Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Mestrado em História da Arte

Arte fotográfica e liberdade de

expressão

um diálogo entre o Brasil e Cuba

(1960-1990)

Autora: Monica Villares Ferrer

Orientadora: Dr. Claudia Valladão de Mattos

Banca: Dr. Luciano Migliaccio

Dr. Maria de Fátima Morethy Couto

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

IFCH

2010

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH – UNICAMP Bibliotecária: Maria Silvia Holloway – CRB 2289

Ferrer, Monica Villares F414a Arte fotográfica e liberdade de expressão: um diálogo entre o Brasil e Cuba (1960-1990) / Monica Villares Ferrer. - - Campinas, SP : [s. n.], 2010.

Orientador: Cláudia Valladão de Mattos. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Arte. 2. Fotografia. 3. Fotojornalismo. 4. Arte moderna – Sec XX. I. Mattos, Claúdia Valladão de. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

Título em inglês: Photographic art and freedom of expression: a dialogue between and Cuba (1960-1990)

Art Palavras chaves em inglês (keywords) : Photography Photojournalism th Art, modern – 20 century Área de Concentração: História da arte

Titulação: Mestre em História

Banca examinadora: Cláudia Valladão de Mattos, Luciano Migliaccio, Fátima Morethy Couto.

Data da defesa: 15-03-2010

Programa de Pós-Graduação: História II

III

IV

Resumo

―Arte fotográfica e liberdade de expressão: um diálogo entre o Brasil e Cuba‖ aborda o desenvolvimento da fotografia latino-americana na segunda metade do século XX, a partir de um estudo comparativo e da análise de obras de fotógrafos cubanos e brasileiros, atuantes durante o período 1960-1990. O texto se divide em três grandes partes, correspondentes, cada uma delas, a um decênio, tomando como ponto de partida os gêneros de destaque em cada etapa e as relações destas produções com o contexto histórico e sócio-político em que se desenvolvem. No primeiro capítulo, a partir do conceito de 'fotojornalismo' são analisadas as obras dos artistas cubanos Alberto Díaz Gutiérrez (Korda) e Raúl Corrales, conjuntamente com as dos criadores brasileiros Antônio Luiz Benck Vargas e Evandro Teixeira. No segundo capítulo, tomando como base o conceito de 'fotografia antropológica' são submetidas à análise as obras dos artistas brasileiros Walter Firmo, Assis Hoffmann e Claudia Andujar, assim como a produção da fotógrafa cubana María Eugenia Haya (Marucha). Por fim, o terceiro e último capítulo da dissertação parte do desenvolvimento de poéticas de autor por parte dos artistas da câmera na década de 80, e a partir de diversos critérios se aproxima de forma crítica à obra dos fotógrafos cubanos Rogélio López Marín (Gory), Ramón Martínez Grandal e Mario García Joya (Mayito), assim como do artista brasileiro Clóvis Loureiro Junior.

V

Abstract

―Photographic art and freedom of expression: a dialogue between Brazil and Cuba‖ discusses the development of Latin American photography in the second half of the twentieth century, from a comparative study and the analysis of works of Brazilian and Cuban photographers, working in the period of 1960-1990. The text is divided into three major parts, corresponding, each of them, to a decade, taking as a starting point the notable genres featured at every stage, and the relationship of these productions with the historical and socio-political context in which they develop. In the first chapter, from the concept of 'photojournalism' the works of the Cuban artists Alberto Díaz Gutiérrez (Korda) and Raul Corrales, together with the Brazilian creators Luiz Antônio Vargas Benck and Evandro Teixeira are analyzed. In the second chapter, building on the concept of 'anthropological photography' the works of the Brazilian artists Walter Firmo, Assis Hoffmann and Claudia Andujar, as well as the production of the Cuban photographer Maria Eugenia Haya (Marucha) are put under analysis. Finally, the third and final chapter of the dissertation is based on the development of author poetics by the artists of the camera in the 80's, and using several criteria, we approaches critically to the work of the Cuban photographers Rógelio López Marín (Gory), Ramón Martínez Grandal and Mario García Joya (Mayito), as well as the Brazilian artist Clóvis Loureiro Junior.

VI

Agradecimentos

À minha família em Cuba, a quem devo tudo o que sou.

À meu irmão Armando e a minha cunhada Fernanda, que fizeram possível realizar este sonho.

À Denise e Ana Clélia que me ajudaram a dar os primeiros passos.

À meus amigos espalhados pelo mundo, mas sempre perto de mim, e á meus a amigos no Brasil, Juan, Silvia e Fer por tudo e por tanto...

À Andrés, el gruñon que trouxe de volta meu sorriso no meio do caos...

À Claudia, minha orientadora pela dedicação, a enorme paciência e pela confiança ao longo do caminho.

À Luciano pela disponibilidade incondicional e por ter acreditado em mim desde o primeiro dia.

À Evandro Teixeira, pelo gênio... e pela humildade...

À Walter Firmo, pela gentileza e a grande ajuda.

À Urbano Erbiste repórter fotográfico do Jornal do Brasil, pela assistência técnica.

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo financiamento que fez possível este trabalho.

VII

VIII

Dedicatória

A minhas sobrinhas Laura, Helen, Sofia e Nicole para que sigam sempre seus sonhos.

IX

X

Nossa fotografia é um registro de nossa vida, para qualquer pessoa que veja, de fato. Podemos ver e ser afetados pelas maneiras de outras pessoas, podemos até usá-las para encontrar nossa própria maneira, mas no final sempre teremos de nos libertar delas. É isso o que o Nietzsche queria dizer quando declarou: ―Acabei de ler Schopenhauer, agora tenho de me livrar dele‖. Ele sabia como as maneiras dos outros podem ser insidiosas, sobretudo aquelas que têm a eficácia da experiência profunda, se deixarmos que elas se interponham entre nós e a nossa visão. Paul Strand.

XI

XII

Sumário Introdução...... 01

Capítulo 1 - Entre a notícia e a obra de arte...... 23

1.1– A notícia...... 24

1.2 – Um olhar reflexivo sobre a Épica Revolucionária...... 28

1.3 – Antônio Luiz Benck Vargas e Evandro Teixeira: Lirismo e denúncia – Uma poética da

memória no fotojornalismo brasileiro...... 64

1.4 – Conclusão...... 91

1.5 – Epílogo: Brasil e Cuba – fotojornalismo e universalidade...... 94

Capítulo 2 – A preocupação social na fotografia antropológica: vertentes e problemáticas...... 95

2.1 – A fotografia sob uma perspectiva antropológica...... 96

2.2 – Música de fundo na fotografia de Marucha...... 99

2.3 – Walter Firmo: Motivos para um samba negro...... 114

2.4 – Antropologia e fotografia versus fotografia antropológica...... 132

2.5 – Conclusão...... 148

Capitulo 3 – Contemporaneidade fotográfica: novas poéticas, novas estéticas...... 149

3.1 - Novas poéticas, novas estéticas...... 150

XIII

3.2 – Ramón Martínez Grandal: convergências entre memória e fotografia...... 151

3.3 – Mario García Joya: o kitsch e a arte na fotografia dos anos 80...... 163

3.4 – Surrealismo contemporâneo: Gory e a fotomontagem...... 176

3.5 – Diálogos entre a fotografia moderna e o foto-clubismo: Clóvis Loureiro...... 187

Considerações finais...... 197

Bibliografia...... 203

Anexos...... 221

Síntese biográfica dos artistas...... 222

Entrevistas com os artistas...... 229

Índice de imagens...... 235

XIV

Introdução

A descoberta da fotografia foi um acontecimento compartilhado não só por diferentes cientistas em distintos lugares do mundo, mas, também, um achado paulatino no percurso de vários anos, que se consolidou formalmente em 1839. Desde seu próprio nascimento, a trajetória da fotografia estará também dividida através das mãos daqueles interessados nas possibilidades da nova técnica. A partir das ambições dos fotógrafos, do próprio referente1 e da manipulação no processo criativo, surgem duas vertentes que exploram de modo divergente as possibilidades da mesma, a fotografia 'artística', construída no caminho do pictorialismo, e a fotografia 'documento', construída na captura da realidade. Ambos os conceitos são amplamente problemáticos, como demonstraremos durante nosso debate. No entanto, esses caminhos resumem, em linhas gerais, dois aspectos fundamentais e intrínsecos à fotografia, que determinam a relevância da mesma no nosso cotidiano: a sua facilidade de reprodução e sua veemência comunicativa. ―O mundo, a partir da alvorada do século XX, se viu aos poucos substituído por sua imagem fotográfica. O mundo tornou-se, assim, portátil e ilustrado”.2 O relevante papel alcançado pela fotografia na memória histórico-visual da humanidade e em seus grandes acontecimentos, junto a seu desenvolvimento e complexidade como meio de expressão de espiritualidade, fez com que ela viesse a ser considerada como arte; estes seus dois elementos fundamentais nortearão nossos argumentos através das diferentes problemáticas que derivam de nosso objeto de estudo. Embora a fotografia tenha sido admitida após um consenso 'geral' no universo artístico, o qual implica em sua presença em galerias e museus como manifestação plástica, não se pode dizer que a mesma conte com um corpo teórico definido que determine um rumo certo em sua análise. No caso das publicações dedicadas especificamente à fotografia em seu desenvolvimento histórico e universal, podem ser destacados, pelo nosso critério, dois enfoques fundamentais. Primeiramente, uma vertente que une o interesse pela problematização aos avanços técnico-científicos ligados à fotografia, e em segundo lugar, outra que aborda a fotografia a partir dos principais estilos ou gêneros, tomando como

1 A utilização do conceito de referente será empregada ao longo do texto significando 'aquilo real e imprescindível' para a captação da imagem fotográfica, levando em conta que ―uma determinada foto não se distingue nunca de seu referente (daquilo que representa) ou pelo menos, não se distingue dele imediatamente ou para toda a gente (o que sucede com qualquer outra imagem, carregada e partida por estatuto do modo como o objeto é simulado); perceber o significante fotográfico não é impossível (os profissionais conseguem-no), mas requer um segundo acto de saber ou de reflexão‖. BARTHES, Roland. A câmara clara. Título original: La Chambre Claire (Note sur la photographie). Lisboa: Edições 70, 1989. Pág. 18. 2 KOSSOY, Boris. Fotografia & historia. 2ª ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. Pág. 15. 1

base a obra de determinados artistas 'canonizados' pela história. Tais pesquisas, ainda que de 'aparência abarcadora', partem de modo geral da trajetória no desenvolvimento da fotografia em três países, França, Inglaterra e Estados Unidos, com breves deslocamentos a nações como Alemanha e Rússia, de modo tal que as práticas fotográficas desenvolvidas em outras regiões do globo, como é o caso da América Latina, ficam fora do escopo de suas análises. Apesar do enfoque eminentemente eurocentrista da bibliografia que se ocupa de modo geral da 'história global da fotografia',3 algumas destas obras permanecem sendo, até hoje, o principal suporte teórico no que diz respeito ao caráter da fotografia como parte fundamental da história universal e como obra de arte e em seu devir histórico a partir do século XIX. Na América Latina especificamente, embora à fotografia não corresponda uma bibliografia que tente dar conta de toda a diversidade e riqueza de seu universo nesse território, é possível constatar que, de modo independente, cada uma das nações do subcontinente levou adiante, através dos seguidores de Daguerre, uma produção fotográfica que, ainda que amparada nos ecos dos diferentes 'ismos' europeus, esteve pautada por particularidades, cuja riqueza e diversidade merecem aproximações mais criteriosas. No entanto, é válido assinalar que as próprias condições sócio-políticas em que se viu imerso o subcontinente coadjuvaram a ausência de uma estrutura institucionalizada em prol do desenvolvimento da fotografia, situação que determina de certa maneira o escasso corpo bibliográfico com que conta a fotografia latino-americana. Uma análise da literatura desenvolvida na América Latina demonstra que, no caso específico das artes plásticas, as perspectivas de análise têm sido orientadas, principalmente a partir de suas respectivas histórias in-situ, de modo independente em cada país. Pode-se ainda salientar que nesse contexto há uma predominância de estudos sobre a produção plástica, carecendo a fotografia de um espaço entre as suas linhas. É o caso de obras como: Arte moderno en América Latina (1985), editado por Damián Bayón, Arte Latinoaméricano del siglo XX (1996), edição de Edward Sullivan; e Arte na América Latina (1997), de Dawn Ades. Neste sentido, pode-se dizer que Hecho en América Latina: Memórias del I Coloquio Latino-Americano de Fotografia (1978), pode ser considerada como a primeira e mais abrangente tentativa de aproximação teórica da produção fotográfica latino-

3 Como exemplo, podemos citar: NEWHALL, Beaumont. The history of Photography. New York: MOMA, (fifth edition) 1982; GERNSHEIM, Helmut & Alison. The history of Photography from the earliest use of the Camara Obscura in the eleventh century up to 1914. 2 vol. London-New York: MacGraw Hill, 1955; SCHARF, Aaron. Art and photography. London: The Penguin Press, 1983; TURNER, Peter. History of Photography. London: Hamlyn, 1987; SOUZA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Florianópolis: Arges Editora Universitária, 2004. 2

americana contemporânea.

Falar da arte latino-americana pressupõe sempre um debruçar sobre inúmeros questionamentos e conceituações, há anos colocados no centro de discussões de críticos e historiadores da arte. É necessário, portanto, esclarecer que nos referimos aqui à arte latino-americana e, mais especificamente, à ‗fotografia latino-americana‘, não como um campo homogêneo, mas sim para designar uma pluralidade com diferenças, as quais, em determinados momentos, se interceptam e entrecruzam constituindo um universo de questões comuns. Tal pressuposto nos permite, dessa forma, estabelecer um diálogo comparativo entre o Brasil e Cuba: duas nações latino-americanas onde aspectos histórico- sociais e do desenvolvimento artístico-cultural possibilitam estabelecer relações orgânicas no contexto da segunda metade do século XX, especificamente no campo da fotografia. Assim, o objetivo principal desta pesquisa será o de realizar uma análise histórico-comparativa com a pretensão de determinar não apenas simples analogias, mas, também, de perceber a natureza das diferenças, cujos caminhos têm como resultado aquelas (analogias), assim como o confrontar de processos. As semelhanças culturais entre o Brasil e Cuba foram abordadas por estudiosos da arte, em várias ocasiões. A maior parte das pesquisas dedicadas ao tema parte da raiz multicultural comum aos dois países, tendo como base fundamental a contribuição das tradições africanas e a sua assimilação (transculturação) 4 na formação da identidade de ambos os povos. O desenvolvimento da fotografia, por sua vez, e sua relevância dentro da história da arte latino-americana em geral, e para os brasileiros e cubanos em particular, é um tópico que carece da sistematicidade que poderíamos esperar no tratamento do tema, visto sua riqueza e amplitude. Sobre o fato, o teórico e fotógrafo brasileiro Boris Kossoy, comenta: ―(...) investigações de cunho científico acerca da história da fotografia -- inserida num contexto mais amplo da história da cultura -- são ainda raras neste país.‖ 5 A história da fotografia cubana, por outra parte, carece de um fio condutor no plano teórico, em que sejam discutidas, tanto do ponto de vista historiográfico, quanto analítico, as características que particularizam e distinguem a obra dos artistas-fotógrafos. No entanto, é preciso assinalar que durante os últimos anos o desenvolvimento da fotografia no Brasil e em Cuba, separadamente, tem sido objeto de investigações, cujas publicações colocam as bases para o desenvolvimento de nossa pesquisa. Ainda sobre o caso do Brasil, as pesquisas que

4 Transculturação é o termo usado, dentre outros, pelo antropólogo, lingüista e escritor cubano Fernando Ortíz para definir o processo de mistura entre as culturas européia, indígena e africana na conformação da cultura latino- americana. 5 KOSSOY, Boris. Fotografia & historia. 2ª ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. Pág. 17. 3

possuem uma maior periodicidade são aquelas que se ocupam do século XIX ou que contemplam as primeiras décadas do XX,6 primando nelas uma abordagem desde o ponto de vista do tratamento da fotografia como documento histórico. Entre as mais relevantes publicações no Brasil dedicadas à fotografia no século XX, podemos citar: Labirinto e identidades/Panorama da fotografia no Brasil [1946-98] (2003) de Rubens Fernandes Junior, que podemos considerar como a mais completa tentativa de estabelecer a cronologia dos principais eventos no universo fotográfico brasileiro; A fotografia moderna no Brasil de Helouise Costa e Renato Rodrigues, onde é analisado o desenvolvimento do movimento clubista no contexto brasileiro; 8 x Fotografia, projeto editorial em que participam estudiosos de distintas áreas na procura de uma multidisciplinaridade de olhares na análise fotográfica; O fotográfico, organizado por Etienne Samain e reunindo 26 ensaios de diversos pesquisadores nacionais e internacionais numa perspectiva analítica da fotografia sobre suas mais variadas relações comunicacionais; assim como Fotografia no Brasil: um olhar das origens ao contemporâneo, a mais ambiciosa tentativa de fornecer uma compreensão geral da fotografia no país e de suas relações com a história do meio em nível universal. Com relação à fotografia cubana, as publicações de perspectiva mais abrangente em relação ao século passado resultam escassas. Nesse sentido, algumas dissertações de graduação e mestrado em História da Arte aportam elementos fundamentais; dentre elas podemos destacar: La fotografía documental en Santiago de Cuba (Período de 1947 a 1958) (2003), de David Silveira Toledo e La Fotografía Documental Cubana de la Década 1990-´99 (2004), de Nahela Hechavarría, onde a primeira analisa o desenvolvimento da fotografia documental a partir dos foto-clubes fundados na década de 40 na região oriental da Ilha, enquanto a segunda oferece uma perspectiva ampliada do conceito de 'fotografia documental' a partir da década de 90, concentrando-se na produção dos artistas localizados na capital do país. Em relação à história da fotografia cubana em seu conjunto, os textos Apuntes para uma historia de la fotografia cubana (1976) 7 e La Fotografía Cubana en el Siglo XIX

6 Algumas destas publicações são: KOSSOY, Boris: Viagem pelo fantástico. (1971); IDEM. Hércules Florence 1833 a descoberta isolada da fotografía no Brasil. (1980); IDEM. Origens e expansão da fotografia no Brasil- século XIX. (1980); IDEM. Dicionário histórico crítico brasileiro: fotógrafos e ofícios da fotografia no Brasil (1833-1910) (2002); Além destes, há ainda a trilogia sobre análise da fotografia composta pelas obras: IDEM. Realidades e ficções na trama fotográfica (1999); IDEM. Fotografia & história (2001); IDEM. Os tempos da Fotografia (2007); onde o autor aponta as coordenadas para o estudo da fotografia como documento histórico e obra de arte. 7 A partir deste texto, escrito por María Eugenia Haya (Marucha), a fotografia jornalística produzida em Cuba durante a 4

(1982), de María Eugenia Haya, representam as primeiras tentativas de dar conta da produção nacional, projeto que permanecerá inacabado diante da morte da pesquisadora em 1991, e que será a base do livro Cuba 100 Años de Fotografía Cubana, 1898-1998 de Juan Manuel Díaz, publicado em 1999. Por fim, Más Allá de la Pintura (1993), de Adelaida de Juan e Artes Visuales Cubanas en el Siglo XX (2003), publicada por um coletivo de autores, são outras obras de referência para a aproximação teórica da fotografia, dentro do conjunto da produção plástica no âmbito nacional. Como já tinha sido colocado, ainda quando a fotografia ostente a categoria de obra de arte e sua presença em galerias e museus seja cada vez maior, não se pode dizer que a mesma, como manifestação plástica, conte com um corpo teórico definido que demarque um caminho certo em sua análise. Neste sentido, nosso percurso analítico foi norteado pela leitura de varias publicações que ajudaram a definir nosso caminho ao longo da pesquisa. Dentre elas, podemos assinalar como tendo um papel fundamental A obra aberta de Umberto Eco, ponto de partida para a compreensão do caráter polissêmico da obra de arte, favorável à atribuição de significados político-ideológicos à mesma. ―A obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que coexistem em um só significante.‖ 8 Além da obra de Eco, Photography: a Critical Introduction (1997), editado por Liz Wells, foi também de grande valia para nossa análise, onde se aborda a contribuição de vários autores para uma análise da fotografia segundo diferentes perspectivas, que aplicam as principais teorias de autores consagrados, assim como a evolução das mesmas, a partir das mais recentes publicações dos estudiosos contemporâneos; bem como Sociologia da Fotografia e da Imagem (2008), da autoria de José de Souza Martins, onde o autor analisa as relações sociológicas e antropológicas da imagem fotográfica, contribuindo para a compreensão da mesma numa perspectiva mais ampla, apurada dentro de suas relações histórico-contextuais. Tais publicações se somam às obras de outros autores, já clássicos, nas quais prevalece um enfoque sociológico, dentre as quais devemos citar: ―A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica‖ e ―Pequena história da fotografia‖ de Walter Benjamin; A câmara clara e Le message Photographique do semiólogo e sociólogo francês Roland Barthes; La fotografia como documento social da fotógrafa Gisèle Freund, assim como a coleção de ensaios, Sobre fotografia da intelectual norte-americana Susan Sontag. Todos estes trabalhos determinam a perspectiva de abordagem de nosso discurso crítico.

década de 60 passará a ser conhecida como 'Épica Revolucionaria'. 8 ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, 1971. Pág. 22. 5

―Noutro prisma, Sontag (1986), Sekula (1984), Hall (1981) ou Benjamin (1986) situaram a fotografia no contexto da cultura das ideologias, dos mitos e dos valores, questionaram seu valor informativo, lançaram um olhar crítico para o papel político, ideológico e econômico de fotógrafos, atuantes nas fotografias e organizações fotográficas e abordaram temas como os direitos de autor, a estética, as técnicas e os usos sociais da fotografia. Na linha desses teóricos, Bolton (1989) e Guimond (1991), provavelmente influenciados pelos trabalhos de Barthes (1961; 1964; 1984; 1989) e pela idéia de Foucault (1973) segundo a qual a visão pode impor um controle social, exploram a construção de sentido da fotografia no seio da cultura.‖ 9

Levando em conta todos os elementos expostos até o momento, podemos dizer então que esta dissertação tem o intuito de expandir os estudos existentes sobre fotografia latino-americana se pautando num enfoque multidisciplinar que parte da história da arte e que contemple as pesquisas que propugnam um olhar mais próximo da sociologia e da antropologia. O objetivo fundamental desta pesquisa é, portanto, a compreensão do desenvolvimento da fotografia como parte fundamental das artes plásticas nas nações de Cuba e Brasil entre 1960-1990, a partir da análise comparativa das obras de alguns dos artistas que alcançam destaque durante este período, tendo como pano de fundo a realidade político-social de ambas as nações, determinadas por regimes ditatoriais.

Pode-se dizer que a partir da segunda metade do século XX, a fotografia entra definitivamente no universo privilegiado das artes e a América Latina irá reconhecer nesse contexto, pela primeira vez, seus criadores, entre os quais se destacam cubanos e brasileiros. Os artistas de ambas as nações alcançaram durante este período grande notoriedade nacional e internacional, através do que podemos denominar como a grande entrada da fotografia latino-americana no contexto universal, com a Primeira Mostra Latino-Americana de Fotografia Contemporânea, realizada no México em 1978, junto ao Primeiro Colóquio Latino-Americano de Fotografia e as subseqüentes exibições e publicações derivadas de ambos os eventos.

―O Colóquio Latino-Americano de Fotografia (1978), liderado pelo México, sob a coordenação de Pedro Meyer, surge nesse contexto como um espaço de discussão e interação da fotografia na América Latina. Para o Brasil, que teve sempre a Europa e os Estados Unidos como paradigmas estéticos, o momento é propício para uma aproximação e reflexão conjunta das questões político-sociais, que permeiam a fotografia documental de grande vitalidade neste continente.‖ 10

Estes elementos, assim como a definição a partir da década de 60 de uma produção de enorme valor estético ligada a mudanças intrínsecas às realidades de Cuba e Brasil, determinam nossa definição do período a ser abordado, entendam-se as décadas de 60-70 e 80. “A fotografia evoluiu de

9 SOUZA, Jorge Pedro: Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Florianópolis: Arges Editora Universitária, 2004. Pág. 16. 10 MAGALHÃES, Angela e FONSECA Peregrino, Nadja: Fotografia no Brasil: um olhar das origens ao contemporâneo. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. Pág. 101. 6

forma bastante peculiar no Brasil, passando de uma fase de ampla difusão nas ultimas três décadas do século XIX para um período de semi-hibernação, da qual ela só veio a despertar realmente ao final da década de 60 deste século [...]”.11

―O movimento fotográfico foi a expressão artística mais representativa da Revolução no seu nascimento. Foi esta manifestação, por sua própria natureza, a que primeiro deu resposta - em bloco -, como imagem artística, aos imperativos políticos e estéticos do novo processo. E não é de se estranhar que este tenha sido o momento de maior reconhecimento do valor social do fotógrafo e da fotografia em Cuba.‖ (tradução livre). 12

Não devemos esquecer que a arte, em períodos convulsos de crises, vê-se muitas vezes fortalecida através da história, pois os artistas encontram as mais variadas maneiras para expressar-se, além do fato de que a arte mantém com a política um vínculo operante, que nem sempre resulta evidente. A década de 70 representa a etapa, como veremos em seguida, na qual são criadas, através da fundação de diferentes organizações, as bases institucionais que não só respaldam os artistas, mas que serão as promotoras de uma abertura no campo das pesquisas teóricas sobre fotografia, que proporcionarão na década de 80 as mudanças nas relações de comercialização da obra, assim como uma maior liberdade criativa para os fotógrafos, que terão como resultado uma pluralidade de linguagens ultrapassando os limites do meio, que migrará para outras formas plásticas em diálogo com outras manifestações, por exemplo:

―Roberto Pontual explora outra linha de curadoria com a mostra Corpo e Alma (1984), apresentada no Mois de la Photo, em Paris. Ao mesclar artistas como Iole de Freitas, Lygia Pape e Vera Barcellos, tradicionalmente vinculadas ao campo das artes plásticas, com aqueles que tinham a linguagem fotográfica como seu principal meio de expressão - José Oiticica Filho, Alair Gomes, Hugo Denizart e Mario Cravo Neto-, Pontual articulava sua curadoria em torno de um território híbrido, misturando trabalhos de Oiticica e Iole de Freitas, que partem para a manipulação e a utilização de suportes geradores de múltiplos sentidos. Já as seqüências fotográficas de Denizart, Vera Barcellos e Lygia Pape operam com fragmentação de corpos em distintas modulações.‖ 13

A segunda metade do século XX apresenta, tanto no Brasil quanto em Cuba, particularidades no contexto político que implicam restrições com respeito à liberdade de expressão, fato que se reflete de maneira definitiva na criação artística e particularmente na fotografia, enquanto meio de expressão de

11 VASQUEZ, Pedro. Fotografia - reflexos e reflexões. Porto Alegre: L&PM, 1986. Pág. 27. 12 HAYA, María Eugenia. ―Sobre la fotografía cubana‖, in Revolución y Cultura. No 93, Maio, 1980. No original: ―El movimiento fotográfico fue la expresión artística más representativa de la Revolución en su nacimiento. Fue esta manifestación, por su propia naturaleza, la que primero dio respuesta-en bloque-, como imagen artística, a los imperativos políticos y estéticos del nuevo proceso. Y no es de extrañar que este haya sido el momento de mayor reconocimiento del valor social del fotógrafo y la fotografía en Cuba.‖ 13 MAGALHÃES, Angela e FONSECA Peregrino, Nadja: Fotografia no Brasil: um olhar das origens ao contemporâneo. Rio de Janeiro: Funarte, 2004. Pág. 101. 7

grande difusão, nos meios tanto nacionais, como internacionais. Lembremos as palavras de Kossoy: ―(...) as fotografias publicadas, por exemplo, pelas revistas alemãs da década de 1930 ou aquelas estampadas em Life são preciosas fontes para o estudo do uso dirigido da imagem enquanto mensagem político-ideológica.‖ 14 A história da América Latina e seus diferentes regimes ditatoriais não é tema desconhecido hoje. Falar, portanto, de censura, de falta de liberdade, de restrições à expressão é articular esta problemática por todo o seu território, pois o fenômeno não é aleatório. No entanto, deve ser esclarecido que nossa intenção nas próximas páginas não será dirigida a historiar o desenvolvimento das artes plásticas, especificamente da fotografia, a partir de sua relação com a censura e os diferentes mecanismos de controle exercidos pelo governo cubano e brasileiro. Mas que tais elementos serão abordados conjuntamente com outros fatores de índole histórico-artística em prol de uma aproximação primaria do resultado visual do desenvolvimento fotográfico latino-americano, a partir de uma análise comparativa de ambas as nações inseridas em suas realidades, que servirão como base de um estudo em maior escala a ser desenvolvido pela autora, durante o doutorado. No período histórico selecionado para nosso estudo (1960-1990) Brasil e Cuba apresentam realidades político-sociais diametralmente opostas, ainda que, de fato, ambos os países compartilhem a imposição de limites em relação à liberdade. Do ponto de vista de uma esquerda internacional, Cuba se apresenta diante do mundo como o paradigma da liberdade latino-americana, não só como exemplo a ser seguido, mas também como porto seguro, ou apoio para o resto das nações oprimidas, tanto dentro, como fora do continente, enquanto o Golpe militar de 1964 colocará o Brasil entre as nações que precisam da 'solidariedade revolucionaria'. Por esta razão se estabelece uma relação de proximidade, nesta etapa, entre as figuras contrárias à ditadura militar brasileira e o governo cubano, não só por meio dos representantes políticos15, mas também através de artistas e intelectuais. A proximidade intelectual

14 KOSSOY, Boris. (2001) Op. Cit. Pág.15. 15 Marighella, o líder da esquerda brasileira, concede uma entrevista ao jornal cubano Juventud Rebelde em 1966. Além disso, o militante Carlos Marighella, ao voltar da primeira conferência da OLAS - Organização Latino-Americana de Solidariedade (1967) - em Havana, onde havia sido reconhecido como seu representante brasileiro, funda a Ação Libertadora Nacional (ALN) que, juntamente com a Vanguarda Popular Revolucionaria (VPR) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) são considerados os principais grupos guerrilheiros no Brasil (Cf. RIDENTI, Marcelo: ―A canção do homem enquanto seu lobo não vem: as camadas intelectualizadas na revolução brasileira‖, in: O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora da UNESP, 1993. Pág. 73-149). Nesse mesmo ano (1969) ocorreu o episodio que aproximou os laços entre o governo cubano e a ALN (Aliança Libertadora Nacional), a organização de esquerda brasileira mais acreditada na Ilha. O seqüestro do embaixador norte-americano no Brasil resultou na troca de sua vida pela liberação de 15 presos políticos levados para Cuba (Cf. MARTINS Villaça, Mariana. Polifonía Tropical experimentalismo e engajamento na música popular (Brasil e Cuba, 1967-1972). Serie Teses Humanitas FFLCH/USP. São Paulo Maio, 2004. Pág. 89). Os militantes da oposição brasileira se refugiam em Cuba, como, por exemplo, Lamarca, que em 1968 embarca com sua mulher e seus dois filhos à Ilha (Cf. COLETIVO de autores. Brasil dia- a- dia: Almanaque Abril Especial. São Paulo: Abril Cultural, 1990. 8

ocorre fundamentalmente a partir do Cinema Novo Brasileiro com a obra e as idéias do diretor , que manteve, desde o início da década de 60, uma contínua correspondência com Alfredo Guevara.16 ―Ambos os governos, embora de natureza ideológica muito distinta, caracterizam-se pelo controle ou crescimento da liberdade de expressão, situação que repercutiu no meio artístico, sob a forma da adoção de posicionamentos estéticos e ideológicos que respondiam a essa realidade. Grosso modo, ocorre, nos meios artísticos de ambos países, certa polarização de tendências que oscilavam entre a crítica explicita e o conformismo velado.‖ 17

A década de sessenta em Cuba começará um ano antes, na verdade no dia 1° de janeiro de 1959, com o triunfo da Revolução que derrota a ditadura de Batista. Como primeiras medidas se conformam uma nova estrutura de governo a portas fechadas pelos próprios guerrilheiros e outras organizações políticas opositoras do antigo regime, em que será eleito, como Presidente da República, Manuel Urrutia Lleó, e como Primeiro Ministro, José Miró Cardona, assim como uma série de ministros para os diferentes setores do estado. Fidel Castro, figura popular do exercito, permanecia como Comandante en Jefe de las Fuerzas Armadas. Em fevereiro do mesmo ano, Fidel Castro substitui José Miró Cardona e ocupa o posto de Primeiro Ministro. Em maio de 1959 Fidel Castro visita o Brasil e se reúne com o presidente Juscelino Kubitschek. Ante as discrepâncias de Urrutia sobre a aplicação de certas medidas de caráter popular, Fidel Castro renuncia publicamente a seu cargo de Primeiro Ministro, gerando uma grande mobilização cidadã que exige seu retorno e obriga o presidente a abdicar em 16 de julho de 1959, sendo nomeado Osvaldo Dorticós como novo Presidente, com Fidel Castro como Primeiro Ministro; estes permanecerão em posse do cargo até 1976, ano em que o próprio Fidel Castro destituirá Dorticós para assumir a Presidência. Esta série de mudanças na representação governamental irá ser acompanhada de uma paulatina radicalização na política interna cubana em que os elementos 'moderados' do governo vão sendo paulatinamente afastados, e os distintos partidos políticos abolidos para concentrar-se numa única organização que finalmente passará a denominar-se Partido Comunista de Cuba.

Durante este decênio, a economia cubana se encontrará estruturalmente deformada e com as reservas monetárias e as finanças internas depauperadas, cenário que se reafirmará como crise a partir da radicalidade das medidas revolucionarias. A assinatura, em 17 de maio de 1959, da prometida lei de

16 O Cinema Novo Brasileiro foi um movimento localizado entre os anos 1962 e 1967 que teve em Glauber Rocha seu principal difusor. O cineasta Glauber Rocha morou em Havana entre 1971-1972 a convite do próprio Alfredo Guevara. Ver BENTES, I. Glauber Rocha: Cartas ao mundo. Alfredo Guevara foi diretor do ICAIC entre 1959 e 1981, e reassumiu esse cargo em 1992, onde se mantém até hoje. 17 MARTINS Villaça, Mariana. (2004). Op. Cit. Pág. 15. 9

reforma agrária por Fidel Castro será seguida por um processo de expropriações, nacionalizações e a confiscação de bens 'malahabidos' que afetarão de modo contundente a classe alta e média da sociedade, conjuntamente com as empresas estrangeiras, existentes no país, em sua grande maioria norte-americanas. Inicialmente o governo pagou indenizações, cuja quantia se encontrava muito abaixo do valor real dos bens; no caso dos Estados Unidos, os pagamentos no foram aceitos e as contradições levaram à ruptura das relações entre ambos os países (1961) e à imposição do embargo econômico por parte da nação norte-americana.18 Posteriormente o governo cubano viria a suspender as indenizações e em 1960 será assinado o 1° acordo comercial entre Cuba e URSS. Tais medidas, conjuntamente com outras de caráter radical, como a expulsão do clero da Ilha, conduziram a um êxodo massivo da classe mais acomodada, dentre os que partiram profissionais liberais, trabalhadores qualificados e intelectuais. Estes elementos permitem dizer que a 1ª década da Revolução foi basicamente de sobrevivência, em meio a qual as campanhas difamatórias19, as agressões militares20 e a luta contra o 'inimigo interno'21 dão lugar a um estado de guerra iminente que manterá mais de 300 mil homens armados e prontos para o combate.

A década de 60 se iniciará no Brasil com grandes esperanças, pautadas pela inauguração da nova capital, Brasília, trazendo consigo a idéia do 'país do futuro' e os projetos de renovação interna e externa do Presidente Jânio Quadros22, primeiro dos seis que se sucederão durante o decênio, e que abrirá as portas a Che Guevara, condecorando-o frente a toda a nação. Uma sucessão de eventos, após a renúncia de Quadros, que darão fim às suas 'idéias de progresso'23, proporcionarão ao cenário brasileiro uma aparência muito diferente, que ironicamente compartilhará numerosos pontos com a

18 O Embargo Econômico é imposto pelos Estados Unidos contra Cuba em Fevereiro de 1962, transformando-se em lei em 1992. Em Janeiro de 1962 Cuba é expulsa da OEA. 19 Referimos-nos ao fato conhecido como Operação Peter Pan e que provocou a emigração forçada de milhares de crianças cubanas aos EUA e que trouxe como resultado a ruptura entre o governo revolucionário e a igreja católica. Para saber mais, cf. TORREIRA Crespo, Ramón e BUAJASÁN Marrawi, José. Operación Peter Pan: Un caso de Guerra Psicológica contra Cuba. Havana: Editora Política, 2000. 20 Referimos-nos à tentativa de invasão dos EUA na Bahia dos Porcos em Cuba e à Crise de Outubro ou Crise dos Mísseis. Para saber mais, cf. NATHAN. The Cuban Missile Crisis Revisited. Washington D.C.: Library of the Congress, 1992. 21 No inicio da Revolução foram efetuados em Cuba, pelo novo governo, numerosos juízos sumários e fuzilamentos. Para saber mais, cf. CLAK M. Juan. Cuba, mito y realidad: testimonios de un pueblo. (2ª Edição ilustrada). Miami: Saeta Ediciones, 1992. 22 “Em 1960 Jânio Quadros vai a Havana e se reúne com Fidel Castro e diz que fará uma reforma agrária no Brasil.” (GASPARI, Elio: A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. Pág. 85). 23 Jânio Quadros,“Mal empossado (1961), no entanto, entrou numa espécie de fúria moralista, proibindo maiôs em concursos de beleza, biquínis nas praias, lança-perfumes no carnaval, corridas de cavalo, brigas de galo e espetáculos de hipnose” (COLETIVO de autores. Brasil dia-a-dia. Almanaque Abril Especial, 1990. Pág. 42). 10

realidade cubana. O golpe militar de 1964, que terá entre outros muitos motivos o de impedir a mareia vermelha comunista24 e socialista representada pela URSS, China e Cuba, marcará para sempre a história do Brasil, mascarando-se sob a denominação de 'Revolução'. A partir deste momento uma sucessão de atos constitucionais serão impostos pelo novo governo, como o caso do AI-2 de 1965, que extinguirá os partidos existentes no país e que irá limitar a liberdade cidadã a partir da censura exercida sobre os meios de comunicação. ―(...) na realidade, as iniciativas do governo militar no controle dos órgãos de comunicação tiveram início no dia mesmo do Golpe de Estado. Os fuzileiros navais ocuparam as instalações dos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa e Última Hora. Durante o governo de Castelo Branco, a censura ocorre de maneira pontual e sistemática, mas aos poucos vão sendo elaborados os instrumentos legais e institucionais para minar as manifestações de resistência, que se acentuam, ao regime.‖ 25

As contradições entre o novo governo e os diferentes setores da sociedade, encabeçados pelos estudantes, irão se tornar paulatinamente mais agudas e terão seu ponto alto em 1968, através dos enfrentamentos urbanos, nos quais se imporá a violência que marcará a postura radical do governo evidenciada com a instauração do AI-5.26 A partir daí, um civil só retornará à presidência em 1985, enquanto as eleições diretas só ocorrerão em 1989. As pressões externas também tiveram repercussão no Brasil. ―No dia 20 de março de 1964, uma semana depois do Comício da Central, o presidente Lyndon Johnson autorizara a formação de uma força naval para intervir na crise brasileira, caso viesse a parecer necessário. A decisão foi tomada durante uma reunião na Casa Branca...‖ 27 Logo do controle da situação interna, o governo militar estreitará as relações com os Estados Unidos, através da assinatura de acordos, como a garantia das invasões norte-americanas em Fevereiro 1965 e o convênio entre o Ministério da Educação e Cultura e a United States Agency for International Development (MEC-Usaid), que será um dos detonantes do conflito nas relações entre o governo e os estudantes.28 Em 1967 será promulgada uma nova Constituição no Brasil,29 que expandirá os poderes do Executivo, reduzirá os do Legislativo, ao mesmo tempo em que incorporará as extravagâncias que o poder militar impusera ao direito brasileiro nos dez meses anteriores, assim como também tornará indiretas as

24 Em 1963 surge no Brasil o Comando de Caça aos Comunistas (CCC). 25 GASPARI, Elio: Op. Cit. Pág. 94. 26 O AI-5 foi publicado no Jornal do Brasil em 14/12/1968. 27 GASPARI, Elio: Op. Cit. Pág. 42. 28 Para saber mais, cf. RIBEIRO DO VALLE, Maria. 1968: O dialogo é a violência. Campinas: Editora daUnicamp, 2008. 29 A nova Constituição trouxe grandes mudanças na legislação brasileira; por exemplo: Estabeleceu a pena de morte e a prisão perpétua para casos de guerra ―psicológica adversa, ou revolucionaria ou subversiva‖. (artigo 153, parágrafo 11). Assim como a pena de um ano de detenção para o jornalista que divulgasse ―por qualquer meio de comunicação social, notícia falsa, tendenciosa ou fato verídico truncado ou deturpado, de modo a indispor o povo com as autoridades constituídas‖ (artigo 16). 11

eleições dos governadores marcadas para 1970. Ambos os países apresentam durante esta etapa a reafirmação da cultura nacional-popular. No Brasil, isso se dá através das diretrizes do Partido Comunista (PCB) e em Cuba a partir da política cultural do governo revolucionário, ao propiciar a difusão das obras que se ajustem a esta perspectiva. Mas não é só o PCB brasileiro quem se interessa pelo nacional. Com a criação da FUNARTE em 1975, organização oficial para as artes, o governo militar adotou também uma política marcadamente nacionalista, a fim de conservar o patrimônio artístico-histórico. No meio intelectual brasileiro e cubano os artistas, a partir de suas próprias realidades, compartilham preocupações relacionadas com a política sobre o dever do intelectual e do artista de esquerda de levar a conscientização ideológica ao povo. Ressalta-se a necessidade de uma ‗arte popular revolucionária‘, cuja ‗mensagem‘ fosse accessível à compreensão do grande público por estruturar-se sob formas popularmente conhecidas, geralmente abordando temas que favorecessem a denúncia das injustiças sociais no Brasil e a liberdade revolucionária em Cuba. Estas idéias transpareceram no Manifesto do Congresso do Partido Comunista brasileiro e no Congreso de Educación y Cultura em Havana. ―Em cada país esse debate assumiu contornos próprios, mas estabelece-se, em ambos, a hegemonia de projetos culturais que elegiam como princípio fundamental a necessidade, o dever do artista, de ser politicamente participativo e levar a conscientização política às massas. A vigência cultural de um modelo, e de certas fórmulas que, a priori, encurtariam o caminho entre a arte e o povo, teve desdobramentos imediatos, do ponto de vista estético.‖ 30

Em Cuba, as pautas que marcam os limites da liberdade de expressão se justificam a partir da necessidade de unir o povo, sob o novo governo revolucionário-socialista, que promulgava suas idéias a partir das doutrinas de Marx e Lênin. A arte deveria submeter-se às necessidades do momento histórico.31 A política cultural de Cuba se polariza entre os conceitos revolucionários e contra- revolucionários. ―Para entender a arte cubana contemporânea é preciso compreender a radicalização da Revolução desde seu início, assim como o estabelecimento dos princípios reitores para o trabalho cultural na construção do socialismo… Valoração decisiva para qualquer manifestação cultural: dentro da Revolução, tudo; contra a Revolução nenhum direito como princípio geral para todos os cubanos.‖ (tradução livre). 32

30 MARTINS Villaça, Mariana. Op. Cit. (2004) Pág. 41. 31 Segundo Armando Hart Dávalos, em Cambiar las reglas del juego. (1983). Pág. 7: Há quatro importantes fontes oficiais da política cultural cubana: ―O discurso conhecido como ―Palabras a los intelectuales‖ de Fidel Castro (1961), as ―Conclusiones del Congreso de Educación y Cultura‖ (1971), as ―Tesis sobre la cultura artística y literária‖ e demais ―Resoluciones de los Congresos del PC‖ (principalmente as de 1975 e 1980) e a ―Constitución de la Republica‖ (1976). 32 COLETIVO de autores. Guía de estudio Panorama de la Cultura Cubana. La Habana: Editorial Pueblo y Educación. Cuba, 1981. Pág. 95. No original: ―Para entender el arte cubano contemporáneo es necesario comprender la radicalización de la Revolución desde su inicio, así como el establecimiento de los principios rectores para el trabajo 12

A arte cubana sofrerá um completo giro a partir do triunfo da Revolução, e a instauração do novo governo se traduz em mudanças no papel do artista dentro da nova ordem social. Estes anos, sob a força das correntes pós-vanguardistas, caracterizam-se, em geral, pela reafirmação dos mestres da vanguarda da velha geração, além de testemunhar o surgimento de alguns novos valores. No entanto, a fotografia a partir da ―virada histórica‖ adquire uma relevância e toma um rumo totalmente novo. Muitos falam do fotojornalismo desenvolvido em Cuba nesta época como ‗Épica revolucionaria‘, um momento histórico singular aproveitado pelos fotógrafos como tema da sua criação. O certo é que no período surgiram grandes artistas como: Roberto Salas, Osvaldo Salas, Liborio Noval, Chinolope, Raúl Corrales e Alberto Korda, dentre outros. Esses dois últimos são considerados pela crítica como os mais importantes criadores da década. ―Durante a Revolução se desenvolve assim mesmo um movimento artístico em que na fotografia se combinavam a reportagem, a estética e o humor. Se bem refletia a espontaneidade popular daqueles anos, também se mostrou interessado pelos aspectos formais. Raúl Corrales (n. 1925) foi o artista mais importante deste movimento no qual se destacaram Mario García Joya (n. 1938) e Korda (n. 1928) (pseudônimo de Alberto Díaz Gutiérrez), célebre por sua fotografia do Che, imagem transformada em ícone de escala mundial. Ao final da década a fotografia documental sucumbe, da mesma forma que o desenho gráfico, ao controle burocrático.‖ (tradução livre). 33

A década de 60 será também uma etapa de mudanças para a arte e a fotografia no Brasil. Sobre estes anos no Brasil, o crítico Ivo Mesquita tece o seguinte comentário: ―A década de 60 foi uma das mais prolíficas para a arte brasileira. Ao golpe de 1964, que instalou os militares no poder, seguiu-se um ciclo de intensa atividade criativa e de transformações culturais (…). O clima político e social do país ocasionou o progressivo interesse dos artistas em questões sociais, sem transmitir, no entanto, as explicitas mensagens políticas, típicas da arte realista dos anos quarenta e cinqüenta.‖ (Tradução livre).34

Numerosos fotógrafos destacam-se neste período.35 Entre os mais importantes da década estão , Walter Firmo e Luis Humberto que buscaram definir uma representação da

cultural en la construcción del socialismo…Valoración decisiva para cualquier manifestación cultural: Dentro de la Revolución, todo; contra la Revolución ningún derecho como principio general para todos los cubanos.‖ 33 MOSQUERA, Gerardo. in SULLIVAN, Edward: Arte Latinoamericano del siglo XX. Madrid: Editorial Nerea, SA., 1996. Pág. 100. No original: ―Durante la Revolución se desarrolla así mismo un movimiento artístico en que la fotografía combinaba a reportaje, estética y humor. Si bien reflejaba la espontaneidad popular de aquellos años, también se mostró interesado por los aspectos formales. Raúl Corrales (n. 1925) fue el artista más importante de este movimiento en cual se destacaron Mario García Joya (n.1938) y Korda (n.1928) (seudónimo de Alberto Díaz Gutiérrez), célebre por su fotografía del Ché, imagen transformada en icono a escala mundial. Al final de la década la fotografía documental sucumbe, al igual que el diseño gráfico, al control burocrático.‖ 34 MESQUITA, Ivo. ―Brasil‖, in SULLIVAN, Edward: Arte Latinoamericano del siglo XX. Madrid: Editorial Nerea, SA. 1996. Pág. 211. No original: ―La década del 60 fue una de las más prolíficas para el arte brasilero. Al golpe de 1964, que instalo a los militares en el poder, le siguió un ciclo de intensa actividad creativa y de transformaciones culturales (…) El clima político y social del país ocasionó el progresivo interés de los artistas en cuestiones sociales, sin transmitir, no obstante, los explícitos mensajes políticos, típicos del arte realistas de los años cuarenta y cincuenta.‖ 35 Em 1964 existiam 40 cursos de fotografia no Brasil, de acordo com um estudo realizado pelo Dr. C.W. Horrell, membro do Departamento de Cinema e Fotografia da Universidade de Southern Illinois (GURAM, Milton. Linguagem fotográfica e informação. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1992. Pág. 63). 13

identidade nacional, a partir das diferentes manifestações populares utilizando a fotografia como informação independente. A partir do golpe de estado de 1964 o artista brasileiro se encontrou em um novo contexto, ideologicamente repressivo, que o obrigou a manipular metáforas, a escapar pela tangente, ou a permanecer em silencio. O novo contexto político do Brasil também será propicio para o florescimento do fotojornalismo, gênero que alcançará durante estes anos um nível estético e comunicacional que o inscreverá para sempre na história da fotografia, através das mãos de profissionais como Evandro Teixeira, Antônio Luiz Benck Vargas, Orlando Brito, Luigi Mamprim, George Torok, entre outros. ―(...) ao longo da institucionalização do regime militar, não houve, por parte do governo, a formulação de uma política cultural concreta. A principal medida, nesse sentido, foi à regulamentação da Censura Federal, em março de 1969. Fora essa intervenção, que teve repercussão direta no meio artístico, tivemos, em 1967, medidas como a promulgação de uma nova Constituição, a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança do regime e viabilizaram ações esparsas a fim de valorizar determinadas expressões ou minimizar o efeito de outras através da concessão de certos incentivos ou censura não declarada. Somente a partir de 1975, no governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o regime militar formalizou e divulgou uma política cultural, publicada pelo MEC, instituindo certo mecenato de 36 viés marcadamente nacionalista.‖

Outro ponto a se destacar, em relação à perda da liberdade por parte dos artistas em ambos os países, é a criação de instituições encarregadas de dirigir os meios de comunicação, agrupar os criadores e selecionar as obras para divulgação. ―Para coibir os processos de contaminação da opinião pública, a Polícia Federal aprendera em torno de 17 mil volumes de 35 obras acusadas de difundir doutrina veemente repelida pelo povo brasileiro.‖ 37 No caso de Cuba, essas instituições eram dirigidas por representantes do governo e do partido (PCC), ou por 'quadros de confiança'. No Brasil, podemos citar instituições criadas pelo governo, como o CFC (Conselho Federal de Cultura), a Embratel, em 1965, o Instituto Nacional de Cinema criado em 1966, o Serviço Nacional do Teatro, a FUNARTE e o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A situação muda bastante ao longo dos anos 70, tanto no Brasil, como em Cuba. Esses anos representam para ambas as nações o período de maior censura38 por parte do governo para com a criação artística. É uma etapa de grandes contrastes dentro do universo artístico brasileiro. Pode-se dizer que até o final dos anos sessenta houve um quadro de relativa tolerância aos artistas, e este se

36 COLETIVO de autores. Política Nacional de Cultura. Brasília: MEC, 1975, Pág. 68. 37 GASPARI, Élio. Op. Cit. 2002. Pág. 231. 38 Durante a presidência do General Médici foram expedidas 360 proibições, uma das quais determinava que se esquecesse uma declaração pública do senador Filinto Müller, presidente do partido do governo, que declarava não haver censura no país, ordem de 19 de setembro de 1972.‖ (MARCONI, Paolo: A censura na imprensa brasileira – 1968/1978. São Paulo: Global. 1980. Pág. 44). Quando foi retirada em 1978, a mordaça tinha superado a duração do controle da imprensa na ditadura de Vargas, transformando-se no mais prolongado período de censura da História do Brasil independente. GASPARI, Élio:Op. Cit. 2002. Pág. 218. 14

reverteu na virada da década. De um lado, prevalece o desânimo provocado pela falta de liberdade, levando à inatividade, ao silêncio e ao exílio. Por outro, ocorre durante esses anos uma grande explosão do mercado artístico, o 'boom' que pela primeira vez abriu a arte brasileira completamente ao mercado internacional. A década de 70 no Brasil estará marcada pelo nacionalismo compulsório definido na frase ―Brasil: ame-o ou deixe-o.‖ Este decênio será a etapa de maior contraste dentro da ditadura. Por um lado há avanços, introduzidos seja na agricultura, em que a soja e a cana de açúcar serão dois elementos fundamentais, assim como na área técnico-científica, fomentados através de grandes inversões do governo nestas áreas que sustentaram a idéia do 'milagre brasileiro. ' 39 ―(...) o surgimento de um ciclo de prosperidade no Brasil, conhecido como ―o milagre econômico‖, não somente garantiu a continuidade do regime militar, como também provocou a consolidação do mercado artístico e a aparição das revistas especializadas. Pela primeira vez desde os anos iniciais da vanguarda, a produção dos artistas brasileiros alcançou preços elevados, e com eles se assegurou seu reconhecimento.‖ (tradução livre). 40

Num outro sentido, ocorrem avanços em relação aos direitos da mulher, através de sua liberação e sua inclusão social, como a aprovação do divorcio (1977) e a admissão, pela primeira vez, de uma mulher na Academia Brasileira das Letras (1977). Ocorre também o despertar de determinadas minorias sociais, como os negros e os homossexuais, contrastante com a alta na violência contra estas mesmas minorias, num ambiente onde os protetores da lei fazem caso omisso dos atropelamentos cometidos contra estes setores da sociedade. Em relação à violência exercida pelo próprio regime, pode-se dizer que ela foi a mais dura do governo militar, e este é um período crítico de confronto entre as forças do governo e as organizações que determinam o caminho da luta armada, marcado por uma sucessão de atentados, seqüestros, apreensões, torturas e mortes. 41 Para o movimento operário, este será um importante período na luta pelos seus direitos através de numerosas greves, e neste processo ficará conhecida a figura do Presidente Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Luis Inácio (Lula) da Silva, que na próxima década mostrará seu carisma como líder político

39 Durante os anos da ditadura ampliaram-se, por exemplo, os fundos para pesquisas e iniciou-se a definição de uma política científica para o país, que deu origem ao primeiro Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico em 1973, ao qual outros se seguiram. Para saber mais, cf. COLETIVO de autores. Brasil dia-a-dia. Almanaque Abril Especial, 1990. 40 MESQUITA, Ivo. ―Brasil‖. Op. Cit. Pág. 225. No original: ―(...) la aparición de un ciclo de prosperidad en Brasil, conocido como el ―milagro económico‖, no sólo garantizó la continuidad del régimen militar, sino que provocó la consolidación del mercado artístico y la aparición de revistas especializadas . Por primera vez desde los años de la vanguardia, la producción de los artistas brasileños alcanzó precios elevados, y con ellos se aseguró su reconocimiento.‖ 41 Em Março de 1970 são denunciadas no Vaticano, pelos membros da Comissão Pontifícia de Justiça e Paz, as arbitrariedades cometidas no Brasil. 15

chegando a concorrer à presidência do país. A censura continuará imperando de forma contundente,42 mas de forma paulatina irão sendo liberadas as proibições de anos anteriores num processo pautado por avanços e retrocessos. É importante assinalar que a censura que marca a década de 70 não está unicamente ligada ao governo e à proteção de seu status quo, mas está também ligada à 'proteção da moral e dos bons costumes' da família brasileira, onde, por exemplo: ―O filme Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, é liberado sem corte pela censura Federal, mas com bolinhas pretas cobrindo as cenas de nudez; o filme esteve proibido durante sete anos.‖ 43 No final da década, o governo se posicionará pela primeira vez contra a violência derivada de seus próprios órgãos, levando a julgamento algumas das mais perigosas figuras destes anos como os integrantes do Esquadrão da Morte. A fotografia brasileira, apesar da censura governamental, experimenta uma etapa de bonança a partir da inauguração da escola ―Enfoco‖. Numerosos cursos abrem suas portas aos fotógrafos oferecendo aos estudantes não só ferramentas técnicas, mas também novas poéticas. Podemos citar como exemplo os cursos oferecidos no MASP por Claudia Andujar e George Love, assim como a organização de importantes mostras coletivas como a “exposição fotográfica Grande São Paulo, realizada no MASP em 1976, (...) que ocupou todo o subsolo do museu, com a participação de 98 fotógrafos, alguns hoje bem conhecidos, como , Pedro Martinelli, Cristiano Mascaro, Arnaldo Pappalardo e Marcos Magaldi.” 44 ―Na virada dos anos 60 para os anos 70, começamos a formar uma geração de profissionais que ofereceram um novo perfil para a trajetória da fotografia como forma autônoma de expressão. As revistas ilustradas abriram um espaço para a imagem como expressão e informação, dando origem a um profissional que não se satisfaz nem com o fotojornalismo, nem com a publicidade, mas que pretende ocupar um espaço novo na produção fotográfica brasileira. Nesse momento inaugural, temos a intensidade do fotojornalismo de Walter Firmo, Luis Humberto, Assis Hoffmann, Evandro Teixeira, Geraldo Guimarães, entre outros; e na publicidade, Sergio Jorge e Chico Albuquerque.‖ 45

