O CENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ITALIANA NO : UM ESTUDO COMPARATIVO A PARTIR DO JORNAL A RAZÃO

Juliana Maria Manfio Doutoranda em História pela Universidade do Vale dos Sinos e bolsista Capes/Prosup. [email protected] Resumo:

O Rio Grande do Sul festejou em 1975, o Centenário da Imigração Italiana, cuja festa ocorreu na região da Serra Gaúcha e Capital com a programação oficial do evento. Outros municípios e localidades, por exemplo, na região central do Estado, mesmo de fora do programa oficial, também realizaram festividades. Assim, o presente trabalho tem como interesse compreender as semelhanças, bem como as diferenças entre essas. Através do exercício comparativo, pretende-se indagar o ato de festejar, bem como analisar a complexidade de dois festejos. As fontes utilizadas para a pesquisa são os jornais. O interesse desse estudo está na compreensão do ato de festejar como instrumento de ritualização do cotidiano, da vida social e de percepção de seus agentes populares em meios as comunidades promotoras do evento.

Palavras-chaves: Comemorações; 100 anos; Imigração Italiana;

Introdução:

Iniciaram-se, no Rio Grande do Sul, a partir de 1975, inúmeras comemorações em alusão ao Centenário da Imigração e Colonização italiana. Essas festividades começaram em razão da instituição do decreto 22.410, que estabelecia do Biênio da Colonização e Imigração, entre os anos de 1974 e 1975. O intuito do Biênio era o de exaltar os povos que auxiliaram na construção do Estado, reconhecendo

o trabalho das levas imigratórias que para cá vieram e aqui se fixaram, provindas de terras distantes em busca de uma pátria nova, e se juntaram aos primeiros povoadores no esforço das realizações solidárias, que nos conduzem a todos a um mesmo destino, sob as inspirações da unidade nacional1.

A partir da instituição do decreto, organizou-se uma festividade oficial, ocorrida em cidades da Serra Gaúcha e em , privilegiando assim, os três primeiros núcleos de colonização no Estado, bem como a capital. No entanto, o quarto núcleo de colonização, a ex-colônia Silveira Martins, não foi inserida na programação oficial. Isso

1 RIO GRANDE DO SUL. Decreto 22.410, de 22 de abril de 1973. Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

2 não impediu que essa região colonial promovesse sua festa para comemorar os 100 anos da imigração e colonização italiana. Nesse sentido, o trabalho tem como objetivo investigar, de forma comparada, as festividades ocorridas na região da Serra Gaúcha e na antiga Colônia Silveira Martins. Para realizar essa pesquisa, foram utilizadas como principais fontes, os jornais A Razão2, Correio Rio-grandense3, O Radar4. E, para desenvolver a comparação entre as duas festividades, foram criadas categorias - através da análise das fontes históricas, principalmente mostrar as diferenças, dos atos festivos. Para analisar as festividades da programação oficial e das ocorridas na região da ex-colônia Silveira Martins foram criadas as seguintes categorias de análise: 1) tipo de celebração religiosa, 2)local e data; 3)público, 4)formas de festejar e 5) alimentação. Perceberemos as semelhanças e as diferenças entre as comemorações do Centenário da Imigração Italiana. Para uma melhor compreensão das análises realizadas, o texto foi dividido em duas partes: 1) Os cem anos da Imigração italiana no Rio Grande do Sul: a programação oficial – que aborda brevemente o processo de imigração e colonização das três primeiras colônias italianas e as comemorações do centenário; 2) Os centenários na ex-colônia Silveira Martins – retrata o processo imigratório da região central, bem como as comemorações dos 100 anos da imigração italiana; e, por fim, 3) As comemorações do Centenário da imigração no Rio Grande do Sul: aproximações e distanciamentos – que discute as semelhanças e as diferenças entre as festividades; 1) Os cem anos da Imigração italiana no Rio Grande do Sul: a programação oficial A instituição do Biênio da colonização e imigração, através do decreto 22.410, tinha como objetivo de celebrar as correntes imigratórias que colaboraram no desenvolvimento do Rio Grande do Sul. O Biênio, segundo o discurso do então governador do Estado Euclides Triches, colocava “em relevo a contribuição dos

