O título do filme SINOPSE

Em francês Potiche é um vaso ou 1977, Norte de França. Suzanne é a objecto decorativo de pouco valor e mulher submissa de um rico sem grande utilidade que se coloca industrial, Robert Pujol, que dirige a numa prateleira como decoração. O sua fábrica (e a sua família) com mão termo também é usado na gíria de ferro. Robert é um tirano para os referindo-se a uma mulher que é seus trabalhadores, mas também para considerada apenas bonita de se ver, os filhos e para a mulher. ou uma mulher que vive na sombra Quando, por causa de uma greve, do marido, que parece não ter Robert é obrigado a descansar e vontade própria. Certas mulheres de passar algum tempo fora, Suzanne políticos, ou mesmo algumas assume a liderança da fábrica. Para mulheres ligadas à política foram surpresa de todos, Suzanne prova ser chamadas de “potiches” incluindo a uma óptima líder, que com a ajuda do Senhora Chirac, ou mais deputado comunista, Maurice Babin, recentemente Ségolène Royal. consegue parar a greve dos trabalhadores, oferecer-lhes melhores condições e reerguer a fábrica. Mas quando Robert regressa, a situação complica-se…

ENTREVISTA COM FRANÇOIS sobre constrangimentos e a prisão OZON emocional de um casal. OITO MULHERES foi a oportunidade de colocar um grupo de mulheres – actrizes – numa jaula e observar o comportamento delas. POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA é uma história de emancipação. É sobre libertar Suzanne da sua jaula de forma a ela poder percorrer o mundo lá fora. O filme foi filmado maioritariamente em exteriores, ao contrário dos outros dois que tinham sido filmados totalmente em estúdio. À medida que ia trabalhando na adaptação fui-me apercebendo que bastava ajustar

