José Eugênio Vieira

BIOGRAFIA EM CONSTRUÇÃO

2014 Todos os direitos reservados ao autor. 2013. Coordenação do Projeto: Carla Cremasco da Cruz Revisão de texto: Rubens Pontes e Tião Martins, Revisão Ortográfica: Sebastião Barbosa e Karla Monteiro. Capa e diagramação: Elvis Baldow Ribeiro Foto Contracapa: Vladimir Godoy Chargista: Amarildo Lima - A Gazeta.

Eugênio Vieira, José E agora José? Biografia em construção Vitória / 2013 - 350p.

1. Autobiografia 2. Literatura Brasileira

Agradecimentos

A Deus, por tudo de bom; À minha esposa Beth e filhos Phelipe e Lucas pela compreensão, paciência e companheirismo, agora e sempre.

Carla Cremasco da Cruz, coordenadora do projeto Elvis Baldow Ribeiro, diagramador Rubens Pontes, Sebastião Martins, Tião Barbosa, Flávia Lessa Pena do Nascimento, Phelipe França Vieira, Karla Monteiro Sanches de Moraes Fonseca e Sayonara Avelar Lacerda, pelas sugestões. E a todos que contribuíram para a concretização destas memórias. Obrigado! 3

Sumário

Não poupem o autor ...... 7 Como se fosse um prefácio ...... 9 Prefácio ...... 11 Um Ponto de partida ...... 16 Dois Infância na floresta ...... 26 Três Se não me falha a memória ...... 32 Quatro A encruzilhada ...... 38 Sons do passado ...... 42 Dos males que o álcool produz ...... 43 Liderança estudantil ...... 45 Cinco De casa em casa pedindo votos ...... 48 Seis Política não é guerra ...... 56 Cidadãos que Castelo jamais vai esquecer ...... 59 Sete Rumo à Vitória ...... 62 Em Busca do Futuro ...... 71 Oito Economia Capixaba: Nova e promissora realidade ...... 74 Nove Um cidadão como outro qualquer ...... 80 Dez Todos éramos jovens ...... 86 Onze Coisas assim acontecem? ...... 92 Doze Um negócio de louco ...... 98 Treze Sem medo de lágrimas e amor ...... 104 Família ...... 110 Quartorze Paris, primeiros passos ...... 114 Quinze Nú, diante da doutora ...... 120 Dezesseis Tempo de regressar ...... 126 Dezessete Com o coração disparado ...... 132 Promessa Cumprida ...... 139 4

Literatura, uma porta para o conhecimento ...... 144 Riscos inerentes ao trabalho ...... 145 Dezoito Quebrando lanças na educação ...... 148 O tempo não apaga as marcas da intolerância ...... 156 Operação México – terremotos no céu e na terra ...... 159 Qualquer desatenção pode ser a gota d’água ...... 162 Certos agrados que derrubam o regime ...... 165 Dezenove Melhor de todas é a justiça que não tarda ...... 172 Corredor polonês ...... 176 Modernizar a escola, em sintonia com a sociedade ...... 177 Mais dois anos dedicados a dinamizar a educação ...... 179 Modernidade e atraso, um conflito inevitável ...... 184 Mais uma surpresa ...... 185 Educação x Tribunal de Contas – Uma penosa reflexão ...... 189 Ministério Público Federal: Conflito com a Lei ...... 191 Vinte Ser ou não ser, eis a questão ...... 198 Vinte um Enquanto a roda gira ...... 210 Vinte dois As duras lições do poder ...... 222 Vinte três O que dá sentido à vida ...... 228 Alerta de Fernando Henrique Cardoso sobre créditos extemporâneos ...... 237 Dificuldades anunciadas e estratégia para superação ...... 240 Até onde? ...... 240 Operação padrão ...... 243 Ainda Landeiro ...... 243 Estresse ...... 244 Ódio na geladeira ...... 248 Nota fiscal – uma resistência a ser vencida ...... 250 De como uma ação se volta contra o autor ...... 251 Com a candidatura de Vitor Buaiz ...... 252 Há sempre um preço a pagar ...... 253 Vinte quatro Em um momento do futuro ...... 256 Casa Civil ...... 259 A “mansão” de Guarapari ...... 262 Vinte cinco Mortos sem sepultura ...... 270 Tempos Difíceis ...... 274 Vinte seis Uma surpresa a cada dia ...... 282 De quando uma frustração pode gerar bons frutos ...... 284 Quando também um civil dá “chave de galão” ...... 285 As verezetes ...... 288 Quando só o espelho mostra a pessoa que é ...... 288 Vinte sete Causa & Efeito ...... 296 Prefeitinho, uma edificante experiência ...... 308 Vinte oito Uma convergência natural ...... 314 Susto e superação ...... 315 Vinte nove Nem sempre é fácil escapar das armadilhas do cotidiano ...... 318 Sentido da Vida ...... 333 Reconhecimento e Compromisso ...... 334

Folha de rosto – resumo do autor 6 Não poupem o autor

Usar como título uma pergunta que o mestre Carlos Drum- mond de Andrade inseriu em seu poema famoso não foi uma ques- tão de retórica, mas o reconhecimento de que – por mais longa que seja a trajetória do ser humano no planeta – estaremos sempre diante de uma interrogação a respeito do futuro. Essa ignorância a respeito do futuro é, ao mesmo tempo, ago- nia e êxtase, porque estudar, conhecer e criar são as maiores e mais legítimas obsessões da humanidade, em todos os tempos. Falo de agonia porque o futuro, que ainda está para ser criado e conhecido, traz inquietude. Sofremos todos, em qualquer idade, dessa expecta- tiva diante do amanhã. Ao mesmo tempo, como responsáveis pelas escolhas que ire- mos fazer ao longo dos próximos anos, experimentamos o êxtase que vem da liberdade de criar e recriar a nossa vida, a nossa trajetó- ria, o nosso pequeno mundo pessoal e coletivo. Não há, portanto, resposta possível para essa pergunta que o autor faz a si mesmo. Entretanto, o relato a respeito do passado talvez lance alguma luz sobre as opções que vejo à minha frente. E prosseguir trabalhando, desenvolvendo projetos e colaborando – como profissional e cidadão – para o melhor e mais harmonioso de- senvolvimento do nosso Estado e da nossa sociedade é uma dessas opções. Aliás, mais que escolha, essa futura jornada é dever e necessi- dade. Dever cívico que incorporei profundamente à minha visão do mundo, após tantos anos de serviços prestados ao Estado. E neces- sidade pessoal, não só de ordem financeira, mas também de autor- realização como um ser humano comum, entre milhões de outros. É possível que, na idade a que cheguei, muitos escolhessem o prêmio do repouso e da reflexão diletante sobre os acontecimentos do passado. Entretanto, a herança maior que recebi do meu avô e do meu pai foi essa forte inquietude diante do que ainda há por fazer no mundo e a permanente disposição de aprender, abraçar no- vos desafios e cumprir as tarefas para as quais me sinta preparado. Alguns talvez julguem que estas palavras nascem do egocen- trismo ou até da arrogância do autor, que prefere não apresentar aqui uma espécie de defesa prévia, na esperança de que os fatos e os pensamentos reunidos neste livro demonstrem que tais atitudes nunca fizeram parte de sua personalidade e do seu caráter. Erros e acertos são resultados que se complementam na vida de todo aquele que estuda, trabalha e vive em sociedade. E, assim como os acertos, os erros ensinam a não errar. Muitas vezes, a soma de pequenos erros resulta em grande acerto. Negá-los, portanto, seria confissão adequada apenas aos que nunca ousaram inovar e renovar, em sua vida pessoal e profissional. Escrevi esta autobiografia, entre outras razões, como balanço sincero de tudo que me foi dado aprender, viver e produzir, desde a juventude. E devo confessar que não o fiz pensando somente nos eventuais leitores que tiveram a paciência de ir até a última página. Escrevi também para que eu mesmo leia e releia daqui a algum tem- po, com certo distanciamento crítico. É bem possível – e até mesmo provável - que encontre então falhas e deficiências que implorem por correção. Neste momento, entretanto, tenho a convicção de que me empenhei ao máximo para oferecer ao leitor e a mim mesmo uma exposição honesta de fatos, personagens e momentos marcantes na vida do nosso querido Estado do Espírito Santo. Aos que identificarem nestas páginas os pecados da omissão, do esquecimento ou da superficialidade, desde já peço perdão. Fiz o melhor que pude com o que a vida me ofereceu até agora. E sou grato tanto pela atenção quanto pelas críticas que vier a merecer.

José Eugênio, Zé Eugênio, Zé, Zé Bolinha, Joeuvi, Jev, Castelinho, José, Pamplona, Zé o Gênio, Dr. Eugênio, Chefe, Dr. Zé Eugênio e no futuro Senhor José... Como se fosse um prefácio

Aí, da noite para o dia, você chega aos 60 anos de idade, e isso dá o que pensar. Olha para trás, para o que fez e viveu, e tenta adi- vinhar o que vem pela frente, com todos os riscos e possibilidades. Mas desvendar o futuro é cálculo inútil, cheio de variáveis desconhecidas. O passado, não. Esse você conhece bem, com todos os erros e acertos de cada momento. Aqui estão os degraus que galguei, ao longo da vida, assim como as marcas que deixei em cada lugar. As intenções que nem sempre foram compreendidas. E os projetos executados, às vezes a ferro e fogo, por contrariarem interesses menores, mas trabalhando pelo bem-estar dos contemporâneos e daqueles que irão nos suce- der. Penso que todo homem público, empresário ou artista tem o dever, para com a sua geração e com o futuro, de deixar registrados os seus bons e maus momentos, as batalhas que venceu e as relações de amizade que formou ao longo dos anos. Entretanto, o homem público, mais que qualquer outro cida- dão, tem o dever de relatar, por escrito, a experiência que acumulou, os obstáculos que enfrentou e as lutas em que se envolveu, no afã de criar um mundo melhor. Compartilhar com a sociedade tudo o que aprendeu enquan- to esteve a serviço do povo é obrigação nossa, embora ainda sejam poucos os que se preocupam em deixar esse legado, que não é ape- nas pessoal, mas coletivo. Participaram dessa construção a família, os colaboradores e todos os amigos que acompanharam de perto este cidadão capixaba e brasileiro que gostaria de ter feito mais, pois não há limites naqui- lo que, com amor, podemos fazer pelo Brasil e por seu povo. Como escreveu o poeta inglês John Donne, no século XVII, “nenhum homem é uma ilha isolada”. Somos todos uma pequena parte do universo. E só nos realizamos plenamente quando assumi- mos, por inteiro, esse parentesco com a grande família humana. Por não ser literato de ofício, este livro certamente carece de aperfeiçoamentos, cortes e acréscimos, que talvez lhe dessem maior elegância e rigor, mas prefiro entregá-lo aos possíveis leitores do jeito que nasceu: simples e tosco, mas sincero. Se omiti algum detalhe relevante ou me alonguei excessiva- mente em certas passagens, peço ao leitor que acredite: serão frutos da inexperiência ou traição da memória, mas nunca de uma tentati- va de ocultar fatos ou valorizar aspectos da personalidade do autor. Perdoem-me aqueles a quem o livro desagradar, por sua since- ridade ou falta de estilo. E peço que aceitem os meus agradecimen- tos, desde já, os que porventura encontrarem algum mérito nestas lembranças, que fui organizando nos raros momentos que o trabalho intenso me permitiu e nas minhas caminhadas pelas ruas de Vitória, Guarapari e Domingos Martins, onde tenho a felicidade de viver com a minha família e alguns poucos amigos e continuo a construir a minha biografia. Anatole France escreveu que, “para realizar grandes conquis- tas, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas pla- nejar, mas também acreditar.” Nunca tive a pretensão das grandes conquistas pessoais e nem o desejo de entrar para a História. Se alguém me pergunta como serei visto daqui a um século, respondo que nem sei se alguém vai se lembrar de mim por tanto tempo. E, de qualquer modo, já estarei morto. Além disso, o julgamento da História muda com o tempo. Se fiz algo que mereça ser lembrado, ótimo. Mas nem isso signi- fica qualquer garantia. Se alguns disserem que foi bom, não faltarão outros para julgar que foi péssimo. E essas opiniões também mudam, com a chegada das novas gerações, que certamente irão modificar costumes e adotar tecnologias e métodos diferentes dos atuais. Ao leitor amigo só me resta agradecer pela atenção. E aos pou- cos e gratuitos inimigos procuro perdoar, pelas injustiças de que fui vítima. Minha fé em Deus sempre me poupou do sentimento do ódio e do desejo de vingança. Prefácio

Quando acabei de ler o livro “E agora José?, de meu amigo José Eugênio, com a incumbência de escrever o prefácio, bateu em mim um forte questionamento: ”E agora Roberto?” Como escrever sobre tão simples e ao mesmo tempo tão importan- te lição de vida pessoal, profissional e pública. Assim como assumi esta “ordem” assumo também a responsabilidade pessoal de registrar um fato que considero da maior importância na vida e carreira política adminis- trativa do “Zé o Gênio” conforme apelidado em registro na página 198. Conheci o Zé em 1967 quando iniciamos o curso de Ciências Eco- nômicas na UFES - Universidade Federal do Espírito Santo. Éramos da mesma classe e por muitas vezes estudávamos juntos na pensão onde eu morava ou em sua casa onde sempre fui muito bem recebido. Outro importante fato nos unia, a paixão pelo Fluminense. Meu amigo e co- lega de pensão Henrique Deps também iniciou seu curso de Direito na UFES em 1967, e era colega de turma do Sr. Constantino José Vieira, pai do Zé. Não foram poucos os domingos que como não tínhamos o RU - Restaurante Universitário aberto para fazermos nossas refeições éramos convidados (e aceitávamos) almoçar na residência de seus pais, seu Constantino e dona Dalila Teles Vieira, que sempre nos distinguiram com um tratamento quase familiar. Por que conto isso? O Sr. Constantino, depois de deixar Castelo para morar em Vitória com a família, e já pai de sete filhos volta a es- tudar e se submete ao vestibular de Direito da UFES o que não era uma tarefa das mais fáceis, no mesmo ano em que seu filho prestava vesti- bular para o curso de Economia da UFES. Como já descrito no livro, seu Constantino era Auditor do TCE-ES - Tribunal de Contas do Estado. In- quieto e estudioso e como desejava galgar ao atual cargo de Conselheiro deste Tribunal precisaria ter um diploma de curso superior. Da turma de seu Constantino, além de nosso amigo Henrique Deps, participaram nada menos que sete Desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. Por ordem alfabética: Adalto Dias Tristão, Álvaro Bourginhon, Annibal de Rezende Lima, José Luiz Barreto Vi- vas, Jorge Goes Coutinho, Manoel Alves Rabelo e Ronaldo Gonçalves de Souza. Depoimento de outro seu colega afirma que seu Constantino era um dos melhores alunos da turma. Tendo ganho uma bolsa de estudo na UFES para formação de pro- fessores universitários estive fora do país de fevereiro de 1970 a dezembro de 1973, portanto não tendo colhido grau junto com o Zé e todos os ou- tros colegas de turma de formandos de 1970. Não existindo internet nosso contato era por carta. E qual não foi minha triste surpresa quando recebi do Zé a notícia do falecimento de seu pai em 12 de outubro de 1972 não podendo dividir com o Zé as duras dores dessa grande perda. Com seu falecimento foi também toda a sua esperança de um dia ser Conselheiro do TCE-ES. Amor de filho com F maiúsculo só um filho querido pode entender. Desde aquela data o Zé botou na cabeça que rea- lizaria o sonho do pai. Trabalhou com sete Governadores do Estado. Foi um multi Secre- tário tendo passado pelas seguintes Secretarias de Estado: Administração e Recursos Humanos (duas ocasiões), Educação e Cultura, Casa Civil, Planejamento e Ações Estratégicas, Transportes e Obras, Fazenda, Edu- cação e Esportes, Extraordinária de Articulação com os Municípios (duas ocasiões), Agricultura - Abastecimento - Aquicultua e Pesca, Saneamento - Habitação e Desenvolvimento Urbano, Trabalho - Assistência e Desen- volvimento Social. Em algumas dessas Secretarias mais de uma vez. Para espanto geral por muitos anos sem receber remuneração por exercer esses cargos pois, como tinha um cargo elevado na hierarquia do Estado, o que ganharia na função de confiança acabava saindo tudo no abate-teto da remuneração do Governador. Quem nunca gostava desta história de ver o Zé trabalhar duro, viajar muito e se afastar da família para cumprir com dignidade suas obrigações e sem receber nada por isso era sua esposa D. Elizabeth (e com razão). A partir do Governo Max Mauro, foi sempre lembrado e/ou rece- beu convites para ser candidato a Deputado Estadual, Deputado Federal, Vice-Governador e até Governador. Nunca por iniciativa própria, apesar de estar afiliado a um partido político. O que alguns já sabiam era seu desejo – único desejo de cargo explicitado por ele no livro quando des- creve passagens nos mandatos dos Governadores Albuíno, Vitor Buaiz e Paulo Hartung – era o de ser Conselheiro do TCE-ES. Para quem bem conheceu e conhece o Zé sabe que não era por dinheiro. Cito aqui uma de suas colocações explícitas quanto a isso na página 299, “Mais uma vez o dinheiro não foi motivo para que abrisse mão de minha coerência, de ser fiel às minhas convicções pessoais de conduta”. O que muitos não sabiam até hoje (e agora ficam sabendo) é que este manifestado desejo de ser Conselheiro do TCE-ES não tinha nada a ver com vaidades pessoais, dinheiro ou qualquer outro valor terreno. Era simplesmente o fortíssimo desejo pessoal de fazer realizar por seu intermédio o sonho de seu pai, cujo falecimento precoce o impediu. Esse sonho todavia acabou – depois de pelo menos quatro promessas não cumpridas - em abril de 2011 quando completou 65 anos, idade máxima para ser escolhido Conselheiro. Este é o Zé que bem conheço há 46 anos, e tenho o orgulho de dizer que sou seu amigo. Sempre com muito zelo e cuidado no trato com as pessoas, como que seguindo fielmente as sábias palavras de seu avô, “penso que tratar as pessoas como iguais não significa renunciar à auto- ridade”. Por força do ofício conheci ao longo de meus seis anos na Presidên- cia do Banestes (2004-2010), muitos prefeitos, vice-prefeitos, ex-prefeitos e vereadores de todos os municípios capixabas de diferentes colorações político partidárias. Não ouvi de um só deles uma palavra que o desabo- nasse. Em diversas vezes, quando o Banestes precisou aplainar questões financeiras e institucionais com prefeituras, era ao Zé que eu recorria, que sempre resultou exitoso em suas intervenções. Isto é fruto decorrente do que afirmou na página 45 “minha área de trabalho era a articulação com os prefeitos e procurei sempre evitar ou desfazer constrangimentos e mágoas que costumam surgir na vida públi- ca, por maior que seja o nosso empenho em atender a todos.” Para encerrar, e não fazer deste prefácio o maior capítulo do livro, utilizo as palavras da categorizada e reconhecida jornalista Andrea Lopes quando sobre o Zé sabiamente afirmou em um de seus textos, “discreto e pouco apegado a vaidades, características raras na política”. Este é o nosso amigo Zé Eugênio, um homem do bem, um homem de bem. Meu fraterno abraço e parabéns pela coragem de continuar mi- litando na vida pública com todos os percalços que ela hoje mais que nunca ameaça os homens de bem, infelizmente sempre nivelados com quantos outros que por lá também transitam.

Roberto da Cunha Penedo 14

Casa onde nasceu o autor - Fazenda Floresta - 1946. (Acervo do autor) 15

Nasci em tempos mais amenos que o nosso, em meio a paisagens mais simples e humanas Um

asci em tempos mais amenos que o nosso, em meio a paisa- gens mais simples e humanas e cercado de pessoas que não chegaram a conhecer e viver a competitividade exacerbada dos tempos atuais e a elasticidade moral e ética de certos homens públicos. Em meu tempo de criança e jovem, herói sem ne- Nnhum caráter era personagem literário. E aprendi, desde muito cedo, que na vida real não podemos aceitar heróis sem caráter. Sempre acreditei que os momentos mais significativos na vida de um único ser humano, por mais obscura e simples que seja a sua trajetória, merecem ser conhecidos por todos os outros, desde que o relato seja sincero e revelador. É com essa visão que me aproximo do passado e tento resgatar acontecimentos e pessoas. Mesmo assim, por duvidar do interesse que poderiam desper- tar em algum leitor, hesitei durante muito tempo em tomar a decisão de registrar os fatos, ideias e personagens contidos neste livro auto- biográfico. O principal motivo que me levou finalmente a dar início a este longo depoimento sobre várias décadas de vida e trabalho tem a ver com a crença manifestada antes: como nenhum de nós é uma ilha, tudo aquilo que aprendemos e realizamos durante a nossa existência passa a fazer parte do patrimônio coletivo. Os humanos são contraditórios, às vezes imprevisíveis, e se necessário, remam contra a corrente, desafiam o destino e escolhem o lado oposto ao dos costumes do seu tempo. Como personagem e intérprete, procuro compreender e traduzir aqui o significado de inovações cujos resultados só se tornaram claros muitos anos depois. Além disso, como boa parte da minha vida foi dedicada ao ma- gistério e ao serviço público, penso que é meu dever, como cidadão, compartilhar com a sociedade a experiência e os conhecimentos ad- quiridos ao longo desses anos e registrar o mérito e a relevante contri- buição dos homens e das mulheres que participaram desse trabalho. Nesses anos todos, tanto fui discípulo quanto mestre, sendo que muitas vezes essas posições se alternaram e se confundiram no mesmo espaço de trabalho. Aprendi que as melhores equipes são aquelas que tanto ensinam quanto aprendem, formam líderes e são lideradas, crescem e estimulam o crescimento de todos os

Ponto de partida Ponto seus integrantes. 17

Aqui estão reunidas, portanto, não só trabalho, ele como técnico agrícola e ela como as minhas memórias pessoais e familiares, que professora primária. Desde os meus primeiros não interessariam à maioria dos eventuais lei- anos de vida, foi esse o exemplo que recebi da tores, mas também o testemunho a respeito de família cuja saga começo a relatar pelo lavra- pessoas e momentos que contribuíram de for- dor Eugênio Campos Teles, pai de minha mãe. ma positiva para a evolução da sociedade ca- Arrieiro de tropa, ele transportava mer- pixaba e o fortalecimento das instituições na- cadorias (milho e aguardente) entre a Fazenda cionais. Espero ter alcançado uma organização Floresta-Lagoa (hoje Serra Pelada), Santa Isa- que facilite ao leitor visualizar, acompanhar e bel (distrito de Domingos Martins) e Vitoria. compreender o emaranhado de momentos e E, na viagem de volta, trazia querosene, sal e situações em que tudo isso aconteceu. açúcar, essenciais para o abastecimento da fa- Se histórias, nomes e episódios signifi- zenda. cativos deixarem de ser citados não será por Em uma das paradas obrigatórias em omissão consciente do autor, mas devido a Santa Isabel, Eugênio conheceu e se encantou falhas de memória que, infelizmente, crescem com Elzira Ferreira dos Santos, filha de um com o tempo e perturbam o trabalho daquele cidadão baiano que atuava no ramo farma- que tenta reconstituir um pedaço do seu pas- cêutico e se casara com uma descendente dos sado. Peço desculpas, antecipadamente, por primeiros imigrantes alemães, da familia Trar- esses lapsos involuntários. bach. Diante da resistência dos pais, contrá- Para mim, a verdadeira educação acon- rios ao namoro, Eugênio agiu como se espera- tece na família. A escola fornece informações, va, naquele tempo, de um rapaz apaixonado: organiza o pensamento e transmite conheci- combinou o rapto com Elzira e a levou para mentos práticos importantes, mas é dentro de o Distrito de Boa Sorte, em Afonso Cláudio, casa que ganham forma duradoura o caráter, o onde se casaram no civil e no religioso. afeto, a sinceridade, o sentido de responsabili- Na Fazenda de Boa Sorte, onde os dois dade e o verdadeiro humanismo. Ainda que os foram morar, nasceu minha mãe, que ficou órfã passos e os anos seguintes alterem a visão de com apenas oito anos de idade e foi viver com mundo e até mesmo alguns dos nossos valores a avó Isabel em Santa Izabel, no Vale da Esta- e crenças, trazemos do berço o fundamento da ção. Mulher muito severa até para os padrões da nossa identidade como seres humanos. época, ela obrigava Dalila e seu irmão Darcy a Por tudo isso, e sempre procurando evi- vender laranjas e doces na estação ferroviária. E tar trivialidades, creio ser necessário o registro ai deles se não conseguissem levar para casa todo de fatos que datam do meu nascimento, na o dinheiro correspondente às vendas. O castigo Fazenda Floresta, em Afonso Cláudio, a 28 de era inevitável e até mesmo cruel. Certa vez, ela abril de 1946, e se prolongam pelos anos da chegou a queimar a língua da menina, por vol- minha infância e juventude em Castelo. Esses tar para casa com um anelzinho. Era presente de fatos constituíram não só um aprendizado in- uma amiga, mas a avó julgou, arbitrariamente, delével, mas também se tornaram referências que fosse produto de furto. e parâmetros aos quais sempre retorno, espe- Dalila, que se tornou moça de grande cialmente nos momentos de incerteza. beleza, só iria se livrar da excessiva severidade Meus pais – Constantino José Vieira e da avó quando o pai viúvo voltou a se casar. Dalila Teles Vieira – foram pessoas afeitas ao Aí, foi morar com os irmãos na fazenda cha- 18

mada Floresta, em Afonso Cláudio, onde o proprietário cobrava da família uma mensali- dade que incluía o estudo das crianças. Nessa fazenda é que minha mãe veio a conhecer seu futuro marido e meu pai, o Constantino, oita- vo filho de uma família de 17 irmãos. Após o inventário dos bens de sua mãe, Jovita Lopes Vieira, falecida em 28 de outubro de 1935, Constantino vendera parte das ter- ras da Fazenda Floresta, do que lhe coubera, e sua visão do futuro fez dele o primeiro da fa- mília a trocar a labuta no campo pelos bancos acadêmicos. Concluído o antigo primário, em Afonso Cláudio, logo se deslocaria para São João de Petrópolis, em Santa Teresa, a fim de cursar o ginásio, onde foi colega de turma de Roberto Kautsky, especialista em bromélias e orquídeas, recentemente falecido. Com a seriedade que sempre aplicou aos estudos e a todas as tarefas, Constantino al- cançou o título de melhor aluno da escola, de-

sempenho que lhe valeu o “Prêmio Interven- Ata do Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo S/A – 1942. tor Bley”, patrocinado pelo Banco de Crédito (Acervo do autor) Agrícola do Espírito Santo S/A. Esse prêmio lhe permitiu ingressar na Faculdade de Agro- nomia de Viçosa, em Minas Gerais, onde con- quistou o segundo lugar na classificação geral da Universidade e nova bolsa de estudos, des- ta vez nos Estados Unidos. Entretanto, para surpresa de professores e colegas, recusou a oferta e rejeitou também a cobiçada oportunidade de trabalhar na Car- teira de Crédito Agrícola do Banco do Brasil, em Belo Horizonte. Acontece que o amor che- gara, para Constantino, e em breve o namoro ganharia o status de noivado. Por essa razão, aceitou em 1945 o convite do seu amigo Ben- vindo de Novaes, então Diretor da Agricultu- ra, para trabalhar no Fomento Agrícola, em Castelo. Seu casamento com Dalila foi cele- brado em 28 de julho de 1945, ato realizado Casamento de Dalila e Constantino – Fazenda Floresta - Afonso Cláudio - 1945. na Fazenda Floresta, em Afonso Cláudio. (Acervo do autor) 19

O pai de Dalila, Sr. Eugênio, não compa- receu ao casamento, pois a sua segunda espo- sa não permitiu. Todo o enxoval foi feito pelo meu pai, Constantino. A severidade e o compromisso com os contratos levou a que no dia do casamento, como houve coincidência da data, o meu avô não liberasse o meu pai para a lua de mel, pois naquele dia era o seu plantão na fábrica de aguardente. O casal já decidira morar na Fazenda Flo- resta, propriedade de meu avô paterno, onde No meu batizado, da esquerda para a direita: meu pai Constantino, minha mãe nasci e vivi até pouco além do primeiro aniver- Dalila, padre Paulo de Tarso, madrinha Lita Saleme e vovô Vieira. (Acervo do autor) sário e do nascimento da minha irmã, quando a família se transferiu para a cidade de Castelo. Fomos transportados em lombo de burro, o pri- meiro filho e a irmã dentro de uma cesta, para uma casa vizinha do cemitério, enquanto ter- minavam a reforma de outra, no centro da ci- dade, ao lado da residência de Artênio Merçon e dona Carmélia, que eu chamava carinhosa- mente de Memélia e de quem recebi preciosas lições de vida, além de carinho quase maternal. Nessa época, preparando a mudança, meu pai vendera a um morador de Afonso Cláudio todo o mobiliário da nossa casa, mas Casa onde moraram meus pais e onde nasci – Fazenda Floresta – 1946. (Acervo do autor) o comprador simplesmente não pagou, e desse golpe resultaram sérios problemas financeiros para a família que ainda estava no início da sua formação e iria enfrentar dificuldades ainda maiores, no futuro próximo. Penso que merece o nome de “crise fami- liar” aquilo que nos aconteceu, quando atingi os nove anos de idade. Jogando cartas, meu tio Zezé perdera 50 contos de réis, uma fortuna na época, e ao saber que havia sido decretada a sua prisão optou pelo caminho mais fácil: fugiu de Castelo. Sem hesitar um momento, meu pai assumiu a dívida, para preservar o bom nome da família, e por isso teve que levar mulher e José Eugênio com 01 (um) ano de idade - da esquerda para a direita: meu pai Constantino e minha mãe Dalila – Afonso Cláudio – 1947. filhos para uma casa mais modesta, perto do (Acervo do autor) Ginásio João Bley. 20

Foi um tempo de severas privações. Na casa sem móveis, nós, os filhos, dormíamos em esteiras. E minha mãe teve que fazer doces para vender e também lavar roupas para as fa- mílias da cidade. Ao mesmo tempo, para não atrasar o pagamento de parcelas da dívida que assumira, meu pai perdeu o crédito na merce- aria e na farmácia. Só não passamos fome por- que ele dava assistência a alguns produtores rurais e recebia, como pagamento, os produtos das fazendas. Além disso, seus colegas de tra- balho, Domingos Azevedo, Sebastião Moraes e o agrônomo Érico de Freitas Machado, do José Eugênio e sua irmã mais velha Elzira. Fomento Agrícola, dividiam com nossa famí- Aos três anos – Castelo – 1949. lia as verduras, o arroz e o feijão trazidos das (Acervo do autor) fazendas. Se alguns sabiam ser ativamente soli- dários, não faltou também quem explorasse a fragilidade da nossa situação. Certo dia, ao pagar no cartório mais uma parcela da dívida deixada pelo irmão, o médico e fazendeiro Martins Veras, que estava por perto, ouviu a conversa do meu pai com o tabelião Aarão Jorge Jr. e os interrompeu para fazer uma proposta irrecusável: declarando-se impressionado com a experiência e o currículo do meu pai, pagaria o restante da dívida e o Em frente a casa da rua Vieira da Cunha. contrataria para administrar a Fazenda No- Da esquerda para a direita: Elzira, Rita de Cássia, José Eugênio, Jovita e Marina gueira, de sua propriedade, com boa remune- Castelo – 1956. (Acervo do autor) ração mensal. Mudamos todos para a fazenda, con- vencidos de que seria o fim da crise e o início de um novo tempo, mas o sobressalto seguin- te foi ainda maior, quando se descobriu que o tal doutor Martins era acusado de integrar um grupo criminoso da região e até já levara a família para o Rio de Janeiro. Para agravar ainda mais a situação, em uma das viagens de volta para a fazenda, à noite, em companhia do meu pai, os dois sofreram um atentado, do qual só escaparam por muita sorte. José Eugênio Vieira aos 11 anos - Grupo Escolar Nestor Gomes – Castelo – 1957. Na manhã seguinte, meu pai acertou as (Acervo do autor) 21 contas com o proprietário e deixamos a fazen- loja do Sr. Nicole. Assim, juntava o meu pró- da. Começava ali nova e incerta etapa da nos- prio dinheirinho e, nos finais de semana, po- sa vida, com a família aumentando a cada ano. dia ir ao cinema do “seu” Careta, comprar um Já tinha 13 anos e três irmãs, quando meu pai exemplar do Gibi na banca do “seu Valdemarô” começou a trabalhar na Prefeitura Municipal e, após a sessão, passar no Bar Balalaika do de Castelo, como contador e secretário do Maury Garcia e tomar uma garrafa de Crush, prefeito Antonio Bento, seu futuro compadre. o refrigerante de maior sucesso. Nessa época, moramos em uma casa confor- Aluno apenas mediano no Grupo Escolar tável para os padrões da época, na rua Vieira “Nestor Gomes”, não cheguei a dar muito tra- da Cunha, alugada de Antonio Nunes Galvão, balho às professoras Abgail da Silva Andrade, que todos chamavam de “Senhor Petit”. Arlinda Vieira Torres, Vera Marques Vieira e Ainda muito jovem, as dificuldades que Sara Marques Vieira. a família vivera sempre me inquietaram, e esse Com a média final de 72,5, terminei o tempo de estabilidade em Castelo foi traba- primário em 19 de novembro de 1957, quando lhoso, mas divertido. Recolhia garrafas vazias a diretora da escola era a professora Ana Lydia para vender e engraxava sapatos em frente à Machado.

Colegas que concluíram comigo o curso no Grupo Escolar “Nestor Gomes” Alair Leite Cano, Ângela Moraes de Resende, Anailda Paiva, Elza Maria Marques Vieira (residente em Pernambuco), Erli Corrêa Neto, Gerusa Vieira da Cunha (administradora do cartório de registros de nascimento, casamentos e óbitos de Castelo), Isaura Lúcia Mignone (residente no Rio de Janeiro), Ladi Guarnier, Luzia Maria Casagrande, Maria Luiza de Andrade (falecida em Castelo), Maria da Penha Coelho, Odila Colodetti, Sheila Magda Assis Silva (residente em Minas Gerais), Sheila Maria de Andrade (ainda residente em Castelo), Venina Brandes, Abílio Corrêa de Lima (médico, foi prefeito e hoje é vice-prefeito de Castelo), Edson Dalvi (ainda residente em Castelo), Fernando Antônio de Portugal Morcef (médico em Cachoeiro de Itapemirim), Hélio Felipe Vieira Machado (residente em Vitória), José Braz Tezolin, Jerônimo Ribeiro Filho, José Antônio Colodetti (residente em Vitória), José Braz Belmok, Luciano José Louzada Camata, Osmar Frauches Dável, Ronaldo Barbosa, Sérgio Martins Vivacqua (médico em Vitória), Tarcisio de Jesus e Walter Bravim.

Nem sei como arranjava tempo para música de apresentação: “Barril de Chope”. tantas atividades, pois fazia também au- Ao fim do período letivo, a professora las de acordeão, com a querida professora Haydée promoveu um concurso para escolher Haydée Lomba Galvão, e cheguei a partici- o “Rei” e o “Príncipe” do acordeon, uma ho- par de dois concertos. Alias, minha última menagem aos alunos que mais se destacaram apresentação exigiu tremendo sacrifício. Na- durante o curso. quele dia, tive febre, o pé estava inchado e A escolha não seguiu a tradição de ser só pude calçar o sapato na hora da apresen- feita através de um corpo de jurados. O jornal tação. Acontece que o Otílio Arantes, jogan- da cidade, “Folha de Castelo”, antecipou um do “porco”, atirou para acertar o círculo e processo de “marketing” (hoje muito comum, havia atingido meu pé. Ainda me lembro da sobretudo em emissoras de televisão, com 22

votação pelo leitor, ou pelo telespectador, via Em 1958, ingressei no Ginásio Estadual internet ou telefone) com o preenchimento de e Escola Normal “João Bley” e, concluída essa um cupom inserido em suas páginas. etapa, fiz o então chamado “curso cientifico”, Como o periódico era editado a cada quando os colegas de estudo, vendo em mim 30 dias, a votação foi realizada e conferida qualificações especiais, me elegeram presiden- ao longo de 4 meses. Os cupons preenchidos te da Casa do Estudante. Simultaneamente, com os nomes escolhidos foram depositados para garantir que no futuro próximo não me em uma urna colocada no recinto do Bar faltariam oportunidades de trabalho, estudava “Balalaika”, aberta ao final cercada de amplo contabilidade à noite e datilografia, à tarde. interesse por parte da população de Castelo. Era aluno mediano, com dificuldade Se se pode evocar não ter sido o sistema em certas matérias, principalmente a Mate- para escolha o melhor, por propiciar a indica- mática, mas nem por isso deixei de sonhar ção a quem mais jornais comprou para preen- com o futuro, e devo isso também aos pro- chimento dos votos, devem ser reconhecidos os fessores que participaram da minha forma- méritos do aluno escolhido “Rei do Acordeon”, ção e dos quais tenho uma lembrança terna Luiz Carlos Nemer. Fui agraciado, com orgu- e boa. Ainda guardo muitas recordações da lho, com o título de “Príncipe do Acordeon” estimada professora Zélia Carias, que me de Castelo. ministrava aulas particulares de português, e dos colegas Osmane Dável e Gislene Ramos, de matemática.

No Colégio Estadual e Escola Normal “João Bley”, o professor Jorge José Abib foi o Coordenador do Curso de Admissão, concluído em 15 de dezembro de 1958, com a média geral de 6,88 (Português: 7,85; Geografia: 7,75; Matemática: 6,15 e História do Brasil: 5,80). No ginásio, Gercy Machado Lima (Português), Floripes Caliman (Matemática), Carlos Passos (Inglês), Nair Lopes Pimenta (Francês), Joventino Barros (Canto Orfeônico), José Nunes (Latim), Antonio José Rua (História Geral), Evandro de Albuquerque (História do Brasil) Sebastião da Rocha Ribeiro (Geografia Geral

Concerto de Acordeão com Haydée – Da esquerda para a Direita: Elzira, José e do Brasil), Nize Lomba de Azevedo (Desenho), Otto Eugênio e Marina – Castelo - 1957. Vieira Machado (Ciências), Jaceguai Rosa (Educação (Acervo do autor) Física), Lígia Lomba Guimarães (Trabalhos Manuais) foram nossos professores. Este curso foi concluído em dezembro de 1962.

Cartão de Natal enviado pela professora Haydée – 1957. (Acervo do autor) 23

Colegas que concluíram junto Colegas que concluíram comigo o curso: comigo o curso científico, Antônio Camporêz, Antônio Carlos dos Santos – em 1965 “Campeão”, Armando Gonçalves de Souza, Aroldo Adelaide da Penha Schettino, Antônio Camporêz (hoje Ceotto, Arthur Mendonça Vargas, Carlos Augusto médico em Iconha), Antônio Carlos dos Santos – Campeão Machado, Cesar Zuim Sobrinho, Edward Dias da (já falecido), Cesar Zuim Sobrinho, Edward Dias da Silva – “Dida”, Emílio Walace Bicalho Nemer, Genulfo Silva – “Dida” (Engenheiro em Vitória), Eduardo Gomes Tâmara Ribeiro, Hélio Felipe Vieira Machado, I – Scardini – Dudu (ex-servidor do Banestes), Genulfo Pirama Rosa, João Carlos Vieira da Cunha, José Tâmara Ribeiro (arquiteto – Vitória), Higner Mansur Magnago, José Maria de Mesquita Júnior, Julio Cesar (advogado, escritor e poeta – Cachoeiro de Itepemirim), Quitiba Carneiro Brandão, Luiz Carlos Gonçalves, Luiz Iacy Vieira da Silva (médica – Vitória), Luiz Carlos Carlos Bicalho Nemer, Luiz Geraldo Andrade, Marcelo Marvilla, Milton José Careta (médico em Vila Velha), Ribeiro do Val, Milton José Careta, Nicolau Sena Neto, Nicolau Sena Neto, Olga Terra Debossan, Paulo Osmani Dável, Otávio Dadalto, Paulo Camporêz Camporêz Azevedo (servidor do fisco estadual), Rita Azevedo, Paulo Marcos Lomba Galvão, Saulo Estevão Maria de Carvalho (Vila Velha). Vazzoler, Sérgio Batista de Mesquita, Sérgio Martins Vivacqua, Tarcísio de Jesus Pena – “Peninha”, Vandré Fiorino, Virgio Machado Farias, Wanderly Silva Serrão – “Chimbica” e Welles Costa.

No Científico, hoje ensino médio, as aulas foram ministradas pelos professores Gercy Machado Lima (Português), Floripes Caliman (Matemática), Carlos Kulnig (Fí- sica), Nelson Rangel (Química), Adair Pas- samane (Biologia), Itaicy Rosa (Desenho), Carlos Passos (Inglês) e Evandro de Albu- querque (História). Curso concluído em 17 de dezembro de 1965. Formatura do curso técnico em contabilidade Aos 18 anos – Castelo - 1964. (Acervo do autor) Colegas que concluíram comigo o último ano do curso técnico de contabilidade, em 1964 Amélia Maria Guimarães de Athayde, Antônio Carlos dos Santos – “Campeão” (falecido), Antônio Thomaz Neto, Arthur Mendonça Vargas (falecido), César Zuim Sobrinho, Custódio Guimarães Athayde (falecido), Dila Guimarães de Athayde, Edésio Carlos Fonseca Matos, Iacy Vieira da Silva, I Juca Pirama Rosa,

José Augusto Nunes Nemer, José Gervásio Franzotti Coroação da Rainha e do Rei do acordeon e rainha e rei do grupo Escolar Vasconcellos, José Salazar Zanúncio , Laurícéia Barbosa “Nestor Gomes”. dos Santos, Lino Ceotto (falecido), Luiz Carlos Marvila, Da esquerda para a direita: Professora Ismênia Martins Rocha, Professora Maria Rosa Penna, José Eugênio Vieira, Luiz Carlos Nemer, Dr. Antônio José Rua, Dr. Maria Terezinha Rangel Nemer, Marília Massad José Morcef Filho, Rosa Maria Travaglia, Sônia Maria Aledi, Fernando Portugal Percisi, Marlene Felisberto, Neuza Bastos, Nicolau Sena Morcef, Eliana Barbosa, Soeli Arantes e Professora Rute Machado - 08/12/1957. Neto e Sônia Maria Caliman (falecida). (Acervo do autor) 24

Fazenda Floresta - Fábrica de Aguardente Modernizada - 1980. (Acervo do autor) 25

Para mim, o primeiro semestre era feito da expectativa de viajar para a Fazenda Floresta... 26 Dois

sonho de todo garoto de dez anos de idade, naquela época, era passar as férias escolares em uma fazenda. Para mim, o primei- ro semestre era feito da expectativa de viajar para a Fazenda Floresta, o lugar encantado de onde nos mudamos quando meu pai, diplomado em Viçosa, levou-nos para viver em Castelo, no OEspírito Santo. Antes, a fazenda se chamava Fortaleza. Só passou a ser Flo- resta depois que meu pai plantou eucaliptos “goiaba” na região mais alta, para reduzir o volume de água que descia das encostas. Uma visão do futuro e uma atitude pioneira, que evitaram possíveis catás- trofes, como as que ocorrem nos dias atuais em várias partes do país. Íamos à fazenda quase sempre de carona, na carroceria de um caminhão ou caminhonete, por estradas de terra, barrentas em tem- po de chuva e cheias de poeira quando fazia sol. Eram seis a oito horas de viagem, com tanto pó que a gente passava mal e às vezes até vomitava. Na época das chuvas só o jipe, cheio de correntes nos pneus, conseguia atravessar a chamada Serra do Pinga-Fogo e/ou Serra do Garipe, com suas matas densas e caminhos estreitos, cheios de pedregulhos. Passar por essas estradas de muitas lendas e histórias de tropei- ros, onde volta e meia um veículo mesmo capotava, era sempre uma epopéia. E ouvir de novo essas histórias era uma festa. Muitas vezes fomos obrigados a pernoitar na casa de conhecidos dos meus pais, pois nem o jipe conseguia passar. Hoje, leva-se pouco mais de uma hora, mas a viagem já não tem o mesmo encanto. Retornar à fazenda era sempre uma grande emoção. Do alto do morro, via-se o casario lá embaixo. No final da descida até o fun- do do vale havia uma pontezinha sobre o córrego, onde a meninada pescava, tomava banho e, inocentemente, brincava com caramujos transmissores de doença. Alguém descia do veículo para abrir a porteira – quase sempre eu – e dávamos de frente para aquele barranco coberto de capim gordura. Como julho era sempre um mês frio, com inverno de verda- de (na época, ainda existiam as quatro estações), a temperatura em toda a região variava entre seis e dez graus. E era maravilhoso sentir, ainda de dentro do jipe ou na boléia do caminhão ou caminhonete,

Infância na Floresta aquele cheiro gostoso do capim gordura. 27

De um lado, via-se a fábrica, onde era moída a cana para a produção da cachaça; do outro, a área da administração e os moinhos de fubá, onde também se secava o café e o arroz, além da venda do tio Vivinho e do tan- que onde as garrafas eram lavadas, antes de receber a aguardente recém-fabricada. Ajudar o tio Vivinho era um prazer sem fim, porque além de participar do lúdico trabalho a gente consumia, até o fim da tarde, todo o estoque Fábrica de aguardente Guarany e entrada para o casarão da Fazenda Floresta – Afonso Cláudio – 1962. de mariolas da venda. (Acervo do autor) Quando ainda estudava em Viçosa, meu pai tivera a ideia de canalizar o córrego Gurita desde a nascente, lá no alto do morro, abrindo um canal através da mata para trazer a água até o local onde as garrafas eram lava- das. Como a imagem paterna sempre esteve presente na minha formação, penso que essa obra engenhosa me levou ao desejo de ser en- genheiro. Apaixonado por uma cadela basset, cha- mada Cotinha, que meu tio Hilton me con- vencera a levar para a fazenda, encontrá-la e abraçá-la de novo, nas férias, era outra razão de contentamento. Após um ano sem me ver, ela vinha correndo feito louca e pulava no

Entrada para o Casarão da Fazenda Floresta – 1970. meu peito, para ganhar mil abraços. E, da por- (Acervo do autor) teira, seguíamos correndo para a sede, os dois. Só quem teve um animal de estimação sabe o que isso significa, para uma criança. Começando assim, o dia só podia ser perfeito. Como esquecer esses momentos? E como imaginar, naquele tempo, que um dia a Cotinha iria morrer atropelada por um cami- nhão que transportava cana de açúcar? Meninos não pensam em coisas assim. Meu avô Vieira, como nós o tratáva- mos, acolhia a família de braços abertos, com aquele carinho à moda antiga, típico da roça: os filhos e netos reunidos em torno da mesa enorme e do pão feito em casa, do café, da far- Fazenda Floresta, modernizada e sem os eucaliptos – 1990. (Acervo do autor) tura e da alegria. A casa seguia o padrão tra- 28

dicional, com banheiros do lado de fora, des- - Devo tanto a fulano de tal, por causa disso confortáveis para quem nunca viveu na roça. ou daquilo. Tenho uma quantia a receber. É preciso Mas quem iria se incomodar com isso, tomar providência a respeito desses assuntos. estando de volta ao paraíso? Tudo anotado e registrado, com a maior Repito sempre que tive em minha vida clareza. dois fantásticos exemplos. Meu avô foi um de- Dois dias depois, faleceu. les. José Silvestre Vieira, um homem de bem, Poderiam até imaginar que ele estava era cidadão metódico e organizado, embora prevendo que morreria em breve, mas não se algumas pessoas duvidassem disso, porque trata disso. É que anotava tudo e mantinha ele chegou a quebrar duas vezes. Aqueles que esse controle permanente e criterioso das re- eventualmente se viram afetados pelas difi- ceitas e despesas, a exemplo do meu avô. culdades de sua empresa talvez não tivessem Também herdei do meu avô esse costu- a mesma opinião, mas que importância tem me, assim como certo modo de pensar e agir, isso, se o tempo tudo sepultou e quase todos diante dos problemas. Quando um de nós en- já estão mortos? frentava uma situação difícil, complexa, ele Para nós, levando aquela vida simples, tinha o hábito de repetir para toda a família modesta, o avô era uma fonte de sabedoria. uma de suas máximas: Basta ver como ele fez questão de orientar o - Para tudo há solução. Enquanto for impos- meu pai, que guardou para sempre uma cader- sível solucionar um problema, não se deve mais pen- neta escrita à mão, na qual meu avô o aconse- sar nele. Esquecendo temporariamente o problema, lhava sobre o que fazer e o que evitar, na vida ele estará solucionado. adulta. Há grande sabedoria nesse conselho. Havia de tudo, nessa caderneta, como Depois que nos empenhamos, dia após dia, em se fosse um guia para a vida inteira. Desde as buscar uma solução, perdemos noites de sono decisões mais simples até as mais difíceis, do e esgotamos a nossa capacidade de encontrar controle do orçamento pessoal ao modo de vi- uma saída, o melhor é esquecer o desafio por ver. um tempo. A solução natural sempre vem. O avô Vieira deixou nessa caderneta Outro pensamento interessante do meu conselhos do tipo “se você vai tomar banho de avô era a analogia entre a construção de uma rio, não vá chegando e pulando. Primeiro, son- casa e a formação da família: de o terreno, porque o rio pode mudar da noi- - Toda casa é construída etapa por etapa, te para o dia. Pode ter caído uma chuva mais desde o alicerce até o telhado – ele dizia. – A família forte, que assoreou o leito. Você está acostu- também. E as duas, mesmo depois de prontas, vão mado a pular ali, mas se o rio estiver assoreado necessitar sempre de cuidados e reparos. Na casa, se e você pular, pode fraturar a espinha ou coisa o telhado está pronto, às vezes é necessário consertar que o valha”. a tranca da porta, e assim por diante. Com os filhos Meu pai, que foi também muito metódi- é a mesma coisa: sempre vão precisar de orientação. co em tudo, aprendeu com ele a registrar obri- Meu pai, que herdou essa filosofia e o gações, decisões e compromissos. E guardo até sentido de responsabilidade perante a família, hoje correspondência manuscrita dele, datada foi fiel ao legado do meu avô. Nunca se entre- de 10 de outubro de 1972, com informações gou a explosões de cólera e nem puniu um fi- que eu poderia necessitar no futuro: lho com chineladas ou palmadas. Limitava-se 29 a conversar. E seu modo de falar doía mais na E, a seguir, aqueles que haviam nascido duran- alma que uma palmada no corpo. te o ano recebiam sua bênção. Chorávamos só de ouvir suas observa- Para se ter uma ideia, um dos filhos era ções, por reconhecer que tinha razão e nós é pastor e outro diácono, ambos da Igreja Ba- que estávamos errados. Quem não o conhe- tista. Um no Rio de Janeiro, o tio Napoleão, cesse, podia até imaginar que dera uma sova e outro, tio Permínio, em Cariacica, Espírito no filho. Mas estava apenas apontando o ca- Santo. Um está vivo, o outro já faleceu. Quan- minho certo, o caminho do bem. E todos nós to a nós – meu pai e meus irmãos – trilhamos aprendemos. Assim era meu pai, a presença o caminho da religião católica. Fomos todos mais viva, marcante e decisiva na minha for- católicos praticantes, pelo menos até o faleci- mação e exemplo ainda hoje revivido, nos mo- mento do meu pai. mentos críticos. Ainda menino, frequentei a Igreja Cató- O respeito, a preocupação em cumprir a lica e participei regularmente de missas domi- palavra empenhada e a liberdade bem cuidada nicais, confissões e comunhões. Aos 11 anos, dos filhos, permitindo-lhes decisões próprias, em uma procissão e como penitência, cheguei tornaram-se referências que orientaram meu a transportar na cabeça dois tijolos, em um relacionamento com a família e, por extensão, percurso de mais de dois quilômetros, desde a com as demais pessoas. olaria do Ecyr Silas de Paula, no bairro Nite- Em matéria de religião, meu avô foi ca- rói, até a igreja matriz em construção. tólico convicto, praticante e até homenageado Naquele tempo, como ainda hoje, temia a várias vezes pela Igreja Católica, em Afonso morte, embora acreditasse que, de acordo com Cláudio. Chegou a receber um quadro de São os meus atos e a critério de Deus, poderia ter José, na comemoração do seu aniversário, por uma vida futura, no céu, no purgatório ou no ter o maior numero de filhos: eram 30, nasci- inferno. Além disso, aguardava, com a natural dos de três casamentos. excitação das crianças, os festejos religiosos, en- No último dia do ano, reunida a família, cerrados sempre com o espetáculo da queima de que tinha seguidores das mais diversas religi- fogos de artifício, preparada pelo fogueteiro Ar- ões, repetíamos juntos a oração do Pai Nosso. têmio Merçon. 30

Cidade de Castelo - 1958. (Acervo do Autor) Sob alguns aspectos, a cidade de Castelo era provinciana e limitada. Entretanto, oferecia aos jovens uma educação de alto nível, intensa vida cultural (como raramente se via no interior do Estado) e aquela sociabilidade franca e tranquila que já começava a desaparecer das maiores cidades brasileiras. 32 Três

ob alguns aspectos, a cidade de Castelo era provinciana e li- mitada. Entretanto, oferecia aos jovens uma educação de alto nível, intensa vida cultural (como raramente se via no interior do Estado) e aquela sociabilidade franca e tranquila que já co- meçava a desaparecer das maiores cidades brasileiras. S Os médicos ainda visitavam os doentes em suas residências, de manhã, à tarde ou à noite. Toda a família se reunia no almoço, no jantar e no lanche noturno. O leite era entregue toda manhã na porta de casa, transporta- do em charrete pelo João Leiteiro, um produtor que morava perto de Aracuí. As padarias colocavam os pães em sacolas de pano, dependu- radas na porta das casas. E as compras nas mercearias, farmácias e padarias eram ano- tadas nas cadernetas e pagas no final do mês, sem acréscimos finan- ceiros. Nas festas, bailes e deliciosas domingueiras, os casais dança- vam valsas, boleros, foxtrot e samba e bebiam crush, guaraná, cer- veja ou cuba livre. A primeira comunhão, aos 11 anos, era motivo de festa, depois da confissão dos pecados e da penitência aplicada pelo sacerdote. Sabíamos de cor todos os cânticos da igreja: “Queremos Deus, homens ingratos”, “Com minha Mãe estarei”, “Tu reinarás” e ou- tros. Na Semana Santa, respeitava-se o jejum da sexta-feira maior, com a abstinência de carne. O Ofício das Trevas, com longas ho- ras de duração, era acompanhado das barulhentas “rácolas”, que imitavam trovões. Depois, o Beija-Cruz, quando o padre celebrante lavava e beijava os pés de alguns fiéis. Durante o dia, missas em vários horários, com os santos cober- tos por mantos roxos e, à noite, a procissão do Senhor morto, com as lanternas de , papéis roxos ou brancos e velas ao centro. Na quarta-feira de Cinzas, a maioria dos católicos participava a memória da missa, à meia-noite. E no sábado de Aleluia, encerrando a quares- ma, malhava-se o Judas, dependurado em árvores ou postes. E aguardávamos a Páscoa, que era livre da exploração co-

Se não me falha mercial de hoje. 33

Gosto de recordar as missas celebradas e cantadas em Latim. As procissões com anjos e acompanhadas de uma banda. Os Congrega- dos Marianos e as Filhas de Maria davam aos ritos uma pompa especial. As procissões em homenagem a São Cristovão, padroeiro dos motoristas, saíam de carro de Aracuí até Castello. E, à sua chega- da, explodiam os fogos de artifício preparados pelo Artênio Merçon. Castelo na década de 1960. Com missa campal na Praça Ruy Bar- (Acervo do autor) bosa, Castello também festejou o Congresso Eucarístico, realizado no Rio de Janeiro. Recebíamos as notícias de fora pelo rá- Tudo isso se foi para sempre. dio, que às seis da tarde em ponto tocava a Nem o carnaval sobreviveu. “Ave Maria”, transmitida também pelo serviço Antes, era uma festa do povo nas ruas, com de alto-falantes da cidade. Ao ouvir os primei- os blocos, ou nos clubes sociais. A cada ano, apren- ros acordes, fazíamos o sinal da cruz. díamos novas e inesquecíveis marchinhas: “A Es- As férias escolares, com 30 dias no mês trela Dalva”, “Pierrô Apaixonado”, “Touradas em de julho e de 15 de dezembro ao início de Madri”, “O teu cabelo não nega”, “Sassaricando”; março do ano seguinte, nunca prejudicaram o “Linda Morena” e dezenas de outras. calendário escolar. E os estudantes aprendiam Os voos rasantes, que o tenente Baru re- e faziam provas escritas e orais de Português, alizava sobre a cidade e entre as torres da igre- Inglês, Francês, Latim, Geografia Geral e do ja eram um grande acontecimento, comentado Brasil, História Geral e do Brasil, Biologia, durante vários dias. Química e Física. Tínhamos aulas de Traba- Jogávamos bola no meio da rua de terra lhos Manuais, Canto e Desenho, além de se batida ou nos campinhos e brincávamos com exercitarem na educação física. carrinhos de rolimã, de pular corda, empinar Os mais grandinhos ensaiavam seu pri- pipas, pega-pega, cantigas de roda (“Ciranda, meiro namoro sem sequer dar as mãos à na- Cirandinha”, “Teresinha de Jesus”, “Quebra, morada. Beijo, então, só depois de muito tem- quebra gabiroba”). po, porque quase sempre alguém da família da Pai e mãe eram senhor e senhora e pe- namorada estava por perto, vigiando. díamos a bênção dos dois, ao amanhecer e na Nadar nos rios, ainda caudalosos e livres hora de dormir: de poluição, só mesmo escondidos dos pais. - A bênção papai, a bênção mamãe. O Natal era uma festa da família e não - Deus te abençoe, meu filho. um festival de compras, embora todos fizes- Como não havia fogão à gás, todas as sem os seus pedidos ao Papai Noel, que nem manhãs era aquela trabalheira para acender o sempre podia realizar os sonhos das crianças. fogo na cozinha. Se morria alguém da família, o luto du- Quase todas as casas tinham pé-direito rava sete dias. Nada de festa, nada de rouge ou alto e extensos quintais, com horta, galinheiro batom, nada de enfeites. Os mais velhos usavam e árvores frutíferas. roupas pretas durante sete dias. Ou até mais. 34

A própria natureza era previsível. No a gente chupava as laranjas limas e as mexeri- verão, calor; no inverno, frio. Havia tempo de cas que ele trazia de Estrela do Norte. chuva e tempo de sol. A derrubada das matas Castelo sempre se destacou na área e a poluição acabaram com essas certezas an- cultural: além do Serviço de Autofalante, tí- tigas. nhamos a Rádio 1º de Junho, emissora pirata, Nas festas juninas, dançávamos quadri- mas que todos gostavam de ouvir, e o Grupo lhas com fantasias típicas. Nunca faltaram as de Teatro Amador, cuja fama chegou a outros fogueiras, quentão, pipoca, doces, casamento municípios. na roça, pau de sebo e corrida do saco. Além O Clube dos 60, onde tantos namoros dos tímidos namoros, que às vezes resultaram viraram noivados, também marcou época em em casamento. toda a região Sul do Estado, por contratar Moramos durante quase dez anos em orquestras e cantores famosos do Rio de Ja- duas casas alugadas, na Rua Vieira da Cunha, neiro e de Vitória, animando bailes inesque- e conhecíamos todos os vizinhos. cíveis: Cassino de Sevilha, Ruy Rey, Gregório Começando pela esquerda de quem se- Barrios, Hélio Mendes, Marabá, Cuban Boys, guia em direção ao centro: Antero (uma chá- Plaza, Lucho Gatica, Ângela Maria e Emilinha cara enorme), a família Fiorim, a chácara do Borba. Antônio Mello, Dona Eremita (mãe do Do- Nessa época, também fazia sucesso o mício), Luiz Carvalho, minha família, Antô- conjunto castelense “The Things”, formado nio Luiz da Costa, D. Páscoa, doutor Cícero por Danilo Lopes, Ronaldo Santos, Luiz Mo- Corrêa de Lima, Waldyr Arantes, doutor De- reira, Daltinho, Constantino Dadalto e o sau- merval Lyrio, Dona Etelvina (mãe da Jaude- doso Serginho Tassis. Depois, vieram o Milton te), Emílio Nemer, doutor Gastão Corrêa de e o Neivan Carias, I Juca, Piau e Zé Augusto Lima, Anysio Novaes, a família Senna, doutor Ferreira. Otto Vieira Machado e José Augusto de Lima . Os bailes no Clube dos 60 tinham À direita, a família Júlio Marques Viei- prestígio e tradição de tranquilidade, quebra- ra, a família Nilo Vieira da Cunha (“Seu Ni- da somente quando chegava a turma de Ca- linho”), Basílio, Honório Azevedo, a família choeiro de Itapemirim, comandada por Mala Lessa, Odilon Crispim, Eugênio, Dona Mal- Velha e Marcondinho de Souza. Esse grupo vina, Eraldo, Pedro Rocha, Nêgo, dois arma- sempre provocava conflitos e arruaças com o zéns de café,o sobrado do doutor José Morcef pessoal de Castelo, estragando a festa. Até que Filho, a professora Maria da Penha Banhos, um dia decidimos reagir. outro armazém de café, Nicolau Senna, Se- Se eles aparecessem, seriam cercados bastião, uma pensão. E, ainda, a casa do José e haveria pancadaria. Além disso, o grupo do Piaba, com a respectiva oficina. qual participei ficou encarregado de esvaziar Quando me mudei para Vitória, a popu- os pneus e quebrar os faróis de todos os carros lação urbana de Castelo chegava a uns cinco com placa de Cachoeiro. E eles apareceram. mil habitantes. Quase todos se conheciam. Assim que começaram as brigas nas Brincávamos muitas vezes no viradouro dependências do Clube, fomos avisados e da locomotiva, em frente à Matriz de Nossa cumprimos a missão. Os forasteiros tiveram Senhora da Penha. Corria solto o papo com o que sair correndo com os carros, mesmo sem “General Bengala” (Altair Augusto), enquanto enxergar direito a estrada. E nós, os intrépi- 35 dos, ficamos marcados. sionais da Rede Gazeta. Até 2002, já haviam circulado na cida- Dois outros personagens – Zé e Paulo de cerca de 48 jornais. Boca-Fofa – residiam em um cômodo repleto Na minha juventude, além do “Cas- de bugigangas, na casa que ficava em frente tello Novo”, o destaque vai para o jornal “Voz aos armazéns de café dos Nemer, na esquina Estudantil”, onde mantive uma coluna com com a Rua Vieira da Cunha. Julgando-se gran- o pseudônimo de Joeuvi, formado pelas duas des inventores, tentaram montar uma emisso- primeiras letras do meu nome e sobrenome. ra de rádio. Um dia, Zé tomou emprestada a Tivemos também, como acontece em bicicleta de alguém e desceu a ladeira em fren- todos os lugares, os nossos personagens folcló- te à residência do Luiz Carvalho (antiga sede ricos. do Castello Clube) sem segurar no guidon. Na Condurú, que engraxava sapatos perto rua sem calçamento e com valas abertas pelas da Casa Perim, foi um deles. Tinha dentes per- chuvas, levou tremendo tombo e arranhou o feitos e chegou a residir por uns dias na casa corpo inteiro. Da porta da casa dele, ouvíamos dos meus pais, que lhe ofereceram um lar e a seus gemidos de dor. possibilidade de estudar. Mas a rua era a vida Maria “Zóio de Prata” veio da zona dele. Não conseguiram convencê-lo a ficar. rural do município e perambulava pela cida- Dizem que esteve trabalhando na Prefeitura de, pedindo ajuda. De vez em quando, trazia de Cachoeiro de Itapemirim, mas nunca mais na cabeça uma cesta cheia de verduras, para tive notícias dele. vender. Acompanhei sua internação no Hos- Companheiro habitual do Condurú, pital Adauto Botelho, em Cariacica, quando Careca foi excelente repentista e também en- o doutor Cícero Corrêa de Lima a trouxe para graxava sapatos. Por volta de 1967, mudou-se tratamento, e ainda me lembro do seu olhar para Vitória e caiu na marginalidade. Detido perdido, quando a deixamos no hospital. Pare- pela polícia em várias ocasiões, ele retornou a cia estar se despedindo deste mundo. Castelo quando o libertaram e certo dia um Nicanor Marques – o Nonô – era ho- infarto o levou. mem irreverente, divertido e brincalhão. Certa Chumbeta era outro. Costumava dormir vez, escreveram no para-choque do seu carro: sob a escadaria de acesso ao Hotel Regina e “Furreca do Nonô”. E ele, sem se aborrecer, sair para paquerar as meninas na Avenida Mi- emendou: “Furreca é sua avó”. nistro Araripe. Depois, corria para seu refúgio Apesar dos meus sucessivos namoricos, e se masturbava. Também costumava acompa- nunca cheguei a ser craque no assunto, mas nhar todos os enterros, ora levando uma cruz, nos campos de futebol me tornei um mar- ora um buquê de flores. Hoje vive albergado cador implacável. E paguei o preço por essa em um asilo. forma agressiva de jogar: uma fratura no bra- Augusto Alves (denominado “Pé de ço e uma dor quase insuportável, quando me Burro”) teve a infelicidade de perder todos levaram a Cachoeiro de Itapemirim para ser os dedos de um dos pés, decepados por uma medicado e engessado. locomotiva. O acidente ocorreu no dia 25 de Gosto de recordar ainda hoje a figura do julho de 1959, ao saltar do trem em movimen- Plascidino, conhecido como Aranha, inspetor to. Mudou-se para Vitória, cresceu profissio- de alunos do Colégio “João Bley” e nosso de- nalmente e se tornou um dos grandes profis- dicado treinador de futebol. Plascidino e Ara- 36

nha eram denominações bem estranhas, para Penso que tratar as pessoas como iguais um bom técnico e um ser humano da melhor não significa renunciar à autoridade. Sempre qualidade. admirei, por exemplo, o jeito liberal com que A forma como a pessoa se veste e se meu avô tratava os empregados. Passava o dia apresenta em público, com postura correta e inteiro ao lado deles, dando ordens, mas tam- atitude digna, revela um aspecto importante bém trabalhando o tempo todo. No fim do dia da nossa personalidade. Aranha, negro elegan- ou nas tardes de sábado, quando os trabalha- te e verdadeiro gentleman, conquistara a simpa- dores se reuniam em torno de uma viola, lá tia de todo mundo. Só deixou de ser técnico estava ele, compartilhando tudo. do Castelo F.C. no dia em que o time foi der- Tudo, menos a pinga, porque nunca foi rotado por 4 a 2, no campo do Rio Branco, ao de beber. lado da fabrica de cimento Barbará, em Ca- Utilizando conhecimentos de química choeiro de Itapemirim. adquiridos em um curso por correspondên- Acidentes de trabalho são rotineiros, na cia que lhe deu até diploma, avaliava o teor vida dos técnicos de futebol, em todos os can- alcoólico da bebida esfregando um pouco no tos do mundo, e Plascidino perdeu um jogo, braço ou colocando algumas gotas na boca, mas nunca o seu maior sonho: casar com uma para depois cuspir. Jamais compreendi como loura. E sonhos alheios a gente não discute. funcionava essa técnica, mas só de esfregar e Plascidino foi tão fiel ao seu que acabou por sentir o gosto ele sabia se a aguardente atin- concretizá-lo. E, no dia em que isso aconte- gira a graduação certa ou teria que ficar mais ceu, por ser muito querido e admirado, até a tempo no tonel. preconceituosa e fechada sociedade da época Já o tio Vivinho, a cada alambicagem, aceitou o inevitável, sem escândalo. estendia a canequinha de alumínio, enchia até Tornei-me amigo dele e, anos mais tar- a borda e bebia a aguardente recém-saída, ain- de, pude recebê-lo como hóspede em minha da quente. Acabou morrendo de cirrose, anos casa, quando esteve em Vitória. Já aposenta- depois. Meu avô nunca foi além do seu teste, do, ele continuava elegante e vestido no rigor rápido e seguro. da moda, o que me faz lembrar outro homem Meu pai também jamais adquiriu o há- que fazia questão de se apresentar assim: meu bito de beber. Tomava uma cerveja, no máxi- avô. mo, mas nem por isso deixava de confrater- Homem muito alinhado, como se di- nizar com as pessoas, nas ocasiões festivas. zia então, sempre que ia à cidade ou a uma Acompanhei de perto esse jeito de ser durante reunião social usava terno e gravata. Meu a sua campanha como candidato a prefeito de pai aprendeu com ele e herdou esse costume: Castelo, quando tinha apenas 15 anos e viajei também só saía de casa de terno, além de se com ele durante todo o mês de julho. barbear duas vezes por dia e usar um discreto perfume. Não lhe bastava ser limpo de caráter: era preciso ser limpo também no modo de se apresentar. Aí chegamos à questão dos relaciona- mentos pessoais, que cada um conduz de acor- do com o seu modo de ser. 37 Baile de Formatura - com sua mãe - Clube dos 60 - 1964. (Acervo do Autor)

A adolescência costuma ser um período crítico na vida de todas as pessoas. Alguns perdem o rumo e levam anos para decidir o que farão no futuro... 38 Quatro

a minha infância, as grandes famílias interioranas ainda con- servavam o costume de destinar um filho ou filha ao serviço da Igreja, como sacerdote ou freira. Quem fazia a escolha era a matriarca da família. Em nosso caso, coube à minha bisavó paterna – Vovó Titina – a responsabilidade de indicar, entre Nseus mais de 30 netos e 70 bisnetos, os dois membros da família destinados a cumprir a tradição. Escolhido por ela para ser o padre, a ideia me entusiasmou e comecei a me preparar para freqüentar o Colégio dos Jesuítas, o preferido da família. A única a resistir foi minha mãe, que chorava e rezava para que eu não seguisse esse caminho. Mas os preparativos continuaram e o enxoval estava pronto, quando o representante do seminário apareceu em nossa casa, para me buscar. Só que esse futuro seminarista estava bem no meio de uma “pelada” com os amigos. Ao entrar na sala, suado e com a roupa coberta de poeira, fui repreendido: já deveria estar de banho tomado e vestido a caráter para a viagem. Esse episódio foi um daqueles momentos em que, misterio- samente, mudamos o rumo da nossa vida. Diante de uma encruzi- lhada, cada caminho que escolhemos leva a um destino diferente, e a partir dessas escolhas é que inauguramos um novo “script”, deixando o que poderia ser para dar lugar ao que será. Santo Agostinho escreveu que o futuro, assim como o tempo, pode ser ou não ser, e a nossa escolha, em momentos decisivos, quase mágicos e sob inspiração divina, é que aponta o que será. Estamos decidindo o nosso destino, nesses momentos, mesmo sem saber. Na sala de visitas da minha casa, diante da família e do sa- cerdote, o menino que antes admitira e até gostara da ideia de ser padre causou profunda perplexidade na família, ao declarar, num repente e de forma categórica: - Eu não vou. Não fui mesmo, para frustração da minha avó Titina e alegria da minha mãe. Quanto ao meu pai, aceitou a decisão sem discutir. Assim, a família deixou de ter em seu meio um padre e a vida con-

A encruzilhada tinuou como antes. 39

Naquele início da adolescência, os adul- eram projetadas cenas jornalísticas de fatos tos já percebiam em mim certa aptidão para a recentes, produzidas por Herbert Richers. De- engenharia e admiravam a minha capacidade pois, vinha o famoso Canal 100, com cenas de de transformar tábuas, tijolos e restos de de- lances dos principais jogos do futebol carioca. molição em projetos de casas e de prédios com A galera vibrava com os dribles de Garrincha e até 12 andares, construídos em nosso amplo as jogadas geniais de Pelé. quintal. Esses elogios, como acontece com os Os astros do cinema norte-americano, jovens, induziam o “engenheiro” a se empe- na época, eram Gary Cooper, Tony Curtis nhar ainda mais em seus projetos, com ousa- (que as meninas adoravam), Bette Davis (qua- dia e criatividade. se sempre no papel de malvada), James Dean Com a participação do meu tio Darcy, (faleceu ainda jovem, em acidente automo- projetei e construí um galinheiro e uma hor- bilístico), Alain Delon (outro que provocava ta e tive o orgulho de recolher ovos e legu- suspiros nas moças ), Kirk Douglas, Rock Hu- mes produzidos nessas “obras”, que incluíram dson, Grace Kelly (que depois se casou com também um canil para abrigar Cotinha. o príncipe de Mônaco), Omar Scharif, Burt Irrequieto e inventivo, também desco- Lancaster, Sofia Loren, Gina Lollobrigida, An- bri o cinema como vocação, embora com gran- thony Quinn, Brigite Bardot, Frank Sinatra e de atraso em relação aos Irmãos Lumière. Elizabeth Taylor (falecida em 2011), etc.. Apaixonado por filmes de faroeste e de Entre os atores brasileiros, destacavam-se aventura, como toda a garotada, montei um Anselmo Duarte, Eliana, Mazaropi (insubstituí- “projetor” com caixa de papelão, construí ban- vel), Grande Otelo, Zeloni, José Lewgoy, Zezé cos de madeira e inaugurei uma “sala de proje- Macedo, Zé Trindade, Oscarito, Ankito, entre ção” em um dos longos corredores do quintal outros. da minha casa. Nos seriados, exibidos ao longo de vá- Um engenhoso sistema de iluminação rias semanas, os bandidos podiam até ganhar permitia projetar na parede ou no lençol es- algumas paradas, mas heróis e mocinhos sem- tendido imagens montadas em cartões, com pre venciam no final. E, devido ao desempe- cenas de guerra, faroeste, aventuras de Tarzan nho de Tarzan, Zorro, Rin-Tin-Tin, Mandrake – tudo desenhado por mim. Foi o maior su- e Roy Rogers, ficava a imagem de que o crime cesso e novo motivo de orgulho, pois a sala de não compensa. cinema atraía amigos da cidade inteira. Outros filmes eram uma fábrica de lá- A sala de cinema que frequentava em grimas: E o vento levou, Noviça rebelde, Por Castelo pertencia à família do senhor Careta, quem os sinos dobram, Idílios tropicais, Como proprietário de várias outras na Grande Vitó- era verde o meu vale, A ponte de Waterloo, O ria, e era confortável, para os padrões da épo- Anjo azul etc. E os filmes de faroeste eram ca. Logo na entrada, o “Valdemarô” espalhava estrelados por Tom Mix, Buck Jones, Gene jornais, revistas de atualidade e os gibis, a pai- Autry ou John Waine. xão da garotada. Os filmes davam destaque aos valores Ainda com as luzes acesas, ouvíamos da coragem, caráter, moralidade e ética, tra- quase todas as músicas de um long play de zendo mensagens positivas para a formação Nat King Cole: Mona Lisa, Smile, Fascina- dos jovens. Hoje, o cinema aborda problemas tion, Três Palavras e outras. E, antes do filme, e conflitos sociais de forma brutal e crua, e 40

muitas vezes o bandido toma o lugar do herói. para brincar, jogar futebol e caçar passarinhos. Minha geração, felizmente, não viu e nem vi- Mas gostava também de assistir às reuniões do veu coisas assim. meu pai com seus amigos, ao entardecer, no Hoje, raramente vou ao cinema ou vejo passeio em frente à nossa casa, onde portas e filmes na TV, porque o festival de brutalidade janelas nunca eram fechadas. dos filmes não me agrada. E essa mesma aborda- Com um aparelho de rádio colocado na gem tomou conta da literatura em quadrinhos, base da janela, esses amigos se reuniam para que esbanja violência e crueldade; do videoga- ouvir o Repórter Esso, na voz de Gontijo Teo- me, onde o sangue corre com abundância; do doro, e as novelas de Jerônimo e do Moleque desenho animado, que ensina a matar, e dos Saci, assim como os programas de auditório brinquedos eletrônicos em geral. com César Ladeira e as cantoras Marlene e Na televisão, além dos mesmos filmes, Emilinha Borba. temos o sadismo idiota dos programas de au- A adolescência chegou, tão saborosa e ditório, a apologia da falta de caráter, nas no- simples quanto a infância, mas acompanha- velas, e a proliferação de telejornais policiais. da de grande alegria: o nascimento do meu Nos jornais impressos, as notícias policiais primeiro irmão, Gustavo, quando eu já com- ganham mais destaque que os fatos políticos pletara 16 anos. Até então, fora o único filho significativos para a sociedade, como vi acon- homem, com cinco irmãs. tecer há 20 anos, quando um certo Edmilson – A cada gestação da minha mãe, havia a autor confesso de 96 crimes – foi assassinado expectativa de que nascesse um menino. Mas e ganhou página inteira em conceituado jornal os anos passaram e só nasciam meninas. de Vitória. Os partos eram realizados em casa, e o Tanto tempo já se passou e até hoje me choro do bebê era ouvido na sala onde nos comovo ao ouvir Nat King Cole, no vinil que reuníamos, à espera. Dessa vez, o choro da guardei, interpretando a canção que abria as criança e os passos do meu pai pareceram di- sessões de cinema, em Castelo. ferentes, mais firmes e mais fortes, anuncian- Além dessas aventuras simples, minha do que finalmente nascera outro homem na infância aconteceu no ambiente bucólico e família. tranqüilo da cidade do interior, com liberdade A adolescência costuma ser um período crítico na vida de todas as pessoas. Alguns per- dem o rumo e levam anos para decidir o que farão no futuro. Outros chegam a se perder para sempre, porque lhes faltaram segurança, apoio e orientação. Felizmente, nada disso me faltou, nesse período. Por influência dos pais e da avó, fui um jovem centrado, organizado e capaz de fazer escolhas e perseguir objetivos com grande determinação.

Casal Dalila e Constantino com os filhos. Da esquerda para a direita: Elzira, José Eugênio, Marina e Jovita – Sentados: Rita, Constantino, Dalila com Gustavo no colo e Fatinha – Castelo – 1964. (Acervo do autor). 41

Minha mãe, por exemplo, incentivou-me a optar pelo curso científico (correspondente ao atual ensino médio), apesar de minha difi- culdade com certas matérias, além de apren- der datilografia e obter o diploma de técni- co em contabilidade, que poderiam me abrir oportunidades de trabalho já na primeira fase da juventude. Aos 14 anos, já conciliava os estudos com o trabalho em um escritório de contabi- lidade, como escriturário. Graças ao meu es- Da esquerda para a direita: Domingos Avance - “Mangão”, Cícero Corrêa Lima forço e às exigências e cuidado da professora Filho – “Cicinho” e José Eugênio Vieira – Clube dos 60 – 1963. (Acervo do autor) de português, Maria Lucy Soares, desenvolvi uma escrita manual bem redonda, bonita, e já recebia um salário mensal de cinco cruzeiros Além de tudo isso, jogava futebol a sé- (a moeda corrente naquele tempo), suficiente rio, na equipe juvenil, como quarto zagueiro para ir ao cinema nos fins de semana e adqui- do Castelo Futebol Clube e no time do Colé- rir revistas e refrigerantes. gio João Bley, o da camisa vermelha. Estudar, jogar bola, paquerar, frequentar Ainda no João Bley, participei da Ban- a igreja e o clube e tomar, escondido, banhos da Marcial, tocando corneta. A corneta, ins- de rio, eram as ocupações normais de um ado- trumento da família dos metais, produz sons lescente. Sempre que me sobrava tempo, cor- marcantes e festivos, exigindo vibração dos ria para a rua. lábios sobre o soquete, o que torna sua execu- Aos sábados e após a missa de domingo, ção desgastante e cansativa (Louis Armstrong, a alegria da rapaziada era subir e descer a Ave- gênio americano do sax, começou sua carrei- nida Ministro Araripe, a principal da cidade, ra musical tocando corneta, informação que que recebeu esse nome em homenagem a um me levava a esmerar na execução pensando... oficial estrelado do Exército, que fora ministro quem sabe, no futuro?) de Estado, nascido em Castelo. Ali é que acon- teciam as paqueras, assim como ensaiávamos os primeiros e inocentes flertes e ingênuos na- moros nos bailes no “Clube dos 60”. Apesar de tantas coisas para fazer, nun- ca deixei de frequentar as horas dançantes. Aliás, as namoradinhas até que atrapa- lhavam um pouco, porque a gente vivia pen- sando nelas. Lembro com ternura o gesto de uma, a quem ofereci uma pastilha de hortelã. Depois, fiquei sabendo que a menina forrara uma caixinha de fósforos com tecido colorido Banda Marcial – João Bley. Da esquerda para a direita. Na primeira fila: Bibi, e algodão e guardara ali, como se fosse uma José Eugênio, Lilica Avance, outros não identificados – Desfile escolar em Iconha jóia, o drops que lhe dei. - 1963. 42

Quando os mais velhos foram se for- Décadas mais tarde, quando estava es- mando, acabei por me tornar o responsável por crevendo um livro sobre as histórias de Caste- puxar os dobrados. Houve até um momento lo, fui visitá-la. Por incrível que pareça, Dona constrangedor, nas comemorações do Dia de Maria, que já chegara aos 96 anos de idade Castelo. Estávamos em frente ao palanque ofi- (ela faleceu com mais de cem), não esquecera cial e meu fôlego chegando ao fim, quando o os meus dobrados. professor Juventino pediu que executássemos Com sol ou chuva, nos finais de semana o dobrado número dois, o mais difícil. íamos jogar uma pelada no campinho de fu- Pensei que ia ser um vexame, mas o au- tebol construído no bairro da Grota pela mo- xílio do nosso maestro salvou a Banda. lecada da região. Aí o irritado era o sr. Celin, Nessa ocasião, minha família morava porque caia em seu quintal e alguém em uma casa enorme e com vasto quintal, na sempre tinha que quebrar as ripas da cerca, Rua Vieira da Cunha, fazendo divisa com a para buscá-la. Nos dias de chuva, depois da residência do Eugênio Travaglia. À tarde, sem- pelada íamos para o lado da casa do Petit, pre que tinha algum tempo livre, ia treinar os onde havia uma rampa de barro que usáva- dobrados no quintal. Dona Maria Travaglia mos como escorregador, mesmo sabendo que tinha horror daquilo. Ficava profundamente íamos rasgar os fundos dos calções. irritada.

Sons do passado Em matéria de música, sou eclético, mas conservador. Gosto de: jazz, música clássica, MPB, bossa nova, forró, além de algumas sertanejas, blues, trilhas sonoras de alguns filmes de época, orquestras e músicas dos anos 60, 70 e 80. Definitivamente, não gosto de pagode, axé, rock, samba, reggae, baladas e hip hop. Muitas vezes penso que hoje já não existem letras e melodias que nascem do fundo da alma do letrista e do compositor. Por isso, tenho muitos CDs gravados por intérpretes que conservam o sentimento e a abordagem melódica de outras épocas, como Francisco Petrônio, Tânia Alves, Noite Ilustrada, entre outros. No campo da música instrumental, que aprecio muito (quando garoto, por volta de 1957, fui aluno de acordeão da professora Haydeé Lomba Galvão), gosto principalmente Concerto de Acordeon - 1957. Da esquerda para a direita: Elzira, José Eugênio e Marina. do piano. Essa professora foi uma pessoa extraordinária. (Acervo do autor). Sempre alegre e paciente, tratava os alunos com a maior cordialidade e fazia questão de que todos aprendessem. Algumas vezes, quando ela saía por alguns minutos da sala, eu aproveitava para executar outras músicas e não a que devia aprender. E ela, lá do fundo da casa, advertia: - Não bule, Chico, não bule. 43 Dos males que o álcool produz

Pescar com redes de arrasto, nas laterais Serginho foi encontrado no outro dia dentro de rios e lagoas, em companhia do meu pai e do guarda-roupas; eu dormi em uma das de alguns funcionários da Prefeitura de Caste- camas e os outros colegas se espalharam por lo, foi das atividades de que mais gostei. Meu todos os cantos. pai não bebia, mas algumas pessoas desse gru- Meus pais ficaram sabendo que eu dor- po às vezes consumiam até uma garrafa intei- mira na casa do Jaceguai, para curar a bebe- ra de pinga, durante a pescaria. deira. E no domingo, quando cheguei em casa Outro grupo era formado por colegas do bem na hora do almoço, todos me olharam colégio: Campeão, I Juca e Pinheirinho, na- com aquela expressão de ironia que diz tudo morados de minhas irmãs, além de Marcelo sem palavras. Só tive tempo de correr para o do Val, Abílio, Paulo Galvão, Serginho Tassis banheiro e me livrar de tudo que havia ingeri- e outros cujos nomes não recordo. Íamos tam- do na véspera. bém aos sábados até o ponto em que os rios Foi uma inesquecível ressaca. Caxixe e Castelo se encontram, na proprieda- Mas a história não acabou aí. Na segun- de da dona Emília Galvão. E saltávamos das da-feira, meu pai quis saber o que acontecera pedras para dentro d’água. enquanto nadávamos no rio. Contei tudo. E Em um desses sábados, o I Juca – já eti- só então fiquei sabendo que um cidadão cha- licamente alterado – mergulhou e demorou a mado Lair Trugilho registrara uma queixa na voltar à superfície, causando a maior angústia Delegacia de Polícia e estava cobrando o pre- em todos nós. Mas de repente reapareceu, se- juízo com a sua rede de pesca. gurando um “piau” de uns cinco quilos mais Campeão e Pinheirinho até já haviam ou menos. O peixe se debatia nas mãos dele, ido à Cachoeiro para comprar os rolos de linha tentando escapar. que seriam usados para consertar a rede, mas Na euforia por vê-lo assim, nem tivemos o advogado Lino Ribeiro de Assis, meu amigo, a ideia de lhe perguntar como realizara aque- aconselhou-nos a não fazer o conserto e ainda la façanha. Só mais tarde é que lhe pedimos denunciar o proprietário da rede por violação explicações. Acontece que, ao mergulhar, ele da lei, pois era tempo de desova e estava proi- encontrara o peixe preso em uma rede, no fun- bido pescar com redes. do do rio. Por isso, demorara tanto para vir à Mesmo assim preferimos seguir o con- tona, gastando quase todo o seu fôlego. selho do meu pai e indenizar o dono da rede. O melhor viria depois. Pior foi a enrascada que começou com Fomos todos para a casa do I Juca, um simples convite à turma para tomarmos que morava com Jaceguai Rosa, seu irmão, uns goles com o noivo de uma irmã da minha nas dependências do Colégio João Bley. Lá, namorada. Ele tanto insistiu que aceitamos. sua esposa nos acolheu e foi preparar uma Juntamente com outros dois colegas, Tedesco bela moqueca. Enquanto isso, a cachaça e o e Eurides Belmock, além do João, fomos sabo- vinho “Sangue de Boi”, aquele de cinco litros, rear um tatu no bar do Aristo. rolavam à vontade. Quando fomos saborear o Já era madrugada, quando voltamos peixe, já estavam todos mais do que tontos. para casa. Dois colegas, movidos pela mistura 44

de pinga e cerveja, tiveram então a infeliz Tempos depois, 1965, apresentei uma ideia de chutar e virar as caixas coletoras de febre intermitente, cuja causa os médicos cus- lixo, além de dar socos nas placas das lojas. taram a identificar. Não era tifo, nem malária, Dei boa noite a eles, na esquina, e lá se e fui me sentindo cada vez mais fraco, até que foram, enquanto eu entrava em casa. Meus o doutor Cícero decidiu me levar para Cacho- pais viram a hora que cheguei. eiro. Se fosse preciso, ele teria me acompanha- Meus colegas, no embalo em que esta- do até o Rio de Janeiro. vam, foram até o bairro Vila Isabel e entra- Em Cachoeiro, o doutor João Madureira ram em uma casa de prostituição, destruindo Filho suspeitou, inicialmente, de tuberculose tudo que encontravam pela frente. Quando o e me aplicou injeções de gamaglobulina nos proprietário deu queixa na delegacia, disseram dois braços. Como doía, a tal da injeção. Fiz que eu estava com eles. todos os exames no laboratório do doutor En- Na hora do almoço, como no caso da nes de Carvalho (Patologia Clínica) e nada se rede, meu pai me deu a notícia de que eu te- descobriu, até que os médicos desconfiaram ria de depor na delegacia. O delegado Antonio de reumatismo sanguíneo e o exame deu re- Frade já sabia que eu não participara da ba- sultado positivo. gunça, mas teria que me ouvir. O tratamento foi doloroso: Micorem, A caminho da delegacia, funcionários uma pílula roxa que protegia o coração mas da Prefeitura (entre eles, Dalton Pires Mar- provocava terrível azia, e injeções de Benzeta- tins) e prisioneiros cedidos pela Justiça para cil, aplicadas nas nádegas e tão dolorosas que ajudarem na construção da ponte, só faltaram era preciso colocar compressas no local, para me vaiar. Pelo visto, a cidade inteira já sabia diminuir o incômodo. Foi uma fase difícil, mas de tudo. Ainda tive que ouvir, em silêncio, o passou, como tudo passa. Ainda assim, duran- delegado me aconselhar a escolher melhor as te alguns anos e já residindo em Vitória, fiz minhas companhias. exames de sangue anualmente, acompanhado pelo doutor Benito Zanandréa.

11anos - 1957 15anos - 1961 16anos - 1962 18anos - 1964 19anos - 1965 20anos - 1966 45 Liderança estudantil

Em 1964, ano em que os militares to- O governador Carlos Monteiro Lindenberg, maram o poder, os alunos do João Bley e da o primeiro a visitar o colégio, prometeu que escola de contabilidade me elegeram presiden- faria a obra. te da Casa do Estudante Castelense. A partir Mas, durante a sua fala nas dependên- de então tive mais uma responsabilidade. cias do Grêmio Coelho Neto, um dos alunos Participava, em Vitória, de reuniões com soltara uma bomba do tipo “cabeça de nego”, lideranças estudantis de todo o Estado, na provocando tremenda correria e profundo mal-estar para o diretor do Colégio. A constru- Casa do Estudante da Rua do Vintém ou nas ção só se deu na gestão seguinte, com o gover- dependências do edifício onde hoje funciona a nador Francisco Lacerda de Aguiar, conhecido CESAN (atual Edifício Bemge). E aproveitava por todos como “Dr. Chiquinho”. o retorno a Castelo, quase sempre de ônibus, Ainda assim, um grupo de militares do para ler a correspondência da entidade. 38º BI de Vila Velha foi me buscar na sala de Seguindo o exemplo do meu pai como aula do Colégio João Bley e, constrangido, tive prefeito, rasgava então as correspondências que acompanhá-los, em um fusquinha, até a que, no futuro, pudessem gerar problemas Casa do Estudante. Já haviam pesquisado para alguém. Esse cuidado foi precioso, pois toda a minha vida e nada encontraram, disse nos livrou dos inquéritos que o governo mi- um deles. litar abrira em todo o país, para a caça aos Continuei sendo um aluno mediano, “subversivos”. mas nem por isso deixei de sonhar com o fu- A única agitação no meio estu- turo, e devo isso também aos professores que dantil era o movimento em prol da participaram da minha formação e dos quais construção do novo Colégio João Bley. guardo uma lembrança terna e boa.

José Eugênio Vieira a partir dos 11 anos até aos 40. (Acervo do autor)

21anos - 1967 22anos - 1968 23anos - 1969 24anos - 1970 26anos - 1972 40anos - 1986 46

Da Esquerda Para a Direita: Dr. Frued Nemer, Ex-presidente Jucelino Kubtichek de Oliveira, Elmo Ribeiro do Val, Constantino José Vieira e Ivo Vieira Martins. (Acervo: Antônio Cesar Nunes Clemer) 47

Aquele mês de julho foi um tempo de muito aprendizado, vendo meu pai conversar com as pessoas e observando seu estilo de fazer política. 48 Cinco

quele mês de julho foi um tempo de muito aprendizado, vendo meu pai conversar com as pessoas e observando seu estilo de fazer política. Ele via nos partidos uma forma de organização da sociedade e jamais uma fonte de conflitos e inimizades. Filiar-se a um partido e adotar a sua filosofia Aeram escolhas que, para ele, não davam direito a ninguém de hos- tilizar os adversários. Jamais admitiu a prática, comum nos políticos da época (al- guns deles ainda chamados de coronéis), de tratar o adversário como inimigo e usar contra ele todas as armas da perseguição e até da violência. Sua filosofia era outra, bem diferente. Não julgava as pessoas pelo partido ao qual estavam filiadas, mas pelo valor e competência de cada uma. Se o indivíduo tinha valor e qualidade, por que não aproveitá-lo? Só por ser do partido adversário? Eu nada sabia de política e não militava nem na Casa do Estudante. Recatado, minha formação foi sempre muito religiosa, familiar. Preparado para estudar em colégio de padres jesuítas, ti- nha conceitos tradicionais; posso dizer até que muito atrasados, para os dias de hoje. Só fui romper essas barreiras bem depois, aos 19 anos. Assimilei a filosofia e a prática do meu pai. Até hoje, em mais de 45 anos de vida pública, sempre deu certo. Sempre que tive a oportunidade de exercer um cargo, procurei levar apenas uma secretária de confiança e um motorista. Aos poucos, confor- me o rendimento da equipe, substituir um ou outro funcionário. Nada de chegar trazendo todo mundo, sem saber quem é quem e se determinado funcionário é competente. Penso que democracia é isso: escolher sem levar em conta a filiação política e dar oportu- nidade aos melhores. Naquele tempo, havia eleição também para o vice. Não era simplesmente um companheiro de chapa, como hoje. O candidato da coligação do meu pai (PSD-PTB) era um cidadão extraordinário chamado Omar de Albuquerque Machado, mas

pedindo votos o eleito foi o adversário, Jaurio Campanha. Não me lembro se era do PRP ou da UDN, os dois partidos de oposição, coliga- dos, mas durante o seu mandato iria se tornar compadre do

De casa em casa, meu pai, que batizou Denise, filha dele. 49

Essa forma transparente e amena de fa- Ora, como é que um cidadão que dor- zer política, preservando a amizade e o res- miu em nossa casa e recebeu nosso apoio em peito mútuo, foi lição que recebi ainda muito sua campanha eleitoral podia ter tal reação? jovem. Mas também fui testemunha indireta Papai, muito sem graça, respondeu: de atitudes bem diferentes. - O senhor me desculpe, eu me enganei. Eu Aos 16 anos, quando ainda morava e realmente não o conheço. estudava em Castelo, conheci João Calmon, Entretanto, ao chegar ao saguão do ho- que se candidatava pela primeira vez a depu- tel, estavam lá dois senadores recém-eleitos – tado federal e que mais tarde seria chamado Eurico Rezende e Jefferson de Aguiar – que por alguns de “Pai da Educação”, por concen- vieram abraçá-lo. Aí, João Calmon recuperou trar sua campanha nesse tema. Calmon dor- a memória e se aproximou, para se desculpar, miu em nossa casa e, para isso, tive que deixar mas ouviu uma resposta simples e direta: meu quarto, que meu pai usava também como - Tudo bem, deputado. O senhor não precisa escritório, e até a minha cama. Registro essa esquentar a cabeça. O tempo passa depressa. Tenho experiência como símbolo de um estilo radi- absoluta certeza de que, daqui a quatro anos, o se- calmente oposto ao do meu pai. nhor vai voltar a Castelo. João Calmon passou alguns dias em Ficou por aí. Castelo, andando dia e noite com meu pai e Outro aprendizado que me marcou mui- outras pessoas ligadas ao partido dele, o PSD to, no campo da política, aconteceu na audi- – Partido Social Democrata, e recebeu no mu- ência em que o meu pai iria apresentar seus nicípio uma votação expressiva. Tínhamos en- planos para o município a João Goulart, ainda tre sete e oito mil eleitores e ele recebeu quase presidente da República (a chamada Revolu- dois mil votos (1817, exatamente). Passados ção viria depois). Quando entrou no gabinete, uns seis meses, quando meu pai se elegeu pre- acompanhado por Eurico Rezende, Jefferson feito e levou à Brasília seu plano de governo, de Aguiar e João Calmon, o presidente já o es- encontrou por acaso o mesmo João Calmon, perava com uma proposta na ponta da língua: no elevador do Hotel Nacional, e o cumpri- - Sei quem é o senhor, sei como o senhor é e mentou. O deputado reagiu com surpresa: sei que está trazendo um planejamento de atuação - Quem é o senhor? Eu o conheço de onde? para quatro anos, em Castelo, como asfaltamento da estrada, água tratada e outras coisas. Mas, des- de já, quero estabelecer uma condição: o senhor terá que assumir imediatamente a presidência do PTB, no município de Castelo. Papai, com respeito e educação, reco- lheu a papelada e respondeu: - Presidente, agradeço muito por ter agen- dado esta audiência e por ter me recebido, mas meu assunto com o senhor está encerrado. Infe- lizmente. E os planos para Castelo só foram execu-

Quarto de José Eugênio e também escritório de meu pai. Idade de 16 anos – 1962. tados depois que os militares afastaram Goulart (Acervo do autor) do poder. 50

São lições que, ao longo do tempo, fui Essa casa existe até hoje. Sempre que assimilando. Aprendi a rejeitar a inversão de vou à região costumo visitá-la, porque gosto valores, na política, assim como as formas muito de lá. Rodolfo mantinha na fazenda inaceitáveis de conduzir os assuntos públicos. uma casa de comércio bem grande, que hoje Aprendi assim e desta forma, embora haja está fechada, mas a família conservou aquele quem diga que estou errado. Cada um tem sua balcão tradicional na frente, com os espaços forma de se comportar, mas é preciso respeitar para armazenar os alimentos e muita coisa certos valores essenciais: dignidade, indepen- mais. O senador Dirceu Cardoso até andou re- dência e respeito pelas pessoas. Para isso, é colhendo instrumentos de trabalho usados no necessário conhecê-las, ter paciência de ouvir tempo da escravidão, para organizar um mu- e entender o que as aflige, por que não estão seu em Muqui, mas o projeto não se concreti- evoluindo e por que não contribuem para o zou, infelizmente, e os objetos desapareceram. coletivo. Acredito que esse é o grande desafio, Não me esqueço do desespero do Ro- na vida pública. dolfo, quando viu aquele mundo de gente que Também adorava ir a casamentos com o comparecera ao casamento. Na casa dele, com meu pai. Nossa comunidade ainda era princi- gretas de dois dedos de largura no piso da sala, palmente rural: mais de 70%, ou talvez 80% não cabia essa multidão. Lá pelas tantas, o dos moradores viviam na zona rural e preser- sanfoneiro começou a tocar, enquanto rolava a vavam os seus costumes tradicionais, adquiri- pinga e um pouco de cerveja e refrigerante e a dos principalmente com a colonização italia- turma dançava, feliz, aguardando o momento na. Lembro muito bem de um casamento ao de um farto almoço. qual comparecemos, na Fazenda Santa Hele- Casamento no meio rural era assim, com na, quando eu devia ter 16 anos e papai já era música, dança, generosidade na bebida e comi- prefeito. da farta, mas na fazenda do Rodolfo foi tudo A principal liderança política na região diferente: serviram apenas aquelas rosquinhas era o ex-deputado federal e senador Dirceu de vento que dissolvem na boca e que no Es- Cardoso, homem combativo, metódico, orga- pírito Santo ganharam o nome de “malucos”. nizado e com excelente oratória. Sua passa- Saiu todo mundo frustrado (menos a gem pelo Congresso Nacional foi memorável, noiva e o noivo, que certamente não foram à principalmente por impedir – durante vários festa para comer e beber). meses – a aprovação de um pedido de em- Ainda nesse tempo, como era época de préstimo que o Governo pretendia negociar campanha eleitoral, viajei muito. Tinha curio- no exterior. Convivi de perto com ele, mesmo sidade de conhecer toda a região de Castelo, depois que já estava em idade bem avançada e do ponto mais baixo até o mais alto, passan- eu já ingressara na vida pública. do pelas terras chamadas de Mata Fria, onde O senador organizava todos os anos um a temperatura às vezes chegava a zero grau. rodeio nessa Fazenda Santa Helena a pedido Visitei a região do Forno Grande, onde caíra dos moradores e, naquele ano, a filha de um uma chuva de granizo que destruiu toda a pro- compadre dele, chamado Rodolfo Gava, ia se dução de café. Ali, o mundo estava branco, in- casar. Rodolfo decidira fazer o casamento da teiramente branco, como se coberto de neve. filha no mesmo dia do rodeio, que acontecia Uma visão inesquecível. perto de sua casa. Foi emocionante conhecer as crenças, 51 os usos e os costumes da boa gente da região, Por não haver aceitado a indicação, foi compartilhar a convivência com o clima hostil preciso convocar nova reunião, no mesmo lo- e dormir em colchões de pena de galinha ou cal. Compareceram os mesmos 105 conven- de ganso, protegido por grossas cobertas. cionais e o resultado foi o mesmo da anterior. Durante o dia, a gente se excedia à Meu pai não teria como escapar, mas es- mesa. A alimentação farta é parte das tradi- tabeleceu algumas preliminares para aceitar o ções da cultura italiana, com destaque para a desafio. fartura do café, das broas e dos bolos de aipim. Primeiro, necessitaria de ajuda financei- Quem passa um mês inteiro viajando por essas ra e material dos convencionais, pois era servi- bandas só não engorda muito se fizer e cum- dor público e não dispunha de meios próprios prir um voto de jejum e abstinência, pois as para fazer a campanha. tentações são docemente poderosas. Prometeram ajudar. Tudo isso aconteceu quando ainda ti- Se fosse eleito, não faria mudanças na nha 15 anos de idade e tempo para descobrir estrutura de pessoal da Prefeitura para aten- tantas coisas novas, oportunidade que o meu der a pressões políticas. pai não teve. Sua luta começara mais cedo e Todos concordaram. ele precisou se virar sozinho desde os 12 anos, Finalmente, queria liberdade para traba- quando saiu de casa para estudar na Escola lhar e decidir. Técnica de Santa Teresa, barracão de Petrópo- Os convencionais também aceitaram. lis. Aos 17 anos já estava em Viçosa, fazendo Mas no mundo da política nem tudo é o o curso de técnico agrícola. que parece ser. A campanha para a Prefeitura teve início em uma convenção do PSD – Partido Social Democrático, na residência do Senhor Petit. Compareceram 105 convencionais e, ao final da votação para indicar o candidato, meu pai obtivera 104 votos. O único voto contrário foi o dele.

