Você é o que você veste? O efeito risível do personagem Romero Rômulo na 1 telenovela “

OLIVEIRA2, Andréia de Universidade Federal de Juiz de Fora/MG

Resumo: O presente artigo pretende identificar o efeito risível no personagem Romero Rômulo, da telenovela “A Regra do Jogo”, utilizando como objeto de análise as camisas criadas para compor o figurino do protagonista da trama. O objetivo é identificar quais categorias ou expressões do riso são exploradas para dar efeito cômico ao personagem, a partir da comparação entre o caráter do mesmo e sua outra face implícita em suas camisetas, que trazem estampas com frases de efeito bem significativas. A análise será feita tendo como base a observação de 12 das camisetas usadas pelo personagem durante o desenrolar da trama e as frases nelas explicitadas, fazendo uma comparação com os momentos em que cada estampa é apresentada e o que está sendo encenado. Partindo do pressuposto de que existe uma intenção narrativa do autor e da equipe de figurinista em trabalhar com a dualidade de caráter do personagem como forma de torná-lo risível, tomaremos como base os autores que trabalham a questão do riso na contemporaneidade para estabelecer a relação entre o risível e Romero Rômulo.

Palavras-chaves: Teledramaturgia; A Regra do Jogo; Romero Rômulo; riso; narrativa;

1 A narrativa na Teledramaturgia

A telenovela é um dos gêneros dramáticos de entretenimento mais consumidos no Brasil. Esse formato se tornou popularmente conhecido na década de 50 e se constitui como uma das produções televisivas bastante estudadas, sendo consideradas como elemento relevante para analisar e entender a identidade brasileira contemporânea. De acordo com Arlindo Machado ela é uma narrativa seriada. Nas palavras do teórico:

É o caso dos teledramas, telenovelas e de alguns tipos de séries ou minisséries. Esse tipo de construção se diz teleológico, pois ele se resume fundamentalmente num (ou mais) conflito(s) básico(s), que estabelece logo de início um desequilíbrio estrutural, e toda evolução posterior dos acontecimentos consiste num empenho em restabelecer o equilíbrio perdido, objetivo que, em geral, só se atinge nos capítulos finais. (2000, p. 84).

Ela se apresenta como uma narrativa ficcional situada no ramo do entretenimento e com o passar dos anos adotou o caráter de representar a realidade, ao incluir em suas tramas

1Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do IV Encontro Regional Sudeste de História da Mídia- Alcar Sudeste, 2016. 2Jornalista diplomada, mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPGCOM-UFJF), e-mail: [email protected].

problemáticas sociais da vida cotidiana.

Segundo Barthes (1971, p.21), pode-se falar que a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades. Narrar é uma atividade essencialmente humana. Salvatore D’Onofrio (1995, p.53-54), ao estabelecer um conceito para a narrativa, postula que “todo discurso que nos apresenta uma história como se fosse real, constituído por uma pluralidade de personagens, cujos episódios de vida se entrelaçam num tempo e num espaço determinado é uma narrativa”. Lúcia Moreira também tece considerações acerca da narrativa. Nas palavras da autora:

[...] o homem, a partir da necessidade atávica de organizar os acontecimentos relativos à sua trajetória (coletiva e individual), passa a “editar” esses eventos, dando origem então a narrativas organizadas e posteriormente concretizadas pela linguagem. Dessa maneira, temos a produção das narrativas ficcionais (filmes, seriados, telenovelas) e não ficcionais (notícias, reportagens, documentários). (2002, p.19)

Considerada como um fenômeno televisivo atual, pelos índices de audiência que alcança, ainda é uma das maiores diversões do brasileiro, sobretudo as produzidas pela Rede Globo. Entre a grande diversidade de produtos televisivos, ela ganha destaque pelo seu forte apelo popular e, por isso, chega e cativa tanto os telespectadores, fazendo-os esperar ansiosos por cada novidade que cada trama possa apresentar. De segunda a sábado, milhares de brasileiros ligam a TV e ficam na expectativa por mais um capítulo da telenovela preferida, e, essa história se repete durante o desenrolar da trama. O telespectador busca na telenovela um momento de lazer, descontração, relaxamento e também acaba por ver sua vida cotidiana ali retratada. De acordo com Ismael Fernandes esse formato já é parte da identidade da população brasileira e está incorporado à cultura do país. Telenovela é sim uma arte brasileira, popular, como o nosso samba e o nosso Carnaval. Capaz de, num curto espaço de tempo, arrebatar toda uma população que, na sua grande maioria se mantém distante da ribalta artística. E é dessa distância que surge a telenovela brasileira com sua pujança, preenchendo um vácuo, repondo ficção, descontraindo com humor e exibindo a emoção através da imagem televisiva, a muito atual arte cênica. Na tela pequena, um importante palco se propagou pelo país, exibindo a telenovela diariamente. O Brasil conheceu então uma nova, rara e hábil dramaturgia. E o importante: respeitada absolutamente por nossa população. É fácil deduzir que foi realizado um casamento perfeito: uma arte especial indo ao encontro de um povo não menos especial. Assim, não há porque se espantar quando se depara com uma plateia superior a 40 milhões de pessoas, reunidas numa só noite, em frente ao aparelho de tevê, assistindo a um capítulo de novela. E essa mesma

