TESTE Elas por elas A mulher militar na FAB

INSTITUTO HISTÓRICO-CULTURAL DA AERONÁUTICA Rio de Janeiro 2018 FICHA TÉCNICA

Elas por elas A mulher militar na FAB

Edição Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica

Editor Maj Brig Ar R/1 José Roberto Scheer

Autoras 1º Ten QOCon Tec (HIS) Elaine Gonçalves da Costa Pereira 1º Ten QOCon Tec (HIS) Amanda Martins de Brito

Projeto Gráfico Seção de Desenvolvimento Gráfico e Computacional

Capa 2S Tiago de Oliveira e Souza

Impressão F&F Gráfica Editora

Rio de Janeiro 2018 Apresentação

“É no espírito de luta e na força do seu instinto que reside o verdadeiro poder de uma mulher”.

Em 1982, elas chegaram. Um tanto assustadas, bem preocupadas e bastante ansiosas para enfrentar um novo desafio em suas vidas, que não só causou certo impacto para cada uma das novas integrantes da Instituição, como também para a própria Força Aérea. Perseverança, força de vontade e profissionalismo se amalgamaram na doçura, na meiguice e na ternura, fazendo-se respeitar e a mostrar o seu valor, pela postura e qua- lidade do trabalho realizado. Não foi fácil, assim o sabemos. Impor-se e ocupar o espaço que não existia requereu paciência e perseverança, mas valeu a pena. Elas agregaram o que há de melhor da alma feminina ao trabalho então desenvol- vido. O jeito especial no trato com os detalhes alterou o ambiente, tornando-o mais ameno e mais leve, sem que os princípios da vida militar tivessem que ser modificados. O astral estava diferente. A cada período, uma nova especialidade era alcançada, como altos degraus numa escada, que requerem uma subida difícil, cuidadosa, porém segura e firme. Hoje, estão presentes em quase todos os Quadros, em todas as organizações e uni- dades, sejam operacionais ou de apoio, realizando suas tarefas de maneira invulgar, com esmero e precisão. Este trabalho que ora entregamos à Força, revela um preito de consideração à pre- sença feminina na nossa FAB. Ele foi elaborado por duas oficiais historiadoras que, diferentemente das narrativas que conduzem as nossas tradicionais pesquisas, apre- sentam resumos das experiências vividas por algumas das nossas jovens guerreiras, contadas por elas mesmas. Suas emoções, dificuldades, expectativas, alegrias e vitórias estão presentes nas pala- vras de cada uma, que, representando a coletividade das mulheres militares, trouxeram esse toque especial aos nossos quartéis. A ideia concebida há 36 anos é mais que uma realidade, é uma brilhante conquista, que, com toda a certeza, ressalta que a Força Aérea ganhou mais com as suas presenças do que cada mulher que nela serve. O poeta espanhol Antonio Machado disse “Caminhante! Não há caminho. Cami- nho se faz ao andar”. Elas andaram e chegaram, e aí vão as suas histórias. Com uma taça na mão, desfrute desta boa leitura, brindando a presença da mulher militar na Força Aérea.

Maj Brig Ar R/1 José Roberto Scheer Subdiretor de Cultura do INCAER TESTE Elas por elas A mulher militar na FAB

Elaine Gonçalves da Costa Pereira Amanda Martins de Brito

sta pesquisa visa trazer à cena o protagonismo da mulher militar da Força Aérea Brasileira (FAB), ressaltando, por meio de entrevistas, o valor das experiências vividas, os desafios superados e o orgulho de servir à Pátria. Sabe-se que a presença feminina no âmbito da FAB ocorre desde a Segunda Guerra Mundial,E quando, em julho de 1944, seis enfermeiras passaram a integrar o Quadro de Enfermeiras da Reserva da Aeronáutica. Elas atuaram no teatro de operações como integrantes do Primeiro Grupo de Aviação de Caça (1º GAvCa). Mesmo após o con- flito, as profissionais de enfermagem sempre estiveram presentes, trabalhando como civis, nos hospitais da Força. Hoje, em alguns Quadros, o número de mulheres na FAB é maior do que o de ho- mens. As militares atuam como médicas, paraquedistas, musicistas, controladoras de tráfego aéreo, aviadoras, intendentes, advogadas, historiadoras, entre outras áreas. Para render essa mesura à mulher, este trabalho foi dividido por temas e dez profissio- nais foram selecionadas para representar esse vasto universo feminino. A metodologia histórica escolhida foi a História Oral. Optou-se por ouvir os relatos dessas senhoras, por se entender que “pessoas podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história contemporânea” (CPDOC/ FGV). As entrevistas foram transcritas e, posteriormente, avaliadas pelas militares. Sen- do assim, almeja-se produzir conhecimento histórico e, sobretudo, institucional, por meio dos depoimentos dessas representantes da Força Aérea Brasileira.

As p i o n e i r a s d o Co r p o Fe m i n i n o De uma maneira geral, mesmo com a presença de algumas civis, o ambiente da FAB era, eminentemente, masculino. Na década de 80 do século XX, viu-se a necessidade de ampliar a mão de obra. Sendo assim, foram realizados estudos para a inserção da mulher como militar na Força. Essas pesquisas culminaram na Lei nº 6.924, de 29 de junho de 1981, que criou o Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica (CFRA). A Lei determinou que o Corpo Feminino fosse constituído pelo Quadro Feminino de Oficiais da Reserva da Aeronáu- tica (QFO) e pelo Quadro Feminino de Graduados da Reserva da Aeronáutica (QFG).

5 O recrutamento era feito regionalmente, por meio de concurso público, com as seguin- tes etapas: prova de conhecimento específico, teste psicotécnico, teste de aptidão física e inspeção de saúde. As candidatas aprovadas passavam por um estágio de adaptação à vida militar que durava, no máximo, seis meses. Concluída essa etapa, as militares escolhiam a Organi- zação Militar que desejavam servir, de acordo com a ordem de classificação. O preco- nizado na legislação do CFRA era que essas mulheres serviriam à FAB por oito anos, permanecendo na ativa, de acordo com as necessidades da Força. Para receber o Corpo Feminino, as Escolas da FAB tiveram que se adaptar. Era necessário preparar alojamentos, ranchos, organizar a equipe de instrução, entre outras providências. A princípio, o curso das graduadas era realizado em Belo Horizonte, no Centro de Instrução de Graduados da Aeronáutica (CIGAR), e o das oficiais, no Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica (CIEAR), no Rio de Janeiro. Porém, em setembro de 1983, foi criado o Centro de Instrução e Adaptação da Aeronáutica (CIAAR), que concentrava os dois cursos do CFRA. Esse Centro possuía toda a estru- tura necessária para receber essas mulheres e adaptá-las à vida militar.

Formatura da primeira turma do QFG. (Fonte: Mulheres Militares)

6 Elas por elas Demoiselle: A primeira turma do QFO. (Fonte: Mulheres Militares)

Para representar as mulheres do QFO, foram entrevistadas duas oficiais: a Tenente- Coronel Helena Gonçalves Francisco, contando a experiência de integrar as primeiras turmas de Oficiais e de estar entre as primeiras mulheres a servir à Força nas mais diversas Unidades. E a Tenente-Coronel Ester Ferreira da Nova que ingressou como graduada, fez prova novamente e chegou a Oficial Superior, descrevendo assim a pro- gressão de carreira e a experiência em diversos postos.

A mulher militar na FAB 7

Helena

Tenente-Coronel

A senhora foi Cabo na Marinha e de- muito bem, inclusive, começaram a me pois veio para a Força Aérea Brasilei- passar funções que já eram de nível supe- ra. Por que decidiu fazer o concurso rior, funções de analista de O&M (Orga- para a FAB? nização e Métodos). Eu ingressei na Marinha como Cabo Assim que me formei (entrei na Ma- por uma questão puramente profissio- rinha em julho de 1982 e me formei em nal. Estava estudando Administração na dezembro do mesmo ano), estabeleci Universidade Federal do Rio de Janeiro uma meta que, em um ano, eu estaria tra- (UFRJ) e, no momento de fazer o estágio, balhando em um emprego com o nível senti muita dificuldade de ser admitida. superior e comecei a observar todos os Em função de ter tido algumas expe- concursos. O primeiro que abriu na Ma- riências de seleção que não concordei, rinha para oficial não teve vaga para Ad- resolvi fazer o concurso da Marinha. Lá, ministração. Alguns meses depois, abriu trabalhei no Serviço de Assistência So- o concurso da Força Aérea que tinha cial. Fui muito bem recebida, trabalhava vaga para a minha área. Então, por esse

A mulher militar na FAB 9 motivo, eu fui para a FAB. Se tivesse tido dei entrada na Seção de Pessoal. Um co- concurso para Administração na Marinha lega me disse: “você é louca? Vai fazer antes, talvez tivesse ficado lá. concurso para uma vaga, no Rio de Janei- ro? Vai jogar seu dinheiro fora!” Eu fa- lei: “veremos se joguei meu dinheiro fora Como a sua família reagiu ao fato de ou se fiz um investimento!” E aí pensei: ter uma mulher militar, em um perío- “agora eu vou ter que passar” (risos). do em que quase não tinha mulheres militares e era algo muito novo? Hoje, vejo que realmente estava foca- da. Na parte física, preparei-me sozinha. Meu pai tinha servido ao Exército. Ele Não tinha assessoria de academia. Quan- tinha uma admiração muito grande pelas do chegava do trabalho, corria perto de Forças Armadas. Por isso, ficou muito fe- casa, nas piores condições que pudesse liz com a minha decisão. Acho que um encontrar, onde tivesse mais subida. dos dias que meu pai ficou mais feliz, em relação às coisas que eu tenha realizado, foi o dia da minha formatura na Aero- Existiam muitas candidatas para esse náutica, em Belo Horizonte. concurso? A minha turma tinha sessenta mili- E como foi o processo seletivo? tares. Não tenho noção do número de candidatas inscritas no global, mas, para Foi muito interessante. Vou detalhar a minha vaga, acho que eram 26. Não um pouco mais, porque aconteceram lembro se era uma coisa muito divulgada, várias situações inusitadas. Eu consegui acho que não. fazer um contato aqui no Terceiro Co- mando Aéreo Regional (III COMAR) e o Se analisarmos, as mulheres, a partir Sargento falou para mim: “o edital ainda dos anos 1980, começaram a integrar as não chegou, mas quando chegar, lhe avi- fileiras militares e, hoje, em muitos cur- so.” Não sei se eu liguei ou ele ligou, sei sos, elas são maioria. Nisso, eu acho que que a informação foi: “acabou de pousar os militares saíram na frente, porque uti- o avião com o edital”. Então, saí, nem lizaram outros critérios para selecionar o almocei e vim direto pegar o material. que tinha de melhor no mercado, dispos- Quando abri o envelope, pensei: “só tem to a integrar seus quadros, e não apenas uma vaga, no Rio de Janeiro. Não vou ser avaliando se era homem ou mulher. eu que vou entrar”. Foi quando alguém do meu lado falou: “faz sim, porque você pode passar”. E decidi fazer inscrição por Como foi o primeiro contato que a se- causa disso. nhora teve com a FAB? Ao retornar ao trabalho, eu tinha que O primeiro contato foi muito simpáti- pedir autorização do Comandante para co. Recebi uma carta de boas-vindas e foi participar do concurso. No mesmo dia enviado um ofício para a Unidade que eu que peguei o edital, levei a solicitação e trabalhava, informando minha aprovação

10 Elas por elas no processo seletivo, que achei muito le- me lá, tem diversas missões, entre outras gal. Dei baixa na Marinha em um dia e fui coisas. Então, as pessoas, às vezes, tinham admitida na Força Aérea no dia seguin- curiosidade em torno disso. Especialmen- te. Eu achei muito organizado na Mari- te, por ser uma instituição eminentemen- nha também, pois ficaram preocupados te masculina, as pessoas queriam saber em não interromper o tempo de serviço. como era a convivência do homem com Administrativamente, vi um serviço mui- a mulher e eu explicava que nós tínhamos to coeso, muito bom. Além disso, foi a locais separados para dormir, por exem- primeira vez que viajei de avião. Foi um plo, que era feita uma adaptação. Essas marco para mim. eram as dúvidas mais comuns.

O que as outras pessoas, de outras re- Com relação à adaptação, o que a lações, pensavam ao saber que a se- senhora achou da estrutura, quando nhora passou em um concurso para chegou ao CIAAR? oficial da Força Aérea? A Escola de Belo Horizonte já estava Essas coisas não conseguimos saber de adaptada porque tinha recebido as sar- uma maneira muito explícita, mas, impli- gentos e as cabos. Era um Centro de Ins- citamente, percebemos. Algumas pessoas trução de Graduados e trocou de nome. perguntavam como era a rotina, em rela- A Escola, assim como todas as nossas ção à inserção da mulher, porque não é o instalações, não era luxuosa, mas era pre- tipo de trabalho que a pessoa vai lá e só parada para nos receber. A única coisa trabalha. O militar faz o curso inicial, dor- que me surpreendeu foi que, na Marinha,

Carta de boas-vindas enviada às futuras oficiais do QFO. (Fonte: Acervo pessoal Ten Cel Helena)

A mulher militar na FAB 11 os quartos eram menores, para duas ou de administrar, houve maior preocupação três mulheres e, lá no CIAAR, eram alo- e cuidado com a diferença que tem que ter jamentos, onde ficava metade da turma, de tratamento, ser mais educado com uma cerca de trinta mulheres, em um único mulher. E fisicamente, também. É claro local. Então, para mim, essa foi a maior que as construções não foram mudadas de surpresa, eu esperava ficar com um nú- um dia para , mas a gente foi colo- mero menor de pessoas. Até porque, era cada no melhor lugar. As pessoas plane- muito tímida, mas, no final, foi bom, por- jaram. A equipe que ia dar o treinamento que consegui conviver com mais pessoas, foi orientada sobre os procedimentos que que me ajudaram. seriam adotados com as mulheres.

Chegada das oficiais do QFO da turma de 1984. (Fonte: Acervo pessoal Ten Cel Helena)

A primeira turma do QFO teve instru- Dizem que as empresas privadas têm ção com oficiais da Marinha. A equi- muito mais preparo, mas no meu estágio pe de instrução da senhora já era da de Administração eu não fui recebida Força Aérea? como na Marinha e na Força Aérea. O A equipe era da Força Aérea, composta tratamento era diferente. Então, em ter- por mulheres da primeira turma. Em geral, mos de organização, achei que as Forças a minha percepção é que a mulher foi mui- Armadas estavam muito à frente das em- to bem recebida aqui. Mudou-se a maneira presas.

12 Elas por elas Turma de oficiais do QFO do ano de 1984. (Fonte: Acervo pessoal Ten Cel Helena)

Como foi experiência de passar um ficado mais vezes lá, mas eu voltava para período longe da família? o Rio sempre que tinha oportunidade, saía na sexta e voltava no domingo. Desde que entrei para a universidade, eu achava que ia morar sozinha, mas a gente nunca está preparada e sente inse- Após o curso de formação a senhora gurança de passar por uma situação nova. serviu no Hospital de Força Aérea do Na Escola, à noite, quando não tinha pro- Galeão (HFAG). Como foi a recepção va, a fila era no telefone para falar com a e a experiência no Hospital? família. Também tinha grande ansiedade Foi outra adaptação, porque quem es- para o momento que chegavam as cartas. tuda Administração não visita hospitais, Tinha correio todo dia. visita empresas. Então, era um ambien- Foram quatro meses de curso. Eu en- te novo. Tinha outro aspecto também, trei em março e saí em junho. Nós éramos durante o curso, a gente não aprendeu e sessenta mulheres, trinta no mesmo aloja- não vivenciou o uniforme usado em um mento, e tínhamos as mesmas questões. hospital. Então, no começo, a gente não Logo, ficava mais fácil a gente se reunir sabia identificar um oficial de branco. Foi para tentar superar. Foi uma experiência a primeira coisa que a gente aprendeu. muito boa. Hoje, olhando para trás, teria Quando o Diretor chegou, a gente perce-

A mulher militar na FAB 13 beu que não sabia reconhecer o uniforme. antes da entrada das militares, existiam Não sabia nem onde olhar. Mas a experi- as civis. Eu acho que se viu a necessida- ência foi muito boa. Eu aprendi muito. de de uma enfermagem que fosse mili- tar e que tivesse condição de assumir as Na época, o Hospital estava começan- chefias, tanto que, na minha turma, se do a fazer o processo de automatização, formaram 60 mulheres e 30 ou 32 eram construindo o prédio para instalar o com- enfermeiras. No Hospital, já tinha essa putador, para, em seguida, desenvolver o convivência, porque a maioria das auxi- sistema. Então, tive oportunidade, como liares de enfermagem eram mulheres. Na analista de métodos, de fazer exatamente o parte administrativa, acho que também que era previsto, ou seja, ter contato com o tinha bastante. Então, o Hospital era bem usuário, levantar todas as rotinas, trabalhar preparado para isso. Quando cheguei lá, como analista, desenvolver e implantar o já tinha gente no alojamento, que tinha o sistema. Foi um treinamento completo. mesmo layout do alojamento dos homens, tudo muito equiparado. Nunca teve dife- E a senhora via diferença entre o tra- rença não. balho que exercia e o trabalho reali- zado por um homem? Tinha alguma Depois do HFAG, onde a senhora diferença causada pelo gênero? serviu? Não, o trabalho poderia ser feito por A minha vida profissional foi bastante um homem ou por uma mulher. Na nos- diversificada, porque trabalhei no Hos- sa equipe, existiam ambos. Na informá- pital e, mesmo no ambiente da saúde, tica, pude ver que havia muita troca de mudei de função. Primeiro, eu era a pro- conhecimento, não tinha nenhum tipo de fissional que trabalhava desenvolvendo constrangimento de interagir, perguntar e sistema para treinar o pessoal do Hos- tirar as dúvidas. Eu nunca tive nenhum pital, melhorar o seu trabalho, cadastrar tipo de problema com essa questão de ser o prontuário e registrar as marcações de homem ou mulher. A gente se integrou consultas dos pacientes. Com a inaugura- à equipe. Até hoje, fico imaginando se, ção do Centro de Processamento de Da- em outros centros de desenvolvimento dos (CPD), que era da Diretoria de Saúde de sistemas, existia aquele tipo de coesão da Aeronáutica (DIRSA), fui transferida que a gente tinha. para lá. Em seguida, passamos a implan- tar o sistema, que o HFAG era piloto, nos No HFAG, já havia mulheres traba- outros hospitais, como no Hospital Cen- lhando. Já tinha estrutura, alojamento tral da Aeronáutica (HCA) e no Hospital e certa vivência com mulheres naque- de Aeronáutica dos Afonsos (HAAF). le espaço? Fomos à Brasília e ao sul também. Para mim, o Hospital era o ambiente Depois, eu casei e, em 1992 ou 1993, militar que mais tinha mulheres, porque, nós fomos transferidos para Belém. Lá,