Durante essa viagem, devo ter aberto mais de 40 porteiras e tomado igual número de xícaras de café...

Material de campanha do Constantino – 1962. (Acervo do autor) 52

Quanto à primeira exigência, a verdade didatos da oposição, senhor Pedro Cola, que é que meu pai não recebeu qualquer apoio fi- a tudo ouvia com a sua costumeira impetuo- nanceiro e material. Teve que buscar emprésti- sidade. Balbuciava algumas palavras que não mos bancários para levar adiante a campanha. dava para entendê-las. Só o ajudaram, de verdade, o então candidato Ah, virei uma fera de 15 anos e armei a deputado estadual, Antônio Bento; seu com- o maior bate-boca com o padre. Por acaso ele padre Ivo Vieira Martins, candidato a verea- ignorava que a Igreja não devia se meter em dor, e o amigo Emílio Nemer. política? Além do meu pai, dois candidatos dis- Outro que fazia tudo para desmanchar putavam a eleição: Antenor Hermínio Bassini, nosso trabalho, um certo Frei Geraldo, cujo so- que já fora prefeito de Castelo e era deputado brenome não lembro, também andou fazendo estadual pela segunda vez, e Pedro Cola, pai campanha contra nós. Minha mãe e eu fomos do empresário Camilo Cola. de casa em casa, por onde ele passou, entregan- Acreditávamos que a campanha seria do um impresso com as propostas do meu pai muito dura, para nós. E foi. para a cidade e a Prefeitura, caso fosse eleito. Domício Ribeiro, Paulo Carias e eu cuidá- O slogan da campanha era “Castelo me- vamos de distribuir o material e colar “santões” rece tudo, nosso amor, nosso carinho. Bento nos postes, à noite. Com o balde de cola e uma para deputado, para Prefeito Constantino”. escada, íamos nos revezando no trabalho. Paulo Carias e eu visitamos também to- Durante a campanha, por mera coinci- das as casas das “damas da noite”, pedindo dência, a Receita Federal divulgou o resultado votos para o meu pai, e até recebemos auto- de um concurso para coletor federal que pro- rização formal para afixar a flâmula verde da movera, para selecionar novos funcionários e campanha nas paredes. lá estava o nome do meu pai, aprovado em Chegávamos tarde da noite a um povo- segundo lugar. ado, de jipe, e saíamos na madrugada seguinte Bastou isso para que os adversários dele para outro lugar, ao lado dos compadres do espalhassem o boato de que renunciaria à can- meu pai Antônio Bento, candidato a deputado didatura e aceitaria o cargo na Receita Federal. estadual, e Ivo Vieira Martins, vereador, can- O que mais me surpreendeu foi a desco- didato à reeleição e padrinho do meu irmão berta de que a Igreja Católica estava atuando Gustavo. contra a candidatura do meu pai, um católico Julho de 1962, mês de férias e brincadei- praticante. A única diferença é que Bassini, ras, foi um período de trabalho intenso. Viajei ajudado pelos padres, pertencia a um grupo por quase todo o município de Castelo, que mais conservador: os Congregados Marianos. ainda abrangia os territórios de Venda Nova e Certo dia, indo treinar à tarde no cam- Conceição do Castelo. po do Castelo Futebol Clube, ao passar pelo Em uma das visitas à região da Mata muro de arrimo da igreja católica, caminho Fria, em Conceição do Castelo, viajamos – que era minha rotina, ainda com sol escaldan- meu pai, Antônio Bento, Ivo Martins e eu – te típico da cidade de Castelo, olhei e avistei a equilibrados em simpático e trepidante jipe pessoa do Frei José Osés, usando a sua tradi- Willys, daqueles típicos dos anos 50. cional vestimenta preta, proferindo toda sorte Começamos por Santo Antônio, no ar- de inverdades sobre o meu pai a um dos can- mazém do Colmar Vieira. Como as estradas 53 eram muito ruins até para um jipe, não houve - O senhor fez uma boa escolha, pois se tra- tempo de ir mais longe naquela noite e tive- ta de pessoa de boa índole, competente e que criou mos que pernoitar na residência de um amigo. muito bem a família. Se eu não fosse candidato, mi- A temperatura estava em torno de 3ºC, nha esposa e eu votaríamos nele. vestíamos roupas leves e ninguém pensara em Todas as pessoas, ao ouvirem tal decla- levar agasalho. O jeito foi dormir enrolados ração, pareciam incrédulas e depois perplexas, em colchões feitos com penas de galinha e co- mas logo abriam o portão e nos convidavam bertos com as próprias penas. para sentar e tomar um cafezinho. Até a Nona No dia seguinte, fizemos o restante do (a avó) aparecia na sala, assim como os filhos roteiro, passando por Venda Nova e descendo mais velhos. pela Serra do Caxixe. Um momento inesque- O resultado dessa postura singular do cível foi a cena em que meu pai, ao chegar à candidato não poderia ter sido melhor: meu região, recebeu o conselho de não perder tem- pai recebeu, nessa seção eleitoral, 144 votos a po visitando os moradores. mais que Bassini. - Os votos deles são de “porteira fechada” a Durante essa viagem, devo ter aberto favor do senhor Bassini – disseram. mais de 40 porteiras e tomado igual número Meu pai não se impressionou com o de xícaras de café. Disputávamos, entre nós, diagnóstico desfavorável. quem ficaria com a xícara menor, pois o café Chegávamos às residências e éramos re- de garapa, cru e nem sempre moído, jamais cebidos quase sempre pelo proprietário, que já mereceria o título de bebida mais saborosa emendava nos cumprimentos o aviso de que deste mundo. não adiantava pedir votos ali, pois os votos Meu pai venceu as eleições com uma eram do Bassini. diferença de quase mil votos, em relação aos Meu pai, sereno, respondia: outros dois candidatos. 54

Técnico Agrícola Constantino José Vieira - Dia de Campo - 1950. (Acervo do Autor) 55

Dois homens de bem, quando somam suas forças, podem derrotar quaisquer grupos que tentem afastá-los e provocar conflitos... 56 Seis

encer a eleição foi apenas o primeiro passo. Os maiores pro- blemas vieram depois, quando os líderes políticos – esquecen- do os compromissos assumidos – apareceram na Prefeitura com uma lista de demissões, que meu pai rejeitou, como ha- via prometido. VEsses quatro anos do mandato coincidiram com a implanta- ção do primeiro governo militar após o afastamento do presidente João Goulart. Foi um período de grandes mudanças. Algumas delas afetaram diretamente os municípios. Na área tributária, por exemplo, o Imposto de Vendas e Con- signações foi substituído pelo ICM – Imposto sobre Circulação de Mercadorias, concentrando a arrecadação no Governo do Estado, que passou a ser responsável por sua distribuição, de acordo com • Rotis Serif 55 critérios estabelecidos pela reforma. Apesar dessa reviravolta e do insucesso de sua audiência com João Goulart, ao final do mandato meu pai conseguira desembara- çar, junto ao Governo federal, o processo licitatório para levar água tratada à sede do município. Para provar que a burocracia, quando vai além dos limites da racionalidade, é sempre nociva aos interesses do país, basta relatar o obstáculo que encontramos no DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento, responsável pela licitação das obras do sistema de abastecimento de água. Fui ao Rio de Janeiro acompanhando o meu pai, o vereador Ivo Martins, o prefeito de Cachoeiro, Abel Santana, do deputado federal Dirceu Cardoso e do assessor Petronilho Batista, de Cacho- eiro. O diretor do DNOS que nos recebeu disse que o processo de licitação do projeto de abastecimento de água estava parado porque incluíra a aquisição de três ou quatro veículos e o Conselho do ór- gão não concordava com essa compra. O deputado Dirceu Cardoso e meu pai autorizaram, imedia- tamente, a retirada desse item e, pouco mais de três meses depois, o processo de licitação foi concluído. Mas outros problemas estavam ocorrendo em Castelo, onde muitos disputavam a paternidade do projeto e da obra, na expecta- tiva de que “o pai da criança” ganharia prestígio e votos.

Política não é guerra Política O cidadão Archilau Vivacqua, em um gesto de grande 57 espírito público, já doara à Prefeitura o terreno entrasse em operação o mais cedo possível. onde seria construída a estação de tratamento Além disso, apesar das dificuldades ini- d’água, em um dos morros atrás da delegacia e ciais, estava empenhado em adquirir equipa- perto de um cruzeiro cravado pelos católicos. mentos para formar a patrulha mecanizada da Começaram aí os embates entre os po- Prefeitura: motoniveladora (patrol) nova, um líticos, que disputavam entre eles o poder de trator de lâmina usado, um compressor usado, contratar a mão de obra. Um deputado chegou um basculante novo e um jipe usado. a desfilar pelas ruas da cidade anunciando que Ao final do seu mandato, já estava em conseguira aprovar o projeto e que as pessoas fase de conclusão o asfaltamento entre a loca- podiam procurar seu escritório e se habilitar lidade de Coutinho (Cachoeiro) e a cidade de para o trabalho nas obras. Castelo, obra realizada pelo Governo Estadu- Mas quando a ETESCO – empresa es- al. Para que o asfalto chegasse até o centro da colhida – chegou a Castelo para iniciar ime- cidade, mandou construir um muro de arrimo diatamente as obras, procurou primeiro a Pre- no morro ao lado da igreja católica. feitura, propondo um trabalho integrado. A Contando com emenda parlamentar do Câmara de Vereadores aprovou a Lei nº 416, deputado federal Raimundo José de Andrade, de 20 de abril de 1965, autorizando a Prefei- deixou também praticamente concluída a ins- tura a firmar convênio com a ETESCO, “para talação de um sistema de iluminação pública. efeitos de controle e pagamento do operariado Outra marca de destaque foi a construção de a ser empregado na construção do serviço de uma das principais pontes que ligam a Aveni- água da cidade”. da Getúlio Vargas aos bairros Soares e Niterói. Um dos parágrafos dessa lei determina- A obra só se tornou viável graças ao apoio do va que a Prefeitura seria depositária da ETES- ex-prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Abel CO, cabendo à empresa fornecer os recursos Santana, que cedeu o projetista e calculista para cobrir todos os gastos com pessoal, pre- Jacques Minassa para elaborar o projeto, sem vidência social, seguros e outros, não cabendo ônus para a Prefeitura de Castelo. qualquer responsabilidade à Prefeitura. Além de desenvolver o projeto, Minassa Nesse momento, o prefeito Constantino aconselhou o prefeito Constantino a adquirir deu outra demonstração de espírito público: logo toda a ferragem necessária, antes de uma jamais contestou as alegações daqueles que forte elevação dos preços, prevista para os pró- se diziam pais do projeto e anunciavam isso ximos dias. O material foi adquirido na loja de em carros de som que circulavam pela cidade. Gil Moreira, em Cachoeiro de Itapemirim, e Tudo era motivo de debates entre esses opor- depositado no antigo mercado rural, vizinho tunistas: a iniciativa do projeto, as indicações da ponte. de trabalhadores e até a área de depósito dos Sob a supervisão de Abílio de Tassis, o materiais. construtor foi Felicindo Lopes, e até o Judiciá- O prefeito deixou os opositores se en- rio colaborou para que o sonho se tornasse re- galfinharem. Além de permitir que indicassem alidade: o juiz de Direito Adalton Santos con- trabalhadores, não se envolveu na escolha da cordou em liberar alguns presos para trabalhar área de depósito dos materiais. Para ele, o na obra, devidamente remunerados. mais importante era que a obra fosse executa- Os entraves foram inúmeros, a começar da dentro do prazo e a estação de tratamento pela ponte “pênsil”, paralela à que estava sen- 58

do construída e cujos cabos eram cortados à amizade com o governador Francisco Lacerda noite por indivíduos não identificados, para de Aguiar, eleito pela coligação que se opunha retardar as obras. Logo na primeira semana à do meu pai. após a conclusão da obra, houve uma formi- Presenciei um encontro antológico dos dável enchente em Castelo. dois homens públicos, em Vitória, logo no iní- Os políticos de oposição correram para cio da administração de Constantino. Apesar o local da ponte, esperando que as vigas não do bom relacionamento dos dois, o prefeito ja- suportassem a pressão das águas. mais conseguia recursos financeiros do Estado, Hoje, 46 anos depois, a ponte continua porque certos grupos políticos no poder impe- no mesmo lugar. diam que os processos de interesse de Castelo Ainda na administração de Constan- chegassem às mãos do Doutor Chiquinho. tino, o ex-deputado estadual José Vivacqua Os dois combinaram um encontro na incluiu no Orçamento do Estado uma verba Cantina Florença, do italiano Mário Cangine, total de três milhões de cruzeiros, da qual o situada ao lado da antiga Casa Helal, na Rua ex-secretário de Viação e Obras Públicas, Élio Duque de Caxias. Informado dos obstáculos Viana, liberou apenas 500 mil, ficando o res- que Constantino estava enfrentando, o gover- tante para ser entregue à próxima administra- nador ordenou que um dos seus auxiliares pre- ção municipal. Não temos notícia do que o parasse imediatamente um cheque no valor de próximo prefeito fez com esses recursos. Cr$ 5 milhões, e trouxesse até a cantina. Constantino organizou ainda um mu- Cuidariam depois de organizar o pro- tirão para enfrentar dois grandes desafios: a cesso que legitimaria a liberação daquele re- estrada para a localidade da Mata Fria, mobi- curso, destinado, provavelmente, ao Parque de lizando mão de obra local e voluntária, bois, Exposições. Veio o cheque, dessa vez sem os um compressor e um trator, e a ligação com o obstáculos habituais, e os dois saíram felizes Patrimônio do Ouro. daquele encontro quase secreto. Coerente com a sua postura de jamais Dois homens de bem, quando somam hostilizar os adversários políticos, Constanti- suas forças, podem derrotar quaisquer grupos no desenvolveu ótima relação de trabalho e de que tentem afastá-los e provocar conflitos.

A burocracia, quando vai além dos limites da racionalidade, é sempre nociva aos interesses do país 59 Cidadãos que Castelo jamais vai esquecer

Médico humanitário, que atendia a seus atuava como verdadeiro coronel da política e clientes a qualquer hora do dia ou da noite, na cultivou excelente relacionamento com os go- cidade ou no interior, sem cobrar pela consul- vernadores Jones dos Santos Neves e Carlos ta, Dr. Cícero Corrêa Lima, se não me falha Lindenberg. a memória, nem automóvel tinha. Era o tipo Homem de fino trato, que todos admi- de médico que ia à casa do doente de manhã, ravam, e também empresário do ramo de café, após o almoço e à noite e, às vezes, ainda for- Emílio Nemer atuou em quase todas as áreas necia os medicamentos. Prestava serviços no de desenvolvimento do município. Participou posto de saúde e morreu pobre, mas na sema- da criação e foi presidente do Castelo Futebol na do Natal o seu quintal sempre se enchia de Clube, para o qual construiu um estádio com galinhas, perus e cabritos. Era assim que os arquibancadas. Cumpriu vários mandatos de pacientes retribuíam os seus cuidados. vereador e sempre participou ativamente dos Grande atleta, chegou a ser titular do eventos na cidade. Além disso, construiu o time do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, e CETEC - Centro Técnico de Expansão Cultu- foi amigo de Ademir “Queixada”, que entrou ral de Castelo. para a história do futebol brasileiro como gran- Aarão Jorge Júnior – Aarãozinho, ofi- de artilheiro. Além de dois irmãos médicos em cial do Cartório de Registro Civil – projetou a Castelo (Gastão e Mário), dois dos seus filhos, construção da Santa Casa de Misericórdia em Abílio e Magda, também se formaram em Me- Castelo. Com grande esforço e dedicação e o dicina e três trabalhavam em outras áreas. apoio de outros abnegados, conseguiu realizar O pastor Manoel Farias, da Igreja Ba- esse sonho. Depois, ainda cuidou da amplia- tista, foi excelente professor de Português no ção do prédio, com a construção da ala infan- Colégio João Bley. Cidadão conceituado, pai til, maternidade e uma capela. exemplar, após viver muitos anos na cidade, Conhecido como construtor de igrejas, transferiu-se para Vitória, onde dirigiu o Colé- frei José Osés era espanhol e viveu durante gio Americano. muitos anos em Castelo. Idealizou e construiu Também médico e nascido em Castelo, a Igreja Matriz e foi pároco muito severo, que Nelson Rangel era muito querido pela socie- mantinha com rigor as tradições da Igreja, dade e teve atuação importante nas artes, no Inspirado na tradição da cidade, que se esporte e na educação. Além de professor de manteve por longos anos na vanguarda cultu- Química, foi diretor do Colégio João Bley e ral, Rômulo Boa Nova Neto criou em Castelo o depois se transferiu para Vitória, onde suce- GATEC – Grupo de Amadores Teatral de Cas- deu o professor Manoel na direção do Colégio telo. Encenou diversas peças no palco do Cine Americano. Careta e promoveu apresentações em quase to- Dr. Fued Nemer, empresário de suces- dos os municípios do Sul do Estado, na maioria so no comércio do café (compra e venda) e das vezes sempre doando a renda da bilheteria um dos maiores políticos do Sul do Estado, a entidades sociais. 60

Nascido em Castelo, Romário Rangel Sebastião Moraes, administrador do foi juiz de Direito e depois Juiz Federal, trans- Centro Espírita Luz e Trabalho, sempre deu ferindo-se para Vitória. Muito respeitado, ele assistência às pessoas pobres, com a ajuda da estabeleceu regras que mudaram os costumes família e dos seus colaboradores. da cidade. Proibiu, por exemplo, que meno- Luiz Cola, proprietário da fazenda da res de 18 anos circulassem pelas ruas e praças Prata, foi o maior agropecuarista do município. depois de dez da noite. Ele mesmo fiscalizava Homem de grandes ideais, quase tudo o cumprimento de sua portaria, juntamente que acontecia em Castelo tinha o dedo com o delegado Sr. Antônio Andrade. e a participação de Omar de Albuquerque Vale a pena recordar um fato curioso Machado. Sua preocupação em promover que aconteceu nas dependências da Câmara na cidade uma juventude sadia e educada, Municipal, onde também eram realizadas as levou-o a idealizar os jogos escolares “Má- sessões do júri. Um funcionário da Prefeitu- rio Filho”, que se repetiriam por vários anos, ra, intimado como testemunha de um assassi- com a participação de grande número de jo- nato, tinha o costume de ficar balançando as vens. Omar participou ainda do GATEC, da pernas o tempo todo. Isso irritou o juiz doutor Cooperativa de Laticínios e de quase todos Romário, que lá pelas tantas perguntou-lhe se os jornais criados na cidade. era sanfoneiro. Como não era, ordenou-lhe Para completar esta lista de cidadãos que parasse de balançar as pernas. Na segunda ilustres, não se pode omitir o nome do meu sessão, para a confirmação dos depoimentos, pai, Constantino José Vieira, que para mim esse senhor negou tudo que dissera antes. Dr. foi o melhor exemplo de competência na Romário não teve dúvida: mandou prender a gestão política e administrativa do municí- testemunha durante dois dias, “para aprender pio. Como prefeito, adotou inovações geren- a não ser mentiroso”. ciais importantes e deixou o município mui- to melhor do que encontrara. 61 Praça Costa Pereira - 1930

O temor da mudança para Vitória virou fumaça já no primeiro contato com a cidade, que me pareceu amável, confortável e sem qualquer obstáculo... 62 Sete

inda em Castelo, certo dia meu pai me surpreendeu com uma notícia que, no primeiro momento, pareceu-me assustadora: - Zé, quero te ouvir, mas estou me preparando para te levar para Vitória, para que escolha o que quer e vai fazer. O susto foi maior porque eu sempre tivera uma ligação muito Aforte com a família. A ideia de sair de Castelo, onde já tinha namo- rada há alguns anos, não era nada agradável. Resisti, no primeiro momento, mas em silêncio: os filhos não contestavam decisões dos pais, naquele tempo. Além disso, havia o temor da mudança para a cidade, bem maior que a nossa Castelo. Embora em 1965 ainda não existissem os problemas urbanos de hoje, morar longe da família, na cidade desconhecida, parecia enorme desafio, para quem nunca saíra do interior. Ainda assim – e já que a mudança fora decidida – só me res- tava concordar e seguir o meu pai e o meu próprio sonho de ser um construtor de prédios, de cidades e até de um novo modo de viver. Pela primeira vez, contei ao meu pai que desejava estudar Engenharia. Todo temor é igual. Nós mesmos criamos o fantasma do qual fugimos. Ou, então, temos a coragem de encará-lo e ele simples- mente desaparece. Como acontece tantas vezes na vida das pessoas, o bicho-papão era mero produto da imaginação e do temor. E, dian- te da realidade, o bicho fugiu. O temor da mudança para Vitória virou fumaça já no primei- ro contato com a cidade, que me pareceu amável, confortável e sem qualquer obstáculo mais sério de orientação, tanto no centro quan- to nos bairros. Criei a minha própria “bússola”, para me orientar: indo para a direita, encontro o mar; para a esquerda, a montanha: ao Norte, a praia do Canto; ao Sul, o retorno para Castelo. Nunca me perdi. O projeto original era morar na antiga Pensão Catedral, dos colatinenses Zilda e Olympio Erlacher, na Praça da Catedral, em frente ao hospital da Associação dos Servidores Públicos. Por algum tempo, entretanto, tive que esperar pelo casamento de um colega, Getulio Azevedo Carvalho, para ocupar o seu quarto na Pensão

Rumo a Vitória Catedral. 63

PENSÃO

Pensão Catedral onde morou José Eugênio – Proprietários Zilda e Olympio Erlarcher – s/data. (Acervo do José Tatagiba)

Cheguei a deixar as malas no quarto do Sem abandonar a Igreja Católica, come- Getúlio, mas fui morar, enquanto isso, com cei a frequentar a Igreja Batista de Itacibá e um parente, o tio Perminio, em Jardim Améri- assimilar o costume de orar na hora do almoço ca, próximo ao Cine Hollywood. Era uma casa e à noite e frequentar os cultos durante a se- de dois andares, construída em frente a uma mana, aos sábados e domingos. Esses queridos vala e em área bastante insalubre. Cabia-nos a parentes, Neusa e Permínio, tiveram que me parte de baixo. suportar por uns dois meses, até que o colega Não foi um período fácil. O banheiro fi- abrisse a vaga na pensão. cava do lado de fora da casa e eu, que sempre Só então fui morar no centro da cida- fui metódico e gosto de manter tudo organiza- de, com um colega de quarto, José Antonio do e arrumadinho, tive que me adaptar a con- Colodete. Logo em seguida, matriculei-me dições bem diferentes. Mas meu tio, diácono no Colégio Americano, no Parque Moscoso, da Igreja Batista e um homem extraordinário, para o cursinho preparatório do vestibular ajudou bastante a amenizar a estranheza que de Engenharia. me causava esse novo ambiente.

Carteira de ingresso e prédio do Colégio Americano de Vitória -1966. (Acervo do autor e José Tatagiba). 64

O Boulevard Pedro Palácios, perto da Pensão Catedral, foi meu primeiro encanta- mento, em Vitória. Sem os prédios de hoje, o Boulevard era a coisa mais linda e bucólica que eu já vira, com o seu casario antigo e o canteiro central de arvores frondosas, além da- queles postes e arandelas, provavelmente idéia importada dos ingleses. Pena que toda essa beleza tenha sucum- bido diante da necessidade de espaços para a modernidade dos milhares de automóveis.

Os bondes já não existiam, substituídos pelos Boulevard Pedro Palácios – 1960. “furgões” e jardineiras. As ruas, em sua maio- (Acervo José Coelho) ria, eram calçadas com paralelepípedos. Só a Rua Duque de Caxias, no centro, era calçada com pedras roliças, provavelmente colocadas por mão-de-obra escrava, também conhecida como “ladeira quebra bunda”. O calçamento de algumas ruas na Praia do Canto, utilizando bloquetes, começou em 1967. Para se chegar ao Jardim da Penha, era preciso passar por Goiabeiras, pois não existia a ponte de Camburi. Mas o bairro já abrigava os armazéns do IBC – Instituto Brasileiro do Café e um conjunto habitacional, onde grande parte dos moradores trabalhava no sistema da agricultura estadual: a antiga ACARES – Asso- ciação de Crédito Agrícola e Rural do Espírito Calçamento com pedras roliças – Rua Duque de Caxias – Centro – Década de 1930. Santo. (Acervo José Tatagiba).

Área de Jardim da Penha – Década de 1960. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico). 65

Na Praia do Canto, a principal avenida era a Saturnino de Brito, com mão e contra- mão para veículos e suas enormes castanhei- ras. A maré batia na mureta de proteção e as pedras utilizadas para o aterro estavam escu- ras, porque em alguns pontos havia derrame de águas pluviais e dos esgotos. Em pouco mais de quatro anos, a área em frente à avenida já estava aterrada, abrin- do espaço para novas vias de rolamento, com três faixas de cada lado e um canteiro central, além da Praça dos Namorados. Os aterros continuaram. Por volta de 1968, com o governador Christiano Dias Lo- pes, chegaram à área onde se encontra a Flexi- brás, na Vila Rubim, passando por Santo An- tônio e atingindo a antiga ilha Caieiras. Na Avenida Nossa Senhora da Penha, grandes indústrias madeireiras dividiam o es- paço com casarões antigos, alguns terrenos ou

Avenida Saturnino de Brito - Praia do Canto - 1962. chácaras com frondosos pés de manga e um (Acervo do José Tatagiba) piso de rolamento com mão e contramão. Os motoristas chamavam a avenida de “Sobre as Ondas”, devido ao grande número de lomba- das, provocadas pelas irregularidades do piso. A Pensão Catedral era tão simples quan- to os seus proprietários e a escassez de água encanada infernizava a vida de todo mundo. Às vezes, não pingava uma gota nas caixas du- rante três dias. Usar os banheiros era quase impossível. Por isso, muitas vezes tive que ir de ônibus até a casa dos meus tios Neuza e Permínio, no Jardim América, para tomar ba- nho. Tempos difíceis, aqueles. Entre os moradores da pensão, é possí- vel citar alguns nomes: Zé Baldoto, Silvestre (já falecido) e seu irmão “Cachaço”, Gilberto, Zé Antônio Colodeti, Zé Luis Helmer, Luis Nascimento, Beatles, Jonas Celim e José Luiz. Em compensação, Vitória, além de bu- Aterro da Praia do Canto – Década de 1960. cólica, era uma cidade tranquila, sem assaltos (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico). e com raros casos de crime. Podíamos andar a 66

pé por ruas e praças, sem sobressaltos, ou usar os coletivos. Só houve uma ocasião em que passei por um aperto. Dos grandes, confesso. Estava retornando de um jogo de fu- tebol no estádio do Rio Branco, conhecido como “Estádio Governador Bley”, na Alame- da Alberto Torres, em Jucutuquara. Saltei do ônibus em frente à loja Cannes, na Praça Cos- ta Pereira. Podia passar pela ruas Duque de Caxias ou Dionísio Resendo, saindo por trás da Cate- dral, mas naquele ponto havia sempre casais em “situações de amor” e travestis oferecidos. Optei pelas calçadas da Avenida Jerônimo Monteiro. Entretanto, ao passar pelo “beco da mi- Escadaria Maria Ortiz. Década de 1960. (Acervo José Tatagiba) séria”, que é hoje a pequena praça dos rotaria- nos, dois travestis se aproximaram fazendo-me convites para encontros íntimos... Acelerei o passo até a esquina da Casa Helal, mas eles continuavam me seguindo. Quase correndo, galguei os degraus da escadaria Maria Ortiz, já pensando que talvez não houvesse tempo de abrir a porta da pen- são, que ficava na esquina. Nesse momento, encontro o Jonas Celin, que chegara antes e estava abrindo a porta. Quase sem fôlego, fiz sinal com as mãos e Jonas entendeu.

Pegou um latão de lixo e arremessou na Prédio da Alfândega – Receita Federal e Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo direção dos incômodos perseguidores. – Década de 1960. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) Além da correria, o barulho do latão ro- lando pelas escadas fez com que algumas pes- soas chegassem às janelas, assustadas. Foi a única ocasião em que senti alguma inseguran- ça nas ruas, naquele tempo. Quando chegava tarde da noite, costumava passar pela lancho- nete Rio Doce para observar o ambiente, pois os ônibus que utilizava não faziam paradas no ponto da Praça Oito, mas ao lado das lojas Cannes. A avenida Beira Mar era toda calçada Antiga construção em estilo Castelinho – Século XX. com bloquetes e o piso estava sempre cheio de (Acervo José Tatagiba) 67

buracos. Onde hoje é o prédio da Embratel, funcionava a Alfândega – Receita Federal, em frente às lojas do Constantino Helal. Tive a felicidade de conhecer algumas casas antigas, construídas no final do século XIX e início do século XX, como o Castelinho próximo ao Colégio do Carmo, que na década de 70 foi demolido pelo seu proprietário, para Avenida General Osório antes da sua abertura – Década de 1930. construir um prédio imenso. (Acervo José Tatagiba) Logo que cheguei à cidade, ainda eram muito ativas as casas da chamada “zona do meretrício”. As mais tradicionais, na Avenida General Osório, e a Casa Verde, na Volta do Rabaioli. No Governo Cristiano Dias Lopes, essas casas foram fechadas e as mulheres se transferiram para Carapebus, no município da Serra. A chefatura de polícia ficava num prédio tradicional da Rua Sete de Setembro, por onde eu passava todos os dias, voltando para casa, na Rua do Vintém. Esse prédio, que abrigava prisio- Chefatura de Polícia – Rua Sete de Setembro – Década de 1930. (Acervo José Tatagiba) neiros, dentro (meus pais já haviam transferido residência para Vitória) de pouco tempo iria ser palco de situações incômodas para mim. A principal praça era a Costa Pereira, com muitas flores e o chafariz sempre ligado, e o Par- que Moscoso, ainda sem as grades de proteção, passaria depois pela grande reforma realizada na gestão de Crisógono Teixeira da Cruz. Os jovens usavam cabelos compridos e calças largas, como Elvis Presley, ainda não ha- via o pesadelo das drogas e raramente se via alguém fumar maconha. Na cidade provincia- na, as famílias eram sólidas e religiosas e as pessoas se relacionavam mais, sem a descon- fiança dos dias de hoje. Todos os meus amigos estudavam e frequentavam alguma igreja ou templo religioso. Na época do carnaval, blocos de rua e escolas de samba desfilavam e os clubes pro- moviam matinês, durante o dia, e bailes de Praça Costa Pereira - Inaugurada em 23.05.1928 – Década de 1930. (Acervo José Tatagiba) máscaras à noite. Todos os anos a Secretaria 68

a ficar atentos, pois quando o ônibus parava e abria a porta, alguém exclamava: “Fila dos em pé”. Entrávamos antes de todo mundo. Mas em uma dessas viagens um colega me colocou em autêntica “saia justa”. Entrara no ôni- bus uma jovem morena, com vestido cor-de-rosa bem colante e ficara entalada, sem conseguir se mover. Aí, o Gilberto aproveitou para passar a mão no traseiro dela. A moça olhou para trás, irada, para iden- Praia de Camburi – sem a ponte - 1977. (Acervo José Tatagiba). tificar o engraçadinho, enquanto a turma dava gargalhadas e fazia sinal de que teria sido eu. Municipal de Cultura e Turismo decorava as Coisas assim acontecem com frequencia, quan- ruas para o reinado de Momo. do saímos em bando. Creio que 1967, quando o secretário era Nessa época, era tão apaixonado por cine- o radialista Darcy Castelo de Mendonça, elei- ma que cheguei, algumas vezes, a assistir duas to depois vereador e deputado estadual, foi o sessões por noite, em casas diferentes. último ano em que a cidade recebeu uma de- Os principais cinemas do centro de Vitó- ria eram o Jandaia (fundado em 1955), Vitória coração realmente carnavalesca. (ou Vitorinha, como gostavam de chamá-lo, de As praias de Vitória não eram freqüenta- 1950), Glória (de 1932), Juparanã (1967), San- das pela população. A praia de Camburi, além ta Cecília (fundado em 21 de outubro de 1926 de ficar “fora de mão” (para ir até lá era pre- com o nome de Politeama, mudou para Santa ciso passar por Goiabeiras) era perigosa, devi- Cecília em 21 de setembro de 1955) e São Luis do às grandes ondas. A praia conhecida como (1951). Estes dois últimos situados no Parque Comprida também era pouco utilizada. Moscoso. Finalmente, o Odeon (1975). Frequentávamos a praia da Costa, perto O fechamento do Cine Juparanã aconte- do Clube Libanês, após enfrentar a fila enor- ceu por volta de 1980, dando lugar a uma agên- me – atrás dos Correios e Telégrafos – para to- cia bancária. Na mesma época foram fechados o mar o ônibus que nos levaria até lá. Vitória e o Jandaia. O colega Geraldo Erlacher nos ensinou Nossa formatura no curso de Economia,

Cine Jandaia – Década de 60 - Cine São Luis – 1952. (Acervo José Tatagiba) 69 em 1970, foi realizada nas dependências do de fora, quando a missa acabou, e pedi aos Juparanã. Um primo meu veio de Castelo e meus pais que aguardassem um pouco. Segui me acompanhou a uma sessão de cinema e, Rosângela, que sempre ia a pé, e descobri que quando subíamos as escadarias, bateu a cabe- morava em um dos apartamentos em frente à ça em um dos espelhos. Um pequeno vexame. SEDU, na Avenida Cesar Hilal. Guardei a in- Gostava também de frequentar os clu- formação comigo, à espera de uma oportuni- bes Álvares Cabral, na Praça Costa Pereira, e dade, pois o carnaval estava chegando e eu iria o Vitória, no Parque Moscoso, nos bailes de aos bailes do Álvares Cabral. Fui, de fato, e vi a sábado e nas chamadas domingueiras. Rosângela dançar abraçada com o namorado. O Álvares foi até mesmo cenário de um Encostado a uma das pilastras, com um fato que vale a pena contar. copo de cuba libre nas mãos e um cigarro na Quase todos os domingos, íamos jun- outra, encarei a moça com aquele olhar de galã tos à missa na igreja de São Pedro, na Praia de novela mexicana. Demorou um tempo, mas do Suá, a família e os namorados das minhas ela apareceu sozinha e aceitou o convite para irmãs. Éramos de dez a quatorze pessoas, na dançar comigo. kombi do meu pai. Em um desses domingos, Aquele carnaval foi uma delícia. Não vi pela primeira vez uma garota loura e de houve namoro, mas na quarta-feira de cinzas olhos azuis que me chamou a atenção. o jornal A Gazeta estampou na primeira pá- Nos domingos seguintes, voltei a vê-la, e gina uma foto nossa, Rosângela e eu. Nunca meu coração disparava. Até que um dia ganhei fiquei sabendo o que aconteceu com o namo- coragem, saí da igreja antes que a missa aca- rado dela. Coisas assim a gente não pergunta. basse e esperei por ela, para saber seu nome. Também frequentei muito, nos finais de - Rosângela – ela disse. semana, os prédios da FAFI – Faculdade de Fi- Com nome e sobrenome, procurei loca- losofia e da Odontologia, este último na ladei- lizar o número no catálogo telefônico e acertei ra São Bento, perto de minha casa, e o Clube na primeira tentativa. Saldanha da Gama. No domingo seguinte, já estava do lado Os únicos bares em que entrava eram o

Clube Álvares Cabral e Saldanha da Gama - Década de 60. (Acervo José Tatagiba) 70

Britz, vizinho da Prefeitura, e, mais raramen- Quando passei a residir à rua Alziro Via- te, o Dominó, no Parque Moscoso. Gostava na, a nossa casa ficava próxima da Igreja do das lanchonetes Rio Doce e Sete de Setembro, Rosário dos Homens Pretos, construída em esta última especialmente nos finais de sema- 1765, que tem como patrono São Benedito. na, pois ficava no meu caminho para casa, Raramente eram celebradas missas na quando vinha da residência da namorada. igreja, mas durante algum tempo, por inicia- Em algumas ocasiões, ía a uma pizzaria tiva do Sr. Balbino de Lima Pitta, cultos eram ou boate na Praia da Costa, em Vila Velha. Ou ali celebrados aos domingos. na Praia do Canto, onde o Popeye era o prefe- Nessa igreja foi realizada a missa de 7º rido. Alguns anos mais tarde, o bar do David dia em intenção da alma de meu saudoso pai (Copa 70), no Bairro Jucutuquara, onde era Constantino. servido o famoso caranguejo do David. Nas dependências da igreja existe um Em 1972 fiquei sócio do Clube Riviera, cemitério antigo e no seu exterior há vários ni- que frequentei durante muitos anos, princi- chos nas paredes com os nomes daqueles que palmente nos bailes de carnaval: ali foram sepultados. Também me tornei sócio do Clube Ítalo Ainda hoje, anualmente, é realizada uma na mesma data, mas pouco ia lá. procissão que sai da igreja até as ruínas do an- tigo Convento de São Francisco, com presença maciça dos fiéis, com muitos foguetes pipocan- do em todo o transcurso da procissão. Quando trabalhava na Caixa Econômica Federal, durante o percurso que eu percorria, dava gosto ver quase todos os dias a figura franzina do “Gringo” (Aldo Barrilari), um na- dador que batera vários recordes, atravessan- do a nado de ponta a ponta a baía de Vitória. Não sei se ainda é vivo. Nunca mais o vi. Como a Praça Costa Pereira era cami- nho diário para a minha casa, convivi por lon- gos anos com a figura folclórica do Otinho , subindo nos bancos da praça para declamar versos de amor para sua esposa Rosa. Logo que cheguei a Vitória, fiquei sa- bendo que um antigo barbeiro, Florentino Trevisan, que cortava meu cabelo desde os 10 anos, quando morava em Castelo, trabalhava em um salão da Praça Costa Pereira. Há 56 anos corto o cabelo com ele. Em 1967, submeti-me ao vestibular de Economia da UFES, sediada na Avenida Cesar

Carnaval no Riviera – José Eugênio e Elizabeth – 1976. Hilal, onde também se cursava Contabilida- (Acervo do autor) de e Belas Artes. 71 Em busca do futuro

Não me preparei corretamente para o exame, pois o curso que desejava fazer era o de engenharia. Incentivado por um amigo, fiz essa opção. Eram 40 vagas e fui o 35º ou 36º colocado. Ao final do curso, como acontece em todas as faculdades, a turma de formandos era bem menor do que o primeiro dia. Por falar em primeiro dia, o trote aplica- do aos calouros era quase gentil, se comparado aos atos de violência que costumam ocorrer Correspondência do Magnífico Reitor da UFES, Dr. Alaor Queiróz de Araújo – 1967. hoje. Logo que chegávamos, os veteranos ras- (Acervo do Autor) pavam os cabelos dos calouros e entregavam a cada um de nós uma boina branca com a Ramos Bogéa (falecido), Ferdinando Berredo letra “E” verde, identificando o curso de Eco- de Menezes, Francisco José Vervloet (falecido), nomia. A simpatia e boa vontade de Milton Geraldo Rocha, Hélio Soares (falecido), Simonette, auxiliar da secretaria da faculdade, Itamar de Queiróz Pereira (falecido), Ivan compensava qualquer desagrado inicial, cati- Anacleto Lorenzoni Borgo, João Soares de vando a todos pela sua simplicidade, sempre Mello (falecido), José Ângelo Agostini Muniz, solícito para resolver os problemas dos alunos. José Fernando Osório da Costa, José Luiz Menos o acesso à escola em dias de chuva for- Carvalho Taveira (falecido), José Roberto te, quando a rua ficava inteiramente alagada. Antônio, José Vieira Coelho (falecido), Júlio Durante dois anos, as aulas foram mi- Gonçalves de Moraes Pernambuco (falecido), nistradas no prédio da avenida César Hilal, Luciano Mário Taus (falecido), Lúcio Toscano onde também funcionavam as faculdades de Aragon, Luiz Antônio de Souza Basílio, Contabilidade e Belas Artes. Luis Flores Alves (falecido), Mário Ferreira Essas faculdades foram as primeiras a Sacramento (falecido), Maurício de Oliveira, serem transferidas para o campus universitá- Paulo de Tarso Vellozo (falecido), Rachid rio, que ainda era um canteiro de obras, pro- Moramed Chibid (falecido), Romero Lofêgo visório e precário, com muitos prédios ainda Botelho (falecido), Sebastião Júlio, Sylvio em construção e caranguejos passeando entre Crema (falecido), Wantuir José Zanotti eles. Eram tantos que as brincadeiras envol- Os alunos formandos: Alda Regina Bar- vendo caranguejos iriam se tornar comuns, cellos Nunes, Adilson Barreto Vivas, Alfredo entre os alunos. Alcure Filho, Antônio Fernando Gonçalves Fai- A formatura ocorreu no mês de dezembro çal, Corina França Siano, Joffre Moraes, José de 1970. Os professores durante o curso foram Carlos Gomes Ferreira, José Deneval Mendes Aldo Franklin dos Santos (falecido), Aly da (falecido), José Emílio Zambom da Silva, José Silva (falecido), Anadyr Zanotti, Annibal Guilherme Ferreira dos Santos, José Sertório de Athayde Lima (falecido), Antônio Lugon Coelho Franco, João Alexandre Buaiz Silvares, (falecido), Déo Rozindo da Silva, Expedito Ligia Maria de Moraes Achiamê, Luiz Cláudio 72

CORRIGIR ALINHAMENTO TEXTO Formatura em 1970 – Diretor da Faculdade TA TORTO Professor Luiz Flores Alves – Cine Juparanã. (Acervo do autor).

Nogueira Muniz, Luiz Roberto Teixeira Cou- No dia seguinte, interpelado pelo to, Márcia Bastos da Silva, Mauro Roberto meu pai, disse-lhe não ter ido à Faculdade Vasconcellos Pylro, Regina Ribeiro da Costa, porque estavámos em greve. Quando quis Reginaldo Carvalho de Almeida, Roberto da saber o motivo da paralisação pensei e vi Cunha Penedo, Rogério Luiz Brochado de que não tinha resposta. Aderira simples- Abreu, Rômulo Antônio Zanol (falecido), Sér- mente a um movimento , tipo “Maria vai gio Emery Guarino, Sérgio Queiróz Lyra, The- com as outras”. Decidi voltar à Faculdade, onila Maria Passos Vivacqua (falecida). já no dia seguinte, decisão que muitos ou- Convivemos de perto com o movimen- tros colegas também tomaram. Naquele to estudantil contra o regime militar. Os pro- mesmo dia, houve outra Assembléia do Di- testos eram encabeçados, em Vitória, pelos retório, à qual compareci. Entrei ansioso, alunos de Medicina e Engenharia, mas um pernas trêmulas, e mesmo com dificulda- estudante de Medicina de Belo Horizonte de para me pronunciar, esperei o momen- participou de uma das reuniões do Diretório to oportuno e repeti ao presidente da As- Acadêmico e convenceu os alunos de Econo- sembleia a pergunta que meu pai me fizera: mia e Contabilidade a aderirem à greve geral qual o motivo da greve? que se alastrava pelo País. Na época, os prin- Surpreendido e parecendo assustado cipais líderes da UNE - União Nacional dos com a minha pergunta, engasgou e, acre- Estudantes, eram Luiz Travassos (Presiden- ditem, não foi capaz de dar a explicação te), Vladimir Palmeira e o capixaba César solicitada por mim. A greve para os econo- Ronaldo Pereira Gomes. mistas e os contadores terminou ali. Fábrica de Açucar da Usina Paineiras - Década de 1930. (Acervo do autor)

O perfil industrial do Estado também mudou rapidamente, com a implantação, principalmente no Sul e na cidade de Cachoeiro de Itapemirim... 74 Oito

época, eu não tinha conhecimento da história do Espírito Santo e dos homens que prepararam o seu belo futuro. Mas, interessado, lendo e ouvindo, pude registrar o perfil das gran- des lideranças capixabas. Minha profissão de economista e os cargos públicos que ocupei me levaram a estudar, durante to- Àdos esses anos, as diversas etapas do processo de desenvolvimento do Estado e a importância dos grandes projetos industriais implan- tados nas décadas de 1960 e 1970 para a transformação de Vitória em importante metrópole regional. Aliás, podemos afirmar que esses processos já se iniciara na década de 1950, durante o mandato do governador Jones dos San- tos Neves, com a construção da Usina Hidrelétrica de Rio Bonito e Suíça, que utilizou as águas do Rio Santa Maria e tornou viável a implantação dos grandes projetos. A hidrelétrica foi inaugurada em 1959, pelo governador Carlos Monteiro Lindenberg, em solenidade que contou com a presença do presidente Juscelino Kubitschek. A inauguração da CVRD – Companhia Vale do Rio Doce data de 1942, e em 1952 o Porto de Tubarão, projetado para re- ceber navios de maior porte, que ainda nem eram fabricados, foi construído junto às instalações da companhia, mas sua inauguração só aconteceu por volta de 1966. Nomeado governador após o movimento militar de 1964, Christiano Dias Lopes Filho procurou criar condições que atraís- sem grandes investimentos para o Estado, já que a monocultura do café – que por longos anos sustentara a economia capixaba – dava sinais de decadência. São dessa época quase todos os instrumentos legais de atra- ção de investimentos, como o FUNRES – Fundo de Recuperação Econômica para o Espírito Santo; GERES – Grupo Executivo de Recuperação Econômica; BANDES – Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo e o FUNDAP – Fundo para o Desenvolvimento de Atividades Portuárias, incentivo financeiro mantido com recur- sos do próprio Estado, com engenhosa concepção jurídica formula-

nova e promissora realidade da, na época, por Graciano Spíndola. Já operavam no Estado o Porto de Vitória, o cais de minério de Paul e o Porto de Tubarão. E estavam sendo iniciadas as obras do

Economia capixaba: Porto de Praia Mole, de Ubú e Capuaba. 75

Em 1967, a Aracruz Celulose, hoje Fi- cimento da nossa economia e nas décadas de bria, já iniciara o plantio da sua floresta de 1960 e 1970 o Estado se destacou no país eucaliptos, como parte do projeto de implan- pelo ritmo dessas transformações e pela rápi- tação, em Aracruz, de uma fábrica de papel da expansão demográfica da Grande Vitória. e celulose. Nesse mesmo ano, jorrou petróleo Alguns homens públicos do Espírito pela primeira vez, nas prospecções realizadas Santo, como o governador Jerônimo Mon- no município de São Mateus. Dois anos de- teiro (1908-1912), merecem destaque por pois, em 1969, a CVRD implantou sua pri- tudo que fizeram pelo Estado. Outros, com meira unidade de pelotização. os quais cheguei a trabalhar, também não Nesse período de grandes mudanças e serão esquecidos pelos capixabas, devido ao realizações, o governo lançou também o proje- seu trabalho, à obra política e a sua dedica- to “Espinha de Peixe”, que previa a ligação por ção ao Estado. asfalto entre as rodovias federais e as sedes de No período de governo de Jerônimo todos os municípios. Monteiro, os maiores investimentos se con- O período entre 1975 e 1979 foi tam- centraram em Vitória, que era ainda uma bém bastante promissor para o Estado, com capital provinciana, que o imperador Dom a conclusão do Porto de Capuaba, início das Pedro II descrevera como de aspecto desa- obras da CST – Companhia Siderúrgica de Tu- gradável, com “ruas tortuosas e desnivela- barão, hoje Arcelor Mittal, e inauguração do das, e desprovida dos requisitos indispensá- mineroduto entre Minas Gerais e a usina de veis ao bem-estar coletivo”. (Neida Lúcia de pelotização da Samarco, em Anchieta. Moraes – Espírito Santo – História de Suas Estavam sendo iniciadas também as Lutas e Conquistas – 2002 – p. 272). atividades da Aracruz Celulose e do porto de Pode-se afirmar que Vitória e o Espí- Barra do Riacho e a Vale do Rio Doce continu- rito Santo viveram dois momentos: antes e ava a implantar as suas usinas de pelotização. depois de Jerônimo Monteiro. Entre outras Durante o Governo Arthur Carlos Gerhar- obras importantes, merecem destaque: im- dt Santos, foi criado o primeiro pólo destinado plantação dos serviços de água, esgoto e luz; a abrigar instalações industriais e empresas de implantação dos bondes elétricos; constru- serviços: o CIVIT – Centro Industrial da Gran- ção do Parque Moscoso; retificação e nive- de Vitória. Além disso, cresceu a exploração de lamento de ruas; construção dos prédios da mármore e granito em Cachoeiro de Itapemirim, Assembléia Legislativa, Santa Casa de Mise- para o consumo interno e vendas ao exterior e ricórdia, Escola Normal Pedro II e Chefatura inaugurada em 1983, a CST – Companhia Side- de Polícia, além do novo cemitério. rúrgica de Tubarão, que deu início à operação do O Parque Moscoso, construído sobre Porto de Praia Mole. um aterro que cobriu uma área de mangue- Esses grandes projetos eram quase to- zal, foi cercado de muros e grades na déca- dos voltados para a economia externa e não da de 70 e até hoje é um dos espaços mais geravam receitas diretas para o Estado, mas apreciados da cidade. Crianças, jovens na- tiveram papel importante na economia capi- morados e aposentados buscam ali o lazer, xaba, pois estimularam a criação de empresas descanso e descontração tão valorizados nas e empregos e o crescimento da renda interna grandes cidades. no Estado. Foi o período de mais intenso cres- O perfil industrial do Estado também 76

Parque Moscoso – Década de 1930. Usina Paineiras – Década Assembleia Legislativa – S/Data. (Acervo: José Coelho) (Acervo: José Tatagiba)

mudou rapidamente, com a implantação, Depois de Christiano Dias Lopes Filho principalmente no Sul e na cidade de Cacho- e Arthur Gerhard Santos, que criaram e con- eiro de Itapemirim, de projetos como a fábri- solidaram os instrumentos jurídicos para a ex- ca de cimento Ouro Branco, usina de açúcar pansão econômica do Espírito Santo, vieram Paineiras, fábrica de tecidos e Tecisa. E, na governantes cujas obras obtiveram também o Grande Vitória e em Colatina, foram instala- reconhecimento da população, como Gerson das a Ipessa, indústria de papel; Araribóia Camata/José Moraes e Max Mauro. Este últi- ou Iosa, óleo vegetal, respectivamente. mo equilibrou as finanças do Estado, concluiu Outro que fez história foi Florentino a construção da Terceira Ponte, ligando Vitó- Avidos (1924-1928), que alterou profunda- ria a Vila Velha e, na área de transporte urba- mente a paisagem urbana: alargamentos e no, criou o projeto Transcol. abertura de novas ruas; redes de esgoto; núcle- Entre os governantes mais recentes, os residenciais; edifícios públicos; ponte sobre merece grande destaque o governador Paulo a baía (cinco pontes), um marco da Engenha- Cesar Hartung Gomes (2003-2010), não só ria; estradas; escadarias; viaduto da rua Cara- pelas obras que realizou, mas sobretudo pela muru; jardins e monumentos” (autora citada). qualidade da gestão e habilidade na engenha- Outras realizações importantes: abertu- ria política. Foi na sua gestão que se criou e se ra da avenida Jerônimo Monteiro e construção implantou o projeto “Caminhos do Campo”, do Grupo Escolar Gomes Cardim, Imprensa ligando localidades rurais a sedes de municí- Oficial, Arquivo Público, Biblioteca Estadual e pios ou BRs do Espírito Santo. os mercados da Capixaba e Vila Rubim.

Usina Paineiras – Década de 1930. Ponte Florentino Ávidos – 1936. (Acervo: José Coelho) (Acervo: José Tatagiba). A história política e econômica do Espí- Enquanto se aguardavam os resultados rito Santo revela uma inexplicável marginali- da diversificação da economia agrícola, a op- zação do nosso Estado nos projetos e execução ção natural não parecia outra senão a indus- da política de desenvolvimento implantada trialização. por sucessivos governos da República. Foi nesse período (1964 a 1985) que o Há pelo menos três etapas a serem ana- Espírito Santo passou a ser contemplado pelo lisadas, e a primeira delas se reporta ao gover- governo federal. Governantes nomeados para no de Getúlio Vargas com a implantação, no gerir o Estado se preocupavam na procura de Estado do Rio, da Usina de Volta Redonda. uma solução para a nossa recuperação econô- Os indicadores da estratégia econômica apon- mica. tavam o Espírito Santo como a região mais fa- Um parêntesis para falar na CVRD – vorável à sua instalação, mas, no distante ano Companhia Vale do Rio do Doce de iniciativa de 1941, o chamado Acordo de Washington, federal, incluída como uma das “grandes de- durante a Segunda Guerra, levou o governo cepções produzidas pelo Estado Novo, pois federal a deslocá-la para a região onde final- nada trouxera de expressividade para a região mente foi implantada. capixaba, ao contrário do pujante investimen- O trágico episódio da erradicação dos to industrial que hoje representa.” (Gabriel nossos cafezais, a pretexto da baixa produti- Bittencourt – Indústria – A Modernização do vidade das lavouras, foi um duro golpe contra Espírito Santo, 2011. p. 109), mas foi depois a nossa economia , representativa que era de dela é que começaram efetivamente os gran- mais da metade da receita tributária do Esta- des projetos federais, como: as ligações asfál- do. A indenização aos cafeicultores teve, por ticas com o Rio de Janeiro e Salvador (BR. seu turno, representação negativa, com de- 101) e Belo Horizonte (BR. 262), datadas de semprego em massa e migração de milhares de 1965, 1973 e 1969, respectivamente; o Porto pessoas do campo para as cidades. de Tubarão, (1966- início das operações), du- Desmantelaram-se a economia e as fi- plicação da Estrada de Ferro Vitória a Minas, nanças do Estado, umas e outras equilibradas duplicação da COFAVI – Companhia Ferro e até então. Aço de Vitória, usinas de peletes da CVRD, Mais tarde concluiu-se que a justifica- conclusão do Porto de Capuaba, Companhia tiva para a erradicação dos cafezais não era Siderúrgica de Tubarão, Porto de Praia Mole, verdadeira. O que levou na verdade o governo Portocel (Aracruz), mineroduto da Samarco federal a esse procedimento, e somente no Es- (Anchieta), para citar alguns. A aprovação dos tado do Espírito Santo, se destinava a fazer di- incentivos fiscais (como exemplo o decreto lei minuir os estoques existentes em larga escala nº 880). no País, com mercado internacional em baixa Mas a História encantada desse perío- por excesso de produção. O Espírito Santo pa- do de efetivas realizações praticamente ter- gou sozinho o preço desse artifício. minou aí. Com a política de desenvolvimento cria- Novos governos, novos projetos, novas da e implantada pelos governos que se suce- visões, novo estilo de administrar desestrutu- deram à revolução de 1964, o Espírito Santo raram a nossa economia: uma política patri- voltou a ser contemplado com obras da admi- monialista tão ao gosto do período colonial nistração central. fez alterar regras para a distribuição dos royal- 78

ties atendendo as reinvindicações dos Estados Para não dizer que não falei de flores, não produtores; a implosão do sistema ICM/ registro que depois de muitos anos de frusta- FUNDAP; a não viabilização do projeto de ção, começaram a sair do papel as obras de construção do novo aeroporto de Vitória, o ampliação e modernização do Porto de Vitó- fracasso do leilão de concessão para privatiza- ria e a privatização da BR. 101. ção da duplicação da BR 262 (ES /MG). Ilha do Príncipe - sem data. (Acervo do autor)

Para mim, era só mais um pequeno trabalho. Fui até a casa do cidadão, tomei café com ele, expliquei tudo, ele entendeu que a ocupação era irregular e prometeu retirar tudo até o fim da tarde. 80 Nove

entia-me mais perto de realizar o sonho de estudar Engenha- ria, mas entre o sonho e a realidade havia o antigo fantasma chamado Matemática. Afinal, engenharia é quase só matemá- tica, minha grande inimiga na escola, até então. Só que, para minha surpresa, comecei até a me sair bem, a não ser na ma- Stéria chamada Geometria Descritiva. Aí, não havia jeito, por mais que me esforçasse. Um dos meus colegas, Edson Hermes Guimarães, Edinho, era craque nesse departamento: só tirava nota 10. Generoso, ofe- receu-me ajuda, e muitas vezes foi à Pensão Catedral para tentar me ensinar. Mas o pavor que tinha da matéria era tanto que a ge- nerosidade desse colega virou tempo perdido: enquanto ele falava e dava exemplos, minha atenção estava no barulho da rua ou na capa de uma revista. No final de cada explicação, ele perguntava: - Entendeu, Zé? - Não, Edinho, não entendi nada. Nada de nada. Fui empurrando esse meu fantasma até setembro daquele ano. Estava em cartaz no Cine São Luiz, no Parque Moscoso, o filme “A Noviça Rebelde”, e sempre que chegava a hora da aula de Geometria Descritiva eu escapava para o cinema. Vi a tal “Noviça Rebelde” umas treze vezes, no mínimo, estratégia que, obviamente, não me ajudou a compreender os segredos da Geometria. Permanece viva, daquele tempo, a memória dos professores– Albuino Cunha de Azeredo, de Trigonometria e Geometria Analí- tica (que anos depois seria governador do Estado); Alberto Torres, de Física II; José Carlos Marreco, de Física I; Bassine, de Álgebra; Paru, de Geometria Descritiva; Adroaldo, de Química I; Klinger, de Química II; e Carlos Alberto, de Geometria Plana. Certo dia (e há sempre um dia desses, na vida dos alunos relápsos), o professor Paru me apanhou de jeito: - Qual é o seu problema comigo? - Problema com o senhor eu não tenho, professor. Mas detesto a sua outro qualquer matéria. Ele riu, compreensivo, e prometeu ajudar. - Mas não adianta, professor. Essa coisa não entra na minha cabeça.

Um cidadão como Não gosto, e pronto. Acho que é tempo perdido tentar me ensinar. 81

Essa preocupação com o tempo perdido toda a área da Praia do Suá, Leitão da Silva, ficou ainda mais forte por volta de setembro Andorinha e até Jardim Camburi. Só para se ou outubro daquele ano de 1966, quando fiz ter uma ideia, a maioria das ruas não tinha cal- um balanço na minha vida. çamento. Na Praia do Canto, por exemplo, só Embora trabalhasse para ajudar nas des- a Avenida Saturnino de Brito e algumas ruas pesas de casa, tinha a sensação de estar não paralelas já eram calçadas. O resto era areia. só perdendo tempo, mas gastando à toa o di- Mas o bairro já começava a crescer, em grande nheiro do meu pai, que lutava com muita difi- velocidade, e as obras irregulares também. culdade e ainda morava em Castelo. Com sete Depois da jornada de oito horas diárias, filhos, todos praticamente em idade escolar, na Prefeitura, ia a pé para o cursinho de enge- meu pai enfrentava uma dura batalha e não nharia no Colégio Americano, na companhia era justo que se sacrificasse tanto. de Zé Antônio. Estudava até alta madrugada. O emprego de operário na Prefeitura Não era fácil conciliar tantas atividades. Além Municipal de Vitória, com salário mínimo, disso, nos finais de semana voltava a Castelo, pago com um holerite amarelinho e fechado, para visitar meus pais e a namorada. pareceu ser a grande solução. Mas não fiquei Com o passar dos dias, nesse trabalho muito tempo na função: logo passei a fiscal de fiscal, fui percebendo, por onde passava, de obras, setor que ficava no Forte São João, que em todo lugar algum ex-colega havia dei- onde depois foi instalada a área de saúde da xado a marca da corrupção. Bastava apertar Prefeitura. um pouquinho, para descobrir: As decepções, tanto quanto as vitórias, - O fiscal Fulano de Tal já esteve aqui e me ensinam muito. Talvez até mais. Aconteceu pediu cinquentinha para resolver meu problema. ali, como fiscal de obras, a minha primeira - Ah, é mesmo? O senhor deu? grande decepção profissional. Mesmo assim, ainda não multara nin- Devido aos meus padrões rígidos, so- guém. Preferia conversar, dar informações, mados ao hábito de ouvir, investigar os fatos, instruir: tentar compreender e procurar fazer sempre - O senhor precisa entender que está irregu- o melhor, recebi uma pilha de processos com lar. Existe um procedimento a ser feito e vou lhe dar quase um metro de altura. Amarrei aquilo um prazo para regularizar a obra. tudo com uma cordinha e, como não possuía Levei o trabalho nesse clima de diálogo automóvel, abracei literalmente o trabalho e e paciência até o dia em que fui fiscalizar a me pus a caminho. obra de um casarão na Praia do Canto e dei A agência de automóveis, em frente ao de frente com um construtor mal-educado e Colégio Estadual e ao lado de onde eu traba- arrogante. Conversei com o sujeito sobre a lhava, chegou a parecer uma provocação, na- regularização da obra, sem sequer perguntar quele dia, enquanto esperava o ônibus que quem era o contratante. Dei todas as explica- me levaria à Praça 8, agarrado a todos aqueles ções e fixei um prazo mais que generoso para processos. Chegando à pensão, consultei cada ele acertar tudo. um deles, fiz um diagnóstico e preparei um Se o prazo era 72 horas ou uma sema- planejamento das minhas futuras ações. na, dei a ele dez dias e só voltei duas semanas Naquela época, o prefeito era Solon depois. Mesmo assim, estava tudo do mesmo Borges. Como fiscal, eu seria responsável por jeito. Conversei de novo com o construtor e 82

lhe dei mais 10 dias. De nada adiantou. Esta- sala do chefe com o pacote: va tudo do mesmo jeito. Aí, tive que endurecer - Estão aqui os processos. O senhor pode me : exonerar, porque já estou fora. - Tenho obrigações a cumprir, estou com o pro- Saí da sala com a dignidade fluindo por cesso na mão e você terá que responder a ele. Lamen- todos os poros. tavelmente, serei obrigado a fazer uma notificação (Anos depois, fui chamado à Prefeitura das irregularidades. e me pediram para receber a multa que aplica- Nem era multa, ainda. Na data certa, ra ao proprietário e que passei imediatamente voltei ao local, fiz a autuação e embarguei a para Jair, o protocolista, pois àquela ocasião, o obra. Continuei a cumprir minhas obrigações, fiscal tinha um percentual sobre a multa, que durante o resto do dia. Mas à tarde, quando por hora não me recordo do percentual). voltei para o Forte, estava todo mundo no Mas as coisas não ficaram assim. Na- maior alvoroço: quela tarde, dona Zilda me avisou que recebe- - Por onde você andou, José? Está todo mundo ra um telefonema de Arsilio Caiado Ferreira, atrás de você, começando pelo chefe. diretor de Finanças da Prefeitura, querendo O chefe do setor de fiscalização era o te- falar comigo. nente reformado Setúbal, do 38º BI, de Vila Intelectual de grande cultura e ótimo Velha. Fui falar com ele e encontrei o homem trato, era integrante do PSD, conhecido do nervosíssimo: meu pai e durante muito tempo fizera política - Rapaz, como é que você apronta uma des- no município de Alegre. Esse senhor quis sa- graça dessa? ber, em detalhes, o que acontecera, e fiz o re- - Não estou entendendo, tenente. O que foi latório completo, como acaba de ser contado. que eu fiz? - Isso não vai ficar assim – ele disse. – Vou - Como é que você ousa multar e embargar te trazer de volta. Por enquanto, como operário, lá uma obra do filho do ex-governador do Espírito San- mesmo na fiscalização. Mas depois vou te colocar to? em outro lugar. Você vai fiscalizar lá na Ilha do Jovem e confiante no princípio de que Príncipe. todos são iguais perante a lei, respondi que o Ainda não existia a Rodoviária e a ilha filho do ex-governador era um cidadão como estava tomada pelos barracos dos invasores. outro qualquer. - Você vai ajudar na fiscalização, para não - Ele está irregular e tem a obrigação de cum- deixar que construam mais barracos por lá, porque o prir a lei. Não volto atrás e nem vou cancelar o nosso projeto é urbanizar a ilha, fazer um aterro e, embargo e a multa. Se o senhor quiser, que me afaste no futuro, construir uma estação rodoviária. e ponha outra pessoa no meu lugar. Aceitei a transferência, porque precisava Retirei-me da sala, mas voltei logo de- do emprego, mas ainda não sabia de tudo que pois, para perguntar ao tenente até que horas os humanos são capazes, quando imaginam ele ficaria na repartição. A resposta foi grossei- que podem enganar os outros. ra, à altura do personagem, e calculei que seria Como estudava à noite e as aulas às ve- tempo suficiente para ir de ônibus ao centro zes coincidiam com meu plantão, sempre que da cidade e voltar com a carga inteira de pro- chegava correndo à ilha encontrava lá o sol- cessos que levara para a pensão. Amarrei os dado Ivan, sujeito simpático, agradável e de processos de novo, bem amarrados, e entrei na boa conversa (tempos depois, foi assassinado 83 durante uma operação de fiscalização em resi- trato logo após a nossa conversa, mas demo- dência da Avenida Nossa Senhora da Penha, rou, e o resultado desse atraso no serviço é que um polonês o recebeu a bala). ele me mandou a sentença: - O senhor é rapaz tão novo – ele dizia – e já - Te mato, se aparecer aqui de novo. cumprindo missão tão ingrata, tão espinhosa. Fica Acompanhando a ameaça, outra surpresa. se sacrificando, estudando debaixo dessa luz ruim. Toda a simpatia e amabilidade do sol- Se quiser, pode ir embora pra casa que eu faço seu dado tinham razão de ser: ele arranjara uma plantão aqui. Pode ficar despreocupado. companheira para aquecer as suas noites e, Ingênuo, acabei caindo algumas vezes aproveitando minha ausência, punha a mu- na tentação de ir embora. Mas toda facilidade lher para dentro e fazia sua festa particular. O tem preço. A conta não demorou muito. Cer- resto que se danasse. to dia, cheguei bem cedo para cumprir o meu Nesse mesmo trabalho, outro fato ines- plantão e descobri que o fiscal da noite deixara quecível foi a vingança da Maria Tomba-Ho- entrar no terreno uma caminhonete carregada mem, que morava na Ilha do Príncipe e, ao che- de ripas, com as quais o invasor fez uma cerca gar em casa, descobrira que o amante estuprara em volta do seu barraco. Recebi, então, a mis- sua filha menor. Ela não teve dúvida: agarrou são de ordenar ao sujeito que retirasse a cerca. um machado, abriu a cabeça dele e jogou tudo Para mim, era só mais um pequeno traba- lá embaixo. Eu estava de plantão, nesse dia. lho. Fui até a casa do cidadão, tomei café com Por tudo isso, pedi para nunca mais ele, expliquei tudo, ele entendeu que a ocupação voltar à Ilha do Príncipe. O domínio de Ma- era irregular e prometeu retirar tudo até o fim da ria Tomba Homem era evidente à frente da tarde. Mas as coisas tomaram outro rumo. malandragem da Capital, principalmente no No final do plantão, para minha surpre- seu reduto que era a Ilha do Principe. Viveu sa, chegam duas caminhonetes esverdeadas, “romances com amigos da boêmia e malan- da Prefeitura, com policiais, fiscais, martelos dros famosos” da época. Se me recordo bem o e marretas. Em pouco tempo, arrebentaram amante em que ela partiu a cabeça, se chama- a cerca inteirinha. Fiquei mal com o cidadão, va “Baianinho”. pois havia negociado a retirada sem violência. Chegou a ser lembrada em 1986, pelos É bem verdade que ele deveria ter cumprido o compositores Mário do Pega e Jorge Candoto, com interpretação de Jack Cintra, no samba Tipos Populares de Vitória (Pega no Samba): “O Pega descontraidamente vem apresentar ôô Em seu enrêdo a história [...] Quero ver pegar, oi, quero ver pegar Maria Tomba Homem camburão vai te levar. Nesta festa de recordação [...]” Aliás, quando chegou o carnaval, pouco depois, e minha transferência ainda não fora aprovada, já estava pensando até em deixar o emprego na Prefeitura. Desistira de fazer o cursinho de Engenharia, com a intenção de Maria Tomba Homem - 2006. (Acervo: Desconhecido) deixar tudo para o ano seguinte. 84

Prédio da Prefeitura onde trabalhei - 1965. (Acervo de José Tatagiba) No momento, não disse que sim, nem que não, mas deve ter conversado depois com o Prédio da Prefeitura onde trabalhei - 1965. Armando e confiou nas referências... (Acervo de José Tatagiba) 86 Dez

memória é um bicho bravo, que não obedece ao dono. Vai e vem no tempo segundo a sua própria vontade e nos leva para frente ou para trás. Este capítulo, por exemplo, fala de algo que aconteceu em Marataízes, bem antes de me transferir para Vitória. ATínhamos em Marataízes uma pequena casa sem forro, com sala, dois quartos, banho e cozinha, adquirida com muito sacrifício pelo meu pai. Todos os irmãos dividiam um único quarto, dormin- do em duas beliches, num cômodo bem apertado. Não chegava a ser quente, pois o vento entrava em toda a casa, tendo em vista não possuir forros, chegando a fazer frio quando da mudança de temperatura com vento sul. Viajávamos mais de três horas até lá, em estrada de terra e na carroceria de um caminhão ou camionete, mas nas longas férias de dezembro a março as praias de Marataízes pareciam antessala do paraíso. Já que levávamos quase tudo, os preparativos para essa ver- dadeira mudança, liderados por minha mãe, começavam bem cedo. Da cozinha, vinham as carnes, em latões de banha, pães e doces variados. Dos quartos, os lençóis, toalhas e as roupas de cada um. Toda essa agitação, antes mesmo de iniciarmos a viagem, já tinha gosto de férias. Depois, na chegada a Marataízes, era a visão do mar imenso e das praias, com os longos dias de brincadeiras. A cantoria dos pescadores, ao nascer do dia, o recolhimento das redes, o retorno dos barcos e as enormes pescadas e sardas, algumas com mais de metro. Nessa época, a pesca era farta e todos éramos jovens. Como esquecer a vibração e a alegria desse tempo? Outra lembrança extraordinária era a do bar do Sr. Nagib, que fabricava a melhor bala de caramelo que já provamos na vida. Qualquer “trocado” era guardado para depois passar naquele bar. Sim, éramos jovens, mas já tínhamos um passado. O meu se manifestou em Marataízes. O grupo de Cachoeiro de Itapemirim, expulso do Clube 60, em Castelo, naquela noite já antiga, estava em Marataízes e decidiu ir à forra contra mim, durante um baile carnavalesco. Estava distraído e abraçado a uma namoradinha ocasional, quando – de repente – levei tremendo pontapé no traseiro que quase me tirou do chão. Todos éramos jovens Todos 87

Quando me virei para reagir, lá estava o grupo de Ca- de se aproximar do nosso grupo. choeiro, todo perfilado e só esperando a minha reação, Jorge Galvão, que estava armado, resol- como quem diz: “Vem, é a hora do acerto de contas”. veu atirar em um dos bichos. E acertou. Puxei a namorada pela mão e desapareci Recolhemos o galo e a maioria decidiu do baile. A partir dessa noite, passei a andar levá-lo como troféu, para ser assado no Beira somente com o meu grupo. Mas houve outro Mar, um bar de Marataízes. momento do qual não foi possível escapar. Combinamos de nos encontrar lá às dez Irã Malfitano Arantes, que hoje é um da noite, para o banquete, e até essa hora fica- oftalmologista famoso em Vitória, passou por mos no hotel, bebericando. minha casa e me convidou para ir com ele até Fomos pontuais, mas Jorge Galvão e o centro. Ao seu lado, o cão chamado Dumlop Elton do Val chegaram primeiro ao bar e, de foi nos seguindo. pura molecagem, arrasaram o pobre galo. So- Quando retornamos, por volta de 11 bre a mesa deles só havia ossos. Os dois exi- horas da noite, havia um grupo de rapazes em biam as barrigas, para não deixar dúvida de frente à estação ferroviária. Eles haviam escon- que haviam acabado com a festa. dido uma corda sob a areia e esperavam para Nossa frustração foi tão grande que Ata- nos atacar. Partiram para cima de nós como um íde Dadalto, furioso, decidiu que, a qualquer bando de selvagens. Irã lançou Dumlop para custo, comeria um frango assado naquela noi- cima de dois, enfrentou alguns e os outros so- te. Foi a todos os bares, e nada de frango. A braram para mim. estrada não era asfaltada, naquele tempo, mas Apanhamos muito, mas tive tempo de ainda assim ele foi de Marataízes a Cachoeiro guardar a fisionomia de alguns dos agressores. só para realizar o nosso desejo de vingança, A exemplo do que acontecera em Castelo, tive com gosto de frango assado. o meu dia de ir à forra. Tempos depois, já como estudante em Chovia muito em Marataízes, nesse dia Vitória, eu passava sempre os finais de semana de vento sul e nuvens negras, mas ainda assim em Marataízes e às vezes encontrava os ami- minha família decidiu ir à Bacia das Turcas. gos em um bar na Barra de Itapemirim. Um dos meus algozes, deitado mansa- Foi nesse bar que conheci Tostão, jo- mente sobre uma daquelas bóias improvisadas gador do Cruzeiro e estudante de Medicina, com câmara de ar de pneu, parecia em paz e um amigo dele, aluno de Economia. Esse com o mundo. Aproximei-me dele, para ter amigo, sabendo da minha dificuldade para in- certeza de que era de fato um daqueles que gressar na Engenharia, sugeriu-me o curso de nos agrediram, apanhei um punhado de areia Economia, em Belo Horizonte. no fundo do mar e joguei nos olhos dele: o Gostei da ideia, mas decidi que faria o “valentão” perdeu o equilíbrio, caiu da bóia e curso em Vitoria e não em Minas. levou um caldo que nunca vai esquecer. A prova de Matemática ainda era um Em outro carnaval, quando já estava fantasma, mas, com alguma surpresa, passei morando em Vitória, participei de uma ca- no vestibular e, pela segunda vez, a inesperada ravana formada por amigos de Castelo e nos escolha de outro caminho deu novo sentido à hospedamos no hotel da família Habib (Jorge minha vida. e Dona Maria). Estávamos na lagoa do Siri, Aos 20 anos e já trabalhando no centro quando alguns galos tiveram a péssima ideia da cidade, no setor de arrecadação da Prefeitu- 88

o meu chefe, o falecido Armando Sales de Oli- veira, que era um sujeito realmente extraordi- nário e se tornou, na época, um bom amigo. Após dois ou três meses nesse setor, a diretora de Despesas, Irene Terezinha Greco Basílio, apareceu por lá e disse ao Armando que precisava de um funcionário competente e diplomado em contabilidade. - Olha, Tetê (ele a chamava assim), tenho um camarada aqui que preenche esses requisitos, Máquina de calcular – Prefeitura Municipal de Vitória – 1966. mas não posso abrir mão dele. É o Castelinho. (Acervo: Letícia Toniato Simões) Ele me apelidara de Castelinho porque nessa época eu ia sempre a Castelo, nos finais ra, essa virada coincidiu com a decisão do meu de semana. Tetê me olhou, desconfiada, sem pai de trazer toda a família para morar em Vi- acreditar. Deve ter pensado: tória, na última casa do lado esquerdo da Rua - “Será que esse moleque, com 19 para 20 do Vintém, bem lá no alto. Era uma casa de anos e que nem barba tem, com cabelo partidinho do dois andares, que pertencia à família Cavaline, lado e cara de menino, é mesmo competente?” tradicional exportadora de café, e morávamos No momento, não disse que sim, nem na parte superior. que não, mas deve ter conversado depois com Na época, ainda existia o imposto de o Armando e confiou nas referências. O certo vendas e consignações e usávamos aquelas an- é que daí a dois dias eu já estava no setor dela, tigas maquininhas para fazer todos os cálcu- que me explicou como funcionava tudo por lá los, rodando para a frente e para trás. Tinha e acabou se tornando mãe, madrinha e amiga que ser tudo muito rápido, pois os contadores para mim, enquanto viveu. Naquela época, as das empresas, às vezes atrapalhados com os máquinas eram manuais e usávamos o sistema cálculos, formavam enormes filas. E tínhamos de carbono e borracha. Se deixasse manchar a que conferir e dar um visto em todas as contas, borracha, o negócio ficava um horror. Tanto o antes do pagamento no caixa. original quanto a cópia. Por isso, a Regra no Trabalhando com todo o entusiasmo e 1 era: “Não me traga nada desmanchado. Errou, resistência da juventude, os músculos do braço rasga e faz outro”. Passou a explicar a Regra no chegavam a doer, mas a minha fila quase sem- 2 e todas as outras. Sempre digo que, na mi- pre era a menor. Ou nem chegava a se formar. nha vida, só tive boas escolas. Pena que a Tetê Enquanto isso, as filas de dois ou três colegas morreu tão cedo. não paravam de crescer e eu ainda achava tem- Com o risco de pecar pela repetição, po de socorrê-los, à tarde. confesso que sempre tive um respeito reve- Um dia, aparece o prefeito Solon Bor- rencial pelo trabalho. Não só como condição ges e pergunta a razão desse desempenho dife- de sobrevivência, mas principalmente como rente: forma de expressão da personalidade e capa- - Por que a fila desse rapaz não existe e a dos cidade de cada pessoa. Herdei da família esse outros não para de crescer? conceito, que me acompanha desde infância - É porque ele é rápido e não erra – disse até os tempos atuais. 89

Na Prefeitura, certa vez propus a um co- Polícia, onde é hoje o Banestes, na Rua 7, em lega, Ludovico, que me substituísse no plan- um prédio cinza ou esverdeado. tão, e ele pediu cinco unidades da moeda da Eu e o Ormando Moraes ficamos in- época (reais, cruzeiros ou cruzeiros novos, cumbidos de levar cigarros, e frutas para o Jor- quem é capaz de lembrar?). ge na prisão. Adiantei-lhe o dinheiro, mas Ludovico Certo dia, a Terezinha me chamou: não apareceu no trabalho e levei um corte de - Castelinho, você vai ter que fazer a folha três dias. O único, em todo o tempo na Prefei- deste mês. A folha dos operários. tura e em 46 anos de vida pública. Eram dois mil, três mil operários, e en- Não guardo rancor desse colega, que contrei na lista uns 40 nomes muito esquisi- ainda está por aí, muito vivo e ativo, e sempre tos. Coisas do tipo “Latrina”, “Dóvulo” e até foi alegre e brincalhão, do tipo que animava o piores. Passei essa informação a Terezinha, ambiente e surpreendia os colegas. Se alguém que convocou os trabalhadores, chamou um deixasse a bolsa em cima da mesa, logo apron- advogado e trocou todos os apelidos pelos no- tava alguma: jogava lá dentro um gato ou um mes que os próprios operários escolheram. paralelepípedo. Tetê era assim, eficiente, prestativa e Trabalhando com Tetê em um ambiente preocupada com as pessoas. Com ela, aprendi de muita cooperação e espírito de equipe, logo a ser pontual e cuidar de tudo com cuidado fui convidado a ajudar no despacho de mon- e capricho. Mais tarde, levou-me para a TV tanhas de processos que haviam se acumulado Vitória e a Cohab, para ajudá-la na contabili- no gabinete do prefeito Solon Borges, durante dade. Não era funcionário, mas ela me pagava a campanha eleitoral em que ele disputou o com parte do seu salário. cargo de senador. Lembro-me bem dos cole- gas Beatriz Paoliello, Maria da Penha Moraes Neto e Guerino Dalvi. Foi nessa ocasião que ganhei do prefeito um exemplar autografado do livro “Biografia de uma Ilha”. Aprendi e cresci muito, tecnicamente, naquele setor da Prefeitura, até mesmo dian- te dos colegas. Como sempre tive grande fa- cilidade de guardar números e não existia na seção um sistema de organização e separação dos processos, passei a ordená-los em ordem alfabética. Quando o cliente se aproximava do balcão, eu já sabia quem ele era e localizava rapidamente o processo. Um dos companheiros, o Jorge Sampaio, que não sei se ainda é vivo, fumava muito, gos- tava de um gole e tinha o péssimo costume de emitir cheques sem fundo. Um dia, por não ser correto em seus assuntos pessoais, acabou Prédio da Prefeitura de Vitória – 1929. sendo preso e o levaram para a chefatura de (Acervo José Coelho) Prédio da Caixa Econômica Federal - Onde trabalhei - 1967/1972. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto) Quando transformaram a Caixa Econômica em empresa pública, essa mudança atingiu em cheio o nosso setor: decidiram acabar com ele. 92 Onze

pós dois anos e pouco nessas funções, decidi que era hora de escalar mais um degrau e fiz os concursos para técnico de contabilidade na antiga Telest (Telefônica do Espírito Santo), na Escelsa e na Caixa Econômica Federal. Fui reprovado na Telest, mas me classifiquei para uma vaga na Escelsa e na ACaixa. Se Vitória ainda hoje é uma cidade relativamente pequena, conhecemos quase todo mundo, frequentamos os mesmos lugares e todos ficam sabendo de tudo que acontece, é fácil imaginar como era naquele tempo. As pessoas conversavam, trocavam ideias e as notícias corriam ainda mais depressa que hoje. No tal concurso público, a Caixa oferecera 14 vagas e fui o segundo colocado, mas fiquei sabendo que dois conhecidos meus da Prefeitura de Vitória – Paulo Martins e Edmar Vasconcelos – aprovados em 11º e 14º lugares, se bem me lembro – já haviam sido chamados. Ainda inexperiente nas coisas do mundo, eu me perguntava: - E eu, por que não? Será que até em concurso público acontecem coisas assim? Aconteciam, sim, mas eu nem imaginava essa possibilidade. Aquilo me incomodou tanto que comentei o fato com o meu pai. Ele não perdeu um minuto: conversou com o deputado Lúcio Merçon, que era de Castelo e ligado ao PRP (Partido Republicano Popular). Merçon falou com o deputado federal Oswaldo Zanelo, em Brasília, e Zanelo fez um contato com o então presidente da Caixa, Valfredo Zamprogno. No dia seguinte me chamaram. Era o último a ser chamado e, por isso, só compareci à Caixa no último dia do treinamento. Lá estavam os dois ex-colegas da Prefeitura. Imaginei que muito bem treinados e tranquilos. Era só sentar perto deles que aprenderia acontecem? tudo. Mas não foi bem assim. Os dois é que me procuraram: - José Eugênio, que bom que você chegou. A gente fez o curso, mas não estamos entendendo nada. Vamos escorar em você. - Meus amigos, então seremos demitidos, os três, porque eu contava com vocês, com o que tinham aprendido. Ouvi aquele cara falando que não há débito sem credito e vice-versa e não entendi nada. Não quis perguntar porque já che- guei no último dia e podia levar uma bronca, mesmo sem ter sido culpa minha. Coisas assim 93

Para encurtar a história, juntei tudo que mantinha, em sociedade com outros compa- pude: os papéis do treinamento, o plano de nheiros. Mas era a minha chance de decifrar o contas, os movimentos do dia e o registro dos enigma. À noite, perguntei ao meu pai se por procedimentos contábeis. Levei para casa e acaso conhecia a moça cujo perfil tracei. mergulhei naquele mundo desconhecido, ano- - Sim – disse ele - quase todos os dias a encon- tando tudo. tro no elevador, acompanhada do noivo, e saltamos O resultado é que, em menos de um no mesmo andar. mês, já me sentia doutor no assunto. Ensinei No dia seguinte, ao levá-la em casa, insis- aos dois e, nos fins de semana, até gerentes do ti em “encarar” o pai dela. Mas quem estava à interior começaram a me procurar, trazendo sua espera? O noivo, claro. Fui embora, sem sa- problemas e pedindo que resolvesse para eles. ber que fim teria aquele encontro na varanda, E eu fazia tudo de boa vontade e com a maior mas dias depois soube que o noivo ameaçara segurança. Com isso, conquistei grande credi- me dar “alguns cascudos”. Mas não aconteceu, bilidade junto aos colegas de trabalho. pois logo fui fazer um curso em Brasília. Saía bem cedo de casa, na Rua Alziro Na Caixa, outro caso interessante se deu Viana, ia até a frente do Banco do Brasil e, com com a chegada das primeiras grandes máqui- o amigo Roberto Penedo, aguardava a carona nas, as “Burroughs”, que a Olivetti importava do nosso professor Romero Lofêgo Botelho. da Alemanha, nem sei por que motivo. Talvez Devido ao horário de entrada na Caixa, fosse ela a representante no Espírito Santo. era obrigado a faltar à última aula e, para com- Um programador chamado Geraldo Sar- pensar as cinco horas que não fazia durante cinelli levava de duas a três semanas para fazer a semana, comprometia os meus sábados, de as programações e entregar à Caixa, e depois sete ao meio-dia. Foi assim até a conclusão do tínhamos que testar tudo. Os atrasos eram ine- curso de Economia. Como já não tinha mais vitáveis. namorada em Castelo, cessaram as viagens de Como o Estado sempre atrasava o paga- fim de semana. mento dos salários dos servidores, o Tribunal Os namoros aconteciam em Vitória e, de Justiça, o Tribunal de Contas e a Procura- durante um período, tive três namoradas ao doria de Justiça mantinham um contrato com mesmo tempo. Uma situação mais que compli- a Caixa, que montou um sistema inédito, na cada. Nesse tempo da juventude, não era um época. Adiantava o pagamento dos servidores, namorador insaciável, como pode parecer. Tal- como se fosse empréstimo e, quando recebiam vez tenha sido essa a razão de me casar mais do Estado, eles liquidavam esse adiantamento, tarde que a maioria, só aos 30 anos de idade. pagando juros civilizados, bem pequenos. Uma delas, minha aluna, morava em Ari- Encarregaram-me de operar esse sistema biri, Vila Velha, e sempre que a levava até o e, a partir daí, passei a ter contatos frequentes bairro ela não permitia que chegasse até sua com juízes, promotores e funcionários, crian- casa. As despedidas eram na esquina, e isso me do um amplo leque de amizades que cultivo incomodava. Certo dia, ligou-me para que fos- até hoje. Ao mesmo tempo, a diretoria da Cai- se encontrá-la no seu trabalho. xa descobriu que eu era exímio datilógrafo e Coisa típica de um jovem: irresponsavel- me encarregou de preparar os seus relatórios, mente, deixei o serviço e fui ao seu encontro, com aquele cuidado que aprendi na “escola” em local próximo do escritório que meu pai da dona Tetê. 94

Quando transformaram a Caixa Econô- para o resto da vida: mica em empresa pública, essa mudança atin- - O erro foi todo seu. O novo chefe não tem giu em cheio o nosso setor: decidiram acabar nada com isso. Desta forma você não vai crescer nun- com ele. Éramos 14 e só eu fiquei, enquanto ca. Você tinha que ter feito um gesto de grandeza. É resolviam como distribuir nossas atividades. preciso aceitar a realidade e continuar lutando, até Os demais foram deslocados para outras áreas que um dia o seu valor seja reconhecido. e, durante dois anos, fiz sozinho o serviço que Chorei feito menino, acho até que para antes envolvia 14 funcionários, até que um desabafar. À noite, ao deitar, já me sentia ali- dia, lá em Brasília, alguém descobriu ou enten- viado. O Ubirajara não tinha mesmo nada a deu que o setor era importante para a Caixa e ver com aquilo. Não era problema dele e nem não deveria ter sido extinto. merecia o que fiz. Se quisesse ser reconhecido, O setor foi recriado e a diretora adminis- eu teria que continuar trabalhando – e traba- trativa, Auta Bressaneli, é que me apresentava lhando bem – para crescer cada vez mais. O os novos colegas de trabalho. meu dia acabaria por chegar. - Ele vai trabalhar com você – repetia a cada Com essa disposição, nem foi tão difícil apresentação. assim enfrentar a tarefa de ensinar o serviço ao - Que bom. Seja bem-vindo – eu respondia. meu novo chefe, que nada sabia das atividades Vieram outros, vários outros, e eu sem- do setor. Ensinei o que pude, e só manifestei pre imaginando que um dia seria o chefe do leve impaciência quando ele insistiu em discu- setor. Era a solução natural, eu imaginava. Mas tir detalhes menos importantes. Sou detalhista quem disse que os dirigentes, lá do alto da pi- também, mas só em assuntos essenciais. Na- râmide, conhecem e adotam a solução natural? quele momento, minha tarefa era fazê-lo com- Um belo dia, dona Auta aparece e anuncia: preender o funcionamento geral do setor. - José Eugênio, quero lhe apresentar o senhor - Se quiser detalhes – eu disse –, procure um Ubirajara Valadão de Assis, o novo chefe do setor. professor de contabilidade, pois isso não me cabe en- Tenho que confessar: foi enorme a de- sinar a você. Não faz sentido. cepção. Nada contra o Ubirajara, que eu nem Acabamos nos tornando grandes amigos conhecia, mas como confiar no bom-senso das e voltamos a trabalhar juntos na Prefeitura de pessoas, depois disso? Fiquei tão desnorteado Vitória. Quando saí do Estado, até o levei para que saí até de uniforme – camisa branca, gra- trabalhar comigo durante algum tempo. vatinha e calça pretas e o sapato preto – e fui Cada etapa que vencemos nos dá forças me refugiar no Cine Paz, vizinho da Caixa. Vi para enfrentar a próxima. Os desafios, que an- o mesmo filme duas vezes seguidas, sem dar a tes pareciam imensos, não desaparecem, mas menor atenção ao enredo, e só voltei à Caixa encolhem e se tornam até sedutores. Quando por volta de cinco da tarde. Nem consegui fe- se quer aprender, crescer e criar, as dificulda- char a contabilidade do dia: dei uma desculpa des viram um estímulo e atuam como aliadas. qualquer e fui para casa. Creio que a isso devemos dar o nome de ma- Por intuição, experiência ou por conhe- turidade. cer bem o filho, meu pai logo percebeu que Quando soube que haveria novo concur- havia alguma coisa errada. Perguntou, contei a so na Escelsa (e eu já me formara em Econo- ele o que tinha feito e levei, no ato, uma bron- mia), não tive dúvida: ca monumental, histórica, dessas que ficam - É agora. Esta é a minha chance. 95

Alcançara bom nível, na Caixa. Nível seis Burlando o concurso, mandara nomear seu gen- ou sete, bastante avançado. Mesmo assim, pedi ro (meu colega de faculdade, cujo nome prefiro licença sem vencimentos, para me preparar. nem citar) para a vaga que eu conquistara, sem Negaram-me a licença. que ele tivesse sequer participado da seleção. - Bom, se não concordam, vou ter que pedir Minha revolta foi do tamanho do so- demissão. nho que eu acalentara. Explodi com o pobre Estudei muito, conquistei a segunda das do funcionário, que não tinha culpa nenhuma duas vagas e fiz todos os exames exigidos pela pelas estrelas do major: área de Recursos Humanos. Só faltava o do- - Pensei que isso aqui era uma empresa séria. cumento de exoneração da Caixa, mas os di- Como é que vocês fazem um papelão desses? Vou de- retores Walfredo Zamprogno, Walter Aguiar nunciar isso na imprensa. e Galba Ignacio Ferreira me convocaram para Por coincidência, meu pai, que nessa comunicar que precisavam de mim, não acei- época estava veraneando em Jacaraípe, passa- tavam minha demissão e me nomeariam subs- ra pela Caixa Econômica para me encontrar e tituto de inspetor de agências, além de substi- alguém lhe disse que eu estava na Escelsa. Ele tuto do meu chefe. E acenaram também com subiu e, vendo a minha aflição por me rouba- outras substituições. rem a vaga, após pedir demissão na Caixa, pro- - O problema não é esse – eu disse. – É que curou me acalmar: surgiu nova oportunidade e não quero perdê-la. - Vamos lá falar com o Harry, o diretor-pre- - Mas nós não vamos deixar você sair – res- sidente. ponderam os diretores. Só que ele não queria nos atender. - Neste caso, não me resta outra opção. Vou - Papai, nós não vamos embora sem falar com pedir demissão. ele, de jeito nenhum. Desci, protocolei o pedido de demissão e Eu já verificara que só existia uma saída subi com o recibo até o andar onde funcionava a da sala do presidente, e ele teria que passar por Escelsa, no mesmo prédio, o Edifício Castelo Bran- nós. O major teve que me enfrentar. Quando co. Fiquei por lá, esperando que o funcionário de viu meu pai, que o conhecia bem, ficou todo Recursos Humanos me atendesse para assinar o sem jeito. Quis ganhar tempo, começou a enro- contrato, pois já havia entregue toda a documen- lar as palavras, prometeu criar mais uma vaga. tação exigida, além do exame psicotécnico. - Não quero – eu disse. – Não piso aqui nun- Meia hora, uma hora, hora e meia e nada ca mais, nem pra pagar conta. Não piso. do sujeito. Quando pegamos o elevador, tive a gran- Lá pelas tantas, quando já não tinham de ideia: mais como me enrolar, o funcionário de Recur- - Vamos passar na Caixa. sos Humanos aparece, todo sem graça, e diz Fomos à seção onde eu trabalhava e vi a que havia um problema. dona Emília, da seção de protocolo. - Que diabo de problema é esse, se fiz o concur- - Emília, você já mandou para a diretoria o so, fiz os testes todos e fui aprovado? meu pedido de exoneração? O presidente da Escelsa era um militar, o - Não, Zezinho, está aqui. Vou mandar amanhã. major Harry de Freitas Barcelos, e naquele tem- - Posso lhe pedir um favor? Me devolva. po os militares ocupavam a direção de muitas Rasguei o papel e garanti meu emprego, empresas públicas. O que decidira esse major? mas nem assim sosseguei. 96

Secretário da Agricultura - 1972. Da esquerda para a direita: José Eugênio Vieira. Dr. Ivan Schalders e sua esposa Eliany. (Acervo do autor). 97

Separamos todas as publicações, registramos, organizamos e, assim, nasceu a biblioteca da Secretaria de Agricultura... 98 Doze

eu amigo Agostinho Merçon, também de Castelo, chefiava o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agri- cultura e queria reestruturar o setor. Quando me convidou para trabalhar com ele, como economista, não tive dúvida. Na Caixa, recebia o correspondente a 700 e poucos reais. MNa Secretaria, o salário seria de 1.702. Uma fortuna, para mim. Lá fui eu. Como não me ocorrera perguntar se o Estado pagava auxí- lio alimentação e plano de saúde, uma complementação salarial, surpreendi-me quando, ao final do mês, no meu contracheque não constava os valores equivalentes ao beneficio. Surpresa ainda maior me aguardava quando tive ciência de que a Secretaria não oferecia aos seus funcionários plano de saúde. O caminho, para os que necessitassem de assistência médica, era procurar o INSS, com todas as suas conhecidas limitações. Estava resolvido o problema profissional e de salário, tempo- rariamente, mas vivi outra decepção. Na Caixa, muito bem organizada em termos de gestão, ha- via planejamento para tudo. Até para gasto de material. Se alguém gastasse menos, tinha que justificar. Era uma forma de prever e até reduzir os gastos. Usava até o último centímetro aqueles rolos de papel utilizados nas máquinas de calcular e guardava para usar de novo, do outro lado. Essas regras vinham de Brasília, mas em Vitória a administra- dora de empresa Auta Bressaneli também cumpria seu papel com muita eficiência. A gestão dela na Caixa foi extraordinária. Por isso, quando comecei na Secretaria de Agricultura, dava até desespero. Estava tudo por fazer, tudo. Cada um tomava conta do seu terreiro, sem visão de sistema e de planejamento coerente e articulado. Para usar uma expressão grosseira, mas realista, era uma zona. Logo ao chegar, dei de frente com uma senhora já de certa idade, cujo irmão também trabalhava lá e que ela chamava de Degas. Comecei as mudanças, primeiro conversando, explicando por que estava ali e que missão recebera. Daí a pouco, ela veio me advertir: - Só quero ver na hora que o Degas chegar. Um negócio de louco 99