plateia repete o mesmo ritual no dia seguinte. E assim por diante... (1997, p. 21). 2 A Regra do Jogo

A Regra do jogo é uma telenovela brasileira de autoria de João Emanuel Carneiro e direção de Amora Mautner, exibida pela TV Globo em seu horário nobre, às 21 horas. A trama teve sua estreia no dia 31 de agosto de 2015 e seu desfecho aconteceu no dia 11 de março de 2016. Ambientada na comunidade Morro da Macaca, localizada na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, a ficção teve sua trama recheada de mistérios e suspenses, dividindo suas histórias entre os cenários do asfalto e a favela carioca. O enredo conta um elenco de 49 atores, entre eles, (Romero Rômulo), Giovanna Antonelli (Atena), Vanessa Giácomo (Tóia), Cauã Reymond (Juliano), (Dante), Letícia Lima (Alisson), (Zé Maria), Susana Vieira (Adisabeba), (Orlando), Cássia Kis (Djanira), Juliano Cazarré (Merlô), Bruna Linzmeyer (Belisa), Roberta Rodrigues (Ninfa), Tonico Pereira (Ascânio), Carolina Dieckmann (Lara), Monique Alfradique (Tina), Fernanda Souza (Mel), Maeve Jinkings (Domingas), Fábio Lago (Oziel), Jackson Antunes (Tio), Marcello Novaes (Vavá), Cris Vianna (Indira), Giovanna Lancellotti (Luana), Bárbara Paz (Nelita), Osvaldo Mil (Juca), Felipe Roque (Kim), Bruno Mazzeo (Rui), Ricardo Pereira (Faustini), Johnny Massaro (Cesário), Thaíssa Carvalho (Andressa Turbinada), Giselle Batista (Duda), Suzana Pires (Janete), Allan Souza Lima (Nenenzinho), Letícia Colin (Paty), Amaurih Oliveira (Dênis), João Baldasserini (Victor), Danilo Ferreira (Iraque), José de Abreu (Gibson), Karine Teles (Sumara), Júlia Rabello (Úrsula), (Feliciano), Otávio Müller (Breno), Renata Sorrah (Nora), Douglas Tavares (Abner), Alexandra Richter (Dalila), Maksin Oliveira (Guerra), Ilya São Paulo (Nonato), Séfora Rangel (Conceição) e Carla Cristina Cardoso (Dinorah). A novela trouxe como temática central a condenação ou absolvição das pessoas, fazendo crítica ao caráter dos indivíduos e também tratou assuntos relacionados a questões éticas, ressaltando a moral duvidosa e os limites entre o certo e o errado. Sobre os personagens centrais pairava a balança do julgamento, da dualidade e da personalidade duvidosa. Romero Rômulo foi o protagonista da trama e esteve no meio da balança entre o bem e o mal. Mas será que existia outra camada escondida por debaixo de sua aparência? De acordo com o autor, João Emanuel Carneiro, o personagem foi criado exatamente para passar a imagem de salvador de todos, sendo uma pessoa santificada.