Em Cuba, a década de 70 é conhecida historicamente como o ―Qüinqüênio Gris‖. Durante os primeiros cinco anos, isto é, de 1971 a 1976, a nação concentrará todos os seus esforços em alcançar 10 milhões de toneladas de açúcar, objetivo que provocou grande desequilíbrio no resto da economia. A relação do governo cubano com a esquerda brasileira será muito mais forte durante esta década,

42 Em 17 de março de 1970 foi instaurada uma nova ordem de seguridade, descrito num documento denominado de ―Diretriz de Segurança Interna‖. 43 COLETIVO de autores. Brasil dia-a-dia. Almanaque Abril Especial, 1990. Pág. 88. 44 ANDUJAR, Claudia. A vulnerabilidade do ser. São Paulo: Cosac & Naify. 2005. Pág. 108. 45 FERNANDES Junior, Rubens. Labirinto e identidades/Panorama da fotografia no Brasil [1946-98]. São Paulo: Cosac&Naify / Centro Universitário Maria Antônia da USP, 2003. Pág. 115. 16

chegando a amparar aqueles que conseguem fugir do país através do seqüestro de aeronaves: 46 só no ano de 1970, três aviões pousaram em Havana por esta via. Em 1976 será aprovada uma nova Constituição em Cuba e se estabelecerá uma política internacional em prol de reativar as relações diplomáticas com vários países da América Latina. Mais o termo 'gris', cinza, cunhado pelo escritor Desiderio Navarro, se refere diretamente à produção intelectual da década. Foi um período obscuro tanto para as artes como para a literatura, no qual se criou um tipo de arte complacente com a oficialidade e com o oportunismo. De modo geral, passado o entusiasmo e o agito da década anterior, sob o qual os artistas desenvolviam suas produções de modo espontâneo, mas sob o olhar atento e ainda que permissivo do governo, podemos dizer que neste decênio se começa então a exigir do artista uma obra de claro comprometimento ideológico com o sistema, legível para as massas. Ou o artista se retraia e parava de criar, ou se incorporava à demanda do governo. ―O fracasso do movimento guerrilheiro respaldado por Cuba em toda a América Latina e o caos econômico e administrativo dentro do país provocaram o abandono, pelo governo, de sua independência e que entrasse na orbita da União Soviética em princípios dos anos setenta. Isso significou o final efetivo de uma pluralidade artística que se tinha desenvolvido em Cuba com intensidade e quase com total autonomia. Embora um estilo oficial não tivesse sido ditado, foi imposta a utilização da cultura como propaganda ideológica, além da promoção de um nacionalismo estereotipado. A maior parte dos intelectuais foram marginalizados por motivos ideológicos ou morais…‖ (tradução livre). 47

Neste sentido, do mesmo modo que no Brasil, o governo cubano adota uma postura de defesa dos bons costumes da nação, que terá como resultado o julgamento público de vários artistas, tanto pelas possíveis implicações de 'diversionismo ideológico' de suas obras, como por sua orientação sexual. 48 Apesar das dificuldades do período, que repercutem também nos fotógrafos-artistas, nem tudo é negativo para a fotografia. O final da década trouxe consigo o Primeiro Colóquio Latino-Americano de

46 È interessante constatar como anos mais tarde o próprio governo cubano dará a denominação de terrorismo às mesmas práticas que eram empregadas pelos cubanos com intenção de chegar aos EUA, chegando a impor a pena de morte a estas pessoas. Sobre este tema controverso, diversos intelectuais internacionais tem expressado suas opiniões. Cf. em relação a isso o artigo ―Cuba duele‖, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, disponível em: http://www.patriagrande.net/uruguay/eduardo.galeano/escritos/cuba%20duele.htm 47 MOSQUERA, Gerardo. Op. Cit. Pág. 101. No original: ―El fracaso del movimiento guerrillero respaldado por Cuba en toda América Latina y el caos económico y administrativo dentro del país provocaron que el gobierno abandonara su independencia y entrase en la órbita de la Unión Soviética a principios de los años setenta. Ello significo el final efectivo de una pluralidad artística que se había desarrollado en Cuba con intensidad y casi con total autonomía. Aunque no se dicto un estilo oficial, se impuso la utilización de la cultura como propaganda ideológica, además de la promoción de un nacionalismo estereotipado. La mayoría de los intelectuales fueron marginados por motivos ideológicos o morales…‖ 48 Este tema ainda é discutido em profundidade em Cuba pelos mais reconhecidos intelectuais. Para saber mais, cf. ―La política cultural del periodo revolucionário‖, disponível em: http://www.criterios.es/cicloquinqueniogris.htm 17

Fotografia, na cidade de México, no ano de 1978. O evento representa para os artistas do país sua inclusão no universo fotográfico em nível continental. Cuba participa com obras de Liborio Noval, Mario Ferrer, Iván Cañas, entre outros; porém, o principal atrativo foi a mostra organizada por María E. Haya e Mario García Joya, que fizeram um percurso pela história da fotografia cubana desde 1840, ano de sua entrada na Ilha, até 1959. A década de 80 em Cuba será marcada pela abertura do governo para a emigração aos Estados Unidos pelo porto de Mariel, através do qual abandonaram a Ilha aproximadamente 125.000 pessoas. Outro marco será o processo de Rectificación de Errores y Tendencias Negativas, implementado em 1986 por Fidel Castro como resposta às deficiências detectadas na direção dos diferentes setores do Estado. Embora no aspecto econômico esta seja uma etapa de bonança resultante da dependência econômica quase total em relação à URSS, os preços dos produtos dentro do país serão subvencionados praticamente de modo completo pelo Estado, o qual trará consigo o colapso econômico da década seguinte. Além disso, as mudanças nas relações diplomáticas iniciadas no decênio anterior se fortalecerão através do restabelecimento dos diálogos internacionais. Cu Em Cuba, a crítica costuma denominar este período de ‗Novo Arte Cubano‘, referindo-se com isto aos novos modos de interpretação e comunicação estabelecidos a partir do conceito estendido de criação que surge na década de 80. Essa renovação plástica teve lugar sob a confluência de uma série de fatores, dentre os quais podemos ressaltar a revisão dos modelos ideológicos e artísticos no contexto cubano. Neste período gerou-se nos meios artísticos um acúmulo de incompreensões e divergências entre artistas e instituições, que acabaram com as antigas formas de relação de comercialização e promoção das obras de arte. Os fotógrafos, diferentemente dos outros artistas, não tomaram parte destas discussões, optando pelas mais diversas perspectivas em suas próprias obras, do qual derivará a existência de múltiplas linguagens durante esta etapa. Tais linguagens estiveram permeadas por novos discursos, em diálogo com preocupações teóricas debatidas tanto no nível nacional como internacionalmente. Assim, os artistas dialogam nas entrelinhas e a sotto voce com os espectadores sobre a realidade político-social-econômica, e muitos terminam no exílio. Se os anos 80 representam, grosso modo, a revalorização da fotografia, podemos dizer que este é o período de consolidação da mesma como arte e como parte definitiva da plástica cubana. A década esteve marcada pela criação de instituições, salões e concursos dedicados ao meio, por eventos de repercussão e envergadura internacional, assim como por numerosas publicações dedicadas ao universo fotográfico. Entre os fatos mais relevantes da etapa devemos destacar a instituição do ―Prêmio

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de Fotografia Cubana‖ no ano de 1982 e o Terceiro Colóquio Latino-Americano de Fotografia realizado em Havana em 1984. Porém, o mais importante acontecimento da década foi, sem dúvida, a criação de uma instituição dedicada integramente à arte fotográfica. Referimo-nos à fundação da Fototeca de Cuba no ano de 1986. ―Outro elemento que coadjuva a inclusão da fotografia nos espaços artísticos é o interesse que começam a mostrar os investigadores pelo tema concretamente a partir do colóquio. María E. Haya (Marucha) e Mario García Joya (Mayito) se dispõem a coligir o caudal disperso de informação, que ainda existe sobre a fotografia cubana, legando-nos os primeiros estudos historiográficos de grande valor para as pesquisas posteriores. Seu trabalho além do mais se propôs a lograr uma maior promoção da fotografia cubana em espaços expositivos, fundamentalmente através de sua ação como curadores na Fototeca de Cuba…‖ (tradução libre). 49

Numerosos artistas destacaram-se durante esses anos; alguns deles tinham começado suas carreiras anteriormente, sendo que os anos 80 representam a consolidação de suas respectivas obras como profissionais. Este é o caso de Mario García Joya, que iniciou seus trabalhos fotográficos no final da década de 60. Outros criadores, cuja obra passa a formar parte definitiva da história da fotografia cubana são: María Eugenia Haya, Ramón Martínez Grandal, Gilda Pérez, Rógelio López Marín (Gory) e Alfredo Sarabia, entre outros. A década de 80 no Brasil será um período de intensas mudanças políticas; o país caminha definitivamente rumo à democracia, mas, no entanto, o trajeto será demorado e ainda marcado pela violência. Em 1980, uma Emenda Constitucional estabelece eleições direitas para governador, acabando com os senadores impostos; em agosto do mesmo ano será formada em Belo Horizonte a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do país, sobre a violência política. Em 1983, agricultores do Paraná e Santa Catarina protestarão contra a política governamental na ―Marcha contra a fome‖, enquanto em novembro do mesmo ano ocorre em São Paulo o primeiro comício em prol das eleições direitas. Tancredo Neves é eleito presidente em 1985, mas morre logo em seguida, e José Sarney assume o cargo. Em 1986 o Brasil reata as relações com Cuba. Sucedem-se no Brasil uma série de greves, e economicamente o país se encontrará sob uma grande inflação, contrastante com os recordes no mercado de capitais brasileiro, que registra no ano de 1984 o maior movimento na Bolsa de valores de São Paulo. Em abril de 1984 uma grande multidão se concentra em frente à Igreja da

49 HECHAVARRIA Pouymiró, Nahela. ―La seducción del instante en siglo y medio de fotografía documental en Cuba (1840-1990)‖, in: Revolución y Cultura, 2, Havana, 2004. Pág. 25. No original: ―Otro elemento que coadyuva a la inclusión de la fotografía en los predios artísticos es el interés que comienzan a mostrar investigadores en el tema concretamente a partir del coloquio. María E. Haya (Marucha) y Mario García Joya (Mayito), se dan a la tarea de recaudar el caudal disperso de información, que aún existe sobre la fotografía cubana, legándonos los primeros estudios historiográficos de gran valía para investigaciones posteriores. Su trabajo además se propuso lograr una mayor promoción de la fotografía cubana en espacios expositivos, fundamentalmente a través de su acción como curadores en la Fototeca de Cuba…‖ 19

Candelária, no Rio de Janeiro, para exigir as eleições direitas. Contrastante com a liberdade dos novos tempos é a maior permissibilidade para determinadas minorias como homossexuais, é a epidemia da AIDS se converterá no novo terror da sociedade.50 Os preservativos, o culto ao corpo e a preocupação com os problemas ambientais passam a formar parte dos temas das conversas da vida diária. O mundo volta os olhos para o Brasil e o desmatamento da Amazônia. Em 1989 são celebradas as primeiras eleições direitas no país, e Fernando Collor de Mello se torna o 26° presidente brasileiro. A década de 80 corresponde, tanto para o Brasil, como para Cuba, a um ponto de virada na criação artística no âmbito da fotografia, testemunhando o aparecimento de novas linguagens que frutificam na produção dos artistas que, na maioria dos casos, permanecem ativos até hoje. Esses artistas possuem um discurso de caráter marcadamente pessoal. ―Os fotógrafos ganham visibilidade em grandes mostras nacionais patrocinadas em sua maioria por empresas como a Kodak, Curt e IBM. Temáticas que buscam configurar uma identidade de nosso povo, como a exposição O homem brasileiro e suas raízes culturais, apresentada no MASP em 1980, marcam o inicio de uma década fértil em mostras fotográficas de caráter coletivo. (...) Dentre as exposições realizadas, destaca-se também a Iª Trienal de Fotografia do Museu de Arte de São Paulo. Entre pioneiros e contemporâneos encontramos 71 artistas cujas obras traçam um imenso painel visual que transita entre diferentes linguagens: do fotojornalismo social a uma formalização da linguagem, com grafismos e abstrações; de uma visão mais publicitária a um enfoque mais urbano, a exposição já evidenciava a diversidade de olhares de nossos fotógrafos.‖ 51

Dentre os artistas que ganham destaque neste período podemos citar Pedro Vasquez, Milton Guran, , Claudio Tozzi, Clóvis Loureiro Junior, entre outros. ―Na década de 80 surgiram fotógrafos que até hoje desenvolvem suas atividades com grande afinco (... São) responsáveis pela consagração da fotografia brasileira no panorama internacional, com independência política no fotojornalismo e singularidade na reconstrução do olhar e da imagem brasileira.‖ 52

Através dos poucos elementos descritos acima, podemos perceber as complexas ligações que existiram entre Brasil e Cuba ao longo das décadas de 60 a 80. Sendo a literatura sobre o assunto, especialmente no que diz respeito à fotografia, praticamente inexistente, consideramos que a presente pesquisa poderá contribuir significativamente para a compreensão da história e do desenvolvimento das artes desses dois países em seus respectivos contextos político-culturais como parte do panorama latino-americano. Como já foi colocado, o período escolhido para nossa análise (1960-1990) demarca três décadas de grande relevância para a história do Brasil e de Cuba. Esse momento histórico será abordado por

50 Segundo Olívio Lamas, numa reportagem precursora, denominada ―Aids, o mais novo tabu da imprensa‖, vinculada na revista Imprensa - Prêmio Esso de Fotografia, 1988. Cf. MAGALHÃES, Angela e FONSECA Peregrino, Nadja.Op. Cit. Pág. 67. 51 MAGALHÃES, Angela e FONSECA Peregrino, Nadja. IDEM. Pág. 98. 52 FERNANDES Junior, Rubens. Op. Cit. Pág. 167. 20

etapas de dez anos para facilitar a periodização e, portanto, também a pesquisa. Cada período de 10 anos está norteado por conceitos que de maneira genérica darão sustento à argumentação e que são o resultado da pesquisa por meio da qual foi possível constatar os mesmos como elementos de destaque dentro dos períodos. Desse modo, no primeiro capítulo, que abarca a década de 60, abordaremos o desenvolvimento do fotojornalismo em ambas as nações a partir das análises das obras dos fotógrafos cubanos Raúl Corrales e Alberto Díaz Gutiérrez (Korda) e dos brasileiros Evandro Teixeira e Antônio Luiz Benck Vargas. Ao longo do segundo capítulo, que compreende a década de 70, a partir do conceito ampliado de fotografia antropológica e das relações autor-referente, nos aproximaremos de modo critico às produções da artista cubana María Eugenia Haya e dos criadores brasileiros Walter Firmo, Assis Hoffmann e de Claudia Andujar. No terceiro e último capítulo de nossa dissertação, sob a denominação de Novas poéticas, novas estéticas, procuraremos aproximar-nos da produção fotográfica da década de 80 e suas distintas problemáticas a partir das obras do artista brasileiro Clóvis Loureiro Junior e dos fotógrafos cubanos Mario García Joya, Rogélio López Marín e Ramón Martínez Grandal. É valido enfatizar que nossos objetos de estudo formam parte da produção prolífica que se desenvolve dentro de um período muito rico e amplo para a fotografia em ambas as nações, e por esse motivo a escolha dos mesmos justifica-se tanto pela relevância entre os artistas na época, quanto pela qualidade de suas obras. Salientamos também que tanto as divisões temporais como os conceitos aplicados para a classificação genérica das obras, dentro do corpo do texto, não possuem um caráter excludente, sendo que as mesmas devem ser entendidas como categorias flutuantes em constante interconexão e diálogo, aplicadas como recursos de ordem para conferir maior coerência estrutural a nosso debate.

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Capítulo I Fotojornalismo: entre a notícia e a obra de arte

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1– A notícia.

Desde o descobrimento da fotografia, dois ramos de uma mesma árvore se desenvolveram paralelamente: de um lado, aqueles que abraçam a nova técnica estão empenhados em estabelecê-la no mesmo patamar das artes clássicas, tentando fazer com que aquela esteja em paralelo com a pintura; de outro lado, aqueles que enxergaram nas possibilidades da câmera uma janela para conhecer e possuir o mundo, através do maior verismo possível. No decorrer dos anos, com o desenvolvimento das técnicas fotográficas, a diminuição do tamanho da máquina e da aparelhagem necessária para a captação da imagem, bem como os avanços nas técnicas de impressão propiciaram a introdução da fotografia em publicações periódicas.53 Este é um processo paulatino, que se inicia na Europa e nos Estados Unidos com publicações como Illustration (1843), surgida em Paris, e The Illustrated American (1890), nos Estados Unidos, até que em 1904 o jornal britânico Daily Mirror se converte no primeiro, em todo mundo, a ser ilustrado exclusivamente com fotografias. Estas publicações, entre muitas outras, definiram as pautas do que virá a ser um dos grandes gêneros fotográficos: o fotojornalismo. Na imprensa, a competição derivada da cobertura da Guerra Hispano-Americana (um guerra em que os jornalistas não se limitaram a reportar as notícias: fizeram notícias), a partir de 1898, vai insentivar as empresas jornalistas dos E.U.A a uma política de investimentos que alarga a utilização do halftone e promove definitivamente a fotografia ao estatuto de News Medium. 54

O ganho de credibilidade da fotografia em relação à realidade fará com que as imagens fotográficas sejam apreciadas, grosso modo, como provas fidedignas de acontecimentos noticiosos, chegando a criar uma relação indissociável entre elas e os mais reconhecidos jornais e revistas. ―Erich Salomon teve um papel importante na fundamentação do fotojornalismo, não só como fotógrafo, mas também como articulador das bases para a profissionalização. Em torno dele se reuniam vários fotógrafos trabalhando em regime de 'free lancer'. Nessa época as fotos publicadas em grande parte da imprensa alemã já traziam os créditos do autor. O fotojornalista ganhava individualidade e um papel social definido (...). Assume-se que a imagem fotográfica é construída segundo uma estruturação ideológica explícita. A grande imprensa passa, então, a se utilizar cada vez mais da fotografia, respaldando suas manipulações ideológicas na pretensa imparcialidade da imagem fotográfica.‖ 55

A América Latina incorporará, gradualmente, este processo de reformulação do papel da

53 Depois de várias experiências de diversos inventores, em julho de 1871 o jornal sueco Nordisk Boktryckeri Tidning publicou uma fotografia impressa conjuntamente com o texto, graças a uma impressão em halftone com uma trama de linha. Carl Carlemam, o inventor do processo (que será usado, depois na imprensa de outros países, como na revista francesa Le Monde Illustré a partir de 10 de março de 1877) sublinhou que seria somente dessa forma que a fotografia poderia penetrar massivamente no publico e tornar-se o meio mais poderoso para elevar culturalmente a humanidade. SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. (2004). Pág. 42. 54 SOUZA, Jorge Pedro. IDEM. Pág. 46. 55 SOUZA Jorge Pedro. IDEM. Pág. 101. 24

imagem fotográfica como novo meio de comunicação de massas. ―A primeira reprodução fotográfica a meio tom apareceu em 4 de março de 1880 no New York Daily Graphic. Em Cuba isso ocorreu três anos mais tarde, em 25 de março de 1883, na revista El Museo, onde foi publicado o retrato do advogado Don Nicolás Azcárate (1828-1894) devido à perícia técnica de Pereira e Taveira. Entre as primeiras publicações periódicas cubanas com serviço fotográfico destaca-se El Fígaro (1885-1929), na qual foi reportada com grande número de imagens a visita da Infanta Eulalia de Bourbon a Havana em 1892, dentre outros fatos relevantes.‖ (tradução livre). 56

No caso específico do Brasil, a fotografia será introduzida gradualmente nas páginas de publicações como a Revista da Semana, Ilustração Brasileira e Kosmos. ―A fotografia na imprensa brasileira surgiu no início do século: Revista da Semana em 1900, Ilustração Brasileira em 1901 e Kosmos em 1904. Junto a essa fotografia de reportagem incipiente apareceram as primeiras fotos de publicidade ligadas ao crescimento do mercado interno e à estruturação do setor terciário da nossa economia. Nossos primeiros repórteres fotográficos eram provenientes das classes populares, pessoas sem formação e com instrumental técnico inadequado à sua atividade. Durante quarenta anos essa foi a realidade da fotografia de imprensa no Brasil. A situação só se modificou a partir da reformulação da revista O Cruzeiro, na década de 40, o que modificou definitivamente o estatuto social do fotógrafo de reportagem.‖ 57

Efetivamente, será somente a partir da década de 40 que o fotojornalismo, como gênero essencial da fotografia, passará a ocupar um lugar de destaque no universo nacional brasileiro, ainda que de modo incipiente, coincidindo com o inicio do processo de especialização dos fotógrafos de imprensa. Esses primeiros fotógrafos 'profissionais', começaram a disputar espaços com os autores dos clubes fotográficos como o Photo Club Brasileiro, fundado no Rio de Janeiro em 1923, e o Foto Clube Bandeirante, fundado em São Paulo em 1939 e posteriormente conhecido como Escola Paulista. Os foto-clubistas seguidores da corrente do pictorialismo viam na fotografia uma possibilidade de expressão de suas inquietudes artísticas, um hobby para as horas vagas do qual não dependia seu sustento na vida e na sociedade; ainda que de reconhecido valor, as obras dos integrantes deste tipo de organização serão eclipsadas pelos novos fotojornalistas. ―A revista semanal O Cruzeiro foi a mais importante contribuição para o fotojornalismo brasileiro e para a construção da imagem de um país moderno e sintonizado com a informação internacional e os avanços tecnológicos. De circulação nacional, seu período áureo aconteceu entre 1944 e 1962. A chegada do fotógrafo francês Jean Manzon (1915-90), da revista francesa Paris Match, em 1944, coincidiu com a formação de um grupo de fotógrafos brasileiros, influenciados pelas revistas ilustradas estrangeiras e sintonizados com o movimento fotográfico internacional.58 José Medeiros, Marcel Gautherot, Pierre Verger, Ed Keffel, Luciano Carneiro, Luiz

56 VALLE, Rufino Del. Opus Habana. Vol. VIII, No. 3, 2004-2005, sexta-feira, 03 de março de 2006. Pág. 41. No original: ―La primera reproducción fotográfica a medio tono apareció en el 4 de marzo de 1880 en el New York Daily Graphic. En Cuba tuvo lugar tres años más tarde, el 25 de marzo de 1883, en la revista El Museo, donde se publicó el retrato del abogado Don Nicolás Azcárate (1828-1894) gracias al concurso técnico de Pereira y Taveira. Entre las primeras publicaciones periódicas cubanas con servicio fotográfico sobresalió El Fígaro (1885-1929), en la que se reportó con gran despliegue de imágenes la visita de la Infanta Eulalia de Borbón a La Habana en 1892, entre otros hechos relevantes.‖ 57 Idem. Pág. 103. 58 Em 1947 se publica pela primeira vez a revista Íris, a mais antiga revista de fotografia do Brasil em atividade até 1998. Foi fundada pelo austríaco Hans Korangi. 25

Carlos Barreto, Indalécio Wanderley, Peter Scheier, Flávio Damm, entre outros, transformaram a revista O Cruzeiro na mais surpreendente experiência da fotografia brasileira documental. Suas reportagens, baseadas no estilo das estrangeiras Life e Paris Match, abriram espaços generosos para a fotografia, que passa a ser a principal informação da revista, iniciando uma narrativa visual inédita para as publicações nacionais até então.‖ 59

Em Cuba a fotografia irá se integrando harmonicamente com as publicações periódicas, que se multiplicam com a chegada do século XX. Ainda que fortemente inclinado ao pictorialismo, o movimento foto-clubista terá seus ecos no “Club fotográfico de Cuba” (1939), fundado em Havana, e no “Club Fotográfico de Santiago de Cuba” (1947). Ambas as organizações aportaram às publicações periódicas da Ilha importantes colaboradores, dentre os quais podemos mencionar: José Gonzáles Álvarez, conhecido como Tito Álvarez (1916- 2002), Rafael Pegudo Gallardo (1899), Joaquín Blez Marcé e Tomás Padró Álvarez (1900-1975). ―O desenvolvimento e crescimento da capital do país traz consigo novas exigências para os criadores da lente. A partir da década de 50 prolifera a chamada fotografia social, aquela encarregada de informar a população dos eventos importantes da sociedade de seu tempo. A fotografia documental, a de moda e a fotografia publicitária cobrem as páginas de múltiplas e diversas publicações como as revistas Bohemia, Carteles e o periódico Diario de la Marina, entre muitas outras. Esta etapa também esteve marcada pela aproximação de figuras que serão consideradas na seguinte década como os mestres da fotografia cubana.‖ (tradução livre). 60

A segunda metade do século XX apresenta-se como um período de convulsivas mudanças no contexto universal, onde inúmeras nações se vêem envolvidas em enfrentamentos que incorporam vários setores da população – pode-se dizer que é um período de grandes tensões sociais onde a consciência cidadã se manifesta através de diversas lutas e organizações na procura de reivindicações político-sociais das mais variadas índoles. O mundo terá sua imagem refletida como em nenhuma outra etapa da história da humanidade através da fotografia, numa sucessão de fatos que se acumulam um atrás do outro, ligados ou não entre si, despertando em si tanto uma nova forma de pensamento que se aproxima das desconformidades de tipo social, assim como uma consciência do poder transformador da imagem que nunca havia sido vista. Os fotógrafos estarão ali para compartilhar com o mundo seus olhares, ficarão para sempre na memória: A 1ª grande mobilização do movimento estudantil nos EUA na Universidade de Califórnia em Berkeley, em 1964-1965, lutando pelo direito de organizar atividades políticas no campus; a tomada da Sorbonne em Paris pelos estudantes, em 1968, na luta pela liderança

59 FERNANDES J., Rubens: Op. Cit. 2004. Pág. 143. 60 VILLARES Ferrer, Monica. ―Fotografia cubana, Paisaje en los inicios del siglo XXI‖. Tese de licenciatura em História da Arte, Univeridad de Oriente, Cuba. 2005. Pág. 25. No original: ―El desarrollo y crecimiento de la capital del país trae consigo nuevas exigencias para los creadores del lente. A partir de la década del 50 prolifera la llamada fotografía social, aquella encargada de informar a la población eventos importantes de la sociedad de su tiempo. La fotografía documental, de moda y la fotografía publicitaria cubren las páginas de múltiples y diversas publicaciones como las revistas Bohemia, Carteles y el periódico Diario de la Marina entre muchas otras. Dicha etapa también estuvo marcada por el acercamiento de figuras a la creación que serían considerados en la siguiente década, los maestros de la fotografía cubana.‖ 26

nas decisões dentro de sua alma mater e na sociedade, seguida pelos enfrentamentos entre os estudantes e os policiais em vários países do globo, como Egito e Senegal, aonde se chega a decretar Estado de Sítio; as ocupações de universidades como nas cidades espanholas de Madri, Bilbao, Barcelona e Sevilha; O rosto de Mao Tsé Tung levado adiante pelos seguidores da Revolução Cultural na China em 1965-66; a Primavera de Praga e o excesso de poder da URSS contra a Checoslováquia em 1968; os assassinatos de John F. Kennedy (1963) e de Martin Luther King Jr. (1968); a luta pelos direitos das minorias negras nos Estados Unidos; as manifestações em oposição à Guerra do Vietnã; a violência exercida pelos governos em nome da luta contra o perigo da mareia vermelha do comunismo e a instauração de ditaduras por toda a América Latina, como o Golpe de Estado na Argentina em 1966, o quarto governo militar na América do Sul que determinou a época dourada do renascer do fotojornalismo como gênero dominante na fotografia do decênio. ―Só a partir dos anos 60 é que a fotografia evoluirá, com maior pujança, por um lado, para a polissemia e por outro, embora não necessariamente dissociado, para a análise, o comentário, o que se consubstancia na tomada decidida de posição entre o ―justo‖ e o ―injusto‖, o ―certo‖ e o ―errado‖, o ―mal‖ e o ―bem‖, como é particularmente visível em McCullin. A honestidade começará, nos anos sessenta, a contrapor-se à objetividade. A foto ―começará a ver‖.61

Este breve percurso histórico serve como pequeno preâmbulo para iniciar nossa aproximação ao fotojornalismo desenvolvido em Cuba e no Brasil na década de 60 no âmbito do que o especialista no tema Jorge Pedro Souza, têm qualificado como a renovação do fotojornalismo.

―Depois dos anos sessenta, senda do Novo Jornalismo e das inovações trazidas por fotógrafos como Frank, vários autores tentaram mostrar que, no campo da semiótica e da epistemologia, uma imagem fotográfica seria sempre subjetiva por natureza, como foi o caso de Susan Sontag (...). A autora chama a atenção para que a escolha de variáveis como o ângulo e o plano de abordagem já implicam escolhas subjetivas que, neste sentido, tornam a fotografia num instrumento de interpretação do mundo (...). É precisamente na altura da Guerra do Vietnã, há vinte 62 anos, que se opera o que designamos como segunda revolução no fotojornalismo.‖

Nossas análises nas páginas seguintes estarão norteadas pelas idéias que regem o fotojornalismo como gênero fotográfico, estabelecendo relações ao longo de nosso discurso entre as produções de Cuba e do Brasil com a realidade político-social em que as mesmas se desenvolvem, assim como pela tentativa de explorar suas possíveis relações com o contexto internacional e com outras produções dentro e fora do período.

61 SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. Pág. 83. 62 SOUZA, Jorge Pedro. IDEM. Pág. 150-152. 27

1.2 - Um olhar reflexivo sobre a Épica Revolucionária.

―Na vida quotidiana as nossas ações não nos aparecem como momentos de triunfo ou derrota, mas como acidentais e fragmentárias expressões de existência. Só o artista é capaz de sentir e revelar o sentido humano destes fenômenos isolados que, vistos em conjunto e unanimemente, atingem uma dimensão épica insuspeita. A arte deposita no receptor sua heroicidade inerte.‖ 63

A Revolução Cubana teve na fotografia o melhor veículo para sua divulgação e confirmação, não só dentro da Ilha, mas, também, perante os olhos da opinião pública internacional. A derrota da ditadura de Batista, em 1º de Janeiro de 1959, deu lugar ao desenvolvimento de um processo vertiginoso de mudanças, em que a fotografia terá um papel fundamental, um fenômeno que será conhecido posteriormente pela historiografia como 'Épica Revolucionaria', em referência à fotografia desenvolvida em Cuba a partir de 1959 e que se estende aproximadamente até 1970. Do ponto de vista dos aspectos formais, a Épica Revolucionária pode ser catalogada dentro do gênero Fotografia documental. O conceito de fotojornalismo, considerado por alguns especialistas como um subgênero deste, será utilizado por nós em nossa análise crítica das obras, dentro de seu contexto histórico. Levando em conta o desenvolvimento de tal conceito, a partir das mais recentes publicações sobre o tema, nossa perspectiva terá como principal objetivo determinar as relações entre a fotografia Épica e o início de um processo político ditatorial. ―Fotojornalismo (lato sensu) (...) [é a] atividade de realização de fotografias informativas, interpretativas, documentais ou ―ilustrativas‖ para a imprensa ou outros projetos editoriais ligados à produção de informação de atualidade. Neste sentido, a atividade caracteriza-se mais pela finalidade, pela intenção, e não tanto pelo produto; este pode estender-se das spot news (fotografias únicas que condensam uma representação de um acontecimento e um significado) às reportagens mais elaboradas e planeadas, do fotodocumentarismo às fotos ―ilustrativas‖e às feature photos (fotografias de situações peculiares encontradas pelos fotógrafos em suas deambulações). Assim, num sentido lato podemos usar a designação fotojornalismo para denominar também o fotodocumentarismo e algumas fotos ilustrativas que se publicam na imprensa. Fotojornalismo (stricto sensu) (...) [é a] atividade que pode visar informar, contextualizar, oferecer conhecimento, formar, esclarecer ou marcar pontos de vista (―opinar‖) através da fotografia de acontecimentos e da cobertura de assuntos de interesse jornalístico. ―Este interesse pode variar de um para outro órgão de comunicação social e não tem necessariamente a ver com os critérios de noticiabilidade dominantes.‖ 64

Levando em conta estas definições, podemos dizer que nosso interesse se centra nas obras realizadas sob os critérios do fotojornalismo dentro do marco de uma cobertura noticiosa, mesmo quando as imagens não respondam à captura do 'fato jornalístico', em seu sentido estrito. Como já foi

63 D´ALÉSSIO Ferrara, Lucrecia. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva, (2ª edição) 1986. Pág. 35. 64 SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. (2004). Pág. 12. 28

dito, a Épica Revolucionaria tem como fonte de inspiração os fatos e personagens principais do processo revolucionário cubano em seus inícios, o qual determina o forte caráter nacionalista desta produção. Trata-se, por assim dizer, de tirar do abstrato, para o povo, os rostos de seus novos líderes- heróis, de converter estes em algo mais do que nomes. Tendo em conta que o primeiro perceptor- destinatário destas obras era, na sua grande maioria, analfabeto, o poder da imagem é sobre- dimensionado, tomando conta dos meios de comunicação impressa, através de revistas e jornais. As obras possuem um caráter anedótico e significam a confirmação de fatos da realidade. São ao mesmo tempo obras de arte e documentos históricos, através dos quais se pode narrar à história da nação. A fotografia converteu-se, deste modo, na maneira mais rápida, simples e eficaz de comunicação, e a imprensa em seu canal de distribuição. ―Parece mais fácil acreditar numa imagem de pessoa do que em idéias abstratas. A imagem identifica uma individualidade, alguém que personifica as idéias. Aparentemente os povos precisam dessas imagens para ‗conhecer‘ aqueles que se propõem a conduzir seus destinos, a construir um mundo melhor, aqui ou além ou, simplesmente, para iludi-los. O rosto identifica uma pessoa e evoca seu modo de ser, sua personalidade e, eventualmente suas idéias.‖ 65

No entanto, é importante assinalar que a produção Épica não se direciona exclusivamente ao povo cubano, mas, como tínhamos mencionado, se dirige também à opinião pública internacional. A linguagem empregada pelos artistas condiz com uma intencionalidade abarcadora, que terá como resultado a identificação de muitas outras pessoas ao redor do mundo com o resultado fotográfico. A estética das obras se inclui dentro do desenvolvimento do fotojornalismo ocidental, no que se refere ao valor da imagem fotográfica de âmbito noticioso, em que a mesma não se apresenta como mera ilustração da escrita, mas revela uma eloqüência própria, que se complementa com o texto, garantindo a máxima eficiência na comunicação. O papel desempenhado pela opinião pública internacional no processo revolucionário cubano é fundamental. Estas fotografias coadjuvam a legitimação do novo governo no poder, reafirmam o apoio das massas ao mesmo, e garantem as bases para a futura condenação de qualquer ato interventor dentro do país. Tais imagens se tornarão, em breve, bandeiras da luta social ao redor do mundo. ―Na sociedade do espetáculo, como a denomina Guy Debord, as grandes demonstrações de descontentamento só ganham sentido se ganharem os olhos e emoções dos cidadãos que possam convertê-las em reivindicação política.‖ 66 Os criadores que formam parte da Épica são muitos e o nível de suas obras tem promovido o interesse de numerosos pesquisadores ao redor do mundo. No entanto, visando em nossa pesquisa um

65 KUBRUSLY, Cláudio. O que é fotografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005. Pág. 35. 66 SOUZA Martins, José de. ―Sebastião Salgado – A epifania dos poderes da terra‖ in 8 x Fotografia. Pág. 146. 29

objetivo mais abrangente, que se estende além por três décadas, e as complexas ligações entre as obras e o período em si, selecionamos doze obras de dois autores, considerados tanto pela historiografia, quanto pela crítica, como as mais importantes figuras dentro da Épica. Referimo-nos, em primeiro lugar, a Alberto Díaz Gutiérrez (Korda), o mais reconhecido fotógrafo cubano em nível internacional, imortalizado para a história do meio como o criador do 'Guerrillero Heróico' ou retrato do Che. O segundo escolhido para nosso estudo é Raúl Corrales, conhecido como o fotógrafo oficial de Fidel Castro, cuja obra está marcada pela perspectiva de um caçador de imagens e defensor da fotografia jornalística do mais alto nível estético. A seleção das obras de ambos os fotógrafos está determinada por sua grande qualidade estética e pela estreita relação das mesmas com os eventos históricos ocorridos nos primeiros anos do processo revolucionário, assim como pela proximidade de ambos os artistas com os principais líderes da Revolução e a vinculação daqueles com os meios de comunicação de massa, através da imprensa e outras publicações periódicas. Alberto Díaz, que logo se autodenominará Korda, apelido que se converterá em sua assinatura, nasce em Cuba na cidade de Havana no ano 1941. A obra de Korda ganhará renome internacional nos anos 60; no entanto, sua carreira inicia-se de forma empírica, como fotógrafo de festas e batizados até que se define profissionalmente como fotógrafo de moda, alcançando reconhecimento dentro da Ilha antes de 1959. Apaixonado, como dissera ele próprio, pelas mulheres belas, Korda, consolidará sua profissão dentro do universo da publicidade. Colaborador regular de Havana Weekly, Korda converteu- se no primeiro fotógrafo de moda cubano. A experiência do artista na criação de imagens com fins propagandísticos e seu domínio dos segredos da fotografia comercial pautaram as concepções estéticas de sua obra posterior. Raúl Corrales Fornos nasce em Cuba na cidade de Ciego de Avila, em 29 de Janeiro de 1925. Estudou entre os anos 1957-1959, obtendo a titulação de Técnico Gráfico, na Escola de Jornalismo "Manuel Márquez Sterling", em Havana. Trabalhou, entre 1944- 46, como assistente de laboratório e fotógrafo na empresa Cuba-Sono-Films, passando à atividade de repórter gráfico do jornal havanês Noticias de Hoy, entre os anos 1946-1953. Seu trabalho como foto-jornalista o converteu em colaborador dos mais importantes jornais e revistas da época, entre 1948 e 1959, como no caso dos jornais Prensa Obrera de Cuba, América Deportiva, Ultima Hora, e das revistas Bohemia e Carteles. Entre 1957-1959 o artista foi nomeado Diretor Fotográfico da empresa Publicitaria Siboney. Com o triunfo da revolução em 1959, Corrales passará a ocupar o cargo de Director del Departamento de Fotografía do Instituto Nacional de la Reforma Agraria (INRA), convertendo-se também, entre 1959-

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1961, no Fotógrafo Acompañante de Fidel Castro. Entre 1959-1962, Corrales continuará seu trabalho como fotojornalista para o jornal Revolución, combinando tal atividade com a de editor de fotografia da revista INRA entre 1960-61. No ano de 1961 se tornará Membro Fundador da Seção de Fotografia da Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC); em 1964, Raúl Corrales será nomeado Chefe da seção de micro-filmes e fotografia da Oficina de Asuntos Históricos del Consejo de Estado, função que desempenhou até o ano de 1991. O comprometimento de ambos os artistas com a causa revolucionária era um fato consumado, mesmo antes do triunfo da Revolução. O desempenho de Raúl Corrales como fotojornalista será um fator fundamental em sua preocupação com as causas sociais, refletido em seus trabalhos prévios ao triunfo revolucionário. Por sua vez, Korda realizará, no período anterior a 1959, uma série que poderia interpretar-se como o trabalho de um 'concerned photographer', em que, diferentemente de seus motivos costumeiros, o artista mostra um rosto diferente da Ilha, fotografando a pobreza dos camponeses nas proximidades da capital. Outro ponto que demonstra o engajamento destes artistas com o novo processo político é a imediata filiação de ambos ao que finalmente passará a se denominar Partido Comunista de Cuba (PCC), assim como a estreita relação de ambos com os principais representantes do governo. Referimo-nos ao fato de que ambos os artistas serão reconhecidos em grande parte da bibliografia referente à Épica Revolucionaria como os fotógrafos 'oficias' ou 'pessoais' de Fidel Castro. Tal denominação é, no entanto, só verdadeira para o caso de Raúl Corrales. A relação de Korda com o líder terá um caráter mais pessoal, segundo as palavras do próprio artista. ―Dei o nome a esta foto de 'Davi e Golias‘. (faz referência à famosa foto de Fidel frente a estatua de Abrahan Lincoln) A partir do dia em que a ofereci a Fidel, nunca mais ele me mandou chamar no jornal. Fazia que me contatassem diretamente. Mas não me tornei seu fotógrafo oficial. Não: era seu fotógrafo pessoal. Nunca tive cargo nem salário. Éramos como dois amigos. Desde então, não foi o dirigente dando ordens que procurei fotografar, mas um homem de abordagem muito fácil, muito humano, que se interessava por todos...‖ 67

Pode-se dizer de modo geral que a fotografia cubana da década de 60 é espontânea, no sentido em que os referentes formam parte de um cotidiano em ebulição e o momento histórico se oferece a quem tiver interesse em capturá-lo. No entanto, certos aspectos resultam fundamentais na hora de avaliar tal espontaneidade, o primeiro deles sendo, como resulta evidente, o comprometimento dos artistas com os ideais políticos postos em relevo pelo novo governo. Em segundo lugar, o número excessivo de imagens, e a produção limitada exclusivamente ao enfoque jornalístico são para nós uma evidência clara de uma demanda crescente do tema.

67 LOVINY, Christophe e SILVERTRI-LÉVY, Alessandra. Cuba por Korda. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. Pág. 74. 31

O alto grau de valor estético das fotografias que compõem a Épica Revolucionária, conjuntamente com o valor histórico adquirido pelas mesmas, como documentação da memória coletiva da nação, as inclui dentro da categoria de obra de arte. A entrada destas imagens no universo das galerias de arte, não só dentro do país, mas nas mais conceituadas instituições ao redor do mundo, confirmam a afirmação anterior. ―A imagem fotográfica como instituição de museu oscila sempre entre o documento e o monumento e toda imagem fotográfica é, a um só tempo, signo informacional (índice icônico) e obra de arte (boa ou má), ou seja, é, simultaneamente, o registro do “real” e sua figuração. ”68 Compartilhamos o critério dos estudiosos da fotografia, defensores de um enfoque sociológico em seus olhares, como Roland Barthes e Susan Sontag, para quem aquela não pode ser interpretada como uma cópia fiel da realidade, mas como um reflexo do real, tão enganoso quanto pode ser nosso 'eu' invertido no espelho. ―(...) acreditar que a imagem deve ser unicamente vista é acreditar no discurso autoritário da visão que diz: é a evidência que aqui se apresenta.‖ 69 Por sua vez, o caráter de documento da fotografia, no sentido da veracidade como prova dos acontecimentos, tem sido um ponto longamente discutido por estes autores e seus seguidores. ―Diante das imagens impressas nas primeiras páginas dos jornais, um leitor desavisado acredita: foi isso o que aconteceu. O foto-repórter, ao abolir as distâncias do espaço e do tempo, não só trouxe ao leitor um fragmento da realidade, mas criou uma ilusão. Induziu-o a se sentir participante do evento, aliás, do fragmento do evento. Falamos em fragmento? Sem querer, acertamos em cheio. Aquela foto que às vezes estoura na primeira página do jornal é apenas uma fatia da realidade. É apenas uma das verdades: a do fotógrafo. Ele escolheu o que deve ser registrado; determinou o corte, o ângulo; frente à multidão, ciente do recurso da máquina, apagou uns, estourou outros e delimitou a imagem. Dele depende se a realidade será compacta ou diluída, sintética ou analítica. E mais, apesar de livre no exercer do seu oficio, às vezes, se autocensura. No seu inconsciente há sempre a presença do veículo onde o trabalho será distribuído, ele já sabe o que esperam deles os editores e... os leitores. Então, sem querer, a livre assim, inconscientemente sé torna dirigida.‖ 70

Estabelecidos alguns dos elementos que de modo geral sustentam nosso critério da necessidade de um olhar questionador perante a imagem fotográfica, podemos adentrar agora nos elementos caracterizadores das obras em questão. A primeira obra escolhida para nossa análise não pode ser outra senão La Caravana de la Victoria (Figura 1), realizada por Korda em 8 de Janeiro de 1959, em Havana. Quando a Revolução triunfou em 1º de Janeiro de 1959, Fidel Castro se encontrava no comando das tropas da região

68 SCHARF, Aaron. Arte y fotografía. Madrid: Alianza Forma, 1994. Pág. 90. No original: ―La imagen fotográfica como institución de museo oscila siempre entre el documento el monumento y toda imagem fotográfica es, al mismo tiempo, signo informacional (índice iconico) y obra de arte (buena o mala), o sea, es, simultaneamente, el registro de lo ―real‖ y sua figuración.‖ 69 FOUCAULT, Michel. Apud OMAR, Arthur. Antropologia da face gloriosa. São Paulo: Cosac & Naify, 1997. Pág. 76. 70 BRIL, Stefania. Apud BARDI, Pietro Maria. Em torno da fotografia no Brasil. São Paulo: Banco Sudameris Brasil, 1987. Pág. 34. 32

oriental, na província de Santiago de Cuba. Logo depois de terem sido tomadas as primeiras medidas sob a diretriz do novo governo, Fidel Castro iniciaria uma viagem, que duraria oito dias, com destino à capital da Ilha. A viagem seria demorada e a comitiva se deteria para comemorar e definir sua posição no poder, nas mais importantes cidades do país. A Caravana só chegaria a Havana no dia 8 de Janeiro. Esta foto mostra a entrada de Fidel Castro e suas tropas na cidade, logo depois de reunir-se com Camilo Cienfuegos, a terceira figura mais importante da Revolução, junto com Castro e Guevara. Camilo, também protagonista nesta imagem, será conhecido como homem do povo na história de Cuba, pois, dos líderes, era o único de origem humilde. A fotografia reflete a alegria do momento do triunfo e a relação de camaradagem entre as duas figuras, provocando no espectador uma sensação de familiaridade por meio da comunicação que as mesmas parecem ter. Ao mesmo tempo, é imposta certa distância em relação ao receptor, gerando emoções de respeito e admiração que associamos à força viril dos representados, cujos elementos mais significativos são as armas, prontas para serem usadas. A relação entre ambas as figuras é um apelo ao receptor para se sentir incluído na atmosfera cordial, embora tensa da cena; na verdade há uma grande proximidade do observador, mas uma hierarquização do olhar. Ele é obrigado a admirar a cena de baixo para cima. A obra nos remete ao conceito, definido pela historiografia pós-estruturalista, de 'retratos de conversação'. Ainda que esta definição seja aplicada majoritariamente para o caso de retratos em espaços domésticos, alguns traços da mesma podem ser localizados nesta obra, no sentido em que ela promove a inclusão do espectador, sua intimidade com os fotografados, mas contribui também na construção de um ideal visual que estimula a imitação de posturas e comportamentos entre aqueles a quem a obra vai ser dirigida. ―'Imagens de Conversação', são uma forma de retrato de grupo que representa estas ocasiões para as próprias pessoas que as desfrutaram, como se confirmassem através da arte o valor das mesmas (...) podem incluir os membros de uma família (...) grupos de amigos, extraídos de uma mesma classe social e compartilhando a fácil, mas cortês, intimidade de todas as pessoas de boas maneiras (...). As imagens de conversação deste tipo são potencialmente irrestritas, no sentido em que as mesmas parecem incorporar os representantes ausentes de sua classe, porque se assume que o espectador potencial deve parecer e comportar-se do mesmo modo que eles.‖ (tradução livre). 71

O Podemos associar os ‗conversation pictures‟ com La Caravana de la Victoria através das imagens de Fidel e Camilo de comprometimento e engajamento com o tema, neste caso a ‗política‘.

71 BRLLIANT, Richard: Portraiture. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1991. Pág. 98. No original: ―‗Conversation picture‘, is a form of group portrait to represent these occasions for the very persons who enjoyed them, as if to confirm by their art the value (...) Conversation pictures might include family members (…) group of friends, drawn from the same social class and sharing the easy, but courteous, intimacy of all well-mannered persons (…) Conversation pictures of this type are potentially unrestricted, in the sense that they seem to incorporate the unrepresented class member, because the implied potential spectator is assumed to look and behave, like them.‖ 33

Nessa imagem, assistimos como espectadores à confiança e intimidade entre eles, mas também como amigos cúmplices, que podem compartilhar da alegria. Não há nada a se ocultar: ai se decide o futuro da nação e todos estão juntos pela mesma causa, de forma que o espectador se converte em co- protagonista do futuro que se flagra. Estas imagens contribuem para a formação de uma imagem pública que estimula no receptor a emulação. As obras com as quais nos ocupamos, tal como a Épica toda, de modo geral, podem ser qualificadas dentro da categoria do retrato, fato que, se sopesado dentro da tradição da plástica cubana, poderia nos levar a óbvias associações entre aquelas e a retratística como gênero pictórico. No entanto, se fosse preciso apontar alguma relação entre estas fotografias e a tradição pictórica, esta seria, em nosso entender, mais profunda quando comparada com a pintura histórica. A tradição da pintura histórica desenvolvida no século XIX em Cuba desempenha um papel fundamental não só dentro dos padrões puramente artísticos, mas na conformação do ideal patriótico da nação. Lembremos obras como La Primera Misa, El Primer cabildo (1826) e La inauguración del Templete (1828),72 ainda que muito próximas às realizadas em outros países, como no caso do próprio Brasil, são fundamentais dentro do contexto cubano. Em Cuba, o desenvolvimento da pintura histórica, coincide temporalmente com a difusão das idéias da ilustração, que levarão ao nascimento de uma consciência nacional e que terá como resultado posterior os ideais de independência. As obras de Corrales e Korda apontam, a nosso ver, para perspectivas similares às dos pintores do século XIX. Trata-se de construir uma memória coletiva apelando para uma iconicidade que se estabelece no imaginário cubano no século anterior. Nesse processo, voltam a ser resgatados conceitos como unidade, orgulho nacional e igualdade, agora num patamar muito superior, cujo segredo descansa na massificação. É válido lembrar que no caso de Cuba, acontecimentos como a proclamação da República e a independência do sistema colonial não causaram, diferentemente de outras nações, grande impacto de júbilo a nível social. Os habitantes da Ilha verão truncados seus sentimentos de orgulho e congratulação a partir da intervenção dos Estados Unidos na chamada Guerra Necesaria, conhecida mundialmente como Guerra Hispano-Americana. Tal intervenção terá como conseqüência o nascimento de uma república, marcada pela imposição da Emenda Platt em sua constituição.

72 Juan Bautista Vermay de Beaumé, pintor francês fundador da Academia de San Alejandro (1784-1833) e discípulo de Jacques-Louis David. 34

Figura 1: Alberto Díaz Gutiérrez (Korda). La Caravana de la Victoria, 8 de Janeiro de 1959. Cuba.

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O discurso político levado adiante pelos principais representantes da revolução terá como principal objetivo, mesmo antes da vitória de 1959, a coesão das massas com o novo projeto político. O mecanismo principal para alcançar esse objetivo esteve ligado ao apelo a uma visão da Revolução, como conseqüência direita da gesta libertária iniciada em 1868, data do início da Guerra de Independência. As palavras pronunciadas por Fidel Castro, na declaração de sua autodefesa em 1953, conhecida como La historia me absolverá, em que assinala José Martí, Apóstol dos ideais independentistas, como o autor intelectual do assalto ao Cuartel Moncada, delito do qual ele estava sendo julgado, constatam este fato. As imagens de Korda e Corrales se convertem então, diferentemente do caso do século XIX, na testa de ferro de um ideal em construção, mais que de uma aspiração, numa prova de sua consecução. Estas imagens apelam ao valor documental da fotografia no imaginário social - eis aí o caráter imediato da fotografia jornalística e sua capacidade de comunicação.

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Figura 2: Alberto Díaz Gutierrez (Korda). Entrada de la Caballeria en La Habana, 26 de Julho de 1959. Cuba.

Figura 3: Anônimo. Sem título. (Carga al Machete, enfrentamento dos soldados cubanos na Guerra de Independência contra a Espanha). 18??. Cuba.

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Figura 4: Raúl Corrales. La Caballeria, 26 de Julho de 1959. Cuba.

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Em 26 de julho de 1959, aniversário do Moncada e nova festa nacional, Fidel Castro convidará os guajiros de toda a Ilha para entrar em Havana. Este fato, uma tentativa de unificar o povo sob o novo governo outorgando espaço a todas as classes sociais, tem um caráter simbólico, podendo ser considerado como uma espécie de desagravo à memória coletiva da nação, que remonta, em nosso entender, a uma página muito anterior da história de Cuba. A guerra de independência colonial cubana esteve dividida em dois períodos, o primeiro durará 10 anos e inicia-se em 1868, enquanto a segunda etapa da contenda está marcada em 1895. Logo após ter lutado durante anos pela independência da Ilha, o exército interventor norte- americano impedirá a entrada na cidade de Santiago de Cuba das tropas mambisas, nome pelo qual era conhecido o Ejército Libertador cubano. A humilhação das forças cubanas, formadas em sua grande maioria por camponeses e negros livres, culminará com a desintegração do Ejército nos dias posteriores à rendição espanhola, sem honra, nem glória. A figura do guajiro, termo proveniente de uma voz Arauac, não é outra que a figura do mambí, ou seja, do insurreto cubano que toma as armas em busca da independência de sua nação, emerge já no imaginário do século XIX. O guajiro representará, dentro da cultura e da história de Cuba, não só as ânsias libertárias, mas será também a encarnação das idéias mais avançadas da época. Nele se resumem os ideais de igualdade que reunirão os terratenentes ricos e instruídos, o camponês honrado e sem poses, ombro à ombro com os escravos recém libertados, e as mulheres, que também serão bem-vindas, todos legítimos filhos da terra, na luta pelos direitos de todos. Daí a importância da entrada simbólica dos camponeses em Havana. ―Eles chegaram aos milhares, com seus chapéus de fibra de palma e os facões à cintura [se refere ao Machete, a arma tradicional dos mambises]. Camilo Cienfuegos, o Chefe do Estado Maior do Exercito Rebelde, tomou a dianteira dos cavaleiros. Com seu sorriso e jeito de Jesus bem-humorado, tornar-se, rapidamente, o preferido dos havaneses. Depois de Fidel, era o mais popular.‖ 73

A associação das obras de Korda e Corrales com aquelas realizadas no século anterior, assim como com os acontecimentos que geraram as mesmas, nos parece direita e pertinente, levando em conta as idéias do projeto revolucionário. Estará presente no programa da Revolução, a partir de 1953, a urgência de uma reforma agrária e o direito dos camponeses em ocupar um lugar de destaque junto aos trabalhadores no destino da nação. No nosso entender, tanto o convite factual, quanto as imagens, podem ser interpretados como um apelo à memória coletiva. O resultado é uma leitura nas entrelinhas

73 LOVINY, Christophe e Silvertri-Lévy, Alessandra. (2004). Op. Cit. Pág. 64. 39

do discurso revolucionário, em sua defesa da luta pela independência como sendo uma só, e da autodenominação da geração guerrilheira como a geração do centenário, em referência aos cem anos do nascimento de José Martí, o supracitado autor intelectual do assalto ao quartel Moncada. As cavalarias de Korda e Corrales, ainda que verídicas, guardam um quê da poética de encenação, podendo ser entendidas como um tipo de eslabão perdido apelando à memória patriótica do povo cubano. No entanto, ambas as obras possuem a capacidade de abranger satisfatoriamente num mesmo tempo dois públicos, completamente distintos: de uma parte, o povo cubano, e, de outra, a opinião pública internacional chegando como um sopro de esperança nos diferentes hemisférios. Neste sentido, resulta fundamental o enfoque sempre inclusivo das obras, das quais o receptor também é protagonista, dono do passado, presente, e o que é mais importante ainda, do futuro que elas representam. Estas imagens geram no público a sensação de tocar com os dedos a história.

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A imagem do lampião, El Quijote de la farola (Figura 5) é sem duvida uma imagem de sorte, o flagrante conseguido pelo fotógrafo que, armado de sua câmera, sai disposto a caçar. O suplemento verbal traduz o caráter do artista e revela um pouco de sua poética, nessa maravilhosa associação entre lampião e cavalo, um Rocinante sobre o qual se pode combater moinhos. A obra revela também a postura do fotógrafo perante os eventos, suas impressões e o deslumbramento de quem, como em espírito de graça, se depara fazendo parte da história. ―A tese do momento decisivo pressupõe não só o fotógrafo aberto para o acaso da imagem, porque aberto para a certeza da criação artística e seus cânones. Ela pressupõe também que o espetador da fotografia veja com a mesma liberdade a fotografia resultante.‖ 74 O Quixote do lampião é um flagrante. No entanto, nesse surto de sorte, o artista define como enxerga o povo. Não se trata de mostrar a excentricidade de um homem no meio da multidão, trata-se, melhor, da multidão toda através dessa figura do povo, do país, da pátria toda, vista como um Quixote que com a valentia de um alucinado luta contra uma fortaleza e cuja fragilidade pode resultar ridícula, no entanto, enfrenta-se de peito aberto os moinhos e gigantes. O nome da peça combina humor e ironia com a mais profunda visão romântica, de quem, ainda com dúvidas sobre a vitória, persegue apaixonado um sonho. Há um fato significativo ao nos aproximarmos da história da fotografia cubana: é que, apesar de contar com profissionais e amadores do meio, desde uma data tão próxima à sua invenção como 1841 (da qual data a primeira imagem realizada na Ilha), as imagens das tropas mambisas conservadas nos acervos fotográficos são sumamente escassas. A imagem do mambí cubano terá melhores retratos nas letras dos historiadores do que na plástica do XIX, onde as pinturas, litografias e fotografias inspiradas nesta figura histórica resultam tristemente raras, muito provavelmente devido ao sigilo necessário numa contenda desta natureza.

