JENARO MARINHAS DEL VALLE Isaac Alonso Estraviz 1.­ O HOMEM. Jenaro Marinhas del Valle nasce o 25 de novembro de 1908 na Coruña e morre o 23 de dezembro de 1999. Foi tesoureiro das . Estudou bacharelato na cidade natal e iniciou os estudos de Filosofia na Universidade de . Abandonou estes fez os de Empresariais. Terminada a sua formação exerceu toda a sua vida como contabulista. Tanto seu pai como ele se criaram num ambiente cultural, comprometidos ambos com a cultura e a literatura. Seu pai era já galeguista antes da fundação das Irmandades. Relacionava­se com todas as personagens da cutura corunhesa e o filho nasce e cresce nesse ambiente cultural e galeguista. A cidade da Corunha era naquela altura um fervedoiro de cultura e de inquietações galeguistas, farol e guia de um renascimento em todos os sentidos da palavra. Vilar Ponte cria as primeiras Irmandades da Fala, gérmen do futuro Partido Galeguista. A ela acudiam de todas as partes pessoas como Otero Pedraio, Castelao, etcétera, para aprender e ensinar. Por iniciativa dos emigrantes de Cuba é nela onde se acaba de criar a Academia Galega com as perspetivas de lhe dar à nossa língua e cultura projeções internacionais. Lá estavam A NOSSA TERRA, LAR, e depois foi para ela NÓS fundada em por . O nosso protagonista via deambular polas ruas da Corunha, entre outros, a Manuel Murguia, , Emília Pardo Bazán, Francisco Tettamancy Gaston, Eugénio Carré Aldao, Eugénio e Lenadro Carré Alvarelhos, Manuel Lugris Freire, César e Florêncio Vaamonde Lores, Eládio Rodríguez Gonçalez, Antão e Ramão Vilar Ponte, Manuel Banet Fontenla, João Vicente Biqueira, Alfredo e Arturo Somoça, Ângelo del Castilho, Urbano Lugris, Emílio Pita, , Cebreiro e tantos e tantos pró­homens do galeguismo. Foi cofundador e presidente da Mocidade Galeguista da Corunha. Ele, como Otero Pedraio, Ben­Cho­Shey, Isaac Díaz Pardo, e outros muitos, estavam por cima de tudo, alheios a ideias fechadas e partidistas. Nas suas amizades o único que se tinha em conta era se amavam Galiza e demonstravam interesse pola sua cultura e sua língua. Este era o bilhete de identidade das pessoas com as quais se relacionavam. Resulta interessantíssimo o que lhes vai contando a Rabunhal Corgo e José Monterroso Devesa na entrevista que lhe fizeram publicada na Agália ( nº 18) (1). Diz­nos, falando da Irmandade: “... a Irmandade gozou de vida próspera porque ali coincidiam todos quantos alimentavam um sentimento galeguista, qualquer que fosse o seu ideário político, social ou religioso (2). Um bocado mais para à frente: “... para formar parte da Irmandade não se exigia mais que galeguismo e em todo o demais cada quem tinha liberdade de aderir ao que quigesse, sempre que não contrariasse a essência galeguista” (3). A língua era para ele essencial. Não concebe um galeguismo falando outra língua que não seja a galega: “Eu não admito que possa haver galeguismo com o espanhol como língua, da mesma maneira que o espanholismo não admite outra língua que a castelhana e se diz admitir o catalão, o basco e o galego como línguas espanholas é de boca para fora, enquanto pode eleminá­las não deixa de fazê­lo” (4). Marinhas foi um patriota integral. O seu nacionalismo está presente em tudo: quando fala, quando escreve, quando pensa. É sempre autêntico: “Teatro e nacionalismo marcham colhidos da mão, juntos se elevam e somem­ se juntos. Claro que não falo aqui de nacionalismo meramente político, mas de nacionalismo integral e popular” (5). É integral quando escreve. Queixa­se de que lhe mudaram a grafia e vocábulos no texto de entrada na Academia. E falando dos académicos e da