Era uma tentativa mais que explícita de todo mundo rir até soluçar. Como parceiro do intimidação. cantor Altemar Dutra, que nasceu em Aimorés Mas também havia por lá pessoas de e viveu durante muito tempo na Vila Rubim, ótimo nível, como Carlos Brás Cola, veteri- em Vitória, também gostava muito de cantar. nário e bom sujeito, experiente em lidar com Os dois foram parceiros da noite, e Fa- morcegos e ofídios que foi picado por uma co- gundes, além de contar ótimas piadas, tam- bra jararaca e teve até que amputar parte de bém tinha boa voz e sabia cantar todas as um dedo; os técnicos agrícolas Edson e Daury músicas gravadas por Altemar Dutra. Nossas Vaccari, o José Luis Neves Sudré, Jadir Viana viagens, por mais longas que fossem, pareciam Santos e o pessoal da área de cooperativismo, terminar depressa, porque Fagundes nos fazia como Adson Furtado, que depois se formou rir o tempo todo. Fomos bons amigos até o dia em Medicina. em que ele sofreu um derrame e nos deixou Além desses, o Roberto Guarçoni, a para sempre. moça chamada Januária, de cujo sobrenome Toda experiência adquirida na vida e não me recordo, e a própria Déia Fagundes no trabalho traz um novo ensinamento, que e seu irmão, Dagmar, que ela chamava de depois a gente vai aplicando. Sempre que al- Degas. guém pergunta onde está a origem do sucesso, O Degas, quando chegou, entendeu per- respondo: lá atrás, na escola, se você teve pro- feitamente a minha missão, assimilou as mu- fessores para te dar rumo, referências e conhe- danças, ajudou-me a organizar tudo e me deu cimentos. E continuo pensando assim. total apoio. Tornei-me seu padrinho de casa- Nesse tempo, além de frequentar as do- mento e padrinho de batismo da filha. Outro mingueiras do Álvares Cabral, na Praça Costa colega, que a gente chamava de “Edson Feijo- Pereira, tinha minhas namoradas e já come- ada” e se incorporou à equipe posteriormente, çara a dar aulas, no Maria Ortiz e no Gomes ajudou-me a organizar a biblioteca, que nem Cardim, no centro, além do Colégio Salesiano, existia. Livros em inglês, de grande valor e ca- onde passei cinco anos. ríssimos, eram amontoados em uma gaveta e Comecei pelo curso profissionalizante, jogados em um canto de arquivo. Um negócio dando aulas durante o dia e à noite e, no úl- de louco. timo ano, cheguei a ter 600 alunos. Tudo isso O primeiro desafio foi encontrar espaço. nos intervalos do trabalho, sem deixar a Secre- Encontramos. taria de Agricultura. Nem almoçava. Depois, veio a luta para adquirir prate- Saía às seis da manhã para o Salesiano, leiras, outra novela. Edson e eu tivemos que onde tomava café. Às sete, começava a aula, apelar para o secretário Osman Francischetto que ia até oito ou pouco mais. Às nove, che- Magalhães. gava à Secretaria. Saía ao meio-dia, engolia A partir daí, tiramos camisa, sapatos e um lanche rápido no Salesiano, dava aulas até meias, arregaçamos as calças e fomos à luta. duas horas e voltava para a Agricultura. Saía Separamos todas as publicações, registramos, às seis da tarde e corria para o Maria Ortiz. organizamos e, assim, nasceu a biblioteca da Lá pelas nove da noite começava no Gomes Secretaria de Agricultura. Cardim. Fagundes, especialista em cooperativis- Só às onze da noite conseguia chegar em mo, vivera uma experiência fantástica, traba- lhando diretamente com o governador Fran- casa. Para mim, foi uma experiência fantástica. cisco Lacerda de Aguiar, no Palácio. Gostava Aos 21 anos e vendendo energia, dava conta de contar histórias e mais histórias, que faziam do recado e ainda sobrava entusiasmo para 100

espairecer um pouco. O padre não perdoou ninguém: ordenou Trabalhar é muito bom, mas é preciso que devolvessem tudo ao lugar, trouxe uma respeitar certos limites, se a gente quiser fazer nota fiscal e distribuiu o prejuízo entre os pais. as coisas direito. Eu sempre quis. Meu pai nem entrava na sala. Dava aula da No Salesiano, começara com uma maté- porta e, quando voltei, foi da maior sinceridade: ria e, no final, já era responsável por quatro. Se - Zé Eugênio, nunca mais me peça para fazer isso. outro professor saía, o quebra-galho era sem- Não sei como é que você consegue dominar essa gente. pre eu. Entrei em estresse. Já não tinha tempo Com um colega que me substituiu lá, nem para corrigir prova ou planejar as aulas. Adilson Barreto Vivas, aconteceu a mesma Quando senti que estava me sacrificando em coisa: não conseguiu controlar a garotada. Se excesso e sacrificando os alunos, preferi sair, alguém me pergunta qual era o segredo, a téc- mas o diretor do Maria Ortiz, Guerino Dalvi, nica, a resposta é simples: entender as pessoas. nem quis conversa: Houve até um caso interessante, com - Você não pode sair. certo personagem, um rapazinho que não gos- O outro diretor era Dilton Lyrio Neto, tava da minha matéria, provavelmente não que foi deputado e deu aulas no tempo em gostava de mim e, durante todo o tempo da que fui professor no Gomes Cardim. Minha aula ficava lendo revistas. Tio Patinhas, Pato resposta foi definitiva: Donald, essas coisas. - Já é decisão tomada. Não quero prejudicar os Várias vezes o apanhei em flagrante e atuais e nem os futuros alunos, que nem sei quem são. chamei sua atenção, até que um dia pedi que Interessante é que, apesar de toda a mi- se retirasse da sala e me aguardasse na coor- nha liberalidade, tinha fama de professor rigo- denação, pois queria conversar com ele, jun- roso e, ao mesmo tempo, convivia muito bem to com o padre. O padre, o que fez? Escreveu com todas as turmas, mesmo no Salesiano, co- uma carta aos pais, pedindo que compareces- légio de classe média alta, a maioria alunos da sem à escola. Praia do Canto, com 40, 42 alunos por turma, Lá estava eu, cumprindo minhas obriga- entre os quais umas 35 meninas bonitas, de ções, quando chegam o doutor Érico de Freitas famílias tradicionais. Machado e sua esposa, dona Helga, velhos co- Mesmo sendo tão jovem, conseguia con- nhecidos nossos. Ele era compadre do meu pai trolar a turma. Sem gritos, sem ameaças e sem e padrinho de minha irmã Marina: bater a régua na mesa. De tempos em tempos, - Doutor Érico, há quanto tempo não o vejo? um ou outro aluno passava dos limites e eu ti- Fomos os três para a reunião com o pa- nha que levar ao conhecimento do padre Luiz, dre. Aí, olhei para ele: mas era raro. - Não acredito que seja o que estou pensando. Quando tive que fazer um curso em Bra- - Eu também não – disse ele. sília, durante uma semana, pedi ao meu pai Mas era, sim, o filho dele. Quem poderia que me substituísse, mas ele não conseguiu imaginar essa coincidência? Foi dos piores mo- conter a turma. Já no primeiro dia, cometeu a mentos que já vivi, mas ele nem me deu tempo tolice de colocar as cadernetas sobre a mesa e para justificativas. Apenas prometeu: foi um autêntico estouro da boiada: os alunos - José Eugênio, fique tranqüilo. Nunca mais vai quebraram a fechadura da porta e aprontaram acontecer. Quando chegar em casa hoje, o bicho vai pegar. tremenda confusão. No outro dia, o rapazinho chegou mais 101 dócil que noviça de convento. O que o pai fez, ao visitá-la, e nem usei qualquer técnica espe- não sei, mas funcionou. Continuamos a nos cial. Apenas cedi a um impulso, que mudou o dar bem, até o seu falecimento. clima na sala de aula sem dar trabalho à coor- O Salesiano adotava um sistema de du- denação da escola. Uma das alunas dessa clas- pla avaliação: o aluno era avaliado, mas tam- se hoje é deputada federal. bém avaliava o professor. Minha maior satis- Também é gostoso lembrar um fato que fação é que sempre recebi avaliações positivas, se deu no Dia dos Professores, ocasião de festa em conteúdo, dinâmica, comportamento, rela- na escola Maria Ortiz. Como tinha fama de cionamento. Tudo, sem exceção. rígido, já estava indo para casa, quando o dire- À noite, no Maria Ortiz, lecionava para tor Guerino Dalvi me viu saindo: cinco turmas de adultos, com irmãs de carida- - Não, você não pode ir embora. Hoje tem de, comerciários e pessoas de várias profissões solenidade no auditório, comemorando o Dia dos e só houve problemas com uma das classes, Professores. onde a maioria dos alunos trabalhava em ca- - Não, eu não vou ficar aí. Se eu entrar no sas de família ou no comércio. Uma das alunas auditório, vou levar uma vaia de todo tamanho, por- me deu muito trabalho. Era uma senhora mo- que a turma, comigo, não tem vida mansa. rena, meio avantajada e com um físico quase Acabou me convencendo. masculino. Ela tumultuava a classe, me cha- O auditório estava cheio. Calculei de mava de , só para perturbar, e um dia 300 a 400 pessoas, por aí. sumiu, não apareceu para a aula. - Não entro nesse auditório nem morto. Perguntei às colegas pela fulana, tentan- - Você vai entrar comigo, sim, e aqui pelo meio. do em vão me lembrar do nome dela. Entramos, e eu estava trêmulo. Aí, a tur- - Ah, ela entrou numa briga com um homem ma inteira se levantou e aplaudiu. – disseram as colegas. – Pegou uma garrafa e voou Pensei que aplaudiam o diretor, muito pra cima do cara. Aí, o cara tomou a garrafa e par- querido na escola. E me sentei lá na frente, tiu na cabeça dela. Agora, está hospitalizada aqui sem jeito e com medo de que a qualquer mo- perto, na Associação dos Funcionários Públicos. mento aprontassem alguma comigo, usando No sábado, comprei maçãs, um buquê qualquer pretexto. de rosas e fui visitá-la. Quando entrei no quar- Aí, veio a hora do espanto. to, ela estava com seus parentes e virou as cos- Fui chamado para compor a mesa e tas para mim. homenageado pelas cinco turmas, por incrível - Vim para saber como você está e te deixar que pareça. Homenageado pela forma de tranqüila – eu disse. - Quando você voltar, veremos dar aula, pelo respeito para com os alunos e um plano de recuperação. Trouxe umas flores para por outros atributos que os alunos tiveram você. Se você não quiser olhar, não olhe, mas estão a generosidade de inventar e me oferecer. aqui. E algumas maçãs também. Além disso, presentearam-me com um livro, Aos poucos, ela foi se virando e passou que guardo para sempre, com assinatura e a conversar com a família e comigo. Quando dedicatória de todos. Autoridade, respeito e voltou para a escola, passou a ser a minha austeridade fazem bem a todo mundo, mesmo maior aliada, na sala de aula. Ai de quem gri- que alguns não pensem assim. tasse ou mesmo falasse alto. Ela mandava a pessoa calar, no ato. Não tive esse propósito, 102 103

Elizabeth França

O cenário da repartição pública e agitação dos colegas desapareceram no tempo e no espaço. Só ela ficou, naquele canto da sala, solitária e eterna. 104 Treze

esse período de duro trabalho, quando tudo parecia ir bem, a morte do meu pai, aos 49 anos de idade, foi para mim um momento dilacerante. Hipertenso, ele lutara bravamente durante toda a vida para manter a família. Pai e amigo, tive sempre com ele uma relação fraterna e aberta. NSou, e não nego isso, absolutamente emotivo. Chorei sua morte durante mais de 30 dias e durante muito tempo me senti desamparado ao voltar para casa a cada dia e não o encontrar. Ficou um vazio enorme, que nada ou ninguém podia preen- cher. Chorei na juventude a morte do meu pai e choro ainda hoje, sem nenhum pudor, na morte de um amigo ou vendo a cena triste de um filme. Às vezes, até ao lembrar algum episódio que tenha sido muito marcante para mim. Nenhum homem deve ter medo das lágrimas, que são uma expressão de sua sensibilidade, confirma William P. Young em “A Cabana”: - Jamais desconsidere a maravilha de suas lágrimas. Elas podem ser águas curativas e uma fonte de alegria. Algumas vezes, são as melhores palavras que o coração pode falar. Muitas vezes me perguntei o que teria levado meu pai a sofrer um derrame. Desde que viera morar em Vitoria, sendo convidado pelo en- tão governador Cristiano Dias Lopes Filho para auditor do Tribu- nal de Contas, parecia haver superado finalmente o período mais difícil de sua eterna batalha para dar conforto à família. Mas a posse no cargo só ocorreu quase oito meses depois, agravando as preocupações que o atribulavam. Durante mais de um ano, ele vinha substituindo todos os meses, sem remuneração, os conselheiros do Tribunal de Contas,

lágrimas e amor naquela época ainda chamados de ministros. Acontece que o ex-governador Cristiano, por ter problemas com o auditor Totó, cortara certas vantagens dos auditores, como os dois meses de férias e a remuneração aos substitutos. Tempos depois, quando foram restabelecidas essas vantagens, o presidente do Tribunal de Contas, doutor Senites Moraes, apoia-

Sem medo de do por seus pares, decidiu convocar o auditor Constantino para 105 essas substituições, contrariando os interesses do o destino mais uma vez torceu por mim. de uma Auditora. Era um desses dias que estimulam diva- Penso que, naquela sessão fatídica, esse gações, lembranças e introspecções, imprová- confronto abalou profundamente o meu pai, e veis em uma tarde de trabalho na Secretaria isso o levou a sofrer o derrame. de Estado da Agricultura, onde eu exercia a Desse amargo período, lembro com gra- função de economista. tidão o nome de Ciro Medeiros, amigo que foi Nossa rotina do trabalho fora inter- verdadeiro irmão do meu pai e, nos momentos rompida para a comemoração do aniversário mais difíceis, socorreu a família. de um colega, e conversava com um amigo, Sim, chorei longa e dolorosamente a per- também economista, em um canto da sala, da do meu pai, mas aprendi também a lição de quando ele chamou minha atenção para uma que a morte é uma passagem: as pessoas que jovem morena, magra, alta e muito bonita. nos deixaram continuam presentes, enquanto Pensou que a moça estava olhando para ele, suas lições de vida não forem esquecidas. de forma muito discreta. Tanto ele quanto as suas lições serão, Ledo engano do rapaz: a moça olhava para sempre, inesquecíveis. para mim, com aquele jeito sonhador que só Meu amadurecimento como homem as românticas e misteriosas mulheres macha- ocorreu muito cedo. dianas sabem praticar. Mais velho dos irmãos, com a morte A emoção, além de inesquecível, é difí- do meu pai fui indicado por minha mãe para cil de descrever. Só posso dizer que basta fe- substituí-lo na liderança da família. Uma car- char os olhos, hoje, para rever aquela moça, ga pesada, para o jovem de 25 anos, mas desde sua blusa de lã cor-de-rosa e as curvas de um a adolescência sempre me preocupara em dar corpo que parecia saído de uma das telas de alguma contribuição à vida familiar. Rembrandt. Além disso, os exemplos do meu avô O cenário da repartição pública e a agi- e do meu pai mais uma vez foram decisivos tação dos colegas desapareceram no tempo e para que honrasse a memória deles e atendes- no espaço. Só ela ficou, naquele canto da sala, se à expectativa da minha mãe. Sem deixar de solitária e eterna. olhar para trás, passei a encarar o futuro como Ao final do expediente, desci para pegar consequência direta das escolhas feitas no pre- meu TL Sport vermelho. Ainda chovia tor- sente. rencialmente e muitas ruas estavam alagadas, - Para tudo há uma solução – ensinara meu mas era como se a tarde tivesse reinventado o avô Vieira, e essas palavras ecoavam na minha sol, para iluminar a bela morena, ao cruzar o cabeça e fortaleciam minha determinação de meu caminho. Além de cumprimentá-la, per- superar dúvidas e incertezas. guntei se aguardava alguém. Assumi a responsabilidade com a certe- Não, ela não esperava por ninguém e es- za de que toda a minha vida anterior fora uma tava indo para casa, na Praia do Canto, Rua preliminar ou um treinamento para enfrentar Saturnino de Brito, 700. os grandes embates que viriam agora. Eu me - Que coincidência - eu disse. – Também estou sentia preparado. indo para a Praia do Canto. O tempo passou e veio uma tarde chu- (Mentirinha inocente e necessária: na vosa, de céu cinzento e mar encrespado, quan- realidade, meu destino era a Rua Alziro Viana, 106

356, no centro, mas o instinto determinou a mudança de rumo). Embora fosse noivo de outra, nessa oca- sião, algo mais forte se impôs. Não era a le- viandade da simples conquista, mas uma cer- teza que se apossou do meu corpo e da minha alma. Dela, daquela mulher vista pela primei- ra vez, desprendia-se uma sedução misteriosa, que se inclinou sobre mim e penetrou, certei- ra, até o mais intimo dos meus sonhos. O que senti ultrapassou a facilidade epidérmica do desejo e foi até aquele lugar onde se escondem as aspirações mais sutis do homem. Percebi, num relance de olhos, que aquela mulher trazia em si, em seu corpo, em sua voz, em seu perfume, a água da sede, para a qual não há roteiro, mas poço cuja frescura o viajante cheira no ar, mal dela se aproxima. O deus do amor da Mitologia grega acertou-me em cheio com sua flecha. O amor chegara. Logo em seguida, fiquei sabendo que ela tinha um namorado. Mas e daí? William Shakespeare, em suas Elizabeth Dutra França – Década de 1970. peças, escritas há 500 anos, já resolvera conflitos (Acervo do autor). bem mais graves que esse. Minha família, à medida que tomava co- nhecimento da história e percebia minha paixão, - Um dia você ainda será governador do Es- dava o seu total e desejado apoio a essa grande tado – ela dizia, repetindo mensagens que garantia reviravolta em minha vida. Só a Rita, minha haver recebido, como espírita e médium que era. irmã, agora já falecida e que era muito amiga da A sabedoria popular ensina que, se o ho- minha ex-noiva, preferiu se manter à distancia. mem põe, Deus dispõe. De repente, o curso Namoramos durante nove meses, um dessa história entrou em novo ritmo. período povoado de sonhos e projetos, en- Em julho de 1976, um irmão de Elizabe- quanto minha atividade profissional ganhava th, Alexandre, iria se casar com Rita. O ato civil contornos cada vez mais definidos e com pers- aconteceria em uma fazenda no município de pectivas de sucesso. Muqui, com vasto churrasco, à moda da região. Combinamos não formalizar o noivado. Impaciente com a demora do tabelião O rompimento com a ex-noiva fora traumati- que iria oficializar a cerimônia, o médico pe- zante, tanto pelo olhar quase suplicante da jo- diatra Cely Carvalho, meu futuro sogro, pe- vem quanto pela surpresa e decepção da mãe diu-me que o levasse a Muqui, para buscar o dela, que sempre me dedicara sua admiração escrivão. Durante o percurso, entre um assun- e amizade. to e outro, de repente ele disparou a pergunta, 107 de forma educada, mas incisiva e quase afir- mativa: - José, essa historia que ando ouvindo de que você e minha filha vão se casar em setembro procede? Respondi que sim, dando origem à se- gunda pergunta, mais objetiva e razão de ser do inesperado diálogo: - E vocês vão ficar noivos? Não esqueça que moro em cidade interiorana, onde as pessoas imagi- nam e comentam tudo. “Será que ela está se casan- do grávida?” Não, meu amigo, vocês terão que ficar noivos. Ouvi, sem retrucar. Retornando à fazenda e realizada a ce- rimônia civil do casamento, o escrivão subiu à varanda do casarão, convocou os convidados e anunciou um comunicado importante. Con- fessando-se lisonjeado e com grande emoção, Casamento de José Eugênio e Elizabeth – Igreja Santa Rita de Cássia – Praia do Canto 1976– Dama de Honra: Giovana Vieira dos Santos. disse ter sido escolhido pelo doutor Cely como (Acervo do autor) porta-voz de uma boa notícia para a família e todos os amigos e parentes: - Nesta data, a filha do anfitrião está fican- aprofundar a convivência e dar início à constru- do noiva do doutor José Eugênio. ção dos fundamentos da vida em comum, com Perplexos, a noiva e eu mergulhamos no a certeza de que irão se fortalecer ao longo dos maior silêncio. Minha mãe, Dalila, tão perple- anos. xa quanto nós, correu para perguntar que his- Tem sido assim a nossa vida de casados: toria era aquela. Jurei que nem eu sabia. um permanente aprendizado de tolerância, - E onde estão as alianças, meu filho? flexibilidade e divisão de tarefas. Divergências Claro que não havia alianças, naquele dia, acontecem, como na rotina de todos os casais, mas a falta delas não estragou em nada o ro- mas nossa disposição é sempre de superá-las e mantismo do noivado, que é sempre o tempo de afastar qualquer risco de separação.

*** Foram padrinhos: José Eugênio – Dona Abrimos mão de exigências, procuramos Terezinha (minha colega de trabalho) e Campeão compreender as necessidades e preocupações (Antônio Carlos dos Santos), Inês Maria Magalhães um do outro e colocamos a conciliação como e Carlos, Eliane Penedo e Roberto, Etel (Rosinha) dos nosso objetivo permanente. Santos e Jadir e Neusa Vargas Vieira e seu esposo. Consciente do temperamento de minha Beth – Cely e Elcio Turra, Dona Maria esposa, que é também amiga e companheira, (avó materna) e Amadinho (tio materno), Rita e muitas vezes coube a mim a opção de ceder, Alexandre França, Dora e esposo. sem jamais me sentir diminuído ou humilha- do. Aprendi a conhecê-la melhor, amar tudo 108

aquilo que ela tem de bom e ignorar o que mamadeira e cantando para Lucas canções de posso chamar de supérfluo. ninar. Para mim, cuidar dos pequenos e impor- Diante de certas recomendações e recla- tantes detalhes da criação dos filhos foi uma mações, chego a usar, se for preciso, o artifício experiência fascinante, a exemplo da atenção de dar a impressão de concordar com tudo, que recebi dos meus pais, quando criança. mesmo que já tenha a intenção de fazer as coi- Essa herança é que me orientou na sas do meu jeito. Essa atitude não gera mágoa educação de Phelipe e Lucas, procurando e, assim, evitamos um confronto desnecessá- me tornar amigo deles, como fui do meu pai, rio e que poderia ser desgastante. e transmitir aos dois os valores da lealdade, Nossos filhos, Phelipe e Lucas, enrique- honradez, ética e respeito, princípios que cendo as nossas vidas, desempenham também aprendi com meu avô e meu pai e que nos um papel importante nessa busca permanente difíceis dias de hoje muitas vezes são esque- de harmonia e entendimento, pois colaboram cidos pelas pessoas. para quebrar a rotina natural e prolongada do Penso que é importante essa presença casal, que poderia ser uma ameaça, por esva- constante ao lado dos filhos, até para com- ziar o sentimento de amor. preendermos as diferenças entre a educação Reconheço que minha intensa dedica- atual e aquela que recebemos dos nossos pais. ção ao serviço público, com sucessivas viagens A geração atual pode classificar certos valores e múltiplos compromissos, que às vezes me morais como “caretas” e ultrapassados, mas afastaram de casa por longos períodos, pre- um dia acaba por compreender que são valo- judicou o meu relacionamento com a esposa, res legítimos em qualquer época ou lugar, para por alguns anos, e com o primeiro filho, Pheli- que não se deixem contaminar pelas mazelas pe, quando ainda era bem novinho. deste nosso século vertiginoso. Quando nasceu Lucas, o segundo filho, Adotamos, na educação dos filhos, uma após a reconciliação, pude ter presença mais espécie de liberdade vigiada, permitindo que constante e ajudar a minha mulher, princi- tomem suas próprias decisões, de acordo com palmente à noite, trocando fraldas, fazendo a idade, e discutindo livremente com eles in-

Phelipe – 1º filho 1983. Lucas - 2º filho – 1996. (Acervo do autor) (Acervo do autor) 109 formações e fenômenos próprios deste nosso escola, não conseguindo me desvencilhar dos tempo. atendimentos de agenda para cumprir estas A educação compartilhada por marido atividades tão importantes na formação edu- e mulher, além de assegurar o equilíbrio entre cacional do meu filho. querer e poder, entre sonho e realidade, abre Nesta ocasião ele já praticava “capoei- caminhos que nos permitem levar aos dois ra” e em todas as apresentações, inclusive de os assuntos próprios da idade de cada um. E mudança de faixa, raras foram as vezes que procuramos não interferir, quando vivem um lá compareci. Quando das solenidades em co- problema pessoal que pretendem resolver so- memoração ao dia dos pais, acredito ter sido zinhos. outra frustração do Phelipe, quando quem O grande respeito que tenho pelas opini- comparecia era sua mãe Beth. ões de minha esposa se deve em parte à convi- O Phelipe já começava a dar trabalho na vência que tive com outras mulheres, no meu escola. Certa vez caiu de um pé de goiaba e fez espaço de trabalho. Aprendi a admirar essas um corte na testa. Outra ocasião brigou com mulheres por seu talento, equilíbrio e deter- alguns colegas dentro do ônibus escolar e che- minação. Muitas contribuíram para a minha gou a repetir o ano, face ao baixo desempenho própria formação profissional. em matemática. Ainda que me penitenciando previa- Ai acordei! Programei-me para partici- mente por qualquer omissão, cito Irene There- par de uma das solenidades do dia dos pais. zinha Greco Basilio, Maria da Penha Moraes Chegou a hora e o gabinete estava lotado Neto e Joanita Lima. para atendimento. Via as horas passarem sem No exercício de minhas atividades, na conseguir me ausentar, até que em dado mo- posição de comandado ou de comandante, ja- mento, levantei-me, avisei a todos do compro- mais vivi qualquer dificuldade para trabalhar misso e se alguém ainda quisesse me aguardar, ao lado delas. Admiro principalmente as mais voltaria após a solenidade. sensíveis, educadas e atenciosas no trato com Quando lá cheguei, a Penha já estava as pessoas, porque essa postura é dever e obri- desesperada, pois o único pai ausente era eu. gação de todo servidor publico, quando solici- Segundo seu relato, o Phelipe procurava com tado a discutir ou resolver qualquer problema. os olhos a todo o instante ver se eu chegava. Durante alguns anos fui bastante negli- Quando me viu, saltou sobre o meu pescoço, gente com a minha esposa e filho mais velho, o numa alegria que me fez chorar. Dai em diante Phelipe. Não o vi crescer e nem acompanhava mudei minha postura e a família passou a ser o seu dia a dia na escola. Quando foi matricula- o principal. Com o Lucas já foi dessa maneira do no ensino fundamental na escola Primavera e guardo até hoje, as lembranças que um e (Nobel), a sua diretora Penha tornou-se minha outro me distinguiram nestas ocasiões. amiga, quando em algumas ocasiões aproveita- va para consultá-la sobre questões pedagógicas. Em todas estas ocasiões, fazia-me reprimendas por não encontrar tempo de participar das ati- vidades extra-curriculares do Phelipe. Era eu o único pai que não participava das solenidades, ora por estar em viagem e ora tão perto da 110

Mensagem do Phelipe quando da comemoração da data do Dia dos Pais. Mensagem do Lucas quando da comemoração da data do Dia dos Pais. Escola Primavera – s/data. Escola Primeiro Mundo – s/data. (Acervo do autor). (Acervo do autor). Família

Foi assim com meus avós, foi assim com e normativo, como registra Michelle Perrot. meus pais. A família formava bons cidadãos Mas essa rejeição é ao nó, não ao ninho. A transmitidos pelos pais aos filhos conceitos de casa é, e contiua sendo, cada vez mais, o cen- honra e de respeito às pessoas e ao País. Era, tro da existência. até a geração anterior à de meus pais, uma Concordo com a pensadora, muito an- família celebrada, patriacal, dominada pela tes de ter lido seus textos, exercitando com figura do pai, ou, eventualmente, matriacal, minha esposa, a ideia de que, nesse terceiro dominada pela figura da mãe. O pai encarna- milênio, os aspectos positivos da família conti- va e representava o grupo familiar, cujos inte- nuam sendo a “solidariedade, a fraternidade, a resses sempre prevaleciam sobre as aspirações ajuda mútua, os laços de afeto e amor”. dos membros que a compunham. Como na geração de meus pais, minha Meu pai quebrou essa tradição quando casa oferece aos meus dois filhos, nesses tem- decidiu, por vontade própria, deixar a ativida- pos conturbados, abrigo e proteção, calor hu- de rural da família para procurar sua realização mano e a necessária liberdade para a realiza- pessoal no campo dos estudos acadêmicos. ção de seus sonhos e legítimas ambições. Vê-se nesses novos tempos, recusa àque- Os dois filhos ficaram adultos, o le modelo visto como excessivamente rígido primeiro formou-se em Direito, hoje Defensor 111

Público Estadual, concursado. da de um veículo da Beth, para mim, através Lucas cursa Medicina. de financiamento junto ao Banco Safra. Phelipe tem uma personalidade forte e No tempo, pouco a pouco, realizamos condena com veemência os desvios de setores reformas e adaptações que a transformaram da sociedade, principalmente dos homens pú- num paraíso, com uma área de dois mil e qui- blicos. Admiro o seu compromisso profissional nhentos metros quadrados, um oasis cercado e a sua sensibilidade ao procurar ajudar os mais de mata natural por todos os lados. necessitados e excluídos, sem acesso aos serviços Boa parte dessas memórias foram escritas públicos. O seu trabalho socializante com os pre- nesse ambiente paradisíaco, aconchegante e bu- sos e suas famílias, orientando-os e, em algumas cólico, de onde se admira a riqueza da fauna e ocasiões, buscando auxiliá-los na busca de novas da flora do Espírito Santo, procurando identifi- oportunidades é comovente e me faz crer que os car os pássaros e outras aves registrados no livro exemplos que marcaram a conduta dos nossos “Aves do Brasil- Uma Visão Artística”, de Tomas ascedentes ultrapassaram a minha geração. Sigrist, a mim indicado por André Ruschi. O Lucas puxou o avô materno, o médico pediatra Dr. Cely, até no jeito de andar e fa- lar. É impressionante como os dois se parecem no comportamento e nas atitudes. Ouve mais do que fala, sempre atento, como se buscas- se sempre novas formas de aprendizado. Seu senso de responsabilidade se estende à área de estudos, ciente e consciente de sua res- ponsabilidade, como futuro médico. Os dois filhos já não nos acompanham, cada um deles envolvido por suas necessida- des e exigências pessoais. Se a eles minha esposa e eu pudemos assegurar ambiente familiar sadio, no exemplo cristão de postura honrada, não nos foi possivel lhes propiciar o conforto da independencia financeira que só agora, ao atingirmos a curva descendente da vida, conseguimos conquistar através de um patrimônio imobiliário, além da casa própria adquirida antes do casamento. Há oito anos adquirimos uma casa na sede de Domingos Martins, construção de 23 anos, no bairro Vivendas do Imperador. Comprada por R$ 160 mil, usando 120 mil reais da conta-poupança de minha espo- sa no Banco do Brasil e os recursos de minha poupança no Banestes da Praia do Suá, conse- Residência de Domingos Martins - 2010. quencia de uma operação familiar, com a ven- (Acervo do autor). 112

Place de La Comedie - Montpellier - 1979. (Acervo do Autor) 113

Montpellier, capital da província do Languedoc, no Sul da França, é uma cidade tipicamente estudantil. 114 Quatorze

udo começou quando fui chamado ao gabinete do secretário da Agricultura, Belmiro Perini, em 1979, e soube que ele me indicara para um processo seletivo a ser realizado em Brasília, como primeiro passo para um estágio em planejamento agrí- cola na cidade de Montpellier, França. Concordei mais para Tagradá-lo, pois eram apenas cinco vagas. Entretanto, três meses depois recebi telegrama do Ministério da Agricultura, convocando-me a Brasília para o processo de se- leção. Cento e cinco candidatos participaram dos testes. Quando deixei a sala dos exames, levando algumas respostas escritas na pal- ma das mãos e comparei com as de outros concorrentes, vi que não acertara nenhuma questão. Retornei a Vitória sem esperança de sucesso, mas tive outra surpresa: um telegrama informando que era um dos cinco selecio- nados e deveria voltar a Brasília para um teste de conhecimento da língua francesa, na própria Embaixada da França. Mais uma vez saí da sala sem esperança, consciente que havia feito uma salada mista de francês com inglês. Meu último contato com a língua francesa vinha do tempo do ensino fundamental e mé- dio, em Castelo. Aguardamos os resultados no prédio da embaixada e, quando me chamaram, recebi a orientação de me matricular em um curso intensivo na Aliança Francesa logo que chegasse a Vitória. Era julho e, cumprida a etapa de seleção, no Brasil, o curso de planejamento agrícola começaria em setembro daquele ano de 1979, mas a corrida de obstáculos ainda nem começara. O primeiro problema aconteceu quando solicitei licença ao Governo do Estado para sair do Brasil. Na época, o governador Eurico Resende assinara um decreto de contenção de despesas que proibia a saída de servidores do Estado para cursos, seminários ou especializações tanto no Brasil quanto no exterior. Após muita negociação com as diversas áreas do Governo, encontramos uma solução, que o governador aceitou: pedir licença sem vencimentos, enquanto durasse o curso. Tive que vender um automóvel e aluguei o apartamento no Jardim da Penha a um fun- cionário da Vale. Viveríamos nos próximos meses com esses recur- sos limitados e mais os 1.800 francos mensais da bolsa de estudos

Paris, primeiros passos Paris, paga pelo governo francês. 115

Deixamos o aeroporto de Vitória no dia de mestrado e doutorado na França. 3 de setembro de 1979, com destino ao Rio Essa FIAP parecia uma Torre de Babel, de Janeiro, para solicitar o visto de entrada onde entravam, saíam e se misturavam, o tem- na França, e no dia seguinte eu e Beth já ha- po todo, africanos, árabes, europeus, chineses, víamos conseguido a liberação do passaporte. japoneses e gente de outros cantos do planeta, O embarque no aeroporto do Galeão estava cada um com as roupas típicas do seu país e programado para a meia-noite, mas na última todos apressados, naquela excitação natural hora ainda houve uma troca de aeronave e de quem inaugura uma vida diferente e pro- uma alteração na rota. Deveríamos embarcar visória. em um DC 10 da Varig, com destino a Paris, O apartamento que nos deram – o 204 mas acabamos viajando em um 707 da pró- – tinha duas camas, armário embutido e lava- pria Varig, com escala em Lisboa. tório. Sem banheiro, mas pelo menos vizinho A viagem foi tranqüila. A 5 de setembro, de um. Que banheiro! Só de olhar para ele vi- desembarcamos no aeroporto de Orly, que me mos que há tempos não era utilizado. Por isso, pareceu confuso e desorganizado. Até um car- nossa primeira providência foi procurar um rinho para transportar a bagagem era difícil de armazém de secos e molhados ou mercearia, conseguir. Um autêntico “salve-se quem pu- para comprar material de limpeza e higiene der”. Se os passageiros não ficassem atentos, pessoal. corriam o risco até de perder as bagagens que Após o banho, descemos para o refeitó- giravam nas esteiras, pois já naquela época rio, mas já na primeira garfada de arroz foi o ninguém conferia os tickets. maior vexame: era mais doce que goiabada. Nos maiores aeroportos europeus, os Cuspi tudo. Ainda bem que ninguém ali se funcionários e prestadores de serviços, carre- conhecia e todo mundo só estava preocupado gadores de bagagens, motoristas de ônibus e com sua própria vida e com as exigências da taxistas falam o espanhol e o inglês, para fa- burocracia. A culinária francesa às vezes utili- cilitar a comunicação com os viajantes. Mes- za açúcar em excesso e quem está acostumado mo com alguma dificuldade de entendimento, com pratos bem temperados estranha. fomos em frente, seguindo o roteiro que nos No dia seguinte, fomos cumprir nosso deram: do aeroporto, em um ônibus da Air compromisso com a burocracia e, mais uma France, até a estação dos Invalides. vez, enfrentamos dificuldades de comunicação, Aí já foi mais complicado, porque a re- atenuadas felizmente pela presença de uma bra- cepcionista da empresa, além de falar muito sileira. Recebemos 2.621 francos, referentes à depressa, deixou claro que não teria paciência bolsa de setembro e à ajuda para viagens e aqui- de nos ajudar a preencher a papelada exigida sição de livros. A próxima parada seria no BNP - pelo Governo francês. Ainda bem que apare- Banco Nacional de Paris, onde cometi a segunda ceu uma paulista que falava fluentemente o gafe do dia, tentando abrir a porta. francês e nos ajudou bastante. Enquanto isso, Empurrei, puxei, reclamei e, só depois a recepcionista entrava em contato com o de algum tempo, descobri finalmente que bas- CIES – Centre International des Étudiants et tava apertar um pequeno botão para a porta Estagiaires, que mandou uma kombi para nos abrir. Enquanto isso, um grupo de cidadãos da levar até o FIAP, uma espécie de lar interna- Costa do Marfim, também alojado no FIAP, cional, aberto aos que faziam estágios e cursos dava risadas às minhas custas. 116

Mais tarde, após o jantar, saímos para No dia 10, partimos do aeroporto de conhecer as redondezas e para aguardar o es- Orly-Ouest com destino a Montpellier, onde curecer, que no verão só acontece depois de o CIES nos encaminhou à Prefeitura de Po- 21h. Os cafés e os bares ficam cheios até mais lícia para obtermos o visto de permanência tarde, há uma legião de turistas entrando e em território francês. Além disso, os franceses saindo dos restaurantes e a cidade parece ain- providenciaram a carteira que nos garantiria o da mais agitada que durante o dia. acesso aos restaurantes universitários e, como Ainda faltavam os exames médicos em os alojamentos do IAM- Instituto Agronômi- um hospital, no dia seguinte, para garantir- co de Montpellier eram só para solteiros, assi- mos nosso acesso aos serviços da seguridade namos o contrato de locação do imóvel onde social, e enfrentamos uma fila semelhante às iríamos viver nos próximos tempos. do INSS, no Brasil. O “studio”, como os franceses chamam Mas pelo menos não houve problemas esses pequenos apartamentos de quarto, cozi- de comunicação, porque a enfermeira que re- nha e banheiro, ocupados quase sempre por colheu as amostras de sangue era angolana. artistas e estudantes, ficava à 7, na Rue des Sobrou tempo, no dia 9 de setembro, Carmes du Palais, bem no centro da cidade, para uma excursão patrocinada pelo CIES, e onde o casario é todo antigo e não pode sofrer passamos por todos os pontos de Paris que os qualquer tipo de intervenção e mudança na turistas querem conhecer e por outros que os parte externa. parisienses querem mostrar, por uma questão Mais uma vez, um quarto com duas de orgulho: Hôtel des Invalides, Torre Eiffel, camas e a pequena mesa com duas cadeiras, Notre Dame, Avenue des Champs Elysées, mas agora com uma cozinha mínima, acopla- Place de La Concorde, Arc du Triomphe, Jar- da ao quarto, pia, geladeira e fogão elétrico, din des Tuilleries, Parc du Champs de Mars, um guarda-roupas e, graças aos deuses, um Palais de Chaillot, Musée de L’Homme, Mu- banheiro com chuveiro, vaso, pia e bidê, além sée D’Art Moderne, Théâtre des Champs Ely- do aquecedor. Só não havia roupa de cama e sées, Grand Palais etc e tal. vasilhas.

José Eugênio em frente à Torre Eiffel – Paris – França – 1979. 7, Rue des Carmes du Palais – Studio a direita – Montpellier – França – 1979. (Acervo do autor) (Acervo do Google Maps) 117

Decididamente, não seria jamais o lu- gar que escolheríamos para passar sequer al- guns dias, mas o que fazer, se a habitação para quem chega sempre foi um dos problemas mais sérios das cidades francesas? Vencida a primeira decepção com a nossa moradia, arregaçamos as mangas e fomos à luta. De novo, a compra de material de limpeza, mas desta vez acompanhado de utensílios domésti- cos e alguns alimentos. Retornamos e fizemos tremenda faxina. Enquanto eliminávamos a po- eira e o mofo da nossa moradia, tentei animar a Faculdade de Letras “Paul Valéry -, Montpellier – 1979. Beth com a expectativa de que nos dias seguin- (Acervo do autor) tes poderíamos procurar outro local. Bem que tentamos, com a ajuda de um um curto bate-papo com Flávio, fui fazer o amigo brasileiro chamado Luis Tortura, mas teste e me saí tão bem que me matricularam foi inútil. no terceiro ano do curso e não no primeiro, Montpellier, capital da província do como Paris recomendara. Languedoc, no litoral sul da França, é uma ci- A minha classe era a 302 e a turma se dade tipicamente estudantil. Abriga a primeira compunha de um coreano, um japonês, duas escola de Direito da França, criada em 1160, alemãs, um mexicano e um iraniano. Um pou- e sua escola de Medicina, de 1180, é a mais co de cada parte do mundo. O curioso é que antiga do mundo. A economia local se baseia a professora não admitia que nos tornássemos na indústria e no turismo. E na agricultura, amigos uns dos outros. Sempre que isso estava que tem menor peso econômico, a principal para acontecer, ela até nos separava. atividade é a cultura do vinho. No mês de setembro, as escolas da Fran- Ainda em Paris, fizemos um teste de ça ainda estão em férias e, dos três restauran- conhecimento da língua francesa que foi um tes universitários da cidade, só o Triolet estava fiasco. A única coisa que aprendi – devido à funcionando e que fica próximo à Université forte dor de barriga provocada pelo nervosis- Paul Valery. Como as aulas da manhã iam de mo – foi perguntar onde ficava o banheiro. oito às 13 horas e o restaurante fechava às Por isso, recomendaram que, chegando 13h30m, ficou muito difícil fazer as refeições a Montpellier, procurasse a Universidade Paul junto com a Beth, pois acabávamos enfrentan- Valéry para um curso de letras, como inician- do apenas as sobras. Ainda por cima, geladas. te. Veio mais um teste. Desta vez, entretan- Tive que me contentar muitas vezes com um to, a professora, percebendo meu nervosismo, pedaço de pão e um refrigerante. lembrou que havia um brasileiro em outra sala Quando os outros restaurantes passa- e me levou até lá. ram a funcionar, Port, Botonnel e Des Arceaux Olha só a surpresa: era um conhecido em um deles – chamado Les Arceaux – acon- meu, de Brasília, chamado Flávio, que passou teceu um pequeno conflito: ao tentar retirar a me dar carona diária em seu carro até a fa- um prato de salada que estava sob outros, a culdade. A segunda surpresa é que, depois de pessoa que servia as refeições deu-me um tapa 118

na mão, como se estivesse tratando com um Nesse local, pela primeira vez, vimos cenas de menino atrevido. topless, com moças e até senhoras de maior Olhei firmemente nos seus olhos e a idade. chamei de “gorda filha da puta”, e a mulher Estavam conosco o Toninho e a esposa não reagiu. Beth, envergonhada, me advertiu Tereza, capixabas de Alegre, além do Gaúcho para não tratar alguém assim, pois eu nem sa- e de outras pessoas. Logo ao chegarmos, Luís bia com quem estava falando. Só que acabei pendurou um saco de lixo no galho de uma sabendo, um dia: descobri que a tal mulher era árvore e recomendou que qualquer coisa des- portuguesa. Se ela entendeu ou não, até hoje cartável fosse jogada ali. Ao término do chur- não sei, mas a reação funcionou. rasco, recolhemos tudo, incluindo as cinzas, e Ainda em setembro, Luís Tortura e amarramos o saco de lixo, que foi colocado no sua esposa, Cássia, nos convidaram para um porta-malas do carro e transportado até a casa churrasco às margens do Rio Peyrou, per- deles. to da cidade, onde as águas eram tão lím- Uma autêntica aula de civilidade, apren- pidas, que dava até para vermos os peixes dida com os franceses. Após séculos de sujeira, no fundo. Não se via sequer um palito de hoje eles sabem cuidar do lixo, para que não fósforos nas margens ou nas águas do rio. acabe com a paisagem. 119

Praça São Marcos - Veneza - 1979. (Acervo do Autor)

Depois, seguimos viagem para Veneza, onde a Praça de São Marcos foi o cenário de um golpe no qual perdemos dez mil liras 120 Quinze

inda no período do curso de francês, houve uma semana de recesso, que aproveitamos para conhecer outros lugares. Para chegar a Roma, nosso destino, começamos por Nimes e Mar- seille (onde pernoitamos no Hotel Marseille), passamos por Toulon, Nice, Cannes, Mônaco, San Raphael, todas na Côte Ad’Azur. E, no território italiano, estivemos em San Remo e cidades menores, antes de chegar a Gênova e depois Roma. Hospedados no Hotel Veneto, o preferido dos brasileiros, passamos três dias em Roma visitando os pontos turísticos mais interessantes: o Vaticano, a Praça de São Pedro, a Basílica, o mu- seu e a cúpula da igreja, o monumento a Victor Emmanuel II, o Coliseu, o Arco de Constantino e o Fórum Imperial. Depois, seguimos viagem para Veneza, onde a Praça de São Marcos foi o cenário de um golpe no qual perdemos dez mil liras. Aconteceu que o gentilíssimo garçom que nos atendeu foi mais gentil com ele próprio, surrupiando parte do troco, enquanto ou- víamos o som de orquestras sinfônicas. Turista é sempre a vítima preferencial dos espertos. Cenário por cenário, gostamos muito de Verona, onde William Shakespeare situou a história dramática e imortal de Romeu e Julieta. Passamos ainda por Milão e depois Berna, na Suíça, e de lá pegamos o “caminho de casa”, para Montpellier. Meu estágio no IAM só começou de fato em 9 de outubro, quando todos os alunos (tantos os de estágio, quanto de mes- trado e doutorado) foram reunidos no mesmo auditório. Nessa etapa do treinamento, tivemos aulas de Contabilidade Nacional e Preços, Políticas Agrícolas e Estrutura Agrária e, durante três meses, estivemos juntos e nivelados. Só na próxima etapa cada um seguiu para sua área específica de estudo. O piso, as paredes e até o teto do auditório eram cobertos de tapetes e havia cartazes por todos os lados com a recomen- dação de não fumarmos. Certo dia, entretanto, durante a aula de Políticas Agrícolas, sentei-me ao lado de um paranaense que entrara inadvertidamente no recinto com um copinho de café e

Nu, diante da doutora logo acendeu um cigarro, usando o copinho como cinzeiro. 121

Embora o paranaense fosse um ho- - Deve ser a enfermeira – pensei, com a mem dos seus 60 anos, o professor o tratou disposição de esperar pela chegada de algum como um colegial: perguntou-lhe se não sa- velho doutor. bia ler, ordenou que se retirasse do recinto e Tremendo engano. A jovem era a própria determinou que só voltasse às aulas após uma doutora Bensandon, que me mandou tirar a semana de suspensão. São duros, os professo- roupa toda, para o exame. Entre acanhado e res franceses. Deu até vergonha, porque havia perplexo, obedeci. Ela solicitou um exame de quase 50 brasileiros no auditório e todos olha- urina, para verificar se havia mesmo infecção. ram para nós. O pior aconteceu em casa, quando co- Chegamos ao mês de novembro, quan- mentei com a Beth a minha surpresa e per- do há um recesso escolar de uma semana, que plexidade e não houve meio de convencê-la inclui o Dia de Finados. Sedentos por novi- de que eu escolhera a médica por mero acaso, dades e descobertas, aproveitamos esses dias sem segundas intenções. Ficou uma semana para uma viagem a Barcelona, Madri e Lisboa. sem falar comigo. Emotivos como todos os brasileiros, o que As mulheres são assim. Como dizia o mais chamou nossa atenção, em Madri, é que Tom Jobim, “às vezes enguiçam”. o rádio do táxi reproduzia aquela canção de De acordo com o resultado do exame, Luís Airão intitulada “Qualquer Dia, Qual- nem havia infecção. Bastou uma pequena me- quer Hora”. Depois, entre Madri e Lisboa, dicação, para tudo voltar ao normal. passamos ao lado de mais de 800 quilômetros Novembro e a primeira etapa do estágio de terras onde se cultivam oliveiras, para a estavam chegando ao fim, quando fui chama- produção de azeite. do por Monsieur Henao, venezuelano natura- Adoecer é sempre ruim, mas fora do nosso lizado francês, que me entregou vasta docu- país é bem pior. Além das dificuldades com a mentação sobre Planejamento Agrícola e um língua, não há médicos conhecidos, os remédios informe da programação que teria de cumprir mudam de nome e dá a maior insegurança. Não em Paris. Marcamos a viagem para o dia 26. se pode brincar com coisas assim. Na estação, aguardando a hora de par- Em Montpellier, uma infecção urinária tir, um bate-papo amigo com o casal Colares me pegou de jeito e confesso que fiquei muito nos distraiu e quase perdemos o trem. Foi uma assustado. Decidi procurar um médico, qual- corrida e tanto, para apanhar as três malas nos quer um, logo depois das aulas da manhã. Saí bagageiros e alcançar o trem, que já se movi- pela rua principal de Montpellier – a Rue Foch mentava. – e nem foi preciso andar muito para encon- Beth, com uma das malas e um cober- trar a placa com o nome do Dr. Bensandon. tor nas mãos, saltou para um vagão e eu, com A porta do consultório ainda estava fe- duas malas, só consegui entrar em outro. Daí chada, mas de repente surgiu uma jovem, que em diante, enquanto eu tentava encontrá-la, me perguntou: “Est-ce que vous avez un atravessando os corredores apertados com rendez-vous?” (O senhor tem um encontro duas malas, ficamos ainda mais distantes um marcado?). do outro. Respondi que não, mas alguns minutos Só em Nîmes, onde houve uma para- depois a mesma senhorita reaparece e me con- da, pude descer com as malas e entrar em um vida a entrar. terceiro vagão, mas do lado aposto ao lugar 122

onde a Beth estava. Tivemos que aguardar a sua geladeira e um armário com cadeados in- próxima parada, em Avignon. dividuais, para guardar vasilhas e mantimen- Desci de novo e, enquanto corria pela tos. Difícil foi adaptar o olfato à profusão de plataforma da estação, carregando as malas e cheiros da comida típica de cada país (prin- já sem fôlego, Beth apareceu na janela: cipalmente a dos africanos, de cheiro muito - Corre, corre – ela gritava, aflita. forte). Mas, quando temos um propósito fir- Parecia cena de comédia, mas garanto me, a gente acaba se acostumando a tudo. que os personagens não acharam graça. Meu estágio no Ministério da Agricultu- Exausto, após quase duas horas de ra começou no último dia de novembro, com viagem e toda essa correria, finalmente con- o inverno já ameaçando congelar pés e mãos. segui um lugar no vagão ao lado de minha Para chegar ao Ministério, na Rue Barbet de mulher. Já estávamos instalados confortavel- Jouy, atravessava-se toda a frente da Esplana- mente, quando o trem fez paradas por Lyon da dos Invalides, sentindo um frio de cortar e Dijon, antes de chegar a Paris. o coração e congelar a alma. Por isso, antes Deixamos as malas e o cobertor na esta- de me apresentar à repartição, passava sempre ção e seguimos diretamente para o CIES, a fim por um daqueles simpáticos cafés parisienses de receber o pagamento de dezembro e preen- e pedia um chocolate bem quente. cher a requisição da passagem de volta para Iniciei o estágio pelo “Service Central o Brasil. Desta vez, ficamos alojados à 38, na des Enquêtes et Études Statistiques” e pas- Avenida de La Motte-Picquet, bem no centro sei em seguida para a OCDE – Organização da cidade e perto da Escola Militar, da Torre de Cooperação e Desenvolvimento Econômi- Eiffel e do Museu da Guerra ou dos Invalides. co, no próprio Ministério, para conhecer sua Ainda era preciso voltar à estação, para estrutura e seus métodos e objetivos, assim buscar as malas. E faltava uma, justamente a como o funcionamento dos diversos setores que continha os apetrechos de cozinha. Mas o do Ministério, como o de Organização e Mé- setor de achados e perdidos cumpriu sua mis- todos e a área de apoio ao cooperativismo. são: lá estava ela, inteirinha e intocada. Suspeito que algo assim não aconteceria no Brasil. O quarto número 33, o nosso, era igual- zinho a milhares de outros que existem em Pa- ris: pequeno, com duas camas, a mesa, duas cadeiras e o guarda-roupas. O chuveiro fica- va ao lado da nossa porta e era pouco usado. Além de nós, só um mexicano e dois argelinos cultivavam o hábito do banho diário. O único problema com os argelinos é que, quando to- mavam seu banho, atormentavam todo mun- do com a sua cantoria. O vaso sanitário, um só para todo mun- do, ficava no final do corredor. A cozinha tam- 38, na Avenida de La Motte-Picquet – Centro de Paris - 1979. bém era coletiva, mas cada morador tinha a (Acervo: Google Maps) 123

Uma das últimas atividades do estágio caminho às avessas: redigi o meu próprio re- foi a apresentação da bibliografia relativa ao latório, que em francês se chama “rapport”, e planejamento, começando pela leitura de um pedi que mademoiselle Fleury assinasse tudo documento sobre “Os Planos no Mundo – Ex- e aplicasse um baita carimbo nos papéis, do periências e Ensinamentos”, além da biblio- jeito que os brasileiros gostam. grafia recomendada pelo meu orientador. Os É uma lástima que o nosso país ainda organizadores do estágio haviam programado hoje acredite mais em papéis e carimbos que também viagens ao interior da França, que não na palavra das pessoas. chegaram a acontecer, porque chovia muito e Para nós, nascidos em país tropical, o já começara a nevar em algumas localidades. primeiro contato com a neve será sempre ines- Quem conhece de perto a burocracia in- quecível, pois nos sentimos feito crianças, com terna do setor público brasileiro entenderá a vontade de deitar e rolar naquele mundo co- minha inquietação com o próximo problema berto de branco. No dia 21 de novembro, o que iria enfrentar. Quando voltasse ao Brasil, primeiro do inverno, quando acordei, estava teria que apresentar um relatório de minhas nevando e a temperatura oscilava entre dois atividades, com a chancela de alguma auto- graus negativos e dois positivos. ridade francesa. Caso contrário, abririam um Fui às compras bem cedo, na feira próxi- processo administrativo contra mim e pode- ma da nossa “casa”. Ainda preso aos costumes riam me obrigar a devolver dinheiro aos cofres brasileiros, tentei apalpar as batatas, mas a públicos. Ainda havia o risco de ganhar uma dona da barraca me deu logo uma palmada nas bela exoneração, se me acusassem de passar mãos, para explicar ao idiota latino-americano longas férias fora do Brasil, com o pretexto de que era proibido tocar nos produtos expostos. fazer um estágio. Nem preciso dizer que, sorrindo, mandei a O desafio, portanto, era obter de ma- madame ir para a “pequepê”, de preferência demoiselle Fleury um relatório oficial e com- mal acompanhada. E ela, que nada entendeu, pleto de minhas atividades em Montpellier e devolveu o sorriso, feliz por enquadrar mais Paris, pois na França não exigem esse tipo de um estrangeiro nas regras do país. comprovação com atestados, títulos ou rela- Para um país onde se come tanta carne tórios. Acabei resolvendo o impasse por um de cavalo, essas regras chegam a ser absurdas.

Avenida de La Motte-Picquet onde foi a nossa residência – 1979. (Acervo Georgina Maria Feitosa da Costa Corrêa) 124

“Avenue de La Motte Piquet” - 2012. (Acervo de Georgina Maria Feitosa Corrêa) 125

Quando me perguntam, ainda hoje, se valeu a pena todo esse esforço para viver a experiência francesa, respondo que sim, tanto do ponto de vista profissional quanto pela oportunidade de conviver com uma sociedade e uma cultura tão diferentes da nossa. 126 Dezesseis

a última semana de dezembro, veio o Natal, pontualmente, como sempre se espera que aconteça. Só que, dessa vez, a primeira em 33 anos, estávamos sozi- nhos, longe da família e dos amigos. Mas a proximidade do retorno ao Brasil, no dia 29, atenuou um pouco a tristeza e Na saudade. Partimos do Aeroporto Charles de Gaulle sem grandes novidades e, com escala no Rio de Janeiro, regressamos a Vitória. Quando me perguntam, ainda hoje, se valeu a pena todo esse esforço para viver a experiência francesa, respondo que sim, tanto do ponto de vista profissional quanto pela oportunidade de con- viver com uma sociedade e uma cultura tão diferentes da nossa. Ao contrário daqueles que desprezam ou criticam os costumes e as diferenças culturais que encontram no exterior, sempre procu- rei aprender com essas diferenças. A intimidade com uma cultura milenar, tão diferente dos nossos padrões, é aprendizado que nos acompanha pelo resto da vida. Na França, além dos conhecimentos em Planejamento Agrí- cola, reforcei a atitude, herdada do meu avô e do meu pai, de con- fiar na palavra das pessoas, pois a desconfiança generalizada não passa de uma confissão de culpa. Se não confiamos nos outros, por que motivo irão confiar em nós? Além disso, é bom viver em um país onde os indivíduos têm consciência do valor de sua cidadania, porque sabem que seus direitos são respeitados. A titulação obtida com o estágio, só por constar do meu currículo, também foi importante e contribuiu bastante para que, ao longo dos próximos anos, surgissem novas oportunidades de trabalho. Logo que me transferi, cedido, para o BANDES - Banco de Desenvolvimento do Estado do Espírito Santo, fui atuar exatamen- te com projetos especiais na área agrícola. E um dos meus primeiros trabalhos foi o diagnóstico do potencial e das linhas de financia- mento para a pipericultura no Espírito Santo. O mercado inter- nacional era promissor, mas os produtores capixabas enfrentavam muitos problemas. Nossa equipe, formada por Joanita Lima e Paulo Fraga Rodrigues (hoje já falecido), realizou pesquisas bibliográficas

Tempo de regressar Tempo em cerca de 60 volumes de estudos, alguns deles em francês. 127

Ainda do ponto de vista pessoal, essa Meu hábito de conferir todas as noites temporada francesa me ensinou a desconfiar nossos gastos e recursos financeiros, para ve- de mitos e lendas que as pessoas criam a res- rificar quanto tínhamos em caixa nunca foi peito daquilo que não conhecem. mania, mas necessidade. Esse controle era vi- Os brasileiros sempre acreditaram – e tal, para quem vivia de uma receita pequena talvez acreditem até hoje – que as francesas e rigorosamente programada. Mesmo assim, são mulheres fáceis de seduzir e conquistar. minha esposa passou a me chamar de “Tio Pa- Um dos meus colegas de estágio, nascido no tinhas”, por dar importância a cada centavo. Nordeste do Brasil, decidiu não levar a esposa Para culminar essas experiências pesso- por ouvir dizer que “Paris é uma festa” (títu- ais, resta contar o que me aconteceu certo dia, lo de um livro de Ernest Hemingway) e que no restaurante universitário. Naquela corrida o homem experiente não leva sanduíche para diária contra o relógio, na hora do almoço, um banquete. ocupei o espaço que havia no banco e à mi- Esse colega nordestino não encontrou o nha frente duas jovens brasileiras conversa- tal banquete em lugar nenhum, por mais que vam animadamente, em português. Uma era procurasse. Depois de dois meses de castidade santista e a outra, paranaense. Permaneci em forçada, implorou à esposa que fosse encon- silêncio e elas, sem desconfiar que estavam trá-lo na França. diante de um brasileiro, passaram a descrever Alguns se queixam de que os franceses a orgia de que haviam participado na noite an- são muito formais, desde as roupas que usam terior, como despedida da França, pois naque- até o modo de cumprimentar e conviver com le mesmo dia embarcariam para o Brasil. estranhos. Para mim, que sempre admirei esse À medida que contavam a história, com cuidado no meu avô e no meu pai, essa atitude os mínimos e os máximos detalhes, eu já nem foi mais uma oportunidade de aperfeiçoamen- sabia mais se ria ou se terminava o almoço. to que um motivo de estranheza. Mas ouvi até o fim e, ao me levantar, desejei- Aliás, estranheza mesmo quem causa lhes boa viagem. são alguns imigrantes e, entre eles, certos bra- - Puxa, moço, o senhor ouviu toda a sileiros, como aqueles que vi danificando apa- nossa conversa. relhos públicos de telefone, após a tentativa - Ouvi e espero ter aprendido um frustrada de usá-los sem depositar as moedas. pouco com vocês. Certo dia, no restaurante universitário, Não dá para descrever o arrependimen- um grupo de estudantes fazia tremenda alga- to das duas. Nem vou tentar. zarra, aos gritos e gargalhadas. Sem qualquer Tenho a impressão de que a gestão pú- preconceito, comentei com minha esposa que blica na França já não tem a mesma qualida- deviam ser nordestinos, pela altura, formato de de antes. Hoje, muitos políticos franceses da cabeça e forte sotaque, mesmo falando em apresentam vícios semelhantes aos que temos francês. Comprovei que eram mesmo, pois visto no Brasil e se envolvem com a corrup- me aproximei do grupo para saber de onde vi- ção, a falta de decoro e o uso irresponsável do nham essas pessoas, que demonstravam tanta poder. Na época em que estive lá, o sistema falta de educação em um espaço público. de saúde era dos melhores do mundo e a pre- Tudo que é excessivo e se torna mania é vidência social dava cobertura aos cidadãos de pouco saudável. todos os segmentos da sociedade. 128

No meu caso, quando precisei utilizar O único que causou grande tumulto foi o da esses serviços, paguei pela consulta particular, paralisação dos funcionários do metrô, que fiz os exames de laboratório e adquiri os medi- durou apenas um dia. camentos prescritos, mas daí a uns 20 dias re- À exceção de Paris, onde já atuava o cri- cebi em casa um cheque nominal, restituindo me organizado (principalmente quadrilhas de 80% do valor dos gastos. Se fosse no Brasil... roubos de carros), em Montpellier não existia Hoje, como os Estados Unidos e outros tal ilegalidade. Os jornais não publicam pági- países desenvolvidos, a França também en- nas de noticiário policial e a única vez que pre- frenta graves problemas de déficit financeiro senciamos um delito, foi quando um sujeito nas contas da previdência. roubou uma bicicleta. Foi uma festa na cidade, Já naquela época, a consciência ecoló- pela novidade. O ladrão foi preso e não se fa- gica era uma realidade nacional, formada a lava de outra coisa. partir dos bancos escolares e dramatizada pela Os policiais tratam as pessoas de forma memória da destruição causada por todas as a lhes dar segurança e estão sempre dispostos guerras de que a França participou. Não se via a orientar os cidadãos, em qualquer situação. sequer um palito de fósforo em calçadas, pra- O sistema educacional da França, por ças e jardins. E quem jogasse qualquer coisa ser um dos mais avançados do mundo, pro- na rua era advertido imediatamente por um duz reflexos sensíveis nas preferências de lazer cidadão ou cidadã, pessoas que aprenderam a e no comportamento geral das pessoas. Logo proteger o bem público, que pertence a todos. que chegamos, quase não ligávamos o apare- Esse costume da vigilância mútua está lho de TV, pois a maioria dos programas tem bastante disseminado no país. Se um cidadão algum conteúdo informativo e educacional observa que alguém está com uma cárie, liga (perguntas e respostas, gincanas literárias e imediatamente para a Defesa Sanitária. Tam- históricas, entrevistas com escritores, artistas, bém são rígidas as regras sobre o tamanho das cientistas e filósofos, dramatização de roman- moradias: o governo estabelece a relação en- ces famosos etc.) tre o tamanho da família e o espaço físico das O objetivo é transmitir conhecimentos, moradias que podem ocupar. Se a população sempre. Para quem estava acostumado, no descobre que alguém está violando essa regra, Brasil, a acompanhar telenovelas e rir de Cha- a denúncia é imediata. crinhas e outras tolices, levou algum tempo Em Paris, algo que sempre chama a para nos adaptarmos. atenção dos estrangeiros é que as manifesta- Mas não foi essa a única dificuldade ções públicas de reivindicação e protesto acon- de adaptação à vida cotidiana. O idioma, por tecem com certa frequência, mas os manifes- exemplo, foi uma barreira, no início. Quem tantes evitam prejudicar o direito de ir e vir faz, no Brasil, o preparatório da Aliança Fran- do restante da população. Esses movimentos cesa, aprende muito. Mas, ao desembarcar no ocupam em Paris, algo que sempre ou quase país, logo descobre que os nativos falam muito sempre utilizando apenas um dos lados da rua depressa, sobretudo em Paris, e é difícil enten- ou avenida e são acompanhados por policiais, der o que dizem. Mas o ouvido se acostuma. sem que haja conflitos. O que me ajudou muito foi ter seguido Presenciei vários protestos assim, em à risca o roteiro que me forneceram na embai- frente ao prédio do Ministério da Agricultura. xada da França, em Brasília. Durante um mês, 129 em uma Faculdade de Letras, as aulas foram os amigos de toda uma vida e os tipos huma- direcionadas para facilitar o estágio no IAM, nos em geral. Nosso povo, mesmo durante o onde a terminologia técnica felizmente é mui- regime militar, não perdeu a alegria espontâ- to parecida com o do nosso idioma. nea e criativa. Diante da eficiência fria dos Outra dificuldade séria que enfrentamos europeus, até a nossa típica desorganização foi com a alimentação. No início, chegamos a nacional começa a parecer simpática. ficar uns oito dias limitados aos sanduíches, Em 1979, quando o governo do general até que a minha esposa resolveu cozinhar. O Figueiredo já promovia a abertura política, fo- “Tio Patinhas” agradeceu duplamente, pois fi- mos convidados para jantar no apartamento cou tudo mais barato, devido à facilidade de de um casal brasileiro que estava recebendo os comprar tudo em pequenas quantidades: bifes conterrâneos para comemorar a abertura polí- empacotados, porções menores de arroz, dois tica e a lei da anistia. ou três ovos etc. Muitos convidados já viviam exilados Inicialmente, gastava muito tempo para na França há vários anos e planejavam retor- compreender o preço das coisas, pagar e con- nar à pátria o mais depressa possível. Foi uma ferir se o troco estava certo, mas a simpática reunião emocionante, pois havia pessoas das dona da padaria mais próxima da nossa casa mais diversas correntes políticas, unidas pelo fez questão de me ensinar tudo, diariamente, sentimento de que um novo tempo estava co- até que me viu seguro e me liberou das “au- meçando, em nosso país. las”. O jornaleiro e o barbeiro, outros que Alguns já tinham filhos nascidos na ajudaram muito, sempre puxavam conversa, França e não viam a hora de rever os parentes querendo saber como era o Brasil, pois as ma- que ficaram no Brasil. Quando fomos despa- térias publicadas nos jornais só davam ênfase char nossas bagagens, no aeroporto, encontra- à pobreza de certas regiões do nosso país. mos um desses anistiados. Sua bagagem esta- Quando lhes falava do tamanho do nos- va com excesso de peso, pelo qual ele teria de so país e de cidades grandes como São Paulo pagar. e Rio de Janeiro, não ocultavam sua incredu- - Será que poderíamos despachar parte da lidade. Para a maioria dos franceses, naquela bagagem dele, como se fosse nossa, já que tínhamos época, a capital do Brasil era Buenos Aires e, folga suficiente? – ele perguntou. de interessante, só tínhamos Pelé e o carnaval Confesso que me senti ressabiado. do Rio de Janeiro. Apesar da abertura e da anistia, o regi- No período em que moramos em Mont- me ainda era militar e continuava desconfian- pellier, chamou-nos a atenção o fato de que, do dos militantes de esquerda que retornavam no horário de 12 até 14 horas, a maioria das ao país. lojas fechava para o almoço. A mão de obra Só concordei depois que ele explicou que normalmente é familiar. Os restaurantes es- estava levando apenas os filmes que produziu tabeleciam o número de pessoas que progra- como jornalista e correspondente de guerra, maram para serem atendidas naquele dia e a cobrindo conflitos na Europa e nos países ára- partir daí fechavam as portas. (Se fermée). bes, pois era correspondente de guerra. Todo brasileiro, quando fora do país, re- Acertei o despacho das bagagens dele descobre e sente falta do Brasil e seus encan- em meu nome, apesar do risco de enfrentar tos: a música, a literatura, a culinária, o clima, algum problema com as autoridades, no 130

desembarque. Esse cidadão, que morava os fatos e entreguei as bagagens que não me em Curitiba e estava voltando para casa, pertenciam. descreveu em detalhes, durante a viagem, Nunca fiquei sabendo qual foi o resul- alguns desses filmes, principalmente do tado dessa decisão, mas a julgar por todas as período em que cobriu os conflitos no Irã. histórias que ouvimos ou lemos nos jornais Aí, deu o que tinha que dar, naquela da época, o aviso no autofalante era parte da época: quando descemos no Galeão, o serviço rotina: os policiais ouviam a história de cada de autofalante comunicou que o jornalista te- anistiado que voltava, revistavam as bagagens ria que aguardar, dentro da aeronave, o desem- em separado e liberavam todos eles. barque dos demais passageiros, para só então A liberdade política voltara a existir, de se apresentar à Polícia Federal. fato, no Brasil. Agora, o que fazer com todo aquele ma- Vitória, em nosso regresso, foi uma fes- terial que estava em meu nome e não me per- ta: grande parte da minha família, parentes tencia? distantes e amigos foram ao aeroporto nos Após desembaraçar nossas bagagens abraçar. Depois, fomos levados para Jacaraípe na alfândega, decidi que a melhor opção e as delícias de um belo churrasco. era assumir a inocência, por ser a situação Só não tenho saudade do porre que to- verdadeira. Procurei a Policia Federal, relatei mei e de seus efeitos residuais em minha saúde. 131 Prédio Principal da UNB - Universidade Nacional de Brasília - 1973. (Acervo do Autor)

Meses depois, no início de 1973, fui chamado ao gabinete do secretário, doutor Ivan, que me convidou para fazer um curso nas dependências da UNB... 132 Dezessete

stávamos no segundo ano do mandato do governador Arthur Carlos Gehradt Santos, quando fui contratado como econo- mista, no regime da CLT e sob a chefia do Agostinho Merçon, para trabalhar no setor de economia rural da Secretaria de Estado da Agricultura. E Naquela ocasião, a Secretaria estava começando a implantar o SIMA – Serviço de Informação do Mercado Agrícola, e me desig- naram para fazer um curso de quinze dias no Ministério da Agricul- tura, em Brasília. Já conhecia a cidade, onde estivera em companhia de Ivan Belford Shalders e Osman Francisqueto Magalhães, este último então diretor-presidente da Acares – Associação de Crédito Rural do Espírito Santo. Hospedado no Hotel das Nações, a cada dia estava de pé às quatro da manhã, quando um jipe vinha nos buscar para uma visita à CEASA, por exemplo, onde teríamos que coletar preços. Ou, no outro dia, íamos a Taguatinga, para visitar granjas, e assim por diante. À tarde, o treinamento acontecia nas dependências do Ministério. Na véspera de retornar a Vitória, saí com Osleguer, um russo, responsável pelo setor, e outro colega. Escolhemos ao acaso um dos barzinhos da Asa Sul. Depois, no embalo das tais bebidinhas, resol- vemos visitar a zona das mulheres, na estrada para Goiânia. E nem sei como, mas arranjei uma confusão com um militar do Exército, por causa de uma das mulheres. Se estivesse sozinho, teria me dado mal. Cheguei ao hotel lá pelas duas da madrugada e teria que es- tar no aeroporto às seis da manhã. Acordei com tremenda ressaca e chovia muito. O pior é que só consegui embarcar às quatro da tarde. Curar ressaca em aeroporto é algo que não desejo a ninguém. Aquele foi um desse dias em que prometemos nunca mais provar uma bebida alcoólica. Durante aqueles dias, combinei com o Paulo Merçon, Adido disparado do Espírito Santo em Brasília, que alguém devia recolher os dados no Ministério e enviá-los para o escritório de representação no Rio de Janeiro. De lá, Luzia Toledo, que depois se elegeu deputa- da estadual, enviaria as informações para o aparelho de telex do Palácio Anchieta. Com o coração 133

Naquela época, só existiam dois apare- lhos de telex no Espírito Santo, o do Palácio e o da Embratel. As informações chegavam com atraso de dois dias. Eu mesmo ia buscá-las, pro- duzia as tabelas, datilografava, tirava cópias no mimeógrafo, folha por folha, e fazia a distribui- ção na Vila Rubim, auxiliado pelo Carlinhos Pita. Ainda não tínhamos a CEASA. Aquela rotina diária de reprodução de dados frios acabou por me dar a ideia de enri- quecer o boletim com uma coluna de opinião. O primeiro tema que abordei foi o cooperati- vismo. Ao final do dia, a secretária do doutor Ivan, Ana Maria de Oliveira, irmã de Zé Teófi- lo e casada com meu amigo Clóvis Abreu Viei- ra, ligou para me dizer que o chefe de gabine- te, Aníbal Lima, hoje desembargador, desejava falar comigo. - Fiz bobagem – eu pensei, ao descer para fa- lar com ele. – Já deve ser o reflexo da matéria de hoje. Vão me demitir. Com o coração disparado, entrei no ga-

Memorando de elogios do Dr. Ivan à qualidade do Boletim de Informação do binete e ele me recebeu com entusiasmo e com Mercado Agrícola – 1972 – um envelope nas mãos, que me entregou sem (Acervo do autor). dizer nada. Quando abri o envelope, foi uma bela surpresa, reproduzida aqui. Juntamente com o meu futuro compa- dre Jadir Viana Santos, estava encarregado de coordenar os programas de incentivo às cultu- ras de milho e feijão. E município de Afonso Cláudio era o campeão de produtividade por hectare dessas culturas. Certo dia, houve uma solenidade no Cine Trianon, naquela cidade, para premiar os produtores de melhor desempenho e produti- vidade por hectare e fiz a minha estréia como orador. Aos 27 anos de idade, nunca havia fa- Cerimônia de premiação dos Campeões de Produtividade/Hectare de Milho e Feijão. Cine Trianon – Afonso Cláudio – 1973. lado em público. Da esquerda para a direita: Osman Francischeto de Magalhães (presidente da ACARES), Ivan Belford Schalders (Secretário de Agricultura), Leni Jadir e eu também ficamos responsáveis Alves de Lima (Prefeito Municipal de Afonso Cláudio) e José Vieira Malta pela expansão da cultura do café arábica na re- (Prefeito de Itarana), José Silvino de Mello (diretor-presidente da CIDA), José Eugênio Vieira e Edmundo Fafá (presidente da Câmara). gião Norte do Estado e tínhamos de inspecio- (Acervo do autor) nar periodicamente os viveiros de mudas nos 134

municípios de Pancas, São Gabriel da Palha, o museu ou centro de memória da cidade, Ecoporanga e São Mateus. disseram que o prefeito não voltaria mais Não havia estradas asfaltadas, à exce- aquele dia e nos deram o endereço de sua ção de São Mateus, cortado pela BR-101, e residência: uma casa de dois andares, sem para chegar a Ecoporanga, por exemplo, le- reboco, em rua sem calçamento. vávamos até um dia de viagem, em um jipe Uma de suas filhas nos atendeu e dis- Willys. se que o pai não demoraria. Vimos quando Em uma das viagens a São Mateus, ele chegou: um senhor calçando sandálias de procuramos o prefeito Amocim Leite. No dedos, com a calça arregaçada até a canela e belo prédio da Prefeitura, que hoje abriga pedalando em sua bicicleta.

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Aí, aconteceu o dia 12 de setembro de 1972. ver sozinha os problemas da família. O dia, o mês e o ano mais tristes de mi- Ao deixar Vitória para o curso, namo- nha vida, devido à morte do meu pai. rava uma menina residente perto da Praça Meses depois, no início de 1973, ainda do Cauê. Esse namoro, arranjado pelas mães, me sentindo de luto, fui chamado ao gabine- a dela e a minha, não podia dar certo. Segui te do secretário, doutor Ivan, que me convi- para Brasília no mês de julho, sem saudade da dou para fazer um curso nas dependências namorada, e me hospedei no alojamento dos da UNB – Universidade Nacional de Brasília, padres jesuítas, na L2 Norte, ao lado do pré- patrocinado pela CEPAL – Coordenação Exe- dio do SERPRO – Serviço de Processamento cutiva para Assuntos da América Latina e pelo de Dados. Dividi o apartamento com meu fu- CENDEC – Centro de Treinamento e Pesquisa turo compadre Jadir Viana dos Santos. para o Desenvolvimento Econômico. Na rígida organização do espaço, ca- Ao me convidar, também por indicação racterística dos religiosos, as “quitinetes” dos de Lenaldo Amaral, então diretor-presidente do homens e a sala de estudos e alimentação fi- BANDES – Banco de Desenvolvimento do Espí- cavam no térreo. No primeiro andar, a ala fe- rito Santo S/A, ele disse que compreendia o mo- minina. mento que eu estava atravessando e me deu dois O café era servido no alojamento, e às dias para pensar no assunto, mas deixou claro sete da manhã uma kombi do CENDEC nos que esperava uma resposta positiva e me nome- levava até a UNB, onde tínhamos aulas até aria seu assessor, quando retornasse de Brasília. as doze horas, com duas horas para almoço Meu problema era dar a notícia à mi- no restaurante da Universidade e, em algumas nha mãe. Como lhe dizer que iria deixá-la ocasiões, no restaurante do Ministério das Mi- sozinha para cuidar de tudo, das compras, dos nas e Energia, que ficava bem perto do nosso pagamentos, da rotina de todos os dias? No alojamento (pouco mais de um quilômetro) último instante, quando toquei apenas de leve e a quatro quilômetros da Universidade. E as no assunto, ela percebeu tudo e, para minha aulas iam até seis da tarde. surpresa, me deu a maior força. Nessa época, a L2 Norte só tinha uma Hoje, estou convencido de que foi bom via de mão e contramão. Indo e vindo a pé, a também para ela, que teve de aprender a resol- poeira vermelha colava em nossos sapatos e 135 roupas e acabava por cobrir o piso dos quar- - Zé Eugênio, você vai ser reprovado, se con- tos, de paviflex. Jadir e eu, com um pano úmi- tinuar nessa apatia. Já imaginou chegar a Vitória do, cuidávamos da limpeza do quarto e, antes carregando na bagagem uma reprovação? Compre- de dormir, enchíamos de água um balde ou endo o momento difícil que está passando, mas você bacia, para compensar a baixa umidade do ar. tem que dar a volta por cima”. Como a época de chuvas escassas já Essa conversa veio na hora certa, pois começara, nossos lábios viviam rachados e havia outro obstáculo a ser superado. No era preciso usar manteiga de cacau em algu- CENDEC, além da média obtida nas provas mas oportunidades. Algumas vezes, chega- escritas, um grupo de professores analisava o mos a ter sangramento nasal. Nós mesmos comportamento dos alunos na faculdade e no lavávamos as nossas roupas, mas o pessoal alojamento. Além das minhas notas estarem do alojamento trocava uma vez por semana abaixo da média, eram diminuídas pela avalia- os lençóis e as toalhas. ção individual. Não me recordo quanto pagava de alu- Acordei da letargia, pois estava em jogo guel, mas lembro que foi uma época difícil, meu futuro profissional, assim como o com- porque a Secretaria de Agricultura atrasava promisso do doutor Ivan de me nomear seu o repasse dos nossos salários e da bolsa de assessor, logo que concluísse o curso e voltasse estudos. a Vitória. Em algumas ocasiões, tivemos que re- As notas vinham em envelope lacrado, correr a um amigo do Jadir, chamado Luiz Tor- para conhecimento apenas do aluno. Quando tura, para pagar pelo quarto, que tinha apenas vi, um dia, que obtivera nota dez em uma pro- duas camas fixas, de alvenaria, uma mesinha va, mas a média fora reduzida à metade, quase para estudos e um banheiro completo. O col- perdi a cabeça. chão parecia feito de pedra, de tão duro. Bati a porta do diretor Jayme da Costa Nesse período seco de julho a setembro, Santiago, que naquele momento se reunia com nuvens de cigarras cobriam o céu de Brasília e o professor de sistemas e gráficos Austregésilo houve dias em que foi preciso suspender as au- Gomes Spíndula. Por coincidência, era a ma- las, pois o canto das cigarras era tão forte que téria em que obtive nota máxima. Espantados nem conseguíamos ouvir a voz do professor. com a ousadia, os dois ouviram atentamente Distribuídos na classe por ordem alfabé- o meu protesto e explicaram que a baixa ava- tica, sentava-me ao lado do Jadir, que em vá- liação pessoal resultara do meu costume de in- rios momentos teve que me chamar a atenção, citar os colegas, ao final ou quase ao final das quando me desligava das aulas e, com algumas aulas, para a pelada nos fins de tarde. lágrimas, pensava apenas no meu pai. Isso eu não podia negar. Ali pelas cinco, Essa dificuldade de me concentrar aca- cinco e meia da tarde, começava a passar a in- bou por me prejudicar também nos estudos formação: fora da classe, quando lia alguns capítulos de - Olha o racha. Olha o racha. um livro, no alojamento, para discussão no dia Com a promessa de mudar minha con- seguinte. Durante um tempo, minhas notas fi- duta, o professor assumiu o compromisso de caram abaixo da média da turma, até o dia em me submeter a outro teste. Obtive outra vez que o bom Jadir me chamou às falas, de amigo a nota máxima, que foi mantida como média. para amigo: Assim, comecei a recuperar o tempo perdido, 136

para alcançar, ao final do curso, média supe- na cidade. Disse que sairia para nunca mais rior à exigida para aprovação. voltar e, quando subisse a escada de acesso ao Antes disso, havia questionado também avião, tiraria os sapatos, para não levar sequer a metodologia adotada pelo professor Fábio a poeira da cidade. Ramalho de Cicco nas aulas de estatística, Rosinha, esposa do Jadir, viera do Es- pois o conteúdo era o mesmo do meu curso pírito Santo com a filha Bianca, nascida há de Economia. Declarei-me frustrado, pois vol- pouco mais de um ano, e cedi para ela meu taria a Vitória sem qualquer conteúdo prático. lugar no apartamento. Como não havia outra O professor ficou bravo, mas essa crítica deu vaga, a direção do alojamento colocou-me no resultado, pois a partir daí fizemos uma série primeiro andar, como vizinho das moças. Aí, de exercícios práticos. toda a turma quis morar comigo. O Piauí aca- Quase todos da turma tinham um apeli- bou ficando com a outra vaga. do e o meu era “Pamplona”, pois me achavam Quase todas as noites, a pequena Bianca parecído com o professor Tanisley de Maga- dormia comigo. Além de niná-la, cantava mú- lhães Pamplona, que durante o curso deu au- sicas de roda para que ela adormecesse. las de Contas Nacionais, Análise Econômica Não sei de quem foi a ideia, mas apro- e Projetos: Estudo e Metodologia. O apelido veitamos essa proximidade das alunas para pegou. Do engraxate ao bedel da faculdade planejar uma travessura com o Baiano, que (aquele que faz a chamada e aponta as faltas), sempre contava que sua esposa era bravíssima. ninguém mais me chamou de Zé Eugênio. E, Seu companheiro de quarto deveria entretê-lo, para as colegas, meu apelido era “Pampla”. enquanto colocávamos no fundo de sua mala Na sala de aulas, quando algum colega algumas calcinhas, que os colegas haviam rou- me chamava ou falava com o professor, nós bado do varal. dois atendíamos ao mesmo tempo. Era uma Quando chegou a Salvador, o Baiano es- gargalhada só. Eu, vermelho, e o professor sem creveu para mim, achando que eu teria sido o graça e sem entender nada. Só ficou sabendo autor da brincadeira, por ter me mudado para de tudo ao final do curso, em uma feijoada no a ala feminina antes do final do curso. apartamento do professor Santiago, quando A partir de setembro, as chuvas vieram teve a coragem de perguntar à turma. com força e barulho. Eram temporais com trovo- Nós mesmos fizemos o campinho das adas e relâmpagos, e um dia o Ceará não resistiu peladas, nos fundos do alojamento. Eu jogava ao espetáculo. Com os olhos voltados para a tor- na defesa, marcando o ponta esquerda Brito, re de televisão, ele correu para o meio da chuva um sergipano veloz e de chute forte, difícil de aos gritos de “Arre égua! Arre égua!”. marcar. Nas tardes de sábado, disputávamos Nunca vira nada parecido, em toda a uma grade de cervejas, paga pelo time perde- sua vida. dor. Algumas vezes tive que dividir com os co- Meu amigo e companheiro de trabalho legas o pagamento da aposta. Eliacyr Santos de Almeida apareceu certa vez O mais engraçado da turma era o Baia- em Brasília e me convidou para almoçar no “Le no, que tinha horror de Brasília. Nas curtíssi- Petit”, restaurante sofisticado e famoso. Nossa mas “férias” de setembro e novembro, coinci- agradável surpresa foi encontrar, naquele am- dindo com a festa da Independência e o Dia biente, o ex-presidente da República Juscelino de Finados, ele foi o único aluno a permanecer Kubitschek de Oliveira (1956-1961). 137

Em seguida, Eliacyr pediu uma garrafa universidade, lá fomos nós. Jadir e eu. de vinho, recomendado pelo garçom, e quis Enquanto o profissional ia cortando colocá-la em um balde com gelo. A surpresa meus cabelos, fiquei a imaginar o resultado. desagradável é que o garçom se negou a aten- Não podia ser pior. Depois de picotar bem, ele der o pedido, pois não se tomava gelado aque- aplicou uma camada de laquê, me deixando le vinho. com o cabelo todo armado, em pé. Na verdade, só queríamos resfriá-lo. Ao Como sair dali desse jeito? final, nosso gosto prevaleceu. Chamei um táxi e, já no alojamento, en- Na etapa final do curso, quando percebi trei de mansinho para que ninguém me visse que precisava aparar o cabelo, o Luiz Tortura in- e fui direto para debaixo do chuveiro. Ainda dicou-me um salão, que mais tarde descobri ser bem que faltava mais de um mês para retornar o local onde o ex-presidente Juscelino também a Vitória, tempo suficiente para que o cabelo cortava os seus. Na primeira tarde de folga na crescesse.

Alunos e professores da UNB – CEPAL – CENDEC de 30 de julho a 7 de dezembro de 1973: Alunos: Alfredo Schlalendor (Economista - Rio Grande do Sul); Antonio José Brito de Goes (Brito – Economista – Sergipe); Antônio Reis Pereira – Piauí (Economista); Cláudio José Bezerra de Araujo (Tim Maia – Sociólogo - Rio Grande do Norte); Clóvis Nobre de Miranda (Clóvis - Engenheiro Agrônomo - Mato Grosso); Dalton Braga Dória (Dória – Advogado – Alagoas); Eliana Almeida de Oliveira, posteriormente substituída pelo Baiano (Eliana/Baiano – Arquiteta – Bahia); Ednilton Campos Maia “Ceará” (Economista – Ceará); Ernesto Paulo Scharfer (Scharfer – Economista - Rio Grande do Sul); Herbet Antonio Age José (Herbert – Economista – Paraná); Ismaelita Maria Alves de Lima (Maelita – Economista – Alagoas); Jadir Viana Santos (Monstro da L2 Norte - Engenheiro Agrônomo - Espírito Santo); José Eugênio Vieira (Pamplona – Economista - Espírito Santo); Juarez Lineu da Silva (Juarez – Economista – Paraná); Leimar Furtado da Silva (Leimar – Economista – Pernambuco); Letice Lopes de Vasconcelos (Letice – Pedagoga – Maranhão); Oscar Sanches Monteiro (Oscar – Economista – Paraná); Otacílio José da Silva (Otacílio - Economista – Acre); Paulo Bueno Ribeiro (Paulo – Economista - Minas Gerais); Pedro Salgado Brandão (Pedro - Engenheiro Agrônomo – Amazonas); Sandra Drummond Gosling (Sandra – Socióloga - Minas Gerais);Solange de Araújo Albuquerque (Soçola – Economista – Alagoas); Walter Gonçalves Pereira (Walter – Bacharel Distrito – Federal);Wilson Terroso de Souza (Terroso – Economista – Paraíba). OBS: 24 alunos, sendo 15 economistas, 02 sociólogos, 03 engenheiros agrônomos, 01 bacharel, 01 arquiteta, 01 advogado e 01 pedagogo. 17 Estados participaram com representantes. Professores e conteúdos do curso: Contas Nacionais (Prof. Tanisly de Magalhães Pamplona – CENDEC); Matemática (Prof. Carlos Henrique Motta Coelho – CENDEC); Sistema Econômico e Contas Nacionais (Prof. Hélio João Soares – CENDEC); Análise Econômica (Prof. Tanisly de Magalhães Pamplona – CENDEC); Estatística (Prof. Fábio Ramalho de Cicco – CENDEC); Desenvolvimento Econômico (Prof. Flávio Rabelo Versiani – UNB); 138

Teoria de Sistemas e Gráficos (Prof. Austregésilo Gomes Spíndula – CENDEC); Programação Linear (Professor Carlos Henrique Motta Coelho – CENDEC); Administração Financeira (Prof. Marcos Amorim Netto – Banco Central do Brasil); Projetos: Estudo e Metodologia (Prof. Tanisly de Magalhães Pamplona – CENDEC); Planejamento e Desenvolvimento Regional e Urbano (Prof. Paulo Roberto Haddad – IPEA/MG) e Prof. Raimundo Nonato Monteiro de Santana – UNB; Projetos: Rentabilidade Econômica e Financiamento (Prof. José Carlos de Oliveira e Prof. Nilson Holanda – IPEA/RJ); Planejamento Econômico e Social (Prof. Jayme Costa Santiago – CENDEC); Planejamento (Prof. Jayme Costa Santiago – CENDEC); Orçamento Programa (Prof. Wagner Francisco Wollfeil Netto – SEFA – RS); Planejamento do Setor Saúde (Prof. Oswaldo Martins Reis – UNB); Experiência de Planejamento do Estado do Piauí (Prof. Antônio de Pádua Ramos – Sec. de Planejamento do Piauí); Planejamento do Setor Educação (Prof. Divonzir Parthur Gusso e Prof. Nilton Machado de Souza – IPCAN); Experiência de Planejamento do Estado de São Paulo (Prof. Vicente de Paula Oliveira – Coord. de Planejamento da Sec. de Planejamento São Paulo); Conferências (Dr. Roberto Cavalcante de Albuquerque Secretário de Articulação com Estados e Municípios – SAREM – Ministério do Planejamento).