14 Elas por elas não tinha essa coisa do sistema e passei Ele disse: “você foi promovida e Chefe a ser uma profissional que trabalhava na da SPM não é função de Major, certo? chefia de setores, como Almoxarifado, Para onde você quer ir?” Respondi: “que- Seção Auxiliar, Informática, Subdivisão ro ir para o Departamento de Ensino da de Arquivo Médico e Estatística (SAME) Aeronáutica (DEPENS).” e Faturamento. Eu deixei de ser aquela No DEPENS, quando cheguei, eu era profissional que fazia assessoria, que não a oficial mais antiga e também fui muito tinha atuação na rotina da unidade, para bem recebida, com carinho e muito res- ser alguém que administrava. Então, pas- peito. Lá, trabalhei na Divisão de Pessoal, sei a ter outras experiências. cujo Chefe era um Coronel Aviador e eu, Quando voltei para o Rio, fiquei na Adjunta dele. Durante seis anos, fiquei na Informática do HFAG um tempo e, de- Divisão, chegando a ser a oficial com mais pois, fui para o HCA trabalhar realmente tempo no setor, enquanto os chefes eram em contato com o paciente, como chefe substituídos. Fiz bons trabalhos, era desig- de uma seção da SAME, na marcação de nada para muitas funções importantes. consultas. Eu era o elemento que coorde- nava a rotina diária, usando o sistema que Quando a senhora teve sua filha, como conhecia e que ajudei a implantar. ficou a rotina? Como equilibrou a vida particular e o trabalho? Três ou quatro anos depois, fui para Brasília e tudo mudou. Passei a ser Chefe Fui promovida a Capitã e engravidei de Pessoal, no Primeiro Centro Integrado logo depois. Eu estava no Rio, trabalhan- de Defesa Aérea e Controle de Tráfego do no HCA. A partir daí, comecei a pla- Aéreo (CINDACTA I), que tinha um efe- nejar aquilo que pudesse organizar minha tivo de 1.800 pessoas. vida, decidi que iria colocar a criança na creche. Algumas mulheres têm muito re- ceio e acham que tem que ficar o tempo Quando a senhora chegou em Belém e todo com o filho. Eu nunca achei isso. em Brasília, como foi a experiência? Sempre pensei: “a minha vida é essa, No Hospital de Aeronáutica de Belém tenho quinze anos de serviço e eu vou (HABE), fui uma das pioneiras em fun- cumprir os outros quinze que faltam.” ções administrativas, mas também havia Quando a Juliana nasceu, tirei a licença as enfermeiras. Eu assumi muitas funções maternidade e a licença especial. Senti-me e o Diretor do Hospital, que já tinha sido muito privilegiada, porque cuidei dela até meu chefe ficou admirado. Ele viu que eu um ano. Depois, voltei a trabalhar. Fiz o fazia da melhor maneira possível, que não esquema da creche, em que ela ficou por tinha aquela coisa de estar abalada, por- quatro anos sem problemas. Tive muita que estava longe de casa. sorte e tudo funcionou bem. Todas as Já em Brasília, à época da promoção à vezes que minha filha precisou, quando Major, lembro que um dia entrei na sala adoecia, por exemplo, fiz a minha função do Coronel Negrão e falei: “Coronel, que- de mãe. Isso é a outra coisa que acho que ro falar com o Senhor. Fui promovida.” a Instituição atende muito à mulher, en- A mulher militar na FAB 15 tende as questões da família. Sempre fui mulheres entraram e eu acho que estava muito, muito compreendida nas questões escrito em um regulamento do QFO, era de necessidade de família. Por isso, fazia uma orientação às militares a “não argu- questão de me doar bastante ao trabalho, mentar questões de família.” Sempre pen- porque, todas as vezes que precisei, ficava sei que todo mundo fica doente, tanto o muito à vontade para me ausentar. homem quanto a mulher. Mas, jamais, em Lembro que, em Brasília, não tínha- trabalho nenhum, teria coragem de dizer: mos família, éramos nós três apenas e, “não posso, porque tenho filho.” Sem- quando um ficava doente, alguém tinha pre me achei muito crítica, se assumi um que cuidar e, quase sempre, era eu, por- compromisso, tenho que fazer. Se tivesse que, para o homem, era mais difícil faltar. algum problema que me impedisse e que Às vezes, o médico perguntava se queria justificasse, eu ia lá e explicava, mas nunca dispensa do trabalho e eu dizia: “dou- argumentei isso. tor, não preciso de dispensa nenhuma, Sempre viajei, sempre gostei de viajar porque tenho credibilidade e, caso haja e, pelo fato de ser casada com um militar, alguma tarefa que exija a minha presen- o Hermes sempre entendeu isso. Às ve- ça, irei.” Sempre procurei tratar isso com zes, as viagens duravam bastante tempo. muita responsabilidade, porque a Institui- Já fiz curso de três semanas e não tinha ção respeita muito a nossa função e de- problema nenhum. A hora que fosse, posita confiança na gente. Sempre pensei com a antecedência que fosse, nunca dis- em corresponder a essa confiança. Era se não para uma viagem. um privilégio trabalhar em um local que me respeitava, confiava no que eu fazia, A senhora sentiu algum tratamento nas minhas decisões, no meu bom senso diferente da chefia na escolha de ho- e eu tinha que corresponder àquilo. En- mens ou mulheres para as missões? tão, nunca senti culpa em relação a isso, porque procurava fazer o melhor, da me- Não, nunca teve! As pessoas nos tra- lhor maneira possível. Se tivesse que tirar tam exatamente de acordo com o que es- algum tempo, tirava daquele tempo que tabelecemos na relação com elas. Sempre seria meu. No final de semana e nos feria- fui tratada com igualdade. Acho que os dos, fazia tudo que podia fazer e, quando chefes sempre me olharam muito pro- ia deixar minha filha na creche, ia com fissionalmente e isso fazia com que, nos muita tranquilidade. momentos que precisei dar atenção para a família, sempre fosse muito bem enten- dida e jamais fui prejudicada por causa Fazia parte do trabalho da senhora disso. Eles sabiam que eu era uma pessoa viajar para realizar missões? Havia al- que tinha foco profissional. Então, acho guma diferença na escolha de homens que isso é o mais importante. Quando nos e mulheres para essas atividades? preocupamos com isso, passamos para as Uma das coisas que ficou muito cla- pessoas uma boa imagem e diminui essa ra, especialmente quando as primeiras questão se é homem ou mulher.

16 Elas por elas E quando a senhora chegou a Oficial ça Aérea, porque nunca pensei que fosse Superior, como foi essa experiência crescer profissionalmente. para uma mulher? Como era o rela- Então, o fato de saber que, na For- cionamento com os outros militares? ça Aérea, meu crescimento dependia de Quando fui promovida a Tenente-Coro- mim, sempre foi uma condição muito nel, estava no meio de um grupo de estudo confortável. Tanto que, no edital do meu que era formado, basicamente, por oficiais concurso, dizia que as militares ficariam aviadores. Em várias reuniões, em Brasília, por oito anos e, se tivessem boa avaliação, eu era a única mulher, porque a maioria permaneceriam na ativa, de acordo com das militares era da área de saúde ou de a necessidade da Força. Quando li isso, relações públicas. Quando fui promovida, pensei: “ah, que ótimo! Vai depender de todo mundo viu e me cumprimentou. mim. Então, está tudo certo!” Tinha tanta certeza que casei dois meses antes de de- Geralmente, escutamos falar, na mídia, cidir se ia ficar na ativa, sem nenhum tipo de casos de discriminação, mas nunca vi de preocupação. isso. Questões como a mulher ganhar me- nos que o homem, nem sei como aconte- É muito bom saber que temos uma ce. As pessoas falam com tanta ênfase e é carreira, que seremos promovidos. Vejo uma coisa que nunca vi. A FAB era uma que a maior queixa das pessoas é quando Instituição onde a maioria era do sexo elas chegam a determinado nível de ex- masculino, o número de mulheres era pe- periência e ficam fazendo a mesma coisa queno, mas fomos muito bem recebidas, que faziam quando tinham muito menos inclusive nas abordagens e nos cuidados idade, menos experiência. Nas Forças das conversas entre os homens. Existia Armadas, a gente tem a projeção de ser um cuidado para nunca se falar algo que promovido, viver experiências diferentes, não fosse recomendado que uma mulher realizar novos trabalhos, tudo em nossas ouvisse. Sempre vi isso, tanto dos meus mãos. Eu saí da área da saúde, passei pelo pares como dos superiores. Então, consi- Controle de Tráfego Aéreo e depois fui dero a FAB uma Instituição muito respei- para o Departamento de Ensino. Tive tosa com a mulher. experiências diferentes que só me enri- queceram como profissional. Vivo muito tranquila, porque uma coisa sempre es- A senhora gostaria de contribuir com teve na minha cabeça e, principalmente, mais alguma coisa? nos últimos anos, quando saía do traba- O que gostaria de falar é o que falo lho, dizia para mim mesma “hoje cumpri para minha filha: depois de trabalhar trin- tudo o que tinha para cumprir, todas as ta anos e viver várias experiências, digo minhas obrigações”, e ia em paz. Isso é o para todo mundo que tem dúvida sobre mais importante. Então, eu tinha essa paz o que escolher e, às vezes, tem desconhe- de chegar em casa e cumprir os outros cimento das instituições militares, que eu compromissos, porque, quando estava no faria tudo de novo. Sou muito grata à For- trabalho, era do trabalho o tempo todo.

A mulher militar na FAB 17

Ester da Nova

Tenente-Coronel

Por que a senhora decidiu fazer o con- Como foram os processos seletivos curso para a Força Aérea Brasileira? para graduado e para oficial? Uma amiga decidiu fazer prova para Em ambos os processos, a seleção era sargento e me incentivou a tentar tam- regional. Por exemplo, o candidato se bém. Quando terminei a faculdade de inscrevia no Terceiro Comando Aéreo Arquivologia, abriu o concurso. Entrei Regional (III COMAR), que abrangia os para a FAB em 1986, na quinta turma estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e de graduadas. Desde o princípio, a mi- Espírito Santo, e concorria às vagas que nha intenção era entrar como oficial, mas estivessem naquela região. Quando fiz o não tinha vaga para arquivista. Em 1989, concurso para sargento, concorri como abriu o concurso para a minha especiali- técnica de arquivo e acho que eram oito dade e eu fiz. vagas.

A mulher militar na FAB 19 Para oficial, foram duas vagas para ar- coisas de forma errada. Eles davam bron- quivista, uma no Rio de Janeiro e a outra ca, mas orientavam. Sempre tive bons em Brasília, no Sexto Comando Aéreo amigos no meio militar, que me ajuda- Regional (VI COMAR). Estudei muito, ram muito profissionalmente. Até hoje, pensei que ia ficar louca. Era uma opor- tenho contato com algumas pessoas que tunidade única e, de fato, foi a última vez trabalhei entre 1986 e 1989. que abriu vaga de Arquivologia para o QFO. Fui a primeira colocada do concur- O fato de ter sido sargento me ajudou so no Brasil. Se eu ficasse em segundo lu- muito quando me tornei oficial, porque gar no Rio de Janeiro, não poderia ocupar entendi os dois lados. O graduado é fun- a vaga de Brasília. Nesse caso, passaria a damental e, muitas vezes, não é tão va- pessoa que fez especificamente para lá. lorizado. Eles são elementos pensantes e não apenas executantes. Tem muita gente boa nesse meio e, sem eles, a Força não Como não houve um concurso interno funciona. Se o oficial não souber aprovei- de graduados para oficiais, a senhora tar tudo que esse profissional tem para passou duas vezes pelo processo se- oferecer, fica complicado. Eu via isso letivo? acontecer quando era sargento. Às vezes, Sim. Na Marinha, eles selecionavam al- dava uma sugestão e ficava bem claro que gumas vagas para o público interno. Mas, pensavam assim “você é sargento, né?!” E na Aeronáutica, não havia essa diferença. não é assim que funciona. Apesar de já ser militar, concorri em igual- dade de condições com os candidatos ci- Como foram os cursos de formação? vis. Contudo, as três primeiras colocadas, na área do III COMAR, eram graduadas. Os cursos duraram cinco meses cada um. Durante a formação de sargentos, fi- camos quarenta dias sem sair do CIAAR. Como foi o primeiro contato com a Pensei que fosse enlouquecer no meio de Força Aérea? tantas mulheres. Foi uma difícil adapta- Gostei muito do primeiro contato. ção, porque, além de não poder sair, o Após a formatura, servi no Centro de aluno tem que estudar, lavar sua roupa e Instrução Especializada da Aeronáutica não tem diversão. Então, a gente inventa- (CIEAR). Era um ambiente bom, uma va coisas para fazer e se divertir no fim de família. As pessoas eram amigas. Todos semana. Depois da quarentena, era regi- me ajudavam e faziam brincadeiras. Ti- me de internato. nha aquela brincadeira por eu ser a mais O curso para oficial, como eu já sabia moderna, mas me sentia bem e acolhida. como era, foi mais fácil. A quarentena Os mais antigos tinham paciência, por- não durou quarenta dias exatos. Não fica- que chegávamos perdidas e fazíamos as mos nem trinta dias como internos.

20 Elas por elas Como foi a recepção na Escola? Como Mas algumas pessoas achavam o máxi- era a estrutura montada para receber mo. Minha mãe, por exemplo, mostrava a as primeiras mulheres? foto para todo mundo e falava orgulhosa “minha filha é da Aeronáutica!” A única Achei a estrutura boa e as pessoas eram dificuldade dela era porque sou filha úni- muito dedicadas. Como outras turmas já ca e morávamos só nós duas. Ela disse tinham frequentado o curso de formação, que pediu a Deus, várias vezes, para eu a Escola estava bem estruturada e prepa- não passar, porque sabia que o curso ia rada para nos receber. Nas primeiras tur- durar cinco meses e seria em Belo Ho- mas, a equipe de instrução era formada rizonte. Porém, depois que passei, foi a por militares da Marinha e homens mili- minha maior incentivadora. tares da Aeronáutica. Eu tive instrutores do sexo masculino também, mas a maio- Com o tempo, as pessoas na família, ria eram mulheres que se formaram nos na igreja e em todo lugar também foram anos anteriores. se acostumando. No início, tive certa di- Com relação à estrutura das Organiza- ficuldade, até mesmo na Força, porque ções Militares, a adaptação, muitas vezes, tinha um preconceito muito grande. A ocorria apenas quando as mulheres che- gente dava opinião e falavam: “ah, mas gavam ao quartel. Não aconteceu comi- você é do Quadro Feminino.” Tivemos go, mas, nas primeiras turmas, houve ca- que nos impor, porque foi muito difícil. sos da militar chegar e não ter alojamento Era algo meio velado, mas existia. nem banheiro feminino. Houve alguma diferença entre ser ofi- Considerando que, no final da década cial mulher e ser graduada? de 1980, era muito recente a partici- Para mim, ser oficial era muito mais pação feminina na FAB, como os ci- difícil, porque éramos os principais as- vis viam uma mulher militar? sessores nas tomadas de decisões do Co- Quando fui fazer o concurso, as pes- mandante. Às vezes, ele ou quem o asses- soas perguntavam se eu tinha certeza que sorava não considerava a opinião de uma queria ser militar, pois consideravam que mulher e sempre pesava mais a ideia dos isso era coisa para homem. Eu respondia homens, com raras exceções. Demorou que, no mundo inteiro, já tinha mulher até que os Comandantes se habituassem militar há muito tempo, desde a Segunda à presença da mulher, porque, ao lon- Guerra Mundial, ou antes. Lembro que go dos vinte ou trinta anos de carreira, tive um namorado e, na época, ele ter- nunca tinham sido assessorados por elas minou comigo porque achava que aquilo profissionalmente. Acho que eles tinham não era atividade para mulher. Quer di- o apoio da esposa e das filhas em casa, zer, acho que ele não queria nada comigo mas era diferente. Acredito que não era mesmo. Então, foi bom, né?! Despachou, preconceito simplesmente. Eles tiveram menos um (risos)! que se adaptar a nossa presença, porque

A mulher militar na FAB 21 a visão da mulher, na sociedade, era ou- pre muito diferente dos homens, prin- tra. Para mim, o início como sargento foi cipalmente os aviadores. Havia, ainda, mais fácil, porque o oficial, geralmente, uma diferença entre os quadros que são respeita os graduados igualmente, inde- formados na Academia da Força Aérea e pendente do sexo. os que não são formados lá. De todos, o nosso era o pior em termos de interstí- cio1. Escutava muito “Você não entende, Houve algum momento em que o tra- porque não fez a AFA.” Isso acontecia to entre os oficiais ficou nivelado? não só com o Corpo Feminino, mas a Sim. No meu caso, comecei a ser mais gente ouvia muito isso. respeitada quando me tornei Oficial Su- perior. É incrível como é diferente, tanto O interstício das graduadas também que recebi outra carta patente. Enquanto era diferente? era Tenente ou Capitã, tive grandes che- fes, que consideravam a minha opinião e Não. O interstício do QFG era igual o meu assessoramento, mas quando fui ao do Quadro de Suboficiais e Sargentos promovida à Major, passei a ser vista de (QSS) formado na Escola de Especialis- outra maneira. tas de Aeronáutica (EEAR).

Como era a progressão da carreira no Depois que a senhora concluiu o cur- Quadro Feminino? so de formação de oficiais, foi desig- nada para o Centro de Documentação Era diferente dos demais quadros. da Aeronáutica (CENDOC). Como Essa questão foi muito complicada. A foi a recepção? Lei de criação do QFO previa todos os Foi boa também. Fui muito bem re- postos até Tenente-Coronel. No entanto, cebida no CENDOC. Já conhecia algu- as primeiras turmas padeceram, porque mas pessoas, o que facilitou bastante para ficaram anos sem promoção. Inclusive, mim. Eu gostava da equipe, que tinha em teve gente que ficou quatorze anos como torno de dez militares do QFO, entre ar- Tenente. quivistas, bibliotecárias, relações públicas Acho que fiquei quatro anos como Se- e jornalistas. Além disso, era uma organi- gundo-Tenente e seis como Primeiro-Te- zação de documentação, que é a minha nente, um total de dez anos. Ao longo do área. Então, para mim, foi bom tanto o tempo, isso foi regularizando, mas sem- aspecto técnico quanto o militar.

1 Período mínimo de serviço no posto, no quadro considerado, necessário para que o militar adquira os conheci- mentos e a experiência desejáveis para o desempenho das funções dos cargos militares do posto superior (Decreto nº 9.049, de 12 de maio de 2017).

