante desses gêneros artísticos. Assim, Mendieta através de sua poética procurou expor a problemática de violência e discriminação contra a mulher e contra o imigrante. Sua arte foi além de uma referência autobiográfica e converteu-se também numa forma de luta em favor da diversidade cultural. A união entre as linguagens visuais contemporâneas da arte e a apropriação da cultura popular junto à reinterpretação dos mitos afro-cubanos e indo-americanos foi a ponte que a artista utilizou para denunciar a discriminação que sofrem os diferentes grupos étnicos que formam os Estados Unidos. De forma que sua obra fomentou a reflexão sobre o multicultural e uma noção de diáspora na afirmação do imigrante e a sua diferença. Nesse sentido, como assinala o crítico Gerardo Mosquera (2000, p. 3), a obra de Mendieta integra o debate étnico-cultural formado por lutas de poder, tanto no plano simbólico como no social, apresentando a possibilidade de que o popular não ocidental- subalterno-periférico intervenha no culto-ocidental-hegemônico-central, gerando assim, um campo de tensões entre a afirmação da diferença e a crítica ao poder. Nessa perspectiva, os trabalhos de artistas como Mendieta, que fomentaram a discussão sobre o multicultural no circuito internacional e nas artes visuais latino-americanas, foram chaves para a discussão sobre um período em que a visão da “arte latino-americana” era debatida entre o regional e o global. As obras de Mendieta, como a obra Nascida do Nilo, podem ser percebidas como uma ponte entre ambas as noções; uma possibilidade de pensar a cultura popular de uma região vinculada a reflexões que transpassam as fronteiras dessa região e que são significativas para pensar outros fenômenos numa sociedade de caráter mais global.

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4.3. O QUE VOCÊ DESEJAR, O QUE VOCÊ QUISER, EU ESTAREI AQUI, PRONTO PARA SERVI-LO

A ligação da arte com a vida apresenta-se na obra do artista brasileiro José Leonilson134 como um eixo fundamental que caracterizou a poética visual de seu trabalho. No último período de sua obra, entre 1991 e 1993, essa ligação foi ainda mais forte e a aura autobiográfica de seu trabalho tornou-se mais evidente, sendo o sentido de “diário íntimo” de grande importância para a última face da sua produção, da qual a obra intitulada O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, de 1991, forma parte. Nesse último período já era muito conhecido seu trabalho, o qual abrange pinturas, desenhos, gravuras, objetos tridimensionais e bordados. Leonilson, sendo ainda jovem, ganhou, durante a década dos anos oitenta, grande relevância dentro do circuito artístico brasileiro135, aspecto que foi importante para seu reconhecimento e participação no circuito internacional. Essa época foi para Leonilson fundamental; por um lado, foi o momento no qual consolidou e enriqueceu sua poética visual, e por outro, participou ativamente de exposições e bienais em diversos países. Em 1991, aos 34 anos, o panorama mudou drasticamente para o artista quando descobriu ser soropositivo ao vírus da AIDS. Além de significar uma série de mudanças no seu cotidiano e, portanto, no dinamismo de suas atividades, a experiência com a doença – as emoções, os pensamentos, as dores – impactou seu processo criativo e poético. Suas obras nessa face, comenta Cassundé (2011, p. 102), caracterizam-se por incorporar características pontuais de grande lirismo, sendo a simplicidade e a utilização mínima de recursos o caminho que elege o artista para expressar sua via crucis. Em O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo (1991), podemos observar esse caráter pontual na simplicidade dos recursos utilizados. Uma túnica branca em voile e o bordado em sua extremidade inferior com fio preto são os dois recursos utilizados pelo artista para criar essa obra. Daí, as qualidades de ambos os recursos se encarregam de gerar ritmos e contrastes à percepção do expectador. Por exemplo, a

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 134 Artista visual, figurinista-cenógrafo, ilustrador. José Leonilson Bezerra Dias nasceu em 1 de março de 1957 na cidade de Fortaleza, Ceará. Estudou artes plásticas na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAB), em São Paulo entre 1977-1980, e na Escola de Arte Aster entre 1978-1981. Em 28 de maio de 1993 o artista faleceu em São Paulo. Ver no “Apêndice E” desta dissertação mais dados biográficos sobre o artista. 135 Cassundé comenta que outros artistas jovens da geração de Leonilson, na década de 1980, são também reconhecidos pela crítica “[...] nessa geração ocorre um fenômeno inédito na arte brasileira, artistas jovens e ainda estudantes são legitimados pela crítica e pelo mercado” (2011, p. 55). !

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! aparência do voile com suas transparências e textura delicada dão a sensação de leveza, a túnica parece ser ligeira como se estivesse voando. Sua forma alongada e esbelta e sua cor branca também intensificam essa sensação, a de um corpo de uma presença leve e serena, quase fantasmal.

Figura 26 – José Leonilson Bezerra. O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aquí, pronto para servi-lo, 1991. Técnica mista, 205 cm. Coleção de Isabella Prata Arcuschin, São Paulo. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/368380444493705818/

O fio preto bordado no inferior da túnica parece ser o peso que a mantém sujeita a terra. O contraste do peso da cor preta do bordado em relação à leveza do branco da túnica converte-se no indício de que esse corpo fantasmal está presente percebendo seu entorno e disposto a atuar em qualquer momento, sendo as palavras formadas através do próprio bordado as que confirmam essa presença “eu estou aqui, pronto para servi-lo”. Palavras que

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! adquirem maior força por ser também o título da obra. O bordado e o trabalho com tecidos são, durante esse período, o meio mais executado por Leonilson. Meio que adquire uma grande significação na sua obra por dois aspectos em particular: o primeiro relacionado à sua saúde já que, por questões de alergias à pintura, antes muito executada pelo artista, é pouco praticada; o segundo vinculado a seu universo íntimo entre as lembranças de sua infância na prática do bordado com sua mãe, sua avó e as freiras do colégio e os relatos amorosos e nostálgicos como jovem amante. Para expressar esse universo íntimo, o artista enriquece sua poética por meio da palavra, a qual integra como parte da imagem do conjunto visual construindo uma narrativa intimista – um diário pessoal – mostrando ao público leitor sua intimidade e afetos. “Leonilson transporta seus escritos diários dos cadernos para seus desenhos e bordados, compartilhando, principalmente, questões sobre sua sexualidade e relacionamentos amorosos” (AVELAR, 2014, p. 53). Uma característica que está presente na maior parte de sua obra, mas é mais evidente nesse último período, no qual seus bordados podem considerar-se autorretratos. Em O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo (1991), Leonilson expõe-se a se mesmo. Suas angústias, seus desejos e o sentir de sua própria existência convertem-se no corpo leve evocado pela túnica que oferece ao sujeito amado sua atenção e adoração, como se sua existência – essa presença – dependera desse ato de entrega ao outro. Para o artista existe um jogo nas relações amorosas no qual surge o dominante e o dominado, no entanto, o dominado nunca perde seu Eu. A satisfação da entrega ao outro numa forma de “amor servil” converte-se no reconhecimento de si mesmo através da realização de seu desejo. Leonilson refere-se a essa reflexão em entrevista à pesquisadora Lisette Lagnado, quando é questionado sobre se o amor age como uma forma de “servidão voluntária”, ele disse: “Eu bordei num trabalho: “o que você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo.” É uma relação servil, mas é você quem escolhe”.136 Das exposições que exibiram, durante a primeira metade da década de 1990, as obras desse último período de Leonilson a exposição Cartographies, inaugurada em 1993, sob a curadoria do brasileiro Ivo Mesquita, é uma referência importante já que foi uma das últimas exposições internacionais coletivas inauguradas antes do falecimento do artista em 28 de maio