Parte do Grupo de Estudantes do CENDEC – UNB – Brasília – 1973. Da esquerda para a Direita: Em pé: Piauí, Goiano, Pedro, Brito, Walter, Ceará, Maelita e Tim Maia. Sentados: Letice, Sandra, Soçola, José Eugênio (Pamplona), Glorinha, Engraxate e Jadir. (Acervo: Do Autor) 139 Promessa Cumprida

No dia 2 de janeiro de 1974, fui no- Coloquei o problema e ela me levou ao meado assessor do secretário de Agricultura, procurador do Instituto, que por coincidência que cumpriu, assim, o compromisso assumido era meu tio, casado com a Catarina, irmã do comigo. Logo depois, com a mudança de go- meu pai. Pouco mais de dez dias depois, recebi verno, assumiu a Secretaria o doutor Osman em Vitória todo o cadastro. Muita coisa, no Francischeto de Magalhães, que reforçou bas- Brasil, até hoje só se resolve assim. tante a CEPA, trazendo o doutor Carlos Au- Tornei-me um dos mais próximos asses- gusto de Magalhães da SEAG e, de Brasília, sores do Belmiro e foi sua a indicação para que Geraldo Browne Ribeiro. Aos poucos, em uma me inscrevesse no processo de seleção para o fase de muita produção técnica, outros foram estágio na França, conforme já relatado em incorporados à equipe. Todo o planejamento outro capítulo. agrícola era feito com base em pesquisas, que Desde a gestão do Paulo, eu assumira a subsidiavam as ações nas áreas de crédito, in- coordenação da CEPA. sumos, armazenagem, estradas etc. Cheguei a trabalhar com três motoristas Esse período de trabalho intenso e fe- diferentes, nesse período: o primeiro deles foi cundo só foi encerrado quando o governo Mário Patrício, hoje servidor da Ceasa e líder passou a fazer intervenções políticas na ação classista. Com ele, vivi um episódio estranho, da Secretaria, contra a vontade do secretário. quando me levou à agência do BANESTES, Veio a troca de comando, entrando Paulo Le- na Praça Oito de Setembro. Terminado o meu mos Barbosa, que também ficou pouco tempo compromisso, ao entrar no carro notei que ele e deu lugar a Belmiro Perine, de Santa Teresa. estava muito ansioso, o rosto sem cor. Com essas mudanças, acabei assumin- Saiu em disparada, mas teve que parar do a coordenação geral da CEPA. Havia uma no semáforo em frente ao Supermercado São antiga pendência a resolver: obter o cadastro José. De repente, surge um policial PM, farda- geral das propriedades rurais do Espírito San- do, aplica-lhe um soco no rosto, entra e senta to. Nem mesmo quando um irmão do doutor no banco traseiro do veículo e ordena que ele Ivan fora diretor do IBC – Instituto Brasileiro se dirija para o quartel da Polícia Militar, em do Café – Dr. Carlos Shalders, com sede no Maruípe. Rio de Janeiro, conseguiu-se obter esse cadas- Quando atravessávamos a Avenida Pau- tro. lino Muller, Mário tentou subornar o policial, Fui a Brasília para mais uma tentativa, que ficou ainda mais possesso. Eu ali, sem en- que no primeiro momento se revelou infrutífe- tender nada. ra, mas expus o assunto ao Paulo Merçon e ele Quando chegamos ao quartel, havia se lembrou que a secretária do diretor-presidente um verdadeiro “corredor polonês” para nos do INCRA – Instituto de Colonização e Refor- receber e alguns policiais faziam ameaças ao ma Agrária era uma castelense. Fui até lá e, para Mário. Percebendo que a situação sairia de minha surpresa, descubro que era filha do Afon- controle, solicitei que me arranjassem um te- so Madeira, mais conhecido como Afonsinho, e lefone e consegui falar com o Dr. Ivan e narrar tinha sido minha colega de escola. o que estava acontecendo. 140

Pediu-me que aguardasse instruções suas Zé Guilherme e eu descemos do carro e e sei que ele fez um contato com o Governador comunicamos que ele faria sozinho o resto da Dr. Arthur, que imediatamente determinou nos- viagem. O homem ficou apavorado. sa liberação, mas a habilitação do motorista foi Pegamos carona até Bom Jesus do Nor- apreendida e, até hoje, a polícia e o Mário não te, onde o prefeito conseguiu carro e motorista me contaram qual foi a razão de tudo aquilo. para nos levar de volta a Vitória. Com a criação da Ceasa, Mário e muitos Tempos depois, descobri que esse cida- técnicos agrícolas submeteram-se a concurso dão, antes de trabalhar na Secretaria de Agri- público e passaram a prestar serviços àquela cultura, fora motorista de ambulância. Só en- companhia. tão entendi tudo. Depois do Mário, veio o motorista José O próximo foi um bom profissional, que Marcílio, um “louco” no volante. Na primeira se tornou amigo: o senhor Geraldo, que traba- viagem que fiz com ele, fomos ao Norte do Es- lhou conosco durante anos, até ser afastado tado, em um fusca. Passando por Ibiraçu, em pela doença que o levou à morte. direção a João Neiva, havia uma serraria de Durante toda a nossa convivência, não , logo na primeira curva, e a empresa nos recordamos de nenhum dia em que o Ge- armazenava ali pó de serragem. Pilotando o raldo, ao nos conduzir ao trabalho ou a via- carro em alta velocidade, ele não conseguiu fa- gens, não deixasse o carro limpo e cheiroso. zer a curva e entrou naquela montanha de pó. Era um capricho que dava gosto de ver. Fui seu Foi um tremendo susto. Quando nos amigo e de sua família, inclusive padrinho de retiraram do veículo, sem arranhões, desco- casamento de sua única filha, Mariangela. bri que o motorista transportava sob o banco Sua esposa, a senhora Cecília, recebera nada mais, nada menos que uma metralhado- uma herança de família no estado de Goiás, e ra. Soube mais tarde que ele era apaixonado com este recurso extra adquiriu um pequeno pela figura do político fluminense Tenório Ca- sítio no município da Serra. valcanti e sua “Lourdinha”, a fiel metralhado- Certo dia, Geraldo, ao dirigir-se para o ra que sempre o acompanhou. sitio, surpreendeu um dos seus colegas, mo- Por isso, andava também de óculos escu- torista, que, sem a sua autorização, invadiu a ros e roupas, capa e botas negras, como o seu propriedade e encheu uma Kombi com frutas herói. Daí em diante, decidi não viajar mais e legumes. Diante daquela cena, aborreceu-se com ele. Mas ele insistiu tanto que acabou por tão profundamente que sofreu um derrame me convencer de que mudara de atitude. Fize- cerebral. mos então, José Guilherme Ferreira e eu, uma Reagiu mal ao tratamento, pois era mui- viagem a Guaçuí e São José do Calçado. to vaidoso. Corria tudo bem, até deixarmos São Uma tarde recebí um telefonema de Dª José, com destino a Bom Jesus do Norte. Em Cecília pedindo-me que fosse com urgência ao uma descida acentuada, ele resolveu passar dos Hospital dos Servidores Públicos, para aten- cem quilômetros por hora, justamente quando der ao pedido de Geraldo solicitando a minha uma boiada atravessava a pista e não atendeu presença. ao meu apelo para reduzir a velocidade. Infelizmente cheguei tarde. O amigo Só quando chegou perto da boiada é Geraldo acabara de falecer. Antes de morrer, que usou os freios, bruscamente. segurou a mão de sua esposa pedindo-lhe que 141

Eu morava na Rua Alziro Viana, no centro da cidade, e quando chegamos a Vitória ele me deixou em Bento Ferreira, de madrugada e sem qualquer explicação. Esperei por um bom tempo, até que aparecesse um ônibus, saltei na Praça Costa Pereira e, correndo o risco de ser assaltado, fui para casa. Na manhã seguinte, fiz um relatório ao che- fe do setor de transportes, que demitiu o motorista. Da esquerda para a direita: Dr. Anailton (procurador do IBAMA), Sr. Geraldo, Dr. Jorge Muniz e Sadi Caetano - 1979. (Acervo do autor) lesse um trecho da Bíblia Sagrada. Morreu serenamente. Os motoristas que passaram a me aten- der não possuiam, nem o equilíbrio, nem o profissionalismo do meu saudoso amigo Ge- raldo. Com a mudança no sistema de utili- Primeira Semana do Treinamento – Ao meu lado direito, Roberto Simões, atual zação dos carros do Estado, com o controle presidente do Conselho Nacional do SEBRAE - Guaranhuns – Pernambuco – centralizado no galpão ao lado do DIO – De- 1989. (Acervo do autor). partamento de Imprensa Oficial e da atual Secretaria de Segurança, todos os veículos re- ceberam instrumentos que registravam a ve- Em 1974, a SUPLAN – Secretaria de locidade. Planejamento do Ministério da Agricultura e a Fui em um deles até Nova Venécia, para FGV – Fundação Getúlio Vargas promoveram reunião na COOPNORTE – Cooperativa de um curso de planejamento agrícola em vários Produtores do Norte do Espírito Santo, en- módulos de uma semana a cada mês e em lo- contro que se prolongou até depois de seis da cais diferentes. tarde, horário programado para nosso retorno. Quando do primeiro módulo, em Per- De repente, entra na sala o motorista es- nambuco, senti o maior orgulho, como capi- baforido e me chama a atenção para o horário, xaba, por viajar, de Recife para Garanhuns batendo os dedos no relógio de pulso. Diante em ônibus da Viação Itapemirim, com placa da perplexidade dos diretores da cooperativa, da cidade de Cachoeiro. ordenei-lhe que seguisse viagem, pois outro O segundo módulo foi realizado em motorista me levaria até Vitória. Gramado, Rio Grande do Sul, o terceiro em Ignorando a determinação, ele ficou Campos do Jordão, São Paulo, e os restantes me aguardando. Pior ainda, teve a ousadia de na própria FGV, no Horto Florestal do Rio de romper o controle de velocidade e “voamos” Janeiro. para Vitória, a 100 ou 120 km por hora. Ficamos hospedados no Hotel Ipanema Foi uma das viagens mais tensas que já In, categoria três estrelas, e meu colega de apar- fiz. Ainda me aguardava a maior surpresa. tamento durante o curso foi o mineiro Roberto 142

Simões, que depois iria ocupar a presidência cuária (esta recebeu todo o acervo profissional, do Conselho de Administração do SEBRAE tecnológico e patrimonial do Departamento nacional, representando a Federação da Agri- de Produção e Promoção da Secretaria). Ao cultura de Minas. mesmo tempo, a ACARES – Associação de Logo de manhã, percorríamos a Aveni- Crédito e Extensão Rural foi transformada em da Visconde de Pirajá, contornávamos a Lagoa EMATER – Empresa de Assistência Técnica e Rodrigo de Freitas e entrávamos na Avenida Extensão Rural. Saturnino de Brito, onde funcionam alguns A CEPA, o SIMA, a EMESPE e a EMA- setores da Rede Globo, subindo até o Horto. TER vinculavam-se, na esfera federal, à SU- Entre os nossos professores, Fernando PLAN, Sub-secretaria de Planejamento e Or- Henrique Cardoso, Maria da Conceição Tava- çamento do Ministério da Agricultura. res, Luciano Coutinho e Carlos Lessa. Inicialmente, coube-me a tarefa de diri- Aos domingos, saía de Vitória para o gir o Serviço de Informação de Mercado Agrí- Rio de Janeiro, cerca de hora e meia de vôo cola, enquanto Carlos Augusto de Magalhães até o Galeão. Em um desses domingos, logo coordenava a CEPA, o médico veterinário Dir- que chegamos à Zona Sul do Rio, percebemos ceu Nolasco a EMESPE e o engenheiro agrô- um clima de autêntico velório, sobretudo em nomo Osman Franscischetto de Magalhães a Ipanema. Não se ouviam ruídos. Até os auto- EMATER-ES. móveis pareciam circular em silêncio. Os órgãos e empresas vinculados à área fe- Só então fiquei sabendo que a Argenti- deral sempre receberam grande apoio do minis- na eliminara o Brasil da Copa de 1974. tro da Agricultura, Allison Paulinelli, e do secre- Em 1973, foi criada a Assessoria de Pla- tário-geral do Ministério, Paulo Afonso Romano. nejamento, coordenada pelo engenheiro agrô- A partir de março de 1975, quando se nomo Carlos Augusto de Magalhães, da qual inicia o governo Élcio Álvares, e o engenhei- passei a fazer parte, juntamente com Jadir ro agrônomo Osman Francischetto de Maga- Viana Santos. lhães era secretário de Agricultura, as prin- Dois anos depois, foi firmado um contrato cipais realizações na área foram: criação e com a FGV – Fundação Getúlio Vargas, através implantação da CEASA – Central de Abaste- do IDORT – Instituto de Organização Racio- cimento de Produtos Agropecuários e do IEF nal do Trabalho, para a reestruturação técnica – Instituto Estadual de Florestas, este sob a e administrativa da Secretaria de Agricultura. O presidência do engenheiro florestal Geraldo consultor Cláudio Augusto Pestana Magalhães, José dos Santos (Geraldo “Fofoca”). representando o IDORT, trabalhava em conjun- Nessa época, a partir do modelo do se- to com a Assessoria de Planejamento. ringal “Tira-Teima”, de propriedade do senhor. Os principais resultados desse trabalho João Maurício e cultivado às margens da BR foram a constituição do CEAPA – Conselho 101 Sul, entre Vitória e Guarapari, o Estado Estadual de Administração e Política Agrope- do Espírito Santo foi incluído no PROBOR – cuária; da APE – Assessoria de Planejamento; Programa Brasileiro da Borracha, da SUDHE- da CEPA – Comissão Estadual de Planejamen- VEA – Superintendência de Desenvolvimento to Agrícola; do SIMA – Serviço de Informação da Borracha, cujo superintendente era o enge- de Mercado Agrícola e da EMESPE – Empresa nheiro florestal José Cesário (“Zé Galinha”), Espiritossantense de Desenvolvimento da Pe- capixaba de Mimoso do Sul. 143

Assumi então a coordenação da CEA- representação do Espírito Santo no Distrito PA e da CEPA. A EMATER era presidida pelo Federal, contratamos uma datilógrafa e, usan- engenheiro agrônomo Joaquim Aleixo de Sou- do tesoura e cola, ajustamos tudo às recomen- za; a EMESPE pelo médico veterinário José dações do Ministério, que não demorou muito Carlos Marangone e a EMCAPA tinha em sua para aprovar o projeto. diretoria Geraldo Brawne Ribeiro, Roberto Organizando a biblioteca da Secretaria, Ferreira Pinto e Ricardo Braga de Carvalho, Edson “Feijoada” e eu encontramos, além de enquanto o SIMA era coordenado por Cleber preciosidades literárias, verdadeiras relíquias Bueno Guerra. históricas no arquivo ou depósito: documen- A criação destas instituições, além de tos que relatavam toda a história dos vales, tecnicamente necessária, era uma das exigên- acompanhados de desenhos feitos à mão. cias da SUPLAN – Secretaria de Planejamento Quando os técnicos Joanita Lima e Ricardo do Ministério da Agricultura para a liberação Santos ficaram sabendo da existência desses de recursos federais. documentos, fizeram tudo para que a Secre- Um fato triste desse período foi a perda taria doasse o material à biblioteca do BAN- de um colega chamado Severino, que atuava DES, mas resistimos. no PESCART – Programa da Pesca Artesanal e Infelizmente, depois que deixamos a foi assassinado em Guarapari por cumprir seu Secretaria, uma profissional conhecida nossa dever: confiscara o produto da pesca ilegal e o – por falta de espaço para arquivar esse pre- culpado vazou-lhe o peito com um arpão. cioso acervo – juntou tudo e pôs fogo. Consta O projeto mais trabalhoso foi a criação que ainda teria justificado sua decisão com a da EMCAPA. Estivemos em Brasília, doutor seguinte frase: Ivan, Carlos Magalhães e eu, para apresen- - É, o Zé Eugênio gostava de guardar tar o projeto ao Ministério, que exigiu várias bagulhos. modificações. Trabalhando no escritório de 144 Literatura, uma porta para o conhecimento

Embora sem desprezar a literatura em de Issen Woloch., que adquiri por sua perti- geral, dediquei a maior parte de minha exis- nência com os temas a que mais me dedico, tência aos estudos técnicos e, por essa razão, atualmente. dei preferência aos melhores autores de livros Citei algumas vezes, nos meus trabalhos sobre a história econômica, administrativa e profissionais, o livro D.Pedro II – Perfis Bra- política do Brasil e do Espírito Santo. Ainda sileiros, de José Murilo de Carvalho, editado hoje, são esses os livros que consulto e pelos pela Cia de Letras. quais tenho especial interesse. Cito apenas al- Aprecio também o livro O Dia em que guns, pois incluir a lista completa iria roubar a Getúlio Matou Allende e outras Novelas do paciência do leitor. Poder, de Flávio Tavares e editado pela Edito- Um deles – Os Grandes Enigmas de ra . Esse foi um presente do deputado Nossa História, da Otto Pierre Editores e pu- estadual Gildevan Fernandes. blicado nos anos 1980 – foi para mim um pon- Memória e Sociedade – Lembranças da to de partida. Tenho quase todos os volumes e Velha São Paulo, de Ecléa Bosi, foi para mim ainda recorro a eles em algumas ocasiões, pois como um guia e um mestre, pois a partir dele formam um importante conjunto de relatos é que criei a estrutura dos livros que escrevi históricos, além de documentos e jornais de sobre Castelo, Afonso Cláudio e, por último, cada época. Domingos Martins. Foi-me presenteado pela Outro livro pelo qual tenho carinho es- professora Elisa Bartolozzi Ferreira. pecial é O Sol do Brasil: Nicolas-Antoine Tau- Li, com grande interesse, toda a litera- nay e as desventuras dos artistas Frances na tura produzida pelos economistas e outros es- Corte de D.João (1816-1821), de Lilia-Moritz tudiosos do Brasil, nas décadas de 70 e 80 do Schwarcz e editado pela Cia de Letras. Esse século XX, ao tempo em que participava dos foi um presente do amigo Jorge Chaves, que seminários e treinamentos realizados na Fun- conhecia minhas preferências literárias e trou- dação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde xe do Rio de Janeiro um exemplar. tive, conforme já citado, professores como Fer- Devo citar ainda Napoleão e Seus Cola- nando Henrique Cardoso, Luciano Coutinho, boradores – A Construção de Uma Ditadura, Conceição Tavares e outros. 145 Riscos inerentes ao trabalho

A opinião pública nem sempre fica sa- trole que só se adquire em anos de experiência, bendo dos riscos que correm os dirigentes e o piloto deu alguns socos no painel e o avião servidores do Estado. voltou a se comportar bem. Recordo, por exemplo, a viagem que fiz a Nessas viagens, surgem também pro- Mucurici, na companhia de Kleber Furtado de blemas pessoais impossíveis de prever, como Mendonça e Odilon Vargas, em um avião de na época em que participei de um encontro oito lugares, pilotado pelo conhecido Eliaquim. agropecuário em Brasília, no auditório Ulisses Pousamos em Nanuque, em um campo de fu- Guimarães, que tem um desnível em forma de tebol de terra, pouco antes do avião que trouxe rampa. Como eu tinha o costume de tirar a de Brasília o secretário geral do Ministério da aliança do dedo e girá-la em torno de um lá- Agricultura, Paulo Afonso Romano, homem de pis, de repente ela escapou e rolou para longe. confiança do ministro Alysson Paulinelli. Para não perturbar os trabalhos, só poderia De Nanuque, fomos por terra até Mucurici, para procurá-la ao final do encontro. visitar um campo experimental de plantio de soja. Na vol- Adquiri do fotógrafo que documentava ta, como o piloto não conseguia ligar o motor da aeronave a solenidade algumas cópias das fotos, como que conduzia o secretário-geral, tivemos que empurrá-la recordação. Entre ela, uma me mostrava sem a pela pista de decolagem, como se fosse um carro velho aliança, que ainda não fora recolhida. Quando para “pegar no tranco”. E deu certo. cheguei a Vitória, Beth, minha esposa, notou Depois de decolado o avião em que via- a ausência da aliança. Como fazer com que ela jávamos, sentado ao lado do Eliaquim, percebi acreditasse no meu relato dos fatos? que o piloto estava enfrentando um problema Acho que nem eu mesmo acreditaria, se sério: a mudança súbita da direção e da força do alguém me contasse. vento ameaçava o funcionamento do motor e o Foi também nessa ocasião que visitei controle do aparelho. Com a frieza e o autocon- pela primeira vez a cidade de Barra de São

Encontro Agropecuário – Brasília – 1980. Campo Experimental da Cultura de Soja – Mucurici – 1979. À minha esquerda, Odilon Vargas de Souza, presidente da EMATER-ES. Na foto: Kleber Furtado de Mendonça, Odilon Vargas de Souza, o (Acervo do autor) Prefeito Benjamim (Mucurici), Matielo e o autor José Eugênio Vieira. (Acervo: Do Autor) 146

Francisco. Fui em companhia do Dr. Ivan e assistindo aos velhos “westerns”nos cinemas de de outros companheiros da SEAG. O gover- Castelo. no estadual estava incentivando a produção Foi marcante um trecho da fala do dr. em escala comercial da cultura da mamona Ivan, incentivando os produtores a aderir e/ naquela região. ou ampliar as suas áreas de produção com a Fizemos uma reunião nas dependências imagem: do cinema da cidade e a porta de entrada era “Imaginem os aviões sobrevoando a cidade daquelas tipo “bar de faroeste”, o que fez mi- usando combustível produzido com mamona de Bar- nha lembrança recuar aos tempos de menino, ra de São Francisco!” 147

Colégio Maria Ortiz - Vitória - 2003. (Acervo do autor)

No início do ano letivo, boa parte das escolas já nos dera o crédito que solicitei... 148 Dezoito

Para falar sobre esse assunto é necessário voltar a dezembro de 1988, quando a Secretaria de Educação vivia grave crise institu- cional, administrativa e política e o governador Max Mauro convo- cou uma reunião de emergência na Praia da Costa, em um sábado. Participaram os secretários Jairo Régis, da Comunicação (hoje falecido); Joanita Lima, da Desburocratização; Sergio Ceoto, da Casa Civil (falecido); Nilton Baiano, da Saúde, e eu, então secretá- rio da Administração e de Recursos Humanos, além dos deputados estaduais Salvador Bonomo e Dilton Lyrio Neto. Buscávamos um nome capaz de promover as mudanças ne- cessárias na Secretaria. Vários foram lembrados, mas sem consenso. A certa altura, Jairo Regis, encostado ao marco da porta da cozinha e fumando um cigarro, sintetizou assim a nossa troca de ideias: - Estamos aqui há quase cinco horas e sem solução. A pergunta que faço: o problema não é de gestão? Se é, a solução está nessa mesa. Todos se entreolharam, tentando adivinhar a quem ele se referia. O governador foi rápido no gatilho: - Desembucha, Jairo. E Jairo: “É o José Eugênio”. Perplexo, pedi ao governador um prazo de 15 dias para pen- sar. Na verdade, queria tempo para pensar em outro nome. Fiz con- tato com Joaquim Aleixo de Souza, então secretário de Planejamen- to da Universidade de Viçosa, que agradeceu e descartou o convite. Com Jorge José Abib, hoje falecido, que era secretário de Educação do município de Resende, Estado do Rio, e ele alegou uma série de razões para não aceitar. Outros foram consultados e também não aceitaram. Tive que aceitar e tomei posse com o magistério em greve e decidido a mantê-la no inicio do ano letivo. Os dirigentes do sindica- to da categoria, que até então me tratavam como aliado porque em várias ocasiões os orientei em seus pleitos, na condição de Secretário Executivo da Junta de Política Salarial do Estado, viraram-se contra mim. Publicavam notas em jornais contestando minha competência

na Educação para ocupar a pasta, por não ser professor. Em janeiro de 1989 percorri todo o Estado realizando reu- niões com diretores de escolas e professores que estivessem nos municípios para solicitar uma trégua e explicar a programação que cumpriria nos próximos três anos. Quebrando lanças 149

O último encontro aconteceu em Co- Minha proposta era um currículo que latina, quase ao meio-dia e sob um calor in- trouxesse para dentro da escola a questão dos fernal. Acompanhou-me o prefeito e médico direitos e deveres do cidadão e da sociedade e Tadeu Gilbert. Quase sem voz e exausto, de assegurasse aos alunos educação religiosa, fi- repente desmaiei. Socorrido por Tadeu, con- losófica e sociológica e conhecimentos sobre segui concluir a reunião. o trânsito. Tomei posse na manhã de um dia chu- Propus que a recuperação dos valores voso e, ao retornar do almoço, recebi a re- culturais e familiares também deveria ser colo- pórter de A Gazeta, Rose Duarte, que vinha cada em discussão, além de revermos os con- denunciar o estado lamentável de uma escola teúdos de Matemática e Português. Estavam no Bairro Santa Rita, em Vila Velha. Antes presentes mais de 20 professoras, que foram mesmo de sentar, fui verificar pessoalmente a saindo aos poucos, enquanto eu falava, num situação da escola. gesto de desconfiança, desrespeito e falta de No inicio do ano letivo, boa parte das educação. Restaram, ao final, apenas três ou escolas já nos dera o crédito que solicitei, mas quatro. o corpo pedagógico da própria Secretaria con- Faltava até o mínimo: carteiras esco- tinuava a protestar, indo trabalhar de roupas lares, merenda, transporte, livros didáticos pretas e afixando mensagens nos murais do e professores. Não havia gestão, tudo estava prédio. por realizar. Arregaçamos as mangas e fomos O próximo passo era buscar uma profes- à luta. sora que tivesse laços com a categoria e fosse Enquanto Dora preparava o programa capaz de assumir a subsecretaria pedagógica. pedagógico, iniciei a organização administra- Convidada, a professora Dora Cortat Simo- tiva pelo almoxarifado, que não tinha qual- nette aceitou a missão. Então me reuni com a quer controle: as mercadorias e móveis eram equipe técnica pedagógica, na sala da Dora e, entulhados à medida que chegavam. Levei o reconhecendo ser leigo na área, disse que gos- companheiro Zé Teófilo, secretário da Fazen- taria de expor meu pensamento sobre a educa- da, para uma visita ao almoxarifado e ele ficou ção no Estado e no Brasil. espantado: - José, isso é maior que o almoxarifado da Mesbla. E eram três, dois deles ficavam próxi- mos a Cinco Pontes. Em uma reunião social, fiz um comen- tário sobre esse assunto, quando indagado como iam os trabalhos na Educação. No outro dia, logo de manhã, recebi no Gabinete, quatro servidores da antiga Cia. Vale do Rio Doce: Otávio de Lima Pita (Chefe do Setor), Vantuil Valentim Boone, Antônio Posse na SEDU – Secretaria de Estado da Educação e Cultura – 1988. Da esquerda para a direita: Sandro Chamoun do Carmo (ex Secretário da Alberto Rediguieri e Luis Alberto Nascimento. Justiça), Elizabeth, José Eugênio e Ednaldo Loureiro Ferraz (ex Secretário da O chefe do almoxarifado daquela em- Administração e Recursos Humanos). (Acervo do autor). presa ouvira o meu relato e nos oferecia, sem 150

ônus para o Estado, esses três funcionários, eletronicamente, acoplando o sistema de esto- ainda em fase de treinamento, para nos ajudar. ques e a contabilidade. E seria também uma forma de avaliá-los. Aramis Bussolar, diretor-presidente da Não foi necessário assinar documentos. CESAN – Cia. Espírito Santense de Sanea- Bastava a nossa autorização para que come- mento, também ouvira meu relato em algum çassem a trabalhar. lugar e se dispôs a nos ajudar com eletricistas Outro problema surgiu quando solicitei do quadro da empresa e os holofotes que ti- a contratação de 15 homens para ajudarem a nha em estoque , pois trocara recentemente os remover as mercadorias. A assessoria jurídica equipamentos do pátio. apontou o caminho da contratação temporá- Mais um problema bem resolvido e cuja ria, mas como pagar a alimentação dos traba- solução mereceu até um elogio por parte do lhadores? Resolvemos com uma carta-convite Tribunal de Contas, quando analisou as con- a um restaurante próximo da Secretaria, para tas anuais do Governo do Estado, após solici- o fornecimento de marmitex. tar há anos essa providência. O próprio Tribu- Em seguida, precisávamos de uma em- nal também nos ajudou, pois quando fizemos pilhadeira. Procurei o diretor-presidente da o comparativo do estoque com a contabili- CASES – Cia. de Armazéns e Silos do Espí- dade os números não batiam. Apresentamos rito Santo, Frederico Daher, e perguntei se a ampla e sólida justificativa do problema e a empresa dispunha daquele equipamento. Já Corte de Contas aceitou nossos argumentos, sabia que sim, mas um rodeio não faz mal a estabelecendo o marco zero a partir daquele ninguém. momento. Quando lhe falei do empréstimo, ele pe- O governador do Estado, em reunião diu um dia de prazo, para consultar os demais do secretariado, também elogiou o trabalho diretores, mas no outro dia ligou para comuni- e solicitou que o secretário da Saúde, Nilton car que era impossível, pois estava para chegar Baiano, tomasse dele conhecimento, pois en- ao Porto de Vitória um navio carregado de mi- frentava problemas semelhantes. lho. Talvez tenha ficado com receio de que o Tranquilizei o governador: tínhamos fei- Estado nunca mais devolvesse o equipamento. to tudo da forma mais correta, mas nossa “tec- A solução foi usar escadas, que retarda- nologia” não era transferível, infelizmente. riam muito o término do serviço. Mas o que Ao mesmo tempo, continuei a buscar fazer, se a realidade era essa? um entendimento com os professores, para O próximo problema? Adquirir marte- que voltassem ao trabalho. los, tábuas, pregos, serrotes, tintas etc. Apelei Algumas escolas, principalmente no in- para um conhecido, o Manoel Araújo Filho, terior, já funcionavam normalmente e haviam comerciante na Avenida Leitão da Silva. acertado o calendário de reposição dos dias - Manoel, preciso desse material para hoje e parados, mas a resistência nas maiores cidades você só receberá o pagamento daqui a 30 dias, pois continuava. tenho que iniciar um processo de compra. Deixo com Solicitei que as escolas fornecessem, em você um cheque meu, que você não pode descontar, 48 horas, a relação dos servidores que não mas vamos abrir o processo e regularizar a compra. trabalhavam. Naquelas que não cumprissem Ainda faltavam a iluminação e a compra o prazo, cortaríamos o ponto também de dire- de computadores, pois tudo seria controlado tores e coordenadores. De posse de uma cópia 151 da folha de pagamento e, encerrado o prazo, de modo a não prejudicar os alunos. três servidores me ajudaram a efetuar os cor- Foram horas e horas de reuniões infrutí- tes. feras, até que fiz a última tentativa: um encon- No dia em que saiu o pagamento do Es- tro na residência do prefeito, para lhe garantir tado, foi uma correria. Chegavam ofícios de e à sua esposa que continuaríamos a trabalhar escolas que já retornavam ao trabalho e infor- em conjunto, enquanto o chefe do subnúcleo mações de que, em certos casos, o corte era cuidaria apenas da burocracia de documentos. indevido, porque as diretoras não informaram Ao final, quando o prefeito colocou a que as pessoas estavam trabalhando. decisão nas mãos de sua esposa, fiz um apelo Levamos mais de dez dias para regulari- emocionado à educadora: zar os pagamentos. Foi um alerta aos que pen- - Não podemos deixar que a politicagem pre- saram que estávamos blefando. judique os alunos. Sugerimos às Prefeituras um trabalho Ela aceitou o argumento e selamos o integrado, tanto para reformar escolas como acordo com um abraço e algumas lágrimas. para padronizar calendários e outras ativida- Em outra ocasião, recebi convite para des, e ai encontramos outro obstáculo: a no- uma reunião na cidade de Itaguaçu, onde seria meação de chefes de núcleos regionais e sub- homenageado pela Prefeitura e os professores. núcleos, onde aliados políticos do governo Como tinha que passar por Colatina, ao atra- eram adversários dos prefeitos. vessarmos a estrada próxima da Escola Téc- Na gestão do ex-prefeito de Santa Te- nica daquele município, o carro apresentou resa, Waldir Loureiro, conseguimos boa in- defeito. Enquanto aguardávamos o conserto, tegração com a Prefeitura para atendimento liguei para Vitória e pedi que a Secretaria co- aos alunos em todas as atividades: calendário municasse à escola de Itaguaçu que chegaria unificado, transporte e merenda escolar, pe- com pequeno atraso. quenas reformas de escolas, material didático, Foi quando me avisaram que o governa- pagamento de energia elétrica e água etc. dor queria falar comigo. Fiz a ligação e recebi Depois, quando Ethevaldo Damásio as- dele a determinação para retornar imediata- sumiu o cargo, nomeou sua esposa Vera, pe- mente a Vitória. E agora, o que fazer para justi- dagoga de elevado conceito no município e ficar a minha ausência – uma deselegância – em na região. Tudo funcionava tão bem quanto ato que seria em minha homenagem? A única antes, mas o grupo político do MDB, lidera- saída foi manter a história de que o automó- do pelo ex-deputado Dilton Lírio Neto, sem vel estava quebrado e não daria para chegar a consultar a Secretaria da Educação, procurou Itaguaçu. o Governador e conseguiu mudar a chefia do Descobri, depois, que o líder local do subnúcleo, que estava integrado ao projeto, PMDB e adversário do prefeito, Wilson Chur- para colocar um adversário do prefeito. chil, ligara para o governador pedindo o can- Recebi uma ligação de Santa Teresa celamento de minha viagem, “para não dar informando que as escolas estaduais não es- ibope ao prefeito”. tavam funcionando naquele dia, porque a Apesar desses desencontros, enquanto Prefeitura retirara o seu apoio. Parti imediata- exerci o cargo de secretário de Educação (1988 a mente para o município e passei o dia em reu- 1991), foi possível abraçar a ideia da criação de niões, em busca de um denominador comum, um museu de artes modernas do Espírito Santo. 152

Herkenhoff aceitou de novo a tarefa, criamos as condições para o repasse financeiro ao DEC e, ao final de dezembro de 1994, o museu foi inaugurado, ainda que sem os móveis reco- mendados. Surpresa ruim foi constatar, poucos me- ses depois, que haviam substituído a placa de inauguração por outra, do novo governo. Mas voltemos às pequenas e grandes dificuldades na gestão da Secretaria da Edu-

Antiga Centrais Elétricas do Espírito Santo – Hoje Museu de Artes Modernas cação. - Década de 1920. Voltei a me reunir com o setor pedagó- (Acervo José Tatagiba). gico e fiz um desafio aos educadores: por que O primeiro passo coube à professora e artista não realizar uma pesquisa com alunos e mes- plástica Ivanildes Brunow, hoje residente nos tres e apurar o que eles pensavam do nosso EUA, e ao Rômulo Cardoso, em razão de uma modelo educacional? visita que fiz ao DEC – Departamento Esta- Meu propósito era chegar a um currí- dual de Cultura do Espírito Santo, na época culo pedagógico que significasse renovação, comandado por Maurício Silva. fluindo das bases e com efetiva participação Quadros antigos e importantes, adqui- dos professores. Tínhamos que admitir que a ridos ou recebidos em diversas ocasiões pelo escola estava histórica e socialmente defasada Governo do Estado, estavam em péssimas e devia buscar sintonia com a realidade social condições e sem qualquer registro ou controle. e política e os anseios e apelos da sociedade Apoiei a ideia imediatamente, monta- moderna. mos um grupo de trabalho e fomos à luta. Vá- Entendia que a escola precisava preparar rios prédios antigos de Vitória foram visitados o aluno para a vida e não para o mero acúmulo e vistoriados, até que optamos por instalar o de informações. Em Português, por exemplo, museu no prédio da antiga Centrais Elétrica deveríamos desenvolver a consciência crítica do Espírito Santo, inaugurado em 1928 para do aluno, para que compreendesse os proble- funcionar como Serviço de Melhoramento de mas sociais. O ideal é que os alunos extraíssem Vitória. dos textos as regras de concordância, regência Contratamos o especialista em museus etc. e não se limitassem a cadernos de múlti- Paulo Herkenhoff, natural de Cachoeiro de pla escolha. Em síntese, deixei um recado: Itapemirim e residente no Rio de Janeiro, para - Devemos levar o aluno a pensar e não a fazer o projeto e acompanhar a sua execução. decorar as fórmulas. Na Matemática, por que ensi- O projeto foi aprovado, licitado e sua execu- nar teoria dos conjuntos, se o aluno não sabe somar, ção iniciada quando ainda era secretario de dividir, multiplicar e subtrair? Educação. Depois, decidiram paralisar tudo. Os professores aceitaram o desafio, até Em 1993, ocupando o cargo de secretá- porque já existia, na Secretaria, uma pesquisa rio da Fazenda, o mesmo grupo solicitou meu com mais de 3.500 questionários ainda não apoio à continuidade e conclusão do projeto, analisados. Essa pesquisa indicava o caminho agora sob a gestão de Antônio Alaerte. Paulo que defendi. 153

A partir daí, o corpo pedagógico cons- Costa e Maria Helena Signoreli, servidoras truiu uma nova proposta curricular. Ao mes- de carreira do Estado, para me auxiliarem na mo tempo, realizamos pesquisas sobre como interpretação dos números. Solicitei também a escola tratava a recuperação do aluno, ou- a colaboração do Sindicato dos Contabilistas, vindo professores e os próprios alunos. Cria- para nos ajudar a avaliar as planilhas de custo mos também o Conselho de Escola, lançamos das escolas particulares. o processo de eleição de diretores e, através Acusavam-me de proteger as escolas de licitação pública, contratamos a autarquia particulares, mas o que fiz foi recomendar à FUNDAP, de São Paulo, para que elaborasse o assessora Mariza Bonomo que visitasse escola plano de cargos e salários da categoria e uma por escola e conferisse os percentuais do rea- proposta de reformulação do estatuto do ma- juste dado aos professores. gistério. Foram quase quatro meses de críticas Mas as crises não cessavam. pesadas, até que o trabalho ficasse pronto, Renato Soares, membro do Conselho comprovando que cerca de 90% dos cálculos Estadual de Educação, convenceu o governa- eram incorretos e que a informação dada pelo dor de que a maioria dos membros não era próprio sindicato da categoria sobre o percen- confiável. Infelizmente, o Governo fez uma tual de aumento não era verdadeira. intervenção no Conselho, sem ouvir a Secre- Preparamos a portaria com os números taria, e indicou para a presidência a professora exatos, convoquei uma reunião do Conselho e Vera Intra. convidei a imprensa. Desde então, o mesmo Renato passou Assumi a presidência, com Renato sen- a dominar o Conselho, por haver indicado a tado ao meu lado e abri a reunião informando maioria dos integrantes. Já estávamos na era que publicaríamos a portaria correta no dia se- Collor de Mello e da ministra Zélia na pasta guinte e denunciaríamos à Polícia Civil a falsi- da Fazenda, de onde surgiam medidas provi- ficação de informações por parte do sindicato. sórias disciplinando a cobrança de mensalida- Havia encaminhado o assunto também à Pro- des escolares. curadoria do Estado, para que se manifestasse. Finalmente, Renato Soares conseguiu, Fiz ainda duas denúncias ao Ministério a seu modo, aprovar resolução disciplinando Público, como secretário da Educação e como essas cobranças. Em seguida, convocou a im- pessoa física, porque Renato usara uma coluna prensa e atribuiu a responsabilidade da homo- do jornal A Tribuna para me acusar de prote- logação ao secretário da Educação. ger a Escola Leonardo Da Vinci, que tinha a Os repórteres quiseram saber quando farí- seu favor uma decisão judicial cujo teor não amos a tal homologação e respondi que só após tínhamos o direito de ignorar. receber a decisão do Conselho, que normalmen- Algum tempo depois, fui chamado à re- te demorava de 20 a 30 dias. Nunca apanhei sidência oficial da Praia da Costa e o gover- tanto da imprensa, como naqueles dias. Renato, nador pediu-me que retirasse a denúncia ao que desejava ser candidato a senador, o que de Ministério Público. Uma nota assinada por fato aconteceu, aproveitava todas as oportuni- diversas lideranças políticas do Estado endos- dades de garantir espaço na mídia. saram esse pedido, com a justificativa de que a Quando recebi o documento, convoquei denúncia tivera motivação política. as amigas e economistas Mônica Furtado da Ouvi atentamente o governador, dizen- 154

do-lhe que, quanto à ação proposta, como professores. secretário, eu retiraria, mas a do cidadão José A Prefeitura construíra outra escola per- Eugênio, não. Os dois processos correram jun- to daquela, oferecendo condições melhores. tos e ganhei a causa, com a retratação do Re- Levara a maioria dos alunos. nato. Esse processo está hoje em meu poder, Resumindo: retiramos da rede cerca porque depois da sentença a Justiça devolve de 3 mil professores e a irregularidade mais tudo ao denunciante. frequente era a escola pedir a contratação de Os problemas existiam, mas íamos supe- professor substituto e, no retorno do titular, rando um a um. manter na folha o substituto para quando fos- Certo dia, procurei o governador para se necessário. O Estado pagava por tudo isso. solicitar que se estudasse a possibilidade de A economia que fizemos representava um reajuste de vencimentos para o magistério, 10% das despesas de custeio (e outras) da Se- apesar de Sérgio Ceotto, secretário da Casa cretaria. Solicitei uma reunião com o governa- Civil, não concordar. Segundo ele, ou o Go- dor e os secretários de Planejamento e Fazen- verno dava aumento a todas as categorias ou da, que me autorizaram a fechar o acordo com não dava a nenhuma. o Sindicato dos Professores. Entretanto, como estavam presentes, os Esperamos que o governador concluísse secretários do Planejamento, Albuíno Azere- uma discussão com Waldyr Klug sobre ques- do, e da Fazenda, Zé Teófilo, propuseram um tões internas do PMDB, quando ele então desafio: tudo que eu conseguisse poupar nas perguntou se estava tudo resolvido e se pode- despesas de custeio da máquina administrati- ria anunciar o aumento de 10% para a cate- va da educação seria revertido para esse au- goria. mento. Zé Aguilar Dalvi e Waldyr responderam Solicitei que a área técnica estudasse a que não haviam acertado nada comigo. O cli- viabilidade de cortes nas despesas. A resposta ma ficou tenso e vi quando a professora Car- demorou dois meses e foi negativo: não havia melita M. dos Santos ligou para algum lugar como cortar nada. Inconformado, pedi que me recomendando a alguém que prosseguisse com apresentassem a metodologia de cálculo que o que estava planejado. definia a necessidade de professores e pessoal Como estava sem condução perguntei de apoio às escolas. inocentemente ao Waldyr se ele iria para os Com essa metodologia nas mãos, voltei lados da Secretaria da Educação e poderia me a percorrer o Estado, escola por escola, assim dar carona no seu Fusca amarelo. Lá fui eu, como os núcleos e subnúcleos. ainda atônito e envergonhado, indagando a Tendo nas mãos as folhas de pagamento razão daquele procedimento, mas ele nada di- por município, escola e núcleos, entrevi então zia. uma realidade bem diferente. Como chegava Quando chegamos, vi aquele mar de sem aviso prévio, pude descobrir casos extra- manifestantes. Já haviam invadido as depen- ordinários. No subnúcleo de Itaguaçu, por dências da Secretaria e anunciado o meu en- exemplo, constava um total de 44 servidores terro simbólico. Estavam todos de preto, car- e só encontrei cinco. No distrito de Santo An- regando o caixão, coroas, velas e tudo mais. tonio, em Santa Teresa, uma escola de ensino Waldyr se livrou logo da minha compa- fundamental e médio tinha nove alunos e 12 nhia, subiu numa cadeira e, em tom panfletá- 155 rio, “baixou a lenha” no secretário da Educa- Casa Civil, Sérgio Ceotto, para que me ajudas- ção. Fui chamado de demagogo, incompetente, se a concretizar o projeto. Isso aconteceu, com inimigo do magistério e outros adjetivos. sucesso, pois Zé Guilherme venceu as eleições E eu ali, assistindo a tudo e sem acredi- e inauguramos uma temporada de diálogo, tar no que presenciava. respeito e colaboração. Como as portas principais do prédio Antes dessa reviravolta, ocorreram ou- estavam fechadas, um dos manifestantes que- tras duas invasões do prédio da Educação, brou a vidraça, para franquear a invasão. Só sendo uma delas no dia do meu aniversário mais tarde, após a desocupação, a polícia foi (28 de abril de1988), no momento em que chamada para instaurar o inquérito policial. alguns servidores me prestavam uma home- Os professores, liderados por Waldyr nagem. Os professores realizavam assembléia Klug, Carmelita M. dos Santos, Nelma Go- geral nas dependências do Ginásio Álvares Ca- mes Monteiro e José Aguilar Dalvi, sabiam bral e alguém da própria Secretaria avisou da que o secretário da Educação não tinha poder homenagem. decisório sobre a política salarial adotada pelo Decidiram tumultuar a celebração. Estado, mas ainda assim o atacavam e, com Enquanto se aproximavam, os funcioná- agressões verbais, tentaram responsabilizá-lo. rios corriam para recolher refrigerantes, copos Naquela noite, em lugar de ir direto para e salgados, evitando que virassem armas. casa, convidei a minha esposa e alguns ami- Os manifestantes inventaram uma répli- gos e fomos bebericar até tarde da noite. Caí ca grosseira do “Parabéns pra você” e invadi- na cama e só acordei no outro dia, bem cedo, ram o gabinete do secretário. para ler as manchetes dos principais jornais. Foi a maior selvageria que já presenciei E lá estava, nas primeiras páginas, a em minha vida pública: quebraram o vidro imagem do teatro do meu funeral. da mesa central, cuspiram no chão, queima- Não desanimei. ram com pontas de cigarros o tapete da sala Conversei com o professor José Gui- e, quando saíram, era como se tivesse passado lherme, do Colégio Estadual, e lhe propus um um furacão. acordo: conseguiria os meios materiais para Depois que deixaram o local, os funcio- sua eventual candidatura à presidência do nários limparam a sala e reiniciaram a home- Sindicato e ele poderia prosseguir com as ma- nagem. O fato mais surpreendente foi a per- nifestações, desde que não houvesse violência manência do Zé Aguilar Dalvi, argumentando e falsas acusações, já que os objetivos da Se- que embora fizesse parte da diretoria do sindi- cretaria eram idênticos ao do professorado. cato, era também meu amigo. Em seguida, procurei o secretário da Melhor nem comentar. 156 O tempo não apaga as marcas da intolerância

A atitude desses dirigentes do Sindi- diante de certos problemas, suas decisões de- cato, diante da Secretaria da Educação, foi vem ser tão rápidas quanto possível, para que marcada sempre pela intolerância, bravata e a população não seja prejudicada. Já a nossa omissão, mas apesar disso nunca deixamos de cultura política segue em outra direção: o in- convidá-los a participar de iniciativas como teresse do próprio político. a criação dos grupos de trabalho que iriam Um bom exemplo disso aconteceu quando avaliar o Plano de Cargos e Salários e rever o o ex-deputado Douglas Pupim me trouxe a notí- Estatuto do Magistério. cia de que a comunidade de Araguaia, hoje dis- A convocação para as reuniões era feita trito de Marechal Floriano, queria discutir com o via Correios, através de AR, e ao final de cada secretário da Educação o problema de uma escola reunião lavrava-se uma ata. Os representantes que ficava em frente à linha férrea. Já acontecera indicados pelo Sindicato só compareceram à até um acidente fatal: ao sair da escola, uma das primeira reunião. Entretanto, quando o tra- crianças fora atropelada pela locomotiva. balho foi concluído, o Sindicato solicitou um Combinamos a data e fomos no carro encontro com o secretário para afirmar que a oficial, mas paramos durante alguns momen- categoria não aprovaria os documentos, elabo- tos em Domingos Martins, onde o deputado rados sem a sua participação. fez rápida visita a uma pessoa doente. Em Ouvi o argumento, antes de contestá-lo Araguaia, ouvimos as queixas e sugestões da integralmente, pois tínhamos a prova da omis- comunidade, que reivindicou a transferência são: os ARs dos Correios, antes de cada reu- da escola para um local seguro, em terreno que nião. Se os dirigentes sindicais usassem o tal a própria comunidade estava disposta a doar. argumento, eu daria conhecimento dessa prova De volta a Vitória, já encontrei o recado à opinião pública, aos deputados e aos profes- de que o governador Max Mauro queria falar sores. comigo e já ligara diversas vezes. Estavam na Além disso, como demonstração de boa minha sala o prefeito de Colatina, Dilo Binda, vontade, coloquei à disposição deles uma có- e o presidente do Sindicato dos Professores, pia dos documentos que havíamos aprovado, José Guilherme Pires Encarnação. Ainda as- para que se manifestassem sobre o conteúdo e sim, mandei que ligassem imediatamente para fizessem recomendações e sugestões, no prazo o governador. de dez dias. Decorrido esse prazo, nenhuma Nem dá para descrever o grau da sua ir- contribuição foi oferecida, e os projetos foram ritação. Estava assim desde que lhe contaram aprovados pelo Executivo e o Legislativo sem que eu fora a Araguaia com o deputado, que qualquer alteração. era do PMDB, o mesmo partido dele, Max, Se a omissão é inimiga da eficiência, o mas de uma corrente que divergia da sua. personalismo que costuma prevalecer nas re- - Zé, que você fosse com qualquer outro, mas lações políticas é adversário ainda mais perni- não deveria ter ido com o Douglas – disse o gover- cioso. O gestor público competente sabe que, nador, no seu jeito explosivo de ser. 157

Dilo Binda conta que fiquei branco feito Viana sem trocar sequer uma palavra. Mas cera e até gaguejava, de tão nervoso, porque o quando passávamos pela cidade, o governador Governador não me dava sequer o tempo de apertou as minhas mãos e disse: explicar o motivo da viagem. - Poxa, Zé, você é muito rancoroso. Quando os dois visitantes saíram, tentei - Governador, é por isso que não misturo po- imaginar quem criara a intriga, ao falar com lítica com o serviço público. ele sobre a viagem. Me lembrei que naquele Nunca mais se falou no assunto. dia encontrara o Pedro de Paula Koehler, alia- O trabalho na Secretaria exigia constan- do do Governador. O autor só podia ser ele. tes viagens ao interior do Estado e inevitáveis Em casa, decidi testá-lo, pelo telefone. Nem contatos e reuniões com as lideranças políticas foi preciso gastar saliva, pois ele próprio to- municipais, resultando daí especulações sobre mou a iniciativa de dizer que não ligara para o meu futuro na política. governador com a intenção de me prejudicar. Estava em Mimoso do Sul, por exemplo, De qualquer modo, informei ao Pedro e precisei de uma informação da subsecretária, que no dia seguinte pediria demissão do cargo Dora. Pelo telefone, me disseram que ela já e convocaria a imprensa para revelar os meus não estava na Secretaria: levara para casa os motivos. No dia seguinte, a primeira pessoa papéis pessoais, anunciando que não trabalha- que atendi no gabinete foi o Pedro. ria mais na Educação. Em casa, também não Veio pedir desculpas. O desculpei. É atendeu aos meus telefonemas. meu amigo. Regressando a Vitória, fui ao seu apar- Interessante é que uns seis meses depois, tamento e ela me disse que tomara a decisão em um domingo de chuva fina, o governador de deixar o cargo por acreditar que eu seria passou em meu apartamento para me convi- candidato a deputado estadual, só porque dar a acompanhá-lo ao município de Domin- atendera a uma solicitação, absolutamente le- gos Martins, que comemorava o aniversário gal, do deputado Paulo Lemos. Ser candidato de sua criação. Na chegada, após cumprimen- não estava nos meus planos, disse a ela, mas tar um grande número de pessoas, ele seguiu ainda assim Dora se manteve irredutível. Pas- para o palanque oficial, enquanto eu dividia sei, então – e durante quase cinco meses – a uma cerveja com alguns conhecidos. acumular as funções de secretário de Estado Como o locutor oficial já me convidara e subsecretário pedagógico, até ser nomeada três vezes seguidas para comparecer ao palan- para o cargo a professora Nilda Pechincha. que, pedi desculpa aos colegas e lá fui eu, para Nesse período, combinei uma reunião a solenidade. Aí, ganha um doce de leite quem com as pedagogas (as mesmas que haviam sido adivinhar a cena que presenciei. tão deselegantes quando da minha chegada ao O governador abraçara carinhosamente cargo e que agora me elogiavam e defendiam) o deputado Douglas, com a sua saudação pre- e, no primeiro dia de trabalho, ouvi relatórios, dileta: identificamos e analisamos os gargalos e discu- “Você me abandonou”. timos a solução para cada um eles. Cruzei os braços e fiquei observando a No segundo dia, apresentei-lhes, em me- cena. Nada como uma grande amizade. nos de dez minutos, minha forma de trabalhar Terminada a solenidade, sentamos lado e as linhas gerais de uma proposta que nos per- a lado, no banco traseiro do carro, e fomos até mitisse unir forças em torno do nosso objetivo 158

comum: a melhoria da educação. Desta vez, todas as dificuldades – já se convencera de que superados os desencontros iniciais, concorda- era necessário aprovar uma melhoria substancial ram. Juntos, elaboramos então uma proposta nos vencimentos dos professores. inovadora de currículo, que apresentei à opi- Ao final, lembrei que me filiara ao PDT nião pública como trabalho de autoria delas, movido pelo ideal de lutar por uma socieda- o que contribuiu para melhorar ainda mais o de mais justa e também devido ao espírito de nosso relacionamento. companheirismo e compromisso com aque- Entretanto, essa paz duramente con- les que, no meu entendimento, comunga- quistada no campo da Educação não impedia vam do mesmo ideal, e exigi que o partido se que as intrigas florescessem na área política. manifestasse publica e urgentemente sobre a Em julho de 1990, a coluna “Victor Hugo”, do notícia do meu desligamento, mas ressaltando jornal “A Gazeta”, publicou a notícia de que “que o meu objetivo tem sido, e sempre será, eu estaria “na lista negra do diretório regional pela consumação da eleição do Dr. Albuíno, o do PDT, partido ao qual é filiado”. E acrescen- que farei independentemente de filiação par- tou: “Há um forte movimento no sentido de tidária”. expulsá-lo dos quadros”. As sucessivas greves já estavam che- Segundo a nota, o PDT estaria insatis- gando ao fim, mas ainda houve uma última feito porque “o Secretário não vem tratando invasão do prédio da Secretaria. Os manifes- com o devido zelo os professores da rede es- tantes, após assembléia no ginásio do Álvares tadual na série de greves registradas no setor”. Cabral, vieram em passeata, acompanhados Pura calúnia, motivada pela cobiça de alguém, da imprensa, e mais uma vez invadiram a mi- à qual respondi de forma contundente, em nha sala de trabalho. Enquanto isso, o mentor correspondencia enviada à direção do partido, da invasão, José Aguilar Dalvi, aproveitava os na qual lembrei os meus 26 anos de serviços holofotes da imprensa para criticar o governo prestados à área pública municipal, estadual e e o secretário, por não responderem às solici- federal, com “espírito de justiça, ponderação, tações da categoria. honestidade, coerência e, principalmente, hu- Ao meu lado, o motorista e meu ami- mildade”. go Antônio Rodrigues e o professor Rosalvo A busca de melhoria salarial do pessoal da Cruz tentavam me dar alguma segurança, de magistério tem sido uma constante através caso os invasores tentassem uma agressão físi- do diálogo com a Entidade de Classe (UPES). ca. Esperei que os grevistas falassem, para lhes Entretanto, quando as intervenções parti- dar as respostas que solicitaram. dárias extrapolam os limites do bom senso e E minha primeira resposta foi na forma atingem a dignidade pessoal, me impõe escla- de duas perguntas: qual era, afinal, o pleito recer que assumo como parte integrante do deles? E onde estava o pedido? Governo a situação atual em que se encontra A realidade é que não havia documen- a classe do magistério. to algum solicitando o reajuste. Os jornalistas, Denunciando a inverdade das afirmações, constrangidos por terem sido induzidos a acom- pois era nítido o meu empenho junto ao gover- panhar a manifestação, abandonaram o gabine- nador e às autoridades financeiras do Estado te. A cena toda seria cômica, se não fosse a trági- para demonstrar a situação de penúria do ma- ca invasão armada pelos manifestantes. gistério, ressaltei que o governador – apesar de 159 Operação México: Terremotos no Céu e na Terra

Como secretário da Educação, cumpri Deitados no chão e encolhidos, para nos também missão importante, no exterior. protegermos do frio, ficamos na expectativa de A convite da UNAM – Universidade sermos levados a um hotel. Na saída, pessoas Nacional do México, realizei, em 1980, uma aglomeradas do lado de fora só faltavam nos viagem à Cidade do México para preparar um arrancar as bagagens das mãos. Foi quase um intercâmbio de experiências na área cultural. conto de horror, ainda inacabado. Éramos quatro – Mauricio Silva, Joelson Aguardamos a chegada de outra aerona- Tristão, Clóvis Mendes e eu – e a viagem co- ve, pois os mecânicos não conseguiram con- meçaria pelo Rio de Janeiro, onde o cineasta sertar a que nos trouxera. Ao embarcarmos, capixaba Paulo Thiago, que realizara alguns outra surpresa desagradável: mudaram de filmes no Espírito Santo usando incentivos novo o roteiro da viagem e teríamos que fazer governamentais (como “Moças de Fino Tra- escalas em Guaiaquil e no Panamá. to”, estrelado por Maria Zilda e Lucélia San- Naquela ocasião, Guaiaquil era a cidade tos), nos convidara para conhecer o Centro mais populosa do Equador, com população su- Cultural Banco do Brasil. perior a um milhão e meio de pessoas, e abri- Depois, fomos até a casa dele, no bair- gava o principal porto do país. Ainda assim, ro Laranjeiras, para um almoço preparado por uma cidade suja, com água de esgoto correndo sua esposa, e à tardinha seguimos para o Ga- pelas ruas, velhos coletivos ao estilo america- leão e de lá para São Paulo, de onde partiría- no e muitos outros sinais de pobreza. mos para a Cidade do México em um DC-10 A cidade estava sendo reconstruída, após da Varig. Na última hora, já no aeroporto, fo- o grande incêndio que destruiu metade dela, e mos transferidos para um avião da Aeroperu. parte da nova capital, com grandes arranha-céus Originalmente, o roteiro da viagem era e arquitetura moderna, já ficara pronta. O ho- a cidade do México, Toronto, Washington e tel em que nos hospedaram parecia um palácio, Santiago de Cuba, mas agora teríamos de fa- mas um palácio já bem envelhecido. À tarde, zer escala em Lima. Para os passageiros, essa voltamos ao aeroporto, com a esperança de que troca iria se revelar um péssimo negócio. a maratona terminasse bem. Primeiro, houve uma pane nos motores, Não terminou, infelizmente. Quase perto de Lima, e foi preciso esvaziar quase chegando à Cidade do Panamá, uma das co- todo o tanque de combustível da aeronave, missárias de bordo, falando inglês e espanhol, que desceu com o suficiente para pousar bem avisou que a aeronave apresentara problemas na cabeceira da pista. Já era madrugada e fazia técnicos. É sempre a mesma história: são “ape- muito frio, mas tivemos que ir a pé até o ter- nas problemas técnicos”. Os passageiros que minal de passageiros do aeroporto. Um aero- interpretem como quiserem e arranquem os porto anterior ao dilúvio, diga-se de passagem, cabelos, se forem nervosos. ainda mais com tudo fechado e ninguém para Maurício Silva, viajando ao meu lado, informar o que viria a seguir. dormia o sono dos justos ou como dizem que 160

os anjos dormem. Resolvi não acordá-lo. En- quanto isso, duas freiras, próximas de nós, pu- xaram um terço e começaram a rezar. - É hoje que eu parto – pensei. – Ainda tinha que me preocupar com os compromis- sos no México, pois marcara uma palestra na UNAM naquela data. Bom é que conseguimos pelo menos pousar. Só em terra firme, quando nos leva- vam a um hotel, contei a Maurício o que acon- tecera. Na manhã seguinte, mais notícia ruim: Hotel Maria Isabel – Centro da Cidade do México – 1990. nada de autorização de embarque. Liguei para (Acervo do autor) a Secretaria de Educação, em Vitória, e pedi ao Octávio, doutor Octávio Guimarães, que fizes- de tão cansado, caí em um sono tão profundo se um contato com o sr. Albino na cidade do que, se aconteceu alguma coisa naquela noite, México e lhe desse uma notícia da nossa inter- nem deu para perceber. minável peregrinação pela América Central. O dia seguinte foi de muito trabalho: Acontece que o Octávio tinha notícia uma apresentação, na Universidade, sobre ainda pior para nos dar. Começara um levante as características da cultura capixaba e nossa político no Panamá e ninguém entrava ou saía visão do intercâmbio; outra apresentação na do país. Ao sul do Rio Grande, como dizem os TV universitária, juntamente com Maurício, norte-americanos, naquela época era assim mes- então chefe do Departamento de Cultura do mo: até o impossível podia acontecer. Acontecia. Espírito Santo; um encontro no Centro Cultu- Aliás, em alguns países, ainda acontece. ral, com pessoas da nossa área de interesse e, Só no final da tarde o governo paname- finalmente, um jantar na casa de uma artista nho superou os seus problemas internos e nos de televisão. autorizou a embarcar para a Cidade do Méxi- Tempos depois, recebemos no Espírito co. No percurso do aeroporto até o centro, o Santo uma robusta comitiva mexicana, com motorista do táxi contou histórias de terror do gente de cinema, circo, televisão e outras áreas. mais recente terremoto que abalara a cidade, Ainda estávamos na cidade do México tragando edifícios inteiros. Com a expressão quando recebi um telefonema do Espírito Santo mais tranquila do mundo, informou que um comunicando que o filho do Joelson, de cinco novo terremoto, mas de pequena magnitude, anos de idade, fora atropelado e morrera. estava “programado” para aquela noite. Quase em estado de choque e, sem sa- Nas vizinhanças do hotel, vimos edi- ber como dar a notícia ao companheiro, reuni fícios em construção que usavam molas nas os três e inventei que a ligação fora do gover- fundações e vigas em forma de X, entre uma nador Max Mauro, solicitando nosso retorno pilastra e outra, para atenuar os impactos dos imediato ao Espírito Santo, porque havia sido abalos sísmicos. Os funcionários do hotel de- deflagrada uma greve do magistério e a minha ram informações detalhadas sobre como pro- presença, como secretário de Educação, era ceder, em caso de terremoto. Mesmo assim, imperiosa. 161

Clóvis e Maurício já sabiam do verdadei- Espero nunca mais fazer uma viagem ro motivo do nosso retorno antecipado, que o igual a essa. gerente da Varig compreendeu e nos colocou Ainda naquela ocasião, março de 1988, no primeiro vôo para o Brasil, sendo que eu e o Governo do Estado recebeu a visita do mi- o Maurício fazendo escalas em Manaus e Rio nistro da Cultura, Celso Monteiro Furtado, de Janeiro e o Clóvis e o Joelson em escalas em para participar do lançamento do Programa Miami e Rio de Janeiro. Desde o início da nos- de Financiamento às Atividades de Natureza sa justificativa para o retorno à Vitória, que o Cultural, promovido pelo Departamento Es- Joelson já desconfiava que alguma coisa mais tadual de Cultura, do FUNCES – Fundo da grave aconteceria, sendo que os companheiros Cultura do Espírito Santo e do PRÓ-CULTU- começaram a preparar-lhe o seu espírito para RA –, com a participação do BANDES-Banco enfrentar aquilo que o esperava em Vitória. de Desenvovimento do Espírito Santo. Missão dolorosa, para qualquer pessoa sensí- A solenidade teve lugar nas dependên- vel, essa de contar algo assim a um pai. cias do teatro “Carmélia de Souza”, cabendo a Atenuei os fatos, falando do acidente, mim o discurso de saudação ao ministro Cel- mas não da morte, cuja realidade ele só foi en- so Furtado. Confesso que fiquei envaidecido frentar no aeroporto de Vitória, ao ver de luto quando o Ministro solicitou-me cópia do dis- a sua esposa e outros parentes. curso por mim proferido.

Participação do Ministro da Cultura no Lançamento do Programa Pró-Cultura – 1988. Da esquerda para a direita: Não identificado, José Eugênio, Dra. Gleide, Ex-governador Max Mauro e o Ministro Celso Furtado. (Acervo do autor) 162 Qualquer desatenção pode ser a gota d’água

Meu relacionamento com a Assembléia bem cedo, resolvi testá-la. Legislativa foi quase sempre muito ruim, devi- Liguei para o deputado Fernando San- do à minha disposição de resistir ao péssimo tório (já falecido), de Cariacica, que nem acre- costume que certos deputados haviam adqui- ditou que fosse eu: rido em muitos anos de uma cultura política - Mas é mesmo o José Eugênio que está ligan- perversa. Como os políticos são os indivíduos do para mim! mais sensíveis de toda espécie humana, “con- - Sou eu mesmo, Fernando. Gostaria de ter quistei” a animosidade e indisposição de mui- um encontro com você agora de manhã. É possível? tos deles. - Já estou indo – ele disse. Certo dia, Renato Soares deu uma en- Mas quando chegou à Secretaria e en- trevista de página inteira ao jornal “A Gazeta”, controu aberta a porta do gabinete ainda esta- para criticar o desempenho da Secretaria da va em dúvida. Educação. Logo cedo, procurei o Rubinho Go- Sobre a mesa, eu tinha um mapa do mes para mostrar as incoerências nessas decla- Estado, com as intervenções físicas previstas rações do Renato. Durante todo o dia, tentei (pequenos reparos, reformas, ampliações e – inutilmente – falar com o Governador. construções), município por município. Só Lúcia, sua secretária, respondia, sem em Cariacica, por exemplo, eram aproximada- graça, que ele estava em reunião. mente 44 intervenções, todas já com progra- Já que ele não me atendia, juntei meus mação estabelecida e recursos orçamentários papéis e fui para casa. assegurados. Dois dias de ausência foram suficientes - Fernando, quero lhe propor uma coisa. Está para que a situação se invertesse. Agora, o go- vendo este mapa? vernador é que passava horas querendo falar Após examinar a relação de obras, ele se comigo e eu não atendia, até que finalmente mostrou muito feliz: me cansei daquele jogo e peguei o telefone: - Se você fizer tudo que está no papel, estou - Zé, você está doente? reeleito. Mas qual é a estratégia? - Não, estou em casa. - Você escolhe a escola de sua preferência. - Como assim? – ele insistiu. Ele escolheu uma, a “Augusto Luciano”, - Governador, não sou mais secretário da no centro de Cariacica velha. Educação. - Peça alguém de sua confiança que o convide a Acabou me convencendo a ir até a casa visitá-la. Você vai encontrar lá os problemas descritos nes- dele, em Vila Velha. Só assumi o compromisso te quadro e algumas reclamações por falta de professores. de voltar após combinarmos que as questões Você ouvirá as reclamações e dirá que tem bom relaciona- políticas ficariam por conta dele. mento com o governador e o secretário e me levará até lá Durante a noite, pensei longamente em para uma visita. Nós iremos, mas sem prometer nada, uma solução que conciliasse as questões técnicas porque o governador não admite compromisso sem projeto e as reivindicações políticas. Na manhã seguinte, pronto e dotação orçamentária definida. 163

A ideia era voltarmos depois, já com a e Ricardo Ferraço ocupassem a tribuna para ordem de serviço assinada, cabendo ao depu- informar aos distraídos que meu pai já falece- tado cuidar da movimentação política. Quan- ra há quase 20 anos. do o presente é muito bom, os políticos des- Toda essa onda acabou dando origem a confiam. Fernando perguntou: uma CPI da Educação, com o objetivo de ve- - Qual é o preço que vou pagar? rificar se estávamos cumprindo o art. 22 da - Tem preço, sim. O preço é você deixar de Constituição Federal, que obriga os Estados a tentar interferir em nomeação de diretoras, serven- aplicarem na educação pelo menos 25% da re- tes, merendeiras, vigias, coordenadores de turno etc, ceita proveniente de impostos e transferências o que não concordo e não concordarei. de recursos. - Ah, isso eu não aceito. Existem 100 cargos Criada em 21 de agosto de 1989, por re- no município. querimento do deputado Paulo Hartung, a CPI Não desisti. contou com a participação dos deputados Dil- - Fernando, quantas pessoas você tem cadas- ton Lyrio Netto, Paulo Lemos Barbosa, Nilton tradas, à espera de uma colocação? Gomes, Antônio Moreira, Douglas Puppim e - Aproximadamente cinco mil. Cláudio Vereza. No final, concluiu que o Gover- - Então faça uma conta. São cem cargos. no e a Secretaria da Educação estavam cumprin- Logo, 4.900 pessoas vão ficar aborrecidas com você do rigorosamente a Constituição e as leis. por não conseguir uma colocação para elas. É uma Outro episódio de desentendimento en- questão de aritmética. volveu o município de Barra de São Francisco, Após refletir rapidamente, suas dúvidas onde o prefeito era o Edinho (Edson Henri- viraram poeira: que Pereira) e o representante do município, - Está fechado. na Assembléia, o deputado estadual Enivaldo Adotei a mesma estratégia em relação Eusébio dos Anjos. aos demais deputados. O relacionamento O programa da nossa visita previa a inau- com a Assembléia nunca foi tão bom. “Virei a guração de uma escola municipal de tempo inte- mesa”, como diria um deles. Acabei por con- gral, visitas a outras escolas que estavam sendo quistar alguns bons amigos, com os quais ain- reformadas e entrega de uma estação de trata- da convivo e me relaciono até hoje. mento de água na localidade de Águas Claras. Nesse período de estranhamento políti- Mas, na véspera da viagem, Enivaldo procurou co com a Assembléia, alguns deputados chega- o diretor do Departamento Estadual de Cultura, ram a fazer pronunciamentos que eram pura Maurício Silva, e pediu que levasse também um ficção, como o do deputado Aloísio Kroelling, convênio de reforma do imóvel onde iria funcio- que buscava apoio à sua reeleição e pensou nar a Casa da Cultura Municipal. que, atacando o secretário da Educação, atin- Maurício me procurou e o orientei para giria, por tabela, os seus adversários nos diver- que não atendesse o deputado, pois havia uma sos municípios. determinação do governador Max Mauro de Chegou ao absurdo de acusar-me de dar que todo contrato ou convênio passasse antes o nome do meu pai, ainda vivo, a uma esco- por seu gabinete. Determinação comum em la de Cachoeiro do Itapemirim. O pior é que outros Estados e governos, que não admitem alguns dos seus colegas acreditaram. Foi ne- perder o controle sobre os compromissos que cessário que os deputados Luiz Carlos Piassi assumem. 164

Entretanto, pressionado pelo deputado, armado para a solenidade, estavam também Maurício levou o processo e, durante a soleni- o prefeito, o deputado estadual Mira (Walde- dade, o próprio Enivaldo – em seu discurso – miro) Seibel, a diretora da escola e a chefe da referiu-se ao convênio e entregou o processo ao Superintendência Regional da Educação. governador, que o recebeu, dobrou e colocou de- Após a fala da diretora e da chefe da baixo do braço. Sucederam-se os pronunciamen- regional, o deputado Mira expôs longamente tos, inclusive o meu, que não toquei no assunto. os benefícios que teria trazido para o municí- Ao final da solenidade, o governador pio, com os respectivos cheques já entregues. usou uma sala reservada para dar o maior “pu- Percebi que o prefeito Dôrico estava ficando xão de orelhas” em mim e no Maurício: incomodado. De repente, tomou o microfone - Não haverá uma próxima vez. Se isso ocor- das mãos do Mira, chamou-o de mentiroso e o rer novamente, os senhores ficarão sabendo das suas desafiou a mostrar os tais cheques. exonerações através do Diário Oficial. Para evitar o agravamento do conflito, Outro momento quase humorístico pedi a palavra e desviei a conversa para outro aconteceu na entrega do serviço de água. As assunto, até aliviar a tensão. Ainda tínhamos autoridades escalaram um barranco, de onde compromissos em outras escolas, mas a partir faziam os discursos, enquanto Maurício e eu daí o prefeito quis o deputado bem longe dele. ficamos na parte de baixo, junto com o povo, Situações assim, embaraçosas, são co- sem dar grande atenção ao que acontecia. De muns na vida pública. O desgaste é grande, repente, um vereador local – chamado a fazer mas a cada dia aprendemos um pouco mais da seu discurso – pediu que o secretário José Eu- arte de evitar e contornar confrontos. Qual- gênio falasse em seu nome. quer desatenção, como na música de Chico Anotei na palma da mão o nome do ve- Buarque, pode ser a gota dágua. reador, que nem conhecia, e fui para o sacri- fício, sem qualquer informação sobre a obra e sua importância. Mas no final, como Deus sempre ajuda os inocentes, deu tudo certo. Em outra inauguração, em Laranja da Ter- ra, a convite do prefeito Dôrico (Henrique Ke- fler Sobrinho), estivemos no distrito de Sobreiro. Estavam comigo o motorista Antonio Rodrigues e a jornalista Eliane Rodrigues, que me acompa- nharam por todos os cantos do Estado. Ótima companheira de trabalho e sempre atenta aos Assessora de Imprensa Eliane Rodrigues e José Eugênio – 1988/1991. detalhes, Eliane esteve ao nosso lado durante (Acervo do autor) quase três anos e sempre nos divertimos muito, ouvindo quando em viagem músicas caipiras ou anotando frases escritas nas traseiras dos cami- nhões, que ela registrava em uma agenda. Em frente à Escola “Luiz Jofrois”, a mul- tidão de alunos, professores e pessoas da co- munidade esperava por nós. Cheguei a temer que estivesse em andamento algum protesto. Inauguração da reforma e ampliação da escola estadual de Sobreiro “Luiz Mas não era nada disso: fomos recepcionados Jofrois” – 1989. por um grupo de alunas, com as boas vindas Da esquerda para a direita: diretora da escola, não identificada, irmão do Mira, Normy, José Eugênio, Dôrico e Mira Seibel. e um buquê de rosas. No pequeno palanque (Acervo do autor) 165 Certos agrados que derrubam o regime

Quem ocupa cargo de algum destaque no vernador. O mesmo acontecia no município setor público sabe que, ao viajar pelo interior de Rio Novo do Sul, quando tratava de assun- do Estado, o seu primeiro café da manhã ou tos da Educação com o prefeito Sidney Costa. mesmo o almoço nunca será o único, pois há Em Linhares, o grupo político do gover- sempre mesa farta onde quer que ele vá. Não nador, formado por José Carlos Elias, Dr. João há dieta ou regime que sobreviva a essa fartura. Gama, Maria Edna Fiorotti e outros, não con- Certa vez, visitando as obras de reforma cordava que tratássemos de assuntos oficiais e ampliação da única escola estadual na sede com o prefeito Luis Durão. Por isso, pedi à se- do município de Presidente Kennedy, tínha- cretária municipal de Educação, a professora mos um encontro agendado com os profes- Luzia, que fotografasse todas as escolas rurais sores, mas o prefeito Edílson de Souza Fricks e urbanas que pertencessem ao Estado. E, com nos convidou antes para um lanche em sua essas fotos, tentava sensibilizar o governador residência. E lá fomos nós. para aprovar pequenos reparos e reformas, em O lanche era mais rico e variado que parceria com o município, ao mesmo tempo uma refeição completa, era um verdadeiro em que discutíamos cinco grandes projetos de banquete. construção de novas escolas nos bairros Inter- Estavam comigo a Eliane e o deputado lagos, Canivete, Bebedouro e outros dois. estadual Luiz Carlos Piassi, que se fartaram, A água tanto bate, que um dia a pedra sem saber que ainda teríamos de passar pelo fura, diz o ditado, e foi assim que acabei con- diretório do PMDB, onde nos aguardava um vencendo o governador a receber o prefeito, café reforçado. Os dois reclamaram, mas recu- para que as divergências políticas não prejudi- sar o café seria uma desfeita. cassem a população. E, além disso, a prefeita de Apiacá, Hilda Já estávamos em campanha para eleger Bastos de Rezende Figueiredo, já nos esperava o futuro governador, Albuino Azeredo, quan- em uma churrascaria. Eliane e Luiz Carlos me do foi marcada a audiência na Praia da Costa olharam de lado, aborrecidos, e ainda prepa- e acompanhei o prefeito até lá. O governador rei uma brincadeira de péssimo gosto para os dispensara todos os servidores, provavelmen- dois: sem que percebessem, disse ao garçom te para que não houvesse testemunhas. Para que eles adoravam arroz e feijão tropeiro e minha surpresa, os dois se cumprimentaram pedi que lhes servisse em dobro. E demos boas e se abraçaram como velhos e bons amigos. gargalhadas, na viagem de volta. Deixei-os conversando, animadamente, e fui Cada viagem, cada encontro, cada almo- tratar de outros assuntos. ço desses exigia planejamento cuidadoso, para Mais de duas horas depois, comecei a não gerar queixas ou interpretações negativas. ficar incomodado, pois não recebera retorno Em Guaçuí, por exemplo, almoçava com o pre- de nenhum deles. O governador já deixara a feito Norival Couzi fora da cidade, para que residência e o prefeito Luiz Durão não aten- ninguém nos visse, porque ele era adversário dia o celular, talvez por estar fora de área. Só político do grupo do PMDB liderado pelo go- bem mais tarde recebi um chamado do prefei- 166

to, para contar que a conversa fora muito pro- seu apoio a candidatura de Albuíno e orde- veitosa e que o governador me falaria depois nou ao proprietário do trio elétrico que, no sobre os convênios a serem assinados. dia seguinte, apagasse o nome do Zé Ignácio e Na inauguração das obras de reforma colocasse o do Albuíno. e expansão do Hospital da Colina, estive em Perplexos com a súbita virada, os aliados Linhares para assinar os convênios, represen- do prefeito, ainda no palanque, também fo- tando o Governo, e o prefeito Luis Durão con- ram convidados a retirar do peito os adesivos vidou-me para um comício que aconteceria no com o nome do Zé Ignácio. Bairro Interlagos. Queria aproveitar a ocasião Despedi-me rapidamente do prefeito e para anunciar o acordo com a Secretaria da fui para o outro comício, mas o deputado Sal- Educação. vador Bonomo, ao me ver chegar, desceu as Ao chegar ao local, com os discursos escadas rapidamente, para me dizer que não já em andamento, Luis Durão me pediu que deveria subir no palanque, porque já sabiam aguardasse um pouco, pois gostaria de anun- que eu fora ao outro comício. ciar minha presença. Acontece que o comício A primeira dama, Dona Valdicéia, já era de apoio à candidatura de Zé Ignácio, da trocara palavras ásperas com a esposa do João oposição, e no mesmo dia estava acontecendo Gama, e este – por sua vez – com Albuíno e o na cidade o comício do ex-secretário de Plane- governador Max. jamento, Albuíno Azeredo. Resumindo, ninguém se entendia. Só ao subir no caminhão, constrangido O pior é que João Gama desceu as esca- e irritado, decidi o conteúdo do meu discurso. das quase correndo e tropeçou em um degrau. Primeiro, declarei que não estava ali para um Fui socorrê-lo e acabei caindo também, ras- evento político-partidário, mas para uma ati- gando a calça e sofrendo um corte no joelho. vidade técnica, por entender que a educação Ao abraçar-me, quase chorando, João Gama não deve ter cor partidária. perguntava: Sob os aplausos da multidão, assinamos - Como é que você meu amigo, foi me trair, os convênios e voltei a me manifestar, para nesta situação? defender o deputado João Gama das críticas Respondi-lhe que estava apenas cum- injustas que lhe fizera o ex-deputado Nyder, prindo determinação do governo. Entrei no a respeito de um convênio com a CEPLAC carro, muito aborrecido, rumo a Vitória. para a construção de uma escola técnica. Eu No dia seguinte, fui chamado à Praia mesmo assinara o relatório, devolvendo os re- da Costa para me encontrar com o governa- cursos financeiros à CEPLAC, sem qualquer dor nas dependências do CREFES – Centro interferência do deputado João Gama. de Recuperação Física e Motora do Estado do Nyder quis uma tréplica, por ter sido Espírito Santo. Ele queria um relatório do que contestado em seu município, mas o prefeito acontecera em Linhares. Aí, ligou para João Luis Durão foi mais rápido e – assim que en- Gama e acabou com o mal-entendido. cerrei minha fala – tomou o microfone e anun- Para concluir o caso, no último comício ciou o sorteio de uma bicicleta. da campanha, em Linhares, os grupos de João Mas a grande surpresa da noite é que Gama e do prefeito Luis Durão não admitiam o prefeito, elogiando o governo pelo ato de subir no mesmo palanque. A solução foi am- grandeza, ao assinar os convênios, anunciou pliar o palanque, colocando no centro o pes- 167 soal do governo e um grupo de cada lado. João Examinei as faturas e disse-lhe que as Gama é um dos meus melhores amigos. compras haviam sido feitas por licitação pú- Participava de uma solenidade no Pa- blica. Em seguida, para desarmar os espíritos, lácio, dia 3 de abril de 1990, quando Teresi- cheguei a elogiá-la pela iniciativa de consertar nha Calixte, chefe do Cerimonial, chamou-me as carteiras, em vez de encostá-las em um lu- a um canto e avisou que estava a caminho gar qualquer. uma passeata de Campo Grande, em Caria- Já estava mais que nítida a rejeição ao cica, com alunos, professores e pais de alunos diálogo civilizado, quando o mesmo persona- da Escola Estadual de Ensino Fundamental e gem do contra-cheque saiu para incentivar os Médio “Huney Everest Piovesan”, conhecida demais professores a suspender as aulas e li- como Polivalente. berar os alunos para que fossem pressionar o Solicitei-lhe que ligasse para o repórter secretário na solução dos seus problemas. que cobria a passeata e me colocasse em con- Ao sair da sala, encontrei a multidão de tato com ele. Sugeri que, em lugar de virem alunos que, insuflada pelo tal professor, pas- ao Palácio, os manifestantes organizassem um sou a gritar palavrões impublicáveis, enquanto grupo de trabalho com representantes dos outro grupo tentava restabelecer as condições pais, alunos, servidores administrativos, di- mínimas para um diálogo. Sem microfone, retora e professores, na noite daquele mesmo mesmo subindo em um banco não consegui dia, para encontro nas dependências da esco- que a minha voz fosse ouvida, para que enten- la. Aceita a proposta, cheguei à escola no ho- dessem como seria a cronologia proposta até a rário combinado. solução do problema. Aberta a reunião pela diretora, chove- Os alunos gritavam cada vez mais alto, ram reclamações contundentes sobre as ins- e alguém veio me dizer que o Antônio, moto- talações físicas, falta de professores e baixa rista da Secretaria, estava cercado, na entrada remuneração dos profissionais da educação. da escola, por militantes do PT, que o ameaça- Mas a reunião corria tranquila, até que um vam. Fui até lá e presenciei um espetáculo de professor jogou sobre a mesa o seu contrache- selvageria: os mais exaltados já haviam que- que, com uma pergunta: brado todos os vidros e faróis e agora amassa- - Como é que um profissional pode trabalhar vam a lataria do carro, além de agredir verbal- satisfeito com essa mixaria de salário? mente o motorista. Calmamente, para não fazer o jogo dele, Implorei ao “seu” Antônio que deixasse examinei o contracheque e verifiquei que sua o local, mas ele se recusou, inicialmente, a me carga horária era de apenas três horas e não as deixar sozinho. Quando se afastou, foi segui- 25 horas semanais. do por alguns agressores, que o ameaçavam. Mas as grosserias desse professor já ha- Nesse momento, ele saltou do carro com uma viam incendiado outras pessoas, e a própria barra de ferro e acertou a cabeça de um dos diretora da Escola veio jogar sobre a mesa uma agressores. O sangue voou por todos os lados. nota fiscal de compras de parafusos, argumen- Professores me cercaram, advertindo que tando que a Secretaria da Educação entregara eu estava correndo risco de morte. Respondi carteiras escolares com os braços presos por que a responsabilidade por minha segurança era parafusos tão pequenos que muitas já estavam deles, que armaram a manifestação. Quando quebradas. consegui entrar de novo na escola, veio outra 168

surpresa desagradável: a diretora chamara a mendei que prosseguisse até a escola. A dire- polícia e queria que eu saísse pelos fundos. tora, aflita, queria que fôssemos embora, pois “Se entrei pela porta da frente é por ela que o clima ia ficar pesado para mim. vou sair”. - Não há como retroceder – respondi. Calculo que havia umas duas mil pesso- À medida em que pais de alunos e lide- as na rua, quando chegaram as quatro viaturas ranças se aproximavam, lembrei-me que leva- da Polícia Militar. va no porta-malas do carro caixas de cadernos, “Seu” Antônio estava com a camisa toda lápis, borrachas etc., e tive a ideia de convidar manchada de sangue e saí da escola escoltado os mais exaltados a me ajudarem a formar filas por 15 policiais, armados de escopetas, que me de alunos e colaborar na distribuição do mate- acompanharam até a delegacia, de onde liguei rial. Virou uma festa para todos e discutimos, para o coronel Luis Sérgio Aurich, então secretá- na maior tranquilidade, os assuntos da escola. rio de Segurança, para relatar os acontecimentos Já no município de Cachoeiro de Itape- e, se ele julgasse necessário, avisar ao governa- mirim, convivi com duas situações bastante dor, apesar de já ser quase meia-noite. peculiares. A primeira aconteceu logo após Na delegacia, registramos o Boletim de assumir a Secretaria, quando o secretário da Ocorrência, com o número 407/90. Casa Civil, Juracy Magalhães, sugeriu que o Passado algum tempo, solucionamos os acompanhasse até Vargem Alta, para conver- problemas de falta de professores e controle de sar com os professores, e depois a Cachoeiro, assiduidade, iniciamos o processo de licitação com o mesmo objetivo. da reforma e ampliação da escola, cujo proje- Como cheguei mais cedo ao antigo Poli- to já estava pronto e assim que terminou essa valente, onde seria a reunião, pude conversar fase, iniciamos execução das obras, que inclu- com alguns professores conhecidos, principal- íram a construção de uma quadra de esportes. mente os de Castelo. E uma professora apo- Às vésperas da inauguração, a diretora sentada entregou-me cópia da letra da música da escola, depois de tudo que acontecera, jul- que as professoras pretendiam cantar durante gou ter o direito de me convidar para a inau- a reunião, falando da penúria do magistério. guração. Determinei ao assessor Ricardo Braga O auditório estava superlotado, com de Carvalho (já falecido) que me representasse algumas pessoas em pé e outras sentadas até na solenidade e ao Setor de Atos Oficiais da no pórtico das janelas. O palco tinha mais ou Secretaria que exonerasse a diretora no dia da menos uns dois metros de altura e lá fiquei so- inauguração. zinho conversando com professores que não No município da Serra, foram aplicados aceitavam tratar de nenhum assunto que não vultosos investimentos na construção de 12 fosse a remuneração salarial. escolas e na ampliação e reforma de outras. A reunião foi tensa e longa. Por isso, tive A diretora da escola do bairro Sossego convi- tempo para imaginar a melhor forma de con- dou-me para uma reunião com a comunidade. cluí-la. A aposentada que dera a letra da música Para chegar à escola, tínhamos que passar por fez um discurso, verdadeiro desabafo e, como- ruelas, onde nos esperava uma surpreendente vida, pediu que todos cantassem com ela. recepção: crianças jogando cocô sobre o carro. Cantei junto com eles e, ao final, me “Seu” Antônio, desorientado, não sabia despedi e deixei o palco. Mas lá fora uma sur- o que fazer, mas procurei acalmá-lo e reco- presa me aguardava: a diretora – preocupada 169 com a possibilidade de se repetir o que ocor- em frente à escola. Que, mais tarde, haveria rera com o ex-secretário Joaquim Beato, alve- um comício na Praça Bernardino Monteiro, jado com ovos e tomates durante uma visita em defesa da manutenção da greve geral do – convocara a polícia. magistério. Os professores ficaram revoltados. Sai discretamente, sem que José Tasso Tive que voltar à estaca zero e retomar todos percebesse, e fui ao encontro dos professo- os assuntos, enquanto a diretora, aceitando res, surpreendidos com minha ousadia. A minha sugestão, liberava os policiais. minha conterrânea Sheila Andrade, de Cas- Em outra ocasião, convidado a parti- telo, era a mais exaltada. Pedi que me arran- cipar da formatura dos alunos do Jardim da jassem dois paralelepípedos, para servir de Infância “Raimundo de Oliveira Andrade”, palanque, e fui expondo as questões que já onde receberia uma homenagem, fiquei in- estavam sendo resolvidas. trigado quando em telefonema, o deputado Aos poucos, ouvi dos professores que José Tasso, me pedia para entrar pelos fundos não eram essas as informações que recebiam da escola. do Sindicato. Encerraram o encontro com a Ao final da sessão solene, serviram um disposição de interromper a greve, decisão coquetel e alguém me disse que havia uma confirmada à noite, durante o comício na manifestação de professores da rede estadual praça.

Outro companheiro de trabalho na SEDU e Palácio Anchieta Companheiro e Amigo Motorista Antônio Rodrigues - 1989. Orly Fernandes – 2003 a 2008 (último a direita de terno escuro). (Acervo do autor) (Acervo do autor) 170 171

Escola de Ensino Fundamental e Médio Constantino José Vieira - Viana - 1990

Construímos na sede do município de Cariacica uma escola de ensino fundamental e médio e fazia parte da comitiva do governador, que iria inaugurá-la... 172 Dezenove

inda falta o registro de três casos relevantes, ocorridos em Cariacica. O primeiro foi no bairro Aparecida (Escola Nossa Senhora Aparecida) logo depois de Itacibá. Alguns poucos moradores ou professores disseram ao jornal “A Tribuna” que a diretora Alevava merenda escolar para a casa. A imprensa repetiu as denúncias durante uma semana. À proporção que as notícias eram publicadas e o setor respon- sável da Secretaria apurava os fatos denunciados, fui formando um processo. Certo dia, recebi uma comitiva do bairro que defendia a diretora e marquei uma visita à comunidade, para debater o assunto. No dia marcado, guardei na pasta uma cópia do processo e me dirigi ao bairro, parando antes em um posto de combustível, em Itacibá, para perguntar onde ficava a escola. - É só acompanhar aquele povo ali – disse ele. – Está todo mundo indo para lá. Realmente muitas pessoas estavam indo na mesma direção, onde já se aglomerava pequena multidão. Montaram uma grande mesa, com lugar para o secretário, o padre, o pastor e outras lide- ranças. Já nas primeiras falas, deu para perceber que, na origem de tudo, havia questões pessoais, pois praticamente toda a comunida- de defendia a diretora. Já tomara uma jarra inteira de água, quando me passaram a palavra. O que fazer? O que dizer? Abri a pasta, retirei a cópia do processo e resumi o caso em poucas palavras: - As provas contundentes aqui apresentadas nos levam a concluir pela inocência da diretora e considerar anônima a denúncia, cujos autores não compareceram para confirmá-la e apresentar as provas necessárias. Rasguei o processo ao meio. Ou a cópia dele, o que foi sufi- ciente para levar a multidão ao delírio. Alguns puseram a diretora nas costas e a carregaram pelas ruas, numa autêntica festa, enquan- to o proprietário de um bar próximo distribuía, gratuitamente, ba- las e refrigerantes. Justiça que não tarda O segundo caso aconteceu no bairro Flexal (Escola Martinho Lutero). Melhor de todas é a 173

Pouco antes da minha chegada, houve trabalho uma comitiva do Sindicato dos Pro- uma cena bastante desagradável: um adoles- fessores. Não tive dúvidas: pedi licença aos cente desocupado subira em uma das janelas professores para interromper a minha fala e e, armado de faca, avisara que se alguém gri- convidei o presidente do Sindicato a dar uma tasse ou protestasse, ele usaria a arma. Seu palavra a eles. parceiro após retirar dois tijolinhos da parede, Surpreendido, ele não teve outra saída. abrindo um buraco, começara a se masturbar Ao final, ainda elogiou o trabalho que vínha- diante das alunas. mos realizando no Estado. Só não aceitou o Quando cheguei, a confusão estava armada. meu convite para participar da reunião, ale- Havía determinado o fechamento do gando ter outros compromissos, mas antes de muro dos fundos e da frente da escola exa- sair indagou como é que conseguíamos reunir tamente para que esses rapazes não tivessem tantos professores, se o Sindicato jamais con- acesso a ela, pois durante o recreio eles costu- seguira isso, na região. mavam jogar no pátio cobras vivas, recolhidas Entre os casos mais relevantes, o de São em um córrego vizinho. Mateus merece registro. Logo que erguido, no entanto, o muro Todo o professorado tinha conhecimen- era derrubado pela comunidade, com argu- to de que eu cumpria todos os compromissos e mento de que o local servia de passagem para também respeitava os horários. Estava marca- os transeuntes. Tive que pedir o apoio da po- do um encontro no Núcleo Regional de Edu- lícia, para proteger o muro. cação e depois iríamos visitar uma escola no O último acontecimento se deu no bairro Santo Antônio, dirigida pela professora bairro Cruzeiro do Sul, na escola do mesmo Regina. Devido a uma série de alterações de nome. Agendara a visita com a diretora e en- horário ocorridas nos municípios que visitei contrei lá um caso parecido com o de Flexal. antes, cheguei com atraso à escola, imaginan- De um barranco com três metros de altura, as do que não encontraria ninguém. pessoas podiam ter uma visão das salas de au- Grande engano. Devido à boa fama de las. Um desocupado qualquer, aproveitando o rigoroso cumpridor de horários, um grande barranco, jogara um saco plástico cheio de fe- número de professores me aguardava. A reu- zes e urina no quadro negro, no exato instante nião terminou depois de 11 horas e perguntei em que a professora se aproximava. à chefe do Núcleo se ainda devíamos ir à esco- O plástico explodiu e seu conteúdo atin- la do bairro Santo Antônio. Ela disse que sim giu a professora e alguns alunos, sentados nas e a diretora Regina, emocionada até as lágri- carteiras da frente. Encontrei a professora cho- mas, recebeu-nos com um abraço de reconhe- rando no meio da rua, de desespero. Intensifi- cimento. Havia esperado por ter a certeza de cou-se a segurança e acelerou-se o processo de que eu iria, e nos mostrou toda a escola. reforma da escola, inclusive com aumento da O destino acabou nos colocando frente altura do muro. a frente de novo, tempos depois, quando assu- Em Ecoporanga, estavam reunidos mais mi a Secretaria pela segunda vez e ela era, de de 400 professores da rede municipal e esta- novo, a diretora. Fui responsável pela amplia- dual, em um daqueles encontros que realizá- ção, reforma e modernização da escola. vamos em todos os municípios, para discutir São Domingos do Norte é a nossa pró- o conteúdo pedagógico, assuntos administra- xima parada. tivos e a remuneração de pessoal. Construímos na sede do município uma De repente, aparece nesse encontro de escola de ensino fundamental e médio e fazia 174

parte da comitiva do governador, que iria plano de seguir em dois ônibus para Vitória, inaugurá-la, além de ter outros compromissos na manhã seguinte, para uma manifestação em Ponto Belo e inaugurar um ginásio de por melhores vencimentos, em frente ao Palá- esportes em Boa Esperança. cio Anchieta. Nesse dia, choveu muito em Vitória, im- Decidido a evitar o desgaste político do pedindo a saída do helicóptero. governo, disse-lhe que, se ela conseguisse es- A inauguração em São Domingos estava tender a reunião por mais ou menos uma hora marcada para dez da manhã, mas nesse horá- e meia, eu seguiria imediatamente para Linha- rio nem havíamos saído de Vitória. Partimos res e conversaria com os diretores. Ela acredi- de carro uma hora depois e, ao chegarmos, to- tava que sim, que conseguiria. Vinte minutos das as festividades – aí incluído o almoço – já depois da meia-noite já estava em Linhares e haviam sido concluídas. Um correligionário expus – mais uma vez – tudo que estávamos do governador improvisou um almoço para fazendo para melhorar a remuneração dos nós, em sua residência. professores. O próximo compromisso seria em Ponto Conversamos de forma civilizada e sin- Belo, às 13 horas, mas ainda chovia muito, e cera, os ânimos se acalmaram e o grupo desis- só chegamos às 17h. Manoel Gagno, candi- tiu da incursão a Vitória. Às duas e meia da dato a prefeito de Pinheiros, foi nos receber manhã, cheguei em casa, cansado e com sono. e insistiu tanto para visitarmos o seu comitê Nesse período de três anos, tivemos eleitoral, antes de irmos para Boa Esperança, que contornar três situações constrangedoras: que o governador acabou cedendo. a primeira na data do meu aniversário, no ano Mas o candidato queria mais e nos le- de 1989, quando fui procurado por um em- vou para um rodeio em que se comemorava presário do ramo da construção civil , queren- o Dia da Cidade. Aí, o prefeito Galdino Luiz do saber a que hora iria para minha residência. Zaganeli – surpreendido com essa movimenta- Informei-lhe que no máximo até as 19 horas, ção, perdeu o controle e insuflou a população pois era praxe de minha família, reunir-se nas contra o governador e sua comitiva. datas de aniversários, no Natal e dias festivos. Com palavras ríspidas, chegou a dizer Indagou-me se poderia liberar o motorista, Sr. que não éramos bem-vindos à cidade e algu- Antônio, pois gostaria de conversar comigo e mas pessoas jogaram até pedras na comitiva. que o faria no transcurso da Secretaria até a E a inauguração do ginásio de Boa Esperança, minha residência na Praia do Canto, o que foi marcada para 19 horas, só foi terminar depois feito, após o expediente. O empresário na con- da meia-noite. versa mantida durante o percurso, disse-me Homem público não tem hora certa para que gostaria de me presentear, e, não sabendo dormir, mas precisa acordar junto com o sol. E o que me oferecer, resolvera me oferecer NCz$ nunca tem hora certa para chegar ou sair de casa. 500.000,00 (quinhentos mil cruzados novos) Como sempre trabalhei até o início da para que pudesse trocar de carro. Àquela oca- madrugada e a equipe da Secretaria de Edu- sião possuía um Chevet com cinco anos de cação sabia disso, e por isso, recebi certa vez, uso, mas bem conservado. Declinei do ofe- por volta de onze da noite, um telefonema da recimento, sem criar nenhum embaraço para chefe do Núcleo Regional de Linhares, infor- ele, não recebendo o pacote e lhe dizendo que mando que todos os diretores de escolas do se tivesse me dado um lenço, uma gravata, município e das regiões mais próximas esta- teria aceito e ficado muito agradecido. vam reunidos no Polivalente e discutiam o Assustado com a minha reação, pergun- 175 tou-me o que faria com aquele dinheiro no fi- Na viagem de retorno, ao chegarmos em nal de semana Respondi-lhe: Ibiraçu, fomos abastecer o carro em um posto - Ora, o mesmo o que eu teria que fazer se da cidade, o frentista quebrou a chave na hora aceitasse a oferta, ou seja, guardá-lo em casa até de fechar a tampa do tanque de combustível. segunda-feira. Perdemos quase uma manhã inteira para con- Desconcertado, coube a mim tranqui- seguir um chaveiro capaz de resolver o pro- lizá-lo. Entendi o seu gesto não como uma blema: os poucos que existiam, ou estavam proposta de compra, mas como uma forma de viajando, ou se divertindo no carnaval. me agradar sem exigir contrapartida. Somos Novo constrangimento ocorreu quando amigos, até hoje. decidi publicar um jornal para divulgação dos Outra situação ocorreu quando decidi- atos e ações da educação. mos passar o carnaval em Conceiçao da Bar- Inicialmente, chamei a Assessora de ra. Havíamos combinado de alugar uma casa Marketing Eliane Rodrigues para falar do pro- naquele balneário, juntamente com Enivaldo jeto. Deveria ser um jornal tipo tablóide, com dos Anjos e o Ricardo Braga de Carvalho. Na no máximo 12 páginas para circular mensal- véspera da viagem, enquanto despachava com mente com informações, legislação e matérias o prefeito de Colatina, Dr. Dilo Binda, chegou de interesse do magistério. A primeira provi- um empresário dizendo que estava trazendo dência era efetuar uma pesquisa de mercado algumas fotos para mim. Ao primeiro impacto para se ter uma noção de custos financeiros. não percebi do que se tratava, mas logo veri- Para tanto, contei com a parceria da irmã de fiquei que o que poderia estar no pacote não Eliane, Beth Rodrigues, que era servidora de eram fotos e sim dinheiro. Mandei chamar o emissário e devolvi o pacote dizendo não po- “A Gazeta”. O valor médio encontrado foi de der receber aquelas “fotos” porque não havia aproximadamente NCz$ 9.000,00 (nove mil autorização legal para a despesa: no serviço cruzados novos), a moeda da época, para uma público se precisa licitar e depois empenhar tiragem de 20 mil exemplares/mês. a despesa; neste caso, nem uma coisa ... nem Feita a licitação e a abertura das pro- outra haviam sido feitas. Muito sem graça, postas, a primeira colocada apresentou um apanhou o pacote e o levou de volta. Dilo Bin- custo financeiro de NCz$ 12.000,00/mês. da deu aquele sorriso tradicional, percebendo Não concordei com o valor, e convoquei a em- obviamente do que se tratava. presa ganhadora que justificou dizendo que Essa viagem para Conceição da Barra foi no montante estava incluído o percentual de cercada de improvisos e decepções. Primeiro, ao 10% oferecido aos seus clientes, previsto em chegarmos percebemos ser a casa muito ruim. lei para o agenciador. Fui com ele até o grupo Quem havia alugado para nós foi o próprio prefei- financeiro, pedindo para reduzir do valor ajus- to, que depois não quis receber o valor do aluguel. tado aquele percentual. E segundo, pela má qualidade da água do Decorridos alguns dias, encontrei-me mar. Faltava água nas torneiras para higiene e até outra vez com o empresário, que confirmou para beber. As ruas estavam ocupadas por bêbados a oferta da comissão. Não me fiz de rogado, que não respeitavam ninguém. Um horror! Pela levei-o de novo ao grupo financeiro e retira- manhã, combinei com Beth irmos para Guarapari, mos mais 10% sobre o restante, reduzindo os onde possuímos uma casa confortável, e lá passa- custos da operação para NCz$ 9.700,00 . mos os outros dias de carnaval. O jornal teve a duração de um ano. 176 Corredor polonês

No exercício da minha atividade na área, obras pretendidas no calendário para ter iní- nesse período, Pedro Canário foi um dos pri- cio ainda naquele ano de 1989. meiros municípios visitados. Acompanhou-me Elaborado o projeto e firmado convênio nessa viagem o professor Aquino, era prefeito com a Prefeitura, já na administração de Ma- do município o dr. Francisco Prates – “Chicô”, teus Vasconcelos – “Mateuzão”, uma surpresa, e ao entrarmos na cidade, por ele conduzidos, no entanto estava me esperando. O convê- fomos recebidos pelos alunos e professores nio previa reforma e ampliação da escola. A num “corredor polonês”, com a exibição de ampliação foi realizada e a reforma não, pois cartazes reivindicantes . Chicô apressou a ve- Mateuzão, o prefeito, colocara no chão a es- locidade do carro, acredito eu, para que não cola velha. Como o convênio não cobria cons- tivéssemos tempo de ler as mensagens. trução, tive dificuldades de aprovar as nossas O auditório da escola estava superlota- contas, com a mudança do objeto. Devo frisar do, mas o ambiente físico era tão degradante que só tomei ciência dessa alteração quando que me era difícil acreditar que ali funcionasse fui inaugurar a reforma e ampliação anterior- um ambiente escolar, com marcas de goteiras mente reivindicadas. e umidade por toda parte, a laje rusticamente A política partidária em algumas oca- escorada por troncos de madeira. siões apresenta nuances imprevisíveis, como Não foi fácil conduzir a reunião, tendo foi o caso ocorrido no distrito de Vila Pavão. sido o professor Aquino de fundamental im- Preparamos um convênio com a Prefeitura de portância para dirimir as questões pedagógi- Nova Venécia para reforma e ampliação da es- cas. Terminado o encontro, dirigimo-nos para cola daquela localidade. A solenidade realiza- a área externa da escola, onde os alunos, per- da sobre a carroceria de um caminhão, com a filados sob um sol escaldante, aguardavam a presença do governador Max Mauro, reuniu, nossa presença. Por minha solicitação, os alu- segundo cálculos da polícia militar, aproxima- nos foram conduzidos para uma área coberta. damente mil e quinhentas pessoas . A reivindicação apresentada era da re- Aproveitamos o momento para promo- forma e ampliação da escola. A diretora não ver uma reaproximação do prefeito Valter com se fez presente à solenidade, transferindo aos o deputado Adelson Salvador. No ato solene alunos o papel de porta-voz do estabelecimen- de entregar o cheque com a primeira parcela to, formulando o pleito de uma forma bem do convênio ao prefeito, solicitamos ao Adel- agressiva. son que o fizesse. Para surpresa de todos, di- Conforme regras estabelecidas pelo Go- rigiu-se ao presidente da Associação de Mora- vernador Max, nenhuma reivindicação pode- dores de Vila Pavão, entregando-lhe o cheque ria ser atendida se não constasse de prévia e deixando o prefeito com as mãos estendidas. programação. Esse era o caso da escola de Pe- Foi um constrangimento total. dro Canario. Após a solenidade, o governador Max cha- Mais tarde, com a colaboração da equi- mou a atenção do Adelson afirmando que aquele pe econômica do Governo, consegui incluir as seu gesto fora no mínimo antidemocrático. 177 Modernizar a escola, em sintonia com a sociedade

de estar com isso dando suporte à tendência de crescimento econômico que iria, sem essas medidas, levar o Brasil, num segundo tempo, a importar mão de obra para atender às neces- sidades das empresas. Estatística é ciência exata, como a ma- temática, e os números que relaciono, nestas memórias, falam por si: Assinatura de convênio para reforma de escola em Vila Pavão – 1990. • “Construção de 392 escolas, sendo Da esquerda para a direita: José Eugênio, Valter de Prá, Salvador Bonomo, Tovar, Albuíno, Eraldino Tesch, Max Mauro, Adelson Salvador, Maria Helena, 339 já concluídas e entregues às comunidades. Teresinha Calixte e Japonês. (Acervo do autor). Este dado representava uma média de seis es- colas construídas por Município. Em 15 de fevereiro de 1991, o então go- • Ampliação de 88 escolas, sendo 75 já vernador Max Mauro encaminhou à Assem- entregues. bléia Legislativa do Estado prestação de con- • Ampliação e reforma de 257 escolas, tas do período de governo 1987/1991. tendo sido concluídas e entregues às comuni- O documento, na área da Educação, dades 214. colocou em evidencia o perfil de estadista do • Foram reformadas 1.398 escolas, sen- chefe do Governo, indo além do que propu- do que deste total 1.256 já haviam sido en- nha a Constituição Brasileira de 1988 – edu- tregues. cação: uma obrigação do Estado e um direito • Ainda na área da rede física, foram da criança. realizados 633 pequenos reparos nas Escolas Preocupava ao governador e ao secre- Estaduais. tário de Educação a melancólica 53ª posição • Naquele ano o Estado contava com ocupada pelo Brasil, entre 57 paises pesquisa- 3.371 escolas, o que vale dizer que 81% da dos no “Programa Internacional de Avaliação rede havia sofrido alguma intervenção do Es- de Alunos”, da Unesco. Ao Espírito Santo, na tado. visão do Governo, competia esforço de traba- Esta ação do Governo Estadual propi- lho e realizações para ajudar a retirar o País ciou a criação de 76.910 novas vagas na Rede daquela incômoda situação. Pública, das quais 53.674 já haviam sido en- O Espírito Santo não se alheiou, ao con- tregues às comunidades. trario, se definiu, como efetivo participante Com relação ao mobiliário escolar, a Se- da “Década da Educação” estabelecida pelo cretaria de Educação adquiriu, durante aquele Parágrafo 1º do Artigo 8º das Disposições Governo, 75.174 carteiras escolares, mas, com Transitórias da Lei de Diretrizes e Bases da as necessidades de reposição e de expansão da Educação. O Estado foi além dos investimen- rede, ainda ocorreu um déficit de 23.000 uni- tos federais de 4,3% na área , na convicção dades, cuja aquisição já estava sendo concluída. 178

Outras importantes iniciativas na área • Reestruturação do Conselho Estadual da educação, cultura e desporto mereceram de Educação e do Conselho Estadual de Cul- ser evidenciadas, tais como: tura. • Elaboração, aprovação e implantação • Criação do Palácio dos Esportes, que do Plano de Carreira e Vencimentos para o comportou todas as Federações Amadoras do Magistério. Estado, ao lado da SEAG. • Revisão do Estatuto do Magistério. • Construção de 62 Quadras Poliespor- • Revisão das gratificações dos Direto- tivas, em 35 Municípios do Estado. res de Escola, Coordenadores de Turno e Che- • Soerguimento dos Jogos Regionais fias de Secretaria de Escola. Escolares Capixabas, com a participação de • Realização do concurso público na 4.424 atletas. área do magistério para todos os níveis. • Criação do Campeonato “Bom de Es- • Implantação da nova proposta curri- cola, Bom de Bola”, na Grande Vitória, com a cular para o primeiro e segundo graus, visando participação do JANC. à melhoria da qualidade do ensino. • Recuperação de parte do Porto de São • Implantação de seis escolas de tempo Mateus, do Convento da Penha, conclusão integral e das escolas convergentes na zona dos Teatros Municipais de Castelo e Mimoso rural. do Sul, da Casa da Cultura de Venda Nova, • Realização de nove governos itineran- Casa da Memória de Conceição da Barra e tes nos Municípios. Museu Pomerano de Santa Maria de Jetibá. • Integração da ação da Secretaria da • Recuperação e ampliação da Orquesta Educação com o Município, eliminado o para- Sinfônica do Espírito Santo. lelismo de ação e iniciando o processo de Mu- • Reforma dos Prédios da FAFABES e nicipalização do Ensino, denominado PRO- EMES. MUNE. • Reformas do Teatro Carlos Gomes, • Criação do Centro de Iniciação à In- Galeria Homero Massena, Biblioteca Pública formática, nas Escolas, tendo sido adquiridos Estadual e do Centro Cultural Carmélia Maria 36 micro-computadores. de Sousa. • Modernização administrativa da Numa comparação entre os gastos glo- SEDU, com a implantação dos serviços de bais com a educação, levantados para os três informática nas áreas: Protocolo, Patrimônio, últimos períodos do Governo, verificou-se que Almoxarifado, Controle da Frota de Veículos, aquele governo aplicou quase o dobro dos re- Recursos Humanos, Estatística, Orçamento e cursos dos dois governos anteriores. Assim é Finanças. que, expressos em dólares, os resultados foram • Implantação do projeto denomina- os seguintes; do “Nova Oportunidade de Aprendizagem – • 1979/1982 (Governo Eurico) ..... NOA” substituindo o falido sistema de recupe- 227.508.800 dólares ração de alunos, até então utilizado. • 1983/1986 (Governo Camata) .... • Gestão Democrática do Ensino, com 238.816.000 dólares destaque: Eleição direta para Diretor; Criação • 1987/1990 (Governo Max) ...... das Associações Escola/Comunidades (AEC); 437.642.000 dólares.” Criação dos Conselhos de Escolas. 179 Mais dois anos dedicados a dinamizar a Educação

Faltavam poucos dias para a posse do novo governo e eu ainda trabalhava na Prefei- tura de Vitória, com Luiz Paulo. O episodio que narro agora mostrou-me as sutilezas e os necessários artifícios do polí- tico que ascende ao posto mais alto desejado e que pretende se impor sem no entanto ferir suscetibilidades. Paulo Hartung trabalhava na complexa montagem de seu staff, costurando apoios Reunião de Secretariado – Administração Paulo Hartung – 2003/2006. na área legislativa , buscando cumprir com- (Acervo do autor) promissos anteriormente acertados, assentan- do planos imediatos de ação. Na gestão do governador Paulo Hartung Nada disso era, no entanto, improvisa- (2003/2004), tive a segunda oportunidade de do. O novo governador mantinha no bolso dirigir a Secretaria de Estado de Educação e cartas marcadas e seu uso dependia de tempo. Esportes. Era um jogo arisco e só entendi essa postura O primeiro grupo que compôs o Secreta- um pouco mais tarde. riado foi: Gladys Bitran (Procuradoria Geral), Confesso minha frustação por não ter Ranna (Auditoria), Ricardo Ferraço (Agricul- sido convocado imediatamente para compor tura), Neuza Mendes (Cultura), Silvio Ramos o governo e Paulo Hartung nem precisava do (Infraestrutra), Júlio Bueno (Desenvolvimento seu “feeling” para pressentir esse sentimento. Econômico e Turismo), José Eugênio (Educa- Sua estratégia para contornar o que po- ção), Zé Teófilo (Fazenda), Neivado (Governo), deria conduzir a uma ruptura , poderia parecer Moulin (Justiça), Schettino (Meio Ambiente), ao desavisado um ato de traição a seus amigos Guilherme Dias (Planejamento), Tadeu Mari- mais próximos. A mim pareceu. no (Saúde), Rodney Miranda (Segurança), Ra- Chamado pelo governador ao seu ga- quel (Trabalho), Tião Barbosa (Comunicaçao), binete de transição, na Praia do Suá, recebi Haroldo (BANDES), Scárdua (Banestes), a comunicação de que Luiz Paulo, o prefeito, Paulo Ruy (Cesan), Marcelo (Ceturb), não abria mão do meu concurso e que, por Fernando Herkenhoff (Ciência e Tecnologia) e isso, não seria por ele, o governador, convoca- Martinelli (Detran). do para compor seu secretariado. Como participara intensamente da cam- Minha decepção foi maior do que meu panha, havia a expectativa de ser convidado ego. Senti-me diminuído, desiludido e machu- a fazer parte do seu governo, mas meu nome cado, talvez menos do que pelo convite não não constou de nenhuma das comissões res- feito e mais por saber, de antemão, o estrata- ponsáveis pela transição. gema armado entre as duas autoridades. 180