pequenos detalhes já existentes na peça e conseguiria estabelecer NO PRINCÍPIO… paralelos com a sociedade e o Desde há muito tempo que eu queria ambiente político actuais. Nos dias fazer um filme sobre o papel social e que correm, há mais mulheres na político da mulher. Quando há dez liderança de empresas, mas muitos anos atrás assisti à peça POTICHE – dos problemas e atitudes que têm de MINHA RICA MULHERZINHA de enfrentar não mudaram muito nos Barillet e Grédy, ocorreu-me últimos trinta anos. A peça termina imediatamente que ali havia material com Suzanne a assumir o comando da para um filme. Mas demorei muito fábrica e a afastar-se do marido e do tempo a apropriar-me do texto, a amante. Eu acrescentei uma terceira perceber como iria adaptá-lo e a dar- parte, na qual o marido volta a lhe actualidade. Senti que conseguiria conseguir o comando da fábrica. A dar-lhe o tom das comédias humilhação e frustração de Suzanne excêntricas, mas não queria acabar a desperta-lhe um sentimento de fazer um filme voltado para o vingança que a faz entrar no mundo passado, desligado da realidade. da política. A ideia de uma carreira Existiram dois catalisadores para que política é sugerida na peça, quando a o projecto avançasse. Primeiro, um determinado momento ela diz em conhecer os irmãos Altmayer, tom de desafio: “Um dia vou produtores, que me propuseram que concorrer a um cargo político, eu fizesse um filme político sobre Nicolas dirigi uma fábrica, certamente posso Sarkozy, à semelhança de A Rainha , dirigir França!” de Stephen Frears. Segundo, as Durante a adaptação da peça reuni- eleições presidenciais francesas em me regularmente com Pierre Barillet, 2007, durante as quais eu e ele foi lendo as diferentes versões acompanhei a candidatura de do que eu ia escrevendo. Apoiou-me Ségolène Royal com interesse. muito, deu-me muitas ideias e foi flexível às minhas mudanças na peça. ADAPTAR A PEÇA Ficava contente ao ver a peça ganhar Rapidamente percebi que o trabalho nova vida. Nunca me fez sentir que eu de adaptação desta peça iria ser estava a trair o trabalho dele. muito diferente do que tinha feito nas duas anteriores peças que adaptei. MANTENDO O AMBIENTE DOS Ambas as anteriores tinham lugar em ANOS 70 cenários muito confinados, por isso a Ao mantermos a acção a desenrolar- minha abordagem foi se nos anos 70 conseguimos um intencionalmente teatral. GOUTTES distanciamento que nos permitiu fazer D’EAU SUR PIERRES BRÛLANTES era referências à actual crise económica com humor, o que era importante a sua Suzanne tinha sempre um lado para mim. Centrar a acção no cómico e nunca se chateava muito presente teria feito com que o filme quando o seu marido ou a sua filha ficasse muito mais pesado. E deixaria eram maus com ela. Ela tinha sempre de fazer sentido a força da a última palavra. personagem do Babin: na França dos Mas para o filme eu senti que a anos 70 o Partido Comunista reunia personagem deveria sentir a dor e a 20% dos votos. E a sociedade humilhação da agressão verbal e francesa estava, na altura, bastante psicológica, por isso a actriz deveria mais dividida. As pessoas de direita agir em conformidade com isso. nunca se misturavam com as pessoas Assim, as primeiras cenas do filme – de esquerda, e vice-versa. Eram dois que fizeram as pessoas rir às mundos separados, especialmente nas gargalhadas na peça – são muito mais províncias. Naquela altura, se a cruéis no meu filme. Conseguir essa mulher de um empresário dormisse crueldade mais do que ter apenas com um comunista, isso era uma piada tem os seus custos à considerado um acto supremo de medida que o filme avança e Suzanne traição. se liberta dos seus grilhões. Eu queria Além disso, foi muito engraçado que os espectadores se recrear aquele período. Eu era uma identificassem, e se deixassem tocar criança em 1970, por isso foi muito por esta dondoca que se recusa a divertido brincar com as minhas continuar na sua concha”. POTICHE – memórias. Mas não queria cair em MINHA RICA MULHERZINHA é um nostalgias ou clichés como calças à filme feminista nesse sentido: ele leva boca de sino, cor de laranja muito a sério a jornada pessoal da psicadélico ou a revolução sexual. personagem principal. Como Quis criar uma visão relativamente espectadores gostamos dela, realística dos anos 70. Sobretudo torcemos por ela e ficamos contentes tendo em conta que a história se quando ela floresce, como numa desenrola numa cidade pequena, e as história de sucesso americana. Em pessoas que vivem em meios mais França o théâtre de boulevard é um pequenos demoram mais tempo a género que se caracteriza por muita adoptar novas modas e atitudes. A luz, histórias que são muitas vezes imagem da Suzanne é, de facto, mais comédias de ultraje. Por regra todas dos anos 60, ou mesmo 50. as possíveis transgressões são exploradas – sociais, familiares, DO TEATRO DE BOULEVARD AO emocionais, politicas – mas no final, MELODRAMA toda a gente volta à realidade. Quando eu li a peça achei-a muito Os espectadores da classe média engraçada, mas o que me tocou mais querem rir de tudo o que é foi a quase trágica relação entre interessante ou assustador, mas Suzanne e Babin. Tem um forte querem também que no final tudo potencial melodramático: a passagem volte ao normal. do tempo, o envelhecimento, a Na minha adaptação eu tentei sacudir desilusão de amor, uma certa as coisas de forma a ficarem mais melancolia. reais: enquanto mulher Suzanne Adoro a cena em que o Babin propõe encontra um lugar legítimo na à Suzanne que fiquem juntos, mas ela sociedade, alterando a ordem diz que eles já são velhos demais para patriarcal instituída, e a um isso. Eu achei que aquela cena sairia determinado momento pensa-se que melhor se tivesse um tom menos o seu filho está a ter uma relação irónico, menos cómico, mais sério. A incestuosa, que é aceite. peça era essencialmente para fazer brilhar a actriz de comédia Jacqueline Maillan e ela desempenhou o seu papel de acordo com isso. As pessoas iam para a ver e para rirem, por isso tempo na Suzanne, que adorou. Divertimo-nos muito nas rodagens.