2 O jornal é da cidade de Santa Maria –RS. 3 O jornal é da cidade de – RS. 4 O jornal é da cidade de – RS.

3 imigrantes das mais diversas correntes étnicas e dos seus descendentes em prol do desenvolvimento e do progresso do Rio Grande do Sul” 5. Além disso, o Biênio também decretava a criação de comissões que tinha, como principal papel, institucionalizar as programações e a organização das celebrações festivas. De acordo com Victor Faccioni (1973), Estas Comissões, pela iniciativa, pela imaginação, pela criatividade e pelo trabalho de seus membros, representantes de entidades públicas e privadas ou personalidades convidadas especialmente para as integrarem, saberão certamente dar às comemorações que hoje aqui dão seu primeiro passo, o enfoque certo e esplendido que traduza, com as proporções devidas, o quanto nos merece, nos entusiasma e nos sensibiliza este Biênio da Colonização e Imigração, que desejamos fazer um momento excepcional da nossa existência como povo ordeiro, trabalhador, pacífico, um povo que encontra no acervo do seu passado as lições de coragem, de honra, de trabalho e de patriotismo que nos alentam para a construção de um Rio Grande maior6.

A comissão executiva destinada às comemorações do Centenário da Imigração Italiana aprovava a programação oficial para os dias 19, 20, 21 e 22 de maio, “por ocasião do ponto culminante dos festejos em homenagem aos pioneiros peninsulares, que ajudaram na colonização do Rio Grande do Sul” 7. De acordo com Albuquerque (2011, p.134), “somente as comemorações cívicas ou datas consideradas significativas para a história das Nações mereciam alguma menção e contava, com o discurso de panegírico ou de legitimação da data que ali se comemorava”. Cria-se uma data e uma comemoração para marcar na memória local e regional, a história e a cultura de um povo. Nesse sentido, no dia 28 de março de 1975, o jornal A Razão, da cidade de Santa Maria, divulgava o seguinte programa para aqueles dias de festa: No dia 19 de maio, houve “recepção oficial ao Governo da Itália e a Delegação Oficial do Governo do Vêneto, no Aeroporto Salgado Filho”, que foi seguido de uma “visita ao Senhor Governador do Estado no Palácio ” e de uma “visita ao Senhor Presidente da Assembleia Legislativa no Palácio ”. E para finalizar o

5 TRICHES, Euclides. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do Biênio da Colonização e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. In: Relatório Oficial do Governo do Estado para o Biênio da Colonização e Imigração no Estado. p. 49. 6 FACCIONI, Victor. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do Biênio da Colonização e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. In: Relatório Oficial do Governo do Estado para o Biênio da Colonização e Imigração no Estado. p. 50. 7 A RAZÃO. Aprovada programação oficial do Centenário da Imigração Italiana. Santa Maria, 28 de março de 1975, p.2.

4 primeiro dia das festividades, houve uma “recepção oficial comemorativa do Centenário da Imigração Italiana, oferecido pelo senhor e senhora Governador do Estado, no Palácio Piratini” 8. Verifica-se que o primeiro dia de festejos teve cunho político e foi destinado às autoridades italianas. No dia 20, considerado o ponto alto dos festejos, foram “realizados Atos oficiais comemorativos do Centenário”9, em Nova Milano10, no município de Farroupilha. Houve “recepção as altas autoridades e delegações visitantes”11, com hasteamento das bandeiras do Brasil, Itália e Rio Grande do Sul e o cantos dos hinos. Ocorreu ainda o hasteamento das bandeiras de “25 municípios da região colonial italiana12”. Através de um desfile, aconteceu a “reconstrução da chegada dos primeiros imigrantes italianos e dos dias difíceis da época pioneiras13”. Esse momento teve a presença do Presidente da República Ernesto Geisel. Além disso, os festejos de Nova Milano foram agraciados com um culto ecumênico e com canções e danças folcloricas. Abaixo, uma imagem publicada no jornal Correio RioGrandense, sobre a presença do presidente no desfile ocorrido em Nova Milano, em alusão ao Centenário da Imigração.

8 A RAZÃO, Op cit; 9 A RAZÃO, Op cit 10 O distrito de Nova Milano seria o berço na imigração italiana no Rio Grande do Sul, pois, em 20 de maio de 1875, três famílias oriundas de Olimate, na Província de Milão, teriam se estabelecido no local, iniciando a colonização no Estado. (CORREIO RIOGRANDENSE, Imigração festejada em Nova Milano.Caxias do Sul, 28 de maio de 1975, p. 23. 11 A RAZÃO, Op cit 12 A RAZÃO, Op cit 13 A RAZÃO, Op cit

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Figura 1: Presidente Ernesto Geisel e o desfile histórico em Nova Milano Fonte: Correio Riograndense, 28 de maio de 1975, p.23.