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 136 (LAGNADO, 2000 apud CASSUNDE, 2011, p. 137). Ver em LAGNADO, Lisette. São Tantas as Verdades: Leonilson. 2 ed. São Paulo: DBA, 2000, p. 116.

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! de 1993. Foram 11 obras de Leonilson137, incluindo O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, que integraram essa exibição, todas realizadas no ano de 1991. Neste ponto de nossa abordagem, tendo em conta o que foi abordado anteriormente, interessa-nos analisar a obra O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo em relação à proposta curatorial da exposição Cartographies. Exposição que analisamos no capítulo três como parte fundamental de nosso estudo sobre o debate da “arte latino-americana”. A exposição Cartographies apresentou duas principais questões, a primeira, a análise do papel e da metodologia do campo curatorial e, a segunda, a crítica à categoria de “arte latino-americana”. Para a primeira questão, o método da cartografia foi fundamental138, de forma que Ivo Mesquita desenvolveu uma proposta na qual tanto ele como curador como qualquer outra pessoa como expectadora pudessem começar um percurso de viagem no papel de cartógrafo encarregado de elaborar sua própria cartografia. Nesse sentido, a exibição foi entendida como um território aberto a ser descoberto pelo expectador através de suas próprias percepções e interesses criando com seu percurso possíveis rotas para o atravessar. Assim, Cartographies na sua curadoria não pretendeu fixar uma única rota para recorrer aquele espaço formado pelas obras de 14 artistas contemporâneos. As próprias obras, segundo a curadoria, foram as encarregadas de dar-lhes sentido à exposição e não a ideia prévia de um conceito ao qual as obras tiveram que aderir- se. No caso da obra O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, em conjunto com os outros 10 trabalhos de Leonilson, foram em Cartographies parte do mapa da arte contemporânea latino-americana que Mesquita organizou para o público. No aspecto formal, o trabalho de Leonilson foi, dentro da exibição, muito singular pelo uso do bordado e dos tecidos (voile, lona algodão, feltro) diferenciando-se dos outros trabalhos pictóricos e escultóricos e dos trabalhos que trataram outras linguagens que em conjunto evidenciaram a pluralidade da produção artística da América Latina. Um aspecto que para Mesquita era importante mostrar. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 137 As obras exibidas foram: Puros y Duros; Bom rapaz em embalagem ruim; Mr. One night stand; 34; Pruebas de amor; Empty man; El desierto; Leo não consegue mudar o mundo; A.P; Fertilidade; coerência, silêncio. 138 “Cartografia – a arte e técnica da criação de mapas – é um método de trabalho com uma dupla função: recorrer e detectar a paisagem, suas características e transformações e, simultaneamente, apresentar as condições para seu conhecimento e assinalar as rotas de aceso para o atravessar [...]”(MESQUITA, 1993, p. 21, tradução nossa).!

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Com relação ao conceito de cartografia e o papel do expectador na exposição a obra do artista apresentou, segundo nossa perspectiva, um vínculo interessante com essa dinâmica expositiva. Em O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, Leonilson através do uso da palavra faz participe ao expectador-leitor de sua verdade, ato que faz a esse expectador-leitor um sujeito especial com quem compartilha sua intimidade. Nessa dinâmica a obra de Leonilson reitera o convite que Cartographies fez ao expectador para ser algo mais que só um observador. Na segunda questão assinalada em Cartographies, a crítica à categoria de “arte latino- americana”, Mesquita reitera a necessidade de entender que América Latina não possui uma única identidade, porém, a produção artística da região não está determinada a um único conjunto de critérios que a fazem ou não latino-americana. Nesse sentido, obras como O que você desejar, o que você quiser, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, que não fazem referência ao imaginário visual tradicional latino-americano, como o período colonial, a herança pré-colombiana ou o labor de uma arte comprometida, tiveram um lugar destacado em Cartographies por mostrar na suas poéticas temas que vão além do latino-americano. Nesse ponto, a exposição Cartographies assinala outro aspecto importante dentro do debate em torno da “arte latino-americana” do período que é relevante comentar. Esse aspecto é a noção do “global” enriquecido pelas discussões sobre o multiculturalismo, a globalização e as dinâmicas que caracterizaram uma época na qual pareceram diluir-se as fronteiras geográficas. Na América Latina respirava-se um ar mais otimista com o período pós-ditaduras da chegada das democracias e a melhora nas condições econômicas em vários países da região. No campo das artes visuais, esse otimismo materializou-se no crescimento do mercado da arte e no maior apoio aos artistas da região que começaram a participar mais do circuito internacional que se mostrou mais receptivo à produção artística da América Latina. Leonilson e a geração de artistas da década de 1980 receberam muito apoio por parte da crítica de arte brasileira e do mercado da arte, o que lhes permitiu difundir sua obra e participar ativamente de exposições (CASSUNDÉ, 2011, p. 55). As características do período propiciaram uma maior abertura nas experimentações, linguagens e abordagens realizadas pelos artistas. Como comenta Bertolossi (2014, p. 88) “Muitos realizaram uma produção que se poderia afirmar como egocentrada, eivada de narrativas biográficas e questões de identidade, num mundo cada vez mais globalizado e multicultural, que se tornou pauta de boa parte das questões internacionais apropriadas nos trabalhos artísticos”. O interesse por parte dos artistas do período em abordar temáticas mais globais que

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! vão além do sentido regional fomentaram um tipo de “discurso global” na produção artística da América Latina139. De forma que as obras de artistas como Leonilson enriqueceram esse discurso, o qual dinamizou o debate sobre a “arte latino-americana” e promoveu uma dinâmica mais pluralista.

