A ARQUITETURA NA REPRODUÇÃO DA MEMÓRIA: O CAMINHO DE PEABIRU

THE ARCHITECTURE IN MEMORY REPRODUCTION: THE PATHWAY OF PEABIRU

Anderson Franciscon1 Caroline Salgueiro da Purificação Marques2 Mauricio Hidemi Azuma3

FRANCISCON, A.; MARQUES, C. S. da P.; AZUMA, M. H. A arquitetura na reprodução da memória: o caminho de Peabiru. Akrópolis , v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017.

DOI: 10.25110/akropolis.v25i2.6295

Resumo: O Caminho de Peabiru foi uma rede de caminhos de prece- dência indígena, seccionando o continente sul-americano de leste a oeste. Na região de Campo Mourão-PR muitos têm sido os estudos referentes ao Caminho, no entanto, não há estudos sobre a necessi- dade de memorá-lo por meio da arquitetura. A ausência de um espaço destinado à salvaguarda do Peabiru faz com que o início da habitação e deslocamento humano pela região seja esquecido e desconhecido por muitos. Uma solução para o resgate arqueológico do Peabiru seria a construção de um Memorial, pois vários foram edificados com a fina- lidade de perpetuar uma história específica. Esta pesquisa de revisão literária tem por objetivo identificar a função da arquitetura em resgatar acontecimentos históricos, revelando à necessidade de memorar o Ca- 1Arquiteto e Urbanista - Departamento de minho de Peabiru e quais pontos e programas de necessidade a obra Arquitetura e Urbanismo Unipar. deve explorar. Conclui-se que o (Memorial Caminho de Peabiru) deve- rá conter signos de forma a fazer com que o usuário relembre e reviva 2Arquiteta e Urbanista, Departamento de Arquitetura e Urbanismo Unipar. o Caminho, bem como apresentar uma proposta de edifício que possa abrigar atividades para o desenvolvimento de estudos, apresentações 3Arquiteto e Urbanista, Departamento de artísticas e culturais, exposições literárias, de artefatos indígenas e de Arquitetura e Urbanismo UEM. pioneiros da região. Palavras-chave: Caminho de Peabiru; Memorial; Significados.

Abstract: The Peabiru Way was a mesh of paths of indigenous pre- cedence, crossing the South American continent from east to west. In the region of Campo Mourão-PR many studies have been on the Way, however, there are no studies on the need to memorize it through archi- tecture. The absence of a space destined to safeguard Peabiru means that the beginning of housing and human displacement by the region is forgotten and unknown to many. A solution to the archaeological rescue of the Peabiru would be the construction of a Memorial, since several were built with the purpose of perpetuating a specific history. This re- search of literary revision aims to identify the function of architecture in rescuing historical events, revealing the need to memorize the Peabiru Way and what points and programs of necessity the work should ex- plore. It is concluded that the (Memorial Caminho de Peabiru) should contain signs in order to make the user reminisce and revive the Path, as well as submit a proposal for a building that can host activities for the development of studies, artistic and cultural presentations, Literary exhibitions, indigenous artifacts and pioneers of the region. Keywords: Meanings; Memorial; Peabiru Path. Recebido em agosto de 2017 Aceito em outubro de 2017

ISSN 1982-1093 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 103 FRANCISCON, A.; MARQUES, C. S. da P.; AZUMA, M. H.

INTRODUÇÃO os primeiros pensamentos abstratos. O signo é essencial na linguagem, deve ser algo conheci- O Caminho de Peabiru foi uma rota in- do por todos, sendo algo característico do ho- dígena que seccionava o continente americano mem, pois os animais sabem utilizá-los, porém meridional “ao sul da linha do equador”, sendo são incapazes de simbolizar. considerado patrimônio arqueológico indígena, Cattani (2006), compreende que a ar- porém desconhecido por muitos. Conhecer a quitetura, quando expressa a intervenção hu- história do Caminho é útil para compreender o mana na natureza, torna-se um produto cultural multiculturalismo e o desenvolvimento do conti- universal, considerando todo fenômeno cultural nente sul americano. como um sistema de comunicação, dotado de O tema, que chegou a ser praticamen- uma linguagem própria, podendo ser analisada te esquecido, vem despontando o interesse de sob aspectos históricos, sociológicos, conceitu- muitos pesquisadores, com o intuito de revitali- ais, artísticos, morfológicos, tecnológicos, semi- zar a história do Peabiru, revelando-a ao homem óticos entre outros. Dessa forma, a arquitetura contemporâneo. Muito se tem feito com relação deve possuir significado, pois sem este, passa ao levantamento bibliográfico e estudos arque- as ser apenas imagem. ológicos, bem como a implantação de roteiros De acordo com Pignatari (1995), o signo turísticos e de peregrinação. arquitetônico é icônico e tridimensional, possuin- Muitos fatos históricos vêm sendo res- do interior e exterior, sendo representado por gatados e homenageados por memoriais institu- códigos e signagem. “...a palavra casa não se cionais, onde a história é memorada através da confunde com o objeto designado; a foto de uma arquitetura, obeliscos, imagens, objetos, entre casa, também não. Já a casa, ela própria, é um outros. Vários espaços já foram criados, como: signo de si mesma”. (PIGNATARI, 1995, p. 114). Memorial Getúlio Vargas e Memorial JK, que Segundo este autor, a arquitetura transmite um descrevem a vida dos ex-presidentes brasilei- código explicado da seguinte forma: ros; Museu Judaico de Berlim, que conta a saga dos judeus durante a segunda grande guerra, Na arquitetura, o código arquitetônico é he- entre tantos outros tantos. gemônico...nem toda arquitetura é apenas Por meio de conhecimento teórico rela- pedra e nem toda musica é apenas som...o cionado ao Peabiru e obras correlatas é possível assentamento humano, a cidade – é ende- reçada, antes de mais nada, a não-arquite- desenvolver uma arquitetura que possa revelar tos, ou seja, a receptores e interpretantes importantes significados ao tema, bem como, cujo código principal não é arquitetônico, atribuir funcionalidade e utilidade. Entendendo mas que no entanto (de maneira leiga, diga- que para um projeto adequado deve-se conhe- mos), só podem absorver a mensagem deco- cer o tema, lugares históricos, bem como seu dificando-a, em primeiro lugar, segundo o có- programa de necessidades. digo arquitetônico. (Pignatari, 1995, p. 114). Diante do desenvolvimento desta pes- quisa, nota-se a importância do Peabiru para o Arquitetura como memória continente. O Memorial terá por finalidade, reve- Como já sabido, a arte “dança, música, lar a história do Caminho por meio de sua arqui- arquitetura, escultura, gravura, etc.” são respon- tetura e o acervo nele contidos, tornando acessí- sáveis por contar a história da humanidade, sen- vel desta forma à população, os fatos históricos do algumas das principais fontes de resgate aos dos primórdios e colonizadores do continente elementos históricos. sul-americano, bem como sua importância para Na era das trevas, em que Deus era a o desenvolvimento da América Meridional. única salvação, os templos católicos eram idea- lizados de forma a buscar os céus, seus vitrais DESENVOLVIMENTO tinham por objetivo contar cenas bíblicas e ensi- nar o povo, de maneira que era possível resgatar A mensagem Arquitetônica a existência do Altíssimo, bem como propiciar o De acordo com Silva Neto (s.d.), a sim- aprendizado da população que não tinha acesso bologia é tão antiga quanto ao homem propria- à Bíblia, tão pouco a habilidade da leitura. mente dito. Isso aconteceu quando os antigos Em muitos períodos da história, arquite- começaram a ter autoconsciência, esboçando tos recorreram ao passado para buscar signifi-

