ESPECIAL: 0 DIA EM QUE A GLOBO NASCE U

- Pi °» jornalismo ecomunicação

Paulo Francis, o maior polemista do Brasil, enfrenta uma avalanche de críticas de suas vítimas

Empresas Economia O BOM NEGOCIO O GOVERNO DO VIDEO ENROLA Brasil Lord Francis no caldeirão dos nativos O maior polemista do Brasil enfrenta uma fort e onda de críticas e, depois de ano s no estilingue, descobre a dureza de ser vidraç a

esponda sem pensar : o que você vem recebendo desde o final do ano pas- diria de um homem de temperament o sado. A edição de dezembro do Latin ameno, gentil e refinado, que abre a porta American Report, boletim do Instituto de automóveis para senhoras e tem gati- Jarkow para a América Latina, da Liga nhos de estimação, e que, quando exerce AntiDifamação do B'Nai B'Rith - uma seu ofício de jornalista, se transforma - respeitada instituição sionista, ligada a o na visão de muita gente - num monstro poderoso lobby judaico dos Estados cruel, uma personalidade satânica, um Unidos - circulou com um libelo vio- narcisista cínico que não hesita em emiti r lento contra " a pena venenosa de Paul o os piores juízos sobre pessoas sérias e que Francis", acusando-o de, "por mais de faz picadinho delas com as palavras mai s uma década, disseminar propaganda a nti- agressivas que encontra? Você diria qu e de S. Paulo, perdeu a liderança para semita, contra e antiamericana". se trata de um louco com dupla personali- Joelmir Beting e cresce notavelmente o Foi a primeira manifestação pública a nti- dade? Apenas um comentarista usufru- número de pessoas que dizem ter abando- Francis, fora do Brasil, de que se te m indo de seu direito à livre expressão? Ou , nado a leitura de seus textos . Mas os que notícia Aqui, por outro lado, o seu próprio talvez, um gozador incorrigível ? lêem não necessariamente gostam e é jornal encarregou-se de arranhara intoca - Qualquer que seja a sua opinião, o cada vez maior o volume de cartas con- bilidade do mito, fazendo-o amargar doi s cidadão carioca Franz Paul Trannin da trárias a Paulo Francis que abarrota as dissabores inéditos : teve trechos de u m Matta Heilborn - ou Paulo Francis, como caixas de correio da Folha . No meio jor- artigo censurados sem explicação prévia se autobatizou para a vida pública - já nalístico, para complicar, a palavr a e foi criticado duramente pelo ombudsma n ouviu coisa parecida. Ou ainda pior. "decadência" já circula com insistênci a Caio Túlio Costa, com o qual se engalfi- Estrela de primeiríssima grandeza da cada vez que o assunto é Francis. nhou num bate-boca que freqüentemente Imprensa brasileira dos anos 60, habi- Mas o pior são os ataques que ele desceu a níveis abissais . tante de um Olimpo particular que crio u para si em Nova York, onde se "exilou " "Cronista dos tempos" - A em 1971, Francis acostomou-se a ser u m pendenga começou logo após o primeiro mito do qual se diz quase tudo e ele já nã o turno da eleição presidencial, quando Cai o vê nenhuma novidade nisso . Novo Túlio se propôs a explicar aos indignado s mesmo, em sua vida, é o fato de que o leitores petistas da Folha por que Francis mito, antes intocável, agora parece já teve tanto espaço no jornal para combate r estar ao alcance dos críticos. E seus ad- a candidatura Lula - incluindo chamadas versários, que ele sempre esmagou co m de capa para suas crônicas rotineiras d a desdém, agora parecem ter força para lhe Folha Ilustrada. Em artigo de 26 de causar embaraços. novembro, o ombudsman enveredou por considerações sobre o estilo de Paulo "Pena venenosa" - Nos último s Francis, fazendo distinção entre seus arti - tempos, de fato, aumentou consideravel- gos das páginas de economia ou inter- mente a lista de inimigos de Paulo Francis. nacional, e as colunas da Ilustrada, qne Nos setores de esquerda brasileiros, onde ressalvou. "Não se deve cobrar jorna- ele foi idolatrado até o início da década, lismo nesse tipo de artigo que o Francis hoje é odiado e, pior, raramente lido. faz", alertou Caio Túlio. "Ali ele é mais Embora ele mantenha o segundo índice o Francis ficcionista, o cronista dos tem- de preferência entre os leitores da Folha pos. Diz besteiras e coisas sábias. Escreve

28 APRRóA - MARÇO 1990 o que muitos pensam e não ousam falar em voz alta . E preconceituoso, vulgar , chuta alguns dados, é o Paulo Francis de sempre - irreverente e destemido" . A resposta de Francis não teve os panos quentes que Caio Túlio procuro u colocar em sua crítica . Em artigo na Ilus- trada de 30 de novembro, ele acusou Cai o Túlio de "ensinar jornalismo mal ao s jovens da Folha", de agir como cabo eleitoral de Lula e de não ter "currículo ou gabarito" para criticá-lo. "Mais uma vez lustro uma obscuridade responden- do a um ataque, o que havia jurado nã o mais fazer há anos " , lamentou Francis. "Mas não me incomodo de confessar qu e acho uma grande vileza, no meu própri o jornal, eu ser atacado de maneira tão fuleira e insolente por um colega e suposto amigo".