!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 139 A noção do “global” na produção artística da região vinculada à análise do multiculturalismo e o debate em torno da “arte latino-americana” é abordada com maior detalhe no capítulo 2 e 3 da presente dissertação.!

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso principal interesse com a realização desta pesquisa foi fornecer uma análise sobre a influência e o papel que teve o multiculturalismo no campo das artes visuais da América Latina, especificamente, no debate em torno da “arte latino-americana” desenvolvido entre as décadas de 1980 e 1990. Período conhecido como o boom da arte latino-americana devido ao assombroso aumento na quantidade de exposições realizadas sobre a produção artística da região, as quais foram promovidas pela corrente multicultural nas metrópoles do circuito internacional. As exposições do boom converteram-se em um de nossos principais objetivos de pesquisa, sendo sua dinâmica uma das formas mais relevantes por meio da qual desenvolveu- se o vínculo entre o multiculturalismo e o debate sobre a “arte latino-americana”. Dessa maneira foi desenvolvido um enfoque mais específico que limitasse o tema tratado. Para aprofundar o estudo proposto foram escolhidas quatro destacadas exposições do período cuja análise virou um eixo fundamental da pesquisa. A análise das exposições escolhidas permitiu constatar e refletir a relevância de seu papel dentro do debate em torno da difusão, representação e discurso da “arte latino- americana”. As exposições pesquisadas foram: Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 inaugurada no Indianápolis Museum of Art, em 1987, comissionada por Holliday T. Day e Hollister Sturges; Latin American Artists of the Twentieth Century inaugurada na Plaza de Armas de Sevilla em Espanha, em 1992, comissionada por Waldo Rasmussen; Ante América, inaugurada na Biblioteca Luis Ángel Arango, em Bogotá em 1992, comissionada por Gerardo Mosquera, Carolina Ponce e Rachel Weiss; Cartographies, inaugurada na Winnipeg Art Gallery, no Canadá em 1993, comissionada por Ivo Mesquita. A pesquisa foi estruturada em quatro capítulos com a finalidade de facilitar o entendimento dos objetivos de estudo propostos. No primeiro capítulo foi necessário apresentar um breve estudo sobre o fenômeno do multiculturalismo e o contexto no qual surgiu. O conhecimento de suas várias acepções como: projeto político e luta social, foi importante para entender os diversos aspectos relacionados ao fenômeno e à relevância que atingiu no período. A compreensão sobre os aspectos gerais do multiculturalismo facilitaram o estudo sobre os fatores que fomentaram a relação entre o multicultural e o campo das artes visuais do circuito internacional durante a década dos anos oitenta. Período no qual se torno fundamental

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! a reflexão sobre a situação dos artistas e das produções artísticas não euro-norte-americanas através da crítica multicultural à noção universal da história da arte; noção baseada unicamente na cultura ocidental e europeia, o que resulta na exclusão das demais culturas. A postura crítica da corrente multicultural foi assumida por vários artistas, críticos, teóricos e curadores como ponto de partida para a luta em favor da reivindicação das diversas produções artísticas em um ambiente de diversidade cultural. O estudo sobre a relevância da corrente multiculturalista na prática artística também permitiu-nos observar suas contradições e ambivalências. Por um lado, fomentou a participação e difusão das obras de artistas provenientes das regiões periféricas, e por outro continuou reproduzindo os estereótipos e as formas de discriminação. Um exemplo dessas contradições foi Les Magiciens de la Terre, de 1989, uma das exposições organizadas desde a perspectiva multicultural mais comentada no período, a qual foi muito criticada e precedeu o aumento desse tipo de eventos no circuito artístico internacional. Por meio do estudo constatamos o impacto que teve para o campo artístico das regiões fora do eixo euro-norte-americano, como América Latina, o processo de difusão e incorporação de seus artistas e de suas produções artísticas no circuito internacional promovido pela corrente multicultural. Esse foi o caso do fenômeno conhecido como o boom da arte latino-americana, o qual analisamos até o terceiro capítulo considerando apropriado apresentar no capítulo prévio uma análise sobre o conceito de “arte latino-americana”. Análise necessária para poder compreender as discussões que o multiculturalismo e as exposições do boom fomentaram em torno da “arte latino-americana”. Assim, no segundo capítulo apresentamos um estudo baseado na identificação e caracterização das principais perspectivas da crítica de arte latino-americana e suas sínteses conceituais em torno do conceito de “arte latino-americana”. De forma que pretendeu-se fornecer um breve panorama sobre os questionamentos surgidos principalmente durante a segunda metade do século XX sobre o significado, uso e valor do termo “arte latino- americana”. A análise proposta permitiu identificar quatro possíveis discursos em torno da “arte latino-americana”, os quais não são os únicos possíveis, no entanto, foram os que atingiram em momentos específicos maior relevância na teorização e prática artística. Discursos que, consideramos, passaram a integrar de forma fundamental esse debate e a própria reflexão sobre as dinâmicas da prática artística em relação ao contexto histórico da América Latina. Os discursos que identificamos na análise proposta foram: discurso nacional (1920-

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1930); discurso neutro (1940-1960); discurso regional (final de 1960-1980); discurso global (1980-1990). Os períodos assinalados são só aproximações, já que não achamos tais esquemas discursivos fechados, o contrário, formam parte de um debate dinâmico e continuo, o qual tem sido enriquecido no decorrer do tempo. Para nossa análise os últimos dois discursos foram de maior interesse já que correspondem ao recorte temporal investigado. É importante sublinhar que cada discurso assinalado abrange diversas discussões, aspectos singulares e dinâmicas em relação ao contexto no qual se desenvolveu, sendo seu estudo em profundidade um objetivo que vai além da proposta da presente pesquisa. Nosso interesse com sua identificação e caracterização foi destacar que o debate em torno do conceito de “arte latino-americana” é um debate com história. Uma história na qual a “arte latino-americana” parece abrir-se e fechar-se alternadamente. No terceiro capítulo analisamos o desenvolvimento do debate sobre a “arte latino- americana” nas exposições multiculturais e o campo da crítica durante as décadas de 1980- 1990. A análise proposta permitiu constatar a importância do multiculturalismo no chamado boom da arte latino-americana no papel de promotor das artes visuais da região através do fomento de eventos e exposições. As características que apresentaram essas exposições chamaram a atenção dos profissionais do campo artístico latino-americano, assim sua discussão ganhou relevância e passou a formar parte do debate em torno da “arte latino- americana”. Desta forma, por meio da pesquisa observamos e analisamos que o multiculturalismo foi discutido no debate do período tanto no seu aspecto positivo como no negativo (suas contradições). Por um lado, seu aspecto positivo vinculado à difusão da arte latino-americana e sua incorporação no circuito internacional através de eventos e exibições, por outro lado, o negativo como reprodutor do poder ideológico das culturas dominantes através da reiteração de sua autoridade tanto como organizadoras das exposições como promotoras de uma visão homogênea e estereotipada da produção artística da região. Aspectos que, como podemos perceber, contradizem a perspectiva da luta multicultural pela reivindicação das culturas exploradas e seu direito a escrever e contar sua própria história. Para aprofundar nossa análise sobre esses aspectos presentes nas exposições multiculturais do boom discutidos no debate em torno da “arte latino-americana” apresentamos uma pesquisa sobre quatro exposições de relevância no período. Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 e Latin American Artists of the Twentieth Century consideradas no momento de sua inauguração as maiores exposições organizadas nas

