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SEMINÁRIO NACIONAL DE ECONOMIA POPULAR SOLIDÁRIA DATA: 12052005 - Tarde SEM REVISÃO

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Boa-tarde a todos.

Damos início aos trabalhos da tarde, que terão como painel a Autogestão e Legislação: Os desafios da auto-organização dos trabalhadores e trabalhadoras no meio rural e urbano – diálogos com os empreendimentos.

Convido para compor a mesa a professora Dra. Rosinha Machado Carrion, coordenadora do curso de Pós-Graduação em Gestão Social, da UFRGS; o professor Huberlan Rodrigues, coordenador da pesquisa sobre tipologia de empreendimentos autogestionários, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Senaes; o Sr. Lauri Weber, representante da Agência de Desenvolvimento Solidário, da CUT e Unisol; o Sr. Edson Pilatti, representando a Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas Autogestionárias – Anteag.

Para iniciarmos os trabalhos da tarde, explicarei a dinâmica que a coordenação da atividade definiu. Para cada manifestação dos integrantes da mesa, o tempo será de 15 minutos. Após essas manifestações, abriremos as inscrições. No primeiro momento, as inscrições serão de diálogo para os empreendimentos. Estão inscritos para esse diálogo a Coopercana, de Porto Xavier; a Coopal, de Canguçu; a Ecocitrus, de Montenegro; e a CTMC, de .

Na seqüência, o tempo previsto para manifestações e perguntas é de três minutos. Logo após, haverá um espaço para as considerações finais da mesa. A previsão de encerramento das atividades é às 16h30min.

Está com a palavra o professor Huberlan Rodrigues.

O SR. HUBERLAN RODRIGUES – Boa-tarde a todos.

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Inicialmente, cumprimento o deputado Elvino Bohn Gass por esta iniciativa que proporciona um debate muito importante, neste início de século, sobre a economia solidária, socioeconomia, empresas de autogestão, empreendimentos, cooperativas, associações e sociedades limitadas. Enfim, todos esses empreendimentos cuja gestão é retomada ou iniciada pelos trabalhadores deste País e que proporciona de uma maneira geral a criação e a recriação de postos de trabalho e geração de renda.

Não é preciso falar muito para dizer que este tema é um dos mais importantes a ser trabalhado pelas políticas públicas, assim como por qualquer cidadão do nosso País. Nesse sentido, percebemos que não é só no Brasil que esse fenômeno vem-se desenvolvendo e ganhando mais força dentro da sociedade, porque é um imperativo nos dias de hoje, frente a conjuntura econômica nacional e internacional, trabalharmos por geração de trabalho e renda, especialmente pela organização dos trabalhadores dentro desse processo.

Desenvolvemos, no âmbito da Secretaria Nacional de Economia Solidária e de outras instituições, como a Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia, Instituto de Pesquisa em Economia Aplicada – IPEA –, conveniadas com o governo federal, uma pesquisa sobre tipologia de empreendimentos autogestionários que recuperam massas falidas no Brasil.

No âmbito dessa pesquisa que teve um corte muito claro de recuperação de massa falidas, sem desconsiderar a importância que existe nessas iniciativas de associação para o trabalho, desenvolvemos uma metodologia de identificar e conceituar esses empreendimentos no País, dada a diversidade dessas iniciativas. Ou seja, são iniciativas plurais, diversas e que se estruturam de diferentes maneiras em relação a vários temas afeitos a esses empreendimentos. No quadro de recuperação de empresas no Brasil, poderíamos afirmar que 95% desses empreendimentos adotam a forma societária ou

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jurídica de cooperativas, muito embora tenhamos também formatos de sociedades anônimas, de sociedades limitas e até de associações de produção que se constituem para dar continuidade a processos produtivos que são interrompidos através de instituições ou empresas tradicionais, vamos chamar assim. Esse fenômeno ocorre no Brasil mais especificamente, e a grande parte dos empreendimentos começou a partir da década de 90, embora já tenha alguns casos anteriores a 1986. Por exemplo, temos o caso da Cooperminas, de Criciúma, Santa Catarina, que data de 1986. Então, partimos dessa data para fazermos uma avaliação do conjunto dessas empresas.

Determinamos uma amostra no País. Entrevistamos 10 empreendimentos no ; sete no Estado de Santa Catarina, sendo que quatro são cooperativas. Algumas possuem outros formatos sem definição precisa em relação ao tipo societário, que não chega a ser um arrendamento da massa falida – até porque ainda não houve falência nesses empreendimentos. Esse é o caso das empresas Cipla e Interfibra, que estão no Estado de Santa Catarina; e Flaskô, no Estado de São Paulo, que se autodenominam gestão operária. Não se denominam autogestão, não possuem a forma de cooperativa ou de qualquer empreendimento que tenha um marco dentro do direito societário, direito econômico brasileiro, mas dão continuidade ao processo produtivo que as empresas tradicionais já vinham desenvolvendo.

Um elemento comum a todas elas é a crise da empresa tradicional. No caso dessas crises, os empreendimentos de trabalhadores assumem o processo produtivo, recuperam as atividades da empresa e dão continuidade a esses processos.

Quando falamos de tipologia, estamos buscando um conceito, uma matriz, padrões que coloquem esse fenômeno de maneira mais inteligível; buscamos um conceito mais apropriado para essas iniciativas que detêm peculiaridades importantes. Repito que os empreendimentos são diversos.

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Das formas societárias às maneiras de organização interna dos empreendimentos também se diferenciam, mas têm elementos comuns muito importantes.

Então, na busca dessa matriz, na busca da identificação desses padrões dessas empresas para podermos definir conceitualmente esses fenômenos de recuperação de empresas por empresas, que chamamos empresas autogestionárias, ou empresas de trabalhadores ou sociedades de trabalhadores, encontramos diversas variáveis que denominamos de variáveis estruturantes do fenômeno.

Nessas variáveis, e aí temos variáveis de gestão, variáveis de mercado, variáveis em relação ao crédito, à tecnologia, à forma de propriedade, à forma de contratação e outras, encontramos duas questões fundamentais que são comuns a todas, quais sejam, a dificuldade de acesso ao crédito e a defasagem tecnológica por que esses empreendimentos passam.

Com isso, estabelecemos alguns diagramas. Estabelecemos uma relação dos tipos de empreendimentos existentes da linha do não- desejável à linha do desejado. Tipo é uma situação ideal; tipo é uma situação que queremos ver estruturada. Ela passa pelo ideal, mas buscamos estabelecer esses padrões dentro da realidade empírica, da experiência. Estabelecemos situações do não-desejável, que é o caminho da heterogestão, que é o caminho da empresa tradicional, indo até o socialmente desejável.

No meio disso, há o socialmente aceitável ou o socialmente necessário. Para baixo do socialmente necessário, temos empresas, por exemplo em relação à tecnologia, que não têm condições de competição no mercado. Identificamos, durante essa investigação, que as empresas que foram à falência, há muito tempo não tinham investimento em tecnologia, ou seja, a empresa tradicional estava num caminho de falência ou estava pré-falimentar e já não estava mais investindo na parte de

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instrumentalização da empresa. Conseqüentemente, a tecnologia já era obsoleta ou defasada.

Nesse caso, a grande pergunta que nós pesquisadores nos fazíamos e ainda fazemos – estamos em constante reflexão porque o processo de investigação está no período final; portanto, estamos maturando todas essas questões que buscamos dentro da sociedade – é por que as empresas de autogestão dão certo e, se não dão certo, por que isso acontece e o que precisa ser feito para que elas possam atingir a viabilidade a longo prazo.

Identificamos que ao longo desse caminho duas crises aparecem. A primeira crise é pela recuperação da empresa e pela possibilidade de os trabalhadores assumirem os ativos das empresas que estão com as atividades econômicas paradas. Essa é a primeira crise.

Passada a primeira crise, quando os trabalhadores conseguem, através do Poder Judiciário, ou extrajudicialmente, formatar e executar os contratos de arrendamento, ou comodato, ou seja lá o que for, quando os trabalhadores assumem o processo produtivo das empresas, a segunda crise passa pela necessidade de estruturação desses empreendimentos a longo prazo.

Então, são duas crises que identificamos. Se identificamos que, passada a primeira crise, com todas as dificuldades que essas empresas têm quanto ao acesso à tecnologia e ao crédito, ainda assim elas conseguem se viabilizar, é preciso buscar uma conceituação desse fenômeno para que a política pública possa absorver esses fenômenos e, a partir do reconhecimento, criar uma política pública para tratar de forma igual os desiguais, porque a lei é uma para todos. Mas não se pode tratar igualmente os desiguais. As condições devem se equilibrar.

Há pouco eu conversava com o representante do BNDES aqui presente sobre as principais dificuldades de acesso desses

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empreendimentos, desses fenômenos, aos instrumentos que podem possibilitar sua viabilidade a longo prazo. Aí verifica-se que a grande e maior dificuldade é a falta de reconhecimento, no sentido de que não há um marco jurídico, não há uma legislação que identifique e que conceitue esses empreendimentos, esses fenômenos.

Desenvolvemos uma metodologia que passou por uma investigação bibliográfica, pela pesquisa de campo, pela entrevista com os empreendimentos, evidentemente que a partir do desenho de uma mostra, a partir da verificação de documentos desses empreendimentos – como estatuto, regimento interno, enfim – e a partir de uma investigação comparada.

Estivemos na Espanha investigando as políticas públicas e empreendimentos que lá existem, e a grande surpresa que tivemos foi constatar que eles passaram praticamente pelo mesmo processo que passamos aqui, só que eles passaram por isso há 25 anos. Então, há 25 anos, as empresas que iam à falência na Espanha não tinham um marco legal e passavam pelas mesmas dificuldades que as nossas. Eram empresas que possuíam trabalhadores em idade avançada, eram empresas que não tinham a possibilidade de acesso ao crédito e eram empresas que tinham basicamente o formato de cooperativas, porque não havia um outro modelo que não o de associações ou de cooperativas para a operação dessas situações.

A primeira empresa surgiu lá em 1979. Em 1986, eles criaram a Lei das Sociedades Anônimas Laborais e a Lei das Sociedades Limitadas Laborais, o que em parte resolveu o problema do crédito e, conseqüentemente, resolveu o problema da tecnologia.

Por que nos referimos tanto ao problema da tecnologia? Uma empresa, para ser competitiva, precisa estar em grau de condições de igualdade para disputar o mercado. Os mercados são diferentes. Existem diversos mercados: os mercados propriamente ditos e os mercados

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protegidos.

Hoje pela manhã, falaram na Lei de Licitações, que faz com que muitos empreendimentos possam se reestruturar a partir de contratos feitos com os governos, a partir de trabalhos realizados para essas estruturas da Federação. E existem mercados únicos, que, por si só, causam a viabilidade dessas empresas.

Nessa pesquisa que desenvolvemos, percebemos que algumas empresas que têm um tempo maior de operação começaram a investir em tecnologia depois de cinco anos de atividade. Uma outra identidade desse fenômeno é que as empresas, ao serem recuperadas, têm um processo muito intenso de diálogo e de convencimento com os fornecedores para poder readquirir uma confiança do mercado e, assim, obter prazos maiores para a compra de matéria-prima e de insumos para a atividade produtiva.

As empresas de autogestão, apesar de toda a dificuldade que têm para se reestruturar e reingressar no mercado, precisam fazer o pagamento à vista dos insumos e das matérias-primas e, para poder competir, às vezes precisam conceder prazo para os clientes pagarem. As empresas que investiram em tecnologia o fizeram depois de cinco anos não porque tenham tido acesso a crédito, mas, sim, porque conseguiram convencer os seus fornecedores acerca da seriedade do seu empreendimento. A partir disso, os fornecedores passaram a dilatar o prazo de pagamento das matérias-primas e insumos, concedendo um prazo entre 30, 60 e 90 dias para o pagamento.

A partir daí, com esse fôlego mais comunitário que recebem, começam a investir em tecnologia e a agregar maior valor aos seus produtos e começam, também, a ter maiores condições de competitividade. Nesse sentido, parabenizo o deputado Elvino Bohn Gass, que tem uma iniciativa, aqui no Estado do Rio Grande do Sul, a partir de um

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projeto de lei, que trabalha nesse sentido. Já tivemos aqui no Estado, também, uma iniciativa do governo, entre 1999 e 2002, que criou um programa de política pública de economia solidária que, através de um decreto, regulamentou o que estamos chamando já há algum tempo de economia popular solidária e seus atores. Com isso, se conseguiu diferenciar o que é uma cooperativa de economia solidária, ou uma cooperativa de autogestão, das demais cooperativas que existem na sociedade.

Para concluir, quero lembrar que na Espanha existe uma legislação acerca de cooperativas que trata diferentemente essas mesmas cooperativas. Existem as cooperativas muito protegidas, as cooperativas protegidas e as cooperativas não-protegidas. Isso se reflete muito na atividade produtiva, no tamanho, na inserção dessas cooperativas na sociedade e no tipo de trabalho que desenvolvem.

Fecho este painel levantando a importância de uma legislação para que se possa conceituar ou identificar o fenômeno da autogestão e das empresas de economia solidária e empreendimentos, apontando a necessidade da definição de um marco legal, porque está diretamente vinculado à questão de um marco conceitual – de termos um conceito das empresas de autogestão –, que também não dá para separar do marco político.

Então, chamo a atenção para essa transversalidade que há entre o marco conceitual, o marco político e o marco legal, que é uma conseqüência de todas essas iniciativas. Muito obrigado. (palmas)

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Muito obrigada, Huberlan Rodrigues.

De imediato, passo a palavra ao deputado Elvino Bohn Gass, que irá se manifestar acerca do projeto de lei de política estadual de fomento à

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economia solidária, de sua autoria.

O SR. COORDENADOR (Elvino Bohn Gass) – Saúdo a todas e a todos os que estão aqui presentes.

Na parte da manhã, já fiz uma referência mais política acerca do que compreendemos sobre a economia popular solidária.

Então, agora vou direto ao assunto que me cabe neste momento, que é o projeto de lei especificamente.

