Vol. 17, nº 3, setembro-dezembro 2015 ISSN 1518-2487

A produção cinematográfica brasileira (1995-2014) e o atual modelo de políticas públicas para o cinema nacional

La producción de cine en Brasil (1995-2014) e el modelo actual de políticas públicas para el cine nacional

The brazilian film production (1995-2014) and the current model of public policy for the national cinema

Danielle dos Santos Borges Jornalista formada pela Universidade do Estado do (2000), mestre em Ciências da Comunicação pela Universitat Autonoma de Barcelona (2007), com dissertação sobre a indústria cinematográfica brasilei- ra. Atualmente, é doutoranda da mesma universida- de, desenvolvendo como tese uma análise das políticas de cinema no Brasil. Desde maio de 2014, trabalha na Agência Nacional do Cinema (Ancine) como Técnica em Regulação do Audiovisual na Superintendência de Análise de Mercado. Contato: [email protected]

Artigo recebido em: 14/07/2014 e aprovado em 30/08/2015.

178 Resumo Este artigo avalia a evolução da produção cinematográfica brasileira a partir de 1995 – quando as primeiras ações governamentais em direção ao atual modelo de política pública para o setor começaram a provocar efeitos – até 2014, para gerar dados por meio dos quais seja possível avaliar o impacto e a validade dessas políticas. O traba- lho constata que a falta de medidas que atuem na concentração da produção e na formação de público pode estar colaborando para a criação de um setor produtivo dependente, além de não levarem em conta as questões sociais envolvidas no ato de ver um filme. Palavras-chave: cinema; políticas cinematográficas; produção cinematográfica; audio- visual; economia política.

Resumen Este artículo analiza la evolución de la producción brasileña cinemato- gráfica desde 1995 - cuando las primeras acciones gubernamentales hacia el modelo actual de política pública para el sector empezaron a causar efectos - hasta 2014, para generar datos por los cuales se pueda evaluar el impacto y la validez de estas políticas. El documento señala que la falta de medidas que actúen en la concentración pro- ductiva y en la formación de público puede estar contribuyendo a la creación de un sector productivo dependiente, aparte de no tomar en cuenta las cuestiones sociales que participan en el acto de ver una película. Palabras-clave: cine; políticas de cine; producción de películas; audiovisual; economía política.

Abstract This article assesses the evolution of the Brazilian film production from 1995 - when the first government actions toward the current model of public policy for the sector have began to cause effects – until 2014, to generate data by which we can evaluate the impact and the validity of these policies. The paper notes that the lack of measures that act in the concentration of production and in the public formation may be contributing to the creation of a dependent productive sector, and does not take into account the social issues involved in the act of watching a movie. Keywords: cinema; film policies; film production; audiovisual; Political Economy.

179 Introdução

O setor audiovisual desempenha um papel de vital importância nos âmbitos cultural e social de cada comunidade. Seu desenvolvimento é fundamental na construção de uma identidade cultural e na expressão de uma cidadania já que, por meio dos seus canais - como a televisão, o vídeo e o cinema – uma so- ciedade pode se ver representada. Nesse sentido, o cinema tem protagonismo especial por se tratar do produto audiovisual de maior alcance internacional e o responsável pelos maiores rendimentos dos conglomerados de mídia que dominam o setor em âmbito internacional.

Por conta da hegemonia internacional da indústria cinematográfica america- na desde os anos 50, vários governos nacionais adotaram medidas de proteção e fomento às suas indústrias locais de cinema numa tentativa de fortalecê-las em oposição ao competidor estrangeiro. No Brasil, o atual modelo começou a tomar forma na década de 90, durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello, em 1991, com a aprovação da Lei 8.313, conhecida como Lei Rouanet, uma ferramenta para que empresas ou pessoas físicas financiassem projetos culturais de um modo geral, incluindo os audiovisuais (SIMIS, 1998, p. 96).

A partir de então, outras leis de âmbito nacional foram criadas com o objetivo de ampliar e aprimorar tais políticas, como a Lei do Audiovisual (8.685), em 1993, que estimula o investimento privado na produção de filmes nacionais por meio de um modelo de renúncia fiscal; anos mais tarde, a Medida Provi- sória 2.228-01/2001, criando a Agência Nacional do Cinema (Ancine); e, mais recentemente, as leis 11.437/06, que alocou recursos da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), cujos recursos são aplicados em progra- mas e projetos especiais de fomento voltados para o desenvolvimento das ati- vidades cinematográficas e audiovisuais; e a 12.485/11, que estabeleceu cotas de produção audiovisual nacional e independente para determinados canais de TV a cabo.

1-Em alguns casos e para al- Nesse contexto, este trabalho traça um panorama da produção cinematográ- guns dados, o ano final será 2012 ou 2013 por conta da di- fica brasileira a partir de 1995, quando as primeiras ações governamentais em vulgação de dados da Ancine direção ao atual modelo de políticas públicas começaram a provocar efeitos, até os dias atuais1. O artigo faz uma análise qualitativa-descritiva da produção de cinema no Brasil com o objetivo de gerar dados por meio dos quais seja possível avaliar o impacto e a validade das políticas aplicadas ao setor, apre- sentando resultados parciais de pesquisa de doutorado em andamento sobre o tema.

180 É importante destacar que, apesar deste artigo envolver uma série de dados

2- Objetivos listados no quantitativos, o estudo pretende apenas utilizá-los para embasar uma análise Mapa Estratégico da An- mais teórica e complexa sobre o atual modelo de políticas públicas para o cinema cine, disponível em http:// estabelecidas no Brasil. O ponto mais relevante nesse sentido é mudar a direção ancine.gov.br/sites/de- fault/files/mapaEstrategi- do olhar da pesquisa e, além de analisar os resultados alcançados pelo conjunto co/index.html. Acesso em das medidas adotadas, focar também – e principalmente – nos objetivos e dire- 13 Jul 2015. trizes determinados por elas. Será que estimulando a produção nacional e au- mentando o número de salas de exibição iremos, de fato, garantir a diversidade cultural ou a presença de obras brasileiras em todos os segmentos de mercado2 ? Além disso, são esses objetivos e diretrizes legítimos de uma política pública para o cinema?

Para Mosco (2009), são três os processos que formam os pontos de partida para uma Economia Política da Comunicação, disciplina que sustenta essa análise: comodificação (do inglês comodification), espacialização e estruturação. Todos eles presentes na indústria de cinema. Comodificação é o processo de transfor- mar coisas valorizadas pelo seu uso em produtos comercializáveis que valem pelo que eles trazem em troca (valor de uso pelo valor de troca), como converter uma história contada entre amigos em um filme. Espacialização é o processo de superação dos obstáculos geográficos com o uso dos meios de comunicação em massa e das tecnologias da comunicação, entre outros meios (a expansão mun- dial dos negócios das majors cinematográficas facilitada pelos computadores e pela Internet). Por fim, estruturação é o processo de criação de relações sociais, principalmente aquelas organizadas em torno das classes sociais, do gênero e da raça. Por exemplo, a Economia Política descreve como o acesso à mídia e às novas tecnologias da comunicação é influenciado pelas desigualdades de renda e de riqueza, que permite que alguns tenham acesso a elas enquanto outros sejam deixados de fora (MOSCO, 2009, p.2).

Nesse sentido, este texto, e o trabalho como um todo (a tese de doutorado em andamento), insiste na inclusão das relações sociais e de poder nos estu- dos de mídia e de comunicação, incluindo o cinema, assim como a assunção de um compromisso com a prática, combinando pesquisa e ação com o intuito de transformar socialmente, avançar de fato para uma sociedade mais democrá- tica (MOSCO, 2009, p.7). Pensar as políticas de apoio ao cinema devem incluir, então, pensar a sociedade como um todo, sua história e suas relações, e não somente criar mecanismos de fomento a um segmento específico dela.