Após o desfile, houve “um grande almoço campestre à moda da colônia italiana, comida tipica, vinhos, jogos e canções14”. O jornal não apresenta quais seriam os alimentos considerados típicos da cozinha italiana. Posteriormente, aconteceu o “lançamento da pedra fundamental do Centenário”, criando assim um marco da data e da festividade dos 100 anos da imigração. E para finalizar o ponto altos dos festejos, aconteceu o Banquete oficial do Centenário da Imigração Italiana, na cidade de Caxias do Sul. Nesta ocasição houve a “entrega de medalhas comemorativas de Centenário as altas personalidades visitantes”15. Percebe-se aqui que um grupo seleto de pessoas foram homenageadas com as medalhas comemorativas, mas, no entanto, a programação não divulgou os nomes dos indivíduos. No dia 21, na cidade de Garibaldi, aconteceu a inauguração de busto à Giusseppe Garilbaldi, oferecida pelo Governo Italiano. Já na cidade de Bento Gonçalves um almoço, seguido de “uma inauguração de réplica da ‘Loba Romana’, oferecida pelo

14 A RAZÃO, Op cit 15 A RAZÃO, Op cit

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Governo Italiano’16. E finalizou com a inauguração do Museu da Imigração. Desse sentido, percebemos a participação do governo italiano, oferecendo marcos de memória da história da Itália para os descendentes de imigrantes italianos, em virtude das comemorações do Centenário da Imigração Italiana. No dia 22 de maio, ultimo das comemorações oficiais, aconteceu um almoço de despedida, na capital Porto Alegre, no galpão do Palácio Piratini, no qual foi oferecido comida típica gaúcha com apresentações e canções riograndenses para as delegações italianas. As delegações foram ainda agraciadas com “uma medalha do Gaúcho e com lembranças características do Rio Grande do Sul”17. Nesse sentido, constatamos que esse dia de festejo foi realizado para as autoridades políticas da Itália, que foram presentiadas em forma de agradecido a suas presenças na programação oficial do Centenario da imigração no Estado. Constatamos, desta forma, as comemorações oficiais do Centenário da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, percebendo as formas e os atos de festejos escolhidos para celebrar os 100 anos da imigração e colonização no Estado. Além disso, as festividades tiveram um cunho oficial, sendo elaboradas manifestações cívicas, com a presença de inúmeros políticos brasileiros e delegações italianas. No entanto, todas essas comemorações buscam a exaltação do italiano em terras rio-grandenses.

2) Os centenários na ex-colônia Silveira Martins

A colônia Silveira Martins foi criada em 1876 e passou a receber os imigrantes italianos em 1877. Ela é o quarto núcleo de colonização italiana no Rio Grande do Sul e localiza-se na região central do Estado. Abaixo, assinalado com uma estrela vermelha, está a antiga colônia Silveira Martins.

16 A RAZÃO, Op cit 17 A RAZÃO, Op cit

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Figura 2: Mapa do Rio Grande do Sul Fonte: Google Mapas

Na região que abrange a antiga Colônia Silveira Martins, a partir de 1975, iniciaram-se as festividades em alusão ao Centenário da Imigração Italiana. Ao que tudo indica, os festejos tiveram início em virtude do Decreto 22.410, instituído pelo governador do Rio Grande do Sul, provocando inúmeras festividades no Estado. A comissão executiva criou uma programação oficial, como já foi mencionado anteriormente, mas a região de Silveira Martins não foi inserida nas comemorações oficiais. No entanto, as comunidades e cidades da região da Colônia Silveira Martins organizaram-se para comemorar os 100 anos da imigração italiana. É importante salientar essas festividades do centenário ganharam traços religiosos se comparado a programação oficial. A Igreja católica aproveitou-se da figura do imigrante italiano, para construir a imagem a partir de sua religiosidade diante da comunidade atual. Por