104 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 ISSN 1982-1093 A arquitetura na reprodução... cado à sua arquitetura, buscando elementos ar- Mesmo um Memorial que só trabalhe com queologicamente corretos e adaptando ao seu testemunhos “imateriais” (registros de prá- tempo. O Renascimento é um período bastante ticas, entrevistas, gravações audiovisuais, emblemático para provar tal tese, pois estudio- etc.) pode ser vista como um museu, já que sos recorreram à antiguidade clássica para obter os registros em si (as transcrições, fitas, CDs, etc., enquanto bens materiais), formam respostas para o momento atual em que viviam. os bens materiais que transformam o Memo- Do mesmo modo que a arquitetura pode resga- rial em um museu (CASTRO, 2006, p. 1). tar o passado, também pode revelar o momento de sua construção para as gerações futuras. Barcellos (1999), explica duas variâncias “A arquitetura possui um papel funda- referentes aos memoriais: Memorial como palco mental, pois é nela que estão contidas as maio- de homenagens e como centro cultural. res transformações visíveis enquanto ciência de O Memorial como palco de home- um período histórico para o outro”, diz (PEREI- nagens, consiste em edifícios, cuja função é RA, 2009, p. 22). homenagear algo e possui formato de museu, Os memoriais, conforme explica Pereira seguindo o Conselho Internacional de Museus (2009), tem por função fazer o homem relembrar e similares. O ambiente expõe objetos de cará- coisas do passado, bem como trazer novas in- ter cultural, geralmente sendo objetos pessoais, formações, dando novo sentido à vida contem- fotos, relatos, etc., quando se trata de um indi- porânea. Um memorial tem por finalidade, gerar víduo, ou etnia. Apesar da existência de objetos uma imagem coletiva e fazer com que o homem culturais, a principal essência do Memorial é ho- reflita e se entenda como sujeito da própria his- menagear algum fato marcante. São exemplos tória. dessa classe: “Memorial à Princesa Diana, na Logo, a história possui caráter funda- Inglaterra; John Kennedy Memorial e o Palácio mental na formação de cidadãos, proporcionan- de Tábuas homenageando Juscelino Kubitsch”. do-lhes conhecer o futuro por meio do passado, Memorial como centro cultural - fun- conforme colocado por Cainelli e Tuma (2009). cionam como grandes centros culturais, porém Percebe-se a grande importância do passado na realidade encenam as mais diferentes ativi- para o presente; sendo que o memorial tem a dades culturais. Barcellos (1999) cita como obra função de resgatar o passado. emblemática o Memorial da America Latina, sen- do um espaço destinado à salvaguarda da cul- O estudo do passado não é um guia seguro tura americana e constituído por museu, espaço para predizer o futuro. Porém, ele nos pre- para apresentações, biblioteca e espaço para para para o futuro, expandindo nossa expe- riência, fazendo com que possamos aumen- eventos cívicos. É considerado como a grande tar nossas habilidades, nossa energia - e se referência em termos de memoriais no Brasil. tudo for bem, nossa sabedoria. Com base nas duas classes de memo- ... Mas só sabemos essas coisas sobre o fu- riais, Barcellos (1999) afirma que o memorial turo porque estudamos o passado: sem isso pertenceria a uma classe intermediária apresen- não teríamos nem mesmo o conhecimento tada, o autor conclui sobre a definição assim: dessas verdades fundamentais, não sabe- ríamos as palavras para expressá-las, ou até Arrisco a interpretação de que o que o con- quem, ou onde, ou o que nós somos. Só con- ceito atual de Memorial preserva - ou deve hecemos o futuro através do passado nele preservar - para não sofrer o risco de desca- projetado. Nesse sentido a História é tudo racterizar-se na origem, é de que é uma escri- que temos. John Lewis Gaddis apud Cainelli tura, uma memória institucional, formal, buro- e Tuma (2009). Pg 212. crática -se preferirem - o objeto fundamental de um Memorial, seja ela qual for. Portanto, Definição de Memorial exclui-se, numa primeira interpretação, como Barcellos (1999) afirma que para o senso centro de um Memorial a função cultural em comum, memorial e museu são idênticos. Cas- sentido lato. (BARCELLOS, 1999, p. 7). tro (2006), explica que toda entidade destinada a preservar a memória, contendo testemunhos Conforme Barcellos (1999, p. 8 e 9), a materiais é classificada como museu. definição mais apropriada para Memorial seria: “como lugar permanente que conserva e expõe