OS HOMENS DE SUZANNE

CATHERINE DENEUVE COMO UMA DONDOCA Mais do que tentar uma imitação da actriz Jacqueline Maillan decidi fugir ao protótipo e ofereci o papel a , que, como eu já sabia da minha própria experiência Para acompanhar Suzanne, precisava com 8 MULHERES, saberia como de dois pesos pesados, dois homens encarnar a personagem e dar-lhe a fortes, capazes de se enfrentarem, profundidade necessária para que os dois actores franceses que espectadores se identificassem. representam dois estilos de Catherine é uma actriz prática, ela faz representação diferentes. Quando as situações parecerem reais e cria pensamos num amante empatia com a personagem. No início, cinematográfico para Catherine Suzanne é uma caricatura, tal como Deneuve naturalmente vem-nos à são os outros personagens. É a boa cabeça Gérard Depardieu. Eles já mulherzinha do patrão de uma representaram como casal tantas fábrica, numa vezes que eu sabia que ia funcionar. cidade pequena. Mas gradualmente Há uma espécie de química mágica ela liberta-se e passa por uma série entre eles. Eu sabia que eles iam de transformações que resultam gostar de trabalhar juntos e os numa nova mulher. Usando a espectadores iam adorar revê-los personagem como ponto de partida, juntos, agora como velhos amantes. quis explorar a mulher e depois Babin é uma das minhas personagens terminar o filme com a actriz, na cena preferidas. final. Foi realmente muito agradável voltar a trabalhar com Catherine. Em É um romântico inveterado, ancorado OITO MULHERES tinha havido alguma ao passado e casado com as suas tensão, como era uma peça conjunta convicções políticas. Ao mesmo tempo eu impus-me uma certa neutralidade: é a personagem mais pungente. Ele ela era apenas uma das oito. Não quer mudar de vida, ser pau, estar tivemos oportunidade de estabelecer com a Suzanne, usufruir dos confortos uma relação. Mas em POTICHE – da classe média: “Não posso ser feliz MINHA RICA MULHERZINHA fomos também?” Não consigo imaginar outro cúmplices como ladrões, desde o actor a encarnar esta personagem início. Encontrei-me com ela no início forte, homem rude com um lado do projecto, numa altura em que vulnerável e sentimental. Gérard ainda nem sequer tinha produtor. rapidamente entrou na pele de Babin. Perguntei-lhe “gostaria de interpretar Para o seu cabelo inspiramo-nos no uma mulher dondoca?” Ela disse logo famoso corte à tigela do sindicalista que sim. Era importante para mim ter francês Bernard Thibault. o seu acordo tácito antes de começar Fabrice Luchini foi uma escolha o projecto. Ela acompanhou as natural para o papel de Robert Pujol. diferentes etapas: escrita, produção, Pensei que seria arriscado, mas escolha de actores. Investiu muito interessante fazer dele o par de Catherine Deneuve. Eles são tão mas que se revela. No início, esta diferentes na maneira como filhinha do papá acha-se muito trabalham, na sua aproximação à moderna e critica a mãe por ser representação, e nos filmes que antiquada. Contudo, à medida que a fizeram. Eles são um casal mãe se vai libertando na segunda improvável, tal como o são Robert e parte, Joëlle sai do trilho e percebe Suzanne, e eu achei que isso ia que ela é que é a conservadora, uma resultar em algo cómico. prisioneira das convenções, incapaz Na peça, Robert é o típico marido e de se divorciar ou de fazer um aborto, patrão escroque. É reaccionário, incapaz de enfrentar a sua própria desonesto e tirano com os seus liberdade. Judith Godrèche trabalhadores e com a família, como rapidamente percebeu que a Joëlle as personagens que Louis de Funès precisava de ser uma verdadeira representou nos anos 70. Mas eu pirralha, capaz de fazer o mais cruel gostei de lhe dar um outro lado, mais dos comentários com um sorriso na infantil. Mais no final do filme, este cara. Ela não estava preocupada em homem que representa uma fazer a personagem parecer autoridade fria e repressiva e um simpática, sabendo bem o valor de certo chauvinismo masculino, representar a vilã. Ela gostou muito transforma-se num rapazinho, que é também da transformação física da protegido pela mulher, quando entra personagem, divertiu-se com o facto no quarto dela e implora por um de se tornar numa reencarnação de beijo. Sabendo o quanto eu tinha Farrah Fawcett, com os seus cabelos gostado do seu trabalho nos filmes de loiros e sorriso ultra luminoso. Eric Rohmer, o Fabrice inicialmente Por fora Joëlle parece ser a mais ficou surpreso quando lhe ofereci o moderna das personagens, mas no papel de Robert Pujol. Mas seu interior ela é a mais conservadora rapidamente se apropriou da de todas. personagem e deu-lhe todo o seu O filho, Paul, é o tipo de personagem frenético e louco estilo de que se encontra nas comédias de representação. Ele é um actor Molière. Numa tradição que Jacques destemido que encontra humor no Demy perpetuou nos seus filmes, os mais ínfimo dos pormenores. jovens envolvem-se de forma inocente em relações