A Produção Cinematográfica de 1995 a 2014

3- FilmeB - Database Brasil 2000. Com o dobro de produções nacionais estreadas nas salas de cinema brasileiras em relação ao ano anterior (14 em total, enquanto que, em 1994, foram sete)3 , 1995 é considerado o primeiro ano do período da retomada do cinema brasi- 181 leiro. O Plano Real já estava em vigor há um ano e, com a economia mais está- vel, os filmes brasileiros, produzidos com o apoio da Lei do Audiovisual e da Lei Rouanet começavam a chegar às telas de cinema.

Os dois títulos nacionais que foram destaque em 1995, com audiência de mais de um milhão de espectadores (número que não se alcançava desde 1991), fo- ram Carlota Joaquina (Elimar Produções) e O Quatrilho (LCBarreto Produções). Em termos comparativos, para que se tenha uma ideia do que representavam esses índices de público para o cinema nacional, no ano anterior, a produção nacional de maior público tinha sido Lamarca (Lagoa Cultural e Esportiva Ltda), com apenas 123.623 espectadores. O total de público para filmes nacionais, de 1994 a 1995, tinha subido de 292,2 mil para 3,12 milhões, o que representava um market share de 3,67% em relação ao público total. Um ano antes, o market share de público para o cinema nacional havia sido de 0,4% (Filme B – Database Brasil 2000).

O filme O Quatrilho, segundo lugar nacional em público de 1995, com 1,11 mi- lhões de espectadores, foi um dos responsáveis pela reconquista da audiência nacional, em consequência da publicidade que teve por receber a indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Além disso, foi o primeiro longa-metragem produzido no Brasil com recursos da Lei do Audiovisual (site oficial da produtora: 4- Ancine – Observatório http://lcbarreto.com.br), o que comprova a afirmação de que o aumento da produ- Brasileiro do Cinema e do ção a partir de 1995 tenha sido consequência da criação das leis governamentais Audiovisual (Oca) – Valo- res Captados por Ordem de apoio ao setor audiovisual brasileiro. Seus produtores captaram no mercado Alfabética da Produtora R$ 1,13 milhão para sua realização. Nesse mesmo ano, mais três produções cine- e dos Filmes com Renda e Público matográficas haviam utilizado recursos da Lei do Audiovisual ou da Lei Rouanet: Super Colosso (R$ 595,8 mil), Sábado (R$ 283 mil) e Terra Estrangeira (R$ 180 mil)4

A partir de então, o número de produções nacionais lançadas comercialmente em salas de cinema no Brasil, em crescimento contínuo, passou de 14 para 114 (2014), um aumento de 714,29%, consequência direta da criação de mecanis- mos de apoio à produção no setor, por meio das leis de incentivos fiscais em vigência desde 1991 e do apoio direto a projetos via editais e seleções públicas de natureza seletiva ou automática ou via FSA. O Gráfico 1 permite observar a evolução do número de filmes nacionais lançados no Brasil entre 1995 e 2014

182 Gráfico 1 - Número de filmes lançados no Brasil (1995-2014)

Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Filme B. Database Brasil 2005; Ancine - Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (Oca).

Ao analisar o Gráfico 1, observam-se algumas oscilações significativas na quan- tidade de filmes lançados anualmente, como as que ocorreram de 2005 para 2006, de 2010 para 2011 e de 2012 para 2013. Nesses períodos, percebe-se pelos dados das tabelas A e B abaixo que também houve saltos na quantidade de re- cursos aplicados diretamente ou indiretamente no setor.

Tabela A - Quadro Evolutivo com Valores de Fomento Direto (2003-2012) - Em milhões

Fomento Direto 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 ANCINE Total- Editais 6,90 7,84 6,11 8,50 8,88 9,42 14,50 23,51 37,96 43,15 ANCINE

Foram considerados aqui os seguintes mecanismos de fomento direto da Ancine: os editais de desenvolvimento, produção e finalização, o Prêmio Adicional de Renda, o Prêmio de Qualidade, o programa de Universalização do Acesso e o FSA. Os valores em moeda estrangeira, para soma do total, foram convertidos de acordo com a taxa de câmbio nas datas das transferências bancárias. Fontes: Coordenação de Fomento Direto-CFD/Superintendência de Acompanhamento de Mercado - SAM/ANCINE.

183 Tabela B - Evolução dos montantes de incentivo (1995-2012) - R$

Ano Fomento indireto* Fomento direto** TOTAL 1995 2.189.358,00 - 2.189.358,00 1996 10.171.856,67 - 10.171.856,67 1997 26.042.484,81 - 26.042.484,81 1998 38.983.747,62 - 38.983.747,62 1999 53.310.301,32 - 53.310.301,32 2000 38.430.687,11 - 38.430.687,11 2001 87.079.159,01 - 87.079.159,01 2002 88.357.303,19 - 88.357.303,19 2003 112.984.395,79 6.896.049,00 119.880.444,79 2004 157.426.056,73 7.839.984,00 165.266.040,73 2005 137.052.746,89 6.110.500,00 143.163.246,89 2006 171.992.704,47 8.500.000,00 180.492.704,47 2007 158.244.677,34 8.880.065,00 167.124.742,34 2008 167.671.318,32 9.419.038,24 177.090.356,56 2009 137.480.950,45 14.500.000,00 151.980.950,45 2010 180.695.498,34 23.504.874,86 204.200.373,20 2011 176.857.236,55 37.962.132,90 214.819.369,45 2012 127.166.486,98 43.152.874,08 170.319.361,06

*Foram considerados aqui os mecanismos de fomento indireto possibilitados pelos seguintes dispositivos: na Lei 8.685/93, os artigos 1º, 1º A, 3º e 3º A; na Lei 8.313/91, os artigos 18 e 25; e na MP 2228-1/01, o artigo 39.

** Foram considerados aqui os seguintes programas e fundos de fomento direto: os editais Anci- ne para Desenvolvimento, Produção e Finalização, o Prêmio Adicional de Renda (PAR), o Prêmio de Qualidade (PAQ), o Programa de Universalização do Acesso e o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

Observação: Os valores de fomento indireto de 1995 a 2000 referem-se aos filmes lançados em cada ano. A partir de 2001, são valores globais aprovados para a totalidade dos projetos solicita- dos a cada ano. Em relação ao fomento direto, o ano de referência é aquele correspondente ao ano da chamada pública em que o projeto foi contemplado, com exceção do FSA, que se refere aos valores efetivamente liberados pelo fundo em cada período.

Fontes: Coordenação de Fomento Direto-CFD/Superintendência de Acompanhamento de Mercado - SAM/ANCINE.

De 2005 para 2006, por exemplo, o montante do fomento indireto passou de R$ 137,1 milhões para R$ 172 milhões, enquanto que o direto subiu de R$ 6,1 milhões para R$ 8,5 milhões, o que gerou um acréscimo de 26% no total de incentivos financeiros. Já de 2010 para 2011, o fomento indireto teve uma redu- ção de 2,11% e o direto, por outro lado, subiu 61,7%, provocando uma subida de 5,2% no total de recursos aplicados no setor.