22 Elas por elas Como foi a experiência de chegar a de. Não existia a possibilidade, pela polí- Oficial Superior sendo mulher? tica da Força, de ter uma oficial do QFO chefiando o SEGECAE, por exemplo, Quando fui promovida, já tinha bas- mesmo sendo previsto o posto de Te- tante mulher nessa situação. Eu fui muito nente-Coronel para comandar essa Or- respeitada. O Oficial Superior é o asses- ganização voltada para documentação e sor mais direto do Comandante e come- correspondência. ça a fazer os cursos para comandar. Em tese, as militares do QFO não iam ser Comandantes e, por isso, não faziam os cursos destinados para este fim. As auto- ridades achavam que não havia cargos de chefia para a gente. É claro que tinha! As arquivistas poderiam ser Chefes do CEN- DOC, as psicólogas, Diretoras do Insti- tuto de Psicologia da Aeronáutica (IPA) e assim por diante. Depois que saí do CENDOC, fui ser- vir no Serviço Geral de Correspondência e Arquivo da Aeronáutica (SEGECAE), onde fiquei por dezoito anos. Quando fui promovida, permaneceram dois Tenen- Ten Cel Ester da Nova na passagem de Direção do tes-Coronéis no quartel: o meu chefe e INCAER. (Fonte: Acervo pessoal 1º Ten Elaine) eu. Ele me respeitava muito. Inclusive, au- torizou a minha transferência para o Ins- tituto Histórico-Cultural da Aeronáutica A senhora sentia diferença no trata- (INCAER), pois chegou um momento mento dos superiores pelo fato de ser que eu quis sair, mesmo gostando de lá. mulher? Anteriormente, tinha tentado ser transfe- Não tive tanta dificuldade, porque, no rida e não consegui, uma vez que eu era CENDOC, onde servi por três anos, eu imprescindível como Subcomandante, era uma das oficiais mais modernas do mas não podia ser Comandante. QFO e as mais antigas tinham prepara- Ao mesmo tempo em que a gente tinha do o caminho. Fui mostrando o meu tra- o respeito de ser Oficial Superior, existia balho como técnica e como militar. No uma frustração de ver os nossos compa- SEGECAE, fui a primeira oficial da OM nheiros homens planejando fazer curso e tinha bastante respeito dos meus supe- na Escola de Comando e Estado-Maior riores que consideravam muito a minha da Aeronáutica (ECEMAR), preparando- opinião. Não tomavam uma decisão sem se para comandar uma organização e isso me consultar. É claro que, em alguns mo- não estava previsto para o nosso Quadro, mentos, eles tinham que tomar a própria ou seja, nem tínhamos essa oportunida- decisão.

A mulher militar na FAB 23 Ao longo da carreira, a senhora já teve algum problema com as militares su- bordinadas? Vou contar a experiência que tive. Che- guei a uma organização em que não havia oficial feminino e algumas graduadas eram tratadas como bibelôs. Alguns oficiais fa- lavam: “coitadinha da sargento.” Eu per- guntava: “coitadinha por que, Coronel? Porque o senhor não fala coitadinho do Cap Ester da Nova no SEGECAE. sargento?” E ouvia como resposta: “ela (Fonte: SEGECAE) é mulher.” Então, argumentava: “pega o Sempre tive sorte de trabalhar em uma contracheque dos dois, é igualzinho, por organização que era muito afeta a minha que o senhor trata ela assim?” E a respos- área, o que nem sempre acontece. Por ta era “ah, ela não pode.” exemplo, uma arquivista que trabalhava em uma Base Aérea deve ter tido mais Então, no SEGECAE, várias vezes, dificuldade que eu, por estar em um lo- fui “a madrasta da Branca de Neve”. O cal que não é muito afeto a sua área de meu Chefe falava: “olha, Ester, a fulana formação. está com o esmalte vermelho.” Se ele viu, por que não falou? Eu tinha que ir e falar, Eu era a técnica e usava a minha espe- com bastante educação: “oi, tudo bem? cialidade. Empenhei-me dentro do milita- Como você está? Sabe que não pode usar rismo. Falava: “não sou arquivista, sou mi- esmalte vermelho, né?!” Algumas iam litar.” Sempre gostei de cumprir as regras, chorar com os oficiais e diziam: “ah, a Te- assessorar e mostrar lealdade ao meu Co- nente não gosta de mim.” Cheguei a ter mandante. Mesmo não concordando com problemas, porque, uma vez, quando era alguma decisão. Isso é difícil, mas sempre Capitã, veio uma militar trabalhar comigo tive essa postura. Com isso, fui ganhando e, quando ela precisava de dispensa, fala- a confiança dos meus Chefes. va direto com o meu Chefe. Eu era tida Cheguei no SEGECAE como Segun- como malvada, mesmo fazendo a coisa do-Tenente e saí Tenente-Coronel. Du- certa. Não estava sendo cruel ou perver- rante dezoito anos, fui Subcomandante, sa, nem comendo o fígado de ninguém, porque era a segunda mais antiga da Or- ao dizer: “Fulana, a sua calça está aperta- ganização. Não existia intermediário en- da, a sua saia muito curta ou o seu cabelo tre o Chefe e eu. Sempre falo que aprendi comprido.” Muitas vezes, o argumento a ser oficial lá. era: “ah, mas todo mundo usa.”

24 Elas por elas Certa vez, quando eu era Capitã ou pai. Falei: “olha, sei que você gosta muito Major, não lembro exatamente, chegou de mim, mas não pode me chamar assim uma militar com um esmalte verde e man- na frente das pessoas, em um ambiente de dei tirar. Ela disse que não tinha acetona. trabalho.” Ele disse: “a senhora tem ra- Nesses casos, eu costumava ter para em- zão” e mudou o tratamento. Eles tinham prestar. Era um estresse que julgava des- dificuldade de entender que uma mulher necessário, ter que falar algo que a pessoa nova era a Chefe, porque, muitas vezes, a deveria saber. Uma coisa é um deslize, filha deles era mais velha do que eu. porque errar é humano, outra é a pessoa Então, no início, tive essa dificuldade, saber e fazer. No prédio do Ministério (da mas não foi nada grave. A maior parte Aeronáutica), as pessoas colocavam laça- dos homens ajudava muito. Quando era rotes no cabelo com farda. Às vezes, era Tenente, eles me assessoravam bastante, mais antiga e eu não podia falar nada. por serem mais experientes. Acho que era a postura de algumas mi- litares que queriam ser tratadas como bi- A senhora tem contato com outras belôs. Eu fazia questão de não ser tratada pessoas da sua turma, tanto de gradu- assim. Nesse ponto, tive dificuldade. Não ado como de oficial? Existem encon- é questão de a militar querer ser vista des- tros de turma? sa maneira, é da personalidade da pessoa É engraçado que nenhuma das duas e do tratamento dado a ela. Em outros turmas faz encontro, mas eu tenho con- ambientes de trabalho, também vemos tato com algumas pessoas, tanto de sar- mulheres querendo ser coitadinhas. gento como de oficial, até hoje.

A senhora teve problemas com os su- Tem mais alguma coisa que a senho- bordinados homens pelo fato de ser ra queira acrescentar, principalmente mulher? com relação ao pioneirismo e à pro- Nunca ninguém deixou de cumprir gressão da carreira? uma ordem. Era raro, mas acontecia de Acho interessante as Forças Armadas homens que já estavam há mais tempo terem aberto espaço para a mulher. Ver na Força, como Primeiro-Sargento ou o respeito pelo profissional, independen- Suboficial, falar: “Tenente, a senhora é te do sexo. O QFO foi pioneiro nisso, o muito novinha, não sabe disso.” Percebia que é muito importante. Cada vez mais, que era pelo fato de ser mulher e por eles homens e mulheres estão em igualdade. nunca terem tido uma Chefe. Por exemplo, na AFA tem as cadetes Alguns tinham dificuldade de me cha- aviadoras e intendentes. Ainda não tem mar de senhora. Uma vez, tive que con- as infantes, mas, um dia, chegaremos lá. versar com um Suboficial que me chamava Inclusive, tivemos homens e mulheres de você, porque tinha idade para ser meu Presidentes da República.

A mulher militar na FAB 25 Mas, a gente ainda vê, no mercado de trabalho e no ambiente militar, que essa dife- rença existe, ainda que velada. Por outro lado, hoje, há alguns problemas que as oficiais que fazem a AFA não devem ter mais, porque, lá atrás, preparamos o caminho para elas. Então, fico satisfeita com isso, pelo fato delas terem o respeito que muitas de nós não tivemos. Alegra-me quando vejo reportagens e aparece uma oficial pilotando um avião. Acredito que as Forças Armadas deram um passo importante e fico feliz de ter feito parte dessa história.

As p r i m e i r a s Co m a n d a n t e s Durante muitos anos, comandar uma Organização Militar ou uma Unidade Aérea dentro da FAB foi uma responsabilidade exclusiva dos homens. Essa situação está mudando. Desde 2014, há mulheres em posição de Comando nas Prefeituras, Odon- toclínicas e Hospitais da Força Aérea. Para representar essas mulheres, entrevistou-se a Coronel Carla Lyrio Martins, que, atualmente, é a mulher mais antiga da FAB. Além de ter sido uma das primeiras mulhe- res a comandar, a Coronel fez parte da primeira turma de oficiais médicos, dentistas e farmacêuticos, em que as mulheres foram admitidas, ainda em 1990. Cabe destacar que no Quadro de Oficiais Médicos, o mesmo da Coronel, as mulheres têm a possibilidade de chegar a Oficial General, posto não previsto no QFO. Após uma vasta experiência como militar que serviu em Esquadrão de Caça e em diversos hospitais da Força, espalhados por todo o Brasil, a designação para comandar uma OM ocorreu no final de 2014, tendo a Coronel Carla Lyrio assumido a Diretoria da Casa Gerontológica de Aeronáutica Brigadeiro Eduardo Gomes (CGABEG) em janeiro de 2015.

26 Elas por elas Carla Lyrio

Coronel

Quando a senhora decidiu entrar para nha turma era formada por médicos, den- a Força Aérea e como foi o primeiro tistas e farmacêuticos, sendo a primeira contato? formada por homens e mulheres. Na verdade, foi uma escolha de vida. A partir do momento que entrei na Não tenho militares na família. Estava ter- quarentena e tive contato com o que é minando a faculdade de Medicina. Então, realmente a vida de caserna, vi que não fiz levantamento de curso e concurso que era um emprego, mas sim uma escolha de poderia fazer depois da minha formatura. vida. Identifiquei-me desde o início, abra- Entrei para a Força Aérea em 1990. Fiz o cei essa carreira, faz parte da minha vida. processo seletivo no âmbito nacional e tive Tenho mais anos de tempo serviço do a de ser aprovada. O meu cur- que tinha de vida quando entrei na Força so foi realizado no Centro de Instrução e Aérea. Foi a melhor escolha que eu podia Adaptação da Aeronáutica (CIAAR). Mi- fazer em termos pessoais e profissionais.

A mulher militar na FAB 27 Como foi a experiência de integrar que é até difícil verbalizar, porque pou- uma turma mista? A Escola estava cas pessoas têm essa oportunidade que eu preparada? tive. Fui a primeira médica do Esquadrão, a primeira mulher aeronavegante com ati- Estava. Nossa turma foi extremamen- vidade a bordo. Quando entrei no 1º/10º te bem recebida na Escola. Foram cinco GAv, teve banda de música e banho de meses de adaptação e formação a respei- mangueira de bombeiro. Afinal, é um Es- to das particularidades da vida militar. A quadrão de Caça! gente aprendeu muito, sobre todas as áre- as e não tive qualquer tipo de problema Fui muito bem recebida. Durante o em relação à coexistência de homens e período que servi no Esquadrão, voei mulheres no mesmo ambiente de estudo. na aeronave AT-26 Xavante, onde fiz as Foi muito natural. Não houve dificulda- missões. Até hoje, sou convidada para de, pelo menos, que eu tenha percebido. os aniversários. Quando encontro com a equipe com a qual convivi, é sempre uma Tratavam de maneira igual. Acho que alegria muito grande. é um privilégio ter participado disso. Meu curso para adaptação militar foi excelente! A senhora já era esperada no Esqua- A nossa turma era muito boa, nos entro- drão? samos de uma forma muito interessante. O curso era em horário integral, diferente Sim, já estava sendo esperada. Mesmo da rotina da vida civil. Durante os mo- durante o curso, já existia a sinalização mentos de dificuldade, a gente acabava se que iria para lá. Nesse período, também unindo e isso dura até hoje. A quantidade fiz o Curso de Medicina Aeroespacial no de homens e mulheres da turma era bem Núcleo do Instituto de Fisiologia Aero- equilibrada e tivemos a oportunidade de espacial (NuIFISAL), aqui no Rio. Nesse concorrer igualmente pela capacidade in- curso, eu era realmente a única mulher. telectual e física. Recentemente, um Brigadeiro, que foi Tenente comigo na época do curso, me Tinha cota para mulheres no concur- disse: “Carla, quando você chegou, a gen- so? te ficou naquela expectativa, mas pouco tempo depois, você já era uma de nós.” Não tinha cota. Eram vagas para mé- E ninguém via diferença de gênero. Eu dicos, em igualdade de concorrência. De- participava das missões e das atividades pois que entrei, escolhi trabalhar em Santa sociais. Foi muito bom. Maria, no Primeiro Esquadrão do Déci- mo Grupo de Aviação (1º/10º GAv), que é de Caça e de Reconhecimento Tático. Em nenhum momento ocorreram si- Com isso, tive a oportunidade de conhe- tuações em que a diferenciavam em cer a Força Aérea pela parte operacional. função do gênero? Viver essa experiência foi um privilégio Jamais teve isso, sempre foi igual.

28 Elas por elas Depois de servir no 1º/10º GAv, a senho- fui acompanhando. Por isso, realizei es- ra seguiu para a AFA. Já tinha mulheres sas movimentações, que para o pessoal da servindo lá? E Cadetes mulheres? saúde não são tão habituais. Ele ficou em No hospital, já tinha enfermeira do São José dos Campos um ano e eu nove QFO trabalhando. Também tinha uma meses, pois, nessa época, eu dava aula na psicóloga no Esquadrão e eu fui para a UFC. Então, fui um pouquinho depois e, Esquadrilha de Saúde, trabalhar na clínica de lá, vim aqui para o Hospital de Força médica do hospital. No Corpo de Cade- Aérea do Galeão (HFAG) trabalhar no tes não, eram só homens. As mulheres setor de hematologia. vieram depois, acho que em 1996, mas, O HFAG é o hospital de maior com- nesse período, eu já tinha ido servir em plexidade da Aeronáutica. Estar lá, para Fortaleza. mim, foi uma escola. Onde aprendi bas- tante na parte de hematologia, na área Onde a senhora serviu em Fortaleza? técnica, de procedimento, além de ter a oportunidade de interagir com grandes No hospital, situado dentro da Base especialistas de diversas áreas, sendo mui- Aérea. Fiquei lá por cinco anos e, nesse tos deles referência na esfera nacional. período, cursei dois anos de hematologia, Também aprendi muito, como Chefe da na Universidade Federal do Ceará (UFC). Hematologia, de Clínicas Médicas e de A Base Aérea era extremamente opera- Divisão Médica. cional, e tinha, inclusive, um Esquadrão de Caça. Havia alerta de pista, a gente Fiquei no HFAG até 2014, quando tive ficava de sobreaviso e nós do Hospital a designação para ser Diretora da CGA- também participávamos das missões do BEG. Isso, para mim, foi motivo de muita Esquadrão. Foi uma experiência muito honra e muito orgulho. Foi outra escola, boa, uma dinâmica diferente. não no viés técnico, mas no viés admi- nistrativo. Tive a oportunidade de colocar De Fortaleza, fui para São José dos em prática tudo aquilo que tinha apren- Campos que é uma unidade completa- dido nos cursos que fiz ao longo da car- mente diferente, com particularidades reira: MBA, Escola de Aperfeiçoamento muito interessantes. É fantástico, é mo- de Oficiais da Aeronáutica (EAOAR), e tivo de orgulho de pertencer à Força Escola de Comando e Estado-Maior da Aérea! A gente tem o Instituto Tecnoló- Aeronáutica (ECEMAR). Pude executar gico de Aeronáutica (ITA), que tem um toda a parte de administração e, ainda as- capital intelectual diferenciado, acho que sim, aprender muito. No trato com pes- único. Tem o Instituto Nacional de Pes- soas, a área de gestão é completamente quisas Espaciais (INPE) e a EMBRAER diferente da saúde. A CGABEG, então, ao lado. para mim foi muito importante, além da Também servi no hospital. Lá fiquei missão que é muito especial de lidar com menos tempo, porque meu marido, que uma população que necessita de cuidados também é militar, foi fazer um curso e diferenciados.

A mulher militar na FAB 29 O que a senhora sentiu quando a de Vice-Diretora do HFAG tem sido de designaram Comandante? Houve grande valia a experiência que tive no Co- medo? mando da CGABEG, porque já enxergo as situações que se apresentam com mais Medo nunca tive. Eu gosto de partici- ferramentas, que, inclusive, me auxiliam par e decidir, mas é fato que falei: “meu nas tomadas de decisão, para poder fazer Deus do céu, será que vou dar conta!?” a missão e para conduzir as condutas que Depois, um amigo me falou: “Carla, a traço. É motivo de orgulho, uma honra, gente sempre tem essa sensação, mas uma responsabilidade muito grande. Um a missão não vai ser maior que nós. De reconhecimento e fiquei muito feliz. qualquer forma, precisamos das pessoas, elas vão nos ajudar a exercer as atividades, a executar essa tarefa e cumprir a missão Como era o relacionamento da senho- da melhor maneira possível. Tenho certe- ra com outros Comandantes? za que você vai conseguir.” Com o maior respeito e cortesia em Tive muito apoio, tanto interno como 100% das vezes. Nunca houve diferença externo. Da minha diretoria, de ou- em função de gênero, em momento al- tros comandantes, de muitos amigos, gum. Tem sido muito simples essa parte de muitas pessoas, e isso fez com que para mim. Eu, pessoalmente, não sofri minha gestão tivesse um êxito bom, a nenhum tipo de discriminação pelo fato meu ver e de outras pessoas, pois já tive de ser mulher. Entendo que diferenças esse feedback. Mas, foi um impacto! Eu existem, tanto no nosso país quanto nos estava no HFAG como chefe de Divisão outros países nas mais diversas situações. Médica, trabalhando com paciente, com Na Força Aérea, nunca percebi qualquer conduta médica, era um foco técnico e, tipo de preconceito. Sempre fui muito então, fui para um foco administrativo e bem recebida e, sinceramente, foi de uma aprendi muito. Acho que agora na função forma muito natural.