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! metrópoles culturais sobre a arte da América Latina. As outras duas, Ante América e Cartographies, foram parte das primeiras exposições que, além de promover a participação de profissionais latino-americanos na curadoria, desenvolveram uma perspectiva alternativa às mostras antológicas e panorâmicas que proliferaram durante aquele período. O estudo dessas exposições nos permitiu analisar o tratamento da “arte latino- americana” nas propostas curatoriais verificando a importância que o campo curatorial ganhou no debate do período. No caso do estudo da produção artística da época em relação ao debate, as exposições pesquisadas foram o meio para analisar as artes plásticas e visuais produzidas no período e seu vínculo às produzidas em períodos anteriores. Assim analisamos o papel que os artistas e suas obras desempenharam como parte dessas exposições. A pesquisa proposta evidenciou a dinâmica dos diversos olhares possíveis sobre a “arte latino-americana”. Uma dinâmica que enriqueceu seu debate formado, por um lado, pelas perspectivas propostas através das exposições, seus catálogos e as instituições promotoras, e por outro, pelas perspectivas desenvolvidas no campo da crítica por parte tanto de críticos e teóricos como de artistas. Discussões que promoveram novas análises vinculadas ao contexto do fenômeno da globalização e às perspectivas fomentadas pelo multiculturalismo. De forma que o discurso global sobre a “arte latino-americana” ganhou relevância sobre o discurso regional. Finalmente, apresentamos no quarto capítulo uma análise sobre três obras de três artistas latino-americanos, obras as quais formaram parte das exposições investigadas: O altar [El altar], 1990, da artista colombiana Beatriz González; Nascida do Nilo [Nacida del Nilo], 1984, da artista cubana Ana Mendieta; O que você quiser, o que você desejar, eu estarei aqui, pronto para servi-lo, do artista brasileiro José Leonilson. Através da análise proposta pretendeu-se dar continuidade ao estudo apresentado no terceiro capítulo mas a partir da produção artística, de forma que foram abordados vários dos aspectos assinalados em relação propriamente às obras de arte exibidas. Essa análise nos permitiu identificar questões relevantes que vincularam as particularidades de cada obra à proposta curatorial da exposição da qual participou e ao debate sobre o discurso e a representação da “arte latino-americana”. Nesse sentido, essa análise permitiu-nos constatar os elementos de rompimento estudados no segundo e terceiro capítulo entre o discurso regional e o discurso global sobre a arte latino-americana como resultado das discussões fomentadas pelo multiculturalismo e as exposições do boom. Assim, identificamos a continuidade do tema do regional na obra

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! analisada de González e, por contraparte, um interesse pela abordagem de temas de caráter mais global na obra de Leonilson. No caso da obra analisada de Mendieta, sua abordagem nos permitiu esbozar um ponto meio entre o caráter regional e global que a produção artística na América Latina apresentou durante essa época, sendo a obra de Mendienta um exemplo importante no qual convergem a questão do multicultural e do latino-americano. A identificação do caráter regional e global em cada uma das três obras analisadas nos permitiu constatar a presença de ambas perspectivas nesse período e assinalar o multiculturalismo como um fator de transição entre ambos discursos, sendo provocador de discussões que dinamizaram o debate em e sobre a produção artística na América Latina. Portanto, de relevância para as diversas perspectivas que se desenvolveram nas artes plásticas e visuais na região durante as últimas duas décadas do século XX. Esperamos que esta dissertação contribua com o estudo do tema proposto e fomente a realização de novas pesquisas relacionadas ao multiculturalismo e às artes plásticas e visuais da América Latina. Consideramos que o tema analisado nesta pesquisa é amplo e interessante com diversos questionamentos que ainda não têm sido pesquisados. Assim mesmo, achamos que o tema do multiculturalismo continua sendo relevante para a época atual, na qual os problemas de discriminação e racismo continuam presentes na nossa sociedade, sendo construtivo o estudo do impacto dessas problemáticas no campo das artes, tanto na produção artística como na teorização e difusão dessa produção. Com relação ao debate em torno da “arte latino-americana”, para uma dissertação cujo aporte é um “tempo passado”, vários dos questionamentos tratados levaram-nos a pensar o presente. Nesse sentido, consideramos esse debate “vivo” como um debate com história, enriquecido no percurso do tempo. Na nossa perspectiva, seu estudo é necessário para compreender as discussões atuais e os questionamentos sobre a continuidade do emprego e significado do conceito de “arte latino-americana”. Um tema aberto para futuras pesquisas.

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Catálogos de Exposições

Exposição Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987. Indianápolis: Indianápolis Museum of Art, 1987.

Exposição Latin American Artists of the Twentieth Century. Nova Iorque: Museum of Modern Art de Nova Iorque, 1993.

Exposição Ante América. Bogotá: Biblioteca Luis Ángel Arango, 1992.

Exposição Cartographies: 14 latin american artists. Winnipeg: Winnipeg Art Gallery, 1993.