8 isso, utilizou-se das festas de santos padroeiros, inserindo-as as festividades centenárias, como veremos em algumas localidades. Além disso, a igreja toma a frente de algumas das comemorações, as quais foram iniciadas a partir de 1975, em muitas comunidades, como Silveira Martins, , Val Feltrina, Vale Veneto, Faxinal do Soturno, , Novo Treviso. Porém, os festejos ultrapassaram os anos de 1974 e 1975, que compreendiam o Biênio da Colonização e Imigração, estendendo-se, pelo menos, até 1984, como ocorreu em Silveira Martins estendendo-se até 1977; Vale Vêneto, em 1978; Val Veronês em 1982 e, , em 1984. A partir da documentação jornalística, utilizando inicialmente os jornais locais A Razão e O Radar, foi possível identificar e mapear as comemorações ocorridas nas seguintes cidades e localidades: Silveira Martins, Val Feltrina, Arroio Grande, Ivorá, Vale Vêneto, Novo Treviso, Faxinal do Soturno, Val Veronês e Nova Palma. Dessa forma, é possível um mapeamento inicial dos centros de festividades do Centenário da Imigração Italiana na região da antiga Colônia Silveira Martins. De forma breve, será apresentada as comunidades e os tipos de festejos realizados para o Centenário da Imigração Italiana. Não será possível um detalhamento profundo a estas comemorações, devido cada comunidade e cidade ter desenvolvido sua festa, de forma independente, não havendo uma programação oficial que incluísse todas essas festas. 2.1 Silveira Martins Sobre as comemorações do Centenário da Imigração Italiana na região central, inicia-se com o município de Silveira Martins que, foi a sede do quarto núcleo de colonização dos imigrantes italianos. Na época das festividades centenárias, Silveira Martins ainda pertencia ao município de Santa Maria, sendo apenas emancipada política-administrativamente em 1987. Em relação aos festejos, “no âmbito estadual, o Centenário da Imigração Italiana é em 1975, e, em Santa Maria, será em 77. Apesar da diferença de dois anos, em nossa cidade, as comemorações iniciarão este ano, estende-se até o ano em que aqui chegaram os primeiros colonos italianos” 18. O seguinte trecho do jornal indica que as celebrações

18 A RAZÃO, Santa Maria, 13 de fevereiro de 1975, p.7

9 em Silveira Martins teriam iniciado em 1975, junto à programação oficial do centenário da imigração italiana do Rio Grande do Sul e, estenderiam até 1977, ano que oficialmente marcava os 100 anos da chegada dos primeiros imigrantes italianos na antiga colônia Silveira Martins. As festividades do Centenário da Imigração em Silveira Martins foram marcadas pelas festas religiosas relacionados aos santos padroeiros locais, como, Santo Antônio, Nossa Senhora da Pompéia e a Nossa Senhora da Saúde. Estas celebrações contaram com a presença do Bispo Dom Ivo Lorscheiter. Nesse sentido, Vendrame (2013) explica que a Igreja católica foi extremamente importante na organização e manutenção das colônias de imigração. O padre representava uma forte liderança política capaz de articular e estabelecer redes de relações entre os indivíduos da comunidade. Desta forma, é possível identificar nas comemorações do centenário da Imigração Italiana, a presença marcante da Igreja e de seus representantes, como uma forma de herança cultural dos tempos de colônia. 2.2 Val Feltrina A localidade de Val Feltrina que atualmente pertence ao município de Silveira Martins, no período das comemorações do Centenário da Imigração fazia parte do município de Santa Maria – RS. Para comemorar o Centenário da Imigração Italiana, Val Feltrina organizou a Festa da Uva em miniatura (fazendo referência a Festa da Uva de Caxias do Sul - RS), que contou com “uma tenda enorme, desde a manhã até o anoitecer, vendeu uva e vinho, de todas as qualidades, até esgotar o estoque19”. Esse fragmento do jornal indica que a comunidade exibiu sua fartura, através do trabalho na terra do imigrante italiano e seus descendentes. Além da festa da uva, aconteceram outros festejos na comunidade, como indicou o jornal A Razão: “além do churrasco, e de jogos no estilo de quermesses, a grande atração da festa foi um torneio de futebol que reuniu mais de trinta equipes de várzea [...]20”. Verifica-se que as comemorações do Centenário em Val Feltrina foram

