Visitação Dos Lugares Arrumados Por Folhas Da Carta Militar De Portugal a Folha 218 Da Carta Militar De Portugal
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Visitação dos lugares arrumados por folhas da Carta Militar de Portugal A folha 218 da Carta Militar de Portugal Do ponto de vista morfológico, a área é aplanada e de baixa altitude, que só ultrapassa os 100 m em alguns cabeços a oriente e a sul. A faixa lateral oriental da carta é constituída pelas areias da Cordinhã, terreno infértil onde se não observam vestígios romanos; na Alta Idade Média, segundo o testemunho do doc. n.0 139 do L.S., estas terras eram ainda desertas e irruptas. São também arenosas e sem outra cobertura que não seja florestal (pinhal) as terras que ocupam o quadrante norte-ocidental da folha. Varziela, Cantanhede e Cadima ficam na extrema dessas formações dunares, nas quais, igualmente, se não regista povoamento nem na época romana nem na Alta Idade Média. O substrato das restantes terras da carta é constituído por calcários, por vezes margo- sos, e por margas, que atraíram o povoamento e onde era possível a agricultura. O povoamento romano Os topónimos Ourentã e Cordinhã sugerem villae romanas, respectivamente, de um Aurentius e de um Cordinius. De ambos os gentilícios se encontram exemplos no mundo romano. A terem existido, essas villae teriam dado origem, na Alta Idade Média, a aldeias, tal como veremos, na folha 219 da CMP, com Murtede e Vimieira e, eventualmente, também com Casal Comba. A villa romana de Ourentã poderia achar-se no lugar de Bouças, onde, segundo informação pessoal de Carlos Cruz, se observam cerâmicas romanas de construção e domésticas, bem como elementos de colunas. Quanto a Cordinhã, os vestígios romanos encontram-se, não no exacto local do povoado, mas na Quinta do Mancão, onde Carlos Cruz (1983) identificou cerâmica romana incorporada em muros. De tão escassos vestígios não podemos deduzir, com segurança, a presença de uma villa, que poderia todavia coincidir com Cordinhã, ficando na Quinta do Mancão algum anexo. Mais convincentes, como vestígios de villa, são os achados de Pardieiros, a nordeste de Pena. Cobrindo vasta área, fragmentos de cerâmica doméstica, incluindo sigillata e sigillata clara D, pesos de tear, fragmentos de cerâmica de construção, uma base de coluna de calcá- rio e moedas testemunham uma villa de que, aliás, são visíveis alguns muros. O sítio foi objecto de uma pequena intervenção arqueológica (Cruz e Quinteira, 1982) e em 1991 achou- -se aqui um tesouro monetário romano ainda inédito, que inclui moedas do extremo fim do século IV, mas que pode ter sido ocultado no século V, e até em data avançada desse século. Uma outra pequena intervenção mais recente (comunicação pessoal de António José Mar- ques da Silva) não permitiu acrescentar grandemente o nosso conhecimento da villa. Neste caso de Pardieiros, a villa não deu origem a aldeia. Podemos supor que as suas ter- ras aráveis se situariam na Regueira das Várzeas, que nos parece ter integrado uma herdade medieval de um tal Froride Godiniz, a quem abaixo nos referiremos. Mas não pretendemos que tenha havido continuidade de ocupação desde a época romana ao século XII. Só uma escavação mais extensa poderia resolver o problema. Nas proximidades da Pocariça, concretamente nos sítios do Beato, do Forte e do Pinhal do Frade, há também vestígios romanos (Cruz, 1983, 1995). No sítio do Beato foram encon- tradas algumas inumações e “muitas moedas de cobre, romanas, assim como fragmentos de olarias, especialmente telhas” (Fragoso, 1939, p. 13). Muito perto do mesmo sítio, segundo o mesmo autor, foram encontrados 31 denários de prata de vários imperadores romanos (Fra- goso, 1939, p. 13). O lugar do achado do tesouro corresponderia ao Forte. Na mesma área teria VISITAÇÃO DOS LUGARES ARRUMADOS POR FOLHAS DA CARTA MILITAR DE PORTUGAL 39 aparecido uma inscrição, que Fragoso todavia não viu nem dá por certa. Ainda a 100 ou 150 m do sítio onde foram encontradas aquelas primeiras “muitas moedas de cobre”, Fragoso refere o achado de uma necrópole de cerca de 100 sepulturas. Sem espólio, estas sepulturas são mais provavelmente atribuíveis à Alta Idade Média que à época romana. Os achados de Cantanhede reduzem-se a pouco (Corte-Real, 1994). Foi aqui descoberto um cemitério no qual se reconheceram 29 sepulturas (mas seriam muitas mais). O cemité- rio é provavelmente medieval mas uma estrutura anterior, de alvenaria, forrada de opus sig- ninum, cerâmica romana de construção e uma fíbula romana deixam supor uma ocupação da época romana. Não é possível, com tão pouco, identificar o tipo de estação romana. Can- tanhede significa “lugar onde há pedreiras” (Machado, 1993). O achado recente de novos ves- tígios de ocupação romana em Cantanhede, designadamente uma lápide funerária (noticiada em A Voz de Mira de 16.08.2002), relança o problema da identificação de Cantanhede como estação