Outro companheiro, Helio Gualberto, nomear Ricardo Santos, que deixara em seu também envolvido no mesmo esquema, mos- lugar a professora Marlúzia. Minha missão se- trava-se feliz, sem cobranças, sentindo-se valori- ria reorganizar a Secretaria, no prazo máximo zado como homem público: não fora chamado de dois anos. pelo governador porque o prefeito precisava do Não escondi minha surpresa. Lhe disse concurso dele. que a decisão dependeria de uma conversa com Foi assim que, passado o choque e a de- minha esposa e meu filho mais velho. Deu-me cepção, e diante do que ocorreria mais tarde, um prazo de 12 horas, para decidir. De volta a depois de minhas férias, entendi a preocupa- Guarapari, consultei os dois e ambos votaram ção do governador Paulo Hartung. A falsa his- contra o meu retorno à Secretaria. tória, afinal, não se destinava meramente a Na manhã seguinte, fui para a praia, já se livrar dos personagens envolvidos, mas, ao imaginando como daria a resposta negativa revés,de mostrar-lhes não serem eles figuras ao governador. Mas veio outra surpresa: mi- meramente descartáveis. Tudo a seu tempo e nha esposa atende o celular e era o governa- lugar. dor, querendo uma resposta. Afirmei-lhe que, De qualquer modo, foi um movimento infelizmente, não poderia aceitar o convite, arriscado que eu próprio não ousaria fazer. contra a opinião da família. Pediu-me que pas- Entrei de férias na Prefeitura de Vitória sasse o telefone para minha esposa e, com ar- e fui para Guarapari, mas todos os dias co- gumentos que só os melhores políticos sabem mentava com a minha esposa a perplexidade usar, convenceu-a a mudar seu voto e aprovar que sentia com o tratamento que recebi. meu retorno à SEDU. Só depois que deixei a Seria por incompetência minha? O que pasta, viera saber que antes de me convidar, o teria feito de tão grave, para não ser incluí- Governador havia convidado pessoas que não do sequer nas equipes de transição? Era cons- aceitaram o desafio. trangedor ouvir prefeitos e lideranças políticas Tomei posse do cargo e, baseado na ex- perguntarem por que eu não estava na equipe. periência adquirida e nos conhecimentos téc- Já quase no final de janeiro e ainda na nicos acumulados na primeira gestão, procurei praia, a secretária de Hartung me localizou combinar técnica e habilidade política, ingre- através do celular de minha esposa, convocan- dientes indispensáveis no dia-a-dia do gestor do-me para audiência com o governador às 15 público, que precisa ter o diálogo como ferra- horas daquele dia. menta indispensável. Fui para casa e me preparei para o des- Diálogo para mobilizar a equipe técnica, locamento até o Palácio Anchieta, sem fazer sensibilizar as diversas áreas do governo (prin- ideia do que se tratava, pois não estava lendo cipalmente Fazenda, Administração, Planeja- os jornais da capital e só recebia em casa os mento e Procuradoria Geral) e conquistar o sinais da antena parabólica e, portanto, sem apoio do governador, do Sindicato, das comis- acesso ao noticiário sobre o Espírito Santo. sões de Educação e de Finanças da Assembléia Theodorico Ferraço também participou Legislativa, das diversas lideranças partidárias da audiência, no Anchieta, e presenciou o con- e, especialmente, dos deputados. vite para que assumisse a Secretaria de Educa- Quando o novo governo tomou posse, ção e Esportes, que naquele momento entrara em 2003, a área da Educação estava mergu- de novo em crise: o governador desistira de lhada em dívidas com fornecedores e presta- 181 dores de serviços, sem recursos para cumprir qualidade da educação, definindo as diretrizes os convênios com os municípios (transporte políticas e um novo currículo escolar, criado a escolar rural e obras escolares) e com três me- partir de seminários regionais, dos quais parti- ses de atraso no pagamento do pessoal. cipavam professores e lideranças. Além disso, havia problemas no calen- Para compor a equipe pedagógica, fui dário escolar, devido às paralisações, denún- buscar na FAESA – Faculdade Espírito-santen- cias de ordem ética no Conselho Estadual de se de Administração, a professora Elisa Barto- Educação, ensino médio e educação profissio- lozzi Ferreira, com doutorado em educação e nal sob a coordenação de consultores externos larga experiência com movimentos sindicais, e falta de aprovação nas contas relativas aos acumulada no período em que residiu em São convênios. Paulo. O velho hábito da ingerência política na O passo seguinte foi reimplantar um indicação de dirigentes escolares era outro de- modelo de planejamento e preparar a equipe safio a ser enfrentado. de gerenciamento para ter uma visão do custo Estabeleci dois grandes objetivos: re- financeiro das ações e processos e, em conse- cuperar e garantir o equilíbrio financeiro da quência, sanear as finanças. Secretaria e definir uma política educacional Mais uma vez, foi difícil levantar os da- para as escolas estaduais segundo os conceitos dos do custeio mensal da Secretaria e apurar o mais modernos. valor real da dívida. A expectativa era de que levaríamos de Concluída essa etapa de trabalho, em dois a três anos para pagar as dívidas, orçadas menos de um ano consegui resgatar essa dí- em mais de 80 milhões. Como a Secretaria vida, ai incluído o pagamento dos servidores, desativara o setor de planejamento, não se porque as receitas do Governo também cres- sabia ao certo quais eram os compromissos ceram e isso se refletiu no caixa da Educação. mensais e a quanto montava a dívida real. Há cinco anos, devido a pendências Teria ainda de regularizar de novo o al- jurídicas, não era realizado o concurso de re- moxarifado, realizar a tomada de contas espe- moção. Superados os obstáculos, em conjunto cial em mais de cinqüenta processos e cuidar com o sindicato da categoria, passamos a rea- de outros três mil processos administrativos lizar o concurso periodicamente, como deter- pendentes. Para executar novos projetos de mina a lei. intervenção física na rede escolar, teríamos Pagamos quase 50 milhões por promo- que encerrar também mais de três mil pro- ções, valor que sequer fora empenhado e já fa- cessos. zia parte do que se costuma chamar de “dívida Em compensação, o ambiente era total- de armário”. mente diferente daquele que encontrei entre Reestruturei o Conselho Estadual de 1988 e 1991. Agora, havia interesse e expecta- Educação, sob a presidência da professora tiva dos profissionais por mudanças. A experi- Anna Bernades da Silveira Rocha convidada ência adquirida evitou que repetíssemos erros pessoalmente pelo Governador e com a par- eventualmente cometidos. ticipação de profissionais de notório conheci- Começamos as mudanças pela base: os mento e experiência na área educacional, além professores. de incluirmos representantes de pais e alunos Primeiro, combinei um debate sobre a no colegiado. 182

Reorganizei também as Superintendên- cias Regionais de Educação – SRE eliminando cinco delas, que teriam sido criadas para aten- der a interesses políticos. Com o documento-base denominado “Política Educacional do Estado do Espírito Santo – A Educação é um Direito”, as polí- ticas públicas para a educação passaram a contemplar as aspirações e demandas da so- Seminário Estadual de Política Educacional – Teatro da UFES – 2003. (Acervo do autor) ciedade, que não queria apenas “serviços edu- cacionais”, mas educação pública e gratuita Outra iniciativa inovadora foi a criação reconhecida como direito do cidadão e dever do ensino médio nas vilas, povoados e dis- do Estado. E os principais eixos do currículo tritos, para que alunos jovens e adultos não eram: ciência, trabalho e cultura. tivessem que se deslocar para longe de sua re- Um aspecto fundamental é que essas gião, das suas famílias ou do seu trabalho, a políticas não poderiam ser formuladas nos ga- fim de prosseguir nos estudos. binetes da Secretaria de Educação, mas busca- Não foi fácil retornar com 62 escolas, da sua legitimidade e força política em toda a pois a área pedagógica entendia que a apren- comunidade educativa. Por isso, a Secretaria dizagem teria que ser vista sob o aspecto eco- distribuiu o documento a todos os professo- nômico e não como ação social. res, tanto da ativa quanto inativos, para que Só para citar um caso, no município de se manifestassem, e fiz realizar quatro semi- Castelo, ao se criar o ensino médio no distri- nários: em Cachoeiro, Colatina, São Mateus e, to de Estrela do Norte, o diretor das escolas finalmente, no Teatro da Universidade Federal daquele Distrito e do João Bley reagiram ne- do Espírito Santo, com a participação de pro- gativamente, pois o curso teria que funcionar fessores, representantes do MST, dos índios e como apêndice, até que o Conselho Estadual de outros setores. de Educação autorizasse a sua criação do cur- Confesso que estava receoso, pois era so na escola de Estrela do Norte. impossível prever a reação daquele auditório Primeiro, alegaram falta de espaço fí- lotado, mas a receptividade foi surpreendente, sico, e resolvi o problema. Depois, disseram assim como os depoimentos de que pela pri- que não havia professores qualificados. Levei meira vez – em muitos anos – os professores os professores de Castelo até a localidade. O tinham a oportunidade de se manifestar sobre certo é que o curso começou com 32 alunos e a melhoria do processo educacional. no final do ano já eram mais de 100, compro- A partir daí, comecei a me preparar para vando o acerto do projeto. incluir o estudo e a recuperação dos valores Outra ousadia foi o projeto “Formação históricos do local de moradia de cada alu- em Serviço’, que consistia em tirar o professor no, assim como os seus valores familiares, de da sala de aula durante quatro horas por sema- modo a garantir que a grade curricular incor- na, sem prejudicar o calendário escolar, que em porasse principalmente o estudo das línguas alguns casos já estava com atraso. Instituí tam- pomerana e italiana, cujas tradições estavam bém uma bolsa/auxílio, para que professores e se perdendo. coordenadores pudessem adquirir livros e cópias 183 dos textos recomendados pela Secretaria. adquirimos instrumentos musicais para 26 Nesses dois anos à frente da Secretaria, bandas marciais e aquisição de quase 300 eliminei as carências crônicas de auxiliares de mil livros às bibliotecas escolares, que seriam secretaria escolar, selecionando 1.729 novos distribuídos durante o recesso escolar. servidores, terceirizando os contratos de ser- Foram comprados também 120 apare- ventes para serviços gerais, no total de 3.161 lhos de TV de 29 polegadas, 120 DVDs, 120 servidores, e incorporando 1.609 merendeiras. vídeos e 120 microcomputadores para apoiar Ao mesmo tempo, o Estado forneceu recursos as aulas de Geografia, História e Matemática que permitiram estender a oferta da merenda nas escolas de ensino médio, também para se- escolar aos alunos do ensino médio. rem entregues no recesso escolar. Implantei o PAEB - programa de avalia- A Secretaria concluíu ou iniciou a cons- ção da educação básica em toda a rede escolar trução de 32 escolas, com acréscimo de 12.785 estadual, colhendo informações sobre a quali- vagas, ampliando outras oito, com acréscimo dade do ensino fundamental e médio em 639 de 1.951 vagas além de reformar e ampliar 82 escolas, abrangendo 106.794 alunos e 5.425 prédios escolares, criando mais 6.946 vagas. professores, nos 78 municípios do Estado. No ensino médio, foram implantados Defini um novo padrão de rede física laboratórios de Física, Química e Biologia em para os prédios públicos, criando ambientes 200 escolas e salas ambientes de Matemáti- mais acolhedores e com áreas verdes. ca, História e Geografia em 40 escolas, além Fiz revisar todos os projetos dos antigos de adquirir um acervo bibliográfico para 60 polivalentes; adquirimos 53 mil conjuntos es- escolas e entregar 161 máquinas reprográfi- colares e 230 mil conjuntos de uniformes para cas e 161 aparelhos de fax. Os laboratórios de os alunos da primeira à quarta série; 3.900 informática de 17 escolas do ensino médio computadores e outros equipamentos para sa- integrado receberam mobiliário adequado. To- las de aula, laboratórios, salas dos professores das essas ações só foram possíveis de realizar e a área operacional da Secretaria, que seriam porque contamos em todos os momentos com entregues nas escolas em janeiro de 2005. o apoio do Governador Paulo Hartung e da Assinei contrato para instalação do equipe econômica. Sistema Velox em 240 escolas estaduais;

Assinatura do Contrato entre o Governo do Estado/SEDU e Telemar – 2004. Da esquerda para a direita: Giordano Bruno Brasil, Tuffy Daher, Governador Paulo Hartung, José Eugênio Vieira e Ruy Dias de Souza. (Acervo do autor) 184 Modernidade e atraso, um conflito inevitável

Consegui manter o Espírito Santo no seus argumentos. Até os próprios assessores projeto-piloto de ensino médio integrado à dele me deram razão, considerando inopor- educação profissional, beneficiando 17 escolas tuna aquela ação. Ainda acrescentei que não e 30 mil alunos. Fiz criar dez centros estaduais estava reconhecendo o governador com o qual de educação profissional, sendo um deles na trabalhei e de quem ouvi muitas vezes que o Escola Vasco Coutinho, em Vila Velha, inau- primeiro dever do homem público é respeitar gurado um mês depois de haver deixado a Se- as leis e a propriedade alheia. cretaria. Nesse momento, chegou ao local o en- Em torno desta última escola surgiu um tão prefeito Max Filho, acompanhado de as- desentendimento político com a Prefeitura de sessores e operários, com máquinas de serrar Vila Velha, que alegava ser a proprietária da madeira e árvores e outras ferramentas, e ca- área. Antes da conclusão da obra, eu analisara minhou para o portão de ferro, seguido pelo com o prefeito Max Filho e seus assessores o an- ex-governador. damento da construção, que já estava com dois Resumindo o relato, o grupo derrubou o meses de avanço em relação ao calendário. portão e consumou a invasão. A documentação estava toda regulariza- À imprensa, o ex-governador disse que a da e incluía uma certidão de posse da área há invasão se dera devido “à incompetência do Se- mais de 70 anos, sem a qual não teria obtido cretário da Educação, que não iniciara a obra”. recursos do Governo federal e do Banco Mun- dial. Analisou-se também o modelo de gestão do auditório, que em principio seria adminis- trado pela Prefeitura. Entretanto, na mesma semana dessa reunião, uma professora que não quis se iden- tificar telefonou para informar que o prefeito de Vila Velha – durante a missa de domingo no Santuário – convocara os fiéis para com- parecerem à escola, que na segunda-feira seria invadida pela Prefeitura. Juntamente com servidores da regio- nal local, compareci bem cedo à Escola Vasco Coutinho e testemunhei a chegada do ex-go- vernador Max Mauro e seus assessores, dis- postos a invadir o prédio, com o argumento de que cumpriam uma decisão da comunidade, já que a área pertencia ao município. Momento em que buscávamos entendimentos com o ex-governador Max. Invasão do prédio escolar – 2003. Aproximei-me do ex-governador e contestei (Acervo do autor) 185

Minha resposta foi procurar a Justiça e com as nossas próprias vozes. Bastou iniciar obter, no mesmo dia, uma liminar que nos res- e toda a platéia acompanhando. Afastei-me tituía a posse do imóvel. Cumpriu-se o crono- do microfone e arrepiei-me todo com aquele grama da obra, que depois foi entregue à co- gesto de civilidade. Em poucas palavras, fiz munidade, na presença do prefeito Max Filho, o meu pronunciamento, e ato seguinte desci que compareceu atendendo ao convite que lhe para ouvir a palestra do consultor, sentado na fiz, a pedido do Governador Paulo Hartung. primeira fila. Esse episódio não abalou a minha amizade e Ao término de sua apresentação, calo- gratidão pelo ex-Governador, entendendo o rosamente aplaudido de pé pelos presentes e, fato como uma ação política momentânea. emocionado, agradeceu a gentileza dizendo Recebi um convite em 2004 para parti- que estaria ao lado esquerdo do palco para cipar da abertura de um congresso sobre edu- fotografias e autógrafos, solicitando ao secre- cação, no município de Aracruz, evento que tário Estadual de Educação que subisse nova- contou também com os professores de outros mente ao palco. Estados. O local foi o SENAC de Praia Formo- Fiquei a pensar: o que será que o consul- sa. Ao chegar no auditório, fui surpreendido tor estaria preparando? pela sua grandiosidade, com capacidade para Enalteceu ele a iniciativa do secretário três mil pessoas sentadas. O auditório estava que, num ato de civilidade e cultura, solicitou lotado e ainda havia pessoas em pé. que todos cantassem o Hino Nacional. O prefeito não pode estar presente, ra- Pediu a todos que ficassem de pé e me zão pela qual a secretária Municipal ficou en- homenageassem com uma calorosa salva de carregada de fazer a abertura do evento, con- palmas. Em seguida, solicitou mais aplausos, vidando-me para compor à mesa. Após a sua por ser a primeira vez que um secretário de fala, transferiu a palavra para o meu pronun- Estado abria o evento e permanecia para ciamento em nome do Governo Estadual. Fui ouvir a sua palestra. Fiquei comovido e essa ao microfone e pedi que fosse entoado o Hino simples homenagem veio minimizar a nossa Nacional Brasileiro. Foi um corre- corre , pois decepção por atos de governo em relação ao se esqueceram de levar o CD com a gravação trabalho em desenvolvimento naquela pas- do Hino. Não me fiz de rogado, solicitei que ta. Foi uma noite em que dormi com a alma todos ficassem de pé e entoássemos o Hino lavada! Mais uma surpresa Entretanto, uma surpresa, mais uma, me também para o modelo pedagógico. Existiam estava reservada. Uma denúncia da TV Ga- duas salas de aulas, onde duas professoras le- zeta sobre uma escola na zona rural de Vila cionavam para os alunos de 1ª a 4ª séries. As Velha, no lugar conhecido como Grande Terra duas salas possuíam quatro quadros, ficando Vermelha, se apresentava como um novo desa- os alunos da 1ª e 2ª série de costas um com o fio. A matéria enfocava os diversos problemas outro. A professora passava a matéria em um existentes na escola, como falta de muro de quadro para os alunos de 1ª série, em outro da proteção, água tratada e reforma geral, prin- 2ª série e assim sucessivamente. Na outra sala, cipalmente de banheiros. A crítica se estendia para os alunos de 3ª e 4ª séries, no mesmo modelo. 186

Ao tomar ciência do fato, determinei e pesquisa anterior, onde os principais proble- acompanhei pessoalmente a solução para to- mas eram falta de merenda escolar, livros para dos os problemas levantados. A maior dificul- a biblioteca e computadores. Por incrível que dade foi levar água tratada para a escola, pois pareça, eram itens que haviam sido trabalha- a rede da CESAN ficava longe e encarecia a do, entre uma pesquisa e outra. Havia sido au- operação. Um vizinho da escola, que já pos- mentado o valor de remuneração do custo/alu- suía o beneficio, gentilmente ofereceu água do no/dia da merenda escolar, para que o aluno seu sítio. Fui pessoalmente ao local, para veri- do ensino médio também pudesse ter idêntico ficação dos procedimentos de correção, após a benefício. Já iniciara o processo de compra de conclusão dos serviços, e a alteração da dispo- quase três mil e quinhentos computadores e sição dos alunos das classes, obedecendo-se a todo o sistema tinha disso conhecimento e partir de então o modelo pedagógico nacional boa parte das bibliotecas já haviam sido abas- e internacional para as escolas da zona rural. tecidas com novos itens e nova licitação es- Esse modelo continua em vigor até hoje no Es- tava em curso. Não havia nenhuma reclama- pírito Santo e acredito que no Brasil. ção de conhecimento público e nem por parte Passado quase um mês, a TV Gazeta re- dos diretores de escolas com relação a esses tornou ao local e um dos seus repórteres, na itens. O que teria havido? Meticuloso que sou, ânsia de gerar uma notícia bombástica, soli- constatei posteriormente que houve alteração citou às duas professoras que retornassem a na amostragem recolhida na Grande Vitória, disposição das carteiras como era antes, “só quando comparada com as outras pesquisas. para que se pudesse fazer uma gravação”. As Mas o pior ainda estava por vir. Depois professoras, inocentemente, o atenderam. À da apresentação desses índices, o assunto “Ter- noite, a matéria voltou ao noticiário e ainda ra Vermelha” veio à baila novamente. Após a foi repicada no “Fantástico” da Rede Globo, apresentação da gravação do “Fantástico”, ne- no domingo. nhuma repercussão negativa foi registrada na Ao tomar conhecimento desse insólito área do governo, onde expressiva maioria dos episódio, logo cedo retornei à escola, depois colegas tinha e tem um respeito muito gran- de ter esclarecido o ocorrido com o Chefe da de pela pessoa e pelo administrador público, Casa Militar. Ao chegar , deparei-me com duas construído ao longo dos anos. repórteres do jornal “A Tribuna”, que nada ha- Passado o tema para o último item da viam registrado como de anormal. Concedi- pauta, Assuntos Gerais, ausentei-me tempora- lhes uma entrevista, ainda perplexo com o vi- riamente da sala de reuniões, respirei fundo ciado profissionalismo e o mau caratismo do e retornei. Já estava se encerrando a reunião, repórter. Incontinente, dirigi-me à direção da quando pedi a palavra. Fiquei de pé. Silên- “Rede Gazeta” e narrei a minha indignação. O cio total. O que eu iria dizer? Sem polemizar, estrago estava feito. afirmei a todos ser aquele dia o mais triste Mais surpresas ainda me eram reser- da minha história. Nunca imaginei passar vadas. Na terça-feira seguinte foi convocada por este constrangimento. Falei pouco, mas o uma reunião do secretariado e uma empresa necessário, pois estava emocionado e nessas de pesquisa foi solicitada para apresentar os condições a emoção fala mais alto do que a seus resultados. Quanto à educação, havíamos razão. Fui para a Secretaria de Educação e fi- perdido quase vinte por cento em relação à quei aguardando a minha exoneração, o que 187 não aconteceu nem naquele momento e nem bi comunicação oficial da nomeação de Lelo nos meses subsequentes. Coimbra para a Educação e da minha, para a Passei a receber, em algumas ocasiões, a Administração. Não aceitei. visita do meu amigo e companheiro de equipe Quando o Governador me disse que eu Zé Teófilo que, preocupado, vinha trazer-me su- não poderia ficar fora do Governo, surgiu a gestões para agilização dos resultados pedagógi- ideia de se criar a Secretaria Extraordinária de cos, principalmente para a área da zona rural. Articulação com os Municípios. Telefonema do vice-governador Lelo Aceitei na hora. Coimbra, me levou a comparecer ao gabine- A minha posse na SEAM só ocorreu no te para comentar assuntos ligados à educação início de fevereiro, depois das minhas férias no Espírito Santo. Expostas as razões do en- regulares e do retorno do Governador, em via- contro, foi-me apresentado um consultor que gem à China. A posse, no salão São Tiago, foi comandaria a “entrevista”. Tratou-se de todos a mais concorrida de toda a minha trajetória os assuntos da pasta, desde os técnicos aos ad- na vida pública. Compareceram os setenta e ministrativos e políticos. Ingênuo que sempre oito prefeitos municipais, ex-prefeitos, depu- fui, não pressenti, naquela reunião, nenhuma tados estaduais e federais, senadores, além de ação que estivesse em curso para minha subs- quase toda a equipe do governo, e numerosos tituição pelo vice, na pasta da Educação. amigos e convidados. Na última semana, numa quarta feira, Fiquei mais de três anos no posto. Mes- final do ano de 2004, viajei com o Governa- mo sem possuir dotação orçamentária pró- dor para o Norte do Estado, para inaugurações pria, conduzi a Pasta, recebendo os prefeitos em dois Municípios. Em nenhum momento e buscando soluções para os problemas muni- falou-se sobre a minha substituição na pasta, cipais com os Secretários de Estado, dos quais mesmo com as notas das principais colunas sempre recebi colaboração, no entendimento políticas dos jornais da capital, que já se sabia do papel que me fora reservado. Sempre que serem plantadas por interesses políticos. procurado, não me faltou igualmente o im- Em outro dia, com a mesma finalidade, prescindível apoio do Governador. voltei a viajar, agora com o Vice-Governador, para No decorrer desse período, substituído inauguração de dois ginásios esportivos, o primei- por meu amigo Rômulo Penina, fui deslocado ro em Vila Pavão, e o segundo em Pancas, uma emergencialmente para a Secretaria de Agri- obra que havia sido iniciada no Governo Camata cultura, permanecendo ali por quatro meses. e concluída somente naquele ano de 2004. Voltando a SEAM, em duas ocasiões, Voltando a Vitória, descemos no heliponto passei a responder também pela SETADES e da Rodoviária. O Vice-Governador foi para um pela SEMURB. almoço em Palácio com o Governador, com a pre- Confesso não ter sido tarefa fácil ge- sença da imprensa local, e eu me dirigi à SEDU. renciar a SEAM, mantendo credibilidade e À tarde, recebi um repórter de “A Tri- respeito por tanto tempo sem ter orçamento buna”. Queria saber o horário da minha para atender às demandas dos municípios. posse na Secretaria de Administração, já na Recolhi no entanto, ao final da gestão, uma segunda-feira. Surpreso, disse desconhecer o rara experiência na minha vida profissional. assunto e que, diante dessa informação, fica- Fica registrado aqui o meu agradecimento ao ria na expectativa da palavra do Governador. governador Paulo Hartung pela confiança em No encerramento do expediente, rece- mim e pelo apoio que nunca me negou. 188

Guardo sentimento de particular or- ao tráfego para melhor escoamento da nossa gulho por ter participado de uma equipe de produção agrícola e deslocamento da popula- trabalho que conseguiu resgatar uma dívida ção. de curto prazo em torno de 1,2 bilhão de re- Minha participação como membro da ais, valor que na época (2003) representava equipe de governo pode ser alavancada com a o equivalente a cinco anos de arrecadações. experiência da ferramenta gerencial normal- Esse esforço teve desdobramento na retomada mente utilizada no setor privado, estendida para da capacidade de investimentos por parte do dentro da estrutura burocrática do Estado. governo, com uma estabilidade institucional O planejamento estratégico e a gestão que atraiu novos investimentos privados para de projetos prioritários foram outras inova- o Estado, dando inicio a uma demarrage de ções aplicadas na gestão dos negócios do Go- progresso que ficou registrada com destaque verno. A criação do Fundo para Redução das no anais da administração no Espírito Santo. Desigualdades Regionais, que passou a trans- Outro fator que merece ser resssaltado ferir aos municípios 30% da arrecadação esta- foi o esforço do governo em melhorar sua ma- dual proveniente de compensação financeira lha rodoviária. Ao final do mandato, aproxi- de royalties, com aplicação específica, foi uma madamente 2700 km de estradas asfaltadas, solução altamente satisfatória, expressada nos com qualidade reconhecida, foram entregues positivos resultados alcançados.

Foto da equipe do governo – Palácio Anchieta 2003/2008. (Acervo do autor) 189 Educação x Tribunal de Contas Uma penosa reflexão

Após dezoito anos como ordenador frieza do contador e sem saber qual o caminho de despesas, sem ter nenhuma prestação de a seguir, retornei à Casa Civil. contas reprovada, sem receber multas, e em O que é o destino! Decorrido pouco algumas poucas ocasiões aprovadas com res- mais de um mês, buscando melhorar a sua salvas, coincidência ou não, quando, a partir imagem perante a opinião pública, que naque- de 1991, passei a exercer papel fundamental le momento estava em queda, o Governador na campanha do futuro Governador Albuíno, do Estado decidiu remanejar seu Secretariado. não tive mais tranquilidade no exame de mi- O Luiz Paulo, Secretário de Planejamento, foi nhas contas. remanejado para a Secretaria de Agricultura, Tive já muita dificuldade para ter apro- Berenice Pinho, Auditora Geral, para a Secre- vada a prestação de contas de 1991. Foram taria de Administração e Recursos Humanos e mais de dois metros de papel provando a regu- eu, da Casa Civil para a Secretaria da Fazenda. laridade dos processos. Decorridos alguns dias da minha posse, Quando estava por completar um ano pedi para chamar o contador e o mantive na como titular da Casa Civil, recebi uma liga- função. Ato contínuo, determinei que fizesse ção telefônica para comparecer ao TCES e me as alterações corretas na conciliação bancária dirigir ao setor da inspetoria técnica, onde en- da SEDU. Sem ter o que dizer, percebi seu contrei uma pessoa amiga que admirava e res- desconforto mas cumpriu a orientação supe- peitava o meu trabalho e achava um absurdo a rior, sem discutir. rejeição das minhas contas, pelo simples fato Após o acerto, fui até Bom Jesus do Nor- da conciliação bancária não refletir a realidade te para apanhar a assinatura do ex-contador e dos números apresentados. Ao longo da vida seu carimbo. Entreguei ao TCES e as minhas pública, conquistam-se amizades e inevitavel- contas foram aprovadas sem nenhuma restri- mente alguns, felizmente poucos desafetos. ção. Sou grato até hoje, pelos valores e prin- No meu caso, a servidora foi uma delas: ti- cípios da técnica do TCES, por sua sensibili- rou a página onde se encontrava a conciliação dade e caráter. Ao verificar o absurdo que se bancária e me entregou para acertá-la. O pri- estava por cometer, me proporcionou os meios meiro problema era geográfico, pois o conta- para regularizar a pendência. Há que se escla- dor já não morava mais em Vitória e sim em recer que quem assina a conciliação bancária é Bom Jesus do Norte. Fui até aquela cidade, o contador, que possui essa prerrogativa. Mas bem recebido diga-se de passagem, mas como como a lei é fria, sempre a lei, diz que o res- acertar o documento se já não estava mais ponsável é o ordenador de despesas, passando na Secretaria envolvida e como faria para ter por cima de toda racionalidade sem medir as acesso à documentação? consequências da decisão que se está para to- Procurei o contador geral do Estado, Sr. mar. Assim tem sido o Brasil. Luiz Fernando Negri, que criou todas as difi- Além de responder a alguns processos culdades possíveis. Entre decepcionado com a por casos isolados, tipo convênios realizados 190

com os municípios, foram todos justificados com a multa. Outro ponto questionado foi a e arquivados. Ainda assim, tive grandes pro- alegação de não termos publicado nos meios blemas para conseguir a aprovação de minhas de comunicação a inexigibilidade do contra- contas de 2003 e 2004. to com a empresa Correios e Telégrafos. Não A de 2003, só foi aprovada após o re- foi publicado pelo simples fato da empresa ser colhimento de uma multa de R$ 1 mil e 200 monopolista. A medida, ao revés de prejuízo, reais, parcelada em dez prestações, com as determinou economia de recursos financeiros correções da lei. O que motivou a multa mais para a Instituição. A alegação foi de que a lei uma vez demonstra a irracionalidade na inter- assim o determinava. Mas não há na lei essa pretação do fato, aplicando-se um rigorismo especificidade quando se trata de empresa exagerado da lei. O magistério estava em gre- de característica monopolista. Ao final, ficou ve por muito tempo quando voltei a assumir a multa que paguei, sem com ela concordar. a pasta. Algumas escolas precisariam de pelo Havia outros itens de menor importância que menos quatro meses para repor o seu calen- não gerariam a rejeição das contas. dário. Começamos a aproveitar os sábados, os As contas de 2004 ainda se encontram feriados facultativos. Naquele ano de 2003, pendentes, julgadas “à revelia”; passou desper- na data em que se iria comemorar o “Dia do cebida ao ex-secretário a comunicação publica- Professor”, acertei com as escolas compensar da, com a alteração introduzida na forma de também o feriado. Ocorre que o TCES deter- publicidade para divulgação da pauta do TCES: minou que eu devolvesse cerca de 10 mil reais, em vez de colocar o número do processo com o sob o argumento de ser o dia celebrado como nome do interessado, passou-se a publicar so- o do Professor e pela razão de não constar no mente o número do processo. Encontra-se em contrato a prestação de serviços de vigilância fase final de julgamento (dez./2013). para a data. Justifiquei o que foi considerada Um processo quando é julgado no omissão, mostrando que boa parte das escolas TCES, até chegar à SEFA – Secretaria da da Grande Vitória funcionaram, e não pode- Fazenda para lançamento em dívida ativa e riam dispensar os serviços de vigilância. consequentemente ser encaminhado à PGE- Foi comprovado, escola por escola, a fre- Procuradoria Geral do Estado, leva aproxima- quência dos professores e servidores, com ca- damente seis meses. rimbo e atestado dos respectivos diretores. A Mas quem tem amigo não morre pa- “sugestão” do relator é que eu deveria devolver gão. No meu caso levou uma semana. Entrei os recursos e cobrar da empresa amigavelmen- com recurso, consegui a anulação do acór- te e/ou de outra forma. Uma maluquice ferin- dão e aguardei comunicação para apresentar do princípios jurídicos somada a uma extrema as justificativas necessárias ao processo. falta de sensibilidade. Claro que não concordei 191 Ministério Público Federal: conflito com a lei

Encontrava-me em Guarapari passando com recursos de um convênio assinado com férias de janeiro, quando recebi um telefone- o MEC/FNDE; 6) realização de carta-convite ma de Daniel, Assessor de Imprensa do Go- com a participação de uma única empresa; 7) verno, perguntando-me se na minha casa ti- contratação de profissionais sem prévio pro- nha internet. Como não tinha, sugeriu-me que cesso seletivo; 8) realização de carta-convite procurasse uma Lan House, pois havia uma com apenas uma proposta válida. denúncia de improbidade feita pelo Ministé- Ao tomar conhecimento da decisão da rio Público Federal que estaria em todos os Procuradora da República, Dra. Luciana Lou- jornais do dia seguinte. Atônito, mas com a reiro Oliveira, datada de 18 de dezembro de consciência tranquila, retornei a Vitória, veri- 2007, entre surpreso e estupefato, li e reli a fiquei a matéria e em conjunto com o Daniel, sentença por várias vezes, por não acreditar no preparei uma nota de esclarecimento à opinião que estava tomando conhecimento. A fragili- pública. A orientação foi a de não assumir po- dade jurídica da ação seria reconhecida até por sição de defesa e não ficar dando explicações um leigo, em nenhum momento questionando à imprensa. E assim foi feito. qualquer conduta improba de minha parte. Ao O que foi o caso? mesmo tempo em que buscava sustentação para Tratava-se de uma Ação Civil Públi- a sua denúncia, sem acrescentar nenhuma prova ca proposta pelo Ministério Público Federal, cabal, ainda afirmava em seu parecer que... “Em- contra mim, consubstanciada na alegação de bora a auditoria do CGU (Controladoria Geral improbidade administrativa que teria cometi- da União) não tenha suscitado indícios de enri- do, como titular da Secretaria de Educação e quecimento ilícito, tampouco de desvio de fina- Esportes, no exercício de 2003. O MPF elen- lidade das verbas fiscalizadas, nem por isso se cava oito itens, que supostamente estariam pode relevar as irregularidades detectadas, haja em desconformidade com a Lei nº 8.429/92, vista que denotam lesividade concreta, em pre- que trata dos Agentes Públicos – Improbidade juízo ao erário e, também, aos bons princípios Administrativa – Enriquecimento Ilícito: de gestão pública.” 1) aquisição de gêneros alimentícios por valo- Não se deu oportunidade de defesa, fize- res acima dos praticados no mercado; 2) aqui- ram-se citações erradas da Lei (art. 22, § 7º - Lei sição de armários destinados a equipamentos nº 8666/73), tudo na busca de criar disposições de TV, vídeo e DVD, que não suportariam legais de forma a corroborar suas ideias e ainda o peso dos equipamentos; 3) incorreção nas deu publicidade a uma demanda que sequer ain- especificações previstas no edital de pregão da havia sido apreciada pelo Judiciário. específico e a conseqüente impossibilida- A começar pelo “release” da área de mar- de de utilização dos armários adquiridos; 4) keting do Ministério Público e pelas manchetes aceitação de computadores com configuração e matérias dos principais jornais do Estado, eu diversa da prevista no edital; 5) falta de utili- estava “condenado” sem prévia defesa e conhe- zação de equipamentos eletrônicos adquiridos cimento da denúncia. Eis algumas manchetes: 192

“José Eugênio denunciado à Justiça – fiasse, como é curioso o fato de todos nós acreditarmos Ministério Público Federal acusa Secretário de em tudo o que lemos nos jornais. Nestes recentes dias ter dado prejuízo de R$ 1,2 milhão ao gover- pude observar de perto a força com que uma infor- no na época em que comandou a SEDU – A mação desmesurada e truncada pode se abater sobre Tribuna de 10.01.2008”; um homem. Refiro-me à recente publicação da denún- “Ex-Secretário é alvo de ação por irre- cia que recaiu sobre a pessoa do Sr. Ex-Secretário de gularidade – Controladoria da União consta- Educação, José Eugênio Vieira. Mas afinal, quem é tou mau uso de verba quando José Eugênio este tal Secretário? era Secretário de Educação – A Gazeta de Preferencialmente cumpre observar que José Eu- 10.01.2008”; gênio Vieira, colocado na condição de réu em ação de “Corrupção: José Eugênio acusado de improbidade, encontra-se na vida pública no Estado comprar biscoitos e leite a preços superfatura- do Espírito Santo por um período aproximado de 44 dos – Século Diário – 09.01.2008”; anos, tendo ingressado nos quadros efetivos da Admi- “Pede pra sair, Zé: teu negócio é molhar nistração Estadual no longínquo Governo de Artur o biscoito no leite – C.R.B. – Século Diário – Gherardt Santos (1972) na Secretaria de Agricul- 14.01.2008”; tura, Abastecimento, Aqüicultura e Pesca (SEAG), “Eu heim! José “Maisena” Eugênio Viei- permanecendo como hábil administrador até os dias ra, ou simplesmente “Zé Maisena”, está sendo atuais, momento em que exerce a atividade de Secre- cotado para ser o Vice de João Coser na prefei- tário da Pasta Extraordinária de Articulação com os tura de Vitória. Credo! Esse biscoito ninguém Municípios. engole. Século Diário – 29.01.2008”; Durante sua vida pública, e que muito pro- “José Eugênio acusado de comprar bis- vavelmente desconhece a Ilma. Representante do coito e leite a preços super-faturados – Nerter Ministério Público, exerceu o Sr. Secretário José Samora – Século Diário – 14.01.2008”; Eugênio os seguintes cargos públicos: 1. Subsecre- “José Eugênio explica compras feitas na tário da Coordenação Estadual de Planejamento SEDU – A Tribuna – 11.01.2008.” (COPLAN); 2. Subsecretário da Administração e Meu filho mais velho, Phelipe, indigna- Recursos Humanos (SEAR); 3. Secretário da Ad- do com a ação, chegou a produzir material que ministração e Recursos Humanos (SEAR); 4. Se- pretendia encaminhar a um jornal de grande cretário de Estado da Educação e Cultura (por duas circulação no Estado, denominado: “Em Defe- vezes); 5. Secretário Chefe da Casa Civil (CV); sa do meu Pai: A Verdade sem Cortes”. Expe- 6. Secretário Interino de Estado dos Transportes e riente e calejado conhecedor de como atuam Obras (SETR); 7. Secretário Interino de Estado do os meios de comunicação do nosso Estado, Planejamento e Ações Estratégicas (SEPLAE); 8. ao ler o documento, emocionei-me ao ponto Secretário de Estado da Fazenda (SEFA); 9. Se- de não esconder as lágrimas, mas o persuadi cretário de Estado da Pasta Extraordinária de Ar- a não fazer o encaminhamento, para que não ticulação com Municípios; 10. Secretário de Estado tivesse uma segunda decepção. Poucos jornais da Agricultura, Abastecimento, Aqüicultura e Pesca aceitam rever equívocos cometidos, voluntária (SEAG); 11. Membro do Conselho Administrativo ou até involuntariamente. Os chamados “na- do Banco do Estado do Espírito Santo (BANES- nicos”, a “imprensa marrom”, especialmente. TES), por duas ocasiões; 12. Presidente do Conse- O teor do documento: lho Administrativo do Banco do Estado do Espírito “Hoje eu percebi, mesmo que antes já descon- Santo; 13. Secretário Municipal de Vitória no perí- 193 odo de Paulo Hartung e Luiz Paulo Velozzo Lucas; de Abastecimento do Espírito Santo (CEASA); 38. 14. Presidente do Conselho Estadual de Educação; Membro do Conselho da Companhia de Armazéns 15. Membro do Conselho Rodoviário Estadual; e Silos do Espírito Santoo (CASES); 39. Membro 16. Membro do Conselho dos Transportes Coleti- do Conselho do Instituto de Terras e Cartografias do vos Inter-municipal; 17. Membro do Conselho da Espírito Santo (ITCF); 40. Membro do Conselho Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vi- da Empresa Espírito Santense de Pecuária (EMES- tória (CETURB-GV); 18. Membro do Conselho PE); 41. Presidente eleito para o Conselho Regio- da Companhia de Desenvolvimento e Exploração nal de Economia (03 oportunidades); 42. Membro da Terceira Ponte (CETERPO); 19. Presidente do Conselho Municipal de Educação da Prefeitura e Membro do Conselho do Instituto de Previdên- Municipal de Castelo; 43. Presidente do Conselho cia e Assistência Jerônimo Monteiro (IPAJM); 20. Estadual de Ciência e Tecnologia; 44. Secretário Presidente do Conselho Estadual da Cultura; 21. do Conselho Estadual de Administração e Política Membro do Conselho Fazendário Nacional (CON- Agropecuária – (CEAPA); 45. Presidente, Secre- FAZ); 22. Membro do Conselho Nacional de Se- tário e Membro da Junta Estadual de Política Sa- cretários da Educação - (CONSED; 23. Membro larial – JEPES e 46. Membro do Conselho Admi- do Conselho da Companhia Espírito Santense de nistrativo do Banco de Desenvolvimento do Espírito Saneamento (CESAN); 24. Membro do Conse- Santo (BANDES), por duas ocasiões. lho da Companhia Habitacional do Espírito San- A descrição pormenorizada se fez necessária to S/A (COHAB); 25. Membro do Conselho da para que os capixabas possam, de longe compreender Fundação Ceciliano Abel de Almeida /Universida- o real alcance danoso que a ação judicial causou a de Federal do Espírito Santo (FCAA); 26. Presi- sua pessoa, muito mais em razão de uma publicida- dente do Conselho do Departamento Estadual da de exagerada e patrocinada pelo MPF do que o seu Cultura (DEC); 27. Presidente do Conselho do conteúdo, que não suportará a mais leve brisa. Departamento de Educação Física, Deporto Ama- Anotamos que o MPF insurge-se contra o dor e Recreação do Espírito Santo (DEARES); ex-secretário não por atos que importaram enrique- 28. Presidente do Conselho Tarifário (COTAR); cimento ilícito ou desvio de finalidade pública ou 29. Presidente e Membro do Conselho do Depar- qualquer outro tipo de vantagem pessoal, mas por tamento de Imprensa Oficial (DIO); 30. Membro suposta má aplicação de verba pública, questio- e Presidente do Conselho da Empresa de Processa- na-se suas habilidades administrativas. Tal fato mento de Dados do Espírito Santo (PRODEST); é reconhecido pela própria Procuradora da Repú- 31. Membro do Conselho do Instituto de Apoio a blica ao descrever em sua ação que ‘... Embora a Pesquisa e ao Desenvolvimento Jones dos Santos auditoria da CGU não tenha suscitado indícios Neves (IJSN); 32. Membro do Conselho da Junta de enriquecimento ilícito tampouco de desvio de fi- Comercial do Estado do Espírito Santo (JUCEES); nalidade das verbas fiscalizadas, nem por isso se 33. Membro do Conselho do Instituto Estadual de pode desconsiderar as irregularidades detectadas...’ Saúde Pública (IESP); 34. Membro do Conselho Em que pese os efetivos trabalhos realizados pe- da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Ru- los órgãos do Ministério Publico Federal em âmbito ral do Espírito Santo (EMATER); 35. Membro do Estadual e Nacional, infelizmente a presente demanda Conselho da Empresa Capixaba de Pesquisa Agro- mostra-se inoportuna e inócua já que atinge a pessoa pecuária (EMCAPA); 36. Membro do Conselho da pública do Sr. José Eugênio Vieira sem possuir qual- Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola quer embasamento de uma conduta ímproba. (CIDA); 37. Membro do Conselho das Centrais Impressiona o fato de que durante toda a sua 194

vida profissional, conquanto tenha atravessado Go- República de 1988 tivesse o cuidado de ter obser- vernos e Administrações tormentosas, teve sempre a vado o Direito Fundamental mais basilar: o contra- capacidade de manter sua imagem, conduta e nome ditório e ampla defesa no processo administrativo. ao longe de qualquer ilegalidade ou imoralidade pú- Apesar disso, sem qualquer justificativa razo- blica ou jogo político, preferindo sempre se imiscuir ável, talvez no afã de prejudicar a imagem do agente na burocracia administrativa, naqueles trabalhos público, veio a lume uma ação de improbidade sem difíceis e pouco requisitados. Nunca fingiu ser um que se tivesse oportunizado o exercício de qualquer homem do povo, nunca aspirou a mandatos políti- manifestação ou informação, o que certamente impe- cos, mas sempre buscou ser um homem em favor do diria a interposição da ação judicial. povo capixaba, principalmente no período em que Pela primeira vez em 44 anos José Eugênio esteve ligado à educação fundamental e média. Vieira se vê obrigado a suportar os efeitos negativos Conforme se comprovará na ação ordinária advindos da acusação de ‘malversação do patrimô- (sem trocadilho com seu emprego informal), a desas- nio público’ em decorrência de um comportamento trosa e precipitada impetração da presente ‘ação ci- abusivo de um membro do MPF, ao dar publicidade vil pública por ato de improbidade administrativa’ a uma demanda que sequer foi admitida perante o por parte do Ministério Público Federal, através do poder judiciário. Ilma. Procuradora da República Luciana Lourei- Não pretendo, neste curto espaço, ao contrário ro Oliveira, seguida de uma publicidade abusiva e daquele órgão, malferir a imagem ou os efetivos traba- desnecessária, tem o único mérito de ter sido a lhos de pessoas competentes integrantes da instituição primeira e única ação por improbidade admi- séria que é o Ministério Público, no entanto, não posso nistrativa ou ação civil pública que o Sr. Secre- deixar passar despercebida a minha indignação. tário José Eugênio Vieira enfrentou durante os Como fazer agora para resgatar, não a ima- 44 anos de vida pública. gem ou o nome, pois aqueles que já trataram com Sem enfadar, porque necessário repetir, este homem não precisam de provas de seu caráter, a ação não questiona qualquer conduta ímpro- mas a eloquência e avidez com que meu pai traba- ba por parte do Secretário, mas, como verda- lhou e ajudou a construir um pouco desta terra que deira corte de contas ou conselho, questiona chamamos Capixaba. Árduo, agreste e áspero foi o o Ministério Público a aplicação de verbas caminho para se construir uma imagem de retidão, públicas, relacionadas a práticas administrati- em contrapartida, foi necessário apenas um único vas comuns, sem qualquer desvio de finalidade. dia para se abalar uma vida inteira de labor. Opostamente, verifica-se na ação civil pública Não se preocupe meu pai, felizes foram aque- que o MPF criou disposições legais de forma a cor- les que tiveram a oportunidade de caminhar ao teu roborar suas ideias, não comprovou qualquer nexo ou lado e compreender o real significado da palavra ho- culpa do Secretário, deixou de destacar a ocorrência nestidade. Ainda virão os dias de nossa bonança de enriquecimento ilícito ou desonestidade por parte e os dias em que realizaremos nossos préstimos aos do Administrador Estadual, enfim, qualquer elemento nossos algozes, além do mais, a prestação de contas concreto de desvio da conduta, má-fé, fraude, dolo ou de sua vida você já me deu nestes últimos 26 anos. meio ardil empregado pelo Ex-Secretário de Educação. Que Deus te abençoe. Interessante notar que, ainda que as provas coligidas pelo MPF sejam produzidas de forma uni- Phelipe França Vieira, filho de José Eugênio Vieira.” lateral, era prudente esperar que o maior guardião dos Direitos Fundamentais expressos na Carta da 195

Aguardei a notificação da denúncia, o que patientia nostra? (Até quando, Catilina, ocorreu em 9 de janeiro de 2008. Arregacei abusarás da nossa paciência?) as mangas e fui em busca das informações ne- O item que o Meritíssimo Juiz acolhera cessárias. Os servidores da SEDU – Secreta- preliminarmente foi o que menos me preocu- ria de Educação e Esportes, foram verdadeiras pou, pois era ele o mais frágil da denúncia. formiguinhas, não deixando que eu fizesse as Superada a nova decepção, cumpri a se- pesquisas, pois eles mesmos se encarregaram gunda notificação. E como previa, no dia 12 de tal procedimento, também pela indignação de agosto de 2009, o juiz federal doutor Paulo de que foram possuídos. Enquanto o grupo Gonçalves de Oliveira Filho sepultou a denun- de advogados Phelipe França Vieira, Antônio cia, por sua inconsequencia, em brilhante e Carlos Pimentel, Amúlio Finamore, Raphael conclusiva sentença. Transcrevo os últimos Tardim, Octávio Luiz Guimarães, gratuita- trechos da decisão exarada: mente tratavam a parte jurídica, eu e o cole- “... O MPF limita-se a veicular alegações ge- ga Álvaro Roberto Vieira, juntamente com os néricas de que houve ‘prejuízo ao erário’ pela possi- profissionais da educação ficamos responsá- bilidade de economizar dinheiro público, através da veis pela defesa administrativa. Ao final foram escolha da melhor proposta’, que houve ‘lesão con- mais de duas mil e quinhentas folhas de papel creta’. Contudo, não demonstrou, tampouco compro- marcando a minha defesa. vou, que efetivamente ocorreu um prejuízo concreto. No início de fevereiro entreguei os docu- É imprescindível a comprovação concreta e material mentos à Justiça Federal. Decorridos menos de da lesividade, não podendo esta ser presumida. dois meses, no dia 7 de março de 2008, o juiz Além disso, foram contratados profissionais Francisco de Assis Basílio de Moraes proferiu que atendiam aos requisitos do Termo de Referência, a sua sentença, inocentando-me de sete das de- cujos currículos revelam extrema capacidade, experi- núncias e acolhendo preliminarmente uma de- ência e qualificação na área objeto do curso, sendo las, pois necessitava de mais informações. Por todos mestres ou doutores, por valor inferior aos cons- razões que a própria razão desconhece, estam- tantes da tabela de preços praticada pela ESESP pou a manchete dos principais jornais da capi- (fl. 2369). Ademais, o serviço foi efetivamente pres- tal: “Justiça Federal acolhe denúncia de impro- tado, conforme relatório de fls. 2451/2452. E, pelo bidade contra o ex-secretário de educação José credenciamento dos profissionais, provavelmente o Eugênio Vieira”. Esse era o título, mas quando curso atingiu o seu objetivo com qualidade, sem pre- lida, a matéria não se ajustava ao teor redigido. juízo ao patrimônio público. O “Século Diário”, edição do dia 13 Concluo, pois, que, ao contrário do que se de- de março de 2008, continuava bradando: “E fende na peça de ingresso, os atos praticados pelo réu, agora? Quando todo mundo achava que o José não conduzem a atos de improbidade passíveis “Maisena” Eugênio Vieira estava se livrando de sofrerem a punição pretendida consideran- das acusações de improbidade do Ministério do que sua conduta não se subsume aos tipos Público Federal, eis que a Justiça Federal aca- previstos no art. 10, VIII, e 11, caput, da Lei tou uma das oito acusações. Essa ainda não foi 8.429/92, ante a inexistência de dolo, má-fé e por pouco. Coluna Henrique Alves”. comprovação de lesão concreta ao erário. Dessa Lendo, correu-me, por oportuna, a his- forma, não merece guarida a pretensão inicial. tórica frase de Cícero no Senado Romano: Patente, pois, a não-caracterização do ato “Quosque tadem, Catilina, abutere de improbidade administrativa, configura-se 196

desarrazoada e desproporcional a imposição Na ocasião, o proprietário do site atra- das penalidades da Lei nº 8.429/92, pelo que vessava problemas de saúde, e por isso so- entendo deve ser julgado improcedente o pedido. mente quando de seu retorno ao trabalho eu Dispositivo. o procurei. Respeitava a relação fraternal que Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE sempre tive com sua família, pai e irmãos. O A PRESENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA, pai do jornalista, Sr. Ciro Medeiros, era ami- extinguindo o feito com resolução do mérito, nos go pessoal do meu falecido pai, frequentava a termos do art. 269, I do CPC. nossa casa, socorreu-nos quando papai estava Sem condenação em custas e honorários (art. desempregado e ainda foram sócios de um es- 18 da Lei nº 7.347/85)”. critório de consultoria contábil. Quando meu pai faleceu, eu e o meu cunhado “Campeão” Cumprindo o rito processual, o processo foi não tomávamos nenhuma decisão mais im- encaminhado ao Procurador Geral do MPE para portante sem antes ouvir a sua opinião. conhecimento e manifestação quanto a decisão. Procurado por mim, Rogério me ouviu O lúcido e competente Dr. Mazzoco, con- e foi textual: “nenhuma matéria era publicada cordando com o parecer, não vislumbrou tam- sem seu crivo e manifestação” e me surpreen- bém ele nenhum ato ilícito que motivasse a ação. deu com uma inesperada afirmação: “quem es- Quando da denúncia, tive o apoio de tivesse trabalhando ao lado do ex-governador Paulo quase todos os jornais e de muitas emissoras Hartung, teria represálias por parte do seu jornal.” de rádio do interior do Estado. A única ex- Entendi o recado, agradeci e me despedi. ceção entre os chamados veículos alternativos Ao sair, acenou-me com um gesto conciliador: foi o site “Século Diário”, divulgando infor- assim que houvesse julgamento do processo por mações sem nenhum escrúpulo profissional, parte da Justiça Federal poderia procurá-lo e, se sem sequer ter me dado chance para registrar fosse o caso, colocaria o jornal à disposição para minha versão. Fui tratado como “Zé Biscoito”, esclarecer o assunto. Não o procurei, mesmo “Zé Maisena” e outros adjetivos pejorativos. com a sentença totalmente a meu favor. 197 Visita do Governador Brizola ao Espírito Santo - Campanha de Albuíno da Cunha Azeredo (1990). Atrás: Luis Fernando Vitor - Presidente do BANESTES. (Acervo: Antônio Carlos Sessa Netto)

O então governador Max Mauro recebera convite de Leonel Brizola, à época governador do Estado do Rio de Janeiro, para se filiar ao PDT... 198 Vinte

empre entendi que a atividade política só se justifica se o político tiver espírito público e sou veemente ao afirmar que “a ética na política não pode ser diferente da ética na vida pessoal”. Defendo e gosto de repetir sempre a definição de que, “em Suma conceituação moderna, política é a ciência moral normativa do governo e da sociedade civil”. Talvez seja por isso que, não faz muito tempo, um jornalista me propôs a seguinte questão: “O Brasil vive, há três décadas, uma fase de rápida moderni- zação econômica, agrícola, industrial e tecnológica, mas sem aban- donar velhos costumes políticos. Embora tendo ocupado cargos públicos importantes e de natureza política, não há referências em sua biografia a disputas eleitorais ou direção partidária. Não quis ser homem de partido e se arriscar na disputa de eleições ou acha que lhe falta disposição para enfrentar a vida partidária, como ela é hoje?” Essa longa pergunta exige também uma longa resposta, para que fique bem claro o meu pensamento e a minha visão da vida pública. Sempre acreditei que a função do servidor público é incompa- tível com a atividade político-partidária. Entretanto, cheguei a ser filiado ao PDT – Partido do Movimento Democrático Trabalhista, durante 12 anos, e conto a história desse período sem a intenção de agradar ou com receio de desagradar alguém. Conto apenas porque elas ilustram bem todo um período da política capixaba. O então governador Max Mauro recebera convite de Leonel

eis a questão Brizola, à época governador do Estado do Rio de Janeiro, para se filiar ao PDT e assumir a sua direção no Espírito Santo, em substi- tuição a Rubens Gomes. Com o argumento de que precisava levar com ele para o par- tido os secretários da área técnica, o governador Max Mauro con- vidou a mim, secretário de Estado da Educação; José Teófilo de Oliveira, titular da pasta da Fazenda, e Almir Bressan, secretário do Meio Ambiente, para nos filiarmos. Ser ou não ser, 199

No dia, hora e local marcados para o ato presença na equipe de um líder do PMDB. Em de filiação, nas dependências da Assembléia compensação, antigos companheiros – como a Legislativa, Max e Brizola não compareceram. vereadora Neuzinha, de Vitória, Ciro, Tovar, Jair Apesar dessa surpreendente ausência, decidi- Laranja, Penina e Glorinha do Romão – mani- mos – os três secretários de Estado – que de- festaram-se em minha defesa. veríamos nos filiar, e Nelson Aguiar abonou Só em 2006, atendendo à solicitação nossas fichas. Além disso, por deferência do pessoal do então governador Paulo Hartung, professor Penina, ex-presidente do PDT capi- filiei-me ao PMDB - Partido do Movimento xaba, fomos convidados a integrar o Diretório Democrático Brasileiro. Estadual do partido. Minha militância se baseava no princí- Manter vivo o PDT no Espírito Santo pio de que “a política é a arte ou ciência de foi uma tarefa árdua, que exigiu a participa- governar, representando as atividades práticas ção de um grupo de abnegados, entre os quais relacionadas ao exercício do poder do Esta- o professor Penina, Jair Laranja e João Luiz do”. Minha área de trabalho era a articulação Menezes Tovar. Muitas vezes tivemos que nos com os prefeitos e procurei sempre evitar ou cotizar para pagar as despesas de custeio do desfazer constrangimentos e mágoas que cos- partido, que nem sede tinha. tumam surgir na vida pública, por maior que Posicionamento conflitante levou al- seja o nosso empenho em atender a todos. guns membros do Diretório Estadual a entrar Certa ocasião, por exemplo, enquanto com um pedido de expulsão do Partido do pre- participava de uma reunião, entrou o então pre- feito da Serra, Sérgio Vidigal. Eu e Paulo Le- feito de Linhares, Luiz Durão, que ficara mago- mos nos manifestamos contrários à moção, na ado pela recusa de alguma solicitação que fizera convicção de que estaríamos cometendo um ao tempo em que eu ainda estava na Prefeitura ato ilícito ao não dar ao prefeito oportunidade de Vitória. Surpreso, ao ver que interrompera de defesa. O pedido foi arquivado. nosso trabalho, deixou rapidamente a sala, afir- Em 1995, quando fui trabalhar com Pau- mando que só retornaria à reunião se eu ficasse lo Hartung na Prefeitura de Vitoria, a direção do de fora. Como não saí, ele foi embora. PDT já mudara de mãos. Sofri então ameaças Hoje, superado esse antigo mal-estar, te- de expulsão do partido, que não aprovava minha mos um bom relacionamento. Em outro momento, fui a São Mateus para um encontro com o então prefeito do município, Pedro Alves dos Santos (falecido), e com os prefeitos Luiz Durão, de Linhares, e Tadeu Batista, de Bom Jesus do Norte. O objetivo era colaborar na reorganização ad- ministrativa da Prefeitura local, trabalho que produziu bons resultados. Devido a essa passagem por cargos na gestão pública, recebi durante muito tempo pressões dos amigos para me candidatar a de- putado estadual, federal, vice-governador e Filiação ao PDT – Dependências da Assembléia Legislativa – 1990. (Acervo do autor) até mesmo a governador do Estado. 200

No período de 1988 a 1991, em decor- não tinha recursos financeiros para bancar os rência do trabalho desenvolvido na Secretaria custos da campanha – o governador propunha da Educação e Cultura, cresceu muito o meu uma solução. E, quando ele deixava a sala para relacionamento político e como administrador atender ao telefone, sua esposa, também pre- com a maioria dos bairros de Vitoria e os mu- sente, sempre me apoiava: nicípios do interior. Nessa época, visitei todas - É isso mesmo, José Eugênio, não se meta as 3 mil e 200 escolas da rede estadual, reali- nessa lambança, que não tem seu perfil. zando encontros dos quais participavam, em Ao final, sem me render aos argumentos média, 400 professores de escolas estaduais e do governador, estava retornando a Vitória pela municipais. Ao mesmo tempo, promovia reu- terceira ponte quando toca o celular, na épo- niões com representantes da classe política e ca do tamanho de um tijolo. Era Max Mauro, das lideranças comunitárias. para comunicar que encontrara um caminho Ao longo desses três anos, como fruto para viabilizar minha candidatura. Eu seria exclusivo do trabalho, formou-se, naturalmen- exonerado do cargo e teria 30 dias para pensar te, amplo espaço para uma possível candida- e decidir. tura. No primeiro momento, o então gover- Minha resposta, embora respeitosa, foi nador Max Mauro convidou-me para disputar curta e direta: uma vaga na Assembléia Legislativa. - O senhor, com isso, estará perdendo o candi- Não aceitei, com o argumento de que, dato e o secretário da Educação. passadas as grandes tormentas na gestão da A reação do governador, ainda mais cur- Secretaria de Educação, aquele último ano se- ta, foi contundente, bem no estilo Max Mauro: ria o da colheita dos resultados de um traba- - Pô, você é um “bundão”. lho que envolvera a elaboração do Plano de Poderia ter respondido ao governador Classificação de Cargos e Salários – PCCS, que a minha posição era de absoluta coerên- revisão do Estatuto do Magistério e implanta- cia com a responsabilidade de modernizar a ção do novo currículo escolar, além das obras educação, que ele me atribuíra e que eu estava de reparo, reforma, ampliação e construção de cumprindo, como secretário de Estado. Entre- mais de 1.300 escolas. tanto, por respeito, silenciei. Aproximava-se o período de desincom- patibilização para candidatos a cargos eleti- vos, quando o governador Max Mauro convi- dou-me para ir à sua casa, na Praia da Costa. Acompanhado de minha esposa e do filho mais velho, ouvi atentamente a proposta para que me candidatasse agora a deputado federal com a previsão de que poderia atrair para a legenda um volume de votos suficiente para eleger outros candidatos do partido. A cada argumento que eu apresentava, para recusar delicadamente a indicação – não estava preparado para a disputa, não possuía Faixa colocada em uma das ruas de Muqui com mensagem de apoio a uma possível candidatura de deputado federal – 1989. sequer um Fusca para percorrer o Estado e (Acervo do autor) 201

O tempo passou e, mais uma vez, recor- Surpreso, pois esse assunto jamais havia ro à sabedoria do meu avô: sido tratado nas diversas oportunidades em “Para tudo há uma solução. Enquanto for que estive com o futuro governador, ainda as- impossível solucionar um problema, não se deve sim compareci no horário marcado e assumi o mais pensar nele. Assim, esquecendo o problema, ele cargo, com a função de conduzir a coordena- estará solucionado”. ção política e cuidar dos processos submetidos Quando da escolha e consolidação do à apreciação de Albuíno. nome de Albuíno como candidato ao Gover- no, os prefeitos abriram mão da reivindicação inicial de um deles ser o candidato a vice-go- vernador, porque não haviam cumprido nem a metade do mandato e tinham projetos admi- nistrativos em andamento. Meu nome foi lembrado mais uma vez e de novo, embora honrado com a indicação, recusei, argumentando que o posto de vice deveria ser guardado para futura composição Posse na Casa Civil – 1991. Da esquerda para a direita: Deputado Marcos Madureira, minha mãe Dalila, com outros partidos. Deputado Umberto Messias e aos fundos Jarbas Ribeiro de Assis e o jornalista Mário Barnabé. Na campanha para eleição de Albuíno, (Acervo do autor) exerci diversos papéis: no grupo da coordena- ção política, sob a liderança de Max Mauro e A chefia da Casa Civil é uma espécie de de Saturnino de Freitas Mauro e, depois, como “tornado” para o qual convergem demandas e coordenador geral da agenda do candidato. pressões sociais e políticas do Estado inteiro, Com a vitória do nosso candidato, fo- gerando crises reais ou imaginárias, que depois mos almoçar no restaurante “Recanto Baia- irão ocupar amplos espaços na imprensa. no”, na Praia da Costa, em companhia de Exerci os cargos de chefe da Casa Civil e outros atores da campanha, e foi então que o secretário da Fazenda, mantendo sempre bom futuro governador me convidou para perma- relacionamento com prefeitos e lideranças po- necer à frente da pasta da Educação. líticas das diversas tendências. Declinei do convite, por considerar que Nesse período, recebi manifestações es- o tempo passado ali fora muito desgastante e pontâneas de apoio a uma possível e futura se fazia necessária a presença de outros gesto- candidatura ao cargo de governador, posição res, que dessem continuidade às ações da ad- que nunca ambicionei. Mas, sempre que isso ministração de Max Mauro. acontecia eu perguntava a mim mesmo se es- A imprensa de Vitória insinuava que se- tariam se confirmando as mensagens espíritas ria convidado a chefiar a Casa Civil, mas ne- captadas pela médium que quase se tornara nhum outro convite foi feito. minha sogra... Na véspera da posse do governador e dos De qualquer modo, o movimento foi secretários, recebi, à noite, um telefonema de Te- crescendo, incentivado por lideranças políti- rezinha Calixte, informando o horário que deve- cas, pela esposa do governador e por membros ria estar presente para tomar posse, juntamente do diretório do PDT, sob a liderança do pro- com outros secretários, na pasta da Casa Civil. fessor Penina. 202

Aproximava-se o fim do prazo para a Mais uma vez, meu dilema era o mesmo desincompatibilização, quando me convida- do Hamlet de Shakespeare, repetido milhares ram para um churrasco no Estádio de Futebol de vezes nos palcos do mundo inteiro: do Vitória Futebol Clube, em Bento Ferreira. “Ser ou não ser, eis a questão”. Para minha surpresa, haviam preparado uma De qualquer modo, advertido pela fala recepção calorosa e planejado o lançamento cautelosa do governador, fiz o meu discurso de do meu nome como candidato do partido nas agradecimento sem dizer sim ou não, na espe- eleições daquele ano de 1994. rança de que o cenário político e o processo de Além do governador Albuíno Azeredo e escolha do candidato ficassem mais claros, nos de sua esposa, dona Valdicéia, estavam lá li- próximos dias. deranças políticas estaduais e representantes Já às vésperas do prazo fatal para a de- de quase todos os municípios capixabas. Já cisão, como as pressões haviam aumentado haviam mandado produzir farto material de muito, decidi procurar o governador e pedir propaganda da minha candidatura: plásticos, sua orientação. Para não se definir, ele alegou bottons, chaveiros, banners, faixas e camisetas que ainda precisava ouvir outras lideranças, com inscrições do tipo “Zé Eugênio para go- como Theodorico Ferraço, Enivaldo dos Anjos vernador” ou “Zé, o gênio, para governador”. e Renato Soares. Entretanto, autorizou-me a Primeiro, falaram o professor Penina e procurar os dois primeiros e sondar discreta- dona Valdicéia, lançando o meu nome. Foi então mente suas intenções. a vez do governador, que no seu discurso ado- Almocei com Ferraço no Restaurante tou uma postura neutra ou “em cima do muro”, Debonni’s, em Bento Ferreira, e já no final da- como se costuma dizer nos meios políticos. quela tarde apresentei meu pedido de exonera- ção e me despedi dos servidores, cumprindo o primeiro ato de um processo que é sempre mar- cado pela incerteza a respeito do futuro. Na re- alidade, esse futuro não demorou a chegar, pois aqueles que mais estimularam minha candidatu- ra agora ameaçavam abandonar o barco.

Lançamento da candidatura de José Eugênio a governador – Estádio do Vitória F.C - Bento Ferreira – Vitória – 1994. Da esquerda para a direita: (SEFA), não identificado, Milton Material de campanha de José Eugênio Vieira – Governador – 1994. Caliman, José Eugênio Vieira e Guerino Dalvi. (Acervo do Autor) (Acervo do autor) 203

Certo dia, o prefeito de Colatina, Dilo de cansaço e a barba por fazer, típicas de quem Binda, estava na ante-sala do gabinete do se- não teve boa noite de sono. Mesmo assim, a cretário da Fazenda quando chegou o então conversa durou mais de duas horas e, entre um prefeito de Conceição da Barra, apelidado e outro relato de episódios da sua vida pessoal, de Mateusão. À pergunta se apoiaria o meu entendi que desejava meu retorno à Secretaria nome, Mateusão – que aplaudira publicamen- da Fazenda, pois ficara praticamente isolado te a indicação pouco tempo antes, durante o nesse final da sua gestão, devido à exoneração Forró da Tabua Lascada, em Pedro Canário – de boa parte do secretariado, para a disputa respondeu com ironia: eleitoral. - É ruim, hein? Depois nós conversamos. Com tranquilidade, disse a ele que bas- Logo após o almoço, recebi ligação te- taria preparar e assinar o ato de nomeação que lefônica de uma repórter de A Gazeta, que eu reassumiria o cargo, pois em nenhum mo- acabara de entrevistar o ex-secretário Ferraço. mento almejara ser candidato. Ela queria saber se era correta a informação de Penso que essa resposta positiva e ime- que Ferraço almoçara comigo e assumira com- diata agradou o governador, que certamente promisso com minha candidatura. estava sendo pressionado por seus aliados polí- Acontece que, inadvertidamente, após a ticos. Tanto que, na despedida, ele contou que entrevista com ele, a jornalista deixara ligado convocara uma reunião com os deputados es- o gravador, e Ferraço, sem perceber que estava taduais Valci Ferreira, Marcos Madureira, José sendo gravado, bateu com a mão fechada so- Carlos Gratz e Humberto Messias, a fim de bre a mesa e afirmou: acertarem o compromisso da indicação do meu - Vê lá se eu vou apoiar esse “molequinho”. nome para o Tribunal de Contas do Estado. Sou amigo do Ferraço há mais de 40 Essa reunião aconteceu, de fato, e acre- anos e num determinado momento da nossa ditei na promessa, mas ao retornar a Guarapa- passagem pelo Governo, quando ele estava à ri meu sogro olhou-me nos olhos e perguntou: frente da pasta dos Transportes e eu na Se- - José, você vai me dizer que acreditou naquele cretaria da Fazenda, não pude atender a um “conversê”? pleito por ele reinvidicado. - Por que não iria acreditar? O impedimento fora a crise financei- - Ah, você é muito ingênuo, José. O tempo vai ra que o Estado atravessava. Houve conflito mostrar que tenho razão. emocional, uma explosão de momento que fe- Na segunda-feira, retornei à Secretaria lizmente em nada prejudicou o nosso relacio- da Fazenda e, para minha surpresa, soube namento pessoal. que Albuíno já decidira entregar o comando Ainda assim, minha decisão de disputar da área financeira ao então presidente do Ba- a eleição parecia irreversível. No final da se- nestes, Luiz Fernando Victor, que iria presidir mana, fui para Guarapari e lá, na sexta-feira à também o BANDES, cujo presidente, João noite, recebi uma ligação do governador, me Luiz Menezes Tovar, passaria a ser o novo se- convidando para um encontro na Praia da cretário da Fazenda. Costa, na manhã de sábado. Vivi no dia seguinte, terça-feira, uma Pedi ao meu sogro, doutor Cely Carva- das maiores decepções de toda a minha vida lho França, que me acompanhasse, tendo o go- pessoal e profissional, ao ler na “Gazeta” um vernador Albuíno nos recebido com aparência editorial intitulado “Caminho de Casa”, com 204

insinuações grotescas a respeito dos meus mé- soais que zelosamente construí ao longo da ritos profissionais e dos valores morais e pes- minha vida pública.

Editorial de A Gazeta – “Caminho de Casa” – 06.04.1994. (Acervo do arquivo público do Estado do Espírito Santo) 205

Até hoje não entendo o que ou quem os companheiros e amigos do PDT entendes- levou um jornal de tão boa reputação a pu- sem o significado do golpe nas entrelinhas da blicar, sem qualquer fundamento, editorial correspondência que enviei aos dirigentes do tão agressivo. Fiz no entanto questão de que partido.

Vitória, 06 de abril de 1994.

Companheiros,

Imaginar a vida sem obstáculos é ilusão. Imaginá-los é o começo da luta. É com este espírito guerreiro e sereno que sempre caracterizou nossa atuação na vida pública que tomamos a decisão de repensar a postulação à indicação do partido, às eleições majoritárias deste ano. Estamos decididos a continuar à frente da Secretaria da Fazenda, atendendo a um apelo do Exmo. Sr. Governador Albuíno Azeredo a quem servimos com lealdade irrestrita. Acredita o Sr. Governador que nosso conhecimento da máquina fazendária e os anos de trabalho desenvolvidos frente à Secretaria de Administração nos credenciam a dar mais agilidade ao projeto de estabilização financeira do Estado, que ganha ritmo novo agora, com a aprovação da venda das ações da Escelsa, pela Assembléia. Em conversa com o Senhor Governador, fomos envolvidos, pela sua visão estratégica, pela sua determinação de buscar, com o sacrifício do seu próprio futuro político, o crescimento econômico com justiça social. Nos últimos meses, temos sofrido todo o tipo de pressão e calúnia. Mas mantivemos a calma, sabedores que somos de que o martelo só bate na cabeça do prego mais alto. A sabedoria milenar chinesa nos ensina também que a perseverança é a sina dos que têm compromisso com o futuro. Estamos, pois, abrindo mão de um projeto pessoal, que muito nos honraria por uma causa coletiva. Sentimo-nos na obrigação de comunicar nossa decisão ao nosso partido, colocando, com clareza e humildade, as razões que nos levaram a tal ato. Agradecemos o apoio respeitoso com que o PDT acompanhou todo o processo e rei- teramos nossa disposição de continuar a luta pelos ideais do trabalhismo, frente ao novo desafio que ora reassumimos. Sendo o que se nos apresenta, Saudações pedetistas

José Eugênio Vieira 206

Minha perplexidade foi ainda maior porque no Espírito Santo, mesmo quando me senti injustiçado por interpretações equivoca- das de minhas posições políticas, não deixei de admirar o papel da imprensa na defesa dos interesses coletivos. A História registra a luta de jornais e emissoras de rádio e televisão que pagaram caro por enfrentar a ditadura, alguns sofren- do represálias que levaram até mesmo ao seu fechamento. Não tem sido diferente, aqui, entre nós. Tanto em Vitória quanto no interior do Esta- do, são muitos os exemplos dessa postura va- lente e democrática. O “Jornal de Muqui” e seu fundador e redator-chefe, João Evangelista Bicalho Cúr- cio, estão entre esses exemplos. Valho-me da José Eugênio, João Bicalho e Paulo Hartung – Castelo – 2003. “Revista de Muqui” para render minha home- (Acervo do autor) nagem a esse homem extraordinário: - “Ele contraria todas as regras de apa- outras homenagens, pelo exemplo que nos dá rência desejada para um bom comunicador. a cada dia. Camiseta surrada, só usa sandálias e dificil- João Evangelista Bicalho Cúrcio é um mente põe uma calça comprida, sempre den- vencedor, que superou sua dificuldade física e tro de velhas bermudas. Nada é novo nele, conquistou a nossa admiração. Sinto-me hon- nem mesmo a idade. Aos 65 anos, aparenta rado por ter sido agraciado com o titulo de mais, por causa das sequelas e complicações Diretor do “Jornal de Muqui”, que recebi com ainda no parto”. humildade e reconhecimento. A redação do “Jornal de Muqui” fica em Guardo com muito carinho uma ma- um pequeno cômodo, nos fundos da casa de téria publicada no próprio Jornal A Gazeta, João Bicalho. Ali, ele trabalha na sua máquina coluna Praça Oito, com o título “Um curinga de escrever “Facit”, sobrevivente dos anos 50, no governo”, de autoria da jornalista Andréa e é também o fotógrafo, com uma anacrônica Lopes, que escreveu sobre a minha trajetória câmera automática. De fora do jornal, apenas como homem público, dando testemunho de um revisor: por força de suas dificuldades mo- que não somos todos iguais no poder político toras, João costuma trocar as letras do texto e que em toda regra há exceções. que redige. O registro que se segue, enderaçado pelo Cidadão Honorário de Mimoso, Castelo também jornalista Renato Paoliello à respon- e Cachoeiro do Itapemirim, João Evangelista sável pela coluna, é mais um motivo para que recebeu homenagens especiais da Câmara de eu próprio considere não ter nunca me des- Muqui, cidade onde vive e mantém o jornal viado da conduta ética que se exige dos servi- há 44 anos. E ele bem que merece muitas dores públicos. 207 Um curinga no governo

Em setembro ele completa a marca de Teófilo (PSDB): ”José Eugênio é um dos melhores servi- 43anos de vida pública. O veterano secre- dores que o Estado já teve. Ele tem uma vida dedicada ao tário José Eugênio Vieira (PMDB), de Ar- Estado e ao governo estadual. Uma pessoa que trabalha ticulação com os Municípios, é um curin- com humildade, dedicação e determinação. ga no governo Paulo Hartung (PMDB) e já A lealdade é um atributo que o próprio José Eu- trabalhou com sete governadores. De Ar- gênio faz questão de ressaltar. “Sou um profissional de thur Gerhardt até hoje, ele só não passou carreira e tento seguir as orientações de quem está no pelos governos Vitor Buaiz (PV) e José Ignácio Ferreira poder. Em todas as secretarias que entrei eu administrei (Sem partido). Nos outros todos das mais diferentes ten- crises, e avalio que consegui superá-las, diz. dências políticas, ele transitou com desenvolturas, exer- Histórias Ele coleciona muitas e pretende contá- cendo múltiplas funções. las num livro que deverá ser lançado em breve. Momentos difíceis também aconteceram. “Entre 1988 e 1991 eu es- tava na Secretaria de Educação. Estávamos num período José Eugênio Vieira é discreto e pouco de abertura política, os sindicatos estavam fortes e en- apegado à vaidade – característica frentei dificuldade para implementar projetos. Cheguei a ser agredido. Houve um episódio em que eu entrei numa rara na política. Nunca se candidatou escola e precisei sair dentro do camburão da polícia. Esse a um cargo público. O segredo de sua período foi difícil”, relembra. Hoje seu trabalho é reconhecido dentro e fora do longevidade no setor público está na governo, uma trajetória que poucos conseguem construir competência e na discrição. com tamanha seriedade no serviço público e que merece ser reconhecida. Andréa Lopes Em 1972 José Eugênio entrou para a Secretaria de Agricultura como técnico. Ele passou pelos governos de Elcio Alvares (DEM) e Eurico Rezende, depois ficou Andréa um período na França estudando. Voltou ainda no gover- Acordei recebendo de presente “Um curinga do Governo”, um no de Eurico e deu continuidade à sua longa carreira no leve e digno texto de uma jornalista que também trabalha com serviço público. o reconhecimento das virtudes das pessoas, coisa rara em nossa De Gerson Camata (PMDB) ele foi chefe de gabi- atividade tão crítica; não me contive também em reconhecer nete, secretário da Junta Estadual de Política de Salário em você esse potencial virtuoso. É tão bom começar a semana e secretário de Administração. Na gestão de Max Mauro lendo uma crítica positiva e descrevendo principalmente o ca- (PDT), José Eugênio passou pela subsecretaria de Admi- ráter de um homem público realmente de valor. nistração, depois foi secretário dessa mesma pasta e tam- Acompanho o trabalho do professor José Eugênio nos últimos bém de Educação. sete governos e com certeza confirmo que realmente trata-se de Na gestão de Albuíno Azeredo ele passou pela um cidadão de bem, simples, discreto e pouco, ou quase nada, Casa Civil e pelas secretarias de Obras, Planejamento e apegado à vaidade. O objetivo desta mensagem não é promover Fazenda. Depois optou por ficar algum tempo na inicia- mais ainda o veterano político-técnico de bom caráter, mas mo- tiva privada, teve uma passagem na prefeitura de Vitória tivar na minha categoria esta condição boa de também elevar e enaltecer a competência de homens e setores públicos, tão des- na gestão de Paulo Hartung e, quando este chegou ao gastados pela mídia. Mas sua conclusão foi com chave de ouro. Palácio Anchieta, José Eugênio foi novamente convocado Mesmo o professor já sendo reconhecido pela sua responsabili- – no primeiro governo, ele passou pelas secretarias de dade e lealdade, construir uma carreira pública com dignidade é Educação, Agricultura e Articulação com os Municípios, o que realmente merece o mais alto reconhecimento de gratidão onde está atualmente. da população responsável deste Espírito Santo. José Eugênio Vieira é discreto e pouco apegado à Continue usando sua pena traçando letras positivas, bonitas e vaidade – característica rara na política. Nunca se candi- cordiais, provando que não é só notícia ruim que vende jornais. datou a um cargo público. O segredo de sua longevidade no setor público está na competência e na discrição. Boa semana Quem bem o define é o secretário da Fazenda, José Renato Paoliello 208 209

Como o Diário Oficial do Estado já divulgara as exigências a serem cumpridas por eventuais candidatos à vaga, decidi concorrer... 210 Vinte um

tempo passou e, no verão de 1995, ficou absolutamente claro que meu sogro tivera razão, tentando me abrir os olhos para a realidade da política, quando falamos da minha indicação para o Tribunal de Contas do Estado. Recebi, em Guarapari, uma ligação do meu amigo Roberto da OCunha Penedo, que saíra de despacho administrativo com o governa- dor Vitor Buaiz e ouvira o comentário de que Humberto Messias se- ria o indicado para o Tribunal de Contas, na vaga aberta com a ante- cipação do pedido de aposentadoria do conselheiro Jorge Bresciane. Procurei informações em outras fontes, para ter certeza, e todas confirmaram. Como o Diário Oficial do Estado já divulgara as exigências a serem cumpridas por eventuais candidatos à vaga, decidi concorrer, e fui requerer, na Avenida Vitória, um atestado de bons anteceden- tes. Preenchida a documentação, os funcionários me informaram que só teria o documento em mãos dali a 15 dias. Acontece que o prazo para as inscrições terminava naquela tarde. Cheguei a acreditar que se tratava de mero artifício para evi- tar outras candidaturas e já havia quase desistido, quando encon- trei uma senhora que me perguntou: - Senhor José Eugênio, o senhor não está me reconhecendo, mas sou de Montanha e trabalho aqui. Em certa ocasião, acompanhada do prefeito, doutor Julio Cesar Capila, procurei a Secretaria da Educação e Cultura e o senhor nos atendeu cordialmente e resolveu o problema. O senhor está precisando de alguma coisa? Para resumir o caso, em 30 minutos o documento chegou às minhas mãos e parti para o centro da cidade, a fim de obter uma certidão negativa no Cartório de Registro de Títulos e Documen- tos. Devido à pressa, estacionei o carro em frente ao Teatro Carlos Gomes, sem observar a placa de estacionamento proibido, e corri para o cartório, no segundo andar do Palácio do Café, paguei a taxa e expliquei a razão da urgência. - São dois dias de prazo – respondeu o funcionário, sem a mínima preocupação com a minha pressa. Confesso que já havia jogado a toalha, quando me aparece uma irmã do João Dalmácio e repete a pergunta sobre o que eu es- tava precisando. Em poucos minutos, recebi a certidão e até o valor que já havia pago por ela. Enquanto a roda gira 211

Saí do cartório quase correndo, para não obtive um voto sequer. Fiquei no zero ab- entregar os documentos, e lá estava – afixada soluto. ao meu carro – a notificação da multa por es- Antes da conversa na Praia do Canto, tacionamento irregular. Enfim, com deliciosa quando do lançamento da minha candidatura sensação de alivio, fiz dentro do prazo a mi- ao Governo do Estado, já tivera em duas oca- nha inscrição, no setor de protocolo da Assem- siões a oportunidade de ir para o Tribunal de bléia Legislativa. Contas, ambas com o governador Albuíno da No dia seguinte, retornei de Guarapa- Cunha Azeredo, que se comprometera a indi- ri a Vitória e percorri todos os gabinetes da car meu nome, Na primeira vez, devido a pres- Assembléia Legislativa, pedindo o voto dos sões da Assembléia Legislativa, acabara ceden- deputados e deixando cópias do meu curricu- do a vaga ao ex-deputado Djalma Monteiro. lum vitae. Ouvi de vários parlamentares não Na segunda, pelo mesmo motivo – “ficar bem haver comparação entre o meu currículo e os com a Assembleia” – preteriu-me para apoiar de outros pretendentes. Com o lançamento do o ex-deputado Valci Ferreira. candidato do PT e a divisão dos votos entre A última oportunidade que tive foi na os candidatos eu teria possibilidade de ser o administração do Governador Paulo Hartung, indicado. que sabia das minhas pretensões desde quan- No dia da votação, nova e desagradável do iniciamos a campanha da pré-convenção surpresa: minha candidatura ainda não fora do PSDB ao Governo do Estado. Hartung di- homologada. Expliquei a situação ao deputa- zia sempre que – se fosse escolhido para ser do Lucio Merçon, com a ameaça de levar o o candidato do PSDB e ganhasse as eleições assunto à imprensa e alguns minutos depois a – eu deveria aceitar o desafio de retornar à Se- candidatura já estava homologada. cretaria da Educação. Enquanto prosseguia nessa “garimpa- Sempre lhe respondi que, caso ele fosse gem” de votos, encontrei o deputado Fernan- o eleito – eu gostaria de ir para o Tribunal de do Silva e ouvi dele uma advertência: Contas. - José Eugênio, você sabe da minha admira- Quando surgiu a primeira vaga, por ção por você. Autorize-me a retirar sua candidatu- dispositivo constitucional a indicação para o ra, pois você terá zero voto. Até o deputado Luiz preenchimento era de um auditor do próprio Timotheo, que fez sua indicação, não comparecerá à Tribunal de Contas. Na segunda, alimentei a votação. Arranjamos para ele uma cirurgia de emer- expectativa de que fosse lembrado pelo gover- gência. Temos 19 votos e uma forma de saber quem nador, mas ele afirmou que não havia a menor votou ou não. possibilidade, pois a fila era enorme e encabe- Agradeci, mas assegurando que correria çada por Sérgio Aboudib, com o qual ele man- o risco. Fui para a sala de um deputado que tinha forte relação de amizade. Da terceira e votaria em mim, a fim de acompanhar a vota- última vez, os aliados do governador apoiaram ção pelo sistema de som da Assembléia. Nesse a escolha do meu amigo José Antônio Pimen- instante, entrou pálido na sala o próprio de- tel, chefe da Casa Civil. putado, confessando que não poderia mais Aí, desisti definitivamente desse projeto. votar em mim, porque a votação seria aberta O aprendizado da derrota pode ser do- e nominal. loroso ou não. Depende de cada um, do mo- O resultado foi frustante e melancólico: mento que está vivendo e do tamanho de suas 212

pretensões. Mas sempre fica uma lição, que associado à chapa de Paulo Hartung. pode servir de escudo e proteção, no futuro. Durante a convenção, Hartung orientou-me De qualquer modo, tenho o maior res- por telefone para que trabalhasse junto à Mesa, ao peito pela ingenuidade, como qualidade dos lado de Tião Barbosa, a fim de evitar que fossem homens de bem, que entram nas disputas de indicados na ocasião os nomes dos candidatos a coração limpo e aberto, sem apelar para expe- senador e a vice-governador. dientes condenáveis. Conduzimos, os dois, uma longa articu- Entre a definição de Hobbes de que “a lação, para convencer o senhor Camilo Cola e política consiste nos meios adequados à ob- seu grupo político a não colocarem a candida- tenção de qualquer vantagem” e o conceito de tura dele ao Senado. E também trabalhamos que a política só se justifica se o político tiver junto aos convencionais, que insistiam no lan- espírito republicano e suas ações forem diri- çamento da candidatura a vice-governador. gidas para o bem publico, fico com a segun- Em outra situação, o prefeito de Vitoria, da. Foi em nome desse pensamento que me João Coser, procurou-me para dizer que, se de- aproximei da vida pública. É nele que reside pendesse da opinião dele, eu seria o escolhido a minha fé. como seu vice-prefeito. Embora envaidecido, Convocado por ele ao seu gabinete, o não criei qualquer expectativa, por já conhecer governador Paulo Hartung perguntou-me a razoavelmente os bastidores da política estadual. que partido estava filiado. Respondi que, ape- No pleito de 2010 fui convidado para sar de tudo, mantivera a filiação ao PDT. Ele um café da manhã com o ex-deputado federal sugeriu que me transferisse para o PMDB. Luiz Paulo Vellozo Lucas que me apresentou Assim, caso a legislação eleitoral adotasse o o seu projeto de candidatura ao Governo do artifício da horizontalização, eu ficaria de so- Estado e, logo em seguida, convidou-me para breaviso para ser candidato a vice-governador compor a sua chapa como vice-governador. em sua chapa. Disse a ele que não poderia aceitar con- Não se tratava de convite, mas de mera vite tão honroso, por já ter compromisso com precaução. a candidatura de Ricardo Ferraço e o grupo Logo após esse encontro, recebi visitas político liderado pelo governador Paulo Har- do prefeito João Coser, do deputado fede- tung. Percebi claramente a sua decepção. Ain- ral Ricardo Ferraço, do deputado Luiz Paulo da assim, ao final da conversa, ele insistiu em Vellozo e do senador Casagrande. Todos para que eu pensasse na proposta e voltássemos a comunicar que, se fosse eu o indicado para conversar daí a 40 dias, aproximadamente. vice na chapa de Paulo Hartung, teria o apoio Após esse encontro e uma longa medi- deles. (Como a horizontalização não veio, os tação sobre o cenário político da época, decidi líderes partidários evoluíram para o acordo procurar Ricardo Ferraço e relatar o que acon- PMDB-PSDB e Ricardo Ferraço foi o escolhi- tecera. Ficou feliz com a minha lealdade, e lhe do para vice.) pedi que o assunto ficasse somente entre nós. Entretanto, mesmo sendo esse acordo si- Dias depois, Fernandão, o tio do Luiz giloso, a notícia de minha possível candidatura Paulo, convidou-me para um café da manhã já chegara a alguns convencionais. Tanto que, e quis me ouvir sobre a candidatura e sugeriu na convenção do PMDB, houve companheiros que repensasse minha posição. Em seguida, re- nossos que ostentavam faixas com meu nome, cebi meu amigo Tadeu Batista, de Bom Jesus 213 do Norte, que foi à minha casa com o mesmo e nos juntamos, na varanda do apartamento, objetivo. a Carlos Guilherme, seu irmão Ronaldo, Ao final dos 40 dias fixados por Luiz Andreata, Zé Carlos Gratz e José Moraes. Paulo, retornei à sua residência e confirmei a A pergunta foi simples e direta: aceita- minha decisão. Luiz Paulo pensava, naquele ria ser o vice em possível chapa liderada por momento, que se eu aceitasse o convite pode- Camata? ria não trazer votos, mas produziria uma “em- Disse que sim, sem hesitação. bolada” no processo político, pelo menos no Poucos minutos depois, perguntaram que se refere às lideranças. como era meu relacionamento com Max Só levei esses fatos ao conhecimento do Mauro e respondi, também sem hesitar, que governador Paulo Hartung depois das eleições. o admirava, respeitava e falava com ele quase Abordo o tema aqui porque ele converge para o todos os dias. Desde então, nunca mais se to- mesmo ponto: desde que fiz a opção de ser um cou no assunto. servidor público, ainda distante de qualquer Camata também não foi candidato. atividade político-partidária, procurei ser acima Jurisdição e área de competência são fa- de tudo um técnico e um profissional. tores que balizam a atividade parlamentar e, Respeito aqueles que, com autêntico es- no entanto, são muitíssimas vezes ignoradas pírito público, lutam pelo poder, qualquer que ou levianamente “esquecidas” pelos políticos. seja a sua cor partidária. Felizmente, conto É comum ouvir, em campanhas eleito- com o respeito de todos os governantes com rais, o candidato a deputado estadual pro- quem trabalhei, sendo que – em alguns casos meter duplicar rodovias federais, resolver o – esse respeito evoluiu para uma cordial ami- problema da Previdencia Social, eliminar a zade, que muito me honra. corrupção nos mais altos estamentos do poder. A primeira oportunidade de me can- O eleitor pouco esclarecido acredita e vota. E a didatar a vice-governador aconteceu em rotina retorna quatro anos depois. 1989/1990. Era Secretário da Educação e an- Durante as campanhas eleitorais das dara por todo o Estado, escola por escola. Essa quais participei, deparei-me muitas vezes com peregrinação chamara a atenção da classe po- essa postura de candidatos carregados de em- lítica. páfia e prepotência. Alguns até se elegeram... Por coincidência ou não, uma reunião Nenhuma das histórias que conto, porém, se para discutir o nome do possível vice na chapa inclui nessa avaliação. de Gerson Camata, candidato a governador, aconteceu no apartamento de Carlos Guilher- OS TRÊS PATETAS me Lima, meu vizinho. Eleição para prefeito de Aracruz (2005/2009) Ligaram várias vezes, procurando por mim, e minha esposa – que atendeu a todas Eu me encontrava à frente da adminis- as ligações – informou que eu estava viajando. tração da SEAM – Secretaria Extraordinária Pediram então que, logo ao chegar da viagem, de Articulação com os Municípios, quando telefonasse para Ferraço, o pai. Recebi os reca- recebi orientação superior para fazer uma dos, fiz o retorno da ligação e me convidaram gravação de apoio à candidatura do atu- a participar da reunião. al deputado estadual, meu amigo, Marcelo Desci. Ferraço já me aguardava na porta Coelho. Os secretários Ricardo Ferraço, da 214

Agricultura, e João Felício Scárdua, da Saú- quele momento liderando com grande folga as de, também haviam recebido igual orienta- pesquisas eleitorais, onde aparecia com mais ção. Posamos, nós três, ao lado do candida- de 70% das intenções de votos. Uma eleição à to, para a produção de peças de “outdoor”. primeira vista assegurada. No último dia de campanha, a pedido de Em Castelo, meu primeiro contato foi Marcelo Coelho, nos deslocamos até a cidade, com o candidato, recebido por ele com sua seu reduto eleitoral mais forte, para participar costumeira eloquência e entusiasmo. Eufórico, de seu comício de encerramento. Chegamos dispensou a presença do governador, já que os ao entardecer e, para nossa surpresa, no pri- resultados da eleição estavam definidos e, as- meiro trevo na entrada da cidade, destacavam- sim, o prestígio de Paulo Hartung deveria ser se, como que se digladiando, 2 “outdoors”, levado a outros candidatos que precisavam do um com Ricardo Ferraço, Scárdua e eu, com o seu apoio. Confesso que deixei a cidade um candidato Marcelo Coelho e, do mesmo lado, pouco preocupado. Não transmiti essa presun- outro do governador Paulo Hartung ao lado çosa declaração de Piassi ao governador. do outro candidato, Dr. Ademar Devens. Dois meses passados, indo a uma ceri- Política tem dessas coisas. mônia fúnebre em Limoeiro, cruzei antes as Ficamos sabendo, no dia seguinte, que, ruas da sede do município, onde me encontrei durante o seu discurso no palanque, o dr. Ade- com o Paulo Galvão (líder do PMDB) e com mar afirmara que, se eleito, os três “patetas” – seu irmão Jorge. Ambos foram categóricos: os secretários que estavam no palanque adver- “Zé Eugênio, Carlinhos Piassi irá perder sário - seriam sumariamente demitidos pelo a eleição.” governo de suas funções. Surpreso, perguntei em que eles se base- avam para essa previsão sobre a mudança do CAUTELA E CALDO DE GALINHA... cenário. Alinharam diversos fatores, que aca- Eleição em Castelo – 2009 baram me convencendo. Também minha irmã Fatinha confirmou o quadro. O candidato ha- A minha relação política efetiva com os via se incompatibilizado com a maioria dos partidos, em Castelo, vem desde 1990, quan- alunos da FACASTELO, com alguns segmen- do da campanha de Albuíno para governador tos políticos, e, só para se ter uma ideia do que do Estado. passava, fiquei sabendo que ele havia deixado O partido mais forte naquela ocasião Ricardo Ferraço esperando por ele por quase era o PFL (atual Democratas) e por algumas três horas na localidade de Estrela do Norte, vezes reuni-me com a sua cúpula e de outras onde se realizaria um comício. siglas, com os quais gozava de boa credibilida- E o que se previa aconteceu. Foi derro- de, para tratar de assuntos político-eleitorais. tado por uma diferença de 96 votos. Venceu Em várias ocasiões, por isso, me vi en- a eleição o candidato do PT, Cleone Gomes volvido no processo eleitoral, como na eleição do Nascimento, um desconhecido no meio para prefeito, em 2004. O governador Paulo político. Hartung pediu-me para que me deslocasse até Após a sua posse, com minha visão re- Castelo, como precursor, para preparar sua ida publicana de poder, colaborei para que o novo à cidade. Sua intenção era a de consolidar a prefeito encontrasse solução para o impas- posição do candidato Luiz Carlos Piassi, na- se criado para a cobrança da taxa de esgotos 215 da sede. Chegou-se a realizar uma audiência SAIA JUSTA pública com a comunidade castelense, onde Linhares 2004 compareci juntamente com os Diretores da CESAN, presidida pelo eficiente Paulo Ruy, Fim de expediente no Palácio da Fonte que elaborou finalmente um projeto de en- Grande, recebi recomendação para compare- genharia econômica que a sociedade recebeu cer ao comício de Zé Carlos Elias, candidato muito bem. a reeleição em Linhares. De antemão sabia, Passaram-se os anos e chegou o período através de meu amigo Dr. João Gama, que a da reeleição. Num encontro em um restau- eleição pendia para o lado do Guerino Zanon, rante da Praia do Canto, eu, Ferraço, Ricardo mesmo tendo o Zé Carlos realizado uma boa Ferraço e Cleone, costuramos uma aliança gestão administrativa. com o PSDB, tendo o Dr. Abílio Corrêa Lima Ao chegar perto de Guaraná, um aciden- aceitado ser o vice na chapa proposta. Foi um te com um caminhão atrasou a viagem, pois “reboliço” na cidade, pois havia um grupão tive que seguir por um atalho rodoviário no de oposição pronto para “derrubar” o prefeito qual nunca havia passado. Ao chegar ao local, que reivincava a reeleição. o comício não havia ainda começado, mas já Basicamente, ficaram duas candida- presente numeroso público que aguardava, turas: a do Cleone (PT/PSDB e outros) e o também, a apresentação do cantor Leonar- candidato do PSB do então Senador Renato do. Com a presença de Ricardo Ferraço, achei Casagrande, Jair Ferraço, como candidato de até que não precisaria ter participação ativa oposição. no comício. Zé Carlos, porém, não abriu mão Na véspera do encerramento da campa- do meu concurso e pediu-me que transmitisse nha, voltando de Iúna, fiz uma ligação telefô- uma mensagem à população e aos eleitores. nica para João Gualberto, diretor da empresa Sou amigo do Zé Carlos há muitos FUTURA, para saber os resultados da pesqui- anos, independentemente de questões polí- sa de opinião pública para a eleição em Cas- ticas. Fiquei numa saia justa, pois era filiado telo. Como os dados já estavam no jornal “A ao PMDB, partido do candidato Guerino, que Gazeta” passou-me os números, onde Cleone também fora meu colega de secretariado. Coi- aparecia com larga margem de vantagem. sas da política! Assim, o que fazer? Aguardei a hora do comício e preparan- do-me para o que dizer durante a minha fala. DÁ LÁ QUE DOU CÁ Haroldo, secretário da Educação, falaria no São Mateus – 2002 outro comício, dando seu apoio a Jair Ferraço. Como geralmente acontece em eventos políti- Durante a primeira campanha do Paulo cos, houve bastante atraso, até que chegou a Hartung ao governo do Estado, fui a todos os minha vez de falar. Fui sucinto, apresentando municípios do Estado, quase sempre acompa- os resultados da pesquisa e já a partir daí co- nhado pelo Brizolinha. meçou uma grande e ruidosa comemoração. Em São Mateus, logo cedo, nos reuni- mos com alguns membros do PSDB , presidido pelo vice-prefeito Antônio Sossai, provocador de todos os possíveis embaraços à administra- ção do meu amigo Dr. Pedro dos Santos Alves 216

(PDT), recentemente falecido. de pessoal, como de manutenção da Prefeitura. Mais tarde, nos reunimos com os mem- Ocorre que ele assumira compromissos bros do PDT, com o Carlinhos Lirio, e, em Gu- com companheiros e com a classe política. Ao riri, com o ex-prefeito e deputado Jorge Daher. invés de diminuir os gastos, fez aumentá-los. Após o almoço, fomos até a casa do ex- O descompasso só veio a agravar a situação. prefeito e presidente do PTB, Amocim Leite Vieram os inevitáveis rompimentos, logo que (também falecido), onde, além dele, seu filho resolveu adotar as medidas de correção que se mais velho e uma outra filha estavam nos es- faziam necessárias. perando. Em uma audiência com o governador do Em todas as campanhas que participei Estado, o chefe do Executivo se comprometeu com o Paulo Hartung – louve-se – ele nunca a ajudá-lo, desde que ele fizesse o “dever de aceitou discutir trocas ou favores. Sua plata- casa”. Alargaram-se as dissidências. forma política era por propostas e obtenção de Logo depois, o prefeito, num gesto nobre resultados, o que já acontecera com todos os e de muita compreensão, aceitou o desafio de partidos do município com os quais havíamos ceder no município uma área para a constru- visitado e tratado acordos. ção de um CDP – Centro de Detenção Provi- Uma surpresa nos aguardava, inevitá- sória. Certamente por isso, o pároco local ence- veis na área da política. Antes que Paulo Har- tou severa campanha contra o prefeito, o que tung falasse sobre as suas propostas, Amocim aumentou o seu desgaste e isolamento político. Leite, afoito, já queria saber o que “levaria” Aconselhei-o mais uma vez a adotar as para apoiar o nosso candidato. Paulo Har- medidas restritivas e abrir mão de uma possí- tung não esperou nem a conclusão da fala do vel candidatura a reeleição. ex-prefeito. Levantou-se e retirou-se do local. Acabou saindo candidato. Pediu-me Foi um susto para Amocin Leite que, des- para fazer uma campanha com ele, na sede concertado, juntamente com seus filhos, saiu à do município. Aceitei, mesmo sabendo que as rua atrás do Paulo, pedindo-lhe desculpas. suas chances de derrotar o Zé Ramos seriam Afinal, recomposta a situação, Paulo praticamente impossíveis e com a dúvida do Hartung concordou que eu participasse de que eu poderia agregar à sua candidatura. um encontro com diversas lideranças apoian- Amigos, amigos. Lá compareci, confor- do o PTB, dentro do correto enfoque por ele me agendado. defendido. Acabaram também nos apoiando. Uma frustação me aguardava. Não ha- via ninguém esperando por mim. Só algum QUEM, EU? tempo depois apareceu o Rogerinho. Iúna – 2009 Montou-se uma agenda para minha par- ticipação, sem a presença do candidato, que Tornei-me amigo e conselheiro do ex- fora convocado, com outros candidatos, para prefeito Rogerinho, de Iúna. Desde o início uma reunião com o juiz eleitoral, para padro- de sua gestão administrativa, herdou muitas nizar as ações permitidas pela legislação. dívidas e ainda convivia com um momento de Sai com meia dúzia de aliados e fui fa- crise econômica no Brasil com consequentes zer uma caminhada em um dos bairros mais reflexos no Espírito Santo. pobres de Iúna. A proporção que caminhava, Concitei-o a diminuir as despesas, tanto ouvia e via o espanto daquelas pessoas, pois 217 nunca tinham ouvido falar no meu nome. Para PERDER GANHANDO não dizer unanimidade, encontrei uma profes- Rio Bananal - 2004 sora que me reconheceu. Quase a hora de nos despedirmos, che- Capeline foi o primeiro prefeito eleito gou o Rogerinho e juntos fomos caminhar do também novo município. Sua esposa exer- por uma das ruas do Centro. De repente, a ceu o cargo de Secretária Municipal de Educa- caminhada foi interrompida por um homem ção, quando eu administrava a educação Esta- que o admoestou por estar caminhando com dual. Fizemos uma grande parceria na área e o Zé Ramos, certamente fato negativo. O “Zé nos tornamos amigos. Ramos” era eu, com os cabelos compridos, se- Convidado para estar no seu palanque gundo alguns, tipo Castro Alves, mantendo era uma honra para mim. com isso alguma semelhança com o cidadão... O ex-deputado Edson Batista, de quem também me tornei aliado e amigo, vivia me AMIGOS, AMIGOS, COMÍCIOS A PARTE desafiando. Se eu apoiasse um candidato em Alto Rio Novo – 2004 Jaguaré, ele apoiaria outro e assim também foi em Rio Bananal, onde ele se aliara a Felismi- “Didi” – Aldo Soares de Oliveira, sem- no, atual prefeito. pre que tinha oportunidade, costumava afir- Nossa aposta, nesse pitoresco páreo, era mar ter sido eu um dos responsáveis pelo seu normalmente, uma grade de cervejas. ingresso na seara político-eleitoral. Foi ele o Ao sair com bastante atraso de Alto Rio primeiro prefeito eleito pelo município, logo Novo, como narrei no episódio anterior, ain- após a sua emancipação política e administra- da teria que passar por Pancas, numa estrada tiva. com muitas curvas, e ao chegar no trevo de É um dos amigos que conquistei e por Frechiane, devia dobrar à esquerda, no senti- essa razão não tive como não atendê-lo com- do Norte. Daí, entrar para Governador Lin- parecendo a um comício na sede do municipio, denberg, onde a estrada, mesmo asfaltada, se onde o seu sobrinho Edson Soares Benfica era encontrava com inúmeros buracos. candidato à sua sucessão. Havia me entendi- Ao chegar a Frechiane, olhei para o reló- do com ele que era importante que o horário gio e vi que já eram quase 10 horas da noite. pré-agendado fosse cumprido, pois, teria um Parei e pensei: não dá para chegar a tempo em compromisso com outro amigo, o Capeline, Rio Bananal. em Rio Bananal. Era importante também, que Pedi então ao motorista para seguir fosse o primeiro orador, para me permitir via- para Colatina. Rodamos cerca de 100 metros jar logo depois. quando pedi para parar o carro. Ah! Horários em comícios políticos. -Vou arriscar, pensei. Mesmo que não encontre Só foi iniciado uma hora e meia depois da mais o comício, haverei de encontrar alguém para quem hora marcada. Antes, houve uma celebração possa justificar o meu atraso. evangélica e três vereadores falaram antes de A cada trecho percorrido, aumentava a mim. minha angústia mas não instrui o motorista - Não se apoquente, amigo, daqui a Rio Ba- para aumentar a velocidade do carro. Quando nanal não é mais do que noventa minutos... chegamos a Governador Lindenberg, ainda tí- nhamos uma estrada de chão até São Jorge de 218

Tiradentes. Pedi informações sobre qual o tre- do candidato, fui procurado por Elias para cho mais curto e a orientação funcionou. Era informar-me que havia recebido um convite quase meia noite quando cheguei à cidade. para ser o Secretário de Obras. Esperei a con- Logo na entrada estava havendo um comício. clusão do seu relato e fiz-lhe uma pergunta Perguntamos a um senhor que vinha de bici- quase afirmativa: cleta de quem era o comício: era do Capeline. “Mas, você não aceitou?!” Não havia acabado ainda. Assustado respondeu-me que não teria Quando cheguei discursava o saudoso como recusar o convite. Nyder Barbosa de Menezes. Pediram-me para Insisti: eu aguardar um pouco, e só subir quando meu “Elias você não deveria ter aceito. Não nome fosse anunciado. dou seis meses e vocês se tornarão inimigos Ao ser chamado, fui saudado com fogue- pessoais e políticos. tes e papel picado. Acreditei que eram para o Não precisou desse tempo todo, pois an- nosso candidato. Discursei do palanque, mas tes de completar três meses o prognóstico se minha fala não foi o bastante. confirmou. Capeline perdeu a eleição, mas a satis- Desde então, não houve mais como fação estampada no seu rosto e da sua esposa aproximar os dois, e as futuras campanhas fi- Ivete com a minha presença compensou todo caram praticamente entre eles. No último plei- o sacrifício . to, assumi o compromisso de participar de seu O ex-deputado Edson Batista, muito es- comício. Depois de ter ido a Iúna e Castelo, pirituoso, havia espalhado que, a seu pedido, cheguei a tempo, embora com bastante atraso. o governador Paulo Hartung havia proibido a Logo na chegada, vi uma multidão par- minha presença na cidade. ticipando do comício de Eliana Lorenzoni, e Alguns dias antes de seu falecimento, quando cheguei na praça principal onde se recebi duas mensagens no celular, por ele en- realizava o do Elias, poucas pessoas dele parti- caminhadas, na véspera do Natal e do Ano cipavam. Não me fiz de rogado, usei da pala- Novo. Guardei-as por um bom tempo. Só as vra e pedi votos para o Elias. Foi uma derrota, apaguei quando as apresentei ao seu irmão, com larga diferença a favor de Eliana. que emocionado chorou bastante. Por várias vezes orientei Elias para não sair candidato a prefeito, deputado estadual e ESPERANÇA, A ÚLTIMA QUE MORRE federal, mas há sempre a esperança de vitória, Marechal Floriano - 2009 mesmo quando se está mal avaliado.