"Ficcionista de jornal" - Os arti- gos seguintes, que liquidaram uma ami- zade de anos entre os dois contendores , seguiram no mesmo tom. Numa fieira im- pressionante de insultos, Francis quali- ficou Caio Túlio de "canalha menor" , "lagartixa pré-histórica", "bedel de jor- nal", "puxa-sacode Cláudio Abramo" e gentilezas afins . Mais contido, mas não menos duro, Caio Túlio acusou Francis de "infantilismo tardio", insinuou sua semelhança com uma "barata descas- cada" e desfiou um rosário de defeitos técnicos no principal correspondente brasileiro no exterior, a saber: 1) distorce os fatos; 2) não checa as informações que consegue; 3) torce citações "até de Shakespeare" ; 4) não consegue escreve r certo palavras em francês; 5) se mete a falar de assuntos que não domina; 6) solta "teorias apocalípticas" na Folha para desdizê-las nos comentários para a Rede Globo; 7) pratica um "opinionismo " desenfreado . Por tudo isso, Caio Túli o não hesita em desqualificar Francis como jornalista, preferindo considerá-lo um "ficcionista de jornal" - por absurdo que isso possa parecer . "Não acho exagerado dizer que ele não é jornalista", argumenta Caio Túlio , 35 anos, 12 de profissão . "Como om- budsman do jornal, tenho a obrigação de ser rigoroso; é a minha função. E se ele não tem os cuidados mínimos que um jor- nalista deve ter com a informação, nã o pode ser considerado como tal . "Dentro dessa lógica, ele acredita que o episódio , apesar de tudo, foi importante para a Folha. "Mais cedo ou mais tarde, alguém iria desmascarar o Francis e foi muito im-

ONRlrõA - MAItQD 1990 portante que esse processo tenh a "não ter um crítico interno" - exata- começado no próprio jornal", diz ele . mente a função de Caio Túlio -, sob o argumento de manter a autoridade . E Suposta autonomia - Mas é pouco agrediu a suposta autonomia de seu provável que a direção da Folha endosse ombudsman, ao obrigá-lo a parar a essa avaliação . Ao contrário, o que s e polêmica. A intervenção, aliás, pode ter pôde captar em meio ao mutismo genera- gerado ela própria um conflito . Segundo lizado dos diretores foi uma grande preo- comentários insistentes nos meios jor- cupação com os danos da polêmica sobre nalísticos de São Paulo, o problema teri a a imagem do jornal . Além de nota s levado os dois Otávio Frias - o pai, dire- sarcásticas no jornal concorrente O Es- tor-proprietário, e o filho, diretor de re- tado de S. Paulo, uma reportagem nega- dação do jornal - a discutirem candente- tiva em Veja e a gozação num cartum de mente a sua solução, com visões diferen- Paulo Caruso em Isto É/Senhor, a Folha tes sobre o papel do ombudsman. recebeu uma bateria de cartas de seus leitores, a maioria protestando contra os "Idealista brasileiro" - O que quer termos da briga. De 224 cartas recebidas que tenha acontecido na Folha, o fato é pela sessão Painel do Leitor entre 12 de que uma briga tão barulhenta como essa fevereiro e 4 de março, 81 tratavam do não poderia deixar de ter, entre os prota- assunto (71 contra Francis) . No mesmo gonistas, Paulo Francis. Ultimo polemista período, chegaram ao ombudsman 220 de uma Imprensa cada vez mais acomo- cartas, das quais 52 sobre a polêmica dada e avessa ao legítimo debate, ele tem (aqui, Francis também foi atacado pela o mérito de soprar tempestades onde rei- maioria: 44). na a calmaria - e aí reside a sua im- Não é de estranhar, portanto, que a portância. Por isso ele é lido diariamente , direção da Folha tenha decidido intervir na Folha de S. Paulo e em mais dez no tiroteio, quando a temperatura subiu jornais que republicam sua coluna, e é demais. Mas para isso precisou tomar visto pelos mais de seis milhões de teles- medidas bastante incômodas. Censurou pectadores do Jornal da Globo. Por isso, Paulo Francis, cortando o trecho de um ele faz sucesso até mesmo entre a artigo onde ele ironizava o jornal por comunidade portuguesa da costa leste dos Um provocador insaciáve l Na década de 80, Francis travou polêmicas barulhentas e divertidas