Aqui, é importante lembrar que, como o ano de produção de um filme pode não coincidir com o seu ano de lançamento devido à complexidade de todas as etapas de sua realização, o aumento do número de filmes de 2010 para 2011 pode ter sido mais uma consequência do crescimento na quantidade da ajuda financeira estatal de 2009 para 2010, que subiu de R$ 152 milhões para R$ 204,2 184 milhões, com acréscimos tanto na forma direta quanto na forma indireta de incentivo. Nesse mesmo período, no entanto, a quantidade de filmes lançados caiu de 84 para 74 (Gráfico 1), o que pode comprovar que o acréscimo no mon- tante de recursos subvencionados somente surtiu efeitos no período seguinte. Em 2011, dos 100 filmes brasileiros exibidos em salas de cinema, apenas três não utilizaram suporte financeiro estatal. O mesmo pode ter ocorrido no período 2005/2006, já que o aumento na quantidade de filmes lançados foi maior do que o acréscimo no montante de recursos investidos direta ou indiretamente (54% frente a 26%). O salto no número de lançamentos nesse período pode ter sido ainda uma influência do maior volume de investimentos governamentais na produção entre 2003 e 2004 (38% maior que em 2003 - ver Tabela B).

Para completar, pela análise do Gráfico 2 (abaixo) e da Tabela B, ainda é pos- sível verificar, na produção de filmes no país, a transferência da utilização dos incentivos financeiros indiretos para os diretos. Como se pode observar pelo Gráfico 2, a partir de 2007, a proporção dos títulos lançados em relação aos subvencionados de forma indireta começa a decair até chegar a 58,1% em 2013. No mesmo período, por sua vez, de 2007 a 2012, os montantes investidos dire- tamente no setor sobem de R$ 6,9 milhões para R$ 43,1 milhões (524,6%). Esse aumento foi puxado sobretudo pelos recursos do FSA, fundo criado em 2006 que passou a vigorar em 2008 e é hoje o responsável pelo maior volume de in- vestimentos públicos diretos no setor cinematográfico brasileiro.

Gráfico 2 - Filmes lançados X Filmes incentivados de forma indireta (1995-2013)

Observação: Foram considerados aqui os mecanismos de fomento indireto possibilitados pelos seguintes dispositivos: na Lei 8.685/93, os artigos 1º, 1º A, 3º e 3º A; na Lei 8.313/91, os artigos 18 e 25; e na MP 2228-1/01, o artigo 39.

Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Filme B. Database Brasil 2005; Anci- ne. Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (Oca).

185 De todos os modos, ainda que a dependência da produção em relação aos in- centivos diretos ou indiretos concedidos pelo governo federal desde 1995 oscile ao longo dos anos, os dados demonstram que o crescimento da produção cine- matográfica brasileira desde então está diretamente ligado ao estímulo finan- ceiro estatal, que passou de quase R$ 2,2 milhões em 1995 para mais de R$ 170 milhões em 2012, um acréscimo de mais de 7.000%, considerando os valores totais de fomento direto e indireto. Público

A frequência de público ao cinema nacional, no entanto, não acompanhou o 5- De 1995 a 2014, o cine- ma brasileiro aumentou aumento na produção de filmes brasileiros que foi impulsionado pelas políticas seu market share no país cinematográficas adotadas a partir de 1991. Apesar do market share do título de 3,86% para 12,28%. Ainda que o market sha- nacional ter passado de 3,86%, em 1995, para 12,28%, em 2014, e ter até che- re do público nacional, gado a ultrapassar os 20% em 2003, como se pode observar pela Tabela C (abai- calculado sobre o total xo), o índice ficou bastante instável nos anos analisados, mantendo-se numa de público ao cinema, de- penda da frequência ao média de 11%. Ou seja, enquanto a produção de filmes nacionais em número cinema em cada ano, a de títulos cresceu 714,29%, o market share do cinema nacional subiu 218,13%5 comparação entre 1995 e 2014 pode ser considerada , o que demonstra uma dificuldade de atração de público do filme brasileiro ou real já que o público total, um baixo interesse da audiência nacional ao produto local. O fato é que o au- de 1995 a 2014, teve um mento no número de filmes brasileiros disponíveis claramente não levou a um crescimento de 83,10% (de 85 milhões para 155,6 crescimento relevante de seu público. A seguinte tabela, que mostra a evolução milhões), enquanto que do market share do filme nacional entre 1995 e 2014, mostra o movimento de o público do cinema na- cional cresceu em quase público no período. 516,13% (de 3,1 milhões Tabela C - Público e market share do cinema nacional (1995-2014) para 19,1 milhões). Fontes: Filme B – Database Brasil; Ano Público total Público nacional Market share % Ancine - Observatório Bra- 1995 85.000.000 3.278.508 3,86 sileiro do Cinema e do Au- 1996 62.000.000 1.070.852 1,73 diovisual (Oca). 1997 52.000.000 3.750.913 7,21 1998 70.000.000 4.330.557 6,19 1999 70.000.000 6.092.779 8,70 2000 72.000.000 6.344.669 8,81 2001 75.000.000 7.948.065 10,60 2002 90.865.988 7.170.334 7,89 2003 102.958.314 22.291.806 21,65 2004 114.733.498 15.494.873 13,51 2005 89.761.095 10.178.327 11,34 2006 90.200.000 10.758.146 11,93 2007 87.914.437 9.484.918 10,79 2008 89.109.595 8.617.003 9,67 2009 112.670.935 16.075.429 14,27 2010 134.836.791 25.687.438 19,05 2011 143.208.012 17.689.210 12,35 2012 146.593.494 15.649.980 10,68 2013 149.518.269 27.789.804 18,60 2014 155.572.656 19.059.156 12,28

Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Filme B; Ancine. Observatório Brasi- leiro do Cinema e do Audiovisual (Oca) 186 Essa instabilidade do market share do filme nacional entre 1995 e 2014 pode ser explicada ao se analisar a performance de bilheteria do total de filmes nacio- nais lançados ano a ano. Observando-se a Tabela D abaixo, pode-se constatar que, do total de 1.123 filmes brasileiros lançados comercialmente em salas de exibição entre 1995 e 2014, apenas 66 (5,88%) alcançaram mais de um milhão de espectadores.

Tabela D - Filmes brasileiros com mais de 1 milhão de espectadores (1995-2014)

187 21 E Aí, Comeu?** Felipe Joffily Casé Filmes 2012 2.578.599

Andrew 22 Os Penetras** Conspiração Filmes S/A 2012 2.548.441 Waddington

23 Tropa de Elite* José Padilha Zazen Produções Audiovisuais 2007 2.417.754

Paulo Sérgio 24 P opstar* Almeida e Diler & Associados 2000 2.394.326 T izuka

25 A Mulher Invisível** Cláudio Torres Conspiração Filmes 2009 2.353.646

26 Maria, Mãe do Filho de Deus Moacyr Góes Diler & Associados 2002 2.332.873

Paulo Sérgio 27 2 Almeida e Diler & Associados 2002 2.301.152 Rogério Gomes

Roberto Camisa Listrada - P anorama 28 O Candidato Honesto*** 2014 2.237.537 Santucci Filmes

29 Sexo, Amor e Traição** Jorge Fernando Total Entertainment 2004 2.219.423

30 Moacyr Góes Diler & Associados 2003 2.214.481

José Alvarenga 31 Os Normais 2** 2009 2.202.640 Jr.

32 Bruna Surfistinha* Marcus Baldini T V Zero Cinema Ltda. 2011 2.176.999

33 O Auto da Compadecida Guel Arraes Globo Filmes 2000 2.157.166

Atitude Produções e 34 Meu Nome não É Johnny Mauro Lima 2008 2.099.294 Empreendimentos

T izuka 35 Xuxa Requebra* Diler & Associados 1999 2.074.461 Yamazaki

36 A Grande Família - o Filme** Maurício Farias Globo Filmes 2007 2.035.576

37 Assalto ao Banco Central Marcos P aulo Total Entertainment 2011 1.966.736

José Alvarenga 38 Divã** Total Entertainment 2009 1.866.403 Jr.

