CÁSSIA MARIA POPOLIN

DA ÁUSTRIA AO PARANÁ:

A TRAJETÓRIA IMAGÉTICA DE HANS KOPP , PRIMEIRO FOTÓGRAFO D E

ROLÂNDIA (PR)

Londrina 2010

CÁSSIA MARIA POPOLIN

DA ÁUSTRIA AO PARANÁ:

A TRAJETÓRIA IMAGÉTICA DE HANS KOPP , PRIMEIRO FOTÓGRAFO D E

ROLÂNDIA (PR)

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de Lon drina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Paulo César Boni

Londrina 2010

CÁSSIA MARIA POPOLIN

DA ÁUSTRIA AO PARANÁ:

A TRAJETÓRIA IMAGÉTICA DE HANS KOPP , PRIMEIRO FOTÓGRAFO D E

ROLÂNDIA (PR)

Di ssertação apresentada ao Programa de Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Paulo César Boni Universidade Estadual de Londrina

Profa. Dra. Florentina das Neves Souza Universidade Estadual de Londrina

Profa. Dra. Silvia Helena Zanirato Universidade de São Paulo/Universidade Estadual de Maringá

Londrina, 25 de fevereiro de 2010.

À minha filha Juliana, um anjo em minha vida

À minha mãe, meu porto seguro. Obrigada pelas orações, carinho e acolhida. Uma bênção poder desfrutar de novo do seu colinho

A meu pai, luz da minha vida

Aos meus irmãos, Wagner, Roseli e Wanderly, meus incentivadores desde a graduação

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me conceder mais essa bênção: a realização de um sonho profissional

Ao Prof. Dr. Paulo César Boni, meu orientador, amigo e exemplo de profissionalismo. Obrigada por acreditar e confiar em mim

À minha família, pela confiança, apoio e carinho em todos os momentos

À Anita e Valdemiro Kopp, por me permitir entrar na história da família

Aos professores, que contribuíram para que eu chegasse até aqui

Ao Prof. Marcelo Plens, pela oportunidade de voltar aos estudos, passo fundamental para as outras etapas

Ao Prof. Sérgio Barbosa, por acreditar em meu trabalho e me permitir ingressar na carreira acadêmica

À professora Maria Irene, por me ensinar a ouvir o mato a crescer

À professora Nelyze, que me mostrou que dedicação e força de vontade rompem fronteiras

Ao Godoy, pela sua paciência e disponibilidade em me atender na recuperação do acervo fotográfico

Ao Valdemar, que durante minha ausência foi pai e mãe. E à sua mãe, Lourdes, pelo apoio constante

À CAPES, pela Bolsa de Estudos

Ao professor Valdir Andrêo, pela revisão ortográfica

Às amigas Ieda Borges e Eurides Batella Antonio, pelo apoio e incentivo constantes

Aos tios Valdomiro e Maria da Graça, pelo carinho em todos os momentos

Aos amigos, pelas orações e por acreditarem que venceria mais uma etapa. Alguns, mesmo distantes, estiveram sempre presentes. Como diz o poeta Vinícius de Morais “os verdadeiros amigos estão lá, não importa quanto tempo e quantos quilômetros estejam entre vocês. Um amigo nunca está mais distante do que o alcance de uma necessidade,

torcendo por você, intervindo a seu favor e esperando você de braços abertos; abençoando sua vida!. Todos nós, quando iniciamos esta aventura chamada vida, não sabíamos o quanto precisaríamos uns dos outros”. Obrigada a todas as pessoas especiais que dão sentido à minha vida!

"O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."

Guimarães Rosa

POPOLIN, Cássia Maria. Da Áustria ao Paraná : a trajetória imagética de Hans Kopp,

primeiro fotógrafo de Rolândia-PR. 2010. 93 páginas. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010.

RESUMO

Este trabalho resgata a trajetória imagética do primeiro fotógrafo de Rolândia (PR), o austríaco Hans Kopp, que imigrou para o Brasil depois de haver combatido na Primeira Guerra Mundial. Fincou raízes no norte do Paraná, onde registrou fotograficamente o despontar das novas cidades. O trabalho faz uma retrospectiva da vida e obra de Hans Kopp, de seu nascimento, em 1899, na Áustria, até sua morte em julho de 1991, em Rolândia. Propõe um resgate da memória “coagulada” na fotografia e a utiliza como ponto de partida para desvendar histórias latentes da família Kopp e das cidades de Rolândia e Londrina. Sua história e memória estavam literalmente guardadas no fundo de um baú, em poder de seus descendentes. A autorização da família para a imersão em seus arquivos foi fundamental para o sucesso da proposta deste trabalho. Os métodos utilizados foram: revisão de literatura, pesquisa documental, história oral e análise fotográfica. A revisão de literatura foi direcionada em duas vertentes: fotografia e memória e história do norte do Paraná. A pesquisa documental foi realizada em documentos disponíveis no Museu Municipal de Rolândia e no acervo da família Kopp. A história oral para a realização de entrevistas e a análise fotográfica para melhor compreensão dos documentos iconográficos coletados durante a pesquisa. Neste sentido, a linha norteadora do trabalho foram obras do pesquisador Boris Kossoy, com seus estudos teóricos e estéticos centrados na expressão fotográfica e à aplicação da iconografia como fonte de pesquisas históricas e sociais e preservação da memória.

Palavras-chave: História de Rolândia (PR); fotografia e memória; Hans Kopp; documentos iconográficos

POPOLIN, Cássia Maria. From Áustria to Paraná: the images of Hans Kopp trajectory, the first photographer from Rolandia – PR. 2010. 93. Essay ( comunication master’s degree) – State University of Londrina, Londrina, 2010.

ABSTRACT

This paper salvages the image trajectory of the first photographer of Rolandia (PR), the Austrian Hans Kopp who came to after he’s fought in the First World War. He built his life on the North of Paraná, where he registered with photos the birth of the new cities. The paper is a retrospective of Hans Kopp’s life and work, from his birth in 1899, in Austria, to his death in July of 1991, in Rolandia. It proposes a salvage of the memory in the photography and uses it to find out about latent stories about Kopp family and the cities of Rolandia and Londrina. His history and the memory was literally put away in a bottom of a trunk, whose belonged to his decendents. The family’s permission to use their datas was essencial to succeed in the propose of this paper. The methods used were: review of literature, documental search, oral history and photografy analysis. The review of literature was divided into two ways: photography and memory and history of the North of Paraná. The documental search was done with documents available in the history museum of Rolandia and in the Kopp’s family heritage. The oral history was used to do some interviews and the photography analysis to understand better the documents collected during the search. In this way, the line used to guide this paper was works of the researcher Boris Kossoy, with his theoretical and aesthetic studies focused in the photography expression and in the application of the iconographia as a source of historical and social search and the memory conservation.

Key – words : History of Rolandia (PR); Photography and memory; Hans Kopp; iconographical documents.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa da Áustria...... 17

Figura 2 - Cartão postal de Nassereith...... 18

Figura 3 - Hans Kopp aos 10 anos, com a família...... 18

Figura 4 - Casa da família Kopp, na Áustria...... 19

Figura 5 - Hans Kopp aos 15 anos...... 19

Figura 6 - Hans Kopp com o tio, na Áustria...... 20

Figura 7 - Hans Kopp com soldados que participaram da Primeira Guerra Mundial...... 21

Figura 8 - Campo de concentração na Itália...... 21

Figura 9 - Hans Kopp na mina de carvão...... 22

Figura 10 - Primeiro passaporte...... 23

Figura 11 - Hans Kopp com a irmã Katy e o cunhado...... 23

Figura 12 - Mapa do Paraná...... 24

Figura 13 - Hans Kopp e o trabalho com a máquina a vapor...... 24

Figura 14 - Certidão de casamento...... 25

Figura 15 - Olga e Hans Kopp...... 25

Figura 16 - Casa em Imbituva...... 26

Figura 17 - Hans Kopp com os filhos Ivone, Elly e Valdemiro...... 27

Figura 18 - Os filhos Ivone, Valdemiro, Elly e Elma...... 27

Figura 19 - As filhas Elma e Ivone com um casal de amigos...... 28

Figura 20 - Hans Kopp com traje típico da Áustria...... 28

Figura 21 - As filhas Elma e Ivone...... 29

Figura 22 - Cavalos puxando carro preso na lama...... 29

Figura 23 - Hans Kopp tocando violão...... 30

Figura 24 - Hans Kopp com a cunhada Rosa e a esposa, em ...... 31

Figura 25 - Circo Sarrasani, em Curitiba...... 31

Figura 26 - Transporte de erva mate para o Porto de Antonina...... 32

Figura 27 - Mudança da família para Jacarezinho, em 1935...... 32

Figura 28 - Panfleto publicitário do Foto Vienna em Jacarezinho...... 33

Figura 29 - A filha Ivone, fotografia colorizada pela mãe...... 34

Figura 30 - Recibo de compra do sitio, emitido pela CTNP...... 35

Figura 31 - Primeira casa em Rolândia...... 35

Figura 32 - Construção da casa do sitio da família...... 36

Figura 33 - A filha Elly...... 37

Figura 34 - Olinda brincando com a máquina de costura da mãe...... 38

Figura 35 - Plantação de trigo no Sítio Tirol...... 39

Figura 36 - Hans Kopp com os filhos no terreiro de café...... 40

Figura 37 - Os filhos Anita e Alfonso...... 40

Figura 38 - Recibo de compra do caminhão Mercedes 312...... 41

Figura 39 - Valdemiro com o caminhão carregado de café...... 41

Figura 40 - Anita e Valdemiro com o caminhão da década de 50...... 42

Figura 41 - Família Kopp...... 43

Figura 42 - Família Kopp...... 43

Figura 43 - O filho Valdemiro com o cachorro da família...... 44

Figura 44 - Título de eleitor...... 45

Figura 45 - Amigos e familiares em frente à casa do sítio...... 45

Figura 46 - Hans Kopp subindo uma árvore para fotografar...... 46

Figura 47 - Vista aérea de Rolândia...... 46

Figura 48 - Vista aérea de Londrina...... 47

Figura 49 - Hans Kopp...... 48

Figura 50 - Casa na Argentina...... 49

Figura 51 - Casamento da filha Elma...... 49

Figura 52 - Rio Uruguai...... 50

Figura 53 - Olinda, Anita, Laura e Alfonso...... 50

Figura 54 - Valdemiro fazia o transporte do barco até o rio Paraná...... 51

Figura 55 - Hans Kopp no barco que construiu com o filho Valdemiro...... 51

Figura 56 - Valdemiro no barco com o pai...... 52

Figura 57 - Colheita de arroz, em União da Vitória...... 52

Figura 58 - Passaporte emitido em 1966 para sua viagem à Áustria...... 53

Figura 59 - Viagem à Áustria...... 53

Figura 60 - Visita à Áustria...... 53

Figura 61 - Revendo a casa em que morou na Áustria...... 54

Figura 62 - Celebração das Bodas de Ouro...... 54

Figura 63 - Família reunida em 1982...... 55

Figura 64 - Hans Kopp e Olga com os netos...... 55

Figura 65 - Revendo a irmã Katy...... 56

Figura 66 - Aniversário de 90 anos...... 57

Figura 67 - Jazigo da família Kopp...... 57

Figura 68 - Estação Ferroviária de Rolândia...... 60

Figura 69 - Documento datilografado para o Museu Municipal de Rolândia...... 61

Figura 70 - Avenida Getúlio Vargas, em 1937...... 62

Figura 71 - Escola Alemã...... 63

Figura 72 - Casa Abrunhosa...... 64

Figura 73 - Primeira missa campal em Rolândia...... 64

Figura 74 - Tela de Victor Meirelles...... 64

Figura 75 - Ivone e Hans Kopp em 1937...... 65

Figura 76 - Rolândia, em 1939...... 66

Figura 77 - Vista aérea de Rolândia, em 1940...... 66

Figura 78 - Hans Kopp na lavoura de café...... 67

Figura 79 - Kopp rastelando café para secagem...... 67

Figura 80 - Inauguração da réplica da estátua de Roland...... 68

Figura 81 - Kopp durante desfile na avenida Expedicionários...... 69

Figura 82 - Diploma de Honra ao Mérito...... 69

Figura 83 - Homenagem recebida do fundador Oswald Nixdorf...... 69

Figura 84 - Vista da rua Hans Kopp...... 70

Figura 85 - Identificação da rua Hans Kopp em uma das casas...... 71

Figura 86 - Casa do sítio...... 73

Figura 87 - Casa de palmito no sítio...... 73

Figura 88 - Hans Kopp em frente à casa do sítio...... 74

Figura 89 - Hans Kopp orgulhava-se das produções do sítio...... 75

Figura 90 - Tela de Robert Campin...... 77

Figura 91 - Olga amamentando Valdemiro...... 77

Figura 92 - Olga com as filhas Elly e Ivone...... 77

Figura 93 - "Mãe Migrante", fotografia de Dorothea Lange...... 77

Figura 94 - Imagem recuperada do negativo de vidro...... 78

Figura 95 - Festa em comemoração ao Dia do Trabalhador...... 80

Figura 96 - Vista aérea de Rolândia...... 81

Figura 97 - Vista aérea de Rolândia ...... 81

Figura 98 - Londrina...... 82

Figura 99 - Londrina...... 82

Figura 100 - Colheita do trigo...... 83

Figura 101 - Hans Kopp na Áustria...... 86

Figura 102 - Hans Kopp em Rolândia...... 86

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CTNP Companhia de Terras Norte do Paraná

UEL Universidade Estadual de Londrina

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 12

2 UM PIONEIRO EM FOCO ...... 17

2.1 E M IMBITUVA ...... 24 2.2 Rumo ao norte do Paraná...... 36 2.3 A fotografia, sua paixão...... 46 2.4 Em terras argentinas...... 52 2.5 Realizando um sonho...... 57 2.6 Momentos em imagens...... 58