Certa vez, Paulo Francis disse ficou famosa foi com , os EUA em informática . Cerqueira em um artigo da Folha Ilustrada que em 1983 . Francis criticou a postura Leite abriu o artigo de resposta dizendo construía um "caderninho (alentado) "reverente" e "submissa" que Caetan o que "o debate com Francis não é fácil, de ridículos" com as polêmicas d e teria assumido quando entrevistou o stone principalmente pela sintuosidade de sua vida. Provavelmente, a lista de Mick Jagger, para o programa da Rede seu raciocínio e obliquidade intelec- integrantes deste caderninho iria de Manchete, Conexão Internacional . Cae- tual" . E atirou com chumbo grosso: A a Z. tano destemperou-se na resposta : em en- "Francis abusa da inteligência de seu s José Guilherme Merquior é um trevista coletiva, disse que Francis era leitores com os surtos de sua megalo- dos que entraram na lista, em junho de uma "bicha amarga" e uma "boneca mania" . 1980. A história começou quando o travada" . Francis retrucou na mesm a Em junho do ano passado, se u então adido cultural em Montevidéu , moeda: "O que ele está querendo dizer é alvo foi o cinema brasileiro . Francis em uma entrevista para o jornal O Es- que, sexualmente, sou igual a ele". disse que os cineastas brasileiros tado de S . Paulo, citou Francis como "eram um bando de idiotas baband o "um exemplo típico do pseudo-in- "Obliquidade intelectual" - nas cameras" e que "o cinema brasi- telectual que conseguiu promoção à Algumas vezes, entretanto, Francis entra leiro vai mal". Arnaldo Jabor, em custa de agressões e ataques pessoais de leve em debates. Em outubro de 1986, nome de sua categoria profissional , e que jamais se propôs a um debate discordou "com todo o respeito", de um respondeu com um artigo de um a amplo e democrático" . Dias depois , artigo do articulista da Folha, Rogério página para a Folha defendendo o Francis dedicou um artigo a Merquior, Cerqueira Leite, sobre a Lei da In- cinema brasileiro e dizendo que este dizendo, entre várias coisasnãomuito formática. Francis perguntou "ao colega não fazia sucesso lá fora por que isso lisonjeiras, que ele era burro. cientista" como o Brasil conseguiri a é "um pouco mais complicado do qu e Outra polêmica de Francis que recursos e Know-how para competir com escrever para a Folha de S. Paulo" .