74 SOUZA Martins, José de. ―A imagem incomum: a fotografia dos atos de fé no Brasil‖ in Estudos avançados, Vol. 16, número 45, Maio/agosto. 2002. Pág. 160. 41

Figura 5: Alberto Díaz Gutiérrez (Korda). El Quijote de la Farola, 26 de Julio de 1959. Cuba.

Figura 6: Anônimo. Sem título (Soldado Mambí). 18??. Cuba. 42

As fotografias que foram feitas durante a guerra de independência, com as quais o grande público tem maior familiaridade, só registram as faces dos mais importantes líderes da gesta. Por sua vez, as imagens de grupos, cujo número é extremamente reduzido, revelam certo caráter teatral que delata a tentativa do fotógrafo de dar solenidade ao caos cotidiano de um acampamento improvisado no meio da floresta. Neste sentido, são fundamentais os acervos pessoais das famílias cujos antepassados participaram da Guerra de Independência; ironicamente, grande parte delas emigrará para os Estados Unidos. Ao que devemos acrescentar um fato fundamental dentro da produção fotográfica deste período: os principais jornais norte-americanos mandaram fotógrafos para documentar a guerra a estes repórteres que devemos algumas das melhores imagens dos mambises. O registro dos acampamentos mambises, suas vestimentas, métodos de luta e alguns dos mais transcendentais fatos acontecidos durante estes anos, foram documentados pelos fotógrafos. Grande parte destas imagens pertencentes a fotógrafos cubanos e estrangeiros se encontra hoje, na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. ―Entre os repórteres fotográficos que cobriram a Guerra-Hispano-Americana podem destacar-se James Henry Hare (Collier's e New York Journal), James Burton e F. Pagliuchi (Harper's), John C. Hemment (Leslie's) e William Randolph (World). Hare, provavelmente, foi o mais famoso de entre eles.‖ 75 Embora escassas, as imagens deste período conservadas na Ilha revelam uma iconografia que é parte da memória nacional, do cotidiano cultural do povo cubano, que as incorporou a seu universo por meio dos relatos, tanto verbais quanto escritos. O olhar do Quixote tem um pouco dessa aura da qual falara Walter Benjamin, aquela mesma que os grandes mestres conseguiram captar em seus modelos, cujos olhos vagam entre a multidão com a calma de quem enxerga o futuro e conhece todas as respostas, enquanto fuma um cigarro da altura de seu cavalo-lampião. Novamente aparecem as alusões ao passado, onde a história da pátria se revela no chapéu do Quixote, um símbolo inequívoco dos mambises pela forma em que a asa se dobra na frente para deixar o rosto descoberto, com a bandeira bem em cima da testa.

75 SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. Pág. 46. 43

A primeira viagem de Fidel Castro como Primeiro Ministro da República de Cuba, depois da tomada do poder, será para a cidade de Caracas, capital da Venezuela, em 23 de fevereiro de 1959. Ambos os fotógrafos Raúl Corrales e Alberto Díaz Korda formaram parte da comitiva que acompanhou o líder na viagem. As duas primeiras obras (Figuras 7e 8) formam parte das muitas imagens captadas por Raúl Corrales como documentação desta visita. O artista flagra dois soldados da comitiva durante um merecido descanso. Os nomes das peças e os referentes escolhidos, além de direcionar nossa leitura das mesmas, corroboram a intenção do artista de construir uma poética pessoal, que condiz com a sensibilidade de quem conhece o poder da imagem e os mistérios de sua força comunicacional. O artista estabelece um diálogo entre fotografia e pintura, em que a segunda representa o objeto do desejo no universo da inconsciência; um jogo com a realidade, em que a fotografia torna possível, tal como advogavam os surrealistas, a captação do inconsciente. O fotógrafo nos convida a penetrar no mundo dos sonhos. Com extremo cuidado no enquadramento e na composição, Corrales nos apresenta alusões poéticas e sutis, através das quais subjaz, também, o discurso político. A primeira obra, La pesadilla (―o pesadelo‖ – Figura 7), nos leva a um surrealismo não prazeroso. Nela, o discurso político se faz muito evidente. Se na segunda imagem o soldado descansa deitado, no conforto, ainda que improvisado, após o cumprimento de seu dever, em La pesadilla o sono chega ao soldado sentado, sugerindo a idéia de tratar-se de uma soneca breve, possivelmente fora de hora. A figura está adormecida num sofá, justo embaixo de um quadro pendurado na parede, onde está representado um homem, em meio a um campo deserto, que leva um capuz sobre a cabeça, um indício de sua cegueira e perplexidade. A paisagem está despojada de grama ou arbustos, uma terra infértil e gretada sob um céu nublado. A figura da pintura alude possivelmente a um camponês, e suas roupas rasgadas, juntamente com seus pés descalços confirmam esta idéia, enquanto os braços e pernas abertas da figura, no centro da composição, reafirmam no espectador a sensação de desorientação e desamparo da mesma. Identificamos então a imagem da pintura com o pesadelo do soldado, que tem combatido pelos direitos dos despossuídos, cujos motivos de luta o assaltam durante o sono. A pintura ganha outro significado através da fotografia, converte-se nas batalhas ainda por enfrentar. O pesadelo terminará assim que o soldado acordar, mas ficará em sua lembrança como recordação dos motivos pelos quais ele usa a farda, cuja luta representa justamente a superação do pesadelo.

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Figura 7: Raúl Corrales. La pesadilla. Caracas, 1959. Venezuela.

Figura 8: Raúl Corrales. El sueño. Caracas, 1959. Venezuela.

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A segunda obra, El sueño (―o sonho‖ – Figura 8), comporta uma alusão evidente ao erotismo, que se compõe através de vários detalhes, cujas sutilezas são menos evidentes. Temos em primeiro lugar a pintura, um nu parcial feminino, onde a figura encara o espectador enquanto, num gesto sensual, levanta o braço direito, oferecendo um de seus seios, cujo mamilo coincide justamente com o centro da composição. A figura do soldado deitado acusa um completo abandono, e, se a dama da pintura se oferece adiantando seu seio ao espectador, o homem deitado aguarda a oferta, numa postura de total abandono, com os braços curiosamente levantados, em postura similar àquela da moça. Os corpos tomam direções distintas, um convidativo, o outro em espera, ele com os olhos fechados sonhando-a, ela com os olhos abertos seduzindo-o. Apercebemo-nos então do boné do soldado, que segundo o costume militar, repousa na região pubiana durante o sono, sugerindo sutilmente o ocultar de uma possível ereção. A arma do soldado é o próximo ponto a reclamar nossa atenção na composição, uma arma de alto calibre apoiada sobre um pequeno armário atrás do corpo do soldado, mas sobressaindo do mesmo, justo embaixo de onde descansa a pintura, pendurada na parede. A arma se converte num falo que se aproxima, na nossa imaginação, ao lugar onde se localizaria o sexo feminino, se a modelo tivesse sido retratada de corpo inteiro. A obra representa um jogo erótico no qual não apenas as figuras, a pintada e a real, intervêm, de forma que a elas se somam as formas dos elementos que compõem a cena. A beleza única do momento tem sido captada com um nível de detalhe e perfeição tal que nos traz a suspeita do arranjo por parte do fotógrafo. Ela, seminua e envolvida em panos que a acolhem, insinuando a calidez do sexo, enquanto ele, vestido de farda, está à espera da recompensa merecida para quem vai à luta. Este diálogo entre pintura e fotografia instaura uma visão da figura da mulher muito diferente do que, como veremos posteriormente, será construída pelos próprios fotógrafos. A pintura pode, neste sentido, ser interpretada como uma representação aburguesada do universo feminino, onde a mulher se define a partir do corpo, um simples troféu carnal para o soldado que tem seu dever cumprido.

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Figura 9: Alberto Díaz Gutierrez (Korda). Miliciana. 1° de Maio de 1963. Cuba.

Figura 10: Anônimo. Mambisa cubana, na Guerra de Independência. 18??. Cuba.

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Miliciana (Figura 9), obra realizada por Alberto Korda em 1º de Maio de 1963, durante os desfiles comemorativos do dia dos trabalhadores, representa uma face muito diferente da mulher. Se na obra de Raúl Corrales, realizada, como já tínhamos mencionado, na Venezuela, a mulher é apenas um retrato pendurado na parede, a obra de Korda propõe um diálogo direto com a realidade. Miliciana é, antes de qualquer coisa, o retrato fotográfico de uma mulher cubana, cuja identidade feminina vai, do troféu do sonho erótico e da imobilidade da pintura, a um lugar ocupado dentro do momento histórico vivido pela nação. Por isso, consideramos pertinente referirmo-nos a outra fotografia, realizada durante a Guerra de Independência, em que se representa também a cubana como soldada (Figura 10), aludindo ao que consideramos ser a construção iconográfica da mulher dentro da história nacional. ―Os retratos são representações, não documentos (...), no entanto, podem ter um sentido documental: a representação de uma pessoa determinada; os detalhes de sua roupa, o cenário, e acessórios; assim como o suplemento verbal que acompanha a mesma, apontando para o nome e idade do representado, podem todos evocar a especificidade de um tempo e lugar particulares. No entanto, como com todo outro documento histórico, é importante equilibrar o que parece ser a representação dos 'fatos' com o modo em que os mesmos fatos foram representados e compreendidos.‖ (tradução livre). 76

Temos diante nós, através do que poderíamos considerar como um intertexto da história, a representação da mulher cubana como sendo aguerrida e capaz de dominar as armas, bela, mas intimidadora, disposta a lutar pelos seus direitos e tão dona de seu futuro quanto os homens. Trata-se de uma construção do retrato que incorpora dentro de si pequenos elementos que aludem à subjetividade das modelos, à representação da força sem perder de vista a feminilidade, a determinação e a valentia, como sendo sempre acompanhadas da beleza. A Miliciana é o novo rosto da mulher cubana, da revolucionária ou, melhor ainda, é seu verdadeiro rosto, aquele que os mambises já tinham percebido e que esteve oculto durante o período de opressão, estando hoje de volta com toda a força pelo que ela representa, isto é, a Revolução. O papel da mulher dentro da Guerra de Independência sempre foi ponderado pelos historiadores cubanos, onde aquelas mãos que bordaram a bandeira com os fios brancos de seus próprios cabelos também tomam parte da luta armada, e seus nomes estão inscritos na história. De fato, os recursos usados pelas mambisas durante a Guerra de Independência serão reciclados pelas guerrilheiras da luta clandestina, com o engenhoso subterfúgio de transportar mensagens secretas dentro das Mariposas (flor nacional de Cuba) presas ao cabelo. Dentre muitas

76 WEST, Shearer: Portraiture. Oxford: Oxford University Press, 2004. Pág. 53. No original: ―Portraits are representations, not documents (…), however, can have a documentary feel: the depiction of a named individual; the details of dress, setting, and props; and labeling of the sitter‘s name and ages, can all evoke the specificity of a particular time and place. However, as with any historical documents, it is important to balance what seems to be the presentation of ‗facts‘ with the ways those facts were represented and understood.‖ 48

outras, estas serão as ligações estabelecidas no discurso do novo governo, como prova de sua relação com o passado histórico, em apelo à consciência nacional no intuito de conquistar o apoio da população. Enquanto a mambisa posa para a câmara, e em seus lábios se insinua um sorriso, a miliciana forma parte de um desfile oficial, e seu rosto transmite a solenidade do momento. Ambas vestem suas fardas e seguram suas armas, demonstrando sua força e o poder de controle sobre as mesmas. Ambas cobrem suas cabeças, uma com o chapéu distintivo do Exercito Libertador, na frente da bandeira cubana, outra com a boina preta das Milicias de Tropas Territoriales. Ambas dotadas da beleza discreta da mulher real, diferente dos idealizados devaneios eróticos do pintor. O cabelo comprido reafirma a feminilidade das duas, e enquanto, de um lado, a mulher do século XX o leva prendido nas costas, a do XIX o mostra solto e volumoso, de outro, a do passado está de saia como mostra de seu tempo, e a do presente está de cara ao sol à espera das vozes de comando. Se presente e passado inscrevem seus rostos na história, ambas olham para o futuro, confiantes de seu valor como mulheres dispostas para a luta. O jogo estabelecido por Raúl Corrales entre a fotografia e a pintura resulta muito mais interessante, se entrelaçado com o resultado do retrato fotográfico de seu contemporâneo Korda. Voltam a vir à tona velhas rivalidades: se a pintura é o produto do sonho, só a câmara é capaz de captar a realidade. Mas, curiosamente, nessa persecução do real, o passado se revela ao menos em parte, na parte que é 'importante' destacar, e assim aparece a mambisa, a 'verdadeira mulher cubana', possuidora, junto de sua beleza, dos mais altos valores da nação.

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O título da obra, La banda del nuevo ritmo: Tumbadora (Figura 11), traz um leve tom de ironia que provoca em nós a lembrança de um ditado popular que, parafraseado, seria algo assim como é preciso sempre 'dançar ao som que a banda toca'. Dito de outro modo, é imprescindível se adaptar às novas circunstâncias que impõe um novo regente da banda, entenda-se, o novo detentor do poder. O primeiro elemento que salta à vista nesta imagem é a inusual composição e o enquadramento da fotografia. Em muito poucas ocasiões um fotógrafo profissional mutila a cabeça de seu modelo, e quando isto acontece com um fotojornalista da experiência de Raúl Corrales, vale a pena nos determos neste ponto. Digamos então que, diferentemente da maneira costumeira, o artista elegeu, para nos apresentar o seu personagem, um close-up de suas mãos, mãos de homem negro, que descansam sobre um instrumento de percussão. Uma das principais pautas do Programa da Revolução, estabelecido no livro La historia me absolverá, mencionado anteriormente, foi a exigência de igualdade de direitos para todos os cubanos sem diferença de raça. A bandeira da luta contra a discriminação racial foi levantada pelos revolucionários desde o início de sua organização. Como já tinha sido colocado, o novo governo queria ser entendido como uma conseqüência das lutas históricas travadas pelo povo cubano; dentre elas, a liberdade dos escravos foi o primeiro passo dado pelos independentistas em 1968. O papel do negro na gesta libertária será ponderado no discurso igualitarista da Revolução, que advogava a criação de uma consciência da mestiçagem da nação. Uma das estratégias desenvolvidas para a realização deste objetivo foi o estímulo às práticas culturais de tradição africana, com a intenção de conferir legitimidade às mesmas, colocando-as no mesmo nível de importância que as práticas culturais de raízes espanholas. Tais idéias serão levadas a cabo com a criação de espaços culturais financiados pelo governo em prol de seu desenvolvimento e sua difusão através dos meios de comunicação de massa, assim como a institucionalização do ensino e da pesquisa teórica, que terão como posterior resultado a fundação das Casas da África e do Caribe, nas cidades de Havana e Santiago de Cuba. A música, dentre todas as manifestações artísticas, terá sempre um lugar de destaque entre estes projetos. No entanto, o protagonismo das mãos de um artista no desempenho de seu instrumento, ou na insinuação do mesmo, não é, por assim dizer, algo novo na fotografia. Além disso, se fosse essa a intenção do fotógrafo, uma perspectiva diferente teria resultado, talvez, muito mais satisfatória. As imagens deste tipo, em geral, se caracterizam por incluir tanto as mãos quanto o rosto do artista, com a intenção de promover seu reconhecimento por parte do público, ou, de outra forma, podem mostrar unicamente suas mãos, revelando maior plasticidade pela beleza de suas formas. No caso da obra La

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Figura 12: Anônimo. Sem título (Soldados mambises). 18??. Cuba.

Figura 11: Raúl Corrales. La banda del nuevo ritmo: tumbadora. Villa Clara, 1962. Cuba.

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banda del nuevo ritmo: tumbadora (Figura 11), de Corrales, não é possível reconhecer nenhum destes enfoques, o que nos leva a recolocar as interrogações em relação à seleção do motivo. Chegamos assim à conclusão de que o artista não se interessa só pelas mãos, pela cor delas, ou pelo instrumento que as mesmas são capazes de interpretar, mas pela somatória destes e outros elementos que também formam parte da composição. Assim, a camiseta suja de homem trabalhador com as mangas dobradas até os cotovelos deixa à mostra não só as mãos, mas os braços negros e fortes, produto de uma herança da qual se orgulha a nação. A arma, tão pronta quanto à conga (tumbadora), enfrenta o espectador com determinação, uma união que diz respeito a nosso protagonista, e porque não, ao povo a que pertence, tão capaz de fazer arte quanto de ir à guerra. A boca da arma e o nome da obra se revelam assim como advertência, uma ameaça para quem não saiba dançar o 'novo ritmo' dos revolucionários. Entendemos, então, o porquê da ausência do rosto do soldado, cujo cinto de farda uma vista aguçada pode reconhecer. Ele é só uma representação de tantos outros, e a união de todos eles é imprescindível para que a banda toque.

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O papel do retrato na construção da figura do líder político é tão antigo quanto à própria representação do homem mesmo. Inúmeros são os exemplos através da história na qual imagem e poder se fundem através das mãos de um artista. Estes vão de Apeles, o Grego, junto ao Grande Alexandre, até chegar à figura do pintor de Realeza ou de Corte, em meio às quais, entre Velásquez, Goya e Rubens, inscrevem-se tantos outros grandes pintores. O fim do absolutismo monárquico não significará a morte dos grandes retratos de governantes, entre os quais Napoleão e Jacques Louis David compõem uma página importante da história da arte. ―Embora os retratos tenham desempenhado uma função ideológica ao permitir que as figuras com autoridade política comunicassem imagens particulares de si mesmas, houve muito poucos que usaram o retrato sistematicamente para perpetuar uma imagem particular de sua liderança. A mais clara exceção disto foi Adolf Hitler, que encomendou muitos retratos acadêmicos idealizados de si mesmo anunciando as palavras do Nacional Socialismo na Alemanha durante os anos 1930. Os retratos de Hitler eram feitos com a pretensão de inspirar sentimentos patrióticos e chauvinistas nos alemães, assim como para incitar pelo ditador um culto ao herói, e ligá- lo a sua própria missão de supremacia Ariana. Os retratos de Hitler foram explicitamente promovidos pelo ministério de propaganda encabeçado por Joseph Goebbels.‖ (tradução livre). 77

No entanto, podemos dizer que o descobrimento da fotografia pauta, em grande medida, uma ruptura na relação entre o líder político e o pintor. O papel do pintor real, que coincide, na maioria dos casos, com o pintor dos 'retratos de estado', se verá mudado em prol do fotógrafo pessoal. Sem dúvida, a primeira grande figura histórica a se aperceber das possibilidades da fotografia neste tipo de imagem foi o Imperador Dom Pedro II, que com 14 anos de idade viu-se seduzido pelos mistérios da câmera, convertendo-se em um dos mais fiéis defensores do aparelho. ―Em 1851, o Imperador atribui o título de "Photographo da Casa Imperial" aos retratistas LOUIS BUVELOT e PRAT. É a primeira vez que um soberano concede uma honraria a um fotógrafo! Entre 1851 a 1889, ele concedeu esse título a mais de duas dezenas de fotógrafos (...). ‖78 A família Real inglesa também honrará, no século seguinte, os novos tempos da fotografia, nomeando Cecil Beaton, em 1937, como Fotógrafo Real. A revolução cubana parece ter encontrado na Épica fotográfica, como já foi mencionado, um meio bastante eficiente de comunicação com as massas, o que significa, também, a idoneidade da

77 WEST, Shearer. (2004).Op. Cit. Pág. 68. No original: ―Although portraits served an ideological function by enabling figures of political authority to communicate particular kinds of images of themselves, there were very few who used portraiture systematically to perpetuate a particular image of their leadership. The clearest exception to this was Adolph Hitler, who commissioned many idealized academic portraits of himself delivering the word of National Socialism in Germany during the 1930. The portrait‘s of Hitler where intended to inspire patriotic and chauvinistic feelings in Germans, as well as to incite hero worship of the dictator, and link him with his own mission of Aryan supremacy. Portraits of Hitler where explicitly promoted by the propaganda ministry headed by Joseph Goebbels.‖ 78 VASQUEZ, Pedro. Dom Pedro II e a fotografia: Historia da Fotografia no Brasil. São Paulo: Index, 1985. Pág.23. 53

mesma para com a representação dos grandes líderes do processo revolucionário. A construção de tais figuras não só no campo imagético, mas também no da subjetividade, deve muito à fotografia. O povo cubano terá seu primeiro contato com os futuros líderes não através das imagens, mas através do som. Assim, o Ejército Rebelde terá a audácia de criar, no acampamento guerrilheiro de Altos de Conrado na Sierra Maestra, a emissora Rádio Rebelde. A idéia de Ernesto Guevara permitirá que os revolucionários, a partir de 24 de fevereiro de 1958, mantenham o povo informado, através das ondas de rádio, sobre os acontecimentos da luta, assim como lhes permite pronunciar discursos, direcionados a ganhar a confiança e solidariedade das massas, e promulgar suas doutrinas políticas. Daí, a importância fundamental de difundir a imagem daquelas pessoas logo após o triunfo revolucionário, já que, durante a ditadura de Batista, imagens deste tipo serão excluídas da imprensa. Dar a conhecer seus rostos para as multidões ganha o caráter de urgência. Estas imagens significaram a união da palavra, da voz e do discurso, com a fisionomia dos líderes.

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Figura 13: Alberto Díaz Gutiérrez (Korda). Sem título. 16 de Abril de 1961. Cuba.

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Figura 14: Raúl Corrales. Primera Declaración de La Habana. 2 de setembro de 1960. Cuba.

Figura 15: Nota cubana de 10 pesos.

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Figura 16: Alberto Díaz (Korda). Guerrillero Heróico. 5 de Março de 1960.Cuba.

Figura 17: Nota de 3 pesos cubanos.

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Figura 18: Alberto Díaz (Korda). Comandante en Jefe Ordene. Sierra Maestra, 1962. Cuba.

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A obra Primera Declaración de la Habana (Figura 14) foi realizada por Raúl Corrales em 2 de setembro na Plaza de la Revolución José Martí, durante o discurso homônimo de Fidel Castro. Este discurso marca uma radicalização da postura do novo governo, em prol de uma política nacionalista, sempre alerta aos possíveis ataques contra a soberania nacional. Será a resposta do governo revolucionário à censura da OEA em São José, na Costa Rica, às intenções de Cuba de estabelecer relações com a União Soviética. A obra representada na (Figura 13), também de Raúl Corrales, foi realizada em 16 de abril de 1961, durante o discurso pronunciado por Fidel Castro aos milicianos pela defesa da pátria, logo após a invasão de tropas inimigas pela Bahía de Cochinos. Neste mesmo dia, será pronunciado o discurso conhecido como Segunda Declaración de La Habana, data histórica em que Fidel declara, tanto para o povo cubano, como para o mundo o caráter socialista da revolução. A obra Guerrillero Heróico (Figura 16), hoje arqui-conhecida, corresponde ao discurso pronunciado por Fidel Castro no dia 5 de março, em comemoração às exéquias das vitimas da explosão do barco La Coubre, cargueiro portador de 76 toneladas de munições belgas, compradas por Cuba. Em seu enérgico discurso, o líder cubano, carregando granadas nas mãos, atribuiu o atentado aos agentes da CIA. Ernesto Guevara, presente no palanque, é imortalizado por Korda79 enquanto contempla com o rosto enxuto a multidão. A imagem só será conhecida após a morte de Che na Bolívia, em 1967, pelas mãos do publicitário Giangiacomo Feltrinelli que, por sua vez, a obtivera do próprio Korda, em resposta a um pedido de Fidel Castro. A imagem, que não foi selecionada pelo editor do jornal no dia de sua realização, só sairá à luz na Ilha após ser publicada em enormes cartazes na Itália. Comandante en Jefe Ordene (Figura 18), alude à viagem de recordação realizada por Fidel Castro a Sierra Maestra, cenário da luta guerrilheira. A viagem contará com a presença do fotógrafo Alberto Korda, a pedido do próprio Fidel Castro, na qualidade de fotojornalista encarregado da documentação da mesma. Todas estas imagens, têm em comum o objetivo inicial de serem divulgadas pela imprensa e pelas principais publicações periódicas, como a Revista Bohemia, mas prontamente seus veículos de propaganda se veriam incrementados em proporções enormes. A necessidade de abranger o maior número possível de público e se impor como o novo imaginário da Ilha fará com que todas elas passem rapidamente a ser colocadas em lugares públicos, assim como em todos os locais relacionados com o governo. As ambições da nova política governamental alcançarão todos os setores, tanto produtivos,

79 A imagem de Korda foi publicada no Brasil em 1967. 59

quanto comerciais, médicos e educacionais, o que determinará que todos os espaços, com a única exceção do doméstico, sejam locais ideais para a divulgação das mesmas, ainda que ambos os autores contemplem a migração de suas obras para o espaço privado, pela qual sua exibição terá a intenção de deixar clara a posição política do morador. Assim, estas imagens atuaram como parte da decoração doméstica, juntamente com as imagens religiosas, os enfeites e os retratos familiares. Um lugar comum na cinematografia que aborda as relações entre o poder político e a sociedade é a representação da mudança de governo por meio da simples troca dos retratos nas paredes dos escritórios de funcionários públicos. No caso de Cuba, as mudanças serão muito mais radicais, pois nunca, nenhum governo anterior teve os rostos de seus líderes reproduzidos em tal escala. Estabelece- se deste modo, numa sorte de culto à personalidade, uma mitificação no limite da 'idolatria dos iconoclastas', como diria W. J. T. Mitchell. ―A denotação de alguém como 'a pessoa que é algo' adota a meta-linguagem do ato social numa identidade definidora que é equivalente em seu valor ao nome da pessoa.‖ (tradução livre).80 O retrato dentro da fotorreportagem terá como objetivo a representação dos detentores do poder, não só em seus aspectos físicos, mas também psicológicos, políticos e ideológicos. A (Figura 15) corresponde à imagem digital de uma nota de 10 pesos, moeda nacional de Cuba, na qual se encontram representadas, através de uma gravura, as fotografias realizadas por Corrales durante o discurso de Fidel Castro conhecido como Primeira Declaração da Havana, e representam, portanto, o poder da obra deste artista no cotidiano cubano, ou seja, seu poder de iconicidade. A (Figura 17) contém a imagem da nota de três pesos cubanos ainda em circulação, mas que está praticamente extinta dentro do território nacional devido ao voraz colecionismo de milhares de turistas que anualmente chegam à Ilha, decididos a possuir a nota, com a mais famosa imagem do Che, feita por Korda em 1960. Muito poucas vezes na história, um fotógrafo teve a possibilidade de ver reconhecido de modo tão evidente seu trabalho em tão diversos espaços, menos ainda no dinheiro de sua própria nação. Estas imagens passaram a ocupar o lugar da propaganda publicitária, inundaram as cidades e povos, e foram pintadas em muros, colocadas nas estradas em grandes cartazes, estampadas em camisetas, selos de correios e finalmente, até passar de mão em mão, gravadas na moeda nacional. Raúl Corrales e Alberto Korda tiveram a oportunidade sui generis de presenciar uma regressão ao irônico passado da fotografia, em que os gravuristas copiavam destas para realizar as obras que seriam publicadas em

80 BRLLIANT, Richard. (1991). Op. Cit. Pág. 90. No original: ―The denotation of someone as ‗the person who is something‘ adopts the metalanguage of the social act in defining identity equivalent in its value to the person‘s name.‖ 60

livros e jornais. Os retoques e agregados, como as bandeiras pendendo dos prédios ao fundo da praça, serão patentes em ambas as impressões, mas o fato de que as imagens das notas remetem às fotografias de ambos os artistas resulta evidente. A repetição contínua das imagens de Korda e Corrales, associado ao seu alto valor estético e à cuidadosa realização, bem como o enquadramento das figuras, em pose sempre de triunfante liderança, funde-se ao discurso político. No entanto, é importante assinalar uma sutil diferença na captação de Fidel Castro como figura política por parte de ambos os fotógrafos. As fotos de Corrales, neste sentido, revelam um ponto de vista que aponta mais para a figura do líder entre o povo, e do povo em sua incorporação à Revolução. A perspectiva de Corrales, em nossa opinião, está mais ligada, portanto, à própria visão transmitida por Castro sobre si mesmo, como no caso do discurso, pronunciado em 1º de Janeiro de 1959 na cidade de Santiago de Cuba, no qual alega não desejar o poder: ―(...) o poder não me interessa, nem penso em ocupá-lo, cuidarei só para que não se frustre o sacrifício de tantos compatriotas, seja lá qual for meu destino posterior... Tenham a certeza de que não estão tratando com um ambicioso nem com um insolente (...)‖ (tradução livre).81 Poder que assumirá mais tarde em resposta ao 'pedido do povo', simplesmente como um acato à decisão das massas, à vontade destas. Korda, por sua vez, nos mostra em Castro a figura admirada, excepcional, o guia capaz de movimentar multidões, o visionário sempre à frente, o modelo a imitar. ―A retratística envolve um encontro ritual consensual que é ao mesmo tempo digno de confiança e de preocupação: o sujeito se submete ao vir-à-ser da interpretação do artista. A história da retratística é uma galeria de poses, uma fileira de tipos e estilos, os quais codificam os pressupostos, preconceitos e aspirações da sociedade. Eu gostaria de acrescentar o envolvimento conivente do artista na fabricação de uma identidade para a representação do eu do próprio sujeito, mesmo no momento da representação.‖ (tradução livre). 82

Outro ponto interessante com respeito à capacidade dessas obras de coadjuvarem na criação de uma imagem idealizada dos representados está no nome nas obras. O retrato de Ernesto Guevara será difundido com o nome de Guerrillero Heróico e o de Fidel Castro na Sierra Maestra, como Comandante em Jefe Ordene. A intencionalidade de ambas as denominações não deixa espaço ao sutil ou ambíguo, pois está tudo dito. Che é o herói morto, o ideal a imitar; Fidel é o líder, a pessoa com a

81 CASTRO, Fidel: Discurso de 1° de Janeiro de 1959, disponível no site: www.cubasolidaridad.com.org/index. No original: ―(...) el poder no me interesa, ni pienso ocuparlo, velaré solo porque no se frustre el sacrificio de tantos compatriotas, sea cual fuere mi destino posterior... Tengan la seguridad de que no están tratando con un ambicioso ni con un insolente (...).‖ 82 ROSENBER, Harold. Art Work and Packages. New York: Daylie American, 1980. Pág. 90. No original: ―Portraiture involves a consensual ritual encounter which is both trusting and wary: the subject submits to the artist‘s interpretation will be. The history of portraiture is e gallery of poses, an array of types and styles, which codifies the assumptions, biases, and aspirations of the society. I would add to the artist‘s collusive involvement in the fabrication of an identity for the subject‘s own representation of self, even at the time of portrayal.‖ 61

claridade de pensamento suficiente para nos guiar, aquele cuja sapiência nós devemos obedecer cegamente porque, mesmo quando não entendemos seus motivos, ele sempre sabe o que é melhor para nós. Quem nomeou tais obras? É um ponto que sem dúvida aviva a curiosidade, mas apesar da incógnita, o fato realmente relevante é que as mesmas foram impressas e passaram para a história de Cuba com esta denominação, consolidando-se dentro da iconografia patriótica da Ilha; ainda mais, lograram impor-se em grande parte do imaginário universal, como a representação, mais do que da fisionomia, da ideologia e do espírito de seus modelos. Estes retratos oferecem a seus modelos uma espécie de imortalidade, eles atuam como souvenires, mas também como estímulos à memória. ―Tais representações tem sido chamadas de ‗retratos de Estado‘, já que elas têm uma função basicamente política. Como diz Marianna Jenkins em seu estudo definitivo sobre o retrato de Estado, ‗o propósito primário não é o retrato de um indivíduo como tal, mas a evocação através de sua imagem daqueles princípios abstratos dos quais ele mantêm-se.‖ 83

Como já foi colocado, em Cuba, as imagens produzidas pelo fotojornalismo, e em especial pelos artistas Raúl Corrales e Alberto Korda, tomam o lugar da fotografia propagandística e da moda, em consonância com a radicalização da política governamental. Pode-se dizer então que a censura destes anos não é o que poderíamos denominar de 'censura direta'. Trata-se, na verdade, de um jogo de oferta e demanda no qual a balança pende a favor do governo, os únicos espaços para a criação pertencem ao fotojornalismo, e só terão voz aqueles que falarem sobre o que é preciso que seja escutado. A necessidade de construir caminhos capazes de dar conta das novas experiências conjunturais estará presente como um problema fundamental para a inventividade fotográfico-comunicativa dos artistas da Épica. O discurso passa do verbo à imagem, uma imagem que caracteriza o rosto e a política do governo. Produz-se o que podemos denominar de 'lavagem histórica', pela qual se resgatam do passado apenas os acontecimentos, ou as idéias, que posam ser utilizadas como sustentáculo do discurso do novo governo. É criado um espaço para cada grupo dentro da sociedade, e se exige o comprometimento com o mesmo. Dialogar através das imagens com a consciência político-social das massas, até então praticamente inexistentes, é o papel dos fotojornalistas. Devemos considerar que não só o discurso do governo revolucionário apela à memória histórica da nação, através da retomada dos ideais das lutas de independência para conseguir a coesão das

83 WEST, Shearer: Portraiture. (2004). Op. Cit. Pág. 72. No original: ―Such depictions have been called ‗state portraits‘, as they serve a largely political function. As Marianna Jenkins put in her definitive study of state portraiture, ‗the primary purpose is not the portrayal of an individual as such, but the evocation through his image of those abstract principles of which he stands‘.‖ 62

massas, mas que a imagem tenha desempenhado um papel fundamental nesse apelo. Estas obras representam a construção imagética do presente, a partir do resgate dos muitos ícones do passado. Pode-se dizer que o discurso direcionou em grande parte a imagem, e que a fusão de ambos construiu a história.

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– Antônio Luiz Benck Vargas e Evandro Teixeira: Lirismo e denúncia – uma poética da memória no fotojornalismo brasileiro.

―A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio mas um tempo saturado de 'agoras'.‖

Walter Benjamin.

As décadas de 60 e 70 representam um período de enfrentamentos sociais dos mais diversos tipos em nível universal. Para o Brasil será um momento de grandes definições, onde o poder da imagem fotográfica toma a dimensão de testa-de-ferro perante o povo e sua memória, a partir da relevância do fotojornalismo como gênero essencial da produção do período, e do desempenho de fotógrafos especializados nesta labor no contexto nacional. Criadores que conseguem, pela primeira vez, desde os primeiros anos da década de 60, o reconhecimento autoral, tanto em nível nacional quanto internacionalmente, e suas obras passam a se inscrever no novo repertório iconográfico da nação na segunda metade do século XX. ―[...] a partir de meados dos anos de 1960 o movimento fotoclubista começou a perder importância social. A principal causa desse declínio foi justamente a ascensão do fotojornalismo que convocou o fotógrafo a participar de uma relação direta e imediata com o mundo, disseminando um tipo de estética com a qual o experimentalismo gratuito e diletante do fotoclubismo não se coadunava. A possibilidade de profissionalização minou as bases fotoclubistas. [...]

―No Rio de Janeiro a Associação Brasileira de Arte Fotográfica (ABAF) organizou em 1961 uma exposição divulgada como a primeira exposição de fotojornalismo do país com trabalhos de fotógrafos do Jornal do Brasil. É representativo que muitos profissionais atuantes no fotojornalismo e na foto-publicidade tenham saído dos bancos dos cursos fotoclubistas...‖ 84

Assim, no 1° de Abril de 1964, os militares darão um novo rumo à história do Brasil. Amparados em 'justificativas' como o 'perigo vermelho' da ameaça comunista representada pela URSS, China e Cuba, e os problemas internos de índole social e econômica, aqueles levam adiante nesta data o Golpe de Estado de 64. Tal fato marcará as pautas para que a fotografia de imprensa no Brasil transite por novos roteiros, fazendo como que o fotojornalismo nacional alcance um novo patamar. Este novo contexto histórico e social servirá como pano de fundo para a ascensão de uma nova geração de fotojornalistas, herdeira das figuras que marcaram as publicações periódicas da década de 40.

84 COSTA, Helouise e RODRIGUES da Silva, Renato. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004. Pág. 80-108. 64

Muitos fotógrafos tiveram destaque neste período, fotojornalistas cujas obras se caracterizam por uma altíssima qualidade estética. Neste sentido, e visando os objetivos e limites específicos da pesquisa, selecionamos dois autores, Evandro Teixeira e Luis Benck Vargas, cujas obras oferecem, segundo nosso critério, um panorama ampliado da produção fotojornalística brasileira das décadas de 60 e 70, pois, como veremos nas próximas páginas, a relevância do gênero no país perpassa os limites dos anos 60. A análise crítico-comparativa de algumas obras destes fotógrafos nos permitirá aproximarmo-nos da conjuntura histórica em que se desenvolvem as mesmas, através da implementação de conceitos como 'momento decisivo' e 'poética da violência'. Poderemos também determinar as características que pautam os resultados estéticos de ambas as obras, como reflexo dos critérios que demarcam no Brasil os padrões de uma renovação do fotojornalismo que emerge a partir da década de 60 no hemisfério Ocidental, e que levará à compreensão desta produção como obras de arte. Evandro Teixeira iniciou sua carreira como fotojornalista no jornal O Diário da Noite, na cidade do Rio de Janeiro, em 1958. Ingressou no Jornal do Brasil em 1963, onde realiza inúmeras coberturas dos mais importantes eventos nacionais e internacionais. Ganhou o Prêmio Sociedade Interamericana de Imprensa (Miami) em 1969; o Concurso Internacional Nikon (Japão) em 1975 e em 1981, assim como o Prêmio Especial UNESCO (World Photo Contest) em 1993. Sua obra tem sido exposta em inúmeras ocasiões tanto em mostra pessoais quanto coletivas. Nesse sentido, cabe destacar sua participação na Primeira Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea em 1978, no Museu de Arte Moderna da Cidade do México, que o levou posteriormente a exibir suas obras em exposições como Venezia/79, La Fotografia, La Photographie Contemporaine en Amérique Latine, no Centre Georges Pompidou em 1982 e no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. De igual modo, a obra de Evandro Teixeira tem sido tema de varias publicações, dentre as quais é valido assinalar: o livro Fotojornalismo (1983), resumo de sua carreira neste gênero, onde aparece o poema dedicado a sua obra, assinado por Carlos Drummond de Andrade, junto aos textos dos escritores Otto Lara Resende e Antonio Callado; o livro Canudos 100 anos (1997) e o documentário de longa-metragem Evandro Teixeira - Instantâneos da Realidade (2004), que acompanha sua trajetória como fotógrafo, que comprovam seu trabalho meritório no contexto nacional; neste sentido, o livro 1968 Destinos, publicado em 2008, desempenha ainda um papel fundamental nesta lista, como veremos posteriormente. Evandro Teixeira continua na ativa até hoje como chefe de fotografia do Jornal do Brasil. Segundo ele,

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―Meu primeiro contato com a fotografia de imprensa aconteceu em 1954, com a revista O Cruzeiro, na época a grande escola de fotojornalistas do Brasil. Era um ensaio sobre as mães de todo o mundo, organizado pelo José Medeiros – que depois seria meu professor – e que me despertou essa paixão definitiva pela fotografia. Eu ainda morava no interior da Bahia e comecei a fazer um jornalzinho no colégio de padres em que estudava.‖ 85

Efetivamente, Teixeira já é um fotógrafo experiente mesmo antes do período da ditadura, e sua perseverança como destemido caçador de imagens lhe abrirá as portas do Jornal do Brasil na condição de fotojornalista profissional, periódico que se converterá numa escola de fotojornalistas e que se diferencia até hoje pela alta qualidade das fotografias em sua publicação. Não é de estranhar, então, que seja este artista quem tenha a possibilidade de fotografar de forma exclusiva um dos momentos históricos que marcam a instauração do poder militar no Brasil, ou seja, a tomada do forte de Copacabana, no Rio de Janeiro (Figura 19). Segundo o próprio Evandro, ―Eu jogava futebol na praia com um capitão do exercito, ai a gente ficou amigo, assim que na madrugada do dia 1° de abril de 1964 quando ele soube que o Coronel Montagna ia para o forte, me ligou para que fosse lá, e eu disse que se me pagassem não falaria que foi ele que me deixou entrar, pois ele podia ser preso. Eu levei minha Leica que é uma câmara pequena e fácil de esconder. Meti ela dentro da camisa e quando cheguei lá, Leno, que era o capitão, falou para que entrasse saudando como um deles. Assim fizemos; na entrada um oficial bateu continência e a gente fez o mesmo, depois dentro me viram tirando fotos, mas acharam que eu era um fotógrafo deles, e antes que a coisa ficasse quente o Leno me fez a senha para que me mandasse, e assim saiu essa foto.‖ 86

Esta imagem, a única publicada sobre o evento na imprensa, ponto de encontro entre a perícia e o golpe de sorte, marcará o caminho para que as obras de Evandro Teixeira se inscrevam entre as mais relevantes produções desta etapa. A imagem apresenta também alguns dos elementos que, de modo geral, caracterizam a obra deste artista, aspectos que marcam todas as obras selecionadas para nossa análise, como é o caso da preferência do fotógrafo pela câmara Leica. ―Em 1925 foi lançada no mercado de aparelhos fotográficos da Europa uma câmara que viria revolucionar a fotografia: a Leica. As inovações que ela trouxe foram inúmeras, a começar pelo seu pequeno formato. Tinha excepcional velocidade, objetivas intercambiáveis e permitia o uso de filmes de 36 poses, além de possibilitar fotos noturnas sem a necessidade do uso de flash. Essa máquina determinou o redimensionamento da fotografia de imprensa: versatilidade e discrição seriam as suas novas características.‖ 87

As fotografias de Evandro Teixeira perseguem uma espécie de elegia da notícia, em uma prova do comprometimento do fotojornalista com seu papel na sociedade, e mesmo que se trate de apenas uma única imagem, existe nela uma narrativa que associamos à linguagem cinematográfica, que aviva nossa curiosidade pela história subjacente entre suas sombras. Esta é nossa primeira reação ante esta obra, e, embora conheçamos seu caráter factual, ela ainda parece nos remeter a um cenário de um

85 TEIXEIRA, Evandro. ―Meu negocio é fotojornalismo.‖ Entrevista concedida em 07/10/2005 à revista Photo- Magazine, disponível em: http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=3416. 86 TEIXEIRA, Evandro. Entrevista concedida à autora em 25 de novembro de 2009. 87 COSTA, Helouise-RODRIGUES da Silva, Renato. (2004). Op. Cit. Pág. 101. 66

tempo muito anterior. Somos conscientes de que a situação tensa do momento histórico pode ter propiciado a oportunidade de captar apenas esta única imagem. Mas mesmo conhecendo e pondo à peso todos os fatores externos que podem ter levado à consecução desse click, podemos estabelecer, através de um olhar mais detido, uma relação que nos transporta muito além do segundo decisivo em que foi capturada a imagem. O resultado estético do preto e branco, uma das características distintivas do fotojornalismo da década de 60, ainda ligado ao fotojornalismo da década de 30, nos confere uma atmosfera de penumbra, em nada convidativa para o espectador. Identificamos na obra elementos que relembram a filmografia que aborda o período da Segunda Guerra Mundial no qual predominam os grandes contrastes de luz e sombra, dada a ausência da iluminação artificial, na procura de uma proximidade maior com a realidade social do período traumático. Digamos que se estabelece uma relação de ―toma lá, dá cá‖ entre ambos os meios, sendo que estas imagens cinematográficas remetem por sua vez às obras dos grandes fotojornalistas que se desenvolvem como repórteres de guerra e que os diretores incorporam ao novo movimento cinematográfico. Assim, ―Salomon será o primeiro em tentar a experiência de fotografar pessoas sem que estas percebam. Tais imagens serão vivas porque carecerão de pose. Assim inventa a fotografia ‗cândida‘, a foto despercebida, tirada ao vivo. Desse modo começa o fotoperiodismo moderno. Já não será a nitidez da imagem a que marcará seu valor, mas seu tema e a emoção que suscitar.‖ (tradução livre). 88

Nossa associação se converte, a partir destas idéias, numa estrada de ida e vinda, pois nada mais natural do que nos aproximarmos de duas artes com ligações tão fortes como a fotografia e o cinema. A obra nos faz pensar no conceito de 'Sociologia do conhecimento visual', 89 desenvolvido por José de Souza Martins, mas tão próximo da leitura iconológica de Erwin Panofsky, ao se referir aos elementos que podem ser extraídos de uma imagem fotográfica a partir de uma análise mais apurada da mesma. Ainda quando nos é impossível distinguir os rostos dos representados, podemos identificar claramente as fardas militares, a atitude vigilante e as armas em meio à chuva que, junto da escuridão da noite captada por um enquadramento à contraluz, proporcionam à cena um ar de frialdade, provocando a rejeição do espetador.

88 FREUND, Gisèle. La fotografia como documento social. Barcelona: Gustavo Gili. 1997. Pág. 103. No original: ―Salomon será el primero en tentar la experiencia de fotografiar a gente sin que esta se dé cuenta. Tales imágenes serán vivas porque carecerán de pose. Así inventa la fotografia ‗cándida‘, la foto desapercibida, sacada a lo vivo. De ese modo comienza el fotoperiodismo moderno. Ya no será la nitidez de la imagen la que marque su valor, sino su tema y la emoción que suscite.‖ 89 Cf. MARTINS, José de Souza. (2002). Op. Cit. Pág. 137. 67

Figura 19: Evandro Teixeira. Sem título. (Tomada do Forte de Copacabana pelo Coronel César Montagna durante o Golpe Militar de 1964, Rio de Janeiro, Brasil.

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No meio da escuridão, a luz, cuja potência não nos permite distinguir de forma precisa o que ocorre no fundo e que, localizada no meio da composição e proveniente de algum lugar do prédio ou provavelmente de um veículo, representa o ponto de tensão da obra. Este ponto de tensão é ainda reforçado pela figura que no terceiro plano parece contemplá-la com ar desorientado. Esse elemento desconhecido que se aproxima em nossa direção é o detonador que coadjuva conjuntamente com o resto dos elementos que identificamos na obra a presença de uma ameaça latente, onde os charcos no chão acidentado refletem a luz e conspiram em uma advertência opressiva dos dias e lágrimas por vir. São as fardas atuando à noite de modo sub-reptício, tomando posse do poder, do país. Um futuro incerto e escuro se aproxima, mas a chuva e a luz cegante em meio à escuridão ainda não nos deixam enxergá-lo com clareza. Assim, seria possível contar, através das fotografias de Evandro Teixeira, os momentos mais críticos e marcantes da ditadura brasileira. ―Fotografia é memória enquanto registro da aparência dos cenários, personagens, objetos, fatos; documentando vivos ou mortos, é sempre memória daquele preciso tema, num dado instante de sua existência/ocorrência. É o assunto ilusoriamente re-tirado de seu contexto espacial e temporal, codificado em forma de imagem. Vestígios de um passado, admiráveis realidades em suspensão, caracterizadas por tempos muito bem demarcados: o de sua gênese e o de sua duração. (...) É memória coletiva nacional, preservada através da documentação fotográfica de seus monumentos, arquitetura, de suas vistas e paisagens urbanas, rurais e naturais, de suas realizações materiais, de sua gente, de seus conflitos e de suas misérias.‖ 90

90 KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o Efêmero e o Perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007. Pág. 132. 69

Uma das páginas mais dolorosas da história da ditadura no Brasil está marcada pela morte do estudante Édson Luiz de Lima Souto, no dia 28 de março de 1968, no Calabouço, restaurante estudantil no Centro do Rio, passando a ser a primeira vitima fatal da ditadura militar.91 Este ato de injustificada violência conferirá uma nova face ao governo brasileiro, mas também determinará um novo rumo para os setores de oposição ao regime, onde não só os estudantes, mas a cidade do Rio de Janeiro e o resto do país ficaram comocionados com a notícia. A partir deste momento a violência passará a ser um recurso explícito para manter o governo no poder, convertendo-se tanto num elemento reiterativo da fotografia através da imprensa, que assumirá uma postura até certo ponto contestatória que terá repercussões durante o período, como, conseqüentemente, num motivo especial para a aguda lente de Evandro Teixeira. ―A Sexta-Feira Sangrenta trará uma nova característica às cenas violentas já presenciadas nos dias anteriores: a adesão popular de forma inusitada (...). No discurso do governo, o ―movimento geral de subversão‖ e, agora também, a grande imprensa, que, ao dar ‗visibilidade‘ às ‗cenas de guerra‘, se torna responsável pela proporção atingida pelos acontecimentos. O poder da ‗imagem‘ é inquestionável: a partir das fotos publicadas pelos jornais, o conflito ‗aparece‘. A população também toma partido, lutando nas ruas contra as forças repressivas.‖ 92

Neste sentido, é valido aclarar que a imprensa no Brasil não pode, como no caso de Cuba, ser generalizada sob um olhar único. Enquanto em Cuba os órgãos de imprensa, tal como todos os meios de comunicação, passam a ser controlados exclusivamente pelo Estado, no Brasil o governo implanta mecanismos de censura e controle impondo a presença de um censor93 em todos os jornais, sendo que no caso do Jornal do Brasil os jornalistas e fotógrafos desenvolvem diferentes mecanismos para driblar estes personagens e fazer com que a notícia chegue à população. Neste sentido, o controle dos censores será muito maior em relação à escrita dos jornalistas, de forma que a imagem despenhará um papel de protagonista. ―Acontecia uma coisa curiosa: o pessoal do texto sofria mais do que a gente, porque para os censores era mais fácil entender – e mutilar – um texto do que ver uma foto numa folha de contato. A gente fazia os contatos meio escuros, assim o censor não conseguia ter uma leitura exata das imagens e acabava deixando passar. No dia seguinte, quando via publicada, é que vinham p... da vida, ameaçando prender, censurar. Aí, tínhamos que sumir por uns dias.‖ 94

91 Para saber mais, cf. RIBEIRO DO VALLE, Maria. 1968: O diálogo é a violência – Movimento estudantil e Ditadura militar no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2008. 92 RIBEIRO DO VALLE, Maria. Idem. Pág. 140. 93 Neste sentido, a dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica de Armando Fávaro ―O fotojornalismo durante o regime militar: imagens de Evandro Teixeira‖ segue sendo de grande interesse, onde o autor analisa o processo de censura na publicação dos jornais, incluindo inclusive fotografias dos censores no desempenho de sua função. 94 TEIXEIRA, Evandro. ―Meu negocio é fotojornalismo.‖ Entrevista concedida em 07/10/2005 à revista Photo- Magazine, disponível em: http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=3416. 70

Estes elementos trazem consigo uma subversão dos padrões do 'regime da verdade' que o governo militar tentara impor no país por meio da censura, expandindo a perspectiva da realidade com imagens que além de reportar fatos, convidam à reflexão ao exigir do espectador uma posicionamento mais crítico. ―Cada sociedade tem seu regime da verdade, sua ‗política geral‘ da verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro.‖ 95

Dentre as numerosas imagens na produção de Evandro Teixeira destes anos que tem a violência como elemento fundamental, existem duas que, de forma particular, têm sido incorporadas à iconografia das lutas sociais no Brasil. Referimo-nos às fotografias realizadas pelo fotojornalista durante a cobertura dos enfrentamentos entre a polícia e os estudantes em 21 de Junho de 1968, marcado na história como a ―Sexta-Feira Sangrenta‖ (Figuras 20 e 21). ―... a polícia massacrou todo mundo sem importar que tinham mulheres, uma delas caiu junto da porta da igreja e o policial passo por cima dela no cavalo, a gente estava num prédio de três andares na frente, quando a polícia percebeu que estávamos batendo fotos lá, começaram a disparar, e a gente teve que sair correndo...‖ 96

―Esse jovem morreu esse dia. Foi uma loucura! A polícia saiu atrás dos estudantes, esse jovem era um estudante de medicina, logo no instante da foto, ele bateu a cabeça, deu um berro enorme e morreu. Eu tive que sair correndo depois disso. A polícia andava com baionetas e ia com elas pra cima de todo mundo sem importar quem você fosse; andavam de cavalo, mas também tinham cachorros...‖ 97

A imagem da Figura 20, tirada de uma altura considerável com uma lente grande angular, oferece uma visão panorâmica dos acontecimentos, inscrevendo-se na perspectiva do fotojornalismo que se preocupa em captar a ação do modo mais eloqüente possível, mais do que com a precisão estética da imagem. Já a segunda imagem (Figura 21), tirada de um ângulo muito próximo, na rua, mostra a perseguição a um estudante por membros da polícia, no centro do Rio de Janeiro. A perícia do fotógrafo e sua agilidade como profissional se revelam na captura da velocidade e da tensão crescentes de ambas as cenas. Na primeira obra as patas dos cavalos mostram o ritmo desbocado dos acontecimentos, em prelúdio à violência por vir, com os estudantes correndo em direção aos muros das construções para proteger-se, enquanto uma grande parte procura refúgio na parede do costado da igreja; o caos

95 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder (organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado). Rio de Janeiro: Graal, 2000 (15ª edição). Pág. 10. 96 TEIXEIRA, Evandro. Entrevista concedida à autora em 25 de novembro de 2009. 97 TEIXEIRA, Evandro. Idem. 71

Figura 20: Evandro Teixeira. Sem título. 21 de Junho de 1968, Rio de Janeiro, Brasil.

Figura 21: Evandro Teixeira. Sexta-Feira Sangrenta. Movimento Estudantil. 21 de Junho de 1968, Rio de Janeiro, Brasil.

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transmitido pelas pessoas correndo em todas as direções na tentativa de escaparem se contrapõe à beleza das linhas sinuosas que enfeitam a calçada carioca que, deserta, é a prova do terror implantado pela cavalaria. Na segunda obra, que foi publicada na primeira página do Jornal do Brasil em 22 de Junho de 1968, a violência já é vivida, próxima e em todo seu detalhe, e aqui o fotógrafo abandona a visão panorâmica colocando-nos diante da figura humana, onde os pés das personagens são captados no ar enquanto os óculos saem disparados de seu rosto e, num milésimo de segundos, aparecem ante o receptor antes de cair irremediavelmente na calçada. As expressões dos rostos dos quatro personagens prescindem de palavras. Os cassetetes nas mãos dos policiais, a mão do segundo uniformizado que se estende como uma garra para impedir a fuga do estudante, a pedra segurada por ele na mão, ainda no alto, em sinal de rebeldia à poucos instantes antes de cair, são sinais contemplados por um transeunte que, inexplicavelmente, em meio ao caos da cena onde todos correm desenfreadamente, se volta para olhar com ar de surpresa a cena. Esta quarta figura revela-se como um elemento de estranhamento na composição, uma testemunha silenciosa e inesperada, como vem a ser a presença de outra geração no meio dos estudantes, uma presença inesperada que atesta uma violência que não pode ser mais ignorada e que reforça o caráter de denúncia da fotografia. Nosso olhar culmina na boca aberta do estudante, nesse grito de liberdade que, depois de 30 anos, ainda pode ser ouvido. ―Para os repórteres fotográficos, a corrente de maior público [...] a arte fotográfica se caracteriza fundamentalmente pela oportunidade do fato escolhido e também a angulação, enquadramento e composição. Oportunidade e composição irão dar à fotografia seu sentido humano, poético ou mesmo caricatural. A esses, evidentemente, o elemento figurativo é essencial e, particularmente, a figura humana.‖ 98

―Toda fotografia resulta de um processo de criação; ao longo desse processo, a imagem é elaborada, construída técnica, cultural, estética e ideologicamente. Trata-se de um sistema que deve ser desmontado para compreendermos como se dá essa elaboração, como, enfim, seus elementos constituintes se articulam.‖ 99

Se for valido dizer que a postura de Evandro Teixeira como fotojornalista profissional parte de uma posição aparentemente neutra, é, no entanto, impossível ignorar na suas obras um ângulo critico que condiz com critérios político-ideológicos em face da violência e da repressão, ou seja, diante dos motivos a partir dos quais as mesmas derivam. ―A gente não podia subir num palanque e ficar gritando a verdade e chamando as coisas pelo seu nome. Mas evidentemente estava contra a ditadura: ser radical não significa que você tem que militar; você pode ser radical de muitas formas, nosso papel era a notícia mostrar a verdade, minha atuação era através das imagens, de mostrar o que estava acontecendo nas ruas, se você era preso ou morto ninguém sabia disso, só através das fotos, as pessoas sumiam e ninguém mais sabia delas.‖ 100

98 COSTA, Helouise e RODRIGUES da Silva, Renato.(2004). Op. Cit. Pág. 64. 99 KOSSOY, Boris. (2007). Op. Cit. Pág. 32. 100 TEIXEIRA, Evandro. Entrevista concedida à autora em 25 de novembro de 2009. 73

Em 26 de Junho de 1968 uma página gloriosa será escrita na história da nação brasileira. A Passeata dos 100 Mil pode, sem dúvida, ser reconhecida como um momento de singular relevância, uma mostra de consciência cívica e de unidade por parte do povo brasileiro, representada pelos milhares de homens e mulheres que tomaram organizadamente as ruas do Rio de Janeiro. A próxima imagem (Figura 22), hoje um ícone estabelecido na memória das lutas pela democracia, foi censurada no dia de sua criação por causa da faixa onde podemos ler os dizeres ―Abaixo a Ditadura / O Povo no Poder‖ Em seu lugar, para mostrar a manifestação ocorrida no centro da cidade, foi publicada a imagem que aparece no topo da página do Jornal do Brasil (Figura 23), na qual as letras das faixas dos manifestantes perdem a nitidez com a distância. A passeata representa um evento pouco ou nunca antes visto na história brasileira, a união civil pelos direitos, a expressão vivida da consciência ideológica que representa a defesa dos direitos da democracia.