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APÊNDICE A – Ficha da exposição Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987

Título da exposição: Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987 [Arte do Fantástico: América Latina 1920-1987]. Curadoria: HOLLIDAY T. DAY (Nashville, Tennessee, Estados Unidos, 1936), Curadora e crítica de arte estadunidense. Master of Arts pela University of Chicago (Estados Unidos) em, 1979. Foi curadora de Arte Contemporâneo no Indianápolis Museum of Art por mais de vinte anos (desde 1985). Autora e organizadora de diversas publicações como: Shape of Space: The Sculpture of George Sugarman (1981); Power: Its myths and mores in American Art 1961- 1991 (1991). HOLLISTER STURGES, Curador e historiador de arte estadunidense. Master of Arts pela University of California (Berkeley, Estados Unidos). Foi curador no Indianápolis Museum of Art (1984-1987), Diretor do Springfield Art Museum (Massachusetts, Estados Unidos, 1988- 1995) e Diretor executivo do Bruce Museum (Connecticut, Estados Unidos, 1996-2000). Organização: Indianapolis Museum of Art (Indianapolis, Estados Unidos). Patrocinadores: Organização Desportiva Pan-Americana. Local e ano de inauguração: Indianapolis Museum of Art, Estados Unidos, em 1987. Outros locais de exibição: Queens Museum of Art, em Nova Iorque (Estados Unidos); Center of the Fine Arts, em Miami (Estados Unidos). Publicações: Art of the Fantastic: Latin America 1920-1987. Catálogo editado por Holliday T. Day e Hollister Sturges. Publicado pelo Indianapolis Museum of Art, Indianapolis, 1987. Distribuído pela Indiana University Press. Número de artistas participantes: 29 artistas em total. 5 mulheres artistas Lista de artistas participantes: *Lista organizada pelo país de procedência e ano de nascimento dos artistas Argentina Xul Solar – Oscar Agustín Alejandro Schulz Solari (1887-1963), Roberto Aizenberg (1928- 1996), Jorge de la Vega (1930-1971), Armando Rearte (1945-), Guillermo Kuitca (1961-). Brasil Tarsila do Amaral (1886-1973), Antonio Henrique Amaral (1935-2015), Siron Franco (1947-), Waldemar Zaidler (1958-).

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Chile Roberto Matta (1911-2002). Colômbia Fernando Botero (1932-), Beatriz González (1938-). Cuba Wifredo Lam (1902-1982), Luis Cruz Azaceta (1942-), José Bedia Valdes (1959-). México Rufino Tamayo (1899-1991), Frida Kahlo (1907-1954), Alberto Gironella (1929-1999), Francisco Toledo (1940-), Alejandro Colunga (1948-), Rocio Maldonado (1951-), German Venegas (1959-). Nicarágua Armando Morales (1927-2011). Peru Tilsa Tsuchiya (1928-1984). Porto Rico Arnaldo Roche Rabell (1955-). Uruguai Joaquín Torres-García (1874-1949), José Gamarra (1934-). Venezuela Armando Reverón (1889-1954), Jacobo Borges (1931-).

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APÊNDICE B – Ficha da exposição Latin American Artists of the Twentieth Century

Título da exposição: Latin American Artists of the Twentieth Century [Artistas Latino- Americanos do Século Vinte]. Curadoria: WALDO RASMUSSEN (Washington, Estados Unidos, 1928-2013), Curador de arte estadunidense. Graduado em História da Arte pelo Institute of Fine Arts da New York University (Nova Iorque) e nomeado Diretor Emérito PI (Principal Investigator-Pesquisador Chefe) pelo Museum of Modern Art (MOMA, Nova Iorque, Estados Unidos). Foi Diretor Executivo do Departamento de Circulação de Exibições do MOMA (1962-1969) e Diretor do Programa Internacional do MOMA (1969-1993). Organizou diversas exibições entre as quais se destacam: Two Decades of American Paintings 1945-1965 (Japão, Índia, Austrália, 1966- 1967) e American Abstract Expressionists (Edimburgo, 1981). Organização: Museum of Modern Art (MOMA, Nova Iorque, Estados Unidos). Patrocinadores: Comisaría de la Ciudad de Sevilla (Espanha); Rockefeller Foundation (Nova Iorque); National Endowment for the Arts (Estados Unidos); Banco Mercantil (Venezuela); Univision Television Group, Inc.; entre outros. Local e ano de inauguração: Plaza de Armas de Sevilla, Espanha, em 1992. Outros locais de exibição: Museum of Modern Art, em Nova Iorque (Estados Unidos); Musée Nacional d’Art Moderne do Centre Georges-Pompidou, em Paris (França); Hôtel des Arts, em Paris (França); Josef-Haubrich Kunsthalle, em Colônia (Alemanha). Publicações: Latin American Artists of the Twentieth Century. Catálogo editado por Waldo Rasmussen. Publicado pelo Museum of Modern Art, Nova Iorque, 1993. Latin American Artists of the Twentieth Century, A Selection from the Exhibition. Publicado pelo Museum of Modern Art, Nova Iorque, 1993. Número de artistas participantes: 95 artistas em total. 14 mulheres artistas Lista de artistas participantes: * Lista organizada pelo país de procedência e ano de nascimento dos artistas Argentina Xul Solar – Oscar Agustín Alejandro Schulz Solari (1887-1963), Florencia Molina Campos (1891-1959), Juan Bay (1892-1978), Antonio Berni (1905-1981), Raúl Lozza (1911-2008), Luis F. Benedit (1937-2011), Martín Blaszko (argentino-alemão, 1920-2011), Lidy Prati (1921-2008), Tomás Maldonado (1922-), Juan Melé (1923-2012), Alfredo Hlito (1923-1993), Gregorio Vardánega (argentino-italiano, 1923-2007), Enio Iommi (1926-2013), Alberto

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Heredia (1924-2000), Gyula Kosice (1924-2016), Diyi Laañ (1927-2011), Julio Le Parc (1928-), Jorge de la Vega (1930-1971), César Paternosto (1931-), Luis Felipe Noé (1933-), Antonio Seguí (1934-), Víctor Grippo (1936-), Liliana Porter (1941-), Jacques Bedel (1947-), Guillermo Kuitca (1961-). Brasil Lasar Segall (1891-1957), Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), Alfredo Volpi (Brasileiro-italiano, 1896-1988), Emiliano Di Cavalcanti (1897-1976), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Cândido Portinari (1903-1962), Cícero Dias (1907-2003), Mira Schendel (1919-1988), Lygia Clark (1920-1988), Frans Krajcberg (1921-), Sérgio Camargo (1930-1990), Hélio Oiticica (1937-1980), Antonio Dias (1944-), José Resende (1945-), Waltercio Caldas (1946-), Cildo Meireles (1948-), Tunga – Antônio José de Barros Carvalho e Mello Mourão (1952-2016), Daniel Senise (1955-), Nuno Ramos (1960-), Frida Baranek (1961-), Leda Catunda (1961-), Jac Leirner (1961-). Chile Matta – Roberto Matta Echaurren (1911-2002), Eugenio Dittborn (1943-), Gonzalo Díaz (1947-), Alfredo Jaar (1956-). Colômbia Edgar Negret (1920-), Eduardo Ramírez Villamizar (1923-2004), Fernando Botero (1932-), Carlos Rojas (1933-1997), Santiago Cárdenas (1937-), Bernardo Salcedo (1939-2007), Miguel Ángel Rojas (1946-). Cuba Wifredo Lam (1902-1982), Augustín Cárdenas (1927-2001), Luis Cruz Azaceta (cubano- estadunidense, 1942-), Ana Mendieta (cubana-estadunidense 1948-1985), José Bedia (1959-). Guatemala Carlos Mérida (1891-1984). México José Clemente Orozco (1883-1949), Diego Rivera (1886-1957), David Alfaro Siqueiros (1896-1974), Rufino Tamayo (1899-1991), María Izquierdo (1902-1955), Frida Kahlo (1907- 1954), José Luis Cuevas (1934-), Francisco Toledo (1940-), Carlos Almaraz (mexicano- estadunidense, 1941-1989), Rocío Maldonado (1951-), Julio Galán (1958-2006), Ray Smith (1959-).