19 A RAZÃO, Santa Maria, 18 de fevereiro de 1975, p.7 20 A RAZÃO, Santa Maria, 18 de fevereiro de 1975, p.7

10 momentos de sociabilidade entre o público presente no evento. Sendo a festa, uma situação de convívio com manifestações festivas que fogem do cotidiano. 2.3 Arroio Grande A comunidade de Arroio Grande comemorou o centenário da Imigração Italiana com baile para a escolha da rainha da imigração. E ainda, houve missa em homenagem ao santo padroeiro, São Pedro, com a presença de Dom Ivo Lorscheiter. Além disso, Arroio Grande idealizou a construção de uma grande cruz de pedra (mais ou menos 12 metros de altura) na localidade de Val de Buia. “Este monumento, que há de ser um ponto turístico para Santa Maria tem motivos suficientes para ser criado, quando é tão importante preparar o futuro quanto reverenciar o passado” 21. Percebemos que, os empreendimentos dos festejos do Centenário da Imigração Italiana na antiga Colônia Silveira Martins já visavam à organização de um turismo local e a construção de marcos de memória, que simbolizam as comemorações do centenário da Imigração Italiana. 2.4 Vale Vêneto Vale Vêneto, comemorou seu centenário da Imigração italiana em 1975 com a “maior polenta da história”, que “media 9 metros e 40 centímetros de circunferência” 22. E antes de ser oferecida ao povo, foi benta pelo Bispo Dom Ivo Lorscheiter23. A quantidade de polenta simboliza a fartura da mesa do imigrante e de seu descendente, mais uma vez representada nos festejos do Centenário da Imigração, adquirida através do trabalho na propriedade rural. Logo após a benção da polenta, foi servido um jantar “típico” italiano, com o seguinte cardápio: “sopa de agnoline, polenta cozida e assada na chapa, Radicci temperado com toucinho, fortaia com salame, queijo colonial, rizoto com galinha, carne de galinha Lessa, crem (saramago), vinho colonial puro (encorpodão) e grostoli como sobremesa”24. A comunidade organizou o seguinte cardápio para apresentar ao público presente as características alimentares dos imigrantes italianos que permaneceram na região, bem como a fartura da alimentação dos seus descendentes.

21 A RAZÃO, Santa Maria, 25 de janeiro de 1975, p.16 22 O RADAR,Faxinal do Soturno, 16 de agosto de 1975,p.16. 23 Mais uma vez, o bispo encontra-se presente nos eventos relacionados ao Centenário da Imigração Italiana 24 A RAZÃO, GRINGOLANDIA, Santa Maria, 3 de julho de 1975. p.4

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Também fez parte das comemorações a inauguração de o Museu do Imigrante Padre João Iop, considerado o primeiro museu sobre imigração italiana, bem como o maior acervo do Estado sobre a temática. O acervo guarda mais de 3 mil peças, entre utensílios domésticos, objetos do trabalho agrícola, paramentos litúrgicos, moveis e roupas, que auxiliam na salvaguarda da memória local da imigração. A criação do museu está ligada ao Centenário da Imigração e colonização italiana no sentido de preservar a história e a memória dos antepassados, os imigrantes italianos. 2.5 Novo Treviso Em Novo Treviso, as comemorações do Centenário ocorreram em 19 de outubro de 1975, com missa solene com a presença de Dom Ivo Lorscheiter e procissão com a imagem de Nossa Senhora do Rosário – no qual teria sido recitado o terço do sufrágio aos imigrantes falecidos25. Constata-se a inserção das festas dos santos padroeiros incorporadas às festividades dos 100 anos da imigração, lembrando a presença dos “pioneiros” na formação da comunidade. O desfile à italiana, organizando para homenagear os imigrantes, ocorreu na parte da tarde, apresentava a comunidade os imigrantes italianos que haviam estabelecidos naquela localidade, valorizando o indivíduo, a família, o trabalho agrícola, o transporte do grupo familiar e da produção, a religiosidade e os costumes. Junto ao desfile, aconteceu a inauguração da Praça do Imigrante de Novo Treviso. O desfile histórico percorreu o entorno da nova praça, sendo parte do espetáculo, a instituição de um novo espaço público para o local. Verificamos mais uma vez o envolvimento da Igreja católica, da comunidade para desenvolver as celebrações em homenagem ao imigrante italiano. 2.6 Ivorá Ivorá se integrou às comemorações alusivas ao centenário da Imigração Italiana, onde a paróquia desenvolveu o programa de festejos entre os dias 24 de maio até o dia 1º de junho de 1975. Para o centenário, foram realizadas celebrações eucarísticas todas as noites na Igreja Matriz, que foram seguidas de festejos populares no salão paroquial. Inaugurou-se de uma histórica, com o intuito de expressar a fé e a religiosidade dos colonos italianos. O momento contou com a presença de autoridades