―A passeata dos 100 mil, de Evandro Teixeira, é o 1968 definitivo, o ano que não acabou, e que não acaba mais. O resto perdeu a juventude e, com ela, o sentido que as coisas pareciam ter naquele tempo. Só a sua fotografia rejuvenesce. Cada década que passa acrescenta a ela um significado – e vai se remoçando. Anda tão nova, que quem a vê, ultimamente, mal faz idéia de como era preciso focalizar um futuro distante, para fotografar a multidão num negativo de 86 centímetros quadrados, posando para a História, como se estivesse num vasto mural de Diego Rivera... Se, ao contrário dos acontecimentos de 1968, a Passeata dos 100 Mil continua aí na nossa frente, é porque, entre a fração de segundo e a posteridade, ela cruzou com o olho de Evandro Teixeira.‖ 101

A associação da fotografia de Evandro Teixeira com os murais do pintor mexicano Diego Rivera tem sido utilizada em várias ocasiões; se para alguns tal associação pode parecer um tanto exagerada, seu emprego, por outro lado, não é em absoluto gratuito, já que a qualidade desta imagem ultrapassa muito a mera idéia de um conglomerado de pessoas. A imagem da passeata foi realizada por Teixeira, tal como as outras obras que formam parte de nossa análise, com uma câmara Leica sob a luz natural; assim, ela é simplesmente mais uma das tantas que realizou o fotógrafo em sua cobertura deste dia histórico. Mas pensemos a razão desta imagem ter ganhado tanta relevância depois de tanto tempo, isto é, qual é o 'punctum' que a conecta tão fortemente ao espectador de hoje. A imagem é indubitavelmente única: sua qualidade estética, o enquadramento, a perícia do fotógrafo para captar não uma massa compacta e inerte, mas os detalhes da fisionomia de todos os que nela aparecem, de forma que poderíamos considerá-la como um dos melhores retratos coletivos da história da fotografia jornalística. Mas todas essas qualidades estavam presentes no primeiro dia, no próprio dia 26 de Junho quando a imagem foi revelada pelo artista? É certo que ela não veio a ser publicada por causa da

101 SÁ CORRÊA, Marcos. Apud TEIXEIRA, Evandro e ALMEIDA, Adriana. 1968 destinos 2008: Passeata dos 100 mil. Rio Janeiro: Textual, 2007. Pág. 29. 74

censura, mas por que teve que esperar tantos anos para ser ponderada? A foto de Evandro e a foto do Che, realizada por Korda e anteriormente analisada, compartilham o elemento da construção da história, pois são dessas imagens que precisam de um tempo de repouso para ser assimiladas, que, além de seu poder imagético, trazem consigo o poder de reavivar a memória, de reconstruí-la. A obra de Evandro nos confere a possibilidade, como demonstrado pela publicação do livro 1968 Destinos, de revalidar os sentidos que a tornaram possível, dando uma oportunidade ao povo brasileiro de se orgulhar de si mesmo, convertendo-se num tipo de desagravo à lembrança da passeata de 1964 protagonizada pela classe média e conhecida como a Marcha da Família. A foto ainda faz relembrar as utopias que comoveram a humanidade, os grandes ideais pelos quais valia à pena lutar, trazendo de volta um tempo de esperanças em que tudo parecía possível. Se a imagem do Che nos deu ao mundo um herói, logicamente ligado a uma determinada postura política, uma figura mítica capaz de tudo, um guia, a imagem de Teixeira, por outro lado, nos trás milhares deles, e, ultrapassando as fronteiras geográficas, nos orgulha, com o devido toque romântico do passado, dos interesses comuns e do poder da unidade; sua conexão com o espectador é tão grande que, mesmo conhecendo a impossibilidade factual, gostaríamos de ser reconhecidos também entre a multidão. Agora, a obra é apresentada para um século XXI desapontado e sem grandes ideais como um apelo à nostalgia. Ainda que sejamos conscientes de que estamos perante uma idealização do passado, a imagem faz com que vejamos nela um tempo em que lutar pela justiça fazia sentido. A imagem apela ainda a um nacionalismo que se contrapõe à imposição do governo militar que se esconde por trás da idéia de um nacionalismo de defesa, e segundo os depoimentos dos participantes da passeata dos 100 mil, a ―multidão começou a mover-se, cantando o Hino que seria o favorito da esquerda e da luta armada, o da Independência, principalmente a estrofe: „Ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil.‟ O Hino Nacional havia sido apropriado pelos militares.” 102 ―Nesse tempo, eu acreditava que, através da cultura, seria possível derrubar governos e mudar o mundo; lutávamos pela cultura como arma pesada. Para um jovem professor, o esvaziamento e o regime de controle que dominaram a universidade pós-AI-5 geraram perplexidade, depressão e desconfiança dentro do próprio território da reflexão. O AI-5 atingiu, de maneira frontal, a produção de conhecimento e o debate acadêmico no país, durante um espaço significativo de tempo. A passeata, para mim, foi o pique de adrenalina com um gosto intenso de vitória; para o governo, a evidência de uma zona de risco expressa, dramaticamente, por uma multidão convicta de seus direitos e demandas sociais e políticas. Para o país, uma perspectiva real da proximidade de um vazio cultural e político.‖ 103

102 UTZERI, Fritz. Apud TEIXEIRA, Evandro e ALMEIDA, Adriana. 1968 destinos 2008: Passeata dos 100 mil. Rio Janeiro: Textual, 2007. Pág. 36. 103 Declaração de Heloísa Buarque de Holanda Apud TEIXEIRA, Evandro e ALMEIDA, Adriana. 1968 destinos 2008: Passeata dos 100 mil. Rio Janeiro: Textual, 2007. Pág. 103. 75

Figura 22: Evandro Teixeira. A Passeata dos 100 Mil. (Esta fotografia, hoje reconhecida como a mais representativa do evento, tinha sido censurada por causa da faixa com os dizerem ―Abaixo a Ditadura – Povo no Poder.‖) Rio de Janeiro, 26 de Junho de 1968. Brasil.

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Figura 23: Página do Jornal do Brasil com a imagem escolhida para substituir a anterior (Figura 22) que ilustrava a Passeata dos 100 Mil. Rio de Janeiro: Jornal do Brasil, 27 de Junho de 1968.

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A próxima fotografia (Figura 24) foi realizada por Evandro Teixeira durante sua cobertura para o Jornal do Brasil da exposição de armas usadas na Guerra do Paraguai, inaugurada pelo então Presidente do Brasil, Costa e Silva. A obra foi publicada como parte da fotorreportagem na primeira página do Jornal do Brasil, enquanto o retrato do Presidente apareceria só no interior do jornal em um tamanho muito menor. ―O Jornal do Brasil sempre teve uma tradição de explorar bem as fotos, mesmo que não fossem relacionados a um assunto importante. Se a foto fosse boa, o pessoal dava um jeito de publicá-la. Isso não acontece tanto em outros jornais.‖ 104 Segundo Evandro, o então Presidente

―não gostou e questionou por que os ‗besourinhos‘, como chamou as libélulas que estavam no alto, tinham saído na foto e porque seu rosto não estava na primeira folha. Respondi que foi trabalho da edição. Ele me xingou de tudo quanto é forma e mandou que retirassem minha credencial de fotojornalista. Depois disso viajei por uns dias para esperar que se acalmasse sua raiva.‖ 105

A imagem é um flagrante, um instante único captado pelo olho treinado de um caçador de imagens. Sem dúvida é uma bela imagem, tão bela e inusitada que seu caráter polissêmico se multiplica e nos deixa em certa perplexidade. No fundo da composição os ramos e as folhas das árvores perdem sua nitidez, indicando a decisão do artista de captar em todo detalhe o primeiro plano, enquanto ficamos com aquele mesmo fundo que lembra a beleza de uma pintura chinesa, a beleza pura das formas que nos permitem abstrair do caráter violento dos objetos que elas representam. Nesse sentindo, o clichê tão repetido por aqueles que ganham a vida com o comércio de armas, mesmo sendo absurdo, conserva um pouco de razão. As armas não matam pessoas, pessoas é que matam pessoas. Este é o poder comunicacional da fotografia, revelar a visão que o homem moderno tem do mundo que o circunda – sua grande conquista no universo das artes –, que é acompanhada pela beleza que está em todas as partes, pois tudo é potencialmente belo e tudo também depende, no caso da fotografia, do olhar que ela nos apresenta. Barthes postulava que a fotografia não é neutra nem passiva, ―antes possui uma grande riqueza em conotações expressivas e simultâneas que podem gerar diferentes sentidos de uma só vez.‖ 106 As libélulas sobrevoam o perigo das baionetas, parecendo deter-se num descanso feito justo no lugar mais ameaçador, como se as suas delicadas asas se apresentam ao espetador como uma afronta e uma evocação da liberdade. Aqui as armas não permitem que olhemos apenas a beleza das formas, pois

104 TEIXEIRA, Evandro, ―Meu negocio é fotojornalismo‖. Entrevista concedida em 07/10/2005 à revista Photo- Magazine, disponível em: http://photos.uol.com.br/materia.asp?id_materia=3416. 105 TEIXEIRA, Evandro. Entrevista concedida à autora em 25 de novembro de 2009. 106 BARTHES, Roland: ―A mensagem fotográfica‖ em O óbvio e o obtuso: Ensaios sobre fotografia, cinema, pintura, teatro e música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. Pág. 13.

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o conteúdo se faz palpável e temos naquelas a força da violência, da intolerância da imposição, que são burladas pela irreverência dos diminutos insetos. A mensagem está dada, os que procuram a liberdade não temem aos que por meio da força impõem suas idéias, e ainda que sob ameaça de morte, quem acredita na liberdade nunca se submete. Este ponto de nossa análise nos leva a pensar sobre os caminhos que pautam nossa interpretação da obra, e uma pequena reflexão sobre o tema nos mostra que as declarações do artista, suas vivências contadas numa e noutra vez ao longo destes anos são um pilar fundamental na construção da memória coletiva em que se inscrevem estas imagens. Assim, percebemos que a anedota do fotógrafo determina nossa leitura, de forma que podemos pensar como o papel da narração, da experiência criativa, se apresenta como um elemento fundamental da fotografia enquanto forma de arte, em sua ligação com a realidade, onde a oportunidade de compartilhar das lembranças pessoais e a relevância que as mesmas adquirem como fonte de documentação não são um fenômeno exclusivo da figura de Evandro Teixeira, pois que formam parte da consagração profissional dos fotógrafos, e, como temos visto até agora, no caso dos fotojornalistas ela adquire maiores proporções. A história por trás da imagem nos fala daquele momento único, não repetível, daquele 'tocar com os dedos a história' nossa própria experiência de interação com a imagem. Por outro lado, a história depois da imagem nos fala do artista, de sua perícia como profissional, dos riscos de vida e de seu valor como artífice. Avaliar o peso de todos estes elementos é apenas o primeiro passo para a compreensão do valor comunicativo da imagem fotográfica, do profundo emaranhado de relações ai presentes, cuja junção vai somando e redimensionando seu papel como parte da memória, da história e da arte.

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Figura 24: Evandro Teixeira. Sem título (Exposição de armas usadas na Guerra do Paraguai inaugurada por Costa e Silva). 1968. Brasil.

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O 'momento decisivo' é um conceito desenvolvido pelo fotógrafo Henri Cartier-Bresson nos primeiros anos do século XX, e certamente muito se tem debatido sobre a existência, ou não, desse instante único na fotografia e de seu significado. Sobre esse aspecto, apenas para citar um exemplo, o pesquisador brasileiro Alberto Tassinari discorrerá, a partir da análise da obra do próprio Bresson, sobre a presença, neste conceito, de vários elementos simultâneos que tornam mais complexa a leitura do mesmo. Em Cartier-Bresson, esse ‗momento decisivo‘ é diverso, porém, ―(...) do instante em que o filme ficou exposto à luz. O instantâneo em Cartier-Bresson ocorre duas vezes: quando a fotografia é tirada e, depois de revelada e ampliada, quando a fotografia expressa por meio de uma conexão rápida do olhar momentos similares. A técnica do instantâneo fotográfico é apenas o meio empregado para atingir um objeto simbólico: a expressão do instante, no interior da própria fotografia, como uma surpresa para o olhar.‖ 107

Ao falar do instante o próprio Bresson afirmava que a fotografia é a única que consegue conter um momento preciso: ―O escritor tem o tempo de refletir antes que a palavra se forme, antes de deitá- la sobre o papel (...). Para nós, o que desaparece, desaparece para sempre: daí nossa angústia e também a originalidade essencial do nosso oficio.‖108 Indubitavelmente muitas são as conotações que podem ser extraídas do 'momento decisivo' de Cartier-Bresson, que nos permitem dizer que a fotografia jornalística é, em sua totalidade, quase o produto de um momento decisivo, do instante 'real' que através da luz fica fixado na película, suspenso no tempo num intervalo ínfimo de segundos que depende inteiramente da decisão e do interesse do fotógrafo, e onde ―fotografar é atribuir importância,” 109 os momentos decisivos ocorrem a cada instante de modo independente em nossas vidas, mas aqueles que se incorporam à memória coletiva, aqueles 'escolhidos pela história', vêm quase sempre da mão de artistas. É seu significado, efetivamente, aquele que transcende o milésimo de segundos que os fixa na película, no encontro perfeito entre a maestria e a oportunidade do olho aguçado do fotógrafo. Assim, podemos dizer que as obras dos fotojornalistas brasileiros que trabalham nesta época, e as de Evandro Teixeira e Antônio Luiz Benck Vargas em particular, são plenas de 'momentos decisivos'. Como já foi mencionado, contrariamente ao fotojornalismo cubano da Épica Revolucionaria, cuja produção entra em declínio na década de 70, no Brasil as pautas que consagram a fotografia de

107 TASSINARI, Alberto. ―O instante radiante‖ in: MAMMÍ, Lorenzo e MORITZ, Schwarcy. 8 x fotografia. São Paulo: Companhia das Letras. Mariantonia Centro Universitario da USP, 2008. Pág. 15. 108 CARTIER-BRESSON Apud. FÁVARO, Armando.―O fotojornalismo durante o regime militar: imagens de Evandro Teixeira‖ Dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica, PUC São Paulo, 2009. Pág. 35. 109 SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Rio de Janeiro: Editora Albor, (2ª Edição) 1983. Pág. 41. 81

imprensa mantêm sua vigência no seguinte decênio. Antônio Luiz Benck Vargas, jovem fotojornalista cujo labor ganha destaque na década de 70, é o artista apropriado, segundo nosso critério, para completar nossa aproximação da produção fotojornalística brasileira destes anos, assim como das distintas problemáticas que dela se derivam, como a consagração e/ou o esquecimento dos criadores pela história. Evandro Teixeira, mestre de reconhecido mérito, cujo trabalho é considerado hoje um dos principais pilares da fotografia de notícias brasileira, e Antônio Luiz Benck Vargas, um artista cujo rastro se perde na história e que o converteu num afamado desconhecido. Ambos os fotógrafos aparecem juntos no espaço expositivo da Primeira Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea, celebrada no México no ano de 1978, conjuntamente com as obras dos artistas cubanos Korda e Corrales, fazendo com que suas obras se tornem conhecidas tanto no contexto da América Latina, quanto no de importantes cidades do universo artístico, como Nova Iorque e Paris. No âmbito nacional, as peças dos dois artistas brasileiros passam a formar parte dos ícones do movimento em prol das lutas sociais de trabalhadores e estudantes, compartilhando de um lugar privilegiado no imaginário da memória coletiva da nação. No entanto, até onde nos foi possível saber, parece que no caso de Benck Vargas, o reconhecimento obtido pelas suas obras foi mínimo em relação a sua trajetória profissional. Ele foi laureado no Brasil com um prêmio, em 1977, no Concurso Esso de Jornalismo, recebendo a bonificação de 5000 reais pela reportagem fotográfica ―Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório‖, publicada no jornal O Estado de São Paulo, e obteve o Segundo Lugar, com o prêmio ―Francisco Salomon‖ na categoria de fotografia do Concurso Ari de Jornalismo no. 49 do Jornal da Tarde em 1978. As fotografias de Benck Vargas apresentadas na mencionada mostra coletiva de 1978 no México e majoritariamente difundidas no exterior, serão utilizadas a partir daí e até hoje, como emblemas das lutas pelos direitos dos estudantes e trabalhadores nos encontros e debates teóricos sobre o período da ditadura, ironicamente sem que seja mencionada sua autoria. As particularidades dos resultados estéticos, assim como os caminhos divergentes das carreiras de ambos os artistas, oferecem, segundo nosso juízo, uma mostra excepcional da diversidade da produção deste período no campo do fotojornalismo brasileiro. As obras de Luis Benck, tal como todas as obras que compõem o primeiro capítulo desta dissertação, podem ser classificadas dentro da categoria de fotojornalismo. Parece que, como nas produções dos artistas anteriormente abordados, Benck Vargas se debruçará também sobre a imagem da cavalaria, elemento que nos faz refletir sobre a razão da presença reiterada destes animais em meio

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ao século que reverencia os carros como um de seus signos distintivos. Os cavalos são aqui como que o elemento épico do contato com a natureza, próximo de nossa visão dos heróis salvadores que, através do domínio do cavalo, um animal grande e poderoso que se submete ao poder do homem, entregando- se ao seu domínio e à sua vontade, vêm dominar a natureza. Por meio da força idealizada, no caso dos cavalos de Korda e Corrales, em representações do homem da terra, do campesino na luta pelos seus direitos; no caso dos cavalos de Teixeira, por meio da força repressiva e da violência no controle do poder. Luiz Benck, em relação a isso, nos dará outra perspectiva. A imagem da (Figura 25), intitulada A Cavalaria e obra de Antônio Luiz Benck Vargas, nos transporta para a iconografia grandiloqüente da pintura histórica. A partir da cobertura de uma notícia factual, a imagem, caçada por um olho evidentemente treinado, provoca no espetador uma primeira aproximação, uma mistura de associações. Por um lado, a lembrança das grandes cenas de guerra, reforçada pela atmosfera carregada da perspectiva panorâmica oblonga e envolvida numa evocativa nuvem de poeira, é reforçada pela presença dos soldados em uniforme, das lanças e dos cavalos, ícones presentes em obras clássicas da pintura brasileira como a Batalha de Avaí, do pintor Pedro Américo, apenas para mencionar um referente próximo, geográfica e culturalmente. Por outro lado, é impossível ignorar os elementos coincidentes e a proximidade com as cavalarias dos fotógrafos cubanos e brasileiro analisadas anteriormente. Não obstante, uma incongruência de época nos devolve ao período a que pertence à imagem: no meio dos cavalos, os tanques de guerra falam do século XX, mas estes não são os elementos mais impactantes da imagem; os cavaleiros, perfeitamente uniformizados, mostram apenas seus rostos, entre os quais descobrimos um elemento singular – a maioria deles é afro- brasileira. Este fato, conjuntamente com a data que acompanha a obra, 14 de maio de 1977, nos faz pensar na possibilidade de se tratar de uma celebração do dia 13 de maio, dia que marca na história do Brasil a Abolição da Escravidão, com a assinatura da Lei Áurea em 1888, que favoreceu aproximadamente 700.000 pessoas e que no ano de sua consecução foi comemorada durante vários dias com uma grande celebração no dia 17 de maio. O que poderia levar à interpretação da imagem como rememoração do dia histórico para honrar a população negra. No entanto, os dados documentais que acompanham a imagem na recopilação histórica dos Prêmios Esso de fotojornalismo conduzem nossa leitura a outros caminhos, e que imprimem à imagem novos significados. A obra, publicada originalmente no jornal O Estado de São Paulo, pertence à reportagem realizada por Antônio Luiz Benck Vargas com o título de Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório, e foi publicada nas páginas do periódico junto ao seguinte texto: ―No desfile da tropa, em Osório, no Rio Grande do Sul,

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em homenagem ao Ministro do Exército Sylvio Frota, durante o Governo do Presidente Ernesto Geisel, o cavaleiro caiu. Mas o cavalo prosseguiu sua marcha, imponente e indiferente ao contratempo.‖ Assim, o maior interesse suscitado pela mesma está no incidente que ela documenta, ou seja, a ocorrência, num evento de tal envergadura, de um acidente como a caída de um dos cavaleiros, tornando opaca, de certo modo, a presença da ilustre figura do governo para quem foi organizado o desfile. Neste sentido, a imagem pode ser interpretada como a captação de um flagrante irônico que é um exemplo do sentido ambíguo da imagem fotográfica, cuja interpretação está ligada a múltiplos fatores, como já foi assinalado por vários pesquisadores: ―a objetividade da imagem não é mais do que uma ilusão. Os textos que comentam podem alterar seu significado do principio ao fim.‖ (tradução livre) 110 Assim sendo, a imagem vitoriosa que rememorava as grandes cenas de batalha da pintura histórica se converte numa crítica velada ao governo e à sua auto-representação como heróis da pátria num momento de exibição de sua força militar. A presente imagem apresenta uma convergência de elementos que, juntos, formam a qualidade estética da mesma, onde o artista, mediante a seleção de uma grande angulação, oferece uma ampla vista do panorama no qual todos esses elementos se encontram perfeitamente equilibrados ao redor do cavalo sem cavaleiro que, quase solitário, parece liderar o desfile cuja leitura, a partir da recuperação do contexto original de divulgação da imagem, pode ser entendida como a construção de um panorama simbólico que ultrapassa o limite da mera representação do acontecimento. Assim, ―se antigamente as coletividades humanas recorriam ao mito para explicar as experiências do mundo e dar sentido à vida, hoje teriam transferido para os media a tarefa de organizar e integrar as experiências aleatórias de vida num todo racionalizado. O fotojornalismo não apenas reporta as notícias, como também as ―cria‖: as (foto) notícias são um artefato construído por força de mecanismos pessoais, sociais (incluindo econômicos), ideológicos, históricos, culturais e tecnológicos.‖ 111

110 FREUND, Gisèle. (1997). Op. Cit. Pág. 142. No original: ―la objetividad de la imagen no es más que una ilusión. Los textos que la comentan pueden alterar su significado de cabo a rabo.‖ 111 SOUZA, Jorge Pedro. (2004). Op. Cit. Pág. 23. 84

Figura 25: Antônio Luiz Benck Vargas. A Cavalaria (Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório). 14 de Maio de 1977. Brasil.

Figura 26: Evandro Teixeira. A liberdade da motocicleta. 17 de setembro de 1965. Brasil.

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A cavalaria de Antônio Luiz Benck Vargas se distancia inteiramente, em seu sentido específico, das cavalarias de seus colegas anteriormente analisados para aproximar-se de uma obra de Evandro Teixeira realizada no ano de 1965 e publicada no Jornal do Brasil sob título de A liberdade da motocicleta (Figura 26). Esta imagem, realizada durante a cobertura noticiosa da visita do Grão-Duque de Luxemburgo ao Rio de Janeiro, cuja publicação obrigaria o fotógrafo a permanecer escondido por vários dias sob o perigo de ser preso, foi acompanhada pelo seguinte texto: ―Uma pequena derrapagem da motocicleta e o garboso batedor da comitiva do Grão-Duque de Luxemburgo, Cabo Costa, da Aeronáutica, viu-se na situação caótica do gaúcho intrépido, mas desequilibrado: caiu e girou sobre si mesmo, enquanto a motocicleta seguiu o seu caminho de completa liberdade por mais de 100 metros, até dar no meio-fio em frente à Escola de Enfermeiras Ana Neri, no aterro do Botafogo. O batedor Costa, além do rodopio, nada mais sofreu, mas a motocicleta, vítima de uma liberdade para a qual não estava preparada, incendiou-se no fim de sua jornada e ficou totalmente destruída.‖ 112

Também laureada no ano de sua criação, esta obra de Evandro Teixeira dialoga intimamente com a obra de Benck Vargas em termos que transcendem a coincidência meramente icônica e cuja eloqüência comunicativa prescinde de palavras.

112 COLETIVO de autores. Jornal do Brasil, sábado, 18 de Setembro de 1965. 86

Figura 27: Antônio Luiz Benck Vargas. Pátria 1. 23 de agosto de 1977. Brasil.

Figura 28: Antônio Luiz Benck Vargas. Pátria 2. 23 de agosto de 1977. Brasil. 87

Figura 29: Antônio Luiz Benck Vargas. Pátria 3. 23 de agosto de 1977. Brasil.

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Por fim, a seqüência de imagens (Figuras 27-29) da mulher portando o símbolo pátrio, alçado ao alto, em frente da investida da brigada militar, nos lembram as imagens femininas que através das mãos de tantos artistas têm sido empregadas para dar corpo a conceitos abstratos como Justiça, República-Pátria e Liberdade. A trilogia, um flagrante de enorme qualidade estética, produto da oportunidade e da perícia do artista, narra uma história cujo poder comunicacional transcende os limites geográficos impostos pela nacionalidade da bandeira. A associação sígnica que fazemos entre os componentes da imagem determina a empatia que criamos como receptores da mesma. Aqui não se trata da pureza de nenhum dos dois conceitos definidos por Roland Barthes como ‗punctum‟ e ‗studium‟ mas da junção de ambos, como na interpretação feita por José de Souza Martins:

―O punctum tem na sociologia visual a meu ver a função metodológica. Ele não rege apenas a literatura da fotografia segundo o olhar do fotógrafo. Mas define também o parâmetro da contra leitura, dos contrastes inevitáveis como os elementos secundários da foto, da leitura propriamente sociológica da fotografia quando submetida à decomposição possível a partir de suas conotações. É desse modo que a fotografia se move não mais apenas na imaginação, mas também na interpretação, na revelação do que oculta, além daquilo que o fotógrafo quer revelar.‖ 113

O studium nos move para longe da experiência do criador (que para alguns é situada temporalmente num momento anterior ao seu próprio nascimento), o qual nos conduz às associações imagéticas dentro da história da arte, tornando-se iniludível, em nosso caso, a alusão feita à Liberdade Guiando o Povo de Delacroix, na qual prevalecem, por trás das coincidências icônicas por demais óbvias, os conceitos abstratos que compõem a narrativa. Ainda que a narração se encontre distante de nossa práxis factual, é então o punctum aquele que completa nossa leitura da obra. A conexão que estabelecemos com ela e a carga emocional que a mesma suscita a partir de nossa experiência cultural como seres sociais e da significação dos conceitos abstratos como liberdade, justiça e pátria se volvem 'ideais' que determinam o valor, a atração da imagem que o próprio Barthes não conseguira definir, e que podemos encontrar na somatória de todos estes elementos que junto à plasticidade, e ao valor estético a fazem permanecer como uma das consagradas da história e da memória. No caso do processo criativo no fotojornalismo, a imagem técnica tornada informação é um signo eminente de recepção, sua apropriação pelo jornalismo visa um argumento. Dirige-se a uma audiência segmentada por categorias de repertório cultural e disposta a prerrogativas de convencimento. Imagens chegam a leitores como ação intencionada a reforçar ou alterar rumos cotidianos. A imagem jornalística visa uma recepção que acomode um olhar sobre si como o olhar sobre a natureza última das ações que compõem o espectro social.114

113 SOUZA Martins, José de. ―Sebastião Salgado – A epifania dos poderes da terra‖. In 8 x Fotografia. Pág. 146. 114 FÁVARO, Armando. Op. Cit. Pág. 78. 89

A imagem está composta por signos de fácil leitura para o espectador, sua simplicidade objetiva a faz dialogar de maneira fluida sem exigir um perceptor arguto, os conceitos vão associando-se, expandindo a dimensão de seu sentido sem forçar-los, a 'mulher- a madre- a liberdade, determinada, mas frágil, a bandeira - a pátria - a justiça' os militares, 'homens uniformizados - a força bruta os cassetetes - a violência'.

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1.4 -Conclusão

Pode-se dizer que ambos os governos, o cubano e o brasileiro, defendem suas posturas de imposição, autodenominando seus mandatos como 'revolucionários' numa pretensa defesa dos 'verdadeiros valores da nação', adotando a teoria do inimigo interno como justificativa para a violência contra seus opositores. Neste sentido, as posturas tomadas pelos fotógrafos cubanos e brasileiros, em relação a seu papel social e sua relação com os governos, é um elemento a se destacar. Os artistas cubanos ganham a cada momento maior intimidade com as principais figuras do governo, sendo sua presença solicitada pelos próprios representantes políticos, para acompanhá-los e cobrir com suas câmeras os eventos transcendentais de suas carreiras políticas. Através da fotografia o governo cubano se afirma tanto dentro, quanto fora da nação. No Brasil, os fotógrafos são vistos pelas figuras do governo como inimigos potenciais, já que eles representam o perigo de influenciar a opinião pública contra a presidência, um perigo iminente para os novos detentores do poder. Neste contexto, e a partir das análises realizadas até o presente momento das obras dos fotojornalistas desenvolvidas tanto em Cuba como no Brasil, constatamos que nenhum dos artistas possui uma postura imparcial sobre sua realidade, pois se tratava, em ambos os casos (isto é, o cubano e o brasileiro), de homens comprometidos com o momento histórico a que tiveram a oportunidade de vivenciar. Apesar disso, a participação dos brasileiros em atividades políticas dentro da luta contra a ditadura através da ação direta é praticamente nula, o que têm levado inclusive a critica internacional a qualificá-los mais como ―homens comprometidos com a notícia do que com uma convicção política assumida,‖ 115 já que não se pode dizer que suas obras formem parte de um projeto político claramente definido de luta ou de militância dentro de organizações políticas. A violência e sua representação é outro elemento que marca as diferenças entre a produção fotojornalística brasileira e a Épica revolucionaria cubana. No Brasil, como já tinha sido assinalado, os fotógrafos eram vistos pelas figuras do governo como inimigos potenciais, a partir do reflexo nas suas obras da violência exercida pelo regime, da qual eles próprios chegam a ser vítimas no desenvolvimento de suas incumbências profissionais. Em Cuba, embora a violência seja um componente, tristemente fundamental, da tomada de poder pelo novo governo, a cobertura destes fatos é excluída da Épica fotográfica, de forma que os juízos sumários e atos de vandalismo popular provocados pela mudança no regime são ignorados pelos fotojornalistas cubanos em prol de uma

115 Saber mais em Revelación Revuelta y Ficción: http://zonezero.com/exposiciones/fotografos/revyficcion/index.php 91

imagem sempre positiva dos novos líderes. No Brasil, a violência é um componente decisivo do fotojornalismo, dando lugar a uma estética da violência e da denúncia fotográfica, que é compartilhada pelo fotojornalismo internacional da década de 60-70. Apesar da existência de elementos divergentes assinalados até agora nas produções cubanas e brasileiras, a relevância das obras em seus respectivos contextos e o nível estético das mesmas as incorpora dentro da história da fotografia latino-americana e universal. O papel destas imagens como parte fundamental da memória coletiva de ambas as nações transcende as fronteiras geográficas e vai muito além do papel de mero fato documental, da simples captação do referente. A sutileza dos fotógrafos na criação de uma linguagem capaz de suportar um discurso politizado e de atravessar os filtros da censura tem como resultado obras cujo significado penetra no campo das ciências humanas e determina o reconhecimento das mesmas como obras de arte, de forma que estabelecem pontos de contato com a produção de outros fotógrafos, tanto dentro da América Latina quanto em outros lugares do mundo. Esta peculiaridade nós a encontramos, por exemplo, na trilogia Pátria de Antônio Luiz Benck Vargas na imagem das armas usadas na Guerra do Paraguai de Evandro Teixeira, no Quixote da farola de Korda e no Sonho de Raúl Corrales. Podemos dizer que estas quatro obras não exploram apenas o verismo do fato noticioso, ou a verossimilhança do processo fotográfico, mas conseguem plasmar o lirismo que a agudeza da lente pode descobrir em qualquer ato, criando um instante decisivo cuja 'simplicidade' é sempre ambígua. Os fotógrafos se convertem assim em tradutores de mensagens dirigidos à consciência das sociedades, em veículos não só da verdade, mas de convites a reflexão.

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Figura 30: Marc Riboud. A juventude contra os fusies . Washington, 1967. E.U.A.

Figura 31: Jorge Ianiszewski. Sem título, 197?. Chile. 93

1.5– Epílogo: Brasil e Cuba – fotojornalismo e universalidade

Como temos mostrado até o momento, o desenvolvimento do fotojornalismo no Brasil e em Cuba está marcado pelo seu próprio tempo. Assim, as obras dos artistas Benck e Teixeira, Korda e Corrales estão pautadas por circunstâncias, datas e lugares específicos; no entanto, para nós os conceitos estéticos que direcionam as mesmas são partilhados por fotojornalistas em outras latitudes. Estes elementos podem ser encontrados em obras como a do fotógrafo chileno Jorge Ianiszewski, que através de um retrato coletivo (Figura 30) mostra alguns dos mais reconhecidos intelectuais de seu país cantando a Internacional como despedida de um de seus companheiros, morto nas mãos da ditadura chilena; e como a do francês Marc Riboud, que capta o protesto estudantil contra a Guerra de Vietnã (Figura 31) no enfrentamento singular de uma flor contra as armas. As obras dos artistas cubanos e brasileiros, assim como as de Riboud e Ianiszewski, vão além do fato retratado, chegando a sugerir os motivos que subjazem nelas, transgredindo os limites de representação da fotografia, multiplicando sua capacidade de comunicação, e tornando mais complexos seus significados. São obras de arte, produtos de uma combinação perfeita entre a notícia, o fato verídico e a beleza formal e conceptual, que dão lugar a uma linguagem fotográfica de conotação universal, onde resultados estéticos paralelos são obtidos como a conseqüência de diversas realidades e perspectivas.

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Capítulo II

A preocupação social na fotografia antropológica: vertentes e problemáticas.

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2.1 – A fotografia sob uma perspectiva Antropológica

―Uma única imagem reúne, em seu conteúdo, uma série de elementos icônicos que fornecem informações para diferentes áreas do conhecimento: a fotografia sempre propícia análises e interpretações multidisciplinares.‖ 116

Boris Kossoy

Ainda sendo um gênero de destaque na década de 70, o fotojornalismo no Brasil compartilha durante estes anos com um novo interesse da produção fotográfica que está estritamente ligado à realidade do período e que parte de modo geral dos próprios fotojornalistas. Esta nova abordagem pode ser definida como se situando dentro dos padrões da fotografia documental, que se aproxima da realidade sócio-política do país não mais na procura da notícia factual concreta, mas a partir de preocupações sociais cuja problemática se encontra mascarada, sendo, por assim dizer, menos evidente: ―Com o documentarismo estabelece-se uma das grandes motivações da fotografia no século XX: O desejo de conhecer ao outro, de saber como o outro vive, o que pensa, como vê o mundo, com que se importa. As palavras eram insuficientes (…).‖ 117 Podemos dizer que esta vertente da fotografia documental, que evidencia uma preocupação pelos problemas sociais da realidade contextual dos autores, não é um fenômeno exclusivo do Brasil, mas sim uma inquietude partilhada por vários artistas na América Latina, como se pode ver através do resultado da Primeira Mostra Latino-Americana de Fotografia Contemporânea de 1978. ―No catálogo (...) a crítica Raquel Tibol identifica o elo entre os fotógrafos latinos que buscam denunciar a exploração, marginalização e colonização imposta por uma sociedade alienante e injusta. São palavras de ordem valorizadas naquele momento por uma postura política que rechaça as descrições superficiais sobre o homem em 118 seu espaço social e natural, recuperando para a imagem significações mais profundas.‖

No percurso de nossa pesquisa sobre a produção fotográfica cubana e brasileira da segunda metade do século passado, foi possível constatar, a partir do segundo decênio, uma posição de destaque ocupada por artistas de elevados méritos criativos e interessantes resultados estéticos, em cujas obras se reiteram o que podemos denominar de representações das minorias sociais, que podem ser também compreendidas como minorias raciais e étnicas. Tal elemento distintivo, desenvolvido particularmente na década de 70, se apresenta em duas vertentes de uma mesma problemática que entrelaça elementos

116 KOSSOY, Boris. (2002). Op. Cit.Pág. 51. 117 SOUZA, Jorge Pedro. (2004). Op. Cit. Pág. 55. 118 MAGALHÃES, Angela e FONSECA Peregrino, Nadja. (2004). Op. Cit. Pág. 101. 96

sociais com aqueles que se aproximam do campo da antropologia visual. Em prol de um maior entendimento de tais produções fotográficas, abordaremos nosso objeto de estudo partindo do princípio de que é possível estabelecer em nossa análise dois pontos de vista diferentes do que pode ser entendido como 'fotografia antropológica'. A primeira vertente, que denominaremos como 'fotografia antropológica de matriz subjetiva', diz respeito àquela produção que pode ser entendida a partir da relação que as obras estabelecem com o receptor, ou seja, a partir de suas possíveis leituras, de acordo com os referentes escolhidos pelo artista, os modos de abordagem destes, e os resultados estéticos das mesmas, assim como das preocupações conceptuais subjacentes na realização da obra. De outro lado, a segunda vertente pode ser chamada de 'fotografia antropológica estetizante' e refere-se àquelas obras onde é mais evidente, aparentemente, o interesse por parte do próprio artista com o campo estrito da antropologia, entendida nesse sentido como disciplina cientifica ligada a problemas sócio-político- contextuais. Levando em conta tais pressupostos, será abordada nas próximas páginas a obra da artista cubana María Eugenia Haya (Marucha), que corresponde à primeira linha da fotografia antropológica, ou seja, aquela de matriz ‗subjetiva‘, a qual nos permite estabelecer um dialogo com a produção do artista brasileiro Walter Firmo, com quem aquela compartilha, como veremos em seguida, numerosos elementos, a começar pelos referentes que, como no caso de Marucha, pertencem às minorias negras. Num segundo momento abordaremos as obras dos fotógrafos brasileiros Claudia Andujar e Assis Hoffmann a partir de sua relação com as populações indígenas, assim como com as migrações internas que durante esta década se produzem no Brasil.

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2.2 – Música de fundo na fotografia de Marucha

―A arte não tem função, mas está a serviço de um público que se compraz na visão de um mundo estilhaçado em cujos fragmentos está espelhado o cosmos. A arte tem uma natureza primitiva, algo de fechado que nos absorve, mas nos deixa de fora em relação ambivalente de simultânea fascinação e pavor.‖ 119

Lucrécia D´Léssio Ferrara.

A fotografia cubana é, hoje, referência internacional, conhecida tanto por sua contribuição cultural quanto histórica. Pode-se dizer que o processo revolucionário cubano teve na fotografia desenvolvida na década de 60 o melhor veículo de comunicação cultural com as massas, tanto nacional como internacionalmente, encontrando nela um fator determinante em sua legitimação sócio-política, o que o crítico cubano de fotografia Juan Antonio Molina tem denominado como a mitologia dos grandes relatos. Basta dizer então que a produção de cunho político-social-nacionalista realizada neste período chega a um declínio no final da década, que a conduz paulatinamente ao desaparecimento. No início da década de 70, a espontaneidade do momento histórico e a pujança das grandes multidões, motivo fundamental do primeiro decênio revolucionário, terão desaparecido, convertendo- se no paradigma a imitar. Surgem, assim, imagens de idílicos trabalhadores que desempenham suas funções em extrovertida alegria e as forçadas poses discursivas de novos líderes, de evidente intenção educativo-dogmatizante que roçam a manipulação maniqueísta do realismo socialista soviético. A instauração de uma política cultural baseada na mais crua censura do período revolucionário (que terá seu ponto culminante no julgamento de vários intelectuais, transmitido em rede nacional) 120 e a conseqüente repercussão destes fatos em todos os âmbitos da arte e da cultura em geral, conduziram a crítica e a historiografia cubanas a reconhecerem esse período como um Quinquénio gris (Qüinqüênio cinza). Produz-se, então, o que Susan Sontag denominaria em seu livro Ensaios sobre a fotografia121 de ‗ponto de saturação‘, ou seja, o sentimento de indiferença que finalmente embarga o espectador ante a repetida observação de uma temática insistentemente fotografada. Neste contexto começaram a ter destaque dentro do universo fotográfico as obras de jovens artistas cujas peças formaram parte de novas correntes estéticas, que iniciam sua gestação na segunda metade da década de 70. Este novo olhar da lente combina tanto a preocupação com a realidade

119 D´ALÉSSIO Ferrara, Lucrécia. (1986). Op. Cit. Pág. 25. 120 Saber mais em GONZÁLEZ, Reynaldo: ―Lezama sin pedir permiso‖ em La Gaceta de Cuba, No 2, Marzo-Abril, 2004. 121 SONTAG, Susan. (1983). Op. Cit. Pág. 217 98

circundante, quanto com problemas de índole puramente artística, debatidos internacionalmente. Dentre os mais interessantes criadores desta geração podem-se assinalar figuras como: Mario García Joya, Rogélio López Marín (Gory), Alfredo Sarabia, Ivan Cañas e Marucha, possuidora da mais instigante produção nesta década, cuja obra torna-se o objeto de estudo deste texto. Como dissera a pesquisadora Grethel Morell, a fotografia cubana ganhou impulso y hondura (impulso e profundidade) a partir da segunda metade da década de 70.122 O período constitui uma virada radical na periodicidade da produção intelectual sobre a fotografia no contexto cubano. Esta foi amparada e controlada pelo governo através da criação do Departamento Fotográfico, dentro do Ministério de Cultura, em 1976, e firmada através dos trabalhos de pesquisadores. É dentro desse espírito de investigação que María Eugenia Haya Jiménez (Havana, 1944-1991), conhecida como Marucha no meio artístico, realiza suas primeiras contribuições para o universo historiográfico da fotografia latino-americana. Fotógrafa e pesquisadora, Marucha forma-se no ano de 1973 em Filologia pela Universidade da Havana, continuando seus estudos no Instituto de Cinematografia de Cuba. A contribuição de Marucha para o campo da história da fotografia tem como base a pesquisa e o resgate da obra daqueles denominados ‗esquecidos da história‘, cujo papel é avaliado em seus trabalhos. Tais pesquisas ganham reconhecimento internacional a partir do Primeiro Colóquio Latino- Americano de Fotografia, realizado no México no ano de 1978, onde a pesquisadora e curadora apresentou uma exposição que posteriormente percorreu o mundo sob o nome de Épica Revolucionária, marcando para sempre esta produção, exibida em cidades como Nova Iorque, São Paulo e Hamburgo. Entretanto, a relevância da figura de Marucha vai muito além das suas publicações e curadorias. Sua produção artística da década de 70, por exemplo, merece sem dúvida uma aproximação mais aprofundada. A obra de Marucha, assim como a de seus contemporâneos, transita em um primeiro momento pelas visões de uma Cuba renovada. A fotógrafa realiza obras motivadas pelas escolas no campo, numa esperançosa perspectiva de um futuro em construção. Em seguida, por meio de uma série que aborda o papel da mulher dentro da sociedade, sua criação deriva prontamente para uma visão crítica da realidade, numa abordagem inédita na produção nacional cubana até aquele momento, ganhando a atenção de críticos e pesquisadores. O discurso desta produção pode ser entendido como o retrato da imutabilidade de certos

122 MORELL Otero, Grethel: ―Consideraciones sobre Fotografía Cubana‖, La Habana Junio de 2007 em, http://static.scribd.com/docs/812ji0hkwc3n9pdf 99

costumes que permanecem arraigados na população, apesar das aparentes mudanças impostas pelo processo revolucionário. Estes trabalhos, a nosso ver, podem ser entendidos como a primeira aproximação da artista, através da linguagem fotográfica, de uma visão antropológica da realidade, registrando as particularidades da sociedade cubana. Tema que, como veremos posteriormente, se converterá em um elemento fundamental de sua obra. Feita a introdução sobre as primeiras incursões de Marucha no universo da produção artística, é tempo de referirmos a três grandes séries, motivo deste texto, obras que, a nosso ver, dialogam internamente construindo um único e coerente discurso de enorme complexidade. São elas: La Peña de Sirique (1970), Liceo (1979) e La Tropical (1980). Estas produções se inserem na medula da cultura popular cubana que, até esse momento, só tinha mostrado ao mundo sua ‗face revolucionária‘ e que, através destas séries essa cultura revela-se num rico entrelaçado de relações. Estas três séries de María Eugenia Haya, as mais conhecidas e re-conhecidas de sua produção, tem como leitmotiv ou como fio condutor a música, e com a música, a dança, e com ela, logicamente, o homem. As obras de Marucha que compõem este discurso, de modo geral, podem ser classificadas dentro dos padrões da fotografia documental, segundo o conceito dado pelo pesquisador Boris Kossoy, segundo o qual ―A chamada „fotografia documental‟ abrange o registro fotográfico sistemático de temas de qualquer natureza captados do real; no entanto, existe, em geral, um interesse específico, uma intenção no registro de algum assunto determinado (...).‖ 123. No entanto, existem outros critérios que devem ser levados em conta na hora de classificar tais obras, tanto do ponto de vista do assunto abordado, quanto do tratamento do mesmo, ou seja, no que diz respeito à perspectiva assumida pela artista para a captação do referente. Neste sentido, as obras inscrevem-se dentro do gênero de retrato e, quanto ao assunto, empregaremos a definição do subgênero 'retrato antropológico, ou fotografia antropológica'. Tal subgênero tem suas raízes na tradição pictórica do século XIX e está estreitamente ligado à própria história da antropologia. ―As ciências antropológicas se desenvolveram em Europa, em meados do século XIX quando a expansão das políticas imperiais estabeleceu a necessidade de conhecer ao ―outro‖ (as culturas dos espaços coloniais), para traçar adequadas estratégias de dominação.‖ (tradução livre). 124

Entendemos por ‗retrato fotográfico antropológico‘ como sendo aquele no qual são registrados

123 KOSSOY, Boris. (2002). Op. Cit. Pág. 51. 124 BENYADÁN, Sandra, RODRÍGUEZ, María Ines, RUFFO, Miguel e SPINELLI, María: ―Alfredo Gramajo Gutiérrez (1893-1961). ¿Pintor de la nación o documentalista antropólogo?‖ in Antropología de la Imagen. Buenos Aires: Cultural, 2007. Pág. 58. No original: ―Las ciencias antropológicas se desarrollaron en Europa, a mediados del siglo XIX, cuando la expansión de las políticas imperiales planeteó la necesidad de conocer al ―otro‖ (las culturas de los espacios coloniales), para trazar adecuadas estrategias de dominación.‖ 100

não só as características físicas e raciais, vestimentas, objetos ornamentais, hábitos e distinções comportamentais entre os sexos, mas também os costumes e aspectos distintivos de uma determinada parte da sociedade. Os retratos de Marucha incluem a perspectiva do caráter social do retratado, de seu entorno e seu papel dentro da comunidade a que pertence. Outro elemento importante a se ter em conta é o destinatário das peças, ou seja, o receptor para o qual as mesmas foram concebidas, assim como o modo pelo qual as obras chegaram a este. Diferentemente das obras anteriormente assinaladas, que são as mais conhecidas dentro da produção fotográfica cubana e cuja divulgação estava prevista, em grande escala, através de jornais e cartazes, com o intuito da propaganda política, as obras da artista Marucha que fazemos referência tinham como destino o espaço nacional e internacional das galerias de arte, em consonância com ambições puramente artísticas. ―Nas fotografias de Marucha [...] encontramos una postura culturológica, antropológica e etnográfica que indaga sobre as particularidades culturais de diferentes cenários populares cubanos” (tradução livre). 125 Efetivamente, a partir das obras da fotógrafa, podemos traçar fios que nos conduzem, guardada a devida distância, a uma tradição iniciada no século XIX cubano e reconhecida dentro da historiografia como ‗costumbrista, ‘ cuja produção pertence não só à pintura, mas também à literatura. Referimo-nos não só à representação dos chamados tipos populares, mas, especificamente, àquela em que aparecem negros e mulatos. Em Cuba, como na América Latina em geral, nas tradições literárias e pictóricas, assim como, posteriormente, naquela fotográfica, as representações e referências à negros e mulatos são escassas. Entretanto, é válido mencionar algumas relevantes exceções como as obras do pintor e caricaturista Victor Patricio Landaluze,126 como Carnaval e Discusión e, na literatura, Cecilia Valdés, do escritor Cirilo Villaverde.127 Por outro lado, é válido salientar que os estudos antropológicos sobre o negro em Cuba, desenvolvidos por Fernando Ortiz e Lidia Cabrera,128 apresentam em grande parte uma perspectiva muito mais ligada às tradições religiosas e culturais de origem africana, assim como sua preservação pelos descendentes dentro em um circuito fechado do que, em contraponto, à presença e postura do negro dentro da sociedade em geral. Na fotografia, por sua vez, a escassa presença do negro será estigmatizada, de modo geral, pela

125 MONTES DE OCA Moreda, Dannys: ―Fotógrafas contemporáneas cubanas en la construcción de género e imágenes‖. In: http://static.scribd.com/docs/812ji0hkwc3n9.pdf No original: ―En las fotografías de Marucha [...] encontramos una postura cultorológica, antropológica y etnográfica que indaga sobre particularidades culturales de diferentes escenarios populares cubanos.‖ 126 Victor Patricio Landaluce (Bilbao 1825 – Havana 1889). 127 CiriloVilladerde (Cuba 1812 – EUA 1894). 128 Fernando Ortiz (Cuba 1881 – Cuba 1969) e Lidia Cabrera (1889-1991). 101

visão de que ele seria vitima de sua própria natureza selvagem, ou um desfavorecido, motivo para que grandes damas de sociedade possam exercer a caridade. No entanto, encontramos uma exceção que, tal como observado por Juan Antonio Molina na obra de Constantino Árias, muito provavelmente teria sido a principal inspiração para a obra de Marucha: ―[...] nestas fotos o negro não aparece como vitima, apesar de que todo o contexto permite descobrir a baixa posição social dos sujeitos fotografados. A primeira coisa que se percebe é que estes estão num meio que consideram como próprio, não descontextualizados (...). O segundo elemento que salta a vista é a colaboração com o fotógrafo, inclusive, em muitos casos, o deleite do ato fotográfico.‖ 129 (tradução livre)

Este pequeno preâmbulo em referência à representação do negro na arte cubana e nos estudos antropológicos é de fundamental importância para a aproximação à obra de María Eugenia Haya e à nossa compreensão da mesma, dentro da categoria de fotografia antropológica, o que nos introduz em outro ponto importante de nossa análise: a relação estabelecida entre o fotógrafo e o fotografado. Como já tínhamos observado, a música constitui o fio condutor de nossa linha de pensamento sobre as três séries: La peña de Sirique, Liceo e La Tropical, mas não podemos perder de vista o fato de que as obras às quais fazemos referência pertencem a um conjunto muito mais amplo. Cada uma delas nos aproxima de um determinado grupo da sociedade, com características definidas quanto à faixa etária, vestimenta, comportamento social, assim como com aquelas que, perpassando todas as categorias, podem ser situadas, mesmo que de forma subjacente, dentro da questão racial. Pode-se dizer que os lugares selecionados por Marucha são principalmente freqüentados por negros e mulatos. ―talvez a tentativa mais interessante e mais complexa de completar uma visão da cultura negra contemporânea cubana no trânsito da década de 70 a 80 tenha sido a de María Eugenia Haya (Marucha) com a série que realizou no Liceu de Havana e outras series que vinha realizando: são fotografias dos trovadores em Santiago de Cuba e do salão de baile A Tropical, em Havana, sitio de reunião nesse período de amplos setores de jovens negros.‖ 130 (tradução livre)

Os ritmos populares cubanos – música tradicional, danzón, e casino – foram concebidos para se dançar em duplas, o que faz com que a eleição de casais, na nossa análise fotográfica, resulte de certo modo óbvia. Mas como será notado, os casais escolhidos não pertencem em todas as ocasiões a um

129 MOLINA, Juan Antonio: ―Marginación y Carnaval: la imagen del negro en la fotografía cubana‖, in Estudios interdisciplinarios de América Latina y El Caribe. Universidade de Tel Aviv. Volumen 9, No 1 Janeiro-Junio de 1998. Pág 2. No original: ―[..] En estas fotos el negro no aparece como victima a pesar de que todo el contexto permite decubrir la baja posición social de los jujetos fotografados. Lo primero que se advierte es que ellos están en un medio que consideran como propio, no descontextualizados(...). El segundo elemento que salta a la vista es la colaboración con el fotógrafo, incluso, en muchos casos, el deleite del acto fotográfico.‖ 130 MOLINA, Juna Atonio: Idem. Pág. 2. No original: ―Tal vez el intento más interesante y más complejo de completar una visión de la cultura negra contemporánea cubana en el tránsito de la década del 70 a la del 80, haya sido el de María Eugenia Haya (Marucha) con la serie que realizó en el Liceo de La Habana y otras series que venía realizando: fotografías de los trovadores en Santiago de Cuba y del salón de baile de La Tropical, en La Habana, sitio de reunión por entonces de amplios sectores de jóvenes negros.‖ 102

mesmo retrato, o que corresponde propositalmente à necessidade de demarcar elementos na inter- relação comportamental dos gêneros, mesmo quando estes aparentam não interagir; perspectiva que julgamos fundamental dentro do próprio discurso da artista. Nas obras que nos ocupam, os retratados nos são apresentados como anônimos do cotidiano, estabelecendo uma relação com a câmera que deixa de fora qualquer possibilidade de arranjo por parte da artista. Marucha não procura uma beleza fátua, não são rostos polidos e sorridentes da publicidade, mais pessoas comuns cujas poses partem do referente; aqui, sua construção está à frente, e não por trás da lente. Longe de sentir-se intimidados com a presença indiscreta da câmera, assumem a posição de quem se sabe observado e gostam disso. Estabelece-se esse jogo consciente-inconsciente de que falara Roland Barthes: ―Ora, a partir do momento em que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: preparo-me para a pose, fabrico instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem.” 131 Inicia-se a sedução que não é só ficar 'bem', mas assumir uma postura que os identifique, que os defina de modo que eles próprios se re-conheçam, prevalecendo elementos de certo modo arquetípicos de grupos sociais que frisam a ambigüidade entre o real e o construído, entre a vida e o teatro. Tais peças trazem à tona a contraposição entre o espaço público e o privado e a forma através da qual a fotógrafa emprega os mesmos, para se referir a seus personagens e dialogar com eles. Os locais selecionados se encontram num espaço limítrofe: público, por um lado, já que é aberto à socialização, mas privado, no que se refere a seus fregueses enquanto grupo social determinado. A presença da artista parece ser tolerada apenas como artífice do retrato. Está ali para desempenhar sua função numa espécie de 'bouger' autorizado. Duas identidades confrontam-se e são afirmadas perante o receptor: a do fotógrafo-autor e a do sujeito-referente, revelando a complexidade de tais relações dicotômicas. A dança é um elemento expressivo fundamental na cultura cubana, cultuado das mais dissimiles maneiras e associado, no âmbito popular, ao prazer e à extroversão, produzindo implicitamente um processo de socialização. A complexidade e a beleza implícita na dança funcionam, assim, como o desdobramento de um ritual de conhecimento mútuo, cuja essência leva à permanência de certos padrões sociais da cultura cubana. A série La Peña de Sirique (Figura 32), produzida em 1970, introduz-nos numa tradição musical própria da Ilha. O bolero, base da trova cubana, tem como essência as serenatas sob as janelas

131 BARTHES, Roland. (1989). Op. Cit. Pág. 25. 103

em consonância como uma vida boêmia de seus criadores. Os seguidores da Música Tradicional ou Velha Trova serão o motivo de inspiração para a obra de Marucha em La Peña de Sirique que não é outra coisa que um improvisado salão de baile no pátio de uma velha casa colonial. Participam da reunião pessoas de mais de trinta anos, negros em sua grande maioria, pertencentes a essa classe comumente conhecida de 'povo'. Neste primeiro retrato, os protagonistas aparentam certa indiferença diante da presença do olho indiscreto da lente, adotando uma atitude descontraída. O ponto está no desfrute do tema musical, nada mais importa. Talvez seja este um dos motivos pelos quais a artista parece-nos integrar-se com maior naturalidade neste contexto do que no resto dos locais em que acha seus objetos. Outro elemento distingue visivelmente o casal amante da trova dos protagonistas das outras séries: a interação entre eles não voltará a se repetir. Nesta obra a artista escolhe um instante sugerindo a relação de cumplicidade entre os sexos, uma proximidade que vai além do fato de dançarem juntos, uma comunicação maior que lemos através da gestualidade dos corpos. Em La Peña de Sirique homem e mulher cantam juntos, em viva voz, a música da orquestra. Podemos até tentar adivinhar a letra, mas o som se nos apresenta como um elemento prescindível. Ela gira a cabeça em direção a seu companheiro, no que pode ser uma tentativa de sincronizar ambas as vozes, enquanto ele, com a mão direita, marca o compasso do ritmo. Os resultados formais da obra parecem corroborar esta interpretação. Um ‗quê de lembrança pessoal‘ nos é transmitido. As imagens carecem de nitidez, mas podemos identificar os rostos dos personagens. O espaço é escuro, a angulação não nos permite reconhecer o local de reunião, e não nos são fornecidos dados sobre sua peculiaridade material: é como se o mesmo carecesse de importância física, só o nome da série nos fornece a ubiquação. Relevante são aqueles que nele aparecem. São eles os protagonistas e o que aqui sucede pode acontecer em qualquer lugar onde estejam.