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Porto Rico Rafael Montañez Ortiz (1934-), Juan Sánchez (1954-), Arnaldo Roche Rabell (1955-). Uruguai Pedro Figari (1861-1938), Joaquín Torres-García (1874-1949), José Cúneo Perinetti (1887- 1977), Rafael Pérez Barradas (1890-1929), (1913-2010), Rhod Rothfuss (1920-1972), Gonzálo Fonseca (1922-1997), Luis Camnitzer (1937-). Venezuela Armando Reverón (1889-1954), Gego – Gertrude Goldschmidt (1912-1994), Alejandro Otero (1921-1990), Carlos Cruz-Diez (1923-), Jesús Rafael Soto (1923-2005), Marisol – María Sol Escobar (1930-2016), Jacobo Borges (1931-), Carlos Zerpa (1950-).

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APÊNDICE C – Ficha da exposição Ante América

Título da exposição: Ante América. Curadoria: CAROLINA PONCE DE LÉON (Bogotá, Colômbia, 1955), Curadora, gestora cultural e crítica de arte colombiana. Foi Diretora de Artes da Biblioteca Luis Ángel Arango (Bogotá, Colômbia, 1984-1994), curadora do Museo del Barrio (Nova Iorque, Estados Unidos, 1996-1998) e Diretora da Galeria de la Raza (1999-2011, San Francisco, Estados Unidos). Autora de diversas publicações como: El Efecto Mariposa: Ensayos Críticos sobre arte y cultura em Colombia 1985-2000 (2004). GERARDO MOSQUERA (Havana, Cuba, 1945), Curador, crítico e historiador de arte cubano. Licenciado em História da Arte pela Universidad de La Habana (Cuba) em 1977. Co- fundador da Bienal de La Habana, em 1984, e curador chefe dessa bienal até 1989. Foi Curador Adjunto no New Museum of Comtemporary Art (Nova Iorque, 1995-2009) e tem realizado um amplo número de trabalhos curatoriais em diversas instituições de mais de 70 países. Entre os eventos comissionados se destacam: 4ta Trienal Poli/Gráfica de San Juan: América Latina y El Caribe (San Juan, 2015-2016); Panorama da Arte Brasileira 2003. 19 Desarranjos (São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Bogotá, 2003-2009); The Nearest Edge of the World. Art and Cuba Now (Boston, Nova Iorque, Colorado, Austin, Atlanta, 1990-1994). Autor de diversas publicações como: Caminar con el Diablo. Textos sobre arte, internacionalismo y culturas (2010). RACHEL WEISS, Crítica de arte e curadora estadunidense. Master of Fine Arts pelo Massachusetts College of Art (Boston, Estados Unidos) em 1980. Atualmente, Professora no Art Institute of Chicago (Estados Unidos). Autora de diversas publicações como: To and from Utopia in the New Cuban Art (2010). Organização: Biblioteca Luis Ángel Arango (Bogotá, Colômbia). Patrocinadores: Banco de la República (Colômbia); Rockefeller Foundation (Nova Iorque). Local e ano de inauguração: Biblioteca Luis Ángel Arango, Colômbia, em 1992. Outros locais de exibição: Queens Museum of Art, em Nova Iorque (Estados Unidos); The Spencer Art Museum, em Kansas (Estados Unidos); Museo de Arte y Diseño Contemporáneo, em San José (Costa Rica), Museo de Artes Visuales Alejandro Otero, em Caracas (Venezuela). Número de artistas participantes: 26 artistas em total. 7 mulheres artistas

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Lista de artistas participantes: * Lista organizada pelo país de procedência e ano de nascimento dos artistas Chile Alfredo Jaar (1956-), Arturo Duclos (1959-). Colômbia Beatriz González (1938-), Antonio Caro (1950-), José Antonio Suárez (1955-), María Teresa Hincapié (1956-2008), Doris Salcedo (1958-), María Fernanda Cardoso (1963-). Cuba Luis Cruz Azaceta (cubano-estadunidense 1942-), Ana Mendieta (cubana-estadunidense 1948-1985), Juan Francisco Elso (1956-1988), José Bedia (1959-), Carlos Rodríguez Cárdenas (1962-). Estados Unidos Melvin Edwards (1937-), Jimmie Durham (1940-), Amalia Mesa-Bains (1943-). Haiti André Pierre (1916-2005) Jamaica Everald Brown (1917-2003), Milton George (1939-2008). México Francisco Toledo (1940-), Enrique Chagoya (1953-), Guillermo Gómez-Peña (1955-). Porto Rico Marina Gutiérrez (1954-). Uruguai Luis Camnitzer (1937-), Carlos Capelán (1948-). Venezuela José Antonio Hernández (1964-).

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APÊNDICE D – Ficha da exposição Cartographies

Título da exposição: Cartographies [Cartografias]. Curadoria: IVO MESQUITA (São Paulo, Brasil, 1951), Curador e crítico de arte brasileiro. Mestre em História da Arte pela Universidade de São Paulo (Brasil). Foi Diretor Artístico da Pinacoteca do Estado de São Paulo (Brasil, 2012-2015) e Curador-chefe desse museu (2002- 2012), Diretor Artístico do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2001-2002), Diretor Artístico da Fundação Bienal de São Paulo (1999-2000). Formou parte do equipo curatorial da Bienal de São Paulo (16a, 17a, 18a, 19a, 24a, 28a). Curador de um amplo número de exposições em diversas instituições no Brasil e em outros países do continente Americano e Europeu. Organizador de eventos de destaque como: A Conferência Anual do CIMAM (São Paulo, 2005); O Seminário Multiculturalismo e a Visualidade Contemporânea (São Paulo, 1994). Organização: Winnipeg Art Gallery (Canadá). Patrocinadores: Frunkim/Adams Gallery (Nova Iorque); Galeria de Arte Mexicano (Cidade de México); Roslyn OXLEY9 Gallery (Australia); entre outros. Local e ano de inauguração: Winnipeg Art Gallery, Canadá, em 1993. Outros locais de exibição: Museo de Artes Visuales Alejandro Otero, em Caracas (Venezuela); Biblioteca Luis Ángel Arango, em Bogotá (Colômbia); National Gallery of Canada, em Ottawa (Canadá); Bronx Museum of the Arts, em Nova Iorque (Estados Unidos); Fundación Caixa Madrid, em Madrid (Espanha). Número de artistas participantes: 14 artistas em total. 3 mulheres artistas Lista de artistas participantes: * Lista organizada pelo país de procedência e ano de nascimento dos artistas Argentina Guillermo Kuitca (1961-). Brasil Carlos Fajardo (1941-), Iole de Freitas (1945-), Mario Cravo Neto (1947-2009), José Leonilson Bezerra (1957-1993). Chile Juan Dávila (1946-), Gonzálo Díaz (1947).