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Estados Unidos, que acompanha seu s do Estado de São Paulo . "Fico muito comentários em imagens pirateadas do magoada com o que ele diz . Nós negros satélite utilizado pela Globo por estações já temos as costas muito malhadas, mas de New Jersey e Massachusets. Os luso- mesmo calejados não ficamos imunes" . americanos gostam tanto dele - "este idealista brasileiro" - que às vezes lhe Hitler de papel - Reação mai s mandam bacalhau de presente . violenta vem dos setores feministas, outro Francis sabe perfeitamente quant pondê-los com seriedade (veja quadro na o página 36) . alvo habitual das ironias de Francis. A vale num cenário jornalístico marcado socióloga Moema Viezzer, 51 anos, fun - pela modorra e a mediocridade. Por iss Num dos artigos da polêmica, Cai o o Túlio Costa revelou, por exemplo, qu e dadora da Rede Mulher, entidade femi - conquistou o direito, raro na Imprensa nista voltada para a educação popular , brasileira, de escrever na primeira pessoa foi procurado certa vez por uma dele- gação de negros, pedindo a cabeça de não hesita em qualificá-lo como "o ma - e de tratar dos assuntos que acha impor - chista mais macabro" que já conheceu. tantes, sem interferência de editores. Isso Francis por racismo . Francis respondeu que riu muito da cena e perguntou, "Para ele, a mulher não existe, a figura vale para a Folha, para a qual envia sete sarcástico, se ao menos os seus acusa - masculina é o centro da humanidade" , artigos por semana - dois deles de págin a dores haviam "cantado ou dançado u reclama Moema, que prega uma soluçã o inteira, para a Folha Ilustrada - m ou para pouco" , enquanto lhe esculhambavam. final para o incômodo de seus textos . a Globo, que recebe diariamente dele "Ele deveria ser eliminado da Imprensa uma matéria com duração média de u Por aí se vê que tipo de sentimento el e m desperta na comunidade negra. "Eu não brasileira", propõe, sem maiores minuto, mas que pode chegar até três, se sutilezas. tiver boas imagens . Ele tem o espaço qu consigo nem ter ódio do Paulo Francis, e eu tenho é pena mesmo", diz Tereza Caso fosse viabilizada, a idéia quer e só reclama de ganhar menos do qu e provavelmente agradaria a um contin- merece - embora um salário mensal d Santos, 46 anos, assessora de assuntos e afro-brasileiros da Secretaria de Cultura gente nada desprezível da comunidade cerca de 12 mil dólares, que ele recebe d e judaica brasileira, que vê em Francis seus dois empregos, não seja exatamente algo como um Hitler de papel . "Ele é uma ninharia, mesmo para padrões ameri - preconceituoso e anti-semita, o que tem canos. demonstrado de forma grotesca", as- segura o presidente da Federação Isra- Torrente verbal - Mas quem fala o elita do , Milton Nahoum, que quer às vezes diz o que não deve, e é 40 anos. "O preconceito, qualquer qu e precisamente esse o problema que os ini - seja ele, é sempre uma forma irraciona l migos de Paulo Francis apontam nele . de pensamento e o que se espera de u m Não lhe perdoam, especialmente, os pre- profissional de mídia, que influencia a conceitos e as "opiniões reacionárias" opinião dos leitores, é que trabalhe para que freqüentemente dispara em meio à abolir os preconceitos, não para incen- sua caudalosa torrente verbal . Racismo, tivá-los." machismo, anti-semitismo, direitismo , Também o rabino Henry Sobel, da leviandade, esnobismo, crueldade, ci- Congregação Israelita Paulista - a maior nismo são características apontadas nel e sinagoga da América Latina - aponta com freqüência - e ele mais se diverte e m anti-semitismo e anti-sionismo nos tex - provocar seus críticos do que em res- tos de Francis, que ele lê e arquiva, minuciosamente. Mas diz que ficou bas - tante surpreso com um artigo na Folha de 20 de fevereiro, no qual Francis prega uma reordenação das relações do Brasi l com Israel, num tom francamente simpático ao Estado judeu. "Espero qu e seja esta a sua verdadeira face, porque da outra eu não gostava", diz Sobel, 46 anos. De qualquer forma, não são todo s os filhos de Judá que vêem em Paul o Francis o pregador de pogroms. O em- presário Abram Szajamn, 50 anos, presidente da Federação do Comércio d o Estado de São Paulo, prefere vê-lo ape - nas como o provocador profissional, que faz alarde para dar vazão ao próprio ego e ganhar dinheiro com isso. "B isso que ele pretende : provocar, promover o de- bate cultural antes de pensar em pro - mover um debate religioso, ideológico , Moema: "ele é o machista mais macabro que já conheci" ou seja lá o que for", acredita .