3 A ROLÂNDIA QUE HANS KOPP ENCONTROU...... 62 3.1 Hans Kopp chegou a Rolândia em 1936...... 64

4 FOTOGRAFIA E MEMÓRIA ...... 76 4.1 Além da realidade exterior...... 85

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 87

REFERÊNCIAS ...... 92

12

1 INTRODUÇÃO

Em 2009, foram comemorados os 80 anos do início da colonização do norte do Paraná. Segundo Paulo César Boni (2009, p.11) “em 21 de agosto de 1929, a primeira caravana da Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP, chefiada por George Craig Smith, chegou ao local hoje conhecido por ‘Marco Zero’ de Londrina e deu início aos trabalhos de agrimensura e demarcação de terrenos”. A responsabilidade da colonização coube a um grupo de ingleses, liderados por Lord Lovat. Sua primeira visita ao Brasil foi em 1924, com dois objetivos. Primeiro, como técnico em agricultura e reflorestamento, acompanhou a Missão Montagu 1, onde deveria emitir parecer sobre o Brasil nesta área; e segundo, como acionista da companhia inglesa Sudan Plantations , veio para verificar a possibilidade de investir seu capital em terras brasileiras, com vistas a produção do algodão que importava em larga escala, para suprir as indústrias têxteis inglesas. Lorde Lovat viajou muito pelo interior do Brasil. Em uma de suas paradas, chegou ao norte do Paraná, mais precisamente em Jacarezinho. Foi recepcionado pelo fazendeiro Major Barbosa Ferraz Junior, pelo prefeito Willie Davids e pelos diretores da Companhia de Estrada de Ferro São Paulo-Paraná, Antonio Ribeiro dos Santos, Gabriel Silveira dos Santos e Manoel Silveira Correa. Como pontua Cláudia Portellinha Schwengber (2003, p.17) “eles estavam interessados em convencer os ingleses a aplicar seus investimentos na continuidade da construção da estrada de ferro que estava parada em Cambará”. Durante a visita, Lord Lovat recebeu a informação de que havia uma vasta área de terras férteis, que o governo paranaense estava oferecendo por baixíssimo preço, devido à falta de estrada na região. Com muitos planos, voltou à Inglaterra e convenceu os diretores da Sudan Plantations a adquirir as terras do Paraná. Para efetuarem a compra foi necessária a criação de uma subsidiária no Brasil, que denominaram de Companhia de Terras Norte do Paraná – CTNP. Para o cargo de diretor gerente foi nomeado Arthur Thomas. Entre 1925 e 1927 adquiriram um total de 515 mil alqueires, uma área inteiramente coberta de floresta subtropical. A CNTP contou com o apoio do governador do Paraná Dr. Afonso Camargo. Segundo Schwengber (2003, p.18), “legalizada a compra da terra, os ingleses dedicaram-se de imediato ao trabalho de sua exploração e ao estudo de seu

1 Chefiada por Lord Montagu, a missão fazia parte do plano de governo do presidente Arthur Bernardes (1922- 1926) e consistia em estudar a situação financeira do Brasil, econômica e comercial com vistas, de um lado à consolidação da dívida para com a Inglaterra e, de outro, a reformulação do nosso sistema tributário. 13 povoamento. Os anos de 1928, 1929 e 1930 foram de grande atividade para a obra da colonização que se planejava fazer”. Outro acontecimento foi a aquisição da Companhia da Estrada de Ferro São Paulo-Paraná, em 1928, pela Paraná Plantations, recomeçando o trabalho da continuação da estrada de ferro. Em 1932, os trilhos chegavam a Jataí, às margens do rio . Daquele ponto em diante a construção se efetuou por etapas. Em Rolândia, a inauguração da estrada de ferro aconteceu em janeiro de 1936. A CTNP projetou vários núcleos urbanos abastecedores com escolas, farmácias, hospitais, comércio e administração, criando as cidades de Londrina, Maringá, e . Todas teriam estação ferroviária, rodoviária e aeroporto. A partir de 1929, começou um minucioso estudo sobre as condições das terras, e somente depois a CTNP dividiu-as em pequenos lotes rurais, não superiores a 30 alqueires. Estava criado um novo sistema de loteamento no Brasil, que até então só loteava grandes áreas. Em pouco tempo, o norte do Paraná 2 foi colonizado. A excelente qualidade da terra, com preço bom e facilidade no pagamento, ótimo clima, topografia suave, rede hidrográfica abundante e a linha férrea, que avançava dia-a-dia, foram pontos primordiais para atrair mineiros, paulistas, imigrantes e filhos de imigrantes que moravam em São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ao escrever o capítulo sobre Rolândia, foram encontradas apenas citações do primeiro fotógrafo da cidade, Hans Kopp. Nenhum dos livros publicados sobre o município traz referências à história daquele pioneiro. Em face da escassez de informação e do interesse na área de fotografia, tomamos este como objeto de estudo de nossa pesquisa, com o objetivo de buscar e desvendar sua história pessoal, levantar o material iconográfico e revelar a importância da fotografia como documento histórico. Nosso recorte abrange do nascimento de Hans Kopp, em 1889, até 1991, quando recebe uma homenagem póstuma e empresta seu nome a uma das ruas do bairro Santiago. Para recuperar essa história, contamos com o apoio incondicional dos filhos, Anita e Valdemiro Kopp, que prontamente nos receberam e abriram o baú, onde estava literalmente guardada a história de Hans Kopp. De acordo com Boris Kossoy (2007, p.156), “fotografia é memória e com ela se confunde. É uma fonte inesgotável de informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida individual e social”. Recuperar a história de Hans Kopp, em texto e imagens, é preservar seu legado gravado com a sensibilidade do filme e do olhar. Fotografias e documentos contam a trajetória desse

2 Para marcar os 80 anos da colonização, o grupo de pesquisa Comunicação e História, cadastrado no CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em desenvolvimento na UEL, organizou o livro: Certidões de Nascimento da História: o surgimento de municípios no eixo Londrina-Maringá . 14 austríaco que combateu na Primeira Guerra Mundial, saiu de seu país e construiu sua vida em terras paranaenses. Por trás de cada imagem selecionada para esta pesquisa, fragmentos interrompidos da realidade, inventário de informação a respeito de um determinado momento do passado. A fotografia passa a documento visual, testemunhando a atuação do fotógrafo enquanto filtro cultural. Hans Kopp soube registrar imageticamente a história da família, suas aspirações, suas tradições, seus costumes e seu cotidiano. Gravou em imagens momentos únicos que contam, constroem e moldam a história de uma época. Analisar suas imagens é observar as transformações ocorridas ao longo desses 80 anos, nos mais diferentes aspectos sociais e culturais, como vestimenta, meio de transporte, costumes, tradições e até o cultivo das lavouras. Aliando os recursos técnicos ao “olhar-leitor”, aos poucos Hans Kopp foi construindo um repertório de imagens, igual a um banco de dados. Com olhar estrangeiro, passeou pelas cenas do cotidiano descobrindo novas maneiras de “falar” e uma infinidade de olhares capazes de despertar curiosidades e reflexões. O que era banal e corriqueiro ganhou uma observação mais atenta. O visor da câmera fotográfica de Kopp, além de captar imagens, deixou escrito na química do papel, histórias e emoções que o tempo não dissipou. Recuperar essas imagens e revelar suas histórias latentes é comprovar a importância do documento fotográfico. Homem e câmera se fundem para formar uma unidade funcional inseparável e registrar cenas que se descortinam diante de seus olhos. Toda fotografia é um golpe, como destaca Phillipi Dubois (2004). Qualquer ato de tomada ou de olhar a imagem é uma tentativa de fazer uma jogada e, com o auxílio da câmera fotográfica, Hans Kopp construiu e desconstruiu uma partida em movimento. O olhar aguçado, aliado à sensibilidade, à técnica e à percepção criou uma nova maneira de registrar o mundo e “falar” sobre lugares, costumes e a vida familiar. As câmeras “dialogam com informações luminosas”, como descreve Arlindo Machado (1984, p.11) e vão construindo um acervo histórico. Com a câmera nas mãos, Hans Kopp descobriu visões até então jamais percebidas, como as imagens das cidades feitas de cima das árvores. Somente um olhar estrangeiro, como define Adauto Novaes (1988, p.363), aquele que não é do lugar, que acabou de chegar, é capaz de ver aquilo que os que lá estão não percebem. Ele é capaz de olhar as coisas como se fosse pela primeira vez e de viver histórias originais. O fotógrafo age e produz símbolos, manipula-os e os armazena. Escritores e pintores fazem o mesmo. O resultado dessa atividade são mensagens transformadas em livros, quadros, projetos e retratos. Não servem 15 para serem consumidas, mas para informar: serem lidas, re-lidas, contempladas, analisadas e levadas para outras gerações. Muito mais que um suporte imagético, a fotografia também traz reflexões e histórias impregnadas em sua superfície. Ao longo desta pesquisa, observamos que a fotografia - ou o conjunto de fotografias de Hans Kopp, - congela fragmentos desconectados de um instante de vida das pessoas, coisas, natureza, paisagens urbanas e rurais. No decorrer das análises foi possível recuperar “micro-histórias”, termo usado por Kossoy (2001, p.117), implícitas nos conteúdos das imagens e, assim, reviver o assunto registrado. A fotografia está definitivamente inserida na história cultural. Como ratifica Kossoy (2001, p.138) ela se faz presente como meio de comunicação e expressão em todas as atividades humanas. A imagem tem feito parte indissociável da experiência humana. O primeiro capítulo conta a trajetória de Hans Kopp, desde seu nascimento na Áustria, até seu falecimento em Rolândia. Resgata sua história em texto e imagens, recupera fotografias de família e conta sua passagem por Imbituva, Jacarezinho, Rolândia, Argentina, Mato Grosso e União da Vitória. Destaca suas atividades profissionais e suas paixões pela agricultura e pela fotografia. Recupera imagens aéreas das cidades, capturadas de cima de uma árvore. Optou-se por iniciar por sua vida e obra, para que o leitor, num primeiro momento, conheça o personagem que é o objeto desta pesquisa. O capítulo 2 trata do surgimento de Rolândia, cidade em que Hans Kopp viveu 55 anos. Foi pioneiro e registrou com suas lentes a cidade despontar no meio da mata virgem. A recuperação de várias imagens vão pontuando e colocando numa sequência cronológica a cidade que Hans Kopp encontrou, quando chegou em 1936. E no capítulo 3, destaque para fotografia e memória. A importância da fotografia para a recuperação da história, como documento social e memória. Análise de imagens produzidas por Hans Kopp mostra que a fotografia é, atualmente, fonte de pesquisa, ao contrário de quando era apenas ilustração. Nesse percurso, chegou a suplantar o texto, na década de 60, e foi alçada ao status de documento, na década de 80. Autores como Boris Kossoy e Mirian Leite comprovam que a fotografia é muito mais do que a superfície visível: ela é mágica, não é ela que se vê, mas um discurso que se desencadeia em torno dela. Os métodos utilizados foram: pesquisa bibliográfica, documental e história oral. Para a análise fotográfica, utilizamos como linha norteadora a proposta de Kossoy (2001, p.118): “a análise iconográfica e a interpretação iconológica”. A análise iconográfica são os elementos “materiais”, o que se encontra explícito. E a interpretação iconológica é o imaterial, são as histórias implícitas, os fatos ausentes da imagem, que estão além da verdade 16 iconográfica. A revisão de literatura aborda duas frentes: fotografia e memória e história do norte do Paraná. A pesquisa documental foi realizada em documentos disponíveis no Museu Municipal de Rolândia e no acervo da família Kopp. A técnica da história oral, aliada ao vasto material iconográfico encontrado, foi fundamental para desvendar as histórias latentes e reavivar a memória silenciada pelo tempo. José Carlos Meihy (2002, p.13) define a história oral: “É um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas ou de grupos. Ela é sempre uma história do tempo presente.” A fonte oral se assemelha também a um livro autobiográfico, que é aceito como documento escrito, mas com uma vantagem adicional, como destaca Paul Thompson (1998, p.197): pode ser questionada pelo pesquisador na tentativa de “descolar as camadas da memória, cavar fundo suas sombras na expectativa de atingir a verdade oculta”. Todas as entrevistas foram realizadas pessoalmente, na casa dos entrevistados. Neste entrelaçamento de informações, foi possível reconstruir a história de Hans Kopp e ratificar a importância da fotografia para recuperação da memória e documento histórico. Nas palavras de Kossoy (2001, p.77) “é justamente pelo contínuo cruzamento das informações implícitas e explícitas do documento como um todo, que se poderá reconstituir o processo que culminou com a materialização iconográfica de um artefato fotográfico num particular lugar e época”, assim determinando com precisão os componentes que geraram essa fonte histórica. 17

2 UM PIONEIRO EM FOCO

A colonização do norte do Paraná completou 80 anos, em 2009. A fama da fertilidade da terra vermelha logo se espalhou por várias regiões do país e o norte do Paraná ficou conhecido como a Canaã brasileira. Dos imigrantes que colaboraram no desenvolvimento de Rolândia, destacam-se japoneses, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, sirio-libaneses, húngaros, suiços, poloneses, tchecos e austríacos. A história de Rolândia, a exemplo dos outros municípios do norte do Paraná, foi construída com o trabalho, superação de dias difíceis em meio à mata virgem, determinação de seus pioneiros, homens vindos de vários lugares do Brasil e do exterior. Nesta viagem ao passado, recuperamos a história do austríaco Hans Kopp, primeiro fotógrafo de Rolândia. Imagens que guardam histórias latentes da sua vida, da sua família e das cidades que ele viu despontar em novas terras, registradas e perpetuadas através de suas lentes. A saga desse pioneiro começa em Nassereith, uma pequena cidade austríaca no estado do Tirol (Figuras 1 e 2), cercada por montanhas, quase divisa com a Alemanha. Johann Kopp 3 nasceu em 17 de setembro de 1899, filho de Alois Kopp e Mari Grutsch. Teve uma infância tranquila ao lado dos pais e dos sete irmãos (Figuras 3 e 4). Aprendeu as técnicas do alpinismo e, desde muito jovem, gostava de bicicletas e de aventuras. (Figura 5)

Figura 1 – Em vermelho, localização da cidade de Nassereith Fonte: Novo Atlas Universal (p. 61)

3 Quando chegou a Imbituva - PR (1923) alterou o nome para João Evangelista para facilitar a pronúncia. Mas, pouco tempo depois, mudou para Hans, como ficou conhecido. Johann e Hans são formas germânicas de João.