Os Homens são de Marte... E é para lá 39 Marcus Baldini Biônica Cinema e TV LTDA.ME 2014 1.793.239 que eu vou**

Ananã Produções, Eventos e 40 S. O. S. Mulheres ao Mar** Cris D'Amato 2014 1.776.579 Assessooria de Marketing LTDA P aulo Aragão e 41 Didi, o Cupido Trapalhão Alexandre Diler & Associados 2003 1.758.579 Boury

Antonio Carlos 42 Somos tão Jovens* Canto Claro Produções Artísticas 2013 1.715.763 da Fontoura

43 Simão, o Fantasma T rapalhão P aulo Aragão Renato Aragão Produções Artísticas 1998 1.658.136

Filmes do Equador Ltda/ Telecine P rogramação de Filmes Ltda/ 44 Crô - O Filme** Bruno Barreto Globo Comunicação e Participações 2013 1.652.949 S.A/ Freespirit Distribuidora de Filmes Ltda

45 Deus é Brasileiro** Cacá Diegues Rio Vermelho Filmes 2003 1.635.212

188 46 Central do Brasil* Walter Salles Videofilmes Produções Artísticas 1998 1.593.967

Idéias Ideais Design & Produções 47 Muita Calma Nessa Hora** Felipe Joffily 2010 1.485.498 Ltda. / Casé Filmes Ltda. De Felippes Filmes E Produções Ltda/República Pureza Filmes 48 Faroeste Caboclo René Sampaio 2013 1.469.743 Ltda/Fogo Cerrado Imagens E Serviços Ltda Me

49 Gonzaga - De P ai para Filho Breno Silveira Conspiração Filmes S/A 2012 1.460.447

50 A P artilha** Daniel Filho Lereby Produções 2001 1.449.411

Casé Filmes Ltda - Globo 51 Muita Calma Nessa Hora 2** Felipe Joffily 2014 1.429.862 Comunicação e Participações S.A.

52 Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida Moacyr Góes Diler & Associados 2004 1.331.652

Paris Produçoes Cinematograficas Pedro Ltda/Globo comunicação e 53 O Concurso** 2013 1.320.102 Vasconcelos participações s.a./Latinamerica entretenimento ltda. T izuka 54 Xuxa em o Mistério de Feiurinha Conspiração Filmes 2009 1.307.135 Yamazaki

55 Carlota Joaquina, P rincesa do Brazil* Carla Camurati Elimar Produções Artísticas 1995 1.286.000

56 A Dona da História Daniel Filho Lereby Produções 2004 1.271.415

Gerson 57 Vestido pra Casar*** Raconto Produções Artísticas 2014 1.258.666 Sanginitto

58 O P alhaço Selton Mello Bananeira Filmes 2011 1.242.800

T izuka 59 O Noviço Rebelde* Renato Aragão Produções Artísticas 1997 1.214.163 Yamazaki

60 O Homem do Futuro** Cláudio Torres Conspiração Filmes S/A 2011 1.211.083

61 Qualquer Gato** Tomas Portella Tietê Produções Cinematográficas 2011 1.194.628

62 Mato sem Cachorro** Pedro Amorim Mixer Rio 2013 1.134.563

Filmes do Equador / Produções 63 O Quatrilho* Fábio Barreto 1995 1.117.754 Cinematográficas LC Barreto

Roberto 64 Até que a Sorte nos Separe 2** Gullane Entretenimento S.A. 2013 1.047.498 Santucci

Marcus 65 Didi, o Caçador de Tesouros Diler & Associados 2006 1.024.732 Figueiredo

66 Xuxa Gêmeas Jorge Fernando Diler & Associados 2006 1.007.490

* Filmes que não são coprodução Globo Filmes. ** Filmes que são do gênero comédia *** Comédias que não são Globo Filmes Pesquisa: Ancine - Superintendência de Acompanhamento de Mercado. Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Filme B e SADIS (Ancine); Globo Filmes.

Ao comparar os dados da Tabela D com as informações de market share do cine- ma nacional, observa-se que os saltos de participação do público na exibição de obras nacionais estão diretamente vinculados a sucessos específicos de bilheteria em cada ano. Em 2003, por exemplo, auge do market share do cinema nacional desde 1995 (21,65%), o salto foi provocado pelo êxito em bilheteria de seis títu-

189 6- Carandiru (4,7 milhões), los6, entre eles Carandiru, de Hector Babenco, que alcançou quase 4,7 milhões Lisbela e o Prisioneiro (3,2 milhões), Os Normais (3 de espectadores. Além disso, nesse ano, enquanto o público total subiu 13,4%, milhões), Xuxa Abracada- o público nacional, puxado por esses filmes, subiu 185,9%, o que também ele- bra (2,2 milhões), Didi, o vou proporcionalmente a participação da obra nacional no mercado. O mesmo Cupido Trapalhão (1,8 mi- lhão) e Deus é Brasileiro movimento ocorreu no ano de 2009, quando o market share nacional passou de (1,6 milhão). Fonte: Ancine 9,67%, em 2008, para 14,27%. Nesse ano, cinco filmes nacionais7 ultrapassaram - Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisu- a marca de um milhão de espectadores. Se Eu Fosse Você 2 chegou inclusive a al (Oca). atingir mais de 6 milhões em público. Esses títulos levaram a audiência ao cinema local a subir 87,2% em 2009.

7- Se Eu Fosse Você 2 (6,1 Já o aumento do market share do cinema nacional em 2010 foi provocado pelo milhões), A Mulher Invisí- maior sucesso de bilheteria da história do cinema brasileiro (desde que se organi- vel (2,4 milhões), Os Nor- mais 2 (2,2 milhões), Divã zam dados sobre o mercado): o filme Tropa de Elite 2, de José Padilha, sequência (1,9 milhão) e Xuxa em o da obra de ação de 2007 sobre o dia a dia do grupo de policiais e de um capitão Mistério de Feiurinha (1,3 do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) na cidade do Rio de Janeiro. milhão). Fonte: Ancine - Observatório Brasileiro do A obra atingiu 11,1 milhões de espectadores e ultrapassou o até então campeão Cinema e do Audiovisual nacional, Dona Flor e seus Dois Maridos (Bruno Barreto, 1976). Em 2013, o salto (Oca). para 18,60% foi impulsionado por nove filmes nacionais8 que somaram 21,8 mi- lhões em público. É sempre importante lembrar que esses saltos só foram possí- 8- Minha Mãe é uma Peça (4,6 milhões), Até que a veis porque, ao mesmo tempo que o público nacional crescia puxado por sucessos Sorte nos Separe 2 (4 mi- específicos, o público total subia bem pouco no mesmo ano, provocando, assim, lhões), Meu Passado me um maior market share nacional. Condena (3,1 milhões), Vai que Dá Certo (2,7 mi- lhões), Crô - O Filme (1,7 Além de revelar que, ao longo dos 20 anos, do total de filmes brasileiros lançados milhão), Somos tão Jovens em salas de exibição, somente 5,88% alcançaram mais de um milhão de espec- (1,7 milhão), Faroeste Ca- tadores, a Tabela D também ajuda a identificar que tipo de produção nacional boclo (1,5 milhão), O Con- curso (1,3 milhão) e Mato tem levado mais pessoas às salas. O primeiro ponto a ser observado é que, dessas sem Cachorro (1,1 milhão). 66 obras, apenas 119 não são produção ou coprodução da Globo Filmes. Por ser Fonte: Ancine - Observató- rio Brasileiro do Cinema e das Organizações Globo, que possui a maior rede de televisão do Brasil, os filmes do Audiovisual (Oca). dessa produtora têm grande repercussão nacional sobretudo por duas razões:

9- Da Tabela D, não são o uso de atores “estrelas” das suas telenovelas ou programas humorísticos e as produção ou coprodução campanhas de publicidade feitas para os filmes praticamente de forma gratuita da Globo Filmes: Tropa de nos seus diversos programas de auditório e até dentro das próprias novelas. Elite, , Bruna Surfistinha, Xuxa Reque- bra, Somos Tão Jovens, A Globo Filmes foi criada em 1995 em meio à retomada da produção cinemato- Central do Brasil, Carlo- gráfica nacional gerada pelos novos instrumentos federais de incentivo. A em- ta Joaquina - Princesa do presa atua por meio de parcerias com produtoras independentes e distribuidoras Brazil, O Noviço Rebelde, O Quatrilho, O Candida- nacionais e internacionais e representa um ponto em favor das obras realizadas to Honesto e Vestido pra pela Rede Globo, que, então, passou a dominar mais uma janela de exibição, con- Casar. correndo diretamente com as produtoras brasileiras. Sua vantagem estratégica é dada essencialmente pela capacidade que tem de explorar o processo sinérgico entre cinema e TV, com produtos que podem ser aproveitados sob a forma de filmes, séries de TV e DVD (BOLAÑO; MANSO, 2009, p. 93).