32 maim - ra¢ogo 1990'- "Reaganista do jornalismo " - autoritário, um totalitarista. Ser polêmic o Mas de todos os inimigos de Paulo Francis, é ser democrático" , diz ele. Na mesma os mais entrincheirados estão nas fileira s linha, o secretário Municipal de Cultura da esquerda, à qual ele mesmo pertence u de Porto Alegre, jornalista Luiz Pilla até há poucos anos, como um trotskist a Vares, 48 anos, classifica Francis sumaria- independente assumido . Ali onde tremula mente como um "reaganista do jorna- a bandeira vermelha, os tons são negro s lismo" e confessa que seus artigos lh e para analisar Francis. "Ele é um exempl o dão " náusea" . significativo da passagem da consciência O físico Luiz Pinguelli Rosa, 44 cética para a cínica, em que, por trás da anos, colaborador do programa de polític a idéia de que já não acredita em nada, n a nuclear do PT, por sua vez, deplora a mu- verdade passa a acreditar em tudo e já não dança política de Francis e separa "o re- questiona a miséria, a injustiça social e , sistente à ditadura e divulgador dos filó- muito menos, o monopólio dos meios de sofos da Escola de Frankfurt do jornalista comunicação" , diz, por exemplo, o so- reacionário de hoje, que metralha desde a ciólogo Emir Sader, 45 anos, articulista social-democracia até os liberais mai s de diversas publicações do Rio e de São avançados". Já o presidente da Câmara Paulo. Municipal de São Paulo, vereadorEduar- O deputado paulista José Dirceu, 4 3 do Suplicy - alias, Eduardo Mogadon anos, secretário-geral nacional do PT, é Suplicy, na pena maldosa de Francis - mais direto na critica . "Tudo o que ele reconhece seu brilhantismo, mas lamenta escreve é superficial e irresponsável . Ele sua visão sobre Lula e a proposta do PT. não é um polemista, porque não respeita "Ele procura subestimar a importânci a os seus adversários. E essencialmente Suplicy : "injusto com Lula " do Lula na vida política brasileira e faz isso de maneira consciente . " Sangue azul - Um pouco de in- dulgência à esquerda do espectro político , Como o diabo gosta Paulo Francis só recebe de antigos mili- tantes do Partido Comunista Brasileiro. O As cruéis definições de Francis para gente famosa escritor Ferreira Gullar, 59 anos, por exemplo, não acha que ele tenha "endi- Ninguém está a salvo da virulência Duvido que hoje o convidem para reitado", porque nunca o considero u de PauloFrancis,a menos que seja com- administrar um botequim" (23/6/83) . marxista. Acha apenas que, muitas vezes , pletamente desconhecido . Políticos, in- Francis é injusto com o socialismo. "Ele telectuais e artistas são os seus alvos Maria da Conceição Tavares - não enxerga as conquistas, no meio dos preferenciais e recebem um tratamento "E uma pessoa que vive de aplauso impiedoso em seus textos. Aqui, uma erros socialistas ." Mas para o jornalista de grupos . Ela representa ideologi a Rodolfo Konder,51 anos, editor-chefe d o pequena coletânea de desaforos que expressa nesse festival da Sunab, qu e Francis endereçou a personalidades : Jornal da Cultura, da TV Cultura de São associa comerciante com bandido e Paulo, Francis é um arguto analista da lucro com pecado" (3/5/86). esquerda são feitas Sarney - "Ribamar é o retrato es- . "As acusações que carrado de tudo que há de ruim, re- Cacá Diegues - "Há 30 anos, ao Francis não consideram seu papel com o trógado e obtuso no Brasil" (8/2/90) ; mais ou menos, estamos esperando analista, desbravador de caminhos", diz "E o pior presidente-ditador que o país que Cacá faça um filme à altura d e ele. "Até hoje, ele ainda tem o papel já teve desde que Pedro dos Tamanco s sua inteligência e cultura, e que jus- importante de desvendar dogmas, comoa pensou que éramos a India" (15/3/90) tifique o apartamento-quarteirão qu e ditadura do proletariado, o unipartidaris- me disseram que tem na avenid a mo, a luta de classes e a estatização da economia . " Ulysses - "Para ser franco, não Vieira Souto" (20/1/'90) . noto lá essas diferenças entre Ulysses Seja como for, o que a esquerda não Guimarães `normal' e com está estafa Fidel Castro - "Amigos aqu i tolera em Paulo Francis é a sua postura aguda"' (17/6/88). nos reunimos outro dia imaginando o elitista, superior, que só poderia desagua r que fazer de Fidel Castro. Minha su- no conservadorismo político. Alias, to- gestão parece humana e glamurosa. dos os seus Lula - contemporâneos dos tempos "Lula nos coloca 'au Ele poderia arrumar um emprego d e do Pasquim, no final da décadade 60, co- niveau' de Cuba e Nicarágua. E uma Papai Noel. Que criança não quere- besta quadrada, não sabe nada do qu e lecionam histórias de esnobismo, em que ria puxar aquela barba famosa?" (10/ Francis derramou uns bons litros de seu está falando . Arruinaria o país, nos trans- 3/90). formaria em Sudão, numa grande bosta" sangue azul . A jornalista Marta Alencar, (23/11/89). 50 anos, lembra do dia em que, num al- Antonio Cândido - "Antonio moço, um garçom folgado perguntou Cândido não é analfabeto, mas trans - a - "Se você leu forma tudo em atestado ou certifi- Francis "o que nós vamos comer", de- urn discurso de Campos,você leu todos . cado de óbito" (16/6/79) . monstrando intimidade. "Por trás daque- las lentes grossas, ele disparou : 'Em pri-