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Figura 32: María Eugenia Haya. Sem título (da série La Peña de Sirique). 1979. Cuba.

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O Danzón, ritmo musical e dança tipicamente cubanos, será o protagonista da segunda série, El Liceo (Figuras 33-34). Espécie de cortejo de tipo cavalheiresco, os corpos apenas roçam-se, enquanto a sensualidade é transmitida através da cadência dos movimentos, dos olhares semi-ocultos atrás do leque, elemento que se faz imprescindível no ritual. Estabelece-se assim uma comunicação sem palavras, uma arte da sedução legada pelas senhoritas espanholas do século XVIII e XIX, especialmente pelas valencianas, cuja origem perde-se em remotos anais, sendo prontamente adotado na Ilha. Os amantes do danzón são aqueles que guardam a lembrança de tempos passados, da elegância e da formalidade de antigas festas: avôs e avós negros e mulatos, vestígios de uma etapa em que as classes sociais estavam claramente delimitadas. São veteranos num tempo de mudanças que, de certo modo, eles ignoram, talvez movidos pelo costume, preservando junto à dança, a marcação das diferenças sociais. Talvez seja este o motivo para mostrar os rostos orgulhosos, as atitudes de damas e cavalheiros que, em qualquer situação, posam para a posteridade. A elegância e a ironia estão em todo lugar, desde o salão, antigo clube exclusivo para brancos e um dos tantos espalhados pela Ilha que é uma testemunha de sua espécie, onde até um presidente da República fora barrado pela ―impureza de seus ancestrais‖, até a ingênua austeridade mostrada pelos convidados. ―[...] provavelmente a origem do Liceu esteja naquelas Sociedades de negros que proliferaram desde princípios do século XX, substitutos mais ―civilizados‖ dos Cabildos, nos quais os negros se reuniam para dançar ou compartilhar, em imagem e semelhança, das atitudes de ócio dos brancos. (tradução libre)‖ 132

Ao nos aproximarmos das obras que compõem a série El Liceo, nossa primeira impressão é estar assistindo a uma encenação ou a cenas de um filme de época, idéia reforçada pelo local em que se situam os personagens. Com efeito, se La Peña de Sirique depende unicamente dos convidados para sua existência, no Liceo o espaço físico e os detalhes ornamentais da decoração têm a conotação de um segundo protagonista. Os novos proprietários do antigo clube parecem fazer questão de manter o ambiente intocado. Tudo está detido no tempo e as roupas e penteados dos retratados ajudam a reafirmar esta idéia. Quanto ao resultado formal das obras desta segunda série, é válido salientar que as mesmas apresentam pontos de contato com as de outro artista de destaque durante este período. Referimo-nos a Ivan Cañas e sua série Veteranos (Figura 35), onde a abordagem do sujeito fotografado apresenta uma

132 MOLINA, Juan Antonio. (1998) Op. Cit. No original: ―[...] probablemente el origen del Liceo esté em aquellas Sociedades de negros que proliferaron desde principios del siglo XX, sustitutos más ―civilizados‖ de los Cabildos, em las que los negros se reunían para bailar o departir a imagen y semejanza de las actitudes de ocio de los blancos.‖ 106

reiterada frontalidade na hora de realizar o retrato, assim como a utilização da grande angular, provocando uma pequena distorção no resultado final, similar à obtida pela artista. Outro ponto de contato entre ambas as produções está na própria postura assumida pelos personagens ao serem retratados. Ivan Cañas fotografa exclusivamente homens de avançada idade que encaram a lente em posição de firmeza, com a elegância e a seriedade extrema de um soldado militar que assiste à visita de inspeção do general. Os protagonistas de Marucha, por sua vez, assumem uma atitude semelhante ao serem captados pela lente vestidos de terno, muito eretos e sérios, em atitude de quem deseja passar para a posteridade como modelo de integridade.

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Figura 33: María Eugenia Haya. Sem título (da série El Liceo). 1979. Cuba.

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Figura 34: María Eugenia Haya. Sem título (da série El Liceo). 1979. Cuba.

Figura 35: Ivan Cañas. Sem título (da série Veteranos). 1974. Cuba. 109

La Tropical, também conhecida como Palácio de la Salsa, será o cenário escolhido por Marucha para a terceira série. É o lugar que, por tradição, se junta à essência da história de um ritmo como a de sua dança, o 'casino'. La tropical, o mais popular salão de dança de Havana, foi fundado como dance club na década de 1950 por uma produtora de cerveja, com fins comerciais. Localizada numa zona longe dos grandes clubes de brancos, a Tropical foi desde seus inícios um espaço de 'tolerância', termo incorporado ao cotidiano da população, onde negros e mulatos garantiam sua diversão pela módica quantia de 50 centavos. Na Tropical encontramos a juventude, aqueles que precisam mais nitidamente de auto- afirmação, e talvez por isso mais agressivos em sua postura perante a câmara, no que interpretamos como a definição de propriedade do território. Outros aspectos são trazidos à tona nesta série através da vestimenta das personagens, onde reconhecemos uma tentativa de acompanhar, dentro de um país praticamente isolado, o ritmo da moda internacional, ecos de publicações como Mulher Soviética, amplamente difundida nestes anos. Nos olhares masculinos sempre ocorre à aparência de ingênua segurança de quem só se preocupa com seu próprio microcosmos e só se rege por suas leis. Na postura da mulher, por outro lado, fica evidente a involução: ela já não é a cúmplice cuja voz ao menos se esforça por estar no mesmo nível da de seu companheiro, nem a dama a quem se deve respeito do Liceo. A mulher da Tropical mostra-se como desvalida, completamente dependente da vontade daquele que a acompanham, de forma que seu papel de submissa está definido, seja na linguagem corporal, no penteado ou nas roupas. Tudo se junta para transmitir esta imagem. No retrato escolhido (Figura 36) um homem sustém um copo de cerveja no primeiro plano, cuja pose corrobora a procura da auto-afirmação de sua masculinidade, de um macho dominante que gosta de beber; porém, o gesto não é um convite ao espectador, tão usual em retratos festivos, muito pelo contrário, descobrimos nele uma rara semelhança com aquele ―outro‖ agressivo, associado hoje com os cantores de Rap nova-iorquinos dos subúrbios do Bronx. A mão esquerda desaparece nas costas de sua acompanhante. Ele a puxa para trás para posar ao seu lado, pois ela é imprescindível na construção de sua pose - é preciso deixar claro que, além da cerveja, ele gosta de mulher. O puxão dele desequilibra a postura de sua acompanhante, fragilizando-a ante nossos olhos, o penteado denota sua juventude, abaixo dos vinte anos. Encarnando o sentido literal do termo adolescência, e com um sorriso improvisado, ela mostra sua necessidade: um guia a seu lado, passando dos pais ao machão, sem dar-se conta. Estamos de acordo com o que diz a pesquisadora Lucrécia Ferrera, segundo quem ―toda arte é 110

utilitária, isto é, ela será tanto mais utilitária quanto menos coercitivo for seu projeto de produção, quanto mais dialógica for sua possibilidade de leitura, quanto mais carnavalesca for sua visão do mundo.‖ 133. Nesse sentido, devemos também concordar que a obra de Marucha apresenta, dentro do contexto cubano da década de 70, numerosas contradições, interrogações que, mesmo carecendo de resposta, são o motivo essencial de nossa reflexão. No início de nossa fala tínhamos colocado o 'ponto de saturação', como uma das causas do surgimento de novas linguagens na fotografia cubana. No entanto, resulta imprescindível esclarecer que a saturação a que fazemos referência diz exclusivamente respeito ao grande público, e não implica, em modo algum, uma mudança na demanda do governo que é, neste caso, o único 'mecenas' dos artistas. O ponto em questão é: como pode ser interpretada a produção de uma artista profissionalmente engajada no sistema, levando em conta a consolidação de uma política cultural eminentemente ditatorial,134 intensificada na década de 70 sobre a base da censura? Nesse caso, devemos lembrar que o interesse do governo é o desenvolvimento de uma perspectiva nacionalista a partir da difusão de uma imagem de igualdade social em prol do desenvolvimento da nação. ―Foi a partir dos anos 70 que começou a se divulgar uma imagem mais folclorista do negro, dentro de uma tentativa de diferenciar as raízes culturais africanas das espanholas, prestigiando as primeiras. Por outra parte, a fotografia estava se distanciando da épica dos primeiros anos da revolução e procurava campos mais específicos da cultura para definir a imagem do nacional. Assim criou-se também uma imagem edulcorada do negro cubano e de suas condições de vida.‖ (tradução livre). 135

Se partirmos tanto do pressuposto que toda obra de arte traz consigo a subjetividade e a interpretação que o artista faz do referente, quanto do fato de que Marucha faz questão de mostrar não uma, mas três séries de grupos sociais diferenciados ou se quisermos um único grupo dividido por faixas etárias, espaços, e comportamentos, invariavelmente surge à pergunta: Por que reiterar rupturas raciais e comportamentais em uma sociedade aparentemente igualitária? Por que colocar explicitamente em evidência a diferença comportamental? E, finalmente, por que a dança aparece, quando a demanda parece ser no sentido da imagem do povo trabalhando em conjunto na construção das grandes utopias, como a safra dos onze milhões?

133 D´ALÉSSIO Ferrara, Lucrécia. (1986). Op. Cit. Pág. 190. 134 Definida pelo então Primeiro Ministro, Fidel Castro, no discurso final do 1ro Congreso del Partido Comunista em 1961 e conhecida internacionalmente como ―Palabras a los Intelectuales.‖ 135 MOLINA, Juan Antonio. (1998). Op. Cit. Pág. 3. No original: ―Fue a partir de los años 70 que comenzó a divulgarse una imagen más folclorista del negro, dentro de un intento por diferenciar las raíces culturales africanas de las españolas, prestigiando a las primeras. Por otra parte, la fotografía se estaba alejando de la épica de los primeros años de la revolución y buscaba campos más específicos de la cultura para definir la imagen de lo nacional. Así se creó también una imagen complaciente del negro cubano y de sus condiciones de vida.‖ 111

Figura 36: María Eugenia Haya. Sem título (da série La Tropical). 1979. Cuba

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Dependendo do olhar do receptor, as obras de Marucha podem ser entendidas tanto como a continuidade das propostas culturais do governo em sua política nacionalista, quanto como uma resposta crítica a essa forçada 'construção' governamental. De acordo com nossa interpretação, La peña de Sirique, El Liceo e La Tropical convergem em um discurso não dicotômico, mas propositalmente ambíguo. Ou seja, estes retratos antropológicos conjugam o discurso revolucionário – jogo imprescindível para subsistência dentro do sistema de poder – ao mesmo tempo em que, de forma subjacente, dentro do aparentemente idílico ambiente festivo, outro discurso muito mais profundo emerge, nos falando nas entrelinhas daquilo que não pode ser dito explicitamente. Marucha encontra na música e na dança um modo para desconstruir o homem. Estabelece com o espectador um diálogo sobre a construção de personagens e suas máscaras: tanto aquelas que são empregadas pelos seus referentes, as nossas, enquanto seres sociais, bem como as dela mesma, duplamente necessárias num regime ditatorial. Marucha apresenta diferenças para traduzir a complexidade de uma sociedade que, passado o estrondo da revolução socialista, mostra suas contradições internas muito além da remota herança migratória africana. Por um lado, ela focaliza aqueles que são os protagonistas das grandes mudanças, iludidos em suas experiências pessoais; por outro lado, ela focaliza os que escolhem viver no passado, na nostalgia e na lembrança daquilo que não existe mais e, finalmente, aqueles que só parecem importar-se com a própria e individual realidade, reflexo de quem deixou de escutar o canto das sereias de promessas e metas coletivas. A tradição iniciada por Marucha através da linguagem fotográfica estabelece as bases de uma compreensão da idiossincrasia da cultura cubana através da música, que tem sua continuação mais acabada no filme-documentário de Win Wenders, Buena Vista Social Club. Alguém disse que as obras de Marucha parecem ter traçado o roteiro do filme, e é verdade. Os personagens de Marucha podem integrar-se, sem desconforto algum, tanto no cotidiano de quem contam suas histórias, como no palco, formando parte harmonicamente da essência do cubano anônimo, descontraído e hospitaleiro que, apesar das dificuldades do dia a dia, ou talvez como resultado das mesmas, procura tempo para cantar e dançar, fazendo de ambas as formas de expressão uma forma de existência.

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2.3 – Walter Firmo: Motivos para um samba negro.

―Será no oculto da imagem fotográfica, nos atos e circunstancias à sua volta, na própria forma como foi empregada que, talvez, poderemos encontrar a senha para decifrarmos seu significado. Resgatando o ausente da imagem compreenderemos o seu sentido do aparente, sua face visível.‖ 136

Boris Kossoy.

A década de 70 no Brasil não marca, como no caso de Cuba, a morte do fotojornalismo flagrante ou de denúncia como gênero de destaque na produção fotográfica. Mas existe uma convivência com uma corrente documental que, iniciada na década anterior, vai consolidando-se durante o decênio que concebe outro modo de aproximação com a realidade, evidenciando uma preocupação por aquilo que, de modo menos evidente, forma parte de um arraigado cotidiano social brasileiro mais do que pelo fatual do 'aqui e agora'; esta produção pode ser interpretada como uma tentativa de definir os elementos que tipificam o Brasil como povo em sua nacionalidade a partir da inclusão de setores anteriormente ignorados na construção idealista da brasilidade. ―Em sentido restrito, o fotojornalismo distingue-se do fotodocumentarismo. Esta distinção reside mais na prática e no produto do que na finalidade. Assim, o fotojornalismo viveria das feature photos e das spot news, mas também, e talvez algo impropriamente, das foto-ilustrações, e distinguir-se-ia do fotodocumentarismo pelo método: enquanto o fotojornalista raramente sabe exatamente o que vai fotografar, como poderá fazê-lo e as condições que vai encontrar, o fotodocumentarista trabalha em termos de projeto: quando inicia um trabalho, tem já um conhecimento prévio do assunto e das condições em que pode desenvolver o plano de abordagem do tema que anteriormente traçou. Este background lhe possibilita pensar no equipamento requerido e refletir sobre os diferentes estilos e pontos de vista de abordagem do assunto (...). [O] fotodocumentarismo tem, tendencialmente, uma validade quase intemporal (...).‖ 137

Esta vertente da fotografia documental frutifica a partir da obra de numerosos artistas que trabalham abordando diferentes aspectos do cotidiano da nação e segundo as mais diversas perspectivas. ―No campo editorial, em novembro de 1971, um suplemento especial da revista Realidade, da editora Abril, publica a matéria O Retrato do Brasil, reunindo fotografias de amadores. Distribuídos no corpo da revista pelas temáticas Nosso País, Ação, Nossa Gente, encontramos trabalhos dos fotógrafos Ruth Toledo, Salomon Cytrynowicz, Sebastião Barbosa (1943), Ubirajara Dettmar (1938), Walter Carvalho (1948), entre outros, destacados com prêmios de aquisição e menções honrosas. Ainda no âmbito das convocatórias nacionais, em 1971, o MASP e a Revista de Fotografia investem na idéia da exposição Retrato de Família Brasileira. O crítico e historiador de arte ítalo-brasileiro, (1900- 1991), diretor do museu, e os fotógrafos George Love e Cláudia Andujar esperam recolher fotografias que estão nas casas de família para cadastrá-las e devolvê-las aos seus proprietários depois da exposição. Alguns anos à

136 KOSSOY, Boris. (2002). Op. Cit. Pág. 135. 137 SOUZA, Jorge Pedro. (2004). Op. Cit. Pág. 12-13. 114

frente, mais precisamente em 1978, o concurso Cores e Sorrisos do Brasil, promovido pela Kodak, irá reunir na comissão de jurados artistas de prestígio, como Maureen Bisilliat, Wesley Duke Lee, Ella Durst, Vânia Toledo, entre outros, para julgar cerca de 10.000 fotos vindas de todo o Brasil.‖ 138

Estes projetos, fruto do interesse particular dos artistas por aspectos e problemáticas da sociedade de seu tempo, coincidem com a política nacionalista instituída pelo governo militar, que embora atravesse seu período mais radical de controle, na tentativa de manter-se no poder, fomenta através de determinadas medidas o desenvolvimento da produção fotográfica do país. ―Com a criação em 1975 da Funarte, organização oficial para as artes, o governo adotou uma política artística marcadamente nacionalista para com a cultura brasileira, a fim de conservar e fomentar o patrimônio histórico- artístico. Ao favorecer a aparição de centros artísticos fora do Rio de Janeiro e São Paulo, cidades como Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Salvador e Porto Alegre se converteram da mesma forma em centros de intensa atividade artística e cultural.‖ 139

―Será, portanto, neste contexto que veremos florescer o Núcleo de Fotografia, pedra de toque de uma profunda e benéfica influência para os fotógrafos brasileiros. O ano era 1979, e as discussões promovidas entre os fotógrafos Zeka Araújo (1946) e Sérgio Sbragia (1953) e a equipe do Centro de Documento e Pesquisa de Funarte levaram à estruturação de um projeto-piloto que previa, de início, implantar uma galeria exclusivamente para exposições fotográficas, trabalhando, paralelamente, com as seguintes vertentes: exposições itinerantes, mapeamento de acervos e fotógrafos atuantes no país, formação do fotógrafo além do investimento na produção de livros, catálogos, postais/posters de fotografia.‖ 140

Tendo como pano de fundo estes acontecimentos, na década de 70 acontece, na área da produção fotográfica, a emergência de uma figura destacada como um dos mestres da fotografia documental, considerado no âmbito nacional como um genuíno retratista do povo brasileiro. Referimo- nos ao fotógrafo Walter Firmo, que de forma autodidata inicia sua carreira como repórter fotográfico do jornal Última Hora, no Rio de Janeiro, em 1957. Ele se consolida como fotojornalista nos anos 60 a partir de seu trabalho no Jornal do Brasil, tendo sido laureado com o Prêmio Esso de Reportagem da revista Realidade e sendo colaborador, durante seis meses, em 1967, da revista Manchete, na sucursal da Editora Bloch em Nova Iorque. A partir de 1971, Walter Firmo trabalhará como free-lance na área de publicidade e em seus projetos pessoais, iniciando suas pesquisas sobre os costumes e festas populares das regiões brasileiras, que continuará até 1990. Em 1985, Firmo ingressou na sucursal do Rio de Janeiro da revista Isto É e, no período de 1986 a 1990 foi diretor do Infoto - Instituto Nacional de Fotografia. Ao longo de sua trajetória, foi contemplado com o Nikon International Photo Contest

138 MAGALHÃES, Angela e FONSECA Peregrino, Nadja. (2004). Op. Cit. Pág. 81. 139 MESQUITA, Ivo. ―Brasil‖, in SULLIVAN, Edward. (1996). Op. Cit. Pág. 225. No original: ―Con la creación en 1975 de Funarte, organización oficial para las artes, el gobierno adoptó una política artística marcadamente nacionalista hacia la cultura brasileña, a fin de conservar y fomentar el patrimonio histórico-artístico. Al favorecer la aparición de centros artísticos fuera de Rio de Janeiro y São Paulo, ciudades como Belo Horizonte, Curitiba, Recife, Salvador y Porto Alegre se convirtieron asimismo em centros de intensa actividad artística y cultura.‖ 140 MAGALHÃES, Angela e FONSECA Peregrino, Nadja. (2004). Op. Cit. Pág. 82. 115

em 1973, 1974, 1975, 1976, 1980 e 1982; com o prêmio Golfinho de Ouro do Governo do Estado do Rio de Janeiro em 1985 e com a Bolsa de Artes do Banco Itaú, em 1998, com a qual trabalhou em Paris. Firmo trabalha na atualidade como fotógrafo independente e coordena cursos e oficinas de fotografia. Já no início da década de 60, Walter Firmo aproxima-se do universo da cultura popular a partir da realização de uma série de retratos de algumas das mais destacadas figuras da música brasileira. A passagem por Nova Iorque marcará uma pauta na produção do fotógrafo, que o levará a uma nova concepção artística de sua obra. A partir de seu regresso ao Brasil, Firmo desenvolve uma produção que abarca aproximadamente 20 anos da vida do artista, tende como elemento distintivo a exaltação do negro na sociedade e sua contribuição para a constituição do 'povo brasileiro'. Tal imagem do 'povo', a partir da representação da minoria negra, será um ponto fundamental para compreensão da produção artística de Walter Firmo no Brasil e da relevância da mesma dentro da própria comunidade representada. Neste sentido, é de fundamental importância a mostra ―Walter Firmo em Preto e Branco‖, organizada pelo Museu Afro Brasileiro em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e com curadoria de Emanoel Araújo, comemorativa dos 4 anos do Museu Afro Brasileiro, celebrado em 20 de novembro de 2008, no Dia Nacional da Consciência Negra, e que agrupa junto aquelas obras realizadas ao longo de sua carreira que tem na comunidade negra141 um dos principais temas de seu interesse. ―Nos últimos 50 anos, o carioca de Irajá, além de seu percurso internacional com inúmeras exposições e premiações, saiu pelo Brasil em busca de fotografias únicas que contassem uma história – a história do povo brasileiro através de retratos, de uma cena cotidiana ou de suas manifestações culturais.‖ 142

141 O movimento negro no século XX ganhou força com o surgimento de várias células de resistência, como a imprensa negra paulista e a Frente Negra Brasileira, que veio a se tornar um partido político. Com o advento do Estado Novo este partido foi dissolvido, e em seguida, no período da redemocratização, foi considerado ilegal. Assim, sem opção política para buscarem visibilidade social e cidadania, os negros são obrigados a retornarem as suas formas tradicionais de resistência cultural. A única exceção neste momento é o Teatro Experimental do Negro, fundado no Rio de Janeiro e que tinha como objetivo conscientizar os negros sobre suas origens e seu papel na sociedade brasileira. Mas a invisibilidade política e social continuava, e os negros só eram lembrados como referência cultural ou mesmo como um problema para o desenvolvimento do país. Entre as décadas de 1950 e 1970 surgem dois movimentos negros, a Associação Cultural do Negro e o Instituto de Pesquisa e Cultura Negra, que buscavam rearticular e criar bases ideológicas fortes para o movimento negro brasileiro. Mas era um período de ditadura militar e os militares haviam transformado a democracia racial brasileira em uma de suas bandeiras. Com isso, qualquer negro que se levantasse contra essa política era tratado como traidor da pátria. Mais uma vez o movimento negro havia perdido seu poder de contestação, foi cerceado do seu direito de reivindicação por participação política e de sua busca por uma maior visibilidade social. O movimento hiberna e ressurge forte na segunda metade da década de 1980, e quando o fim da ditadura deu mais liberdade política e civil às pessoas, cientes de suas necessidades, os negros iniciam uma nova etapa em sua luta, a militância (Cf. CALHEIROS Barbosa, Mario Fernando. ―O negro no Brasil‖, disponível em: http://www.artigonal.com/ensino-superior-artigos/o-negro-no-brasil- 1121129.html ). 142 FIRMO, Walter e ARAÚJO, Emanoel. Imagens da terra e do povo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São 116

O interesse do artista em fotografar a população negra no que ele próprio denomina como seu labor, ―emoldurando esses personagens heróicos na razão da negritude,‖ 143 dará uma perspectiva diferenciada à produção artística de Walter Firmo, que terá seus ecos na produção do outros fotógrafos que trabalharam o tema da negritude a partir de um ângulo auto-referencial na década de 90. Embora se possa dizer que as produções de fotógrafos como María Eugenia Haya e do brasileiro Walter Firmo compartilham pontos de coincidência a partir dos seus referentes, ou seja, da representação da população negra dentro das realidades contextuais de seus respectivos países, no desenvolvimento do gênero documental o elemento auto-referencial se torna um ponto fundamental na diferenciação entre as perspectivas de ambos os artistas. Como já tínhamos colocado, Marucha faz o papel do 'bouger' entre seus referentes, de forma que suas personagens são um 'outro redescoberto' através da lente, captados sempre em lugares públicos de reunião onde a presença da artista é tolerada a partir de sua função como fotógrafa. Firmo, por outro lado, se reconhece como um de seus motivos, e sua experiência entre as figuras que fotografa parte de uma auto-referencialidade consciente e assumida. ―A preocupação por mostrar a minoria negra, isso é um fato consumado. Eu sou negro como dizem aqui, ―com pouca tinta‖, mas se estivéssemos nos Estados Unidos seria um afro-descendente, meu pai era negro. Foi uma opção minha, eu via essa parte da sociedade como invisível, só eram ressaltados quando cometiam um delito ou quando se dedicavam ao esporte, ou nas artes, mas eles não apareciam no cotidiano, nunca se falava deles, eles não existiam. Tudo começou com uma discriminação que eu recebi nos Estados Unidos, em Nova Iorque; estive lá por seis meses como colaborador da Revista Manchete. Lá eu recebi um fax de um colega e ainda lembro, dizia: como vocês aceitam uma pessoa que é mal profissional, analfabeto e negro. Aquilo ficou latejando na minha cabeça, e me toquei de um monte de coisas que antes não tinha percebido. Lá deixei crescer o cabelo à 'black panter', lá tomei consciência, comecei a gostar do Jazz, de que sou apaixonado até hoje. Eu tomei uma consciência que não tinha, a consciência da negritude. Adquiri uma consciência política que não tinha, foi preciso um beliscão na carne para sentir.‖ 144

Como foi colocado, o resultado deste interesse do artista pela representação do negro se desenvolve numa produção que abarca quase duas décadas de trabalho fotográfico e que parte do objetivo primário de mostrar algumas das figuras consagradas da música popular carioca e brasileira em seu desempenho como criadores e em seu cotidiano, e que, no entanto, vai expandindo-se ao longo dos anos incorporando figuras anônimas e conhecidas do convívio popular que suscitam o interesse do artista. A partir desta colossal produção, foi organizada na Pequena Galeria 18 a mostra ―Um Brasil mítico. Um passeio pela nobreza‖, organizada por Mario Cohen e exposta entre Julho e Outubro de 2003, na cidade de Rio de Janeiro, a partir da qual selecionamos as obras que serão analisadas em

Paulo, 2008. Pág. 3. 143 Idem. 144 FIRMO, Walter. Entrevista concedida à autora em 26 de novembro de 2009. 117

seguida. Além das 'minorias sociais' onde os artistas cubanos e brasileiros encontram seus motivos de inspiração, outros elementos são partilhados pelos fotógrafos em suas respectivas produções, como a representação do espetáculo e da vida artística, por assim dizer. Como já salientamos, os protagonistas das obras de Marucha são aqueles que desfrutam da música, como o povo que dança anônimo e é consagrado através das imagens da artista durante os espetáculos de músicos desconhecidos, que são neste caso ignorados pela câmera. Já Firmo busca seus motivos entre aqueles que criam o prazer de que falam as obras de Marucha, ou seja, nos artífices dessa magia que se traduz em dança – são estes os protagonistas de suas obras. Uma primeira aproximação nesta relação entre ambas as produções pode conduzir-nos à interpretação de uma obra como o do retrato de (Figura 37), como sendo uma forma de exaltação ao público que presencia o espetáculo, como se este reconhecimento por parte de quem a escuta fosse o elemento que confere status social à cantora negra, apresentada de costas ao espectador. No entanto, um olhar mais detido muda completamente esta primeira leitura para mostrar-nos a perícia do fotógrafo em aproveitar as condições dadas pelo próprio espaço, com a qual a angulação da câmera e o enquadramento fazem com que toda a imagem seja distinguível. Neste caso, a figura principal divide a cena, em pé, colocando todo o corpo iluminado à esquerda da imagem enquanto as pesadas sombras parecem desaparecer à direita, enquanto sombras e reflexos iniciam um jogo por toda a composição. De frente ao público de um teatro, a mulher negra foi captada pelo artista no centro da cena, vestida de brocado branco, ocupando o primeiro plano da imagem, iluminada pela luz dos refletores voltados para ela, confirmando-a como protagonista da cena. Clementina de Jesus da Silva (1901-1987) conquistou os palcos da música popular brasileira logo depois de ter trabalhado como doméstica por mais de 20 anos, até ser 'descoberta' pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho em 1963, iniciando sua carreira artística aos 63 anos. Neta de escravos, Clementina também será conhecida como Rainha Ginga ou Quelé, pela sua imponente presença de ascendência africana. Profundamente admirada pelos artistas da MPB, Clementina de Jesus participa de gravações com artistas como João Bosco, e Alceu Valença. No entanto, aqueles que tiveram o prazer de conhecê-la asseguram que a verdadeira magia de seu talento estava na conexão direta que estabelecia com o público em suas interpretações ao vivo. Na imagem em questão, conseguimos ainda distinguir na penumbra os rostos dos espectadores, todos com olhares atentos que caem sobre Clementina: este é um instante completamente seu, e não é o

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público que fala sobre ela, mas é ela quem, protagonista, nos mostra o poder de sedução de sua voz por meio deles, dentro da magia do espetáculo vista a partir dos bastidores. Esse momento único é uma lembrança para ser imortalizada na memória que só podemos compartilhar com sua protagonista graças à fotografia. Enquanto nosso olhar parte do fotógrafo-espectador sentado sobre o cenário, de costas na parede, há a cabeça da cantante no centro e logo a sua mão que, alçada na mesma altura de seus olhos, faz um gesto no ar em direção ao espectador da primeira fila vestido de terno, desenhando em nossa imaginação um triângulo aberto, até se perder rapidamente no vão jogo de querer distinguir os detalhes dos rostos do público que vão desaparecendo entre as sombras. Acode à nossa memória uma cena do filme ―O fabuloso destino de Amelie Poulain‖, onde a protagonista confessa que um de seus prazeres é olhar na sala escura do cinema os rostos ao seu redor enquanto todos se encontram extasiados perante a magia da grande pantalha, isto é, ante a magia de Clementina de Jesus, imortalizada por Walter Firmo.

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Figura 37: Walter Firmo. Sem título (Clementina de Jesus, da série Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza). Rio de Janeiro, 1960-1980. Brasil.

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As seguintes obras selecionadas para nossa análise estabelecem outro ponto interessante no dialogo entre as séries de Marucha e Walter Firmo, que diz respeito aos lugares a partir dos quais os artistas captam os seus protagonistas. Os retratos das 'minorias' em Walter Firmo guardam uma relação estreita com a marginalidade, enquanto as figuras de Marucha estão enraizadas, formando parte de uma tradição que remonta a séculos anteriores e que é dona de um espaço físico e é fomentada e estimulada pelo governo como parte da cultura e da sociedade cubana. As de Walter Firmo se encontram em espaços marginalizados, talvez indicadores de uma população que migra das pequenas cidades aos grandes espaços urbanos em procura de uma vida melhor, estabelecendo-se precariamente em favelas, como neste caso, no Morro da Mangueira. Embora aparentemente Marucha escolha o 'povo' para protagonizar suas fotos e Firmo escolha os 'artistas', o interesse do fotógrafo por retratar a parte 'humana' de seus personagens o faz adentrar-se em seus espaços cotidianos num conhecimento paulatino dos mesmos ao longo de anos, no qual ele ―tinha passado cerca de 10 ou 20 anos fotografando eles em ambientes íntimos, festas, feijoadas... Foi um trabalho feito aos poucos. Não havia pressa, quando a gente se encontrava, gratificava, no tinha pressa...” 145 Marucha coloca em debate a problemática da minoria negra, mas sua perspectiva não ultrapassa a de quem espia pela fechadura, mas não consegue penetrar no recinto, o que, obviamente, não diminui sua contribuição na apresentação do paradoxo da exaltação forçada por parte do governo de um setor social cuja diferenciação se nega a admitir. Os protagonistas de Walter Firmo são figuras famosas, dentro do marco estrito do popular, o qual não é sinônimo de uma posição financeira privilegiada. Trata-se de artistas do 'povo': dentro dele vivem e por trás do glamour da cena o fotógrafo mostra que seus protagonistas não são apenas os ídolos de uma minoria, pois sua própria realidade cotidiana é a mesma dessa minoria que a mídia esquece-se de mostrar. Lendo nas entrelinhas, detectamos nas obras de Firmo a presença de um discurso do artista que é comprometido com o contexto histórico-social no qual suas obras são produzidas, em consonância com o conceito de imagem fotográfica enunciado pelo próprio artista: ―a imagem não pode ser neutra e o poder do olhar deve influenciar as pessoas porque o ato de fotografar tem que ser político e não um mero acaso instantâneo.‖ 146 Nas duas obras seguintes, Firmo nos mostra as crianças (Figura 38), uma porção excluída das diferentes faixas etárias que motivam Marucha, assim como a expressão dos afetos por parte de duas figuras masculinas abraçadas no meio da rua (Figura

145 FIRMO, Walter. Entrevista concedida à autora em 26 de novembro de 2009. 146 FIRMO,Walter e ARAÚJO, Emanoel. (2008). Pág. 3. 121

39), onde, em ambas as obras, o cenário brasileiro do artista é aquele da periferia. Nestas imagens, Firmo aproxima-se e dá vida ao elemento pessoal de seus protagonistas, de forma a compartilhar de uma espécie de intimidade com seus referentes, convivendo com eles em seus próprios ambientes e movimentando-se com naturalidade dentro de seus espaços cotidianos, o qual possibilita flagrantes como os destas duas obras. As crianças são capturadas pela câmera, entre tantos tons de cinza, no meio de seus jogos, onde o sorriso branco de ambos é como o flash que o fotógrafo não utiliza como principio pessoal nas suas produções. A menina, no centro da composição, brinca com uma vassoura em meio a uma postura reconhecível, aquela do desfile de carnaval no qual a vassoura se converte numa bandeira e ela, sambando e com uma das mãos na cintura, apresenta-se como a porta-bandeira de uma escola de samba. Os pés de ambas as crianças estão em movimento, quiçá marcando o ritmo que dá motivo à fantasia infantil. O fundo está coberto por tábuas de madeira, que encontramos também no chão, e distinguimos também um escorredor descansando num canto e uma televisão à extrema direita, de forma que o ambiente é evidentemente muito humilde, embora a atmosfera seja completamente feliz. Nesse local, as crianças não olham a câmera e, como no teatro, temos a sensação de estar contemplando ou compartilhando por um instante de uma lembrança alheia, como se estivéssemos espiando na memória dos outros; é invariavelmente voltando a esse pedaço feliz da infância que todos nós temos sonhado, talvez por frações de segundos, em voltar. Na segunda imagem, capturada por Walter Firmo numa de suas tantas viagens ao Morro da Mangueira para conversar com figuras como , o artista captura o encontro do cantor com um de seus amigos, no instante em que a popular figura é carregada no colo no meio da rua. Angenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola (1908-1980), foi cantor, compositor e violonista, considerado por diversos músicos e críticos como o maior sambista da história da música brasileira. Cartola, como tantas figuras da música popular, teve uma vida cheia de precariedades, tendo concluído apenas o nível primário. Conhecido a partir da década de 1930, depois de alcançar a popularidade, quando suas obras foram interpretadas por figuras como Aracy de Almeida, , Francisco Alves, Mário Reis e Silvio Caldas, Cartola desaparecerá do ambiente artístico durante vários anos caindo no esquecimento. Redescoberto em finais dos 50, Cartola irromperá com novas composições que o levaram finalmente, em 1974, aos 66 anos, a gravar o primeiro de seus quatro discos retomando seu espaço na preferência popular. Firmo nos apresenta um gesto de carinho, um instante decisivo flagrado do cotidiano, uma amostra mais de admiração pelo amigo, pela pessoa comum e diáfana do que pela

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popularidade da figura do cantor. A obra nos permite desvendar, através desta amostra de afeto e espontaneidade, um pouco do ser humano em seu ambiente familiar. Cartola sorri ante a prova de afeto no colo de seu amigo, o amigo sorri para a câmera, enquanto a intenção do artista de fotografar o momento não os intimida as três pessoas no segundo plano continuam a conversar, como numa cena típica de bairro, tão simples e comovente em sua humanidade.

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Figura 38: Walter Firmo. Sem título (Crianças no Morro da Mangueira, da série Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza). Rio de Janeiro, 1960-1980. Brasil.

Figura 39: Walter Firmo. Sem título (Cartola, da série Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza). Rio de Janeiro, 1960-1980. Brasil.

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As obras de Walter Firmo são caçadas em diversas circunstâncias e tem o sabor do flagrante cotidiano, mas há, no entanto, algo arranjado nelas. Todas as imagens são felizes, não só pela qualidade de sua execução e seu resultado estético, sem dúvida notável, mas pelos personagens nelas representados, pela intimidade do fotógrafo com alguns de seus referentes, onde a vontade de capturá- los em sua atmosfera privada o leva a intervir na composição, conseguindo dos retratados as poses desejadas. O artista arma assim pequenas cenas a partir do conhecimento que tem de seus motivos, de forma que eles colaboram com estas encenações no que parece ser um acordo mutuo de 'interpretação e auto-representação', permitindo que sejam imortalizados pela lente em gestos e atitudes que aparentemente coincidem com o modo segundo o qual se vêem a si mesmos. Estas tentativas de captar as essências dos personagens se refletem majoritariamente nos retratos pessoais. ―A maior utilização das fotografias foi e permanece sendo o retrato, de resto uma antiga tradição brasileira. O hábito de custodiar fisionomias sempre foi comum, como anotou Gilberto Freyre na recapitulação da formação nacional: ‗Em muitas casas-grandes conservam-se seus retratos no santuário, entre imagens dos santos, com direito à mesma luz votiva de lampadinha de azeite e ás mesmas flores devotas‘.‖ 147

―Nossa personalidade exprime-se no rosto, e determina-se através dos gestos. Se cobrimos nosso rosto nos ocultamos, independente do resto do corpo estar à mostra.‖ 148

As duas imagens seguintes parecem ter sido previamente ensaiadas, e há alguma coisa de teatral em ambas, onde o resultado estético do enquadramento perfeito de ambos os personagens a partir de uma moldura proporcionada pelo próprio espaço em que são captados confirma nossa idéia de um arranjo prévio entre o artista e os protagonistas desses retratos. Embora sejam completamente alheias uma à outra, a construção das duas cenas produz a sensação delas terem sido pensadas em conjunto, como se estivéssemos frente a um casal que teria decidido posar para o artista de forma independente, mas complementar. No primeiro desses dois retratos (Figura 40), Firmo capta outra figura popular, o imortal João Francisco dos Santos (1900-1976), conhecido como Madame Satã, uns dos primeiros travestis negros a despontar nos palcos brasileiros, convertendo-se numa figura emblemática da vida marginal carioca, cuja vida, controvertida e difícil for levada ao cinema em 2002. ―Era um prisioneiro de muitos anos na Ilha Grande, como era o nome mesmo... era Madame Satã ele era gay, mas como eu sempre brinco, ele era homem da cintura pra cima, era capaz de brigar com sete homens e ganhar...‖ 149

No segundo retrato (Figura 41), Yvonne Lara da Costa, mais conhecida como

147 BARDI, Pietro Maria. (1987). Op. Cit. Pág. 9-10. 148 TABORDA, Felipe. Apud BARDI, Pietro Maria. Idem. Pág. 11. 149 FIRMO, Walter. Entrevista concedida à autora em 26 de novembro de 2009. 125

(1922). Cantora e compositora da música popular brasileira, Dona Ivone, como tantas outras figuras da música popular, dedicou-se a outras áreas antes de se voltar inteiramente à música, perto de se aposentar como enfermeira e assistente social em 1977. As obras de Dona Ivone formam parte do repertório de importantes figuras da canção no Brasil como Clara Nunes, Roberto Ribeiro, Maria Bethânia, , , Paula Toller, , , Mariene de Castro e Roberta Sá. Fundadora do Império Serrano, em 1947, Dona Ivone conta com a honra pública de ter sido a primeira mulher a fazer parte da ala de compositores de uma escola de samba, o que se realizou em 1965 com sua composição ―Os cinco bailes da história do Rio‖. ―A foto de Dona Ivone Lara foi na casa dela, num subúrbio de Ramos, na separação entre a sala e a cozinha. Eu vi aquelas fitas e a coloquei ali; tem algo de kitsch, eu gosto do kitsch, primeiro que é super colorido, eu acho ele muito bonito, pródigo, e estranho... são coisas eminentemente populares. Dona Ivone tem hoje mais de 80 anos, nessa época teria uns 50 e poucos.‖ 150

Ambas as personagens apresentam os rostos demarcados, a mulher por um lenço branco que está atado na cabeça e cobre seu cabelo, o homem por um chapéu ladeado estilo cowboy, elementos que reafirmam ainda mais a possibilidade de uma posse proposital para serem retratados. A figura do homem está delimitada pelo batente de uma porta do que poderia ser um comércio ou um armazém, e atrás dele a escuridão do espaço ressalta seus contornos. Outro elemento coincidente em ambos os modelos é o olhar: ambos olham direitamente para a câmera, ela mostrando um sorriso convidativo, ele um olhar penetrante de homem seguro e experiente, quase em linha reta. O enfoque e o ângulo em que a imagem foi tirada colocam a figura feminina de Dona Ivone no primeiro plano, enquanto o fundo fora de foco ajuda a realçar suas formas e as fitas da cortina caem com suavidade sobre seus braços, delimitando seus seios volumosos como um convite, não erótico, mas maternal, como se fosse uma mensagem de boas-vindas a esse espaço privado e humilde do lar. Já a perna e o braço direito de Madame Satã se adiantam para alcançar a saída ao ultrapassar o umbral, o que imprime a seu gesto uma pincelada de ameaça em relação ao espectador, pois a figura parece que vai irromper a qualquer instante em nossa direção, de forma que seu movimento, suspenso pela lente, tem um impulso quase felino. De outro lado, o tecido da blusa da mulher é enfeitado pelas formas de pequenos quadros laranja escuro e branco que harmonizam com as verticais coloridas da cortina, e esse detalhe kitsch que chamara a atenção do fotógrafo é também um elemento atrativo para o espectador, que realça o sabor da hospitalidade tão cálida das pessoas humildes, essa beleza do popular, que o artista tenta exprimir. ―A política na minha obra está inserida sempre através dos mais necessitados sem ter que mostrá-los

150 FIRMO, Walter. Entrevista concedida à autora em 26 de novembro de 2009. 126

indigentes, desclassificados, maltrapilhos. Não, eu os fotografo dignos, para mostrar que a vida é e sempre merece ser vivida nas piores circunstancias.‖ 151

As listras da camisa de Madame Satã se contrapõem às da porta de metal que o define como se estivesse emoldurado, sendo que a calça e a porta compartilham de um azul brilhante, que se intensifica pela escuridão que rodeia a figura. Madame Satã parece tentar escapar de uma moldura que o aprisiona; a cena é uma espécie de reconstrução de seu mito, ou melhor, uma contribuição a ele. Ambos os retratos compartilham de uma mistura de fantasia e realidade, dessa ficção documental entre um pouco do que somos e um pouco do que queremos ser, conjuntamente com ―um processo de criação/ construção técnico, cultural e estético elaborado pelo fotógrafo.‖ 152

0.

151 Idem. 152 KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções da trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. Pág. 52. 127

Figura 40: Walter Firmo. Sem título (Madame Satã, da série Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza). Rio de Janeiro, 1976. Brasil.

Figura 41: Walter Firmo. Sem título (Dona Ivone Lara, da série Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza). Rio de Janeiro, 1960-1980. Brasil.

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A última imagem selecionada para nossa análise pode ser considerada a obra emblemática desta produção de Walter Firmo. Um lirismo nostálgico nos é transmitido através dela, e novamente nos encontramos frente a um retrato; desta vez o modelo é o inolvidável Pixinguinha (Figura 42). Alfredo da Rocha Viana Filho, Pixinguinha (1897-1973), foi flautista, saxofonista, cantor, arranjador, regente e um dos mais importantes compositores da música popular brasileira, cujo nascimento em 23 de abril é homenageado como Dia Nacional do Choro, em honra a sua contribuição para a definição deste gênero. ―O do sax é o maestro Pixinguinha, é a foto mais famosa... todos gostam dela, eu já perguntei por que, e falaram que era a imagem da felicidade e que todos gostariam de estar sentados naquela cadeira. Existem duas tendências do fotojornalismo, o jornalismo do fato que trabalha com o flagrante, e esse, que eu introduzi, que é o fotojornalismo de observação, no meu caso a gente trabalha historiando coisas nossas que se espelhem no outro, na foto do Pixinguinha ele foi eu, aceitando meu convite, meu pedido de se sentar ali, e me deu esse momento... A gente não reflete o fato do momento único fatual, o instante. É uma construção aos poucos à base de observação, não que o outro fotojornalismo não seja de observação... é aos poucos, vai-se construindo através do outro.‖ 153

A idéia de uma construção de si próprio através do outro é sem dúvida um elemento fundamental nas obras de Walter Firmo, e nessa tentativa de dar voz a uma população negra ignorada pela sociedade as próprias palavras do artista são também uma parte fundamental da representação que norteia em certa medida a leitura de suas obras. A imagem de Pixinguinha é a imagem do descanso, mas também é a imagem do artista, da figura consagrada, o reflexo dos anos bem vividos atrás dos quais é possível desfrutar da plenitude, da paz do jardim. É a simplicidade dos pequenos momentos, um espaço para a introspecção, para o relato de uma vida longa que tem deixado suas marcas como as do tronco da árvore, mas cujas cicatrizes ainda guardam flores. Mais do que ‗naquele momento ele foi eu, ‘ está imagem é para o espectador um sinal de esperança de que ele possa alguma vez, depois de muitos anos, olhar o passado invadido por uma paz como a de Pixinguinha em seu balanço.

153 FIRMO, Walter: Entrevista concedida a autora em 26 de novembro de 2009. 129

Figura 42: Walter Firmo. Sem título (Pixinguinha, da série Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza). Rio de Janeiro, 1960-197?. Brasil.

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2.4 - Antropologia e fotografia versus Fotografia Antropológica.

―As diversas propriedades da construção da arte visual incluem: 1) a tecnologia artística, 2) sua expressão formal, 3) sua ideologia. Estas três propriedades podem ser controladas individualmente pelo artista de forma limitada, já que os indivíduos não podem agir completamente fora das estruturas sócio-econômicas da sociedade em que vivem ou de sua ideologia dominante, embora possam assumir uma atitude de resistência.‖ 154

Shifra Goldman.

A situação do indígena no Brasil é um tema candente dentro do governo da ditadura e, especialmente na década 70, o governo militar tentará uma expansão do Brasil a partir do projeto de re- população da floresta amazônica, que vem associado à idéia da construção da Trans-amazônica. As conseqüências destes projetos governamentais sobre as populações indígenas atrairão o interesse de vários fotógrafos que, a partir de uma primeira aproximação do problema segundo a perspectiva do fotojornalismo, derivou na produção de projetos pessoais a partir do que podemos identificar como certo engajamento dos artistas com os problemas sócio-políticos de seu tempo ―... a obra documental do escocês John Thomson assinala o início „real‟ da fotografia de compromisso social, um tipo diferente de fotodocumentarismo, uma fotografia que roça a denúncia, fruto da atividade de fotógrafos „empenhados‟.‖ 155 Dentre os artistas que se destacam como 'concerned photographers' nesta visão da problemática indigenista podemos assinalar duas figuras fundamentais na produção nacional durante a década de 70, ou seja, Claudia Andujar e Assis Hofmann. ―O carro-chefe do Programa de Integração Nacional (ao qual o governo de Médici deu prioridade absoluta) era a rodovia Transamazônica, com mais de 5 000 quilômetros de extensão, entre as cidades de Estreito, no norte de Goiás, e Humaitá no sul do Amazonas. Desde o anúncio de sua construção, feito solenemente por Médici, em cadeia nacional de televisão, a rodovia transformou-se em símbolo e meta-síntese de seu governo.‖ 156

Nascida em Neuchâtel, na Suíça, em 1931, Claudia Andujar se muda para o Brasil em 1955, onde trabalha como fotojornalista para publicações nacionais e internacionais, como as revistas Realidade, Life e Quatro Rodas. Será a partir da publicação do último número da revista Realidade em

154 GOLDMAN, Shifra in MEYER, Pedro (org). Feito na America Latina –II Colóquio Latino-americano de fotografia. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional de Fotografia. 1987. Pág. 44-45. 155 SOUZA, Jorge Pedro. (2004). Op. Cit. Pág. 54. 156 COLETIVO de autores. Nosso século. São Paulo: Editora Abril, Ano. Pág. 206. 131

1971, com a matéria ―Amazônia‖, que Cláudia Andujar estabelece seu primeiro contato com o povo indígena Yanomami. O interesse suscitado na artista por esta comunidade se converterá, depois da desaparição da revista, num projeto pessoal financiado pela John Simon Guggenheim Foundation de Nova Iorque, em 1971, e mais tarde, em 1976, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, permitindo que a artista se introduza na vida dos Yanomami, fazendo deste, a partir deste momento, um projeto de vida, mais do que de criação fotográfica. Assis Hoffmann, por sua vez, iniciará sua carreira profissional como repórter fotográfico no jornal Última Hora em Porto Alegre (1961-1964), exercendo o cargo de editor de fotografia quando o jornal mudou o nome para Zero Hora (1964-1969). Entre 1974 e 1976 assumiu a editoria de fotografia dos jornais Folha da Manhã, Folha da Tarde e Correio do Povo. Em 1969 fundou a agência fotográfica Fotocontexto e passou a colaborar com inúmeras publicações nacionais, como as revistas Manchete, Realidade, Fatos e Fotos e Veja, e os jornais O Estado de S. Paulo, O Globo e o Jornal do Brasil. Sem abandonar sua condição de fotojornalista em sua produção fotográfica, Hoffmann, como veremos em seguida, vai se adentrando em suas obras, numa linha criativa que se situa para além do interesse pelo fato noticioso e que o aproxima ao gênero documental, como corroboram suas participações em mostras expositivas como O índio brasileiro: um sobrevivente? (1977), Oito Fotógrafos Gaúchos (1977), assim como a I Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea, onde ambos os artistas compartilharam espaços na galeria de arte, o que é um elemento significativo da relevância da produção dos mesmos tanto no contexto nacional, quanto internacional.

A aproximação à fotografia que tem o indígena como protagonista é sempre um tema profundamente controverso que carrega implícita a própria visão do fotógrafo e desse 'outro antropológico' visto como minoria. Neste sentido, existe um elemento inevitável ligado à visão eurocentrista do mito do bom selvagem ou 'Noble Savage' que se desenvolve a partir do século XVII como parte da tradição ocidental nas artes e na literatura e que parte da visão idílica do homem em comunhão com natureza. ―Houve, desde o começo da especulação clássica, duas opiniões contrastantes sobre o estado natural do homem, sendo cada uma delas, é claro, uma Gegen-Konstruktion às condições em que foi formada. Um ponto de vista, chamado primitivismo ―suave‖ num livro esclarecedor de Lovejoy e Boas, concebe a vida primitiva como uma era de ouro, cheia de inocência e felicidade - em outras palavras, como uma vida civilizada purgada de seus vícios. O outro, a forma ―dura‖ de primitivismo, concebe a vida primitiva quase como subumana, cheia de incríveis dificuldades e destituída de todo conforto - em outras palavras, como a vida civilizada despida de todas as suas virtudes.‖ 157

157 PANOSFKY, Erwin. "Et in Arcadia Ego", in Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva. 1995. Pág. 379. 132

No caso de Claudia Andujar, alguns dos pesquisadores que se tem ocupado de sua produção negam a existência na mesma de qualquer sinal em seus principais motivos de criação desta visão idealizada do indígena por parte da fotógrafa junto dos Yanomami, como colocado por Eduardo Brandão e Álvaro Machado, no livro A vulnerabilidade do ser dedicado inteiramente à produção da artista. ―A relação de confiança mútua que estabeleceu com esses índios e o testemunho de seus rituais xamânicos determinam, numa primeira instância, uma nova abordagem da experiência fotográfica, com a permeação do olhar da fotografa às atitudes assumidas diante da câmara - radicalmente opostas ao chavão romântico da inocência indígena.‖ 158

Tais afirmações podem ser, segundo nosso juízo, rebatidas pelas próprias declarações da fotógrafa para explicar a natureza de seu interesse pelo povo Yanomami como referente criativo. ―Olha, não está completamente claro. É um pouco banal dizer, mas era uma procura de identidade, identidade de se relacionar com gente que é vulnerável. O sentimento mais forte que eu tenho é essa enorme vulnerabilidade que eles têm frente ao mundo. E que é pouco entendida. Ou porque são exóticos, ou são primitivos, ou são incompreensíveis. Essa vulnerabilidade me toca profundamente.‖ 159

Além disso, tais afirmações entram em contradição com as análises de outros autores que participam da mesma publicação, como no caso da análise de Laymert Garcia dos Santos sobre a representação da 'vulnerabilidade' nas obras de Claudia Andujar. Mas este juízo é rebatido, como veremos em seguida, acima de tudo pela própria obra da artista. ―‗vulnerabilidade do ser‘ é o nome que designa o processo de efetuação dos movimentos da intuição e da simpatia, o circuito do reconhecimento atento do qual decorrem tanto a percepção fotográfica de Claudia Andujar como o valor fotográfico de sua vida. Vulnerabilidade é a experiência em estado ―puro‖, captada e fotografada. Não importa que no depoimento da fotógrafa isso seja traduzido em termos de identidade, mas sim que sua intensa relação com o outro se dê, de um lado, sob o registro de uma intuição da vulnerabilidade material, vital, social ou pessoal desse outro, a qual, deflagrada pela percepção, se revela na duração da própria existência da fotógrafa, e, de outro, sob o registro da simpatia que é projetada a partir dela e que vai projetá-la no outro, transportá-la ao interior de um objeto para coincidir com o que ele tem de único e, conseqüentemente, de imprimível. Como intuição, a vulnerabilidade é aquilo por meio do que Claudia entra em contato com o outro em si mesma; como simpatia, a vulnerabilidade é o meio pelo qual ela projeta a sua interioridade no outro.‖ 160

Assis Hoffmann, por sua vez, não abandona sua postura de fotojornalista, não renuncia jamais ao 'straight photography' ou à fotografia purista, aquela forma direta em que o artista se abstém de qualquer manipulação tanto na captação da imagem quanto na sua impressão, tão cara às publicações noticiosas; no entanto, mesmo quando identificamos em algumas de suas obras a tentativa de uma postura neutra em ocasiões críticas, devemos dizer que, segundo nosso juízo, o feitiço da passividade do índio não chega a ser rompido.