190 Um dos exemplos do aproveitamento dessa sinergia se dá com a transposição de conteúdos televisivos para as salas de cinema, como aconteceu com a série A Grande Família – que ganhou uma versão para cinema em 2007 e está entre os maiores sucessos de bilheteria do período analisado – e com Os Normais, programa protagonizado por Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, que já originou dois filmes (vide Tabela D). Outra estratégia no mesmo sentido é o relançamento, no formato de filme, de minisséries que já haviam sido exibidas na TV, como ocorreu com O Auto da Compadecida, em 2000, com 2,2 milhões de espectadores, e com Caramuru – A Invenção do Brasil (2001, 246 mil espec- tadores). O contrário também acontece. O filme A Mulher Invisível (2009) foi transformado em série pela Rede Globo, transmitida na emissora durante 2011 em duas temporadas. O caso é idêntico para o filme Divã (2009), também con- vertido em série de TV. Há ainda o exemplo da obra O Bem Amado, que, além de ter sido novela (1973) e série (entre 1980 e 1984), foi transformada em filme em 2010 (com 955,4 mil espectadores). Por fim, citamos ainda o caso de Crô – O Filme, protagonizado por um personagem de sucesso de uma novela da Globo que foi parar nas telonas e conquistou 1,7 milhão de espectadores.

Todos esses dados demonstram que, ao contrário de ampliar o contato do pú- blico brasileiro com uma produção mais diversificada, o aumento do número de filmes nacionais vem contribuindo para uma maior disseminação da linguagem televisiva, ao qual a população do país já está tão acostumada a ver nos pro- gramas da Globo, que chegam a 96% dos lares brasileiros (MECCHI; VALENTE, 2006).

10- Os filmes com a Xuxa e O que se pode notar ainda entre as produções nacionais que alcançaram mais com o Renato Aragão não de um milhão de espectadores é a significativa quantidade delas dirigida ao pú- foram considerados comé- dias. Normalmente, são blico infantil e estreadas pelos personagens interpretados por Xuxa Meneghel classificados como família/ ou Renato Aragão, ambos também estrelas da TV Globo. De 1995 a 2014, oito aventura. filmes da Xuxa e quatro do Renato Aragão ficaram entre os que alcançaram 11- Dois Filhos de Fran- mais de um milhão de espectadores. cisco: a História de Zezé Di Camargo & Luciano, A informação de gênero também é relevante em relação aos filmes com mais Carandiru, Chico Xavier, Cidade de Deus, Cazuza – audiência (Tabela D). Dos 66 títulos, 32 (48,48%) são comédias (os marcados O Tempo Não Para, Olga, com ** na tabela)10 e 12 (19,7%) são dramas ou ações baseados em história Bruna Surfistinha, Meu 11 Nome Não é Johnny, As- real , com destaque para os que contam a vida de personalidades da música salto ao Banco Central, So- ou da história brasileira, como Dois Filhos de Francisco: a História de Zezé Di mos Tão Jovens, Gonzaga Camargo & Luciano (2005), Cazuza - O Tempo Não Para (2004), Olga (2004) e - De Pai para Filho, Carlo- ta Joaquina - Princesa do Gonzaga - De Pai para Filho (2012). Brazil. Em relação às comédias, têm sido fenômenos de bilheteria no Brasil sobretudo a partir de 2009, quando quatro filmes do gênero ficaram entre os maiores pú- blicos do ano no cinema nacional: Se Eu Fosse Você 2 (6,1 milhões), A Mulher Invisível (2,4 milhões), Os Normais 2 (2,2 milhões) e Divã (1,9 milhão). Desde então, ao menos dois títulos do gênero têm estado a cada ano entre os maiores

191 êxitos de público das obras nacionais, chegando a ultrapassar os 500 mil espec- tadores. Somente em 2014, foram oito comédias entre os filmes com mais de 500 mil espectadores, como se pode notar pela Tabela E.

Tabela E - Comédias brasileiras com mais de 500 mil espectadores (2009-2014)

Título Produtora Lanç. Público

1 Se Eu Fosse Você 2 Total Entertainment 2009 6.112.851 2 A Mulher Invisível Conspiração Filmes 2009 2.353.646 3 Os Normais 2 Globo Filmes 2009 2.202.640 4 Divã Total Entertainment 2009 1.866.403 Idéias Ideais Design & Produções Ltda. / 5 Muita Calma Nessa Hora 2010 1.485.498 Casé Filmes Ltda. 6 O Bem Amado Natasha Enterprises 2010 955.393 7 De Pernas pro Ar Morena Filmes 2011 3.506.552 8 Cilada.com Casé Filmes Ltda. 2011 2.959.460 9 O Homem do Futuro Conspiração Filmes S/A 2011 1.211.083 10 Qualquer Gato Tietê Produções Cinematográficas 2011 1.194.628 11 E Aí, Comeu? Casé Filmes 2012 2.578.599 12 Os Penetras Conspiração Filmes S/A 2012 2.548.441

13 As Aventuras de Agamenon, o Repórter Tambellini Filmes 2012 937.980

14 Totalmente Inocentes Atitude Produções 2012 523.577 Migdal Produções cinematográficas 15 Minha Mãe é uma Peça Ltda./Telecine Programação de Filmes 2013 4.600.145 Ltda. Atitude Produções e Empreendimentos Ltda/Sm Distribuidora de Filmes 16 Meu Passado me Condena 2013 3.137.795 Ltda/Julia Salles de Rezende/Distribuidora de Filmes s/a 17 Vai que Dá Certo Fraiha Produções de Eventos e Editora 2013 2.729.340 Filmes do Equador Ltda/ Telecine Programação de Filmes Ltda/ Globo 18 Crô - O Filme 2013 1.652.949 Comunicação e Participações S.A/ Freespirit Distribuidora de Filmes Ltda Paris Produçoes Cinematograficas 19 O Concurso Ltda/Globo comunicação e participações 2013 1.320.102 s.a./Latinamerica entretenimento Ltda. 20 Mato sem Cachorro Mixer Rio 2013 1.134.563 21 Até que a Sorte nos Separe 2 Gullane Entretenimento S.A. 2013 1.047.498

22 O Candidato Honesto Camisa Listrada - Panorama Filmes 2014 2.237.537 Os Homens são de Marte... E é para lá 23 Biônica Cinema e TV LTDA.ME 2014 1.793.239 que eu vou Ananã Produções, Eventos e Assessoria de 24 S. O. S. Mulheres ao Mar 2014 1.776.579 Marketing LTDA Casé Filmes Ltda - Globo Comunicação e 25 Muita Calma Nessa Hora 2 2014 1.429.862 Participações S.A. 26 Vestido pra Casar Raconto Produções Artísticas 2014 1.258.666 27 Confissões de Adolescente - o Filme Lereby Produções Ltda 2014 816.971 Os Caras de Pau em o Misterioso 28 Casé Filmes Ltda 2014 650.700 Roubo do Anel 29 Copa de Elite Glaz Entretenimento 2014 646.224

Pesquisa: Ancine - Superintendência de Acompanhamento de Mercado. Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Filme B e SADIS (Ancine).