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Figura 2 – Cartão postal da cidade natal de Hans Kopp Fonte: Coleção de postais da família

Figura 3 - Hans Kopp aos 10 anos (primeiro à esquerda em pé) com os pais e irmãos, na Áustria, em 1909 Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

19

Figura 4 – Casa da família Kopp, na Áustria. Totalmente reformada, hoje é uma pousada Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Figura 5 – Aos 15 anos, Hans Kopp e sua inseparável bicicleta Fotografia: Autor desconhecido Fonte : Acervo da família

20

Figura 6 – Hans Kopp, à direita, com o tio, irmão do pai, na Áustria. A parede da casa é revestida com tábuas pequenas. No Brasil, ele usou essa técnica para cobrir sua primeira casa em Rolândia (PR) Fotografia : Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Mas foi a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que mudou o rumo de sua história e marcou sua vida. Em 1917, foi convocado para participar da guerra Mundial (Figura 7). Como lança-chamas, viu de perto o horror: morte, destruição e fome. Com o fim da guerra, foi levado preso junto com outros soldados para um campo de concentração na Itália (Figura 8). Enfrentou o rigoroso frio europeu e a fome. Segundo a filha, Anita Kopp 4, o pai foi um sobrevivente. Como era muito criativo, durante o dia pegava galhos secos para forrar o chão congelado pela neve e, naquela cama improvisada, conseguia driblar o frio. Muitos soldados não resistiram e morreram. Todas as manhãs, a mesma cena: corpos de soldados sendo recolhidos e enterrados numa vala comum.

4 KOPP, Anita. Entrevista concedida à autora em 30 de janeiro de 2009.

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Figura 7 - Hans Kopp participou da Primeira Guerra Mundial, imagem captada em 1917 antes de partir para o front. Terceiro, sentado, da direita para a esquerda Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Figura 8 – Campo de concentração onde Hans Kopp permaneceu como prisioneiro, na Itália Fonte: Acervo da família

A escassez de alimentos foi outro grande desafio. Faziam permuta de objetos por alimento, a última troca foi o relógio por um pedaço de pão. Para continuar se alimentando, Anita conta que o pai e os outros soldados comeram até ratos. Colocavam armadilhas para pegá-los e aferventavam a carne em um tacho. Muitas vezes, era apenas isso que tinham para comer. Segundo Anita, o pai emagreceu muito, chegando a ficar com 40 kg. Ali, permaneceu por mais de um ano e só foi libertado em outubro de 1919. Quando retornou para a Áustria (Figura 9), Kopp foi trabalhar em uma mina de carvão. Traumatizado com tudo que vivenciou, começou a planejar sua mudança para um lugar distante do cenário de guerra. Como tinha amigos no Paraná, escolheu o Brasil como 22 sua nova pátria. Nesse meio tempo, aprendeu a fotografar e se apaixonou pelo ofício.

Figura 9 - Após ser libertado do campo de concentração, Hans Kopp foi trabalhar em uma mina de carvão (primeiro à esquerda), em 1919 Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Em 1923 (Figura 10) embarcou para o Brasil, acompanhado por sua irmã Katy e o cunhado (Figura 11). Uma imagem, produzida em estúdio, eternizou seus últimos momentos na Áustria. Nota-se, no cenário, a reprodução em pintura de um ambiente clássico. Os homens vestindo terno e gravata e o casal sentado, com postura ereta, reforçam a formalidade que envolvia a fotografia a partir da metade do século XIX. Como recorda Peter Burke (2004, p.34-35), “os retratos registram não tanto a realidade social, mas ilusões sociais, não a vida comum, mas performances especiais”. A irmã não se adaptou ao Brasil e se mudou com o marido para Buenos Aires, Argentina.

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Figura 10 - Passaporte de Hans Kopp, de 1923, ainda com o nome Johann Fonte: Acervo da família

Figura 11: A irmã Katy, Hans Kopp (em pé) e o cunhado, ainda na Áustria Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

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Figura 12: Cidades em que Hans Kopp morou no Paraná. Na sequência, Imbituva (vermelho), Jacarezinho (branco), Rolândia (azul), Londrina (verde) e União da Vitória (amarelo) Fonte: Novo Atlas Universal (p.44 e 45)

2.1 Em Imbituva

Hans Kopp permaneceu em Imbituva, trabalhando numa máquina a vapor (Figura 13). Em 1924 casou-se com Olga Wanda Viertel (Figuras 14 e 15), com quem teve 10 filhos – dois homens e oito mulheres. Os cinco primeiros nasceram em Imbituva e os últimos cinco em Rolândia. Ivone (03/12/1924) é a mais velha e mora atualmente numa cidade litorânea do Paraná. Elma (03/03/1926), em Rolândia; Elly (05/01/1929), em Curitiba; Valdemiro (05/09/1930), em Rolândia; Anselma (09/05/1932), em Londrina; Yolanda (04/04/1936), em Londrina; Olinda (11/09/1938), em Cuiabá (MT); Laura (27/07/1940), em Londrina; Anita (18/05/1944), em Rolândia e Alfonso (29/06/1946), em Cáceres (MT).

Figura 13 – Em Imbituva, trabalhou com máquina a vapor Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família 25

Figura 14 – Certidão de casamento religioso, realizado em 1935. Na certidão, Hans Kopp usa o nome de João Fonte: Acervo da Família

Figura 15 – Olga e Hans, pouco tempo depois do casamento Fotografia : Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Na figura 16, Hans Kopp está em frente à casa em que morou com a família em Imbituva. Na época em que chegou à cidade, Imbituva já tinha 52 anos de fundação. 26

Talvez esse seja um dos motivos para o fato de que não haja nenhuma referência dele na cidade, conforme informou a Secretaria de Cultura daquele município, através de e-mail. Um lugar tranquilo para se viver. A nova pátria, longe da guerra, a chegada dos filhos, novos costumes e muitas esperanças. Sempre com a câmera nas mãos, registrou muitos momentos da vida em família. Fragmentos do cotidiano, congelados no tempo, guardam histórias latentes ou como pontua Miriam Leite (1993, p.14) “mesmo em sua aparente banalidade, traz sempre para o presente as marcas indeléveis de nosso destino histórico. O destino que segue adiante e que contemplamos distraídos ao folhear displicentemente, um álbum de retratos”.

Figura 16 – Hans Kopp em frente à sua casa, em Imbituva Fonte: Acervo da família

Na figura 17, Hans Kopp com os três filhos Ivone, Elly e Valdemiro, na motocicleta, uma de suas paixões (começou com a bicicleta, na Áustria), utilizada para lazer e trabalho. Em vários momentos familiares, a motocicleta esteve presente (Figuras 18 e 19) Valdemiro conta que o pai prestava assistência técnica às máquinas a vapor, nas propriedades rurais. Adorava colocar sua roupa típica da Áustria, bombacha com polaina para proteger do frio e de picadas de cobra. E, na cintura, o cordão do relógio, todo em vidrilho (Figura 20). Como o frio na região de Imbituva era rigoroso, o pai, em alguns momentos de reta, colocava as mãos nos bolsos e deixava a motocicleta seguir sozinha. “O pai adorava uma aventura,” relembra Valdemiro. 27

Figura 17 – Hans Kopp com os filhos Ivone, Elly e Valdemiro, em 1932. Fotografia recuperada de negativo de vidro Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo de família

Figura 18 – Ivone, Valdemiro, Elly e Elma, em Imbituva (1932) Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

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Figura 19 – Elma, casal de amigos e Ivone – 1940, no sítio da família, em Rolândia Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 20 – Hans Kopp gostava de usar roupa típica da Áustria Fotografia: Hans Kopp (disparador automático) Fonte: Acervo da família

Nesta outra imagem (Figura 21), as filhas Elma e Ivone, com roupas tricotadas a mão, pela mãe. Na cadeira, pele de onça caçada na mata, em Imbituva. Dessa aventura, Hans Kopp não participou, embora tivesse armamento trazido da Áustria. Na figura 22, suas lentes registraram uma cena comum em dia de chuva: a carroça socorrendo mais um carro atolado em terras paranaenses; ao fundo, os pinheiros típicos da região. Anita conta que o pai estava sempre bem humorado e compôs uma música em alemão satirizando esta imagem. E a cantava sempre, principalmente nos dias de chuva. 29

Figura 21 – As filhas, Elma e Ivone Fotografia : Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 22 – Cena comum em época de chuva: cavalo desatolando veículos Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

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Seu talento extrapolava a fotografia; a música também fazia parte do seu dia-a- dia. Na figura 23, com as filhas Elma, Ivone e Elly tocava violão e a cunhada Rosa, bandolim. Esta imagem, além de uma cena do cotidiano da família Kopp, traz impregnada em sua química o registro de uma época. Analisando a cunhada Rosa, percebe-se um visual garçonne, nome dado ao visual da mulher no início do século 20. Depois da Primeira Guerra Mundial, a emancipação feminina passou a ser debatida pela sociedade. E a moda, nos anos 20, trouxe vestidos soltos de cintura baixa e mais curtos, com faixas nos quadris. Os cabelos curtos ficavam colados ao couro cabeludo, com uma ou mais mechas pequenas grudadas e desenhadas na testa ou nas costeletas, que ficaram conhecidas como pega-rapaz.

Figura 23 – A música sempre esteve presente no cotidiano de Hans Kopp Fotografia: Hans Kopp Fonte : Acervo da família

Antes de se mudar para Jacarezinho, Hans Kopp, a mulher e a cunhada Rosa, irmã de Olga, foram a Curitiba (Figuras 24 e 25) visitar parentes e realizar um sonho de Olga: assistir de perto às apresentações do Circo Sarrasani 5. Como explica seu filho Valdemiro, as imagens de Curitiba foram capturadas com o mecanismo do disparador automático. Ele conta que as fotografias de família sempre eram feitas assim. O pai colocava a câmera num tripé, regulava a exposição de luz, acionava o disparador automático e corria para também sair na fotografia.

5 Fundado pelo alemão Hans-Stosch Sarrasani, em 1901, chegou a ter um patrimônio de 400 animais e uma quantidade similar entre artistas e técnicos 31

Figura 24 – Visita a Curitiba. Da esquerda para a direita, a cunhada Rosa, Kopp e sua esposa Olga, na Praça Carlos Gomes, em 31 de dezembro de 1934 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 25 - Circo Sarrasani, em Curitiba Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Concomitantemente à fotografia, Hans Kopp desenvolvia outras atividades. Consertava e afinava piano e consertava e regulava máquinas de costura e relógios. Quando parou de trabalhar com a máquina a vapor, abriu uma fábrica de fechaduras hamburguesa, que não deu certo. Resolveu, então, adquirir um caminhão Chevrolet Pavão 1928 (Figura 26), raio de madeira para transportar erva mate de Imbituva para o Porto de Antonina, de onde era exportada para a Argentina. Como não tinha cabine, era obrigatório o uso de óculos e boné. O sogro e o cunhado o ajudaram a construir a carreta, uma das primeiras da época. Esse mesmo caminhão levou a mudança da família para Jacarezinho, em 1935 (Figura 27).

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Figura 26 – Transporte de erva mate para o Porto de Antonina Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 27 – Mudança da família para Jacarezinho (PR), em 1935 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

2.2 – Rumo ao norte do Paraná

Em Jacarezinho, montou o Foto Vienna (Figura 28), que funcionava anexo à casa da família. Batizou o estabelecimento para homenagear a capital de seu país de origem. O laboratório funcionava no porão da casa e ele sempre contou com a parceria da mulher, que o ajudava nas revelações e na coloração das fotografias (Figura 29). Naquela época, utilizava negativos de vidros, que só permitiam imagens em preto e branco. Para produção em cores, Olga utilizava tinta aquarela para colorir manualmente as imagens. A primeira fotografia 33 colorida permanente foi tirada em 1861 pelo físico James Clerk Maxwell. O primeiro filme colorido, o Autocromo , somente chegou ao mercado em 1907 e era baseado em pontos tingidos de extrato de batata. Em 1935, o primeiro filme colorido moderno, o Kodachrome , foi lançado nos Estados Unidos, sendo produzido pela Kodak até junho de 2009, quando a empresa, em tempo digital, decidiu interromper sua fabricação.

Figura 28 – Panfleto publicitário do Foto Vienna, em Jacarezinho Fonte : Acervo da família

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Figura 29 – Coloração feita por Olga, mulher de Hans Kopp. Na foto, a filha Ivone Fotografia: Hans Kopp Fonte : Acervo da família

Durante o dia, Kopp trabalhava com o caminhão, transportando postes. As crianças não se adaptaram ao clima do local e ele teve que buscar um novo lugar para morar com a família. Atraído pelas notícias da excelente qualidade da terra nos novos municípios que estavam se formando no norte do Paraná, adquiriu da CTNP – Companhia de Terras Norte do Paraná uma propriedade de sete alqueires na Gleba Cafezal, à qual deu o nome de Sítio Tirol, numa lembrança à região da Áustria onde passou sua infância. Assinou o contrato de compra em janeiro de 1936 (Figura 30). Assim como Imbituva, Jacarezinho também não tem nenhuma referência de Hans Kopp, conforme informou a Secretaria de Cultura do município através de e-mail. Quando chegou com a família a Jacarezinho, a cidade já estava com 37 anos. Diferente de Rolândia, que tinha apenas um ano e meio, quando ele comprou suas terras. 35

Figura 30 – Recibo de compra de sua propriedade na Gleba Cafezal, em Rolândia, em 1936 Fonte: Acervo da família

Sua primeira casa em Rolândia (Figura 31) foi construída com caules de palmito e estava localizada no terreno em frente ao da igreja matriz (que ainda não existia). O telhado foi feito de tábuas pequenas, igual à parede da casa na Áustria (Figura 6). Na garagem, o caminhão Chevrolet Pavão, que trouxe a mudança da família para o Paraná. Mais tarde, como não conseguiu vender o caminhão, trocou-o por tijolos. Vendeu os tijolos para a família Abrunhosa, que construiu uma loja. O prédio está até hoje na avenida Interventor , esquina com Monteiro Lobato. Segundo o filho Valdemiro, os tijolos foram assentados com barro.