Peço a todos que acompanhem o que irei falar com o material que receberam em pastas. Vivi uma situação muito agradável durante o meu mandato, que foi a busca do pessoal do Movimento Software Livre, que debateu a possibilidade de que tenhamos, no Rio Grande do Sul, uma legislação que garantisse a preferenciabilidade de aquisição de softwares livres por parte dos órgãos públicos.

Essa foi uma sugestão do Movimento Software Livre, que fará, nos próximos dias, seu seminário internacional novamente em . Foi a partir do Rio Grande do Sul que esse movimento tomou corpo, intensificando-se bastante em nível federal. Fizemos, então, diversos debates que acabaram resultando em um projeto de lei, que apresentamos nesta Casa e que foi aprovado. Falta agora apenas a regulamentação. É necessário um encaminhamento mais ágil por parte do governo do Estado, que infelizmente não está dando conseqüência àquilo que vínhamos fazendo junto à Procergs e a outros órgãos do governo – Banrisul, UERGS, enfim.

Comecei falando daquela experiência porque me foi muito agradável, muito rica. Ali abordamos o que considero um conceito do mandato parlamentar, que é estar sempre à disposição dos debates da sociedade e dos movimentos. Podemos, através do nosso mandato,

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oportunizar um projeto de lei. Neste caso – e sempre faço essa referência –, este é um projeto dos militantes do Movimento Software Livre.

E também foi assim que ocorreu quando diversas pessoas da economia popular solidária me procuraram: fizemos diversas reuniões e debates.

Há outros projetos de minha iniciativa nesta Casa quanto à agricultura familiar, às questões ambientais, enfim, que também oportunizaram um debate profícuo durante o nosso mandato, como o tema da economia popular solidária. Queríamos, sim, criar uma legislação para que o Estado do Rio Grande do Sul tenha uma política estadual de fomento à economia solidária.

O que foi referido hoje pela manhã, da busca de recursos, da parte de logística, de apoio e de estímulo à organização, queremos regulamentar para que os próprios movimentos possam chegar junto aos órgãos do governo e dizer: Que se cumpra a lei. Até porque muitas pessoas têm uma preocupação excessiva em cumprir regimentos, em cumprir formalidades. Pois neste caso, todos serão convidados a cumprir a Lei da Economia Popular Solidária.

O art. 1º faz uma caracterização do Sistema Estadual de Fomento. Talvez vocês, pelo fato de militarem no dia-a-dia, possam apresentar alguma sugestão. Esse projeto está neste momento na Comissão de Constituição e Justiça e pode sofrer emendas ou alterações antes de ir a plenário. A matéria me foi apresentada dessa forma, mas eu quero que ela represente o que for melhor para o movimento.

O art. 2º afirma: O Setor da Economia Popular Solidária é formado por empresas, cooperativas, redes e empreendimentos de autogestão que preencham cumulativamente os seguintes requisitos:(...) Aqui há um aspecto muito importante, que é a questão conceitual. O que é a tal economia popular solidária? Pode-se dizer que uma empresa que

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não pratica cooperação, solidariedade e autogestão pertence à economia popular solidária?

Assim, conceituamos o que é economia popular solidária dentro dessa linha de se ter políticas públicas diferenciadas para públicos diferentes. Tratar de forma igual os desiguais é uma injustiça.

O segundo item diz: cujo objetivo, patrimônio e os resultados obtidos sejam revertidos para melhoria, sustentabilidade e distribuição de renda entre seus associados. Essa é uma questão fundamental. Muitas vezes vemos pseudocooperativas ou associações em que a renda não fica acumulada para o coletivo, para os entes que fazem parte do processo.

O terceiro item diz: que tenham por instância máxima de deliberação, para todos os fins, a assembléia periódica dos seus associados, onde todos tenham direito a voz e voto, e por instâncias intermediárias (...) Às vezes, pelo número de pessoas, isso não é possível, então são criados outros mecanismos, mas tem de haver um espaço no qual todos ajudam a decidir. Não pode ser considerada uma economia popular solidária se há um cidadão que decide pelo outro, o que está muito claro aqui.

Isso é pedagogia, é metodologia, é política. Tem de ficar bem claro o debate que fizemos na parte da manhã, o qual queremos traduzir em lei no Estado do Rio Grande do Sul.

O quarto item diz: que adotem sistemas de prestação de contas. Isso é fundamental. Hoje se fala muito no terceiro setor, o balanço social. São fundamentais o balanço e a prestação de contas. Se não sei quanto dinheiro sobra, quanto é reinvestido, por onde andam as coisas, o empreendimento não é solidário. O quinto item diz: cujos sócios sejam seus trabalhadores, produtores, usuários ou gestores; seguido pelo sexto item: cuja participação de trabalhadores não-associados seja limitada a 10%. Esse

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foi um debate importante. Estou dizendo isso aqui porque alguém poderia perguntar: mas por que 10%? Temos de arbitrar algum índice, porque pode haver pessoas que não são diretamente ligadas ao setor que estariam em um empreendimento. Foi arbitrado esse índice, sendo uma questão de criar uma argumentação razoável sobre esse aspecto.

Diz o sétimo item: cuja maior remuneração, com base no trabalho, não seja superior a seis vezes a menor remuneração. Esse também foi um debate muito importante. Passamos horas conversando sobre isso, porque a política de salários, do maior e o menor salário, da aproximação de salários, de vincular o maior com o menor salário, é debatida pelo movimento social, e essa é uma tentativa de incorporar esse debate aqui.

O capítulo III, Dos Objetivos e Instrumentos, art. 4º, trata dos instrumentos da política estadual, e aqui vamos fazer um resumo do todo.

O item I cita a educação, formação e capacitação técnica para cooperação e autogestão. Isso é a ideologia mesmo. Hoje pela manhã alguém falou que nossas cabeças, na educação, no ensino, não foram preparadas para esse conceito social.

O item II cita a assessoria técnica para elaboração de projetos econômicos. Uma comunidade no interior, por exemplo, quer organizar uma associação, quer fazer um projeto, mas não tem técnicos; não é uma grande empresa, com toda uma logística, com técnicos contratados. Não, estamos tratando de economia solidária. Então o Estado, nesse aspecto, poderia entrar.

Algo semelhante foi feito na Sedai, Secretaria de Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais, que tinha uma logística, mas só para a grande empresa – que ainda usava o aspecto pago pelo ente público, o que é um absurdo. Assim, para a grande empresa tinha assessoria, mas não para os pequenos. Esse processo foi invertido e foi

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criado o programa de assessoramento para elaboração de projetos.

O item III fala do apoio à promoção comercial. No momento em que produz, vai estar incluído no mercado, precisando de logística, de estudo.

O item IV fala do apoio à pesquisa, à inovação, desenvolvimento e transferência de tecnologias apropriadas aos empreendimentos. A lógica dos centros de pesquisa é para quem? É tirar do Estado, e quando ficam no Estado ainda são conveniados com empresas de altíssima tecnologia, que usam as empresas públicas para fazerem pesquisas para si próprias. Estamos propondo exatamente o inverso: colocar a pesquisa pública para inovações e avanços tecnológicos de que essa área precisa efetivamente.

O item V trata de incubação e apoio técnico para criação de novas cooperativas e empresas de autogestão. O item VI trata de apoio técnico e financeiro à recuperação e à reativação de empresas por trabalhadores. Esse tema apareceu fortemente hoje pela manhã. Sobre isso, sempre faço uma observação. Quando falávamos em economia popular solidária, houve um período em que só pensávamos em massa falida, porque eram as que passavam a ser de autogestão. Ressalto que estamos tratando desses casos, mas não apenas desses; tratamos de um processo muito maior. De qualquer forma, para essas precisa haver um estímulo muito especial.

O item VII fala do apoio jurídico e institucional à constituição de cooperativas e empresas de autogestão. Todos conhecemos as dificuldades, inclusive burocráticas e formais, que existem para isso. Dependendo de onde a pessoa está, se não recebe um acompanhamento, nem tem como chegar e fazer seus registros, seus cadastros e procurar os órgãos necessários.

O item VIII trata de financiamento, incentivos e fomento a investimentos e à constituição de patrimônio. O item IX trata da

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disponibilização de linhas de crédito. Vejam bem que podemos trabalhar orçamentariamente, porque vai haver um amparo legal. Não que hoje não haja um amparo. Se um governo quer colocar recursos em uma área, pode fazer como estamos fazendo e como fizemos. Mas, nesse caso, estaríamos formalmente dentro do projeto, com aprovação constitucional para poder fazê-lo.

O item X trata de cedência, sob a forma de comodato, de máquinas, equipamentos e acessórios integrantes do patrimônio do Estado.

O capítulo IV é o Dos Integrantes do Sistema Estadual de Fomento. Aí temos todas as entidades que irão participar. Fazemos o registro de entidades de apoio, outras entidades públicas e privadas sem fim lucrativo que possam também participar.

Hoje, pela manhã, o Collares, parece-me, levantou a primeira questão, de que o Conselho do Cooperativismo Estadual só tem a representação formal de secretarias e órgãos do Estado e a representação do sistema oficial da OCERGS. Não tem representações de setores da economia popular solidária e outros. A idéia é de que, aqui, esses obviamente participam.

O capítulo V é o Dos Registros. É a questão formal. Teria seu registro no Estado.

O capítulo VI é o Do Fomento ao Desenvolvimento da Economia Popular Solidária. Os empreendimentos da economia popular solidária terão prioridade e critérios diferenciados para obtenção de incentivos e investimentos. Essa é a idéia de haver uma política específica, com critérios diferenciados.

Já foi citado hoje pela manhã o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf –, que fez com que os

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pequenos agricultores voltassem a pisar no banco. Muitos não iam mais ao banco. Se não fosse o juro, por exemplo, de 4% em uma modalidade, e com rebate, os agricultores não poderiam tomar o dinheiro. Não podem pegar o crédito normal de 8,75%, por exemplo. Isso foi viabilizado porque há um programa específico. Por isso a idéia de constituir um programa específico de financiamento.

O último capítulo é o VII, Do Conselho Estadual da Economia Popular Solidária. Teria o seu conselho democrático.

É isso. Não tenho mais comentários a fazer, pois está escrito aqui o que efetivamente queremos, e com uma clareza muito grande.

O projeto de lei que trata da economia solidária está na Comissão de Constituição e Justiça. Segundo me informa a assessoria, o deputado Vilson Covatti é o relator. Vamos proceder a conversações sobre isso a fim de tê-lo como parceiro nesse processo. O importante é que tenhamos os trâmites na Casa, na Comissão de Constituição e Justiça, sabermos os nomes dos colegas, para fazermos um movimento político pela aprovação do projeto.

Quero encerrar repetindo que fui procurado para fazer isso e muito me interessou trabalhar na área. Esse material está na sua segunda edição, porque no ano passado não conseguimos levar o projeto à votação. Sendo assim, o Regimento Interno manda arquivar a matéria no final do ano, e tivemos de reapresentá-la neste ano.

Se alguém perguntasse sobre meu desejo a respeito de quando irá à votação o projeto, responderia que, pessoalmente, penso que devemos fazer um debate muito rico ainda. Todos estão fazendo isso, ninguém está inventando. Isso é um processo; o que estamos fazendo é para fazer parte desse processo, e não devemos ter pressa de votar o projeto, pois queremos que venha consubstanciado com um debate. E o projeto nos oportuniza o debate.

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Penso que devemos, no primeiro semestre, ir a todos os cantos e recantos deste Rio Grande. No segundo semestre, combinadamente, que possamos trabalhar, pedindo, nos trâmites da Casa, urgência de votação ou habilidade no momento próprio para levá-lo à votação. Esse é o meu desejo.

Estamos produzindo um material que gostaríamos de distribuir no final dos trabalhos, um tipo de abaixo-assinado de referência ao projeto. Por que isso é importante metodologicamente? Lembro da Constituição de 1988, quando não tinha culto, não tinha reza de padre ou pastor, reunião de sindicato ou movimento em que não recolhíamos abaixo- assinados para a Constituição. Lembram daquele processo? Todo mundo participou. Aquilo foi bom, foi pedagógico, foi importante, pois incluímos muitos pontos por causa da pressão popular.

Assim, se houver concordância, no final do dia encaminharemos o assunto para que façamos em todos os locais o recolhimento de assinaturas, o que reforçará o projeto aqui na Casa.

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Obrigada, Deputado Elvino Bohn Gass.

Está com a palavra o Lauri Weber, representante da ADS/CUT – Unisol.

O SR. LAURI WEBER – Boa-tarde a todas e a todos os presentes. Quero cumprimentar o deputado Elvino Bohn Gass, e, na sua pessoa, todos os componentes da mesa.

Quando falamos em economia solidária, em autogestão e desenvolvimento de empreendimentos, temos de buscar no conjunto um

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pouco da história, de onde vem e por que surge.

A economia solidária, a forma de organização dos trabalhadores já vem de muitos e muitos anos. Uma das primeiras que buscamos enquanto experiência revolucionária é a comuna de Paris, de 1871. Desde então, as pessoas vêm-se envolvendo em torno de uma forma de organização e a vêm aperfeiçoando.

Estamos agora em um debate sobre o fato de que, até agora, o Rio Grande do Sul não tenha uma legislação aprovada pela Assembléia Legislativa. Tivemos um decreto-lei aprovado em 2001, se não me engano, no governo Olívio Dutra, que regra um pouco a questão da economia solidária. Temos de avançar quanto à legislação, que é um tema importante.

É fundamental que neste debate, enquanto empreendimentos, comecemos a olhar de que forma, de que maneira desenvolvemos a autogestão em sua prática, no dia-a-dia.

Muitas vezes, constituídos os empreendimentos, encontramos muitas deficiências, como o professor Rodrigues colocou muito bem, no seu processo de construção. Leva cinco anos para se fazer uma inovação tecnológica, mas muitas vezes o empreendimento acaba falindo em menos de cinco anos. Isso acontece por não existir uma legislação que o proteja de muitas questões. Posteriormente poderemos citar as maiores deficiências no contexto da organização dos trabalhadores.