Cel Carla Lyrio assumindo a Direção da CGABEG. (Fonte: FAB)

30 Elas por elas Como foi a experiência de comandar? responsabilidade. Na verdade, a gente sempre compartilhou os sentimentos e Foi ótima! Rica, diferente, e uma opor- as decisões. Meu marido ajudou, sempre tunidade de exercer a liderança, com um estivemos juntos no mesmo barco. Então, grupo de pessoas e de contribuir para o também não tem sido difícil conciliar. É cumprimento da missão de uma Organi- claro que, às vezes, procuramos ter mais zação Militar. Isso faz com que a gente tempo no trabalho, quando tem mais res- se sinta importante. Deixar um marco, ponsabilidade. O tempo que temos para no sentido do aprimoramento, de contri- estar com os filhos não é o que gostaría- buir para renovar, inovar e isso, consegui mos, mas sempre procurei acompanhar os fazer. Foi uma experiência que me enri- meus filhos da melhor maneira possível. queceu muito como pessoa, não apenas como militar. Agora, meus filhos estão maiores, mas ainda não tem ninguém casado, moramos Como o efetivo se portou com uma todos juntos. Então, quando estou com comandante mulher, viam diferença? eles me dedico 100%, procuro participar. Temos muito carinho, isso tudo facilita e Diferença nunca houve. Não que eu eles têm muito orgulho, gostam de ver e saiba. Acho que qualquer pessoa estando de participar. A milha filha está fazendo na posição de Comandante é preciso ter faculdade, começou a estagiar agora e é compromisso com as decisões que toma, muito gostoso quando a vejo falando: com a responsabilidade e tem que ter ou- “mãe, contei lá no estágio que você foi a sadia, segurança, confiança nas pessoas, primeira Comandante.” A gente percebe saber se manifestar, dizer o que a gente que também é o modelo, é um exemplo espera de cada uma das pessoas. A par- que motiva, não só as pessoas que estão tir do momento que o Comandante, seja no nosso entorno, mas os meus filhos, a homem ou mulher, consegue fazer isso, minha família, que é o mais importante. a resposta vem naturalmente, é imediata. E mesmo vindo de uma família de milita- Foi assim que procurei me portar. Sem- res, eles não demonstraram interesse por pre procurei ouvir as pessoas e participar seguir a carreira, mas, se demonstrassem, daquilo que me estava sendo apresentado, eu apoiaria, até mesmo a minha filha. acho que não foi difícil. É preciso saber exercer a autoridade que o posto e a fun- ção conferem. A partir do momento que Como a família da senhora, amigos e você a exerce, é fácil. outros médicos reagiram quando sou- beram da designação para Comandar Como foi dividir o papel de mãe com a CGABEG? a vida militar e com a missão de ser Sempre causa interesse. As pessoas Comandante? gostam de saber, elas acham diferente, Eu tenho dois filhos, uma filha de 21 porque realmente foi. Marcou a minha anos e um filho de 19. E considero uma vida. Sei que também na Força Aérea foi

A mulher militar na FAB 31 um marco e não chega a ser uma estra- A senhora passou o Comando para nheza, é mais uma curiosidade de saber: outra mulher? Sinal que a fórmula deu “como que é? Como que foi? É difícil, certo. não é?” Passei. A mulher tem uma sensibili- É claro que é difícil. Tem que ter toda dade diferenciada. Eu acho que as coisas uma dedicação especial, pois a responsa- se complementam. Se fosse todo mun- bilidade é muito maior. A gente passa a do igual ia ser monótono e não ia haver ser uma ordenadora de despesas e tem crescimento. Na diferença é que a gente uma série de pessoas que estão na nossa cresce. É interessante ter perspectivas subordinação. Então, isso pode causar re- diferentes e ter a sensibilidade feminina, almente essa curiosidade. Mas, da minha porque, a partir daí, novos caminhos e família, sempre tive muito apoio. novas possibilidades se apresentam. É bom ter homens e mulheres. No meu núcleo familiar, somos nós quatro: meu marido, meus filhos e eu. A minha família é de Belo Horizonte, a dele é de Santa Catarina. Então, sempre nos organizamos aqui entre nós mesmos, um apoiando o outro e acho que isso é o mais importante. Quando não posso fazer uma atividade, meu marido faz. Acredito que a palavra-chave é compartilhar. Fica fácil quando são coisas boas, mas as difíceis a gente precisa mais ainda desse apoio, de Cel Carla Lyrio na passagem de Direção da dividir essas responsabilidades. CGABEG para a Cel Eliane. (Fonte: FAB) O pessoal prestigia e elogia. Isso é muito bom. E faz a gente querer fazer O que a senhora tem como perspecti- um trabalho melhor, porque sabe que va de carreira? está no foco. O ano de 2017 tem sido muito bom na Vice-Direção. Tenho orgulho de traba- lhar nesse Hospital, porque me identifico Como foram e o que representaram os muito com que a gente produz. Estou fe- anos de comando para a senhora? liz em poder atuar no sentido de melho- Um marco! Foram dois anos e um mês rar os processos, de criar rotinas, isso a que tive a oportunidade de aprender e gente está conseguindo fazer e, para mim, praticar muito daquilo que fui adquirindo é importante que seja feito, porque esse de experiência profissional. Eu acho que Hospital precisa funcionar da melhor ma- essa carreira que abracei na Força Aérea neira possível. me proporcionou muitas oportunidades. Em 2018, vou fazer um curso para Então, foi um privilégio para mim. Oficial General na Escola Superior de

32 Elas por elas Guerra (ESG). Esse é o meu projeto. Vou aproveitar ao máximo esse curso que eu já sei que vai ser muito interessante, porque pessoas de outras áreas participam, como juízes e desembargadores, assim como militares de outras Forças. Então, sei que existe a possibilidade de interagir e, como falei, é na diferença que a gente aprende, e eu quero aprender.

Há algo mais que a senhora queira registrar? Devo ter falado aqui desse orgulho de ter optado pela carreira militar, isso carrego comigo. Tenho esse orgulho! Sinto-me muito feliz de ter feito essa escolha. Acho que isso é bacana de ficar registrado e divulgar, porque é uma carreira muito bonita. Temos um plano de carreira, tem todo um projeto de vida que a gente pode construir com base nessa opção.

A mulher militar na FAB 33 A m u l h e r m i l i ta r n a fa m í l i a d e m i l i ta r e s Assim como em diversos aspectos da vida, não é raro que os filhos busquem seguir os mesmos caminhos profissionais dos pais. Muitas vezes, observamos que a escolha da profissão se dá por influência da tradição que a família transmite para os filhos. No meio militar não é diferente. Há diversos casos de militares que inspiram seus filhos e filhas, sobrinhos e sobrinhas, netos e netas, e vários outros integrantes da família a seguir a profissão. Devido à dedicação integral que a vida na caserna exige, muitos militares levam para as suas casas e para a educação de seus filhos os princípios da hierarquia e disciplina, que aprendem logo nos primeiros dias dos cursos de formação e que norteiam a sua conduta por toda a carreira. Assim, por estarem em contato constante com esses valo- res e por conhecerem a rotina da vida militar de maneira muito próxima, muitos filhos se interessam por seguir essa carreira naturalmente. Representando as mulheres que foram criadas em famílias tradicionalmente milita- res e que optaram por seguir a carreira, foi entrevistada a Tenente-Coronel Marcele de Oliveira Coimbra, que teve seu pai, tio e avô como exemplos. Ela é a personificação de um ditado muito conhecido no meio militar: “a palavra convence, mas o exemplo arrasta.”

34 Elas por elas Marcele

Tenente-Coronel

A senhora possui militares na famí- do Ar (EPCAR), gostava de ir às cerimô- lia? nias militares, de ver o rancho e achava Sim. Meu pai é Brigadeiro, meu avô e tudo legal. Acho que se, na época dela, meu tio são coronéis do Exército, além de tivesse a opção de seguir esse caminho, meu marido que é Coronel Aviador. Em certamente teria ido. É uma satisfação minha família, sempre admiravam as pes- poder dar continuidade a essa tradição. soas que seguiam a carreira militar. Minha Dentro do militarismo, ainda existem avó gostava muito. Quando decidi entrar valores que a minha família possui e que a para a Força Aérea Brasileira (FAB), foi sociedade tem buscado resgatar: lealdade, motivo de orgulho, pois nenhum dos cin- honestidade e integridade. É muito bom co netos quis seguir a carreira militar, a trabalhar em um lugar que podemos exer- não ser uma prima que também serviu à cer os nossos princípios com liberdade. A FAB como oficial temporária. Minha avó influência familiar foi fundamental, vejo vibrava com as netas! Ela foi à minha for- que o que aprendi em casa tem tudo a ver matura na Escola Preparatória de Cadetes com os valores da caserna.

A mulher militar na FAB 35 A senhora teve vontade de ser militar Se eu optasse por outra carreira, não teria por influência da família? o mesmo apoio. Inclusive realizei minha especialização em Ortodontia no Hospital Meu pai me inspirou. Ele é aviador e, Central da Aeronáutica (HCA), um curso durante suas viagens, sempre guardava o que teria um alto custo se tivesse realizado lanche de bordo para a gente. Eu costu- em uma instituição particular. mava ficar brincando embaixo do bloco em Brasília e quando enxergava a viatura da Aeronáutica chegando, corria ao en- contro dele. Ele dividia o lanche de bordo comigo e meu irmão, era uma festa, cada um escolhia uma coisa: maçã, refrigeran- te, bombom... Imagino que ele deixava de comer aquele lanchinho para chegar em casa com um presentinho para nós. Sentia-me muito feliz com essa atitude. Acho que é uma das boas lembranças que tenho da infância. Sempre admirei muito meu pai e queria ser igual a ele. Além disso, por conta dos valores que aprendi em casa, me identifiquei com a vida militar. Quando iniciei o curso de Cap Marcele e sua família. (Fonte: Odontologia, não existiam vagas para Acervo pessoal Ten Cel Marcele) mulheres na Academia da Força Aérea (AFA). Quando abriram as vagas para as Houve pressão por parte da família da cadetes no Quadro de Oficiais Intenden- senhora para ser a primeira colocada tes, eu estava no último ano da faculdade. no curso de formação? Queria tanto ser militar que pensei em Não, a minha família é tranquila demais largar tudo e tentar o concurso para AFA. e eles sabiam que meu sonho era ser mili- Mas meu pai me orientou: “Marcele, não tar. O meu pai foi o primeiro colocado na faça isso! Termina a sua faculdade e de- Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais pois você faz prova para ser dentista na da Aeronáutica (EAOAR) e eu tinha esse FAB.” Eu aceitei. exemplo. Eles sempre deram muita força e me estimularam a dar o meu melhor. A família da senhora apoiou essa de- cisão? Onde foi realizado o curso de forma- Todo mundo apoiou. A carreira militar ção da senhora? é muito boa, por conta da estabilidade e Foi na EPCAR. Eu gostei muito, fiz pelo salário indireto que recebemos: a mo- grandes amizades, estava feliz na carreira radia, a assistência médica, entre outros. que tinha escolhido.

36 Elas por elas Depois do curso, onde a senhora ser- que veste um short que era do meu filho viu? quando pequeno. Hoje, ele está maior que eu (risos). Então, isso prova que, quando Servi no Hospital de Aeronáutica de a gente faz um trabalho de qualidade, ele Belém (HABE), onde participei de diver- dura muito tempo. Essas ações saíram sas missões e Ações Cívico-Sociais (ACI- várias vezes na mídia, através do Centro SO). Nas ACISO, eu atuava na Odonto- de Comunicação Social da Aeronáutica logia Preventiva e explicava para a popu- (CECOMSAER), e projetaram, positiva- lação como escovar os dentes correta- mente, o nome da Força Aérea junto à mente, usar fio dental, etc. Além disso, sociedade. distribuía panfletos informativos. Inclusi- ve, nesse período, desenvolvi uma técnica de escovação utilizada até hoje, e que, de- pois, foi publicada em Revista Científica na Faculdade que estudei em São Paulo, a “Técnica didática de escovação infantil: bolinha, vassourinha e trenzinho”. Tam- bém íamos às escolas onde os dependen- tes dos militares estudavam e fazíamos os “escovódromos”. Essas ações saíram no jornal Diário do Pará. Ten Cel Marcele no HAAF. (Fonte: Acervo Certa vez, participei de uma dessas pessoal Ten Cel Marcele) missões de ACISO e estava bastante can- sada, porque, na véspera, tinha trabalhado no Baile do Aviador e o voo para missão A senhora sentiu preconceito das pes- saiu bem cedo, praticamente não pude soas por acharem que a sua carreira dormir. Isso acontecia porque, quando pode ter sido facilitada pelo fato de já entrei na FAB, a mulher era recepcionis- ter militar na família? ta de tudo: do baile, das formaturas e de Não. Na carreira militar não há facili- vários eventos. Como éramos poucas, a dade para ninguém. Sabemos que os co- escala era muito apertada. mentários existem, mas cabe a nós não Hoje em dia, na Guarnição dos Afon- darmos ouvidos, porque no militarismo sos, também realizamos um projeto de funciona a meritocracia. Como nunca fiz prevenção. Com o tempo, a composi- nada fora dos padrões, não teve como ção do “escovódromo” melhorou muito. falarem que fui privilegiada por ser filha Montamos uma estrutura com material de Oficial General. Tudo o que consegui voltado para a criança. Inclusive, tem uma foi porque cumpri os pré-requisitos para história engraçada sobre isso: a gente usa conquistar. Acho que tudo depende da um boneco de pelúcia, chamado Tigrão, nossa postura.

A mulher militar na FAB 37 Antes de entrar na FAB, a senhora andamento do serviço, independente de trabalhou em clínica particular. Há ser homem ou mulher. É essencial res- diferença entre o trabalho exercido lá peitar os superiores, estar enquadrada e e aqui? desempenhar um trabalho de qualidade, sempre convivi muito bem com todos os Existem diferenças. Quando me for- chefes que tive. Sempre fui bem tratada e mei atendia em uma clínica que tinha uma não senti essa diferença. grande quantidade de pacientes. Para ter uma ideia, a proprietária da clínica, não ti- nha mocho, que é aquele banco usado pelo Os filhos da senhora pensam em se- dentista, porque ela acostumou a trabalhar guir a tradição militar da família? sem ele. Então eu, igualmente, atendia em Eu tenho um filho de quinze e ou- pé e trabalhava muito, inclusive aos sába- tro de doze anos. Os dois querem fazer dos, dia que tinha mais pacientes. Engenharia no Instituto Tecnológico de Acho que a diferença é que, na FAB, Aeronáutica (ITA) que é referência e re- são exigidos padrões de excelência. A conhecido internacionalmente. gente está sempre buscando o melhor. Por termos normas e regulamentos, esta- A senhora incentiva a escolha deles? mos constantemente procurando atingir um alto grau de qualidade. O militar que Incentivo sim, tanto eu quanto meu não persegue isso e não acompanha o pa- marido, apoiamos. Essa seriedade que drão, destoa do grupo. Lá fora, essa busca vemos na Força Aérea é o que gostaría- depende do interesse do profissional. mos para os nossos filhos. Sei que é uma Instituição correta e que vai prover a eles o conhecimento que precisam para serem Há diferenças entre o tratamento des- profissionais de excelência. tinado às mulheres no período em que a senhora entrou na FAB e no atual? Se fossem meninas, a senhora tam- Agora está mais fácil, porque as pesso- bém apoiaria? as já acostumaram com a mulher na For- ça. Acho que está melhor. Antigamente, Sim, claro, a FAB é para todos! Eu era dependendo do local, havia mais resistên- Capitã na AFA, quando entrou a primeira cia. Tive que conquistar o respeito através turma de cadetes aviadoras. Lembro que do profissionalismo que demonstrava no aconteceu uma situação interessante: na atendimento aos pacientes. época, era exigido que as moças que in- gressavam cortassem o cabelo curto por conta do salto de paraquedas. Mesmo se Havia diferença de como os chefes elas fizessem trança, colocassem meia- tratavam homens e mulheres? calça na cabeça e capacete, havia o risco Todo chefe gosta de uma pessoa que de arrancar o couro cabeludo no salto. Eu trabalhe bem e que coopere para o bom via tristeza e apreensão no olhar daquelas

38 Elas por elas meninas por terem que cortar seus ca- Era comum ir ao shopping e encontrar belos bem curto. Era difícil. Então, tam- os militares passeando com fuzil pendura- bém cortei o meu curtinho, estilo Chanel. do nas costas, porque o soldado leva a arma Amava meu cabelo, mas queria transmitir para casa e não larga nem para dormir. É a seguinte mensagem: “se consegui, vocês uma realidade muito diferente, porque eles conseguem. Cabelo cresce, vamos lá!” Sin- vivem em guerra. As mães estimulam os to que atravessamos aquela fase juntas. filhos a servir, comprando armas de brin- quedo, para que eles tenham contato com Onde a senhora serviu após sair do esse mundo desde pequenos. HABE? Também tive a oportunidade de co- Fui transferida para o Rio de Janeiro, nhecer mulheres militares nos Estados onde realizei especialização em Ortodon- Unidos, quando meu marido fez um tia. Servi três anos no HCA e depois meu curso lá. A Base Aérea que visitamos, marido foi transferido para Brasília, onde por exemplo, tinha uma mulher como permanecemos seis anos. Em seguida, Comandante. A diferença que vejo é que servimos na AFA por quatro anos e vol- os militares americanos atuam especifica- tamos para o Rio de Janeiro para ele fazer mente na área em que são formados, ou o Curso de Comando e Estado Maior da seja, o aviador só voa, o administrador só Aeronáutica (CCEM) e eu vim junto para administra e assim por diante. No Brasil, servir no Hospital de Aeronáutica dos a gente desempenha várias funções. O Afonsos (HAAF). Ele foi escolhido ins- militar se envolve em muitas atividades: trutor e indicado para realizar um curso fiscaliza contratos, realiza sindicâncias, é em Israel. Ficamos sete meses no país e fiscal de prova, etc. Então, atuamos em voltamos para o Rio de Janeiro, onde es- outras áreas e não somente aquela para a tamos até hoje. qual fomos formados.

A senhora trabalhou em Israel ou foi Como a senhora conciliou a rotina da apenas acompanhando o seu marido? vida militar e as demandas da família? Eu estava de licença e fui acompa- Depois que tive filhos, a forma que en- nhando. A experiência foi ótima. Os isra- contrei para ter um equilíbrio na minha elenses acreditam que o Estado não pode vida profissional e familiar foi deixar o impedir ninguém de servir. Então, até os consultório particular e permanecer só deficientes são enquadrados em alguma com o trabalho na Força Aérea. Senti atividade militar. Lá, as mulheres são mui- essa necessidade. Meu marido trabalhava to guerreiras, podem ser soldado e ficam muito e viajava bastante. Cheguei a pen- até dois anos nesse posto. Os homens fi- sar em deixar o trabalho de vez, mas as cam até três. Eles são muito operacionais. condições financeiras não permitiam, por Não estão preocupados com formalida- isso, buscamos apoio e contratamos uma des, com fardas e em manter tudo ajeita- babá, além da empregada doméstica que dinho. Só querem saber do combate. já tínhamos.