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meiro lugar, nós não vamos comer . Eu editor Jorge Zahar, 70 anos, garante que vou comer e você vai me servir. Em se- Francis é "um ser frágil e delicado" , que gundo lugar, tira a mão do meu ombro' . agride só para se defender . "Ele sente Isso é oFrancis: um ego enorme, uma ca - mais profundamente que as pessoas co- ra de pau imensa, mas um cara que diz o muns as provocações e os golpes que a vi- que muita gente não tem coragem", diz da costuma desferir e é por isso que el e Marta. paz de escrever um parágrafo que nã o reage com violência", explica. Outro ami- tivesse umas três citações em inglês . " go, o jornalista Luís Fernando Mercadan - "Nativos africanos" - A históri a te, 54 anos e 34 de profissão, diz que o seu do cartunista , 58 anos, 34 de profis- Ponto focal - Toda essa avalanch a único problema é a inveja alheia . "Paulo são, é semelhante. "Um dia, no restau- de críticas, de amigos, ex-amigos e inimi - Francis não é inocente nem culpado. Seu ranteFlag, do Rio, ele devolveu ao maitre gos de hoje, de ontem e de sempre, pode único crime é imperdoável, mas não uma garrafa caríssima do vinho Chate- levar à idéia de que Francis é um homem punível: ser um jornalista de sucesso . " neuf du Pape, depois de provar, co m insensível, desprovido de virtudes, e um aquela cara de connaiseeur, e dizer que jornalista a serviço dos piores interesses Duas caras - Esse sucesso vem , estava uma droga. Ele pagou, mas não - o que, além de exagerado, é incorreto . inquestionavelmente, de algumas carac- bebeu. E o vinho estava ótimo". Já o Se há aspectos discutíveis em suas terísticas que o jornalista Francis tem e jornalista Luis Carlos Maciel, 52 anos, 3 0 posições, é indiscutível que Francis é im- que a Imprensa brasileira não tem . Por de profissão, que além do Pasquim di- portantíssimo para o debate político e cul- exemplo, a iconoclastia, a compulsão d e vidiu com Francis uma cela de cadeia, e m tural brasileiro, além de ser um ponto pôr abaixo os mitos que o jornalismo cria 1971, experimentou o seu esnobismo num focal de referência para a Imprensa. Falam com tanta sofreguidão. Ou a visão cos- cenário propício . "O Francis se compor- mal, mas falam dele e é impossível admi - mopolita, num país que se aferra ao provin - tava na cadeia como um lord inglês apri- tir decadência num jornalista que brilh a cianismo e desconfia da abertura para o sionado por nativos africanos. Quando tanto como as próprias notícias que co- exterior, como se outros países quisessem ele acordava, esfregava os olhos e ouvia o menta. A floresta de mitos que cresce e m apenas vir deitar em nosso berço barulho dos soldados fazendo ordem tomo do mito Francis oculta a compreen- esplêndido e comprometer nossa con- unida, ele dizia: `Puxa, os nativos já estão são de seus méritos. dição de "país do futuro" . Ou ainda a se movimentando!"' . Um de seus amigos mais íntimos, o coragem de afirmar com todas as letras o Os velhos companheiros de Francis que quer dizer, num país marcado pela contam essas histórias com bom humor e tradição das duas caras . simpatia por ele, mas não deixam de faze r "O Francis tem caráter, assina e críticas. Luiz Carlos Maciel, por exem- assume o que diz", elogia o teatrólog o plo, acha suas colunas para Folha Antunes Filho, 60 anos . "Se nós "horríveis", diz que ele ataca Lula porque r tivéssemos mais pessoas assim, o Brasi l "não gosta de pobre" e que guinou à á seria diferente." Para a escritora Lygia direita porque "está na moda ser libe - z Fagundes Telles, "ele tem qualidades ral". "Eu admiro o jovem Francis. 0 importantíssimas para quem exerce o velho entrou em decadência completa. Z ofício de escrever : a coragem e a inten- Sua cabeça está esfarelando", sintetiza . sidade" . E o jornalista Marcos Sá Correa, Jaguar também vai por aí. "O Francis 43 anos, 23 de profissão, editor-chefe do nunca me enganou . Ele sempre foi muito Jornal do Brasil, admira a inteligência: egoísta, só pensa nele e detesta o povo. "Só acompanho polêmicas quando o Sempre foi pedante, pernóstico. Era inca- assunto e o autor são provocativos e inte- ligentes, como é o caso Francis. Prefiro discordar dele a concordar com um chato" .

"Maneira expressionista" - A Imprensa brasileira deve também a Paul o Francis - certamente entre outros, mas com destaque para o seu papel - a dessa - cralização do texto, a introdução da colo- quialidade e da gíria, a ousadia do uso d a primeira pessoa, o humor bem casad o com a ironia e o ceticismo. Ele avançou tanto na busca de um texto pessoal, qu e pode ter criado até uma nova escola d e estilo, segundo o repórter Luis Antônio Giron, 30 anos, da Folha de S. Paulo, um jovem aspirante ao grupo dos polemistas , que se bateu recentemente com o vetera - Maciel: "está decadente, sua cabeça está esfarelando " no Ivan Lessa por causa dos monstros sa-