Na maior parte delas, tratam-se de comédias ligeiras ou grosseiras, de tom te- levisivo, produzida ou coproduzida pela Globo Filmes, com protagonistas que consolidaram suas carreiras em programas de humor na TV aberta, como Lean- dro Hassum, Bruno Mazzeo, Marcelo Adnet, Ingrid Guimarães, Paulo Gustavo e Fábio Porchat. É o caso dos seguintes filmes: Muita Calma Nessa Hora (2010), 192 De Pernas pro Ar (2011), Cilada.com (2011), E aí, comeu? (2012), Totalmente Inocentes (2012), Minha Mãe é uma Peça (2013), Meu Passado me Condena (2013), Vai que dá Certo (2013), O Concurso (2013), Até que a Sorte nos Separe 2 (2013), Muita Calma Nessa Hora 2 (2014) e Os Caras de Pau em o Misterioso Roubo do Anel (2014).

Os filmes Se eu Fosse Você 2 (2009) e Os Penetras (2012), além disso, tratam-se de versões de roteiros cômicos de filmes americanos bem conhecidos no Bra- sil. O primeiro deles copia uma fórmula já consagrada e repetida nas películas norte-americanas: a história de marido e mulher que trocam de corpos e iden- tidades. No cinema americano, títulos como Tal Pai, Tal Filho (Like Father, Like Son, TriStar Pictures, 1987), Vice Versa (Vice Versa, Columbia Pictures, 1988) e Eu Queria Ter a Sua Vida (The Change-up, Universal Pictures, 2011) encenaram a troca entre pai e filho e até entre melhores amigos.

Já Os Penetras, com o comediante Marcelo Adnet, conta a história de dois co- nhecidos que, em busca de amor, dinheiro e aventura, penetram em festas da cidade do Rio de Janeiro, usando muita esperteza e uma boa dose de loucura. Quase uma cópia do enredo do americano Penetras Bons de Bico (The Wedding Crashers, Playarte Pictures, 2005), protagonizado por Owen Wilson e Vince Vau- ghn. Mais recentemente, o filme Copa de Elite (Fox, 2014) copiou a fórmula das sátiras americanas. Seguindo o modelo de títulos como Top Gang (Hot Shots!, 1991) e Todo Mundo em Pânico (Scary Movie, 2000), o lançamento brasileiro é uma sátira a produções nacionais como Tropa de Elite (2007) e Bruna Surfisti- nha (2011), entre outros.

12- Ancine – Observatório A concentração do público em poucos títulos (em geral, os que puxam para Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (Oca) – Lista- cima o market share dos títulos nacionais em determinados anos) é uma outra gem dos Filmes Brasileiros característica do cinema brasileiro. No ano de 2003, por exemplo, apenas seis Lançados – 1995 a 2014. filmes de 30 foram responsáveis por 74% (16,5 milhões de 22,3 milhões) do to- tal do público. Em 2009 também, dos 84 filmes brasileiros lançados em salas de exibição, cinco concentraram 85,71% (13,8 milhões de 16,1 milhões) do total de público ao cinema local. O mesmo aconteceu em 2010 e em 2013, quando, res- pectivamente, quatro películas atraíram 78,2% do público (20,1 milhões de 25,7 milhões), e nove filmes somaram 78,4% do total de espectadores às obras nacio- nais (21,8 milhões de 27,8 milhões). Enquanto poucos títulos, desde 1995, são os que concentram a maior parte da ainda escassa audiência ao filme brasileiro, a maioria das produções locais não consegue ultrapassar os 50 mil espectadores. Dos 1.123 filmes brasileiros estreados em salas de cinema entre 1995 e 2014, 785 – ou 69,9% - ficaram abaixo dessa marca em público12.

193 As Produtoras

13- As informações de va- Entre 1995 e 201313, 486 empresas diferentes constaram como proponentes lores captados por produ- tora e por projeto só estão (produtoras que apresentam projeto para receber incentivos públicos) na Anci- disponíveis até 2013 pela ne. Esse número representa um crescimento de quase 4.000% desde 1995 (de 13 Ancine. Nesse caso, toda a para 486). Dessas empresas, 362 de fato utilizaram recursos públicos, seja de for- análise realizada sobre as produtoras tem como base ma direta ou indireta, na produção das obras. Mas, ao contrário de refletirem esse período, não incluin- uma atividade contínua, a maioria delas lançou apenas um título no período de do 2014. 19 anos. É o caso de 59,67% (216)14. 14 - Ancine – Observatório Brasileiro do Cinema e do Um exemplo que se enquadra nessa situação é o da produtora Aquarela Produ- Audiovisual (Oca) – Valo- ções Culturais. A empresa do Distrito Federal produziu no período apenas um res Captados por Ordem Alfabética da Produtora filme de longa-metragem (No Coração dos Deuses, de 1999). Criada em 1986, a e dos Filmes com Renda e produtora informa em seu perfil no Facebook15 que já realizou quatro longas, Público. dois deles antes de 1995 (A Difícil Viagem, 1983, lançado quando a empresa ain- da tinha outro nome; e O Círculo de Fogo, de 1990), além de um outro (Homem Mau Dorme Bem, de 2009) que não consta na lista da Ancine de filmes lança- dos comercialmente entre 1995 e 2014 (pode ter sido lançado até o momento somente em festivais). A empresa se destaca na produção de curta-metragens.

15- https://www.facebook. Outra produtora entre as que lançaram apenas uma obra de longa-metragem com/AquarelaProducoes- Culturais/photos_stream. desde 1995 é a Arte Lux Produções Cinematográfica, do Paraná. Criada em 2000, desde então fez um único longa-metragem como produtora principal (As Can- 16 - Informações encon- tradas no site oficial da toras do Rádio, documentário de 2009), mas tem participação como coprodu- empresa, http://www.arte- tora em pelo menos mais dois filmes desde que iniciou suas atividades, além de luxpro.com.br/. alguns curtas-metragens, um telefilme e outros trabalhos institucionais e publi- 17- http://bucanerofilmes. citários16. A Bucanero Filmes foi criada em 1995, no Ceará, pelos diretores Wol- com/. ney Oliveira e Margarita Hernández e só rodou um filme de longa-metragem 18- Informações encontra- para o cinema desde então (A Ilha da Morte, 2009), tendo feito principalmente das nos sites das produto- curtas-metragens. Apesar de a empresa informar em seu site17 que realizou ou- ras. tro longa, ele não aparece nos registros da Ancine.

Produtoras criadas e administradas por cineastas é outra característica comum no mercado brasileiro de cinema. Estão nessa situação as seguintes empresas: Aquarela Produções Culturais, que só produziu filmes do cineasta Geraldo Mo- raes; Amberg Filmes, de Lucas Amberg; Berço Esplêndido Produções Cinemato- gráficas, do diretor e produtor cinematográfico publicitário Carlos de Moura Ribeiro Mendes, que, além de videoclipes, produz documentários sobre música, mas fez apenas um longa-metragem sobre o compositor Gilberto Mendes, pai de Carlos (A Odisséia Musical de Gilberto Mendes, 2006); e a própria Bucanero Filmes, dos diretores Wolney Oliveira e Margarita Hernández, que foi comenta- da anteriormente18.