ISSN 1982-1093 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 105 FRANCISCON, A.; MARQUES, C. S. da P.; AZUMA, M. H. coleções de objetos de caráter institucional com no interior do edifício conta por si próprio a his- fins culturais...”. O autor conclui que etimologica- tória vivida pelos judeus. O memorial utiliza-se mente o conceito de museu difere de Memorial: do símbolo judaico mais emblemático, a “estrela “Memorial não é um museu, não é abrigado em de Davi”, atribuindo-lhe outros significados com sentido estrito pelo conceito - no sentido de que base na dizimação deste grupo étnico-religioso é incorreto chamamos indistintamente Memorial pelos nazistas. Desta maneira, a estrela de Davi de Museu, ou de que possamos concebê-los foi desintegrada, gerando outras formas que fo- funcionando da mesma maneira”. ram utilizadas no design das aberturas do edifí- cio (figura 03). Alguns Memoriais relevantes Iwo Jima Monument (Marine Corps Figura 3: Museu Judaico de Berlim e Estrela de War Memorial — Iwo Jima Statue). Este Me- Davi decomposta. morial resgata a memória de todos os guerrei- ros mortos durante a segunda grande guerra, explica Affonso (2007). O monumento ilustra o momento em que cinco soldados hasteiam a bandeira estadunidense na ilha de Iwo Jima (lo- calizada a 1200 km ao sul de Tóquio) em 23 de fevereiro de 1945 (figura 01).

Figura 1: Memorial Iwo Jima “soldados e deta- lhe da placa”

Fonte: Affonso (2007). Fonte: Gomes (2007).

Memorial Getúlio Vargas. Tem por ob- Memorial dos povos indígenas (museu jetivo revelar a história do presidente brasileiro do índio). Fraga (2006) explica que no Memo- mais popular da história. Projetado pelo arqui- rial, relembra-se o massacre dos indígenas, bem teto Henock de Almeida, segundo o mesmo a como as pessoas que os defenderam. No inte- ideia é bastante simples, porém, significativa. O rior da obra é relatado a forma de vivência dos Memorial traz consigo informações da vida de índios como: “origens, índios silvícolas, carpin- Getúlio, bem como sua biografia de forma cro- teiros, etc.”, utilizando-se de fotos, maquetes, nológica (figura 02). filmes, etc. (figura 04).

Figura 2: Planta Baixa do subsolo e Perspectiva Figura 4: Planta baixa e corte do Memorial do Volumétrica do Memorial Getúlio Vargas. Índio.

Fonte: Fraga (2006).

Fonte: Almeida (2005). Memorial da América Latina. Fraga (2006), explica que o Memorial é um complexo Museu judaico de Berlim. O percurso de edifícios, contendo imensas praças secas,

106 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 ISSN 1982-1093 A arquitetura na reprodução... conectadas por passarelas, conforme figura 05. abeyú, Tape Aviru e Tape Abiru). Os europeus Os edifícios são projetados para funcionar sepa- chamavam o Peabiru de Caminho de São Tomé. radamente, porém seguem uma sequência con- Segundo Werneck (2006), o Caminho de duzindo o visitante por todo o Memorial. O autor Peabiru é algo bastante intrigante, porém pou- explica que o arquiteto definiu o Memorial como co conhecido e debatido na região de Campo um ato de solidariedade continental. O Memorial Mourão. O Caminho é algo fantástico, podendo remete à imagem da velha e maltratada América ter suas origens há mais de 4000 anos, portanto Latina, bem como suas origens, seus libertado- sendo de origem pré-incaica e guarani. res e toda sua história. O Caminho de Peabiru é um caminho an- tigo que cruzava a América meridional, ligando Figura 5: Implantação do Memorial da América o Oceano Atlântico ao Pacífico. Este caminho Latina passava pelo Brasil, Paraguai, Bolívia chegando ao Peru. No território brasileiro, passava por São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. É considerado uma obra-prima constru- ída pelos índios antigos, explica Bond (1996), complementado que o Caminho possa ter pas- sado também pelo Rio Grande do Sul, Uruguai e Chile, conforme figura 06.

Figura 6: Rota principal e ramais do Peabiru en- Fonte: Adaptado de Fraga (2006). tre São Vicente e Cuzco.

O caminho de Peabiru

Conhecendo o Peabiru De acordo com Casemiro (2010a), para o NECAPECAM (Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na Região de Cam- po Mourão - PR), o Peabiru é um bem arqueo- lógico da comunidade indígena, desqualificado e incompreendido por muitos, de um passado ainda presente, servindo para compreender o multiculturalismo e convergir índios e não índios na construção de uma sociedade melhor. “A palavra Peabiru é tupi-guarani e para ela há varias traduções: “Caminho forrado”; “Por Fonte: Peabiru Calunga (2009). aqui passa o Caminho antigo de ida e de volta”; Caminho sem ervas’; Caminho que leva ao céu, O Peabiru era um conjunto de trilhas, entre outras.” (Cadernos da ilha, 2004, p.9). possuindo vias principais e secundárias. O seu O Caminho de Peabiru é um tema bas- trajeto original é difícil de ser descrito, pois há tante misterioso, pois até hoje existem muitas vários estudos sobre o assunto e, muitas vezes, perguntas sem respostas. Assuntos referentes as informações são divergentes, bem como a ao tema são levantados por meio de literaturas existência de lacunas de informações. Mas de existentes sobre as Américas ou através de en- fato, pode-se relatar que a rota original nunca trevistas direcionadas à população indígena e será descrita com precisão, apenas uma rota aos velhos colonizadores da região. Também aproximada ou simbólica. se buscam informações em sítios arqueológicos O seu trajeto principal possuía cerca de existentes. 4000 quilômetros “litoral atlântico ao litoral paci- Bond (2009) explica que a palavra Pea- fico”, sendo que, 1200 destes situavam em solo biru vem sendo descrita desde o século XVI, por nacional. O Caminho possuía em média 1,40 cronistas europeus. A palavra sofreu mutações metros de largura, ou 8 palmos conforme litera- em sua grafia (Peabiru, Peavyju, Peavirú, Pe- tura existente e profundidade de 40 centímetros.