incestuosas, até que um deus ex machina quebra a tensão. Não estava inicialmente previsto que o Paul fosse homossexual, mas eu achei que seria uma boa reviravolta final, levantando a questão: continua a ser incesto se não há o risco de terem filhos? A reviravolta não é o facto de ele ser homossexual – penso que isso até é óbvio desde o início – mas sim o facto de ele se ter envolvido com o seu meio irmão, sem ter consciência OS FILHOS DE SUZANNE disso. As outras três personagens – os filhos Foi fantástico voltar a trabalhar com e a secretária – não eram muito Jérémie Renier dez anos depois de desenvolvidas na peça e não tinham LES AMANTS CRIMINELS (1999). Fui força em si mesmas. Por isso, tive de seguindo a sua carreira e admiro o criar histórias para os enriquecer. Tal seu trabalho como actor. Neste filme como nos filmes de Douglas Sirk, quis eu quis que a personagem dele fosse mostrar como os filhos podem por alegre, jovial e sensual, por oposição vezes ser mais conservadores que os aos papéis mais sombrios que ele pais. Especialmente na personagem normalmente desempenha. O seu da filha Joëlle que não evolui muito, cabelo louro e a sua figura esbelta eram perfeitos para o seu look anos para desenvolver duas vertentes: 70. uma cómica, ligada a Robert Pujol, e uma mais sentimental, para ilustrar a história de amor de Suzanne e Babin. A SECRETÁRIA O filme move-se em duas direcções: a Karin Viard achou que a sua de Fabrice Luchini e a de Gérard personagem também devia libertar- Depardieu. Catherine Deneuve está no meio, alternando entre a comédia se e ganhar consciência política, não e o melodrama. estar ali apenas para tirar fotocópias, A música de Michèle Torr “Emmène- como na peça. A secretária começa moi danser ce soir” foi top de vendas por ter um patrão e depois passa a ter em França em 1977-78. É sobre uma uma patroa, e vai-se modificando à mulher que pede ao marido para olhar medida que o filme avança: “Aprendi para ela como costumava olhar, que é que não é preciso abrir as pernas para exactamente o que Suzanne sente no início do filme. Quando a Catherine subir na vida!” O seu discurso, “Tu dança e canta na cozinha, tenta serás uma secretária, minha querida”, manter-se ligada á realidade da inspirado no poema de Rudyard personagem, enquanto continua a Kipling “Se”, tinha-o visto numa fazer as suas tarefas domésticas. Eu reportagem sobre escolas de quis que os espectadores sentissem secretariado, no programa de que, apesar de tudo, aquela mulher televisão “Aujourd’hui Madame”. Até à era feliz na sua cozinha. Quando terminamos de filmar aquela cena, montagem do filme eu não tinha a depois de já ter esvaziado a máquina certeza se iria usar essa cena. É de lavar loiça uma dúzia de vezes, a surrealista, não tem lógica narrativa – Catherine disse-me: “Isto fez-me exceptuando o facto de que aborda a lembrar a cena do bolo do amor em posição da mulher na sociedade – PEAU D´ÂNE”. Eu não percebi a mas a Karin interpretou tão bem essa relação, mas ainda assim gostei do reparo dela. cena que decidi mantê-la. Ela não tem Para a cena da dança no Badaboum, medo de representar estereótipos, ela Benjamin Biolay sugeriu uma música transcende-os com profundidade e que eu não conhecia Viens faire un emoção. Ela é a actriz perfeita para tour sous la pluie , de um grupo este papel. chamado “Il était une fois”. A música tinha a vantagem de ser da época e de ter dois registos diferentes, um lento e outro mais ritmado, bem ao género Bee Gees . Esta dança entre a Suzanne e o Babin é uma celebração do lendário par Deneuve/Depardieu. É intencionalmente artificial. Eles olham directamente para a câmara. É um momento em que o tempo pára, um pouco mágico. Naquele momento não procuro nenhum realismo, queria apenas captar a essência daquelas A MÚSICA E AS CANÇÕES duas pessoas a partilharem um Não vi qualquer motivo para momento de grande ternura. transformar a peça num musical, mas quis dar destaque àquela época usando música e canções daquela altura. Para a música original pedi ao que se inspirasse nas comédias dos anos 70 e nos temas de Vladimir Cosma e Michel Magne, e seu caminho para a liberdade – dá-lhe outra dimensão. Tanto eu como o Benjamin Biolay queríamos que a voz da Catherine sobressaísse, natural, com toda a sua fragilidade e sinceridade. O argumento não tinha a cena em que Babin ouve Suzanne na rádio, mas improvisei esta cena com o Gérard no final das filmagens. Eu queria voltar a colocá-lo no ecrã depois da conversa telefónica deles, A música que a Suzanne canta no por isso pus a música e deixei-o final do filme C´est beau la vie foi improvisar. Vendo-o ouvir a voz da escrita em 1960 por Jean Ferrat, para Catherine e Isabelle Aubret que tinha sobrevivido a cantar com ela foi um dos a um grave acidente de carro. Usar a momentos mais tocantes da rodagem. música num contexto político – na última etapa da corrida, depois de termos acompanhado a Suzanne no