Academia chega a afirmar: “Entre os académicos impera o critério tão anti­académico de que o melhor galego é o falado polos mais incultos” (5) “Os clássicos portugueses foram os mestres que me lecionaram para escrever em galego, quem os leia com atenção comprovará que são menos lusos que galegos. Camões é um poeta tão galego como pode sê­lo Anhão, Curros ou Rosalia (6). Nomeado membro numerário da Real Academia Galega no 1978, em 1990 —depois da morte de Ricardo Carvalho Calero, com quem lhe unia uma grande amizade­ renuncia à cadeira que ocupava por disconformidade com o rumo da instituição. “Não se me oculta que aderir ao reintegracionismo contribui a encontrar­se com muitas portas fechadas, mas não tenciono aldrabar a nenhuma e como nunca pretendi alcançar sinecura de Poderes Públicos nem subsídio de condesa ricalhoa, sou livre e escrevo a ditado exclusivo do integral nacinalismo galego que professo (7). Ninguém que tenha tratado a Jenaro Marinhas duvida que fosse um patriota integral. Quem o sintetizou muito bem e que eu assumo plenamente, foi Joel R. Gomes na homenagem que a AGAL lhe fez o 19 de junho de 1992, publicado no número 32 de AGÁLIA do mesmo ano. Diz o amigo Joel: “Porque Jenaro Marinhas demonstra ser um homem comprometido com a literatura, arte na qual trabalhou nos seus diferentes campos até nos dar a conhecer poesia, teatro, narrativa e ensaio/investigação. Uma trintena de obras às quais se devem somar duas novelas e outra produção, esperemos por pouco tempo: comprometido com o teatro, como o demonstra o córpus constituído pola sua obra de criação dramática e investigação em redor do mundo da dramaturgia, para além de publicar um teatro adaptado às necessidades da realidade dos grupos; comprometido com a língua, pois só em galego estão os seus contributos; e comprometido com o país, como demonstrou sobejamente na sua função e presença pessoal e artística (8). Linguisticamente optou para o galego por uma ortografia própria de toda língua românica e não perdeu o tempo em dedicar­se a desfigurar palavras ou pôr­lhes um aqui e outro acolá. Lexicalmente procurou empregar um galego culto, nobre, sem renunciar às raízes vernáculas. E foi ainda mais alá dedicando­se à brincadeira de inventar, a partir de prefixos e sufixos próprios da língua, novos vocábulos, a maioria muito acertadamente. Jenaro Marinhas homem bom e generoso, culto, alegre, social, tolerante, apaixonado pola sua pátria e pola sua cultura, respeitoso de todos e amigo leal dos amigos, é um modelo a imitar por todos nós. 2.­ A OBRA Como acabamos de ver, Jenaro Marinhas é um leitor apaixonado dos clássicos portugueses, leitura que se vai notar na sua obra literária. Como autor teatral, entregou a Ângelo Casal uma peça teatral que se perdeu ao ser assassinado o editor. O seu discurso de entrada na Academia versa sobre A importancia do público na revelación teatral. Publica em 1965 A revolta e outras farsas e Ramo Cativo em 1990. Em poesia Lembrando a Manuel António (1979) e em narrativa A vida escura (1987), reeditada pola mesma editora em 2009. Obra dramática completa, Espiral maior 2006; Amarga memória, Espiral maior 2008. INVENÇÃO DO MAR Esta obra foi editada pola AGLP (Academia Galega da Língua Portuguesa) com um Prefácio de Pablo G. Mariñas e um Epílogo de António Gil Hernández no 2014. “Há de ler­se esta magna obra integrando­a no contexto da cultura e da língua galego­portuguesa, que ele viveu desde criança, como tronco comum duma linhagem e como lar de amor e liberdade. A minha Pátria –gostava dizer, parafraseando a Pessoa­ é a língua galego­portuguesa, a “ilha extraviada que