Também fiz uma boa amizade com Elias RAPOSA POLÍTICA DE LONGOS PELOS Kieffer, primeiro prefeito eleito para dirigir os Venda Nova – Eleição para o Senado – 2007 destinos do município recém-criado. O seu vice foi Cacau Lorenzoni, que exerceu durante Estava acompanhando Paulo Hartung o mandato o cargo de Presidente da Câmara quando chegamos a Venda Nova. Enquanto Municipal. Paulo e Renato cumprimentavam os que fo- Elias lançou e apoiou o nome de Ca- ram nos receber, o ex-prefeito Bráz Delpupo cau para sucedê-lo. Terminado o pleito elei- chamou-me a um canto para fazer um apelo: toral e confirmada a eleição com a vitória não pedir para ele e seu grupo político apoiar 219 o Renato. Quando da campanha para eleição POLÍTICA PODE SER FRATERNA de prefeito, Renato, ao subir no palanque de Domingos Martins – 2008 seu adversário político, o chamou de “ladrão”. Procurei tranquilizá-lo, mas ocorre que a nossa O prefeito Vanzete, desde o primeiro visita se destinava a pedir apoio para o Renato. mandato, carinhosamente chamava o Paulo Quando fomos para a reunião, passei Hartung de papai, o Ricardo Ferraço de titio um bilhete para Paulo, narrando a minha con- e eu de vovô. Criamos uma relação pessoal versa com o Brás. Leu o bilhete, guardou-o no muito afetuosa e muitas de suas decisões po- bolso da camisa e deu uma piscada de olhos líticas passaram por uma conversa de opinião para mim, como quem já sabia como contor- comigo. nar aquela situação. Fui fazer uma caminhada com ele e com Primeira providência: Paulo pediu licen- Ricardo Ferraço pelas principais ruas da cidade. ça ao locutor para ele mesmo fazer a compo- Quando passei em frente da residência sição da mesa. Colocou o Brás e o Renato ao do Nena Kiefer, pai do “Gatana”, o candidato lado de cada braço dele e deixou a reunião da oposição, parei para uma conversa com ele. prosseguir normalmente. O Brás falou da sua Depois, acompanhou-me durante a caminhada. ligação com o Paulo e o Renato a mesma coi- Essas amizades e respeito às pessoas é sa. Quando chegou a vez de Paulo falar, ele que sempre nos animou na vida pública. colocou os dois, Brás e Renato, de mãos da- Na reeleição de Vanzete, envolvi-me bas- das para cima, naquele gesto tradicional de tante no processo eleitoral, desde as articula- campanha política. O grupo do Brás mal “en- ções de apoios partidários até na definição de golia” aquela situação. O fato é que acabaram outras candidaturas, como foi o caso do Carli- pedindo votos para o Renato. Esse é o político nhos Borboleta. Paulo Hartung. São inúmeros os casos políticos de que participei, mas ficarei somente nestes casos. 220

Premiação do Programa “Nota Milionária da Sorte” - Palácio Anchieta - 1994. (Acervo do autor). 221

No setor público, cada decisão importante que adotamos deve ser analisada sob todos os aspectos, para verificar se é a que melhor serve ao interesse da sociedade 222 Vinte dois

esempenhar funções em cargos importantes na estrutura do setor público exige um aprendizado diário de autocrítica, des- prendimento e consciência de que todo poder é transitório. Infeliz daquele que se julga dono do cargo e do poder e pensa que é superior aos mortais comuns, pois a qualquer momento Dpode ser defenestrado do lugar que ocupa e terá que voltar à planí- cie de onde veio. Outro cuidado essencial é estudar sempre, atualizar-se, aban- donar velhos conceitos e buscar uma visão nova, que nos permita compreender os desafios do presente. Permitam-me citar um exemplo pessoal. A literatura produzida pelos economistas das décadas de 70 e 80 e o treinamento que recebi na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, que mantinha uma parceria com a Secretaria de Plane- jamento do Ministério da Agricultura, exerceram grande influência em minha vida profissional. Tínhamos como professores, entre outros, Fernando Henrique Cardoso, Luciano Coutinho e Maria da Conceição Tavares. Naquela época, esses e outros mestres de grande prestígio defendiam a tese de que a estatização da economia resolveria todos os problemas do Brasil. Mais tarde, entretanto, o próprio Fernando Henrique, quando presidente da República, procurou privatizar muitos dos órgãos pú- blicos criados antes, principalmente durante os governos militares. Sob a influência deles – e quando prestava serviços à Secreta- ria de Agricultura – participei da recriação de diversas instituições públicas, algumas que até disputavam espaços com a iniciativa pri- vada, como a Cofai - Cia de Fomento Agroindustrial do Espírito Santo e a CERMAG, que prestava serviços com maquinário próprio na abertura e construção de estradas, poços e barragens, obras dis- putadíssimas pelos políticos. Todas foram incorporadas por outros setores ou deixaram de existir. Acompanhar as tendências dominantes no pensamento eco- nômico nem sempre nos leva às melhores soluções. No setor público, cada decisão importante que adotamos deve ser analisada sob todos os aspectos, para verificar se é a que melhor serve ao interesse da sociedade e do Estado ou, ao contrário, se cor- responde apenas a interesses políticos ou privados de um grupo. As duras lições do poder 223

Desenvolver essa habilidade de pesar e medir do de Agricultura, onde tudo estava por fazer, as consequências dos seus atos é algo que exige em termos de gestão. A estrutura teria que ser do homem público maturidade e extraordinário construída, tijolo sobre tijolo, e foi o que fize- senso de equilíbrio. mos. Quando o novo modelo de gestão estava Creio que aprendi muito, desde os pri- pronto para produzir os melhores frutos, fui meiros tempos. Começo por um exemplo re- afastado por questões políticas e pessoais. lacionado à Secretaria de Estado da Fazenda. Não lamentei a perda das mordomias, Em 1963, às vésperas do Natal, entregaram em mas o desperdício que aquilo significaria para meu apartamento 13 cestas contendo bebidas o Estado. Desde então, aprendi a não me afei- e alimentos típicos dessa época do ano, além çoar a posições, comodidades e prestígio even- de um aparelho de TV. E quase tudo isso sem tual que o poder atribui às pessoas. O impor- qualquer referência à autoria do “presente”. tante é o próprio trabalho e os valores pessoais Apesar da curiosidade do Phelipe, meu que conquistamos ao longo da vida pública. filho mais velho, não permiti que a família Automóvel, motorista, assessores e secretárias tocasse nas cestas até a véspera do Natal. Só são importantes para que o titular se saia bem então tivemos uma longa conversa, até que ele e cumpra a sua missão, mas o grande erro de entendesse que aqueles presentes não eram do alguns é agir como se tudo isso fosse proprie- seu pai, mas do secretário da Fazenda. dade deles. Depois, ele mesmo se encarregava de Só para ilustrar essa atitude, um pequeno repetir: exemplo. - Não são nossos, mas do cargo que você ocu- Quando deixei o cargo de subsecretário pa. É isso? de Planejamento, minha amiga Vera Nascif as- - Exatamente, meu filho. No Natal do ano sumiu o posto e, um mês depois, convidou-me que vem, não se surpreenda se não chegar nenhuma para visitar seu gabinete. cesta de Natal, pois já teremos novo governador e, - Zé Eugênio, você não está notando nada de provavelmente, outro secretário da Fazenda. diferente nesta sala? E aconteceu exatamente isso. Recebe- Confessei que não. mos uma cesta, das menores, um ano depois. - Ora, mas trocamos as cortinas e mudamos Essa visão de que todo poder é efêmero os móveis de lugar. me acompanha desde o primeiro cargo de con- Só então percebi as mudanças. Algo assim fiança que exerci. Aquele que nomeia é o mes- aconteceu em todos os lugares por onde passei. mo que, a qualquer momento, pode nos exo- Não dou importância às chamadas “ba- nerar. Por isso, nunca reagi às mudanças e nem dalações” por um motivo bem simples: elas me senti traumatizado por ser afastado de um em nada contribuem para a qualidade do cargo. Às vezes lamentei, sim, que determina- nosso trabalho. Ao contrário, roubam tempo do projeto fosse interrompido ou abandona- e energia. Além disso, considero deprimente do, com o meu afastamento, mas não por ra- a pobreza de espírito das pessoas que só se zões pessoais. Projetos que não cumprem seus aproximam quando você tem alguma parcela objetivos porque o novo titular discorda deles de poder. constituem lamentável perda para o Estado. Movidas por seus medíocres interesses Um exemplo disso aconteceu quando pessoais e comerciais, correm para perto de iniciei minha carreira na Secretaria de Esta- alguém sem qualquer motivação de contribuir 224

para a excelência do setor público. São como perteza iria aprontar. mariposas atraídas por uma lâmpada. Se a Conseguiu meu endereço, não sei como, lâmpada se apaga, é imediatamente abando- e, no dia seguinte, recebi um telefonema do nada e trocada por outra que esteja acesa. meu sogro e vizinho, para se queixar de que Atitudes assim nos ensinam a manter haviam depositado dez sacos de esterco no salutar distância dessas pessoas e nunca acei- meu terreno e o mau cheiro estava insuportá- tar presentes ou serviços gratuitos. Não exis- vel, além de atrair uma legião imensa de mos- te gratuidade, nesse tipo de relacionamento. cas. Tive que ir às pressas a Guarapari, para Mais cedo ou mais tarde, descobre-se que resolver o problema. Espalhei o conteúdo de tudo tem um preço. E, normalmente, é um um saco no canto do terreno, para secar, e dis- preço bastante elevado. tribuí os outros nove entre os vizinhos. Quando estive à frente da Casa Civil, Como prever que um dia iria enfrentar propus ao governador Albuíno uma pequena de novo esse cidadão? Desta vez, também reforma no Palácio Anchieta. A ideia era rever quarteirizado, ele estava cuidando da constru- todo o sistema elétrico e de esgotos, retirar os ção de um presídio, em Linhares, para a Se- rebaixamentos do teto e os carpetes, recolo- cretaria de Segurança, e procurou a imprensa cando os pisos antigos. para me fazer uma série de acusações. Entre Além disso, pretendia substituir as cor- outras coisas, disse que ajudara a construir mi- tinas de pano, imundas e cheias de pó, assim nha casa. Com um saco de esterco? como os tacos apodrecidos das soleiras. Previ Essa reforma no Palácio Anchieta foi também a retirada dos compensados de mais mais complicada do que se poderia imaginar. de um metro de altura, a substituição dos ro- A primeira questão a resolver: como dividir as dapés tradicionais, a eliminação dos vazamen- despesas, pois lá funcionavam a Casa Civil, Mi- tos e a troca de peças dos banheiros. O prédio litar, Planejamento, Comunicação, Vice-Gover- carecia também de reforço estrutural, com a nadoria e Governadoria, todos com orçamento substituição de paredes de estuques, cheias de próprio. As instalações elétricas e hidráulicas cupins, por alvenaria. serviam a todos e daí a dificuldade na divisão Lançamos o edital de licitação e, mais das despesas .Optamos por uma divisão pro- tarde, descobrimos que a empresa ganhadora porcional à área ocupada. era quarteirizada e o responsável pela obra A obra já estava quase no final, quando não merecia nossa confiança, por ser indiví- surgiu um problema com a empreiteira, que duo envolvido em negócios pouco transparen- havia quarteirizado os serviços para uma firma tes, para dizer o mínimo. pouco confiável, cujo proprietário tinha fama de Certo dia, ao final do expediente no Pa- “enrolado e confuso”. Sua planilha de custos era lácio, encontrei-me com esse cidadão e lhe per- superior ao que se contratara e ele alegou que guntei onde conseguira o esterco bovino que fizera serviços extras, mas sem o conhecimento estava usando nos jardins internos. Respon- e autorização do ordenador das despesas. deu-me que vinha de Guarapari e, muito ágil, Como esse empresário já se envolvera quis saber o motivo da pergunta. Respondi-lhe em outra enrascada, quando da visita do líder que tinha casa em Guarapari e precisava ad- Mandela, os comentários sobre o assunto che- quirir um saco de esterco para adubar a grama. garam às ruas e a oposição requereu a criação Não imaginei o que esse aprendiz de es- de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, 225 que na imprensa ganhou o nome de “Landei- gado – ele deveria conhecer as leis. ro”. Durante as sessões da CPI, esse empresário O “ilustre deputado” se sentiu ofendido tentou envolver até o ex-governador Max, de- e quis me interromper, mas insisti em pergun- clarando que o doutor Donald Fontes, do De- tar se ele conhecia a legislação. partamento de Engenharia e Obras, tinha sido Como ficou mudo, li o texto da lei que o “caixa dois” da campanha do governador. criou o DEO – Departamento de Engenharia Convocado pela Assembléia Legislativa, e Obras e citei o artigo que determinava a co- compareci acompanhado dos técnicos Soely brança de 10% (dez por cento) sobre os ser- Tardin, Octávio Guimarães, Mônica Furtado viços prestados por aquele departamento na da Costa (falecida), Pedro Oliveira, Berenice Pi- elaboração dos projetos, licitação e fiscaliza- nho, Ana Jael Antunes e outros, que detinham ção de obras. todas as informações relacionadas à denúncia. Nesse momento, chegou ao plenário o Os técnicos apresentaram as faturas por servi- ex-deputado Fernando Silva, com o paletó ços não executados e demonstraram que os pa- aberto e as mãos no bolso. gamentos já haviam sido compensados. - Zé Eugênio, o que você está fazendo aqui? Max Mauro chegou à Assembléia com Não perca tempo com essa turma, que não tem o um grande número de correligionários e, sem- que fazer. pre que respondia a uma pergunta, era aplau- Expliquei que fora convocado oficial- dido por seus amigos. Ao final, como ele nada mente para responder a algumas questões re- tinha a esclarecer e nem os integrantes da CPI lacionadas com as denúncias do Landeiro. tinham mais o que perguntar, saiu da Assem- Outra surpresa foi a súbita entrada em bléia carregado pelos amigos. A demonstração cena da deputada Brice Bragato, que não par- pública se estendeu até a praça que fica em ticipara da sessão e repetiu as perguntas do frente do Palácio Anchieta. Cortez, irritando bastante o presidente da Ficaram no plenário somente os técni- CPI. Os dois embarcaram em vigoroso bate- cos que me acompanharam à audiência e al- boca, até o momento em que o presidente cha- guns poucos curiosos. Estava na presidência mou a deputada de “galinha”. da CPI o deputado Gilson Gomes e o depu- A coisa ficou tão feia que tiveram de tado oposicionista Luciano Cortez pediu a suspender a sessão por 30 minutos. palavra, para formular nove perguntas, todas Reiniciados os trabalhos, a deputada capciosas e destinadas a me condenar por an- Brice insistiu nas perguntas, as mesmas, e des- tecipação. Respondi a todas, sem hesitação, ta vez não irritou só o presidente. Até a esposa com informações e fatos concretos e bem fun- dele, dona Sandra, que se encontrava no ple- damentados. nário, levantou-se para opinar: Findo o “interrogatório”, solicitei licença ao - A senhora é mesmo uma galinha. presidente da Comissão e perguntei ao deputado O tempo fechou de novo e a sessão che- Cortez se ele era advogado. Irritado, respondeu gou ao fim sem qualquer conclusão. que quem devia dar respostas era eu e não ele. In- Em 28 de novembro de 1994, pelo ofí- sisti na pergunta e ele respondeu que sim. cio SEFA/GAB-139, protocolei na Assembleia, Após essa resposta, foi a minha vez de sob o n.º 945422/94, correspondência solici- atacar. tando a reabertura da CPI, pois os jornais de Declarei-me surpreso, pois – como advo- Vitória anunciaram o arquivamento da Co- 226

missão sem que fosse votado um relatório. Por com insinuações comprometedoras. O constran- falta de quorum e de outras reuniões, o prazo gimento final sobrou, assim, para a Assembleia, regimental se esgotara sem qualquer decisão. cujo regimento – pelo que sei – não previa tal Tomei essa providência porque o empresário situação. Nessa ocasião, eu já fora nomeado se- Landeiro e seu advogado Nelson Aguiar “plan- cretário de Estado da Fazenda. taram” nota sobre o assunto no jornal A Gazeta, 227 Transmissão de Posse do Governo de Élcio Álvares para Eurico Rezende. (Acervo de Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico).

E ele assumiu comigo o compromisso de que, no máximo em dois meses, alguém seria preparado para assumir o cargo... 228 Vinte três

dotei sempre, como regra fundamental em minha carreira pública, a atitude de respeitar a lei e todos os governantes, ainda que discordando de uma ou outra decisão. Acabei me tornando amigo de alguns com os quais trabalhei. Com o go- vernador Eurico Rezende, por exemplo, o relacionamento e a Aamizade foram se estreitando até o final da vida dele. Ainda guardo as várias cartas que ele escreveu à mão e me enviou de Brasília. Sempre que vinha a Guarapari, marcávamos en- contro para uma descontraída troca de ideias. E certa vez, após agendar audiência com o então prefeito de Vitória, Paulo Hartung, convidou-me a acompanhá-lo. Doutor Eurico foi um autêntico estadista. Metódico e rigoro- so no cumprimento dos horários lia todos os pareceres submetidos à sua decisão e, como grande conhecedor do nosso idioma, corrigia os textos e os devolvia a quem cometera qualquer erro. Após deixar o Governo, convidou-me e ao ex-companheiro Manoel Vereza, falecido aos 42 anos de idade, para irmos ao apar- tamento do Vaguinho, na Mata da Praia. Vaguinho, além de ter sido seu chefe de gabinete, era um dos seus amigos mais próximos. Gerson Camata acabara de assumir o Governo e havia certa turbulência política, gerada pela divergência de informações a res- peito das finanças públicas que herdara. Naquela tarde chuvosa, típica de vento sul, Dr. Eurico fumou um dos seus charutos e só falamos de amenidades, inicialmente. No momento seguinte, ele revelou o motivo pelo qual havia nos convidado para aquele encontro. Como o Vereza era responsá- vel pelo controle da dívida pública e eu já trabalhava com a Dra. Joanita, na Secretaria de Administração, ele desejava informações atualizadas sobre as contas do Estado. Respondemos os dois, Vereza e eu, com um simples e definiti- vo “não”. Estaríamos à disposição para lhe dar qualquer informação que já fosse de domínio público, mas nenhuma de caráter sigiloso. Acredito que esse teste consolidou definitivamente a nossa relação de amizade e confiança. Se aceitássemos dar informações si- gilosas sobre o novo Governo, ele certamente nos classificaria como pessoas sem caráter e que não mereciam confiança. O que dá sentido à vida 229

No Governo Gerson Camata, fui afas- xar com Caliman. Mais tarde, sem qualquer tado temporariamente das funções de gerên- remuneração adicional, passei a acumular as cia, mas como técnico do Estado, na função funções de subsecretário da Administração e de consultor do Executivo, logo recebi convite secretário da Junta de Política Salarial, presidi- da secretária Joanita, da Administração, para da pelo vice-governador José Moraes. ocupar a chefia do seu gabinete. E, tendo sido Maior convivência com Camata só tive agregado no cargo de subsecretário de Plane- mesmo durante o Governo Paulo Hartung. jamento, não poderia ser remunerado nessa Camata fora nomeado secretário dos Trans- nova função. portes e o governador, candidato à reeleição, confiou-nos a missão de viajar pelo interior do Estado e entregar aos municípios, em nome dele, as obras já executadas e novas ordens de serviço. Combinamos e adotamos a mesma es- tratégia em todas as reuniões: eu abria o en- contro com uma descrição técnica e Camata falava a seguir, explicando que representáva- mos o governador Paulo Hartung, impedido pela legislação eleitoral de comparecer a esse tipo de solenidade. Citava dez vezes ou mais o

Encontro com o ex-Presidente do Senado e do PMDB Nacional, Ulysses nome de Hartung, mas nunca pediu um voto, Guimarães – Da esquerda para a direita: Hugo Borges (ex-deputado e ex- para não ferir a lei. prefeito de Guarapari), Dilton Lyrio Neto (ex-deputado estadual), Argilano Dario (ex-deputado federal), Joanita Lima (ex-secretária de Admnistração), Aprendi muito, nessas reuniões, e me Élcio Resende, Dr. Ednaldo Loureiro Ferraz e José Eugênio – 1988. Atrás do Sr. diverti com as histórias de Camata, excelente Ullysses, o ex-governador Max, fazendo a apresentação. (Acervo do autor) contador de casos. Algum tempo atrás, quan- do fui eleito presidente do Conselho Regional Até então, só tivera alguma proximidade de Economia, prestei merecida homenagem a com Camata no período em que fiz o curso de Camata, no Dia do Economista. Economia e ele também era aluno. Mas um Veio o Governo Max Mauro, com quem aluno que raramente frequentava as aulas, eu não tinha qualquer afinidade política e pes- pois, além de locutor de rádio, já era verea- soal, mas o inesperado aconteceu de novo. Só dor em Vitória. Por isso, nossos caminhos se conhecia Max Mauro através de sua presença cruzaram poucas vezes, nos corredores ou nas na TV e nos jornais. reuniões do Diretório Acadêmico. Com a mudança de governo, solicitei Após alguns meses do novo Governo, o minhas férias. secretário de Planejamento Orlando Caliman Cerca de dez dias antes da posse, o consultou o governador sobre a possibilida- doutor José Cupertino convidou-me para per- de do meu retorno à função de subsecretário manecer na subsecretaria da Administração. do Planejamento. Camata, manifestando seu Agradeci o convite, mas não aceitei. Só que respeito por mim, como pessoa e profissional, ele continuou insistindo e, quando faltavam deu sinal verde. Quem não gostou da novidade pouco mais de três dias para a transmissão do foi a secretária Joanita, que chegou a se quei- cargo, ele chegou a dizer que, se eu não acei- 230

tasse, ele também recusaria o convite do Max aproveitados. para compor o governo. Confesso que fiquei envaidecido. Aí, era responsabilidade demais. Não No primeiro momento, fiquei em dúvi- tive outra opção. E ele assumiu comigo o com- da se permanecer no cargo seria bom ou ruim, promisso de que, no máximo em dois meses, mas o certo é que começou ali uma relação alguém seria preparado para assumir o cargo. de amizade e de confiança com o governador. Nessa época, ignorava o que o doutor Cuper- Cheguei a ser o secretário que mais despacha- tino combinara com Max. va com Max, até mesmo nos fins de semana, Mais tarde ainda: perdi temporariamen- quando às vezes passava uma tarde inteira em te a amizade e consideração de dois profissio- sua residência. E tenho muita gratidão pelo nais de carreira, que almejavam esse cargo, apoio que me deu, como técnico do Estado, fato que só vim a tomar conhecimento algum embora nossa visão da política não tenha sido tempo depois, pois um deles havia escrito uma a mesma, em algumas ocasiões. carta “pesada” ao Max, que acabou nas mi- No dia a dia do trabalho, o doutor nhas mãos. Cupertino cuidava das gestões externas e eu Meu primeiro trabalho, logo após ser gerenciava a Secretaria. Após dois meses nessa indicado, foi calcular as várias hipóteses de rotina, recebi uma ligação de alguém que se possíveis reajustes de vencimentos dos servi- apresentou como o governador, informando dores, para serem apresentadas aos deputados que acabara de assinar minha nomeação como estaduais na segunda-feira seguinte. secretário de Administração. Passei o sábado e o domingo em Gua- Não levei a sério essa conversa, imagi- rapari trabalhando nesses cálculos até quase nando que se tratava de uma brincadeira do a madrugada, sem tempo para almoçar ou meus amigos Penedo e Manoel Vereza. Entre- jantar. Anotava cada hipótese em um álbum tanto, comentei o assunto com os companhei- seriado, com as repercussões financeiras e os ros de sala, Ednaldo Loureiro Ferraz e Guerino percentuais. Dalvi, que me deixaram confuso, pois acredi- Na manhã de segunda-feira, durante tavam que podia ser verdade. a reunião com os deputados, o governador Naquele dia, o doutor Cupertino não solicitou ao doutor Cupertino que fizesse a aparecera na Secretaria e nem dera notícias. apresentação, mas ele, com a maior humilda- Não sabíamos de nada, mas ele estava tratan- de, informou que eu fizera os cálculos e pediu do do cancelamento de sua aposentadoria, autorização para que apresentasse os estudos. pois seria indicado para a vaga de desembar- Max concordou. gador, o que de fato aconteceu. Terminada a exposição e esclarecidas Na manhã seguinte, logo que cheguei todas as perguntas dos deputados, Max nos ao trabalho, algumas pessoas me cumprimen- surpreendeu: taram pela nomeação. Só então acreditei no - É, Cupertino, no caso da SEAR vou ter que telefonema que recebera. manter este rapaz. Nesse período, ocupei também a presi- Acontece que durante a campanha elei- dência da JEPS. toral ele afirmara que, se eleito, não manteria A Doutora Joanita, quando comandou ninguém nos mesmos cargos. Seriam rema- a Secretaria da Administração, iniciara a im- nejados aqueles que, eventualmente, fossem plantação de um novo sistema de pessoal. 231

tativas de negociação e acordo entre as partes, e acreditei que números corretos, realismo, sinceridade e respeito mútuo são mais eficazes que qualquer greve ou outro ato de radicalis- mo. Foi assim que administrei, na época, os entendimentos com os servidores. Formamos uma equipe que, além de conhecer economia, era especializada em ad- ministração pública: Vladimir Melges Walder, Mônica Furtado da Costa, Maria Helena Sig- norelli e Marlene Silva. A SEFA nos forneceu

Reunião do secretariado do governo Max – 1988. os limites financeiros com os quais deveríamos Ao Centro: Max Mauro. trabalhar, calculamos os percentuais e valores Da esquerda para a direita: José Eugênio Vieira, Luiz Moulin, Leodósio Paste, Joanita Lima, Dr. José Cupertino Leite de Almeida, Elio Ceotto, Saturnino que cabiam a cada setor, nos gastos com a fo- Rangel Mauro, Coronel Aurich, Dr. Aroldo Limonge, José Teófilo de Oliveira, lha e, ao final, o projeto acabou dando certo. Professor Joaquim Beato e Dr. Gilson Carone. Aos fundos: Carlos Alberto Cunha - Vice Governador. O companheiro Roberto Penedo acei- (Acervo do autor) tou mais um desafio. Analisar doze anos de re- Como toda troca ou inovação de siste- ajustes salariais anteriores, com o objetivo de mas e modalidades sempre trás problemas ini- subsidiar os estudos seguintes. Esse trabalho ciais de ajuste, por sugestão da servidora Ai- foi fundamental na avaliação das novas pro- nerley não desativei o controle manual. Esse postas de salários. material ficou em uma sala separada e foi de Alguns acontecimentos marcaram bas- grande ajuda, sempre que os dados do novo tante aquele período, e a greve no Departamen- sistema não traziam informações corretas. to de Imprensa Oficial – o DIO – foi um deles. E iniciei também os estudos para a implan- Em toda a sua história, jamais ocorrera tação do sonhado Plano de Cargos e Salários uma paralisação no DIO por razões salariais. dos servidores. Mas o médico e vereador Dermival Galvão, que Quando deixei a pasta da Administração assumira a presidência da Associação dos Servi- para assumir a da Educação, o projeto já estava dores, conduzira os companheiros à decisão de em fase final, mas, pelo que sei, após a minha suspender o trabalho. Por ser amigo dele há lon- saída não deram prosseguimento ao trabalho. gos anos, tentei alertá-lo para o risco que corria, Esse período foi também muito desafia- ao incitar os colegas, mas foi inútil. dor, porque, como presidente da JEPS, todas Em todas as oportunidades que tive de as reivindicações de melhorias salariais passa- dialogar com qualquer categoria, colocava as vam pela nossa pasta. Trabalhava em parceria informações sobre a mesa. Esse jogo aberto com o secretário da Fazenda José Teófilo, com impressionava a todos. a Procuradoria do Estado, na época represen- Sentindo a enroscada em que se metera tada pelo doutor Erildo Martins Filho, e com e sem saber como sair dela, Galvão pediu-me o subsecretário da Administração, Edinaldo para comparecer à assembléia da categoria. Loureiro Ferraz. Sem hesitação, cheguei na hora marcada. Fo- Sempre entendi que a greve é recurso ex- ram quase duas horas de reunião, em um cli- tremo, nos casos em que falham todas as ten- ma de respeito entre as partes, pois aqueles 232

servidores tinham uma tradição de bom rela- propostas dos servidores fossem atendidas. cionamento com as pessoas, o trabalho e os No caso dos professores, a proposta en- assuntos públicos. tregue ao sindicato da categoria previa que a Quando já havia praticamente conven- gratificação de regência de classe de 40% so- cido os grevistas a suspender o movimento, bre os vencimentos seria incorporada aos ven- entraram no recinto os deputados estaduais cimentos, na forma de gratificação de função, Paulo Hartung, João Martins e Jorge Anders, mas só para aqueles que estivessem exercendo que em menos de cinco minutos convenceram efetivamente o magistério. a categoria a manter a paralisação. A gratificação anterior (regência de classe) Despedi-me, acompanhado de alguns fora deturpada ao longo dos anos e muitos pro- servidores que não apoiavam o movimento e fessores agora exerciam atividades burocráticas me pediam que não os abandonasse. Dias de- ou pedagógicas. De acordo com a nossa propos- pois, a própria categoria resolveu suspender a ta, os aposentados não receberiam a nova gra- greve e retornar ao trabalho. Passado algum tificação. Entretanto, nunca deixei de dialogar tempo, fui distinguido pela Associação com um com os aposentados. Ao contrário, solicitei que diploma de “Amigo dos Servidores do DIO.” me ajudassem a encontrar uma solução. Outro impasse aconteceu quando estava Passados alguns dias, trouxeram uma reunido com o governador e o secretário da proposta que foi considerada viável: a nova Saúde, Gilson Carone, buscando alternativas gratificação seria concedida a eles proporcio- de solução para o movimento da classe médi- nalmente ao tempo em que permaneceram em ca. Em dado momento, perguntei ao doutor sala de aula. Infelizmente, o advogado que os Gilson se aceitaria me acompanhar à assem- representava convenceu a categoria a ajuizar bléia da categoria, reunida naquele momento um mandado de segurança contra o Estado, em sua sede, no edifício AMES. Ele não teve com o argumento de que haviam perdido a dúvida: aceitou na hora. gratificação de regência. Aos que me procura- Fomos recebidos pela assembleia com um ram, aconselhei que não participassem daque- silêncio total. Os dirigentes interromperam a la iniciativa, pois perderiam tempo e dinheiro. sessão, convidaram-nos a fazer parte da mesa e No primeiro julgamento, ainda no Es- nos deram a oportunidade de, como represen- tado, eles ganharam a liminar, mas a decisão tantes do Governo, apresentar a real situação fi- final veio anos depois, no Supremo Tribunal nanceira do Estado e a proposta que seria viável. Federal, e eles tiveram que restituir os valores Já saímos de lá com a decisão deles de recebidos a mais. interromper a paralisação. Outra situação em que fui obrigado a Também a associação dos servidores do intervir dizia respeito à aposentadoria de pro- DETRAN – Departamento Estadual de Trân- fessores que estavam fora da regência de classe sito, promoveu naquele ano a primeira greve e exerciam atividades de direção, coordenação de sua história. de turno e outras. O novo texto constitucional Durante quase doze horas, discutimos e garantia a aposentadoria aos 25 anos de tra- analisamos a proposta da categoria, mas não hou- balho, mas a burocracia da Secretaria da Ad- ve entendimento possível. O presidente da Asso- ministração decidira paralisar os processos de ciação chegou a fazer greve de fome, para pressio- aposentadoria, na expectativa de uma decisão nar o Governo, mas a greve acabou sem que as contrária do Supremo. 233

Ao tomar conhecimento do fato, deter- minei o imediato cumprimento da lei. Só mui- tos anos depois a interpretação constitucional iria confirmar o direito da aposentadoria aos 25 anos, válido tanto para a regência quanto para as atividades extra-classe. Em julho de 1993, assumi a pasta da Fazenda e convidei meu amigo Luiz Carlos Menegatti, excelente profissional de carreira fazendária e conhecedor dos meandros e pro- blemas da Secretaria, para ser subsecretário da Receita. Dei-lhe autonomia para escolha dos assessores e, de novo, fui à luta. A primeira providência foi a de fazer o Posse na Secretaria da Fazenda – Julho de 1993. Da esquerda para a direita: levantamento da dívida de curto e médio pra- Adelson Salvador, Albuíno Azeredo, Marcos Madureira e José Eugênio. zos e planejar o fluxo de caixa para garantir o (Acervo do autor) cumprimento dos compromissos. Como já foi frisado, a receita disponível Como se verá, o desafio era bem maior do Estado registrara queda acentuada de 1991 do que eu imaginava. para 1992, em conseqüência da diminuição da Servidores pressionavam por aumento atividade econômica ocorrida de forma gene- de salários e pagamento em dia. ralizada em todo país, e também pela inércia Fornecedores e prestadores de serviços da fiscalização estadual. cobravam dívidas acumuladas durante vários meses. O Legislativo e o Judiciário exigiam o re- RECEITA DISPONPIVEL – 1991/94 – US$ mil passe dos duodécimos rigorosamente em dia. ANO US$ % de crescimento Secretários de Estado não obedeciam 1991 547.017,00 - aos “repasses carimbados” para manutenção 1992 443.687,00 ( - 19,10) dos pagamentos dos encargos sociais. 1993 465.926,00 + 5,00 1994 654.067,00 + 40,38 O sindicato do fisco agia na base do quan- Total 2.110.697,00 - to pior, melhor, para seus projetos políticos. Fonte: SEFA/SUBSOF Esse foi o cenário que herdei. OBS.: Receita disponível = ICM’S + ITCD + IPVA + TAXAS + IRRF + RENDIMENTOS + FPE + IPI + OUTROS. Além de adotar medidas fiscais que ele- vassem a arrecadação, iniciei um entendimen- to com o TRT - Tribunal Regional do Trabalho, RECEITA DE ICMS LÍQUIDO DO ESTADO – US$ mil ocupante dos dois últimos andares do prédio, ANO US$ % de crescimento para que encontrasse outro local de trabalho. 1991 391.673,00 - Como as instalações físicas estavam em péssi- 1992 303.876,00 ( - 22,42) 1993 322.451,00 + 6,11 mas condições, criei um grupo de trabalho en- 1994 506.949,00 + 57,22 carregado de buscar outro espaço para abrigar Total 1.524.949,00 - o Tribunal. Toda essa articulação foi comanda- Fonte: SEFA/SUBSOF da pelo saudoso Erildo Martins Filho. 234

Com a saída do TRT, executei o projeto o secretário da Fazenda era o jornalista Rogério de recuperação daqueles andares, para onde Medeiros. Procurei Fernando Achiamé no setor foi transferido o gabinete da Secretaria, quase de arquivo, solicitando cópia ou acesso aos pro- ao final da administração. cessos antigos, mas ele informou que teria de No térreo, um painel criado por Burle pedir autorização ao subsecretário Meirelles. Marx e seu escritório fora danificado por uma Esse cidadão me deixou esperando na re- infiltração vinda do prédio ao lado, durante cepção por mais de quatro horas e, quando me forte temporal que caíra em Vitória. Pedro Oli- atendeu, exigiu que fizesse um requerimento veira, subsecretário, recebeu a missão de pro- formal das informações que estava solicitando. videnciar a imediata correção desse e de outro Entre frustrado e decepcionado, mas vazamento na laje do prédio, que não tinha sem perder a calma, já estava no elevador cobertura de telhas capaz de impedir a infil- quando entrou também uma ex-servidora do tração de água no andar que se encontrava em financeiro que trabalhara comigo. reforma para abrigar o gabinete da Secretaria. - Zé Eugênio, que prazer em recebê-lo. Veio Por essas decisões, fui alvo de dois pro- matar as saudades da casa? cessos. O primeiro, por autorizar, sem licitação, Quando lhe disse o que precisava, ela a contratação do escritório de Burle Marx (já pediu que a acompanhasse até a copiadora Xe- falecido, na época). Entendi que a licitação não rox, onde encontrei outra funcionária conhe- era necessária, pois estávamos contratando o cida, que me recebeu muito bem e fez uma escritório do próprio autor do painel, e esse foi cópia do comunicado do INSS, para entregar também o parecer da assessoria jurídica. à colega do setor financeiro. Inicialmente, o Tribunal de Contas do Dentro de alguns dias, ela prometeu, eu Estado discordou desse parecer, mas posterior- teria em minhas mãos todas as informações mente o próprio relator mudou de posição e o necessárias para responder à notificação. Qua- processo foi arquivado com ressalvas. Só que tro dias depois recebi as cópias de todos os havia uma surpresa a caminho: três anos depois documentos que precisava. de deixar a Secretaria, recebi notificação técnica O subsecretário e o chefe do arquivo devem comunicando que o INSS – Instituto Nacional estar esperando até hoje pelo meu requerimento. de Serviço Social me “condenara” a pagar seis A documentação não continha qualquer mil reais de multa, com base em uma lei comple- assinatura minha autorizando as despesas, por mentar de 1991 que exigia a CND – Certidão uma razão simples: quando assumi a Secreta- Nacional de Dívida em qualquer processo de ria, o subsecretário Pedro Oliveira já tinha de- compra ou contratação de serviços. legação de competência para gerenciar as áre- No caso, foram processos de pequeno as administrativa e financeira. Apenas renovei valor, sendo o principal a contratação de um essa delegação, prevista na Lei n.º 3043/75. pedreiro para consertar os vazamentos na co- Mas os meus argumentos não foram bertura do prédio. Na época, o funcionário da aceitos pelo relator, no INSS, sob a alegação Secretaria não exigira aquele documento ao de que a lei indicava como responsável o diri- preparar o processo, mas ainda assim ninguém gente do órgão. conseguiu entender como o INSS chegara a Recorri ao Conselho. Sem sucesso. multa tão elevada. Recorri à Procuradoria do órgão. Nova- Já estávamos no Governo Vitor Buaiz e mente sem sucesso. 235

O processo foi encaminhado então à cujos custos financeiros para ajuizamento Justiça Federal, para a cobrança. eram mais elevados. Seu cancelamento teria Apresentei minha defesa. Mais uma vez, como resultado redução da carga de trabalho sem sucesso. dos técnicos da área e o volume de processos. Certo dia, uma oficial de justiça apare- Foi criada e implantada também a Delegacia ceu na portaria de minha residência com no- Fazendária nas dependências da SEFA e no- tificação para apresentar um bem, como ga- meado para o cargo o Delegado da Polícia rantia da dívida. Não aceitou o terreno que Civil José Monteiro Júnior, com a finalidade possuía em Aracruz, sob a alegação de que era de apurar os crimes de sonegação fiscal. Cons- muito longe para ela ir até lá e verificar se cor- tituiu-se também uma Comissão Especial de respondia ao valor da “dívida”. Investigação da Polícia Civil. Apesar da paciência, decidi enfim que não No período de um ano e meio de admi- daria qualquer bem em garantia. Preferi levantar nistração da Pasta, tive que enfrentar inúmeras aquele valor e depositar em juízo. E foi o que fiz. turbulências. Quando os sistemas de controles Em 2009, devido a alterações na legisla- começaram a funcionar, foram iniciadas as pres- ção, a Justiça me deu ganho de causa e recebi de sões de toda monta. O caso mais famoso era volta os seis mil reais, com as correções de praxe. o da sonegação fiscal do Grupo Ferreirão, que De posse do diagnóstico das finanças de chegou a ser preso em dezembro de 1993 com curto, médio e longos prazos, iniciei o trabalho, uma enorme carga de autos de infração. Não com o compromisso - assumido com a equipe sei se foi por correlação, mas o fato é que num de governo e com o próprio governador - de dos turnos da tarde, recebi ameaça de explosão recuperar a receita, trazendo-a para o patamar de bomba no prédio. Por precaução solicitei o de 1991 e ainda obter um crescimento real de comparecimento do Corpo de Bombeiros e da 5%. Outro passo necessário e importante foi o Polícia Técnica, tendo sido evacuado totalmen- de implantar o serviço de informática na Se- te o prédio, para que fosse feita a perícia. Nada cretaria. Fomos buscar técnicos já conhecidos foi encontrado e todos retornamos normalmen- e capazes de ajudar na ação. te ao trabalho. No dia seguinte, o subsecretário Para agilização dos processos no Con- Menegatti trouxe-me a informação de que to- selho de Recursos Fiscais, fui buscar um juiz dos os processos daquele grupo haviam desapa- aposentado, que estruturou um projeto nos recido do quarto andar, setor onde funcionava moldes do que era realizado no estado do a fiscalização. Determinei ao subsecretário que Ceará. A ideia consistia em criar códigos por tomasse as medidas exigidas pela lei. Decorrido assunto, propiciando subsídios ao conselheiro, os dois dias, já adotadas as providências cabí- que fosse relatar um determinado processo, veis, convoquei todo o corpo técnico do setor de ter vistas a todos os assuntos correlatos ane- fiscalização para uma reunião em meu gabinete. xados, para um único parecer. Reduziram-se Fiz uma exposição aos técnicos da cronologia os prazos de decisão e por desdobramento o dos acontecimentos, dizendo-lhes que não pre- volume quantitativo de processos. cisavam se preocupar com o desaparecimento Outro procedimento foi com relação dos processos, pois, ao ter acesso a eles, havia ao levantamento do que era possível receber tirado cópia xerox para mim e levado para casa. com relação à dívida ativa, ou seja, com vista Houve ainda doze ameaças de bomba no aos processos de valores não representativos, prédio, tendo eu determinado às secretárias Vanil- 236

za, Gorete e Márcia que mantivessem o assunto a ligação foi feita e por mim atendida. O “bina” sob sigilo e que se elas assim desejassem pode- registrou a origem do telefonema, a cidade de riam deixar o prédio. Cumpriram a determinação Jerônimo Monteiro. Ao fundo, o passarinho e corajosamente continuaram em seus postos. continuava cantando. Passei a maior descom- Quando recebi a informação da secretá- postura no cidadão e os trotes terminaram ali. ria de que recebera um telefonema com outra Outra situação constrangedora aconte- ameaça de bomba no prédio, o “bina” regis- ceu quando retornava de uma audiência com trou que o telefonema viera do 4º andar, do se- o presidente do Egrégio Tribunal de Justiça, tor de fiscalização e que a voz era de homem. Dr. Antônio José Miguel Feu Rosa, na rua Pe- Desci correndo, mas ao chegar, verifiquei que dro Palácios, no Centro. Ao aproximar da es- a ligação tivera origem na mesa telefônica e quina que dá acesso à escadaria em frente do que a pessoa aproveitara a ausência temporá- prédio da Secretaria da Fazenda, um cidadão ria da telefonista para efetuar a chamada. chamado Mineirinho aproximou-se de mim Pedi que as secretárias convocassem to- com um objeto debaixo da camisa, encostou- dos os servidores do turno da manhã e da tarde e me na parede e disse: nos reunimos na ante-sala do gabinete. Narrei o “Fui contratado para matá-lo, mas não acei- que estava acontecendo e sua relação com tele- tei a empreitada. Acho bom o Senhor ficar atento, fonemas, sem identificação do interlocutor. Jus- pois eu não aceitei, mas outro poderá fazê-lo.” tifiquei o sigilo mantido e que o décimo terceiro Algumas pessoas encontravam-se no telefonema ameaçador viera de um homem. saguão e na sacada do prédio da Assembleia Será que essa pessoa seria homem com Legislativa e haviam observado que alguma H maiúsculo para se apresentar aos seus co- anormalidade estava acontecendo. O deputa- legas? Não, conclui afirmando, era um frouxo, do Sávio Martins, representante de Jaguaré, que se valia do anonimato para ameaçar os discretamente desceu as escadas, dirigiu-se até próprios companheiros. Nunca mais tivemos onde nos encontrávamos e se jogou por cima problemas deste tipo. do Mineirinho, rolando os dois pelo chão. Fi- Mantinha o costume de almoçar com quei agarrado à parede feito lagartixa, impo- Cariê, de “A Gazeta”, pelo menos de quinze tente, sem reação para sair do local. Passado o em quinze dias. Num desses encontros, fiz um susto, fui até a Secretaria e informei ao colega comentário sobre o episódio dos telefonemas secretário de Segurança o que ocorreu, tendo com ameaças. Dias depois, presenteou-me Ca- ele orientado para que só deixássemos as de- riê com o “bina”, que mandei instalar em meu pendências da Secretaria depois que ele libe- gabinete de trabalho. rasse. Mandou prender o Mineirinho, que foi Em casa, ainda pela manhã, recebi uma levado até o quartel de Maruípe onde prestou ligação com ameaças e tentativa de chantagem. depoimento, deu o nome do mandante e assi- Tive um “insigth”, dizendo que estava apres- nou. A partir daquele dia, passei a andar com sado e o convenci a ligar para o meu gabine- dois seguranças, também minha esposa e meu te onde poderíamos conversar mais à vontade filho, por determinação da Casa Militar. Esse Durante a rápida conversa, ouvi ao fundo o tri- desconforto durou quase trinta dias. Confesso nar de um passarinho, certamente engaiolado. que depois do episódio, passei a não dar mui- O estratagema deu certo. Pouco mais de meia to crédito àquela pessoa. Acreditei que alguém hora da nossa chegada ao gabinete de trabalho, lhe tenha pago para me dar um susto. 237 Alerta de Fernando Henrique Cardoso sobre créditos extemporâneos

gente no Estado, dificultava o acerto. Fez uma sugestão interessante, a aceitação, pelo Estado, de bens imóveis em dação de parte da dívida. Já em Vitória, procurei saber qual a posi- ção do Governo Federal em relação à matéria, obtendo a informação de que a União parce- lava o pagamento do débito em noventa e seis meses. Com esses novos subsídios, reuni-me com a equipe técnica e refizemos o projeto. Todas as empresas procuradas aceitaram fazer Visita do Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso ao Espírito Santo – 1993. o acordo, até porque, por precaução, haviam Da esquerda para a direita: Bráulio Bassini (Presidente da FINDES), José contabilizado em seus balanços os respectivos Eugênio, Fernando Henrique Cardoso, Deputada Federal Rose de Freitas. (Acervo do autor) provisionamentos contábeis e efetuados os de- pósitos correspondentes em contas judiciais. Em uma das reuniões de secretários de A exceção ficou por conta da Samar- Fazenda estadual com o ministro da Fazenda, co Mineração, empresa que, conhecedora da CONFAZ, Fernando Henrique Cardoso, ao questão jurídica do Estado de Minas Gerais, saber que eu era do Espírito Santo alertou- sequer fez o provisionamento contábil. me sobre problemas gerados com o uso de crédi- Um fato pitoresco ocorreu quando nos tos extemporâneos. Sua recomendação era pro- reunimos com os diretores da Samarco. curar firmar acordo com as empresas envolvi- Viajaram desde Belo Horizonte com das, citando o caso do Estado de Minas Gerais, destino a Vitória de avião e daqui até Ubú/ que perdera ação no Supremo Tribunal Federal, Anchieta onde iam nos encontrar. Após o en- em 1º Grau. Em Vitória, coloquei o Governa- contro, ao nos despedirmos, o presidente da dor a par do que ouvira do ministro, tendo ele empresa, com ar de riso, comentou: determinado para adotarmos as providências “A nossa reunião pode não ter sido proveitosa que fossem cabíveis. Elaborei uma minuta de para o que o Estado havia esperado, entretanto que- projeto para ser discutida com as empresas in- remos cumprimentar o secretário e o subsecretário dividualmente. O primeiro encontro foi inci- Menegatti, por terem chegado ao compromisso dez dental e proveitoso. Ao comparecer a uma minutos antes do horário programado”. cerimônia fúnebre, em Castelo, encontrei- Esta colocação, ficamos sabendo depois, -me com o Sr. Severino Mathias, proprietá- se deveu ao fato dos ex-governadores Max e rio da Calçados Itapuã, uma das empresas Albuíno, em situações semelhantes, cada um a que se valeram do benefício. Mostrando-se sua vez, terem chegado a encontros com algu- interessado em regularizar a situação de sua mas horas de atraso. empresa, argumentou que o prazo de 30 Foram efetivados acordos com a Ara- meses para pagamento, conforme regra vi- cruz Celulose, CST, CVRD, Dadalto, Itapuã, 238

Viação Itapemirim, Selita e outras empresas técnica da SEFAZ”. A forma encontrada foi am- menores. Algumas delas indicaram imóveis pla e democraticamente debatida, com destaque em dação de pagamento, como parte da dívida para a participação da OCB – Organização das Registro uma interessante solução en- Cooperativas do Brasil, já que, além da Selita, contrada pela Secretaria em uma assembléia outras 14 cooperativas encontravam-se na mes- extraordinária dos produtores de leite com os ma situação. A proposta da SEFA foi aceita por cooperados da Selita, realizada dia 13 de janei- unanimidade. ro de 1994, em Cachoeiro de Itapemirim. Cerca O produto seria utilizado para ajudar no de mil produtores ali compareceram para que movimento de combate à fome e distribuído se encontrasse uma solução para as cooperati- aos alunos da rede estadual. vas que optaram por utilizar daqueles créditos Foram mil litros de leite/dia, correspon- extemporâneos. À proporção em que ia se de- dentes a setenta e cinco processos que represen- senrolando a reunião fiquei imaginando o que taram 30 milhões de dólares, correspondentes a propor aos cooperados. De repente passou-me 37 bilhões de cruzeiros, a moeda da época. pela cabeça sugerir o pagamento em sacolas de Por precaução, guardo até hoje cópia de leite conforme sugerido e já analisado pela área todo o processo.

*** No início de janeiro de 1994, foi implementado o primeiro posto fiscal de fronteira informatizado, na divisa do Espírito Santo com o Rio de Janeiro, conhecido como Posto Santa Cruz.

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Meses antes, em outubro de 1993, a Secre- com o então governador Fleury. Sensibilizada, taria da Fazenda do Estado de São Paulo, gerida toda a bancada no Congresso Nacional, Depu- pelo Sr . Maia, no governo de Luiz Antonio Fleu- tados Federais Armando Viola, Etevalda Mene- ry Filho, editou a Portaria CAT-54, sobretaxando zes, Lézio Sathler, Jones dos Santos Neves, Jório os produtos importados pelo FUNDAP - Fundo de Barros, Nilton Baiano, Helvécio Castelo, Rita de Desenvolvimento das Atividades Porturárias do Camata, Roberto Valadão e Rose de Freitas e os Espírito Santo. O mesmo procedimento foi adota- Senadores Élcio Álvares, João Calmon e Gerson do pelo governo do Rio de Janeiro sob a justifica- Camata, participaram da nova audiência. Presen- tiva de que o FUNDAP era um incentivo fiscal. tes ainda o prefeito de Vitória, Paulo Hartung, Essa decisão me levou a efetuar inúmeros e o governador Albuíno Cunha de Azeredo que deslocamentos até o Rio de Janeiro e São Pau- deixaram Brasília e Vitória e se incorporaram ao lo, quase sempre acompanhado pelo subsecretário grupo. Mais uma vez não alcançamos sucesso, Menegatti, pelo presidente do BANDES, Dr. João com o governador de São Paulo transferindo a Luiz de Menezes Tovar, pelo presidente e mem- solução para a equipe técnica. bros do SINDIEX – Sindicato dos Importadores Sem outra alternativa, a decisão foi entrar e Exportadores, Sr. Amâncio Picoli, pelos senho- com ação na Justiça para derrubar as portarias res Otacílio Coser, Fernando Camargo, Graciano dos governos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Espíndula, entre outros. Não conseguindo sucesso Foi o que o Estado fez. na área técnica, procurei agendar uma audiência Quando entramos no escritório do advo- 239 gado que estava sendo contratado em São Paulo, da administração do município de Vitória, pelo no bairro Morumbi, manifestei minha preocupa- prazo dado ao FUNDAP para recolhimento do ção ao governador Albuíno. As amplas e luxuosas ICM’S naquele mês e o argumento para a recla- instalações do escritório me faziam antecipar que o mação era o de que o assunto deveria ter sido dis- valor dos honorários poderia ser incompatível com cutido previamente com os municípios. (Decreto a nossa realidade. Fomos para a sala de reuniões, n.º 3.629-N, de 22/12/1993). apresentamos o diagnóstico e confirmamos o en- Decorridos exatamente quinze dias da caminhamento, via SINDIEX, de toda documen- assinatura do contrato com o advogado, no dia tação. O advogado falou das dificuldades para der- 18 de dezembro de 1993, o STF – Supremo rubar as portarias, mas que usaria todos os recursos Tribunal Federal acatou o mandado de seguran- jurídicos para chegar a bom termo. Apresentou o ça do Governo do Estado do Espírito Santo e valor de seus honorários, confirmando minha in- concedeu a liminar que suspendia os efeitos da tuição. O valor estava longe de nossas condições portaria CAT-54, da Secretaria da Fazenda de financeiras naquele momento. Pedimos licença ao São Paulo. O relator do processo foi o ministro advogado para que governo e empresários pudes- Sepúlveda Pertense e a liminar até hoje é manti- sem ter uma reunião à parte. Otacílio, sentado ao da, sem julgamento quanto ao mérito. meu lado, havia feito algumas simulações que nos O FUNDAP, ao longo de sua existência, apresentou. A proposta consistia em prorrogar o sempre teve percalços e até no próprio Estado. próximo recolhimento do ICMS gerado pelo siste- Ainda em dezembro de 1993, o ex-deputado ma, para, com aplicações financeiras, custear par- Ulisses Anders pretendeu introduzir modifi- te dos honorários advocatícios. Por aquela ocasião, cações no projeto, excluindo a importação de ainda existia uma inflação bastante elevada o que veículos pelo sistema. me levou a raciocinar que a prorrogação por trinta Não creio estarmos imunes, no tempo, dias sugerida por Otacílio, dependendo dos valores a novas ações políticas contra o FUNDAP, de apurados, e poderia ser feita a compensação, no importância quase vital para a economia capi- caso do resultado ser a maior. xaba, diante da cobiça fiscal de outros Estados Assinado o contrato, recebi severas críticas da Federação. 240 Dificuldades anunciadas e estratégia para superação Desde o momento que aceitei o desafio foi lançada a campanha da “Nota Milionária de assumir a SEFA, sabía o que iria enfrentar. da Sorte”, incentivando os consumidores a co- Um dos graves problemas era o atraso de pa- brar a nota fiscal do consumidor para ser tro- gamentos de pessoal. cada por bônus que lhes davam condições de Quando assumi, já destaquei, o atraso participar do sorteio de prêmios oferecidos pelo com a categoria já chegara a três meses. Todo governo do Estado. Só valiam notas de farmá- o trabalho foi focado em fluxos de caixa, que, cias, mercearias, restaurantes, oficina mecânica muitas vezes, era alterado, no mesmo dia, em e lojas de roupas e eletrodomésticos. Inicial- até três vezes, em função do desajuste das mente, aceitou-se também as de supermerca- finanças. Por essa razão, programava o reem- dos, que depois foram suprimidas, porque esse bolso das consignações dentro da lei, creditan- segmento dava notas fiscais espontâneas. do-as na véspera do vencimento. Por esse com- Mais tarde, em fevereiro de 1994, foi portamento o SINDIFISCAL - Sindicato dos feita outra campanha, denominada “Gol de Fiscais do Estado do Espírito Santo fez duas Placa”, ou “Nota Milionária do Esporte”. A denúncias de apropriação indébita por parte soma de 50 mil cruzeiros, em notas fiscais, da Secretaria da Fazenda. Atendemos as duas podia ser trocada por um ingresso que dava ao notificações, que foram arquivadas, pelo fato torcedor entrada grátis nas partidas de fute- dos recolhimentos já terem sido realizados bol do campeonato capixaba, e ainda ao sor- dentro do que prescrevia a legislação. Essas teio de um veículo no final do mês. Foram rea- audiências foram feitas na Delegacia Especial lizados cinco sorteios e os estádios chegaram a em Crimes contra a Administração Pública, em ter a sua capacidade física totalmente lotada. Jucutuquara, uma delas no dia 12 de junho de Finalmente, em julho daquele ano, foi cria- 1995, quando já não era mais o Secretário da do o “Vale Viagem”, sucesso total, que vigorou Fazenda. até novembro. Todas estas campanhas tinham Na busca de novos recursos, em 1993, como objetivo combater a sonegação fiscal.

Até onde?

Em agosto de 1994, na Secretaria da de agosto de 1994, mais uma marca triste na Fazenda, recebi um telefonema do jornalista minha trajetória profissional. Carlos Tourinho de “A Gazeta”, solicitando Saí apressadamente, com o programa já minha presença no telejornal das 11:45, quan- entrando no ar. Na recepção, a orientação era do seria apresentado o relatório do Conselhei- para ser conduzido imediatamente ao estúdio. ro do Tribunal de Contas do Estado, Erasto de Sentado ao lado do apresentador Tourinho, Souza Aquino. O conselheiro afirmara para a disse-me ele: imprensa, em entrevista coletiva, que o Esta- “Zé Eugênio a única informação de que dis- do não controlava a sua receita. Foi no dia 27 ponho é deste documento.” 241

Fui direto às conclusões e logo identifi- sidente, Sra. Mariazinha Lucas (Maria José quei duas falhas gritantes. A primeira era im- Velloso Lucas) discutindo o assunto e princi- perdoável ser dita por um cidadão que já havia palmente as minhas respostas. Fui autorizado sido prefeito municipal, pois estava incluída a entrar e participar da discussão. A mim con- no relatório a receita de ICM’S a parte dos 25 cedida a palavra, procurei ser objetivo: por cento, que constitucionalmente era repas- “Estamos aqui para trabalhar uma infor- sada aos municípios, automaticamente, quan- mação em conjunto, pois temos certeza de que, ao do da entrada nos cofres das agências bancá- chegar para o trabalho, encontrarei grande parte rias. Esse repasse é feito diretamente, seguindo da imprensa desejando informações sobre aquela de- critérios previamente estabelecidos por legisla- núncia”. ção federal e estadual. O valor corresponden- Procurei mostrar aos conselheiros os te só é contabilizado nas contas do Estado e equívocos do relatório, tendo o conselheiro era apontado, quase trinta milhões, como não Erasto responsabilizado dois assessores pelas controlado pelo governo ou “desviado”. falhas. A presidente do TC mandou chamar Olhei outro valor significativo do re- os funcionários que, ouvidos, não aceitaram latório que era o do pagamento da folha de a transferência para eles da responsabilidade pessoal do Estado, aí incluídos os da ativa, pelo erro cometido e apresentaram documen- inativos, empresas e autarquias públicas e ou- tos que comprovavam sua afirmação. tros poderes, no valor aproximado de noventa Estava criado um dilema. Como sair milhões, cuja engenharia financeira era cons- dele? tituída através da transferência de todos os Em minha cabeça, um enredo se for- saldos permitidos, das contas de receita para mava. Se eu revelasse publicamente a ver- uma única conta, denominada conta de re- dade, desmitificando o membro do Tribunal sultados, processando-se o pagamento, ao in- de Contas, poderia criar um conflito entre os vés de retirá-lo individualmente de cada conta Poderes Executivo e Legislativo. Enquanto eu corrente. Isto só era possível pelo fato do pensava, a presidente do TC protestou pela Estado ter adotado o sistema de caixa único. forma com que algumas pessoas do Tribunal Diferença esclarecida técnica e conta- açodadamente passavam informações para a bilmente, como passar essa engenharia para o imprensa, ainda sem conclusões. O Conselhei- telespectador em tão curto espaço de tempo? ro Mário Moreira deu sua opinião me conci- Afirmei tratar-se de interpretações equi- tando a falar a verdade para a imprensa. vocadas, mas que iria procurar o Colendo Tri- Saí daquela Corte sem uma definição e bunal de Contas para esclarecimentos e me durante o percurso até a Secretaria fui pen- colocava à disposição para retornar no horário sando na forma de responder às perguntas da e espaço do telejornal para novos esclareci- imprensa. A solução que encontrei foi soli- mentos, se necessários fossem julgados. citar um prazo, até terça-feira seguinte, para Imaginei uma metodologia de ação e apresentar os dados reais. Assim foi feito. decidi passar logo após o almoço no Tribunal Com a colaboração de Pedro de Oliveira e de Contas. Conhecia a maneira de atuação da da Dra. Berenice Pinho, analisei documento por Corte e, pessoalmente, conselheiros e funcio- documento de receitas e despesas. Não houve nários. Acertei na mosca. Todos os conselhei- tempo para concluir o levantamento no prazo por ros encontravam-se reunidos na sala da pre- mim solicitado. Procurei a presidente do TC para 242

pedir mais dois dias, cujo pedido foi deferido. descrevi todos os acontecimentos. Ao final da Outra grande surpresa! O conselheiro minha explanação afirmou: Erasto, exatamente na terça-feira, convocou a “Este pessoal do Tribunal de Contas é um imprensa para outra coletiva, afirmando que bando de filho da p... !” ele tinha razões nas suas denúncias, pois a Se- Para aumentar o seu desespero diante cretaria e o secretário da Fazenda não haviam das suas afirmativas completei: comparecido àquele Tribunal para contestar “Meu senhor, não vou defender o senhor go- sua denúncia. vernador, pois o senhor se referiu a ele como crioulo Os telejornais do horário do almoço es- e macaco, mas este secretário da Fazenda que foi tampavam: citado nós o conhecemos desde que nasceu. Muito “Confirmado, o governo não possui controle prazer, somos nós o secretário”. de suas receitas.” Ele quase desmaiou. Imagine quantas “Governo desvia mais de cento e dez milhões pessoas assistiram ao telejornal e também de- de reais de sua receita” e outras desinformações. vem ter tido a mesma impressão. Confiante na organização e direção do Retornando do almoço verifiquei que Tribunal de Contas, não me preocupei em as informações procediam. Acelerei a conclu- acompanhar de perto, como o caso merecia, são do relatório, confirmando toda a lisura e sequer tínha assistido os noticiários daquele no acompanhamento e dos procedimentos dia. administrativos do controle da receita. Con- À hora do almoço, fui à Marcovan, se- tratamos um pequeno jornal, de circulação no diada naquela época na Avenida Fernando interior, e fizemos publicar o nosso relatório, Ferrari, fazer uma compra a pedido de minha distribuído na véspera da audiência no Tribu- mulher. Ao entrar na loja, ouvi um cliente es- nal por todos os rincões do Estado. bravejando: Terminada a apresentação do relatório, “Este crioulo, macaco, é um filho da p..., é um ainda tive que ouvir servidores entendendo ladrão, pois desviou milhões de reais do governo.” que o relator Erasto tinha razão. Para completar: Nelson Rodrigues escreveu que toda “Ainda tem um secretário da fazenda igual unanimidade é burra. Muitas vezes, porém, a a ele”. vida tem mostrado que nem sempre apenas a Entre perplexo e surpreso, sob os olhares unanimidade usa antolhos... dos vendedores e do proprietário da loja, meu Quando me dirigia para o estaciona- conhecido, indaguei àquele “cidadão”: mento na companhia do Dr. Octávio, três as- - Onde foi que o senhor tirou estas informa- sessores do Tribunal, meus conhecidos, esta- ções? vam me criticando por entender que eu havia Respondeu-me que ouvira do noticiário “pegado muito pesado” no relatório. Pergun- da TV Gazeta do meio dia. Respirei fundo e tei-lhes como procederiam se estivessem na pedi licença para explicar-lhe do que se tra- minha posição. Não houve resposta. tava. Com palavras bem simples e objetivas, 243 Operação padrão

No decorrer do mês de julho de 1994, os Xavier, era para demonstrar “o descaso” com servidores fiscais da Secretaria realizaram uma que o governo administrava à arrecadação. operação padrão nos estabelecimentos comer- Manifestei-me favorável à operação pa- ciais da Glória – Vila Velha – e na divisa com drão afirmando: o Estado do Rio de Janeiro. O motivo alegado “Quem dera que eles fizessem sempre este tipo pelo Presidente do SINDIFISCAL, Eustáquio de operação, ao invés de paralisarem as atividades.”

Ainda Landeiro

Produzindo eco, as denúncias do Lan- Diversos sindicatos se valeram da deixa deiro continuavam provocando tremendo e partiram para cima de mim, conclamando- bombardeio na imprensa. me a deixar a pasta, cargo incompatível para Em A Gazeta, a matéria confirmava: quem estava sendo acusado de corrupto na “Ex-governador e atuais assessores do gover- matéria do jornal. no, envolvidos em corrupção”. Como sempre, alguns oportunistas não Quando percebemos a lambança que o mediam as consequências e possíveis desdo- denunciante estaria por provocar, procuramos, bramentos dos seus atos inconsequentes. eu e Max, o diretor do jornal, Cariê. Ao dar a Fiquei sob a mira da imprensa de do- versão correta do episódio, motivo da denúncia, mingo até quarta-feira, quando concedi uma disse-nos Cariê ao final de que nada poderia fa- entrevista coletiva apresentando completo re- zer, pois a matéria já se encontrava na redação. latório da situação. O texto, que estava sendo redigido por Flá- Me vali da ocasião para fazer do limão via Mignone, que naquele dia entrara de férias, uma limonada. Convidei, e à entrevista compa- passara para a sua colega de trabalho Rita Briti. receram, dezenas de prefeitos e ex-prefeitos, ve- “A Gazeta”, edição de domingo, ainda readores e deputados, todos solidários comigo. não rodava aos sábados, o que me propiciou Na quinta-feira o assunto saia de pauta. antecipar para familiares e amigos mais próxi- Agora restava administrar o estrago. Contratei o mos o que estava por vir. advogado criminalista Dr. Vinicius Bitencourt e Ao ler a matéria, fiquei estarrecido. O entrei com uma ação contra o cidadão Landeiro. jornal estampava uma foto minha, 3x4, num Protocolei na Casa Civil pedido de abertura de canto da página, com o denunciante descre- sindicância por parte do governo, para apuração vendo o teor de uma fita gravada entre ele e das denúncias e movi seis ações contra presiden- seus asseclas enumerando as dificuldades para tes de associações e sindicatos. me contatar a fim de tratar de uma “esculham- Por que será? Os oficiais de justiça não bação” (sic) armada entre eles. conseguiram localizar nenhum dos indiciados O título e o texto produziram graves da- por mim nas ações contra eles movidas. Ao Ju- nos para quem era titular de uma pasta tão dicário, fora fornecido, pormenorizadamente, os importante do Governo. endereços residencial, do local de trabalho, do 244

sindicato e/ou associações, inclusive telefones Na repartição policial tive a resposta. Não foi o bastante para os oficiais de Justiça. Tratava-se da ação policial que havia mo- Esse fato faz lembrar um episódio a mim vido contra o cidadão Landeiro. Dadas as expli- narrado por um advogado amigo e o registro, cações, o delegado e o escrivão lamentaram mi- textualmente, consta da certidão de um fun- nha saída da Secretaria da Fazenda, dizendo-me cionário de cidade fluminense: o titular da delegacia que outras pessoas já ha- “Deixei de fazer a citação tendo em vista que viam prestado depoimento, inclusive Landeiro. o réu está em lua de mel e me respondeu que nos Perguntou-me ele sobre a ação proposta e, diante próximos dias não estava nem aí...” de minha detalhada explicação, desejou saber se O MM Juiz Dr. Joseph Haddad, levado eu possuía documentos relatando todo o depoi- por aquela indesculpável omissão, determinou mento. Lembrei-me da certidão detalhada que o arquivamento de todas as ações e ainda me obtive junto à Secretaria de Administração para condenou ao pagamento das custas processu- apuração daquela denúncia. ais. O único personagem que o oficial de jus- Prometi atender ao seu pedido, enviando- tiça encontrou foi eu, quando pela manhã, ao lhe uma cópia. Em seguida entregou-me uma sair de casa para o trabalho, fui por ele abor- cópia do depoimento do Landeiro, documento dado para ser notificado. É mole? em que o denunciante afirmou e assinou, quan- Decorrido quase um ano, ao chegar em do perguntado sobre suas denúncias, que nada casa para o almoço, encontrei uma notificação tinha contra minha pessoa, que eu era do bem, de uma delegacia de polícia situada no bairro um bom profissional, etc. e que o problema dele “Bomba”, convocando-me para depor sobre comigo era de cunho político. uma CPI relacionada com obras. Diante dessa declaração, movi-lhe mais “Que CPI de obras é essa que nada ou- uma ação, até hoje tramitando no Judiciário. vira falar?!”

Estresse

Após a realização da entrevista coletiva, Não fugi a essa dramática experimen- no final de semana fui para Guarapari, onde tação e a geração de um nível excessivo de sofri severa infecção intestinal. adrenalina ocasionou uma espécie de colápso Afinal, nenhum ser humano, constituí- em nível físico e emocional, atuando a ponto do de corpo e emoções, resistiria por tempo de causar desequilíbrio incontrolável, quase tão longo a uma carga tão pesada de pressões. sempre para a gente inexplicável. Instalou-se em mim uma alteração química, e Procurei um médico gástrico que me um dos seus desdobramentos foi a crise que prescreveu uma medicação para controlar o me acometeu, facilitando reação ao estresse. fluxo intestinal. Em conseqüência, sofri uma Acontecimentos desgastantes superpos- constipação que durou quase três dias. tos e cumulativos ao longo do tempo interfe- Para superar o problema, a recomendação rem no nosso bem-estar, e essas experiências clínica foi a de forçar o funcionamento do intes- surgem como ameaças, causando mágoas e tino. Resultado é que tive rompidas duas hérnias. frustrações, sem que as possamos controlar. Retornei a Vitória, e incomodado com 245 as dores, procurei o consultório do dr. Bicas, Santo” vi o secretário de Comunicação do que clinicava no antigo Hospital São José, no Governo, Nilo Martins, ao ser entrevistado Parque Moscoso. Após o exame, sem nada me pelo jornalista Abdo Chequer, “detonar” a adiantar, fez uma ligação telefônica para o dr. Secretaria da Fazenda e seu secretário, afir- Roberto Zanandréia, em Santa Lúcia, e a ele mando que o problema do Estado não era de fui encaminhado. Fui atendido imediatamen- despesas, e sim de receita, que a atual gestão te, o que já me deixou assustado. Realizados não conseguia resolver. os exames, sentou-se à mesa, redigiu manual- Mesmo calejado por tantas acusações mente um documento, lacrou-o e solicitou que ao longo de minha vida pública – a grande retornasse ao consultório do Dr. Biccas e lhe maioria delas leviana, como a Justiça julgou entregasse. O Dr. Biccas pegou uma agenda – levantei-me da cama com tanto ímpeto que preta, fez algumas anotações e ligou imedia- tive rompido um ponto da cirurgia. tamente para o Hospital Santa Rita, pedindo Solicitei ao jornaista Abdo Chequer es- que se reservasse um apartamento e a sala ci- paço no mesmo programa, no dia seguinte, o rúrgica. Naquela mesma noite, às 21 horas, que foi por ele democraticamente concedido. eu seria submetido a uma cirurgia de hérnia À tarde já estava em Vitória, indo direto ao Só depois de tanta expectativa fiquei sabendo Dr. Bicas. Preocupado, o médico disse que dessa incontornável necessidade. não poderia aplicar anestesia para recompor Naquele momento, minha única compa- o ponto. Minha irritação com as declarações nhia era o motorista, Sr. Antonio, a quem pedi do secretário era tanta que sofri com estoi- que me levasse até o hospital. Foi só então que cismo as dores do procedimento médico para “caiu a ficha”. Liguei para meu cunhado Cam- possibilitar minha presença no telejornal. peão, que foi imediatamente ao hospital e, de No programa, durante a entrevista, re- lá, contatou minha família. futei todas as declarações de Nilo Martins. À noite, o Dr. Biccas deu-me uma expli- Dei a versão correta de leitura da equação cação sobre o procedimento cirúrgico, preten- receita versus despesa do Estado. dendo operar inicialmente uma das hérnias e, Minhas declarações provocaram, como depois de trinta dias, a outra. Não concordei e o desdobramento, uma cisão na equipe de gover- cirurgião disse que, com essa decisão, teria que no. O jornal A Gazeta publicou, no dia seguin- colocar uma sonda urinária que exigiria minha te, um editorial criticando minha postura. permanência no hospital até o dia seguinte. O que teria motivado a ira do secretário? Morava na Av. Saturnino de Brito, em Num momento ainda de séria crise prédio sem elevador. Por isso, depois de ope- financeira, o governo investia pesadamente rado, fui compelido a me deslocar para Gua- em propaganda. Assessorava o governo, aler- rapari, onde minha casa não possuía escadas e tando-o para o excesso daquele gasto, mas ficava ao lado da residência do meu sogro. mesmo assim, em duas ocasiões, fui chamado No dia da cirurgia realizava-se a partida pelo Governador até a residência da Praia Brasil x Suécia pela Copa do Mundo de Fute- da Costa, a primeira para fazer um repasse bol. Daí, só recebi visitas depois do jogo, que à SECOM – Secretaria de Comunicação, no terminou empatado. valor de R$ 3 milhões. Com uma semana de repouso forçado, Não me senti, como gestor da pasta assistindo ao programa “Bom Dia Espírito da Fazenda, num momento tão sensível e 246

vulnerável das finanças do Estado, à vonta- tou o que poderia ser entendido, sob sua óti- de para cumprir a determinação recebida. ca, como rebeldia a uma ordem superior. Ao chegar à SEFA, liguei para o Coronel Au- Nessa segunda ocasião, o pedido era rich e pedi-lhe para me enviar, até a tarde, para que fosse liberada a importância de R$ o montante da dívida com fornecedores das 5 milhões para a mesma Secretaria. Mais uma polícias Militar e Civil. vez me insurgi contra a indicação e liberei os No outro dia quase todo o passivo foi recursos para a Secretaria de Saúde, às voltas liquidado. com falta de verba para atender às suas míni- Decorridos alguns dias, fui novamente mas necessidades. convocado para explicar porque não havia fei- O secretário, no entanto, valendo-se do to o repasse indicado. Informei ao Governador período em que eu me encontrava em licença que estava para estourar uma crise na polícia médica em virtude de uma cirurgia eletiva, con- por atraso de pagamentos com fornecedores, cedeu nova entrevista à TV Gazeta divulgando motivo maior para a decisão adotada. queda da receita, contrariando a verdade. Dados O secretário de Comunicação não acei- oficiais revelavam a seguinte movimentação:

Janeiro (CR$ Cruzeiro Real) 15,64 milhões Janeiro 40,02 milhões dólares Fevereiro (CR$ Cruzeiro Real) 19,26 milhões Fevereiro 34,96 milhões dólares Março (CR$ Cruzeiro Real) 33,17 milhões Março 43,19 milhões dólares Abril (CR$ Cruzeiro Real). 42,24 milhões Abril 38,07 milhões dólares Maio (CR$ Cruzeiro Real) 73,57 milhões Maio 46,39 milhões dólares Junho (CR$ Cruzeiro Real) 94,63 milhões Junho 41,86 milhões dólares Julho (Real) 39,47 milhões Julho 42,31 milhões dólares Agosto (Real) 62,61 milhões Agosto 69,64 milhões dólares Setembro (Real) 62,10 milhões Setembro 71,66 milhões dólares Outubro (Real) 61,25 milhões Outubro 72,37 milhões dólares Novembro (Real) 61,24 milhões Novembro 72,73 milhões dólares Dezembro (Real) 65,58 milhões Dezembro 77,20 milhões dólares

Fonte: Balanço Geral do Estado do Espírito Santo - Consolidado. OBS.: receita orçamentária líquida (excluídos: ICMS, IPVA, IPI, Lei Kandir e dívida ativa dos municípios), operações de crédito, FUNDAP e FUNRES.

O Secretário ficou possesso, acusando-me “... o secretário chegou a sair do governo, com na “Primeira Edição” de estar jogando no des- vistas a disputar o cargo de governador, mas retor- gaste do governo, de estar a serviço do ex-gover- nou porque a sua candidatura foi esvaziada devido nador Max Mauro, que deveria pedir demissão ao envolvimento do seu nome em uma série de de- do cargo, que vários prefeitos e deputados esta- núncias contra o governo”. duais vinham solicitando ao governador que me Quanto veneno! Era esse mesmo o motivo? demitisse. Chegou a afirmar que: Afirmara o secretário naquela entrevista 247 que fizera um contato com o Governador e tência do chefe de Estado, que me convocara e informara-lhe que eu havia desmentido o Go- asssinara o ato de minha nomeação. verno e dissera que o Governador Albuíno iria Conversei o assunto com o Governador, revidar “batendo duro” e que o governador mostrando-lhe os dados oficiais e me descul- havia lhe determinado seguir em frente. pei pelo incidente e pelo possível desgaste por Depois dessa entrevista, muito tranqui- ele ocasionado. Disse a ele que, fosse eu o go- lo com relação aos números e fatos, reafirmei vernador do Estado, teria demitido os dois se- que a receita vinha, sim, crescendo no Estado cretários. Ele se limitou a rir e decorrido pou- nos últimos meses. co mais de dez dias desse episódio marcou um Disse à imprensa, com sinceridade e rea- encontro com os dois, encerrando o assunto. lismo, que o poder de decisão sobre minha per- Cheguei a reatar relações de entendi- manência ou não no Governo era atribuição ex- mento com Nilo Martins, superado “entreve- clusiva do governador. Permaneceria enquanto ro” que não fora por mim causado. meu trabalho fosse encarado como útil e sairia Hoje, provavelmente não teria agido se fossse considerado que, ao revés, estivesse pre- daquela forma, mas o tempo e o homem são judicando a administração. Mas isso era compe- outros.

Editorial de A Gazeta – “Crítica Surpreendente” – 26.07.1994 (terça-feira). (Acervo do autor) 248 Ódio na geladeira

Haja turbulência! pondência à direção da CEPLAC, em Brasí- O ex-governador Magalhães Pinto, de lia, narrando o que estava acontecendo e su- Minas Gerais, analisando a conduta de outro gerindo, ao mesmo tempo, a transferência do conhecido político mineiro, também já faleci- local da escola para o espaço ocioso da EEE- do, dizia que ele “guardava ódio na geladeira.” FM – Escola Estadual de Ensino Fundamental Não faço analogia, mas, uma vez ainda, e Médio “Emir de Macedo Gomes.” Depois o Conselheiro do Tribunal de Contas Erasto de sucessivos telefonemas e correspondência Aquino viu oportunidade para solicitar uma formal pedindo uma posição oficial daquela auditoria na SEFA, aprovada por unanimida- instituição, recebi, quase um ano depois da de pelo plenário. Tratava-se de uma inspeção posição oficial registrada, correspondência di- extraordinária para examinar as despesas de zendo da impossibilidade de realizar aquela junho e julho de 1994. Não sei no que deu e troca. Para que isso ocorresse, teria que mudar desconheço o resultado da auditoria. o objeto do convênio original. Logo que cheguei à Secretaria de Educa- Inquiri sobre o procedimento necessário ção em 1988, recebi uma minuta de aditivo de para devolver os recursos financeiros. Levou-se convênio com a CEPLAC - Comissão Executiva também um bom tempo para que respondessem do Plano da Lavoura Cacaueira, órgão encar- a minha solicitação, anexada a resposta ao pro- regado da administração da cultura cacaueira, cesso encaminhado à Secretaria da Fazenda. Os para minha análise e manifestação. Transfor- recursos encontravam-se no caixa único do Go- mei aquele memorando em um processo e en- verno. No tempo, a Secretaria devolveu somen- caminhei à área técnica pedagógica para que te o capital principal, sem os juros e correções apresentasse um relatório de que se tratava. recomendados pela CEPLAC. Era um repasse financeiro para construção Para minha surpresa – e na verdade eu de uma escola de ensino médio agropecuário não deveria mais me supreender com a posi- na cidade de Linhares. Entretanto, quando a ção do jornal – em maio de 1994, A Gazeta obra já se encontrava com os seus principais publicou matéria sob o título: “Políticos Capi- pilares, cuja construção estava sendo feita em xabas Reagem a Divulgação da Lista do TCU um terreno do Estado, onde hoje funciona a - Tribunal de Contas da União”. fazenda experimental do INCAPER - Institu- Fui citado pelo TCU que considerou ir- to Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica regular a prestação de contas, entendendo que e Extensão Rural, uma comitiva de técnicos houve manipulação ilícita de verba pública e havia chegado para inspecioná-la e verificar o omissão de prestação de contas no tempo há- seu andamento. Os capixabas nos lembramos bil. Não me encontrava em nenhuma das situ- da dramática enchente do Rio Doce ocor- ações arguidas, pois quis o destino que estives- rida naquele ano. Transbordadas, as águas se à frente da pasta da Educação, exatamente cobriram todos os pilares da construção. Foi no momento em que procurei acertar aquela o estágio das obras visto pelos técnicos, de- pendência. Não assinara nenhum convênio, terminando sua reprovação. não efetuara nenhum pagamento, e estava Com esse relatório, encaminhei corres- sendo punido, mais uma vez, por ter tomado 249 a iniciativa de solucionar problemas que não Secretaria da Fazenda havia atraso de paga- eram meus. Não poderia deixar de receber mento de três meses com os servidores públi- com bastante revolta a notícia. O processo cos e dívidas com fornecedores e prestadores começara com o ex-secretário Wilson Haese, de serviços, mesmo tendo diminuído o atraso passou por Dona Ana Bernardes da Silvei- para um mês e dez dias aproximadamente, as ra, pelo Professor Joaquim Beato e por mim. manifestações de servidores em frente ao pré- Não sei com que justificativa foi retirado o dio onde funcionava a Secretaria eram qua- nome do Wilson Haese da lide. se frequentes. Alguns agora já reivindicavam O destino mais uma vez decidiu a meu também o aumento de salários, como foram favor. Ao ocupar a titularidade da Secretaria da os casos dos professores e servidores da área Fazenda, solicitei que um técnico se deslocasse da agricultura. até Brasília e levantasse o valor correto da di- Mesmo na época atuando em outro ferença, pois pretendia aproveitar a oportuni- setor do Governo, tornou-se comum a mim dade para colocar um ponto final no processo, atender representantes dessas categorias, prin- devidamente autorizado pelo governador. cipalmente os da área do magistério, com di- Obtida a informação, comuniquei-me ficuldades para dialogar com o titular da pas- com o secretário da Educação, Paulo Lemos ta. Outros, da administração indireta, faziam Barbosa, encaminhando o recurso financeiro manifestações para ter um calendário de paga- com a diferença repassada à CEPLAC. Ima- mento dos precatórios. ginei, e todos pensariam o mesmo, que o pro- A administração fazendária continua- blema, afinal, fora solucionado. Pois, apesar va buscando soluções, uma delas conseguindo de todas as evidências favoráveis, mais do que aprovar a lei das Micro e Pequenas Empresas, as isso, comprovadas, entendeu o TCU manter a campanhas educativas para solicitação da emis- punição que me tornava inelegível. são de notas fiscais, aplicação na prática da lei Foi profundamemnte doloroso ver mi- criada e aprovada pela Assembléia Legislativa, nha mãe ir ao Banestes, enfrentando filas que tratava do projeto “Consciência Tributária”, para receber os seus proventos de pensão por de resultados práticos a médio e longo prazos. morte do meu pai e ouvir e se manter serena Com a situação se normalizando, ca- quando algum servidor mais afoito procurava muflava os saldos reais das contas correntes, deslustrar a minha imagem. Ela dizia que ti- única forma encontrada de fazer poupança nha vontade de reagir, mas prudência e educa- para cobrir emergências, comuns em qualquer ção falavam mais alto. administração. Recebia pela manhã da direção A venda das ações da Telest e da Escel- dos bancos os saldos diários e com isso prote- sa, com acordos para recebimento de dívida gia também o governo dos “aliados políticos” ativa das empresas que se utilizaram dos cré- e de alguns credores que pressionavam para ditos extemporâneos, além do aumento da recebimento dos seus haveres. Havia prepa- arrecadação, provocado principalmente pela rado um fluxo de caixa para até o dia 31 de mudança do plano econômico do País, e o dezembro de 1994, quando se encerrava o pe- crescimento da arrecadação, não foram sufi- ríodo de governo. cientes, entretanto, para produzir o equilíbrio Até que um dia o governo descobriu a financeiro para o Estado. Se quando assumi a nossa estratégia. 250 Nota fiscal – uma resistência a ser vencida

Há, não só no Espírito Santo, uma resis- Não consegui o documento fiscal, mas tência generalizada ao fornecimento de nota o exemplo deixado marcou no bolso e incun- fiscal pelas empresas que burlam, com isso, o tiu na consciência do proprietário a necessi- pagamento de impostos. O alheiamento de co- dade de participar desse esforço do governo, merciantes diante dessa obrigação é tão gran- com a legalidade de suas atividades, pagando de que muitas vezes a exigência é vista como os impostos devidos e contribuindo com sua uma agressão do Estado. parcela para o bom andamento da máquina Sou testemunha pessoal. Enfrentei, não governamental: a fiscalização multou o esta- apenas uma vez, dificuldades para exigir o docu- belecimento e lacrou suas portas até a sua re- mento. Num hortifrutigranjeiro da região praia- gularização fiscal. na, após fazer as compras, como as máquinas de Descentralizando a ação da Secretaria registro não funcionavam, solicitei a nota fiscal. e procurando com isso um contato direto com A fila começara a crescer e os clientes se torna- as comunas capixabas, estabeleci a prática do vam impacientes. Foram chamados o gerente e “governo itinerante”, deslocando-me com todo o o dono do estabelecimento. Estava formada a meu “staff” para o município e ali despachando. confusão. Tive que ir para um canto e esperar Essa prática democrática deu ótimos resultados pela solução, com protesto dos cidadãos que dei- num período em que a aproximação entre gover- xaram de ter a mesma iniciativa. Consegui, de- no e prefeituras se fazia absolutamente neces- pois de muita conversa, que o estabelecimento sária para consolidar um sadio relacionamento emitisse a nota fiscal. E assim passei a proceder, implantado pelo Executivo. em todos os lugares onde efetuava compras. Era Ainda no Norte do Estado, outro episó- também a minha forma de dar exemplo e esti- dio confirmou, de um lado, a fragilidade da mular essa prática de cidadania. fiscalização, e de outro a sonegação de impos- Viajando para o Norte do Estado, dei tos como coisa natural, sem consequências. continuidade ao meu trabalho de incutir na Encerrados os trabalhos no município mente de fornecedores e usuários a necesssi- onde a Secretaria havia se instalado, partici- dade de emitir e cobrar a nota fiscal. O des- pei de uma pequena festa de confraternização caso pela iniciativa foi comprovado, também dos funcionários, em um restaurante da cida- lá, num estabelecimento que vendia pastéis e de. Despesa rateada, pedi ao garçom a emissão caldo de cana. Consumi e pedi a nota fiscal. da nota fiscal correpondente ao pagamento a Não tinham. A máquina registradora não fun- ser feito. Não tinham como emitir: o estabele- cionava. O bloco de notas fiscais estava com cimento não era sequer registrado. o contador. Constatei mais uma vez o hábito O chamado governo itinerante serviu rotineiro de estabelecimentos comerciais no também para orientar os trabalhos da Secretaria descumprimento de suas obrigações fiscais. no combate à evasão fiscal, com bons resultados. 251 De como uma ação se volta contra o autor

Dezembro, 1994. Mês tradicionalmente Fui honesto, como não poderia deixar de ser. festivo, com as famílias se confraternizando e O governo não dispunha de caixa para realizar re- propondo planos para o Ano Novo que deveria passe daquele valor. Poderia assumir, em nome ser necessariamente melhor do que o ano que se do Executivo, o compromisso de um repasse de despedia. R$ 700 mil reais, importância dividida em duas Esse ambiente em que se criam tantas parcelas, a serem remanejadas de outras rubri- e saudáveis expectativas foi no entanto abala- cas. do por uma crise entre os Poderes Executivo A dois dias do final do ano, 29 de dezem- e Judiciário. bro de 1994, fui surpreendido com a decisão do O Governo se comprometera com o Pre- Juiz Samuel Meira Brasil Junior, da Vara dos sidente do Tribunal de Justiça de proceder a Feitos da Fazenda Pública Estadual, determi- uma liberação adicional de R$ 1 milhão e 400 nando o bloqueio das receitas do Estado, sob a mil reais para prover necessidades imediatas justificativa de assegurar o pagamento dos ser- do setor. Para seu cumprimento, no entanto, vidores estaduais, no início de janeiro de 1995. necessariamente, deveria ter sido acionada A concessão da liminar foi motivada por a área fazendária para sua implementação e ação popular movida pelo secretário geral do consequente ajuste no fluxo de caixa. O que Sindicato dos Médicos do Espírito Santo, Dr. não foi feito. Ricardo Baptista. Como titular da Pasta, recebi uma liga- O Estado recorreu, mas o presidente do ção telefônica do chefe do Gabinete daquele Tribunal de Justiça manteve a decisão ante- Tribunal, meu compadre Jaime, perguntando rior. O bloqueio das contas, medida recebida por que não fora ainda efetivado o repasse fi- como uma decisão extemporânea, teria con- nanceiro assegurado pelo Executivo. Colhido sequências negativas até para os proponentes. de surpresa, não tinha como responder. Deci- A Secretaria, no entanto, já emitira or- di ir pessoalmente ao TJ para ouvir e dar pos- dens de repasses financeiros para os tribunais síveis explicações ao Dr. Antônio José Miguel de Contas e para a Justiça, além de já haver pro- Feu Rosa, seu presidente. cedido a diversos pagamentos relacionados com Fui recebido com aquela sua proverbial aqueles Poderes. Com o bloqueio das contas do e carinhosa saudação: “meu amigo, você me aban- Executivo, só o Tribunal de Justiça teve trinta e donou!” e só então tive ciência do compromisso dois cheques devolvidos pelo Banco. assumido pelo Governo. No mesmo dia resolveu-se o problema. 252 Com a candidatura de Vitor Buaiz

Valho-me da memória para assinalar ter O cabo Camata, sempre eloquente, sido eu o único secretário de Estado, ainda no afirmou o tempo todo a sua independência Governo, a assumir compromisso de apoio à político-partidária, para ao final dizer esperta- candidatura do Dr. Vitor Buaiz. mente, e para surpresa dos prefeitos presentes, Consultado, o governador não viu mo- caso ele fosse eleito, só tinha um compromis- tivos para não me autorizar, na condição de so, dele próprio, que era o de levar para a sua membro do seu governo. administração um profissional de carreira, que Também com sua prévia aquiescência, não votaria nele e que estava trabalhando pelo coordenei uma reunião do candidato com outro candidato, José Eugênio. prefeitos municipais, na residência oficial da Os prefeitos o aplaudiram, de pé. Praia da Costa, e, posteriormente, um encon- O que faltou de malícia política ao Vitor tro dos dois políticos, para que Vitor Buaiz sobrou ao cabo Camata. fizesse a apresentação do seu programa de Go- Até hoje, há prefeitos que me cobram verno, caso fosse eleito. pelo mau governo de Vitor Buaiz. O governador concordou, com a con- dicionante de ter o outro candidato, o cabo Camata, condições idênticas e pudesse, como pretendia, apresentar aos prefeitos a sua pla- taforma de atuação, no caso de sucesso. A apresentação de Vitor Buaiz não teve “recall” entre os mais de quarenta prefeitos presentes ao encontro. Num ambiente frio, sem emoção, percebi não estar tendo sucesso no meu trabalho de cooptação, e somente dez, Reunião da equipe de transição – Palácio Anchieta – dezembro de 1994. Da esquerda para a direita: deputado federal Renato Casagrande, entre todos, mostraram-se dispostos a apoiar Vitor Buaiz e José Eugênio. o candidato do PT. A sigla atemorizava a polí- (Acervo do autor). tica conservadora municipal, e problemas po- líticos regionais impediam a adesão por mim defendida. Vitor Buaiz discursou, mas parece não ter também ele convencido a maioria dos pre- feitos presentes. No portão de entrada da residência ofi- cial, até onde o acompanhei, fui abordado pelo cabo Camata, que também iria falar aos prefei- tos, na forma proposta anteriormente pelo go- Reunião da equipe de transição – Palácio Anchieta – dezembro de 1994. vernador. Pediu-me para ficar e ouvir o que ele Da esquerda para a direita: deputado federal Renato Casagrande, tinha a dizer. Um pouco constrangido, ocupei Vitor Buaiz, Governador Albuíno, José Eugênio, Octávio Guimarães e Idivacyr Martins. uma das últimas cadeiras do salão. (Acervo do autor). 253 Há sempre um preço a pagar