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Colômbia Germán Botero (1946-), María Fernanda Cardoso (1963-). Cuba José Bedia (1959-), Marta María Pérez Bravo (1959-). México Julio Galán (1958-2006), Nahum B. Zenil (1947-). Venezuela Alfred Wenemoser (venezuelano-austríaco 1954-).

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APÊNDICE E – Dados biográficos dos artistas: Beatriz González, Ana Mendieta e José Leonilson

BEATRIZ GONZÁLEZ (Bucaramanga, Colômbia, 1938) Artista visual, curadora, historiadora e crítica de arte. Reconhecida especialmente por sua obra pictórica. Beatriz González Aranda nasceu em 16 de novembro de 1938 em Bucaramanga, Colômbia. Atualmente a artista tem 78 anos de idade. Estudos: Mestre em Artes Plásticas pela Universidad de Los Andes (Bogotá, Colômbia, 1959-1962). Realizou estudos em gravura na Academia Van Beeldende Kunsten (Rotterdam, Países Baixos, 1966). Publicações: Autora de diversos artigos como: Roberto Páramo: pintor de la sabana (1986); José Gabriel Tatis: un pintor comprometido (1987); Las Artes Plásticas en el siglo XIX (1993) na Gran Enciclopedia de Colombia. Exposições Individuais: Entre as exposições organizadas sobre a obra da artista se destacam: Beatriz González (Museo del Barrio, Nova Iorque, Estados Unidos, 1998) Beatriz González: una década 1980-1990 (Museo de Arte da Universidad Nacional, Bogotá, Colômbia, 1990); Pinturas y dibujos (Galería La Oficina, Medellín, Colômbia, 1989); Retrospectiva de Beatriz González (Museo de Arte Moderno, Bogotá, Colômbia, 1984); Iconografía bolivariana de Beatriz González (Museo de Arte Moderno, Medellín, Colômbia, 1983); Los telones de Beatriz González (Museo de Arte da Universidad Nacional, Bogotá, Colômbia, 1979); Vive la France! (Centro de Arte Actual, Pereira, Colômbia, 1975); Heliograbados (Galería Belarca, Bogotá, Colômbia, 1970); Variaciones sobre "La encajera" (Museo de Arte Moderno, Bogotá, Colômbia, 1964). Exposições Coletivas: As obras de González tem formado parte de uma grande variedade de exposições, algumas delas são: Arte Colombiano en la Colección del MAMBO (Museo de Arte Moderno, Bogotá, Colômbia, 2007); Inverted Utopias: Avant-Garde Art in Latin America (Museum of Fine Arts, Houston, Estados Unidos, 2004); Ante América (Biblioteca Luis Ángel Arango, Bogotá, Colômbia, 1993); Dibujantes latinoamericanos de hoy (San Diego Museum of Art, California, Estados Unidos, 1991); XXXII Salón Anual de Artistas Colombianos (Centro de Convenciones, Cartagena, Colômbia, 1989); Art of the Fantastic, 1920-1987 (Indianapolis Museum of Art, Indianapolis, Estados Unidos, 1987); Pintado en Colombia (Fundación Banco Exterior, Madri, España, 1984); Artistas colombianos (Casa de

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! las Américas, La Habana, 1983); II Bienal Iberoamericana de Arte (México D.F., 1981); II Bienal de Gravura de Tokio (Tokio, Japão, 1979); XXXVIII Bienal de Veneza (Italia, 1978); XI Bienal Internacional de São Paulo (Brasil, 1971); I Salón Austral y Colombiano de Grabado (Cali, Colômbia, 1969); I Bienal de Arte Coltejer (Medellín, Colômbia, 1968); XVI Salón de Artistas Colombianos (Museo Nacional, Bogotá, Colômbia, 1964). Coleções: Museo Nacional de Colombia (Bogotá, Colômbia); Museo de Arte Moderno (Bogotá, Colômbia); Museo de Arte Moderno (Medellín, Colômbia); Museo de Arte Moderno La Tertulia (Cali, Colômbia); Museo de Arte Moderno (Bucaramanga, Colômbia).

ANA MENDIETA (Havana, Cuba, 1948 – Nova Iorque, Estados Unidos, 1985) Artista Visual. Reconhecida especialmente por sua obra performática. Ana Mendieta nasceu em 18 de novembro de 1948 em Havana, Cuba. Faleceu em 8 de setembro de 1985 em Nova Iorque, Estados Unidos. Mendieta morreu após cair do 34 andar do predio onde morava. Acidente, suicidio ou assassinato, até hoje sua morte permanece sendo polêmica. Mendieta morreu aos 37 anos. Estudos: Master of Fine Arts em Intermídia (1973) e Master of Arts em Pintura (1972) pela University of Iowa (Iowa, Estados Unidos). Exposições Individuais: Entre o grande número de exposições organizadas sobre a obra da artista se destacam: Ana Mendieta (Art Institute of Chicago, Estados Unidos, 2011); Earth Body, Sculpture and Performance (Whitney Museum of American Art, Nova Iorque, 2004); Ana Mendieta: Experimental and Interactive Films (Galerie Lelong, Nova Iorque, 1991); Ana Mendieta (Aspen Art Museum, Colorado, Estados Unidos, 1990); Ana Mendieta: A retrospective (Los Ángeles Contemporary Exhibitions-LACE, Los Ángeles, Estados Unidos, 1989); Duetto Pietro e Foglie (Galleria AAM, Roma, Itália, 1985); Geo-Imago (Museo Nacional de Bellas Artes, La Habana, Cuba, 1983); Earth/Body Sculpture (Rutgers University, New Jersey, Estados Unidos, 1982); Silueta Series (University of Iowa, Estados Unidos, 1977). Performances: Body Tracks (Franklyn Furnace, Nova Iorque, 1982); La noche yemaya, Franklyn Furnace, Nova Iorque, 1978); On Giving Life (University of Iowa, Estados Unidos, 1975); Body Prints (University of Iowa, Estados Unidos, 1974); Mutilated Body in Landscape (Hotel Principal, Oxaca, México, 1973); Facial Cosmetic Variation (University of Iowa, Estados Unidos, 1972); Glass on body (University of Iowa, Estados Unidos, 1972).