Ao procurar mais informações sobre as produtoras que apenas produziram um título entre 1995 e 2013, é possível notar ainda a relação de coprodução que

194 existe entre elas. Possivelmente porque não tem estrutura econômica para de- senvolver grandes projetos de forma autônoma, a maioria dessas empresas se associa para realizar alguns dos seus trabalhos. É por isso também que muitas delas, em 19 anos, constam como produtora principal de apenas um filme, en- quanto podem haver participado, como coprodutora, de alguns outros projetos no mesmo período. 19- Outros filmes produzi- dos pela Buriti Filmes em É o caso da Buriti Filmes, que, apesar de estar em atividade pelo menos desde coprodução foram As Me- 2001, produziu apenas um longa-metragem (Bicho de 7 Cabeças, 2001) desde lhores Coisas do Mundo, de 2010, também com a então, como principal produtora. Já em coprodução, tem em seu catálogo ou- Gullane Filmes; e Uma His- tros três longas, um deles o Chega de Saudade, de 2008, com a Gullane Filmes19. tória de Amor e Fúria, de Além disso, dedica-se à realização de curtas e videoclipes20. A produtora Camisa 2013, com Gullane Entre- tenimento S.A e Produtora Listrada também é um exemplo. Além da realização de 5 Frações de uma Quase de Animação e Artes Digi- História (2008), coproduziu a obra Fronteira (2008) com a Filmegraph, assim tais Ltda. como alguns outros curtas-metragens e documentários com a Z Filmes, a Olho de Peixe e a Arte & Movimento21.

20- Informações obtidas Há também, entre essas 216 empresas com apenas um filme produzido nos 19 no site oficial da empresa, http://www.buritifilmes. anos analisados neste artigo, aquelas que rodaram algum filme já há algum com.br/index.php. tempo e nem se pode saber se ainda existem ou como sobrevivem trabalhan- do no mercado audiovisual pela dificuldade que se tem em encontrar alguma informação sobre elas. Nessa situação, estão produtoras como Play Vídeo Pro- 21- Informação encontra- da no site oficial da em- duções para Cinema e Televisão (Super Colosso, 1995), NDR Filmes (Cassiopéia, presa, http://www.camisa- 1996), Saci Filmes (Baile Perfumado, 1997) e BigDeni Filmes do Brasil (For All - O listrada.com.br/. Trampolim da Vitória, 1998). E ainda há as que podem ter sido criadas recente- mente ou acabaram de começar no negócio de cinema, como 4004 - Produções de Arte Ltda (Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, 2011), Bang Bang Filmes (O Diário de Tati, 2012), Doralice Produções Ltda (Construção, 2012) e Encruzilha- da Produções (Um Homem Qualquer, 2012). Aqui, é importante esclarecer que tem sido bastante difícil encontrar informações precisas sobre as empresas que constam na Ancine como proponentes. Muitas delas não possuem sites oficiais, têm outros nomes fantasia e estão inscritas na Ancine pela razão social. Além disso, operações como junções ou reestruturações, que podem gerar empresas com outros nomes, não são facilmente reveladas.

22- Ancine – Observatório É possível afirmar, portanto, que as atividades das produtoras brasileiras na área Brasileiro do Cinema e do cinematográfica não foram estáveis no período em estudo. Pelo que se pode Audiovisual (Oca) – Valo- res Captados por Ordem constatar por meio dos dados fornecidos pela Ancine22, apenas três produtoras Alfabética da Produtora mantiveram um nível de produção cinematográfica de mais de um filme por e dos Filmes com Renda e Público. ano. Foram elas: Videofilmes Produções Artísticas (29 títulos), Diler & Associados (28 títulos) e Conspiração Filmes (24 filmes). Essas três representam menos de 1% (0,8%) das empresas que de fato utilizaram recursos públicos entre 1995 e 2013 – 362 produtoras no total. O Gráfico 3 mostra o volume de produção cine- matográfica entre essas companhias.

195 Gráfico 3 – Títulos lançados por produtoras (1995-2013)

Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Ancine – Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (Oca) – Valores Captados por ordem Alfabética da Produtora e dos Filmes com Renda e Público.

23- Ancine – Observatório Pelo ano de lançamento dos filmes, também se pode observar o ritmo de pro- Brasileiro do Cinema e do 23 Audiovisual (Oca) – Valo- dução de cada uma das produtoras . A 1001Filmes, por exemplo, fez dois filmes res Captados por Ordem entre 1995 e 2013 com um intervalo de lançamento entre eles de nove anos24. Alfabética da Produtora O mesmo se nota com as duas produções da Lama Filmes, que têm intervalo de e dos Filmes com Renda e Público. lançamento entre elas de sete anos25, e com as duas produções da Star Filmes, com um intervalo também de nove anos entre seus lançamentos26. 24- Os dois filmes da 1001Filmes entre 1995 e 2013 foram: Mil e Uma Todas essas informações levam à constatação de que o mercado cinematográ- (1996) e Vinícius de Mora- fico brasileiro de cinema é caracterizado, ao mesmo tempo, por uma pulveri- es (2005). zação da atividade – muitas empresas produzem pouco volume – e por uma 25 - Os dois filmes da concentração, já que a maior parte da produção é realizada por poucas delas – Lama Filmes entre 1995 e as três citadas anteriormente com mais de um filme por ano. Essa concentração 2013 foram: As Três Marias (2002) e Do Começo ao da atividade coincide com a concentração dos recursos captados. Se listarmos as Fim (2009). produtoras por ordem de valores captados, essas mesmas três empresas (Video-

26 - Os dois filmes da Star filmes Produções Artísticas, Diler & Associados e Conspiração Filmes) ficam entre Filmes entre 1995 e 2013 as primeiras cinco que mais captaram recursos entre 1995 e 2013, como mostra foram: A Hora Mágica a Tabela F abaixo. (1999) e Onde Andará Dul- ce Veiga? (2008).

196 Tabela F - Top 5 - Produtoras por Valores Captados (1995-2013)

Número Valor Total Captado Produtora de Renda (R$) (R$) Títulos

1 Diler & Associados 27 94.121.234,45 129.187.167,17

2 Conspiração Filmes 24 88.264.392,97 142.576.667,52

3 Filmes do Equador 17 66.099.086,84 54.320.724,01

4 O2 Cinema 15 51.102.109,58 47.653.146,37

5 Videofilmes Produções Artísticas 29 40.490.145,91 25.550.181,35

Total 112 340.076.969,75 399.287.886,42

Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Ancine – Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (Oca) – Valores Captados por Ordem Alfabética da Produtora e dos Filmes com Renda e Público.

Por outro ponto de vista, pode-se perceber ainda, nos dados da Ancine, que a produção de títulos brasileiros e, consequentemente, a captação de recursos incentivados pelas medidas federais está concentrada nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Além disso, estados como Maranhão, Goiás e Amapá, até 2013, não tinham tido ainda nenhum projeto inscrito na Ancine. Essa infor- mação demonstra que as políticas adotadas até o momento ainda não foram suficientes para estimular a atividade regional independente, distribuindo de forma igualitária a ajuda financeira para os produtores dos estados menos de- senvolvidos, conforme é possível notar pela Tabela G abaixo:

Tabela G - Valores Captados por UF da Produtora (1995-2013)

Títulos Total Estado Lançados Captado (R$) Rio de Janeiro 154 263.045.798,85 São Paulo 112 174.314.462,81 Ri o Grande do Sul 14 13.820.383,17 Paraná 8 13.532.567,40 11 10.723.722,42 Distrito Federal 9 9.588.806,13 Ceará 5 5.563.815,11 Pe rnam buco 5 4.000.568,00 Santa Catarina 5 3.989.873,00 Bahi a 4 3.563.183,75 Espírito Santo 3 1.191.970,98

Elaboração própria a partir dos dados facilitados pelas fontes: Ancine – Observató rio Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (Oca) – Valores Captados por Ordem Alfabéti ca da Produtora e dos Filmes com Renda e Público.