Quando debatemos o assunto, uma das questões importantes diz respeito à autogestão – em que me vou deter mais detalhadamente dentro do tema dos empreendimentos. Em primeiro lugar, e nós que trabalhamos com empreendimentos observamos que não se dá no dia-a-dia, na prática cotidiana, há a questão do acesso às informações. As pessoas têm de ter informações sobre o que circula dentro do empreendimento, sobre o que está acontecendo dentro dele. Muitas vezes o presidente julga que é o

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cabeça, que manda e faz, seguindo os outros atrás. Assim, precisamos democratizar as informações. Todos têm de saber. Sejam grandes ou pequenos empreendimentos, todos têm de estar cientes do que está acontecendo no conjunto, para que juntos possam buscar soluções para os problemas.

Quando isso é feito, automaticamente se está fazendo uma consulta aos trabalhadores. Muitas vezes se estabelecem regras de que deve haver três assembléias, por exemplo, dentro dos estatutos. Mas quem mede a participação democrática na assembléia de um empreendimento ou cooperativa? Como é feita a aferição do que está acontecendo? Uma assembléia pode ser autoritária ao extremo, mas é uma assembléia e não pode ser contestada. A forma como ela é conduzida é um dos aspectos que temos de começar a debater. Quando estabelecemos legislações, também temos de estabelecer patamares, limites acerca de como desenvolvermos a questão da autogestão dentro do empreendimento e de como medirmos a forma pela qual podemos ter um empreendimento autogestionário. Porque podemos ter cooperativas e a empresa ser literalmente presa.

O professor Huberlan Rodrigues fez referência a uma cooperativa de Joinvile, Santa Catarina. Eu a conheci; trata-se de uma experiência que não quero viver. Lá não existe democracia. O que há é uma imposição: Tem de ser assim. Quem não quer sai, porque aqui vamos trabalhar o socialismo. Quando fomos lá discutir, eles foram categóricos: Não queremos a discussão que vocês fazem. Já veio muita gente aqui querer propor. Nós soubemos como administrar.

Dentro do princípio da democracia, da participação, deve haver regras e formas de como desenvolver e medir isso. Hoje entendemos que uma empresa pode ser autogestionária – não precisa se tratar de cooperativa, pode ser empresa. E como será a participação nos resultados, nos investimentos? O patrão pode chegar e dizer: A partir de hoje a empresa pode ser autogestionária. Vamos estabelecer as regras.

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E o que se vai fazer? Assumir a empresa como autogestionária ou dizer que não dá para assumir a empresa?

Alguns chamam a economia solidária de terceiro setor, outros dizem que o governo tem de pensar para a economia solidária uma política compensatória, não uma política estratégica. No governo Olívio, entendíamos a economia solidária como uma política estratégica. Neste governo do Estado, não temos nem uma política compensatória, não há uma política de incentivo à questão da economia solidária. Há um atraso. Aliás, nem querem ouvir falar nisso. Logo que assumiram o governo diziam: Vocês usam o termo economia solidária. Nós não queremos chamar de economia solidária, queremos chamar de desenvolvimento sustentável, de desenvolvimento local, algo assim, mas não de economia solidária. Isso é algo que vocês inventaram, nós vamos criar um novo nome, um novo norte.

Esses temas devem ser mais discutidos no Brasil. Penso que precisamos avançar na questão dos empreendimentos, na forma como eles estão se constituindo. Nas décadas de 70 e de 80, os empreendimentos surgiam a partir das empresas falidas. Aqui temos o Joãozinho da CTMC, uma cooperativa da qual, a partir da sua falência, os trabalhadores tomaram conta, e hoje ela é dos trabalhadores. Eles compraram a massa falida.

Podemos pegar outro exemplo de outra cooperativa que é dos trabalhadores, mas não são eles que a administram, e sim os interventores. Mas é uma cooperativa a partir de uma massa falida. Então, como trabalhar isso? Como mencionou anteriormente o professor, temos de começar a regrar os tipos de cooperativa. É o que existe na Espanha. Para quê? Para que possam surgir diversas cooperativas. Quando falamos em cooperativismo, temos que saber de que setor estamos tratando.

Podemos estar falando, por exemplo, nas duas formas de

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cooperativa de crédito existentes do Rio Grande do Sul. Temos a Cresol, com participação direta dos trabalhadores, e o Sicredi, que nada mais é do que um banco com status de cooperativa. Em qual legislação ele se norteia?

Temos que definir em legislação como se operam as questões das cooperativas, dos empreendimentos de economia solidária. Dentro do chamado crescimento dos negócios cada vez surgem mais empreendimentos, cada vez o setor é mais importante. E não se trata de um setor com uma política compensatória, no nosso entendimento, trata- se, sim, de um setor estratégico para o desenvolvimento do País.

Há algum tempo, a prefeitura de Porto Alegre trouxe um pessoal de uma região da Itália que nos disse que aquele país se desenvolve onde existem pequenas empresas e não onde existe uma grande empresa. Isso ocorreu no governo Olívio, logo depois que a Ford foi embora. Para eles, estrategicamente o governo estava certo: manda embora uma grande empresa e potencializa uma política pulverizada dos recursos para pequenas empresas, porque são estas que dão sustentação ao mercado de trabalho. A grande empresa, amanhã ou depois, não servindo mais os incentivos fiscais, vai embora. A pequena empresa, na maioria das vezes de cunho familiar, se estabelece e é muito difícil ir embora porque tem um relação laço familiar.

Hoje a economia solidária tem essa caracterização. Instala-se lá no bairro, na comunidade do interior onde se constituem os grupos. E para quê? Para permanecer. E não temos uma política pública financeira para desenvolver tais ações. Precisamos de uma legislação que permita a constituição de uma cooperativa sem tanta burocracia. Para se ter uma cooperativa são necessários 20 trabalhadores e não se pode ter o nome na Serasa, no SPC, etc. – a legislação a cumprir é vasta. Mas quantos trabalhadores gostariam de estar numa cooperativa, numa associação legalizada, e poderiam estar contribuindo na questão de impostos?

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Precisamos avançar na legislação, avançar na democracia interna dos grupos, e aí ter uma participação importante das próprias entidades que prestam assessoramento. As universidades têm o papel fundamental de fazer o acompanhamento, de aferir a evolução tecnológica.

Nós conseguimos estabelecer uma parceria entre a Agência, a UFRGS e a Geralcoop, um dos empreendimentos vinculados ao trabalho, e hoje estamos desenvolvendo uma nova tecnologia para os aquecedores a gás. Os equipamentos eram importados, hoje estamos tentando desenvolvê-los aqui, porque são simples.

Assim, uma parceria possibilita mais retorno para os trabalhadores, pois ocorre uma inovação tecnológica. O poder público como um todo possui papel fundamental na questão dos empreendimentos.

Outro aspecto importante é o das entidades de assessoria, das ONGs. Quando se vai ao interior é comum ouvir o seguinte: Mais uma entidade que vem prestar assessoria, e quando termina o projeto vai embora.

Isto é uma das coisas para as quais devemos atentar: pensar além do recurso que recebemos, pensar como vamos acompanhar o empreendimento para que ele não caia no vazio e não acabe fechando. Esse é um desafio; com base na legislação, temos de ver como conduzir isso. Do contrário, muitos empreendimentos nascem e, ao terminar o período de assessoria, dois meses depois, se não tiverem outro assessoramento, acabam fechando. Por quê? Porque ainda precisamos romper uma cultura, a de que temos de ter um patrão. Temos de ter, sim, uma sociedade organizada em que todos tenham fonte de trabalho e para a construção daquilo que queremos: uma sociedade mais justa e mais igualitária, com garantia de salário e remuneração para todos no final do mês, quando precisamos pagar a água e a luz.

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Muitas vezes, fazemos um discurso bonito, e quando chega no final do mês os trabalhadores não têm condições de pagar nem a água, nem a luz, nem o transporte. E o que adiantou nosso discurso, ele valeu a pena? Não. Temos de pensar nas duas coisas; temos de fazer o discurso e temos de fazer a prática. E como fazê-la? Buscando alternativa para que os trabalhadores se insiram no mercado. E aí é preciso aprender a disputar o mercado. Não podemos ir timidamente a uma ferinha, é necessário buscar a amplitude.

Dentro desse conjunto, a facilidade ao crédito também é importante. Quando vamos buscar um crédito para qualquer cooperativa, a primeira coisa que exigem são todas as negativas. Não pode haver nada pendurado. Se você tiver todas as negativas aí nós vamos olhar o projeto, depois vamos pensar se vamos aprová-lo. Por outro lado, as grandes empresas não precisam nem de negativas, de nada. Ah, não podem falir, não podem fechar postos de trabalho, nós temos que dar dinheiro.

Temos de começar a mostrar que é preciso investir nos empreendimentos da economia solidária, nos empreendimentos da autogestão, no cooperativismo. (palmas)

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Obrigada, Lauri Weber.

Está com a palavra Edson Pilatti, representante da Anteag.

O SR. EDSON PILATTI – Boa-tarde a todos e a todas.

Cumprimento a Iara Aragonez, a professora Rosinha Machado Carrion, o companheiro Huberlan Rodrigues – estivemos juntos nessa pesquisa realizada nas empresas do Rio Grande do Sul –, o companheiro Lauri Weber. À irmã Lourdes um abraço especial, pessoa que representa

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hoje uma das principais experiências da luta dos trabalhadores para encontrar uma alternativa à crise e sobreviver, o que não é fácil.

A Anteag, Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão – tenho em mãos alguns prospectos, e, se algumas pessoas tiverem interesse, poderão examiná-los –, existe no Brasil desde 1994, a partir da experiência de um grupo de pessoas em Franca, São Paulo, junto à empresa de calçados Makerly, que foi à falência.

De forma inovadora e inclusive diferenciada do processo que hoje consolidamos de abordagem dessas situações pré-falimentares, no caso da Makerly o sindicato atuou em parceria. Essa foi uma primeira tentativa de ter contato com esse tipo de ação dos trabalhadores junto a um processo pré-falimentar de uma empresa. Através da organização sindical, da organização dos trabalhadores, se pretendia que os postos de trabalho não fossem extintos e, dessa forma, fossem mantidos a renda, a ocupação e o trabalho dessas pessoas. E assim se queria enfrentar uma crise principalmente inovando, criando uma nova metodologia de organização do trabalho popular naquilo que sempre foi um desafio dentro da cultura de trabalho até hoje existente: o rompimento do modelo de relação de trabalho em que o trabalhador é apenas ensinado a obedecer, a ter uma tarefa na empresa.

Ali, naquele momento, estávamos aceitando o desafio de inovar, de buscar numa outra forma de trabalho, num trabalho coletivo, na autogestão, a gestão e o gerenciamento de uma empresa dentro do mercado capitalista; mercado esse em que se encontra muita dificuldade para a consolidação dessas empresas. Esse processo histórico da constituição da Anteag – de 1994 – se expandiu em seguida para Cooperminas, antiga CBCA, empresa carbonífera de Criciúma. Hoje, o presidente da Anteag, Sr. Ivan, é da Cooperminas.

A Cooperminas, literalmente, foi uma batalha campal. Tivemos

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um enfrentamento com a polícia de choque, a população de Criciúma, mais de 3 mil pessoas, foi às ruas enfrentar a polícia de choque. Foi ocupada a mina e falida de uma forma fraudulenta, porque não havia mais interesse das empresas carboníferas que aquela empresa, a CBCA, continuasse existindo. Então, era um jogo armado para fazer a falência daquela empresa, ocorrendo um golpe em todos os direitos dos trabalhadores, no FGTS e nos outros direitos que estavam em atraso. Os trabalhadores e a população se uniram, com apoio do sindicato dos mineiros, e ocuparam a fábrica, e hoje já faz mais de 14 anos que houve a luta. A Cooperminas virou cooperativa depois disso.

A Cooperminas é a empresa que preside essa entidade de representação das empresas e dos trabalhadores, que é a Anteag.

A experiência de ter vivido a luta dos trabalhadores na resistência da perda do posto de trabalho no Brasil começa a dar uma característica a um trabalho que desenvolve um processo metodológico de como temos de olhar para alguns processos de crise de capital com atenção especial.

Não podemos continuar observando situações de falência ou de pré-falência das empresas, percebendo que essas empresas estão sendo mal geridas, mal conduzidas até mesmo por interesses outros de empresas familiares, quando os filhos não têm interesse pelas empresas. São golpes, fraudes claras que os trabalhadores muitas vezes acabam percebendo, mas ficam sem saber o que fazer. Não têm iniciativa, cultura de organização dos trabalhadores para que essa situação seja revertida e possam continuar com aquela organização produtiva, com aquele parque fabril em atividade.

Essa metodologia de como operar a organização a partir de situações como essa é que a Anteag traz como elemento fundamental para contribuir no processo da organização da economia popular solidária. Há um período menor do que isso. A economia popular solidária, com esse termo conceitualmente construído depois de muito debate e de muitos

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anos, se deu a partir de um amadurecimento de muitas relações que, em alguns lugares, chamavam de programa de geração de trabalho e renda, de iniciativas de grupos populares. Ou seja, várias terminologias foram amadurecendo até chegarmos a um programa de economia popular solidária aqui no Rio Grande do Sul, no governo Olívio Dutra. Antes disso, foi feito um seminário com 17 prefeituras, no qual se procurou conceituar de uma única forma essas ações de políticas públicas e de organização dos trabalhadores.

A economia solidária tem menos de 10 anos no Brasil. Podemos perceber hoje que, de fato, temos as nossas instituições. Os 500 anos da República brasileira constituiu uma estrutura de Estado e uma estrutura do sistema financeiro patrimonialista e clientelista. Patrimonialista é a forma como hoje alguns que estão nos governos continuam agindo. Donos do capital ocupam o Estado para transferir recursos desse Estado para o seu capital. Não é à toa que uma Randon hoje tem 400 milhões de reais de isenção fiscal. Sessenta empresas no Rio Grande do Sul tiveram o Fundopem turbinado, que significa mais de 1 bilhão da arrecadação deste Estado.

Aí falta dinheiro para pagar professor e funcionários, para dar aumento para brigadiano. Essa forma de ocupar o Estado para defender seus interesses é um modelo de Estado brasileiro, e as organizações financeiras, como o BNDES, também são estruturadas nesse modelo.

Há pouco mais de 10 anos estamos mudando isso. A partir da inserção dos trabalhadores no Estado brasileiro, estamos tentando criar mecanismos de reversão de uma lógica construída há mais de 500 anos. Não é de um dia para o outro, não é em um, dois ou três governos federais que vamos alterar uma lógica, que foi muito bem exposta pelo representante da Geralcoop hoje de manhã.