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Exposições Coletivas: As obras de Mendieta tem formado parte de uma grande variedade de exposições, algumas delas são: Radical Women: Latin American Art, 1960-1985 (Hammer Museum, Los Angeles, California, 2017); AGENTS of Change: Women, Art and Intellect (Ceres Gallery, Nova Iorque, 2007); Afro-Cuba, 'Woman' and History in the Works of Ana Mendieta, María Magdalena Campos-Pons, and Marta María Pérez Bravo (William Benton Museum of Art, University of Connecticut, Estados Unidos, 2000); Out of Actions: Between Performance and the Object 1949-1979 (Museum of Contemporary Art, Los Angeles, Estados Unidos, 1998); Latin American Artists of the Twentieth Century (Museum of Modern Art, Nova Iorque, 1993); Ante América (Biblioteca Luis Ángel Arango, Bogotá, Colômbia, 1993); Primer Salón de Fotografia (Galeria Havana Libre, Havana, Cuba, 1982); Expressions of Self: Women and Autobiography (Rutgers University, Nova Jérsei, 1979); Ancient Roots/New Visions (Tucson Museum Art, Arizona, Estados Unidos, 1977). Coleções: Blanton Museum of Art (Austin, Texas, Estados Unidos); Centre Georges Pompidou (Paris, França); Solomon R. Guggenheim Museum (Nova Iorque, Estados Unidos); The Los Angeles County Museum of Art (LACMA, California, Estados Unidos); The Metropolitan Museum of Art (Nova Iorque, Estados Unidos); Musee d'Art Moderne et Contemporain (MAMCO, Genebra, Suíça); Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA, Buenos Aires, Argentina); Museum of Contemporary Art (San Diego, California, Estados Unidos); The Museum of Modern Art (Nova Iorque, Estados Unidos); Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (Madri, Espanha); San Francisco Museum of Modern Art (San Francisco, California); University of Iowa (Iowa, Estados Unidos); Whitney Museum for American Art (Nova Iorque, Estados Unidos).

JOSÉ LEONILSON (Ceará, Brasil, 1957 – São Paulo, Brasil, 1993) Artista Visual, desenhista, figurinista, ilustrador, cenógrafo. Reconhecido especialmente por fazer uso de costuras e bordados no seu trabalho artístico. José Leonilson Bezerra Dias nasceu em 1 de março de 1957 em Fortaleza, Ceará, Brasil. Faleceu em 28 de maio de 1993 em São Paulo, Brasil. Leonilson teve uma morte prematura, aos 36 anos, por complicações decorrentes do vírus da Aids. Em 1991, o artista descobriu sua condição de doente da Aids, fato que marcou a última face de sua produção artística. Estudos: Realizou o curso de Artes Plásticas na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAB, São Paulo, 1977-1980). Realizou estudos em acuarela na Escola Artes Aster (São

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Paulo, 1978-1981). Exposições Individuais: Entre as exposições organizadas sobre a obra do artista se destacam: Leonilson: Arquivo e memoria vivos (Universidade de Fortaleza, Brasil, 2017); Diário de Bordo: uma viagem com Leonilson (Caixa Cultural, São Paulo, 2007); Leonilson, são tantas as verdades (Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, Brasil, 1997); Leonilson (Galeria de Arte São Paulo, Brasil, 1993); Leonilson (Pulitzer Art Gallery, Amsterdã, Países Baixos, 1990); Os Bombeiros não são Corruptos (Espaço Capital Arte Contemporânea, Brasília, Brasil, 1989); O Inconformado (Thomas Cohn Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, 1988); Moving Mountains (Städtische Galerie, Munique, Alemanha, 1987); O Pescador de Palabras (Galeria Luisa Strina, São Paulo, Brasil, 1987); Leonilson (Arte Galeria, Fortaleza, Brasil, 1984); Leonilson (Galleria Pellegrino, Bolonha, Itália, 1982); Leonilson (Galeria Arte da Casa do Brasil, Madri, Espanha, 1981). Exposições Coletivas: As obras de Leonilson tem formado parte de uma grande variedade de exposições, algumas delas são: Onde está você, Geração 80? (Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, 2004); XXIV Bienal de São Paulo (Brasil, 1998); Cartographies (Winnipeg Art Gallery, Canadá, 1993); X Mostra de Gravura (Museu de Gravura, Curitiba, Brasil, 1992); Viva Brasil Viva (Liljevalchs Konsthall, Estocolmo, Suécia, 1991), Brasil: la Nueva Generación (Fundación Museo Bellas Artes, Caracas, Venezuela, 1991); Brasil Já (Morsbroich Museum, Leverkusen, Alemanha, 1988); Como Vai Você, Geração 80? (Escola de Artes Visuais Parque Lage, Rio de Janeiro, Brasil, 1984); XIII Bienal de Paris (Paris, França, 1984); Salão Nacional de Artes Plásticas (Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil, 1983); Giovane Arte Internazionale (Galleria Giuli, Lecce, Itália, 1981); Panorama da Arte Atual Brasileira/Desenho e Gravura (Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil, 1980); Desenho Jovem (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (Brasil, 1979). Coleções: Centre Georges Pompidou (Paris, França); Coleção Deutsche Bank; Instituto Inhotim (Minas Gerais, Brasil); Instituto Itaú Cultural (Brasil); Los Angeles County Museum of Art (LACMA, California, Estados Unidos); Museu da Gravura (Curitiba, Brasil); Museu de Arte Contemporânea Da Universidade De São Paulo (MAC-USP, São Paulo, Brasil); Museu de Arte Contemporânea (MACBA, Barcelona, Espanha); Museu de Arte de Brasília (Brasil); Museu de Arte Do Rio Grande Do Sul (Brasil); Museu de Arte Moderna (MAM, São Paulo, Brasil); Museu de Arte Moderna (MAM, Rio de Janeiro, Brasil); Museum of Modern Art (Nova Iorque, Estados Unidos); Museu Nacional De Belas Artes (Buenos Aires, Argentina); Pinacoteca do Estado De São Paulo (São Paulo, Brasil); Tate Modern (London, Reino Unido).

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