buscamos”, diz Pablo G. Mariñas na introdução desta edição” (9). Foi “transcrita por ele na década de 1980 para galego reintegrado na denominada norma AGAL” (10). O título radica no canto terceiro d’Os Lusíadas. A obra consta de 88 sonetos decassílabos, a maioria em rima clássica (ABBA). O Ofertório, contudo, é um soneto de versos brancos, sem rima, cuja intenção, manifesta, persegue não sacrificar à forma o conteúdo. Jenaro Marinhas grande dramaturgo, era ante todo poeta. Aqui cita a Gama e Magalhães. Nesste livro segue a linha marcada por Os Lusíadas, que também seguira no seu dia Pondal n’Os Eoas. Nele, além de Camões e Pondal, Jenaro tem presente António Nobre, Antero de Quental, Gil Vicente, Afonso o Sábio, Eça de Queiroz, Jorge de Lima, Pessoa e Teixeira de Pascoaes, que tanto influi nos homens da Geração Nós. Começa com uma epígrafe de Camões: Antes querem ao mar aventurar­se que nas naus inimigas entregar­se (p. 33) Antes do soneto 9 cita um poema de Francisco Sá de Miranda Os que mais sabem do mar fogem de ouvir as sereias (do poema “Cerra a serpente os ouvidos”(p.49), que continua ele com três versos. No soneto 19, v. 5, copia de Camões a expressão “sórdidos galegos” (p. 61) Antes do soneto 24 outra epígrafe: Hei de fazer parte do Mar! (de António Nobre, Só, poema António, que explica com três versos seus (p.67). Cita­o novamente no soneto 25, no qual compara as suas vidas: Que desgraça nascer em Portugal | clamou Anto no seu dessassego |maior desgraça, António, é ser galego” (p.70). No soneto 26 emprega uma expressão tomada do escritor portuense Alberto D’Oliveira: “que aldraba em alcantis de Índia imprevista” (p.71). No soneto 29, p. 74, cita os dous mais importantes navegantes portugueses: “Se não é mar de Magalhães e Gama”... Antes do poema 31 coloca a epígrafe: “As margens | e o rio, somos nós.| Quem nos leva à foz? |...... |somos onde vamos | nós nos tripulamos” Tomados do poema “Arras” do poemário Breve história do mundo, p. 129, de Carlos Nejar (Luís Carlos Verzone Nejar, Porto Alegre, 1939. Eu tomo­o do Epílogo de António Gil Hernández. Antes do soneto 46, outra epígrafe esta vez de Afonso O Sábio: Ca mais me pago do mar |que de ser cavaleiro | ca eu fui já marinheiro Cantiga de escarnho) p. 95. No soneto 56 cita novamente a Eça e Camões (p. 107) como salvadores do galego. Antes do soneto 59 coloca outra epígrafe, desta vez do poema “Ângulo” do poemário Indícios de Oiro (1937), de Mário de Sá Carneiro: Aonde irei neste sem­fim perdido | Neste mar oco de certezas mortas? (p. 111). Antes do soneto 72 coloca uma epígrafe de Pessoa: Que costa é que as ondas contam | e se não pode encontrar | por mais naus que haja no mar? Tomado de “Calma”, terceiro poema de Os tempos (p. 127). A epígrafe anterior ao soneto 83 é do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente: “­Ó da barca! | ­Que me queres? | ­Quereis­ me passar além | ­quem eres tu? | ­.não sou ninguém” (p. 141) Como acabamos de ver, Jenaro Marinhas não estava só intimamente familiarizado com os clássicos portugueses, senão que monstra uma capacidade de os fazer seus e ampliá­los à sua vontade. BIBLIOGRAFIA (1) Henrique Manuel Rabunhal Corgo e José Mª Monterroso Devesa: “Jenaro Marinhas del Valle: Testemunha de uma lealdade”, in Agália, nº 18, p. 204. (2) Ib. p. 205.

(3) Ib. p. 209.

(4) Ib. p. 210.

(5) Ib. p. 211.

(6) Ib. p. 230.

(7) Ib. p. 231.

(8) Joel R. Rodrigues “Umha leitura do teatro de Jenaro Mariñas del Valle” in Agália, nº 32, pp. 484­485.

(9) Pablo G. Mariñas, “À maneira de apresentação” in Invenção do mar p. 19.

(10) Ib. p. 19.

Amarante, 2 de maio de 2015