A mulher militar na FAB 39 A senhora teve o apoio da FAB quando precisou atender às demandas da famí- lia? Teve tratamento diferente pelo fato de ter filhos? Sempre me senti apoiada. Meus chefes, geralmente, eram compreensivos, porque eu tinha um bom histórico, chegava na hora e fazia tudo direito. Então, no dia que preci- sava, tinha crédito para pedir dispensa para levar meu filho ao médico, por exemplo. Quando fiz o curso na EAOAR, que durou quatro meses, meu filho mais velho tinha dois anos e estava grávida do segundo. Nessa época, nos mudamos de Brasília para o Rio de Janeiro, onde tive apoio da minha mãe, que foi fundamental.

A senhora gostaria de contribuir com algo mais? Sou muito grata à Força Aérea, por todas as oportunidades que tive, pelo cresci- mento profissional e pessoal. Aqui temos inúmeras oportunidades. Sinto que, no meu trabalho, posso colocar em prática os valores que aprendi. Na FAB, percebo que o meu perfil e estilo de vida se enquadram exatamente no que esperam de mim.

40 Elas por elas As p r i m e i r a s m u l h e r e s n a Aca d e m i a d a Fo r ç a Aé r e a

Com essas palavras o Tenente-Brigadeiro do Ar Mauro José Miranda Gandra, então Ministro da Aeronáutica, iniciou o Aviso nº 006/GM3/024, publicado no BMA nº 113, de 30 de junho de 1995:

“Considerando o mandamento constitucional que homens e mulheres são iguais em direitos, obrigações e oportunidades;

Considerando que a mulher vem aumentando a sua representatividade na sociedade do país, devido a maior participação no exercício de atividades econômicas e administra- tivas;

Considerando que essa crescente representatividade da mulher poderá possibilitar o seu aproveitamento no desempenho de papel cada vez mais significativo nas Organizações desse Ministério;(...)

Resolvi determinar a realização de estudos conjuntos entre o Comando-Geral do Pes- soal e o Departamento de Ensino da Aeronáutica para que seja permitido às mulheres a inscrição no Concurso de Admissão para matrícula no Curso de Oficiais Intendentes da Academia da Força Aérea.”

Esse foi o pontapé inicial para que as mulheres pudessem, pela primeira vez, ser Cadetes da Força Aérea Brasileira. O início das atividades de Intendência na FAB remonta ao período de criação do Ministério da Aeronáutica, quando oficiais de Intendência da Marinha e do Exército passaram a integrar as fileiras da Força recém-criada. Desde então, apenas homens compunham esse Quadro. Tal situação foi alterada com a entrada das primeiras ofi- ciais intendentes na AFA, em 1996. Essa turma ficou marcada pela inédita seleção e formação de homens e mu- lheres, que enfrentaram jun- tos os mesmos desafios para se tornarem Oficiais da FAB. Primeira turma de mulheres intendentes da AFA. (Fonte: Folha Militar online)

A mulher militar na FAB 41 Representando as primeiras Cade- mente às mulheres. Com isso, em 2003, tes, foi entrevistada a Tenente-Coronel ingressaram na AFA as primeiras cadetes Sheyla Fernandes Sales, integrante da aviadoras. Ainda que o concurso tenha primeira turma que contou com a partici- sido realizado separadamente, ao longo pação de mulheres do Quadro de Oficiais dos quatro anos de formação, homens Intendentes. Apesar de não ser o foco da e mulheres desempenharam as mesmas formação deste Quadro, a militar teve a atividades. Com isso, em 2006, ocorreu oportunidade de ser a primeira Cadete a a formatura das onze primeiras oficiais “solar”2 um planador no Clube de Voo aviadoras da FAB, visto que nove não a Vela da AFA. Ainda que ela tenha re- concluíram o curso de formação. alizado esse feito inédito, o Quadro de Como representantes dessas pioneiras e Oficiais Aviadores (QOAv), criado pelo por possuírem especializações e experiên- Decreto-Lei nº 3.836, de 18 de novem- cias diferentes, foram entrevistadas a Capi- bro de 1941, era destinado apenas aos tão Aviadora Daniele Ferreira Cesar Lins homens. Durante 62 anos, eles foram os Chycziy, piloto da Aviação de Caça que únicos admitidos neste Quadro. se formou na primeira turma de mulhe- A situação foi alterada pela Portaria nº res do QOAv, e a Primeiro-Tenente Thais 556-T/GC3, de 30 de julho de 2002, que Lemgruber Américo, piloto da Aviação de fixou em vinte o número de vagas para Transporte, da sexta turma de mulheres compor o QOAv, destinadas exclusiva- aviadoras da Academia da Força Aérea.

Primeira turma de aviadoras da AFA. (Fonte: Folha Militar Online)

2 Pilotar sozinha.

42 Elas por elas Sheyla

Tenente-Coronel

Por que a senhora decidiu fazer con- do concurso repentinamente e me pre- curso para a Força Aérea? parava para ingressar no curso de Direito Sou filha de um taifeiro da Aeronáuti- da Universidade Federal do Rio Grande ca que, praticamente, exerceu toda a sua do Norte, mas passei a me dedicar a este carreira no rancho da Base Aérea de Na- concurso também e deu certo. Fui apro- tal (BANT), hoje Grupamento de Apoio vada em ambos, mas preferi a carreira mi- de Natal (GAP-NT), e vivi toda a minha litar e não me arrependi. Após formada, infância admirando as mulheres que já tive a oportunidade de concluir também faziam parte da área de saúde na FAB. o curso de bacharel em Direito que ha- Mas, como não tinha aptidão para esta via suspendido com a aprovação na AFA. área, não imaginava que um dia pudesse Isso enriqueceu ainda mais meu conheci- ingressar na Força. Foi quando surgiu a mento e pude aplicá-lo, por diversas ve- oportunidade de participar do concurso zes, tanto na minha carreira profissional na área de Intendência, em 1995. Soube como na vida pessoal.

A mulher militar na FAB 43 Como foi o processo seletivo? tacar de muitos cadetes, tanto nas provas intelectuais quanto nos esportes. O processo seletivo não foi fácil, a co- meçar pela concorrência de 120 candida- tos para cada vaga. Eram quarenta vagas Como era a estrutura montada na AFA destinadas a homens e mulheres. Sem para receber as mulheres? direito a cota alguma, muito menos pelo Ao chegarmos à AFA, tínhamos alo- fato de ser mulher. Apenas por mérito in- jamento feminino separado do mascu- dividual de cada candidato. Das quarenta lino e acompanhamento psicológico e vagas, dezessete foram preenchidas por físico contínuo durante todo o curso, o mulheres. que foi de suma importância para nossa formação. O uniforme, inicialmente, foi Como foi o primeiro contato com a o masculino mesmo. A ideia era manter a FAB? uniformidade da tropa que era considera- da de elite. Depois utilizamos o uniforme O mais difícil, nesse primeiro momen- feminino, mas com o sapato das alunas da to, foi a despedida da família aos dezeno- Academia de Polícia Militar de São Pau- ve anos, principalmente, por não ter ne- lo, já que corridas com o 7° uniforme fa- nhum parente próximo de Pirassununga- ziam parte da rotina cotidiana do cadete. SP, onde se localiza a AFA. Os meios de A preocupação com o apoio adequado às comunicação, na época, eram precários. mulheres era constante. Apenas carta e telefone de orelhão. O contato pessoal com a família foi apenas de seis em seis meses, nas férias. Não ti- Como foi a recepção na AFA? nha a mínima ideia dos desafios que eu A preocupação com o apoio adequado enfrentaria na AFA, mas de repente foi às mulheres era constante. Acompanha- até melhor descobri-los mesmo apenas mento psicológico, no primeiro ano, foi durante o curso. Assim, não desisti antes intenso. No segundo ano, foi realizado de enfrentá-los. um trabalho de elevação do desempenho Tivemos que manter os cabelos cur- físico das cadetes. No terceiro e quarto tos durante todo o curso, saltar de pa- anos, estávamos no auge do desempenho raquedas, saltar em uma piscina de uma físico. Ademais, percebia-se uma preocu- plataforma de dez metros de altura, rea- pação dos instrutores e dos cadetes da lizar muitas corridas e treinamento físico cadeia de comando em evitar o vocabu- intenso e diário, participar de acampa- lário de palavrões e expressões machistas mento nos quatro anos, culminando com na presença das cadetes. Até hoje, depa- o último que consistiu em treinamento ramo-nos com este pudor. Com certeza, simulado de prisioneiro de guerra. Parti- o jargão militar tornou-se mais culto com cipamos de todas as atividades a que os este comportamento. Existia preocupa- cadetes masculinos foram submetidos. E ção também com assédio moral, sexual e por vezes, algumas chegaram até a se des- com o preconceito contra o sexo femini-

44 Elas por elas no. Para isso, havia diversas reuniões de Qual a sensação de saber que fez parte acompanhamento psicológico e de Dou- da primeira turma de mulheres da AFA trina Militar no Corpo de Cadetes. e quais as lições que se tira disso? A sensação de fazer parte da primeira turma de mulheres da AFA para mim é um orgulho imensurável. Foram anos de muitos sacrifícios e de desafios às nossas próprias limitações, principalmente físi- cas, mas muito gratificantes, porque sem- pre buscamos força na finalidade maior que era a esperança de abrir portas a ou- tras brasileiras que, como nós, buscavam a independência financeira e a participação no mercado de trabalho, com igualdade de direitos, na profissão que quisermos, sem preconceito. Não queríamos ser únicas na Força Aérea, mas sim precursoras de inúmeras oficiais competentes que agregassem va- lor à missão constitucional do Comando da Aeronáutica, em harmonia com os de- Asp Sheyla na formatura da turma mais homens e mulheres que já compu- Venator. (Fonte: Notaer) nham as fileiras castrenses. Das lições aprendidas, a principal foi Como foi a recepção na organização descobrir uma mulher muito mais forte militar de destino depois de forma- e corajosa do que eu imaginava ser. A da? Força Aérea me proporcionou a possi- A recepção, tanto dos militares mais bilidade de descobrir capacidades e habi- antigos como pelos subordinados, foi de lidades que nunca imaginei possuir. Ca- muita admiração e respeito. Alguns su- pacidades físicas, intelectuais, emocionais bordinados até testavam nossa postura, e psicomotoras. Pude, inclusive, pilotar mas logo percebiam que precisavam an- avião, quando tive a oportunidade de, em dar na linha ou viveriam presos. Sempre 1996, solar planador no Clube de Voo a recebemos o mesmo treinamento e desa- Vela da AFA e sair como instrutora de fio profissional que os outros intendentes voo de outros cadetes em 1998, atingindo receberam. um total de cem horas de voo em 1999. Não imaginava que, com isso, estaria sen- do precursora e incentivadora do futuro ingresso de mulheres no quadro de avia- dores.

A mulher militar na FAB 45 Nunca pretendi fazer parte do Quadro discreta é essencial nesse convívio salu- de Oficiais Aviadores, mas tinha a curiosi- tar. Somos mulheres. Não precisamos ter dade acerca da impossibilidade de acesso comportamento autoritário e grosseiro de mulheres a este quadro no Brasil, prin- para sermos respeitadas no ambiente mi- cipalmente pelo fato de diversos países já litar. Pelo contrário, precisamos ser líde- permitirem o ingresso feminino, inclusi- res. Precisamos agir com naturalidade, ve na Aviação de Caça, desde a Segunda demonstrando companheirismo e profis- Guerra Mundial. Percebi que o simples sionalismo concomitantemente. fato de ser mulher não incapacitaria o exercício da profissão, mas sim as habili- dades inatas e adquiridas com treinamen- Fale um pouco sobre a progressão da to de cada instruendo. carreira. Depois de formada, servi por cinco anos na Base Aérea de Belém (BABE) como Gestora de Finanças, Licitações e Contratos. Depois, servi por onze anos na Base Aérea de Natal (BANT) como Gestora de Finanças, Licitações, Contra- tos e Agente de Controle Interno. Em seguida, fui transferida para o Rio de Cadete Sheyla no Clube de Voo a Vela da AFA. Janeiro, servindo por um ano no Gru- (Fonte: Revista Aero Magazine) pamento de Apoio da Saúde (GAPS), como Agente de Controle Interno, um A sensação de dever cumprido a cada ano como oficial-aluna do Curso de Co- obstáculo superado é muito enaltecedora. mando e Estado-Maior na Universidade Aprender a enfrentar dificuldades diver- da Força Aérea (UNIFA) e atualmente sas, mantendo-se o equilíbrio emocional, sirvo no Centro de Apoio Administrativo é surpreendente e foi essencial para a da Aeronáutica (CEAP). Até o posto de minha carreira profissional. Enfim, não Capitão, toda a minha turma foi promo- me arrependo de cada noite mal dormi- vida por antiguidade. A partir do posto de da, nem do cansaço físico e mental sofri- Major, passou-se a promover por mereci- dos neste período de formação. Repetiria mento. Nunca houve discriminação pelo tudo outra vez. Valeu muito a pena! Sou fato de ser mulher. muito feliz com a carreira que abracei. Por pertencer à primeira turma com mulheres na AFA, minha carreira foi re- Como é o relacionamento com os pa- pleta de pioneirismo na Força. Fui a pri- res (militares do mesmo círculo hie- meira intendente a participar como aluna rárquico)? do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais O relacionamento com os pares é ami- na EAOAR. Neste momento, não causei gável e respeitoso. A postura adequada e tanta estranheza, por existir outras mu-

46 Elas por elas lheres dos quadros de Saúde matriculadas Por fim, foi uma honra poder repre- no curso. Atualmente, sou a primeira e sentar, neste trabalho, as quinze guerrei- única oficial intendente no Curso Pre- ras que se formaram comigo na turma sencial de Comando e Estado-Maior da Venator e contar um pouco da história Aeronáutica, na ECEMAR. No início, do pioneirismo do ingresso de mulheres fiquei apreensiva porque existiam muitos no Quadro de Intendência, em 1996, na oficiais mais antigos que não foram con- AFA. temporâneos com as turmas de mulheres na AFA. No entanto, minha apreensão durou pouco tempo, pois, desde o início do curso, fui tratada com muito respei- to tanto pela Escola como pelos demais oficiais-alunos. Em 2017, fui indicada pelo Alto-Co- mando da FAB para ser uma das primei- ras mulheres intendentes a comandar uma Organização Militar: o Grupamen- to de Apoio de Fortaleza (GAP-FZ). Para mim, foi um motivo de orgulho e muita felicidade pela confiança em mim depositada. No entanto, o Comando foi cancelado em razão das mudanças da re- estruturação que a Força vem passando. Em troca, recebi outro desafio tão impor- tante quanto o de Comandante: servir no CEAP que tem como missão prover, por intermédio dos Grupamentos de Apoio, Pagadoria de Inativos e Pensionistas da Aeronáutica (PIPAR), Fazenda da Aero- náutica de Pirassununga (FAYS) e Prefei- turas de Aeronáutica, o suporte adminis- trativo e soluções de moradia funcional às OM apoiadas e seus, respectivamente, de forma eficiente e tempestiva, através das melhores práticas de gestão. Muitos são os desafios que devo enfrentar ainda no futuro, mas sei que estes são essenciais para instigar a nossa carreira militar, prin- cipalmente depois de superados, restando a nobre sensação de missão cumprida!

A mulher militar na FAB 47

Daniele Lins

Capitão

Como a senhora decidiu fazer prova jornal dizendo que ia abrir concurso da para ser piloto da Força Aérea Brasi- AFA para piloto. Logo me animei. leira? Como já havia me inscrito em diver- Eu não tinha nenhuma perspectiva sos concursos, fiz as provas e fui aprova- que isso aconteceria, pois não havia va- da em alguns, mas optei pela Academia, gas para mulheres no Quadro de Oficiais porque já tinha inclinação para a carreira Aviadores. Talvez, alguém que tivesse militar. Cursei o ensino médio no Colégio familiar na FAB já soubesse que estava Militar, entre 2000 e 2002, e, em 2003, en- para abrir um concurso, mas, como não trei para a AFA. A decisão de estar nesse tenho parente militar, fiquei sabendo de meio sempre foi minha. Não fui influen- surpresa. Na época, estava no terceiro ciada por ninguém. Foi uma feliz coinci- ano do ensino médio, quando uma colega dência e uma surpresa grande ter aberto do curso preparatório trouxe a notícia do essa oportunidade naquele ano. Então, aproveitei e entrei.