A Regra do Jogo’ nasceu de um personagem, do Romero Rômulo. A ideia de fazer esse homem veio da minha mãe, que sempre disse que eu precisava escrever a história de um santo. Ela era muito católica. A minha mãe morreu faz pouco tempo e eu pensei em realizar esse seu desejo. Fiz um santo, mas um santo torto. Afinal, ele é alguém que gosta da ideia de ser bom. 3 (CARNEIRO)

3 Romero Rômulo: santo ou torto camuflado?

Como pudemos observar de acordo com o desenrolar da narrativa, Romero é um homem de muitos rostos. Ex-vereador e radialista, ele se tornou conhecido como o paladino defensor dos direitos dos presidiários e dos bandidos em geral, ao criar na trama, a Fundação Raiar, uma organização que justamente atuava na reabilitação de criminosos condenados. A maioria das pessoas o via como um homem altruísta e corajoso, disposto a ajudar ex-detentos em busca de reintegração social. O que quase ninguém sabia é que Romero, na verdade, usava a tal fundação para recrutar integrantes para a facção criminosa da qual fazia parte. Sua vida se mostrava menos óbvia do que parecia ser, uma vez que, ele sabia como ninguém camuflar quem era de verdade. Quando falamos em camuflagem nos referimos ao nosso objeto de estudo que são as camisas com slogans chamativos que o protagonista usava para tentar disfarçar o que era realmente. Como pode um integrante de uma facção criminosa vestir camisas que pregavam a paz mundial, a aversão à violência e fazendo apologia ao amor e dignidade, se o lema de seu grupo de bandidos era “Vitória na Guerra”? Como podia exaltar a sua opinião contrária à corrupção e às drogas, se trabalhava para uma equipe de contrabandistas? A TV Globo produziu 12 modelos diferentes de camisas para o personagem. As mensagens foram criadas pela figurinista Marie Salles e sua equipe e as frases apresentadas refletiam o oposto do que o vilão realmente era. Os modelos foram se repetindo durante o desenrolar dos capítulos e, na maioria das vezes, em momentos nos quais as situações narradas nas cenas mostravam as contradições entre os posicionamentos de crueldade de Romero e a propaganda enganosa observada nas estampas. As t-shirts que viraram a marca de estilo de Romero trazem como arte frases de efeito, que segundo Marie, a escolha desse estilo do personagem foi proposital: “Os dizeres das camisetas do Romero são bem irônicos porque, na realidade, as ações dele são opostas às

3 Fonte: http://otvfoco.com.br/joao-emanuel-carneiro-conta-como-surgiu-a-ideia-de-escrever-a-regra-do-jogo-e- fala-sobre-a-novela/#ixzz3tenkVcMS

frases"4. O caráter irônico apontado por Marie pôde ser observado em todas as peças vestidas pelo vilão. Essa dualidade de caráter observada a partir do efeito contraditório na personalidade de Romero está refletida nas camisas que são usadas como disfarce de bonzinho em situações onde o mesmo realiza suas maldades. Vestindo a camisa que traz como estampa a expressão “amor” (Figura 1), ele tenta estragar o relacionamento de Tóia e Juliano e com o intuito de conquistá-la se apresenta como um rapaz cheio de boas intenções. Exibe a palavra “impossible” (Figura 2), cortando o prefixo “im” e dando duas possibilidades de interpretação. Pensando na hipótese de ser ou não ser, bom ou mal, esta palavra dialoga com a dupla personalidade de Romero. Desfila com o lema “Todos merecemos uma segunda chance” (Figura 3) e com este traje encena um episódio no qual aparece com uma arma apontada para a cabeça de seu pai adotivo. Outra opção mostra a frase “Igualdade, Liberdade e Dignidade” (Figura 4), mas em contrapartida desrespeita a própria mãe e todos que cruzam seu caminho, sem o menor remorso. O vilão ainda faz apologia aos direitos humanos (Figura 05), mesmo se comportando de forma desumana, na maior parte do tempo. Trajando o slogan “Fumar Mata” (Figura 6), se contradiz mais uma vez em uma cena onde aparece fumando e joga o cigarro fora ao perceber a presença de sua outra pretendente, Atena (Giovanna Antonelli). Romero se posiciona contra a corrupção (Figura 7), a favor da paz mundial (Figura 8), da paz no trânsito (Figura 9), da proteção aos animais (Figura 10) e repudia a violência (Figura 12). Observamos que tudo isso é feito com o intuito de disfarçar seu envolvimento com o crime organizado, seu convívio com pessoas corruptas, violentas e integrantes de uma facção criminosa. Para finalizar, escolhemos o lema que traz um ponto de interrogação (Figura 11), que pode representar muitas coisas, inclusive uma incógnita sobre a verdadeira personalidade do personagem. As estampas são feitas, na maioria das vezes, com as frases em caixa alta e traz tons distintos, mas predomina a combinação do vermelho com as cores preto, amarelo, branco e laranja, sobre as camisetas brancas. A escolha dos tons, a disposição das frases e o uso das

4 http://gshow.globo.com/Estilo/noticia/2015/10/alexandre-nero-usa-camisas-com-frases-de-efeito-em-regra-do- jogo-e-faz-sucesso-na-web.html

letras maiúsculas dão destaque ao que está escrito. Os 12 modelos criados para compor o figurino do personagem seguem ordenados abaixo5.