158 ANDUJAR, Claudia. (2005). Op. Cit. Pág. 171. 159 ANDUJAR, Claudia. Idem. Pág. 49. 160 Idem. 133

A representação da infância por ambos os artistas denuncia a permanência e o apego destes convencionalismos da sociedade ocidental a que os artistas pertencem. Claudia Andujar e Assis Hoffmann compartilham estes elementos ao tomar crianças como referentes, onde o tratamento destes modelos por ambos evidencia que a idéia da inocência do índio prevalece. Volta a se sobressair a visão do indígena como um desvalido social, como ser cuja imaturidade o coloca numa postura vulnerável perante o resto da sociedade. Tais retratos podem ser qualificados como 'cândidos', ainda que opostos ao conceito da 'Candid Photography' desenvolvido na primeira metade do século XX, em que o retratado desconhece a presença do fotógrafo. No caso de ambos os artistas, a candidez do referente não está dada pelo desconhecimento de estarem sendo fotografados, mas pelo tratamento que ambos os artistas fazem de seus referentes, no qual identificamos uma exploração da idéia de 'inocência' das crianças. Enquanto, de um lado, Claudia Andujar concentra toda a força de sua imagem (Figura 43) através do close-up nos olhos da criança, olhos escuros e brilhantes de límpida humildade. Assis Hoffmann opta por nos mostrar (Figura 44) todo o entorno, a nudez do sexo sobre a terra, a barriga desproporcionalmente grande associada à insalubridade e o olhar que, mesmo à distância, é penetrante e vai direto ao espectador. ―Nos levantamentos etnográficos dos índios norte-americanos levados a cabo, no final do século passado e princípios do século XX, por Edward Curtis (1868-1952) e Adam Vromun, Edward Curtis fotografou os nativos americanos de 1907 a 1937, fazendo-os freqüentemente posar e recuperar trajes e práticas que tinham abandonado, evidenciando assim, que entre a encenação ficcional e a pretensa objetividade do documentário ‗não existe uma fronteira de princípio‘.‖ 161

Entendemos que as crianças podem ser vistas como o símbolo da postura do Estado brasileiro perante o indígena, que legalmente se encarrega de sua custódia colocando-o numa situação de adolescência social, por assim dizer. Estas obras se apresentam ante o receptor como uma tentativa por parte dos artistas de estender essa 'responsabilidade governamental' pelo indígena para o resto da sociedade. No ano de 1978, ano a que pertence este retrato infantil apresentado pela artista na Primeira Mostra Latino-Americana de Fotografia Contemporânea no México, Claudia Andujar será expulsa do território Yanomami e enquadrada na Lei de Segurança Nacional graças ao seu 'suspeito' interesse por esses índios.

161 SOUZA, Jorge Pedro. (2004). Op. Cit. Pág. 52. 134

Figura 43: Claudia Andujar. Uma visão dos Yanomami. Roraima, 1976. Brasil.

Figura 44: Assis Hoffmann. Sem título (Índia Kayapó). Aldeia Gorotire, Pará, 1972. Brasil.

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Neste sentido, podemos dizer que ambos os retratos representam a minoria a ser defendida em consonância com a construção, forjada em séculos anteriores, do indígena em comunhão e harmonia com a natureza, como a reserva dessa parte intocada do ser humano olvidada pelo homem 'civilizado' que é necessário preservar, como a criança que, supostamente, todos levamos dentro; mas os retratos são também uma declaração política contra a postura do governo militar em relação aos direitos dos povos indígenas brasileiros.

Como já foi colocado, o tema Yanomami na obra de Claudia Andujar abarca, praticamente, toda a carreira da artista, revelando a partir de distintas arestas o seu interesse por uma mesma problemática. Esta particularidade da obra da artista faz com que a nossa análise ultrapasse o limite temporal da década de 70, em prol de uma abordagem mais abrangente das distintas perspectivas que compõem sua produção como parte de seu trabalho com o povo Yanomami. Claudia Andujar apresenta ao público uma serie que, iniciada já na década de 80 sob o nome de Marcados (Figura 46), mostra o que podemos denominar de um inventário do indivíduo no povo Yanomami, motivada pela ausência de nomes pessoais na cultura destes. ―Em 1981 dois médicos e eu formamos um pequeno grupo, que foi lá para tentar levar um projeto de saúde, para salvar varias aldeias, algumas dizimadas e outras muito mal. Por tradição os Yanomami não têm nome já que são grupos pequenos que formam os grupos das famílias extensas e se chamam pelo parentesco. (A numeração neles) foi por causa do trabalho de levantamento de saúde. Foram os médicos os que propuseram essa idéia.‖ 162

Composta inteiramente por retratos frontais, esta serie apresenta uma nova perspectiva da produção da artista sobre o povo Yanomami, que lembra a iconografia dos usos da fotografia pela antropologia física, a antropométrica fotográfica, e as técnicas implementadas por Alphonse Bertillon para a classificação de presos. Ou seja, podem ser associados tanto à estética dos ‗Types‟ ou 'tipo racial' desenvolvido no século XIX na antropologia física para englobar, através do retrato de um individuo, toda uma comunidade, despojando o representado de toda diferenciação como ser individual, quanto aos usos do retrato para a identificação por meio de certos rasgos fisionômicos do caráter da pessoa, como prova da agressividade e da possível projeção delitiva do modelo. Este novo modo de apresentação do povo Yanomami demonstra o conhecimento, por parte da artista, das práticas da fotografia antropológica de finais do século XIX e inícios do XX, e da influência em sua produção da

162 ANDUJAR, Claudia. Entrevista concedida ao programa Click em 15/3/ 2009, disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=kmVwLPuZCrk 136

obra de antropólogos como . Tais obras, de aparência puramente cientifica, se submetidas a uma aproximação mais apurada, apresentam uma visão inteiramente distinta da fotografia dos 'Types' antropológicos e sua pretensa objetividade para dialogar com o espectador a partir do que identificamos como um claro indicador de crítica social. ―A USP e outras instituições solicitaram suas fotos de etnias indígenas? À época, os antropólogos não manifestavam interesse por tais registros visuais. Alguns achavam que essas imagens não constituíam um registro antropológico e tampouco eram fotos documentais. Eles chegaram a criticar minha reportagem de moda feita entre os Xikrin. Lamentaram a ―exposição da desigualdade entre os índios e a modelo.‖ 163

Sob sua aparente frialdade cientifica, as imagens 'puramente antropológicas' estão intencionadamente direcionadas a provocar uma reação de rejeição no espectador, de forma que funcionam como uma provocação, um choque proposital para uma sociedade inerte e passiva ante o problema indígena, representado neste caso pelos Yanomami que, durante o ano de 1981, a partir da construção, segundo decisão do governo, da Estrada Perimetral BR 210, que atravessava a comunidade, a população perdeu grande parte de seus membros por causa do surgimento do sarampo entre os construtores. Os Yanomami de Claudia são retratados para que possam existir; eles precisam da voz da artista para falar por eles em sua defesa, e se apresentam ante o espectador numa atitude passiva, como a documentação de uma espécie em perigo de extinção. A partir de 1988 e até o ano 2000 Claudia Andujar presidirá uma ONG na luta pela demarcação das terras Yanomami.

163 ANDUJAR, Claudia. (2005). Op. Cit. Pág. 116. 137

Figura 45: Claudia Andujar. Vertical 12 (da série Marcados). 1981-1983. 57 x 38,5 cm (Tríptico). Brasil

Figura 46: Assis Hoffmann. Sem título (Índios Kaiapó/Aldeia Gorotire, Sul de Goiás com Mato Grosso), 1972. Matriz-negativo, coleção do artista. Brasil. 138

Embora os retratos das crianças possam ser interpretados como um indicador dessa 'vulnerabilidade indígena', é possível identificar nas obras de Assis Hofmann, aos nossos olhos, uma revelação de outra face, do 'outro' antropológico, minoritário. Podemos dizer que as imagens do artista também dão existência ao 'outro', mas o fotógrafo consegue ir além da visão desvalida do indígena para mostrar-nos outra perspectiva desse 'outro', na qual seus protagonistas têm, longe da aparência desvalida, um 'que' de ameaçante e de atitude de protesto, uma reação ante o olhar do mundo exterior representado pelo fotógrafo e sua câmera. No retrato coletivo dos Kaiyapó (Figura 46), Hoffmann supera a postura do artista que necessita dar voz a seus personagens para se converter na testemunha da existência dessa voz alheia. Três rostos Kaiyapó nos olham, através da lente do artista, mais do que com desconfiança e desprezo, em atitude de confronto e de ameaça. Três figuras, uma masculina e duas femininas, os quais nos dão uma idéia da coletividade compartilhando reações e atitudes, e não de uma postura ou um gesto ao acaso de um individuo em particular. Esta obra se apresenta ante o espectador como a prova de que esse outro, ainda que minoritário, existe, e ainda que fale outra língua, sua voz merece ser escutada. Seus olhares e posturas questionam a mítica passividade do mundo indígena e, diferentemente de Claudia Andujar, Hoffmann não suaviza, por assim dizer, em nenhuma de suas obras, a visão do 'outro'; inclinado aos recursos da 'straight photography', sua visão se debate entre a visão antropológica e o fotojornalismo. Suas obras mostram uma crueza que também se diferencia das imagens antropológicas de intencionalidade 'puramente científica'; A sua é uma antropologia de denúncia, uma denúncia que não mostra a passividade de quem espera ajuda apelando à misericórdia e à solidariedade, mas que expõe a rebeldia de quem não é ouvido, retratando a 'vulnerabilidade' dessa minoria, mas também sua indignação e revolta. O autor dá, assim, existência a esse outro antropológico introduzindo-o na mesma realidade de quem se finge de surdo.

139

Um elemento distintivo e compartilhado nas produções fotográficas de Assis Hoffmann e Claudia Andujar é a preocupação estética de suas obras. A linguagem da fotógrafa transita por diferentes perspectivas na criação de um amplo leque de opções para a captação da imagem. Hoffmann, por sua vez, mantendo-se dentro dos preceitos da fotografia direta, sem apelar nunca à experimentação, mantém um cuidadoso tratamento do enquadramento e da composição em todas as suas criações. Hoffmann se mantém fiel à visão de fotojornalista ao tentar captar uma maior quantidade de detalhes e, sobretudo, uma maior quantidade de fatos possíveis, e mesmo quando a fotografia é documental, a visão do fotojornalista distingue o entorno, o contexto, que formam parte fundamental de suas imagens. Suas angulações são sempre tomadas da mais estrita perspectiva do retrato tradicional, sendo a figura humana um elemento fundamental em suas obras. Embora tenha também no elemento humano seu motivo fundamental, Claudia Andujar oferece com freqüência ao espectador perspectivas diferentes de aproximação. Na próxima obra (Figura 47), pertencente a serie Uma visão dos Yanomami, a fotógrafa opta por uma composição que a aproxima da poética do abstracionismo fotográfico, com uma imagem que ganha vida a partir de um jogo de linhas formado pelos membros do corpo que se imbricam com os desenhos na pele, parte das praticas culturais Yanomami. O ângulo selecionado pela artista oferece uma visão fragmentaria das figuras, que estão cortadas, compondo uma relação complexa entre os corpos que se fundem numa espécie de compenetrado abraço. A luz artificial que ilumina a cena estrategicamente colocada sobre os corpos completa o jogo das formas, definindo e ocultando os contornos. A imagem possui um delicado componente erótico, que provoca no espectador a calidez de uma sensação quase táctil dada através das dobras da epiderme, das veias sob a pele que se confundem com os desenhos sobre ela e nudez a da carne. Além disso, o fundo escuro causa uma atmosfera de intimidade que nos seduz e revela a beleza dos detalhes obtidos devido à pequena angulação da câmara, que aproxima as figuras do público numa plasticidade palpável que nos perde para além do jogo de querer entender o tecido mesclado pela artista.

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Figura 47: Claudia Andujar. Uma visão dos Yanomami. Roraima, 1976. Brasil.

Figura 48: Assis Hoffmann. Índia Kaigang. Reserva de Tenente , Rio Grande do Sul, 1972. Brasil. 141

Já a obra de Assis Hofmann (Figura 48) apresenta uma estética apurada que é completamente divergente da de sua colega, e onde nossa aproximação à obra é conseguida a partir da imposição da distância, a razão da composição se revela no panorama e nas figuras humanas que são importantes, mas a verdadeira protagonista da obra é a terra. Novamente nos encontramos perante o jogo de linhas, mas desta vez, seus traços partem dos sulcos da terra, das curvas que formam seus caminhos. A terra mais uma vez como motivo, como causa dos enfrentamentos e como símbolo do apego das comunidades indígenas a que pertencem os personagens que pousam para a fotografia. Dois membros da comunidade Kaigang, que presumimos ser uma mãe com seu filho, nos são apresentados pela lente, seus vestidos nada reveladores de sua procedência indígena evidenciam o contato com os brancos e o perigo da aculturação indígena, outro dos temas de debate durante estes anos. A imagem nos dá a sensação de ser atemporal a ubiquação destas figuras, que poderiam estar em qualquer lugar da América Latina ou mesmo no século anterior. O enquadramento foi estudado cuidadosamente pelo artista, pois as figuras se encontram em perfeito equilíbrio compartilhando o centro da composição. O olhar direito para a câmera tem um que de curiosidade dos primeiros retratos do século XIX, como se tratasse de um acontecimento fora do normal. Os pés nus sobre a terra falam desse apego indígena que completa o círculo de nossa leitura para voltar à verdadeira protagonista da obra. Os caminhos atravessam em diagonal a imagem numa fuga que queremos perseguir, conferindo a sensação de ser muito maior o espaço que se estende sobre a cabeça das personagens, convertendo a imagem, mais do que num retrato ao ar livre, numa paisagem com figura humana.

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Embora tenhamos colocado o labor de Assis Hoffmann pela questão indígena como um dos motivos de nosso interesse pela obra do artista, devemos dizer que os elementos que o colocam dentro de nossos objetivos superam esta temática. Se for válido dizer que Claudia Andujar se engaja na polêmica pela demarcação das terras Yanomami ao fazer da defesa dos diretos deste povo um elemento que atravessa seu interesse artístico, Assis Hoffmann, por sua vez, não abandona a perspectiva de fotojornalista, e ainda que o tema indígena seja uma constante em sua obra, que se insere no caminho de um projeto independente, devemos dizer que, aos nossos olhos, sua visão crítica da realidade política da época o faz ir além da parcialidade na defesa indígena, mostrando a outra face do projeto Transamazônico, ou seja, a realidade de outra minoria social, a face dos colonos, daqueles que foram enganados pelo Estado e que seguiram as promessas de terra. ―Eu fui enganado. Me prometeram terra, semente, crédito, casa, escola e médico. Só cumpriram uma promessa - a da terra. Aí veio a chuva grossa, a estrada virou lama e nós ficamos isolados do mundo, no meio do mato. Quase morremos de fome.‖ 164

A imagem dos colonos (Figura 49), de Assis Hoffmann, tem a eloqüência das fotografias de artistas como Dorothea Lange, em especial a foto Mãe Emigrante (Figura 50) realizada durante o projeto Farm Security, e hoje ícone fundamental da fotografia documental universal. Hoffmann exprime o drama enfrentado pela comunidade a partir de um retrato coletivo, que como a imagem mais famosa da fotógrafa norte-americana, tem por protagonista uma mãe com seus filhos pequenos. No entanto, enquanto a artista trabalha no início do século para um projeto do governo, o brasileiro coloca o governo em xeque com seu projeto. A composição da obra, um 'flagrante' no meio do caos da realidade, está construída para explorar em todo seu peso o poder da imagem fotográfica como meio de comunicação e de denúncia. O artista capta num retrato detalhado da figura da mulher e duas crianças de colo o desespero comovente dos mais débeis, uma minoria sem voz. O artista não deixa nada ao azar, estampa ante os olhos do espectador a roupa furada, o choro desconsolado das crianças, a

164 Entre os anos de 1970 e 1973, o Governo fomenta, através do plano de Integração Nacional (PIN), uma política de ocupação da fronteira amazônica. Essa migração dirigida tem como meta povoar e colonizar extensos trechos na orla da rodovia Transamazônica, assim como transferir o excedente de população do Nordeste para a Amazônia, permitindo o acesso à ―terra sem homem ao homem sem terra do Nordeste‖. O instrumento principal dessa política foi o programa de Colonização Dirigida, que se propunha a assentar nas margens da Transamazônica mais de 1 milhão de famílias nordestinas até 1980. Em 1974, quando o programa foi desativado, apenas 5 717 famílias estavam estabelecidas na região. A desativação deu-se porque essas áreas, com o trabalho de preparação da terra feito pelos colonos, foram repentinamente valorizadas. O governo passa, então, a dar prioridade para a instalação de grandes empresas agropecuárias e de mineração. E os colonos começam a ser desalojados: ―Nós viemos de outros Estados a fim de procurar terras (...). Viemos aqui à Transamazônica buscar terra e não para matar insetos, mosquitos, animais e depois que está tudo pronto entregar aos tubarão (...) Nós estamos cansados de enfeitar a noiva para os outros‖ (COLETIVO de Autores. Nosso século. São Paulo: Editora abril. Ano. Pág. 206). 143

precariedade do entorno, o pedido de ajuda no olhar, as rugas no rosto marcando a testa entre as sobrancelhas como sinal da pele curtida pelo árduo trabalho ao sol. No fundo da imagem distinguimos o resto dos colonos, e enquanto suas figuras perdem definição e o artista prescinde de suas faces, só um jovem que caminha atrás da mulher, possivelmente um filho mais velho, olha a câmera. Nessa representação de toda a comunidade a mãe ocupa o primeiro plano, e através dessa protagonista que olha à distância, o fotógrafo tem a oportunidade de fazer sua declaração através do rosto dela com seus filhos nos braços. Aqui, o artista não só documenta os fatos, pois a escolha de seu referente apela a elementos culturais que garantem uma conexão com os espectadores, de forma que os protagonistas de Hoffmann se convertem em símbolos carregados de conotações universais.

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Figura 49: Assis Hoffmann. Colonos Gaúchos. Reserva Kaigang, Nonoai, Rio Grande do Sul, 1972. Brasil.

Figura 50: Dorothea Lange. Mãe Migrante. EUA, 1936.

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Claudia Andujar constrói uma visão do indígena brasileiro que, como toda 'visão', apresenta numerosas problemáticas. No entanto, a construção da artista não tem a ingenuidade que uma rápida olhada em suas obras poderia supor; neste sentido, o suplemento verbal é um elemento fundamental para uma leitura mais apurada da imagem e que nos devolve aquilo que a artista introduz com plena consciência nessa 'representação' ao se antecipando às possíveis reações do público 'branco'. Assim como também explora o misticismo ancestral que rodeia as comunidades indígenas em que se introduz, a artista alimenta ainda a visão pré-concebida destes personagens, que permanecem como uma espécie de mito para o resto da sociedade a que ela pertence. Ela reafirma, assim, através de suas obras as idéias estereotipadas do 'outro' indígena, numa atitude ambígua que pode ser interpretada tanto como uma procura de aceitação desse outro pelo espectador, quanto como um sinal de fascínio pessoal a partir de sua própria condição de 'branca européia' ou, ao contrário, como uma ironia crítica às atitudes desse outro 'branco' espectador, a quem vão dirigidas as imagens. ―Sobre esse tema há um dado interessante, relativo às minhas intervenções de luz nas imagens dos Yanomami, ou seja, a maneira como interpretei seus transes, ou sonhos - após eles próprios terem me contado seus encontros como os espíritos da natureza. Eles não se importavam que eu registrasse o transe xamânico, já que é uma expressão essencial de sua cultura. Quando lhes mostrei as imagens resultantes, perceberam de imediato o propósito dos recursos visuais que adotei, enquanto o público em geral se mostrava surpreso e indagava: ‗Como fez?‘.‖ 165

A série ―Sonhos Yanomami‖ é o resultado, segundo a própria artista, da experimentação como parte de sua vivência pessoal da droga usada pelos Yanomami em seus rituais místicos, numa tentativa de representar o mundo como ele é visto pelos próprios indígenas. A série a que pertence às obras das (Figuras 51 e 52) foi realizada durante aquela que seria a última estadia de longo período da artista na aldeia Yanomami, entre 1976-1977. Nestas obras, a artista joga com as mais diversas técnicas de manipulação fotográfica, colorindo as fotos, suavizando e diluindo os contornos e acentuando contrastes através da falsa iluminação. Tais obras evidenciam uma preocupação, mais do que pela composição, que é um elemento cuidadosamente tratado em todas as peças da artista, pela experimentação e por questões estéticas que põem de manifesto sua formação como pintora, assim como a estreita relação com o acontecer artístico de seu tempo. Estas obras, mostras de uma ―descaracterização da realidade na promoção de outra aproximação perceptiva do objeto” 166 adiantam em seu tratamento o que virá a ser a sistematização da fotografia de intervenção no Brasil.

165 ANDUJAR, Claudia. (2005). Op. Cit. Pág. 118. 166 D´ALÉSSIO Ferrara, Lucrecia. (1986). Op. Cit.Pág. 25. 146

Figura 51: Claudia Andujar. Desabamento do Céu (da série ―Sonhos Yanomami‖). 1976. Brasil.

Figura 52: Claudia Andujar. Hélio para os brancos (da série ―Sonhos Yanomami‖). 1976. Brasil. 147

2.5 – Conclusão

A presença, durante a década de 70, de uma vertente do gênero documental que tem como centro a representação de minorias sociais não é fenômeno exclusivo da fotografia brasileira e cubana. Como já foi mencionado, a Primeira Mostra Latino-Americana de Fotografia Contemporânea foi um marco propicio para a corroboração desta tendência criativa como uma preocupação compartilhada por numerosos autores no subcontinente. Tal elemento guarda, aos nossos olhos, uma estreita relação com a realidade política e social destas nações e com a idéia da construção da 'imagem 'latino-americana' em voga nos debates culturais deste período, em consonância com as idéias desenvolvidas por parte dos intelectuais de uma abertura, nestes países, da idéia de nação, que pela primeira vez passavam a incluir minorias sociais até então ignoradas, assim como faziam a crítica da visão idealista eurocentrista de construção da história, abrindo o leque da diversidade cultural como principio enriquecedor dos estudos teóricos. Em contraposição, critica-se a visão da câmera como elemento colonizador na reafirmação do 'eu' através da representação do 'outro', numa postura que, embora não possa ser considerada como desprovida de 'idealismo', possui um substrato crítico na luta das sociedades pela inclusão e o respeito à diversidade.

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Capítulo III

Contemporaneidade fotográfica: novas poéticas, novas estéticas

149

3.1 - Novas poéticas, novas estéticas.

As obras pertencentes a este terceiro capítulo da dissertação correspondem ao conceito de 'fotografia documental' em seu sentido mais amplo, o que implica a existência de um 'real' inicial que pode permanecer imutável, ou que pode ser manipulado ou arranjado pelo artista, na procura de um resultado específico. Esta categoria, como já foi dito no segundo capítulo, é ampla demais e pouco efetiva para a compreensão de nosso objeto de estudo, razão pela qual preferiremos empregar o conceito de ‗Fotografia Autoral‘ de forma a levar em conta a presença evidente, nestas produções, da procura por parte dos artistas de uma linguagem pessoal e diferenciada. Neste sentido, as relações entre os artistas e seus referentes a partir ou não de um real ‗factual‘ serão abordadas de forma mais apurada a partir das análises das próprias obras e de suas especificidades. Como princípio diretor de nosso discurso, empregaremos a denominação de fotografia autoral partindo da relação das produções correspondentes à década de 1980, a partir da idéia básica de projeto artístico, uma vez que as mesmas são resultado de um objetivo preconcebido pelo artista, onde o criador, no processo de sua realização, se submete a uma busca a partir de um interesse particular que combina elementos tanto conceituais quanto formais, levando adiante um processo criativo que pode durar meses ou anos, em prol de um discurso específico no qual as suas vivências pessoais e/ou preocupações estéticas desempenham um papel fundamental. ―A nova fotografia documental combina um estado atento das temáticas com um largo aspecto de estilos e formas de expressão que usualmente se associam à arte perseguindo mais o simbólico que o analógico, a subjetividade do que a objetividade, perseguindo mesmo, por vezes, a invenção e a ficção construída sobre o real, a encenação interpretativa. Aqui, a prova da verdade e credibilidade não têm lugar, não tendo também a inocência. A fronteira entre documento, no sentido originário do termo, e arte estreita-se e esbate-se nesses casos. Os novos documentaristas desenvolvem mais comentários visuais sobre o mundo de que geram notícias visuais sobre esse mesmo mundo.‖ 167

A produção fotográfica pertencente à década de 80 apresenta, deste modo, elementos distintivos que a demarcam e que estão associados, segundo nosso critério, tanto ao desenvolvimento da produção fotográfica das duas décadas precedentes quanto à conquista por parte da fotografia de um espaço mais definido dentro das artes, assim como à estrita ligação dos artistas com as idéias teóricas relativas à arte e a fotografia, debatidas neste período no Brasil, em Cuba e em outras partes de América Latina e do mundo.

167 SOUZA, Jorge Pedro. (2004). Op. Cit. Pág. 176. 150

3.2 - Ramón Martínez Grandal: convergências entre memória e fotografia.

―A fotografia é o relógio que arranca fragmentos da vida para armazená-los na posteridade, como um banco de sêmen. A fotografia é o relógio carnívoro.‖ 168

Lorenzo Mammí.

A década de 80 em Cuba é coincidente com uma renovação na arte que, segundo a opinião de alguns especialistas, corresponde à abertura expressiva que se produz logo após a criação, em 1977, do Ministerio de Cultura, “a partir da qual se impôs um clima de maior liberdade. Como resultado disso, vários artistas se serviram de suas inovações plásticas para revitalizar todos os aspectos da cultura cubana.” 169 Neste sentido, o Processo de Rectificación de Errores e Tendencias Negativas(1986), anteriormente mencionado, e iniciado por Fidel Castro a partir da reconsideração da idoneidade dos quadros políticos em seu desempenho, será acompanhado por uma posição crítica entre os artistas com respeito à sociedade cubana e aos problemas relativos à imposição, por parte do governo, de determinadas idéias em prol da construção idealista do 'homem novo', de sua educação e de suas práticas sociais e culturais. No entanto, em nossos olhos, é possível identificar desde antes de 1977, a partir de uma aproximação mais apurada, a presença na obra de determinados artistas de uma preocupação com certos aspectos da realidade cubana, elementos que, apesar de certa ambigüidade, colocam o receptor ante uma problemática que suscita maior reflexão. Este é o caso da série La imagen constante (Figura 53) desenvolvida pelo fotógrafo cubano Ramón Martínez Grandal entre os anos 1973-1977. ―Os anos 70 cubanos, fotograficamente falando, terminaram em 1984. Com o Terceiro Colóquio Latino-Americano de Fotografia, e, em segundo lugar, com a Primeira Bienal de Havana.‖ 170 A presença, nesta série, de elementos coincidentes com a idéia de projeto artístico anteriormente mencionado, e que frutificará no seguinte decênio, nos leva a incluir La imagen

168 MAMMÍ, Lorenzo e MORITZ Schwarcz, Lilia. 8 x fotografia. São Paulo: Companhia das Letras / Centro Universitário Maria Antonia da USP, 2008. Pág. 76. 169 MOSQUERA, Gerardo. ―Cuba (1950-1995)‖, in SULLIVAN, Edward. Op. Cit. 1996. Pág. 99. No original: ―a partir de la cual se impuso un clima de mayor libertad. Como resultado de ello, varios artistas se sirvieron de sus innovaciones plásticas para revitalizar todos los aspectos de la cultura cubana.‖ 170 MORELL Otero, Grethel. ―La rueda de la fortuna‖, disponível em: http://www.pathosyethos.com/portal/index.php/anio1numero1/7-investig/17-grethelmorell. No original: ―Los anos 70' cubanos, fotográficamente hablando, concluyeron em 1984. Con el Tercer Colóquio Latinoamericano de Fotografia, y en segunda medida, con la Primera Bienal de La Habana.‖ 151

constante no conjunto deste terceiro e último capítulo de nossa dissertação, levando em conta sua proximidade com a obra de outros criadores que desenvolvem suas produções durante os anos 80, tanto na construção de um discurso previamente elaborado, quanto em seus resultados estéticos. Em prol de um maior aprofundamento analítico e partindo dos próprios roteiros marcados pelas obras de Grandal, abordaremos as ligações das mesmas com o contexto sócio-político de Cuba, o que, aos nossos olhos, trará caminhos reveladores que indicam a relação das mesmas com o que podemos denominar como 'manipulação histórica', ligada à capacidade de reprodutibilidade da fotografia. Ramón Martínez Grandal, conhecido como Ramón Grandal, trabalhou como fotojornalista durante as décadas de 70 e 80, como fotógrafo da revista Revolución y Cultura em Havana, participando em inúmeras matérias. Participou da IIª Bienal de Havana, assim como da Primeira Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea e do I° Colóquio Latino-Americano de Fotografia, celebrados no México em 1978, e do III° Colóquio Latino-Americano de Fotografia em Havana em 1984. Seu reconhecimento profissional o permitiu tomar parte, em 1987, do júri do prêmio de fotografia outorgado pela Casa de las Américas, inicialmente Premio de Fotografia Contemporanea y Caribeña e hoje Premio Ensayo Fotográfico. Em 1993, Ramón Grandal obteve permissão do governo cubano para residir por dois anos na Venezuela por motivos de trabalho, país onde decidiu exiliar-se ao expirar a autorização, regressando a Cuba em 2006 por causa de problemas financeiros. Em 2007, Grandal voltará a participar de exposições na Ilha, primeiro como convidado do artista Pedro Abascal, na mostra Re-cuentos, exibida no Taller Experimental de la Gráfica em Havana, e logo em 13 de Junho de 2008 na mostra coletiva Encuentros na galeria da UNEAC, Villa Manuela. Atualmente reside em Cuba. O primeiro elemento que chama a atenção na série La imagen constante de Ramón Grandal é que a mesma, embora realizada segundo os padrões da fotografia direta, à diferença de outros artistas que trabalham na Ilha nesse período, não tem como referente fundamental o ser humano, mas a imagem de José Julian Martí Peréz, prócere da história de Cuba e sobre quem falamos no primeiro capítulo desta dissertação. A reprodução do retrato fotográfico de Martí e a presença do mesmo como elemento reiterado na vida cotidiana cubana, a partir da política nacionalista desenvolvida pelo governo revolucionário, será o motivo de La imagen constante. Este grande projeto desenvolvido por Grandal ao longo de quatro anos, isto é, entre 1973-1977, tem como destino sua exibição e publicação em espaços dedicados especificamente à produção artística, e não faz parte do universo noticioso. Esta produção fotográfica eminentemente autoral compõe-se de cenas captadas em diversos espaços

152

públicos onde o artista encontra, em meio ao seu perambular diário, a reprodução da imagem do 'Mestre' (José Martí), seja a partir de uma cópia do retrato fotográfico original (Figura 54), realizado no século XIX, ou de pinturas e gravuras elaboradas a partir do mesmo: ―Figuras e símbolos são outras das nobres zonas atendidas pelos fotógrafos cubanos do período. Ainda que tenha sido uma zona sempre presente na extensa e exaustiva fotografia documental cubana de várias e contínuas épocas, nos anos 70-84 as figuras de líderes políticos, de heróis, símbolos pátrios (nas obras de Grandal, Mayito, Ivan Cañas) e símbolos religiosos cristãos (Rodríguez Ante, Gory) se apresentam dilatados em matizes e locuções. Se transita da concepção literal e enérgica, herdada da década precedente, até a popularização ou a irradiação cotidiana das insígnias. Algo persistente e oscilante na história de nossa fotografia nos últimos trinta anos. De registrar líderes, se passa à captação de suas representações. As projeções das figuras políticas e históricas se fotografam imersas num mundo cotidiano e sujeito a mitificações gráficas. Cartazes, desenhos, grafites, simbolismo literal e socializado se apresenta ante a mirada de um fotógrafo que aprendeu a captar para além do impacto do sujeito. Esta relação (re-) nascente com a realidade confirma a necessidade de extroversão latente ainda no espírito criativo do momento. Algo que, apesar dos limites do momento histórico, aspirará a dialogar a partir de uma possível poética de autor.‖ (tradução livre). 171

Assim sendo, a presença de Martí como ícone central da série La imagen constante pode ser considerada, em nosso entender, como um elemento de ambigüidade sígnica que coloca esta produção num ponto intermediário entre a exaltação das idéias da 'Revolução' e a crítica velada ao uso excessivo da imagem de figuras históricas como justificativa da presença no poder dos 'revolucionários'. Seja qual for a intencionalidade do artista, a relevância destas obras reside, aos nossos olhos, na qualidade estética das mesmas, assim como, sobretudo, no seu poder para mover-nos em direção à reflexão através dos elementos que subjazem nas suas composições. Efetivamente, esta série de Grandal, embora construída respeitando as idéias da fotografia purista, acusa uma intencionalidade que supera a mera captação da realidade, o que a conduz à definição de uma poética pessoal em consonância com as idéias do artista relativas à necessidade de conquistar um espaço reconhecido para a fotografia como meio de expressão dentro da arte e da cultura cubana, que ganhará força nos anos 80. ―Em maio de 1980 se difunde um interessante debate que tem lugar na sede da revista Revolución y Cultura, onde – Segundo o dizer do fotógrafo e então responsável da Sub Sección de Fotografía de la Unión de Escritores y

171 MORELL Otero, Grethel. ―La rueda de la fortuna‖, disponível em: http://www.pathosyethos.com/portal/index.php/anio1numero1/7-investig/17-grethelmorell. No original: ―Figuras y símbolos es otra de las nobles zonas atendidas por los fotógrafos cubanos del período. Si bien ha sido una zona siempre presente en la más extendida y exhaustiva fotografía documental cubana de varias y continuas épocas, en los años 70-84 las figuras de líderes políticos, de héroes, símbolos patrios (en las obras de Grandal, Mayito, Ivan Cañas) y símbolos religiosos cristianos (Rodríguez Ante, Gory) se presentan dilatados en matices y locuciones. Se transita desde la concepción literal y enérgica, heredada de la década precedente, hasta la popularización o la irradiación cotidiana de las insignias. Algo persistente y oscilante em la historia de nuestra fotografia em los últimos treinta años. De registrar líderes se pasa a la toma de sus representaciones. Las proyecciones de las figuras políticas e históricas, se fotografían inmersas en un mundo cotidiano y sujeto a mitificaciones gráficas. Carteles, dibujos, grafitis, simbolismo literal y socializado se presenta ante la mirada de un fotógrafo que ha aprendido a captar más allá que el impacto del sujeto. Esta (re-) naciente relación com la realidad va a confirmar la necesidad de extroversión latente aún en el espíritu creativo del momento. Algo que, a pesar de los setos temporales, aspirará a dialogar desde uma posible poética de autor.‖ 153

Artistas de Cuba (UNEAC), Mario García Joya (Mayito) – pela primeira vez se reúnem fotógrafos e jornalistas para dialogar abertamente sobre o status da manifestação. (...) As apreciações sobre o problema da crítica especializada e a divulgação, do trabalho do fotógrafo, o estancamento da fotografia, a falta de informação atualizada, a sub-valoração das potencialidades artísticas da obra fotográfica, o preconceito a validar, a formação do fotógrafo, a inclusão deste gênero nos planos de estudos universitários e a validade dos planos vigentes, foram os principais aspectos que se abordaram (...). Este encontro, publicado no número 93 da revista Revolución y Cultura em 1980, contou como comunicadores como a fotógrafa e jornalista Mayra A. Martínez e os críticos de arte José Veigas, Alejandro G. Alonso e Ángel Tomás, e como participantes a crítica de arte, Adelaida de Juan, a pesquisadora e fotógrafa María Eugenia Haya (Marucha), o pintor Raúl Martínez e os fotógrafos Alberto Korda, Alberto Figueroa, Luis M. Fernández (Pirole), Raúl Corrales, Juan José Vidal, Mario García Joya (Mayito), Roberto Fernández Salado, Iván Cañas, Tito Álvarez, Ramón Martínez Grandal e Rogélio López Marín (Gory).‖ (tradução livre; grifo nosso). 172

As obras de Ramón Grandal que compõem La imagem constante obedecem a uma captação da imagem sem intervenções por parte do fotógrafo, seja de arranjos, seja na manipulação do negativo, apresentando também elementos que dizem respeito à elaboração de um discurso definido. O artista, embora se mantenha fiel à sua formação como fotojornalista, procura mediante suas composições incorporar novos elementos que fazem seu discurso mais complexo. O uso do reflexo, a ruptura intencional com a frontalidade, a captura do movimento, o aproveitamento da luz natural na composição, são elementos que corroboram esta afirmação e que distanciam as obras de Grandal da produção de outros artistas que têm nos símbolos pátrios seus motivos de criação, onde a intencionalidade de uma exaltação patriótica de doutrinamento é evidente, tratando-se principalmente de composições simplistas, onde a bandeira é captada a contraluz com os raios do sol, sendo saudada por crianças, ou figuras políticas, tendo como fundo o azul do céu, ou apelando a lugares comuns do mesmo estilo. A imagem de Martí, sua presença na vida dos cubanos, se encontra estreitamente ligada ao discurso levado adiante por Fidel Castro, mencionado no primeiro capítulo, propondo uma leitura completamente nova da história das lutas pela independência cubana, não só a partir da guerra em si,

172 MORELL Otero, Grethel. ―Fotografía Cubana de los 80. Las opciones del dogma‖. Disponível em: http://www.radiohc.cu/espanol/c_fotografia/cubafotos/2009/marzo-abril2009.pdf. No original: ―En mayo de 1980 se difunde un interesante debate que tiene lugar en la sede de la revista Revolución y Cultura, donde – al decir del fotógrafo y entonces responsable de la Sub Sección de Fotografía de la Unión de Escritores y Artistas de Cuba (UNEAC), Mario García Joya (Mayito) – por primera vez se reúnen fotógrafos y periodistas para dialogar abiertamente sobre el estatus de la manifestación. (...) Las apreciaciones sobre el problema de la crítica especializada y la divulgación, la labor del fotógrafo, el estancamiento de la fotografía, la falta de información actualizada, la subvaloración de las potencialidades artísticas de la obra fotográfica, el prejuicio a validar, la formación del fotógrafo, la inclusión de este género en los planes de estudios universitarios y la validez de los planes vigentes, fueron los principales aspectos que se intercambiaron (...) Este encuentro, publicado en el número 93 de la revista Revolución y Cultura en 1980, contó como panelistas con la fotógrafa y periodista Mayra A. Martínez y los críticos de arte José Veigas, Alejandro G. Alonso y Ángel Tomás, y como participantes se refieren la crítica de arte Adelaida de Juan, la investigadora y fotógrafa María Eugenia Haya (Marucha), el pintor Raúl Martínez y los fotógrafos Alberto Korda, Alberto Figueroa, Luis M. Fernández (Pirole), Raúl Corrales, Juan José Vidal, Mario García Joya (Mayito), Roberto Fernández Salado, Iván Cañas, Tito Álvarez, Ramón Martínez Grandal y Rogélio López Marín (Gory).‖ (Grifo nosso.) 154

mas dele próprio como líder e de seus seguidores, como herdeiros legítimos das idéias dos heróis anti- colonialistas do século XIX. Faz ainda apelo constante ao patriotismo individual por meio da memória coletiva nacional, que guarda a visão destas figuras como os mais admirados personagens da história, especialmente a de José Martí, considerado o intelectual possuidor do mais elevado intelecto, líder político, orador incomparável, cujo sentido de honra e patriotismo o levou ao presídio com apenas 16 anos de idade. É esta a figura histórica da qual advoga ser herdeiro Fidel Castro e seus companheiros, a geração do centenário, tal como se autodenominaram, por ter atacado o Cuartel Moncada em 1953 nos cem anos do nascimento de Martí, a partir da qual se justificará a construção de seu legado de defesa através na figura do 'Mestre', do 'Apostolo', do 'Herói Nacional de Cuba', 'El autor intelectual del Cuartel Moncada' (Figura 55). Martí, que tantas vezes falara sobre a emigração como sintoma de ineficácia dos governos, se converterá no pilar ideológico da 'Revolução cubana'. Paradoxalmente, “a conseqüência cultural mais importante da Revolução foi a de ter provocado o êxodo continuado de cubanos e a cristalização de uma cultura cubana em países como os Estados Unidos (...).” (tradução livre). 173 ―Nossa Revolução, com seu estilo, com suas características essenciais, tem raízes muito profundas na história de nossa Pátria. Por isso dizíamos, e por isso é necessário que todos os revolucionários compreendamos com clareza, que nossa Revolução é uma Revolução, e que essa Revolução começou em 10 de outubro de 1968. Este ato de hoje é como o encontro do povo com sua própria história, é como um encontro da atual geração revolucionaria com suas próprias raízes. E nada nos ensinará mais a compreender o processo que constituí uma revolução, nada nos ensinará mais a entender o que quer dizer revolução, que a análise da história de nosso país, que o estudo da história de nosso povo e das raízes revolucionárias de nosso povo.‖ (tradução livre). 174

Nas obras de Ramón Martínez Grandal é possível encontrar um elemento coincidente, pois em nenhuma delas aparece unicamente a figura de Martí. O Herói Nacional de Cuba está sempre em interação com outros ícones verbais e imagéticos de profunda significação no contexto nacional, que reforçam ainda mais a relação entre o interesse do artista na imagem com parte do discurso político revolucionário. Em duas das imagens Martí é acompanhado pela bandeira de Cuba, numa junção

173 MOSQUERA, Gerardo. ―Cuba (1950-1995)‖, in SULLIVAN, Edward. Op. Cit. 1996. Pág. 96. No original: ―Paradójicamente, la consecuencia cultural más importante de la Revolución fue la de haber provocado el éxodo continuado de cubanos y la cristalización de una cultura cubana en países como Estados Unidos (...).‖ 174 CASTRO, Fidel Apud. COLETIVO de autores. Guía de estudio Panorama de la Cultura Cubana. La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1981. Pág. 38. No original: ―Nuestra Revolución, con su estilo, con sus características esenciales, tiene raíces muy profundas en la historia de nuestra Pátria. Por eso decíamos, y por eso es necesario que lo comprendamos con claridad todos los revolucionarios, que nuestra Revolución es una Revolución, y que esa Revolución comenzó el 10 de octubre de 1968. Este acto de hoy es como el encuentro del pueblo con su propia historia, es como un encuentro de la actual generación revolucionaria con sus propias raíces. Y nada nos enseñará mejor a comprender el proceso que constituye una revolución, nada nos enseñará mejor a entender lo que quiere decir revolución, que el análisis de la historia de nuestro país, que el estudio de la historia de nuestro pueblo y de las raíces revolucionarias de nuestro pueblo.‖ 155

icônica que coloca no mesmo nível o rosto do escritor, jornalista e político cubano, e o mais representativo elemento simbólico de identidade da nação. Esta junção icônica guarda relação com um fenômeno da realidade pós-revolução no qual se desenvolve, aos nossos olhos, a partir dos postulados políticos, um sincretismo entre os conceitos ligados à identidade nacional e aqueles ponderados pelo novo governo a partir da incorporação de lemas como: ―!Patria o Muerte! !Socialismo o Muerte!” Noutra das obras podem ser lidas as siglas CDR, abreviatura dos Comitês de Defesa da Revolução, organização criada pelo governo cubano com o fim de combater a atuação do 'inimigo interno', acompanhada pela frase 'autor intelectual del Moncada'.

―Não temos a menor dúvida de que Martí foi o maior pensador político e revolucionário deste continente (...). E assim surgiu no firmamento de nossa Pátria essa estrela, todo patriotismo, todo sensibilidade humana, todo exemplo, que junto com os heróis das batalhas, junto com Maceo e Máximo Gómez, iniciou de novo a guerra pela independência de Cuba (...). E isso não é algo que se fale hoje como ocasião porque comemoramos o aniversario, mas algo que sempre se tem falado e que se tem falado muitas vezes e que se falou em El Moncada e que se falou sempre. Porque ali quando os juízes perguntaram quem era o autor intelectual do ataque ao Cuartel Moncada, sem vacilação nós respondemos: Martí foi o autor intelectual do ataque ao Cuartel Moncada!‖ (tradução livre). 175

Os CDR agrupam todo o povo cubano a partir da rua onde residem, contam com líderes escolhidos pela própria comunidade e se encarregam de diferentes aspectos da vida social dos cidadãos, como a celebração das datas históricas, como o 4 de abril, que comemora a criação da OPJM Organización de Pioneros José Martí, que agrupa as crianças de toda a Ilha a partir de suas respectivas escolas, o 1° de janeiro, dia do Triunfo da Revolução, etc. Além de velar pela permanência da ordem e limpeza dos espaços comuns, sua tarefa fundamental refere-se à 'segurança dos moradores', para o qual são organizados grupos, usualmente duplas, que diariamente realizam a vigilância noturna na comunidade. Estes grupos são listados e rotativos de forma tal que cada membro do CDR uma vez por mês, de forma obrigatória, tem o dever de realizar esta tarefa, tradição que teve sua inicial justificativa para os próprios CDR no perigo do inimigo interno nos anos iniciais da Revolução e que se mantém.

175 CASTRO, Fidel. Apud. COLETIVO de autores. Guía de estudio Panorama de la Cultura Cubana. Op. Cit. Pág. 150- 158. No original: ―No tenemos la menor duda de que Martí ha sido el más grande pensador político y revolucionario de este continente (...) Y así surgió en el firmamento de nuestra Patria esa estrella todo patriotismo, todo sensibilidad humana, todo ejemplo, que junto con los héroes de las batallas, junto con Maceo y Máximo Gómez, inició de nuevo la guerra por la independencia de Cuba (...) Y eso no es algo que se diga hoy como ocasión porque conmemoramos el aniversario, sino algo que se há dicho siempre y que se ha dicho muchas veces y que se dijo em El Moncada y que se dijo siempre. Porque allí cuando los jueces preguntaron quién era el autor intelectual del ataque al Cuartel Moncada, sin vacilación nosotros respondimos: !Martí fue el autor intelectual del ataque al cuartel Moncada!‖ 156

Figura 53: Ramón Martínez Grandal. Sem título (da série La imagen constante). Cuba, 1973-1977.

Figura 54: Juan Bautista Valdés. Sem título (Retrato de José Julian Martí Pérez). 1892. Kinstong Jamaica.

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Figura 55: Ramón Martínez Grandal. Sem título (da série La imagen constante). 1973-1977. Cuba.

Figura 56: Ramón Martínez Grandal. Sem título (da série La imagen constante). 1973-1977. Cuba.

158

Neste sentido, a dinâmica da sociedade cubana e sua preparação ideológica individual iniciam-se, por assim dizer, com a incorporação aos CDR a partir de uma cerimônia simbólica que se realiza quando se produz algum nascimento na comunidade com a colocação, num ato público, de um lenço no pescoço da criança, como sinal de sua entrada na organização. Nos anos sucessivos o cidadão cubano irá transitando durante cada etapa de sua vida por diferentes organizações políticas de acordo com sua faixa etária e seu sexo, passando pela já mencionada OPJM, a UJC (União de Jovens Comunistas), a FMC (Federação de Mulheres Cubanas), e finalmente o PCC (Partido Comunista de Cuba), mantendo sempre sua ligação com os CDR. Esta pequena explicação com respeito ao funcionamento dos CDR como base do resto das organizações políticas existentes de forma legal em Cuba é fundamental para a compreensão da dimensão da figura martiana no cotidiano da Ilha. A figura de Martí se incorpora deste modo ao doutrinamento revolucionário de uma educação pautada pelas regras do novo governo (gratuita, igualitária, obrigatória), mas regida por idéias políticas de rígido dogmatismo. A partir do 1° de Janeiro de 1959 sua figura histórica, sua vida e sua obra passam a ser parte permanente e obrigatória da educação em Cuba. Não só cada escola passa a ter um busto de Martí do lado da bandeira, mas também se cria o 'ricon martiano', um pequeno espaço num cantinho da escola, uma espécie de devocionário religioso ou mortuário onde é colocada uma imagem do 'Apostol', seja uma reprodução de sua fotografia pintada, arrancada das páginas de um livro, ou produto das 'aptidões artísticas' dos próprios professores. Ao redor da imagem colocada sobre uma mesa se colocam flores, trechos dos próprios escritos de Martí e desenhos dos alunos inspirados na leitura dos poemas e contos publicados pelo autor para as crianças, especialmente em ―La Edad de Oro”, revista publicada por José Martí para as crianças de América Latina, em 1889. Podemos associar esta posição de figura onisciente de José Martí à imagem (Figura 57) que apresenta seu rosto a partir do reflexo sobre o cristal, dando um aspecto fantasmagórico à figura, que parece observar o espectador. A reprodução da imagem de Martí, motivo da série de Grandal, apresenta desta maneira uma manipulação da história através da fotografia que se distancia da de outros países muito próximos ideologicamente, como é o caso da Rússia, embora comparta com este país a iniciativa de suprir as carências de produtos pelas imagens caras à 'revolução': ―Pela imaginação de Malevitch transformam- se os edifícios, as pontes e os monumentos antigos. As vitrines vazias são utilizadas como suportes para a fixação de cartazes, são as janelas “Rosta”, do nome das agências telegráficas que difunde as notícias ilustradas (...).‖ 176

176 D`ALÉSSIO Ferrara, Lucrecia. Op. Cit. 1986. Pág. 15 159

Figura 57: Ramón Martínez Grandal. Sem título (da série La imagen constante). 1973-1977. Cuba.

Figura 58: Rául Martínez. Óleo sobre tela. 196?. Cuba. 160

―Pode dizer-se que a fotografia russo-soviética evoluiu para um instrumento de propaganda dos anos da Primeira Guerra Mundial (em que predominavam as fotos dos heróis) até o auge da coletivização da agricultura, nos anos trinta. Sob a influência da ideologia e de Stalin, começou a manipular-se a imagem fotográfica com o intuito de re- fabricar a história: as personagens indesejáveis suprimem-se das fotografias oficiais, enquanto outras são acrescentadas. A revista Sovietskoe Foto inscreve-se, após 1927, nesse espírito manipulador, propagandístico e censório.‖ 177

A crise financeira que se inicia em Cuba na década de 60, e com diversas flutuações se mantém até hoje, dará um novo uso à figura de martiana, ocupando as vitrines das lojas e comércios. Onde antigamente eram expostos os produtos e os alimentos, estará o rosto do Apostolo acompanhando os cubanos no dia-dia, através da lembrança por meio do recurso visual das idéias que é preciso defender. Imagem, personalidade e idéias se confundem e se misturam numa lavagem cerebral coletiva, na construção de uma figura gigantesca e sem mácula que representa a necessidade de sempre por sobre os interesses coletivos, sobre os interesses pessoais, um tipo de adoração quase religiosa, reforçada pelo seu reconhecimento como 'Apostolo da independência', uma figura que incita sempre a trabalhar pelo bem do próximo, da comunidade, ou seja, da revolução, como se fosse um tipo de 'Grande irmão' orwelliano. ―A distinção entre o espiritual e o material, entre a imagem interna e externa, não foi nunca simplesmente uma questão de doutrinamento teológico, mas sempre uma questão política (...).‖ (tradução livre). 178 No caso de Cuba, diferentemente da manipulação histórica russo-soviética, este processo de reconstrução da história por meio do uso da imagem fotográfica não se dá pela inclusão ou exclusão de personagens nas fotografias179, mas através da saturação, pelo seu poder de reprodutibilidade que é acompanhado do discurso, a partir do sincretismo de um rosto com uma idéia política. O suplemento verbal que apresenta a série, ou seja, o nome colocado pelo próprio artista, La imagen constante, é o detonador desta idéia de saturação. Esta série fotográfica tem sua contrapartida nas obras do pintor e artista gráfico Raúl Martínez (Figura 58), o qual, a partir da manipulação do retrato de José Martí numa re-leitura de elementos do pop norte-americano, principalmente da obra de Andy Warhol, conjuntamente com elementos do cartaz soviético relativos a seus objetivos e a seus meios de exposição, faz desta imagem um elemento central

177 SOUZA, Jorge Pedro. Op. Cit. 2004. Pág. 68. 178 MITCHELL, W.J.T. Iconology image, text, ideology. Chicago-London: University of Chicago Press, 1987. Pág. 35. No original: ―The distinction between the spiritual and material, inner and outer image, was never simply a matter of theological doctrining but was always a question of politics (...)‖ 179 A idéia do jogo através da fotografia com a história da nação ou com a formação de uma memória coletiva construída para sustentar objetivos políticos foi abordada na exposição de Joan Fontcuberta, ―Petits sabotages de la vision‖. Para saber mais cf. Art Press 240, Novembro de 1998, Pág. 27. 161

na suas obras. ―O cartaz publicitário aparece na URSS como uma espécie de extensão do cartaz político revolucionário destinado à educação de massa, informação cultural, reforço social do novo Estado. O campo de atividades dos artistas da Lef, como Maiakovki, engloba toda a produção gráfica e as idéias construtivistas são expansivas numa profusão de revistas, prospectos, cartazes, embalagens. Desse modo, a arte publicitária soviética reuniu apoio estatal e criação e teve ocasião de produzir verdadeiras obras-primas do cartaz como apreensão do quotidiano.‖ 180

―Raúl Martínez (1927-1995): em poucos anos percorreu um caminho que compreendia de Robert Mothorwell a Andy Warhol, da abstração à iconografia pop via Jasper Johns e Robert Rauschenberg. Martínez acabou desenvolvendo um estilo pop muito pessoal, com o qual construiu uma iconografia grandiosa e positiva da Revolução baseada na vida cotidiana. Tal iconografia carece praticamente de qualquer natureza oficial ou didática, e se inspira na arte popular com certos toques grotescos (...). Seus quadros expressam tanto a utopia como a realidade daquela época.‖ (tradução livre). 181

Embora distante da obra de Raúl Martínez, é possível apreciar os pontos de contato entre as linguagens pessoais de ambos os artistas. A partir da imagem fotográfica purista empregada por Grandal, sua série La imagem constante aproxima-nos de um conjunto de questões inerentes ao funcionamento da sociedade cubana que, como pudemos constatar através da análise de alguns elementos, derivam de uma estrutura político-governamental cujas particularidades a distinguem de outros países. Através desta produção Ramón Grandal põe em evidência um fenômeno que se insere dentro da cultura nacional, cuja geração não é espontânea, mas criada por uma determinada doutrina política. O artista reflete a realidade na qual se encontra inserido a partir de uma nova maneira de conceber a fotografia como meio de expressão. Ele percorre caminhos que, embora se encontrem ligados à fotografia documental de tom conservador, introduzem elementos para uma abertura na fotografia cubana de perspectiva autoral que gradualmente conquistará importantes espaços na cultura nacional.