Figura 31 - Primeira casa de Kopp em Rolândia, feita de palmito. Os filhos Valdemiro e Anselma cortando madeira para o fogão a lenha, em 1936 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família 36

Na casa de palmito nasceu Yolanda, em abril de 1936. Após o nascimento da filha, Kopp resolveu mudar para Londrina, para tentar trabalhar com fotografia. Conforme relatou em depoimento datilografado ao Museu Municipal de Rolândia ficou 10 meses morando com a família em Londrina, mas nesse período só apareceu uma fotografia para fazer. Segundo Boni (2008, p.117) o momento não era, ainda, muito propício para a fotografia. Na década de 1930, todos estavam ocupados demais em “ganhar a vida” e não tinham tempo ou se davam “ao luxo” de tirar fotografias. Hans Kopp voltou para Rolândia, morar na casa de palmito e investir na propriedade rural que havia adquirido. Ele e a mulher iam todos os dias para o sítio e as crianças ficavam em casa: as mais velhas cuidavam dos menores. Derrubaram a mata e construíram uma casa (Figura 32). Mudaram para lá em 1937 e moraram até janeiro de 1981, quando o problema cardíaco da esposa, os fez mudar para a zona urbana, para ficar mais próximos da assistência médica e dos filhos, que já estavam casados e morando na cidade.

Figura 32 – A casa do sítio. A primeira plantação foi de trigo, depois arroz e posteriormente café Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Ele tinha tudo para desistir da fotografia. Com as experiências frustradas de Londrina e Rolândia, esta com pouco mais de dois anos, havia poucas condições para ele continuar na profissão. Não desistiu. Estava sempre com a câmera nas mãos, registrando tudo. O acervo fotográfico da família é riquíssimo. Ele foi capaz de expressar, por meio da fotografia, as infinitas nuances da vida cotidiana. Parafraseando Pedro Karp Vasquez (2003, p.207), “foi capaz de perceber a importância do aparente nada, que é o tudo da vida diária”, 37 como mostram algumas imagens de família. Na figura 33, Hans Kopp registrou a filha Elly brincando na tina d’água, usada como reservatório. A água era retirada do poço e estocada nas tinas, para ser usada durante o dia para lavar a louça e na higiene pessoal; a roupa era lavada nos córregos e rios. Não havia chuveiro, invenção datada de 1940 e atribuída a Santos Dumont. Como relembra Anita, a água era aquecida e colocada num balde, com furos, fixado por uma corda. Ao puxar a corda, abria-se o fundo e saía a água. Era preciso economizar, porque o balde era pequeno e corria- se o risco de acabar a água antes de acabar o banho.

Figura 33 – A filha Elly Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Ao observarmos a imagem, descobrimos elementos que revelam outros costumes da época como o forno a lenha, muito utilizado para assar o pão feito em casa. Anita conta que a mãe era ótima na cozinha e, olhando aquela fotografia conseguiu sentir o cheiro do pão quente saindo do forno. Na figura 34, registrou a filha Olinda brincando com a máquina de costura da mãe. Foi naquela máquina, relembra Anita, que a mãe costurou as roupas da família, muitas peças feitas com os sacos de algodão, que serviam de embalagem para açúcar e farinha. Naquela época quase tudo era feito em casa. A família numerosa, 12 38 pessoas, e a distância da cidade exigiam criatividade e muito trabalho. Até as vassouras eram feitas com mato amarrado.

Figura 34 – Olinda brincando com a máquina de costura da mãe Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Como pontua Burke (2004, p.20-21) “independente de sua qualidade estética, qualquer imagem pode servir como evidência histórica”, mesmo que ela não tenha sido produzida para aquele fim. Hans Kopp, ao registrar a vida familiar, não imaginava que 80 anos mais tarde suas fotografias seriam mídias importantes para a compreensão e documentação das transformações históricas. Através delas, é possível desvendar os costumes da época, equipamentos, vestimentas. Anita conta que muito do material fotográfico do pai acabou se perdendo. Ele nos mandava retirar as películas dos negativos de vidro, para reutilizá-los nas janelas da casa do sítio. Segundo Boni (2008, p.114) sem a “mídia” fotografia, seria preciso usar muito mais palavras, multiplicar substantivos e adjetivos e, mesmo assim, com certeza, os leitores não teriam a mesma visualidade, aquele ar de imersão que a fotografia oferece. A primeira lavoura que Hans Kopp cultivou em sua propriedade foi a de trigo (Figura 35), com sementes doadas pelo governo. De uma saca de semente, colheram 10 sacas do produto. Depois partiu para o cultivo do arroz, chegando a montar uma máquina de beneficiar o produto, mas foi o café (Figura 36) a cultura que a família cultivou por vários anos. Para a construção da tulha, local onde se guardava o café seco, contou com a ajuda do filho Valdemiro para serrar a madeira a mão. 39

Valdemiro relata que o pai era um autodidata, lia muito e estava sempre inovando. “Naquela época, ele já falava em correção do solo, PH, micróbios anaeróbicos e sabia da importância de se colocar cal na terra.”

Figura 35 – Plantação de trigo, primeira lavoura cultivada no Sítio Tirol. À esquerda, embaixo, sombra de Hans Kopp no momento em que fotografava a família Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

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Figura 36 – Hans Kopp rastelando café Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 37 – Anita e Alfonso na rampa de acesso à tulha Fotografia: Hans Kopp Fonte : Acervo da família

Com o dinheiro da colheita, comprou um caminhão Mercedes Benz 312, ano 1950 (Figura 38). Valdemiro já estava com 20 anos e era ele que fazia o transporte do café 41 para vender na cidade. Na época, era obrigatório usar o boné de motorista e, como não havia o triângulo de sinalização, deveriam levar querosene, lampião vermelho e fósforo. A falta de qualquer um desses itens poderia resultar em multa (Figura 39). Nesta imagem, Hans Kopp está em frente ao caminhão, com familiares e funcionários. Era um momento especial e o caminhão carregado de sacas de café era a prova de que sua luta como agricultor tinha alcançado êxito. O caminhão está até hoje com a família, guardado na garagem do sítio de Valdemiro (Figura 40).

Figura 38 – Recibo de compra do caminhão Mercedes 312, ano 1950, pago com o dinheiro da colheita do café Fonte: Acervo da família

Figura 39 - O filho Valdemiro (dentro da cabine) transportava cargas para a cidade Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família 42

Figura 40 – Anita e Valdemiro com o caminhão Mercedes-Benz 1950: relíquia da família Fotografia: Cássia Popolin – 24/10/2009 Fonte: Acervo pessoal da autora

2.3 A fotografia, sua paixão

Anita lembra que, apesar de se dedicar à lavoura, o pai nunca deixou a fotografia. Sempre registrando tudo. Usava ainda negativos de vidro e tinha um laboratório em casa para revelação das imagens. Anita conta, com orgulho, que foi a única filha a tirar uma fotografia no colo do pai (Figura 41). Hans Kopp adorava fotografar a família (Figura 42). Capturou vários momentos, cenas do cotidiano congeladas numa imagem fotográfica, carregada de estesia e histórias, como a figura 43. Valdemiro fez uma viagem ao passado quando olhou esta imagem. Lembrou das travessuras que ele e a irmã Anselma, sua grande companheira de aventura, viveram no sitio da família. As armadilhas para pegar tatu e lagarto, os vários cachorros (todos com o nome de Coque), a vida simples e feliz. Nas palavras de Kossoy (2007, p.146),

com a invenção da fotografia, inventou-se também, de certa forma a máquina do tempo. Com elas (imagens), viajamos no tempo, em direção aos cenários e situações que nelas vemos representados; através de nossas lembranças, de nossa imaginação, viajamos ao passado e vivemos por instantes essa ilusão documental.

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Figura 41 – A família de Hans Kopp Fotografia: Hans Kopp Fonte : Acervo da família

Figura 42 – Valdemiro, Ivone, Ribeiro, Olga, Hans, Olinda, Elma, Yolanda, Laura, Anselma, Anita, Alfonso e Elly, no sítio da família, em 1947 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

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Figura 43 – Valdemiro com o cachorro Coque, após a caçada ao lagarto Fotografia: Hans Kopp Fonte : Acervo da família

Anita recorda com saudade das tardes de domingo. Kopp era um artista. Ele mesmo assinala artista como profissão em seu título de eleitor (Figura 44). Além da fotografia, sua grande paixão era tocar violão e cítara; a mulher e a cunhada tocavam bandolim. A filha conta que, tirando os momentos de crise pós-guerra que deixavam o pai quieto e fechado em seus pensamentos, ele era muito alegre, galanteador e brincalhão. A casa estava sempre cheia de gente e a música tomava conta do ambiente (Figuras 45).

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Figura 44 – No título de eleitor, Hans Kopp assinala “artista” como profissão Fonte: Acervo da família

Figura 45 – As tardes de domingo eram especiais: amigos e música Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Outra paixão de Kopp era fotografar as cidades do alto de uma árvore (Figura 46). Desmontava a câmera, colocava-a numa mochila e se preparava para uma aventura. Utilizando-se de técnicas de alpinismo, improvisava uma escada no tronco da árvore: à 46 medida que subia, pregava tabuinhas que serviam de degraus. Amarrado por uma corda, conseguia chegar ao topo. Lá, escolhia um galho firme, montava a câmera e passava o dia capturando imagens. Fotografou várias cidades da região e registrou do alto, Rolândia (Figura 47) e Londrina (Figura 48), despontando no meio da mata virgem.

Figura 46 - Do alto de uma árvore registrou Rolândia e Londrina, Duas cidades que despontavam em meio à mata virgem Fotografia : Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Figura 47 - Vista aérea de Rolândia captada por Hans Kopp. As iniciais HK, no canto inferior direito, comprovam a autoria da imagem – 1937 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Museu Municipal de Rolândia

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Figura 48 – Londrina. Na esquina à esquerda, as Casas Pernambucanas Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo Museu Municipal de Rolândia

Orion Villanueva 6, autor do livro Rolândia: Terra de Pioneiros (1974), conheceu Hans Kopp logo que se mudou para Rolândia, em março de 1948. Conforme relatou, apresentaram-no como o primeiro fotógrafo da cidade, que também era conhecido como o alemão que subia nas árvores. “Em nosso primeiro encontro, tentei falar em alemão com ele. Mas eu falava muito mal o alemão, ao contrário de Hans que falava muito bem o português. Ele era muito bem humorado e ainda brincou com a situação”, relembra Orion. Hans Kopp ficou conhecido como sendo de procedência alemã, por causa do idioma que falava, mas o alemão era a língua oficial da Áustria, seu verdadeiro país de origem. Villanueva conta que quis saber que idéia era aquela de subir em árvores para fotografar e Kopp respondeu: “estou fixando para o futuro as imagens de uma cidade que está começando”. Relatou que a maior dificuldade era subir com a câmera fotográfica. Ele tinha receio de derrubar o equipamento, pois se quebrasse seria muito difícil consertá-lo. Ele justificava a paixão em registrar cidades dizendo que na Europa havia cidades milenares, que, infelizmente, não existia máquina fotográfica para eternizar as imagens da época que estavam começando, e sentia-se feliz em poder registrar, agora, o início das cidades do norte do Paraná. Segundo Villanueva, Kopp era um homem inteligente, culto, com formação européia e muito criativo. Fazia previsões sobre a cidade e dizia que, em pouco tempo, aquelas casinhas de madeira que ele fotografava seriam substituídas por casas de tijolos. E que o café seria responsável pelo desenvolvimento rápido da cidade. “Quando soube que eu

6 VILLANUEVA, Orion. Entrevista concedida à autora em 5 de janeiro de 2010. 48 estava escrevendo o livro sobre Rolândia, ele me parabenizou e disse que eu estava eternizando nas palavras, o que ele eternizava nas imagens.”

Foto 49 – Hans Kopp – primeiro fotógrafo de Rolândia Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

2.4 Em terras argentinas

No final da década de 40, Valdemiro, seu filho mais velho, estava em idade de se alistar. Com medo de o filho ser convocado para uma possível guerra, mudou com a família para a Argentina (Figura 50). Somente a filha Elma ficou no Brasil morando com a tia Ana, irmã da mãe, no sítio da família. Não queria que seu filho corresse o risco de passar pela dolorosa experiência que havia vivenciado. Para sobreviver, trabalhou como fotógrafo. Vinha ao Brasil apenas para acompanhar a colheita do café e, em uma de suas vindas, fotografou o casamento da filha Elma (Figura 51). O restante da família continuava na Argentina. 49

Figura 50 - Casa construída em El Soberbio, na Argentina, em 1949 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 51 – Casamento da filha Elma. O restante da família continuava morando em terras argentinas Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Valdemiro conta que ele e os irmãos brincavam na beira do rio Uruguai, que ficava próximo ao local onde moravam. “Essa era a paisagem (Figura 52) que avistávamos durante o tempo que moramos naquele país.” Ficaram dois anos. Depois, Hans Kopp voltou com toda a família para o sítio em Rolândia (Figura 53).