34 IlvIPRFNóA - MARÇO 1990 O analista no divã Psicanalistas interpretam as neuroses de Francis

Um dos recursos clássicos d e momentos também sensível e afetuo- Paulo Francis é buscar interpretações so" . Goldin lembra um axioma da psi- psicanalísticas para as idéias das canálise segundo o qual só os loucos pessoas que comenta - especialmente têm certeza absoluta de suas con- se estiverem polemizando com ele. vicções. Como Francisjamais duvida , Mas o que ocorre no pólo inverso, ele pergunta: "E gênio ou é louco?" . quando os psicanalistas interpretam Não responde, mas garante que é nar- Boris: "Carter reclamou" Francis a partir de seus escritos? Que cisista e um encantador de multidões . tipo de personalidade aparece, num "Francis é um sujeito que excita a grados da música popular brasileira. "O diagnóstico técnico ? mídia e o método de excitá-la é aquele Paulo Francis, na verdade, tem uma A psicóloga e jornalista Maria que demonstrou sua eficácia desde que maneira expressipnista de ver os fatos" , Rita Kehl, u analisa Giron . "E um indivíduo que pro- 38 anos, que polemizo o mundo é mundo: sangue. Seu estilo, recentemente com Francis, diz que então, é uma mistura agradável de jeta todas as suas idiossincrasias em suas ele lhe dá a impressão de uma pessoa crueldade e neologismos, sempre com análises e, coin isso; ele não é fiel aos constantemente ameaçada. "Como uma vítima que ele liquida em praça fatos, ele os altera. Seus textos têm a toda pessoa assim, ele adota um tom pública." mesma difusão, deturpação e fragmen- ameaçador, intimidatório . Nenhum tação de qualquer quadro expressionista ." pensamento, nenhuma polêmica in- "Personalidade narcísica" - Já Com esta e todas as outras carac- teligente sobrevive diante das res- o psicanalista Oscar Cesarotto, 38 anos, terísticas, boas ou más, mas sempre gera- postas de Francis" ele atira para ma- diz que Francis é o único "jornalista dora de polêmicas - e, por extensão, ex- tar". Maria Rita citadoras do público - qual o editor qu e freudiano" que ele Francis diz também que conhece : um ver- não quer ter um Paulo em suas "ele usa o conhe- dadeiro conhecedor fileiras? A Folha de S. Paulo certamente não abre mão dele, cause os estragos qu e cimento de ma- de Freud, apesar de neira paranóica, "alguns chutes" . causar. O hoje apresentador de TV Bóri s tentando controlar Cesarotto também Casoy, 49 anos, 34 de profissão, que por muitos anos foi editor-chefe da Folha, o mundo, a observa narci- História, tudo en- sismo em Francis. recorda, divertido, o dia em que o em- fim" . Como, evi- "Ele tem uma baixador americano no Brasil, Robert M. Sayre, pediu uma reunião com ele e Otávi o dentemente, isso é grande personali- Frias, com ar preocupado e sem dizer o impossível, ela diz dade narcísica . que Francis tenta Mas como o narci- assunto. "Nós ficamos muito intrigados e eliminar o que não sismo se sustenta quandoo embaixador chegou, disse que o então presidente Carter andava absolu- conseguiu contra- sempre em função lar", de Lula a = dos outros, me per- tamente indignado com os termos que 8 Francis estava utilizando contra ele. O Foucault". "Seus gunto se ele seria textos impõem ao assim se não ti- Departamento de Estado tinha encarre- leitor o gosto por vesse uma págin a gado o embaixador de pedir A gente para um mundo morto, Maria Rita vê um "frenes i , fazer o Francis parar. Ouvimos tudo e inteira de jornal depois ligamos ao Francis para parabe- sem movimento paranóico " como tem . Talvez nizá-lo. Foi um incentivo para que el e nem contradição , não fosse tão continuasse a fazer exatamente o que vinh a disfarçado de vivacidade pelo frenesi conhecido. Então, a questão não é fazendo. " paranóico de sua escrita", acusa . exatamente o que ele diz, mas o fato d e A atitude da Folha nesse episódio é ele encontrar eco no jornal que o em - o que se espera da Imprensa brasileira "Gênio ou louco?" - O psica- prega e nos leitores que sustentam se u sempre - aí incluídos empresários, jor- nalista argentino Alberto Goldin, 43 ibope". nalistas e os próprios leitores. Afinal, pre- anos, radicado no Rio e autor dobest- Cesarotto não é muito otimista cisamos da polêmica para tirar a poeira seller "Freud Explica", diz por sua em relação ao futuro de Francis. "Ele das idéias que se cristalizam . E até prov a vez que a neurose de Francis trans- chegou aos 60 anos se sentindo um em contrário, ou até que outro suba ao formou-se em estilo. "Se devemos vencedor em tudo. Mas acontece qu e trono, o nome da polêmica, no Brasil, é ao Marquês de Sade o sadismo, deve- toda personalidade narcísica esbarra , um só: Paulo Francis. mos a Francis uma fértil prática d e mais cedo ou mais tarde, nos limites gozo, um francismo : irritado, vio- de seu ego. A briga com o Caio Túlio lento na maior parte das vezes, por pode ser um indício desses limites ." Participaram desta reportogem Higino Barros (Port o Alegre) . Beatr¢ Horta (Rio) . Gerson Sntoni e Renata Soares Netto (São Paulo) . Texto find: Gabriel Priolli