25 O RADAR, Faxinal do Soturno, agosto de 1975, p.2

12 políticas, bem como do Bispo Diocesano Dom Ivo Lorscheiter. Outra inauguração aconteceu, mas agora de um monumento em frente a Igreja Matriz de Ivorá, seguido de celebração eucarística e almoço. Um desfile histórico também marcou o Centenário da Imigração, através da representação dos primeiros tempos dos imigrantes italianos nesse local. 2.7 Faxinal do Soturno No município de Faxinal do Soturno, diante da documentação jornalística, foi possível apurar que para o Centenário, aconteceu o concurso para a escolha da Rainha do Centenário da Imigração Italiana. No entanto, ainda encontram-se lacunas a respeito das festividades em Faxinal do Soturno devido à falta de fontes. 2.8 Val Veronês O Centenário da comunidade de Val Veronês aconteceu de 29 de agosto a 17 de outubro de 1982. Fizeram parte dos festejos as missas, os almoços e jantares de acordo com o seguinte cardápio: “com polenta, radicci, salame, fortaia, leitão, e o bom vinho da colônia” (MARCUZZO, 1982, p. 134). A grande atração do evento centenário foram duas cucas em forma de V, apresentando as iniciais de Val Veronês. Participaram do evento as pessoas da comunidade, dos arredores e autoridades políticas. 2.9 Nova Palma No ano de 1984, o município de Nova Palma viveu as comemorações do Centenário da Imigração Italiana. As festividades do Centenário da Imigração na cidade em 1983, quando aconteceu à organização de como os festejos iriam acontecer através da elaboração de uma programação oficial das comemorações. Além disso, foi realizado um movimento de restauração de capitéis, para expressar a fé dos imigrantes italianos no ano do Centenário. (MANFIO, 2015, p.102). A organização dos festejos estava por conta da Igreja católica, do Padre Luiz Sponchiado e, no conselho paroquial. Iniciaram-se “a meia noite de primeiro de Janeiro de 1984, na matriz da SS Trindade, foi oficialmente aberto o ano do Centenário, com o lema – votado pela comunidade – Nova Palma: cem anos de colonização, fé e trabalho26”.

26 Manuscrito de Padre Luiz Sponchiado. Centro de Pesquisas Genealógicas, Nova Palma, 01 de janeiro de 1984.

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Aconteceram ainda as festas em homenagem aos Santos padroeiros do município que foram incorporados as festividades do Centenário da Imigração, as quais tiveram a presença do Bispo Dom Ivo Lorscheiter. Inaugurou-se o Centro de Pesquisas Genealógicas, fruto do trabalho e das pesquisas de Padre Luiz Sponchiado sobre as famílias de imigrantes e descendentes de italianos que circularam na região da antiga Colônia Silveira Martins. No ponto alto dos festejos ocorreu I Encontro da Família Rossato, um importante desfile histórico na cidade, que proposta representar o processo imigratório. Verificou-se que a região da antiga Colônia Silveira Martins organizou as comemorações do Centenário da Imigração Italiana. Suas festividades iniciaram em 1975 e se estenderam até 1984, obedecendo, em alguns casos, os 100 anos da ocupação do núcleo colonial. Os festejos adquiriram os traços religiosos, exaltavam a figura do imigrante italiano, através do trabalho, da fé e da sua religiosidade.

3) As comemorações do Centenário da imigração no Rio Grande do Sul: aproximações e distanciamentos O Centenário da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul proporcionou inúmeras festividades no Rio Grande do Sul. Entre elas, a festa oficial, ocorrida nas cidades de Porto Alegre, Caxias do Sul, Garibaldi, Bento Gonçalves e Nova Milano. Outra, não oficial, que aconteceu na antiga Colônia Silveira Martins. Diante dessas duas celebrações, o interesse deste trabalho é compreender as semelhanças, bem como as diferenças das comemorações, através do exercício comparativo, o qual pretende-se indagar o ato de festejar, bem como analisar a complexidade de dois festejos. Para analisar as duas festividades de forma comparada, criou-se o procedimento de categorias, pois possibilitaram um olhar profundo diante das celebrações do Centenário da Imigração Italiana. As categorias foram desenvolvidas através da análise das fontes históricas, que são os jornais A Razão, o Correio Riograndense e O Radar. Assim, o criou-se as seguintes categorias: 1) local e data – onde aconteceram os festejos do Centenário; 2) tipo de celebração religiosa – levando em conta o tipo de manifestações religiosa ocorrida na festividade; 3)público – os convidados as comemorações;