romana: terá havido aqui um vicus? No sítio do Pelício, perto do Casal de Cadima, Carlos Cruz (1983) recolheu cerâmica doméstica romana, cerâmica de construção da mesma época, designadamente um later com uma figura de cavalo estampilhada, um peso de tear, mós, um anel de bronze e um fragmento de almofariz de mármore. O mesmo Carlos Cruz obteve a notícia, não confirmada, do apa- recimento de uma inscrição e localizou duas necrópoles de inumação. Mais uma villa? Difícil de classificar é a estação das Várzeas, a sudeste de Pena. Carlos Cruz recolheu de um proprietário a notícia de ter destruído um tanque, eventualmente forrado de opus signi- num. Duas pedras de soleira e fragmentos de tegulae foram ainda observados por Carlos Cruz no mesmo sítio. Haveria aqui uma granja ou mesmo uma villa? É possível que tenha existido alguma ocupação no sítio de Tarelhos, junto da ribeira da Varziela; escórias abundantes, fragmentos de tegulae e de cerâmica comum sugerem alguma actividade industrial neste lugar (Reigota, 2000, p. 125-126). Vasco Mantas (1996) traça uma estrada romana secundária por Cordinhã e Outil. Temos dúvidas sobre se a estrada, na época romana e na Alta Idade Média, não iria antes por Ourentã, por Cantanhede e Cadima, isto é, pela orla das dunas, descendo a Montemor-o- -Velho por Arazede. A área desta folha 218 da CMP está a ser objecto, no momento em que escrevemos, de uma prospecção arqueológica aturada de Carlos Cruz, que amavelmente nos comunicou o resultado (provisório) dos seus trabalhos. Não é fácil, a partir dos achados arqueológicos superficiais, e sem algumas escavações, interpretar os resultados da prospecção. Afigura-se-nos (mas não o afir- mamos senão com muitas reservas) que, entre a villa romana de Pardieiros, a povoação actual de Póvoa da Lomba e a vila de Outil, se observam diversos casais possivelmente dos inícios ou da primeira metade do século I d.C. Nalguns deles existem escórias. Será que, a par com a acti- vidade agro-pastoril, esses casais explorariam algumas jazidas de ferro? Será que esses casais dependeriam do proprietário da villa de Pardieiros? Terá sido esta villa instalada nessa data? De interpretação ainda mais difícil são estações que o mesmo Carlos Cruz já detectou entre Pena e Portunhos (algumas delas situadas já na parte nordeste da folha 229 da CMP). Se a sua classificação como casais também se nos afigura verosímil, a sua determinação cro- nológica é mais duvidosa, pois os materiais recolhidos à superfície não permitem excluir uma cronologia mais antiga, pré-romana. Mas também se não pode rejeitar a hipótese da sua inte- gração na primeira metade do século I d.C. Será que estes casais gravitavam agora na área do estabelecimento romano das Várzeas, que terá sido, efectivamente, uma villa? Ao contrário do anterior grupo de casais, estes que se observam entre Pena e Portunhos não apresentam escórias (embora um forno de redução de minério de ferro tenha sido localizado na área de Portunhos, já na folha 229 da CMP). IN TERRITORIO COLIMBRIE: LUGARES VELHOS (E ALGUNS DELES, DESLEMBRADOS) DO MONDEGO 40 A interpretação destes achados arqueológicos é ainda dificultada pelo facto de parece- rem ter tido curta vida. Onde e como se terão posteriormente integrado as famílias que terão residido nesses casais? O povoamento alto-medieval São vários os documentos que, entre 1104 e 1189, se referem a Pena. Alguns falam do loco nominato Penna; outros, da villa que vocitant Penna. É possível que, nessas datas, existisse já a aldeia de Pena, embora só em 1301 tenhamos uma referência expressa à aldeia (Livro das Kalendas I, p. 170). Nos documentos do século XII, loco e villa, referidos a Pena, parecem-nos, porém, designar uma área. O doc. L.P., n.0 575, datado de 1129, fala de ipso vallo Turris de Penna. A existência de uma atalaia ou torre que teria dado o nome ao locus, villa ou valle deduz-se do doc. n.0 571 do L.P., de 1123. Ficava a torre na propriedade de que Pedro Justes e sua mulher Especiosa venderam a metade, nessa data, a Paio Peres. No século XII, a torre poderia estar já abandonada. Terá feito parte de uma linha estratégica do tempo em que, estando Coimbra na posse dos Muçul- manos, Montemor-o-Velho era cristã? Ficaria essa torre no próprio lugar da aldeia, ou num dos cabeços de 100 m a norte dela? Haverá ainda vestígios de tal fortificação? Segundo o documento n.0 575 do L.P., haveria também por aqui um mosteiro de que não encontramos mais traço documental. Talvez tenha sido modesto cenóbio. Por outro lado, o facto de o documento se referir ao mosteiro sem lhe indicar os santos padroeiros deixa-nos a suspeita de que estaria também abandonado em 1129. E não poderia a torre, afinal, ter sido apenas para protecção do mosteiro? Em 1104, Gonçalo Recemundes fez testamento à Sé de Coimbra de um terço da sua her- dade da Pena, um terço de outra que tinha em Portunhos e ainda um terço da que tinha em Outil (L.P., n.0 285).