FILMOGRAFIA FRANÇOIS OZON

2010 – POTICHE – MINHA RICA MULHERZINHA 2009 - O REFÚGIO 2008 - RICKY 2007 - ANGEL 2006 - A CURTAIN RAISER 2005 – O TEMPO QUE RESTA 2004 - 2003 - SWIMMING POOL 2002 - 8 MULHERES 2001 – SOB A AREIA 2000 – GOUTTES D’EAU SUR PIERRES BRÛLANTES 1999 – LES AMANTS CRIMINELS 1998 – SITCOM 1997 – REGARDE LA MER

ENTREVISTA COM CATHERINE pejorativo. Eu conseguia facilmente DENEUVE antever o que ele ia fazer. E depois havia o prazer de voltar a trabalhar com ele. Ele escreveu um argumento que mostra o verdadeiro papel da mulher na sociedade actual. Obviamente que as coisas mudaram nos últimos trinta anos, mas essa mudança em alguns aspectos não é assim tão grande. A peça tem lugar em 1970, mas grande parte do que

nela acontece continua actual: greves, François Ozon convidou-a para patrões que são feitos reféns, as POTICHE – MINHA RICA mulheres não tendo muito poder, pelo MULHERZINHA numa fase muito menos quando comparadas com os inicial do projecto homens… Essa luta está longe de Sim, tal como já tinha feito com OITO terminar. MULHERES . Eu estive envolvida no projecto desde o princípio até ao fim. Quando a sua personagem se envolve Eu gosto de entrar nos projectos logo na política, vem-nos à memória no início, compreender mesmo o Ségolène Royal filme, dar a minha opinião, discutir Eu tinha uma série de imagens e ideias. Eu tentei seguir as orientações exemplos em mente ao longo do do François. Ele é muito bom a filme, conforme as situações. mostrar aquilo que quer fazer. Alguns Exemplos de pessoas que conheço, actores preferem começar a trabalhar imagens simbólicas, nomes que não apenas quando o argumento está revelo porque se o fizesse isso terminado, mas eu gosto de começar poderia distorcer ou tornar banal a um pouco antes. Preciso de ter mensagem. Mas uma coisa é certa: informações diversas para que a pensei em muitas pessoas diferentes. personagem vá ganhando forma, não consigo criar a personagem sozinha. Esteve bastante envolvida no Tenho uma ideia de como ela será, movimento feminista nos anos 70, claro, mas não lhe consigo dar vida se nomeadamente quando assinou o me mantiver sempre no abstracto. Manifesto das 343 pelo direito ao aborto Como foi a sua primeira reacção ao Não pensei nisso enquanto trabalhava projecto? neste filme, mas claro que isso faz Eu conhecia o trabalho de Jacqueline parte de mim. Quando a Joëlle, a Maillan, mas não conhecia a peça de minha filha no filme, me diz que não Barillet e Grédy, a qual aliás ainda vai fazer um aborto, isso leva-me de não li ou vi. Mas quando o François volta a esse tempo. Estar grávida, não me falou da peça e da sua intenção de querer ou não poder fazer um aborto, a adaptar, eu achei fantástico. não ser capaz de deixar o marido… Primeiro por ser ele: ele tem um lembro-me de como eram comuns talento único para desconstruir e eu estes dilemas. As mulheres mais sabia que ele iria dar-lhe a forma jovens sempre tiveram esse direito, certa, uma abordagem irónica e elas nem têm ideia de como as coisas moderna a esta peça “boulevard”, mudaram nos últimos trinta anos. termo que não considero nada Devo dizer que tudo isto aconteceu de forma incrivelmente rápida.