A mulher militar na FAB 49 A família da senhora apoiou a sua de- sempre, com as vagas para a Aviação, a cisão? Intendência e a Infantaria e, depois, abriu outro com vinte vagas destinadas às mu- Os meus pais sempre me incentivaram lheres, para a Aviação. Nas turmas seguin- bastante nessa questão. Para entrar no tes, foram feitos alguns concursos mistos ensino médio, eu tinha estudado muito e outros com cotas destinadas às mulhe- e feito um concurso muito concorrido, res. Esse processo foi sofrendo ajustes ao em relação ao número de candidatos por longo tempo. vaga, e com elevado nível de dificuldade. Eles já tinham a segurança de que tudo Como foi a recepção das primeiras iria funcionar, porque a experiência ante- mulheres aviadoras na AFA? rior funcionou. Então, ficaram tranqui- los e, em todo momento, me apoiaram. Na AFA, a primeira turma que teve Acredito que, como nunca tiveram con- mulheres cadetes foi do Quadro de Ofi- tato com esse meio, talvez não saibam ciais Intendentes. Então, o Corpo de exatamente tudo que aconteceu, pelo o Instrutores que nos recebeu já estava am- que passei. Eu não falava o que ocorria bientado. A novidade ocorreu quando a para não deixá-los muito preocupados, gente chegou ao Esquadrão de Instrução mas eles sempre gostaram e participaram Aérea (EIA). A minha turma voou pela de todos os eventos que era permitida a primeira vez a aeronave T-25, no segundo presença da família. ano de formação. É importante destacar isso, porque, periodicamente, muda um A sensação que tenho é que, a cada pouco essa configuração. Às vezes, voa etapa que podiam participar e ver in loco no primeiro ano, outras no segundo. Para como era a experiência, eles pareciam não os instrutores de voo, talvez tenha sido acreditar no que estava acontecendo, mas uma surpresa um pouco maior. Na minha me davam todo incentivo. Às vezes, quan- opinião, de maneira geral, achei que eles do achava que não ia conseguir, porque estavam muito bem preparados e a recep- o voo era difícil e muitos colegas eram ção foi boa. desligados, praticamente dois ou três por semana, eu falava com a minha mãe que tinha medo e ela sempre dizia “filha, você Com relação aos outros cadetes, como vai conseguir. Já passou por coisa mais di- foi a recepção? fícil. Vai dar certo!” Na minha turma, entraram cerca de 170 ou 180 aviadores, entre homens e mulheres, e se formaram em torno de No processo seletivo, as vagas eram 110 ou 115. Nós convivemos com pes- destinadas, exclusivamente, às mu- soas de diversas opiniões. No grupo, a lheres? maioria convivia normalmente e sentí- O primeiro concurso, que foi da mi- amos que um ou outro não concordava nha turma, foi aberto depois do concurso muito com o fato de estarmos ali. Mas, normal. Foi feito o processo seletivo de os quatro anos de formação foram su-

50 Elas por elas ficientes para nivelar todo mundo e ver Como era a convivência das cadetes? que todos tinham condições de fazer o Havia diferença entre as atividades que tinha que ser feito, para que a turma desempenhadas pelos cadetes ho- se formasse de maneira igual. No início, mens e mulheres? existiam algumas diferenças. Não vou di- O alojamento era separado. Então, na zer que não existiu e que 100% das pes- hora de dormir, a nossa convivência era soas aceitaram bem essa ideia, porque, separada por conta disso. Mas as ativida- de fato, alguns não concordaram ou não des que a gente fazia, durante o dia, como ficaram à vontade com a nossa presença. por exemplo, instrução na Divisão de En- Talvez, achassem que tirávamos um pou- sino, instrução de voo, educação física, os co a privacidade. Mas, acho que o tempo acampamentos, entre outras, eram reali- que passamos lá fez com que isso caísse zadas juntas. A convivência era tranqui- por terra. O convívio com toda a turma, la, com exceção de algumas pessoas que até hoje, é bem tranquilo. Todo mundo se torciam o nariz um pouquinho, como dá muito bem em relação à amizade e à comentei no início. Acho que eram casos vida profissional. isolados e não posso dizer que a convi- vência não era boa por conta dessas pes- Como foi o primeiro contato com a soas. Eram poucas opiniões desse tipo. FAB? Eu já tinha certa expectativa por ter passado três anos no Colégio Militar. Qual é a sensação de saber que a se- Então, não teve muita surpresa, porque nhora está entre as primeiras aviado- já imaginava o que ia encontrar. Lógico, ras da AFA? não tem como comparar a rotina no Co- Depois que fiz a prova, aos poucos, fui légio, mesmo sendo militar, com a rotina começando a ver a realidade e a perceber na Academia, porque é completamente que estava entre as primeiras aviadoras da diferente. A surpresa foi que as coisas AFA. As pessoas falavam que a turma ia eram bem mais difíceis do que imaginava. ficar marcada na história e a gente ia sen- Tínhamos pouco tempo para realizar bas- tindo o peso da responsabilidade. A cada tantes atividades cansativas e extenuantes. conquista que eu tinha, sempre mantinha O voo exige uma preparação muito gran- isso em mente. de, coisa que nunca tinha feito, nem para estudar para concurso. Nada era igual. O Quero que a minha conquista sirva nível de preparo era muito maior, o de co- não só de incentivo para outras mulheres, brança e responsabilidade também. Para como também para mostrar que a nossa mim, foram todas surpresas positivas. Eu entrada no Quadro de Oficiais Aviadores já sabia que não ia ser fácil, mas, quando foi uma escolha acertada e que é possível senti na pele, foi mais difícil ainda. Isso a mulher desempenhar o papel que ela faz parte do processo. Sempre tive o pen- quiser em pé de igualdade com o homem, samento de ir superando um desafio após até mesmo em um ambiente tradicional- o outro. mente masculino, um círculo fechado e

A mulher militar na FAB 51 restrito, como é o meio militar. Eu tinha rígida, para que o piloto tenha um bom esse desafio para mim. Queria conseguir aproveitamento depois do curso. para provar que a mulher pode. Quero Como tive um desempenho bom no que, aquelas que tenham dúvidas sobre curso avançado do quarto ano, na aero- optar ou não pela carreira militar, vejam a nave T-27 Tucano, e manifestei interesse minha história e pensem “ela conseguiu, de ir para a Caça, fui direcionada para tal, vou conseguir também!” É uma respon- junto com outras duas pilotos da minha sabilidade com o futuro mostrar que isso turma. Ao sair da Academia, fiz a espe- é possível. cialização na aviação escolhida, que du- rou um ano.

Depois da especialização, geralmente, o piloto faz um curso, chamado de Cur- so de Liderança, para ganhar experiência e, em seguida, vai para a primeira linha voar aeronave a jato. Então, em 2007 fiz a especialização em Natal e, entre 2008 e 2011, escolhi servir em Campo Grande, no Terceiro Esquadrão do Terceiro Gru- po de Aviação (3º/3º GAv), o Esquadrão Cadete Daniele Lins após primeiro voo solo na Flecha, que voa a aeronave A-29 Super aeronave T-27. (Fonte: Revista Em Discussão) Tucano. Depois, vim para Santa Cruz, para o Primeiro Esquadrão do Décimo Como foi depois que se formou? Sexto Grupo de Aviação (1º/16º GAv), A formação básica para os aviadores é para continuar a progressão, onde voei a a mesma e, no final do quarto ano, os pi- aeronave A-1, entre 2012 e 2016. lotos escolhem para qual aviação querem ir. Vários fatores são levados em conside- Como a senhora se sente sendo pi- ração para essa definição: o perfil do pilo- loto da primeira linha da Aviação de to, o desempenho dele no voo, no Corpo Caça? de Cadetes, além do desempenho militar, intelectual e psicomotor. É feito um con- Isso para mim é mais uma parte daque- selho entre os instrutores que decidem le desafio que começou lá atrás. Sendo quem vai para cada aviação. É necessário bem sincera, naquela época, nem imagi- fazer isso. No meu caso, por exemplo, nava que iria conseguir chegar tão longe. tive interesse na Aviação de Caça, que Eu sempre raciocinei da seguinte maneira exige alguns aspectos a mais em relação “vou viver um dia de cada vez, matar um às outras aviações, principalmente em leão por dia”, porque são tantos desafios termos de desempenho psicomotor, no que não dá para o cadete, que não sabe geral. Então, a seleção é um pouco mais nem se vai se formar, visualizar.

52 Elas por elas Essa questão da novidade e da expec- Hoje, ninguém vai dizer para mim que tativa com relação ao nosso desempenho determinada coisa não dá para a mulher gerou bastante apreensão em todo mun- fazer, porque eu já provei que dá. do. Antes de começarmos a voar o T-25, o desafio era que a mulher poderia não Como funciona no corpo de uma mu- conseguir baixar o trem por emergência, lher, que tem estrutura física diferente porque tem que pegar a bomba manual e de um homem, a violência que uma bombear, senão o trem não baixa e isso é aeronave de Caça proporciona, devi- difícil. Nós conseguimos, passamos pelo do a força G? desafio. Depois, pensavam que a gente Tudo são etapas. A gente começa a voar não ia conseguir voar o T-27, porque o o T-25 que é uma aeronave mais simples e voo de formatura era muito cansativo e mais lenta. Depois, passa para o T-27 que tinha homem de dois metros de altura, puxa por uma carga G um pouquinho fortão, que saía do voo arrasado. Imagina maior e já faz umas acrobacias. Quando uma mulher?! A gente foi e fez, de novo. chega à primeira linha, por exemplo, que Então, veio o próximo desafio: diziam a aeronave a jato puxa mais G e tem ve- que a mulher na Caça não iria dar certo, locidade e exigência física muito maior, o porque é muito cansativo e puxa muita nosso corpo já está ambientado. “carga G”3. E a gente conseguiu. De fato, a seleção entra em todas as Por fim, diziam que pilotar o A-29 não etapas desse processo. Por exemplo, para seria possível, que a mulher não iria voar voar o T-25 não tinha restrição, além da- na primeira linha, porque a aeronave a quela que o concurso já previa com rela- jato é muito mais rápida, puxa muito mais ção à altura e peso. Mas, para voar o T-27 G e eu consegui! Então, tudo foi cons- existe um parâmetro mínimo e máximo truído passo a passo. Essa questão de ter específico. O máximo, as meninas não sido da Caça, ter voado na primeira linha, atingiam, mas tinha o risco de não alcan- aeronave a jato, era mais um tijolinho nes- çar o mínimo determinado. Isso não é só sa história. uma restrição para voo, é uma questão de Sempre teve expectativa. Tinha gente segurança também, por conta do assento que torcia para dar certo e tinha gente que ejetável, que foi desenvolvido e testado achava que não. Nós, cadetes, mostráva- para que não causasse danos maiores para mos que era possível. Então, fico muito a pessoa na estrutura da coluna. Exis- satisfeita, porque todos os desafios que tia essa necessidade de ter, pelo menos, me puseram a prova, eu consegui me sair 1,60m por conta das medidas de perna, bem e concluir com êxito. É uma sensa- para alcançar os comandos e para não ção de realização profissional muito boa. bater o joelho ou a cabeça na nacele na

3 Carga física, de efeitos de aceleração, a qual o piloto é submetido em situação de manobras e acrobacias.

A mulher militar na FAB 53 hora da ejeção. O peso mínimo é exigido No Esquadrão, tinha estrutura de alo- para o piloto ter uma compleição física jamento e banheiro? mínima para suportar a carga G. Então, Essa parte de estrutura física sempre estando dentro daquele parâmetro, era só foi uma preocupação. Quando chegamos manter e ir se aperfeiçoando. à AFA, já tinha mulher, então, não teve A primeira dificuldade que duas cadetes problema. Em Natal e em Campo Gran- da turma tiveram foi não conseguir atingir de, tinha estrutura, eles separaram um ba- o peso mínimo e não puderam voar T-27. nheiro para a gente, foi tranquilo. Com Elas repetiram o curso no T-25 no quarto o tempo, as coisas foram sendo ajustadas ano. Eu e outras duas mulheres que fo- e aperfeiçoadas, mas tinha uma estrutura mos para a Caça nos preocupávamos em mínima. fazer atividade física para manter o pre- paro físico e suportar melhor a carga G. No dia a dia, nas missões e serviços, Então, ao mesmo tempo em que o corpo há alguma diferença entre homens e ia se acostumando, a gente também tinha mulheres? a preocupação com o físico para conse- guir suportar. Mas, acredito que isso não Atualmente, estou servindo no Depar- seja específico da mulher, porque tam- tamento de Controle do Espaço Aéreo bém teve homem que não voou o T-27 (DECEA). Eu fiquei em Unidade Aérea por conta dessas restrições, assim como até o ano passado. Era tudo normal, a es- tem homem que é muito magrinho e con- cala de voo ocorria conforme a disponi- segue suportar. Cada um teve que correr bilidade e quantidade de horas. Indepen- atrás do seu prejuízo. dente de ser homem ou mulher, a escala, tanto dos voos em sede quanto das via- gens e das missões mais longas, era igual. Após a formatura, como foi a recep- Pode haver alguma restrição, mas não por ção no Esquadrão? conta de sexo e sim pela pessoa, que pode A sensação inicial foi a mesma da AFA, não estar se sentindo bem naquele dia. eles estavam preparados para nos receber. Já fui para uma missão que Sempre tem uma exceção, algumas pesso- tive que ir com outro piloto. A gente ia as não foram a favor, mas acho que isso fazer um voo de Campo Grande até São não atrapalhou. A instrução foi muito Gabriel da Cachoeira, fazendo várias profissional, homens e mulheres eram paradas, porque o avião não vai direto. cobrados de maneira igual. À medida que A gente teve que parar em uma cidade, eles cobravam e íamos respondendo à al- pernoitamos lá e isso foi feito com na- tura, passavam para o próximo desafio. turalidade. Somos pilotos e não teve ne-

54 Elas por elas nhum constrangimento. A gente enten- estava por causa disso, mas uma amiga, deu que era uma necessidade da missão. depois que cumpriu o período de licen- O que estou querendo dizer com isso é ça, voltou a voar normalmente na mesma que, em nenhum momento, precisou ha- Unidade. ver preocupação do escalante se a missão Então, vim para o DECEA e estou vo- envolveria pernoite e se poderia escalar ando no Grupo Especial de Inspeção em uma mulher e um homem juntos. Caso Voo (GEIV) como Quadro de Tripulan- chegássemos em um lugar que não tives- tes (QT) externo. Faço as minhas missões se quarto separado, como já aconteceu, a normalmente, coordenando, para, na gente se organizava e cumpria a missão. medida do possível, evitar um pernoite. Mas independente disso, a escala ocorre Como fica a situação de uma mulher conforme o previsto e é possível trocar piloto quando chegam os filhos? com outro piloto no Esquadrão que seja voluntário para fazer a missão, sem que Isso é uma experiência muito nova, já isso sobrecarregue ninguém. que a minha turma é a primeira. Tenho uma filha de um ano e meio e acho que Essas são dificuldades que toda mulher só mais outras duas pilotos têm filhos. encontra quando volta a trabalhar. Conci- Quando a mulher engravida, fica automa- liar o trabalho com os filhos e com a casa ticamente fora do voo por uma questão fica um pouco mais difícil. Não passei por fisiológica. No meu caso, quando voltei isso ainda, mas imagino que, com relação da licença-maternidade, o Esquadrão a às viagens, seja uma situação delicada, que eu pertencia estava passando por um porque não dá para passar uma semana momento difícil, com relação à indispo- fora e deixar o filho pequeno em casa. nibilidade de aeronave. Depois ele foi de- Até hoje, eu consegui fazer todos os voos sativado. As aeronaves foram transferidas indo e voltando no mesmo dia, que a gen- para o Rio Grande do Sul e acabei não te chama de “bate pronto”. Além disso, indo. Não voltei a voar no Esquadrão que tenho um apoio muito bom do meu ma- rido. Quando tem voos no domingo, ele fica em casa com a minha filha. Com relação à Instituição, ainda não dá para prever como vai ser a situação da mulher. Tem que viver cada caso e ver o que vai acontecer. De fato exige uma or- ganização maior, mas não posso dizer se é impeditivo ou não, porque ainda não tem um espaço amostral para isso, já que são poucos casos nessa situação. Além disso, cada aviação tem as suas particularidades. Cap Daniele Lins em campanha institu- cional para o dia das mães. (Fonte: FAB) Por exemplo, a Caça tem voos que, no as-

A mulher militar na FAB 55 pecto físico, são muito puxados, mesmo A piloto para de voar quando desco- os voos locais. Mas a rotina é bem pla- bre a gravidez? nejada. Então, no início do ano, o piloto Quando chega ao Esquadrão, a piloto tem noção de quais são as viagens que vai assina um termo onde está previsto que, fazer até o final do ano. Não são muitas, assim que ela descobre que está grávida, mas passa mais tempo fora, às vezes, duas tem que informar ao Comandante e ficar, ou três semanas em cada uma. automaticamente, fora do voo, porque A Aviação de Transporte não é assim. pode trazer complicação na gravidez, por O voo é fisicamente mais tranquilo, por- conta do esforço e da carga G. Acho que que não tem carga G. O estresse é mui- essa foi a única providência que tomei to menor, tem outro piloto e mecânico exclusivamente por ser mulher, porque para ajudar, mas, em compensação, não todo o resto foi normal. tem rotina. Pode acontecer de ser aciona- do para uma missão no dia seguinte e ter Qual é a rotina da piloto durante a que passar dias fora, ou ainda antecipar gravidez? as missões, além de ocorrerem panes que estendem as missões por dias além do Eu acumulei os serviços administrati- previsto, ou cancelam no meio e o piloto vos. O Esquadrão tinha bastante instru- volta antes. Então, apesar do voo ser mais ção de fora. Acabei ficando com essas ati- tranquilo, a rotina é menos planejada. vidades, já que não podia voar. Fora que também trabalhava na Seção de Preven- No meu caso, quando voltei de licen- ção e Investigação de Acidentes Aero- ça-maternidade, diversos fatores culmina- náuticos e controlava a parte de relatórios ram para que eu não voltasse a voar logo. do Centro de Investigação e Prevenção Acredito que, se não fosse isso, poderia de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA). Ia ter voltado normalmente. Iria fazer a re- fazendo o meu serviço de chão, porque, adaptação, fazer prova de novo e simula- na FAB, o piloto voa, mas também tem dor, mas voltaria para a escala. Para uma várias outras atribuições no chão. Estava amiga que é da Aviação de Transporte, com barrigão, quando tive que dar uma não mudou quase nada. Ela continuou a aula no curso de Controlador de Voo, em rotina que tinha antes, com o cuidado de, São José dos Campos. Eu pensava que, já sempre que possível, evitar um pernoite, que não estava podendo voar, ia fazendo porque era mais confortável saber que à as outras tarefas para ajudar a carregar o noite ia poder estar em casa com o filho. piano junto com o Esquadrão.

56 Elas por elas ThaísLemgruber

Primeiro-Tenente

Como a senhora decidiu fazer prova aquilo me despertou ainda mais a vonta- para ser piloto da Força Aérea Brasi- de de ser aviadora. leira? Na época, ainda não tinha prova para mulher nessa especialidade. Então, colo- Desde pequena, eu gostava muito de quei na cabeça que queria estudar algo re- avião. Meu pai me levava para o Do- lacionado a isso e tinha vontade de fazer mingo Aéreo, no Campo dos Afonsos, engenharia aeronáutica, ser controladora e aquilo me encantava. Ele teve bastan- de voo, ou alguma coisa assim. Quando te vontade de ser militar e gostava muito eu estava no ensino médio, abriu a prova desse meio. Houve, também, a influência para as mulheres ingressarem na Acade- de um amigo de família, que é piloto da mia da Força Aérea como pilotos. Con- FAB, quem eu via chegar em casa de ma- versei com os meus pais e eles sempre me cacão de voo e sonhava em um dia poder apoiaram. Então, concluí o ensino médio vestir um daquele. Mais para frente, pude e fiz um ano de cursinho preparatório. ver um primo se tornar aviador militar, e Em 2007, prestei o concurso e passei.