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O Peabiru foi o principal caminho pré-colombia- cípio de Pitanga”. no existente na América e estas características Mas de fato, o Caminho serviu para as já vêm sendo descritas desde o século XVI. andanças no interior do continente, chegando Igor Chmys constou que o Caminho não a ser fechado pelo governador geral do Brasil, subia elevações, mas sim as contornava, sendo, Tomé de Souza, entre os anos 1553 a 1603, portanto, bastante sinuoso, explica Casemiro existindo pena de morte para aquele que fos- (2010a). Bond (2009), descreve que o Caminho se encontrado trafegando pelo Caminho, pois a era forrado “pavimentado”, e o material utilizado população brasileira deslocava para os países mudava de acordo com a região, pois atraves- vizinhos com a finalidade de adquirir produtos sava “pântanos, selvas, rios, pedreiras, areias, ilegais, conforme parágrafo abaixo: entre outros”, sendo considerado uma verdadei- “Esse Caminho teve importância geopo- ra obra de engenharia. lítica significativa durante os séculos XVI e XVII. Em território brasileiro o Caminho era Por ele transitaram personagens ilustres como forrado por gramíneas, e à medida que se apro- Cabeza de Vaca e Aleixo Garcia, além é claro de ximava do Império Inca era forrado por pedras, incontáveis anônimos e comerciantes com suas em alguns locais como o Chaco paraguaio, era mercadorias, muitas vezes ilegais. (CAVALCAN- demarcado por estacas. Há indícios de trechos TE, 2008, p. 78). em território brasileiro forrados por pedras nas Em entrevista de Sinclair Pozza Casemi- proximidades da aldeia de Meruri e do Rio Mi- ro concedida a Werneck (2006), ela diz que o randa, ambas as localidades situadas no estado Peabiru funciona como uma universidade, pois do Mato Grosso, explica Bond (2009). nele aprende-se sobre diversas áreas, como: Nos locais onde o Peabiru era forrado agricultura, astronomia, religião, medicina, es- com gramíneas, seus construtores plantavam tando todas essas questões inter-relacionadas. ervas, que produziam sementes glutinosas em alguns trechos, para que quando algum homem O Caminho e sua Autoria ou animal passassem por ele, as sementes gru- Existem três hipóteses principais, descri- davam em suas pernas, sendo disseminadas ta por cadernos da Ilha (2004). em outros trechos. Esta forragem tinha duas fun- Caminho da Terra Sem Mal – O Cami- ções retentoras: barrar a erosão, e a invasão de nho tem sido aberto pelos Guaranis ou povos outras plantas sobre o Caminho, fazendo com anteriores, talvez os Itararés. Os índios originá- que o Peabiru funcionasse como um corredor, rios do Paraguai teriam se deslocado para o lito- estando sempre livre e limpo. ral sul brasileiro, entre os anos 1000 e 1300, em De acordo com Cadernos da ilha (2004), busca de um paraíso, ou seja, a Terra Sem Mal, há autores que negam a existência do Peabiru, sendo o Peabiru, considerado sagrado. mas de fato é que no ano de 1555 o ex-governa- Caminho dos Incas – O Caminho teria dor do Paraguai Alvar Nuñes Cabeza de Vaca, sido uma obra incaica ou pré-incaica, onde o Ca- descreve sua caminhada entre a Ilha de Santa minho se destinaria ao comércio com outras tri- Catarina e Assunção, utilizando um Caminho fei- bos do Paraguai e interior do Brasil. Inicialmente, to pelos índios; Días de Guzmán diz ter andado teria função comercial, posteriormente poderia por um Caminho bastante destacado, nomeado ser utilizado como via de expansão de seu impé- de Peabeyú, o padre Montoya, fundador das rio. O Peabiru funcionaria como um Caminho de missões do Guairá, onde no ano de 1639, dizia mão dupla, servindo para os guaranis irem até ter andado por um Caminho que tinha oito pal- o Império Inca e os Incas irem ao Atlântico Sul, mos de largura. Bond (2009) acrescenta outros assim deixando vestígios das duas etnias junto personagens como Pedro Lozano, que no ano às áreas lindeiras do Caminho. de 1739 escreveu o nome Peabiru pela primeira Caminho de São Tomé – São Tomé, vez, como o conhecemos hoje. apóstolo de Jesus Cristo, seria o autor do Ca- Segundo Gaioski (2004), o governador minho. do Paraguai “Cabeza de Vaca”, no dia 7 de de- zembro de 1541, passou por um grande rio, “Rio A passagem de São Tomé pelo novo mun- Ivaí”, e no dia 14 avistou uma aldeia indígena, do foi mencionada por índios, padres, auto- onde efetuaram a leitura da latitude local, obten- ridades e colonos europeus no século 16. A do 24.5º, “posicionamento próximo ao do muni- versão corrente é que um homem branco,

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barbudo, trajando um camisolão teria che- sas subterrâneas em locais de clima inapropria- gado ao litoral brasileiro “andando sobre as dos para sua subsistência, à medida que o clima águas”. Foi chamado de Sumé. (Cadernos os favorecesse as casas passariam a ser semi- da Ilha, 2004, p.10). -subterrâneas e a nível térreo, figura 07.