Queremos respostas, mas precisamos construir o caminho dessas respostas. Precisamos ser propositivos. Precisamos desenvolver

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metodologias que possam estar por dentro dessas estruturas que estamos ocupando e inverter a lógica patrimonialista e clientelista da burguesia brasileira na ocupação do Estado brasileiro.

Essas experiências metodológicas trouxeram alguma contribuição para a economia solidária. Existem muitas outras contribuições: a organização do consumo solidário, das feiras populares. Outras vertentes são muito importantes para compor um conjunto de fatores. Pode-se dizer que hoje há uma cultura que está sendo mais disseminada para o conjunto de organismos públicos e para as organizações dos trabalhadores.

Os processos de desenvolvimento dessa metodologia, como o olhar para empresas em crise, têm dois elementos fundamentais: a formação e a incubação.

O processo de formação é primordial. Encontramos normalmente empresas em que há, primeiro, dificuldade de ter lideranças nesse processo, medo muito grande de pôr o nome, ficar sujo e não conseguir mais emprego. Então, há um receio muito grande dos trabalhadores de se envolverem numa luta, de assumirem a frente no processo de encampar uma fábrica.

Tivemos lideranças sindicais, como o Joãozinho, que é um líder sindical de Canoas, e não só ele, evidentemente há outros companheiros de fábrica. A CTMC não seria uma realidade hoje se não tivéssemos essas lideranças. Em muitos processos em outras empresas não tivemos essas lideranças e ele não prosperou. Éramos nós, as entidades de apoio, e os governos com as políticas públicas tentando fomentar, mas não tínhamos lá os agentes que poderiam dar continuidade a esse processo.

Essa cultura de ser empregado permanece dentro dos empreendimentos. Muitos dizem que antes eram explorados pelo Fulano e agora são explorados pelo Sicrano; agora é a direção da cooperativa que está sugando seu sangue, pois a sua tarefa é soldar, colar sapato, cortar

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cana, cuidar das vacas. Ou seja, a sua tarefa é essa e quer o seu salário no final do mês. Essa cultura de só fazer a sua tarefa específica – cultura fordista – precisa ser rompida. Precisamos criar uma nova cultura de trabalho coletivo.

O toyotismo rompeu um pouco com esse paradigma fordista, mas temos muito que avançar ainda nesse campo.

Não estamos propondo, aqui, um modelo toyotista de organização do trabalho. O processo de organização do trabalho que estamos reinventando passa por uma mudança de valores e por uma mudança da cultura das relações sociais que foram estabelecidas neste País e que têm, por incrível que pareça, o seletismo como um grande vilão porque os direitos sociais da CLT não se encontram dentro do aspecto cooperativo nem associativo ou muito menos das empresas que não são cooperativas ou associações.

Essas empresas podem ser de quadros de participação limitada, como é o caso da Bruscor, uma empresa de cordas localizada em Brusque. Ela é uma empresa por quotas de participação limitada coletiva, onde ninguém possui mais quotas do que o outro. Então, esse é um outro modelo que não é necessariamente cooperativismo ou associativismo que envolva economia solidária. Temos experiências de muitas empresas que não são cooperativas. Hoje, pela manhã, um colega falou que existe uma desse tipo aqui em Porto Alegre.

Essa relação de trabalho estabelecida, essa cultura seletista, influencia sobre essa visão de eu quero os meus direitos, eu faço a minha tarefa e, no fim do mês, eu quero o meu salário. Muito certo, mas a empresa, no seu início, pode não obter um faturamento que dê lucro para serem feitas retiradas, porém as pessoas não querem saber, desejam a sua parte. Não existe essa consciência coletiva de que, às vezes, é preciso sacrificar um ou dois meses, porque eu estou fazendo para mim, pois isso aqui é de todos, mas também é meu.

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Então, agir sobre essa cultura, formando uma nova cultura do trabalho, é o principal desafio que a Anteag encontra na formação dos seus empreendimentos.

Fizemos um curso aqui na empresa, em Canoas, no qual percebemos que o principal resultado de todas as dificuldades dos processos internos era a comunicação, não pelo fluxo de memorandos ou de busca de materiais, mas pela falta de diálogo permanente dentro da empresa para além dos fóruns da assembléia.

Nós sabemos de experiências que estão avançando muito em processos permanentes de diálogo, por setor, por exemplo. Há diversos mecanismos internos de funcionamento dessas empresas que nos levam a perceber que estamos criando novas formas de gerenciar esse empreendimento, de tomada de decisões, o que não é nem um pouco fácil, porque os conflitos existem. As pessoas esperam muito, e a expectativa acaba não se concretizando, porque elas querem uma coisa a que esses empreendimentos não se propõem, o que acaba por gerar conflitos que criarão um ambiente que impedirá o próprio funcionamento desse empreendimento.

Portanto, para romper essa cultura, formando essas cabeças para que pensem não de forma tão cartesiana, não tão compartimentalizada, não tão setorizada, não tão em cima da própria tarefa, mas para que reflitam sobre o todo do empreendimento, é preciso que, num primeiro momento, os trabalhadores entendam o que é uma empresa, que nela não é só aquele processo, mas que constitui todo um conjunto de relações sociais, políticas e humanas, e que eles precisam viver aquela experiência como sua, entendendo a empresa como um todo.

Então, essa inter-relacionalidade desses conhecimentos precisa estar dando conta de um processo de formação que é muito além da formação dada hoje pelo sistema S, por exemplo. Temos a formação do

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Senai, do Senac, etc., que forma o peão de fábrica, o trabalhador especializado.

Concordo com tudo o que foi dito sobre a defasagem tecnológica do parque fabril. Precisamos de uma reconversão tecnológica tanto do processo fabril, da fábrica em si, da estrutura, dos equipamentos, mas também do conhecimento do trabalhador naquilo que é tradicional, naquilo que é o sistema S da conta. Precisamos pôr o torno CNC, injetoras, enfim, precisamos de um outro processo mais moderno para acompanhar os avanços. Mas não adianta apenas formarmos um operador de torno CNC, não se trata mais somente disso. Hoje, precisamos, sim, formar uma trabalhador especializado, do ponto de vista tecnológico, que precisa ser muito mais especializado, porque ele precisa ter conhecimento integral do processo em que ele está vivendo.

Para encerrar, fizemos, no ano passado, o PNQ –Programa Nacional de Qualificação – o Proesqs – projetos especiais do Ministério do Trabalho – aprofundando a metodologia de gestão desses empreendimentos.

Eu citei apenas os processos mais industriais, mas buscamos também os processos populares, na organização de grupos populares, que não vieram de massa falida, mas como o nosso metiê é mais nessa área, então, me centrei mais nisso, até porque é o que dá dentro desse tempo.

O PNQ de 2003 já está pronto, temos o livro que está circulando, e 2004 está saindo agora, podendo ser consultado no site da Anteag. Nesse prospecto, há o site da Anteag, onde poderá ser feita essa consulta, poderá ser solicitado o livro ou o CD-room, em que estamos aprofundando temas como esse da gestão, do gerenciamento, da organização interna desses processos produtivos, para que se tornem mais eficientes, mais viáveis economicamente a fim de construir efetivamente essa economia que é popular e que é solidária, buscando uma planificação a longo prazo, mas sabendo que temos pela frente muito tempo de

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maturação, porque o desafio não é só botar dinheiro nesses empreendimentos. Muitas vezes, estamos colocando dinheiro para as pessoas se enterrarem, se elas não souberem gerenciar bem esse recurso que estão recebendo. É uma armadilha. Então, temos que qualificar o nosso processo de trabalho. Muito obrigado. (palmas)

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Agradeço ao Pilatti e peço desculpas pelo terrorismo que pratiquei com ele com relação ao tempo.

Passo a palavra à professora Rosinha Machado Carrion.

A SRA. ROSINHA MACHADO CARRION – Boa-tarde a todos, deputado Elvino Bohn Gass, companheiros de Mesa:

Inicialmente, queria agradecer a oportunidade de estar aqui e tenho bem claro – vou partilhar com vocês um pouco daquilo que temos feito – que o tempo é curto e é muito importante agilidade num debate como esse.

Falar após tantas apresentações é muita responsabilidade. Queria parabenizar o professor Huberlan Rodrigues, coordenador desse belo projeto Programa de Pesquisa das Senais, que está sendo realizado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, um belíssimo trabalho que demonstra – e concordo com o senhor – a fundamentalidade de construção de um marco conceitual, de uma compreensão do que é a economia solidária que, como o companheiro Huberlan Rodrigues destacou, é o ponto fundamental para que se possa pensar numa legislação. Em primeiro lugar, temos que ter a compreensão do que é a economia solidária, para que possamos em seguida tentar regulamentá-la.

É evidente a importância do projeto do deputado Elvino Bohn

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Gass. E o que chama a atenção é o processo democrático de construção desse projeto de lei que, realmente, é destacável, pois dessa forma será conseguida uma proposta mais representativa das necessidades e contemplando as diferentes situações e – como ele tão bem colocou – os tratamentos que também devem ser diferenciados.

Em seguida, tivemos a fala de Lauri Weber que trouxe tão bem o exemplo da nova Itália e inclusive resgatando o pensamento do Putnam, um sociólogo que durante 20 anos tentou compreender a relação entre comunidades e o desenvolvimento para chegar à conclusão de que, no caso do sucesso que houve, sobretudo naquela região da Itália romana dos pequenos empreendimentos, não era uma alguma coisa que vinha do econômico para o social, mas, pelo contrário, que o que possibilitara aquele extraordinário crescimento naquela região específica – e isso se verifica também em outros locais – era a existência, na base das pessoas que habitavam aquele espaço e que se constituíam em contra- empreendedores, de laços de confiança e de laços de cooperação. Era exatamente a cidadania, o que eles chamam de espírito de comunidade cívica, a base para um processo de desenvolvimento, o que nos remete àquilo que o colega Pilatti destacou aqui que é a necessidade de formação de uma cultura solidária, resgatando a história da economia popular solidária, chamando a atenção para o processo de constituição de um campo específico a partir do momento em que não teria ainda 10 anos em que essas múltiplas iniciativas, programas, projetos de geração de trabalho e renda, organização de pequenos empreendimentos e outras experiências ocorriam sem articulação, lembrando ainda a importância que elas assumem quando começam a ser tratadas como um todo. Por isso, até hoje, se procura conceituar o que elas são, porque a realidade é profundamente híbrida.

Feita essa consolidação do que foi trazido aqui – e que foi uma solicitação feita pela Mesa também –, gostaria de dizer quem sou eu: sou professora da UFRGS, coordeno a formação em gestão social, mas, sobretudo, sou também uma pesquisadora do Conselho Nacional de

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Desenvolvimento Científico e Tecnológico e coordeno, para o Brasil, uma pesquisa que se chama Produção de riqueza em contexto de precariedade. Como é que nós produzimos quando não temos as situações ideais para a produção? Nós pesquisamos junto com o Canadá; na África, são nossos parceiros centros de pesquisas e universidades de Burkina Faso, Senegal, Togo e Mali.

Por que fomos pesquisar economia popular e solidária? Porque se, a partir da compreensão de que vivemos em um país onde cerca de 60% da população economicamente ativa, portanto, pessoas em condições de trabalho, não consegue ser absorvida pelo mercado formal, isso aponta para a necessidade de termos uma forma de produção econômica que consiga assegurar trabalho e renda para o conjunto da população. E melhor ainda: se essa forma de assegurar trabalho e rendimento para uma parcela tão significativa da população for calcada em princípios e valores da solidariedade, da autogestão, da partilha eqüitativa do excedente produzido.

Então, o primeiro ponto: a proposta da economia solidária é uma proposta eticamente louvável? Sim, nos parece que é não apenas eticamente louvável como absolutamente fundamental. A partir daí, ela se impõe como objeto de estudo ético e que, portanto, vale a pena pesquisar.

Quero colocar para vocês que onde pesquisamos economia solidária não é no meio rural. O foco do nosso evento de hoje está mais voltado – até pela tradição do deputado Elvino Bohn Gass, sei que posso colocar assim, de profundo conhecedor da realidade rural – para o trabalho da realidade da economia socialista solidária no meio urbano e, sobretudo, em metrópoles. Com essa pesquisa a que me referi estamos tentando entender a dinâmica da economia popular solidária. Ela está sendo realizada em três metrópoles: Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte.

Outra questão: como iremos medir e avaliar os desafios, as

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potencialidades e os limites que se colocam para esse conjunto de empreendimentos tão díspares e que, reunidos, chamamos de economia popular solidária?

Pensamos o seguinte: a empresa privada pode avaliar se está dando certo, ou não, pelo lucro. O nosso critério certamente não é o lucro, mas devemos ter algum paradigma, algo com que possamos avaliar se nos estamos aproximando da nossa meta, que é a de termos cidadãos inseridos no mercado, trabalhando de forma digna e sobretudo com um controle da sua vida e do seu trabalho. Que paradigma será este? Inserimos a nossa reflexão sobre economia solidária no paradigma do desenvolvimento local.

Por quê? No desenvolvimento local a prioridade é o desenvolvimento humano. Em seguida vem a questão da governança democrática. Quando se fala em governança democrática se pensa em políticas públicas, em se reconhecer o fundamento da sua existência, e não apenas em nível discursivo. Pensamos em estruturas que assegurem que essa política pública saia do nível da palavra e realmente ocorra enquanto prática social.

Um exemplo disso é o Orçamento Participativo, conforme foi implantado durante 14 anos, com a gestão do Partido dos Trabalhadores, na prefeitura de Porto Alegre. O que era o Orçamento Participativo, senão uma metodologia, um jeito de se assegurar que um discurso sobre a importância da participação da população na gestão da cidade se efetivasse?

É uma estrutura. Então, não basta termos uma política pública em nível de falatório; temos que ter mecanismos que vão assegurar que essa política efetivamente vai ocorrer.