A mulher militar na FAB 57 Como foi o primeiro contato com a pessoas entraram na turma, dentre elas Força Aérea e a recepção na AFA? mulheres, e isso não era costume para eles. A recepção na Academia, na minha época, funcionava assim: quem vinha do Costumo dizer que, ao longo dos qua- meio civil e tinha prestado o concurso di- tro anos de formação, a turma se tornou reto para a AFA chegava numa data e os tão unida, principalmente nos momentos demais, que também eram da minha tur- mais difíceis, que esquecíamos totalmen- ma, mas que estavam vindo da EPCAR, te se estávamos entre homens ou mu- chegavam uma semana depois. lheres. Durante o segundo ano, quando começaram os voos, todos tiveram difi- Então, quando cheguei, só estava pre- culdades, independente do sexo. Por isso, sente o pessoal civil que tinha prestado o trocávamos experiências e nos unimos concurso junto comigo. De início, já tive- bastante. mos um choque de realidade para aquele ambiente militar, mas foi bem interessan- te a maneira como os militares da AFA Como foi o relacionamento com os se colocaram disponíveis, principalmen- cadetes aviadores? te, para orientar os familiares. Na época, Quando a gente chegou, a turma era meus pais me levaram até lá e o próprio tratada de um modo geral, independente Comandante do Corpo de Cadetes se co- da especialidade. No segundo ano, com locou totalmente disponível para sanar as a introdução do voo, começamos a nos dúvidas. A partir do dia que pisei na Aca- separar um pouco mais. Então, tínhamos demia, já me senti diferente, militar de que acordar cedo para ir para o 2º Esqua- verdade, entregue à FAB. drão de Instrução Aérea (2º EIA), que é uma atividade exclusiva do aviador. No 2º Como era estar em um ambiente mili- EIA, existe bastante pressão psicológica tar, tradicionalmente masculino, em- para a formação, não é fácil. Naquele mo- bora, na AFA, tivesse cadetes desde mento, vimos que nos unindo e um aju- 1996, com as primeiras intendentes? dando ao outro, conseguiríamos ir mais longe. Eu sou da sexta turma de oficiais avia- doras da AFA. No concurso, se não me Acho que se, no primeiro contato, engano, foram vinte vagas destinadas ex- existiram barreiras, elas se romperam to- clusivamente às mulheres e apenas doze talmente no 2º EIA. Lá, não existia pre- entraram. Então, na minha turma, havia conceito. Trocávamos experiências de voo, as intendentes e as aviadoras, além dos sempre querendo ajudar, independente do homens. No início, os cadetes oriundos sexo. Até porque, era muito ruim para a da EPCAR olhavam diferente para a gen- gente, como turma, ver companheiros te. Eles já eram militares e estavam entro- sendo desligados ao longo do caminho, sados. Na Academia, se depararam com já que estávamos na mesma situação que uma realidade diferente, porque novas eles. Então, nos ajudávamos para tentar

58 Elas por elas chegar com o máximo de companheiros antes de começar o ano de voo, para con- ao término do curso com aproveitamento. versar, nos contar como era e se coloca- vam a nossa disposição para tirar dúvidas. Essa grande união que via por parte das Como era o relacionamento entre mu- mulheres, eu não via muito com os ho- lheres? mens. Talvez, porque isso era natural para O relacionamento era muito bom. Nos eles que estavam ali há muito tempo. dois primeiros anos, a gente dividia o quarto da maneira que era estipulado pelo Comando. Até porque, ninguém se co- Onde a senhora serviu depois da for- nhecia. Assim, começamos a criar as ami- matura da AFA? zades e, como numa sociedade normal, No ano seguinte à formatura, como existem pessoas com quem temos mais tinha escolhido ingressar na Aviação de afinidade e outras que temos menos. Transporte, fiz a especialização, em For- A partir do terceiro ano, passamos a es- taleza, no Esquadrão Rumba (Primeiro colher com quem dividir o quarto. Dessa Esquadrão do Quinto Grupo de Aviação forma era melhor, porque reuníamos nos - 1º/5º GAv). Consegui uma boa classifi- quartos as pessoas que tínhamos mais afi- cação e escolhi ir para Manaus para servir nidade. Eu, nos dois anos que pude esco- no Primeiro Esquadrão do Nono Gru- lher, morei com mais quatro intendentes e po de Aviação (1º/9º GAv), Esquadrão nenhuma aviadora. Era legal, porque elas Arara, voar o Amazonas (C-105 Amazo- entendiam bastante a minha rotina, que nas). Eu tinha uma vontade muito gran- era um pouco diferente, principalmente no de de servir na Amazônia, era um sonho, quarto ano. Normalmente, um dia sim e principalmente, tendo a oportunidade de outro não, eu tinha que ir para o EIA voar voar uma aeronave mais moderna. e acordava muito mais cedo, porque ia du- Essa experiência foi sensacional, por- rante a madrugada. Então, elas sempre me que queria me formar e desempenhar entenderam e me respeitaram muito nes- uma função que me sentisse útil como se ponto. Quando precisava dormir cedo, piloto e foi exatamente o que aconte- ninguém fazia barulho. Existia uma rela- ceu. Servi em um Esquadrão que fazia ção de compreensão. De vez em quando, missões reais o tempo todo. Fazíamos havia desentendimentos, mas nada grave. muita evacuação aeromédica, ajudávamos Eram coisas que resolvíamos conversando. a população ribeirinha, pousávamos le- Eu tenho um relacionamento muito bom, vando comida e remédio em lugares que não só com elas, mas com as mulheres das sabíamos que realmente aquela localidade outras turmas também. dependia do nosso pouso para continuar Uma coisa interessante que aconteceu, existindo. Além disso, sustentávamos o não sei se pelo fato da minha turma ter funcionamento dos Pelotões de Fronteira sido uma das primeiras, mas as aviadoras do Exército, que garantiam a segurança mais antigas costumavam reunir a gente, da fronteira. Infelizmente, isso não é mui-

A mulher militar na FAB 59 to divulgado na mídia, mas, em algumas Durante a especialização, havia di- daquelas localidades, existem conflitos ferença no tratamento destinado aos reais, quase diários. Poder contribuir com homens e às mulheres? aquilo foi muito legal. A missão é gratifi- Não. Em nenhum momento, tive al- cante demais. gum tipo de benefício ou prejuízo por ser mulher. O Esquadrão estava muito bem preparado para nos receber. Apesar de terem entrado doze aviadoras na minha turma, se formaram apenas seis, ou seja, metade foi embora ao longo do caminho. Mas os instrutores foram muito profis- sionais com a gente, não percebi nenhum tipo de preconceito, nem durante os vôos nem durante as aulas. A gente sempre foi tratada de maneira igualitária, indepen- dente do sexo. Ten Ariane e Ten Thais Lemgruber foram as pri- meiras mulheres a tripular a aeronave C-105 Ama- zonas. (Fonte: FAB) Depois da especialização, o Esqua- drão estava preparado para receber Depois, tive a oportunidade de vir para uma mulher? Como foi a experiência um Esquadrão de primeira linha, no Rio de servir na Amazônia? de Janeiro, onde eu estou servindo hoje, o No 1º/9º GAv, já tinha uma aviadora. Primeiro Esquadrão do Segundo Grupo Então, havia uma pequena adaptação para de Transporte (1º/2° GT), o Esquadrão receber uma mulher e não tive problemas Condor, e pilotar uma aeronave que tinha em função disso. Mas era muito comum muita vontade de voar também, o EM- pousar em uma localidade e não ter ba- BRAER 145, chamado de C-99 na FAB. nheiro feminino, ou ele estar trancado e A progressão da minha carreira foi um ninguém saber onde estava a chave. Isso, pouco atípica, porque algumas oportuni- inclusive, acontece até hoje e, naquela re- dades surgiram fora do tempo previsto. gião, com mais frequência. Por vezes, a Fiquei apenas dois anos no 1º/9º GAv e gente usava um alojamento de sargento isso não é comum. Mas como faltavam feminino, porque, como elas já estavam pilotos na primeira linha, no 1º/2º GT, há mais tempo na Força, isso já estava pediram voluntários e, na época, me dis- mais estruturado. Essa situação nunca me ponibilizei. Então, vim para cá e, com incomodou. Em alguns momentos, era pouquíssimo tempo de formada, cheguei mais complicado, por exemplo, quando à primeira linha, onde estou voando aero- pousávamos em um Pelotão de Fronteira, nave de ponta. porque só tinha homem, já que, no Exér-

60 Elas por elas cito, a presença da mulher ainda era pe- Como era a recepção quando o passa- quena, ainda mais nas localidades em que geiro via que era uma mulher pilotan- a gente pousava na Amazônia. do a aeronave? Eu acho interessante que, inicialmente, A recepção na Amazônia, de uma ma- por mais que existisse algum preconceito neira geral, era bem gratificante, porque, ou desconfiança sobre o nosso trabalho, como as pessoas realmente estão pre- talvez por sermos mulheres, com o pas- cisando e sabem que a sua função é de sar do tempo conseguíamos provar, por suma importância para a permanência mérito próprio, que merecíamos estar delas ali, eram bem calorosas. O pesso- ali. Às vezes, a gente ouvia piadinha. Por al sempre vinha ajudar a descarregar os exemplo, os passageiros falavam espan- equipamentos do avião, por exemplo. tados: “ah, meu Deus, é uma mulher?!” Quando viam que era uma mulher, alguns E perguntavam: “você sabe pousar esse se surpreendiam. Às vezes, pediam para negócio?” Ou ainda: “vocês não sabem tirar foto, queriam autógrafos e coisas as- nem dirigir, como é que vão pilotar um sim. Para mim, isso era muito diferente, avião?” Falavam também: “ainda bem porque eu não sou uma , só que não tem que fazer baliza.” Mas isso estava fazendo o meu trabalho. existia só no início. Depois, fazendo mis- Não só por ser mulher, mas eu acho que sões com as mesmas comitivas, o pessoal eles valorizam o trabalho do profissional já começava a bater palma e a achar aqui- militar muito mais do que em outras re- lo legal. Era interessante ver a evolução giões do país. Claro que, por ser mulher, da percepção das pessoas com relação ao às vezes, tinha essa tietagem a mais, prin- meu trabalho. cipalmente, quando era uma mulher que Eu sempre achei graça de tudo, nun- estava sendo ajudada. Tinha gente que ca fiquei chateada, muito pelo contrá- até chorava, falava: “tenho muito orgulho rio, aquilo me dava mais vontade de fazer de você. Parabéns!” E ficavam apresen- tão bem o meu trabalho a ponto daquela tando a gente para outras pessoas com pessoa se surpreender e falar “caramba! satisfação. Muitos homens, quando eram Foi uma mulher que pousou?” Sempre ajudados, se espantavam. Às vezes, tinha lidei com isso de maneira muito descon- desconfiança se eu realmente era capaz de traída. Nunca absorvi aquilo, nem fiquei pilotar. Depois que viam o meu trabalho, com raiva, porque acho que não vale a um pouso ou um voo tranquilo, falavam: pena. Sei que cheguei até aqui por mereci- “poxa, parabéns! Foi um bom pouso, eu mento próprio. Passei no concurso e con- não esperava!” Com isso, ia começando a cluí meu curso de formação por mérito mudar a percepção da pessoa sobre mim. meu, então, não tem o que questionar. Era muito legal.

A mulher militar na FAB 61 Como foi a recepção no 1º/2º GT? Como é o dia a dia no Esquadrão? Foi um pouco diferente, porque eu e No dia a dia, temos funções adminis- outra militar fomos pioneiras, como avia- trativas. Além disso, concorremos à esca- doras, no 1º/2º GT. Achei a recepção boa la de serviço armado, de representação e também. Nunca fomos tratadas de ma- de fiscalização de concursos, entre outras, neira diferente e a adaptação foi rápida. assim como qualquer outro oficial, inde- Uma das dificuldades que enfrentamos pendente de ser homem ou mulher. Com foi com relação à escassez de banheiros relação à escala de voo, não existe dis- femininos, porque quando chegamos só tinção alguma. Quando chega a minha havia uma Sargento e o restante do efe- vez, sou escalada para a missão e vou. tivo era composto por homens. Hoje, o Também funciona assim com relação às Esquadrão dá mais atenção a esses cuida- funções administrativas. Hoje, sou a Che- dos diferenciados e já se adaptou muito fe da Seção de Instrução. Tenho apenas bem a nossa presença. Inclusive, um dos subordinados homens, alguns deles têm momentos mais gratificantes da minha idade para ser meu pai, mas me respeitam carreira foi poder dividir a cabine de co- pelo meu posto e aprendo muito com mando com a Ten Robertha, compondo eles, com a experiência que têm mui- a primeira tripulação feminina da história to mais do que eu, não só na aeronave, do Esquadrão. Naquela ocasião, percebi mas na carreira. Essa troca de experiência através do Comandante, dos demais com- é mútua, não tem diferença pelo fato de panheiros de Força e das redes sociais da eu ser mulher. FAB, o quanto aquela marca se tornava expressiva não só para nós duas, mas para toda a sociedade. Existe alguma diferença pelo fato ser uma piloto mulher? Não há nenhuma diferença. Existe um regulamento que fala sobre as parti- cularidades da mulher aviadora, que pre- vê, dentre outros aspectos, que a gente pode informar que está indisponível por motivo de menstruação, por exemplo. Eu não precisei disso, porque nunca me senti mal voando, mas existem pessoas que re- almente se sentem e, por vezes, precisam. Aqui no Esquadrão, somos três aviadoras Primeira vez em que uma aeronave do Esquadrão Condor foi comandada apenas por mulheres. Na foto e nunca vi nenhuma diferença por ser- as Tenentes Thais Lemgruber e Robertha. mos mulheres. (Fonte: FAB)

62 Elas por elas Como a senhora se sente por estar causa da rotina, até me esqueço desses entre as primeiras mulheres pilotos detalhes, mas, quando alguém me lembra em uma Instituição, cuja atividade da minha trajetória, é bem legal. fim é voar? Acho que a palavra que melhor define Do ponto de vista profissional, como é orgulho. Sinto-me orgulhosa de vestir a senhora se vê daqui a vinte ou trinta a farda e de estar entre as primeiras mu- anos? lheres nessa posição dentro da FAB. Sei que existiram mulheres que lutaram, por Acho que a FAB proporciona, princi- muitos anos, para que, um dia, a gen- palmente para o oficial aviador, indepen- te conseguisse estar aqui. É interessante dente de ser homem ou mulher, a realiza- quando tenho a oportunidade de estar na ção de novos sonhos. Entrei com um de- cabine de comando, após um pouso tran- sejo pequeno, que era me formar, porque quilo, e os passageiros, quando me veem, acreditava que meu sonho acabava ali. falam “caramba, era uma mulher! Que le- Depois que realizei, passei a criar novas gal! Parabéns!” Nesse momento, percebo expectativas. Meu próximo objetivo foi que isso ainda chama a atenção e que tem servir na Amazônia e consegui. Depois, uma reação positiva. passei a querer voar o avião que voo hoje, o EMBRAER 145, e consegui também. Por outro lado, às vezes, me envolvo Então, temos a possibilidade de ir concre- tanto com as questões do dia a dia, que tizando novos sonhos, baseado no nosso não penso nesses detalhes. Meus pais, por trabalho. Além disso, já tive a oportunida- eu ser filha única, babam no que faço e de de fazer alguns cursos dentro da FAB, são super orgulhosos do caminho que como o Curso de Comunicação Social e o escolhi. Quando eles falam das minhas de Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. atividades, penso “caramba! Eu sou isso Por tudo isso, estou caminhando em um tudo?!” Não me dou conta, porque, como rumo que gosto muito. Hoje, meu desejo estou envolvida nesse ambiente, tudo se é conseguir galgar os novos desafios e as torna natural e até engraçado. Mas quan- novas expectativas que criei, como, por do penso que sou aviadora da FAB, que exemplo, ser promovida não só pela anti- são poucas, e estou entre uma delas, além guidade, mas também por merecimento. de ter sido das primeiras turmas, é muito legal. Acho muito gratificante poder re- Daqui a uns vinte ou trinta anos, me presentar o sexo feminino ganhando vejo ainda voando, ou tendo a oportuni- espaço de destaque. Atualmente, vemos dade de dar instrução. A FAB vai rece- mulheres, não só no Brasil, mas no mun- ber a aeronave KC-390 e já é um grande do, sofrendo coisas tão absurdas, como sonho poder voar esse avião. Seria muito preconceito e violência, que poder estar legal, também, se eu tivesse oportunidade nessa posição e saber que é por méri- de comandar um Esquadrão Aéreo, por- to próprio é muito bom. Não me sinto que sei que logo essas oportunidades vão diferente dos demais militares, já que por surgir para as mulheres. Acho que vai ser

A mulher militar na FAB 63 maravilhoso ver uma aviadora comandando um Esquadrão, contribuindo com a ins- trução aérea e com as demais atividades administrativas. Não tenho pretensão, nem vontade de sair da FAB. Quero construir a minha carreira aqui.

O l e g a d o Em novembro de 1980, o Decreto nº 85.324 determinou que a Força Aérea Brasilei- ra criasse quadros específicos para oficiais temporários, cuja organização e composição seriam estabelecidas em um regulamento próprio. Então, foi criado o Quadro Comple- mentar de Oficiais da Aeronáutica (QCOA) e outro de oficiais da reserva não remune- rada, convocados, que mais tarde foi denominado Quadro de Oficiais da Reserva de 2ª Classe Convocados (QOCon). Geralmente, os oficiais pertencentes a esses quadros chegam às fileiras da FAB com um elevado grau de capitação, de formação acadêmica e de vivência profissio- nal. Eles são convocados para “atender, em caráter temporário, em tempo de paz, a necessidades operacionais da Força Aérea, porventura não supridas pelos Quadros regulares de pessoal do COMAER, pertinentes às áreas profissionais de nível supe- rior” (ICA 33-22, p. 8). Esses profissionais, antes de serem designados para as Organizações Militares, pas- sam por um estágio de adaptação, a fim de aprender os pilares da vida militar. Servem à FAB por, no máximo, oito anos e, após o tempo de serviço ativo, a vida desses militares segue outros rumos. Certamente, o período servindo em uma Organização Militar faz com que esses militares temporários saiam da caserna diferentes do que entraram. Para falar sobre o legado deixado pela experiência de servir na FAB, entrevistou-se a Senhora Priscilla de Faria Scheer, que incorporou ao QCOA no ano de 1999, como advogada, atuando em assuntos jurídicos. Ela comentou sobre a experiência, os apren- dizados, assim como os valores adquiridos as principais diferenças de se trabalhar no meio militar e no civil.