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Figura 52 - Rio Uruguai, visto da casa de Hans Kopp, na Argentina Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 53 – Uma das primeiras fotografias tiradas por Hans Kopp na volta ao Brasil. Os filhos Olinda, Anita, Laura e Alfonso, vestindo um típico macacão tirolês, em 1950 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Em 1952, decidiu ampliar os negócios e investir em terras. Adquiriu uma propriedade no Porto Santo Antônio, às margens do rio Paraná, em Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, para cultivar café. Para chegar até a propriedade, precisavam seguir de barco pelo rio. Hans e o filho construíram a embarcação e a transportaram com o caminhão até a margem do rio (Figura 54). Hans Kopp (Figura 55) de um lado do barco e Valdemiro (Figura 56) do outro, desciam o rio remando em busca de novos horizontes. Numa noite, quando pousavam à margem do rio, enfrentaram um forte temporal. Esse episódio fez com que ele reavaliasse suas viagens e decidiu vender as terras. Era muito sacrificado e perigoso, não valia a pena deixar a família e se aventurar por caminhos tão distantes. 51

Figura 54 – Valdemiro dirigia o caminhão que transportava o barco Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 55 – Hans Kopp no barco que construiu com o filho: único meio de transporte para chegar à propriedade no Mato Grosso Fotografia: Valdemiro Kopp Fonte: Acervo da família

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Figura 56 - Valdemiro remava numa das pontas do barco; da outra, o pai fotografava Fotografia: Hans Kopp Fonte : Acervo da família

No final da década de 50, adquiriu uma propriedade em União da Vitória para o plantio de arroz (Figura 57, imagem recuperada do negativo de vidro). Valdemiro conta que quando o pai soube da soja em terras norte paranaenses, pensou: “agora ninguém nos segura” e voltaram para Rolândia, decididos a investir na nova cultura. Foram os primeiros plantadores de soja em Cambé, num sítio arrendado na Gleba Roland. Recuperar as imagens é resgatar a memória da própria história da família. Conforme Kossoy (2007, p.147), “através da fotografia dialogamos com o passado, somos os interlocutores das memórias silenciosas que elas mantêm em suspensão”.

Figura 57 – Colheita do arroz, em União da Vitória. Hans Kopp ensacando os grãos. A trilhadeira separava a palha do arroz, um dos equipamentos mais modernos para a época – 1963 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

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2.5 Realizando um sonho

Voltar à Áustria era um sonho que Hans Kopp acalentou por muitos anos. Sua vontade era mesmo de mudar para lá, mas a mulher não concordou. Em 1966, tirou um novo passaporte (Figura 58) e viajou para rever o país, os parentes (Figuras 59 e 60) e a casa onde morou com a família (Figura 61). Foi uma grande emoção. Encontrar o país bonito, desenvolvido e sem guerra o fez voltar mais feliz para o Brasil. Esta viagem foi importante para amenizar as imagens de horror que guardava de sua terra natal.

Figura 58 – Novo passaporte de Hans Kopp para sua viagem à Áustria, emitido em 17 de abril de 1966 Fonte: Acervo da família

Figuras 59 e 60 – O encontro com parentes na Áustria, depois de 43 anos Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

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Figura 61 – Emoção ao rever a casa onde morou com a família Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

2.6 Momentos em imagens

Figura 62 – Bodas de Ouro do casamento com Olga, celebrada pelo Pe. José Agius – 1974 Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

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Figura 63 – Um dos últimos encontros da família antes do falecimento da mãe. Ivone, Anselma, Orlando, Elma, Jean Pierre, Elly, Valdemiro, Erika, Dilma, Olinda, Verner (óculos), Alfonso, Laura, Anita, Alaor, Yolanda, Celso com os pais Hans e Olga Kopp (março de 1982) Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Figura 64 – Hans e a mulher Olga com os netos – Irene, Robert, Renate, Gisela, Fernanda (no colo) de Neide, Everlyn e Valdemar. Sentados – Adrien, Cristiane, Sheila, Vera, Anelise, Marcelo, Adriana, Valter, Osvaldo, Fábio e Celso Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família 56

Figura 65 – Em 1984, Hans Kopp com a mulher Olga (sentada) reencontraram sua irmã Katy (em pé). Ela veio com ele para o Brasil, mas se mudou para a Argentina Fotografia : Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Figura 66 – Aniversário de 90 anos, comemorado na casa da filha Ivone, em Curitiba. Na fotografia, com as netas Denise, Beatriz e Cristina Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

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Figura 67 – Jazigo da família Kopp em Rolândia. Olga faleceu em 1987 e Hans em 1991 Fotografia: Cássia Popolin – 02/11/2009 Fonte: Acervo pessoal da autora

A imersão no arquivo fotográfico de Hans Kopp comprovou as palavras de Leite (1993, p.28) “a fotografia deixa, então de ser uma descrição, para ser uma narrativa interrompida, imobilizada num quadro único”. Recuperar esta história em imagens e transformá-la em texto visual é trazer à tona histórias encobertas pela “poeira do tempo”, termo usado por Kossoy (2007, p.134). Descortinar as sucessivas camadas que constituem sua espessura histórico-cultural, sua memória é permitir imaginar o passado de forma vívida, como afirma Burke (2004, p.13). Colocar-se numa posição face a face com uma imagem é se colocar face a face com a história.

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3 A ROLÂNDIA QUE HANS KOPP ENCONTROU

Rolândia foi idealizada pela Companhia de Terras Norte do Paraná, empreendimento imobiliário de capital inglês, responsável pela colonização de boa parte do norte do estado. Está localizada na região metropolitana de Londrina, com população estimada em 56.352 habitantes. Em 18 de junho de 1934, a colonizadora efetuou a venda do primeiro lote urbano ao Sr. Elmar Kirschnich. Antes disso, porém, já havia vendido lotes rurais a imigrantes japoneses, ainda em 1932. Segundo relato do pioneiro alemão Oswald Nixdorf à historiadora Cláudia Portelinha Schwengber, no dia 4 de junho de 1934, um dos líderes da imigração alemã em Rolândia, Carlos Strass, com seus picadeiros, derrubou a primeira árvore do patrimônio. No dia 29 de junho 7 do mesmo ano, teve início a primeira construção do perímetro urbano: o Hotel Rolândia. De propriedade de Eugênio Larionoff, funcionário do escritório da CTNP, em Londrina, foi a primeira de inúmeras construções que se sucederam. O que era para ser apenas um patrimônio, em pouco tempo tornou-se uma vila próspera. Os imigrantes estrangeiros vieram direcionados por alguma instituição que cuidava do processo de imigração ou por orientação da própria CTNP, que fez uma vasta campanha publicitária em terras européias. Dos imigrantes que colaboraram para o desenvolvimento de Rolândia, destacam-se japoneses, alemães, italianos, portugueses, espanhóis, sirio-libaneses, húngaros, suíços, poloneses, tchecos, austríacos, entre outros. Após o final da Primeira Guerra Mundial, surgiu, na Alemanha, a Sociedade para Estudos Econômicos no Além-Mar, que visava o desenvolvimento e a coordenação planejada da colonização alemã na América do Sul. O engenheiro agrônomo alemão Oswald Nixdorf foi enviado para o norte do Paraná, para estudar um local propício para receber os colonos germânicos. Em abril de 1932, Nixdorf embarcou com a família para o Brasil e seu destino final foi o norte do Paraná. Com a ajuda do agrimensor chefe da CTNP, Carlos Rothmann e de Carlos Strass, da colônia Heimtal 8, embrenhou-se mata adentro, e, após dois meses de intenso trabalho, finalmente encontrou o local ideal para iniciar a colonização alemã, uma área que denominou Gleba Roland. Naquele local, foi erguido um rancho de palmito, com 10

7 Em 1984, o prefeito Eurides Moura, através da lei 1596, aprovou a decisão da Câmara Municipal instituindo o dia 29 de junho de 1934 como o dia da fundação da cidade de Rolândia e o aniversário da cidade passa a ser comemorado naquela data. (SCHWENGBER, 2003, p.255) 8 Primeiro núcleo rural formado em Londrina, a 8 km ao norte da cidade. Ali se instalaram os primeiros sitiantes que adquiriram terras da CTNP. Heimtal significa "o vale do meu lar" ou "Vale da vida". 59 compartimentos, destinado a receber as famílias de imigrantes. Villanueva (1974, p.64) relata que o nome foi escolhido a partir da idéia de Ludwig Draeger, que sugeriu batizar o local com o nome de terra crua, que em alemão é rohes land . Foi então que Nixdorf sugeriu Roland, em homenagem ao lendário herói alemão que, na Idade Média, guerreava ao lado de seu tio, Carlos Magno, e seu lema era lutar por “Liberdade e Justiça”. A gleba passaria a ser chamada de Roland, nome que permaneceu até 1934, quando a cidade passou a ser chamada de Rolândia, nome mais fácil para os brasileiros pronunciarem. Em 30 de dezembro de 1943, Rolândia, a exemplo de outras cidades brasileiras cujos nomes eram de origem germânica, teve que mudar seu nome e passou a ser chamada de Caviúna (nome de uma árvore que era abundante na região), assim como Nova Dantzig, que passou a se chamar Cambé. O Brasil estava em guerra com os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e o sentimento de brasilidade que vigorava na época levou o governo federal a baixar um decreto que obrigava, em todo território nacional, a trocar os nomes próprios de lugares que tivessem sua origem em um desses três países. Com o final da Segunda Guerra Mundial a população pediu o retorno do antigo nome. Em 1947 a cidade voltou a se chamar Rolândia. No início, os imigrantes que se dirigiram ao Brasil eram basicamente constituídos de filhos de agricultores ou pessoas que queriam tentar a sorte em outro país. A partir das perseguições políticas, religiosas e raciais, desencadeadas pelo nazismo, o tipo de imigrante mudou. Todo aquele que, de uma maneira ou de outra, temia a política repressiva imposta pelo regime procurou sair da Alemanha. Políticos, religiosos e alemães-judeus (estes quase todos com cursos universitários) engrossaram o número daqueles que procuraram vir para Rolândia. Em 1934, iniciou-se na Alemanha uma restrição à imigração. Até então, o valor que cada imigrante poderia levar consigo era de dez mil marcos. Com a restrição, o valor caiu significativamente . A CTNP logo encontrou uma solução: a permuta. Como ela precisava de materiais para levar a estrada de ferro até Rolândia e a Alemanha possuía esses materiais (principalmente trilhos), ficou combinado que o dinheiro do imigrante ficaria na própria Alemanha. Ele compraria o material ferroviário e em troca receberia títulos que poderiam ser trocados por terras na área de atuação da colonizadora, que também ficava responsável pelo transporte dos materiais. Graças ao “jeitinho brasileiro” dos ingleses, ela conseguiu o prolongamento da estrada de ferro até Rolândia. Em janeiro de 1936, foi inaugurada sua estação ferroviária. Por anos, ela foi ponto final da linha férrea, e por isso, parada obrigatória 60 para muitos que pretendiam comprar terras em outras localidades.

3.1 Hans Kopp chegou a Rolândia em 1936

Hans Kopp veio para Rolândia em 1936, quando assinou o contrato de compra do lote com a CTNP. A estação ferroviária tinha acabado de ser inaugurada (Figura 68). Segundo ele relatou em um documento datilografado para o Museu Municipal de Rolândia (Figura 69), havia poucas casas de madeira, mata virgem, figueiras, capins altos e cipós e animais como antas, veados, macacos, quatis, gambás, cobras, jararacas, dormideiras e araras vermelhas.

Figura 68 – Estação Ferroviária de Rolândia, em 1936 Fotografia: José Juliani Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

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Figura 69 – Documento datilografado por Hans Kopp para o Museu Municipal de Rolândia, em 1984 Fonte: Acervo da família

Já havia a pensão da família Raio, a ferraria do Maruishi, a padaria do Max Dietz, o Hotel Rolândia (Figura 70) e o laboratório do Hans Mix. Descreveu, ainda, que os primeiros mantimentos eram obtidos nas casas de comércio, principalmente na padaria do Max Dietz e na Casa Guilherme. A madeira para construção das casas era da serraria Schleiper e custava 700 réis o metro corrido de tábua bruta de primeira. Os materiais como prego e martelo, entre outras ferramentas vinham de Londrina.

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Figura 70 – Avenida Getúlio Vargas: o início de Rolândia. Da esquerda para a direita: padaria do Max Dietz, Hotel Rolândia, Hotel Estrela (em construção) e o escritório da Companhia de Terras Norte do Paraná, em 1937 Fotografia : José Juliani Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

Também já havia sido construída a primeira escola, uma parceria entre a CTNP e a colônia alemã, que ficou conhecida como Escola Alemã (Figura 71). As atividades educacionais começaram no dia 25 de julho de 1935, com uma classe de 40 alunos. O primeiro professor foi o alemão Von Korff. A escola encerrou suas atividades em 1938, juntamente com centenas de outras no sul do Brasil, devido à nova legislação 9 imposta pelo Estado Novo, de Getúlio Vargas. A “Campanha de Nacionalização” não permitiu mais a existência de escolas de língua alemã no Brasil. Na escola, além das atividades normais relativas à educação, também eram realizadas as reuniões da Companhia de Terras. Como pode ser observado na figura 76, quando da realização de uma dessas reuniões, havia uma aglomeração relativamente grande de carros em frente à escola. Era o meio de transporte dos diretores e funcionários que se deslocavam de Londrina para participar das reuniões em Rolândia.