Quando se pensa na concepção efetiva de desenvolvimento local, temos, num primeiro momento, o foco no humano – e não na

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remuneração, no capital; num segundo momento, políticas públicas acompanhadas de estruturas que permitam que aquilo que foi dito conforme a política realmente ocorra; e, num terceiro momento, profunda participação da sociedade civil na gestão da localidade. E o local, sem dúvida nenhuma, remete a um espaço geográfico, mas dentro dele está implícita a questão da participação. É claro que se trata de local, mas não podemos perder a perspectiva do global.

Quando pensamos sobre a economia popular solidária para uma região específica, rural ou urbana, para o Estado e para o País, não podemos fazer isso dissociados de toda a questão da articulação da economia solidária enquanto movimento internacional, enquanto uma dinâmica internacional com regulações específicas.

A partir daí – expusemos o olhar a partir do qual procuramos entender a economia popular solidária –, incorporamos uma outra questão: vamos verificar para onde está indo toda essa dinâmica e se estão ocorrendo inovações, porque qualquer processo de desenvolvimento – pense eu em desenvolvimento de uma forma autoritária ou de uma forma democrática, com intensa participação popular – necessariamente vai requerer inovações.

Que inovações estão ocorrendo na economia, se estão ocorrendo, e quais são os limites e potencialidades que elas revelam? Gostaria de fazer um pequeno parêntese: a questão da economia solidária é tão importante que economistas sensíveis à questão social propõem inclusive que a economia social, essa dinâmica que estamos debatendo aqui, seja incorporada como um quarto pilar da ruptura do paradigma econômico diante do qual estamos vivendo.

Vivemos numa sociedade do conhecimento, ou seja, existe uma economia do conhecimento e, ao mesmo tempo, há um uso intensivo de tecnologias digitais, há novas formas organizacionais, como as redes e parcerias, e em nível do capital privado há a joint venture.

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Mas um quarto pilar para a ruptura do pensamento seria exatamente a impossibilidade de negar, a impossibilidade de deixar de reconhecer e a necessidade de criar, portanto, políticas específicas para essa forma de fazer econômica, que é tão específica, que tem na valorização do humano e na remuneração do trabalho – e não do capital – especificidades muito significativas.

Agora vou reportar-me especificamente aos nossos achados de pesquisa, ao fato de, dentro dessa pesquisa, tentar apreender as inovações de economia solidária.

Em primeiro lugar, quando fomos tentar entender a economia solidária, partimos do seguinte ponto: sou professora de uma escola de gestão, temos dois programas brasileiros de excelência, com qualidade internacional em gestão, e estou num deles, que é o programa de pós- graduação da UFRGS. É um programa de excelência.

Queríamos realmente pesquisar isso, mas com o mesmo rigor com que pesquisaríamos, digamos assim, o setor automotivo. Tratamos a questão com a mesma seriedade com que vínhamos tratando outros campos de conhecimento.

É claro que isso nos levou também à obrigatoriedade de criar tipologias. Criamos várias tipologias específicas de inovação para a economia solidária: inovações econômicas, inovações organizacionais, inovações em termos de gestão. Temos também uma tipologia para a questão da gestão, verificando o que está ocorrendo em termos de gestão, associando-se a gestão com a questão da remuneração, partilha descendente.

Definimos dois setores da economia solidária. Vamos tentar compreender a economia solidária em Porto Alegre, neste momento, com dois setores: o setor do reciclo e o das cooperativas autogestionárias de

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metalurgia.

Por que citamos esses dois setores? Porque há campos de pesquisa em que não apenas se pesquisa – é antiético –, de forma que, além de pesquisar, temos o compromisso social de contribuir para o desenvolvimento daquele campo. Se compreendemos que dentro de toda a perspectiva só existe desenvolvimento se vários atores sociais estiverem contribuindo para a formação de uma rede, vamos ver onde nossos parceiros históricos já estavam atuando, tentando contribuir para a sustentabilidade. Então, definimos esses dois setores, em Porto Alegre, neste momento.

O reciclo relaciona-se a um parceiro antigo nosso, que é o centro de atendimento multiprofissional. Todos o conhecem, onde inclusive nasce embrionariamente o movimento dos sem terra. Se ele está atuando nessa área, então vamos olhá-la, porque a nossa capacidade de trabalho é limitada.

Quanto às cooperativas autogestionárias, temos também uma tradição antiga de colaboração junto com a ADS. Se a ADS está somando esforços para a qualificação, vamos também pesquisar esses dois campos.

Já processamos os dados relativos às ações de reciclo e parcialmente os dados com relação às cooperativas de metalurgia. Esse projeto é apoiado, como os projetos fundamentais, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Dos 13 casos no setor de reciclo, nas associações, encontramos apenas dois casos de empresas solidárias puras, onde efetivamente há autogestão, há um sistema de partilha da remuneração, ou seja, a remuneração é dividida entre todos de modo igual, e há uma associação voluntária, algo que parte efetivamente dos trabalhadores. Encontramos oito casos das chamadas empresas solidárias mistas, em que a participação na gestão vai de uma participação parcial, em assembléias,

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até uma gestão bastante centralizada.

Encontramos as formas de distribuição descendente basicamente definidas por critérios como o número de horas trabalhadas. E há ainda dois casos, que chamamos de empresa de trabalho de boa origem. Ainda que não haja uma exploração por parte de um capitalista externo, na realidade apresenta centralização, hierarquia de funções, ganhos diferenciados em função da posição.

Partimos, é claro, para a construção dessa tipologia, para ser evidenciado como seria uma empresa de economia solidária, do tipo puro, ou seja, com autogestão, participação democrática, partilha dos benefícios e outros critérios que conhecemos.

O que podemos verificar diante das inovações? Em nível de poder público estão ocorrendo inovações? Sim. Verificamos sua presença inclusive em projetos, programas, ações, não apenas de caráter compensatório, que poderíamos qualificar como políticas compensatórias, mas também em ações que visam a contribuir para que os trabalhadores nas suas empresas tenham o protagonismo da ação. Exemplos: programas de qualificação e de financiamento.

Por outro lado, vimos que essas políticas do poder público que visam a contribuir para o poder desses empreendimentos de economia solidária, para o protagonismo dos trabalhadores, para que eles possam ser donos do seu trabalho, são curto-circuitadas, com muita freqüência, por gestão centralizadora, por processos internos em relação aos empreendimentos, e isso vale também para as cooperativas de metalurgia.

Verificamos que o impulso inovador por parte do Estado esbarra em limitações internas dos empreendimentos. Analisamos como esses empreendimentos agiam internamente, quais seriam os elementos que estavam criando dificuldades para a sua sustentabilidade. Pela análise, o principal problema seria o acesso à matéria-prima, mas muita ênfase é

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dada à questão do comprometimento dos trabalhadores, uma vez que eles trabalhariam levando em conta a tarefa deles e não o coletivo.

Este é um processo extremamente perverso, porque estamos fazendo aquilo que um filósofo chama de processo de culpabilização. Estamos culpando as pessoas e os trabalhadores por questões que não são de sua responsabilidade, pois há problemas de tecnologia, de falta de apoio, de organização e de qualificação do processo produtivo.

Então, isso nos permite concluir, inclusive, que há uma dificuldade no sentido de se identificar onde estariam os reais problemas. E a seguinte questão que surge é a dificuldade de se obter apoio qualificado.

Por um lado, podemos verificar que várias dessas associações não conseguem perceber qual é o problema que está impedindo o seu desenvolvimento. Então, a tentativa é de culpabilizar o trabalhador. Noutros casos – pouquíssimos –, percebem a necessidade de qualificar o processo produtivo, mas encontram uma enorme dificuldade de conseguir um apoio qualificado, de ter a quem recorrer que realmente possa aportar esse saber qualificado. Percebemos também, por outro lado, que as soluções assim intentadas são ineficazes, pois ocorrem basicamente no controle social sobre os trabalhadores em economia solidária. Ainda que eu tenha que entender que isso envolve a vida do trabalhador, seus familiares, aspectos que devo considerar pois se trata de um ser humano, muitas vezes a sustentabilidade fica completamente comprometida devido a um olhar que eu chamaria de mais filantrópico.

Temos vários estudos anteriores acerca de empreendimentos em economia solidária que demonstram que igual nível de comprometimento é fundamental para o sucesso dessas iniciativas.

Por outro lado, percebemos também a forte presença de políticas

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clientelistas, o que não é privilégio de nenhum partido político em especial, ou seja, eu não isentaria nossos políticos do PT, quando na Prefeitura Municipal, de práticas clientelistas, o que não contribui. Como exemplo, cito a tentativa de construção da Central de Comercialização de Resíduos Sólidos.

Outra questão que se revelou extremamente problemática para nós foi a questão da formação das lideranças. Verificamos que se por um lado é importante formar líderes, por outro é extremamente perigoso o conceito de liderança com o qual trabalhamos hoje, que considera que lideranças se restringem a algumas pessoas. Verificamos que essa liderança formada tende a usar a sua posição de liderança muitas vezes em benefício próprio. Essa pessoa sai do empreendimento, que morre. E isso nos sinaliza a necessidade de retrabalhar esse conceito.

Comparando dois tipos de gestores – gestores centralizadores mas comprometidos com o empreendimento e gestores capacitados para assumirem a liderança mas que não são comprometidos com o seu empreendimento –, percebemos que eles agem de forma muito diferente inclusive quanto à sustentabilidade da associação ou da cooperativa. O gestor comprometido com o empreendimento, por exemplo, resiste quando o poder público tenta empurrar mais gente para dentro do empreendimento. Ele vai resistir porque sabe que o empreendimento não vai agüentar e que o rendimento dos trabalhadores que já estão trabalhando não será suficiente para garantir condições mínimas de vida.

Já aquela – entre aspas – “liderança” que foi capacitada mas que não está comprometida com o empreendimento, que o usa em benefício próprio, irá aceitar que o poder público inclua quantas pessoas quiser, já que, em troca, por exemplo, pedirá uma carga extra de lixo do DMLU, e isso servirá para que ela legitime a sua posição perante os outros indivíduos da associação. Vejam que essa prática clientelista é um círculo vicioso.

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Portanto, devemos ter muito cuidado com o que entendemos por liderança.

Uma dificuldade fundamental que identificamos são brigas. Há uma tentativa de constituição de rede, mas há brigas. Poderosas empresas privadas já aprenderam a cooperar para remunerar o capital. É impossível, inviável, inovação se não houver redes, atores que consigam efetivamente partilhar o conhecimento gestado em cada empreendimento. Todos sabemos que a economia solidária é a briga entre associações e cooperativas do mesmo segmento.

Se não conseguirmos superar isso, não teremos inovação possível, não teremos a consolidação desse segmento.

O problema seria de conhecimentos de gestão? Sem dúvida que trabalhar a questão de conhecimentos de gestão é fundamental, ainda que – com certeza – não possamos atribuir apenas a isso a solução.

Eu gostaria de chamar a atenção para o fato de que realmente é importante trabalhar gestão, e não apenas desenvolver a cooperação e a autogestão. Sou uma socióloga do trabalho, leciono numa escola de Administração e a vida inteira vivi às turras com a Administração até pela forma como essa área, nas grandes escolas de gestão, está estruturada, voltada para a remuneração do capital. Mas tenho plena consciência hoje de que existe realmente conhecimento novo. Existe, por exemplo, uma área chamada Arquitetura Organizacional, é paleontológico, não soma organização por departamentalização, não soma organização setorial. Temos de pensar a forma de organizar os empreendimentos de economia solidária de acordo com uma nova concepção de gestão, que parte da missão, dos seus princípios de autogestão, de valorização do trabalho, mas que seja uma gestão por processo.

Portanto, há conhecimento novo no campo da gestão que tem de

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ser incorporado a serviço da economia solidária. Assim como as inovações organizacionais – e me refiro em particular à inovação rede – não podem centrar sua gestão, ainda que seja importante, precisamos trabalhar o cooperativismo, a autogestão, incorporando tecnologias e gestões apropriadas para a nossa missão e nossos princípios.

Finalmente, sem dúvida alguma, é fundamental que haja políticas públicas específicas para esse campo. Sabemos que o Senai, quando solicita pesquisa que, pelo que pude perceber, foi realizada com tanto brilhantismo pela equipe da universidade federal do Rio de Janeiro, a idéia também é que isso possa subsidiar políticas públicas.

Reconheço que, se há um problema de cultura clientelista, o mal não reside apenas nesse problema. Parece-me que, entre todos os fatores levantados aqui, há uma questão que devemos começar a cobrar junto com a economia social e solidária, pois, caso contrário, corremos o risco de ficar igual àquele empresário que participa dos debates e fica repetindo: O problema é a educação. E coloca a educação num espaço tão longínquo que não podemos tocá-lo.

Não vejo, sobretudo pela cultura clientelista que temos e pelas dificuldades financeiras pelas quais passam os empreendimentos de economia solidária, o que os torna vítimas fáceis do clientelismo na medida em que irão correr para o lado que acenar algum recurso, não vejo a possibilidade de consolidação da economia solidária, a menos que exijamos não para amanhã, mas para hoje, já, e carreguemos como plataforma conjunta a questão da distribuição de renda.

Eu gostaria de poder evitar falar em políticas federais aqui, mas o colega me fez uma provocação ao trazer a questão da política para o debate. Portanto, pensar em economia popular e solidária obriga pensar na distribuição de renda, lançar uma grande interrogação e cobrar um compromisso dos nossos governantes em nível federal. Muito obrigada. (palmas)

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A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Muito obrigada, professora Rosinha Machado Carrion.

A partir deste momento, damos início à segunda etapa desta atividade de trabalho, que prevê um diálogo com empreendimentos, que são os seguintes: Coopercana, de Porto Xavier; Coopal, de Canguçu; Ecocitrus, de Montenegro; e CTMC, de Canoas.

A dinâmica prevê três minutos para cada empreendimento, que tanto pode fazer a sua manifestação, com considerações acerca do primeiro momento, como também pode formular perguntas aos painelistas.

Pela ordem, concedo a palavra à representação da Coopercana, de Porto Xavier.

O SR. GILDO BRATZ – Boa-tarde. Diria que a discussão principalmente de empresa de autogestão é como dar uma bala para uma criança e ao mesmo tempo retirá-la. É um pouco complicada essa discussão.

A Coopercana tem uma certa experiência. Foram 10 anos de luta até chegarmos a ter o controle. Ela controle hoje a única usina de álcool do Estado do Rio Grande do Sul e é formada por agricultores familiares e trabalhadores da indústria.