São Tomé teria se deslocado até o Peru, Figura 7: Casa Itararé; A- casa subterrânea; B- onde os Pré-Incaicos o chamarão de Kuniraya, casa semi-subterrânea. e os Incas de Viracocha. São Tomé teria ido embora do Peru, também caminhando sobre as águas. O Santo teria vindo as Américas para en- sinar os índios a acreditar num único Deus, plan- tar, colher, domesticar animais, etc. É comum Fonte: LA SALVIA (1983), apud Beber (2004). encontrar-se rochas com desenhos de pés em baixo relevo, alguns atribuem o fato a existência As proximidades dos sítios arqueológi- de Caminhos indígenas nas proximidades e ou- cos com a rota do Peabiru, bem como algumas tros dedicam a autoria ao santo. semelhanças construtivas gerais, como “o Cami- nho apresenta-se escavado no chão, caracterís- Grupo Itararé ticas semelhantes à arquitetura de suas casas”, De acordo com Bond (2009), os itararés, torna-se apto atribuir a autoria deste Caminho seriam os autores da trilha, a denominação Ita- aos Itararés, sabe-se que os Itararés e os Gua- raré é de procedência arqueológica, como etnia, ranis eram povos inimigos, portanto, o Caminho são considerados Jê. Este povo é originário do tem sua origem antes dos Guaranis na região. Brasil central, migrando gradualmente para o sul Chmyz & Sauner (1971), explica que os do país, sendo considerado o primeiro povo ce- artefatos líticos encontrados na COMCAM, eram ramista da Região Sul, tendo sua datação mais feitos de arenito silicificado. Nas escavações, lo- antiga do ano de 800 a.C. calizaram-se diversos blocos de diábasio, cacos Bond (2009), diz que o arqueólogo Igor cerâmicos e carvão vegetal, madeira carboniza- Chmyz, estudou a região de , da, lascas de quartzo, bolas de argilas queima- município pertencente à CONCAN, onde achou das. um Caminho bem demarcado, rebaixado e com Segundo Milan (2008), a criação do Pe- largura superior a um metro, onde os antigos abiru deve ter ocorrido antes de 1480, pois o ar- disseram que o Caminho serviu como fluxo de queólogo Igor Chmyz, encontrou escória mineral penetração da Guerra do Paraguai. em túmulos indígenas, os índios não fundiam O Caminho mapeado possui orientação minerais, porém havia a fundição de ferro pelos SO-NE, onde uma extremidade encontra-se per- espanhóis nas proximidades dos sítios arqueo- to do rio Piquiri a outra aponta para Região de lógicos. Campo Mourão e Peabiru. Junto ao Caminho há achados de sítios arqueológicos desta etnia, Grupo Guarani contendo casas e galerias subterrâneas. Os guaranis são uma tribo originária do Amazonas, que começou suas migrações por ...Erigiam habitações grandes isoladas ou volta do ano 1000 a.C., quando passaram a ha- menores agrupadas. Nas regiões mais frias, construíam habitações subterrâneas circu- bitar o Paraguai, com fixação datada de 500 a.C. lares, identificadas como ‘buracos de bugre’ Bond (2009), assevera que em suas bus- pelos nacionais... cas à terra sagrada, os guaranis teriam se deslo- ...Praticavam a cremação de cadáveres e cado do Paraguai, “centro do mundo para eles”, levantavam, no local da cremação, um mon- para o leste sul - brasileiro, anteriormente aos tículo de terra, comumente elíptico e raso, e anos de 50 ou talvez 450 da Era Cristã. A autora raramente elevado, em forma de cone trun- afirma achar indícios de que os guaranis teriam 3 cado. Chmyz apud Bond (2009), pág. 47. migrado para o Oeste, também por motivos re- ligiosos, mas o que é de fato, é que o Peabiru é Sabe-se que os itararés construíam ca- considerado sagrado, até mesmo para os índios contemporâneos. 3 Palestra de Igor Chmyz em , Biblioteca Pública do Estado A importância do Peabiru para o povo do Paraná, sem data.

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Guarani é observada na fala de Dona Almerin- Oeste: Tupã – Pará: donos da chuva, da da, senhora mais idosa entre os guaranis–nhan- água, dos mares, do raio e do trovão. O Deus deva, residente na reserva Arai Werá ‘nuvem Tupã parece se multiplicar, mas apresenta ser brilhante’, localizada em Santa Amélia – PR a robusto e usa uma tembetá de cristal “quartzo”; partir de uma entrevista realizada por Casemiro Norte: Jakaira – Isapy – donos da bru- (2007). ma, neblina, fumaça vivificante, dos bons ventos e da primavera; É o Caminho da terra, né? Veio que veio, Sul: Kuaray – Jachuká “símbolo femini- veio lá do céu e encostô no lugar onde eles no” – donos do sol e do tempo-espaço primigê- fizeram, e começô a tremê, aquele Caminho nio. tremia, tremia e tremia, mais no meio daque- De acordo com Prudente (2007), os gua- la tribo que tava rezando tinha uma muié i ranis consideram suas casas como seres vivos, um hômi qui era abusante, num crê muito né? Aí eles rezando, rezando, mas por cau- considerando-a um membro da família, envol- sa daqueles dois abusante, Caminho subiu vendo grande simbolismo, quanto o posiciona- trá veiz, sumiu no céu, sabe o que eles fize- mento geográfico, materiais aplicados, formas e ram? Daí a muié tava dançando lá com ta- tamanho das aberturas. Dão grande atenção ao quá, nhanderu com mbaraká, ai viro contra sol e plantas como o cedro. Essa que contem- um o outro, quebrava mabaraká na cabeça pla valor simbólico e mitológico, sendo a ultima do outro, as moças brigando entre as moças, árvore feita por Nhanderu, o cedro representa o rapaziada brigando entre as rapaziadas, sen- próprio sol. tia que o Caminho sumia outra veiz, sumiu Homenageiam tanto o sol nascente no céu outra veiz, se não eles ia embora, por como o poente, para eles o sol significa o mes- causa daqueles dois abusantes, num desceu no chão pra levar eles... ah... tem muita histó- mo que Jesus para o Cristianismo, contavam ria, muita história, muito triste (chora). aos jesuítas que sem o sol, não existiria vida. O ... quando eles tão pedindo a Nhandejara pra Peabiru seria o Caminho do sol, contendo início, abrir o Caminho assim eles jejua né? Comi- meio e fim. Trechos do Caminho também servi- da assim num come. É canjica, mel do mato riam como rota de correios e “informações”. As com água muito fria ainda. Assim que eles aldeias localizadas às margens do Peabiru sem- comia. É, lá é a terra... como é que fala... lá pre continham dois guardiões em seu acesso. yvy mburana, terra que encanto pro índio Os rituais sagrados são realizados nas ficá, diz que existe mesmo isso aí, mas os Opy, “casa de reza”, em seu interior o ocupan- índio tá lá, né?”. (Casemiro, 2007, p.55). te deverá caminhar, sendo este um ato sagrado para este povo, pois seu deus Nhanderu, orde- Bond (2009) descreve os guaranis como na aos Guaranis que sempre caminhem sob sua uma etnia fechada, renitente a revelar seus ri- orientação, explica Ladeira (1992) apud Bond tuais, deuses, crenças, etc. Consideram o sol (2009). Essa teoria é confirmada por Casemiro como Deus, são politeístas, acreditam na Terra (2010b), que esclarece que os guaranis acredi- Sem Mal. São grandes conhecedores de fitolo- tam ser o Peabiru o responsável por levar o ín- gia. A seguir apresentam-se algumas caracterís- dio à Terra Sem Mal, seu deus maior “Nhanderu” ticas dessa etnia conforme a citada autora. pede que sempre caminhem em busca da Yvy Pode se dizer que os guaranis possuem Marã Ey, a “Terra Sem Mal”. cinco casais de deuses, o casal principal loca- O Peabiru é considerado o Caminho sa- liza-se no zênite solar, e outros quatro relacio- grado que leva a tal paraíso, paraíso este, per- nam-se com os pontos cardeais. Portanto a cruz dido no mar, no céu, ou até mesmo localizado torna-se um objeto sagrado para este povo. neste mundo real, mudando a cada instante de Zênite: Nhanderu – Nhandecy: donos do posição. Portanto, sendo uma localidade dinâmi- poder criador, da geração de tudo; ca. Porém na maioria das citações à Terra Sem Leste: Karaí – Kerechu: donos do crepi- Mal, seria uma aldeia localizada em uma Ilha no tar das chamas do sol e do fogo. Para os Gua- Oceano Oriental do Continente americano. ranis o fogo representa o patrimônio cultural, A caminhada é realizada em direção ao conhecimento, sabedoria. A figura do urubu ou mar para se chegar à Terra Sem Mal, o guara- corvo branco é associada ao guardião do fogo ni deve atravessá-lo, porém, sem se molhar. Os ou luz solar; Guaranis contemporâneos não entram no mar,