197 Conclusões

Dois tipos de conclusões podem ser feitos a respeito dos dados apresentados neste artigo. O primeiro deles é em relação aos resultados alcançados pelas políticas em comparação aos objetivos que pretendem alcançar. A medida que constituiu a Ancine (MP 2.228-1/01) indica, em seu artigo 2º, os princípios ge- rais da política nacional do cinema e, em seu artigo 6º, os objetivos a serem cumpridos pela agência, dentre os quais destacam-se: a promoção da cultura nacional e da língua portuguesa mediante o estímulo ao desenvolvimento da 27- MP 2.228-1/01. Art. 2º, incisos I e II; Art. 6º, incisos indústria cinematográfica e audiovisual nacional; a garantia da presença de III e IV. obras cinematográficas e videofonográficas nacionais nos diversos segmentos de mercado; o aumento da competitividade da indústria cinematográfica e vi- deofonográfica nacional por meio do fomento à produção, à distribuição e à exibição nos diversos segmentos de mercado; a promoção da autossustentabi- lidade da indústria cinematográfica nacional visando o aumento da produção e da exibição das obras cinematográficas brasileiras27. Os dados apresentados no texto comprovam, ao contrário, que a produção cinematográfica brasileira ainda é extremamente dependente dos recursos financeiros subsidiados pelo Estado e que, mesmo assim, as empresas que se mantêm em funcionamento não têm um ritmo estável de atividade.

No que se refere à presença de obras cinematográficas e videofonográficas na- cionais nos diversos segmentos de mercado, percebe-se que, apesar do cres- cimento no número de longas produzidos desde 1995, a audiência ao filme brasileiro ainda é bem reduzida se comparada à dos filmes norte-americanos, o que indica que a obra nacional não tem sido distribuída e exibida de forma suficiente a alcançar o público. Para completar, são os filmes realizados pe- las empresas com maior poder de mercado os que conquistam mais público e, consequentemente, acabam por contribuir para uma maior disseminação das fórmulas televisivas e até hollywoodianas, com sua linguagem e seu discurso próprios. Logo, o sistema de subsídios ao setor não tem sido sequer eficaz em solucionar essas disparidades do mercado.

Essas inferências nos levam, portanto, a alguns dos principais questionamentos sobre o atual modelo de políticas cinematográficas e a sua própria legitimação. Por que é essencial para a sociedade o suporte governamental à criação de uma indústria cinematográfica nacional autossustentável? Qual é exatamente o ob- jetivo de se aumentar a produção e a exibição de títulos nacionais se a mensa- gem transmitida reforça a hegemonia dominante? Qual o objetivo de promover a produção e a exibição de obras brasileiras se a tendência do público em geral é preferir o produto norte-americano? E por que isso acontece?

Em primeiro lugar, o cinema (lembrando que, aqui, o termo é utilizado inde- pendentemente do meio pelo qual é exibido) deve ser tomado dentro do con- texto social, econômico e político geral e deve ser criticado na medida em que 198 contribui para manter e reproduzir as estruturas de poder, como aponta Wasko:

Umas das distinções chave entre Economia Política e outros modelos é admitir e criticar a distribuição desigual de poder e riqueza tal como existe na indústria, assim como a atenção prestada às questões laborais e às alternativas ao cinema comercial, e as tentativas em desafiar a indústria e rejeitar o status quo (WASKO, 2006, p. 102).

Nesse sentido, o filme deve ser interpretado como um meio de dominação cul- tural e de manutenção da hegemonia (não é o único meio, mas um deles), so- bretudo aquele produzido e distribuído pelas majors norte-americanas em nível mundial. A indústria cinematográfica é um negócio que produz e distribui um produto com implicações econômicas, políticas e culturais significativas e sim- plesmente fomentar a reprodução desse modelo de indústria no país não vem trazendo, como foi demonstrado, notórios benefícios sociais para a população. Pelo contrário, vem reforçando as condições que mantêm a proeminência das empresas nacionais já dominantes no segmento, que, por sua vez, reproduzem a hegemonia de forma cada vez mais ampla.

De acordo com Gramsci, a hegemonia é algo que opera não apenas na estrutu- ra econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer (GRUPPI, 1978, p. 3). Para ele, uma das razões que possibilitava às classes dominantes tomar o poder e mantê-lo não era necessariamente o uso da força bruta, mas, em grande medida, a dominação cultural e sua capacidade de difusão de ideias, valores, filosofia e visões de mundo por toda a sociedade (SIMIONATTO, 2009, p. 45). Dado, então, o poder das ideias hegemônicas atu- almente, como é possível conseguir a transformação da hegemonia no cinema?

Na verdade, é preciso primeiramente ter em mente que desconstruir essa “pre- ferência” do público pelas fórmulas mercantilizadas de cinema é possível, reco- nhecendo na população dominada culturalmente a capacidade de conhecer, de criar seus próprios textos, com que expressariam seu pensamento-linguagem, em vez de tratar sua consciência como se fosse um espaço vazio (FREIRE, 1981, p. 37-38). São necessárias, para isso, políticas públicas que consigam “operar profundamente não apenas na estrutura econômica e política, mas também na orientação cultural e ideológica; uma reforma que envolvesse profundamente os costumes e criasse uma nova relação entre cultura e sociedade, entre inte- lectuais e povo”, nas palavras de Gramsci (GRUPPI, 1978, p. 3). Em suma, uma política pública efetiva na mudança de paradigma cultural no cinema e na for- mação de uma consciência crítica das massas.

Um passo fundamental para isso seria tirar o foco do financiamento de projetos, que acaba sempre ocupando o primeiro plano do debate, e investir na promo- ção de práticas culturais alternativas em cinema, que possam, se não mudar,

199 tornar mais fácil a criação de uma nova hegemonia. Isso incluiria também incen- tivar formas mais livres de distribuição e de exibição dos títulos produzidos, em vez de fomentar um modelo estrutural que reforça as desigualdades de aces- so da população em geral a esse mesmo modelo. Nesse sentido, é importante lembrar, por exemplo, que a produção cinematográfica no Brasil é gerada por integrantes das classes privilegiadas (que têm maior acesso aos recursos e ao conhecimento que possibilitam a realização fílmica) e que, por isso, o aumento das atividades de produção continua por deixar as classes desfavorecidas sem a oportunidade de se expressar. Não há, portanto, políticas cinematográficas eficazes sem que sejam vinculadas a políticas sociais.

Referências

BOLAÑO, César. MANSO, Anna Carolina. C. Para uma Economia Política do au- diovisual brasileiro. Cinema, televisão e o novo modelo de regulação da produ- ção cultural. In: MELEIRO, Alessandra (Org.). Cinema e Economia Política. São Paulo: Escrituras, 2009, Vol. II, p. 87-99.

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.

MECCHI, Leonardo. VALENTE, Eduardo. Cinema brasileiro para quem?. Revista Cinética. Rio de Janeiro, Jun 2006. Disponível em: http://www.revistacinetica.com.br/ brasilpraquem2.htm. Acesso em: 31 Maio 2014.

MOSCO, Vincent. The Political Economy of Communication. 2ª edição. Londres: Sage, 2009.

SIMIS, Anita. Situación del audiovisual brasileño en la década de los noventa. Comunicación y Sociedad. Guadalajara, p. 93-117, Maio-Agosto 1998.

SIMIONATTO, Ivete. Classes subalternas, lutas de classe e hegemonia: uma abor- dagem gramsciana. Revista Katálysis, vol. 12, n. 1, p. 41-49, 2009.

WASKO, Janet. La Economía Política del cine. Cuadernos de Información y Co- municación. Madrid, vol. 11, p. 95-110, 2006.

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