O nosso processo de gestão é feito de forma envolvente. São vários os núcleos que participam dessa caminhada.

Apontaria uma questão crítica. Quando temos um tema para

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abordar é preciso levar em conta a questão do envolvimento dos atores. A questão da avaliação mais no sentido teórico é importante, mas a questão prática que é necessária. Darei só um exemplo hoje da fase em que estamos porque dispomos apenas de três minutos.

Trata-se de uma empresa que faliu em 1999. De 1989 a 1999 enfrentamos uma luta para a tomada do processo. A empresa faliu em 1999 e faz seis anos que estamos no poder controlando o processo. Compramos o parque e estamos terminando de pagar. Enquanto tínhamos capital depositado no banco, íamos ao banco e éramos recebidos com cafezinho e até antes de chegarmos ao banco já vinham nos pegar pela mão. Agora que precisamos de recursos porque investimos na manutenção e na produção da cana, no sistema que adotamos de financiar o nosso próprio empreendimento, e precisamos buscar o que falta para terminar o pagamento até o mês de maio do que compramos de forma inédita no Rio Grande do Sul – não por leilão, mas por assembléia de credores –, quando entramos no banco, o pessoal vira a cara para o lado. Ou seja, acabou acontecendo que tivemos de ir atrás de recursos no banco e percebemos uma forma diferente de atuar. Então, essa questão da busca da solidariedade, da economia solidária tem de se dar também nas instituições financeiras.

O que nos salvou e está nos salvando – graças a Deus – são algumas intervenções inclusive do gabinete e, principalmente, da cooperativa de crédito, a Cresol. O que construímos a partir das nossas poupanças locais, dos trabalhadores, agricultores locais, está servindo para conseguirmos buscar a solução para os pagamentos, senão estaríamos perdendo, pois temos uma ata assinada em juízo declarando que se faltar um centavo para pagar no dia 30, perdemos todo o empreendimento que já pagamos em três parcelas.

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Companheiro Gildo Bratz, pedimos que venha até aqui para que seja feita a filmagem. O

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deputado Elvino Bohn Gass informa que são cinco minutos para cada manifestação, o que viabiliza maiores formulações por parte dos empreendimentos. Pedimos que a conclusão do pensamento fique dentro dos cinco minutos para que não atrase a mesa que vem a seguir.

O SR. GILDO BRATZ – É difícil hoje de entender a questão teórica e a questão prática. Para nós, trabalhadores, é evidente que temos de ter a questão teórica, mas o fundamental é que se associe a questão teórica à prática. Se ficarmos só imaginando a questão teórica e não realizarmos a questão prática, a situação fica complicada.

Esse exemplo que citei do banco trata de uma questão prática. As instituições financeiras têm de estar voltadas para esse processo de ajudar quem lá na ponta precisa do recurso.

Estávamos com um patrimônio de 4 milhões em jogo, chegávamos ao banco pedindo 200 mil reais, quando já tínhamos pago mais de 2 milhões, e nos viravam a cara. Quanto a essa questão da gestão, do envolvimento da economia popular solidária, teríamos de pensar como financiar esses empreendimentos e como e onde buscar esses recursos. Essa questão de disponibilizar recursos é necessária e urgente para a economia popular solidária.

A Coopercana tem uma jornada histórica de lutas. Hoje trabalhamos muito as parcerias locais, que são fundamentais. Estão envolvidos no processo a Cooperativa de Crédito, Cresol, a Cooperativa dos Pequenos Agricultores, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Associação dos Sindicatos, que é uma Organização Não-Governamental. Inclusive temos uma rede de cooperativas porque é importante integrar os nossos conhecimentos, mas temos que buscar na economia a nossa articulação.

A Central Regional das Cooperativas acaba justamente pondo na

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mesa do consumidor o produto produzido pelas próprias cooperativas. Esse segmento tem que estar cada vez mais integrado no processo, buscando a solução de distribuição de renda para os trabalhadores. Essa é a única forma de melhoria da qualidade de vida que se tem hoje e seria um contraponto a essa questão da economia popular solidária. Obrigado.

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Obrigada, Gildo Bratz.

Está com a palavra o representante da Coopal, Dário Venske Neutzling.

O SR. DÁRIO VENSKE NEUTZLING – Boa-tarde a todos.

Sou de uma cooperativa de pequenos produtores de leite na região sul, com sede em Canguçu.

Quero saudar Iara Aragonez e, na pessoa do deputado Elvino Bohn Gass, cumprimentar os demais componentes da mesa.

A questão urbana foi mais focada aqui, e é de onde também surgiu a nossa cooperativa. Talvez muita gente não tenha conhecimento de como funciona a questão de alguns produtos, como o leite.

Em vez de os pequenos produtores receberem uma atenção especial, eles acabam tendo de, muitas vezes, fazer com que os grandes possam receber mais.

Na questão do leite, principalmente, as empresas normalmente têm um sistema pelo qual o produto tem que entrar com um determinado preço. E eles acabam remunerando aqueles grande produtores a preço maior, tendo de descontar o valor dos pequenos. Segundo eles, os

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pequenos se tornam inviáveis pela quantia de produção.

Muitas vezes, ocorre o contrário porque não é levado em consideração o tamanho da propriedade. Se isso for levado em conta, os pequenos são muito mais produtivos do que os grandes. Muitas vezes os pequenos precisam ter essa renda até para manutenção familiar, enquanto que os grandes têm o leite como produto secundário ou terciário na propriedade.

Já foi referido aqui um sério problema que esses empreendimentos enfrentam quando vão disputar o mercado: por estarem iniciando, muitas vezes começam produzindo somente um produto. Quando as grandes empresas – que têm diversificação de produtos – vêem que os pequenos estão começando a se organizar, elas colocam o preço abaixo do normal da produção naquele produto e na região onde estão querendo entrar os pequenos empreendimentos. Fazem isso justamente para que esses empreendimentos desistam ou quebrem. Não existe hoje uma proteção para os produtores.

No momento em que esses produtores entrarem no mercado, eles passam não só a ser produtores que entregam sua produção para os outros, mas também a correr o risco de mercado. Essa situação faz com que ele muitas vezes desistam porque é muito mais cômodo repassar seus produtos para as grandes empresas, mesmo sendo explorados, mas recebendo, sagradamente, no fim do mês. Essa é a política que as grandes empresas praticam.

Deputado, seria bom se fosse apresentada uma emenda ao projeto no sentido de que ela pudesse proteger esses empreendimentos para que as outras empresas fossem proibidas de colocar o preço abaixo do custo de produção. Desse modo, esses pequenos empreendimentos de economia solidaria que estão começando não seria inviabilizados.

Há um problema sério com relação ao conceito de autogestão,

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porque a maioria dessas empresas entende como conceito de qualidade simplesmente uma produção mecânica, e muitas vezes não é o que se vê. Se tiver uma higiene adequada, isso não diz a qualidade. Muitas vezes aquela pequena produção tem mais qualidade do que aquele grande produtor que não sabe usar isso.

Quando começou a idéia de empreendimento autogestionário e que se poderia ter recursos, a cooperativa que não tinha nada a ver foi quem primeiro lançou a verdadeira cooperativa de autogestão. Deve ficar bem claro o conceito de autogestão.

Precisaríamos de mais tempo para debater essas questões, mas deixo essa contribuição aqui. Se houver um debate mais adiante, poderemos participar mais para expor o que nós, pequenos produtores, estamos sentindo e sofrendo.

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Obrigada, Dário Venske Neutzling.

Está com a palavra o representante da Ecocitrus, Jorge Alberto Eswein.

O SR. JORGE ALBERTO ESWEIN – Boa-tarde a todos. Sou o presidente da Ecocitrus, Cooperativa de Citricultores Ecológicos do Vale do Caí, que abrange os Municípios de Montenegro, São Sebastião do Caí e mais 16 Municípios da região. Ela começou a se organizar devido justamente ao problema de mercado e à exploração por parte dos comerciantes locais na citricultura da região.

Vivíamos a seguinte situação: quando o nosso produto ia começar a ser valorizado e ter preço no mercado, esses comerciantes buscavam de São Paulo, do Paraná, em regiões onde exploravam a produção ou

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compravam de grandes plantações comerciais e conseqüentemente baixavam o preço na nossa região, deixando o produtor sem ter o que fazer. A única alternativa que ele tinha era vender para aqueles comerciantes tradicionais.

A cooperativa surgiu em 1994. Inicialmente organizou-se como uma associação justamente com o objetivo de buscar soluções para essa questão comercial e também para mudar a maneira de produção. Queriam sair da produção convencional, tendo em vista que o uso de venenos e adubos químicos era prejudicial à saúde, e partir para uma agricultura limpa e mais saudável.

De associação transformou-se em cooperativa. Na questão do crédito, a nossa história não é diferente da maioria das cooperativas pequenas de autogestão. No início não se teve apoio nenhum. O grande salto que a cooperativa deu no beneficiamento e na industrialização de seus produtos foi através do programa de agroindústria familiar do governo estadual anterior. Esse programa possibilitou, através de um financiamento para as 40 famílias da cooperativa, montar a central de beneficiamento e comercialização. Iniciamos a autogestão antes mesmo de estar definido esse conceito. Tínhamos bem claro que iríamos formar uma cooperativa não para se transformar numa grande cooperativa em que os dirigentes determinam o que vai ser feito, e os outros produtores simplesmente assistem.

O objetivo principal da Ecocitrus é tornar o produtor agente ativo de toda a cadeia que envolve a fruticultura: a organização social, a questão da produção de insumos, a produção agrícola, a questão do beneficiamento e comercialização.

Noventa por cento das pessoas que trabalham na cooperativa são cooperados, o que acaba gerando mais uma alternativa de renda para elas. Como a fruticultura é uma cultura permanente, há possibilidade de se

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trabalhar na propriedade e na cooperativa. Ou seja, o produtor está ciente de tudo o que está acontecendo, e toda decisão é tomada em assembléia. Realizamos uma assembléia geral por mês na qual são discutidos todos os assuntos de interesse dos cooperados.

Conforme já foi referido pelo companheiro da Coopercana, a questão do crédito é a que mais nos prejudica. Não temos crédito no sistema tradicional financeiro e justamente estamos buscando alternativas para isso.

O Programa de Aquisição de Alimentos, através da Conab, que faz parte do Programa Fome Zero, tem nos beneficiado – acredito que a Coopal também participa – e possibilitado diversificar a produção, gerando mais renda para o produtor cooperado e estendendo também para que outros grupos da região se organizem tornando-se agentes ativos dessa conjuntura e exercendo de fato a sua cidadania. Obrigado.

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez ) – Está com a palavra o representante da CTMC, Cooperativa dos Trabalhadores Metalúrgicos de Canoas, João Henrique Barbosa Da Silva.

O SR. JOÃO HENRIQUE BARBOSA DA SILVA – Boa– tarde. Vou tentar fabricar navios e vagões em cinco minutos.

A CTMC nasceu de uma empresa de tecnologia alemã que tem 61 anos no mercado e encerrou suas atividades no ano de 2001. Sempre que falo na CTMC refiro-me à ponte do rio Guaíba. Por quê? Porque na época o vão móvel da ponte foi fabricado lá na Vogg. Desde o início, estamos na prática trabalhando a economia solidária e a questão social como um todo. Temos o nosso estatuto, realizamos nossas assembléias uma vez por mês, que às vezes são boas, outras vezes são ruins. Começamos com 101 trabalhadores e hoje estamos com 140, todos sócios, não temos

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funcionários. Praticamos de verdade.

Hoje, a Tânia e a Elenir ocupam nossas instalações também, pois, numa idéia brilhante, as mulheres se reuniram e fundaram uma cooperativa de costura. A CTMC cedeu o espaço, e elas pagam aluguel e luz dentro da realidade. Parabenizo todas as mulheres que estão trabalhando e que farão uniformes para as empresas que quiserem.

De alguns anos para cá, a conjuntura nacional está terrível para a classe trabalhadora. É o desmonte das fábricas, que por esse ou aquele motivo tiveram dinheiro patrocinado pelo governo brasileiro e hoje estão falindo. Muitas estão fechadas.

Com essa proposta doida e revolucionária de trabalhadores retomarem o processo produtivo, a CTMC está lutando muito.

Sabemos que ninguém vem investir num País que não garante a energia elétrica e é péssimo em logística. Para escoar um produto é uma dificuldade.

Nós estamos fundando uma rede nacional chamada Rede Nacional de Cooperação Industrial – Renaci. Temos duas cooperativas no Estado do Rio Grande do Sul, uma em Santa Catarina e uma em Minas Gerais, que é a antiga Comifer. Lá já estão fabricando mil vagões por ano.

No entanto, existe um monopólio no Brasil. Só faz vagões quem detém os trucks, que é a Maxion, que está em São Paulo produzindo-os.

Nós fomos mais longe e fundamos a Renaci. Temos uma proposta, e hoje a CMTC está em Conselheiro Lafaiete, numa reunião com a Comifer.

Já está sendo desenvolvido e testado um truck soldado com chapas. Ele está sendo avaliado pela Vale do Rio Doce também, e temos

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certeza de que vamos fabricar vagões sem precisar da Maxion. Estamos furando um monopólio histórico no Brasil.

Amanhã haverá outra reunião lá em Conselheiro Lafaiete, na CNS, onde estarão discutindo também uma parceira com os ingleses e os americanos. A esta reunião estará se juntando também algum grupo de chineses, do minério.

Já estamos propondo também romper com o grande monopólio da chapa de aço, que é do Sr. Jorge Gerdau, que pegou alguns milhões do Fundopem, dinheiro público, e anunciou a compra de uma empresa lá pelos Estados Unidos. Na prática estamos rompendo com esse monopólio.

Já estamos discutindo uma quota de chapas vindas do exterior para fabricarmos vagões e navios. A CTMC tem cinco anos para fabricar navios em parceria com a Guarita Navegações. Se não fosse a CTMC, essa empresa iria sair do Rio Grande do Sul para fabricar esse navio em outro Estado. Temos muito orgulho de representar o que representamos hoje no cenário industrial brasileiro. Estamos fazendo parte do progresso brasileiro, que é fantástico. Isso para nós se chama autogestão.