Figura 1 Figura 2

Figura 3 Figura 4

Figura 5 Figura 6

5Fotos: http://gshow.globo.com/Estilo/noticia/2015/10/alexandre-nero-usa-camisas-com-frases-de-efeito-em- regra-do-jogo-e-faz-sucesso-na-web.html

Figura 7 Figura 8

Figura 9 Figura 10

Figura 11 Figura 12

4 O que desperta o riso em Romero?

O riso é um fenômeno social e cultural estudado por diversos autores ao longo da existência humana. Desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e Moderna, até os dias atuais diversos teóricos ainda se dedicam aos estudos sobre esse elemento que se encontra atrelado à nossa vivência em sociedade. Definir esse fenômeno talvez seja uma tarefa penosa, devido ao seu caráter ambivalente. Mesmo assim, vários estudiosos mergulharam em sua complexidade para entender melhor suas origens, significados e manifestações dentro da sociedade. Bem quisto por alguns autores, mal quisto por outros, ora ligado ao sagrado ou ao profano, seus mistérios continuam sendo objetos de estudo. De acordo com Bergson, o riso é um fenômeno social e humano e uma maneira de lidarmos com a desordem da sociedade. Rir é uma característica natural e espontânea de todos os indivíduos. Ele diz que “o riso é simplesmente o efeito de um mecanismo montado em nós pela natureza, ou, o que vem a ser quase a mesma coisa, por um prolongado hábito da vida social” (2001, p.93).

O riso deve ser alguma coisa desse tipo, uma espécie de gesto social. Pelo medo que inspira, o riso reprime as excentricidades, mantém constantemente vigilantes e em contato recíproco certas atividades de ordem acessória que correriam o risco de isolar-se e adormecer; flexibiliza enfim tudo o que pode restar de rigidez mecânica na superfície do corpo social. (Bergson, 2001, p.15)

Para Freud, o riso também é um ato social e um mecanismo psíquico de defesa, onde o ser humano busca uma forma de sentir prazer. Minois explica o riso em Freud:

O principal obstáculo a um efeito cômico é a existência de um afeto pe- noso: dor ou qualquer mal, psíquico ou moral. [...] O humor impede o desencadeamento do afeto penoso, permite-nos economizar um desgaste afetivo, e é nisso que reside o prazer que ele propicia. [...] Nosso humor cotidiano, na maior parte das vezes, é desse tipo: ele nos economiza a cólera. (2003, p.526)

Logo, Freud analisa o riso como resultado da vitória do eu, que consegue se impor diante das vicissitudes da existência. É preciso rir para enfrentar as situações de instabilidades impostas pela vida em todos os momentos. Mais uma vez, as palavras de Minois sobre o risível em Freud: O humor é, assim, um processo de defesa que impede a eclosão do desprazer. Ao contrário do processo de recalque, ele não procura subtrair da consciência o elemento penoso, mas transforma em prazer a energia já acumulada para enfrentar a dor. (2003, p.526-7)

Os autores BREMMER e ROODENBURG, no livro “Uma história cultural do humor” evidenciam que:

Entendemos o humor como qualquer mensagem – expressa por atos, palavras, escritos, imagens ou músicas – cuja intenção é a de provocar o riso ou um sorriso. (...) embora o humor deva provocar o riso, nem todo riso é fruto do humor. (2000, p.13)

O filósofo francês Lipovetsky caracteriza a pós-modernidade como a “sociedade humorística”, em que tudo dá espaço a brincadeiras, tornando o riso e a descontração quase que obrigatoriedades. Ele defende que:

Nosso tempo não detém o monopólio do cômico e está muito longe disso. [...]. Mas se cada cultura desenvolve de maneira preponderante um esquema cômico, apenas a sociedade pós-moderna pode ser classificada de humorística, apenas ela se instituiu globalmente sob a égide de um processo que tende a dissolver a oposição, até agora estrita, entre o sério e o não-sério; a exemplo de outras grandes divisões, a divisão entre o cômico e o cerimonioso se dilui, beneficiando um clima largamente humorístico. (2005, p. 112)

Georges Minois comenta que o riso aparece, na história cristã, quando o pecado original é cometido e, consequentemente, tudo se desequilibra. Assim, o riso é, também aqui, fruto de uma oposição profunda: entre o que de fato somos e o que almejamos ser.