Foi quase ao final da minha gestão na Se- te da programação, por já ter o Estado novo cretaria, antes da posse do novo governador, que governador eleito, porque não havia provisio- vivi dois grandes dissabores. O primeiro, quando namento orçamentário, além da fragilidade do fui procurado pelo dirigente de uma grande em- seu conteúdo técnico. presa, prestadora de serviços ao Estado, às voltas Sofri uma pressão enorme para viabilizar com sérias dificuldades financeiras. o projeto. Chegou a ser realizada uma reunião Era meu conhecido e procurou justificar no Palácio para tratar do assunto, não tendo a visita alegando ser eu uma pessoa em quem eu recebido novos e convincentes argumentos se podia confiar, que me admirava, etc.. para rever minha posição, já manifestada. Um Seu interesse real era receber do Gover- deputado estadual, visivelmente interessado no certa importância já empenhada, sujeita ao na execução do projeto, sem condições de con- pagamento de encargos fiscais e sociais. Se- vencimento técnico e até político, partiu para gundo ele, sua firma executara ainda um vo- agressão verbal, acusando-me de traição por lume considerável de serviços, já medidos. O ter apoiado a candidatura de oposição. problema é que não havia emitido a nota fiscal O próprio governador encarregou-se correspondente. de fazer a minha defesa, afirmando minha Na fria realidade do fluxo de caixa, as lealdade até ao assumir a posição de apoio a chances de recebimento seriam de aproxima- Vitor Buaiz. damente vinte e cinco por cento. Não reco- Não é a política a responsável pelos mendava a emissão de notas fiscais relativas desatinos praticados no exercício da vida pú- ao trabalho posterior. blica, mas sempre os políticos. Muitas vezes, O empresário, diante do que lhe foi ao perder a capacidade de argumentar com mostrado, não fugiu à regra que infelizmen- lucidez na defesa de seus pontos de vista, ao te continua sendo aplicada até nos mais altos serem contrariados nos seus interesses nem foros do governo federal. O oferecimento de sempre legítimos, apelam usando artifícios de propina, uma quantia financeira para que pu- linguagem e levantam acusações levianas que desse ajudar os nossos candidatos na campa- eles mesmos sabem não proceder. nha eleitoral em curso. Na reunião no Palácio, o deputado inte- Procurei entender, pelo menos em parte, ressado no projeto ao qual eu dera parecer con- o desespero do empresário, limitando-me por trário, levantou contra mim novas acusações, isso a dizer-lhe para fazer melhor uso do dinhei- pondo em dúvida minha conduta ética no go- ro oferecido, como na recuperação financeira de verno, dizendo que eu não era o “santo” que sua companhia. apregoava, pois tinha uma mansão em Guara- O outro grande contra tempo ocorreu no pari, construída por empreiteiros do Estado. início de dezembro, quando foi apresentado ao Não precisei dizer nada. A minha defesa governo um projeto para construção de pontes, coube ao Secretário-Chefe da Casa Civil, que ginásios de esportes e parques de exposições. possuía um apartamento em frente à minha casa O processo veio parar nas minhas mãos e a e acompanhara toda a sua construção passo a ele dei parecer contrário, por fugir totalmen- passo. O deputado, afinal, perdeu precioso tem- 254

po, e a reunião foi encerrada sem definição. Justiça praticamente cassava o mandato do Na saída, o deputado continuou me governador Albuíno. ofendendo, dizendo que iria me f.... na As- Como titular da Fazenda, dei continui- sembléia. Reagi, creio que com alguma agres- dade ao projeto SIAFES – Sistema Integrado sividade, dizendo-lhe não temer suas ameaças, de Administração das Finanças Pública do Es- nem ter “rabo preso” com ninguém. pírito Santo; determinei reformas e constru- Fui para casa e dormi tranquilamente. ção de quinze agências fazendárias; implantei Pela manhã, o governador me chamou o projeto “Consciência Tributária” nas escolas para um encontro na Praia da Costa, preocu- estaduais e municipais; foi elaborado e im- pado que ficara com a minha reação. plantado o projeto “Micro e Pequena Empre- Disse-lhe, uma vez mais, que meu cargo sa’; implantou-se a obrigatoriedade da máqui- estava à sua disposição e, se necessário fosse, na registradora nos estalecimentos comerciais; eu deixaria sem qualquer mágoa o posto que reviu-se a legislação dos benefícios fiscais; rea- com muita honra eu ocupava no seu governo. tivou-se o projeto “FILAX – Controle de Aba- Ao final de tudo, acredito ter sido o úl- te de Gado Bovino”; implantou-se o projeto timo a apagar as luzes, pois com os bloqueios “Controle de Combustível”, com a redução de das contas correntes do Estado, o Tribunal de oitenta por cento na sonegação de impostos. 255 Palácio Anchieta - Onde Exerci os Cargos de Sub- Secretário de Planejamento, Secretário da Casa Civil e Articulação com os Municípios. (Acervo do Governo do Estado - Patrimônio Cultural do Espírito Santo)

Após dois anos de gestão, Albuíno promoveu a mudança no secretariado, levando para sua equipe políticos que já haviam concluído seus mandatos. 256 Vinte quatro

urante o mandato do governador Max Mauro, minha apro- ximação com o então secretário de Planejamento, Albuíno Cunha de Azeredo, aconteceu naturalmente, pois ambos atu- ávamos em contato direto com os municípios. Quando chegamos ao período de indicação dos candidatos à Dsucessão, já se sabia que o secretário Albuíno Azeredo contava com a simpatia de boa parte dos prefeitos. Max, entretanto, iniciou as sondagens pelo nome do ex-prefeito de Vitória, Vitor Buaiz (PT). Depois, considerou a possibilidade de lançar o ex-prefeito de Caria- cica, Vasco Alves, que não estava filiado a nenhum partido. Houve ainda comentários de bastidores, jamais confirmados, de que Max teria feito um convite ao senador José Ignácio Ferreira e este até admitira aceitar o convite, desde que não fosse apresen- tado como candidato do Governo. Ou “candidato chapa branca”, como se costuma dizer. Enquanto Max avaliava o cenário político, já no início de janei- ro de 1989 o prefeito de Barra de São Francisco, Enivaldo dos Anjos, articulava a formação de um movimento dos prefeitos filiados ao PFL - Partido da Frente Liberal, principalmente na região norte do Estado. Os prefeitos queriam ter influência no processo de escolha do candidato ao Governo ou na indicação do vice. Dos 63 municípios então existentes, 23 prefeitos eram filiados ao PFL, ou seja, 37% do total. Compunham o grupo coordenado por Enivaldo os prefeitos Dilo Binda (Colatina), Jair Ferreira da Fonseca (São Gabriel da Pa- lha), José Carlos Milanezi (Marilândia), Nelson Alves (Itaguaçu), Walace Alcure (Pancas), José Francisco da Rocha – o “Zé Rochinha” (Águia Branca) e Edivaldo Ricatto, o “Branco” (Mantenopólis). Mas o movimento cresceu e, em breve, já contava também com prefeitos do sul do Estado, chegando a um total de 43 municí- pios. E essa mobilização em torno da causa municipalista tendia a

do futuro convergir para o nome de Albuíno, que era bem aceito pela popula- ção e esperava ter o apoio de Max. Formamos então um grupo – Enivaldo dos Anjos, Theodorico Ferraço, Edivacyr Martins, eu e um consultor vindo de Belo Horizon- te – e nos reunimos em uma suíte de hotel na Praia do Canto, para redigir o primeiro manifesto de apoio à candidatura de Albuíno. Assi- nado a 20 de março de 1990, o manifesto foi entregue ao governador Max durante audiência concedida a prefeitos e vereadores. Em um momento 257

Entrega do memorial com abaixo assinado dos prefeitos ao ex-governador Max Mauro, apoiando a candidatura do ex-secretário de planejamento Albuíno Azeredo - 1990. Da esquerada para a direita: Jair Ferreira (São Gabriel da Palha), Hélio Rocha (Santa Leopoldina), Humberto Serra (Conceição da Barra), Moacyr Carone (Anchieta), Branco (Mantenópolis), Aloísio (João Neiva), Terezinha Pimentel (Viana), Túlio Pariz (Jaguaré), Zé Rochinha (Águia Branca). Ao fundo: José Eugênio e Ruzerte de Paula Gaigher (Alfredo Chaves). Ao centro: Max Mauro e Albuíno, Dr. Pedro (São Mateus), Capila ( Montanha), Roberto Duarte (Alegre), Gilberto Carradi (Muqui), Enivaldo dos Anjos (Barra São Francisco), Aloisio Soares (Iconha), Valtinho (Mucurirci), Paulinho (Ecoporanga), Gil (Fundão) e Fernando Rezende (Mimoso do Sul). (Acervo do Autor)

Mais tarde, quando a imprensa lhe per- da pelo Ibope, outra pesquisa deu apenas um guntou sobre esse ato, o governador atribuiu a por cento das intenções de votos a Albuíno, mim a autoria exclusiva do documento e ainda contra 45% de José Ignácio Ferreira. O diag- disse que o manifesto fora lançado à sua reve- nóstico é que a campanha ainda não chegara lia, embora eu exercesse o cargo de secretário à opinião pública, apesar do apoio da grande de Educação e Cultura. Mas não foi assim que maioria dos prefeitos e da adesão explícita do as coisas aconteceram. E nem poderiam ser. governador Max Mauro. Durante a campanha eleitoral, desempe- Vieram novas mudanças na organização nhei diversos papéis: primeiro, no grupo da co- interna e nas ações externas da campanha e, ordenação política, sob as ordens de Max; de- em agosto de 1990, outra pesquisa do Ibope pois, na coordenação de meios, comandada por confirmou a liderança de José Ignácio, com Saturnino de Freitas Mauro, e, ao final, como 36%, mas Albuíno já alcançara a marca de 9%. coordenador geral da agenda do candidato. Esse resultado trouxe forte estímulo à cúpula e Nenhuma campanha eleitoral está livre à base da campanha. de atritos internos, confrontos entre perso- Decidimos, então, que cada um de nós nagens que desejam ter o controle das ações deveria explorar ao máximo todas as possibi- do candidato e “especialistas” que pretendem lidades de mobilização ao seu alcance, para entender de tudo: organização, mobilização, melhorar o desempenho do candidato nas pesquisa, propaganda etc. próximas pesquisas. Nesse momento, passei Houve um pouco de tudo isso, na cam- a dedicar mais tempo às articulações com os panha de Albuíno. A partir de certo momen- prefeitos. to, por exemplo, foi necessário trocar a equipe Inicialmente, procuramos envolver os de divulgação e propaganda por um grupo de prefeitos que dominassem melhor a oratória profissionais liderado por Beth Rodrigues. e a comunicação com os eleitores: Paulinho Encomendamos uma primeira pesquisa (Ecoporanga), Enivaldo (Barra de São Fran- à Vox Populi e os resultados eram desanima- cisco), Ferração (Cachoeiro) e Benedito Lyra dores. No começo de junho, desta vez realiza- (Guarapari). 258

Na etapa seguinte, comecei a demons- que parecia não estar preparado – começou a trar os números da pesquisa, mostrando o bai- perder terreno. xo rendimento do nosso candidato. Como ex-secretário de Planejamento, Al- E, conversando com o prefeito Dilo, ain- buíno conhecia perfeitamente o Orçamento do da manifestei minha estranheza: Estado e sabia o que podia e o que não podia - Dilo, como é que você, tão bem avaliado, anunciar para o futuro próximo. Essa sólida base não consegue transferir para Albuíno os votos de de informações lhe permitiu ganhar pontos a Colatina? cada resposta. Além disso, Marcelo Martins (ou- Ele não acreditava nos números: tro assessor) e eu íamos alimentando o candida- - Essa pesquisa está errada. to com respostas precisas e convincentes. Argumentei que os números eram do Um lance decisivo veio no momento em Ibope e não podiam ser contestados. que Zé Ignácio disse que, eleito governador, Dilo saiu do meu escritório de trabalho daria seis salários mínimos aos professores. Na diretamente para Colatina e subiu morro por réplica, Albuíno perguntou de onde viriam os morro, visitou rua por rua e casa por casa. O recursos para isso, e não houve resposta. resultado é que, em Colatina, Albuíno recebeu O ato final se deu após o sorteio do can- uma de suas maiores votações, proporcional- didato que seria o primeiro a fazer perguntas mente ao número de eleitores. ao outro. Zé Ignácio não soube dar respostas Adotamos a mesma estratégia com ou- convincentes. Já havíamos passado a Albuíno tros prefeitos e os resultados não demoraram. o artigo da Constituição que proibia a vincula- Além disso, passamos a viajar todo final de se- ção dos vencimentos de servidores público ao mana para o interior, buscando novas adesões. salário mínimo (Art.37, inciso XII, Da Admi- Quase ao término do primeiro turno, nistração Pública – Disposições Gerais) . acompanhei Albuíno a Guarapari, para um Albuíno fez então o seu último disparo: debate dos candidatos com o sindicato dos como conhecedor do Orçamento do Estado, professores. Esperava-se a presença de mais de jamais poderia assumir o compromisso que o mil professores. adversário anunciara, por ser inconstitucional. Encontramos o Zé Ignácio do lado de E se disse admirado ao ver que Zé Ignácio, tão fora do auditório, acompanhado de Marcelo orgulhoso de haver ajudado a escrever a Cons- Basílio. Cumprimentei-o e ouvi dele a afirma- tituição, nem sequer a conhecia. ção de que, mesmo atuando na campanha do Ficou sem resposta. Saímos sob os seu adversário, ele me respeitava, como ho- aplausos dos professores. mem e profissional, e me aproveitaria em sua Outro momento marcante aconteceu em equipe, se fosse vitorioso. Agradeci pela genti- Venda Nova, onde o prefeito Nicolau Falqueto, leza, mas lhe disse que ele perderia a eleição durante o comício, quebrou um tabu da campa- por falta de assessoria política, o que o deixou nha, ao se referir à cor da pele do nosso candidato. um pouco preocupado. - Se Nossa Senhora Aparecida, a padroeira Ao entrarmos no auditório, recebemos do Brasil, é negra, por que não podemos eleger o solene vaia dos professores, estimulados pe- doutor Albuíno? los dirigentes sindicais. Em seguida, a platéia O então governador Max procurava in- aplaudiu longamente a entrada de Zé Ignácio. fluenciar nos programas de televisão, com o que Entretanto, iniciado o debate, o ex-senador – não concordava Beth Rodrigues que chegou a 259 me procurar, em Mimoso do Sul para interme- municípios, os prefeitos combinaram com os diar um desses conflitos. Ela havia trocado uma coordenadores da nossa campanha que iriam fita que deveria ia ao ar por outra, produzida se afastar, para que o vice assumisse o cargo e pela equipe da TV, gerando polêmica. apoiasse Albuíno publicamente. As coligações formadas oficialmente fo- No primeiro turno, Albuíno venceu em ram ignoradas na prática, pois as verdadeiras 38 municípios e o Zé Ignácio em 29. No se- lideranças locais, em sua maioria, desafiaram a gundo, Zé Ignácio só venceu em Laranja da orientação partidária e passaram a apoiar pu- Terra, Ibatiba e Itapemirim. blicamente a candidatura Albuíno. Em alguns Casa Civil

A queda da arrecadação, provocando rente que se perpetua e cobre até o plano na- atrasos no pagamento aos servidores, fornece- cional. dores de serviços e credores, deu início a um Sempre fui um conciliador, mas tudo na processo de desgaste da imagem do Governo. vida pessoal e política tem limites. Se alguém Há muitos anos não aconteciam atrasos as- desrespeita tais limites, pede troco porque, sim, no Estado, e o desequilíbrio entre receita como disse o poeta Ascêncio Ferreira, nin- e despesa aos poucos fez do Palácio Anchieta guém é de ferro. refém do Legislativo. Desde os primeiros tempos na vida pú- A Assembléia chegou a criar uma CPI blica, fui amigo de Theodorico Ferraço, mas o para investigar as ações do Governo, princi- cachoeirense Luciano Cortêz, então deputado palmente na área financeira e orçamentária. estadual, não aprovava, por motivos políticos, Após dois anos de gestão, Albuíno pro- esse relacionamento. moveu a mudança no secretariado, levando Em abril de 1993, aquele deputado, du- para sua equipe políticos que já haviam con- rante pronunciamento na Assembléia Legisla- cluído seus mandatos. Entre eles, alguns nada tiva, teve a infelicidade de me chamar de “la- entendiam dos assuntos relacionados à pasta. caio do deputado Ferraço”. E outros tratavam o cargo como propriedade Devolvi-lhe a agressão verbal na mesma deles ou do seu partido. Um problema recor- moeda, como se lê a seguir. 260

“OF/CV/Nº 0511/93 – Vitória, 27 de abril de 1993 Do: Secretário Chefe da Casa Civil Ao Exmº Sr. Deputado Luciano Cortez Assembléia Legislativa Nesta

Senhor Deputado,

De meu conhecimento termos de seu aparte na sessão de 26 de abril último, no qual Vossa Excelência tece referência desairosas à minha pessoa, inclusive intitulando-me de “lacaio do Senhor Theodorico Ferraço”. Existe uma distância muito grande entre admiração e subserviência. Tenho inegável respeito ao políti- co e administrador Ferraço Filho. Aliás, minha posição se coaduna com a maioria dos eleitores Cachoeirenses, que no último pleito elegeu o candidato de Ferraço, com 34.162 votos, enquanto o Senhor teve 740. Não precisa dizer mais nada. Saiba Vossa Excelência, que muito me envaidece, como servidor público, ter prestado a minha colabo- ração a diversos governos quase sempre em cargos de destaque, sem que tivesse tido necessidade de qualquer ingerência política. Honra-me mais, ainda, o fato de que todos os governadores com quem trabalhei, são meus amigos, no que pese entre alguns, havendo indisposições pessoais e políticas. Nem por isso tornei-me um “lacaio”. Vossa Excelência deveria utilizar o mandato que lhe foi outorgado, pela bondade do povo Cachoeiren- se, para construir algo positivo para seu Estado ou para o Município que diz representar. Cada dia me convenço mais da necessidade de reformas políticas, que impossibilitem atitudes insi- diosas como a sua, amparadas por uma imunidade política inconsequente, que proteja covardes como Vossa Excelência, que agride e acusa sem provas. Lacaio é Vossa Excelência.

José Eugênio Vieira Secretário-Chefe da Casa Civil.”

O ofício foi protocolado na Assembléia Dada a minha proximidade com o go- Legislativa e até hoje não obtive resposta. vernador, meus colegas insistiam em que eu Penso que nenhum homem público deve tratasse desse assunto com ele. Mas, por coe- tirar proveito do cargo ou função que ocupa rência, sempre me neguei, até o dia em que os para resolver questões, pleitos ou desentendi- colegas Márcia Murad, Coronel Aurich, Juracy mentos pessoais. Por pensar assim, vivi a situ- Magalhães e Berenice Pinho marcaram audi- ação que agora relato. ência com Max, na Praia da Costa, e aprovei- Max Mauro era o governador do Estado taram a ocasião para tratar desse processo, en- quando os consultores de carreira do Execu- quanto despachava com o governador. tivo, entre os quais eu me incluía, ganharam O governador ouviu e, segurando minha ação administrativa julgada pelo Conselho da mão, perguntou: Procuradoria Geral do Estado. - Zé, do que trata esse processo? 261

Constrangido, expliquei. - É do secretário José Eugênio. Max refletiu por alguns instantes, antes Outro, afoito, comentou: de se pronunciar. - Hum, nem bem chegou ao Palácio e já com- Disse que homologaria a decisão do co- prou carro novo. legiado da Procuradoria, com a condição de Mas o “seu” Antônio, que estava por não pagar as parcelas atrasadas. Pagaria ape- ali e ouviu a conversa, lembrou-se do contra- nas a partir daquela data, novembro de 1991. cheque e ligou os fatos. Mostrou aos colegas O grupo de colegas concordou. quanto eu havia recebido, ou seja, a mesma Mas até o final do seu mandato, em março importância paga a todos os consultores de de 1992, o Governo não pagou nenhuma parcela. carreira do Estado. No período da campanha de Albuíno, o Mas uma surpresa me aguardava em mesmo grupo procurou o candidato e ouviu casa, na Rua Saturnino de Brito, na Praia do dele que, se eleito, pagaria as diferenças e cor- Canto. Deixei o carro no estacionamento ge- rigiria daí em diante. Dessa vez, a promessa ral, porque o meu Chevette ocupava a vaga na foi cumprida e recebi uma diferença salarial garagem. que seria suficiente para adquirir quatro auto- Subi os cinco andares do prédio, que móveis do tipo Kadet. não tinha elevadores, apanhei a chave do Che- Fiz duas cópias xerox do contra-cheque e vette, desci e fiz a troca. O Chevette foi para entreguei uma ao motorista que me transpor- o estacionamento ao ar livre e o Kadet para a tava habitualmente, “seu” Antônio Rodrigues, única vaga da garagem que nos pertencia. e outra à secretária Gorete. Não entenderam o Subi de novo e convidei a Beth para des- gesto, mas lhes pedi que guardassem com eles, cer, pois tinha uma surpresa para ela. Creio pois poderiam precisar daquela informação que ela já adivinhava o que seria, pois nada em algum momento do futuro. disse até chegarmos à garagem, onde lhe apre- Era escassa a oferta de veículos novos, no sentei a novidade: mercado de Vitória, naquele momento. Por isso, - É seu. pedi a amigos de Cachoeiro, Colatina e Linha- Só então, muito sem graça, ela respondeu: res que me avisassem, caso alguma revendedora - Tenho uma notícia ruim para lhe dar. local tivesse disponibilidade de veículos, pois Aquele consórcio que tenho na Contauto de Vila Ve- desejava adquirir um. lha foi sorteado ontem. Amanhã estarei com mais Recebi de Linhares a informação de que um carro novo. uma pessoa sorteada em consórcio queria ven- O que pensariam as pessoas, vendo que der, com ágio de cento e vinte mil cruzeiros, apenas três meses depois de deixar a Secreta- um Kadet zero Km avaliado em aproximada- ria da Educação já me apresentava com três mente quinhentos mil cruzeiros. veículos? Em um condomínio com 42 mora- Fechei o negócio, transferi o dinheiro dores, 40 iriam comentar o fato da pior forma pela via bancária e fiquei aguardando a chega- possível: da do veículo, que me foi entregue em frente - Só pode ser ladrão. Saiu rico da Educação. ao Palácio Anchieta. Os outros dois éramos eu, obviamente, e Um dos motoristas, ao ver chegar o au- o jornalista Paulo Torre, morador no primeiro tomóvel, aproximou-se para saber a quem per- andar do primeiro bloco, com quem costuma- tencia e logo espalhou a notícia entre os colegas: va trocar ideias sobre assuntos de Governo. 262 A “mansão” de Guarapari

Motivado pelo que “ouviu dizer”, o en- nheiro. Então, combinamos que ele pagaria à tão deputado Ruzerte de Paula Gaigher, elei- vista e eu o reembolsaria em 30 parcelas men- to pela região de Alfredo Chaves, pronunciou sais de 100 reais, sem juros e sem correção. agressivo discurso no plenário da Assembléia Assim, a escritura e o registro já foram Legislativa, atacando minha honra e afirman- feitos em meu nome e liquidei as promissórias do que eu enriquecera como secretário da no prazo combinado. Educação. Além disso, sugeriu aos seus pares e Em um domingo qualquer de 1976, du- à população que tomassem conhecimento da rante o almoço da família, perguntaram quan- “mansão” que eu possuía em Guarapari. do iria construir a casa. Respondi que ainda E disse outras tolices, que nem merecem não havia programado nada, mas queria ouvir registro. a opinião deles sobre o que fazer primeiro: to- Essa casa de Guarapari não merecia a dos votaram pela construção de uma piscina. atenção que lhe deram. Sou levado a narrar a Nessa época, o prefeito de Guarapari, verdadeira epopéia que se desenvolveu em tor- Graciano Espíndula, iniciava a urbanização da no dela, com detalhes muito pessoais, porque Praia do Morro e pedi à empresa encarrega- ela gerou uma reação de cunho político mais ou da de preparar as ruas que jogasse no terreno menos comum ainda nos dias atuais. Ainda an- parte da areia que estava sendo recolhida. O tes dela, e ainda depois dela, sempre recebi com resultado é que o muro entre o lote e a casa desconfiança as delações gratuitas sobre fortu- do meu sogro ficou com menos de um metro nas construídas por autoridades públicas ou po- de altura. líticas durante o exercício do seu mandato. Tive que mudar os planos, elevar o muro Havia um terreno baldio de esquina, e construir outro em torno do lote. O portão ao lado da casa do meu sogro Cely Carvalho foi feito da mesma madeira utilizada nos ali- França, na Praia do Morro, em Guarapari, e cerces do muro. Embora não fosse necessário, ele temia que construíssem um prédio ali, ti- pedi e obtive licença da Prefeitura de Guara- rando o sossego da família. Procuramos du- pari para construir tanto esse muro quanto a rante um tempo pelo proprietário, sem suces- calçada. so, até que um dia Marcos Bernardes, genro de Na primeira folga no orçamento fami- Pedro Juvenal Machado Ramos, apresentou-se liar, encomendei o projeto da piscina, com 7x4 como dono e aceitou vender o terreno por 3 de área e um metro de profundidade. E um mil reais. construtor da Barra do Jucu, em Vila Velha, Antes de fechar o negócio, meu sogro exi- assumiu e iniciou a obra. Aí, veio o Plano Cru- giu do vendedor todos os documentos que com- zado e tivemos que nos ajustar à nova moeda provavam a posse e propriedade legal da área e e renegociar o preço com o construtor, para ainda perguntou aos filhos se tinham interesse que ele não fosse prejudicado. em comprar o terreno. Nenhum dos três se in- Adquiri no comércio, parceladamente, teressou. o material de construção e os equipamentos Só então me consultou, e eu disse que da casa da bomba, e até hoje guardo em uma tinha interesse, mas não dispunha de tanto di- pasta todos os documentos que comprovam 263

Residência de verão da família – Praia do Morro – Guarapari – 1994. (Acervo do autor). os custos com mão de obra, eletricidade, parte sacou recursos da sua caderneta de poupança, hidráulica etc., separados por assunto. guardados durante anos e fruto do seu traba- Mania de economista e administrador. lho. Meticulosa e atenta, quando o fornecedor Logo que paguei todas as contas, em- de Vitória entregou o material para a constru- preendi a construção da área da churrasquei- ção do piso, Beth devolveu tudo, por apresen- ra, submetendo antes à Prefeitura a planta e tar irregularidades, e foi pessoalmente ao de- a solicitação de licença. No restante da área pósito onde separou pedra por pedra. construiria a casa, quando isso fosse possível. Contratei o mesmo pedreiro, o Francisco, Adquiri duas carroças de terra preta e, que se uniu ao seu cunhado Dêni e, em nove sozinho, espalhei por toda a área. Além dos meses, levantou a casa. Muito caprichoso, ele calos e feridas, esse contato com a terra deu isolou a área da construção, para não compro- origem a uma reação que o Dr. Douglas Pu- meter o restante do terreno, e abriu um portão pim chamou de “alergia ao pólen da grama”: no muro dos fundos para poder trabalhar. minhas mãos ficaram cheias de mancha roxas, Só no final da obra, com a venda do bem escuras. Tavinho, meu cunhado, trouxe Chevette, pude dar minha contribuição finan- dois sacos de mudas de grama, que eu e outro ceira. Todo o conjunto da casa ficou muito cunhado – o “Campeão” – plantamos em toda bonito e chamava a atenção de quem passas- a área restante. se pelo local. Veio daí o discurso do deputa- Fomos, em um sábado, a Vila Velha, mi- do Ruzerte contra “a mansão de Guarapari”. nha esposa e eu, e adquirimos mudas de hera Ele confundiu trabalho, capricho e bom gosto e de buganvílias e ganhamos, de um amigo, com corrupção. outras tantas de graxas (hibiscos), que plan- Além da correspondência enviada ao acu- tamos naquele fim de semana. Essas mudas sador, solicitei ao Banco Central que informasse cresceram e floriram, como era de se esperar, e onde Beth e eu mantínhamos contas bancárias o lugar ficou muito bonito e agradável. e oficiamos ao Banestes e ao Banco do Brasil, Iniciei, em 1991, a construção da casa, pedindo que fornecessem nossos extratos bancá- com 68 m² e mais 12m² de varanda. rios dos últimos cinco anos, cheque por cheque, O desenho e os mínimos detalhes do tanto de depósitos quanto de pagamentos. acabamento ficaram por conta de Beth, que Paralelamente, solicitei à Receita Federal 264

que informasse o tamanho do nosso patri- Essa pessoa quis fazer comigo um acor- mônio, nos últimos cinco anos, a partir das do de indenização, mas não aceitei discutir declarações de bens de cada um de nós. Mi- sua proposta, por descabida. Afinal, o terreno nha secretária, a Gorete, fez a gentileza de fora comprado obedecendo todas as regras le- atualizar os dados do patrimônio da família, gais e detinha a posse mansa e pacifica desde incluindo telefone, títulos de clubes sociais e então, com toda a documentação atualizada e como foram adquiridos. as obrigações municipais em dia. Além disso, a De posse dessa papelada, fui ao cartório metragem constante dos documentos dele não do Paulo Monteiro, na Rua Duque de Caxias, e coincidia com a do meu terreno. pedi que preparasse uma procuração ao depu- Os falsos proprietários contrataram em tado acusador. Anexei cópias de todos os docu- Guarapari um advogado conhecido por sua mentos, feitas e autenticadas no próprio cartó- falta de escrúpulos e, na petição ao juiz, ele rio, para que o deputado não insinuasse algum teve o desplante de qualificar o meu sogro dia que usamos equipamento da Casa Civil. como estelionatário, por ter sido quem pagou Preparei a correspondência, juntei os pelo terreno. Não havia um mínimo de con- papéis e dei entrada no protocolo da Assem- teúdo nas alegações dele e nenhuma substân- bléia Legislativa, estabelecendo o prazo de dez cia na própria causa, mas ainda assim foram dias para que o deputado se manifestasse. realizadas quatro audiências (o advogado da Decorridos os dez dias, só no final da parte contrária sempre querendo levar alguma tarde recebi a resposta do parlamentar, negan- vantagem pessoal) e, ao final de cinco anos, a do tudo e dizendo que não poderia ser respon- sentença me foi favorável. sabilizado pelo que os outros diziam. No final, Acredito que a divergência quanto à lo- ele insinuava: “... recebi a correspondência de Vossa calização do terreno foi causada pelas mudan- Senhoria e da sua ilustríssima esposa, acompanhada ças que aconteceram no projeto do loteamento, da procuração que vou guardá-la, e quem sabe se no quando a primeira quadra da praia, que era área futuro poderei fazer uso dela”. de urbanização, foi transformada em área ha- É difícil acreditar que exista gente as- bitacional, gerando graves transtornos para os sim, não é? proprietários de terrenos na Praia do Morro. Muitos anos passados, aparece uma É aqui também que durante as férias de pessoa na casa do meu sogro, em automóvel janeiro tenho oportunidade de fazer um bom com placa de Belo Horizonte exibindo alguns relaxamento, na companhia dos amigos Roberto papéis e perguntando sobre o proprietário da e Silvana Puppim, do Turco e Jaqueline, assim casa ao lado. como o casal Jorge e Penha Chaves. Eu me encontrava na varanda da casa e Ainda como titular da Casa Civil, presen- me levantei, apresentando-me como proprietá- ciei uma cena que evidenciou uma burocrática rio. O desconhecido replicou que também era intransigência de uma parte e a determinação de dono daquele terreno e mostrou a sua papela- superá-la de outra, no município de Cachoeiro da. Parecia ter razão e o registro da proprieda- de Itapemirim. O prefeito era Theodorico de de era anterior ao meu, mas logo constatei que Assis Ferraço – “Ferração”. Ferraço sempre foi se tratava de outro terreno, localizado numa um administrador de visão do futuro e as gran- rua antes da nossa, embora coincidindo os des obras de infraestrutura urbana foram reali- números da quadra e do lote. zadas nas suas gestões como prefeito. 265

Acompanhei, por um bom período, a sua Fazenda Monte Líbano. O ato seguinte seria incessante perseguição aos setores burocráti- o represamento do rio Itapemirim, em dois cos pela retirada dos trilhos e a consequente trechos, para, com isso, formar um volume passagem do trem da Leopoldina no centro da suficiente ao seu repovoamento com alevinos. cidade. Com sua determinação, o trabalho foi A solenidade simbólica do plantio das árvores iniciado e somente concluído após algumas contou com a presença do então governador decisões corajosas por ele tomadas. Albuíno e do cantor cachoeirense, Rober- O dia da última passagem do trem pela to Carlos. Também eu plantei uma árvore e cidade foi festivamente comemorado. Na lo- acompanhei o povoamento do rio com peixes. comotiva, conduzida pelo maquinista, esta- Mais uma vez, porém, a burocracia não vam o governador Albuíno, Ferração, Ricardo decidia, no tempo certo, se autorizava ou não Ferraço, então deputado estadual, e o repre- a retirada das árvores. Ferração mais uma vez, sentante da rede ferroviária federal, batendo o foi levado a uma decisão unilateral determi- sino durante o trajeto até a Ilha da Luz, sob o nando o corte das árvores durante a noite, ini- espoucar de foguetes e aplausos da multidão. ciativa que o levou a um processo por agressão Ali mesmo, simbolicamente começava-se a re- ao meio ambiente. tirada dos dormentes e dos trilhos. Ao longo do exercício de minha partici- No dia seguinte, surgiu no entanto o pação nas várias áreas do Governo, registrei primeiro imprevisto. No meio do trevo da Ilha numerosos bons exemplos de gestão que valo- da Luz havia um PV – Posto de Visitação, da rizaram o tratamento dos negócios públicos. Telest, empresa de telefonia do Estado. Diante Eu me lembro com bom humor de episó- do pedido de Ferraço para retirada e/ou deslo- dio envolvendo prefeitos quando exerci, pela camento daquele PV, a resposta da companhia primeira vez, o cargo de secretário de Edu- foi de que levariam aproximadamente trinta cação (1988 a 1991). Apelidei os prefeitos dias para fazer o serviço. de Água Doce (Octávio Araújo), São José do Irritado, o prefeito, a “mano militare”, Calçado (Zé Vieira de Rezende) e de Laranja determinou aos operários da obra que passas- da Terra (Dôrico Keffer) de “chicletes”, pois sem o trator por cima e arrancassem o que es- dos convênios firmados para recuperação, am- tivesse atrapalhando o projeto. pliação e construção de escolas, normalmente A área ficou alguns dias sem poder utilizar com as obras bem executadas, sempre sobra- os serviços telefônicos. Mas a empresa respon- vam recursos financeiros, inegavelmente um sável, que estimara em 30 dias a execução do feito pouco comum. serviço, gastou apenas dois dias para terminá-lo. Em Água Doce, em regime de mutirão, Outro empecilho para Ferraço resolver: acompanhei pessoalmente a construção de o traçado da ferrovia passava por dentro de uma escola. Em quatorze dias, um recorde, foi uma mata, com a necessidade da retirada de a obra entregue ao uso, com cinco salas e de- aproximadamente dez árvores. Os órgãos liga- pendências. dos ao meio ambiente já estavam com o proje- Todos os distritos tiveram escolas novas to há mais de um ano e não tomavam decisão. e outras foram reformadas em parceria com A Prefeitura oferecia em troca das dez árvores, a municipalidade, uma marca honrosa para o o plantio de mais de mil novas mudas, num administrador da coisa pública. parque criado para essa finalidade, próximo à Quando já havia deixado de prestar ser- 266

viços ao governo estadual, em 1995, constitui de aproximadamente R$ 130 mil, exclamou uma empresa de consultoria técnica econômi- tomado de perplexidade: co-financeira. “Não pode ser!” Registro, da época, a assessoria prestada Como matemática é ciência exata, não ao município de João Neiva, quando era seu havia o que discutir. prefeito o senhor Aloisio Morelato. O quadro O desolado prefeito levou as mãos à cabeça: financeiro do município era muito ruim, o “Com esse recurso eu poderia ter calçado pelo desequilíbrio das contas de receitas x despe- menos umas três ruas!”. sas acentuado e ainda ocorria uma incidên- As despesas registradas compreendiam cia preocupante da dívida com o Instituto compra de taças e medalhas para torneios de de Previdência dos Servidores. Além de não futebol, caixões para sepultamentos, cobertu- responder à contrapartida legal da municipali- ra financeira para transporte de equipes e fu- dade, a Prefeitura havia também se apropria- tebol e solenidades religiosas, fornecimento de do indevidamente das consignações efetuada terra e areia para famílias, compra de telhas, dos servidores. cimento, uma política assistencialista que in- Estudado o problema, sob o ângulo le- felizmente ainda hoje se pratica no País. gal e diagnosticado seu desvio administrativo, Com as medidas saneadoras executadas, apresentei um plano de recuperação que im- em menos de dois anos todo o setor financeiro plicava principalmente na mudança de com- do Município estava sob controle, inclusive as portamento do atendimento à população, contas com o Instituto de Previdência. até então individual e não coletivo (modelo Registre-se que, para isso, o prefeito não assistencialista). O prefeito Aloisio Morelato contou com uma esperada colaboração do se- entendeu em princípio que a medida propos- cretário estadual de Finanças. ta redundaria numa ruptura muito forte, mas Quando encerrou o seu mandato, Aloi- quando lhe apresentei o quadro de gastos que, sio Morelato deixou recursos financeiros bem só com esse item, significava comprometimen- expressivos em caixa. to de despesas no período de janeiro a julho, 267

CONSULTORIA TÉCNICA ECONÔMICO FINANCEIRA VIEIRA ASSISTÊNCIA EMPRESARIAL

Criada em 1995 para assessoramento nas áreas econômica e financeira. No período de sua existência atuou na recuperação dos índices de participação da distribuição do ICM’S (através do valor agregado) recuperação de impostos cujas teses já se encontram pacificados administrativamente. Implantação da lei de valorização do magistério de diversos municípios. Captação de recursos financeiros através de projetos de iluminação pública para municípios. Organização das finanças de vários municípios e elaboração de PPA- Planos Plurianuais de Investimentos, assim como Código Tributário. Diagnósticos para melhoria de arrecadação de ISS – Imposto Sobre Serviços de municípios. 268 269

Visita do Papa João Paulo II - São Pedro - Vitória - 1992. Autoridades Eclesiásticas - Prefeito Vitor Buaiz, Governador Albuíno e José Eugênio. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico)

Também fui um dos coordenadores, representando o Governo estadual, da recepção ao Papa João Paulo II... 270 Vinte cinco

relacionamento do governador Albuíno Azeredo com certos membros do Partido Democrático Trabalhista, o PDT, nunca foi pacífico. Para começar, alguns deles sempre se opuseram à sua filiação ao partido, quando deixou o PMDB, e depois criaram obstáculos à sua candidatura. O Entretanto, depois que ele foi eleito, o médico veterinário e presidente regional do partido, Antônio Carlos Barletta, e seu alia- do Heitor Durville Porto, oriundo do Rio de Janeiro, 1º secretário do PDT e muito influente no partido, viviam exigindo que o go- vernador nomeasse membros do partido para os cargos de direção na estrutura governamental. O próprio Barletta já era diretor da EMESPE – Empresa Espírito Santense de Pecuária. Certa dia, recebi os dois e outros membros do diretório em audiência e, logo ao iniciarmos a reunião, Heitor Durville Porto ligou um gravador e o colocou sobre a mesa. A pauta deles era só de reivindicação de cargos e reclamações do governo e dos secretários. Na minha vez de falar, joguei o gravador no chão e apliquei aos presentes um tremendo sermão. Mesmo sem o gravador, foi redigida uma ata dessa reunião e enviaram à direção nacional do partido, solicitando o meu desli- gamento, mas o Neiva – secretário do partido em âmbito nacional e no Rio de Janeiro e o Vivaldo Barbosa, informavam que haviam rejeitado o pedido e ainda ligou para o governador Albuíno e para mim, informando que não daria continuidade ao assunto. Aquele ano de 1992 foi o mais difícil para o Governo do Estado. Os servidores, e junto com eles até os médicos do IML - Ins- tituto Médico Legal, decidiram paralisar suas atividades. Imagina- mos que a paralisação seria rápida, mas não foi o que aconteceu. Na época, o IML só dispunha de uma geladeira para guardar os corpos. Em poucos dias, a imprensa passou a dar notícias de cor- pos espalhados pelas ruas. E a TV mostrava imagens de urubus so- brevoando os locais. E, além do intolerável mau cheiro, a população protestava contra o ataque de animais que retalhavam os corpos. Para contornar a crise, a Casa Civil decidiu contratar, em caráter de emergência, carros próprios para recolhimento dos cor- pos, serviços de documentação fotográfica e, juntamente com o comando da Polícia Militar, a aquisição de mais duas geladeiras. Mortos sem sepultura 271

Com a chegada desse equipamento, instalado Em julho de 1993, o Governo federal – no Hospital da Polícia Militar, superamos mo- editando o Plano Real – trocou pela décima mentaneamente o problema do recolhimento vez a moeda brasileira, em mais uma tentativa de corpos. de combate à inflação e de reequilíbrio do sis- Entretanto, ainda era necessário contra- tema monetário e das finanças públicas. tar médicos legistas, pois sem o laudo forne- Entretanto, para o Espírito Santo, o Pla- cido por eles não se podia providenciar o se- no Real – em lugar de equilíbrio – representou pultamento dos corpos que fossem recolhidos. um aumento do déficit financeiro, por estabe- Com o fim da paralisação dos servido- lecer uma nova e obrigatória forma de reajuste res, a situação foi aos poucos se regularizando, dos vencimentos dos servidores públicos. mas os traumas vividos nesses dias ninguém O Estado deveria ter feito, na época, esquece. aquilo que fez Paulo Hartung quando prefei- Experimentei tremendo mal-estar sem- to de Vitória: recusou-se a aplicar a lei, com pre que tive de acompanhar a execução dos o argumento de que ela impunha o desajuste serviços, tanto de recolhimento dos cadáveres das finanças. A Prefeitura de Vitória ficou com quanto do registro fotográfico. Não me ali- seus serviços paralisados por mais de um mês, mentava direito e sentia dificuldade de dor- devido à greve dos servidores, e o prefeito teve mir. Ainda me lembro da foto de um menino que despachar em outro lugar. que foi executado por traficantes de drogas e No caso do Governo estadual – após cujo corpo apareceu amarrado a um tronco de memorável reunião nas dependências da Casa madeira e cercado de urubus. Como esquecer Civil, com a participação de secretários de Es- algo assim? tado, deputados e procuradores estaduais –, Quando o governador nomeou alguns decidiu-se correr o risco de cumprir a lei. O prefeitos aliados e que haviam concluído o atraso no pagamento dos servidores ficou ain- mandato, o meu amigo Enivaldo dos Anjos, da maior, pois a partir de então foi preciso ar- então secretário do Interior, não se conforma- recadar um mês e meio do ICMS líquido para va com a tramitação burocrática dos processos cobrir a cada mês a folha de funcionários. e os encaminhava diretamente à Casa Civil, Logo que assumi a função de secretário- com o seguinte parecer no ofício original da chefe da Casa Civil, minhas crise de rinite se solicitação: tornaram mais constantes e incômodas, devi- “Ao todo poderoso chefe da Casa Civil, do à insalubridade que reinava nas salas do para despachar com o Senhor Governador”. Palácio Anchieta. Outro que sofreu muito foi Obrigava-me, assim, a pedir que pessoas o saudoso amigo Milton Caldeira, que chega- da sua equipe – o Zé Carlos, chefe de gabinete va a ensopar uma toalha de rosto, até o final que ele trouxera de Barra de São Francisco, e a do dia. Penha Andrião – viessem buscar informalmen- Outro amigo, Américo Buaiz, quando te os processos e cuidassem de sua tramitação nos visitava no local de trabalho, ficava pe- segundo as práticas habituais. nalizado com a nossa situação. E, sempre que Guardei durante alguns anos esses des- ia aos Estados Unidos, trazia medicamentos pachos do Enivaldo, mais de 50, para lhe dar para o tratamento da rinite. Guardo desse de presente no futuro, mas isso acabou não bom amigo a lembrança de um encontro ca- acontecendo, por falta de oportunidade. sual no aeroporto. Estávamos no mesmo voo 272

para São Paulo e ele fez um comentário: de nada adiantaram suas explicações. - Meu amigo Zé Eugênio, como você engordou. - Nesta casa, mando eu – declarou a espo- Admiti que sim. O doutor Scharif até já sa. – Trate de colocar a gaiola no lugar. me recomendara que emagrecesse alguns qui- Todas as testemunhas se divertiram los. Quando o avião pousou em São Paulo, Bu- muito, às custas da falta de graça do “Toni- aiz me passou um bilhete, para ler mais tarde: co”, quando voltou a pendurar a gaiola. E con- “Amigo Zé Eugênio, realmente você engordou taram o caso a muitos outros, nos próximos bastante e uma das formas de emagrecimento dias. Era mais um, para a coleção do Palácio é fazer caminhadas matinais na orla de Cam- Anchieta. buri, que além de ajudar a manter a forma é Nos dois anos e meio que passei à fren- onde se namora muito. Um abraço, Américo”. te da Casa Civil, não houve problemas para Além da insalubridade do Anchieta, no aprovar mensagens e projetos de lei encami- andar onde havia áreas reservadas à família nhados pelo Executivo. Contávamos sempre do governador as divisórias feitas de estuque com o apoio e a compreensão do presidente estavam infestadas por cupins, o que poderia Marcus Madureira, que reunia os líderes dos comprometer toda a estrutura do prédio. A partidos em seu gabinete para, junto com o substituição por vigas de cimento armado e secretário da área, explicarmos os objetivos de paredes de alvenaria era urgente e foi feita sob cada projeto de lei. a minha coordenação, como já relatei. Nunca houve qualquer troca de favores, Nem tudo é trabalho, urgência e crise, para que as mensagens fossem aprovadas pela para quem atua no setor público. De vez em maioria. Só o deputado Cortez foi uma exce- quando, acontecem fatos pitorescos, que aca- ção: votava contra só para contrariar. bam entrando para o folclore do setor. Um Logo após o encerramento da apuração desses fatos se deu durante uma viagem a dos votos, na eleição de 1992, Albuíno con- Água Doce do Norte, em companhia do go- vocara uma reunião na residência da Praia da vernador Albuíno, para a inauguração da dre- Costa, para avaliação dos resultados, e Renato nagem do córrego que, na época das chuvas, Soares, então presidente do PSB - Partido So- alagava parte da cidade. cialista Brasileiro estadual e secretário de Es- Encerrada a solenidade, almoçamos na tado, fez comentários sobre a performance das casa do filho do prefeito e amigo Otávio Araú- esquerdas naquele pleito. jo. “Tonico”, fotógrafo oficial do governo, es- Devo dizer que nunca acreditei nessa tava ao meu lado quando o anfitrião, ainda versão brasileira de esquerda e direita. São na varanda, sugeriu que eu escolhesse – como bandeiras que servem para alcançar o poder, presente – um dos passarinhos das muitas mas não orientam as ações posteriores dos gaiolas dependuradas no teto e nas paredes. partidos, que logo deixam as teorias de lado. Expliquei-lhe que não criava pássaros A “esquerda” nunca soube de fato o que presos, mas insistiu tanto que escolhi um e é o Brasil e, quando chega ao poder, esquece as combinei que o apanharia ao sair. Encerrado o promessas que fez aos excluídos da sociedade e almoço, “Tonico” – que retornaria de carro co- só pensa no bem-estar dos integrantes dos par- migo – antecipou-se, apanhou a gaiola e já ia tidos. A direita, por sua vez, fecha os olhos para deixando a casa, quando a esposa do anfitrião os graves problemas da população, adotando quis saber aonde ele ia com o passarinho. Mas comportamento idêntico ao da esquerda. 273

Quando estabeleci uma parceria de tra- reais de vitória, pois além dos votos de alguns balho e amizade com o comunista assumido deputados com ligações com os dois ex-gover- Jairo Régis (hoje já falecido), sempre que o vi- nadores, o PSB e o grupo do PT aceitaram sitava em sua residência, em bairro nobre de apoiar Ruzerte. Entretanto, no dia combinado Vitória, já o encontrava com um copo de uís- para fechar o acordo político com o PT, o can- que em uma das mãos e um charuto na outra. didato não compareceu ao encontro e perdeu Chegava à janela do seu escritório, no 3º os votos. A derrota foi inevitável. andar da casa, e brincava com esse bom amigo Na segunda ocasião, a disputa foi en- e orientador em minha vida profissional: tre os deputados Marcos Madureira e Paulo - Jairo, me arranja uma carteira de comunista. Lemos. Um dia, vindo de uma churrascaria Ele ria e me provocava: “Você não tem da Rua Duque de Caxias, encontrei-me com perfil de esquerdista”. E eu retrucava: Fernando Silva em frente ao cartório do Paulo - Ok, mas gostaria de ter uma casa com pisci- Monteiro. na e estar sempre como você, com um copo de uísque - Zé Eugênio, você sabe que eu gosto de você na mão e empunhando um charuto na outra. – ele me disse. – Deixe de ser “babaca” e desista Ele dava gargalhadas. dessa missão, pois nosso grupo possui 19 votos fe- Nessa reunião da Praia da Costa fiz um chados. Não tem erro, são votos marcados. desafio ao Renato. Acabara de publicar meu pri- Levei o assunto ao governador Albuíno meiro livro sobre a história política e eleitoral do e ao Paulo, que resolveram convocar alguns Espírito Santo no período 1982-1992 e traçara deputados para um encontro na residência da um quadro das alianças entre partidos na eleição Praia da Costa. Fiquei de lado, observando o municipal de 1992. A questão era capciosa: comportamento deles, quando assumiram o - Renato, você que é especialista na teoria do compromisso de apoiar o Paulo, e eu já saben- que é esquerda e direita, ajude este seu companheiro do que estavam comprometidos com a eleição a identificar onde estou, se na esquerda, centro ou de Marcos, que de fato recebeu os 19 votos, direita. pois o Fernando me dera a lista. Antes que respondesse, sugeri que me Em 1992, durante uma paralisação do explicasse também como é que seu partido, o magistério, a categoria não conseguia se reunir PSB, fizera coligações nos municípios com par- com o secretário Saturnino Rangel Mauro e tidos considerados de direita: PL, PRN, PSC, decidiu se deslocar em passeata da Secretaria PSD, PDS, PTR, PFL, para citar só alguns. de Educação até o Palácio Anchieta. Grande Não houve explicação, e nem poderia número de alunos (a maioria do interior do haver, pois os interesses partidários se sobre- Estado e, principalmente, de Linhares) acom- põem às teorias. O assunto terminou aí. panhou os professores, que se concentraram Enquanto estive à frente da Casa Civil, em frente ao Palácio e, aos gritos de “crioulo” ajudei a coordenar, a pedido dos ex-governa- e “macaco”, procuravam ofender o então go- dores Max e Albuíno, cada um à sua época, vernador Albuíno. as eleições para a presidência da Assembléia Quem mais incitou a turma, naquele Legislativa. dia, foi o Magno Pires. Na primeira ocasião, o candidato do Go- Depois de outras manifestações do gê- verno era o deputado Ruzerte, que disputou a nero, fui encarregado de receber um grupo de eleição com o Valcy Ferreira. Havia chances professores e alunos, que traziam sacos com 274

cartas das escolas, criticando o Governo e o comecei a lê-las em voz alta, foi um espanto. governador. Sob as vistas dos representantes Continham verdadeiras atrocidades: agressões da imprensa, recebi o grupo e empilhei os sa- do mais baixo nível, erros de português e ofen- cos junto à minha mesa de trabalho. Queriam sas inaceitáveis. Depois que li a primeira, ne- que eu encaminhasse essa correspondência ao nhum professor ficou na sala. secretário Saturnino. Guardo comigo, até hoje, quinze dessas A certa altura, resolvi abrir um dos sa- cartas, como documento para a História. E, cos e ler algumas cartas. Por acaso, eram todas em respeito aos que são verdadeiros professo- das escolas estaduais de Linhares e, quando res, prefiro não publicá-las. Tempos difíceis

Em plena crise institucional, agravada profissional, pois o quadro geral das finanças pelas dificuldades financeiras e a aprovação de era estarrecedor. um pedido de impeachment do governador, Vale recordar que, quando Max Mauro alguns secretários (Ferração, Enivaldo e eu) passou o governo a Albuíno, o pagamento ao decidiram se reunir nas dependências da Casa funcionalismo estadual estava em dia e que em Civil e discutir uma estratégia de atuação que 1º de março de 1991, estaria vencendo mais debelasse o movimento. uma trimestralidade para os servidores públi- Os resultados foram positivos e o pedido cos. Havia, entretanto, depositados no BANES- de impeachment foi arquivado, mas todos os TES e Banco do Brasil, US$ 26.000.000,00, a acontecimentos da época contribuíram para dívida pública fora renegociada, e o comprome- enfraquecer politicamente o governo, limitan- timento da receita líquida com o pessoal estava do sua autonomia e autoridade. em 46,49%, quando o máximo permitido era Com o agravamento da crise, Luiz Pau- de 65%. lo Vellozo Lucas, então secretário de Planeja- Quando recebi o convite para comandar mento, a auditora geral Berenice Pinho e eu a Secretaria da Fazenda, o governo já perdera redigimos uma exposição de motivos ao Go- aproximadamente 40% da sua receita, a exe- vernador, alertando-o para a conveniência e cução orçamentária ultrapassara em muito a necessidade de mudar a forma da conduzir a arrecadação e os salários dos servidores esta- administração. Dois dias depois, ele nos con- vam com três meses de atraso. vocou ao seu gabinete, disse que concordava O Estado também não cumprira as con- com o nosso parecer e nos queria junto dele, trapartidas de contratos com o BIRD – Banco ao adotar as mudanças de rumo. Interamericano de Desenvolvimento, que re- Luiz Paulo iria para a Secretaria de Agri- passou recursos para construção e recuperação cultura, então ocupada pelo vice-governador de estradas estaduais. Mais de 65% da receita Adelson Salvador, adversário político e crítico líquida era para o pagamento dos servidores da administração. A doutora Berenice iria para (aproximadamente 110%). Aceitei o desafio de a Secretaria de Administração e dos Recursos mudar esse quadro e trabalhar para que a arre- Humanos e eu para a Secretaria da Fazenda. cadação atingisse um crescimento real de 5%. Era mais um desafio em minha carreira Quando ainda estava à frente da Casa 275

Civil, o Estado recebera algumas personalida- com a equipe da Casa Civil, discutimos alter- des de destaque, como o líder africano Nelson nativas. Pensei, então, em hospedá-lo na resi- Mandela; o Príncipe Charles da Inglaterra, o dência oficial da Praia da Costa. Papa João Paulo II, o ministro da Fazenda Fer- Utilizando o recurso da licitação com nando Henrique Cardoso, o cantor Roberto “carta-convite”, tive que substituir e repor Carlos, o Rei da Suécia, o Presidente Color e tudo na residência: roupas de cama e banho, outras lideranças. geladeira, televisão, frigobar, cortinas que não A visita de Mandela foi cercada de muito fossem de tecidos, talheres etc. O carpete foi suspense. Inicialmente, quem coordenou tudo retirado e o piso ficou só lixado, pois não ha- foi o secretário Renato Soares, que tomou a via tempo para aplicar o sinteco. iniciativa de hospedar “pseudos precursores” dessa comitiva em um hotel da Praia da Cos- ta. Descobriu-se, mais tarde, que a tal equipe hospedada em Vila Velha não passava de um “bando de trambiqueiros”. Mas o Estado as- sumira as despesas e teria que honrar a dívida. Até a última semana antes da data pro- gramada, o Itamaraty ainda não havia confir- mado a visita, que agora era coordenada pelas Casas Militar e Civil. Para resolver o imbróglio patrocinado pelo secretário Renato, o Gover- Visita do líder africano Nelson Mandela e sua esposa Winnie ao Espírito Santo nador convocou o Chefe da Casa Militar Cel. – 1994. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico). Luiz Sérgio Aurich para que fosse a Salvador (BA), onde já se encontrava a Sra. Winnie e Do lado de dentro, estava tudo pronto assessores para convencê-los a virem ao Espíri- para receber o visitante. Na área externa, con- to Santo. Um dos argumentos utilizados foi a tei de novo com a solidariedade do diretor- de que o Governador Albuíno era o único ne- presidente da CESAN, Aramis Bussolar, que gro dirigente no Brasil. A partir desse encon- mandou equipes para capinar, podar árvores, tro, ficou decidida a vinda do Nelson Mandela instalar mais luminárias, pintar meio-fios e consertar o gerador de energia elétrica. ao Estado. Com a chegada da equipe oficial do Mandela ficou hospedado lá. Itamaraty, começaram os problemas. Não houve despesas com a equipe pre- O primeiro foi a hospedagem. cursora do Itamaraty, e os custos com os tais Haviam sidos reservados 100 apartamen- trambiqueiros (fiquei sabendo depois) foram tos no Hotel Porto do Sol, mas o Itamaraty pagos pelo mesmo Landeiro de outros capítu- vetou o local por dois motivos: o visitante, tu- los, em acerto com o Cerimonial do Palácio, já berculoso, não podia se hospedar em ambiente que a Casa Civil se recusara a aprová-las. cheio de carpetes e cortinas feitas de tecido; e Na visita do príncipe Charles ao Estado, o local não atendia às exigências de segurança para conhecer a fábrica de celulose da Aracruz, pessoal de um líder com o perfil de Mandela. fui encarregado de acompanhá-lo ao aeroporto A três dias da chegada do visitante, pedi de Vitória, para as despedidas, pois o governa- um parecer oficial ao comandante da Polícia dor teve outros compromissos na fábrica. Militar, coronel Sérgio Aurich e, em reunião Juntamente com o governador e o titu- 276

Entrega da Medalha do Mérito Jerônimo Monteiro - Palácio Anchieta - Abril de 1992. Da Esquerda para a Direita: Marcos Rezende e José Eugênio. Entrega da Medalha do Mérito Jerônimo Monteiro - Palácio Anchieta - Abril (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) de 1992. Da Esquerda para a Direita: Roberto Carlos, Governador Albuíno, Pianista Marcos Rezende e José Eugênio. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) serviços. Ao Estado, coube apenas instalar os banheiros (responsabilidade do DEO) e cui- lar da Casa Militar, participei da solenidade dar da terraplanagem da área, executada pelo de homenagem ao cantor Roberto Carlos e ao DER. Ainda assim, houve problemas de gestão pianista Marcos Rezende no salão de eventos e prestação de contas, quando do pagamento do Palácio Anchieta e assinei o diploma, quan- dos serviços do DEO. do o cantor veio ao Espírito Santo receber a No dia marcado, apesar do festival de vai- Comenda Jerônimo Monteiro. E, como a minha amiga Marize Merçon, dades que criou muitos embaraços para os co- fã absoluta de Roberto Carlos, observou que o ordenadores, estava tudo no lugar certo, tanto cantor assinara o título com a minha caneta, na Praça do Papa quanto no bairro São Pedro. não resisti ao seu pedido: dei-lhe a caneta de pre- Quando os precursores do Itamaraty e sente. Ao final, improvisando um diálogo quase da Marinha fizeram a última inspeção, sur- sem assunto, fui encarregado de acompanhar o giu um problema com a área do heliponto do artista do Palácio Anchieta até o aeroporto. bairro São Pedro, onde teríamos que cortar Também fui um dos coordenadores, um abacateiro. Os peritos diziam que a árvore representando o Governo estadual, da re- poderia atrapalhar o pouso do helicóptero da cepção ao Papa João Paulo II, um projeto de Marinha, que tinha hélices muito longas. alto custo. Só o palco instalado na Praça do Na Casa Civil, chamei o motorista Papa custou, na época, mais de 100 mil re- “Leão” e perguntei se aceitava fazer esse ser- ais, despesa bancada pelas viações Itapemi- viço à noite, em troca de uma pequena remu- rim e Águia Branca. neração, e ele aceitou. Levei-o até o local, para Tive que ir a Cachoeiro para conversar so- mostrar o que deveria fazer. Entretanto, para bre o projeto com o empresário Camilo Cola e me agradar ou porque outro motivo qualquer, recebi dele um autêntico puxão de orelhas: na ele cortou também outras árvores do mangue- condição de Comendador do Vaticano, ele esta- zal (hoje inteiramente recuperadas). va aborrecido por não ter sido ainda procurado Na manhã seguinte, o cenário era assus- para participar dos preparativos. Teve a genero- tador. Por tomar essa iniciativa, fui alvo de um sidade de escolher o item mais caro do projeto. processo da área ambiental. Nenhum recurso financeiro foi transfe- A convite da deputada Rose de Freitas, rido ao Estado pelos patrocinadores. De pos- o então ministro da Fazenda, Fernando Hen- se do projeto, eles próprios contratavam os rique Cardoso, esteve no Espírito Santo para 277

Visita do Papa João Paulo II ao Espírito Santo – 19 de Outubro de 1991. examinar a possibilidade de ajudar o Estado a Inauguração do Marco da Visita. Na foto: Ex-Governador Albuíno, Ex-Prefeito Vitor e José Eugênio. sanear ou reequilibrar suas finanças. Acompa- (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) nhei-os do Palácio Anchieta até a sessão espe- cial que se realizou na Assembléia Legislativa e me sentei ao lado dele. Com boa memória, se lembrou que havia sido meu professor no curso de Planejamento Agrícola da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. O Rei Carlos XVI Gustavo tornou-se rei, após a morte do seu avô Rei Gustavo VI, Adol- pho. A Suécia é uma monarquia, onde o rei é o chefe de Estado, porém com poderes limitados a funções oficiais e cerimoniais, mas é o mais alto cargo público do país. O posto é herdado Visita do Papa ao Espírito Santo – 19 de Outubro de 1991. entre os integrantes da Casa de Bemadotte. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) A sua visita foi para conhecer a fábrica de celulose da ARACRUZ (hoje FIBRIA), onde exis- te participação de uma empresa sueca - filandesa, a Stora Enso, denominada de Verocel, no projeto. Esta empresa teve início com os grupos Safra, Lorentzen, Votorantim e participação acionária do BNDE’S. Em 2009, formou a FIBRIA, com a in- corporação da Aracruz pela VCP - Votorantim Celulose e Papel.

Visita do Rei da Suécia Carlos XVI Gustavo ao Espírito Santo – 1993. Da Esquerda para a Direita: O Rei da Suécia, Sr. Lorentzen, Governador Albuíno e sua esposa Valdicéia. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) 278

Visita do Presidente da República Color de Mello – Inauguração da expansão da Visita do Ex-Secretário da Administração Federal - 1993. fábrica da Aracruz Celulose – Aracruz – Espírito Santo – 1993. Da esquerda para a direita: José Eugênio, Ex-Secretário Federal, José Ignácio e Da Esquerda para a Direita: Presidente da Empresa Aracruz Celulose Carlos Ex-Governador Albuíno. Aguiar, Presidente da Repúlica Fernando Color de Mello e Governador Albuíno (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) Cunha de Azeredo. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico)

Audiência com o Ministro da Educação Professor José Gutemberg – Brasília – 1995. Da esquerda para a direita: Saturnino Rangel Mauro, Enivaldo dos Anjos, Cel. Edilson, Sebastião Balarini, José Eugênio, Valdicéia e Governador Albuíno Azeredo. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) Visita do Ex-Secretário da Receita Federal Ministro Osires de Azevedo Lopes Filho à Cachoeiro de Itapemirim – 1992. Da esquerda para a direita: Ex-Prefeito Theodorico Ferraço, José Eugênio, Ministro Osiris, Romildo Caim e Ex-Governador Albuíno Cunha de Azeredo. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico)

Osiris era natural de Cachoeiro de Itape- mirim, faleceu aos 69 anos, vítima de um AVC - Acidente Vascular Cerebral. Ficou dois anos à frente da Receita Federal, quando presidente da república Itamar Franco. Destacou-se por ter conseguido crescer em 50% a arrecada- Condecoração com a medalha do mérito Jerônimo Monteiro – Palácio Anchieta – ção governamental, sem ter sido necessário o 1993. acréscimo da carga tributária. Da esquerda para a direita: Governador Max Mauro, Superintendente da Polícia Federal do Espírito Santo, Desembargador e Presidente do Tribunal de Justiça Osly Ferreira, Juracy Magalhães, José Eugênio (Chefe da Casa Civil), Lúcia Nascimento (Cerimonial) Cel. Luiz Sérgio Aurich (Chefe da Casa Militar) e o Homenagiado Romeu Tuma. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico) 279

Foi muito agradável acompanhar o an- dedicação à causa do ensino, sua profética tropólogo, escritor, político e professor Darcy visão do nosso futuro, sua determinação em Ribeiro, que viera até Vitória participar do lutar pela vida, portador que já era, então, encontro nacional de jovens pedetistas (PDT), do câncer que venceria sua tenacidade, aos evento realizado no auditório da antiga Escola 74 anos de idade, em fevereiro de 1997. Técnica Federal do Espírito Santo. Em suas memórias, o homem que chefiara a Após a abertura do certame, pela manhã, Casa Civil do presidente João Goulart e que fiquei responsável por ciceronear o ex-ministro por isso teve que exilar-se, escreveu um texto da Educação no Governo Janio Quadros até o que guardo na lembrança: horário da tarde, quando faria sua palestra. “Termino esta minha vida já exausto de Como bom capixaba, levei Darcy Ribeiro viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais para degustar nossa famosa moqueca no restau- travessuras”, O tempo foi curto para ouvir suas rante São Pedro, na Praia do Suá, incluindo no histórias, notável causer que era, principalmente roteiro uma visita ao Convento da Penha com aquelas ligadas à educação.” sua História e a fascinante vista da paisagem de Ajudara a planejar e implantar o lá descortinada, uma passagem pela fábrica de CIEP’S - Centros Integrados de Ensino Pú- chocolates Garoto e um percurso por áreas de blico, que se tornaria, pela sua importância, importância turística que marcaram no tempo a plataforma de campanha de Leonel Brizola. evolução da nossa cidade. Darcy Ribeiro foi ainda um dos responsáveis Impressionou-me em Darcy Ribeiro, pela criação da UNB – Universidade de Na- além de sua cultura e seu amor ao País, sua cional de Brasília. 280

Junta de Política Salarial - JEPS. Da Esquerda para a Direita: Mirthes Bevilacqua, Calmon, Leodósio Paste, Ricardo Santos, Max Mauro, Dr. Gilson Carone, Lelo Coimbra, Dr. Valentin, Joanita Lima e José Eugênio - 1988. (Acervo do Romero Mendonça) 281

Manoel Vereza e eu éramos os únicos técnicos que detinham todas as informações sobre a situação financeira e o quadro de servidores. 282 Vinte seis

controle rigoroso de suas contas é um dos fundamentos do Estado democrático e uma exigência da sociedade, mas – nas mãos erradas – pode se tornar um perigoso instrumento de luta política e ser usado para confundir a opinião pública. Em 22 de novembro de 1995, logo ao acordar, encontrei no Ojornal A Gazeta a seguinte manchete: TC exige que ex-secretário devolva verba”. O ex-secretário era eu. É doloroso deparar com uma dessas implacáveis manchetes sem ter sido previamente sequer ouvido. Segundo a notícia, eu já estaria condenado a ressarcir aos cofres públicos a quantia de R$ 2.729,74, além de multa correspondente a 400 UPFEES – Unidade Padrão Fiscal do Estado do Espírito Santo, o que elevaria o valor total da devolução a R$ 4.212,00. Perplexo, corri ao Tribunal de Contas para tomar conheci- mento do processo. O conselheiro relator era inimigo político declarado do ex- governador Albuíno, mas não creio que tenha sido essa a sua moti- vação. O processo chegara ao Tribunal com um parecer que dava ao

a cada dia “réu” o prazo de 30 dias para apresentar provas e contestar a ação, mas não deram à imprensa essa informação. Com base em dados levantados pelos seus técnicos, o Tribu- nal considerara irregulares as despesas realizadas durante a visita de Nelson Mandela e do Papa João Paulo II ao Estado. As despesas irregulares seriam os “gastos excessivos de um grupo de jornalistas convidados para fazer a cobertura da visita de Nelson Mandela ao Estado; um jantar oferecido pelo Governo à comissão precursora da vinda de Mandela; despesas com alimentação da equipe precursora da visita do Papa e, por fim, despesas indevidas com artigos de de- coração e utensílios de mesa, não utilizados para os fins propostos.” Apresentei, dentro do prazo, justificativas escrita e oral des- sas despesas, ressaltando que o Serviço do Cerimonial era ligado ao Gabinete do Governador, que não dispunha de dotação orçamen- tária própria para realizar despesas. Seus gastos eram pagos pela Casa Civil. Argumentei ainda que, se o Tribunal decidisse pela devolução do que foi gasto, eu queria autorização para me dirigir à residência Uma surpresa 283 oficial da Praia da Costa e recolher todos os Eurico Rezende governou o Estado objetos relacionados na denúncia, para doá-los entre março de 1979 e março de 1983, e a a uma instituição de caridade. Contra o voto nomeação de Junger criou para mim uma si- do relator, que após as justificativas alterou sua tuação incômoda. Na gestão anterior, havia posição quanto ao material, mas manteve a um grupo de profissionais que não aparecia multa, os demais integrantes julgaram regular para trabalhar por diversas razões e, à frente a conta, sem recolhimento de multa. da CEPA - Coordenação Estadual de Planeja- Situação semelhante – com o meu nome mento Agrícola, e como eu tinha fama de ser de novo nas manchetes – aconteceu quando muito exigente, recebi a responsabilidade de da “condenação” a devolver quatro diárias re- gerenciar esses profissionais e fazer com que lativas a viagens a Curitiba e Cuiabá, acom- trabalhassem. panhando o governador, e ao Rio de Janeiro O Secretário era um deles. Ele passou e Marataízes. O relator do processo alegou, a cumprir normalmente os horários e tarefas, como se isso fosse irregular, que eu autorizara mas não deixou de criar certo clima de cons- as diárias e os pagamentos a mim mesmo. trangimento, depois superado. Foi mais um equívoco, pois desde a re- Quando da mudança de governo, a As- forma administrativa, com a lei nº 3043/85, sembléia Legislativa já discutia o projeto de lei cabia aos chefes das Casas Civil e Militar au- que transformava a CEPA em Fundação. Não torizar suas despesas. Ainda bem que, dos sete era um momento oportuno, mas o Ministério conselheiros do Tribunal, quatro (e o próprio da Agricultura recomendara a mudança, para relator era um deles) já haviam exercido a fun- consolidar o planejamento agrícola no Estado ção de chefe da Casa Civil. e no país. Sempre que eu viajava ao interior, a A tramitação do projeto foi suspen- Casa Civil concedia as diárias, que nunca fo- sa para que a nova administração analisasse ram pagas, porque as despesas eram cobertas melhor a questão e, para grata surpresa, dois pelas Prefeituras Municipais. Foram mais de servidores da minha inteira confiança e que 40 viagens, com diárias anotadas e créditos haviam sido recrutados por mim devido às imediatamente cancelados. suas competências, assumiram a Coordenação O relator tentou, até o fim, justificar seu Geral e Técnica. parecer, mas cinco conselheiros votaram pelo Outra surpresa, mas essa bastante desa- cancelamento e arquivamento da denúncia, gradável, é que fui literalmente “detonado”, e a própria presidente do Tribunal, que nem como se diz na gíria. Durante um bom tem- precisava votar, teve idêntico entendimento, po, não tive espaço algum para trabalhar, mas pois também já ocupara a nobre chefia da aproveitei esse período para ler compulsiva- Casa Civil. mente tudo o que encontrava na biblioteca da Em 1979, prestava serviços à Secretaria Secretaria da Agricultura. Creio que, do ponto da Agricultura, quando o então governador de vista cultural, cresci muito nessa época. Eurico Rezende nomeou o secretário Francis- Ao regressar do curso na França, reassu- co Alfredo Lobo Junger, seu amigo pessoal e mira a função de técnico da Fundação CEPA, genro de Abdo Saad, cidadão residente em naquele momento sendo transformada em Jacaraípe e tratado também pelo governador Instituto, sob a presidência de Márcio Perim. como “amigo e irmão”. O constrangimento continuou, pois quase não 284

recebia tarefas e cheguei ao ponto de ter que tra- Sem recorrer a qualquer documento e balhar de portas abertas, pois qualquer um que contando com a colaboração da secretária Sô- entrasse em minha sala era chamado pela dire- nia Oslegher, que ia pintando nos mapas a lo- ção para informar o assunto que tratara comigo. calização dos municípios, datilografei o texto Continuei a passar mais tempo na biblio- e, no horário marcado, fui ao aeroporto e en- teca, lendo tudo que encontrava de interessante. treguei três vias do documento ao secretário. Certo dia, recebi telefonema do secre- encadernadas com espiral. tário Junger, pedindo que preparasse para ele Sugeri que lesse durante a viagem e ano- uma palestra sobre zoneamento agrícola, com tasse as mudanças que julgasse necessárias. Mas, prazo até as duas da tarde, horário em que sai- ao retornar a Vitoria, ele me convocou ao seu ga- ria de Vitória com destino a Goiânia. binete e disse que não fizera nenhuma alteração.

De quando uma frustação pode gerar bons frutos

Em 1980, candidatei-me a uma vaga curso de verão, exigido pela Universidade. no curso de Mestrado em Economia Rural - Entretanto, fui impedido mais uma vez MS, na Universidade Federal de Viçosa, e fui de fazer o curso. selecionado para compor um grupo de vinte O secretário Junger, além de me dar ta- estudantes. refas específicas do seu gabinete, convidou-me Com a documentação organizada e já para atuar em sua assessoria e também para aceito como aluno no curso de verão, a dire- presidir a COFAI – Companhia de Fomento ção do Instituto CEPA não permitiu que me Agroindustrial, empresa de companhia mista ausentasse do Estado. Argumentaram que do sistema agrícola estadual. meus serviços eram necessários, o período era Ponderei que essa mudança criaria um de contenção de despesas e, além disso, eu re- desconforto na direção da CEPA e que a me- tornara recentemente de um curso no exterior. lhor opção seria cumprir tarefas específicas. O Alguns amigos que faziam o curso na- secretário concordou. quela Universidade e já haviam concluído Algum tempo depois, Paulo Fraga Rodri- suas teses de mestrado estavam com retorno gues (falecido), médico veterinário do BAN- marcado e consegui alugar o apartamento de DES – Banco de Desenvolvimento do Estado um deles, meu compadre Jadir Viana Santos. do Espírito Santo, perguntou-me se teria in- E contava ainda com a simpatia do professor teresse em trabalhar naquela instituição, cujo e orientador dos cursos de MS e doutorado, setor agrícola precisava de reforço técnico para Carlos Augusto de Magalhães, além do apoio desenvolver alguns projetos. do diretor de Planejamento, professor Joa- - Paulo, sua consulta está sendo um bálsamo quim Aleixo de Souza. para os meus ouvidos – eu disse a ele. – Quando Os dois conseguiram “trancar” minha ma- posso ir aí para conversarmos? trícula até julho, quando deveria retornar, fazer - Se tiver disponibilidade de tempo, pode vir o curso normalmente e, no ano seguinte, faria o agora – ele respondeu. 285

Participaram da reunião, na diretoria do de chegada, e compensar qualquer atraso à Setor Agro-Industrial do Banco, a engenheira tarde. Entretanto, na minha ansiedade, conti- agrônoma Elizethe Siqueira Schering, o vete- nuei sendo o primeiro a chegar. rinário Paulo Fraga Rodrigues e a economista Do ponto de vista técnico, aquele ano Joanita Lima. em que trabalhei no Banco de Desenvolvi- Inicialmente, houve na Secretaria uma mento (1981/1982), na mesma sala com Pau- reação contrária à minha saída, mas acabaram lo Fraga e Joanita, foi dos melhores de minha por me liberar, com o compromisso de atender, vida profissional. Desenvolvemos juntos vá- sempre que necessário, às demandas do secre- rios programas e projetos, nas áreas de pimen- tário da Agricultura (preparação de palestras, ta do reino, bananicultura (banana prata), exposição de motivos e projetos de captação heveicultura (borracha) e culturas exóticas de recursos, principalmente, o que aconteceu (urucum, macadâmia, gergelim, guaraná etc). em várias ocasiões). Trabalhei durante quase um ano no Sempre rigoroso no cumprimento do ho- diagnóstico, programa e projeto de expansão rário de trabalho, no primeiro dia cheguei ao da pipericultura (pimenta do reino), pesqui- banco às sete e meia da manhã e não havia nin- sando sessenta e quatro estudos sobre a cul- guém. Até a porta da sala, no sexto andar, es- tura, alguns deles em francês. Nenhum de nós tava fechada. Desci e subi várias vezes, ansioso, era diplomado em engenharia agronômica, até que o encarregado de abrir a porta chegou, mas nos preparamos até para fazer apresenta- às oito e meia. Os meus companheiros de sala ções no campo, em diversas ocasiões. só chegaram meia hora depois e riram muito, Fiz de Conceição da Barra a base de quando lhes falei da minha ansiedade. apoio logístico e de lá visitava, em um fusca A rotina no setor era assinar uma folha movido a álcool, as áreas de produção ou ex- de presença, sem preocupação com o horário pansão, principalmente em São Mateus, Nova Quando também um civil dá “chave de galão” Venécia e Boa Esperança. Embora novo, o mo- Nessa ocasião, ainda prestava serviços ao tor desse fusca levava uma eternidade para dar BANDES e consultei a minha amiga Penha Mo- a partida e, em certas ocasiões, era movido a raes Netto, que me incentivou a aceitar o convite, empurrões para “pegar no tranco”, como al- mas o primeiro contato com o secretário me im- guns políticos daquele tempo. pressionou mal: o homem falava como se estives- Durante o governo Eurico Resende, a se sempre repreendendo alguém. Secretaria de Planejamento viveu uma crise Disposto a descartar o convite, relatei à administrativa, com a demissão do secretário doutora Penha essa minha percepção negati- e do subsecretário. O novo titular, Octávio va, mas ouvi dela um bom conselho: Luiz Guimarães, consultou vários técnicos, - Aceite o cargo, Zé Eugênio. Se daqui a al- antes de escolher o subsecretário, e quatro in- guns meses verificar que não deu certo, pelo menos já dicaram o meu nome: Joanita Lima, Ricardo terá no seu currículo esta passagem pela Secretaria. Santos, Orlando Caliman e Mirthes Storch. Pensei bastante e cheguei à conclusão 286

que ela tinha razão. Ficou estabelecido que o economistas Manoel Vereza, Laudeir Frauches doutor Octávio cuidaria do atendimento políti- e Roberto Penedo. Apesar da exigüidade de co ao gabinete do governador e das relações ex- tempo e da complexidade do trabalho, todos ternas e eu de toda a área técnica da Secretaria. eles aceitaram a missão. A primeira tarefa consistia na prestação Ainda ficava faltando as monografias. de contas de dois convênios, com a SEPLAN Coincidentemente, naqueles dias, o pro- – Secretaria de Planejamento do Ministério do fessor Fernando Rezende, da Fundação Getúlio Planejamento, em Brasília, e com o Ministério Vargas, do Rio de Janeiro, ministrava em Vitória do Interior (Programa Cidades de Porte Médio), um curso sobre planejamento estadual. Como no Rio de Janeiro. ele se dizia insatisfeito com os testes finais dos Em Brasília, a credibilidade do Espírito participantes, propus que lhes desse uma segun- Santo estava bastante abalada, e a técnica que da chance, solicitando que cada um redigisse me atendeu nem quis ouvir argumentos e pon- uma monografia sobre determinado município. derações. Tentei explicar que a Secretaria estava Parece milagre, mas tudo correu bem, sob nova direção, mas ela não me deu atenção. recebi cópia das monografias e, na data mar- Deprimido, segui para o escritório de repre- cada, levei a Brasília a documentação. A téc- sentação do Estado, onde a senhora Eni Gurgel e nica do Ministério chegou a pensar que fosse o senhor Paulo Merçon ouviram meu desabafo. brincadeira, mas me coloquei à sua disposição Paulo Merçon me fez acompanhá-lo até e da equipe para tirar qualquer dúvida sobre a garagem do Ministério e de lá subimos, di- os documentos. À tarde, ela retornou a ligação retamente para o gabinete do ministro Delfim para me dizer que poderia retornar à Vitória, Neto, onde tive a boa surpresa de encontrar pois, em princípio, o problema estava solucio- uma conhecida de Castelo, Glorinha Novaes. nado. Aprovada a prestação de contas, assina- Glorinha Novaes me recebeu com ale- mos novos convênios. gria e cordialidade, contando às colegas que A próxima parada seria o Rio de Janeiro, me carregara no colo, quando criança. Relatei para acertar as contas do convênio “Cidades a ela, com certo constrangimento, o encontro de Porte Médio”. Me vi diante de uma reação que tivera com a técnica do Ministério. Uma identica à de Brasília, só que desta vez com ligação telefônica do Gabinete do Ministro um general, que só faltou me agredir fisica- para a funcionária, a quem falou de sua ami- mente. Retornei à Vitória e relatei ao governa- zade com minha família, e determinou que eu dor Eurico Rezende a hostilidade com que fui fosse recebido “com tapete vermelho”. recebido e da consequente impossibilidade de O mínimo que se pode dizer é que tudo cumprir a missão. mudou, a partir daí. O governador ouviu-me, balançou a ca- Não só fui ouvido com atenção, mas beça levemente e teve a reação típica de sua atenderam ao pedido de tempo e crédito para forte personalidade, pedindo imediatamente à que se resolvesse, até maio, as pendências, secretária uma ligação telefônica para o general. uma das quais a entrega de dois estudos, um Senti minha alma lavada, ao ouvir o go- sobre finanças e outro sobre economia do Es- vernador ensinando bons modos ao general e pírito Santo. E mais umas 20 monografias. exigindo que tratasse com educação e respeito Era um trabalho duro, com prazo mui- o seu secretário. to curto, e por isso pedi ajuda aos amigos e Retornei ao Rio, o general, já outro homem, 287 pediu-me desculpas e obtive o tempo necessário mento do presidente do Legislativo, deputado para promover a prestação de contas. Vicente Silveira, dizem que ele reagiu aos ber- Outra tarefa desafiante e espinhosa que ros, para quem quisesse ouvir: me coube foi a de recuperar a memória dos pro- - Quem é esse “pau de merda”, para interfe- jetos em andamento no governo, como a cons- rir na execução do Orçamento do Legislativo? trução da Terceira Ponte, aeroporto e corredor O processo retornou sem a sua concor- de exportação, entre outros. Foi assim, sem ja- dância e assinatura e, ao saber da sua reação mais haver pretendido ou me imposto para isso, grosseira, arquivei o assunto, temporariamente. comecei a ser visto como “a pessoa mais pode- No dia seguinte, um grupo de deputa- rosa do Governo”, quase um Rasputin cabloco, dos veio solicitar de novo a liberação de recur- porque a elaboração e execução do Orçamento sos do Executivo. Estiveram ao meu gabinete passavam necessariamente por minhas mãos. Lúcio Merçon, Emir Macedo Gomes, Valter Durante dois anos, os cortes orçamen- Deprá, Arabelo do Rosário e Pedro Leal, entre tários, para ajuste da proposta anual a ser en- outros. caminhada à Assembléia Legislativa, passaram Educadamente, rejeitei a ideia, por ser por mim, e aqueles que tanto me atacaram no um ato irresponsável, e lhes disse que aguar- passado agora dependiam das minhas decisões daria o retorno do secretário, para resolver o sobre crédito orçamentário. impasse. Diante disso, voltaram todos ao pre- No período de ausência do doutor Octá- sidente da Assembléia e o convenceram a acei- vio, participando de um curso em Porto Alegre, tar a sugestão original. passei a responder pela Secretaria, onde se pro- Entretanto, no retorno do doutor Octá- cessavam estudos relacionados com um pedido vio, relatei tudo o que acontecera e ele levou de crédito suplementar para a Assembléia Legis- o assunto ao conhecimento do governador lativa. Se não fosse providenciado com urgência, Eurico Rezende, que solicitou minha presença os deputados sequer receberiam seus vencimen- em seu gabinete, ligou para o presidente da tos naquele mês de novembro de 1982. Assembléia, convocando-o a comparecer ime- A Assembléia sugerira que essa suple- diatamente ao Palácio. mentação saísse da reserva de contingência Jamais vi alguém levar tamanha des- do Executivo. Procurado pelos técnicos Pedro compostura. Oliveira, Ana Jael Antunes e Lurdinha, deter- O governador lhe disse que não admitia minei que fosse cancelada parte da dotação aquele tipo de comportamento e exigiu que destinada ao projeto de construção da sede da respeitasse qualquer funcionário de confiança Assembléia, pois até então não fora usada e do Governo. seria anulada no encerramento do exercício. O presidente da Assembléia limitou-se a Quando essa decisão chegou ao conheci- pedir desculpas, humildemente. 288 As verezetes

Como o Estado não tinha ainda um panhar a conversa deles, pois só falavam em pro- setor próprio de controle da dívida, solicitei gramas de computador e cálculos matemáticos. ao então secretário da Fazenda, Orestes Seco- Ao final, disse-lhes que nunca mais me teriam mandi Zamprogno, que transferisse a respon- como companhia, já que, sem conhecimentos sabilidade para a Seplan. suficientes do assunto e sem entender o que di- Indicado para coordenar essa ativida- ziam, era como se eu fosse uma “vela” na sala de de, Manoel Vereza formou uma equipe só de namoro de dois jovens apaixonados. mulheres, que eram chamadas de “verezetes”. Como subsecretário, fui tecnicamente res- Quando se fez um levantamento completo, ponsável pela implantação dos municípios re- constatou-se que o Estado estava sendo lesado cém-criados de Jaguaré, Marilândia, Rio Bananal em vários contratos, que sequer eram conferi- e Ibatiba. De 15 em 15 dias, visitava um desses dos antes do pagamento. Houve casos em que municípios, para avaliar o trabalho da equipe. o Estado fez uma mesma compensação três O prefeito eleito de Marilândia, Djacir vezes repetida. Gregório Caversan, o “Deja”, cunhado do ex- Uma equipe de funcionários do City governador Camata, preocupado e sem saber Bank, com sede em Belo Horizonte, veio até o que fazer, procurou-me para dizer que pre- Vitória só para questionar nossos cálculos, mas tendia renunciar, se não tivesse uma estrutura foi uma viagem perdida: Manoel Vereza de- mínima para iniciar a administração e dar iní- monstrou que os funcionários do banco é que cio ao trabalho pertinente ao seu cargo. estavam equivocados. Esse encontro aconteceu Procurei tranquilizá-lo, colocando uma em minha sala de trabalho e fui testemunha do equipe da Seplan à sua disposição, ou seja, os convite que fizeram ao Manoel Vereza (e ele mesmos que elaboraram os documentos es- não aceitou) para trabalhar com eles. senciais de gestão, como a estrutura adminis- Um flagrante daquele tempo: almoçando trativa, Plano de Cargos e Salários, Plano de com Vereza e Paulo Fraga, não consegui acom- Desenvolvimento Urbano e outros.

Quando só o espelho mostra a pessoa que é

Quando se aproximava o período elei- dos correligionários. Enquanto isso, Camata toral para a sucessão no Governo do Estado, crescia, tanto no interior quanto na Grande Theodorico Ferraço e Carlito Von Schilgen Vitória. eram os nomes mais em evidência. Ferraço ti- Cheguei a organizar um grupo de téc- nha melhor aceitação e o adversário do gover- nicos bastante conhecidos, para alimentar de no era Gerson Camata. informações o candidato. Entre eles, Ricardo O lançamento de Carlito como candi- Santos, Roberto Penedo, Joanita Lima e Paulo dato da situação provocou certo desânimo Fraga, entre outros. Entretanto, quando mar- 289 camos um encontro desses técnicos com o can- suas primeiras medidas seria tornar sem efeito didato do governo, para lhe dar informações todos os atos publicados naqueles dias, o que atualizadas, antes de um debate na TV, ele acabou acontecendo, mas essa decisão foi der- apareceu com mais de duas horas de atraso e rotada no Supremo Tribunal Federal. E houve disse que já sabia de tudo. dia em que tive de ouvir gracejos como: Em outra reunião na Casa Civil, orga- Gente do PSD já pode participar desta nizada pelos secretários Francisco Schuartz e reunião? Marcelo Basílio para se avaliar o andamento De qualquer modo, o profissionalismo da campanha, a opinião predominante era de sempre fala mais alto. que Carlito tinha chances reais de vitória. Durante a campanha, Camata fizera mui- Discordamos dessa previsão, o então tas promessas, como é natural. E uma delas era secretário da Agricultura, Kleber Furtado de a de melhorar os vencimentos dos servidores. Mendonça, e eu. Em nossa opinião, Carlito Com pouco mais de 30 dias de sua eleição, já era perderia até dentro do Palácio, pois a maioria intensa a pressão dos funcionários e foi marca- dos ocupantes de cargos comissionados não da uma reunião noturna no auditório do CREA votaria nele. – Conselho Regional de Engenharia e Agrono- A ata dessa reunião, entregue ao gover- mia (edifício do BANDES), para que o governo nador, dizia que Kleber e eu éramos “traíras”, explicasse aos servidores a impossibilidade de por discordarmos da maioria. Mas repeti essa atendê-los naquela conjuntura. opinião diante do próprio governador, que me Manoel Vereza e eu éramos os únicos téc- agradeceu pela sinceridade. Político experiente, nicos que detinham todas as informações sobre ele sabia que a eleição seria duríssima. E foi. a situação financeira e o quadro de servidores. O candidato do governo sofreu uma O auditório estava lotado e foi preciso derrota memorável. acionar a polícia, para impedir a entrada de mais Confirmada a vitória de Gerson Cama- gente, gerando tumulto na entrada do edifício. ta, fiz parte da comissão de transição, que se Debaixo de vaias, Manoel e eu come- reunia nas salas do programa “Cidades de Por- çamos a responder às perguntas, procurando te Médio”, no Instituto Jones Santos Neves. esclarecer a situação financeira do Estado e o Estava ali como profissional de carreira, a ser- impacto que teria, naquele momento, um au- viço do Governo e não do candidato eleito ou mento dos vencimentos. do seu partido, mas outros permitiam que o Em um canto, o governador Gerson Ca- interesse pessoal e político falasse mais alto. mata enrolava o cabelo com os dedos, imagi- Nessas circunstâncias, o trabalho coletivo se nando, talvez, como se sair bem daquela si- torna sempre mais difícil. tuação. De repente, o vice-governador José Para complicar ainda mais esse cenário, Moraes, percebendo que aquela reunião ja- o governador Eurico Rezende tomou, nos últi- mais chegaria a um consenso, sugeriu que se mos dias de sua gestão, a decisão de me tornar fizesse um encontro individual com cada en- agregado, na função de subscretário. Eu não pre- tidade do funcionalismo na manhã seguinte, tendia fazer uso desse benefício, mas o doutor no Palácio Anchieta, para analisar as diversas Octávio se antecipou e, à minha revelia, foi até o e respectivas situações. governador e me exonerou do cargo. Aprovada a proposta, o início dos traba- O novo governo anunciava que uma de lhos foi marcado para sete da manhã e as pró- 290

prias entidades estabeleceram uma cronologia Aceitei ajudá-lo, mas não a ideia de tra- de comparecimento. balhar na mesma sala. Participaram do encontro o governador Enquanto acertava a questão das férias e o vice, a secretária da Administração Joanita com a esposa e os filhos, o tempo passou, Pe- Lima, o secretário da Fazenda Nyder Barbosa dro Mansur foi substituído por Vera Finamore de Menezes (falecido), o Procurador Geral Dr. Nascif e, já perto do meu retorno ao traba- José Cupertino Leite de Almeida, e o secretá- lho, Vera deu lugar a outro colega, Fabiano, a rio de Planejamento Orlando Caliman, além quem me apresentei formalmente. de Manoel Vereza (falecido) e eu. Recebi dele, então, a recomendação de As sucessivas reuniões se prolongaram até recolher alguns objetos pessoais que deixara o dia seguinte, sem pausa para almoço. Além de na sala, em um pequeno pacote, e aguardasse pequenos sanduíches, só havia água e café. Ao ordens na biblioteca. Funcionário disciplina- final, o cerimonialista Carlos Vaccari (hoje fale- do, obedeci, mas os meus colegas considera- cido), ofereceu-nos, como “jantar”, arroz, chu- ram abusiva essa ordem do novo subsecretário. chu e guaraná. Uma receita para severa dieta. Foi nesse momento de transição que mi- Os dirigentes de todas as entidades, à nha amiga Joanita Lima convidou-me para ser exceção da Associação dos Servidores da Fa- seu chefe de Gabinete e, logo a seguir, o Ca- culdade de Farmácia e Bioquímica, compare- liman obteve a concordância do governador ceram àquele encontro dispostos a um con- me fazer seu subsecretário de Planejamento. fronto agressivo, para pressionar o governo. Mas esse convite nem chegou a ser for- Quando o governador Camata iniciou mulado, porque Joanita, quando consultada, sua fala, os dirigentes dessa entidade pediram reagiu negativamente. Permaneci na SEAR, um aparte, educadamente, para dizer que não acumulando os cargos de subsecretário, chefe estavam no Palácio para pressionar o governo. de gabinete e de secretário executivo da JEPS - Por entender que todo início é complicado, es- Junta Estadual de Política Salarial, cujo presi- tavam dispostos a esperar o tempo que fosse dente era o vice-governador José Moraes, para necessário para os ajustes. Além disso, declara- cujas funções, é justo ressaltar, não recebia ram seu apoio e solidariedade ao governo que qualquer remuneração além do meu salário se iniciava. (como já relatado em outro capítulo). Nem é preciso ressaltar que, na ocasião Como se vê, é penoso constatar que em que o governo iniciou os estudos e enten- ainda existam pessoas que não acreditam em dimentos para melhorar os planos de cargos e desprendimento. É-me difícil admitir que se salários, a primeira entidade contemplada foi olhando no espelho não percebam, na imagem a Faculdade de Farmácia e Bioquímica. refletida, o homem que é, sem maquiagem, in- Quando da mudança de governo, eu já capaz de conviver sadiamente com o seu meio. prestava serviços à Secretaria de Planejamen- Não foram poucas as vezes que chega- to. Decidi gozar férias regulamentares, progra- ram ao meu conhecimento posições de áreas mando uma viagem com a família, até receber técnicas do governo colocando em dúvida o uma ligação do subsecretário Pedro Mansur, meu profissionalismo, levantando a célebre in- com um apelo para que retornasse ao serviço e dagação do que me prendia aos diversos cargos ficasse ao seu lado até que ele tomasse conhe- que ocupei. Por mais que alguns poucos ten- cimento de toda sistemática da Secretaria. tassem denegrir minha pessoa, como gestor da 291 coisa pública, nunca conseguiram provar qual- A JEPS – Junta Estadual de Política Sala- quer ato de desonestidade por mim pratica- rial já controlava diversas folhas de pagamen- do. Nesses quase cinquenta anos de trabalho to, mas não a da Polícia Militar, que resistia a consegui um modesto patrimônio, compatível entregar a memória de cálculo de sua folha e com o meu padrão de renda. só concordou após a interferência do próprio E me cabe perguntar quantas dessas vice-governador Zé Morais. pessoas podem dizer o mesmo. Um dia, chegaram à minha sala alguns Durante a campanha eleitoral, Gerson Ca- oficiais da PM carregando duas caixas de con- mata anunciara a intenção de extinguir os cargos tracheques, com a informação de que ali es- de subsecretários, mas logo nos primeiros dias tava a memória. Se a estratégia deles era me do seu Governo foi levado a preencher alguns inibir, erraram redondamente. Analisado cada postos e, com o passar do tempo, a criar outros, contracheque, chegou-se à conclusão de que nas secretarias de Educação e de Ação Social. a PM estava recebendo um valor mensal su- A Secretaria funcionava onde hoje é o perior ao da folha, porque embutia nela des- MAES - Museu de Arte do Espírito Santo, pesas de custeio que nada tinham a ver com o mas o espaço era insuficiente para acomodar pessoal. todos os servidores e atender aos cidadãos. Passei a noite inteira na PRODEST, jun- Encarregados de encontrar um prédio ou con- tamente com o técnico Silvio, testando e ajus- junto de salas para alugar, Guerino Dalvi e eu, tando o sistema de controle. O resultado dessa após visitarmos muitos espaços, optamos por madrugada foi um derrame no olho esquerdo. quatro andares do Edifício Vitória Center, no Mas finalmente tínhamos um sistema confiá- Parque Moscoso, ao lado da Unidade de Saú- vel de projeções, que o presidente da JEPS, Zé de. O espaço foi suficiente para receber todas Moraes, constantemente nos solicitava. as repartições da Secretaria. Zé Moraes tinha invejável memória e No primeiro Natal que a equipe come- fazia contas mentalmente em incrível velo- morou, estavam presentes o pastor Joaquim cidade. Manoel Vereza e eu chegamos a lhe Beato e o pároco Ayrola Barcelos, que se tor- perguntar certa vez qual era a fórmula que naram meus bons amigos. O tema por eles adotava. Riu muito, mas não contou. Só disse abordado, na festa natalina, foi a união de que aprendera a fazer cálculos transformando pessoas para o bem comum e a vivência em so- quilos em arrobas de bois. Mas e daí? ciedade, assim como o respeito pelos cidadãos Muitas vezes, nas reuniões, zombou de que solicitavam nossos serviços. Desde então, mim, quando me pedia que fizesse alguns cál- o relacionamento na Secretaria melhorou con- culos e eu usava a máquina. Ao lhe entregar sideravelmente. o resultado, ele se antecipava e, com discreto Com o passar do tempo, conquistei a sorriso, dizia: “Deu tanto”. confiança do Sr. Áureo Antunes e de Dona O homem era mais veloz que qualquer Alda, além do Crispim, que eram os servido- máquina de calcular. res que confeccionavam as folhas de pagamen- Presenciei dois momentos em que ele to de pessoal, todas à mão. Por essa época já demonstrou toda a sua sagacidade. ensaiava colocar toda a folha no sistema de No primeiro, quando recebeu o presi- informática da Prodest – Empresa de Pro- dente do Sindifiscal – Sindicato dos Servido- cessamento de Dados do Espírito Santo. res do Fisco Estadual, Jomar, acompanhado de 292

presidentes dos sindicatos de Goiás, Pernam- Passei a ser acionado com frequência pelo buco e Paraná e outros técnicos da SEFA – Se- doutor Zé Moraes. Ele próprio fazia suas ligações cretaria Estadual da Fazenda. telefônicas para o último andar do prédio da Ge- Durante uma hora e meia, ouviu a ex- neral Osório, onde eu trabalhava (10º andar). posição dos sindicalistas, enquanto o Áureo Ligava pedindo informações e me dava cochichava ao meu ouvido: dez minutos para chegar ao seu gabinete, no - Zé Eugênio, eu já vi esse filme. Palácio Anchieta. Eu tinha que correr ao arqui- Zé Moraes, com as pernas cruzadas e o vo, apanhar a pasta, dirigir-me para o elevador dedo escorando o queixo, balançava levemente ou as escadas, atravessar a movimentada Ge- as pernas e ouvia tudo com a maior paciência. neral Osório, subir as escadas de acesso à rua Lá pelas tantas, Zé Moraes pediu a pala- da Escola Maria Ortiz e entrar no Anchieta vra e foi direto ao ponto: sem fôlego e sem fala. - Se entendi bem, a mensagem é que vocês As secretárias dele, Dona Maria e Naza- querem um aumento salarial e, se o Governo não ré, então me aconselhavam a respirar fundo e der, entram em greve. É isso? me sentar um pouco, pois Moraes estava aten- Jomar respirou fundo, encheu o peito e dendo outra pessoa, porque eu gastara mais confirmou: que os dez minutos que ele me dera. - É isso mesmo. Era tão rígido com os horários, que con- Zé Moraes seguiu em frente: seguia cumprir até quatro compromissos em - E quantos dias, Jomar, vocês pretendem fi- uma noite. Se a solenidade estava marcada car parados? para as sete, costumava chegar dez minutos - De 30 a 40 dias. antes. Se o evento não começasse no horário - Só isso? Fiquem mais, pois nesse período eu marcado, concedia uma tolerância máxima de vou mostrar a vocês que a arrecadação do Estado outros dez minutos, despedia-se do anfitrião e vai aumentar. ia embora. A reunião terminou ali, sem ameaças e No período em que assumiu a interven- sem greve. ção na Prefeitura de Vitória, muitas vezes me Em outro momento, ele recebeu servi- acionou para conferir cálculos e eventuais acrés- dores do IESP – Instituto Estadual de Saúde cimos de salários ou outras situações sobre as Pública, em sua maioria médicos do Hospital quais julgava pertinente ouvir minha opinião. Adauto Botelho. Os doutores também amea- No segundo ano do mandato do gover- çavam paralisar suas atividades, se o Governo nador Camata, houve um encontro na fazen- não atendesse suas reivindicações. da da antiga empresa de pesquisa agropecuária A médica sentada à cabeceira da mesa, (EMCAPA), para discutirmos o planejamento no auge do entusiasmo, declarou: estratégico do governo para o restante do pe- - E, se depender de mim, o paciente vai morrer. ríodo. Ao final da reunião, Rita Camata convi- Zé Moraes mandou alguém chamar o dou a todos, de surpresa, para uma feijoada na chefe da Casa Militar e, ali mesmo, ordenou residência da Praia da Costa. a prisão da médica. Em meio à confusão que Em dado momento, sentados em tor- se formou, a funcionária pediu desculpas pela no de uma castanheira e conversando após frase infeliz e a reunião acabou, sem aumento o almoço, o então presidente da EMFORMA e sem protesto. – Empresa Fornecedora de Material, Ubaldo 293

Queiróz, que já fora vereador em Vila Velha, do cargo e da posse do Zé Moraes como go- levantou-se, olhou o relógio e exclamou: vernador. - Nossa, perdi um enterro. No seu curto período como governa- E, para que não ficássemos tão perple- dor, o Estado adquiriu o prédio da Cia. Vale xos, acrescentou: do Rio Doce e a nossa Secretaria foi a pri- - Se eu não vou, outro vai no meu lugar e meira a transferir para aquele prédio, já na ganha os votos da família. gestão de Max Mauro. E na eleição para pre- Quando veio o último prazo para de- feito de Vitória, em 1985, o grupo político sincompatibilização, deixei o Palácio por vol- do PFL rejeitou o apoio do governo. ta de 20 horas e o Camata já decidira que Zé Moraes optou então por apoiar não seria candidato ao Senado. Fui para casa Hermes Laranja, do PMDB. Toda manhã certo de que o quadro não mudaria, mas na visitava uma região da cidade e, assim, deu manhã seguinte, ao chegar para o trabalho, expressiva contribuição para a vitória de comunicaram-me o horário de transmissão Hermes. 294 295 Ex-Prefeito de Vitória Paulo Hartung e Ex-Secretário Municipal José Eugênio – 1995.