Estamos discutindo com quatro Estados a formação de uma rede de soluções para um País que vem sendo sucateado há muito tempo. A CTMC está presente nisso e agradece muitas coisas que já foram feitas para colaborar com ela.

Quando participo de encontros nos quais o Dr. Oberlan está presente, sinto-me honrado e representado pelas suas manifestações, porque ele acompanhou todo o processo da CTMC, desde o início, desde as brigas em seis audiências que tivemos no Tribunal Regional do Trabalho, onde ela foi desenvolvida.

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Para mim é um orgulho estar aqui hoje e agradeço ao deputado Elvino Bohn Gass por esta oportunidade.

Li rapidamente o projeto de lei do Estado e vi que tem algo que nos interessa muito. Depois quero comentar sobre ele.

No governo de Olívio Dutra tentamos adjudicar alguns bens do Estado, e acho que agora está na hora de retomarmos algumas máquinas estaduais e colocá-las na mão de quem está trabalhando e produzindo.

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Obrigada, João Henrique Barbosa Da Silva.

Abrimos agora inscrições para perguntas ou manifestações da plenária. Cada um terá três minutos para essas manifestações.

O SR. LUIS CARLOS CARDOSO DA SILVA – Faço parte de um empreendimento que fabrica massas e bolachas. Essa área da alimentação é bastante difícil de ser trabalhada.

Começamos reunindo os desempregados e resolvemos fabricar bolachas. A partir daí começamos a desenvolver outros produtos.

Trabalhamos três, quatro anos praticamente sem auxílio nenhum. Buscamos apoio e financiamento através de algumas entidades e hoje contamos com o apoio da Unilasalle, de Canoas.

Eu trabalhei numa empresa que faliu em 1990. Tentamos formar uma cooperativa. Coloquei a questão via Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, fizemos a discussão e tentamos formar uma cooperativa, mas foi difícil porque a maioria dos trabalhadores queria indenização para

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investir no seu próprio negócio. Eles queriam trabalhar em outra empresa, pois não tinham perspectiva de criar seu próprio negócio.

Temos essa dificuldade no empreendimento que trabalho hoje. As pessoas que passam por lá no final do mês querem ter o seu dinheiro, querem um resultado imediato. As entidades que dão assessoramento precisam trabalhar essa questão senão a economia solidária nunca crescerá. Na economia solidária um tem que ser solidário com o outro. Os próprios empreendimentos precisam visitar-se e cooperar uns com os outros. Não adianta termos a CTMC e outras cooperativas no interior do Estado e não conhecermos os produtos, não conseguirmos talvez nem adquirir os produtos dos agricultores que estão formando cooperativas.

Nós, que fabricamos bolachas, dependemos de preço e não temos produção. Essa é uma questão que precisamos discutir melhor. Precisamos ter leis, mas temos que pressionar os governantes.

Em Porto Alegre tínhamos apoio para a economia solidária. Hoje já não temos mais. Quando muda o governo termina o apoio à economia solidária.

Eu moro em Canoas, e para o nosso prefeito a economia solidária não existe. No entanto, no seu programa consta a questão da solidariedade. Até que ponto isso é verdade?

A SRA. MEDIADORA (Iara Aragonez) – Jair, peço-te licença só um minuto.

O deputado e eu conversamos, e temos uma nova proposta de encaminhamento. Dado o adiantado da hora, garantiríamos aqui a manifestação do companheiro de São Lourenço e comporíamos a próxima mesa, que será coordenada pelo companheiro Pilatti.

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Teríamos os painéis, com a previsão de 10 minutos para cada painelista. Após esta mesa, abriríamos inscrições que podem contemplar manifestações sobre este painel e também sobre os seguintes, para podermos racionalizar o tempo.

Agradeço a atenção de todos.

Abriremos agora a mesa que se refere a redes de comercialização, agroecologia e certificação participativa.

Passo a palavra ao Edson Pilatti.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – De imediato, chamo as pessoas que comporão a mesa sobre rede de comercialização, agroecologia, certificação participativa e diálogo com as instituições de crédito: a irmã Lourdes, da Cooesperança, da Central de Comercialização de Santa Maria; o João Francisco Cardoso, da Cooceargs-MST; o Miguel Steffen, da Cooperativa de Consumo Solidário – Consol –; o Jorge Alberto Eswein, da Ecocitrus; e o Nelson Dias Diehl, do Emrede.

Teremos a seguinte dinâmica. Em função do avançado da hora, reduziremos o tempo de cada painelista de 15 para 10 minutos. Posteriormente, abriremos espaço para as intervenções do plenário, inclusive as intervenções sobre o painel anterior que ficaram em haver.

Pela ordem, passo a palavra à irmã Lourdes, que falará sobre a experiência das redes de comercialização de Santa Maria.

Com a palavra a irmã Lourdes.

A SRA. IRMÃ LOURDES – Boa-tarde a todos e a todas. É importante estarmos juntos no dia de hoje, refletindo essa temática que

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tem a ver com as nossas lutas e caminhadas do dia-a-dia.

Saúdo o deputado Elvino Bohn Gass, os integrantes da mesa e os participantes do evento.

Lembro, mais uma vez, o nosso grande companheiro de luta e caminhada também na economia solidária, muito especialmente nas conquistas e nas lutas pela terra, Sr. Enio. Estaria conosco o deputado Frei Sergio, se não tivesse acontecido esse acidente.

Com certeza, este dia é de bastante reflexão. Queremos firmar nossas convicções naquilo que apostamos, especialmente porque acreditamos na perspectiva de uma economia solidária.

A lógica da economia mundial está fundada nos valores que reforçam a ganância, o individualismo e o acúmulo. Na economia solidária, criamos outros valores, e temos de fazer uso desses valores também na prática. É por isso que toda a temática discutida hoje tem de ter muito a ver com a nossa teoria e também com a nossa prática.

Não é possível conceber a economia solidária, difundi-la e continuar consumindo da forma como a sociedade e muitos de nós consomem. Fortalecemos multinacionais, consumindo Coca-Cola, e empresas fumageiras, fumando e fazendo tantas outras compras em mercados tradicionais.

Na economia solidária temos de fortalecer também a nossa consciência quanto ao novo modelo de consumo: um consumo justo, ético e solidário.

Esta mesa traz à tona experiências nessa área. A experiência de Santa Maria, que represento junto com outros companheiros que aqui estão, é a do Projeto Esperança e Cooesperança. Trata-se de uma iniciativa da Diocese de Santa Maria, com apoio da Cáritas do Rio

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Grande do Sul e da Cáritas nacional e internacional, uma rede presente em mais de 150 países.

Essa proposta foi pautada a partir do livro A Pobreza, Riqueza dos Povos, de um autor africano que fortalecia a idéia, a convicção de que é possível reinventar a economia a partir das pequenas experiências de redes de solidariedade. Desde os anos 80, refletimos sobre isso na Diocese de Santa Maria, onde surgiu o Projeto Esperança e, conseqüentemente, a Cooesperança, que é uma central de comercialização.

Por isso, afirmo aqui que a economia solidária no Rio Grande do Sul existe há muito mais de 10 anos. A não ser que queiramos passar uma borracha na história. No Rio Grande do Sul, há pelo menos 23 anos existe a economia solidária, talvez não com esse nome. Como Cáritas, iniciamos com a reflexão de projetos alternativos comunitários, de experiências populares e de organizações alternativas. Tudo isso serviu de fomento para que hoje se fale com muita convicção na perspectiva de políticas públicas na economia solidária.

Temos a alegria de ter contribuído também no processo histórico, em nível de Brasil, de fomento da economia solidária.

Não podemos achar que tudo hoje é economia solidária, pois corremos o risco de esvaziar uma grande proposta. As convicções estão- se firmando, estão surgindo formas de organização e talvez não esteja claro o norte que isso está tomando.

Temos uma responsabilidade muito grande. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária, os Senaes também estão trabalhando com os Estados, com as organizações essa grande perspectiva.

Santa Maria está há mais ou menos 20 anos nessa caminhada. O Projeto Esperança e a Cooesperança têm 18 anos de caminhada

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ininterrupta. Tivemos nesse período histórico sempre o apoio de governos, de alguns mais e de outros menos. Neste momento, estamos dialogando com os três níveis de governo – municipal, estadual e, especialmente, federal.

A continuidade do processo muitas vezes fortalece mais do que quando iniciado e tem uma queda, como aconteceu em Porto Alegre. Aqui terminou um governo, e o outro que começou não achou isso importante. Isso trunca o processo. Ele só não trunca quando nós, os trabalhadores, fortalecemos essa continuidade, e essa é a nossa meta. Não podemos depender somente de uma ou de outra linha de governo, temos de dar continuidade ao processo, como acontece hoje no Brasil com o Pronaf. Entra e sai governo, e essa proposta de política pública segue.

Na nossa região, que atinge em torno de 30 Municípios, temos essa experiência organizada, com empreendimentos solidários urbanos e rurais em várias áreas, desde agroindústria, hortigranjeiros, trabalhadores urbanos organizados, catadores.

Hoje, pela manhã, o deputado Elvino Bohn Gass mencionava que temos uma grande multidão de catadores organizados e associados ao Projeto Esperança e à Cooesperança, com o apoio da prefeitura. A prefeitura tem hoje um grande projeto nessa área, chamado Catando cidadania e, no carnaval, Vá te catar. Uma experiência de inclusão muito bonita. O interessante dessas experiências é que elas dialogam – o urbano, o rural, os catadores –, formando uma rede nessa forma de trabalho e de articulação.

Hoje, em torno de 200 empreendimentos urbanos e rurais organizados formam uma central, que é, no caso, a Cooesperança. Trata- se de uma central nos moldes da Cooceargs, que congrega apenas os empreendimentos que estão integrados nessa ótica da economia solidária – urbanos, rurais e os catadores.

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Os eixos em que se trabalha são vários exatamente fortalecendo essa perspectiva do social, da economia, da questão ecológica e ambiental, da questão política – é muito importante todo esse trabalho de consciência política, que dá solidez ao trabalho – e da questão da democracia participativa e autogestionária.

Ressalvo aqui que os princípios do cooperativismo são norte também para a economia solidária. Quem destruiu os princípios do cooperativismo, quem desnorteou esses princípios foi a grande massa capitalista. Por isso, hoje pela manhã se comentava que quem domina essa questão do cooperativismo é o sistema, no qual não queremos nos inserir, ninguém quer. Mas temos, com a nossa força de economia solidária, como reverter esse quadro. Na medida em que nos unimos, nos fortalecemos.

Os princípios do cooperativismo são bons, são ótimos, mas foram desviados. Economia solidária e cooperativismo autogestionável devem dialogar, e muito. No entanto, reverter essa questão da legislação também é de urgência máxima.

Esses assuntos todos têm, sim, uma sintonia e um diálogo integrado.

Quanto à questão da rede, que é a temática principal desta mesa, criamos há três anos uma rede regional, chamada Teia Esperança, na qual os empreendimentos se articulam entre si na formação da organização e especialmente na questão da comercialização direta e do consumo justo, ético e solidário.

A Teia Esperança hoje articula e congrega esses empreendimentos, que são mais ou menos 40 pontos fixos de comercialização direta, nos quais, de fato, as pessoas intercambiam a questão do produto, da comercialização e da qualidade.

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O deputado Elvino Bohn Gass, juntamente com o ministro Patrus Ananias, teve a felicidade de visitar o armazém da colônia, que fica bem no centro de Santa Maria. Além de ser um ponto da Teia, é um grande espaço político, de modo que a população entende o que é economia solidária. Com isso, as pessoas começam a mudar a sua lógica e a sua concepção para um consumo mais justo, mais ético e solidário.

Além dessa Teia, articula-se também a questão das feiras semanais, mensais e as feiras regionais, que têm uma história. Temos certeza de que as feiras são grandes espaços de formação, de articulação e de construção desses mecanismos de desenvolvimento sustentável, nos quais, de fato, a transversalidade da caminhada se fortalece nas diversas temáticas.

Por isso, valorizamos e construímos as feiras com muita utopia. São espaços que garantem a oportunidade de formação.

Durante 12 anos trabalhou-se a questão de uma outra feira, sobre a qual se comentou muito hoje aqui também. A feira do cooperativismo e da economia solidária, que acontecerá nos dias 9 e 10 de julho, faz parte também dessa rede, dessa forma de comercialização. Ocorre não só em nível local, regional, mas também em nível nacional e, neste ano pela primeira vez, em nível internacional, no Mercosul, essa perspectiva de articulação.

Na primeira feira, em 1994, estiveram presentes 27 empreendimentos; no ano passado, estiveram presentes 320 empreendimentos de todo o Brasil e de outros países; e a perspectiva neste ano é de ultrapassar 400 empreendimentos participantes nesse evento do Mercosul.

Nesse sentido, a nossa experiência tem um norte muito claro hoje em nível de organização dos trabalhadores do campo, da cidade nessa integração e também no fomento de políticas públicas, para que, de fato,

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possamos fortalecer e acelerar esse processo em nível local, estadual e nacional.

O próprio Fórum Social Mundial contribuiu significativamente para construirmos essa perspectiva de acelerar no Brasil uma política pública para a economia popular solidária.

Queremos cada vez mais fortalecer as nossas redes no meio urbano, rural, os trabalhadores, entidades, organizações e forças políticas para que se possa acelerar esses passos e fazer com que essa outra economia aconteça, esse outro mundo seja possível também no plano econômico.

Temos convicção de que temos de mudar as nossas práticas de consumo, de produção e de relacionamento.

Para concluir, gostaria que todos ficassem em pé, cruzassem os braços e olhassem um para o outro. Este é o sistema do qual o emprego tradicional nos impregnou: cruzar os braços e esperar que o patrão faça tudo, e de lá venha o lucro. Queremos mudar isso, já que estamos refletindo sobre a economia solidária. Agora vamos formar uma corrente solidária aqui. Todos devem entrar na corrente, inclusive os que estão lá fora. A diferença entre o emprego e o trabalho é muito grande, e nos nossos ouvidos não soa bem hoje a palavra emprego, pois ela existe praticamente para os capitalistas. Ela não existe para os trabalhadores do campo, da cidade, para os pequenos trabalhadores, mas existe em nível de trabalho organizado.