Como é que foi o seu reencontro com o François Ozon? O facto de já termos trabalhado juntos tornou tudo muito mais fácil. Eu conhecia-o e ele conhecia-me e isso fez-nos poupar muito tempo. Foi muito bom, porque eu estava um pouco apreensiva com o mapa de É impressionante a sua capacidade de rodagens e com o facto de eu estar tornar reais as personagens. em quase todas as cenas. De facto foi Divertimo-nos e, ao mesmo tempo, uma rodagem em ritmo acelerado, sentimo-nos tocados pela personagem reflectindo o ritmo do filme. O da Suzanne François nunca perde tempo, com ele Sim, há uma mistura de comédia e nunca se fica à espera que as coisas emoção. Eu queria realmente ser avancem. Ele é rápido, intenso, claro, sincera, encarnar a personagem e as incisivo, efervescente. E ao mesmo situações de forma natural. Eu e o tempo é muito meticuloso. Senti que François discutimos isso estávamos a trabalhar em sintonia. demoradamente. Eu queria evitar ser O filme estava muito bem estruturado demasiado teatral, ser o mais genuína no argumento, mas dentro dessa possível, criar empatia com a estrutura o François deu muita personagem, mostrar o quanto ela era liberdade aos actores. Senti-me muito oprimida pelo seu autoritário marido. por dentro do projecto e do filme. Dessa forma, quando a Suzanne tem Senti sempre que estava a ser sucesso nós gostamos desse volte valorizada. E depois havia ainda o face, ficamos felizes por ela ter facto de estarmos a rodar na Bélgica. conseguido a sua vingança. É sempre melhor filmar fora de Paris. O guarda roupa de Suzanne vai Está-se com os outros muito mais do evoluindo ao longo do filme. Isso que quando a seguir às filmagens ajudou-a a entrar na personagem? cada um vai para sua casa, isso cria Sim, sem dúvida. Senti isso também um melhor espírito de equipa. A no filme PRINCESSE MARIE, de Benoit rodagem foi muito intensa e alegre. A Jacquot. Quando há um grande equipa belga era fantástica. Sentimo- cuidado com a indumentária, alguma nos muito tristes quando tivemos de coisa acontece com a personagem a um nível subconsciente, a roupa nos despedir. O ambiente nas conduz as atitudes. Pascaline rodagens é sempre imprevisível, Chavanne é uma óptima designer. Ela depende muito do realizador e da é uma mina de ouro, faz pesquisas equipa, mas é crucial para o sucesso incríveis e depois propões um leque de um filme, sobretudo se estivermos variado de opções. Gradualmente o a falar de uma comédia. É necessário estilo da personagem começa a ser que haja uma certa leveza e alegria visível, o que ajuda muito quando se está a desempenhar um papel muito em tudo. No entanto, quando terminei diferente do tipo de personagens que a rodagem e olhando para trás o costumamos representar, como me ritmo a que trabalhamos pareceu-me acontece em POTICHE – MINHA RICA brutal. MULHERZINHA.