110 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 ISSN 1982-1093 A arquitetura na reprodução... pois o considera sagrado, não devendo ser uti- cardeais, indicados como rapyta, portanto os lizado para brincadeiras. O mar pode ser atra- deuses estão presentes diante da ordenação vessado com a ajuda dos deuses, eles mandam espacial territorial. o Apiká – transporte voador para buscar aquele que merece. O traçado do Peabiru segue a via láctea Os guaranis buscam a Terra Sem Mal, Segundo Afonso (2004) o traçado do Pe- pois eles têm saudades dos deuses. Junto ao abiru, assemelha-se a Via Láctea. Sendo que mar, eles estão mais próximos. Dão grande im- a cultura indígena está intrinsecamente ligada portância as serras. Para os guaranis, os luga- à astronomia. Segundo as principais coloca- res sagrados ficam ao alto, tanto que os pajés ções de Afonso (2004), sabe-se que o Peabiru acabam por morar nestes locais. possuía um ramal principal, analisando aquele Ainda hoje, segundo Prudente (2007), os percorrido por Aleixo Garcia, partindo do litoral guaranis ordenam seu espaço de acordo com a de Santa Catarina, com destino ao império Inca. mítica terra sem mal e a realidade. O autor ex- Ao observar a figura 09, nota-se que o Caminho plica que esta busca territorial ocorre em senti- segue uma direção obliqua quando relacionada do anti-horário, partindo do interior do Paraguai aos eixos norte-sul e leste-oeste, sua direção se- “centro do mundo” e, passando pelas fronteiras gue os pontos colaterais Sudeste para Noroeste. das missões, fronteiriças entre Brasil e Argenti- na, chegando ao litoral brasileiro desde os esta- Figura 9: Semelhanças entre a Via – Láctea e dos do Rio Grande do Sul, até o Espírito Santo. o Peabiru Na visão indígena o território possui forma cir- cular tendo uma centralidade e diversas tekoás, “comunidades”, em sua extremidade, separando o mundo real da terra sem mal. Figura 08.

Figura 8: Território Guarani ordenado de acordo com a terra sem mal.

Fonte: Adaptado de Afonso (2004).

“A terra sem mal é, na verdade, a via láctea, onde moram os deuses guaranis. Lá é o paraíso dos índios, e sua orientação é aproxima- damente noroeste-sudeste”. (AFONSO, 2004, p. 17). Complementando, Afonso (2004) ressal- ta que são dois os fatores responsáveis pela se- melhança entre o Caminho e a Via Láctea: Moradas dos Deuses: Os guaranis cha- mam a via láctea de “tapirapé” ou Morada dos Deuses, seguindo essa lógica, pode assemelhar a morada dos deuses com a “terra sem mal”, portanto a terra sem mal estaria no céu. Para os nativos, a terra é o reflexo do céu, portanto, tudo que se vê no céu existe na terra. A via láctea é vista como um caminho, por vários povos, entre eles, os Incas.

... O Caminho que nosso índio percorreu é Fonte: Prudente (2007). aquele da Via Láctea, quando ela esta mais alta no céu. E que é também aproximada- A figura 08 revela que, além da centra- mente o Caminho que liga as posições do lidade, há a representação dos quatros pontos nascer-do-sol no verão com o pôr do sol no

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inverno. (AFONSO, 2004, p. 14). de caminhos, onde um deles passava pela re- gião da COMCAM, este denominado Ramal de Como trilhar o Caminho de acordo Campo Mourão. O conhecimento deste, e seu com a via láctea: os índios se localizavam por trajeto aproximado, são de fundamental impor- relógios solares, distribuídos ao longo do per- tância para a escolha do local destinado ao Me- curso, os relógios eram feitos de pedras, com morial, pois estará relacionado à própria história altura média de 160 cm, talhada na direção dos do Caminho. pontos cardeais, chamada de pedra do segredo, De acordo com Cadernos da Ilha (2004), estas que além da função astronômica, possuía o Peabiru iniciava-se no estado de São Pau- função religiosa. Cada ponto cardeal represen- lo, possuindo a seguinte rota: Itu, Botucatu, rio tava um deus, os deuses que ajudaram a fazer Aguaperi, rio Peixe, rio Paranapanema, Itaguajé, a terra de seus habitantes, e o topo da pedra ; entrava no Paraná por Parana- representavam o deus maior “Nhanderu”. A al- poema, , Cruzeiro do Sul, , Ata- tura da pedra é a altura dos olhos do índio, que laia, Mandaguaçu, Maringá, Itambé, Engenheiro possibilitava observar o nascer e o por do sol. Beltrão, Peabiru, Campo Mourão, , Janió- Durante a noite os índios guaranis guiavam-se polis. Ou talvez Campo Mourão, , Mam- pelo Cruzeiro do Sul. borê, , Campina da Lagoa, Ubiratã, . Conforme figura 10. Pode-se consi- O Ramal de Campo Mourão derar que dentro deste ramal o Peabiru possuía Como já visto, o Peabiru era uma rede ramificações.