180 D`ALÉSSIO Ferrara, Lucrecia. Op. Cit. Pág. 16. 181 MOSQUERA, Gerardo. in SULLIVAN, Edward. Op. Cit. 1996. Pág. 94. No original: ―Raúl Martínez (1927-1995): en pocos años recorrió un camino que comprendía de Robert Mothorwell a Andy Warhol, de la abstracción a la iconografia pop vía Jasper Johns y Robert Rauschenberg. Martínez acabó desarrollando un estilo pop muy personal, com el que construyó uma iconografía grandiosa y positiva de la Revolución basada em la vida cotidiana. Dicha iconografia carece prácticamente de cualquier naturaleza oficial o didáctica, y se inspira em el arte popular con ciertos toques grotescos (...) Sus cuadros expresan tanto la utopía como la realidad de aquella época.‖ 162

3.3 - Mario García Joya: o kitsch e a arte na fotografia dos anos 80

―Se o kitsch não é a arte, ele é pelo menos o modo estético da vida cotidiana, ele rejeita a transcendência e se estabelece na maioria, na média, na repartição mais provável. Como dizíamos, o kitsch é como a felicidade, serve para todos os dias.‖ 182

Abraham Moles

Como já foi colocado, a fotografia direta continua tendo destaque na década de 80, primando nas abordagens de vários artistas uma postura crítica com respeito à realidade contextual do país. Diferentemente da obra de Ramón Martinéz Grandal, anteriormente analisada, grande parte dos fotógrafos que trabalham nestes anos terão como referente fundamental o homem cotidiano projetado a partir da interação com seu espaço mais próximo e seu intercâmbio socio-cultural marcado pelas peculiaridades da nação cubana. ―Desde finais dos anos 80 e até a presente data tem se desenvolvido, dentro da fotografia cubana, linhas estéticas que propiciam uma mais profunda conceitualização de problemas relativos à identidade cultural de determinados grupos sociais.‖ 183 Neste sentido, ganha destaque dentro do período a produção de um artista que, formado por mestres como Korda e Corrales nos anos 60 e com uma ampla carreira como fotojornalista, desenvolve um projeto pessoal que envolve uma aproximação à realidade de modo bastante interessante. Referimo-nos a Mario García Joya e sua série Caibarién, el buen gusto, apresentada em Cuba em 1984. Mario García Joya (Mayito) estudou na Academia de Bellas Artes de San Alejandro, graduando-se em 1978 na Universidade de Havana em Língua e Letras Hispânicas, com uma especialidade em Estudos Cubanos. Na década de 60, Mayito inicia sua carreira como fotógrafo sendo que sua primeira produção pertence à 'Épica revolucionaria', como discípulo das mais reconhecidas figuras do universo fotográfico neste período. Anos mais tarde, Mayito desenvolverá uma carreira como fotógrafo de cinema, trabalho com o qual alcança um enorme reconhecimento, sendo laureado em vários concursos tanto nacionais quanto internacionais. Desde 1966, participa como diretor de fotografia em mais de 90 curtas e longa-metragens, entre os quais se encontram: "Una pelea cubana

182 MOLES, Abraham. O Kitsch. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. Pág. 224. 183 MOLINA, Juan Antonio. ―Marginación y Carnaval: la imagen del negro en la fotografía cubana‖, in Estudios interdisciplinarios de América Latina y El Caribe. Universidade de Tel Aviv. Volume 9, N° 1, Janeiro-Junho de 1998. Pág. No original: ―Desde finales de los 80 y hasta la fecha han venido desarrollandose, dentro de fotografia cubana, líneas estéticas que propician uma más profunda conceptualización de problemas relativos a la identidad cultural de determinados grupos sociales‖. 163

contra los demonios", "Los sobrevivientes", "Hasta cierto punto", "Contigo en la distancia", "Cartas del parque" e "Fresa y chocolate", esta última indicada a um prêmio da Academia em 1995. Mayito, como já tinha sido colocado, é uma das figuras mais ativas no que se refere à procura de expansão do espaço da fotografia como arte, e do desenvolvimento teórico da mesma através da pesquisa. Casado com María Eugenia Haya, ambos os artistas desenvolvem uma série de projetos conjuntos tanto de criação como de investigação, razão pela qual, como será possível constatar através das obras pertencentes à Caibarién, el buen gusto, as suas produções se entrecruzam, apresentando reflexos e inquietudes compartilhadas. O desempenho de Mayito como fotógrafo tem sido reconhecido pela Enciclopedia de la Fotografía, pelas revistas Art Forum, Art in America e Aperture, e suas obras tem sido exibidas em museus e galerias de cidades como México, Paris, Zurique, Madri, Buenos Aires e na 41° Bienal de Veneza. A década de 80 será um período de profundas mudanças no que se refere à fotografia. Seus espaços vitais, as discussões e intercâmbios com artistas do resto do mundo se expandem insuflando novas perspectivas para a criação fotográfica cubana. Em todos estes eventos, a começar pelo Primeiro Colóquio Latino-Americano de Fotografia e a Primeira Mostra de Fotografia Contemporânea Latino- Americana, Mario García Joya participará ativamente, assim como no segundo e terceiro destes espaços de debates. Assim, as discussões sobre o papel da fotografia como reflexão e, mais ainda, em prol da sociedade, não é um discurso alheio ao fotógrafo, e o título da comunicação apresentada por ele durante o II° Colóquio o demonstra: ―A possibilidade de ação de uma fotografia comprometida dentro das estruturas (1) vigentes na América Latina‖. No entanto, o próprio artista assumirá uma postura crítica contra o desenvolvimento deste papel, compreendido como excessivamente didático e estéril e impositivo. O projeto Caibarién, el buen gusto, surge a partir da perspectiva da fotografia autoral, como reflexo destas idéias críticas sobre a imposição de critérios justificados por um propósito cultural-educativo. ―Comecei este projeto porque senti que tinha algo a dizer acerca de certa teoria em torno do tema do Gosto que estava ganhando aceitação naquele momento. A premissa básica ia no sentido de que por meio de um ato de pura vontade por parte do governo, se podia fazer que comunidades inteiras alterassem seus gostos estéticos, como se isto pudesse ser regulado através de uma agência estatal.‖ 184

Uma leitura cuidadosa destas palavras do artista evidencia os elementos fundamentais que

184 GARCÍA Joya, Mario. Disponível em: http://www.zonezero.com/EXPOSICIONES/fotografos/mayito/index.html. No original: ―Comecé este proyecto porque sentí que tenía algo que decir sobre una cierta teoría en torno al tema del Gusto que estaba ganando aceptación en aquel entonces. La premisa básica iba en el sentido de que por medio de un acto de pura voluntad por parte del gobierno, se podía hacer que comunidades enteras alteraran sus gustos estéticos, como si esto pudiera regularse a través de una agencia estatal‖. 164

intervém na produção das obras. Em primeiro lugar, a sintonia com o meio intelectual e com os acontecimentos sociais e políticos a sua volta, e em segundo lugar, uma preocupação social- antropológica que se reforça pelo fato de que o artista faz questão de identificar seus personagens, de fotografá-los no seu próprio ambiente. Para isso, o artista se desloca propositalmente para uma determinada zona do país com particularidades que lhe parecem interessantes e propícias para o desenvolvimento de seu projeto, isto é, para a confirmação de suas idéias previamente concebidas, por assim dizer. Efetivamente, o homem volta a ser o centro de atenção da imagem fotográfica, mas não qualquer homem e sim aquele pertencente às pequenas comunidades com características sociais e culturais específicas. Uma comunidade volta a requisitar voz através da imagem fotográfica, ou, pelo contrário, o artista para se expressar dá sentido a seu discurso através da representação da comunidade, da minoria, do 'outro'. ―Escolhi Caibarién porque nesta região existe uma antiga tradição de parranda. Estas são festas onde ocorrem competições, eventos que envolvem toda a comunidade. As pessoas de cada comunidade produzem tudo do zero. Projetam e constroem seus carros alegóricos e as decorações, além dos quiosques, os fogos de artifícios e tudo o que se lhes possa passar pela cabeça. Depois, saem à rua e competem entre si. Em conseqüência, cada indivíduo da comunidade desenvolve seus próprios critérios sobre a beleza e sobre as habilidades manuais necessárias para criar e engendrar tudo o seu redor, incluindo seus próprios lares. No caso dos temas recorrentes, as fontes de inspiração que podem ser assinaladas são os livros que lêem para eles os leitores de tabaquería185 nos despalillos e fábricas de charutos, além dos filmes de Hollywood. Com o passar do tempo, a partir das características distintivas de cada comunidade, junto com os elementos mencionados anteriormente, vai-se construindo uma forma "kitsch" muito particular de expressar seu mundo. Minha meta nesta série tem sido mostrar que esta forma de expressão, independentemente de qualquer juízo de valor especializado, é totalmente consistente com as condições sócio- econômicas que o geraram, e que ninguém poderá alterá-lo enquanto o contexto de vida que o alimenta não mude.‖ (tradução livre). 186

Mayito propõe uma inclusão do kitsch num conceito que se entrecruza com a cultura popular através de um evento pertencente à tradição popular, arraigada na cultura cubana. A postura crítica do

185 O oficio de leitores de tabaquerias (fabricas de charutos) remonta à etapa colonial, especificamente ao século XIX, em 1865, com a figura de Saturnino Martínez, conhecido como primeiro leitor de tabaqueria de Cuba. O charuto, ao ser um produto inteiramente manufaturado, precisa de muita paciência e habilidade sendo um trabalho extremamente repetitivo, assim os leitores de tabaquerias que são pessoas de magnífica dicção e de vozes atrativas espacialmente escolhidos para tal labor, se encarregam de ler para os tabaqueiros os clássicos da literatura universal. 186 GARCÍA Joya, Mario. Disponível em: http://www.zonezero.com/EXPOSICIONES/fotografos/mayito/index.html. No original: ―Escogí Caibarién porque en esta región hay una antigua tradición de parranda. Estas son fiestas en donde hay competencias, eventos que involucran a toda la comunidad. La gente de cada comunidad produce todo desde cero. Diseñan y construyen sus carros alegóricos y las decoraciones, además de los puestos, los fuegos artificiales, y todo lo que se les pueda ocurrir. Después, salen a la calle y compiten entre ellos. En consecuencia, cada individuo de la comunidad desarrolla sus propios criterios sobre la belleza y sobre las habilidades manuales necesarias para crear y engendrar todo a su alrededor, incluyendo sus propios hogares. En el caso de los temas recurrentes, las fuentes de inspiración que pueden señalarse son los libros que les leen los lectores de tabaquería en los despalillos y fábricas de tabacos, además de las películas de Hollywood. Con el paso del tiempo, a partir de las características distintivas de cada comunidad, junto con los elementos arriba mencionados, va tomando forma una forma "kitsch" muy particular de expresar su mundo. Mi meta en este serie ha sido mostrar que esta forma de expresión, independientemente de cualquier juicio de valor especializado, es totalmente consistente con las condiciones socio-económicas que la generaron, y que nadie podrá alterar mientras que el contexto de vida que lo alimenta no cambie.‖ 165

artista vai além da procura da valoração destes eventos, do que poderia considerar-se como uma procura de uma inclusão do kitsch como parte da poética popular por assim dizer. As preocupações do artista encaminham-se na verdade para os motivos que fazem com que estas manifestações, estes remanescentes de um estilo burguês de vida, ou da imitação de um estilo burguês de vida, prevaleçam numa sociedade aparentemente livre da diferença de classes. ―Nesse caso, existe a tendência a simplificar as coisas e a tomar os critérios próprios pelos de toda a massa, como se fosse um marco de incidência espiritualmente homogêneo. Perigoso sonho do qual quase sempre se desperta com os golpes de uma realidade muito diferente. Muitas instituições burguesas, entre as que os 'avançados' dão como caducas, andam vivas e fortes, muito respeitadas como núcleos de valores pela maioria dos homens e exercendo enorme influência sobre a sociedade. Não estou afirmando nem proclamando a imortalidade dos valores burgueses. Por princípio, não adotamos nenhum valor deste tipo e muito menos o estimularíamos como se fosse o melhor para o desenvolvimento cultural da humanidade; só quero assinalar que devemos apreender a combater em sua presença, pois parece difícil substituir esses valores burgueses, antes que mudem as atuais relações de poder político e econômico entre classes. Tudo parece indicar que ainda no estado proletário se prolongarão durante muito tempo alguns valores culturais da etapa burguesa.‖ 187

Estas idéias expostas pelo artista durante o Segundo Colóquio Latino-Americano de Fotografia no México, 1981, corroboram nosso critério de que Caibarién, el buen gusto é mais do que uma procura pela beleza pura e simples da reprodução do real, é uma crítica 'construtiva' em consonância com o processo de Retificação de Errores, desenvolvido posteriormente de um artista engajado no processo de construção da Revolução a partir da realidade do povo. Remedios e Caibarién são pequenas localidades que se distinguem pelas 'Parrandas' que podem ser entendidas como um evento cultural similar aos carnavais de antiga tradição religiosa, e que são celebradas na noite do dia 25 de dezembro. Durante as 'Parrandas' o povo se divide em dois bandos que se enfrentam invariavelmente, ano após ano, através de uma festividade em que cada um dos grupos expõe seu poder e beleza através de desfiles e fogos de artifícios, tudo feito a partir dos mais variados recursos imaginativos e das mais baixas condições económicos, que partem da própria comunidade, fato que põe a prova a criatividade dos moradores, onde intervêm as mais chamativas cores e enfeites. O conceito de reciclagem, tão caro aos dias atuais, é um comparativo mais próximo para o modo em que são mantidas tais festas, no sentido de que tudo volta uma e outra vez a ser re-utilizado. Para as parrandas, nada é despejado, todo e cada um dos elementos que formam parte do cotidiano são re-funcionalizados, para enfeitar os carros e as ruas. No entanto, Mayito não fotografa as festividades em si, mas irrompe nos espaços privados onde se desenvolve a vida dos habitantes desta população, o que nos permite comprovar que os elementos do que logo será a festa estão presentes neste ambientes, sendo que a representação do

187 GARCÍA Joya, Mario. ―A possibilidade de ação de uma fotografia comprometida dentro das estruturas (1) vigentes na América Latina‖ in MEYER, Pedro (org.). Op. Cit. Pág. 81. 166

exterior é um reflexo de uma cultura visual e apreciativa da beleza arraigada e derivada do modo de vida da comunidade. Muito similar, guardando as devidas proporções, com a preparação das escolas de samba brasileiras para o carnaval. Mayito encontra nos espaços interiores, na intimidade dos lares os seus motivos, onde a idéia de arraigamento se deriva dos próprios exemplos que o artista coloca como motivos reiterados para as alegorias, tradições que remontam à própria fundação da comunidade no período colonial e que resistem à mudança. O retrato das duas senhoras já velinhas (Figura 59), é o melhor modo de expressar que estamos perante uma forma de uma comunidade de se aproximar do mundo, cujas particularidades remontam a longa data. As senhoras recebem o espectador na sala de seu lar; o artista obteve a cooperação delas que, em pé, esboçando dois sorrisos, se apresentam como as responsáveis orgulhosas da modesta, mas muito bem enfeitada, morada. Frente às velinhas se amontoam as mais variadas espécies de pequenas figuras, que vão desde a porcelana de antiga herança, até as flores artificiais de plástico, distintivo da sociedade atual, e já não tão pequenas, dentro de uma pretensiosa jarra de vidro. Na parede de madeira podemos distinguir os retratos de duas mulheres jovens, ao modo das tradições familiares do século anterior. O espelho, pendurado entre as fotografias, reflete suas cabeças, enquanto o fotógrafo diminui sua altura para captar suas protagonistas num leve plano inclinado que permite apreciar com detalhes os enfeites sobre a mesa.

167

Figura 59: Mario García Joya (Mayito). Sem título (da série Caibarién, El buen gusto). 1980-83. Cuba.

Figura 60: Mario García Joya (Mayito). Sem título (da série Caibarién, el buen gusto). 1980-83. Cuba. 168

Na segunda obra (Figura 60), Mayito nos propõe a leitura de uma evolução. Nesta ocasião a protagonista do retrato não posa para o fotógrafo; se perde a solenidade dos antigos espelhos e da porcelana para cair na versão contemporânea do gosto da comunidade. O artista propositalmente nos convida a pensar na perpetuação de tais tradições. Nesta imagem interior os elementos resultam menos diversos e respondem mais à realidade do período em que o artista leva adiante o projeto. Na década de 80, um período em que a Ilha se encontrava fechada, pode dizer-se que totalmente, ao resto do mundo com excepção da Rússia, os elementos decorativos exibidos nestas casas dos habitantes de Caibarién poderiam ter sido encontrados, durante estes anos, em qualquer casa humilde do interior do país. Os discos enfeitando as paredes, as figurinhas de biscuí, as flores de plásticos, as pinceladas soltas de pintura sobre a parede, numa lembrança do antigo papel decorativo que fazia parte dos interiores burgueses, tudo aponta para uma estética da resistência através de modestos recursos e da re- funcionalização dos objetos, cujo último ponto de re-aproveitamento é o elemento estético, em consonância com as idéias de Baudrillard: ―a tese defendida por Baudrillard é de que o papel significante supera o papel funcional no âmbito de consumo corrente.” 188 Neste sentido, a problemática do kitsch na realidade contextual da sociedade cubana se encontra em contraposição à sociedade de consumo capitalista, como resultado das restrições impostas pelo novo governo revolucionário, podendo ser interpretado, aos nossos olhos, como um elemento de resistência da imagem que quer construir o governo do 'homem novo', alheio ao universo consumista do capitalismo, ou seja, trata-se da resistência num país socialista a um mundo sem mercado. Esta postura de resistência inconsciente daria justificativa à existência do kitsch cubano, já que a presença do kitsch sempre é associada com as sociedades de consumo capitalistas, não podendo ajustar-se as idéias que o justificam com as de uma nação socialista completamente fechada à propaganda comercial. O tema do kitsch em Cuba esteve no centro de debates intelectuais de vários estudos da arte e da literatura, particularmente na década de 70, sobre o qual, como resultado das diversas opiniões a respeito do tema é publicado o livro de perfil humorístico que descreve através do mais agudo sarcasmo os distintos indicadores da presença do kitsch na cultura cubana a partir de atitudes da população. Apesar de seu pouco edificante ponto de vista teórico, a leitura desta publicação reflete em grande medida a posição de grande parte da intelectualidade sobre a compreensão do kitsch como sintoma de mau gosto e da existência de elementos na sociedade cubana que o governo se nega a reconhecer como o interesse pelos objetos e modas estrangeiras e a existência de uma divisão de

188 MOLES, Abraham. O Kitsch. São Paulo: Editora Perspectiva. 2001. Pág. 168. 169

classes, interpretando estes sintomas como remanescentes de aptidões aburguesadas. Critérios opostos aos de outra porção de artistas e teóricos que tentam validar o kitsch incorporando-o ao universo das artes através de seus próprios trabalhos.189 Mayito continua com o percurso geracional do gosto na comunidade de pescadores de Caibarén completando a tríade com a introdução da geração mais nova e outro elemento distintivo da decoração popular: o cisne (Figura 61). Seria um tema interessante de se conhecer o processo pelo qual foram introduzidos os cisnes na decoração interior das casas cubanas. Como chegaram estas aves completamente alheias ao clima tropical cubano convertendo-se em parte do imaginário popular como símbolos do 'buen gusto' é, em todos os sentidos, um mistério, que se justifique talvez pelo próprio exotismo de sua presença em terras tão quentes. A realidade triste e facilmente comprovável é que para a década de 80, os cisnes, tanto pintados em grandes telas ou cartões, fundidos em geso, ou baseados em plástico, eram um ícone padronizado dentro dos lares mais humildes da Ilha. Os cisnes ocuparam as paredes e os centros de mesas. Nesta imagem de Mario García Joya, três personagens formam parte da cena na que aparece uma criança completando o ciclo geracional. A imagem, realizada num espaço interior, se apresenta como um semi-caos. Talvez se trate de uma casa abandonada de onde está sendo salva a nobre ave que ficou esquecida pelos antigos moradores desta habitação em ruínas, ou de um prédio empregado pelos moradores da vila para a preparação do desfile das parrandas. Na imagem, dois homens e uma criança sem camisa posam para o fotógrafo iluminados pela luz natural que é filtrada pela porta de madeira localizada à direita, atrás da criança. As personagens, com evidente complacência, se organizam para o retrato frente ao fotógrafo, mostrando orgulhosamente um enorme cisne ao mesmo tempo em que se oferecem ao artista mostrando sua 'vulnerabilidade', seu ideal de beleza, corroborando a idéia de um gosto estético compartilhado não só pela comunidade, mas também como uma herança transmitida de geração em geração.

189 Para saber mais, cf. CAMNITZER, Luis. New Art of Cuba. Austin, Texas: University of Texas Press, 2003. 170

Figura 61: Mario García Joya (Mayito). Sem título (da série ―Caibarién, el buen gusto‖). Cuba, 1980- 83.

171

As obras de Mario García Joya que integram Caibarién, el buen gusto, superam a simples crítica, evidenciando a preocupação do artista na construção da imagem por aspectos formais e estéticos. O fotógrafo seduz o espectador com uma beleza poética que se constitui mediante o enquadre cuidadoso, a sucessão de planos em perspectiva e a seleção acertada de seus referentes e dos espaços que se dividem entre o público e o privado. Embora se possa dizer que o uso das categorias de público e privado não revela a sutileza da busca do artista, no sentido em que é recebido nos lares, o fotógrafo nunca ultrapassa o espaço desenhado para receber os visitantes. O artista não mostra nunca uma perspectiva da intimidade do lar, mas permanece nas habitações propositalmente decoradas para receber, no que seria o rosto da casa onde se exprimem as necessidades de ostentação de elementos decorativos como compensação, talvez, pela ausência dos elementos de conforto. O lirismo, que marca toda a série, se distingue claramente na imagem do carro alegórico em forma de peixe (Figura 62), captado pelo artista no meio da rua, que imediatamente associamos com os elementos reiterados referidos pelo autor em relação a uma tradição literária. Esta obra em particular possui o sabor saudoso da obra do escritor norte-americano Ernest Hemingway, de marcada influência no contexto cultural cubano e na construção de uma imagem nacional de 'homem do povo' durante estes anos. ―Era um velho que pescava sozinho com seu barco na Corrente do Golfo e há oitenta e quatro dias não apanhava um peixe. Um garoto o acompanhava nos primeiros quarenta dias, mas quando estes se passaram sem sinal de peixe, os pais do garoto disseram que o velho estava decida e definitivamente sala´o que é a pior forma de desgraça, e o garoto obedecera-lhes, indo para outro barco, que logo na primeira semana apanhou três belos peixes. Era triste para o garoto ver o velho chegar todo dia como o barco vazio e ele sempre descia para ajudá-lo a carregar os rolos de linha, ou gancho ou o arpão e a vela toda enrolada ao mastro. A vela estava toda remendada com sacos de farinha e assim enrolada, parecia a bandeira de uma derrota perene.‖ 190

Nesta imagem, a profundidade do espaço é captada pelo artista através da sucessão de tetos a duas águas, vestígios das antigas construções coloniais numa nostálgica perspectiva arquitetônica que vai diminuindo à medida que nossa visão percorre a paisagem. As dimensões do enorme tubarão de metal nos são revelados pelo poste elétrico e pela presença de uma figura humana em segundo plano que atravessa a imagem sobre uma bicicleta. O tubarão, construído aparentemente com os restos de um avião, ocupa o primeiro plano de uma realidade de pincelada surreal, ameaçando engolir o ciclista, enquanto o rosto de um palhaço pendurado na parede sorri maliciosamente ao contemplar a cena.

190 HEMINGWAY, Ernest. O velho e o Mar. São Paulo: Bertrand Brasil, 2000. Pág. 5. 172

Figura 62: Mario García Joya (Mayito). Sem título (da série ―Caibarién, el buen gusto‖). Cuba, 1980-

83.

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Figura 63: Mario García Joya (Mayito). Sem título (da série ―Caibarién, El buen gusto‖). Cuba, 1980- 83

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A imagem que fecha nossa aproximação com as obras de Mario García Joya (Figura 63) é uma espécie de resumo deste projeto de fotografia autoral desenvolvido durante três anos pelo fotógrafo, em suas várias visitas ao povoado de Caibarién. Da mesma forma que todos os personagens das imagens que conformam este extenso trabalho, os participantes deste retrato coletivo perderam seus nomes ao longo do caminho, permanecendo no anonimato. Embora os elementos identitários destas figuras masculinas possam trazer enriquecedores dados à nossa análise, outros elementos da imagem suprem a ausência de nomes dos desconhecidos. Esta obra, aos nossos olhos, resume o espírito da carnavalesca e controvertida década de 80 cubana, combinação de ‗alta cultura‘, baixas condições economicas, discussões teóricas e grandes expectativas sobre a idéia da massificação da cultura, tão cara à Revolução. A obra condensa tal quantidade de detalhes e informações que é praticamente impossível abarcar toda sua complexidade, numa primeira aproximação. Convivem numa atmosfera opressiva as reproduções da A dama do arminho (1485) e da Mona Lisa (1503-1507), de Leonardo da Vinci (1452- 1519), mais uma ‗inspirada‘ releitura da fotografia Guerrillero Heróico de Korda, e cinco figuras masculinas, assim como vários aparatos e eletrodomésticos, tudo num espaço mínimo. O artista nos apresenta em uma única imagem a alma de uma década, sintetiza a idéia que permeia seu projeto: mais do que um retrato coletivo, se trata do retrato de uma década eclética e apaixonada, refletida através de cintilações da realidade no meio da utopia.

Este projeto fotográfico desenvolvido entre 1980 e 1983 por Mario García Joya ressalta elementos da interioridade cultural cubana, do porte eclético dos gostos populares sob a denominação irônica de 'el buen gusto', revelando elementos muito mais profundos que a simples representação de uma classe, uma minoria, ou uma comunidade. Coloca sob questão as idéias desenvolvidas sobre as radicais transformações e a existência idealista de uma única camada social proletária, sem diferenciações, como resultado da Revolução cubana. Ainda a partir de uma perspectiva tradicional para a captação de seus referentes, o fotógrafo delineia questionamentos profundos a partir de uma perspectiva e de um interesse inteiramente pessoal, mostrando através da imagem em preto e branco a variedade de cinzas da realidade cubana dos anos 80.

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3.4 - Surrealismo contemporâneo: Gory e a fotomontagem.

―Há imagens que não podem ser substituídas por palavras nem por um milhão de palavras, da mesma forma que elas não podem substituir a informação verbal. Elas nos atingem por caminhos diferentes e exatamente por isto se completam tão bem.‖ 191

Se perguntarmos hoje sobre a existência do surrealismo fotográfico, parecerá, certamente, que fazemos uma interrogação retórica. Inúmeras são as ocasiões em que o termo é empregado por historiadores, críticos e organizadores de compêndios fotográficos para qualificar a obra de artistas dos mais diversos períodos históricos. No entanto, consideramos que na base desse questionamento, um pequeno percurso historiográfico será imprescindível para nos posicionarmos sobre determinadas questões ainda polêmicas na história da arte contemporânea. Tendo como finalidade alcançar uma maior compreensão da obra do fotógrafo cubano Rogélio López Marín (Gory), qualificada por estudiosos tanto da área da crítica de arte quanto da história, como situada dentro da categoria de surrealista.192 Para isto será necessário partir das raízes da fotomontagem enquanto técnica criativa empregada pelo artista, também estreitamente ligada ao surrealismo. De igual maneira, serão abordados alguns dados a respeito do próprio desenvolvimento do movimento surrealista e sua relação com a fotografia. Tudo isto visando uma perspectiva expandida da história da arte de modo a implementar novas estratégias para uma leitura mais eficiente das obras contemporâneas que dialogam com o denominado 'surrealismo fotográfico'. O conceito de fotomontagem é, ainda, freqüentemente excluído em dicionários de várias línguas. No entanto, existe uma espécie de consenso tácito entre artistas e historiadores da arte sobre seu uso. Pode-se entender como fotomontagem a obra composta e realizada através de diferentes fotografias, a arte ou o processo de realização da mesma; e mais recentemente, o processo fotográfico envolvendo diferentes técnicas de impressão e manipulação no quarto escuro, ou por meio de outras tecnologias.193 ―O termo 'fotomontagem' não foi inventado até depois da Primeira Guerra Mundial, quando os Dadaístas Berlineses precisaram de um nome para descrever sua nova técnica de introduzir fotografias em seus trabalhos. Existem isolados exemplos anteriores do uso de fotografias no contexto da colagem Cubista e Futurista.‖ (tradução livre)

191 KUBRUSLY, Cláudio. O que é Fotografia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005. Pág. 77. 192 CAMNITZER, Luis. New Art of Cuba. Austin, Texas: University of Texas Press, 1994. 193 TRETYAKOV, Sergei. Apud. DAWN, Ades. Photomontage. Slovenia: Thames and Hudson. Revised 3er Edition, 1993. Pág. 10. 176

194

A postura anárquica na criação conduzirá, junto a outros motivos, à pronta desintegração do grupo dadaísta. Serão os antigos membros de Dada quem prontamente farão um novo uso da técnica de fotomontagem. Desta vez, numa perspectiva de forte implicação sócio-política. Tal postura será difundida e empregada por inúmeros artistas, antes da Segunda Guerra Mundial na Europa, na defesa ideológica de ambos os lados em oposição, através de uma linguagem clara e direita. No Construtivismo Russo, a fotomontagem estará ligada, por sua vez, à propaganda e publicidade do governo em sua construção de uma nova política. No entanto, outra vertente da fotomontagem, de forte conteúdo lírico e profunda ambigüidade política seria desenvolvida neste contexto. Surgem assim as obras de Alexander Rodchenko para acompanhar os poemas de Maikovsky, em 1923. As obras de Rodchenko assim como a de John Heartfield, A. Sitomirski, El Lissitzky, apresentam uma perspectiva da fotomontagem onde prima à sutileza poética, olhar logo partilhado pelos surrealistas. A relação entre a fotografia e o surrealismo, herdeiro do Dada, inicia-se na base das contradições que continuam sendo, ainda hoje, centro de polêmica bizantina. Por um lado, Breton define o surrealismo como automatismo ―ditado do pensamento na ausência de todo controle exercido pela razão, fora de toda preocupação estética ou moral” 195 condenando a câmara fotográfica como mero espelho do mundo, que capta a realidade como ela é. Por outro lado, é possível encontrar fotografias nas publicações surrealistas desde os próprios inícios do movimento. Coexistiram com os textos, nas revistas La Révolution surréaliste (1924-9), Documents (1929-30), e Le Minotaure (1933- 9), obras de fotógrafos anônimos,196 conjuntamente com as de artistas já conhecidos como Man Ray e Brassaï. A técnica de fotomontagem será assimilada prontamente pelos surrealistas que exploraram as possibilidades do processo de combinar os mais diversos referentes. O próprio líder do grupo surrealista, André Breton, encontrará nas fotografias de Boiffard e Brassaï o complemento ideal de

194 DAWN, Ades. (1993) Op. Cit. Pág. 15. No original: ―The term 'photomontage' was not invented until just after the First World War, when the Berlin Dadaists needed a name to describe their new technique of introducing photographs into their works. There are earlier, isolated examples of the use of photographs in the context of Cubist and Futurist collage.‖ 195 MICHELI, Mario. ―Manifiesto Surrealista‖ em Las vanguardias artísticas del siglo XX. Madrid: Alianza, 1985. Pág. 122. No original: ―Dictado del pensamiento en ausecia de todo control ejercido por la razón, fuera de toda preocupación estética o moral.‖ 196 Muitas destas fotografias hoje têm sido atribuídas a artistas como Eugène Atget e Jacques-André Boiffard. 177

seus poemas nos livros Nadja (1928) e L'Amour fou (1937). Outras publicações repetiram este tipo de relação entre fotografia e poesia surrealista. É o caso de Facile (1935), de Paul Éluard, poemas dedicados a sua esposa Nusch acompanhados de nus dela realizados por Man Ray. Ou o livro, On the Needles of These Days, publicado em Praga em 1942, onde se justapõem fotografias de objetos encontrados por Jindrich Styrsky, com fragmentos desconexos de textos de Jindrich Heisler. As contradições latentes na concepção do surrealismo, estimulada pelos próprios escritos de seu líder, Breton197, chamaram a atenção de relevantes pensadores. Walter Benjamin escrevera seu ensaio ―Surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia‖, de 1929, analisando problemas medulares do movimento surrealista, que dizem respeito à evolução do movimento e a uma postura política da qual carecia em seus inícios, mas que se tornaria a base para a posterior conceituação da fotografia surrealista: ―Há sempre um instante em tais movimentos em que a tensão original da sociedade secreta precisa explodir numa luta material ou profana pelo poder e pela hegemonia, ou fragmentar-se, enquanto manifestação pública. O surrealismo está atualmente passando por essa transformação. Mas no início, quando irrompeu sob a forma de uma vaga inspiradora de sonhos, ele parecia algo de integral, definitivo absoluto... que não sobrava a mínima fresta para inserir a pequena moeda a que chamamos ‗sentido‘.‖ 198

Benjamin sentira-se seduzido pelas possibilidades de uma arte que tenta libertar o inconsciente, o que alguns autores têm relacionado com sua experiência com drogas entre 1927-1934 e sua procura por vivências místicas. Mas como ele próprio assinalara, é no sentido político que descansa o verdadeiro valor do surrealismo. ―Nessa transformação de uma atitude extremamente contemplativa em uma oposição revolucionária, a hostilidade da burguesia contra toda manifestação de liberdade espiritual desempenha um papel decisivo. Foi essa hostilidade que empurrou para a esquerda o surrealismo (...). No momento os surrealistas são os únicos que conseguiram compreender as palavras de ordem que o Manifesto (Comunista) nos transmite hoje. Cada um deles troca a mera gesticulação pelo quadrante de um despertador, que soa durante sessenta segundos cada dia.‖ 199

O fotógrafo do surrealismo, por excelência, considerado por alguns como o 'inventor da fotografia surrealista' foi o norte-americano Man Ray (1890-1976), antigo militante nas filas dadaístas e fundador, junto com Duchamp, do Dada nova-iorquino. Man Ray se interessará prontamente pelas possibilidades de experimentação das idéias surrealistas, desenvolvendo uma poética inteiramente pessoal, na qual combinará novos procedimentos técnicos, com os mais tradicionais gêneros da fotografia como o caso do nu.

197 BRETON, André. "Surrealist Situation of the Object" (1935) e "What is Surrealism?" (1934), disponíveis em: http://home.wlv.ac.uk/~fa1871/whatsurr.html 198 BENJAMIN, Walter. ―Surrealismo: o último instantâneo da inteligência européia‖ in: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense. 1994. Pág. 22. 199 Idem. Pág. 28-35. 178

No entanto, serão as obras do fotógrafo francês Eugène Atget (1857-1925) aquelas associadas pelos próprios surrealistas à essência das idéias expostas por Breton em publicações como Nadja. Atget, com mais de 70 anos e considerando-se a si próprio como um mero documentador da realidade,200 pouco se interessará pelas idéias de Breton, mas será convidado a participar com suas obras na edição número 12 de 1926 da revista La Revolution Surrealiste. Atget será reivindicado pela história a partir das leituras de suas obras periodizadas por Berenice Abbott, antiga ajudante de Man Ray, como o fotógrafo do lirismo e da nostalgia por aquilo que não existe mais. Como já tínhamos assinalado no início, 'surrealismo fotográfico' é um termo usado comumente. Seu emprego e conceituação são ainda temas polêmicos. Seguindo esta linha de pensamento, consideramos fundamental para nossa análise referirmo-nos de modo breve e crítico a três textos, que são, a nosso ver, essenciais no que se refere ao surrealismo, à fotografia e às possíveis aproximações entre ambos. L'Amour Fou: Photography and Surrealism, exposição e livro de Rosalind Krauss e Jane Livingston, será apresentada ao público no ano 1985. Tal estudo, o mais aprofundado na historiografia de fala inglesa, segundo alguns especialistas, constituí-se na primeira tentativa rigorosa de construção de uma teoria integradora da fotografia sobre o projeto do surrealismo. Produzido por ambas as pesquisadoras, o texto do catálogo se concentra na fotografia como centro do movimento surrealista, um tipo de história do surrealismo a partir da fotografia.201 A publicação de L'Amour Fou levará à abertura de uma serie de questionamentos, que logo formarão as bases para novas pesquisas. No entanto, as críticas feitas a esse livro constituem também um ponto importante a se levar em conta na hora de pensar as possíveis relações entre fotografia e o surrealismo. O problema fundamental da abordagem de Krauss e Livingston, aos nossos olhos, o que é partilhado por pesquisadores como Ian Walker, estará no enfoque dicotômico defendido a partir de uma analise pós-estruturalista. As autoras colocarão a 'fotografia surrealista' em contraposição a 'straight photography', ou fotografia pura, estabelecendo um limite divisório entre ambas, negligenciando, a nosso ver, aspectos essenciais como os propósitos que conduziram à realização da obra e os meios através dos quais as mesmas interagem com o público. Outro marco no debate sobre surrealismo e fotografia será a pesquisa do historiador inglês Ian Walker, publicada em 2002 sob o nome de City Gorged with Dream's: Surrealism and Documentary

200 Saber mais em : RAY, Man. Self Portrait. Bulfinch, 1999. 201 KRAUSS, Rosalind e LIVINGSTON, Abbeville. L'Amour Fou: Photography and Surrealism .USA: Abbeville Press, 1985. 179

Photography in Interwar Paris (Critical Image). Em seu livro Walker assumirá uma postura oposta à apresentada por Krauss e Lingston, encaminhando seu discurso através dos fluxos da obra por diferentes classificações a partir do público para o qual a mesma inicialmente esteve destinada e dos diferentes resultados formais convergentes dentro de um mesmo contexto cultural. O pesquisador dedicará uma atenção especial à análise das relações estabelecidas entre as obras e o espaço geográfico em que foram apresentadas, assim como a sua recepção, neste caso, a cidade de Paris. O pesquisador se interessa também por entender as relações entre os surrealistas e os fotógrafos que trabalham paralelamente no período, alheios às idéias do grupo. Propondo uma releitura da fotografia surrealista, levando também em conta tanto seu contexto original quanto o atual a partir da subversão dos parâmetros de 'realismo' impostos nela. O maior aporte da obra de Walker, em nosso entender, está na instrumentalização do conceito de surrealismo documental, a partir da análise da obra de Atget, em defesa da coexistência, dentro de uma mesma obra, da subjetividade, da ambigüidade e da reflexão. A mais recente publicação a que faremos referência foi publicada no ano 2004 pelo fotógrafo e teórico norte-americano David Bates, Photography & Surrealism: Sexuality, Colonialism and Social Dissent. Ainda que tenha objetivos muito ambiciosos, o livro apresenta uma visão muito mais abrangente que a de seus antecessores com relação à interação entre surrealismo e fotografia. A primeira colocação de Bates está no que podemos denominar aproximação sócio-psicológica ao surrealismo, numa tentativa de compreensão histórica do mesmo como conceito sem deixar de lado as obras. Bates se vale de elementos da psicanálise freudiana e das teorias de Jacques Lacan para analisar o surrealismo como 'filho em conflito com os pais', neste caso a sociedade contra a qual se manifesta e a política governamental. Mas a maior ousadia na obra de Bates está na tentativa de classificar a fotografia surrealista e na aplicação de tais classificações na arte contemporânea, a partir do emprego das mesmas nas suas próprias obras. A primeira categoria será ‗pro-photographic'‟202 que podemos associar às possibilidades da fotografia em captar referentes conhecidos que, ao serem isolados de seus contextos, adquirem uma nova dimensão poética. A segunda categoria será definida por dois tipos de imagens: aquelas de ‗content‟ (conteúdo), e

202 BATES, David. Photography & Surrealism: Sexuality, Colonialism and Social Dissent. United States: Palgrave Macmillan, 2004. Pág 22. 180

aquelas de ‗obscure meaning‟,203 ou seja, aquelas obras de conteúdo evidentemente ambíguo. A última categoria, sem dúvida a mais problemática em sua complexidade, será definida por Bates como ‗enigmatic signifier‘ (significante enigmático). Através desta definição, o fotógrafo propõe uma relação entre determinadas imagens e o componente inconsciente do criador na realização das mesmas. Esta classificação estará estreitamente ligada às teorias de Jean Laplanche sobre o enigma, aquilo que só pode ser proposto por alguém que não domina a resposta, porque sua mensagem é uma formação de compromisso da qual seu inconsciente participa.204 Bates destaca na intervenção do inconsciente as relações sociais e culturais, tanto do artista quanto do receptor, defendendo o critério da inexistência de um fechamento na leitura da obra fotográfica. Outro aporte fundamental de Bates na abertura interpretativa da obra está na importância conferida ao texto como componente essencial da poética surrealista, idéia que desenvolve a partir da análise das fotografias incorporadas pelos surrealistas em suas publicações. Concordamos que nosso percurso até agora tem sido extenso; no entanto, acreditamos ser ele imprescindível. Precisamos dizer que iniciamos nosso recorte histórico com a técnica de fotomontagem propositalmente. Como já foi colocado, são reiteradas as referências de críticos e teóricos205 qualificando a obra de Gory simplesmente como surrealista, assinalando sua relação com determinados criadores, sem maior aprofundamento. Em nossa opinião, para uma análise aprofundada da obra do artista é preciso levar em conta não só suas particularidades em relação à poética pessoal e contextual, mas também os entrecruzamentos que podem ser estabelecidos entre a mesma e a própria história da arte. Gory iniciará sua relação com as artes plásticas a partir da pintura, completando seus estudos como designer gráfico com um Mestrado em História da Arte. Esta formação inicial do artista no campo da pintura é fundamental para a compreensão de múltiplos elementos que entretecem o complexo discurso que subjaz às fotografias de Gory, pois não podemos perder de vista que Cuba ainda hoje carece de um curso dedicado à formação artística dos fotógrafos. O primeiro ponto a ser analisado está nos elementos técnicos empregados pelo artista para a construção de seu discurso, ou seja, no desenvolvimento da invenção dadaísta da fotomontagem. No

203 BATE, David. Idem. Pág 29. 204 STACK, Allyson. ―Culture, cognition and Jean Laplanche's enigmatic signifier=Culture‖ in Theory, culture & society. vol.22, No. 3, London: Sage. 2005. Págs. 63-80. No original: ―can only be proposed by someone who does not master the answer, because his message is a compromise-formation in which his unconscious takes part”. 205 Fazemos referências a vários artigos tanto cubanos como norte-americanos que abordam o trabalho do fotógrafo assim como a publicações mas abrangentes como o livro Shifting Tides-Cuban Photography after the Revolution. Los Angeles: County Museum of Art, 2001 e o filme Five Visions of Cuban Revolution. 181

entanto, é relevante para a obra de Gory tanto o emprego da técnica de fotomontagem quanto o discurso, implícito na mesma, envolvendo a obra dos construtivistas russos. Nos referimos particularmente à obra desenvolvida por Rodchenko em relação à poesia de Vladimir Maikovsky e à interação entre texto e imagem. Outro aspecto a que fazemos referência em relação à obra de Rodchenko será largamente abordado por Margarita Tupitsyn206 e diz respeito à ambigüidade da mesma na medida em que ela foi incorporada ao contexto político-social no qual foi produzida. A pesquisadora norte-americana articula seu discurso demonstrando a existência de uma crítica social velada, subjacente à obra do artista. Ambos os elementos, aos nossos olhos, guardam uma estreita relação com a obra do fotógrafo cubano, como abordaremos adiante. Para a construção de nosso discurso, analisaremos a série de Rogélio López Marín, Es sólo agua en la lágrima de un extraño, produzida no ano de 1986. Conhecida também pela sua tradução para o inglês, Its Only Water in the Teardrop of a Stranger, apresentada pela primeira vez em Cuba na IIª Bienal de Havana de 1986. Gory estabelece um diálogo com o receptor sobre o homem e sua realidade no contexto específico de Cuba, a partir da idéia de ausência. Fala por meio dos espaços abandonados, da emigração, do isolamento em consonância com a Maldita circunstancia del agua por todas partes, tão recorrente na arte cubana. Gory encontra seus primeiros referentes nas casas e hotéis abandonados pelos cubanos, nas grandes ondas migratórias que voltam a se repetir na década de 80. Os locais escolhidos foram marcados pelo percurso que os conduz de elementos privados a elementos públicos, tornando-se então novamente privados, pois o 'público' pouco ou nada desfrutaria deles. Nestas obras reconhecemos a poética da nostalgia, mas seu substrato descansa na crítica social ao governo cubano e às suas políticas voltadas para autorizar as viagens ao exterior. Apesar das cores brilhantes que conformam toda série, algumas das composições do artista supõem espaços físicos possíveis. O lugar pode existir, parece estar à nossa espera. Cada uma das escadas é um caminho reservado para um membro da família que se desintegrou na fuga. Esta primeira imagem da trilogia (Figura 64, à esquerda) nos devolve à memória as obras de Atget que tanto impressionaram os surrealistas. Atget trouxe a documentação de uma Paris, de uma época, de uma sociedade com tudo o que ela representa, e que hoje não existe mais, como ele mesmo dissera. Gory documenta o vazio do espaço deixado, onde o momento escolhido é posterior ao de Atget. O francês nos fala a partir do ontem, nos mostra sua existência, Gory fala do hoje a partir da ausência. A água, em seu sentido dual, de criação e também de morte, é um ciclo que se fecha diante do

206 TUPITSYN Margarita. The Soviet Photography (1924-1937). New Haven, CO: Yale University Press. 1996. 182

espectador. A cor se faz homogênea, os limites entre a piscina e o mar desaparecem, a água toma conta de tudo, mostra sua força sobre os domínios do homem, enquanto um pedaço de terra parece ser engolido pelo mar e o céu, mostrando que o mundo de quem mora em uma Ilha acaba no mar, e o além é um mistério inescrutável. Na segunda obra (Figura 64, ao centro), o artista nos mostra as escadas que surgirem a piscina, mas esta se desvanece ante nós. Novamente o limite se perde na água, desta vez um bosque está prestes a desaparecer nela. Conseguimos ver o fundo, os azulejos que formam o chão, tudo parece calmo e límpido, mas percebemos o perigo diante dessa aparente imovilidade. Novamente o homem se ausenta da composição, e, no entanto está lá, podemos reconhecê-lo, associá-lo às árvores, a vida está neles. A metáfora toma corpo e diante nós está o homem, o cubano preso ao seu solo, sendo engolido pelas águas mansas. A água não é mais evocação da beleza cálida do Caribe, ela se transmuta em situação social, na política de um governo, cujo poder parece não ter limites. A água vai subindo devagar submetendo a liberdade dos galhos. Na imagem anterior as cores da água e do céu são como que igualadas pelas mãos do artista. O céu que podia se converter em um ponto de escape se empenha em fechar o ambiente, em oprimir o espectador. As portas se fecham e a luz da janela só ilumina o suficiente para darmos conta deste fato. A última imagem da trilogia (Figura 64, à direita) se fecha sobre a violência das rochas, onde cada caminho tem um futuro diferente. Na terceira imagem finalmente a água está em calma, no entanto, este caminho nos fecha, um muro se levanta entre a escada sob nossos pés e esse horizonte tão desejado.

As duas últimas obras (Figura 65 e 66) concluem o ciclo de violência perturbadora iniciado pelas imagens precedentes. Não estamos mais frente à segurança de escadas convidativas; aqui, a pedra nos recebe enquanto o fundo tranqüilo desapareceu; esta água está realmente viva e sua espuma anuncia a rebeldia das ondas. O ser humano não está lá, mas reconhecemos sua silhueta nas figuras zoomórficas, espécies de fantasmas que parecem flutuar no interior de um dos vagões do trem. A pulsão icônica207 nos leva a reconhecer algo semelhante a bustos sem qualquer elemento identificador, nem braços nem pernas, cabeças e troncos imóveis e indefesos, jacentes, captados em seu trajeto para algum lugar.

207 Pulsão icônica é o termo empregado pelo historiador e pesquisador espanhol Roman Gubern para denominar a força que de forma natural leva o ser humano a procurar formas reconhecíveis em qualquer elemento visual. Para saber mais, cf. Del Bisonte a la realidad virtual: la escena y el laberinto. Barcelona: Anagrama, 2007. 183

Figura 64: Rogélio López Marín (Gory). Sem título (da série ―Es sólo agua en la lágrima de un extraño” . Cuba, 1986.

184

Figura 65: Rogélio López Marín (Gory). Sem título (da série ―Es sólo agua en la lágrima de un extraño” . Cuba, 1986.

Figura 66: Rogélio López Marín (Gory). Sem título (da série ―Es sólo agua en la lágrima de un extraño”. Cuba, 1986.

185

O conforto não existe: o trem é de carga, anônimo como as figuras que o habitam e que irremediavelmente nos remete a toda a memória imagética da cinematografia e da fotografia que permite identificar alguma relação com o holocausto, com os trens carregados de judeus a caminho dos campos de concentração. É uma imagem da impotência perante o absurdo dessa força que vai em direção ao desconhecido, mas que tem toda a aparência de não reservar uma surpresa boa. A mesma aparência fantasmagórica é trazida pelo carro no meio da água, remanescente de um passado abandonado; a máquina está vazia, mas parece ainda em movimento, impulsionada pela lembrança de aqueles que partiram. A poética de Gory se mantém intacta através dos anos através de sua preocupação com o homem e sua realidade circundante, traduzida nos reflexos da paisagem, tanto natural quanto edificada. Podemos reconhecer em suas peças uma relação com o contexto do artista, da existência de um referente localizável, e a captação de detalhes como resultado de relações que vão muito além da arquitetura ou da paisagem. Um diálogo sobre a sociedade na qual convive um olhar de auto- referencialidade. Talvez a qualidade comunicativa da obra de Gory esteja na relação que esta estabelece com o próprio artista. Ele consegue falar daquilo com que tem familiaridade, explorando a beleza e a plasticidade da fotografia. E o que pode ser entendido como uma preocupação pessoal, ligada a um determinado contexto físico-geográfico e político, acaba sendo compartilhado por muitos outros, por meio da linguagem universal da arte, sendo o primeiro artista no contexto cubano a alcançar um reconhecimento através da fotografia manipulada. Como dissera o crítico e historiador de arte cubano Gerardo Mosquera, Gory se converte, através de sua obra fotográfica, no artista “mais importante dos anos 80”. 208

208 MORELL Otero, Grethel. ―Fotografía Cubana de los 80. Las opciones del dogma‖. Disponível em: http://www.radiohc.cu/espanol/c_fotografia/cubafotos/2009/marzo-abril2009.pdf No original: ―el más importante de los 80‖. 186

3.5 - Diálogos entre a fotografia moderna e o foto-clubismo: Clóvis Loureiro

―A realidade está repleta de particularidades individualizadas pelo fotógrafo.‖ 209

Pietro Maria Bardi.

As transformações sócio-políticas que se produzem na realidade brasileira nas décadas de 60 e 70, conjuntamente com as mudanças no campo específico da fotografia, fazem da década de 80 no Brasil o período de consolidação da fotografia como parte das artes plásticas. Tal abertura dará espaço para o desenvolvimento de produções cujo interesse supera a documentação da realidade em si para adentrar-se em uma nova perspectiva do olhar fotográfico, elaborando novas estéticas a partir da 'straight photography'. Construindo diálogos com a tradição fotográfica nacional, o fotógrafo Clóvis Loureiro Junior, encontra-se como figura destacada na construção de uma linguagem pessoal.

Clóvis Loureiro Junior nasceu em São João da Boa Vista, São Paulo, em janeiro de 1958. Graduou-se em jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo na década de 70. Entre os anos 1976 e 1983, Clovis foi coordenador e responsável pelo setor de fotografia do Museu Lasar Segall (MLS), trabalhando também como professor do Departamento de Fotografia na instituição. Suas obras foram expostas em vários lugares: no âmbito nacional, entre outros, na Pinacoteca do Estado (1980), Museu de Arte Moderna (1980) e na Galeria Fotóptica (1987). Fora do Brasil, o fotógrafo participou de mostras coletivas em países como Cuba e França entre os anos de 1984 e 1986. Durante a década de 80 foi responsável pela realização de oficinas de linguagem fotográfica durante a 2ª e a 3ª Semana Paulista de Fotografia, durante a 7ª Semana Nacional de Fotografia da Funarte e nas Oficinas Culturais Três Rios. Desenvolveu trabalho de expressão pessoal em fotografia e foi contemplado com a Bolsa Marc Ferrez do Instituto Nacional de Fotografia (Funarte) em 1984, no Rio de Janeiro. No início da década de 90, passou a viver numa comunidade chamada Figueiras em Minas Gerais. No curto período de sua formação profissional na década de 70, Clóvis se envolve intensamente com a criação fotográfica na tentativa de consolidar uma fotografia autoral. Como veremos, nas suas obras realizadas na década de 80, o fotógrafo, a partir de uma perspectiva purista, desenvolve uma teoria própria da criação fotográfica, que combina elementos das idéias desenvolvidas na Bauhaus por

209 BARDI, P. Maria. Op. Cit. 1987. Pág. 14. 187

Lazlo Moholy Nagy, seguindo fielmente os princípios da luz e da forma promovidos como fundamentos básicos da fotografia, com suas próprias idéias, chegando a definir como seu modo de criação uma composição denominada 'fotografia cega' na qual o fotógrafo não teria que olhar pelo visor, só apertar o obturador sem necessidade de um enquadramento arranjado cuidadosamente segundo o modo 'tradicional'. ―Seu programa educativo no MLS era fundamentado na fotografia humanista, no fotógrafo autor, na ética da fotografia não intervencionista, no desenvolvimento do construir artesanal (...). Clóvis desenvolveu uma técnica fotográfica denominada de ―fotografia cega‖: intuía o enquadramento e o foco sem a necessidade de olhar pelo visor da câmera.‖ 210

No entanto, como poderemos constatar, sua imagem 'sem enquadramento' não prevalece, sendo que muitas delas evidenciam a preocupação do artista com a composição e dão mostras de um minusioso processo de realização. Desta forma, o resultado final das obras de Clóvis se apresenta ante o espectador como uma junção de elementos diversos em que podemos identificar determinados pontos de contato com a fotografia surrealista, particularmente no que diz respeito ao conceito de estranhamento, à fotografia abstrata, assim como uma estrita ligação com a tradição fotográfica brasileira, especialmente com a obra de artistas do círculo do Foto Cine Clube Bandeirante de São Paulo, também conhecido como Escola Paulista.

210 AVANCINI, Atílio. ―Imagens Mágicas de Clóvis Loureiro Jr.‖ In Fotografia Contemporânea, disponível em: www.fotografiacontemporanea.com.br 188

Figura 67: Clóvis Loureiro Junior. Bairro da Liberdade. São Paulo, Brasil, 1985.

Figura 68: Clóvis Loureiro Junior. Sem título. Espanha, 1986.

189

Estes dois ―'retratos' femininos‖ (Figuras 67 e 68) são um exemplo clássico da trajetória percorrida por Clóvis Loureiro em sua produção fotográfica da década de 80. Na primeira obra encontramos os elementos distintivos da fotografia purista ou direta tradicional, uma cena cotidiana, captada do real, um referente diferenciado, nesta ocasião uma mulher de evidente ascendência asiática, representando uma comunidade, idéia que é reforçada pelo suplemento verbal que acompanha a obra, Bairro da Liberdade, espaço referencial da comunidade oriental da cidade de São Paulo. Num retrato, praticamente num 'close up', o artista nos mostra a sedução pelas formas, que de maneira despercebida surgem em nosso redor na vida diária, enquanto o rosto feliz da mulher sob a luz do sol ilumina a cena. A segunda imagem oferece uma perspectiva completamente diversa do retrato feminino; poderíamos dizer que mais do que um retrato feminino se trata de uma paisagem com pernas de mulher. Agora a sedução do artista está nas linhas, na pureza, no contraste; no entanto, se olharmos atentamente, estes elementos são comuns a ambas as imagens. O segredo está no modo de captação dos referentes. ―Já neste momento, o fotógrafo ordena a natureza baseado em uma lúdica geométrica, inter relacionando os objetos como se eles fossem propositalmente colocados no mundo apenas em função de um efeito plástico.” 211 No retrato frontal, as linhas do rosto contrastam com as linhas da folha de alface que a protagonista segura entre as mãos, oferecendo ao fotógrafo a possibilidade de captar um contraste quase táctil entre ambas as superfícies, onde a linha esticada do pescoço e a suavidade da pele se contrapõem à textura da folha dando à imagem uma plasticidade, como reflexo de uma beleza sutil e natural dada pelo contraste aleatório de dois elementos díspares. A paisagem com pernas nos apresenta a relação entre outros elementos também diversos, por um lado a imensidão do mar, por outro, a textura rugosa da rocha e finalmente esse elemento surpresa que, como já mencionamos, se faz presente na obra de Clóvis: o estranhamento. Novamente estamos perante um jogo de linhas e de contrastes, novamente o autor se vale da luz natural para capturar a cena; no entanto, desta vez, as sombras ganham um papel de protagonistas. Todas as formas, naturais e arquitetônicas, são casuais como as nuvens, e toda a composição está pensada para estabelecer um rico entremeado de linhas geométricas que re-dimensionam o que podia ter sido uma simples visão bucólica da paisagem marinha.

211 COSTA, Helouise e Rodrigues da Silva, Renato. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. Pág. 67. 190

Figura 69: Clóvis Loureiro Junior. Sem título. Espanha, 1986.

Figura 70: Clóvis Loureiro Junior. Sem título. Santos, Brasil, 1986.

191

Nestas duas obras (Figuras 69 e 70), a intenção do artista em produzir uma composição apurada se evidencia pela busca em estabelecer um jogo entre as linhas que dão vida à imagem. A figura do homem visto através dos vidros tem algo de bouger mesmo quando o perfeito diálogo entre os diferentes elementos nos leva a pensar na possibilidade de um arranjo da cena por parte do artista. A obra tem certo ar de melancolia, onde o sobretudo usado pelo protagonista e a luz suave natural coadjuvam a formar esta sensação no espectador, conferindo um ar de frieza à atmosfera da composição. A seguinte imagem, pelo contrario, transmite ao espectador uma sensação inteiramente oposta. Novamente estamos na postura do bouger ante um personagem que, em aparência, desconhece a presença do fotógrafo. O personagem de Clóvis desta vez parece espreguiçar-se ao ar livre; um calor escapa da obra. Enquanto a figura frente ao mar deixa apenas seu rosto descoberto e o homem no pátio nos mostra uma semi-nudez num espaço intimo; sua postura é indolente e descontraída, enquanto a intensidade da luz que emana da cena transmite a idéia de um ensolarado dia de descanso. Ambas as composições estão marcadas pela relação entre verticais e horizontais. Na imagem do brasileiro o artista parece ter se deparado com um cartaz marcado por linhas horizontais que, ao ser colado, perdeu sua linearidade, produzindo uma descontinuidade no desenho, que junto às vigas de madeira da construção compõem um pequeno painel abstrato que lembra as obras do neoplasticismo do pintor holandês Piet Mondrian (1872-1944). A obra do carro, por sua vez (Figura 69), se constrói através da relação entre sua estrutura metálica e os vidros do parabrisas e das janelas, sendo que ambas as composições têm pontos de contato com a fotografia abstrata desenvolvida por diversos artistas ao redor do mundo, particularmente com as desenvolvidas no Brasil pelos fotógrafos da Escola Paulista. ―Em geral, os fotogramas realizados no Foto-Cineclube Bandeirante eram de caráter geométrico, de acordo com o ideário plástico do construtivismo, que na década de 50 contava com grande prestígio no campo das artes plásticas. Nos fotogramas a realidade desaparece por completo e as formas puras se inter-relacionam livremente. Linhas e planos combinam-se em um resultado previamente arquitetado.‖ 212

Na imagem do carro está também o elemento do vidro, da transparência, da possibilidade de contemplar o outro de longe através do vidro e do reflexo. No entanto, o ponto mais instigante partilhado por ambas as obras, em nosso ver, é a presença do fotógrafo nas composições. Na obra realizada na Espanha, a janela do carro deixa perceber a imagem do fotógrafo através de seu reflexo no vidro, cuja sombra projetada deixa em evidência a posição adotada pelo artista para a realização da imagem, sua composição por meio do uso do visor da câmera. No retrato do homem se espreguiçando, a sombra do fotógrafo se projeta sobre o muro que rodeia a personagem. Ambos os homens aparecem

212 COSTA, Helouise e RODRIGUES da Silva, Renato. 2004. Op. Cit. Pág. 61. 192

sozinhos na cena, só a figura do fotógrafo rompe com a idéia de imagem roubada, de parceiros da visão do fotógrafo em nossa posição habitual como espectadores compartilhando o olhar do visor. Temos a sensação a passar por figuras oniscientes. A possibilidade de ver o referente, mas também o artista em plena realização de sua obra, mesmo sendo só através da sombra, altera completamente nossa perspectiva inicial de leitura. O artista passa do anonimato a co-protagonista das obras. Tal descobrimento nos coloca numa disjuntiva interpretativa sobre a presença do fotógrafo, entre o descuido técnico em prol de 'caçar a imagem', ou um auto-retrato intencional, o qual nos conduziria a ligações de tipo auto-referenciais na obra. ―Fotografia é a linguagem do inesperado, boas fotografias não acontecem toda hora. A fotografia é um encontro. Eis o seu sabor. Um encontro entre o fotógrafo e o momento. Uma cena e o seu reconhecimento. A fotografia trabalha com o acaso e se vale da intuição. Assim se realiza o encontro. Tudo o que queremos ao tirar fotografias é compartilhar nossa visão do mundo e nossa sensibilidade à vida como os outros. É como dizer: olha só aquilo! E aí está todo o significado. Não há mais nada a explicar. Nada a acrescentar. O resto é por conta de quem observa a fotografia.‖ 213

O artista consegue ver o homem através dos vidros, consegue possuí-lo através de sua imagem, através dos vidros do carro e da lente, e igualmente pode ver-se a si próprio, ou podemos vê-lo por meio do reflexo. Imortaliza o 'outro', mas não o singulariza, pois seus traços fisionômicos não são distinguíveis; ele imortaliza-se a si próprio, mas tampouco se singulariza, uma vez que ele só se faz visível através de sua sombra. O importante é a confluência de eventos, são as aptidões, ficando em aberto a possibilidade de um intercâmbio de lugares entre ambos (fotógrafo e fotografado).