...Recebi um convite para participar do projeto político do prefeito Paulo Hartung, como coordenador geral de sua viabilidade no interior do Estado... 296 Vinte sete

o deixar o governo do Estado, em 1995, decidi retomar mi- nha atividade profissional, forjada na Universidade, para a qual me preparara durante a maior parte da minha vida. Paralelamente ao escritório montado para dar consultoria administrativa e econômico-financeira, uma vocação já ex- Aperimentada, abri uma empresa de representação para o Estado de telhas ecológicas produzidas por indústria sediada na França, um avanço na época para a política ambiental que ganhava corpo em nosso país. Telhas de amianto, consideradas cancerígenas, estavam sendo abolidas nas construções de casas e galpões, abrindo espaço para iniciativas pioneiras como essa da minha representação. Em pouco tempo, 23 contratos de consultoria para Muni- cípios – principalmente voltados para a elaboração de estatutos e planos de cargos e salários – outras, a maioria, visando adequação à lei federal do magistério, deram dimensão ao meu trabalho, apon- tando o meu melhor caminho profissional. O dia tem 24 horas, mas, para o meu apetite pelo trabalho, o tempo era muito pouco. Em plena fase de dupla jornada, recebi um convite irrecusá- vel para assumir a Diretoria de Planejamento da “Guicafé-Arma- zéns Gerais”, associada a um contrato de trabalho com o grupo da “Cotia Trading”. O presidente da companhia, empresário Irineu Guimarães, incumbiu-me pessoalmente de coordenar três grandes projetos em áreas distintas e de grande complexidade: a construção de um shopping popular, em plano horizontal, ao lado do Carre- four da Avenida Carlos Lindenberg, em Vila Velha, voltado para a prestação de serviços mecânicos para automóveis; a construção de uma usina hidroelétrica no município de Alegre, àquela ocasião, já em andamento, cujo projeto e execução era de uma empresa de engenharia sediada em Belo Horizonte, e, finalmente, o aproveita- mento do terceiro pavimento da antiga Mesbla para instalação, no local, de uma praça de alimentação. Me vi obrigado a me desdobrar para cumprir minhas tare- fas. Não sei fazer as coisas pela metade e meu aprendizado, ao longo de minha vida, não me permitia transferir responsabilidade para terceiros. A construção da hidroelétrica por empresa de enge- nharia mineira, por exemplo, me obrigava a sucessivas viagens até Causa e Efeito 297

Belo Horizonte, acompanhando a montagem abrilhantava o evento. e o desenvolvimento de cada fase do projeto. Há sempre, porém, um tom inesperado Como em negócios “feeling” por si só não é o em solenidades em que políticos e empresá- melhor caminho, foi assim que uma pesquisa rios se confraternizam, cada um deles com seu de mercado, encomendada com vistas ao apro- enfoque nas suas falas respectivas. O discurso veitamento do espaço no edifício da Mesbla, proferido pelo empresário Irineu Guimarães assegurou-nos resultados satisfatórios para destacou a importância do empreendimen- concretizar o empreendimento. to empresarial e a fala do então prefeito de Passados 16 anos, fico pensando como Cariacica, Aloisio Santos (falecido), foi enfá- conseguia, com todo esse aparato empreen- tica ao apresentar o município como possível dedor, ainda assessorar diretamente o diretor- parceiro nos investimentos que contribuiriam presidente da Cotia, principalmente na área para seu desenvolvimento. Como tinha sido fazendária. previamente acordado. Coordenador, até mesmo mestre de ceri- Foi aí que ocorreu o imprevisto. O então mônias, participei ativamente da inauguração governador Vitor Buaiz, deixando de abordar da EAD – Estação Aduaneira do Interior – Ca- a importância da solenidade, como fora en- ricacica. tendido previamente, discorreu longamente Fui incumbido de convidar a bancada sobre os movimentos de greve que ocorriam federal do Espírito Santo no Congresso para no Estado, gerando perplexidade e criando a solenidade de instalação da EAD, de contra- inesperado zum-zum entre as mais de duas tar o buffet para a reunião e de outras provi- mil pessoas presentes ao evento. O mal-estar, dências para alcançar o objetivo pretendido. se houve, não prejudicou, no entanto, o brilho Todos os parlamentares compareceram ao da comemoração, com excelente repercussão ato, exceto o deputado Roberto Valadão, que dentro e fora do Estado. aniversariava naquele dia e recepcionava seus À mesa principal, durante o almoço ofe- amigos em uma churrascaria local. recido aos convidados, sentaram-se o prefeito Também coube a mim a tarefa de “com- Paulo Hartung, os diretores da Cotia, o empre- patibilizar” os discursos do governador do Es- sário Irineu Guimarães, Theodorico Ferraço, tado, do Prefeito de Cariacica e do empresário Otacilio Coser e Ricardo Ferraço. Irineu Guimarães. Para isso, procurei cada um Chamado à mesa pelo presidente da deles, pessoalmente, procedendo à necessária Cotia, Sr. Jofre, fui surpreendido com a inda- articulação. gação, quase afirmativa, do motivo pelo qual Como “mestre de cerimônias”, à melhor não estávamos colaborando com o prefeito de maneira cabocla da corte inglesa, coube-me Vitória, Paulo Hartung. receber os convidados e fazer a apresentação Afinal, pensei eu, qual o sentido da per- deles aos diretores do Grupo Cotia. gunta, meio deslocada naquele momento? Anfitrionando o governador do Estado, Mas respondi, e todos da minha respos- Vitor Buaiz, e seu secretário de Transportes, ta tiveram conhecimento, que havia recebido, Betarelo, enquanto não se fizera o convite às sim, um convite para participar do projeto po- demais autoridades para o palanque oficial lítico do prefeito Paulo Hartung, como coor- onde foram todos saudados com os acordes de denador geral de sua visibilidade no interior uma banda marcial da cidade de Campos, que do Estado e apoio em Vitória. A honrosa indi- 298

cação foi por mim recusada por razões de or- circunstâncias eram até certo ponto adversas. dem financeira, impossibilitado de abrir mão José Inácio, o outro nome a ser levado aos con- do meu salário, pago pelo Grupo Guimarães, vencionais do PSDB, iniciara seu périplo pelo em troca dos baixos proventos da Prefeitura interior há mais de um ano e meio, sempre Municipal. acompanhado de Luiza Toledo, procurando O problema foi posteriormente contor- atrair os votos dos seus correligionários. Le- nado com minha nomeação para cargo na Pre- vava a vantagem do tempo e da precedência feitura, com remuneração compatível com a nos contatos. que eu então auferia na atividade privada. Cumpriria a mim e ao meu companhei- De repente, repetindo episódios tantas ro Brizolinha neutralizar a campanha que vezes testemunhados no meu passado, voltei mostrava Paulo Hartung como não cumpri- eu a participar de encargos políticos. Minha dor de compromissos assumidos, de aparecer posse, no novo cargo na Prefeitura de Vitoria, como “reizinho” que só se importava com ele foi solene e muito concorrida. e seu fechado grupo político e mais, que troca- A História, asseguram os estudiosos, se va de partido segundo sua conveniência pesso- repete no espaço e no tempo. Eu estava ali al. Nosso “diário de campanha” assegurava a para comprovar essa verdade. Paulo Hartung pleno e correto conhecimento Da atividade no setor privado, para atu- da situação dele e do outro político junto aos ação na área política, fora como fechar um políticos que iriam, no tempo, em convenção, parêntesis aberto por força de circunstâncias. escolher o seu candidato à sucessão estadual. Como causa e efeito, passei a exercer a A tarefa só não era mais difícil porque função de Coordenador Geral da Prefeitura de Paulo Hartung se encontrava muito bem pre- Vitória. O objetivo maior era o de criar meios parado, desenvolvia ótima performance nos e caminhos para tornar Paulo Hartung co- seus contatos pessoais, causando boa impres- nhecido como político capaz e administrador são aos seus correligionários. Exibia o candi- eficiente junto às lideranças políticas e comu- dato, por outro lado, a melhor proposta de go- nitárias nos municípios capixabas, passo ini- verno para o Estado que atravessava séria crise cial para seu projeto político mais ambicioso. econômica e financeira. Minha liberdade de ação era completa, como a função e seu objetivo exigiam. Trazia comigo uma chave da porta que dava acesso a uma sala “privê” que, a par de se prestar a audiên- cias com a autoridade maior do município, po- dia ser por mim usada a qualquer momento. Era para ali que eu encaminhava as lideran- ças municipais que me procuravam esponta- neamente ou por convite e onde se iniciavam as conversas sobre o projeto de governo que orientava nossa ação. Posse na Prefeitura de Vitória – Coordenadoria de Governo. Da esquerda para a direita: César Colnago, Paulo Hartung, José Eugênio, Cumprida essa primeira etapa, inicia- Dalila (minha mãe), Mota (ex-prefeito da Serra), João Haroldo e, Morais mos uma dura jornada que iria se prolongar, (Tribunal de Contas), Domingos Pagani (ex-prefeito de São Domingos do Norte) – 1995. em fins de semana, por mais de oito meses. As (Acervo do autor). 299

Pinço duas situações, entre tantas vivi- porteira, já imaginava do que se tratava. Estar o das naquele período, para ilustrar o “recall” senhor acompanhado de José Eugênio, me levou a ao discurso de Paulo Hartung. Em Sobreiro, pensar como justificar minha mudança de posição. Laranja da Terra, devíamos nos encontrar com Falou então de sua admiração pelo meu o lider político local, Dôrico Keffer – Hen- trabalho e minha pessoa, frisando o carinho rique Keffer Sobrinho. Além do seu voto, que sua família nutria por mim, com destaque Dôrico “controlava” os votos de três outros para sua esposa, sra. Olivia e suas filhas Nor- convencionais. Em sua casa, fomos recebidos my e Rena. por sua esposa, sra. Olinda, e familiares. O Disse mais ter ficado bem impressiona- político procurado, porém, se encontrava au- do com Paulo Hartung, naquele primeiro en- sente, visitando o vice-prefeito de Brejetuba, contro com o político. Jonh Wagner Teodoro Teixeira, em companhia Saímos dali com a certeza de que ganhá- do deputado estadual Gilson Gomes e de sua ramos os três votos do município de Laranja filha Normy. A decisão foi unânime: por que da Terra. não ir à casa do vice-prefeito de Brejetuba, afi- Outro episódio inusitado teve lugar du- nal também ele convencional? rante visita a São José do Calçado. Reunião re- Um dos filhos de Henrique Keffer So- alizada na residência do presidente do PSDB brinho, a nosso convite, se dispôs a dirigir o local, pai do vereador Warley que foi recente- carro em que viajávamos até aquela localida- mente assassinado na cidade, teve a presença de. Foi um percurso até certo ponto pitoresco, do engenheiro Marco Antônio Torres Mata, tendo o carro trafegado em território mineiro convencional, e de sua esposa, sra. Débora. por mais de cem quilômetros. A exemplo do que vinha ocorrendo em Chegamos à hora do almoço. A porteira outros municípios, Paulo Hartung adotou em de acesso foi aberta pelo surpreso Dôrico e a sua fala a mesma metodologia de apresenta- conhecida hospitalidade capixaba nos levou a ção que vinha sendo feita a convencionais do participar da refeição, servida na grande mesa partido, pedindo o voto do representante do da varanda do casarão. município. Após o almoço, Paulo Hartung justifi- O dr. Marco Antonio, com a fisionomia cou nossa presença e pediu os votos dos con- pálida, disse não ter podido dar atenção à fala vencionais de Laranja da Terra, liderados por de Paulo Hartung, uma vez que já se havia Dôrico Keffer, e o do vice-prefeito de Brejetu- comprometido com José Inácio, que lá estivera ba, Jonh Wagner Teodoro Teixeira. tempos antes. Pensava, durante todo o tempo, A mim não passou despercebida a reação como iria justificar a mudança de posição jun- de Dôrico Keffer, feições tensas e retraídas. to ao outro postulante. O líder político de Laranja da Terra era A explicação dessa nova posição, esclare- admirado por sua honestidade pessoal, não se ceu, se deveu a um episódio ocorrido quando esquivando de dizer a Paulo Hartung que já se era eu Chefe da Casa Civil e fui procurado por comprometera com José Inácio, que estivera ele, juntamente com sua esposa, buscando com ele tempos atrás. atendimento a pleito para um jornal por ele E disse, com aquele comportamento que administrado. Não havia impedimento, nem enobrece os homens de bem: legal, nem ético, e seu pedido fora atendido - Quando vi o senhor entrar por aquela por mim. Não tinha, pela gratidão que sentia, 300

como negar seu voto na convenção ao postu- mento de circunstâncias que acaba sendo reve- lante Paulo Hartung, que ali se encontrava em lador. No dia imediato à nossa última reunião, minha companhia. na residência de Luiz Paulo Vellozo Lucas, João Ainda tenho registrado o fato de ter sido Batista Mota, no aeroporto de Vitória, viu João procurado por d. Débora, no dia 11 de maio Miguel Feu Rosa na sala de desembarque espe- de 1998, para, espontaneamente, confirmar o rando passageiro que chegava. Curioso, ficou voto do marido no nosso candidato. à distancia e testemunhou um encontro que o Chegávamos ao fim da jornada e, a pou- surpreendeu: Feu Rosa, com nosso grupo com- co mais de um mês da convenção do PSDB, prometido, aguardava a chegada do senador e nossos registros apontavam quase 30 votos candidato a candidato José Inácio! de vantagem para Paulo Hartung. Lideranças Nem sempre palavra de político deve ser de expressão política migravam para o nosso levada como definitiva, mesmo com o rigor de lado, ganhando destaque a tomada de posição documento protocolado em cartório. Houve da deputada Rose de Freitas e do ex-prefeito um tempo, no passado, por mim testemunha- da Serra, João Batista Mota. do em campanhas políticas do meu pai, que Duas reuniões realizadas pelo grupo de quase sempre bastava um aperto de mão para apoio a Hartung marcaram uma inflexível to- selar um acordo em termos irrecorríveis. mada de posição, coerente com a nossa maneira Mas, que pena!, os tempos eram outros, de encarar a política. Na residência da deputada como hoje outros são os costumes. Rose de Freitas, ficou registrado que não pagarí- Afinal, o quadro da disputa começava a amos qualquer preço para obter a vitória. Era ga- ficar indefinido. nhar legitimamente ou seria melhor perder para Já às vésperas da convenção do partido não nos tornarmos reféns de forças espúrias. fui encarregado por Paulo Hartung de checar O segundo encontro foi realizado na e mapear a situação. Durante o trabalho, na residência de Luiz Paulo Velloso Lucas, pre- sede do diretório estadual, na Ilha de Santa sentes Paulo Hartung, João Batista Mota, Fer- Maria, uma surpresa nos aguardava: havia um ração, Ricardo Ferraço, Rose de Freitas, João quarto convencional em Laranja da Terra, e Miguel Feu Rosa, dr. Tadeu Batista, presidente não três como imaginávamos, e um voto po- afastado temporariamente do Diretório Esta- deria, quem sabe?, definir o resultado. Na ma- dual do partido (conseguimos, no dia seguin- nhã seguinte, desloquei-me até aquela cidade te, uma liminar na Justiça Eleitoral para seu para identificar o eleitor e convencê-lo a viajar retorno ao posto). Saímos da reunião com o até Vitória e votar em Paulo Hartung. convencimento da vitória com uma margem Foi então que verificamos que, por mais de 25 a 30 votos, mesmo não tendo consegui- detalhistas que sejamos no exame de situa- do a adesão de Jorge Anders, prefeito de Vila ções, há sempre uma falha motivada pelo im- Velha, que mantinha sob seu controle os votos ponderável. Em Laranja da Terra, nessa via- de 44 membros do diretório, entendimento gem incidental, encontramos uma situação político com Paulo Hartung impossibilitado que parecia incontornável: os convencionais diante de suas exigências pós eleitorais. com direito a voto eram adventistas e, segun- Mas em política as coisas nem sempre do os ritos religiosos, guardavam os sábados são como parecem. como dias sagrados. Não poderiam, com isso, Testemunha essa versão um entrelaça- por força de sua fé, comparecer à Convenção 301 que se realizaria num sábado, nos salões do em política não correspondia à definição do Clube Álvares Cabral. termo que se lê nos dicionários. Aprendera, A solução foi finalmente encontrada numa desde cedo, que ética é construída por uma espécie de “story board”, com todos procuran- sociedade com base em valores históricos e so- do solução. Decidiu-se, ao final, que os quatro ciais, evidenciando o caráter, o modo de ser de convencionais iriam a Vitória e exerceriam seus uma pessoa, um conjunto de valores morais e direitos de voto após às 18 horas, quando se en- princípios que norteiam a conduta humana no cerrava o período de guarda do sábado. meio em que vive. “O mundo gira e a Lusitana roda”, sofis- Doía mais em mim a dificuldade de as- mava o ex-ministro Delfim Neto. E nessas vol- similação do recuo de pessoas com as quais tas que o mundo dá, ainda na residência do Sr. eu possuía antigas ligações políticas e admi- Dôrico, encontrei sobre a mesa da sala um do- nistrativas e em cuja lealdade eu seria capaz cumento ali esquecido por Luzia Toledo. Re- de apostar. Confesso que, na noite anterior, lacionava o “paper” nomes de convencionais sonhara que Zé Inácio ganharia a convenção. acertados com José Inácio e, entre eles, para Exausto, perplexo e abatido, dormi uma surpresa minha, vários políticos que haviam se noite sem sonhos. Pela manhã recebi ligação comprometido com o nosso projeto. de Paulo Hartung, convidando-me para tomar No retorno a Vitória, procurei o dr. Luiz café na residência dele. Timóteo, em Afonso Cláudio, para uma in- Não escondia, também ele, sua decep- frutífera tentativa de fazê-lo retornar para o ção. Durante nossa conversa, pediu-me para nosso lado. O convencional já viajara para a deletar o relatório que havia preparado. Não Capital, e mais, a informação recolhida era de cumpri o pedido e essa posição se justificaria que ele estava “fechadíssimo” com José Inácio. acertada como se verificaria mais tarde (com a Dia 13 de junho de 1998. Um sába- desistência de Mota, Paulo Hartung foi indi- do festivo, com o ginásio do Álvares Cabral cado para disputar o Senado, eleito com uma totalmente tomado por políticos e populares. das maiores votações já registradas no Estado.) A expectativa era de vitória de Paulo Hartung Dias mais tarde, voltei a ser chamado com uma maioria prevista de 27 votos. para um encontro em casa de Paulo Hartung. Paulo Hartung, “raposa” de sensível per- Previdente, levava comigo o relatório que a cepção política, confidenciou-me que pressen- pedido dele deveria ter sido destruído. tira perder a disputa. Logo após votar, deixou Pudemos assim checar nome por nome, pessimista o recinto. assinalando aqueles que viraram a casaca e Devo reconhecer que o grupo de apoio cujos nomes nos chegavam a todo momento, a José Inácio foi mais incisivo do que o nosso, acompanhados de provas indiscutíveis. usando todos os meios e princípios por eles O tempo passou e, em 2003, numa dis- considerados válidos para vencer e venceram. puta acirrada com Max Mauro, Paulo Hartung Perdemos cerca de 50 votos anteriormente foi eleito governador do Estado. comprometidos conosco. Arquivos encerram quase sempre docu- Voltei arrasado para casa, decepcio- mentos que deveriam ser sigilosos e que, por nado com o comportamento de pessoas que um motivo qualquer, ficam a mercê de ma- trocaram de camisa para obter vantagens pes- nuseio por parte de terceiros. Foi assim que a soais. Me era difícil aceitar, então, que ética equipe do cerimonial, arrumando a biblioteca 302

do Palácio de Governo, na mudança do titular, va, sim. Os papéis, encontrados dentro de um encontrou dois documentos que, na ótica per- livro, continham os termos do acordo político piscaz deles, deveriam me interessar. Interessa- firmado entre José Inácio e Jorge Anders. 303 304 305 306

Acordo fora firmado no dia 12 de junho de 1998 com as seguintes cláusulas:

1. Jorge Anders indica o vice-governador (Celso Vasconcelos). 2. Jorge Anders indicará também o vice em 2002, caso José Inácio concorra à reeleição 3. Apoio de Zé Inácio aos candidatos a deputado federal (1) e estadual (3) de Vila Velha. 4. Senado em 1998 – José Inácio e Jorge Anders farão avaliação em conjunto. 5. Palanque: participação de Jorge Anders em todos os palanques de José Inácio no Estado 6. Participação de Jorge Anders em pelo menos 50% dos programas de TV na campanha de 1998. 7. José Inácio eleito, Jorge Anders indicará todos os cargos comissionados do Estado em Vila Velha. 8. Jorge Anders indicará 1 ou 2 cargos do 1º escalão e 1 ou 2 cargos do 2º escalão no governo José Inácio 9. José Inácio celebrará com Jorge Anders convênios no valor de no mínimo 20 milhões de reais para obras indicadas por Jorge Anders em Vila Velha. Tais convênios serão realizados a partir do 5º mês de mandato, com duração máxima de 16 meses, sendo pagos em parcelas mensais, a partir do 5º mês. 10. Em 2000, apoio total de José Inácio a Jorge Anders na sua campanha para reeleição em Vila Velha 11. Caso Jorge Anders não seja reeleito, José Inácio o aproveitará no 1º escalão do governo 12. Em 2002, caso José Inácio seja candidato à reeleição, Jorge Anders indicará o candidato a vice-governador. Neste caso, Jorge Anders será com – digo – neste caso Jorge Anders apoiará José Inácio ao governo e José Inácio o apoiará para o Senado, indicando o primeiro suplente na chapa de Jorge Anders. 13. Em 2002 – caso Jorge Anders seja candidato ao Governo, José Inácio indicará o candidato a vice-governador e apoiará a chapa. Neste caso, José Inácio será o candidato ao Senado apoiado por Jorge Anders. 14. Em 2002, José Inácio e Jorge Anders concordam em que só será lançado um candidato na chapa do PSDB ao Senado (ou Jorge Anders ou José Inácio). 15. Em 2006, caso José Inácio esteja deixando o governo, será apoiado por Jorge An- ders para o Senado Federal. E José Inácio apoiará Jorge Anders para o governo, indicando a vice (indicando o vice-governador). 16. Jorge Anders indicará o nome para a primeira vaga pertencente ao Executivo para o Tribunal de Contas do Estado e José Inácio se compromete a fazer a indicação, aprovar e nomear. Caso haja rejeição ao nome, Jorge Anders indicará outro nome sucessivamente até que haja a nomeação.

(Seguem-se as assinaturas de Zé Inácio e Jorge Anders) 307

Os dias continuavam passando inexo- te preservar o meu bom nome. ravelmente, sepultando acontecimentos ou Assim, exercitava minha participação na abrindo novas perspectivas. Foi assim que re- equipe de arrecadação de recursos financeiros cebi um telefone do representante da Cotia fora dos horários de expediente, à hora do al- no Espírito Santo, convocando-me para uma moço e depois das 5 e meia da tarde. reunião. Evidenciando constrangimento, dis- Luiz Paulo foi eleito Prefeito, preten- se-me que para dar continuidade ao contrato dendo impor novo modelo de administração com a empresa, eu deveria me afastar de mi- no município. nhas funções na Prefeitura de Vitória. A reno- Compareci à posse do novo prefeito e sem vação do contrato seria, com isso, assegurada. nenhuma manifestação quanto à minha perma- A exigência, soube depois, era de Rogé- nência na Casa, me considerei naturalmente rio Medeiros, secretário da Fazenda, numa fora da Prefeitura, como de praxe nas mudanças campanha para afastar os auxiliares de Paulo de cadeira, e fui com a família passar o mês de Hartung na Prefeitura. janeiro em minha casa em Guarapari. Não me senti sequer à vontade para Um mês mais tarde, recebi uma ligação expressar minha posição. Apenas agradeci a telefônica do amigo Galvêas (o Cuca ). O pre- atenção, abrindo mão da remuneração que feito Luiz Paulo desejava falar comigo. Não pela consultoria recebia e passei a me dedicar me furtei de dizer a ele de minha frustração, exclusivamente ao trabalho na Prefeitura, re- considerando falta de consideração a um alia- cebendo o salário relativo às minhas atribui- do político, tido como amigo, o silêncio do ções junto ao Poder Municipal. Ainda desta novo prefeito com relação a mim. Um desa- vez, o dinheiro não foi motivo para que eu bafo, sem preocupação de conseqüências ou abrisse mão de minha coerência, de ser fiel às desdobramentos. minhas convicções pessoais de conduta. Mas houve. No dia seguinte, recebi em Voltei então à minha função exclusiva minha casa, para um almoço, o prefeito Luiz de Coordenador Geral da Prefeitura. Foi nessa Paulo, o Cuca e o Dórea Porto. O encontro se condição que, em reunião na residência de Lelo prolongou por todo o dia até o inicio da noite, Coimbra, para a qual eu fora um dos convida- ficando acertada minha volta ao mesmo cargo dos, fui convocado para participar do grupo de que anteriormente exercia na Prefeitura. trabalho que iria dar sustentação à candidatura Foi um período marcado por dificul- de Luiz Paulo à Prefeitura de Vitoria. dades e alguns desencontros. Já analisava a Responsável, com o pai de Luiz Paulo e possibilidade de deixar o cargo quando fui com Dória Porto, pelo levantamento de fun- convocado para uma reunião com o prefeito. dos para a campanha, nos reunimos em um Luiz Paulo pediu-me que ficasse de sobreaviso, restaurante da orla de Camburi para esboçar- diante da perspectiva de ser indicado para a mos a estratégia de atuação. Secretaria da Fazenda ou de Serviços Urba- É preciso registrar que, com o aval de nos. Isso ocorreria se fossem confirmadas as Paulo Hartung, titular da Prefeitura, a Procu- saídas de um dos titulares das pastas, respec- radoria Municipal procedera a uma alteração tivamente Guilheme Dias e Neivaldo Braga- legal do regimento interno para possibilitar to, para dar assessoria a Paulo Hartung, no Se- esse trabalho sem que eu precisasse me exo- nado da República. Outra possibilidade seria nerar. Minha preocupação era a de não causar assumir a Administração Regional de Cambu- embaraços para a municipalidade e igualmen- ri, titularidade alcunhada de “prefeitinho”. 308 Prefeitinho, uma edificante experiência

No dia imediato a esse encontro, vol- bem no meio da rua, precisavam ser removi- tei a ser chamado para estar no gabinete do dos para o trabalho de urbanização da via. Li- prefeito, às 15 horas. Vestido informalmente, guei para dona Mariazinha, líder comunitária fui surpreendido com a solenidade preparada. do bairro, marcando um encontro. No primei- Era o ato de posse na Administração Regio- ro casebre morava um casal de idosos, com a nal de Camburi. Fomos compor a mesa com filha Andréa, de vinte e poucos anos, ali nas- o constrangimento que me levou a solicitar a cida e ali criada. Marilza Barbosa para falar em meu nome. - O senhor novamente aqui? Questionou o Dando-me posse, o prefeito Luiz Paulo proprietário, certamente me confundindo com disse-me estar assumindo responsabilidades o Pacheco, que lá estivera antes com o mesmo em uma região tranquila, onde os grandes pro- objetivo. Não entendeu ser eu outra pessoa ou jetos de reurbanização da praia de Camburi preferiu não entender. (já em andamento com a reposição de areia) e a duplicação da avenida Fernando Ferrari seriam os maiores desafios. A realidade, no entanto, mostrou o ledo engano do prefeito, que se esquecera de citar muitos outros, um total de 13, desde as pontes da Passagem e de Camburi até a divisa territorial do muni- cípio da Serra: Morada de Camburi, Pontal de Camburi, Jardim da Penha, Mata da Praia, Jardim Camburi, Maria Ortiz, Solón Borges, Goiabeiras, República, Boa Vista, Segurança do Lar, Antonio Honório e Jabour. Problemas é que não faltavam e politica- Pais de Andréa – Bairro Maria Ortiz – 1997. mente teria que superar o saldo administrati- (Acervo do autor) vo deixado pelo engenheiro Pacheco. A regional tinha sede em Jardim Cam- O outro barraco ficava ao lado, habita- buri, de onde eu me debruçava para buscar so- do por uma família de seis pessoas. Na parede luções para as mais de 90 praças que exigiam mal construída, em vez do clássico quadro do imediata intervenção da Prefeitura. Mangas Coração de Jesus, pendia como único adorno arregaçadas para o trabalho que não podia a fotografia do time do Fluminense, time do esperar e além disso atenção para problemas coração do filho mais velho. aparentemente menores que exigiam pronta O mau cheiro exalado era comum aos dois intervenção. Como ocorreu no dia seguinte, barracos e nada se poderia fazer diante da deci- com uma ligação telefônica do prefeito Luiz são irrevogável da Prefeitura de demolir aquelas Paulo. Dois barracos, no bairro Maria Ortiz, construções precárias. 309

culdades com a CESAN, a ESCELSA e outros parceiros. Ora, se os trabalhos obedecessem ao rit- mo e aos caminhos da burocracia, o prefeito Luiz Paulo concluiria o mandato sem terminar as obras. Chamei de volta ao gabinete os mesmos técnicos e solicitei que identificassem três mo- radias no bairro e encontrassem uma forma le- gal de adquirir e regularizar os terrenos e casas,

Dois casebres citados – bairro Maria Ortiz – 1997. produzindo cópias de todos os documentos. (Acervo do autor). Cada um de nós ficou com uma cópia e relatei essas providências aos meus assessores Havia um terceiro barraco, encravado mais próximos e até à minha família, para que numa pequena ilha do manguezal, onde viviam soubessem o que eu estava fazendo. Quando um pescador e outras 13 pessoas. Dormiam to- anunciamos a mudança aos pais da Andréa, o dos no mesmo espaço, sem divisórias, em camas patriarca já encaixotara toda a sua “mobília” e colchões espalhados pelo chão. E ali mesmo para a transferência. cozinhavam e comiam. Não havia divisão dos No dia que recebeu a notícia, a emoção espaços e, portanto, nenhuma privacidade para dele foi tanta que sofreu um AVC – Acidente o casal. O banheiro ficava do lado de fora e, Vascular Cerebral, vindo a falecer pouco mais para chegarem ao continente, utilizavam uma de um mês após a mudança. Dias depois, vi- canoa de propriedade da família. sitei a outra família, mais numerosa, e fiquei Dois filhos menores haviam morrido feliz por ver que já estava ampliando a casa. por afogamento e o pai era alcoólatra invete- O problema maior foi conseguir mora- rado, enquanto o filho mais velho se envolvia dia para aqueles que viviam dentro do man- com o uso e a venda de drogas. gue. A cada moradia encontrada, recebia no- Era preciso buscar uma solução. vos apelos para não se concretizar a mudança, No dia seguinte, reuni no escritório da até o dia em que identificou-se uma casa de Avenida Fernando Ferrari, onde também fun- esquina, de frente para a maré. cionava a oficina mecânica da Prefeitura, os Realizou-se a transferência e, mais uma engenheiros Fernando Induzi e Jorge Chaves vez, foi um privilégio vê-los cuidando de am- (este representando a empresa que cuidou dos pliar a nova casa, com o maior entusiasmo. serviços de manutenção e engenharia), além Pena que, poucos meses depois, recebemos a do assessor Lussemberg Machado, informação de que o filho mais velho foi assas- Identificamos, nos fundos do campo de sinado. Mais tarde, o próprio chefe da família futebol de Maria Ortiz, uma área para a cons- também foi morto, com uma facada no peito. trução das três casas. Mas ai surgiram os pro- O dia a dia do serviço público é assim blemas: a família Castelo apresentou-se como mesmo: as alegrias e frustrações se sucedem e proprietária da área, mas a documentação di- é impossível prever o que iremos encontrar no zia que o imóvel pertencia à Prefeitura. Como momento seguinte. um problema nunca vem sozinho, houve difi- Foi ótimo, por exemplo, ao representar o 310

prefeito durante o culto, em uma igreja evangé- mendigos e moradores de rua. lica do bairro Maria Ortiz, encontrar a Andréia, Com o apoio da Polícia Militar e da área feliz da vida e agradecida por receber da Prefei- social da Prefeitura, identificávamos a origem tura a moradia digna que a família nunca tivera. de cada um, comprávamos passagens e procu- Logo nos primeiros dias de trabalho, par- rávamos devolvê-los às localidades de origem. ticipei de um encontro com a comunidade de E aqueles que fossem residentes no Espírito Jardim Camburi. A reunião aconteceu na praça Santo eram encaminhados para os abrigos da principal do bairro e eu vestia, na ocasião, calça Prefeitura, onde tomavam banho, cortavam jeans, camisa de manga curta e tênis. cabelo e barba e recebiam roupa nova, assis- Estávamos quase todos sentados no tência social, médica e odontológica. Entre- meio-fio, trocando ideias animadamente, e tanto, em poucos dias já estariam novamente um conhecido meu, ao me ver tão à vontade, perambulando pelas ruas. estacionou o carro e veio conferir se era mes- Trabalhava comigo, no escritório, a Va- mo o José Eugênio que ele conhecia, sempre nilza Muller. Loura de olhos azuis, alta e boni- trajando terno e gravata. ta, ela até parecia uma candidata a miss. Na região da avenida Dante Micheline, Já estávamos em novo endereço, na Ave- perto do bairro Jardim Camburi, a queixa dos nida Fernando Ferrari, quando lhe fiz um pe- moradores é que travestis e prostitutas ocupa- dido, meio de brincadeira. Deveria hastear to- vam toda a área e nem sempre se comporta- das as manhãs as bandeiras do Brasil, Espírito vam de forma aceitável pelas famílias. Santo e do município de Vitória, retirando-as Solicitei autorização da Infraero pontualmente às 17h. para colocar holofotes na região e combinei Vanilza incluiu a nova tarefa na sua ro- que a área policial procuraria afastar essas pes- tina diária, mas como os mastros ficavam de soas daquele local. Só que o incômodo se des- frente para a avenida, alguns espertinhos co- locou para o centro da cidade. meçaram a observá-la com olhares bem pouco O que fazer? cívicos e patrióticos. Como era amigo da presidente do Sin- Foram tantas as mensagens ao prefeito, dicato das lésbicas, prostitutas, travestis e perguntando quem era aquela miss, que um minorias discriminadas, Maria da Glória Mi- dia ele me passou todas e dei conhecimento a randa – a “Glorinha do Romão”, como é co- Vanilza. A moça ficou na maior falta de graça. nhecida – pedi sua colaboração. Nenhum bairro de Vitória recebeu tan- Ao mesmo tempo, a Lilian Mello queria tos investimentos e melhorias, naquele perío- que todas as ações fossem desenvolvidas em do, quanto o de Goiabeiras: saneamento bási- conjunto por nós dois. E me atendia ao tele- co, cobertura asfáltica de quase todas as ruas, fone com uma linguagem bastante informal: centro de educação infantil, escola moderna - Zé, seu filho da p., você está me sacane- de ensino fundamental e construção de uma ando? Suas prostitutas e seus travestis estão todos praça de lazer. aqui no centro. Além dos investimentos públicos, a Se afrouxasse as ações, todos acabavam UNIVIX – Faculdade Brasileira implantou voltando para Jardim Camburi. E começava-se uma unidade de ensino superior no bairro. tudo de novo. Vale a pena narrar o episódio da cons- Tive problemas semelhantes com os trução da praça, que começou pelo trabalho 311 de convencimento dos colegas, para que o pro- O proprietário de uma carroça insistia em jeto fosse incluído no plano plurianual. atravessar a praça e os animais que ele utilizava Depois, já definida a área disponível, na tração arrancavam as pedras do calçamento reunimos a comunidade nas dependências da e sujavam toda a área com suas fezes. Tive que Associação 13 de Maio, para saber o que as procurá-lo em sua casa e o convenci a mudar o famílias gostariam que fosse construído na seu roteiro, em benefício da comunidade. praça. No bairro Jabour, tive outro problema: Recebi mais de vinte sugestões, desde a comunidade católica estava utilizando uma a construção de uma capela mortuária até o área destinada à construção de uma praça e playground, e registrei tudo em um álbum se- uma família invadira parte do terreno e cons- riado. Foram várias reuniões, até que se che- truíra ali a sua moradia. gasse a um consenso. Adotei estratégia semelhante: ficou a Adotei esse mesmo procedimento antes cargo da Procuradoria Municipal solucionar o de construirmos a praça do bairro Morada de problema da invasão e tratei de convencer o Camburi, em um terreno baldio que já fora invasor a mudar de lugar o portão de entrada ponto de consumo e tráfico de drogas. Limpei de sua moradia, que ele construíra dentro da toda a área e fiz a primeira reunião na sede praça. social dos fiscais tributários municipais. Após vários debates, prevaleceu projeto Aí, surgiu um obstáculo: os moradores idêntico ao de Morada de Camburi, com um queriam construir na área uma capela de ora- espaço ecumênico e outros equipamentos. ções e não havia um projeto arquitetônico. As principais praças construídas e refor- Em reunião com os dirigentes da associação, madas nessa época foram: Maria Ortiz, Goia- a presidente, dona “Java”, e os engenheiros, beiras (na Avenida Fernando Ferrari), todas marquei no chão onde seria o playground, a do bairro República, algumas alamêdas e três área ecumênica, a quadra e as áreas verdes. grandes praças da Mata da Praia, Segurança Realizei a obra com recursos financeiros do Lar, Antônio Honório, Boa Vista (nova), destinados à manutenção da regional e, em Jardim da Penha (nova) e Jardim Camburi (re- menos de seis meses, a praça foi concluída e forma de uma e construção de outra). entregue. Durante esse período na regional, quase Mas os problemas não terminaram aí. todas as ruas do bairro Jardim Camburi foram calçadas e a Prefeitura construiu postos de saúde em Jardim da Penha, Jardim Camburi e Maria Ortiz/Jabour. Um dos trabalhos de maior impacto que realizei foi a melhoria do acesso aos becos e espaços vazios, nos aglomerados construídos durante as invasões de Goiabeiras e Maria Ortiz. Eram becos estreitos, com pouco mais de um metro de largura, onde fazia-se a dre- nagem, coleta de esgotos, pintura de muros e calçamento. Praça do bairro Morada de Camburi – 1998. (Acervo do autor) Retirava-se todo o entulho e cons- 312

truía-se um jardim, com bancos. Era visível zado. A situação daquela área era crítica, pois a satisfação dos moradores, após todas essas embora houvesse rede coletora no bairro, mui- melhorias. tas residências e prédios ainda despejavam o Criei o hábito de visitar um bairro, rua esgoto nas caixas coletoras da água de chuva. por rua, a cada manhã, levando uma pranche- Infelizmente, não houve tempo de resol- ta na qual anotava o que precisava ser feito ou ver o problema do esgoto naquele local. corrigido: tapar buracos, limpar terrenos etc.. Quando o prefeito Luiz Paulo se ree- Na companhia do prefeito Luiz Paulo e legeu, convidou-me para chefiar o Gabinete seus assessores, visitei em duas ocasiões o final e, juntamente com Hélio Gualberto Vascon- da praia de Camburi. Em outra ocasião, pro- cellos e Valdir Klug, participar da coordena- movi grande faxina naquela área: capina, reco- ção administrativa e política, junto a Câmara lhimento de lixo trazido pela maré, sacos de Municipal. pó de minério, poda de árvores e destruição de Esse foi outro período de grande apren- abrigos usados por consumidores de drogas. dizagem e enriquecimento técnico e cultural, Retirou-se uma quantidade indescrití- pois – além da interlocução com a Câmara vel de lixo, que incluía colchões, sofás e até Municipal – exigiu um relacionamento direto geladeiras. É inacreditável o que os humanos com as associações de bairros. fazem com a natureza. Após dois anos nessa função, o governa- Iniciou-se também os contatos com os dor Paulo Hartung convidou-me para assumir ocupantes de quiosques do final da praia, para a Secretaria da Educação. que se retirassem do local, que seria reurbani-

Lançamento do Livro Sobre Finanças Públicas - 1998. Da esquerda para a direita: Glorinha do Romão, José Eugênio e Luiz Carlos Reunião no bairro República – 1998. Menegate. (Acervo do autor) (Acervo do autor) 313

Só podemos medir a nossa força, quando nos deparamos com um obstáculo 314 Vinte oito

eus nunca me disse “faça isso, ou faça aquilo”, e eu seria pe- rigosamente pretensioso se pensasse de outro modo. Mas sou levado a admitir que nos momentos decisivos de minha vida, quando uma imperiosa decisão a ser tomada definiria a criança que fui, e o homem que sou, recebi sempre mais do Dque uma mera inspiração. Foi assim quando recusei ir para o semi- nário, foi assim quando meu coração se entregou definitivamente a um olhar numa tarde chuvosa, foi assim quando em Marataízes, num encontro casual, decidi estudar economia. Trouxe comigo a inata sabedoria do meu avô, a extraordiná- ria generosidade de minha mãe, a inatacável honradez do meu pai. Ao longo da vida recebi, mais do que pude transmitir, ensina- mentos valiosos que me amadureceram para o exercício de minhas atividades, quer na área pública, quer no setor privado. Pois foram registros como esses, estou convencido, que me preparam e me direcionaram até o posto que agora ocupo no SEBRAE - Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Teria sido esta uma mudança radical, não tivesse tido eu uma eclética vivência em diversificadas frentes de trabalho, desde as es- colas vistas e tratadas por mim como verdadeiras oficinas de for- mação de cidadãos, à gestão com ética dos dinheiros públicos e sua correta aplicação, à experiência marcante em empresas privadas de pequeno e de grande porte. Em nenhum momento, como agora, perguntei com que re- cursos iria contar para exercitar funções a mim delegadas. Minha postura, diante de mim mesmo, coincidia com o pensamento de Saint-Exupèrie: “Só podemos medir a nossa força, quando nos deparamos com um obstáculo”, e os obstáculos só aparecem no desenvolvimento do tra- natural balho a ser executado. Cheguei ao SEBRAE no dia 5 de janeiro de 2009. Antes disso, executava eu missão do Executivo junto ao na época prefeito de Vila Velha, Max Filho, quando recebi telefonema do governador convocando-me para um encontro com ele, na resi- dência oficial, na Praia da Costa. Foi lá, presente Ricardo Ferraço, que me foi feita uma per- gunta num tom que entendi quase como um pedido para uma nova Uma convergência 315 missão a mim confiada pelo governador Paulo As gestões para obtenção dos votos favo- Hartung: ráveis foram confiadas a Ricardo Ferraço, con- - Zé, você topa ir para o Sebrae? tando com o apoio do então Superintendente O cargo é preenchido com votos de 13 do SEBRAE, dr. João Felício Scárdua, e do dr. representantes no Conselho Estadual: SEBRAE Ruy Dias de Souza, seu diretor de Atendimen- Nacional, FECOMÉRCIO - Federação do Co- to, e Dr. José Lino Sepulcri, então Presidente mércio, FINDES - Federação das Indústrias, do Conselho Deliberativo Estadual. FAES - Federação da Agricultura, FETRANS- Meu nome teve aprovação unânime. PORTES - Federação dos Transportes, IDEIES Um ano e meio mais tarde, reforma pro- - Instituto de Desenvolvimento Industrial, Fun- movida pelo governador no seu secretariado, dação Ceciliano da Universidade Federal - FA- levou o Superintendente Scárdua a ocupar CIAPES, BANDES, Banco do Brasil, CEF - Cai- cargo no Executivo. Fui escolhido para suce- xa Econômica Federal, OCB-Organização das dê-lo até o fim do mandato. Em dezembro de Cooperativas do Brasil e SEDES - Secretaria de 2010, finalmente, fui eleito Superintendente Desenvolvimento do Estado. para um período de quatro anos.

Susto e superação

O susto me surpreendeu ainda em 2009, No dia 28 de abril de 2009, data do meu durante uma reunião do Conselho Estadual de aniversário, dei inicio à primeira das 42 sessões Turismo, interrompida para que eu atendesse prescritas. Hoje a doença está sob controle, mas a um telefonema urgente do laboratório que dela talvez a lembrança mais amarga terá sido a procedia à analise de uma biópsia prostática, sua avocação por terceiros como motivo de im- desdobramento de exames de rotina por mim pedimento para a escolha do meu nome para o anualmente realizados: fora constatada a inci- cargo que afinal eu iria ocupar. dência de um carcinoma maligno, um tipo de Convivo, na superintendência do SE- câncer presente em um de cada dez brasileiros BRAE, com auspiciosa fase de desenvolvimen- da minha idade. to social e econômico de um Estado que abre Retornei à reunião e depois do seu en- com otimismo as portas do seu futuro, levado cerramento contatei o médico que me atendia, a reconhecer os virtuosos resultados do esfor- dr. Miguel Angelo Perez. Entre quatro alterna- ço da gestão empreendedora do Governo Pau- tivas, da cirurgia a sessões de radioterapia, a lo Hartung para que esse fenômeno ocorresse. opção foi a última. Tenho orgulho, como capixaba e como técnico, da contribuição do Sebrae à “de- marrage” de progresso do Estado. A atividade Faço um registro à amizade de da entidade se abre em leque no atendimento Genacy Leonadelli Filho, mo- das necessidades das empresas, de capacitação torista do SEBRAE que me a consultoria, de informações técnicas a pro- acompanhou em todo o meu moção e acesso ao mercado e a serviços finan- tratamento de radioterapia. ceiros. 316

Esse trabalho vem sendo executado com meu presente. Quanto ao futuro, nada posso êxito estatisticamente comprovado. prever. Fico com Santo Agostinho: ele pode ou Esse é o estágio da vida em que me en- não ocorrer. contro. Sei do meu passado e estou vivendo o 317

Outros amigos com o autor: Da esquerda para a direita: Jadir Viana Santos, Roberto da Cunha Penedo e Vladimir Melges Walder – 2009. (Acervo de Antonio Carlos Sessa Neto – Tonico).

Só podemos medir a nossa força quando nos deparamos com um obstáculo 318 Vinte nove

Troca de sapatos

João Felício Scárdua, que foi Superintendente do Sebrae, ti- nha o hábito de marcar reuniões no interior do Estado para nove da manhã. Isso significava, em alguns casos, acordar e levantar cor- rendo da cama às quatro, como aconteceu no dia em que fomos ao município de Jerônimo Monteiro. Como ainda era muito cedo, estava bastante escuro. Não acendi a luz, para não perturbar o sono de minha esposa. Apres- sado, pois sairíamos todos às cinco da manhã (as gerentes Janine Chamoun e Vera Perim, o motorista Genacir e eu), me arrumei sem dar maior atenção às roupas e aos sapatos. Chegando à cidade, como todos queriam usar o banheiro, fomos ao prédio da Prefeitura. Só então percebi que, no escuro do quarto, calçara um sapato preto e outro marrom. Corri à sapataria mais próxima, mas não havia sapatos pre- tos, nem marrons. Entre os risos dos vendedores, que se divertiram com o meu embaraço, comprei o que estava na vitrine, de uma cor qualquer. E só então, aliviado, fui encontrar as colegas e seguir para a reunião. Mas ainda não era o fim. Em meio à reunião e sentado na primeira fila do auditório, tocou o celular e fui atendê-lo em uma sala próxima. Ao retornar, descobri que deixara pedaços de borracha pelo caminho que percor- rera. Os saltos dos sapatos novos estavam virando farelo, provavel- mente devido à longa exposição ao sol, na vitrine da loja. Que dia, meu Deus! Saí escondido pela lateral do auditório e, não encontrando o Genacir, fui a pé até a loja. Só que não havia um par sequer do meu número. Comprei o mais próximo, paguei a diferença e voltei, aliviado, para a reunião. Mas o infortúnio de uns pode ser diversão para outros. Quando chegou a minha vez de falar sobre o meu trabalho no Sebrae, descrevi em detalhes o meu embaraço e dividi com o auditório as desventuras daquela manhã. Ouço até hoje as gargalhadas do prefeito e dos presentes. Ain- armadilhas do cotidiano da bem que alguém se divertiu. Não é fácil escapar das 319 320

O que é educação mas não me permito um minuto de desaten- ção, que pode ser imperdoável. Logo que tomei posse, em 1988, como Aconteceu no parque de exposições de secretário estadual de Educação, recebi telefo- Carapina, onde estavam diversas autoridades nema da primeira dama, doutora Maria Glay- e o prefeito de Colatina, em evento dedicado de, solicitando que analisasse a possibilidade ao setor moveleiro. da ceder algumas salas de aula, nos colégios da Convidado a fazer uma saudação aos Praia do Canto, para abrigar alunos que parti- participantes, em nome do Sebrae, deu um cipariam de um evento durante as férias. branco de memória e esqueci o nome do pre- Tentei em vão, várias vezes, falar com feito de Colatina. a direção da Escola Irmã Maria Orta, e por Por alguns segundos, tentei me lembrar, isso decidi ir até lá. Um pai de aluno, irado, mas desisti e o chamei de “Batata”, que é o esbravejava no balcão de atendimento contra seu apelido. a má educação dos funcionários. Ouvi tudo e Foi uma gargalhada geral. aguardei, em silêncio, para ser atendido. Nin- Ainda bem que o “Leo” – Leonardo – guém ali sabia quem eu era. Também já estava não se ofendeu. Acho até que gostou. impaciente, após vinte minutos de espera e sem direito sequer a um bom dia. Erro de Português Lá pelas tantas, a memória da datilógra- fa – dos fundos da sala – voltou a funcionar e Durante a minha primeira passagem ela se levantou para me cumprimentar. pela Secretaria de Estado da Educação (1988- - O senhor não é o novo secretário de Edu- 1991), viajava constantemente para o interior, cação? promovendo reuniões com professores da rede Essa pelo menos lia os jornais e via televisão. municipal e estadual, ativos ou inativos. Disse que sim, e aí houve um corre-corre Algumas vezes, iniciando a minha fala, geral. citava, de brincadeira, uma frase que dizia Pedi desculpas ao pai de aluno pelo pés- “Vamos começar do começo...”. Em seguida, simo atendimento e repreendi as servidoras, pedia desculpas pelo “pleonasmo”. educadamente, mas com firmeza. Acho que eu sempre soube que um dia Mas a professora que substituía a dire- acabaria acontecendo o que se deu. Ao final tora durante as férias escolares abriu a bolsa e da reunião, uma professora aposentada apro- sacou de lá um contracheque, para protestar ximou-se, discretamente, e me deu uma lição: contra os baixos salários. - Secretário, o que o senhor disse não é pleo- Foi a minha primeira grande surpresa, nasmo, mas redundância. nesse mundo da educação, cujos hábitos ainda Preferi não lhe dizer que as duas pala- desconhecia. vras têm o mesmo significado. Apenas agradeci. Apelido do prefeito – “Batata” Representações de governo Perdi a conta do número de vezes que já participei da mesa, em solenidades realiza- Representar o governador em certas so- das em todos os municípios do Espírito Santo, lenidades oficiais e em outras ocasiões é parte 321 da rotina de um secretário de Estado. O terceiro e último incidente ocorreu Não me esqueço de uma dessas ocasiões, em São Gabriel da Palha, outra vez em um em pleno sábado de carnaval e sob um sol es- sábado, quando viajava em companhia dos caldante. ex-deputados Salvador Bonono e Arildo Cas- Deixei a Praia do Morro, em Guara- saro. Ao estacionarmos o carro em um posto pari, passando por Vitória para vestir terno de gasolina, um motoqueiro passou por nós e e gravata e fui representá-lo, em Governador nos aplicou um belo sermão, por imaginar que Lacerda – Água Doce, como testemunha do estávamos gastando gasolina para passear. casamento de uma das filhas do ex-prefeito Arildo saltou do veículo com ímpetos de Octávio Araujo. partir para a briga, mas não foi preciso. De repente, um automóvel branco, le- É correto que os cidadãos fiscalizem os vando quatro pessoas, passou a nos perseguir homens públicos, mas sem ofensas injustas. pela estrada, desde o Planalto de Carapina até De qualquer modo, foi essa a última vez que a Polícia Rodoviária Federal. Os passageiros viajei em um carro chapa branca. gritavam contra nós todos os palavrões anti- gos e novos do seu dicionário, acusando-nos Amizade com ex-governador Max de “gastar a gasolina do povo”. Antônio, nosso motorista, só faltou es- Não era incomum receber, aos domin- tacionar o carro e partir para a briga. gos, telefonemas do então governador Max Quando chegamos ao posto da Polícia Mauro, convocando-me para despachos admi- Rodoviária Federal, pedi ao Antônio que esta- nistrativos em sua residência. Se eu dissesse cionasse, respirasse fundo e esquecesse o caso, que estava em um churrasco, em Guarapari, pois ainda teríamos quatro horas de viagem a e já tomara alguns goles de cerveja, ele se li- enfrentar e mais o tempo de retorno. mitava a receitar que mastigasse um cravo e A partir daí, a viagem correu sem novos fosse até lá. incidentes. Liberava-me somente no fim da tarde, Mais uma surpresa nos esperava em um após a chegada de sua família, e eu retornava sábado, quando fui representar o governador a Guarapari para buscar minha esposa e meu em uma solenidade na Câmara Municipal de filho. Ou eles vinham de carona e já estavam Castelo. em casa. Sempre entendi que esses chamados Ao atravessarmos a segunda ponte, qua- eram uma prova da confiança que o governa- tro rapazes que iam em outro veículo gritaram dor depositava em seu auxiliar. Secretários de os palavrões habituais e fizeram gestos obsce- Estado e assessores não têm “hora de expe- nos em nossa direção. diente”, como os demais servidores. São tra- Anotei o número da placa, para que o balhadores em tempo integral. Detran identificasse, na segunda-feira, o nome do proprietário. Arrecadador de recursos para A minha maior surpresa foi descobrir campanha eleitoral que o automóvel estava sendo dirigido por um dos filhos do Otílio Arantes, meu colega em Certo dia, o jornal A Gazeta entrevis- Castelo. Em nome da democracia e da amiza- tou a “marqueteira política” Beth Rodrigues, de, aceitei o seu pedido de desculpas. pedindo-lhe que fizesse um balanço da cam- 322

panha eleitoral e revelasse quem era quem e o Descortesia de Homenagem papel que cada um desempenhava na estrutu- ra da campanha do Luiz Paulo. Na minha primeira passagem pela Secre- Além disso, ela sugeriu que os jornalis- taria da Educação, por falta de informação cor- tas entrevistassem os responsáveis pelas diver- reta, vivi um momento constrangedor. A secre- sas áreas e me apontou como o encarregado tária do gabinete deu-me a notícia de que seria da área financeira, função que eu exercia na homenageado em determinada solenidade, mas própria Prefeitura e conciliava com o meu pa- esqueceu dois detalhes importantes: eu teria que pel na campanha. confirmar minha presença, para que os organi- Foi um reboliço geral, na administração zadores mandassem confeccionar a estatueta do município e na direção da campanha, mas que seria entregue, e o traje seria “black tie”. concedi a entrevista e deixei claro que não ha- Naquela noite, vestindo um terno co- via incompatibilidade ou conflito ético e legal mum, chego ao local da recepção e encontro entre essas atribuições. todo mundo vestido como informava o con- A entrevista foi publicada e não se falou vite. Ainda bem que os anfitriões eram meus mais no assunto. amigos. Receberam-me com delicadeza, mas decepcionados com a minha inocente falta de Antecipação da receita cortesia. Em situações assim, o melhor é nem tentar explicar. Sentei-me, discretamente, à Outro fato marcante de minha passagem mesa da ex-deputada Fátima Couzi e, assim pela administração municipal se deu quando que começou a solenidade, sai de mansinho. da operação de crédito realizada pelo Governo do Estado, através da CESAN – Companhia Confusão com a chegada Espiritossantense de Saneamento. O BNDES do “Ministro” – Banco Nacional de Desenvolvimento Eco- nômico e Social aprovara a liberação do cré- Como chefe da Casa Civil, certo dia es- , tendo como garantia as ações da compa- tava esperando a visita de um consultor espe- nhia. O então prefeito Paulo Hartung ajudara cializado em cálculo atuarial, que viria do Rio a concretizar a operação financeira. de Janeiro, como contratado do IPAJM – Ins- Durante reunião com o secretariado, tituto de Previdência e Assistência Jerônimo quando o prefeito falou de sua satisfação por Monteiro. Como esse consultor era fisicamen- haver contribuído para o sucesso da opera- te muito parecido com o ministro Mário An- ção, pedi a palavra e me declarei contrário à dreazza, disse aos recepcionistas do Anchieta sua euforia, por duas razões: o secretário de que receberia, à tarde, a visita do ministro. Estado da Fazenda, Rogério Medeiros, já es- O visitante ficou impressionado com a tava culpando Hartung por atrapalhar a ope- calorosa recepção que os funcionários lhe ofe- ração e, se fosse eleito governador do Estado, receram e só entendeu a razão quando, já em o próprio Hartung é que teria de pagar por minha sala, contei-lhe a brincadeira. essa operação, o que de fato ocorreu em 2003, quando assumiu o governo

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Os curiós Paguei naquela noite por todos os meus raros pecados. Certa vez, prestei consultoria técnica à Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim na ela- Quando o governo não contava boração de um projeto de captação de recur- com a minha astúcia sos financeiros para a melhoria da iluminação da cidade. Na viagem de volta, Octávio Gui- Max Mauro, quando governador, tinha marães e eu fomos parados pelos guardas da o hábito de fazer o governo itinerante e levava Polícia Rodoviária Federal, que verificaram to- consigo os secretários de Estado. Além disso, dos os documentos do veículo e do condutor. criou um grupo de avaliação dos processos de Estava tudo certinho, mas um dos po- despesas junto ao seu gabinete. Participavam liciais nos pediu um curió. Surpresos, de- do grupo quase todos os secretários e também claramos que não estávamos transportando diretores do BANESTES, BANDES, CESAN passarinhos. Nesse momento, o guarda me re- etc.. conheceu como secretário da Fazenda (cargo Como era difícil reunir tanta gente, os que já nem ocupava mais) e pediu emprego processos iam se acumulando, sem decisão. O para o filho no BANESTES - Banco do Estado pior é que a então secretária da Ação Social, do Espirito Santo SA. Respondi que não pode- Mirthes Bevilacqua, acabava por ocupar qua- ria ajudá-lo e sugeri que procurasse o prefeito. se todo o tempo da reunião, devido à grande E, quando esse guarda nos liberou, outro quantidade de processos de pequeno valor que se aproximou e quis saber se seu companheiro ela submetia ao grupo. tinha nos pedido um curió. Mas, afinal, que Um dia reclamei de tudo isso com o curió é esse, indaguei. E só então fiquei saben- secretário Zé Teófilo e ele, com toda a sua do que era o apelido que davam a uma nota eloquência, aconselhou-me: de 50 reais. - José, pensei que você fosse inteligente. Você acha que eu encaminho meus processos à comissão? Batismo em São Gabriel da Palha Claro que não. Você não tem uma dotação orçamen- tária e financeira trimestralmente? Basta seguir es- Convidado para padrinho de batismo ses parâmetros. do filho de um vereador amigo, nunca ima- Retirei imediatamente os processos e re- ginei que teria de “pegar no pesado”. Chovia solvi todos os problemas pendentes, enquanto muito e o celebrante foi o padre Jarbas, meu outros esperavam meses pela autorização. conhecido. Havia ao lado do altar um jarro grande cheio de água. “Boa vida” do Secretário Quase ao final da cerimônia, o padre Jarbas solicitou aos padrinhos que levantas- Como secretário de Educação (1988 a sem o jarro. E começou um longo sermão. De 1991), todos os meses participava de um en- tempos em tempos, o sacerdote brincalhão se contro do CONSED – Conselho Nacional de virava para saber se eu estava suportando o Secretários de Educação, presidido pelo minis- peso: tro da Educação. - Doutor Eugênio, o músculo do braço conti- Um desses encontros aconteceu em Foz nua doendo? do Iguaçu, e no último dia o governo do Para- 324

ná levou os participantes para conhecerem a carro com as mãos na nuca. Tivemos que nos zona franca do Paraguai. Como entrar e sair encostar no carro, enquanto eles nos examina- de lojas não é meu esporte predileto, apro- vam e exigiam a apresentação dos documentos veitei o tempo para experimentar as diversas de identificação. marcas de cerveja vendidas em um bar. Foi lá Abri a porta traseira, para apanhar a mi- que duas professoras capixabas me viram. nha bolsa, mas nesse exato instante fui reco- - Secretário, o que o senhor está fazendo nhecido por um dos policiais, que me pediu por aqui, tão longe de casa? desculpas e, ao mesmo tempo, aconselhou-me Tive que explicar a razão das cervejas e a nunca mais fazer aquele gesto de apanhar ainda compartilhar algumas com as duas. a bolsa, pois poderia ser interpretado como tentativa de resistência e ele seria obrigado a Medo de assalto ao banco do disparar sua arma. Brasil A razão de tudo isso é que há dez dias um grupo tentara assaltar a agência do BB. No período em que escrevi o livro sobre Quando os policiais viram o carro estacionado o município de Afonso Cláudio, nunca deixei em frente ao banco, com placa de Cariacica, de visitar, em primeiro lugar, o prefeito Edélio, vidro fumê e um motorista desconhecido, pas- sempre que voltava à cidade. saram a observar nossos movimentos. Certa vez, ao chegar à Prefeitura, ele su- O prefeito, ao saber do que acontecera, geriu que entrasse em seu gabinete de traba- insistiu na troca do policial. lho e participasse da audiência com algumas Discordei dele ainda mais incisivamente. pessoas da comunidade. O assunto era a trans- ferência do delegado militar e o motivo, por A estrada do Zé Eugênio incrível que pareça, é que ele estaria cumprin- do bem a sua missão. Durante um tempo, mantive uma em- Pediram meu apoio, mas me recusei a presa privada de consultoria técnica. Nessa participar. Se a população vivia reclamando da época, vindo de Guaçui e passando por Jerô- falta de segurança e agora tinha o que sempre nimo Monteiro, ainda tinha um compromisso desejara, por que punir o delegado? Saí para na cidade de Muqui. Resolvi encurtar cami- dar continuidade às minhas pesquisas e mais nho, pela estrada ainda não asfaltada da Serra tarde, após o almoço, o senhor Orly, motoris- da Aliança. ta que me acompanhava, estacionou o veículo Chovia muito. No meio da Serra, a água em frente ao Banco do Brasil, enquanto eu vi- abrira uma pequena cratera, que me obrigou a sitava a Casa da Cultura. reduzir ainda mais a velocidade do carro. Nes- O motorista, que usava óculos escuros se momento, o carro perdeu o freio, a direção e estava com a barba por fazer, permaneceu travou e desci de ré ladeira abaixo, chocando dentro do carro. com um barranco. Assim que saímos rumo ao Centro Cul- O enorme estrondo atraiu alguns traba- tural, no alto do morro, vimos que se aproxi- lhadores, que vieram dar socorro. Meu parcei- mava uma viatura da Polícia Militar, com a si- ro era o Campeão, que nada sofreu, mas um rene ligada. Quatro policiais saltaram dela, de corte próximo ao meu supercílio esquerdo pro- arma em punho, ordenando que saíssemos do vocou um grande sangria. 325

Amarramos algumas partes da lataria e Todos caíram na gargalhada. Ele também. retiramos o carro, que voltou a funcionar, e conseguimos chegar a Muqui. Deixei o veícu- Carteiradas lo em um lava-jato, até avaliar o tamanho do problema. Seguimos para o hospital, onde nos Quando exercia o cargo de chefe da deparamos com uma triste surpresa. Casa Civil do governo Albuíno, a Casa Militar Não havia material nem para curati- determinou que todas os secretários deveriam vos. Fui até a farmácia próxima, que não fazia fazer uso do celular e carregar uma carteira de curativos daquele tipo. identidade fornecida por aquela casa. - Você tem mercúrio cromo? - perguntei ao Naquela oportunidade, minha esposa farmacêutico. Ele disse que sim. fazia o resguardo do nascimento do nosso se- Sem hesitação, fui pedindo éter, espa- gundo filho, o Lucas, e encontrava-se em Gua- radrapo, gaze. Aí, o farmacêutico, tocado em rapari, em nossa casa de veraneio, para onde seus brios, disse que isso ele podia fazer. E fez. voltávamos todos os dias após o trabalho e ati- Não houve necessidade de pontos. E vidades na escola de ensino fundamental do conseguimos ir até Cachoeiro, de onde um Phelipe, o mais velho. cunhado nos ajudou a chegar a Vitória. Ao voltarmos certo dia, antes que che- gássemos na ponte da Barra do Jucu, uma Os dentes provisórios Kombi a nossa frente, impedia que a ultrapas- sássemos. De repente, fiz uma bobagem, cor- Trabalhando na campanha eleitoral para tei-a pelo lado direito, bem próximo a guarita o Governo do Estado, passei quase um dia in- da polícia militar. Um guarda viu a nossa bo- teiro em São Roque do Canaã, em companhia bagem e nos parou. Solicitou os documentos das lideranças locais do candidato Paulo Har- do carro e do motorista. Tudo estava em or- tung e do Gilson Amaro, grande figura huma- dem, somente a infração que havia cometido na, então prefeito de Santa Teresa e também é que não estava. muito influente nesse município. Quando viu a carteira de identidade À noite, houve um grande comício. E da Casa Militar, bateu continência e ainda Gilson faria um pronunciamento. pediu-me desculpas e mandou-me prosseguir Mas o imprevisto, como diz a palavra, viagem. não anuncia quando vai acontecer. O Phelipe logo a seguir (tinha nesta oca- Gilson estava em meio a um tratamento sião 12 anos), perguntou-me do porque não dentário e colocara um “provisório” logo na fora penalizado. Pedi-lhe que apanhasse a car- frente da arcada. Enquanto falava, o danado teira, retirasse o plástico que a protegia e ime- do dente saía do lugar , e ele tinha que usar o diatamente a rasgasse. Nunca mais usei outra, dedo indicador para mandá-lo de volta. pois quando da renovação, guardei-a dentro Na terceira vez, os mais próximos dele da gaveta. já estavam se divertindo com a batalha. Até que, de repente, desistiu do combate: puxou o dente e o guardou no bolso. Perdeu a batalha com o dente, mas não perdeu os votos. 326 327

Aventuras e Desventuras contras, mais contras. Com a afirmação do co- a Bordo de um Helicóptero mandante Vintena de que haveria condições de decolar, ainda assim o Governador conti- Os números estavam na minha memória nuou dizendo não se responsabilizar pela de- e me acompanharam durante muito tempo: cisão sugerida. nos dois anos que antecederam essa narrativa, Chamei o comandante Vintena a um ocorreram no País 35 acidentes com helicóp- canto e lhe perguntei como é que poderíamos teros, causando a morte de 23 pessoas. Meu decolar na pesada escuridão das 11 horas da eventual leitor entenderá as razões desse re- noite. gistro. Disse-me ele que levantaria vôo até a O primeiro helicóptero adquirido pelo altura máxima permitida pelo aparelho, supe- Governo para facilitar seus contatos com o in- rando as montanhas, e que, se conseguisse terior do Estado foi usado na administração enxergar as luzes da fábrica da Aracruz Celu- de Zé Moraes. lose, não haveria nenhum problema Era um aparelho modelo “ Esquilo”, com Confiei na sua experiência e responsa- capacidade para 5 passageiros, aí incluídos o bilidade, embarquei, e depois de 40 minutos piloto e o co-piloto (ou engenheiro mecânico). pousávamos na residência oficial da Praia da Via concurso público, foi escolhido para Costa. pilotá-lo o comandante Vintena, com larga O governador, consciente da responsabi- experiência em dezenas de horas de vôo a ser- lidade do seu cargo, retornou de carro, gastan- viço da Petrobrás na Amazônia, e o mecânico do mais de 4 horas de Barra de São Francisco Ribeiro, técnico de reconhecida capacidade até Vitória em assistência a helicópteros. O aparelho ficava estacionado no ae- A parca rondou por perto roporto de Vitória, de onde decolava para os municípios capixabas a serem visitados, ga- Outra situação difícil, ainda hoje vívida nhando-se com isso tempo e mobilidade. na minha lembrança, ocorreu quando nos di- Das inúmeras viagens que fiz usando o rigiamos à cidade de Montanha, tendo como aparelho, algumas ficaram marcadas pelas cir- destino final Água Doce do Norte, onde já se cunstâncias que as cercaram, como a empreen- encontrava o Governador Albuíno. dida até Barra de São Francisco com o chefe Já próximos daquela cidade, o coman- do Executivo estadual. A aeronave se desloca- dante Vintena e, ao seu lado, o subcoman- ra para buscar o governador Max Mauro e dante Magnago, pediram-me que colocasse os as visitas, inaugurações e contatos políticos fones nos ouvidos. Era para comunicar que a foram se alongando, e com a noite chegando, aeronave sofrera pane na parte elétrica e que reduziam-se as condições para a utilização do por isso deveria eu seguir as suas instruções, helicóptero. Onze horas da noite. O coman- diante da queda inevitável. Confesso que não dante teve negada pelo Governador autoriza- me apavorei em nenhum momento, mesmo ção para decolar até Vitória, uma precaução vendo o semblante do Coronel Magnago, mais perfeitamente justificável. Democraticamen- branco que uma vela. te, no entanto, reuniu-se conosco e ouviu a Fui instruído: assim que a aeronave ba- opinião de algumas lideranças, com prós e tesse no chão, desatar os cintos de segurança 328

e, com as portas abertas, sair correndo, diante mou sua atenção diante do que via como do risco de uma explosão no impacto com irresponsabilidade diante de uma situação o solo. Caímos dentro de uma capoeira com de alto risco. aproximadamente 1 metro de altura e sem pâ- Retornamos à tarde e, para surpresa do nico seguimos as instruções recebidas. Saimos governador, uma de suas filhas nos fez compa- todos bastante arranhados, correndo mato a nhia na aeronave. fora, mas o que era isso diante da queda sofri- da pela aeronave? E a estatística não se modificou Não houve explosão. O comandante Vintena aguardou o tempo necessário e foi Foram muitos os casos e para não me até o helicóptero para verificar os possíveis alongar, narrarei mais apenas um ocorrido em danos. Aparentemente nada de maiores conse- São Mateus. Chovia muito e o comandante quências. Abriu o painel onde ficavam os fusí- já avisara a mim e ao fotógrafo Tonico, que veis e constatou a queima daqueles que prote- me acompanhava, que teríamos que retornar a gem as instalações contra excessos de corrente Vitória. Não havíamos conseguido prosseguir elétrica. viagem e pousamos em Guriri. Assim que a O que fazer naquele local, aparentemen- chuva diminuiu, reiniciamos o retormo. Pró- te ermo? O experiente comandante Vintena ximos de Linhares, não se conseguia enxergar visualizou uma casa distante aproximadamen- nada no meio de espessas e assustadoras nu- te 2 quilômetros e não se fez de rogado. Pediu vens negras. Mudamos a rota, cruzando aquela que o aguardássemos no local e caminhou até cidade, e para nós, como se fosse a iluminação lá, onde teve uma boa surpresa. O proprietário festiva de uma árvore de Natal, brilhavam lá da fazenda possuía um caminhão e se pronti- em baixo as luzes da fábrica da Aracruz. Con- ficou a nos socorrer. Além disso, ainda levou seguimos mais uma vez pousar com sucesso a mais uma bateria de caminhão. Vitória. O Vintena fez as “chupetas”, ligou nas Sem nossa contribuição a estatística duas baterias, e as hélices começaram a girar. permaneceu nos 35 acidentes e nas 23 mortes Olhou para mim e para o Coronel Magnago causadas pela queda de helicópteros. e perguntou o que estávamos esperando para entrar na aeronave. Pedágio Lembrei-me dos 35 acidentes, mas venci o sentimento e embarquei. O pequeno trecho Certo dia retornando do almoço, um até Montanha foi muito tenso, mas nada de grupo de jovens estudantes em frente a pra- anormal aconteceu. ça dos namorados, quando o sinal fechava es- Resolvido o que tínhamos a fazer na- tendia uma faixa, solicitando apoio financeiro quela cidade, nos deslocamos para Água para a sua formatura. Desci o vidro do carro e Doce do Norte, mesmo com a preocupação fiz uma doação de R$ 2,00 (dois reais), no que do ex-prefeito Júlio Cesar Capila. uma das alunas exclamou: “Senador Zé Iná- Ao chegarmos, o comandante comen- cio o Senhor é um miserável!” Tentei justificar tou o episódio com outras pessoas, até para que eu não era o Senador. Para não deixar o justificar o nosso atraso. O governador Al- senador em situação difícil doei R$ 10,00 (dez buíno, no entanto, muito aborrecido, cha- reais). 329

Pontualidade: uma necessidade triões não haviam sequer tomado banho, con- maior cluindo ainda os preparativos para recepcionar os convidados. Convidado pela deputada Luzia Tole- Recolhemo-nos à varanda e ainda tive do, seria eu um dos palestrantes sobre cultu- que ouvir, sem moral para retorquir, as admoes- ra capixaba em reunião solene da Assembleia tações de minha mulher. Fui salvo, algum tem- Legislativa. Premido por outro compromisso, po depois, pela chegada de um segundo casal cheguei quando a sessão já havia iniciado. de convidados. Convocado para participar da mesa entendi que, motivado pelo meu atraso, deveria logo O alarme do Penedo falar sobre o tema que motivara a sessão. Achei estranhos alguns sinais mudos de mem- Não fui protagonista, mas, como figuran- bros da mesa parecendo querer me alertar, mas te, acho interessante narrar esse pitoresco epi- só entendi os motivos quando o Cerimonial sódio. da Casa interrompeu-me para esclarecer que Meu amigo e irmão Roberto Penedo mo- ainda não era o momento de falar. Eu havia rava em uma república atrás da catedral Metro- atropelado a cronologia de dois momentos: o politana de Vitória. Seu colega de quarto era o da abertura e, aí sim, o da palestra. Foi um Henrique Deps, de Muniz Freire, também meu vexame! Bem feito! amigo, colega da turma do curso de Direito do meu pai. Dois conceitos de tempo Nos finais de semana, habitualmente, nos e uma “gafe” reuníamos ali para estudar. Foi num dia assim que Henrique me contou a última façanha do Eu e Beth fomos convidados para a co- Penedo, que ganhara do pai um fusca usado. memoração do aniversário da esposa de um Preocupado com um possível roubo do carro, amigo, uma reunião marcada para as dezenove bolou um dispositivo para preservar seu “pos- horas. sante” de mãos alheias: amarrou um barban- Certamente movido pela lembrança da te na peça que disparava a busina e durante a implacável exigência de horário do saudoso noite o enrolava no dedão do seu pé. Qualquer governador Zé Morais, que não aceitava atra- tentativa de furto no veículo, seria ele acordado sos, insisti com minha mulher para chegarmos pelo puxão do barbante amarrado em seu de- à hora indicada. Ela, com maior vivência em dão.... Coisas do economista Roberto Penedo, problemas de etiqueta, procurou demover-me que pensou até em patentear seu “invento”. da ideia, acentuando que horário para esse tipo de comemoração era apenas uma referên- Os cadeados do Sandro Chamoun cia, dizendo mais que ninguém iria chegar tão do Carmo cedo à residência do casal. Venceu a intransigência de Zé Morais. O ex-governador Max Mauro tinha o há- Insisti tanto que chegamos dez minutos antes bito de realizar governo itinerante, e essa his- do horário programado. Mas minha mulher tória se passou em São Gabriel da Palha, numa tinha razão. Razões de Estado não são razões dessas ocasiões. sociais. Fomos os primeiros a chegar e os anfi- Encontrávamo-nos “batendo um papo” 330 331 em uma das praças da cidade, quando o meu sem descumprir a ordem legal, respondi-lhe. amigo e companheiro de equipe, Sandro Cha- Depois fiquei sabendo que ele, temero- moun do Carmo, então secretário da Justiça, so, não seguiu minha sugestão e é possível que perguntou-me: até hoje esteja esperando pela autorização. “Meu querido Eugênio, como é que você con- segue liberar os seus processos no gabinete do gover- Uma granja no Anchieta nador?” A pergunta era pertinente, porque o Era hora do almoço e eu saía do Palácio governador criara um grupo de avaliação dos Anchieta, onde chefiava a Casa Civil, rumo processos de despesas junto ao seu gabinete ao estacionamento, quando, numa caminho- com a participação de quase todos os secretá- nete que chegava, meus amigos Theozilda e rios e os diretores do BANESTES, BANDES, Machado fizeram sinais para aguardá-los. CESAN. Como era muito difícil reunir tantas Para minha surpresa, recebi deles uma autoridades, os processos iam se acumulan- caixa de sapatos embrulhada para presente. do. Mesmo quando se conseguia quórum, a Percebi, pelo ruído que havia algo vivo no in- secretária da ação social, Mirthes Bevilacqua, terior da caixa. Retornei à minha sala, abri o dominava a reunião pelo volume de proces- embrulho e vi que o ruído ouvido fora provo- sos de valor pequeno que ela produzia. cado por numerosos pintinhos, aparentemente Voltando no tempo, lembrei-me que de um dia. Escapando da caixa, espalharam-se certo dia eu próprio repetira a indagação de pelo gabinete provocando inevitável alvoroço e, Sandro Chamoun do Carmo, ao secretário Zé à proporção em que recolhia alguns pintinhos Teófilo e ele, com aquela sua verve bem hu- para a caixa, outros escapavam. Foi preciso da morada, respondeu-me: ajuda de várias pessoas para recolhê-los. “José, achava que você fosse inteligente! Você E agora, o que fazer? Morava em apar- acha que eu encaminho os meus processos para a tamento, sem condições, portanto, de criar os comissão? Não. Você não tem a liberação através futuros frangotes. A salvação veio numa ser- de portaria de quanto você dispõe de dotação orça- vidora e que chegou naquele momento e que mentária e financeira trimestralmente? É só obede- aceitou agradecida o presente que lhe fiz. cer a estes parâmetros” Theozilda tinha o hábito de charmar-me Sem mais delongas, dirigi-me ao setor de “abestalhado”, palavra “carinhosa” com encarregado de recebimento dos processos, que tratava as pessoas de seu relacionamento. retirei-os e os levei para a SEDU. Estava re- Era herdeira das granjas “Valquíria” especiali- solvido o meu problema. zada na produção de pintinhos, localizada em Esse episodio eu o narrei ao Sandro, Domingos Martins. Machado faleceu recente- respondendo à sua indagação. mente. Ele me ouviu atentamente e falou do seu problema: : Espera em Pizzaria -“Dr. Eugênio, estou há nove meses com um processo para a compra de aproximadamente seten- Como costumava fazer, saí com a famí- ta cadeados e não consigo a liberação do processo...” lia e a namorada do filho mais velho para co- Pois faça como eu, resolvendo o impasse mer uma pizza num restaurante que frequen- távamos na Praia do Canto. 332

Conosco, mais duas irmãs da namorada Cabrito, vivo ou morto do Phelipe. Sentamos, pedidas as bebidas e entabu- Ainda durante o expediente, no Prédio lamos conversa sobre assuntos do cotidiano, da SEDU, fui procurado por um emissário do as mulheres falando sobre o último capítulo ex-prefeito de Água Doce do Norte, Sr. Otá- da novela, eu e o Phelipe buscando solução vio Araújo, para fazer a entrega de uma enco- para os problemas do mundo. menda. Atendido em minha sala de trabalho, O tempo foi passando, os vizinhos de apresentou-se e disse ter sido encarregado pelo mesa que chegaram depois de nós foram aten- prefeito de trazer-me um cabrito e queria saber didos e eu comecei a ficar impaciente com a onde deixá-lo. demora. Decorridos aproximadamente trin- Encarreguei Jacy, servidor da copa/cozi- ta minutos, a conversa foi perdendo ritmo e nha, de apanhar o cabrito e colocar no freezer. nada das pizzas. Ameaçava levantar-me e ir Em poucos minutos voltou Jacy, preocu- embora, quando a namorada do Phelipe olhou pado, dizendo da impossibilidade de cumprir para mim e disse: minha ordem de colocar o cabrito no freezer “Tio, acho que não escolhemos ainda e não porque... o animal estava vivo. pedimos ao garçom a pizza que queremos.” O que fazer? Agradeci ao emissário pelo Foi uma gargalhada geral, inclusive do presente e pretendia devolvê-lo, até que ele garçom que, como quase todos os garçons do levantou a ideia de levar o cabrito para uma mundo, fazia cara de paisagem aguardando casa de seu primo morador de Cobilândia, com nossa decisão. compromisso de trazê-lo morto no dia seguin- Esse episódio me fez lembrar do que te. Assim foi feito. acontecera comigo e com o dr. Scárdua: en- Mandamos assá-lo em uma padaria, e à tramos juntos no elevador, no nono andar do noite o devoramos em um bar, regado a muita edifício, conversando, até que o dr. Scárdua cerveja, acompanhado de vários servidores da observou: “O elevador deu defeito”. casa. Fiquei assustado, até verificar que não havíamos apertado o botão de descida. 333

Sentido da Vida

Antes de concluir esse relato despretensioso, tomo a liberdade (e reconheço que se trata de grande ousadia) de discordar do mestre William Shakespeare, para quem “a vida é uma história contada por um louco, cheia de som e de fúria e sem nenhum sentido”. Para mim, todo o sentido de viver nasce do amor – amor da família, da espo- sa, dos filhos, dos irmãos. Nasce da esperança e da fé em Deus e na humanidade. Nasce das amizades que cultivamos e pelas quais somos cultivados, muitas vezes ao longo de décadas. Nasce do estudo, do saber que acumulamos ao longo dos anos. O estudo que nos faz crescer e nos torna pessoas melhores. Nasce do trabalho, da dedicação e da honestidade com que enfrentamos os grandes desafios de uma existência que até hoje foi quase inteiramente dedicada a ensinar e aprender. Nasce, enfim, da contribuição para o bem da sociedade e a construção de um Estado e um país que sejam mais prósperos e mais justos. Sim, tudo isso dá sentido à vida, mister William Shakespeare. E querer mais do mesmo não é defeito. Talvez seja essa a maior virtude dos humanos, na sua caminhada rumo ao futuro.

José Eugênio Vieira

Familiares de José Eugênio Vieira – 2000. Da esquerda para a direita: Em pé: Roger, Roberta, Rafaela, Marcos Vereza, Bruno, Eugênio, Rodrigo, Campeão, Elzira, Jovita, Mariana, Octávio, Marina, Beth, tio Paulo, Zé Eugênio, Mila, Phelipe, Joana, Fatinha e Chiquinho Perin. Sentados: Lara, Natália, Raquel, Laiz, Lucas, Dalila (mãe), Lili (tia), Gleiser e Gustavo. (Acervo do autor)

OBS.: Ausentes da foto: Tavinho e Geovana (fora do país), assim como Rita (irmã falecida). 334 Reconhecimento e Compromisso Esse é o meu tesouro, que não se gasta e não se perde, uma fortuna amea- lhada ao longo da minha vida como servidor público. As honrarias generosamente a mim conferidas, cada uma delas, todas elas, foram recebidas com reconhecimento e humildade, transmitindo-me es- tímulo e força para nunca deixar de dar minha contribuição ao esforço comum para o desenvolvimento do Estado e bem-estar de nossa gente. Os títulos de cidadania a mim concedidos me fazem sentir orgulhosamen- te cada vez mais capixaba, umbilicalmente ligado a Castelo e pelo coração a todos os municipios deste grande e amado Estado.

1 – Títulos de Cidadania

- Água Doce do Norte – 1989 - Montanha – 1992 - Castelo – 1989 - Rio Bananal – 1992 - Laranja da Terra – 1989 - Santa Teresa – 1992 - Serra – 1989 - Apiacá – 1993 - Afonso Cláudio – 1990 - Domingos Martins – 1993 - Águia Branca – 1990 - Conceição da Barra – 1993 - Ecoporanga - 1990 - Santa Leopoldina – 1993 - Guarapari – 1990 - Muqui – 1994 - Mimoso do Sul – 1990 - Fundão – 1996 - São Mateus – 1990 - São José do Calçado – 2003 - Pedro Canário – 1990 - Marechal Floriano – 2005 - Vitória – 1990 - Alegre – 2006 - Barra de São Francisco – 1991 - São Roque do Canaã – 2006 - Cariacica – 1991 - Piúma – 2006 - Colatina – 1991 - Viana – 2007 - Ibiraçu – 1991 - Pancas – 2008 - Itaguaçu – 1991 - Dores do Rio Preto – a receber - Iúna – 1991 - São Gabriel da Palha - 2008 - João Neiva – 1991 - Mantenópolis – 1991 - Pinheiro – 1991 - Bom Jesus do Norte - 1991

2 – Honrarias

• Honra ao Mérito – GRES Unidos da Penha – Vitória – ES – 1982 • Honra ao Mérito – Rotary Clube de Vitória – Oeste - 1985 • Ordem Estadual do Mérito Jerônimo Monteiro – Vitória – 1990 • Comenda Newton Braga – Cachoeiro do Itapemirim – 1991 335

• Honra ao Mérito – Ibitirama – 1991 • Honra ao Mérito – Jornal de Muqui – 1994 • Honra – Dia dos Economistas – Poder Legislativo - 2003 • Comenda Rubem Braga – Cachoeiro do Itapemirim – 2004 • Cidadão Benemérito – Castelo – 2004 • Honra ao Mérito – Câmara Municipal de Vitória – 2004 • Mérito Nestor Gomes – Corpo de Bombeiros - 2006 • Comenda Sócio-Cultural - “Élcio Paes de Sá” – Marataízes – 2006 • Sócio Honorário – Clube dos Panificadores – 2011 • Comenda Ordem do Mérito do Desenvolvimento do Espírito Santo – IBEF - 2011 • Destaque do Setor Privado - Conselho Regional de Economia 2012. • Cidadão Benemérito - Alegre - 2013. • Cidadão Florianence - Marechal Floriano - 2013.

3 – Patrono da Cidade

• Apiacá – Festa da Cidade (Presidente de Honra)– 1990

4 – Agradecimentos com Placas

• Água Doce do Norte: - Escola Olegário Martins – Córrego Azul - 1991 - Poderes Legislativo e Executivo – 1992

• Alfredo Chaves: Comunidade de São Bento de Urânia – 2011

• Aracruz – Câmara Municipal – 1991

• ASRE de Cachoeiro de Itapemirim – 2004

• Atílio Vivacqua: - Escola de 1º e 2º Graus Fernando de Abreu – 1992

• Cachoeiro do Itapemirim: - Alunos e Funcionários do CEI – Centro de Educação Infantil Dra. Rita de Cássia Vieira – 2003.

• Castelo: - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio João Bley – 1989 - 100 Anos da Colonização Italiana – 1990 - Prefeitura/Teatro Municipal – 1992 - 2º Encontro de Delegados de Polícia – 1993 - Escola Centro Unificado de 1º Grau Constantino José Vieira – 2003 - EEFM João Bley – Amigo da Escola - 2004 - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio João Bley – 2006 - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio João Bley – 2009 336

• Conceição do Castelo: - População do Município – 2004

• Domingos Martins: - Sup. Regional de Educação de Pedra Azul – 2003

• Dores do Rio Preto: - Prefeitura Municipal – 1991

• Ecoporanga: - Escola Municipal de Educação – 1990

• Guarapari: - Escola de 1º Grau Angélica Paixão – 1999

• Iúna: - Faculdade Doctum – Campus de Iúna – 2004

• Ibiraçu: - Prefeitura Municipal – 1991

• Ibitirama: Prefeitura e Câmara – 2009

• Itaguaçu: - Escola de 1º Grau Thiers Velloso - Encontro de Professores – 1989 - Escola de 1º e 2º Graus Eurico Sales – 1989 - Escola de 1º e 2º Graus Eurico Sales – 1991 - Diversas Escolas – 1991 - Prefeitura Municipal – 1998

• Laranja da Terra: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Maria de Abreu Alvim - 2010

• Lindemberg: - Escola Irineu Morello – 2003

• Marataízes: - Comunidade de Lagoa Dantas – 1992

• Mimoso do Sul: - Câmara Municipal – 1990

• Pinheiros: - Câmara Municipal – 1991

- Prefeitura Municipal – 2004

• Piúma: - Educandários Estadual e Municipal – 1992

• Presidente Kennedy: - Comunidade de Jaqueira – 1990 - Hospital Tancredo Neves – 1992 337

- Prefeitura Municipal e Produtores Rurais - 1993 - Prefeitura e Câmara Municipal – 1994 - Inauguração do Fórum - 1994

• Santa Teresa: - EEEFM Prof.º Antonio A. Coutinho – 2004

• São José do Calçado: - Prefeitura Municipal – 1991

• São Mateus: - Prefeitura e Família Prefeito – 1992

• Serra: - Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Julite Miranda de Freitas – 1988; - Secretaria Municipal de Educação – 1991 - Prefeitura Municipal – 1991 - Câmara Municipal – 1991

• Vargem Alta: Prefeitura Municipal – 1992

• Viana: - Prefeitura Municipal – 1990 - Prefeitura Municipal – 1991 - Prefeitura Municipal – 1992

• Vila Velha: – Família Pedro Herkenhoff – Escola – 1998 - 1ª Copa Canela Verde – 1988 - Liga Vila Velhense de Futebol Amador – 1992 - Servidores e Superintendente – 2004 - Diretores e Superintendente – 2004

• Vitória: - Funcionários do DEARES – 1988 - Funcionários da Sec. Estadual de Educação – 1990 - Equipe de Informatização da Casa Civil – 1994 - Associação dos Delegados do Estado do Espírito Santo – 1994 - Cine Memória Capixaba – Audiovisual Capixaba – 2004

• Outras Condecorações: Troféus, Diplomas e Medalhas ›› Amigo da Polícia Militar – 1992. (medalha) ›› Amigo de “André Carloni” – Associação dos Moradores de André Carloni – AMAC – 1990. ›› Personalidade Cultural da Década Neotrovista – Clube dos Trovadores Capixaba – 1990. ›› Amigo do Grupo Gas – Grupo de Assessoramento Superior – 1987. ›› Magnífico dos Trovadores – 1989. 338

›› Amigo da Poesia – 1987. ›› Sócio Benemérito – Servidores do DIO (Departamento de Imprensa Oficial) – 1988. ›› Medalha Primado da Saúde – PMES – 1992. ›› Medalha da Ordem de Tibúrcio – 38º BI – 1991. ›› Medalha do Mérito Jerônimo Monteiro – 1988. ›› Medalha dado pelo Vaticano – JOANNES PAVLUS PP II – 1991 - (Visita do Papa ao E.S). ›› Troféu – Jubileu de Ouro (1941/1991) da ACEPES, Parque de Exposições de Cachoeiro de Itapemirim – 1991. ›› Medalha de Honra ao Mérito – Dia do Servidor Público – 28/10/88. ›› Troféu do Governo de Pernambuco – Sec. Educação – III Encontro Nacional de Bandas e Fanfarras – 25 a 28/10/90. ›› Certificado de Agradecimento pelo apoio/articulação e solidarie- dade ao Encontro Nacional de Capoeiras de Angola – VI Grito dos Filhos de Omulú – 1993. ›› Certificado do DEARES – Departamento de Educação Física, Desporto Amador e Recreação do Espírito Santo, pelos relevantes serviços ao Desporto Amador – 1990. ›› Título de Parceiro da CIDA – Companhia Integrada de Desenvol- vimento Agrícola – 1994. ›› Troféu – Amigo da Federação de Esporte – 1994. ›› Agradecimento da Associação dos Funcionários da EMCAPA/ SEAG pela participação na aprovação do novo Plano de Cargos e Salários (Ofício n.º 033/84, de 20/11/84). ›› Amigo dos Sambistas Capixabas, concedido pela Liga Independente das Escolas de Samba do Espírito Santo – LIESES – 07/03/92 (Título). ›› Diploma de Honra ao Mérito concedido pelo Rotary Club de Vitória – Oeste – 1985. ›› Grande Benemérito, título concedido pela Federação de Futebol do Espírito Santo – 1994. ›› Personalidade do Ano 1993 – Guarapari (Troféu) ›› Diploma de Honra – Dia do Economista – 2003. ›› Título de Filelenon – Cultura Helênica -2004. ›› Troféu Cidade das Conchas – Piúma – 1991. ›› Diploma do 1º Centenário da Imigração Italiana de Nova Venécia – 1990. ›› Personalidade do Ano de 1994 – Guarapari (troféu) 339

›› Personalidade do Ano de 1995 – Guarapari (troféu) ›› Amigo da Fonte Grande – Movimento Comunitário do Morro – 2000/2002. ›› Escola Municipal de E. Fundamental Antonio Brunelli – Pinheiros – 2006. (troféu) ›› Escola Estadual de Ensino Fundamental Prosperidade – Vargem Alta – 2004. (troféu) ›› Vitória – 450 Anos – 1551-2001 – Gestão 2001/2004. (troféu) ›› FAMES – 50 Anos – Meio Século de Música – s/ data. (troféu) ›› Moção de Aplauso – Câmara Municipal de Afonso Cláudio – 2009 ›› Agradecimento Prefeitura Municipal de Afonso Cláudio – Lançamento do Livro sobre o município – 2009 ›› Título de Personalidade de Agroturismo das Montanhas Capixabas – AGROTURES – 2010 ›› Agradecimentos pelos relevantes serviços prestados – Prefeitura e Câmara Municipal de Ibitirama – Sem Data ›› Troféu da Comunidade de São Bento de Urânia – 2011 ›› Câmara Capixaba do Livro – Amigo do Livro – 2009 ›› Câmara de Dirigentes Logistas de Afonso Cláudio – 2011 340

Inauguração da escola no bairro Rosa da Penha – Cariacica –1990. Da esquerda para a direita: Marina (irmã), Jovita (irmã), Elzira (irmã), Dalila (mãe), Max (Ex-Governador), Beth (esposa), e o autor. Aos fundos: Octávio e Campeão (cunhados) e Giovana (sobrinha). (Acervo do Autor)

Comemoração do meu aniversário quando administrador regional – 28/04/1998. Da esquerda para a direita: Motinha, Brizolinha, Márcio Parrine, Soely Tarden, desconhecido (cavaquinho), Edson, Jorge Chaves, Rodrigo, Sr. Luiz, Eliete, Hélio Carlos (falecido), Zé Eugênio, Dr. Lussemberg, Evandro Landeiro, Vanilza, Peterson, Sabrina. (Acervo do Autor) Apêndice 341

Lançamento do livro – 30 anos de finanças públicas – dez/1998. Da esquerda para direita: Ricardo Ferraço (Ex-Dep. Federal), o autor, José Teófilo, Ilson Bosi e Arthur Carlos Gerharadt (Ex-Governador). (Acervo do Autor)

Visita ao Arcebispo de São Mateus, Dom Aldo Gerna. Da esquerda para a direita: Dom Aldo, Paulo Hartung (Ex-Governador), Lauriano Zancanela (ex-prefeito), Ricardo Ferraço (Ex Vice-Governador) e autor – 2004. (Acervo do Autor) 342

Lançamento do livro sobre Política do ES – Outubro/1996. Amigo José Augusto da Fonseca (SP). (Acervo do Autor)

Posse como Coordenador Geral da Prefeitura Municipal de Vitória – 1995. O autor, Emílio Nemer (Castelo – falecido), Dr. Pedro Alves, (São Mateus – falecido), Jairo Regis (falecido) e aos fundos Amaury Gomes (Afonso Cláudio – falecido) e Helinho (Iúna – falecido). (Acervo do Autor) 343

Reinauguração da Escola Maria Ortiz – Vitória – 2004. Ex-Governador Paulo Hartung e o autor acompanhados de alunas daquele Colégio. (Acervo do Autor)

Solenidade em Palácio da Área da Cultura – 2004. Ex-Governador Paulo Hartung e o cantor Gilberto Gil. (Acervo Romero Mendonça) 344

Inauguração da Escola em Guarapari com o nome do meu pai – Constantino José Vieira – 1991. Minha mãe Dalila e minha sogra Enid França. (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico)

Com o amigo Douglas Puppin - na comemoração de meu aniversário - Prefeitura Municipal de Vitória, 1999. (Acervo do Autor) 345

Com o cunhado e grande amigo Antônio Carlos dos Santos - Reunião no escritório particular - Vieira Consultoria – 1995. (Acervo do Autor)

Lançamento do livro sobre finanças – 1998. Da esquerda para a direita: Max Mauro (Ex-Governador), Ilson Bosi, Dr. Arthur Gerhardt (Ex-Governador), Luiz Paulo Vellozo Lucas (Ex-Prefeito de Vitória), o autor e Ricardo Ferraço (Ex-Deputado Federal). (Acervo do Autor) 346

Aniversário quando exercia as funções de chefe da Casa Civil – 28/04/1991. Da esquerda para a direita: Theodorico Ferraço (ex-prefeito de Cachoeiro), Adelson Salvador (Ex vice-governador), o autor, Berenice Pinho (Ex-Auditora Geral) e Elzira (irmã). (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico)

Posse na coordenação geral da Prefeitura de Vitória, gestão de Paulo Hartung – 1995. Da esquerda para a direita: Sr. Antonio Rodrigues (Ex-Motorista), Carlos Augusto de Magalhães, Jadir Viana Santos, Vladimir Melges Walder e Anselmo Travaglia (amigos) e Gorete Rodrigues (Ex-Secretária da SEFA, SEDU, Casa Civil e Prefeitura). (Acervo do Autor) 347

Comemoração da Semana do Economista – 13/08/1985. Homenagem ao Ex-Governador Gerson Camata. (Acervo de Joaquim Nunes)

Comemoração da Semana do Economista – 13/08/1985. Presença do Vice-Governador José Moraes. Da esquerda para a direita: Rita Camata, José Moraes, Gerson Camata, o autor e Dom Geraldo Lyrio (Arcebispo de Vitória). (Acervo de Joaquim Nunes) 348

Aniversário de 28/04/1998. Da esquerda para a direita: Luiz Paulo Vellozo Lucas (Ex-Prefeito de Vitória), o autor e Lussemberg Machado (Engenheiro Civil e Assessor). (Acervo Antônio Carlos Sessa Netto - Tonico)

Comemoração da Semana do Economista – Na ocasião Presidente do CORECON -13/08/1985. Da esquerda para a direita: D. Enid e Dr. Cely Carvalho França (Sogros), Joaquim Aleixo de Souza, Elizabeth, Vladimir e Humberto (EMATER - ES). (Acervo do Autor) 349

Visita à Colatina – Dia da emancipação política – 22/08/2004. Da esquerda para a direita: Guerino Balestrassi (Ex-Prefeito de Colatina e amigo), o autor, Paulo Hartung (Ex-Governador). (Acervo de Romero Mendonça)

Noêmia (líder comunitária do Bairro Bandeirantes - Cariacica) Sem data (Acervo do autor) paixonado pela história de povos e cidades, José Eugênio Vieira reconhece a extrema importân- cia de deixar o passado registrado em documen- tos, sejam eles sobre famílias, locais ou órgãos públicos. Sua notável habilidade em descobrir e Aredescobrir momentos traz grande qualidade aos seus livros, pois para ele contar histórias é mais que um hobbie. Muito antes de se tornar um experiente escritor, José Eugênio já trazia em si a vontade e o prazer de contar e recontar sobre o cotidiano dos lugares por onde passava. Histórias até então escondidas, às ve- zes nunca vistas, foram sendo resgatadas, relatadas e escritas por José Eugênio. Assim, fatos que con- tribuíram para a formação de um determinado povo tiveram seu devido reconhecimento. Foi dessa forma com sua cidade natal, Afon- so Cláudio, no Espírito Santo, cuja história foi deta- lhadamente registrada por ele. E também com outros locais, uma vez que o autor publicou, ao todo, oito livros sobre temas relacionados à história administra- tiva, política e econômica de municípios capixabas, além de finanças públicas e heranças familiares. Em sua vida pessoal e profissional, também fez história. Casado com Elizabeth França Vieira – cuja união gerou dois filhos, Phelipe e Lucas, – José Eugê- nio construiu um longo e brilhante percurso na área pública, marcado pela integridade e competência. Formado em Economia pela Universidade Fe- deral do Espírito Santo (Ufes), tem experiência admi- nistrativa no exterior (Paris, França) e dedicou grande parte de sua vida, 50 anos, à gestão de instituições públicas brasileiras, sendo reconhecido por sua no- tável liderança e capacidade de articulação institu- cional. Atualmente, é superintendente do Sebrae no Espírito Santo. Além dos livros, é autor de um grande número de artigos. Sua história profissional e conduta pesso- al lhe renderam diversas condecorações e 44 títulos de cidadania. Dotado de um espírito investigativo privilegiado e superando as dificuldades corriqueiras em contar o passado, José Eugenio Vieira vem con- quistando um espaço importante para a formação e manutenção da história do povo capixaba.