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4)formas de festejar – os atos de celebrar e, 5) alimentação – as comidas que foram servidas nas festas dos 100 anos da imigração. Abaixo está o quadro comparativo das festividades do Centenário da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul: Programação Oficial do Centenário O Centenário da Imigração Italiana da Imigração Italiana em ex-colônia Silveira Martins 1. Caxias do Sul, Bento Gonçalves, 1. Silveira Martins, Ivorá, Faxinal do Farroupilha (Nova Milano), Soturno, Nova Palma, Pinhal Grande, Garibaldi, Porto Alegre. Novo Treviso, Vale Vêneto, Val Dos dias 19 a 22 de maio de 1975). Veronês, Val Feltrina. Do ano de 1975 a 1984.

2. Culto ecumênico 2. Missas católicas

3. Convite a autoridades políticas italianas e 3. Algumas comunidades visavam o público brasileiras e para população em geral. das cidades vizinhas, como Santa Maria.

4. Discursos políticos, apresentações artísticas 4. Missas com a presença do Bispo “típicas” italianas e gaúchas; Inauguração de Diocesano, Almoços e jantares típicos, busto, inauguração do parque do monumento, desfiles históricos, canções, bailes, concurso canções, almoços e jantares; da escolha da rainha, Inauguração de monumentos e museus.

5. Comida da colônia italiana e comida típica 5. Sopa de agnoline, churrasco, pão, polenta, gaúcha. radicci, fortaia, queijo colonial, salame, risoto de galinha, carne de galinha lessa, vinho colonial e grustoli.

Dessa forma, diante da análise de forma comparada das duas festividades, chegaram-se as seguintes conclusões: Quanto à alimentação, a comida servida dentro das festividades é semelhante, apesar do jornal A Razão não destacar os alimentos que constituem a comida típica italiana e gaúcha nas comemorações oficiais. Na antiga colônia Silveira Martins, algumas das festividades parecem valorizar a polenta, como prato típico. Exemplos disso são as festas de Vale Vêneto que proporcionou as convidados uma polenta de 9m, como anunciaram os jornais A Razão e O Radar e de Val Veronês, que ao produzir um livro da história da comunidade e sua relação com a imigração, colocou como fotografia da capa uma senhora idosa fazendo a polenta27.

27 Ver mais em: MARCUZZO, Pe. Clementino. Centenário de Vale Veronês. Santa Maria: Palotti, 1982.

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De acordo com as formas de festejo, também apresentam muitas semelhanças, mas já é possível apontar algumas diferenças, como os pronunciamentos de políticos do presidente da comissão executiva do Centenário da Imigração, do Governador do Estado do Rio Grande do Sul e do Governador do Vêneto – Itália. Além disso, o primeiro e último dia das comemorações oficiais foram marcadas por almoços e jantares para as autoridades políticas da Itália, na cidade do Porto Alegre. Conforme ao público presente, apontam-se aproximações para o público externo às cidades promotoras do evento. A comunidade de Vale Vêneto, por exemplo, em 12 anúncios do jornal A Razão, convida a população de Santa Maria para prestigiar a festa, pois a distancia é apenas “40 km. Só de asfalto” 28. No entanto, o evento oficial contou com a presença do Presidente da Republica Ernesto Geisel – presente em Nova Milano, no dia 20 de maio de 1975 - como também outras autoridades políticas brasileiras e italianas. Segundo o tipo de celebração, no quarto núcleo foram regidos por missas católicas, com a presença de padres e o bispo diocesano Dom Ivo Lorscheiter (presente na maioria dos centenários). Além disso, as comunidades da antiga colônia Silveira Martins inseriram as festas dos santos padroeiros às comemorações centenárias. Na festa oficial, houve um culto ecumênico. No entanto, segundo o jornal Correio Riograndense celebrações católicas antecederam o evento oficial, como “uma missa com 6 bispos e 130 padres29” para celebrar “a atuação da Igreja neste primeiro século de colonização”30, e que sucedeu a programação oficial, como a festa de Nossa Senhora do Caravaggio, no município de Farroupilha31. E finalizando as categorias de análise, as datas e os locais é o ponto que mais difere as festividades. Independente da festa oficial, as comemorações do centenário ocorreram em todo o Estado. Outras festividades ocorreram em cidades da serra, mas

28 A RAZÃO. Hoje, a festa de Vale Vêneto. Santa Maria, 26 de julho de 1975. p. 7 29 CORREIO RIOGRANDENSE, Igreja celebra cem anos de fé. Caxias do Sul, 20 de maio de 1975. p.1. 30 CORREIO RIOGRANDENSE, op. Cit. 31 CORREIO RIOGRANDENSE, Caravaggio realizou a maior festividade nos últimos 96 anos. Caxias do Sul, 28 de maio de 1975. p.1.