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IMPRENSA - MAi090 1990 95 Demolidor de certezas Francis diz que seu papel é de lançar dúvidas

Paulo Francis as pessoas, torturar. acredita que há um Mas também não nome por trás da celeu- sou mais de es- ma que se criou em querda. Conclu i torno dele, espe- que o Estado só obs- cialmente depois das trui o caminho do críticas de Caio Túlio progresso. A cons- Costa. Esse nome é . tatação disso me foi Luís Inácio Lula da empurrado goel a Silva. "Tem muita abaixo, pelos fatos" gente querendo pegar Francis nega ainda no meu calcanhar w que tenha precon- porque eu tirei algumas á ceitos contra o s centenas de votos dess e países do Terceir o senhor, com os meus 0 Mundo. "Não te- artigos ", diz Francis, w nho desprezo pel o sem achar que super- Terceiro Mundo . O estima seu papel na "Não sou antinada. Sou é que eu desprezo é eleição presidencial. antiburric e a inteligência da s Ele diz que sua objeção pessoas que querem a Lula é "estritamente impessoal" e continuar a viver no Terceiro Mundo" . que, pessoalmente, até o considera de- Francis acredita que a polêmicaem cente e simpático. Mas acredita que o tomo de seu trabalho vem do fato de ele Brasil se salvou do inferno, com a vitóri a ser anticonvencional. "Eu não trabalh o de Collor. em grupo, não funciono em horda . "Collor para mim não fede ne m Sempre que há certezas no Brasil, eu so u cheira", garante . "Eu só não queria que o primeiro que lança a dúvida . Não sou o Lula fosse eleito. Parece que Deus um polemista: sou um demolidor de protege mesmo os desmiolados. Lula certezas ". Ele também garante que não não ter sido eleito foi uma bênção. Se ele aspira à divindade . "Não tenho a pre- ganhasse, provavelmente haveria uma tensão de ser infalível, de ser a palavr a guerra civil no Brasil. " de Deus. Mas dou a minha opinião, nã o Francis não dá muita importância fujo disso. " às críticas de anti-semitismo e o que lhe dirigem . "Não sou antinada, só "Papel ridículo" - Já a Imprensa antiburrice", argumenta . Para ele, essas brasileira, na sua visão, está fugindo de críticas se inscrevem no quadro de suas responsabilidades. "Ela tem a mediocridade geral do país . Dos judeu s mesma característica do povo brasileiro : brasileiros, por exemplo, ele diz qu e não quer enfrentar os problemas, que r "infelizmente, são como os outros brasi- ficar bem com todo mundo . E uma leiros: não sabem de nada do que acon- imprensa generosa, tem altos e baixos , tece no mundo . Nos jornais de Israe l mas acho que falta uma certa direção . saem coisas que, se saíssem aqui, os Nós vivemos muito ensimesmados, autores seriam certamente acusados d e muito voltados para nós mesmos. E UM PROGRAMA SAUDÁVE L anti-semitas " . Para os negros, sua res- preciso acabar com isso." PARA QUEM ACH A posta é pura provocação . "Digo que os Mas o ombudsman da Folha não QUE DOMINGO NÃO E SO DIA DE FUTEBOL . negros vivem com mais liberdade n a está fazendo criticas como essa? Não Africa do Sul do que em qualquer país tem, portanto, os seus méritos? Francis Imprensa na TV. africano. Lá, pelo menos, eles têm tra- discorda completamente. "Ele quer O programa de domingo mais balho e comida. " imitar o Cláudio Abramo e ser um árbi- fantástico, não é Lombardi? tro das grandes discussões. Só que não Todo domingo, a parti r "Goela abaixo" - Sobre a sua tem a mesma autoridade moral e a mesm a das 23:OOh, na TV Record . conversão política ao capitalismo , competência do Cláudio . Caio Túlio é Francis diz que foi um processo natural, um palhaço da Imprensa. Já é chamad o que veio com o "acúmulo dos fatos " de bundsman. Está fazendo um pape l que observou. "Eu não sou de direita , ridículo e o triste é que não quer enxer- nesse sentido carrasco de querer prender gar isso", fulmina, bem a seu estilo .

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