9 Com a Constituição de 1937, através do decreto-lei 868, buscou-se “a nacionalização integral do ensino primário em todos os núcleos populacionais de origem estrangeira”. 63

Figura 71 – Prédio da Escola Alemã, em 1935 Fotografia: José Juliani Fonte: Museu Municipal de Rolândia

Em 1937, Rolândia contava com 277 residências e o comércio começava a despontar com estabelecimentos como a Casa Dequeche, Casa Mineira, Casa Abrunhosa (Figura 72), Casa Azul e Casa Guilherme. A Casa Abrunhosa, cujo proprietário era um imigrante português, se consolidaria como uma das mais importantes casas comerciais de toda a região. O prédio foi erguido com tijolos assentados no barro, vendidos por Hans Kopp à família Abrunhosa. Segundo sua família, foi Hans Kopp que tirou a fotografia da fachada da loja. No mesmo ano, foi instalada a Agência dos Correios e o padre Paulo Kuln celebrou a primeira missa campal do povoado (Figura 73), no local onde mais tarde seria construída a primeira igreja católica e onde hoje se encontra a Igreja Matriz. No documento, Hans Kopp conta que a primeira casa que morou ficava em frente ao terreno da igreja. À época, não tinha nem igreja nem padre. Segundo Villanueva (1974, p.151) em 1º de novembro de 1942, o bispo diocesano de Jacarezinho, dom Ernesto de Paula, criou a paróquia de Rolândia com o nome de São José. No mesmo dia, foi nomeado o primeiro vigário da paróquia, padre José Herions. A imagem da missa campal remete o leitor à obra do catarinense Victor Meirelles (Figura 74), A Primeira Missa no Brasil . A tela, de 1860, retrata a primeira celebração ocorrida em 26 de abril de 1500, domingo de Páscoa, logo após a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Para executar a tela, Meirelles se baseou na carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal. Tanto a tela de Meirelles quanto a fotografia de Hans Kopp retratam momentos históricos; enquanto uma traduz texto em imagens, a outra é o ponto de partida, um fragmento visual da história de Rolândia. Como destaca Burke (2004, 64 p.17) imagens, assim como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular.

Figura 72 – Prédio da Casa Abrunhosa Fotografia: Hans Kopp Fonte: Museu Municipal de Rolândia

Figuras 73 e 74 – Primeira missa campal, celebrada em Rolândia pelo padre Paulo Kuln, em 1937, e tela de Victor Meirelles – A Primeira Missa no Brasil Fotografia: Hans Kopp Fonte: Museu Municipal de Rolândia

O ano de 1939 foi atípico no desenvolvimento de Rolândia, que havia sido elevada à categoria de Distrito Judiciário de Londrina, no ano anterior. Além de sofrer os efeitos da crise decorrente da Segunda Guerra Mundial, a cidade foi atingida por uma epidemia de tifo 10 . Ivone, uma das filhas de Hans Kopp, também contraiu a doença. Na figura 75, ela está usando uma touca porque perdeu os cabelos em consequência da febre alta provocada pela doença. Ao olhar a fotografia, Valdemiro relembra os momentos difíceis que a família passou com a doença da irmã. O medo de perdê-la era muito grande, não havia 65 hospitais e os médicos percorriam quilômetros para o atendimento nas casas. Perdia-se muito tempo nos trajetos e a assistência demorava a chegar. Ele lembra de uma amiga da família que morreu em decorrência da doença. Como afirma Leite (1993, p.145), quando olhamos uma fotografia, não é ela que vemos, mas sim outras que se desencadeiam na memória, despertadas por aquela que se tem diante dos olhos. Foi o que aconteceu com Valdemiro diante da fotografia: uma sequência de imagens e histórias vieram à tona; o silêncio da imagem fotográfica se misturou ao silêncio das lembranças de um tempo que virou história.

Figura 75 – Ivone e Hans Kopp no sítio em Rolândia. Ivone estava se recuperando do tifo Fotografia : Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Naquele ano, apenas uma casa foi construída no perímetro urbano, mas a estagnação não durou muito tempo. Na imagem de 1939 (Figura 76), vê-se a confluência das atuais avenidas Getúlio Vargas e Monteiro Lobato. A primeira construção à esquerda, onde há alguns carros estacionados, era o escritório da CTNP. Também é possível visualizar na imagem a assinatura do estabelecimento que a produziu: o Foto Elegância. Já em 1940 houve uma retomada acelerada no ritmo de construções, como pode ser visto na figura 77. Como escreveu Villanueva (1974, p.142) a Segunda Grande Guerra, não impediu que o progresso continuasse, pois a despeito do racionamento de gasolina, não pararam os transportes coletivos nem os comerciais. Instalaram, nos veículos movidos a gasolina, um sistema de alimentação a gás pobre, do carvão a lenha que chamaram de gasogênio [...], dando a oportunidade ao povo continuar a trabalhar na lavoura e poder transportar o produto de seu trabalho para os pontos de consumo.

10 O tifo é uma doença epidêmica transmitida pelo piolho humano e causada pela bactéria Rickettsia prowazekii . 66

Figura 76 – Vista do núcleo urbano de Rolândia, em 1939 Fotografia: Foto Elegância Fonte: Museu Municipal de Rolândia

Figura 77 – Vista aérea de Rolândia, em 1940 Fotografia: Hans Kopp Fonte : Museu Municipal de Rolândia

Na década de 40, a agricultura se alicerçou na riqueza proveniente do café. Onde se tombava uma árvore, surgia um pé de café. Em pouco tempo, as matas deram lugar aos cafezais. Rapidamente o ouro verde se impôs como rei absoluto na economia rolandiense. Com crescimento rápido, Rolândia tornou-se município no final de 1943. E em 28 de janeiro de 1944 tomou posse o primeiro prefeito, Ary Correia Lima, que governou até 5 de março de 1945. Nos anos 50, a cafeicultura se consolidou como a principal fonte de riqueza, tanto que a cidade ficou conhecida como a “Rainha do Café”. A primeira lavoura de café formada e produtiva foi a de Fritz Hoster. Hans Kopp também foi agricultor. Logo que desbravou o sítio em Rolândia, cultivou trigo, milho, feijão e arroz. Mas foi o café sua principal cultura. Tinha orgulho de sua lavoura (Figura 78), da qual ele próprio cuidava de todo processo de produção: do plantio das 67 mudas à colheita (Figura 79), sempre na companhia da família. À época, comerciantes da cidade de Bremen, na Alemanha, vieram conhecer de perto os cafezais, cujo fruto comercializavam na Europa. Impressionados com o vigor e a produtividade das lavouras – e também com o crescimento da cidade – o grupo decidiu, com apoio de políticos de Bremen, presentear Rolândia com uma réplica da estátua do Roland (Figura 80), para estreitar os laços de amizade e comércio entre as duas cidades.

Figura 78 – Hans Kopp em sua lavoura de café Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 79 – Kopp rastelando o café para secagem. No alto da tulha, Yolanda e Elly; sentados na entrada da tulha, Anita e Alfonso e sentada à esquerda, Olinda Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família 68

Figura 80 – Inauguração da réplica da estátua de Roland, em 1957 Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Museu Municipal de Rolândia

Hans Kopp participou do desfile em comemoração ao Dia do Agricultor – 28 de julho de 1968 (Figura 81), dirigindo seu trator Massey Ferguson, que está até hoje guardado no sítio de seu filho. Entre a agricultura e a câmera fotográfica, foi construindo e registrando sua história e a do município. Dos seus 92 anos, 55 viveu em Rolândia. Por seu pioneirismo foi homenageado duas vezes em 1977, uma pelo Rotary Clube de Rolândia (Figura 82), e outra por Oswald Nixdorf (Figura 83), um dos fundadores da cidade. Hans Kopp faleceu em julho de 1991 e, em novembro do mesmo ano, foi escolhido para nomear uma das ruas do Conjunto Residencial Santiago (Figura 84). O projeto de lei nº 088/91 foi assinado pelo então prefeito José Perazolo e votado e aprovado pela Câmara Municipal.

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Figura 81 – Hans Kopp durante desfile na avenida Expedicionários, onde hoje é o calçadão Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Figuras 82 e 83 - Homenagens recebidas por seu pioneirismo Fonte: Acervo da família

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Figura 84 - Rua Hans Kopp, no Conjunto Residencial Santiago Fotografia: Cássia Popolin - 14/11/2009 Fonte: Acervo pessoal da autora

Em visita ao bairro, a identificação da rua foi encontrada em apenas uma casa (Figura 85), ao longo das 11 quadras que levam o nome de Hans Kopp. O que mais chamou a atenção foi que, em entrevista com moradores, na faixa etária entre 10 e 57 anos, nenhuma pessoa soube responder quem foi Hans Kopp. Apenas uma senhora respondeu: “É um alemão”. As crianças não ouviram falar sobre ele nem na escola, durante as aulas de história do município. Na apostila elaborada pela Secretaria Municipal de Educação, não há nenhuma referência. Fica aqui a ressalva de mais uma vez se destacar a importância de resgatar a memória e as histórias silenciadas pelo tempo. Como ressalta Kossoy (2001, p.155):

O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da paisagem, e portanto, em outras palavras, da memória; memória do indivíduo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza.

E são essas memórias que devem ser preservadas e divulgadas para as gerações presentes e futuras. A exemplo da de Hans Kopp, quantas histórias não estão ainda guardadas literalmente num baú à espera de serem recuperadas? Ao contrário da caixa de Pandora, devem ser desvendadas, pesquisadas e divulgadas. Graças à colaboração dos descendentes de Hans Kopp que, gentilmente, permitiram enveredar por sua história, foi possível resgatar por meio da fotografia muito da memória de Rolândia e da própria família.

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Figura 85 - Identificação da rua, apenas em uma casa Fotografia : Cássia Popolin – 14/11/2009 Fonte: Acervo pessoal da autora

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4 FOTOGRAFIA E MEMÓRIA

Das pinturas nas cavernas à era digital, o homem sempre utilizou imagens para se comunicar. Quando se mergulha profundamente em uma obra de arte percebe-se que ali não existe apenas um mero registro da realidade, mas uma cumplicidade do autor com o objeto representado. Com a fotografia não foi diferente. Desde a primeira imagem anunciada por Niépce em 1826, ela veio se impondo como meio de reprodução do visível e o homem passou a se apropriar do objeto que desaparecerá. Existe uma magia quando se imortalizam as pessoas e o tempo nas imagens; elas se tornam provas de sua existência, de sua identidade e história. Boni (2008, p.125) ressalta que, desde seu advento, a fotografia tem contribuído para o registro (em seu tempo) e recuperação (em tempos posteriores) da história. Cenas de casamento, batizados, aniversários, viagens inesquecíveis, momentos marcantes foram perpetuados por meio de fotografias. Fotografar é resgatar o passado no presente. Rosane de Andrade (2002, p.48) afirma que “a fotografia é espelho e memória: imobiliza nossa imagem para sempre”. Através das fotografias reconstruímos nossas trajetórias ao longo da vida. A cada página novos personagens aparecem, enquanto outros desaparecem do álbum e da vida, dificilmente nos desligaremos emocionalmente dessas imagens. Para Susan Sontag (2004, p.28), cada fotografia testemunha a dissolução implacável do tempo. É um momento privilegiado, convertido em um objeto que as pessoas podem guardar e olhar outras vezes. Olhar fotografias é reviver o passado. Isto pôde ser verificado na sequência de imagens do sítio da família Kopp. Para Valdemiro, olhar estas imagens é reviver cenas que pareciam adormecidas, mas que voltaram a parecer reais novamente. “Os quartos dos filhos ficavam no andar de cima da casa (Figura 86). Posso me lembrar de nós correndo pela casa, do cheiro da comida da mãe, das minhas irmãs lavando as madeiras da área para ficar branquinhas. Esta outra então (Figura 87), minhas lembranças vão ainda mais longe. Quando eu tinha apenas 12 anos, construí essa casa com a ajuda do papai e da minha irmã Elly. Ela era feita de palmito e a utilizávamos para a criação de coelhos.”

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Figura 86 – Casa do sítio. Os quartos das crianças ficavam na parte superior Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 87 – Casa feita de palmito usada para a criação de coelhos. Imagem digitalizada do negativo de vidro Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

E Valdemiro reafirma: “Rever esta imagem (Figura 88) é desencadear um turbilhão de emoções. Naquela época, mamãe já estava doente, com problemas cardíacos. Ela e papai adoravam o sítio e relutaram em sair dali, mas a doença falou mais alto e, para ficar perto dos filhos e de assistência médica, mudaram para a cidade. Esta foi uma das últimas imagens da casa do sítio. Este cercadinho ao lado da casa, era a horta. Papai sempre teve muito orgulho das plantações, e sempre fazia questão de fotografar a produção (Figura 89) e mostrar para os amigos.” Nessa “terapia fotográfica”, termo usado pela fotógrafa Jo Spence, citada por 74

Leite (1998, p.38), Valdemiro traz à tona imagens cercadas por vastas redes de conotações e lembranças enterradas e, nesse processo, permite a associação e evocação de cenas passadas, armazenadas em sua memória. São viagens curtas, frações de segundos, que muitas vezes recordam anos de histórias. Nas palavras de Kossoy (1998, p.44) a fotografia funciona em nossas mentes como uma espécie de passado preservado, lembrança imutável de um certo momento e situação, de uma certa luz, um determinado tema, absolutamente congelado contra a marcha do tempo. Nas palavras de Olga Simson (1998, p.22):

Desde os anos trinta e quarenta, com a “democratização” do registro fotográfico [...] permitiram a fixação rápida e fácil de “instantâneos”, a vida dos grupos sociais e dos indivíduos passou a ser registrada muito mais pela imagem do que pelos livros de memórias, cartas ou diários, e a memória individual e familiar passou a ser construída tendo por base o suporte imagético [...]. Estamos constantemente nos valendo de imagens instantâneas da nossa vida, registradas em papel fotográfico, para detonar o processo de rememorar e assim construir a nossa versão sobre os acontecimentos já vivenciados.