64 Elas por elas Priscilla Scheer

Senhora

Quais os valores e lições aprendidos do na sua experiência profissional no na caserna que a senhora leva para a meio civil? sua vida pós-FAB? Penso que em todos os ambientes de Após os anos de vida militar, trago trabalho, de alguma forma, existem tra- ainda comigo algumas lições aprendi- tamentos diferenciados pelo gênero, que das, como a valorização do trabalho de às vezes são benéficos e adequados e, em equipe, a lealdade à instituição que repre- outras, representam práticas discrimina- sentamos, e a necessidade de observar a tórias. máxima de que “missão dada, é missão Porém, acredito que no meio civil ain- cumprida.” da existem mais situações discriminató- rias do que na Força Aérea. Na FAB, a di- Quanto ao fato de ser mulher, a se- ferença no tratamento entre os militares nhora percebe diferenças entre o tra- existe em relação ao posto ou graduação tamento recebido na FAB e o recebi- e, também, à especialidade, mas, na mi-

A mulher militar na FAB 65 Estagiária Priscilla durante o Exercício de Campanha realizado no curso de formação. (Fonte: Acervo pessoal Priscilla Scheer) nha experiência, nunca senti diferença no guma experiência anterior. Mas o tempo tratamento pelo fato de ser mulher. dedicado à FAB foi determinante para Por outro lado, a Força Aérea possui influenciar a minha forma de trabalho e, em seus quadros muito mais homens do portanto, toda a experiência profissional que mulheres, e penso que a mulher mili- posterior. tar ainda tem que provar a sua capacidade com mais dedicação e destacar-se mais do Integrar as fileiras da FAB acrescen- que o homem para obter o mesmo grau tou algo no seu currículo, ou seja, de respeito profissional. contribuiu para o seu crescimento profissional? A senhora considera que existem dife- Sim. A Força Aérea me proporcionou renças entre a sua experiência profis- a participação em cursos de formação, sional no período anterior e o período seminários e eventos profissionais, inclu- posterior ao trabalho na FAB? sive internacionais. Além disso, propiciou Certamente. Apesar de ter ingressado a aquisição de grande experiência em ins- na Força Aérea bem jovem, já possuía al- trução.

66 Elas por elas Qual foi a principal contribuição da FAB para a sua vida? A Força Aérea ampliou a minha visão do mundo. Por causa da FAB, tive a oportunidade de trabalhar com profissionais de várias formações e especialidades, e de todo o Brasil, o que considero muito construtivo, Ten Priscilla na formatura do curso de formação de pois, em geral, os profissionais encerram- oficiais. (Fonte: Acervo Pessoal Priscilla Scheer) se em determinados grupos de formação profissional (médicos, advogados, enge- Os pilares do militarismo são hierar- nheiros, etc.) e não adquirem a vivência quia e disciplina. A senhora considera de trabalhar em equipes multidisciplina- que esses valores ainda influenciam a res ou de conhecer diferentes pontos de sua prática profissional? vista. Considero a disciplina essencial para Também tive a oportunidade de via- a prática profissional. Na minha área de jar e de conhecer diversas instituições, trabalho existe muita pressão e necessida- além de realizar cursos muito interes- de de observância de prazos, o que exige santes para a minha formação pessoal e ordem e disciplina para o cumprimento profissional. O período passado na FAB das tarefas. foi muito feliz, me trouxe crescimento e De outra forma, no meio civil, espe- grandes amizades. cialmente no meio jurídico, não vejo mui- ta influência do conceito de hierarquia. É claro que existem chefes e subordinados, mas são situações pontuais, que mudam de tempos em tempos. Não há uma hie- rarquia definida. Aquele que hoje é chefe, amanhã poderá ser subordinado ou par.

A mulher militar na FAB 67 De c i v i l à m i l i ta r Até hoje existem mulheres civis que trabalham na FAB e contribuem para o cum- primento das missões das organizações militares. Elas atuam nas mais diversas espe- cialidades, vivenciam o dia a dia e acabam se familiarizando com o ambiente militar. Essa experiência despertou em algumas mulheres o desejo de “vestir o azul”. Desta maneira, prestaram concurso, fizeram estágio de adaptação e ingressaram nas fileiras da Força Aérea Brasileira. Representando essas mulheres, entrevistou-se a Segundo-Tenente Keyla de Assis Waltz, formada em Museologia e que, após um período trabalhando como civil, no Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER), tornou-se oficial temporária. E também a Primeiro-Sargento Luciene Tostes Cardoso, que ingressou na Força Aé- rea ainda muito jovem, quando fez um concurso para entrar como civil e, depois, outro processo seletivo para integrar o Quadro de Suboficiais e Sargentos (QSS) da Aeronáutica.

68 Elas por elas Keyla

Segundo-Tenente

Como surgiu a oportunidade de Que diferenças a senhora sentiu em trabalhar na Força Aérea Brasileira trabalhar como civil em um ambiente (FAB)? militar? Em 2014, reencontrei um amigo que No início, foi bem estranho, porque eu estava trabalhando como oficial temporá- ficava com medo de fazer algo errado, pois rio na FAB. Comentei que era meu sonho tinha a idéia que o ambiente militar era entrar para as Forças Armadas, pois meu muito rígido. Mas logo as pessoas foram avô havia servido na Marinha. No ano conversando comigo e me senti mais a seguinte, abriu um processo seletivo para vontade. O Chefe me explicou que a única museóloga civil no INCAER. Decidi par- diferença era que os oficiais tiravam ser- ticipar, pois mesmo que não fosse como viço e eu não. Para não ter dúvidas sobre militar, eu estaria vivendo no meio que como agir, observava os militares e procu- sempre sonhei. rava me comportar da mesma forma.

A mulher militar na FAB 69 Foi inusitado quando, na primeira reu- Em que momento a senhora decidiu nião, o mais antigo entrou na sala e todos fazer o processo seletivo para entrar ficaram em posição de sentido. Apesar na Força Aérea? de ser civil, tive que permanecer em pé Trabalhava como civil na FAB, mas naquela posição. Com o tempo, fui ado- rezava a todo instante pedindo para que tando a mesma postura dos militares. Até abrisse o processo seletivo para a minha quando ia me apresentar para tirar férias, área. Quando abriu, alguns amigos me fazia em posição de sentido. Isso virou avisaram que havia vaga para Museologia. motivo para brincadeiras por parte da Lembro até hoje da emoção que senti, equipe. Eu valorizava cada coisa que ia porque o meu sonho estava muito perto aprendendo e percebi que no meio mili- de se realizar. tar havia hierarquia, disciplina e respeito, coisas que, hoje, são raras no meio civil. Em relação ao trabalho, a diferença Como foi o curso de adaptação? maior foi que, ao receber uma solicita- Muito difícil. Apesar de ter recebido ção do Major-Brigadeiro, eu não poderia várias orientações, conselhos e instru- respondê-lo sem antes passar por uma ções, não podia imaginar o que iria viven- cadeia de comando. Então, na minha opi- ciar. Eu estava um pouco acostumada, nião, essas foram as maiores diferenças. mas muitas pessoas sofreram um baque.

Museóloga Keyla (última à direita), ainda civil, em missão da Escola de Especialistas de Aeronáutica. (Fonte: Acervo Pessoal 2º Ten Keyla)

70 Elas por elas Logo nos primeiros dias, nós tivemos que para mim baixinho: “você não quis isso? nos apresentar de coque, sem brinco, ma- Então aguenta, você é forte!” quiagem ou esmalte, de blusa branca lisa, Para mim, o curso foi muito além de calça jeans e tênis branco. Esse virou o uma adaptação à vida militar. Ensinou- nosso uniforme durante as duas primei- me o quanto sou forte e me fez perce- ras semanas de curso. ber como devo ser grata a Deus por viver Para nos adaptar à doutrina militar, a com pessoas que compartilharam o meu rotina era pesada. Eu tenho muito a agra- sonho. decer a minha família, porque, quando chegava em casa quase sem conseguir an- Existem diferenças entre trabalhar na dar, eles me ajudavam e colocavam gelo FAB como civil e militar? nos meus pés e joelhos que estavam sem- Não senti muita diferença na rotina, pre inchados. pois sempre me senti militar e me com- Mas, o pior momento para mim foi portava como tal. Sempre fui muito atenta carregar um mosquetão e uma mochila aos horários, ao cumprimento de prazos muito pesada durante todo o Exercício de e à necessidade de tratar com respeito as Campanha. As atividades eram intensas pessoas que trabalhavam comigo. A dife- e ocorriam também durante a madruga- rença aconteceu nas questões inerentes à da. Teve uma hora que senti muita dor e profissão, como tirar serviço, apresentar a tive vontade de desistir. Então, pensei em tropa, ir a representações, fazer sindicân- todas as pessoas que torceram por mim. cia, estar sempre atenta aos regulamentos, Nesse momento, segurei o choro e repeti dentre outras coisas.

Formatura da Asp Keyla no curso de formação de oficiais. (Fonte: Acervo pessoal 2º Ten Keyla)

A mulher militar na FAB 71 Conte sobre a sua carreira e o que espera para o futuro? Só posso dizer que estou muito feliz. Sou militar, trabalho na minha área de forma- ção, com a gestão do patrimônio cultural material e imaterial da Força Aérea. Amo o que faço. Trabalhar no INCAER é uma experiência maravilhosa. Como sou temporá- ria, ou seja, trabalharei como militar na Força por, no máximo, oito anos, tenho a espe- rança que abra vaga para Museologia no Quadro de Oficiais de Apoio da Aeronáutica (QOAP) e que eu possa ingressar como militar de carreira.

72 Elas por elas Luciene

Primeiro-Sargento

Como surgiu a oportunidade de tra- Quais as impressões que a senhora balhar na Força Aérea? sentiu ao trabalhar como civil em um ambiente militar? No ano em que completei dezoito anos, as Forças Armadas abriram um concurso Tendo em vista tratar-se de meu pri- para servidores civis, que foi organizado meiro emprego, não tinha parâmetros pelo, então, Ministério da Marinha. Pas- para comparar o ambiente militar com a sado o processo seletivo, constituído de vida civil corporativa. A novidade con- prova e exame médico, os classificados sistia em estar trabalhando formalmente foram distribuídos nos Ministérios Mili- pela primeira vez. Tudo era aprendizado. tares. Assim, após a aprovação e cumpri- Desde o início de minhas atividades na dos os requisitos, fui nomeada e lotada no FAB, minhas impressões foram as de um Ministério da Aeronáutica, onde ingressei ambiente de seriedade, de muita dedica- no ano de 1994. ção profissional dos seus integrantes e, sobretudo, de cooperação e de camara- dagem.

A mulher militar na FAB 73 Em que momento decidiu fazer o pré-requisito para a admissão dos alunos, processo seletivo para entrar na Força o estágio, de aproximadamente seis me- Aérea? ses, consistia, quase em sua totalidade, em Ser militar fazia parte de um sonho doutrina e em conhecimentos militares. de menina. Infelizmente, durante muito Tudo começou com a quarentena da tempo a FAB não abriu concurso para turma. Para alguns, que já eram da Força, o Corpo Feminino. Foi quando, já tra- não havia grande novidade, mas nós, ci- balhando há alguns anos no Ministério vis, experimentamos viver um novo mun- da Aeronáutica, tomei conhecimento do. O Esquadrão Branco se dividia entre do recém-criado Estágio de Adaptação o prédio feminino e o masculino. A roti- à Graduação de Sargentos (EAGS), que na era pesada. Os alunos se empenhavam buscava selecionar jovens com curso téc- por décimos nas avaliações, pois qualquer nico em diversas áreas, indo ao encontro ponto fazia diferença para a classificação, à minha formação profissional. quando findo o curso. Todos esses meses de treinamento culminaram no acampa- Como foi o curso de formação? mento e muitas histórias que lembramos com risos até hoje. O curso de formação foi ministrado na Escola de Especialistas de Aeronáuti- Nossa turma se formou basicamente ca (EEAR), em Guaratinguetá. Como a para suprir as necessidades do Projeto bagagem técnico-profissional constituía SIVAM (Sistema de Vigilância da Ama-

Aluna Luciene (no detalhe) durante o curso na Escola de Espe- cialistas de Aeronáutica. (Fonte: Acervo Pessoal 1S Luciene)

74 Elas por elas zônia), o que levou muitos a servirem nal. A mulher é encarada, quase sempre, em Manaus. Cabe salientar a excelência como se trabalhar não fosse uma neces- da formação dada aquele corpo discente. sidade, mas escolha. Ela traz consigo a A formação dada na EEAR realmente é imposição de abrir seu próprio caminho, diferenciada e, por isso, lamento que mui- de se provar capaz. Hoje, a presença de tos graduados que ingressam atualmente mulheres nas organizações militares cres- na Força não tenham a oportunidade de ce a cada dia. Isso era bem diferente há passar pelo Berço dos Especialistas, lugar vinte anos. Já no curso de formação, era de tradição e de orgulho. De lá, segui para latente, pois, em um universo de mais de o Serviço Regional de Proteção ao Vôo mil alunos, entre Curso de Formação de de São Paulo (SRPV-SP), no Aeroporto Sargentos (CFS) e EAGS, pouquíssimos de Congonhas. eram do sexo feminino. Quando cheguei ao SRPV-SP, havia apenas quatro mulhe- res, contando comigo, e mais tarde, no Existem diferenças entre trabalhar na SRPV-RJ, eu era a única militar. Era nítida FAB como civil e como militar? a falta de estrutura para acomodar o Cor- Eu creio que a seriedade no desempe- po Feminino, inclusive, com a ausência de nho da função, tanto para civis, como para alojamentos em alguns quartéis. A mulher militares, é a mesma. Trabalhei com exce- na FAB ainda era uma novidade. lentes servidores civis, dedicados e com- prometidos. O que interfere no trabalho é a postura individual. Assim, a diferença se Conte sobre a sua carreira e o que es- dá no cumprimento de atitudes inerentes pera para o futuro. à nossa própria formação militar. Somos Foi longo e sinuoso o caminho que treinados para termos comportamento percorri nesses últimos 24 anos, mas enri- e olhar diferenciados. É típico da nossa quecedor como pessoa e como profissio- carreira o entendimento de que precisa- nal. Na área de Proteção ao Vôo, além do mos, enquanto profissionais de armas, SRPV-SP, tive passagem pelo SRPV-RJ ter a capacidade de tomarmos decisões para, posteriormente, em 2001, integrar a frente a situações, termos iniciativa e não equipe destinada a criar a Assessoria Ju- nos omitirmos, ainda que não façam par- rídica da então Diretoria de Intendência te do rol imediato de nossas atribuições. (DIRINT), onde dediquei quase dezes- Ser militar é, sobretudo, fazer-se e estar seis anos de minha vida profissional. Em pronto. 2016, com a vinda para o Instituto Histó- rico-Cultural da Aeronáutica (INCAER), A senhora via diferenças enquanto ci- surgiram novos desafios, novas missões e vil e agora como militar por ser mu- novas oportunidades de crescimento. lher? Aprendi um pouco por cada lugar Desde que ingressei na FAB, notei a onde passei e procurei deixá-los melhores necessidade de me impor como profissio- a cada despedida. Servi com tantos bons

A mulher militar na FAB 75 1S Luciene recebendo a Medalha Mérito Santos-Dumont. (Fonte: Acervo pessoal 1S Luciene)

76 Elas por elas amigos e profissionais com os quais tive a grata tarefa de trabalhar e conviver. A FAB me trouxe muitos encontros felizes. Muito se engana quem traduz como rudeza a disciplina militar, muito menos aquele que vê na mulher o sinônimo de fragilidade. Somos ternas, somos disciplinadas, mas somos, sobretudo, valentes. Construímos nosso espaço na direta proporção de nossa competência e dedicação. Para o futuro, espero continuar perseverando, dedicando- me e emprestando o olhar feminino à militar na qual hoje me transformei.

A mulher militar na FAB 77 Re f e r ê n c i a s

Fo n t e s p r i m á r i a s BRASIL, Casa Civil. Lei nº 6.924, de 29 de junho de 1981. DF, 1981. BRASIL, Casa Civil. Decreto nº 9.049, de 12 de maio de 2017. DF, 2017. BRASIL, Ministério da Aeronáutica. Aviso nº 006/GM3/024, de 05 de Maio de 1995. DF, 1995. BRASIL, Ministério da Aeronáutica. Decreto nº 85.324, de 05 de novembro de 1980. DF, 1980. BRASIL, Ministério da Aeronáutica. Instrução do Comando da Aeronáutica (ICA) 33- 22, de 06 de outubro de 2016. DF, 2016. BRASIL, Ministério da Aeronáutica. Aviso nº 006/GM3/024, de 05 de maio de 1995. DF, 1995. BRASIL, Ministério da Aeronáutica. Decreto-Lei nº 3.836, de 18 de novembro de 1941. DF, 1941. BRASIL, Comando da Aeronáutica. Portaria nº 556-T/GC3, de 30 de julho de 2002. DF, 2002.

Si t e s c o n s u l t a d o s O que é História Oral. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral . Acesso em 12 de fevereiro de 2017. Em 2017, ingresso das mulheres na FAB completa 35 anos. Folha Militar Online. Disponível em: http://folhamilitaronline.com.br/em-2017-ingresso-das-mulheres-na- fab-completa-35-anos/ . Acesso em 18/04/2018.

Médica é a primeira mulher comandante de uma unidade da FAB. Força Aérea Brasileira. Disponível em: http://www.fab.mil.br/noticias/mostra/21283/COMANDO--- M%C3%A9dica-%C3%A9-a-primeira-mulher-comandante-de-uma-unidade-da-FAB . Acesso em 18/04/2018.

Era uma vez, há 30 anos atrás... Mulheres Militares FAB. Disponível em: http:// mulheresmilitaresfab.blogspot.com.br/2012/06/era-uma-vez-ha-30-anos-atras.html. Acesso em 26/04/2018.

As graduadas fizeram bonito. Mulheres Militares FAB. Disponível em: http:// mulheresmilitaresfab.blogspot.com.br/2012/06/as-graduadas-fizeram-bonito.html. Acesso em 26/04/2018. 78 Elas por elas En t r e v i s t a s Cel Med Carla Lyrio Martins. INCAER, Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 2017. Ten Cel Dent Marcele de Oliveira Coimbra. INCAER, Rio de Janeiro, 14 de Agosto de 2017. Ten Cel Int Sheyla Fernandes Sales. INCAER, Rio de Janeiro, 02 de Agosto de 2017. Ten Cel QFO R1 Helena Gonçalves Francisco. INCAER, Rio de Janeiro, 28 de Julho de 2017. Ten Cel QFO R1 Ester Ferreira da Nova. INCAER, Rio de Janeiro, 15 de Agosto de 2017. Cap Av Daniele Ferreira Cesar Lins Chycziy. INCAER, Rio de Janeiro, 13 de Setembro de 2017. 1º Ten Av Thais Lemgruber Américo. INCAER, Rio de Janeiro, 19 de Setembro de 2017. 2º Ten QOCon Tec (MUG) Keyla de Assis Waltz. INCAER, Rio de Janeiro, 19 de Março de 2018. 1S QSS SAD Luciene Tostes Cardoso. INCAER, Rio de Janeiro, 19 de Março de 2018. Priscilla de Faria Scheer. INCAER, Rio de Janeiro, 31 de novembro de 2017.

A 1º Ten QOCon Tec (HIS) Elaine Gonçalves da Costa Pereira pertence ao efetivo deste Instituto e integra a equipe do SISCULT.

A 1º Ten QOCon Tec (HIS) Amanda Martins de Brito pertence ao efetivo deste Instituto e integra a equipe do SISCULT.

A mulher militar na FAB 79 Conectando o passado, o presente e o futuro da cultura aeronáutica TESTE