O riso é ligado à imperfeição, à corrupção, ao fato de que as criaturas sejam decaídas, que não coincidam com o seu modelo, com sua essência ideal. É esse hiato entre a existência e a essência que provoca o riso, essa defasagem permanente entre o que somos e o que deveríamos ser. O riso brota quando vemos esse buraco intransponível, aberto sobre o nada e quando tomamos consciência dele. É a desforra do diabo, que revela ao homem que ele não é nada, que não deve seu ser a si mesmo, que é dependente e que não pode nada, que é grotesco em um universo grotesco. (2003, p.112)

A partir da reflexão de Minois de que rimos de tudo aquilo que foge a um padrão, a um pré-conceito de senso comum social podemos dizer que o autor questiona a essência e a aparência como um determinante para situações risíveis. Acreditamos que o nosso personagem em questão se encaixe nesta categoria, ao pensarmos nele como um homem que vive de aparências, disfarçando sua verdadeira essência por meio de uma máscara social.

Bergson também diserta sobre o riso assinalando-o como uma espécie de força repressora de quaisquer condutas não previstas pela “ordem”. Dito de outra forma, tudo o que não é julgado normal, convencional, seria corrigido por meio do riso: “Assim se explica que a comicidade seja muitas vezes relativa aos costumes, às ideias — sejamos francos, aos preconceitos de uma sociedade”. (2001, p. 67)

Apesar de se comportar como o vilão da história, digamos que em seu papel, Romero não seja um personagem cômico, a ponto de provocar o riso instantâneo, mas, mesmo assim acaba sendo risível em algumas circunstâncias. De acordo com o autor da trama, alguns personagens já foram criados para despertar o humor instantâneo e outros foram trabalhados por meio de um humorismo mais integrado, o que acreditamos ser o perfil do Romero.

“A novela tem muito humor, e tentei fazer isso de forma mais integrada, sem ter um núcleo específico de humor. Atena, por exemplo, tem muito humor. Mas eu e Amora (Mautner, diretora de núcleo) não queremos uma comédia atuada, tentamos fazer algo mais orgânico.” 6 (CARNEIRO)

É exatamente o que o faz digno de se rir que buscamos descobrir nesse trabalho. Desvendar o riso embutido de alguma forma ou incitado por alguma situação é nosso ponto de partida. Pensando desta forma podemos analisar quais categorias do riso estão presentes no personagem, a ponto de torná-lo risível, de acordo com os tipos de comicidade existentes. Dentre as expressões do riso citamos sardônico, festivo, irônico, cômico, satírico, paródico, burlesco, grotesco, humorístico, cínico e o deboche. De acordo com as definições de cada uma, acreditamos que a ironia, a comicidade, a sátira, o humorismo, o cinismo e o deboche são fatores que induzem ao risível em nosso objeto de estudo.

O personagem desperta o riso nos telespectadores pelo seu caráter irônico, uma vez que, ocorre uma inversão de sentidos em relação à sua aparência e essência a partir do contraste criado pela seu disfarce estampado no que ele veste. A indignação ao observarmos seu comportamento contraditório como pessoa leva ao deboche, onde ocorre o ato de menosprezar as atitudes consideradas erradas e fora do padrão social de cada telespectador.

A sátira aparece como um riso crítico que ataca e ridiculariza os costumes, as injustiças sociais, quando entendemos o personagem como um indivíduo que escandaliza e desafia convenções sociais. Ao demonstrar descaso pelas convenções e desprezo pela moral, seu descaramento e suas atitudes que infringem ao pudor apontam para o cinismo que ele transmite. A principal característica dessa inversão de valores é o riso imediato que critica uma concepção de mundo através da sátira e da ironia, tendo em vista também, seu cinismo e seu posicionamento debochado perante as convenções sociais.

6 http://oglobo.globo.com/cultura/revista-da-tv/autor-de-regra-do-jogo-joao-emanuel-carneiro-define-vila-de- giovanna-antonelli-como-apaixonante-pode-ser-redimida-17342436#ixzz3temVqlvU

Torna-se cômico porque a inferioridade existente entre o mesmo e as situações que encena desperta em quem o assiste um riso de punição ao seu caráter. Luigi Pirandello (1908/1996), em seu livro “O Humorismo” chama de cômico o riso que nasce da ‘”percepção do contrário” (2006, p.72), a partir da diferença entre o que se pensa e espera e o que se vê. O autor define a comédia como o riso fácil, imediato e despreocupado diante do diferente. Humberto Eco cita um exemplo clássico de Pirandello que fala desse contraste entre o contraditório e a realidade.