Figura 88 - Hans Kopp em frente à casa do sítio Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

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Figura 89 – Hans Kopp orgulhava-se das produções do sítio Fotografia: Autor desconhecido Fonte: Acervo da família

Hans Kopp era um artista de muita sensibilidade. Muitas de suas fotografias remetem a experiências visuais anteriores, como as a seguir. Assim como Robert Campin retratou uma cena doméstica e íntima na tela A Virgem e o Menino à frente de um guarda- fogo (Figura 90), como descreve Alberto Manguel (2001, p.61), Kopp registrou a mesma cena de sua mulher amamentando o filho Valdemiro, na cidade de Imbituva (Figura 91). Numa comparação com a pintura, o fotógrafo corta e o pintor compõe; na tela, a imagem surge lentamente e se constrói a cada toque do pincel, enquanto a fotografia reduz o fio do tempo a um único instante: centésimos de segundos captados pelo abrir e fechar das cortinas do obturador. O olhar atento seleciona a imagem ao visor e, como uma tesoura, recorta a cena. Uma imagem fotográfica rara, considerando o ano em que foi capturada: 1931. Ao ver uma fotografia, o olhar vai estabelecendo relações temporais entre os elementos da imagem: um elemento é visto após o outro. O vaguear do olhar é circular: tende a voltar para contemplar elementos já vistos. Assim, o antes se torna depois e o depois se torna antes, como destacou Vilem Flusser (2005, p.7). Esse vaguear pelas imagens, ora percorrendo a fotografia de Kopp ora a tela de Campin, vai registrando o mesmo olhar, o mesmo gesto, a mesma expressão e o mesmo carinho entre mãe e filho. O mesmo observa-se nas fotografias de Hans Kopp (Figura 92) e de Dorothea Lange (Figura 93), ambas datadas da década de 30. Embora vivendo em situações opostas, 76 nota-se duas mulheres guerreiras, com a mesma proteção e cumplicidade entre mãe e filhos, como pontua Marie-Monique Robin (1999, p.40-41) “a força da fotografia reside no fato de invocar o nosso patrimônio cultural, nomeadamente as Madonas renascentistas”. Apesar das dificuldades, Olga tinha a companhia do marido, um sítio para viver com a família e os filhos, enquanto Florence Thompson vivia uma situação bem diferente. Viúva, seis filhos, mais uma vítima da grande depressão americana, tinha acabado de vender os pneus do carro para comprar comida. O olhar de Thompson atraiu um outro olhar: o da fotógrafa Dorothea Lange. Nas palavras de Robin (1999, p.40-41) “apesar da inquietude que lhe vinca as rugas da testa, o rosto é belo. De olhar perdido no infinito, pousa o queixo nas pontas dos dedos”. A fotografia ficou mundialmente conhecida como Migrant Mother , símbolo dos excluídos do sonho americano. A Farm Security Administration, que tinha por finalidade prestar auxílio financeiro aos agricultores em dificuldades, contratou onze fotógrafos, entre eles Dorothea Lange, para registrar em imagens a miséria em que viviam as vítimas da grande depressão. Para convencer o senado a desbloquear fundos, o presidente americano Franklin Roosevelt, recorreu à fotografia. Segundo a historiadora americana Vicki Goldberg, in ROBIN (1999, p.40-41), “era a primeira vez, que uma administração se servia da fotografia como meio de comunicação”. Ao longo de seis anos, foram reunidas 250 mil fotografias, das quais 100 mil registradas por Lange.

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Figuras 90 e 91 – A Virgem e o Menino à frente de um guarda-fogo – 1440, tela de Robert Campin, e Olga amamentando o filho Valdemiro, em 1931 Fonte – Tela: http://pt.wikipedia.org/wiki/Robert_Campin/ Fotografia : Hans Kopp Fonte : Acervo da Família

Figuras 92 e 93 – Olga com as filhas Ivone e Elly (no colo), e Florence Thompson com os filhos ( Migrant Mother) Fotografias: Hans Kopp e Dorothea Lange Fonte : Acervo da Família / Robin (1999, p.40) 78

Na figura 94, mesmo contra a vontade de sua esposa, fotografou uma mulher seminua, coberta apenas por um véu. Uma imagem ousada para a época. Valdemiro 11 lembra que a mãe ficava muito brava com o pai por conta daquelas fotografias, mesmo tendo passado anos do seu registro. Esta fotografia remete o leitor à famosa personagem bíblica, Salomé, que entrou para a história após apresentar a dança do sete véus e fazer um strip tease para seu tio e padrasto, Herodes. À medida que tirava os véus, entre requebros dos quadris e sinuosos movimentos do ventre, deixava Herodes sem fala e pronto para atender seu pedido: dar-lhe a cabeça de João Batista em uma bandeja. A história de Salomé já ganhou três versões no cinema – 1923, filme mudo dirigido por Charles Bryant; 1963, por William Dieterle e 2002, por Carlos Saura.

Figura 94 – Imagem recuperada dos negativos de vidro de Hans Kopp. Uma imagem ousada para época e para o lugar, a pequena cidade de Imbituva Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Leite (1993, p.152) lembra que “embora muda, a fotografia fixa admite uma volta infinita ao ponto de observação [...]. A imagem pode ser lida como um mosaico, que muda constantemente de configuração, à medida que o olhar perpassa através dos planos e dos grãos”. As imagens trazem histórias contadas pelas tramas da rede familiar, que constrói uma interpretação da cena passada, dos antepassados no tecido social e transmitem esses acontecimentos às novas gerações. Imagem e memória vêm sendo exploradas no campo da pesquisa, e são os relatos desencadeados pelas fotografias que oferecem a oportunidade de

11 KOPP, Valdemiro. Entrevista concedida à autora em 17 de junho de 2009. 79 avançar no conhecimento da realidade passada e acompanhar os caminhos e tramas da memória e suas relações com o suporte imagético. Ao longo do tempo, a fotografia deixou de ser mera ilustração, suplantou o texto na década de 60, foi alçada a documento histórico nos anos 80 e, hoje, é importante fonte de pesquisa. Para Kossoy (2001, p.101), “uma única imagem contém em si um inventário de informações acerca de um determinado momento passado; ela sintetiza no documento um fragmento do real visível [...]. A imagem fotográfica pode e deve ser utilizada como fonte histórica”. Analisar uma imagem ou uma sequência de imagens produzidas por um fotógrafo é desvendar a história latente que extrapola a superfície bidimensional do papel fotográfico, não apenas o instante congelado do passado. A reconstituição da história por meio da fotografia não se esgota e permite releituras do passado multiforme, passível de novas abordagens e leituras. Unindo estes fragmentos e colocando-os em ordem cronológica é possível recuperar o sentido dos fatos passados assim como resgatar os silêncios propositais da história. Kossoy (2007, p.42) afirma que “o fato se dilui no instante em que é registrado: o fato é efêmero, sua memória contudo, permanece pela fotografia”. A “sobrevivência” da fotografia dá início a uma outra realidade, a do documento, que não apenas conserva a imagem do passado, mas é parte constitutiva do mundo presente. As imagens constituem a essência do visível fotográfico, o homem em si mesmo e suas inúmeras manifestações sociais, culturais e religiosas. A fotografia, nesse processo, constituí-se em importante instrumento de disseminação da informação histórico- cultural. E, mesmo passados muitos anos do momento em que foi congelado o fragmento do tempo, ela carrega em si uma história que extrapola o retângulo do papel. Pelas fotografias de Hans Kopp, constata-se a ação inexorável do tempo e as marcas por ele deixadas, ora traduzidas em emoções, ora em histórias. São esses fragmentos interrompidos da vida – que, vez ou outra, revemos – uma insuperável, por vezes constrangedora, fonte de recordação. Os documentos fotográficos são também um insubstituível meio de informação. Seja como meio de recordação e documentação da vida familiar, como meio de informação e divulgação dos fatos, como forma de expressão artística, ou como instrumento de pesquisas científicas, a fotografia tem feito parte indissociável da experiência humana. Memória do mundo físico e natural da vida individual e social. Pelas lentes de sua câmera, Hans Kopp registrou vários momentos e ângulos da cidade de Rolândia e Londrina. De negativo em negativo, guardou histórias que hoje podem ser resgatadas, recontadas e divulgadas para as novas e futuras gerações. Nas palavras de 80

Manguel (2001, p.92), “através do olho da lente, o passado tornou-se contemporâneo e o presente se resumiu a uma iconografia coletiva”. Na figura 95, um fato importante da época: a festa em comemoração ao Dia do Trabalho. Todos os anos, no dia primeiro de maio, a empresa Máquina Scheeffer, promovia um churrasco para seus empregados, mas a festa de 1940 foi ainda maior e contou com as presenças dos interventores Manoel Ribas, do Paraná, e Borhausen, de Santa Catarina. O Dia Mundial do Trabalho foi criado em 1889, por um Congresso Socialista realizado em Paris, para homenagear os grevistas que protestaram contra as condições desumanas de trabalho. A manifestação aconteceu em Chicago, principal centro industrial dos Estados Unidos na época. Houve prisões, feridos e até morte nos confrontos entre trabalhadores e a polícia. A CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, principal norma legislativa brasileira referente ao direito do trabalho só foi sancionada em primeiro de maio de 1943, pelo então presidente Getúlio Vargas.

Figura 95 – Festa em comemoração ao Dia do Trabalho, em 1940 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Na figura 96, mais uma “fotografia aérea”, feita de cima de uma árvore. Nesta imagem, uma vista parcial da cidade, em 1936. À esquerda, local onde seria construída a praça Castelo Branco, próxima de onde está hoje a réplica da estátua do Roland. Na figura 97, outra vista aérea de Rolândia, também de 1936. Neste ângulo, observamos os hotéis Rolândia e Estrela. Londrina (Figuras 98 e 99) também foi registrada pelo olhar de Kopp. As ruas sem asfalto, as casas de madeira e a grande área coberta pela mata, cenário comum à época, mas que rapidamente cedeu espaço para o progresso e a modernização. Segundo Boni (2009, 81 p.11), o crescimento da região se deu de forma tão acelerada que algo impensável tornou-se possível: os que aqui chegaram ainda crianças nos anos 30 – ou os primeiros nativos da região – podem testemunhar duas realidades absolutamente distintas num curto espaço de tempo.

Figura 96 – Vista aérea de Rolândia, em 1936 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Villanueva (1974, p.71)

Figura 97 – Vista aérea de Rolândia, capturada de cima de uma árvore, em1936 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Villanueva (1974, p.182)

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Figura 98 – Londrina. Embaixo, à direita, a sombra de Hans Kopp e sua câmera no tripé Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Figura 99 – Vista aérea de Londrina. Esta imagem integra o álbum de George Craig Smith Fotografia: Hans Kopp Fonte: Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

As imagens não se esgotam em si mesmas; pelo contrário, são o ponto de partida, a pista para tentar desvendar o passado. Mostram um recorte selecionado da aparência das coisas, das pessoas, dos fatos, tal como foram congeladas num determinado momento. A cada novo olhar, as imagens se transformam numa espécie de ponte, como define Eduardo Paiva (2006, p.19), entre uma realidade retratada e outras realidades, e outros assuntos, seja no passado, seja no presente, sempre instigando novas reflexões e descobertas. 83

Durante a pesquisa, encontramos a mesma imagem (Figura 100) em dois momentos: uma, no livro de Villanueva, com a legenda indicando colheita do trigo; e outra, num cartão postal, que divulgava uma exposição fotográfica em comemoração ao 63º aniversário da cidade, realizada no Shopping Catuaí (Londrina), em 1997, com a legenda apontando colheita do arroz. Ao encontramos esta imagem no acervo da família, o filho Valdemiro esclareceu a dúvida e confirmou ser colheita de trigo, inclusive que as sementes tinham sido doadas pelo governo e que foi a primeira plantação do sítio. “Meu pai queria testar a qualidade e a produtividade da terra. A maior dificuldade foi na hora da colheita, a fizemos totalmente manual.”

Figura 100 – Colheita de trigo, em 1937 Fotografia: Hans Kopp Fonte: Acervo da família

Descobrir os enigmas que as imagens guardam em seu silêncio é desvendar fatos que lhe são inerentes, aspectos de um passado desaparecido e, nas palavras de Kossoy (2007, p.61), “nebuloso, que tentamos imaginar, recriar, a partir de nossas imagens mentais”. A fotografia tem a magia de guardar atrás de si uma história. Ela vai além do que mostra em sua superfície e, ainda nas palavras de Kossoy (2007, p.131) “documentando vivos ou mortos, é sempre memória daquele preciso tema, num dado instante de sua existência. É o assunto ilusoriamente re-tirado de seu contexto espacial e temporal, codificado em forma de imagem [...]. Mantendo a lembrança, através dos retratos de família”. Ainda, segundo o autor:

A imagem fotográfica tem múltiplas faces e realidades. A primeira é a mais evidente, visível. É exatamente o que está ali imóvel no documento (ou na imagem petrificada do espelho), na aparência do referente, isto é, sua realidade exterior , o testemunho, o conteúdo da 84

imagem fotográfica (passível de identificação). As demais faces são aquelas que não podemos ver, permanecem ocultas, invisíveis, não se explicitam, mas que podemos intuir, é o outro lado do espelho e do documento; não mais a aparência imóvel ou a existência constatada mas, também, e principalmente a vida das situações e dos homens retratados, desaparecidos, a história do tema e da gênese da imagem no espaço e no tempo, a realidade interior da imagem. (KOSSOY, 1999, p.131)

Como pesquisadores transformamo-nos em “arqueólogos das imagens”, termo usado por Kossoy (2007, p.135). Cabe a nós, penetrarmos nesses meandros da memória iconográfica, na tentativa de resgatar as tramas e mistérios que envolvem sua gênese, sua realidade interior. Por meio da análise das imagens fotográficas é possível se comunicar com as informações visuais, dialogar com elas, decifrar seus códigos e resgatar suas realidades interiores, seus silêncios, isto é, seus significados.

Diálogos e silêncios permeiam nossa relação com as imagens. O que elas dizem em suas iconografias nos é relativamente inteligível. É por trás da aparência, porém, no ato de sua concepção e ao longo de sua trajetória, naquilo que ela tem de oculto, em seus silêncios, que residem as histórias secretas dos objetos e dos seres, das paisagens e dos caminhos (KOSSOY, 2007, p.156).