Figura 10: O Peabiru no Paraná, enfatizando o Ramal de Campo Mourão - PR

Fonte: O autor (2017).

112 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 ISSN 1982-1093 A arquitetura na reprodução...

A importância do Peabiru no desbravamento anos, vivendo da agropecuária, sendo o lucro da América dividido por todos, explica Silva (2005). A autora O Peabiru teve grande importância his- acrescenta que por meio do Peabiru, fundou-se tórica, pois o mesmo serviu como via para an- a Villa Rica Del Espírito Santo “parque estadual”, danças e migrações indígenas, bem como de situada em Fênix – PR. As ruínas dessas mis- exploração de riquezas, comércio, reduções re- sões, atualmente são responsáveis por grande ligiosas entre outras, após a chegada dos colo- poderio turístico e fonte de estudos. nizadores. O Peabiru seria o principal caminho para adentrar o interior do Brasil e chegar ao Figura 11: Ocupação espanhola do Guairá; Ci- Paraguai. O grande poder de deslocamento pro- dades espanholas e Reduções Jesuíticas. piciado pelo Peabiru é consolidado pela rapidez da disseminação do gado, introduzido no litoral paulista e 11 anos mais tarde, encontrava-se em território incaico. O Caminho teve fundamental importância na formação da América meridional. “sua existência passada influenciou nossa vida presente e vai continuar influindo nossa vida fu- tura” explica (BOND, 1996, p. 6). O Caminho em seu início era utilizado pelos nativos da região e, após a chegada de Cabral, serviu de passagem para sacerdotes, soldados, aventureiros, sendo as pessoas que construíram a história desta região. Bond (1996), Fonte: Bond (2006). explica que inicialmente o Caminho representa- va o céu para os indígenas e após a chegada Em Pitanga PR, região central do estado dos colonizadores, o mesmo serviu para a dizi- paranaense, ainda há trechos do Caminho con- mação dos nativos. forme trecho a seguir: No ano de 1524, Aleixo Garcia utilizou-se do Caminho, partindo do litoral de Santa Catari- Em Pitanga, restos da trilha também estão na, sobre a companhia dos índios, descobriu a em áreas privadas, em uma extensão de cidade de Cuzco, anteriormente aos espanhóis menos de 10 km. “Alguns pedaços do Cami- “Francisco Pizzarro e Diego de Almagro4”, con- nho foram preservados porque o desenvol- forme literatura existente. Passou pelo Paraguai vimento da soja não foi tão rápido na região e parte da sua comitiva voltou ao litoral brasi- de Pitanga. Não fosse isso, também já teriam leiro trazendo tesouros dos Incas. A partir deste desaparecido”, disse Chmyz. Os vestígios lo- momento o Caminho tornou-se conhecido. Em calizados em Pitanga provavelmente faziam parte do tronco principal do Peabiru. (Olivei- 1531, a malfadada expedição de Pero Lobo, um ra, 2000, p.1). dos capitães de Martim Afonso de Sousa, trafe- gou pelo Caminho. Outros personagens a trafe- Em trechos remanescentes do Caminho, gar pelo Caminho foram Alvar Nuñes Cabeza de são forrados por uma grama conhecida como Vaca em 1541, Ulrich Schmidel em 1553, e os puxa-tripa, que tem como característica a ade- jesuítas Pedro Lozano e Ruiz de Montoya. No rência aos pés de quem passa pela trilha. Gran- século XVII, foi Raposo Tavares e outros ban- de parte desses vestígios encontram-se numa deirantes os frequentadores do Peabiru. (BOMD fazenda, onde é comum a existência de rochas 2006) basálticas, conhecida como pedra ferro, explica No século XVI, o Caminho serviu para a Oliveira (2008). fundação de Assunção, capital do Paraguai, bem Após a chegada dos bandeirantes ao como a criação de duas cidades espanholas e a Paraná, destruindo as cidades espanholas e re- implantação de aproximadamente 14 reduções duções jesuítas, o Caminho praticamente deixou jesuítas no Paraná, conforme figura 11. As redu- de ser usado, sendo somente utilizado no século ções jesuítas mantiveram os índios durante 150 XIX, pelos pioneiros e colonizadores do estado.

4Navegador espanhol, que conquistou o império Inca, a partir de A região da CONCAM é imensamente 1532. rica em se tratando de vestígios arqueológicos,