Pirandello dá o exemplo de uma velha, já decadente, que se cobre de cosméticos, se veste como uma mocinha e tinge os cabelos. Ele diz: “Intuo que aquela velha senhora é o contrário daquilo que uma velha senhora respeitável deveria ser.” Eis o incidente, a ruptura das expectativas normais, o senso de superioridade com o qual eu (que compreendo o erro do outro) rio. (2006, p.73)

Por outro lado, Prirandello afirma que, diferente do cômico, o humor é o riso ambíguo que antecede a reflexão gerada por uma quebra da expectativa.

O humorismo consiste no sentimento do contrário, provocado pela especial atividade de reflexão em que não se esconde, como geralmente na arte, uma forma de sentimento, mas o seu contrário, mesmo seguindo passo a passo o sentimento, como a sombra segue o corpo (PIRANDELLO, 1908/1996, pág. 170).

Dessa forma, o perfil humorístico de Romero pode ser observado a partir do momento em que é abolida a distância entre quem ri e o objeto do riso. Se num primeiro instante o ridente se julgava superior ao seu objeto, ao se distanciar ocorre uma aproximação entre ambos. O sujeito começa a observar que, as imperfeições que ele critica no objeto tem a ver com as suas deficiências individuais. Nas palavras de Baudelaire (1998):

A força do riso está em quem ri e não no objeto do riso. Nada é cômico em si mesmo. É a intenção maldosa do ridente que vê o cômico; aquele que ri não é o homem que cai, a não ser que este tenha adquirido a força de se desdobrar rapidamente e assistir como espectador desinteressado aos fenômenos de seu eu. Mas isso é raro. (Baudelaire, apud Minois, 2003, p.534)

5 Conclusão

Com este estudo dos slogans das camisas de Romero Rômulo pretendíamos verificar elementos que tornasse o personagem risível de alguma forma, tendo como fator principal seu lado vilão, expresso em suas atitudes na trama “A Regra do Jogo” e sua face de bonzinho e herói subentendida nas frases de efeito estampadas em seu figurino.

Constatamos que Romero não é digno de riso à primeira vista, mas se observarmos sua dualidade de caráter e, até mesmo, sua dupla personalidade podemos sim dizer que ele desperta o riso. Esta afirmação se dá a partir da observância de algumas categorias do riso presentes no personagem, como a ironia, a comicidade, a sátira, o humorismo, o cinismo e o deboche.

A observação destes slogans nos leva a crer que suas atitudes de vilania e maldade, não condizem com o que o mesmo prega em seu disfarce, induzindo-o ao risível pelo contraditório entre suas ações e sua camuflagem. Suas máscaras seriam suas camisetas que pregam filosofias de vida que não são seguidas por ele à risca. A partir do momento em que o espectador consegue separar a capa e o conteúdo de Romero, o humor é instaurado.

Acreditamos que o riso é sim uma manifestação social e cultural e que nosso objeto de estudo tenha sido alcançado pelo fato de nossa sociedade ser inseparável dele, independente da narrativa estudada. Aqui, trabalhamos com a teledramaturgia, mas o riso está presente no dia a dia de todos os indivíduos e ainda existem muitas possibilidades de estudo sobre ele.

Referências

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BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1971.

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BREMMER, Jan e ROODENBURG, Herman (Org.). Uma história cultural do humor. Organizado por Jean Bremmer e Herman Roodenburg; Tradução de Cynthia Azevedo e Paulo Soares. Rio de Janeiro: Record, 2000.

CARNEIRO, João Emanuel Acesso em: 16 dez. 2015.

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D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do Texto I: Prolegômenos e teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1995.

ECO, Humberto. Entre a mentira e a ironia. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2006.

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LIPOVETSKY, Guilles. A sociedade humorística. In: . A era do vazio. Tradução de Therezinha Monteiro Deutsch. Barueri (SP): Manole, 2005.

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MOREIRA, Lúcia C. M. de Miranda. Invenção de Orfeu – uma teoria poética para a linguagem poética. Tese (Doutorado em Letras). FCL-Assis, UNESP, 2002.

PIRANDELLO, Luigi. O Humorismo. São Paulo: Experimento, 1996 (Originalmente publicado em 1908).