4.1 Além da realidade exterior

E como relacionar as fotografias à premissa de Leite (1993, p.12), que questiona como se servir desses instrumentos de reconstrução do mundo que podem ser as fotografias, nas quais se imprimiram os vestígios do homem no tempo? As imagens ao mesmo tempo podem dizer e calar; os álbuns, as coleções de retratos de família interrogam silenciosamente a memória e fazem compreender por que e para que algumas imagens foram construídas. Os leitores da documentação fotográfica procuram na imagem, e através dela, lembranças comuns e os significados realçados. Leite (1993, p.44) afirma que a leitura leva ao transbordamento do quadro destacado pela câmera. Após a identificação do conteúdo da fotografia é preciso deduzir (investigar) o que não se vê em torno daquilo que se está vendo. Toda fotografia representa em seu conteúdo uma interrupção do tempo, e, portanto, da vida. Leite (1993, p.41) ressalta que sendo essencialmente o instante congelado, a imagem fotográfica fixa não registra a passagem do tempo. As mudanças ou o prolongamento 85 do mundo visível só podem ser obtidos pela justaposição de diversas imagens sobre a mesma questão, tomadas em momentos diferentes.

A imagem fotográfica funciona, na realidade, como um espelho cultural, que tanto informa quanto constrói interpretações sobre os objetos e sujeitos fotografados. Dentre a multiplicidade de usos e funções a ela atribuída, há que se celebrar e difundir a memória coletiva de grupos sociais e sua capacidade de definir perfis socioculturais de resgatar e desvendar histórias latentes. É a fotografia sendo alçada à condição de documento histórico. (BORGES, 2005, p.92).

Citando o historiador francês Jacques Le Goff , Leite (1998, p.36-37) diz que a fotografia veio revolucionar a memória ao multiplicá-la, dando-lhe precisão e verdade visual nunca antes atingidas. E completa: “são elas que permitem associações e evocações produtivas de outras imagens armazenadas na memória”. O espaço e o tempo estão implícitos no documento fotográfico e remetem sempre a um contexto histórico específico em seus desdobramentos sociais, econômicos, políticos, culturais, entre outros. Para Kossoy (1999, p.26) a fotografia resulta de uma sucessão de fatos fotográficos que têm seu desenrolar no interior daquele contexto. Ela registra, por outro lado, um microaspecto do mesmo contexto. As pessoas guardam fotografias, pedaços congelados do passado para recordar, a qualquer momento, trechos de suas trajetórias de vida. Revendo essas imagens, “descongelam”, termo usado por Kossoy (1998, p.45) momentaneamente seus conteúdos e contam a si mesmos e aos mais próximos suas histórias de vida. E completa (1998, p.45):

o aparente da vida registrado na imagem fotográfica, pode assim, de quando em quando, deixar de ser unicamente a referência e reassumir a sua condição anterior de existência. O princípio de uma viagem no tempo em que a história particular de cada um é restaurada e revivida na solidão da mente e dos sentimentos.

Ao rever as fotografias do pai, Anita Kopp fez uma viagem no tempo e contou que ele era muito vaidoso, gostava de andar sempre bem vestido e não dispensava o uso do terno e gravata, costume que veio com ele da Europa. O terno moderno ganhou força na moda masculina na virada do século XIX para o século XX, e era sinônimo de homens de negócios e bem-sucedidos. As duas imagens (Figuras 101 e 102) retratam momentos diferentes de Hans Kopp: um na Áustria e outro em Rolândia. Mas observa-se a mesma postura, as mãos sobre o joelho, um homem elegante. “Sereno, mas ao mesmo tempo decidido”, como afirmou Anita. 86

Figuras 101 e 102 - Hans Kopp, em dois momentos: na Áustria e em Rolândia Fotografias: Autores desconhecidos Fonte: Acervo da família

Vasquez (2003, p.10) completa dizendo que “quanto mais contemplamos as imagens, mais camadas ocultas parecem emergir diante de nossos olhos transformando o já tão visto em algo inédito, desvendado por uma nova luz a lhe conferir significados até então insuspeitos”. Como um antigo rolo de filme, as histórias latentes das imagens vão se desdobrando continuamente, revelando novas informações e conferindo à imagem imutável uma vida infinita e inesgotável. Graças ao vasto documentário fotográfico que Hans Kopp produziu da família e das cidades de Rolândia e Londrina, foi possível desvendar histórias ocultas na realidade interior das imagens. Boni (2008, p.114) afirma que “cada uma dessas imagens é uma mídia de recuperação e preservação histórica”. A soma desse material torna possível a revitalização de cenas, costumes e tradições do passado, peças de um “quebra-cabeça” histórico. A fotografia ganha valor de documento, cenas do cotidiano e experiências de pessoas comuns deixam de ser meros registros e passam a construir um novo capítulo da história. 87

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando iniciamos esta pesquisa, a única informação que havíamos encontrado nos livros de história da região sobre Hans Kopp era que ele tinha sido o primeiro fotógrafo de Rolândia. Quando localizamos sua filha Anita, responsável pelo acervo do pai, nos surpreendeu o material iconográfico riquíssimo que encontramos e que estava literalmente guardado no fundo do baú. Como pesquisadores, nos transformamos em “arqueólogos das imagens”, termo utilizado por Kossoy (2007, p.135) e, aos poucos, fomos resgatando, digitalizando e arquivando as imagens de Hans Kopp. Foram recuperadas mais de 400 imagens entre fotografias, negativos de vidro e documentos pessoais. O material iconográfico e os depoimentos dos filhos Anita e Valdemiro foram fundamentais para desvendar as histórias latentes e ir além do que a superfície bidimensional do papel fotográfico estampava. Unindo fragmentos e organizando-os em ordem cronológica foi possível reconstruir a trajetória do fotógrafo austríaco Hans Kopp, que emigrou para o Brasil depois de haver combatido na Primeira Guerra Mundial. Fincou raízes no norte do Paraná, onde registrou fotograficamente o despontar das cidades de Rolândia e Londrina. Culto, autodidata e à frente do seu tempo, fez da câmera fotográfica sua companheira inseparável. Porém, por questão financeira de sobrevivência, exerceu outras atividades paralelas, dentre elas, a de agricultor. Pelo abrir e fechar das cortinas do obturador, Hans Kopp congelou momentos do cotidiano da vida familiar, gravando em cada imagem não só a saga da família, mas histórias e costumes de uma época. Contextualizando suas fotografias, foi possível desenrolar uma trama histórica em suas múltiplas facetas que, nas palavras de Kossoy (1999, p.22), “circunscreveu no tempo e no espaço o ato da tomada do registro. Caso contrário, essas imagens permaneceriam estagnadas em seu silêncio: fragmentos desconectados da memória, meras ilustrações ‘artísticas’ do passado”. Burke (2004, p.20-21) diz que, “independente de sua qualidade estética, qualquer imagem pode servir como evidência histórica”, mesmo que ela não tenha sido produzida para aquele fim. Hans Kopp, ao registrar a vida familiar, não imaginava que, 80 anos mais tarde, suas fotografias seriam mídias importantes para a compreensão e documentação das transformações históricas. Segundo Boni (2008, p.114), sem a “mídia” fotografia, seria preciso usar muito mais palavras, multiplicar substantivos e adjetivos e, mesmo assim, com certeza, os leitores não teriam a mesma visualidade, aquele ar de imersão que a fotografia oferece. 88

Por trás das 103 imagens selecionadas para esta pesquisa – todo o material será entregue em DVD para a família – foram recuperados fragmentos interrompidos da realidade, inventário de informações a respeito de um determinado momento do passado. A fotografia passou a documento visual, testemunhando a atuação do fotógrafo enquanto filtro cultural. Hans Kopp soube registrar imageticamente a história da família, suas tradições, seus costumes e seu cotidiano. Gravou em imagens momentos únicos que narram, constroem e moldam a história de uma época. Analisando suas imagens foi possível observar transformações ocorridas ao longo de oito décadas, nos mais diferentes aspectos sociais e culturais de Rolândia e do norte do Paraná, como vestimentas, meios de transporte, arquitetura, costumes, tradições e até o cultivo das lavouras. As fotografias de Hans Kopp são ainda um acervo involuntário de memória, fornecendo valioso material para a vida cotidiana. Como pontuou Boni (2008, p.112), “as primeiras imagens produzidas – e hoje utilizadas como documento – também não foram necessariamente produzidas para este fim”. O primeiro fotógrafo de Rolândia deixou um legado iconográfico valiosíssimo. Por meio desta pesquisa, foi possível trazer à tona imagens inéditas por ele produzidas, bem como desvendar histórias latentes em cada uma de suas imagens, ainda hoje desconhecidas até mesmo pelos museus da região. Pelas fotografias, constata-se a ação inexorável do tempo e as marcas por ele deixadas, ora traduzidas em emoções, ora em histórias. São esses fragmentos interrompidos da vida – que, vez ou outra, revemos – uma insuperável, e por vezes constrangedora, fonte de recordação. Os documentos fotográficos são também um insubstituível meio de informação. Seja como fonte de recordação e documentação da vida familiar, meio de informação e divulgação de fatos e eventos, forma de expressão artística, ou como instrumento de pesquisas científicas, a fotografia tem ocupado espaços e exercido papel fundamental no processo de recuperação e preservação histórica. As imagens não se esgotam em si mesmas; pelo contrário, são o ponto de partida, a pista para tentar desvendar o passado. Representam um recorte espaço-temporal selecionado da realidade, das aparências, de pessoas e fatos, tal como foram congeladas num determinado momento. A cada novo olhar, as imagens se transformam numa espécie de ponte, como define Paiva (2006, p.19), entre uma realidade retratada e outras realidades. Seja no passado, seja no presente, a fotografia sempre instiga novas reflexões e descobertas. A pesquisa contribuiu para esclarecer como Hans Kopp conseguiu produzir as “fotografias aéreas” das cidades de Rolândia e Londrina, uma incógnita até então para os funcionários dos museus de ambas as cidades. Utilizando-se de técnicas de alpinismo, 89 aprendidas na Áustria, subia nas árvores e fotografava as cidades do alto. Um feito para a época, que o tornou conhecido como o “alemão que subia nas árvores”, segundo relatou Orion Villanueva, autor do livro Rolândia: terra de pioneiros . Antes desta pesquisa, em todos os livros, jornais e revistas de época, Hans Kopp era citado como “alemão”, quando na realidade era austríaco. Pelo valor inédito e histórico do material iconográfico recuperado, fomos convidados pelo Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss, para organizar uma exposição sobre a vida e obra do fotógrafo, em agosto de 2010, mês em que se comemora o Dia Mundial da Fotografia. A família Kopp havia cedido algumas fotografias e equipamentos do patriarca para o Museu Municipal de Rolândia. Porém, a filha Anita solicitou a devolução do material, pois, segundo informou, não estava satisfeita com o tratamento dispensado ao acervo de seu pai. Agora, pretende doá-lo integralmente (ou, pelo menos a maior parte) ao Museu Histórico de Londrina, que apresenta melhores condições físicas, de climatização e material humano treinado e capacitado para o recebimento, tratamento, higienização, digitalização e preservação do acervo, bem como condições de disponibilizá-lo para a consulta – e auxiliar o trabalho – de pesquisadores e historiadores da região. O acervo iconográfico de Hans Kopp, sem dúvida, é um importante capítulo da história do norte do Paraná. Ao analisarmos suas imagens, percebemos a importância do estudo da fotografia como memória e documento histórico. A imersão em seu arquivo fotográfico foi importante para corroborar as palavras de Leite (1993, p.28), quando afirma que “a fotografia deixa, então de ser uma descrição, para ser uma narrativa interrompida, imobilizada num quadro único”. Resgatar este acervo imagético e transformá-lo em texto visual foi trazer à tona histórias encobertas pela “poeira do tempo”, termo usado por Kossoy (2007, p.134). Descortinar as sucessivas camadas que constituem sua espessura histórico-cultural, sua memória, é permitir imaginar o passado de forma vívida. Mais que isso. Como afirma Burke (2004, p.13), colocar-se numa posição face a face com uma imagem é se colocar face a face com a história. Após sua morte, Hans Kopp foi homenageado pela Câmara de Vereadores de Rolândia, que atribuiu seu nome a uma das ruas do Conjunto Residencial Santiago. Em visita ao bairro, encontramos a identificação da rua em apenas uma casa, ao longo de suas 11 quadras. O que mais nos chamou à atenção foi o fato de, ao entrevistar moradores do bairro na faixa etária entre 10 e 57 anos, nenhum soube responder quem foi o homenageado. Apenas uma senhora respondeu: “É um alemão.” As crianças nunca ouviram falar dele, nem mesmo nas aulas sobre história de Rolândia em suas respectivas escolas. 90

Na apostila sobre a história de Rolândia, elaborada pela Secretaria Municipal de Educação, não há nenhuma referência a Hans Kopp. Em contato com a coordenadora pedagógica do município, a informamos sobre a pesquisa e a importância de divulgar a história e o legado de Hans Kopp. Ela assumiu que, na próxima impressão da apostila, será incluída a história do primeiro fotógrafo de Rolândia e a importância de seus registros para a recuperação da história do município e região. Esta dissertação, o acervo de Hans Kopp num museu e, quiçá o reconhecimento e inclusão de seu nome na apostila utilizada pelo município para o ensino da história (e futuras publicações) são conquistas coletivas da história, pois, como adverte Kossoy (2001, p.55):

O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da paisagem, e portanto, em outras palavras, da memória; memória do indivíduo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. (KOSSOY, 2001, p.155).

Assim como a de Hans Kopp, quantas histórias ainda estão literalmente guardadas num baú? Ao contrário da caixa de Pandora, elas devem ser desvendadas, pesquisadas, organizadas e democratizadas (divulgadas). O Residencial Santiago, onde Hans Kopp empresta seu nome para uma rua, tem outras 12 ruas com nome de outros pioneiros, todos passíveis de novas pesquisas. E, com certeza, a recuperação do acervo iconográfico em mãos dos descendentes desses pioneiros contribuirá, e muito, para desvendar e escrever novos capítulos da história de Rolândia e do norte do Paraná.

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