Não havia nada pré-definido, mas fluíram naturalmente. François durante as provas tudo começou a aproveitou o enorme carisma de fazer sentido, percebemos que cores e Gérard. Ele sabia que ao tê-lo a cortes funcionavam. A ideia era desempenhar o papel tudo o resto adequando o guarda-roupa à época correria bem. em que o filme se desenrola descobrir Por outro lado, esta é a primeira vez o estilo da personagem. A roupa que trabalha com Fabrice Luchini precisava de ser ao mesmo tempo Gérard é instintivo e muito directo na engraçada e credível. forma como trabalha, enquanto que o Fabrice passa bastante tempo a preparar-se. Quando chega ao cenário já desenvolveu totalmente a personagem. Ele é acima de tudo um actor de teatro. Com Gérard pode mudar-se tudo em cima da hora. Com o Fabrice isso é mais complicado porque a sua forma de trabalhar é oposta à do Gérard. Ele é brilhante e hilariante no papel. Consegue dar a Pujol toda a sua irascibilidade e nervosismo, e depois transforma-o A roupa mais improvável é o fato de numa personagem simpática quando treino vermelho que Suzanne usa no Pujol percebe finalmente que ninguém inicio do filme, quando ainda é a boa é indispensável, nem mesmo ele. Ele dona de casa burguesa não é nenhum Cidadão Hearst! Esse fato de treino foi feito usando um molde e materiais usados nos anos 70. Esta indumentária direcciona OITO MULHERES e POTICHE – MINHA a personagem para a mudança que RICA MULHERZINHA eram ambos ela vai sofrer, mas neste momento ela originalmente peças de teatro, mas ainda tem os rolos no cabelo! Os rolos muito diferentes uma da outra foram ideia minha, para contrariar o Sim, para mim, os dois filmes estão lado mais moderno que o fato de em extremos opostos. Antes de mais treino lhe dá. Se ela tivesse usado OITO MULHERES foi rodado num uma fita na cabeça pareceria uma único cenário, ao passo que POTICHE burguesa liberal, coisa que naquela – MINHA RICA MULHERZINHA foi altura ela ainda não era. rodado em diferentes cenários e Precisávamos de algo subtil para que locais. Não são o mesmo género de aquela primeira cena marcasse logo o história e, sobretudo, havia muito tom do filme. menos emoção em OITO MULHERES. O filme baseava-se noutras coisas: a Como foi o reencontro com Gérard cumplicidade entre as actrizes, a Depardieu? relação mãe-filha. O tom era mais Ao longo dos anos fomo-nos re- alegre. encontrando diversas vezes. E de todas as vezes foi sempre muito natural. Eu gosto dele e admiro-o muito. Ele é um actor que é muito solícito e caloroso com os colegas. Além disso é muito engraçado e… muito impaciente. Ele não gosta de ensaiar, gosta de gravar, tem tendência a querer apressar as coisas. Felizmente, o François é igual. Eu acho que o Gérard se divertiu muito no papel de sindicalista. Ele estava muito à vontade no papel, as cenas Não faz teatro, mas não tem medo de sempre a fazer a mesma coisa. Eu desempenhar papeis teatrais no não lido bem com isso, nem com o cinema medo do palco, assusta-me ser o Certo, porque o cinema e o teatro são centra das atenções de uma plateia. completamente diferentes. Actuação Continuo a não conseguir imaginar- teatral em cinema continua a ser me a trabalhar em teatro. cinema. O que me assusta no teatro é a unidade do espaço, o facto de que tudo tem de ser planeado e decidido à priori, tudo está preparado, está-se