213 LOUREIRO, Clóvis. ―A linguagem da fotografia”, In Fotografia Contemporãnea. Disponível em: www.fotografiacontemporanea.com.br 193

Figura 71: Clóvis Loureiro Junior. Sem título. Santos, 1986. Brasil

Figura 72: Clóvis Loureiro Junior. Sem título. 198? 194

As últimas imagens de nossa análise (Figuras 71 e 72) têm a ver com a perspectiva de confusão do mundo. Duas espécies de caos nos são apresentadas, uma a partir de um conglomerado de elementos inanimados onde a arquitetura é a grande protagonista, fundida em meio a carros e cabos de tensão, enquanto a outra parte do ser humano e suas diferentes aptidões. Os elementos de ambas as composições dão às cenas uma estrutura caótica de suave tendência surreal. Assim, o 'estranhamento' do surrealismo volta a estar presente nas obras de Clóvis. O aparente caos de ambas as obras está dado pela composição proposital que o artista faz da imagem. É a perspectiva do fotógrafo a que realmente dá lugar ao caos, são sua organização e seu enquadramento que dão vida à cena. Novamente se rompe com a idéia da 'fotografia cega' que ele próprio tentara desenvolver, pois as imagens não só são pensadas, mas também estão milimetricamente construídas. O visor foi novamente empregado. Na realidade, como já for assinalado, apesar do fotógrafo ter idéias que estão em consonância com as perspectivas de Moholy Nagy, o distanciamento alcançado pelo artista húngaro em sua obra é diferente, como a idéia de reinventar o mundo através da fotografia e de que esta cria sua própria perspectiva da realidade, pois estes não são os valores que, aos nossos olhos, podemos encontrar na obra de Clóvis Loureiro Junior. Por trás do elemento fortuito e da beleza linear purista, o artista nos seduz pelas instigantes cenas que constrói e pelo cuidado com a estética de sua linguagem, sempre em constante diálogo com a abstração, aquela que conserva seu referente num jogo continuo entre linhas e superfícies, entre o documentarismo tradicional, próximo de sua formação como jornalista, e sua ruptura em favor de uma visão mais livre da criação fotográfica para a construção de uma fotografia autoral. A obra de Clóvis estende-se desde a imagem cotidiana, da beleza de um sorriso, ao caos de elementos inanimados. Como ele próprio diria, ―Não vemos, porém, apenas com os nossos olhos. Podemos fazê-lo com a totalidade do nosso ser. Ver é sempre dinâmico. Reconhece e descobre objetos. Cria relações e atribui significados. Projeta nossas fantasias, evoca nossos sentimentos e provoca reações. Reagimos: fotografamos.” 214

214 LOUREIRO, Clóvis. ―A linguagem da fotografia”, In Fotografia Contemporânea. Disponível em: www.fotografiacontemporanea.com.br

195

196

Considerações finais

Os trinta anos que compreendem as décadas de 60, 70 e 80 coincidem, em Cuba e no Brasil, com um período de conflitos e profundas mudanças político-sociais que tem seu reflexo no plano artístico e cultural. A fotografia, como meio de expressão, consegue durante este período e de forma paulatina conquistar espaços estabelecendo-se definitivamente como parte fundamental da cultura de ambos os países.

Neste sentido, a década de 60 representa um momento histórico que marca o estabelecimento da fotografia jornalística como um gênero distintivo e sua cristalização, tanto no Brasil como em Cuba, através do trabalho de fotógrafos, que pela primeira vez ganham o status reconhecido de profissionais da câmera. A partir das condições histórico-contextuais de ambos os países, se desenvolve neles uma fotografia fotojornalística que acusa os mais altos níveis do gênero, tanto no âmbito Latino-Americano, quanto universal, que permite que as obras destes artistas passem a formar parte do imaginário das nações, passando a fazer parte da categoria de documentos indispensáveis para a construção da história, mas também passam ser reconhecidas como obras de arte, sendo incorporadas ao universo das galerias e dos museus tanto dentro como fora das nações onde são produzidas.

Na década de 70, entre os próprios profissionais formados dentro do fotojornalismo, se desenvolve na fotografia brasileira e cubana um interesse derivado das idéias dos próprios artistas pela realidade social que antes ocupava exclusivamente as o espaço dos textos das folhas dos jornais, passando a ser captada a partir de diversos pontos de vista dentro do gênero documental. Este destaque da fotografia documental estará ligado a preocupações por parte dos artistas em relação a determinados aspectos da sociedade e seus conflitos internos, estritamente vinculados às problemáticas políticas que envolvem ambas as nações. Dentro desta promoção do trabalho de fotógrafos engajados com suas realidades apresenta-se como elemento distintivo a preocupação pelas minorias sociais e seus traços culturais, no que podemos identificar como uma fotografia de perspectiva antropológica.

Na década de 80, embora no contexto de profundas mudanças no papel da imagem fotográfica, ganham destaque artistas cujas obras carregam características que vão desde a captação direta do referente até a manipulação surrealista da imagem, apresentando novas perspectivas da produção propositalmente destinada ao campo artístico. Estes trabalhos, pautados por uma visão pessoal, se apresentaram como concepções de projetos criativos e de pesquisa que foram desenvolvidos durante

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longos períodos de tempo, apelando a uma junção de elementos estéticos, formais e conceituais para a conformação de uma fotografia autoral.

O desenvolvimento da fotografia durante estas três décadas, caracterizada pelas lutas dos fotógrafos para consolidar seu papel na sociedade, se verá compensado com o estabelecimento de projetos legislativos que definiram, tanto em Cuba como no Brasil, o reconhecimento e a proteção dos direitos autorais do fotógrafo, assim como a criação de instituições inteiramente dedicadas à pesquisa e à conservação da fotografia. O período de 1960 a 1990 será também o cenário histórico de uma abertura nos eventos de artes plásticas para a participação dos fotógrafos, cuja presença será reconhecida em bienais, mostras coletivas, mostras pessoais e publicações. Ao mesmo tempo nascem espaços expositivos exclusivamente dedicados à promoção da fotografia.

As análises de imagens realizadas ao longo desta dissertação de mestrado nos permitiram constatar que há uma coincidência entre os resultados de nossa pesquisa e as proposições teóricas sobre os fundamentos da fotografia latino-americana que começam a surgir em publicações a partir da década de 70. Nossa análise também permitiu afirmar que tais fundamentos não se referem apenas ao universo latino-americano, mas estão igualmente presentes nas discussões sobre fotografia em nível internacional, particularmente nas obras daqueles teóricos que partem de uma perspectiva sociológica em seus projetos. Desta forma, poderíamos dizer que, a partir do percurso marcado pelas próprias obras que compõem nosso objeto de estudo, abordamos elementos como a ambigüidade da imagem fotográfica, o papel da fotografia como meio manipulável na construção de idéias políticas, a relevância da imagem fotográfica compreendida como documento e seu valor como parte da memória coletiva das nações e da humanidade geral, além do papel da fotografia no processo de re- descobrimento do 'outro' e na formação de uma identidade cultural definida, tanto sob a perspectiva das minorias quanto em nível macro-social. Estes elementos foram abordados levando em conta a relação do artista com sua realidade contextual, seus referentes e a projeção de sua própria memória pessoal como fio condutor para a construção dos caminhos de leitura do receptor de suas obras, na desmistificação da postura imparcial do fotógrafo na captação do real.

Evidentemente o período compreendido entre 1960-1990 é fecundo no campo da fotografia, trazendo um leque de problemáticas que merecem um estudo mais aprofundado. Neste sentido, esta dissertação de mestrado constitui uma primeira aproximação a partir das produções de Cuba e do Brasil destes três decênios, dentro do complexo panorama fotográfico de América Latina, e do papel de ambas as nações na tentativa de definição de uma 'fotografia latino-americana' perante o mundo, que 198

começa a definir-se a partir da década de 70. Um fenômeno que se encontra estritamente ligado, aos nossos olhos, com os eventos Primeiro Colóquio Latino-Americano de Fotografia e Primeira Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea, realizados no México em 1978, onde a presença numerosa dos artistas da região confirma que a realização de eventos desta magnitude era considerada uma necessidade preeminente, compartilhada por artistas e estudiosos de outras nações. Neste sentido podemos dizer que a seleção para nossa pesquisa das produções brasileira e cubana é pertinente, pois ambas as nações contam com uma representatividade no contexto latino-americano só superada pelo México, país promotor do evento, e que o resultado destas produções é exponencial em relação às diversas realidades político-sociais que vivencia o subcontinente nesta etapa. O Brasil contará com 36 artistas dentro da Mostra215, fato que atesta tanto o desenvolvimento alcançado pela fotografia quanto a necessidade de um evento que propiciasse a entrada da fotografia latino-americana no contexto internacional, que já tinha sido reconhecida no país através do que, em nossa opinião, pode ser considerado um precedente do Colóquio na região. É o caso da Iª Semana Internacional de Fotografia promovida pelos fotógrafos Claudia Andujar e Jorge Love no ano 1974, com sede no Museu de Arte de São Paulo (MASP). Depois da representatividade da fotografia brasileira, Cuba será a próxima nação da região com maior número de conferencistas e de obras a ser exibidas. Os anais do segundo Colóquio celebrado em 1981 representam uma espécie de balanço da Primeira Mostra de Fotografia Latino- Americana Contemporânea; publicados no Brasil no ano 1987, estes textos corroboram a consonância das produções brasileiras e cubanas com o resto das nações latino-americanas a partir da avaliação crítica das propostas do primeiro encontro e das obras apresentadas durante a Iª Mostra.

A aproximação com as obras que fazem parte da exposição, onde intervêm mais de 50 artistas, devolve-nos uma pluralidade na qual, através dos mais variados recursos estéticos, se discursa sobre problemáticas que refletem as preocupações do homem latino-americano e que ultrapassam as fronteiras dos meros enfrentamentos políticos locais. Assim sendo, identificamos a presença de temas candentes dentro do período conjuntamente com outros que transcendem a temporalidade, intrínsecos a condição humana, por assim dizer. Aparecem assim a questão do indígena e seu papel dentro da sociedade contemporânea, as contradições do homem com sua classe social, a demência, a morte, a emigração e os conflitos de gênero, só para mencionar alguns deles.

215 Um dos autores brasileiros que destaca a relevância do I° Coloquio Latino-Americano de Fotografia e da Iª Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea paralela ao evento teórico, no contexto nacional, é Rubens Fernandes Junior. 199

―A transcendência da inter-relação entre os discursos de teóricos como Néstor García Canclini, e fotógrafos com a experiência de Luis Humberto, a vocação de Penna Prearo, é que a partir de suas posições podemos esclarecer como as imagens que fazem referência a nossa diversidade identitária deixam de ocultar o outro para celebrá-lo, mesmo que seja imaginariamente. Por isso, outras obras presentes na coleção, como as de Claudia Andujar sobre os índios Yanomami, as de João Urban sobre os poloneses imigrantes no sul do Brasil, as de Louis Carlos Bernal sobre os chicanos – habitantes dos Estados Unidos de origem mexicana –, e de Eduardo Grossman sobre sua própria família – que bem pode representar a classe média na Argentina –, são uma clara mostra de como a fotografia pode representar a vida de todo um continente‖. (tradução livre). 216

O I° Colóquio Latino-Americano de Fotografia e a Primeira Mostra de Fotografia Latino- Americana Contemporânea antecedem o surgimento dos grandes eventos internacionais de fotografia, como a Bienal de Houston iniciada em 1986 e a de Rotterdam, que data de 1988. Mas a relevância do evento vai muito além do caráter promissor ou da originalidade da proposta, no que diz respeito ao papel da imagem fotográfica na construção da memória coletiva latino-americana e na construção de implicações profundas e subjacentes às relações ideológicas, políticas e sociais que conformam o rico tecido histórico-contextual no qual se desenvolvem os processos culturais que dão vida à obra. A Primeira Mostra Latino-Americana de Fotografia Contemporânea representa, ainda que a partir de uma perspectiva heterogênea, uma parte fundamental da história de Nossa América217 essencial para a compreensão da realidade atual dos países da região a que temos tentado aproximarmos a partir das produções de Cuba e Brasil durante as três décadas analisadas durante esta dissertação, nas quis, no nosso critério, o papel primordial da fotografia como meio de expressão é definido.

―Embora se tenham desenvolvido posteriormente outros projetos similares, na procura da definição de um perfil da fotografia na América Latina, aquelas primeiras discussões constituem um suporte teórico de grande densidade para se refletir sobre o modo em que se produzem e circulam as imagens do nosso continente, o qual representa uma das maiores heranças daqueles dias.‖ (tradução livre). 218

216 CASTELLANOS, Alejandro. ―Espejos latinoamericanos‖, disponível em: www.studium.iar.unicamp.br. No original: ―La trascendencia de la interrelación entre los discursos de teóricos como Néstor García Canclini, y fotógrafos con la experiencia de Luis Humberto, la vocación de Penna Prearo, es que desde sus posiciones podemos esclarecer como las imágenes que nos refieren nuestra diversidad identitaria dejan de ocultar al otro para celebrarlo, así sea imaginariamente. Por ello, otras obras presentes en la colección, como las de Claudia Andujar sobre los indios Yanomami, João Urban de los polacos inmigrantes en el sur de Brasil, Louis Carlos Bernal sobre los chicanos- habitantes de Estados Unidos de origen mexicano-, y Eduardo Grossman sobre su propia familia -que bien puede representar la clase media em Argentina-, son uma clara muestra de cómo la fotografia puede representar la vida de todo un continente.‖ 217 O termo Nossa América é empregado por Pedro Meyer nas palavras inaugurais do II° Coloquio e foi introduzido pelo escritor cubano do século XIX José Martí para agrupar as nações não anglo-saxões ao advertir sobre o perigo representado pelo EUA em sua ânsia de exploração da América Latina. 218 CASTELLANOS, Alejandro. Op. Cit. No original: ―Pese a que se han desarrollado posteriormente otros proyectos similares, en la búsqueda de la definición de un perfil de la fotografia em América Latina, aquellas primeras discusiones constituyen un soporte teórico de gran densidad para reflexionar sobre la forma en que se producen y circulan las imágenes de nuestro continente, lo que representa una de las mayores herencias de aquellas jornadas.‖ 200

Desde outro ponto de vista, a Primeira Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea representa literalmente a entrada da fotografia latino-americana no reconhecimento internacional, com sua exibição nas cidades de Veneza, Turim e Nova Iorque. O catálogo da mostra, organizada por John Sarcovski no ano de 1979 através do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque a partir das obras apresentadas, será publicado também nos anuários da Time Life. Como disse Pedro Meyer, a 'Bíblia da fotografia' imortaliza o 'Debut da América Latina' e representa o ponto de partida para a compreensão da relevância desses eventos no conjunto da fotografia ocidental. A conjuntura desta sucessão de acontecimentos tem sua implicação no reconhecimento dos fotógrafos latino- americanos como autores-artistas através da entrada de suas obras no espaço das instituições galerísticas e dos museus. Além da abertura de um campo para a comercialização da obra fotográfica, é um elemento fundamental para a valoração da fotografia latino-americana na segunda metade do século XX no contexto universal, ao qual esperamos ter contribuído com este diálogo entre Brasil e Cuba.

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Anexos

220

Síntese biográfica dos artistas.

As sínteses biográficas dos artistas listadas a seguir, encontram-se disponíveis integralmente e de forma permanente no site da coleção Pirelli do Museu de Arte de São Paulo, razão pela qual colocamos no lugar de sua publicação integral o endereço onde as mesmas podem ser consultadas:

Evandro Teixeira: http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/46

Walter Firmo: http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/8

Claudia Andujar: http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/1

Clovis Loureiro: http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/220

Assis Hoffmann: http://site.pirelli.14bits.com.br/autores/140

221

Raúl Corrales Fornos

Nascido Raúl Corrales, Ciego de Avila, Cuba, em 29 de Janeiro de 1925. Formação: 1957-1959 Técnico Gráfico. Escola de Jornalismo "Manuel Márquez Sterling", Havana, Cuba.

Mostras Coletivas 1961 La Reforma Agraria. La Habana, Cuba. 1962 10 Años de Revolución. Museo Nacional de Bellas Artes, Havana, Cuba. 10 Años de Revolución. URSS/ Argélia/ França/ China/ Hungria/ Coreia do Norte/ etc. 1966 Primera Muestra de la Cultura Cubana. Pabellón Cuba, La Habana, Cuba. 1967 Expo'67. Pavilhão Cubano. Montreal, Canadá. 1970 Expo'70. Pavilhão Cubano. Osaka, Japão. 1978 Hecho en Latinoamérica I. Primeira Mostra da Fotografía Latino-Americana Contemporânea. Museu de Arte Moderna, México, D.F. 1979 Historia de la Fotografía Cubana. Museo de Arte Carrillo Gil, México, D.F. Salón de Artes Plásticas UNEAC 1979. Centro de Arte Internacional, La Habana, Cuba. Hecho en Latinoamérica. Photography: Venezie'79, Palazzo Fortuny, Veneza, Itália. Soirée Latinoamericaine. Rencontres Internationales de Photographie. Arles, França. 1980 Dos Momentos Revolucionarios. Consejo Mexicano de Fotografía, México, D.F. 1981 Hecho en Latinoamérica 2. Segundo Colóquio Latino-Americano de Fotografia. Palácio de Bellas Artes, México, D.F. XX Salon of Photographs and Slides. 5th International Exhibition of Photography "Golden Eye 81". Novi Sad, Yugoslavia. ¡Hermanos¡ Premio Casa de las Américas 1981. Teatro Popular Rubén Darío, Managua, Nicaragua. Consejo Mexicano de Fotografía, México, D.F., México. Fotografie Lateinamerika von 1860 bis heute. Kunsthaus Zürich, Zurique, Suiça. 1982 Premio de Fotografía Cubana 1982. Salón 23 y M, Hotel Habana Libre, La Habana, Cuba. Salón Paisaje'82. Museo Nacional de Bellas Artes, La Habana, Cuba. Fotografía Latinoamericana desde 1860 hasta nuestros días. Museo Español de Arte Contemporáneo, Madri, Espanha. La Photographie Contemporaine en Amérique Latine. Centre Georges Pompidou, Paris, França. 1983 Cuban Photography 1959-1982. Westbeth Gallery, N.Y., U.S.A. After the Revolution: Cuba in pictures. Cityscape Photogallery, Pasadena, CA., U.S.A. Montpellier Photo Visions. Montpellier, França. 1984 1ª Bienal de La Habana. Museo Nacional de Bellas Artes, La Habana, Cuba. Hecho en Latinoamerica III. III° Colóquio Latinoamericano de Fotografía (Salón de Invitados). Casa de las Américas, Havana, Cuba. Portrait of a Distant Land. The Australian Center for Photography, Sydney, Austria. 1985 Cuba: A view from inside. 40 Years of Cuba life en the work and words of 20 photographers. 222

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223

Alberto Díaz Gutiérrez (Korda)

(Havana, 14 de setembro de 1928 — Paris, 25 de maio de 2001)

Na década de 1940 realizó estudos comerciáis no Candler College e na Havana Business Academy, ambos em Havana. Fundou, junto com Luis Pierce (Luis Korda) os estudios Korda (1953-1968), no qual fez todo tipo de trabalhos comerciais. Embora tenha formação autodidata, aprendeu a arte fotográfica primeiramente com Newton Estapé e despois com Luis Pierce. Ao triunfo da Revolución em 1959, trabalho no jornal Revolución e acompanhou o Jefe Fidel Castro como fotógrafo em muitas ocasiões. Em 1960 realizou o retrato El Guerrillero Heroico (Ernesto "Che" Guevara), considerado pela crítica como um dos dez melhores retratos fotográficos de todas os tempos e a segunda fotografía mais reproduzida da história. Foi pionero na fotografía submarina em Cuba quando em 1968 se dedicou a este tipo de criação no Instituto de Oceanología de la Academia de Ciencias de Cuba, realizando as imagens do Atlas de corales cubanos (1969-1981). Sua obra tem sido exibida nas principais galerias da Europa e da América.

Entre sua prinicipais publicações se encontram: -Libro oficial de la visita del Papa a Cuba, Italia (1998). -Korda en sus setenta años, Havana (1998). -Alberto Korda, Noruega (1999). -Momenti della storia, Italia (1988). -Fidel, Barbudos (conjuntamente com obras de Corrales e Osvaldo Salas), Havana (1996). - Cuba la fotografía de los años 60, Havana (1988). -Canto a la Realidad, fotografía Latinoamericana (1860-1993), editorial Lunwerg, Espanha, 1993. - Cuba: 100 años de fotografía, editorial Mestizo, España, 1998.

224

Antônio Luiz Benck Vargas

1977 Foi premiado pelo concurso Esso de Jornalismo recebendo a bonificação de 5000 reais pela reportagem fotográfica ―Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório‖, publicada no jornal O Estado de São Paulo. 1978 Segundo lugar na categoria de fotografia do concurso ―Francisco Salomon‖ do Jornal da tarde no concurso 49 do Premio Ari de Jornalismo. 1978 I Mostra de fotografia Latino-Americana Contemporânea México D.F.

María Eugenia Haya (“Marucha”)

(Havana, 1944-1991) Estudou no Instituto de Cinematografia de Cuba e na Universidade de Havana. Foi fotógrafa, historiadora e pesquisadora, assim como diretora fundadora da Fototeca de Cuba até sua morte em 1991. Suas fotografias têm sido exibidas em mais de quarenta mostras tanto em Cuba como no exterior e formam parte dos acervos de instituições como a Biblioteca Nacional José Martí, em Cuba, o Museu Nacional Mexicano e o Centre National de Photographie de París. A contribuição de Marucha para o campo da história da fotografia tem como base a pesquisa e o resgate da obra daqueles denominados ‗esquecidos da história‘, cujo papel é avaliado em seus trabalhos. Tais pesquisas ganham reconhecimento internacional a partir do Primeiro Colóquio Latino- Americano de Fotografia, realizado no México no ano de 1978, onde a pesquisadora e curadora apresentou uma exposição que posteriormente percorreu o mundo sob o nome de Épica Revolucionária, marcando para sempre esta produção, exibida em cidades como Nova Iorque, São Paulo e Hamburgo.

225

Ramón Martínez Grandal Nasceu em Havana em 1950 e reside atualmente em Cuba.

Ramón Martínez Grandal, conhecido como Ramón Grandal realizou estudos em Artes plásticas e Museología. Em 1972 inicia seus trabalhos como fotojornalista, como fotógrafo da revista Revolución y Cultura em Havana, participando em inúmeras matérias. Participou da IIª Bienal de Havana, assim como, na Iª Mostra de Fotografia Latino-Americana Contemporânea e do I° Colóquio Latino- Americano de Fotografia, celebrados no México em 1978, e do III° Colóquio Latino-Americano de Fotografia, em Havana em 1984. Seu reconhecimento profissional o fez formar parte, em 1987, do juri do prêmio de fotografia outorgado pela Casa de las Américas, inicialmente Premio de Fotografia Contemporanea y Caribeña e hoje Premio Ensayo Fotográfico. Em 1993, Ramón Grandal obteve permissão do governo cubano para residir por dois anos na Venezuela por motivos de trabalho, país onde decide exilar-se ao expirar a autorização, regressando a Cuba em 2006 por causa de problemas financeiros. Em 2007, Grandal voltará a participar de exposições na Ilha, primeiro como convidado do artista Pedro Abascal, na mostra Re-cuentos exibida no Taller Experimental de la Gráfica em Havana e depois, em 13 de Junho de 2008, na mostra coletiva Encuentros na galeria da UNEAC, Villa Manuela. Ao longo de sua carreira tem participado em mostras pessoais e coletivas em mais de 60 países, entre os quais podemos citar Cuba, México, Brasil, Alemanha, Hungría, Itália, Espanha, Estados Unidos, entre outros. Sua produção fotográfica tem sido reconhecida com a menção do Prêmio de Fotografia Latino-Americana Josué Donoroso e o prêmio único do Festival Internacional de la Luz no ano de 2000, entre outros.

226

Mario García Joya ("Mayito")

Nasceu em Havana em 1938 e reside atualmente nos Estados Unidos.

Mario García Joya (Mayito) estudou na Academia de Bellas Artes de San Alejandro, graduando-se em 1978 na Universidade de Havana em Língua e Letras Hispânicas, com uma especialidade em Estudos Cubanos. Na década de 60, Mayito inicia sua carreira como fotógrafo, sendo que sua primeira produção pertence à 'Épica revolucionaria', como discípulo das mais reconhecidas figuras do universo fotográfico neste período. Anos mais tarde, Mayito desenvolverá uma carreira como fotógrafo de cinema, trabalho pelo qual alcança um enorme reconhecimento, sendo laureado em vários concursos, tanto nacionais quanto internacionais. Desde 1966, participou como diretor de fotografia em mais de 90 curtas e longas-metragens, entre os quais se encontram: "Una pelea cubana contra los demonios", "Los sobrevivientes", "Hasta cierto punto", "Contigo en la distancia", "Cartas del parque" e "Fresa y chocolate", esta última indicada a um prêmio da Academia em 1995. Mayito, como já tinha sido colocado, é uma das figuras mais ativas no que se refere à procura de expansão do espaço da fotografia como arte, e ao desenvolvimento teórico da mesma através da pesquisa. Casado com María Eugenia Haya, ambos os artistas desenvolvem uma série de projetos conjuntos, tanto de criação, como de investigação, razão pela qual, como será possível constatar através das obras pertencentes à Caibarién el buen gusto, as produções de ambos os artistas se entrecruzam, apresentando reflexos e inquietudes compartilhadas. O desempenho de Mayito como fotógrafo tem sido reconhecido pela Enciclopedia de la Fotografía, as revistas Art Forum, Art in America e Aperture, e suas obras têm sido exibidas em museus e galerias de cidades como México, Paris, Zurique, Madri, Buenos Aires e na 41ª Bienal de Veneza.

227

Rogélio López Marín (Gory)

Nasceu em Cuba (1953) e reside atualmente nos Estados Unidos. Gory iniciará sua relação com as artes plásticas a partir da pintura (1973), completando seus estudos como designer gráfico (1976) com um Mestrado em História da Arte (1978). Suas obras se encontram em coleções de instutuições como o Museu Metropolitano de Arte (Estados Unidos), a Fototeca de Cuba (Havana), o LACMA (Los Angeles County Museum of Art) e The Corcoran Gallery of Art (Estados Unidos), entre outras. Mostras 1978 Hecho en Latinoamérica I, Museu Nacional de Belas Artes, México, DF 1981 Hecho en Latinoamérica II, Museu Nacional de Belas Artes, México, DF. 1984 Iª Bienal da Havana, Museu Nacional de Belas, Havana, Cuba. 1986 IIª Bienal da Havana, Museu Nacional de Belas, Havana, Cuba. 1990 An American Dream, Fototeca de Cuba, Havana, Cuba. 1990 An American Dream, Galeria Khalo Coronel, México, DF. 1993 Photographs of Gory, Lehigh University, Dubois Gallery, Bethlehem, Pensylvania 1998 Breaking Barriers, Museum of Art of Fort Lauderdale, FL. 1994 Gory: Photoworks – A Midcareer Retrospective, Fondo del Sol, Washington D.C. 1991 Retrospectiva IVª Bienal da Havana, Havana, Cuba. 1995 Sharing Roots, Museum of Art, Fort Lauderdale, FL, USA. 1995 Reverberations: Diptychs & Triptychs from the Southeast Museum of Photography, Daytona Beach, FL, USA. 1996 Gory, Recents Works, Elite Fine Art Gallery, Coral Gables, FL, USA. 1998 Developing IIlussion, 1873-1998: Corcoran Gallery, Washington DC, USA. 1999 Fin de Mundo, Museu de Arte, Caracas, Venezuela. 2000 El Museo de Historia, Antropología y Arte, Universidade de Porto Rico, El Museo del Barrio, New York, USA. 2001 Shifting Tides-Cuban Photography after Revolution: Grey Art Gallery, New York University, NY, USA. 2001 LACMA (Los Angeles County Museum of Art), CA, USA. 2001 Latin American Artist-Photographers, Lehigh University, PA, USA. 2001 Beyond Cuba- Mirages of Absence, Beadleston Gallery, New York. 2002 Photographs and Memories, C. Grimaldis Gallery, Baltimore (solo). 2002 Shifting Tides, Museum of Contemporary Photography, Chicago, IL, USA. 2003 The City, Couturier Gallery, Los Angeles, CA. 2003 Visual Poetics: Art and the Word, Miami Art Nuseum, FL, USA.

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Entrevistas realizadas com os artistas

Evandro Teixeira Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2009. Sede do Jornal do Brasil

- Pode-se dizer que a Tomada do Forte de Copacabana é a imagem que marca o inicio da ditadura; como você conseguiu ser o único fotojornalista a fotografar esse momento histórico?

ET -Eu jogava futebol na praia com um capitão do exercito, ai a gente ficou amigo, assim que na madrugada do dia 1° de abril de 1964 quando ele soube que o Coronel Montagna ia para o forte, me ligou para que fosse lá, e disse que se me pegassem não falaria que foi ele que me deixou entrar, pois ele podia ser preso. Eu levei minha Leica que é uma câmara pequena e fácil de esconder. Metí ela dentro da camisa e quando cheguei lá, Leno, que era o capitão, falou para que entrasse saudando como um deles. Assim fizemos; na entrada, um oficial bateu continência e a gente fez o mesmo, depois dentro me viram tirando fotos, mas acharam que eu era um fotógrafo deles, e antes que a coisa ficasse quente o Leno me fez a senha para que me mandasse, e assim saiu essa foto.

-A representação da violência é um elemento recorrente na sua fotografia, o que a diferencia da obra de outros fotojornalistas reconhecidos do mundo. E especialmente marcante é a foto do garoto caindo diante dos policias. Como foi aquilo?

E.T -A Guerra de Vietnã foi uma guerra de imagens, o mundo soube o que estava acontecendo e o acompanhou e conseguiu dar-lhe fim graças à fotografia, a fotografia conta a história das nações, do mundo, imagens como as da morte de Kennedy, os meninos correndo na Guerra do Vietnã... Contam a história, as fotografias brasileiras, contam também nossa história. A diferença das imagens de Marc Riboud, por exemplo, com quem já tive a oportunidade de compartilhar uma exposição no centro França - Brasil aqui no Rio de Janeiro, as minhas fotos, captam direitamente a violência, eu fotografei muitos mortos e feridos, essa era a realidade, e eu tínha o compromisso, a responsabilidade de mostrá-la nua e crua, sem maquiagem. Eu acho que essa é a diferença fundamental entre minha fotografia e a obra de outros profissionais que fotografaram momentos críticos de conflito naquela etapa em outras nações. Logo da exposição, Riboud e eu fomos convidados a palestrar sobre nossas produções no Rio Grande do Sul, Riboud mostrou suas fotografias e todos ficaram comovidos pela beleza. Minhas fotos, através do impacto da violência, levaram o debate por outros caminhos sem deixar de lado o fator estético. O fotojornalismo é o instante decisivo, tudo tem que ocorrer junto, você precisa pensar e atuar ao mesmo tempo, você funciona como uma máquina, tudo acontece num segundo. Minhas fotografias e a violência captada nelas têm a capacidade de aproximar o público a um momento de nossa história que não deve se repetir. -Aquele dia foi uma loucura, a polícia saiu atrás dos estudantes, andavam de baionetas e iam com elas pra cima de todo mundo sem importar quem você fosse, andavam de cavalo, mas também tinham cachorros que soltavam atrás da multidão. Esse jovem era um estudante de 229

medicina e logo no instante da foto, ele bateu a cabeça, deu um berro enorme e morreu, eu tive que sair correndo depois disso...

-A imagem da cavalaria perseguindo os estudantes é outra de suas fotografias mais impactantes em que está presente a violência. Como você se lembra daquele dia?

ET -O Jornal do Brasil ficava antes na Rua Rio Branco, os estudantes iam e ficavam lá na frente gritando porque sabiam que a gente os apoiava, frente à redação se faziam barricadas e muitas vezes parávamos o trabalho a força de bala, pois a policia ficava disparando contra a sede e tínhamos que fechar as portas. -A foto da Cavalaria foi feita na missa de sétimo dia da morte de Edson Luiz, a policia massacrou todo mundo sem importar se tivessem mulheres lá, uma delas caiu junto na porta da igreja e o policial passou por cima dela no cavalo, a gente estava num prédio de três andares na frente e conseguiu fazer várias imagens, quando a polícia percebeu que estávamos batendo fotos lá, começaram a disparar, e a gente teve que sair correndo, essas fotos só saíram ao público porque uma das moças que estava no prédio as escondeu dentro de sua calcinha e quando foi requisitado a policia não conseguiu encontrá-las.

-Você tinha filiação com algum partido, qual era sua postura política durante o período da ditadura? ET. -A gente não podia subir num palanque e ficar gritando a verdade e chamando as coisas pelo seu nome. Mas evidentemente estava contra a ditadura: ser radical não significa que você tem que militar; você pode ser radical de muitas formas, nosso papel era a notícia, mostrar a verdade, minha atuação era através das imagens, de mostrar o que estava acontecendo nas ruas, se você era preso ou morto ninguém sabia disso, só através das fotos, as pessoas sumiam e ninguém mais sabia delas.

-Num período onde o Jornal do Brasil se encontrava sob a vigilância dos censores você conseguiu efetivamente publicar imagens de forte contundência, imagens diretas da violência; no entanto, outras imagens, aparentemente inofensivas, como a imagem das libélulas, possuem uma eloqüência muito forte sobre a realidade do momento, qual foi a repercussão destas publicações?

ET. -O Jornal do Brasil sempre foi um jornal criterioso na publicação de suas imagens, posso dizer que se converteu por esses anos na mais importante escola de fotojornalismo do país. Essa fotografia a fiz durante a parada militar, na exposição que exibia as armas da guerra contra o Paraguai. A foto foi publicada na primeira página. No dia seguinte ele mandou me chamar. Ele não gostou e questionou por que os ‗besourinhos‘, como chamou as libélulas que estavam no alto das armas e questionou porque tinham saído na foto e por que seu rosto não estava na primeira folha. Respondi que foi trabalho da edição. Ele me xingou de tudo quanto é forma e mandou que retirassem minha credencial de fotojornalista. Depois disso viajei por uns dias para esperar que se acalmasse sua raiva.

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Você tem falado em varias oportunidades sobre o problema da censura e dos meios que se usavam dentro do Jornal do Brasil para driblar os censores, mas as suas obras não estavam destinadas unicamente ao JB, como era a relação dessa censura do governo militar nos outros espaços de difusão de suas obras?

-No 68, por exemplo, foram selecionadas minhas obras para participar da Bienal em Paris. A exposição já estava montada, junto com minhas fotos, estavam às obras de vários artistas brasileiros, dentre eles as obras de meu amigo Antônio Manuel, que ia lá ao Jornal do Brasil e pegava os 'flam' onde apareciam as fotografias, que era como se imprimia antes o jornal sobre placas de chumbo, e sobre elas se jorrava pintura preta e vermelha conseguindo um efeito muito forte. Faltando um dia para as obras saírem para Paris para serem expostas na Bienal de 69, já com tudo pronto, o Coronel Montagna chegou e falou que a exposição estava confiscada e assim levaram todas as nossas obras, Antônio Manuel perdeu quase toda essa série nessa ocasião, eu como tinha meus negativos consegui imprimir tudo de novo. Em Paris, a mídia estourou falando sobre a arbitrariedade da censura e os excessos do governo militar. No Brasil saiu uma nota de três linhas falando que a exposição tinha sido cancelada e foi tudo.

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WALTER FIRMO

Rio de Janeiro, estúdio do artista, Copacabana, 26 de novembro de 2009.

-Sua obra, particularmente a mostra conhecida como Um passeio pela nobreza apresenta um marcado interesse pelas minorias negras brasileiras, aspecto que tem sido destacado pela crítica nacional; poderia nos falar sobre este particular?

W. F -A mostra Um passeio pela nobreza. Um Brasil mítico, foi uma exposição na Pequena Galeria do lado do Copacabana Palace organizada por Mario Cohen. Seus protagonistas são músicos brasileiros, importantes sambistas – Carlota, Ivone Lara, Cartola, Pixinguinha... grandes compositores populares. A idéia era glorificar essas pessoas através das fotos de Walter [se refere a si mesmo em terceira pessoa] que tinha passado cerca de 10 ou 20 anos fotografando eles em ambientes íntimos, festas, feijoadas... Foi um trabalho feito aos poucos, não havia pressa, quando a gente se encontrava, gratificava, no tinha pressa...

A preocupação por mostrar a minoria negra, isso é um fato consumado. Eu sou negro como dizem aqui, ―com pouca tinta‖, mas se estivéssemos nos Estados Unidos seria um afro- descendente, meu pai era negro. Foi uma opção minha, eu via essa parte da sociedade como invisível, só eram ressaltados quando cometiam um delito ou quando se dedicavam ao esporte, ou nas artes, mas eles não apareciam no cotidiano, nunca se falava deles, eles não existiam. Tudo começou com uma discriminação que eu recebi nos Estados Unidos, em Nova Iorque; estive lá por seis meses como colaborador da Revista Manchete. Lá eu recebi um fax de um colega e ainda lembro, dizia: ‗como vocês aceitam uma pessoa que é mau profissional, analfabeto e negro?‘ Aquilo ficou latejando na minha cabeça, e me toquei de um monte de coisas que antes não tinha percebido. Lá deixei crescer o cabelo à 'black panter', lá tomei consciência, comecei a gostar do Jazz, de que sou apaixonado até hoje. Eu tomei uma consciência que não tinha, a consciência da negritude. Adquiri uma consciência política que não tinha, foi preciso um beliscão na carne para sentir.

A convivência numa mostra pessoal do preto e branco e a cor, mesmo quando a exibição se compõe através de uma produção de longos anos de trabalho é um elemento inusual ou existe algum propósito conceitual nesta decisão?

W. F -Por serem linguagens diferentes (o preto e branco e a cor) entre si, eu acho que não há cabimento para estarem juntas, a decisão foi do Mario Cohen, a curadoria foi dele. Mario queria mostrar o Walter em cor e preto e branco, eu não gostaria de fazer essa junção novamente. Eu acho que num livro até poderia ser, sempre que exista uma delimitação entre elas, que fique cada uma em seu espaço. Eu não quero falar nunca porque é uma palavra que aprendi que não deve ser dita. Mas não gostaria de fazer uma exposição minha onde convivessem as duas linguagens tão diferentes. Se a escolha tivesse sido minha eu teria escolhido só a cor, porque a cor é a alegria, ela representa nossos anseios. O preto e branco é o medo, e outra coisa, mas a 232

curadoria não foi minha. Eu vejo essas pessoas coloridas, eles são a alegria. Como diz Luigi Mamprim – O mundo é colorido, a vida não – eu acho que isso qualifica meu trabalho.

-Na mostra, uma de suas protagonistas, uma senhora sobre um palco, se encontra de costas ao público, uma perspectiva que a diferencia do resto dos fotografados que, em geral, sorriem para o espectador através de seus retratos. O que motivou esta imagem?

W. F -A senhora no teatro é Clementina de Jesus... havia um conjunto atrás dela, eu queria ela, exaltar só a figura dela, dessa forma ela está no centro em toda a luz, uma mulher negra vestida de brocado branco, e o resto desaparece, ainda que saiu o fotógrafo do jornal O Globo, que eu não queria, mas é uma boa foto e está aí.

De suas palavras se desprende a estrita relação que estabeleceu com os motivos de seus trabalhos; poderia contar um pouco dessa relação com seus protagonistas. -O músico do saxo?

W. F -O do saxo é o maestro Pixinguinha, é a foto mais famosa dessa produção... todos gostam dela. Eu já perguntei por que e falaram que era a imagem da felicidade e que todos gostariam de estar sentados naquela cadeira. Existem duas tendências do fotojornalismo, o jornalismo do fato que trabalha com o flagrante, e esse, que eu introduzi, que é o fotojornalismo de observação, no meu caso a gente trabalha historiando coisas nossas que se espelhem no outro, na foto do Pixinguinha ele foi eu aceitando meu convite, meu pedido de se sentar ali e me deu esse momento... A gente não reflete o fato do momento único fatual, o instante. É uma construção aos poucos à base de observação, não que o outro fotojornalismo não seja de observação,... é aos poucos, vai-se construindo através do outro. Eu era fã de cada um deles, desfrutava de sua música, de sua presença...

-O casal, a mulher dentro da casa e o homem saindo na rua, essas obras mesmo independentes tem uma relação muito forte sobretudo pelo uso da cor, existe nela algum tipo de retoque? Qual foi o modo de realização destas obras?

W. F -A foto de Dona Ivone Lara foi na casa dela, num subúrbio de Ramos, na separação entre a sala e a cozinha. Eu vi aquelas fitas e a coloquei ali, tem algo de kitsch, eu gosto do kitsch, primeiro que é super colorido, eu acho ele muito bonito, pródigo, e estranho... são coisas eminentemente populares. Dona Ivone tem hoje mais de 80 anos, nessa época teria uns 50 e poucos. Ele era um prisioneiro de muitos anos na Ilha Grande, como era o nome mesmo... era Madame Satã, ele era gay, mas como eu sempre brinco, ele era homem da cintura pra cima, era capaz de brigar com 7 homens e ganhar... -Eu usava a Nikon ela se incorporou a mim como uma luva, com filme de 35 mm. Nunca gostei de retoque, menos na cor, eu gosto da cor. Minha obra é uma mistura metade naif metade 233

impressionismo, um pela inocência e a falta de informação e outra pela força. E como eu moro num país tropical onde a gente escancara seu sorriso no rosto, mesmo numa gengiva desdentada, nós usamos cores cálidas, estampamos nossa alegria nas cores.

-Como você mencionou as figuras da música não são as únicas protagonistas de sua obra. As crianças que parecem sambar numa favela, foi também uma imagem arranjada?

W. F -O menino, ele é o porta de sala, e ela a porta bandeira, isso foi um flagrante, eu percebi e fotografei eles. Foi no Morro da Mangueira, foi natural, aquilo era um bar, atrás tinha um rádio tocando e eles dançavam brincando.

-Os amigos abraçados na rua?

W. F -É o Cartola carregado por um amigo na Mangueira, foi um gesto inusitado de carinho, um homem com outro no colo, no tinham bebido! Foi um flagrante.

-Estas obras pertencem ao período da ditadura no Brasil; o senhor tinha alguma filiação política durante estes anos?

W. F -A política na minha obra está inserida sempre através dos mais necessitados sem ter que mostrá-los indigentes, desclassificados, maltrapilhos. Não, eu os fotografo dignos, para mostrar que a vida é e sempre merece ser vivida nas piores circunstâncias. Politicamente pode- se dizer, que eu era um imaturo, um inocente, é claro que eu era contra a ditadura, mas trabalhava num lugar que não me mandava a para a rua, para o choque, para o pau, os confrontos. Eu estava engajado num tipo de revista que me mandava para o Caribe, para o Chile a fotografar a neve, para o Nordeste a fotografar fome, eu estava inserido numa outra realidade. Mas não tenho a consciência pesada por não ter participado como meus colegas, como Teixeira, por exemplo, na linha de força. Eu não estava engajado politicamente, era por assim dizer, um ingênuo.

-Considera que a representação das minorias negras na sua obra pode ser interpretada como uma preocupação antropológica?

W.F -Eu acho que é uma procura inconsciente, algo tribal, a humanidade, as pessoas, não existe um planejamento, foi algo que aconteceu sem me dar conta, mais próximo do sociológico que do antropológico, acredito eu.

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Indice de imagens e dados técnicos das obras

Figura (1) ...... 34 Autor: Alberto Korda Título: La Caravana de la Victoria. Data: 8 de Janeiro de 1959, Havana. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (2) ...... 36 Autor: Alberto Díaz Gutierrez (Korda) Título: Entrada de la Caballeria en La Habana. Data: 26 de Julho de 1959, Havana. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: 25.5x20 cm

Figura (3) ...... 36 Autor: Anônimo Título: sem título. (Carga al Machete, enfrentamento dos soldados cubanos na Guerra de Independência contra a Espanha) Cuba. Data: 18??

Figura (4) ...... 37 Autor: Raúl Corrales Título: La Caballeria. Data: 26 de Julho de 1959. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (5) ...... 41 Autor: Alberto Díaz Gutierrez (Korda) Título: El Quijote de la Farola Data: 26 de Julio de 1959. Havana, Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

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Figura (6) ...... 41 Autor: Anônimo Título: sem título (Soldado Mambí). Data: 18?? Cuba.

Figura (7) ...... 44 Autor: Raúl Corrales Título: La pesadilla Data: Caracas, Venezuela,1959. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (8) …...... 44 Autor: Raúl Corrales Título: El Sueño. Data: Caracas, Venezuela,1959. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (9) ...... 46 Autor: Alberto Díaz Gutierrez (Korda) Título: Miliciana. Data: 1ro de maio de 1963. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (10) ...... 46 Autor: Anônimo. Título: sem título. (Mambisa cubana, na guerra de independência) Data: 18?? Cuba.

Figura (11) ...... 50 Autor: Raúl Corrales Título: La banda del nuevo ritmo: tumbadora. Data: Villa Clara, Cuba, 1962. Técnica: Autor: gelatina / prata tonalizada

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Figura (12) ...... 50 Autor: Anônimo Título: sem título (Soldados mambises) Data: 18?? Cuba.

Figura (13) ...... 54 Autor: Alberto Díaz Gutierrez (Korda) Título: sem título Data: 16 de Abril de 1961. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (14) ...... 55 Autor: Raúl Corrales: Título: Primera Declaración de La Habana Data: 2 de setembro de 1960. Havana, Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (15) ...... 55 Nota cubana de dez pesos.

Figura (16) ...... 56 Autor: Alberto Díaz Gutierrez (Korda) Título: Guerrillero Heróico. Data: 5 de Março de 1960. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (17) ...... 56 Nota cubana de três pesos.

Figura (18) ...... 57 Autor: Alberto Díaz Gutierrez (Korda) Título: Comandante en Jefe Ordene Data: 1962, Sierra Maestra. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

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Figura (19) ...... 67 Autor: Evandro Teixeira. Título:sem título. Tomada do Forte de Copacabana pelo Coronel César Montagna durante o Golpe Militar de 1964) Data: 1964, Rio de Janeiro. Brasil Técnica: Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: Gelatina / prata tonalizada 29,8 x 42,4 cm

Figura (20) ...... 71 Autor: Evandro Teixeira Título: sem título. Data: 21 de Junho de 1968, Rio de Janeiro, Brasil Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: 29,8 x 42,4 cm

Figura (21) ...... 71 Autor: Evandro Teixeira Título: Sexta-Feira Sangrenta. Movimento Estudantil. Data: 21 de Junho de 1968, Rio de Janeiro, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: 29,8 x 42,4 cm

Figura (22) ...... 75 Autor: Evandro Teixeira Título: A passeata dos 100 mil Data: 26 de Junho de 1968, Rio de Janeiro. Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: 29,8 x 42,4 cm

Figura (23) ...... 76 Página do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro: 27 de Junho de 1968.

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Figura (24) ...... 79 Autor: Evandro Teixeira Título: Sem título (Exposição de armas usadas na Guerra do Paraguai inaugurada por Costa e Silva). 1968. Data: Rio de Janeiro, 1968. Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: 29,8 x 42,4 cm

Figura (25) ...... 84 Autor: Antônio Luiz Benck Vargas Título: A Cavalaria (Visita do Ministro Sylvio Frota à cidade de Osório) Data: 14 de Maio de 1977, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (26) ...... 84 Autor: Evandro Teixeira. Título: A liberdade da motocicleta Data: 17 de setembro de 1965, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (27) ...... 86 Autor: Antônio Luiz Benck Vargas. Título: Pátria 1. Data: 23 de agosto de 1977, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (28) ...... 86 Autor: Antônio Luiz Benck Vargas. Título: Pátria 2 Data: 23 de agosto de 1977, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

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Figura (29) ...... 87 Autor: Antônio Luiz Benck Vargas. Título: Pátria 3. Data: 23 de agosto de 1977, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (30) ...... 92 Autor: Marc Riboud Título: A juventude contra os fuzis. Data: 1967, Washington, E.U.A. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (31) ...... 92 Autor: Jorge Ianiszewski. Título: sem título. Data: 197? Chile. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (32) ...... 104 Autor: María Eugenia Haya. Título: Sem título (da série La Peña de Sirique) Data: 1979, Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (33) ...... 107 Autor: María Eugenia Haya. (da série El Liceo) Título: sem título Data: 1979, Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

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Figura (34) ...... 108 Autor: María Eugenia Haya Título: sem título (da série El Liceo) Data: 1979, Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (35) ...... 108 Autor: Ivan Cañas. Título: Sem título (da série Veteranos). Data: 1974, Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (36) ...... 111 Autor: María Eugenia Haya.).. Título: Sem título (da série La Tropical) Data: 1979, Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (37) ...... 119 Autor: Walter Firmo. Título: sem título (Clementina de Jesus, da série ―Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza‖) Data: Rio de Janeiro, Brasil. 1960-1980 Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (38) ...... 123 Autor: Walter Firmo. Título: sem título (Crianças no Morro da Mangueira, da série ―Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza‖). Data: 1960-1980, Rio de Janeiro, Brasil, Técnica: gelatina / prata tonalizada

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Figura (39) ...... 123 Autor: Walter Firmo. Título: Sem título (Cartola, da série ―Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza‖). Data: 1960-1980, Rio de Janeiro. Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (40) ...... 127 Autor: Walter Firmo. Título: Sem título (Madame Satã, da série ―Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza)., Data: 1976, Rio de Janeiro. Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (41) ...... 127 Autor: Walter Firmo. Título: Sem título (Dona Ivone Lara, da série ―Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza‖) Data: 1960-1980, Rio de Janeiro, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (42) ...... 129 Autor: Walter Firmo. Título: Sem título (Pixinguinha, da série ―Um Brasil Mítico: Um passeio pela nobreza‖) Data: 1960-197? Rio de Janeiro, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (43) ...... 134 Autor: Claudia Andujar., Título: Uma visão dos Yanomami. Data: 1976, Roraima, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (44) ...... 134 Autor: Assis Hoffmann. Título: sem título (Índia Kayapó). Data: 1972, Aldeia Gorotire, Pará, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada 242

Figura (45) ...... 137 Autor: Claudia Andujar. Brasil,. Título: Vertical 12 (da série Marcados). Data: 1981-1983 Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: 57 x 38,5 cm (Triptico)

Figura (46) ...... 137 Autor: Assis Hoffmann. Título: Sem título (Índios Kaiapó) Data: 1972. Aldeia Gorotire, Sul de Goiás com Mato Grosso. Brasil. Técnica: Matriz-negativo Coleção: coleção do artista

Figura (47) ...... 140 Autor: Claudia Andujar. Título: Uma visão dos Yanomami. Data: 1976, Roraima, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (48) ...... 140 Autor: Assis Hoffmann. Título: Índia Kaigang Data: 1972. Reserva de Tenente Portela, Rio Grande do Sul, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (49) ...... 144 Autor: Assis Hoffmann. Título: Colonos Gaúchos Data: 1972. Reserva Kaigang, Nonoai, Rio Grande do Sul, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada

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Figura (50) ...... 144 Autor: Dorothea Lange. Título: Mãe Migrante Data: 1936. EUA, Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (51) ...... 146 Autor: Claudia Andujar. Título: Desabamento do Céu (da série ―Sonhos Yanomami‖). Data: 1976, Brasil. Técnica: Mixta Dimensões: 100 x100 cm.

Figura (52) ...... 146 Autor: Claudia Andujar... Título: Hélio para os brancos (da série ―Sonhos Yanomami‖) Data: 1976, Brasil. Técnica: Mixta Dimensões: 100 x 100 cm

Figura (53) ...... 156 Autor: Ramón Martínez Grandal. Título: sem título da série La imagen constante Data: 1973-1977. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (54) ...... 156 Autor: Anônimo. Título: Retrato de José Julian Martí y Pérez Data: 189? Cuba.

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Figura (55) ...... 157 Autor: Ramón Martínez Grandal. Título: sem título da série La imagen constante Data: 1973-1977. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (56) ...... 157 Autor: Ramón Martínez Grandal. Título: sem título da série La imagen constante Data: 1973-1977. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (57) ...... 159 Autor: Ramón Martínez Grandal. Título: sem título da série La imagen constante Data: 1973-1977. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (58) ...... 159 Autor: Rául Martínez. Título: sem título. Data: 196? Técnica: óleo sobre lenço.

Figura (59) ...... 167 Autor: Mario García Joya (Mayito). Título: sem título da serie, Caibarien, El buen gusto. Data: 1980-83. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

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Figura (60) ...... 167 Autor: Mario García Joya (Mayito). Título: sem título da serie, Caibarien, El buen gusto. Data: 1980-83. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (61) ...... 170 Autor: Mario García Joya (Mayito). Título: sem título da serie, Caibarien, El buen gusto. Data: 1980-83. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (62) ...... 172 Autor: Mario García Joya (Mayito). Título: sem título da serie, Caibarien, El buen gusto. Data: 1980-83. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (63) ...... 173 Autor: Mario García Joya (Mayito). Título: sem título da serie, Caibarien, El buen gusto. Data: 1980-83. Cuba. Técnica: gelatina / prata tonalizada

Figura (64) ...... 183 Autor: Rogélio López Marín (Gory). Título: sem título, da serie Es sólo agua en la lágrima de un extraño (It’s Only Water in the Teardrop of a Stranger) Data: 1986. Cuba. Técnica: Fotomontagem.

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Figura (65) ...... 184 Autor: Rogélio López Marín (Gory). Título: sem título, da serie Es sólo agua en la lágrima de un extraño (It’s Only Water in the Teardrop of a Stranger) Data: 1986. Cuba. Técnica: Fotomontagem.

Figura (66) ...... 184 Autor: Rogélio López Marín (Gory). Título: sem título, da serie Es sólo agua en la lágrima de un extraño (It’s Only Water in the Teardrop of a Stranger) Data: 1986. Cuba. Técnica: Fotomontagem.

Figura (67) ...... 188 Autor: Clovis Loureiro Junior. Título: Bairro da Liberdade Data: 1985, São Paulo, Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: (14,0 x 20,9 cm)

Figura (68) ...... 188 Autor: Clovis Loureiro Junior:., Título: sem título Data: 1986. Espanha Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: (14,0 x 20,9 cm)

Figura (69) ...... 190 Autor: Clovis Loureiro Junior. Título: sem título Data: 1986. Espanha. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: (14,0 x 20,9 cm)

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Figura (70) ...... 190 Autor: Clovis Loureiro Junior. Título: sem título Data: 1986, Santos. Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: (21,0 x 14,0 cm)

Figura (71) ...... 193 Autor: Clovis Loureiro Junior. Título: sem título Data: 1986, Santos. Brasil. Técnica: gelatina / prata tonalizada Dimensões: (21,0 x 14,0 cm)

Figura (72) ...... 193 Autor: Clovis Loureiro Junior. Título: sem título. Data: 198? Técnica: gelatina / prata tonalizada

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