ISSN 1982-1093 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 113 FRANCISCON, A.; MARQUES, C. S. da P.; AZUMA, M. H. havendo indícios de Caminho em Pitanga, Cam- CONSIDERAÇÕES FINAIS pinas da Lagoa, Peabiru/Campo Mourão, entre outros. Há também sítios arqueológicos, objetos Percebe-se a grande importância do líticos, e cemitérios indígenas na região. Todo Caminho de Peabiru para determinados povos, esse patrimônio pode e está ligado a passagem bem como para o desenvolvimento regional, con- do Peabiru pela região. tinental e mesmo nas relações Europa-América, Atualmente, Campo Mourão possui o pois muita riqueza foi encontrada por meio do maior entroncamento viário da região Sul do Peabiru, e que foram destinadas ao continente país, outra característica que possa talvez for Europeu ou “Velho Mundo”. O estudo ao referido atribuída à rede de Caminhos indígenas que tema proporciona conhecer o multiculturalismo nela passava. disseminado pelo Peabiru. Conforme Bond (1996), o Peabiru possui O Caminho de Peabiru foi e será respon- importância semelhante ao Rio Nilo no Egito, sável por influenciar gerações passadas, “em sendo que o papel que o Nilo teve para o Egito, o buscas de riquezas materiais e/ou espirituais, Peabiru teve para o Paraná, pois o estado torna- por ele transitando: índios, colonizadores, evan- -se se um local de transito, travessia e transição: gelizadores, contrabandistas, comerciantes, en- tre outros”. Assim como nas gerações passadas, Se o Egito é um presente do Nilo, a terra o Peabiru tende a influenciar gerações contem- hoje paranaense é o legado de um Caminho porâneas e futuras, devido há muitas das rique- pré-histórico que se apagou na geografia zas espirituais e materiais ainda prevalecerem da colônia. Legado que irá funcionar como registrados de forma material ou imaterial. determinante da vocação histórica da área, Foi possível perceber a grande importân- associada memorialmente a movimentos de travessia, a influências opostas que nela se cia da construção de memoriais, para resgatar intercruzaram e muitas vezes se chocaram. e materializar momentos importantes da história Costa (1972) apud Bond (1996) p. 185. de um povo, assim como erigido para o ex-pre- sidente Getúlio Vargas, da Nação Judaica, do Para os indígenas, o Caminho que antes pluralismo étnico da América Latina, entre outros representava a busca pela terra sem mal, após a tantos já realizados. chegada dos colonizadores, este mesmo Cami- Será possível contar a história do Peabi- nho tornou-se um inferno, pois por ele passaram ru, através de uma arquitetura contendo signifi- os bandeirantes dizimando os índios. Através cados e objetos que ajudem a disseminar esta dele, o homem chegou ao império Inca, as Cata- história. O Memorial, desta maneira, homenage- ratas do Iguaçu, ao Paraguai, entre outros. ará e salvaguardará o Caminho, bem como po- Todas essas características podem ser derá propiciar novos estudos e se tornará base exploradas turisticamente, culturalmente, arque- para sua divulgação. Dentre as principais ca- ologicamente, economicamente, religiosamente racterísticas a ser memoradas sobre o Peabiru, entre outros. pode se destacar: seu traçado: origem, geome- tria e autores; principais usuários e suas cren- O Peabiru e seus significados ças; significados como: ícone, índice e símbolo. Classificação do Peabiru conforme Lima Entende-se ser importante o resgate de (2010). Como índice o Peabiru representa um temas arqueológicos de uma região, principal- braço da via láctea, bem como a locomoção mente tratando-se de características genuina- dos nativos no interior do continente americano. mente locais, pois o Brasil, assim como os de- Como ícone representa a integração e união mais países da América do Sul, agregam grande entre os povos que nele passaram. Devido sua teor histórico de seus colonizadores. aceitação coletiva, propiciado pelos estudiosos Foi demonstrada nesta pesquisa, a im- das diversas localidades onde existiu o Peabiru, portância da arquitetura no desenvolvimento o caracteriza como símbolo. da memória de determinado povo por meio da possibilidade de exibir a história por memoriais, citando alguns exemplos relevantes. Os temas homenageados possuem valor patrimonial para uma etnia, e seguindo este contexto, o Caminho 5COSTA, Samuel Guimarães da. Jornal O estado do Paraná. de Peabiru merece ser homenageado, devido Curitiba, 1972.

114 Akrópolis, Umuarama, v. 25, n. 2, p. 103-116, jul./dez. 2017 ISSN 1982-1093 A arquitetura na reprodução... sua grande importância como patrimônio histó- com a participação do relato da guaraninhande- rico e cultural sul-americano. va do interior do Paraná, da reserva arai werá “nuvem brilhante”. V Simpósio sobre o Cami- BIBLIOGRAFIA nho de Peabiru na COMCAM, microrregião 12 do Paraná. Campo Mourão. Abril; 2007. Pg AFFONSO, A. I. Iwo Jima Monument: (Marine 45 – 64. Corps War Memorial — Iwo Jima Statue). Jor- nais de Viagens - Relatos, guias, dicas e fotos de CASEMIRO, S. P. Caminhos de Peabiru. Res- viagens. 2007. Disponível em: < http://interata. significação. Núcleo de estudos e pesquisas squarespace.com/jornal-de-viagens/2007/8/4/ sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM – washington-dc-iwo-jima-monument.html>. Aces- NECAPECAM. Primeiro ciclo de estudos sobre so em 11 de julho de 2017. os Caminhos de Peabiru. Campo Mourão, 26 de março de 2010a. AFONSO, G. O Peabiru tem o traçado da via lác- tea. In CADERNOS DA ILHA nº2. Florianópolis, CASEMIRO, S. P. Ivy Mara Ey. Núcleo de estu- fevereiro de 2004. Pg 13 – 18. dos e pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM – NECAPECAM. Primeiro ciclo de BARCELLOS, J. O Memorial como instituição estudos sobre os Caminhos de Peabiru. Campo no sistema de museus: Conceitos e práticas Mourão, 26 de março de 2010b. na busca de um conteúdo. Versão modificada da palestra apresentada no Fórum Estadual de Mu- CATTANI, A. Arquitetura e representação seus, Porto Alegre, 1999. Disponível em: . Acesso em 11 < http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/hand- de julho de 2017. le/10183/22249/000580415.pdf?sequence=1 >. Acesso em 11 de julho de 2017. BEBER, M. V. O Sistema de Assentamento dos Grupos Ceramistas do Planalto Sul - Brasi- CAVALCANTE, T. L. V. O mito do São Tomé leiro: O Caso Da Tradição Taquara/Itararé. Uni- americano e a circularidade cultural na América versidade Do Vale Do Rio Dos Sinos Programa colonial. Revista de História Regional. 13(1): De Pós-Graduação Em História. São Leopoldo, 65-93, Verão, 2008. Disponível em: < http://www. março de 2004. 289 pg. Disponível em: < http:// revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/downlo- www.anchietano.unisinos.br/publicacoes/textos/ ad/2257/1745>. Acesso em 11 de julho de 2017. beber2004/beber-2004.PDF>. Acesso em 11 de julho de 2017. CHMYZ, I.; SAUNER, Z. Nota prévia sobre as pesquisas arqueológicas no Vale do Rio Piquiri. BOND, R. O Caminho de Peabiru. Campo Dédalo. Revista do Museu de Arqueologia e Mourão: Kromoset; 1996; 90 páginas ilustradas. Etnologia. São Paulo, 7(13):7-31. 1971.

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