CRÍTICA Primeiro Vaudeville retro, depois Judith Godreche como a filha dona de sátira da actualidade, Potiche casa. transforma-se pouco a pouco numa Boyd Van Hoeij - Variety utopia futurista onde Aragon e Ferrat se poderiam identificar, com o mote Malicioso, Ozon joga nos dois lados do “A mulher é o futuro da França”. campo, a reconstituição de uma Bernard Achour - Première época, muito engraçada, e as semelhanças com a França actual. Não apenas uma comédia que é um Marie Sauvion – Le Parisien retumbante alerta para a actualidade, mas também um manifesto feminista Deliciosa comédia liderada por uma sublime, juntando-se a todos os já Catherine Deneuve hilariante. A não realizados por Ozon. perder. Emily Barnett – Les Inrockuptibles Rania Hoballah – Metro

Catherine Deneuve lidera um Potiche confirma mais uma vez o excelente elenco numa excêntrica talento de François Ozon para filmar o comédia de François Ozon teatro. Peter Bradshaw – The Guardian Pierre Eisenreich - Positif

Um enredo denso, cheio de hilariantes Além das suas qualidades como reveses muitas vezes motivados por comédia boa e segura, o grande valor sexo ou infidelidades, abre caminho a de Potiche reside na brisa de três excêntricas personagens: Jeremie nostalgia, umas vezes intensa outras Renier enquanto filho maluco de leve, que o filme emana. Suzanne Kandinsky, Karin Viard como secretária e amante de Robert e Danièle Heymann - Marianne

FICHA ARTÍSTICA Argumento e adaptação livre de François Ozon da peça homónima de Suzanne - Catherine Deneuve Barillet & Grédy Babin - Gérard Depardieu Robert - Fabrice Luchini Nadège - Karin Viard Produção - Eric e Nicolas Altmayer Joëlle - Judith Godrèche Director de fotografia - Laurent - Jérémie Renier Som - Pascal Jasmes Spanish truckdriver - Sergi Lopez Direcção de Produção - Katia Wyszkop Geneviève Michonneau - Evelyne Guarda Roupa - Pascaline Chavanne Dandry Assistente de Realização - Hubert André Bruno - Lochet Barbin Young Suzanne - Elodie Frégé Casting França Sarah Teper, Leila Young Babin - Gautier About Fournier Young Robert - Jean-Baptiste Casting Bélgica Mickael de Nijs Shelmerdine Supervisão de Argumento - Joëlle Flavien - Noam Charlier Hersant Stanislas - Martin de Myttenaere Montagem - Técnico de Som - Benoît Gargonne Realização - François Ozon Mistura de Som - Jean-Paul Hurier Fotografia - Jean-Claude Moireau, Nicolas Schul e Patrick Swirc

MÚSICA ORIGINAL (Franck Dostal / Rolf Soja) Interpretada por Baccara PHILIPPE ROMBI 1978 BMG Ariola Hamburg GmbH

“Slow Giradschi” “Viens faire un tour sous la pluie” (Stelvio Cipriani) (Richard Dewitte / Serge Koolenn) 1973 – CAM Interpretada por Il Etait Une Fois 1975 Capitol Music “Teen agers cha cha cha” (Stelvio Cipriani) “More Than a Woman” 1973 – CAM (B. Gibb - R. Gibb - M. Gibb) Interpretada por The Bee Gees 1977 Barry Gibb, Under exclusive License to Rhino Entertainment Company, a Warner Music Group Company

“Cu-cu-rru-cu-cu Paloma” (Thomas Mendez) Interpretada por Fernando Production Compagnies Spectacle

“1 2 3” (J.P. Cara / J.P. Cara - T. Rallo) Interpretada por Catherine Ferry 1976 Barclay

“C’est beau la vie” (Claude Delecluse - Michèle Senlis / Jean Ferrat) Interpretada por Catherine Deneuve Orquestração de Benjamin Biolay nos AS MÚSICAS Studios de la Seine Musicos: Elsa Benabdallah, Christophe “Emmène-moi danser ce soir” Morin, Nicolas Fiszmann, Denis (F. Valery / J. Albertini) Benarroch Interpretada por Michèle Torr Voz: Rachel Pignot 1978 Mercury France Mandarin Cinéma - Foz

“Parlez-vous français?”