16 não se encontram dentro da programação oficial do Centenário da Imigração, como é o caso do Centenário da Imigração italiana na cidade de Veranópolis32. O peculiar com a região central do RS seja ter extrapolado o Biênio, entendendo suas festividades até 1984. Isso significa que essas comunidades se organizaram de forma própria, estabelecendo suas formas de festejo, bem como as datas dos centenários de colonização dos núcleos. Sendo assim, fizeram suas festividades de forma independente, em datas que acharam mais oportunas. Dessa forma, através do procedimento de análise de categorias, foi possível fazer um exercício comparativo entre a festa oficial do Centenário da Imigração Italiana e os centenários ocorridos na antiga colônia Silveira Martins. Considerações finais: O Rio Grande do Sul foi marcado pelas festividades do Centenário da Imigração Italiana, a partir do ano de 1975. A instituição do decreto 22.410, através do Biênio da Colonização e Imigração, pelo Governador do Estado, Euclides Triches foi fundamental para desencadear as celebrações em homenagem aos imigrantes italianos em todo o Estado. Para isso, organizou-se uma festividade oficial que abarcou as três primeiras colônias italianas instaladas no RS, apresentou-se de cunho cívico e político, com a presença de autoridades brasileiras e italianas. Apesar da festividade oficial do Centenário da Imigração Italiana terem ocorrido na região da Serra Gaúcha e em Porto Alegre, outras festas foram registradas no Estado. Por isso, a antiga colônia Silveira Martins, localizada na região central do Estado e distante dos primeiros núcleos não foi inseridas nas festividades oficiais. Porém, isso não a impediu de organizar as suas comemorações ao centenário da imigração italiana. Estas comemorações ocorridas na Colônia Silveira Martins aconteceram de 1975 a 1984, aconteceram de forma independente, no qual cada município e localidade organizaram seus festejos. Além disso, tais festividades tiveram cunho religioso, sendo inseridos às festas de santos padroeiros junto às comemorações dos 100 anos da Imigração. Mas vale ressaltar que, através da criação de categorias de análise, foi possível perceber aproximações e distanciamentos entre o movimento oficial e as

32 CORREIO RIOGRANDENSE. Veranópolis começa dia 24 comemoração do centenário. 14 de maio de 1975. P.23

17 festividades ocorridas na região do quarto núcleo de colonização italiana, a partir do método comparativo. E, por fim, as motivações para a realização das duas festividades parecem são as mesmas: a exaltação do imigrante, através do trabalho e da fé do italiano pioneiro. Para cristalizar na memória local e regional o acontecimento, utilizaram-se do ato de festejar para marcar a data. Referências: FACCIONI, Victor. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do Biênio da Colonização e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. In: Relatório Oficial do Governo do Estado para o Biênio da Colonização e Imigração no Estado.

MANFIO, Juliana Maria. Entre o sacerdócio e a pesquisa histórica: a trajetória de Padre Luiz Sponchiado na Quarta Colônia de Imigração Italiana-RS. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Santa Maria. 2015.

MARCUZZO. Pe. Clementino. Centenário de Vale Veronês. Santa Maria: Palotti, 1982.

TRICHES, Euclides. [Discurso] 15 de maio de 1973, por ocasião da instalação do Biênio da Colonização e Imigração. Discurso proferido pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. In: Relatório Oficial do Governo do Estado para o Biênio da Colonização e Imigração no Estado.

RIO GRANDE DO SUL. Decreto 22.410, de 22 de abril de 1973. Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.

VENDRAME, Maíra Ines. 2007. “Lá éramos servos, aqui somos senhores”: a organização dos imigrantes italianos na ex-colônia Silveira Martins (1877-1914). Santa Maria: Ed. da UFSM. 2007.

_____. Ares de vingança: redes sociais, honra familiar e práticas de justiça entre imigrantes italianos no sul do Brasil (1878-1910). (Tese de Doutorado). PUC-RS, 2013.