Essa é a lógica que acreditamos, nessa nossa economia que se fortalece, vá-se consolidando e se recriando. Por isso, a recriação da economia, pois a queremos mais solidária.

Gostaria que todos repetissem comigo uma frase que também

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ajuda a fortalecer essa luta e essa consciência: muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, mudarão a face da terra. Obrigada.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Muito obrigado, irmã Lourdes.

Lembro que a mesa seria mediada pelo deputado Frei Sérgio, mas seu assessor Ênio faleceu ontem num acidente de carro. Certamente o deputado Frei Sérgio, então, está acompanhando os atos fúnebres.

Outra correção que se faz necessária é a inclusão da Crecaf – Central de Comercialização de Santa Rosa –, convidando seu representante, Paulo Kreutz, para que integre a mesa.

A mesa 3 tratará sobre Rede de Comercialização, Agroecologia e Certificação Participativa e também sobre O Diálogo com as Instituições de Crédito. Como debatedores dessa mesa, teremos a Guayi, com o projeto Cadeia Solidária de Reciclagem, de , representado pelo Sr. Milton Pantaleão; e a Arede, de Santa Rosa.

Concedo a palavra ao Miguel Steffen, da Consol.

O SR. MIGUEL STEFFEN – Boa-tarde a todos e a todas, em especial aos integrantes da mesa.

Vou tentar não me limitar simplesmente a fazer um pequeno relato do que é o projeto Consol, mas, a partir da minha intervenção, fazer algumas provocações que considero importantes para o nosso debate e inclusive para a nossa reflexão no que tange ao tema da comercialização.

A Consol é um projeto embrionário surgido no final do ano de

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2003 – tem, portanto, pouco mais de um ano de existência – e surgiu com o intuito de ser uma cooperativa de consumo a partir de uma organização não-governamental – a Escola de Trabalhadores 8 de Março –, que discutia nos diversos fóruns e agentes da economia solidária esse tema. Fomos desafiados no momento em que tínhamos um convênio com uma organização internacional – a Alternatives, do Canadá – a efetivar algum mecanismo que pudesse dar uma resposta aos empreendimentos no que tange à comercialização.

Naquele momento, criamos dois mecanismos: uma página na Internet, que ainda existe – www.comerciosolidariobrasil.com.br –, que está em vias de reformulação e que é um dos eixos de proposta de atuação da Consol, e a própria Consol. Esse projeto surgiu basicamente para resolver o problema de um empreendimento produtor de erva-mate que enfrentava dificuldades de comercialização do produto, que estava falindo e que realmente não conseguiu se manter no mercado. Apesar de todas as tentativas, a Coopermate não existe mais.

Bem, mas foi a partir desse desafio de tentar criar um mercado para essa erva-mate, que constituímos um ente jurídico: a Consol. Mas com a discussão de se levar o produto para os empreendimentos e de se tentar fazer essa comercialização, nos sentimos lançados a outros desafios, porque começaram a surgir outras demandas desses empreendimentos, principalmente na área da agricultura familiar.

Assim, constituímos um ente jurídico e começamos a criar um mecanismo de comercialização que não o transformasse – e esse é um dos grandes desafios da Consol – num simples comercializador. Situamo-nos na cidade de , que fica a cerca de 50 quilômetros de distância de Porto Alegre, e pegamos o eixo de maior potencial consumidor do Rio Grande. Há uma pesquisa que demonstra que a área que vai de Porto Alegre a Caxias do Sul comporta 50% do público consumidor do Estado.

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Portanto, situados nesse eixo estratégico, instituímos esse empreendimento e começamos efetivamente a comercializar produtos principalmente oriundos da agricultura familiar.

Esse processo iniciou sem nenhum apoio governamental, sem nenhum apoio logístico. Ele foi sendo calcado a partir de doações. Os parceiros que nos conhecem sabem das grandes dificuldades que ainda hoje a Consol enfrenta, pois seu maior desafio ainda é criar a viabilidade econômica de uma entidade que arrisca ser um empreendimento diferenciado de comercialização, que não quer se limitar a ser um intermediador do produtor. Queremos dialogar e trabalhar com transparência de processo, com transparência de resultados, o que hoje é bastante desafiador. Não podemos criar margens excessivas até porque o público que atingimos também não é muito abonado financeiramente.

Às vezes, passamos por situações interessantes, em que perdemos mesmo aquele consumidor que chamamos de consciente, que é sindicalizado, que muitas vezes pertence às direções de sindicatos, para as grandes redes de hipermercados por questão de centavos. Às vezes perdemos clientes produtores de leite por causa de 3 centavos no preço do litro. E isso ocorre por culpa do consumidor, pois, no final de um mês, esses 3 centavos podem representar 3 ou 4 reais, que fazem falta para lhe garantir uma alimentação digna.

Nessas ocasiões, pensamos em até que ponto o consumo consciente pode ser viável.

Nesse processo de um ano, a Consol passou de três para oito eixos de atuação, em que nos propomos a trabalhar em cima dos grandes desafios, embora ainda de forma muito precária por falta de logística e de infra-estrutura. Hoje temos dois pontos fixos de comercialização: um na cidade de Novo Hamburgo e um na cidade de , nos quais comercializamos diretamente para o público consumidor. São pequenas lojinhas, muito simples, mas que podem se transformar num referencial

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para o próprio público, que pode estabelecer contato visual com um produto que ainda não conhecia.

Trabalhamos também na área de apoio a feiras. Estamos iniciando um trabalho de exposição na Expointer e já recebemos o apoio da irmã Lourdes para participar da Feira Latino-Americana de Economia Solidária.

Além disso, trabalhamos com a venda direta para os movimentos sociais. Temos uma interlocução muito forte com o movimento sindical e conseguimos, depois de um ano, fazer o nosso – entre aspas – “primeiro grande negócio” com o movimento sindical, efetivando a venda de uma determinada quantidade de cestas básicas que serão repassadas para seus associados.

Portanto, estamos apenas começando. Às vezes, esse diálogo é um desafio, pois podem haver pautas diferentes, lutas diversas, e o tema da economia solidária muitas vezes não é tão presente no meio sindical.

Apesar de a nossa linha de produtos pertencer ao meio rural, começamos agora um processo nos empreendimentos urbanos autogestionários. Como estamos situados num eixo calçadista, com cooperativas de produtores de calçados, tentamos fazer uma interlocução para que esses trabalhadores comprem dos trabalhadores rurais. Essa é uma forma de se efetivar uma rede.

A partir da nossa página, estamos desenvolvendo uma ferramenta para efetivar a comercialização via Internet. No próximo período, isso tende a se concretizar a partir das parcerias que estamos estabelecendo.

Temos um trabalho que está sendo realizado com o Comércio Justo, juntamente com algumas entidades internacionais, em que trabalhamos com a lógica de que somos meros fomentadores desse tipo de negociação. A partir daí, o empreendimento tem que ser protagonista

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dessa história. Num primeiro momento, foram selecionados 14 produtos. Conseguimos fazer com que eles realizassem visitas a quatro empreendimentos, dentre os quais foi selecionado um, que agora está em processo de testes.

Estamos entrando também no mercado tradicional, e esse é um dos nossos grandes desafios, já que a nossa produção é praticamente artesanal, mais cara, enfim, tem as suas características. Mas não desistiremos de estabelecer parcerias e de trabalhar com o mercado tradicional.

Por último, destaco o apoio técnico, pois não se pode simplesmente comercializar um produto sem estabelecer uma interlocução com os empreendimentos. De que adianta fornecermos uma escala de venda, uma escala de produção se, durante esse processo, o empreendimento se desvia da rota proposta?

Encerrado o tempo de que dispunha, gostaria apenas de elencar os desafios que a nossa proposta enfrenta neste momento: a questão da viabilidade econômica, para que o empreendimento seja auto-sustentável e não dependa das intempéries de governo, enfim; a questão da logística, a vinda do produto do interior até o pólo consumidor; a questão da entrega, uma logística que deve ser montada, que envolve estrutura de caminhões, enfim; a questão das escalas de comercialização, regularidade de entrega; a questão do conceito do produto – para que se fuja da armadilha do preço, para que se ataque o mercado através do comércio justo.

Compomos também o Grupo de Trabalho de Comercialização Nacional, no qual estamos promovendo essa discussão, pois uma das políticas da organização é pensarmos efetivamente e pragmaticamente, porque as teorias são necessárias e inclusive fundamentais, mas nós, como organizações, precisamos dar respostas aos empreendimentos. E o grande problema dos empreendimentos é a comercialização.

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Eu teria outros aspectos a abordar, mas meu tempo terminou. Muito obrigado.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Muito obrigado, Miguel Steffen, da Consol.

Está com a palavra Jorge Alberto Eswein, da Ecocitros, que tem 10 minutos.

O SR. JORGE ALBERTO ESWEIN – Boa-tarde a todos novamente.

Neste momento estou representando o pessoal da Rede Ecovida de Agroecologia, que não se pôde fazer presente em virtude do encontro da coordenação que está ocorrendo em Lages, Santa Catarina.

Vou falar sobre a Rede Ecovida de Agroecologia, sobre como surgiu e vem desenvolvendo seu trabalho. Dentro do movimento da agricultura ecológica tínhamos várias ações, algumas coletivas, outras isoladas, no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Essa agricultura ecológica caracterizava-se basicamente por ser praticada em pequenas propriedades, baseada na sustentabilidade desses agricultores e na própria sobrevivência dessas famílias no meio rural.

A iniciativa surgiu em conseqüência de idéias de ONGs e de pessoas, que, se for citar os nomes, acabarei praticando injustiça, porque há uma lista enorme de batalhadores pelo movimento ecológico.

A rede se constituiu há algum tempo, e hoje atua nos três Estados do Sul, nos quais está dividida em núcleos. São oito núcleos no Rio

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Grande do Sul, sete em Santa Catarina e seis no Paraná.

Cada núcleo é formado por vários grupos formais ou informais de produtores ecológicos, por ONGs de assessoria, por cooperativas de consumidores e por apoiadores nas diversas áreas.

Em sua área de atuação – os três Estados do Sul –, a rede congrega 2.400 famílias, que trabalham com a agricultura ecológica e com ela sobrevivem no meio rural. Nessa área de abrangência, tanto esses grupos quanto a Rede Ecovida têm organizado 133 feiras ecológicas. Essa foi uma maneira de fazer com que todo esse pessoal que estava batalhando, trabalhando nisso se juntasse, unindo-se em torno de um objetivo comum,

A rede, que é de agroecologia, nasceu para organizar, para debater e servir de instrumento de luta, de busca dos objetivos dos agricultores. Um desses objetivos é o da certificação. Como se sabe, a certificação de produtos ecológicos serve justamente para dizer ao consumidor que ele está comprando um produto limpo, saudável, e para evitar um aproveitamento mercantilista por parte de outros setores da economia sobre o nome de produto ecológico.

Assim, uma das preocupações da rede foi a certificação. Antes da rede, existiam algumas experiências de geração de credibilidade muito fortes, especialmente no Rio Grande do Sul, como a da Coolméia.

Fora isso, havia as certificadoras tradicionais, que, para resumir, trabalham na base da desconfiança. Eles vêm auditar o grupo, e, nessa auditagem, exigem uma série de documentos e procedimentos. Muitas vezes, pelas características e tamanho do grupo, esse nunca ouviu falar desses documentos e procedimentos.

Essas certificadoras cobram caro por isso e ainda por cima querem cobrar um percentual na comercialização dos produtos. Assim,

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estamos fazendo um trabalho bonito, um movimento de cunho social, uma luta pela sobrevivência do pequeno agricultor no campo, e, para simplesmente dizer que esse trabalho é real, vamos ter de pagar uma certificadora. Isso é absurdo.

Por isso surgiu na Rede Ecovida a questão da certificação. E como está sendo feita? A certificação é uma geração de credibilidade, porque, no momento em que se está organizado num grupo formal ou informal, em que esse grupo faz parte de um núcleo e esse núcleo faz parte de uma rede, todas essas pessoas se conhecem, e uma avaliza o trabalho da outra.

Como se vai saber se o grupo de Caxias do Sul, por exemplo, está dentro dos objetivos e das normas da rede? Porque ele está organizado em um núcleo; esse núcleo tem um conselho de ética; esse conselho de ética regionalmente visita as propriedades, constatando, sem maiores burocracias e sem pilhas de documentos para preencher e comprovar, que está sendo feito um trabalho de agricultura ecológica. Isso acaba gerando uma credibilidade, sendo o agricultor autorizado a usar o selo da Rede Ecovida de Agroecologia.

É um trabalho muito rico, e sua maior riqueza é a questão da troca de experiências, do convívio, do intercâmbio entre núcleos.

O grande apoiador da rede, no momento, é o Ministério do Desenvolvimento Agrário, que trabalha sempre em contraponto. Brincamos dizendo que o Rossetto não se dá muito com o Roberto Rodrigues, que trabalha em contraponto ao Ministério da Agricultura, onde são o agrobusiness, a agricultura moderna, a soja, o algodão, o açúcar, o álcool o que importa. Só que não é só isso que importa.

Quero deixar aqui a mensagem de que temos de construir um consumo ético, um consumo solidário. O companheiro estava falando daquele centavo a mais, mas o valor a menos que o consumidor paga

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numa grande rede de supermercados significa que o produtor foi explorado. Quando vemos numa propaganda o alface a 10 centavos, isso significa que alguém está sendo tremendamente explorado. Isso não é real; esses preços não são reais.

Vale a pena nos empenharmos, gastarmos um pouquinho mais, porque isso vai reverter em nosso benefício. Quando se beneficia a agricultura familiar, está-se evitando o êxodo rural, o aumento de desempregados na cidade. Na verdade, vão sobrar mais empregos na cidade.

Era o recado que queria deixar neste momento. Obrigado.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Obrigado, Jorge Alberto Eswein, da Rede Ecovida.

Está com a palavra, por 10 minutos, o Paulo Kreutz, da Central de Comercialização de Santa Rosa – Crecaf.

O SR. PAULO KREUTZ – Boa-tarde a todos e a todas. Uma saudação especial ao deputado Elvino Bohn Gass, nosso conterrâneo de .

É uma satisfação poder discutir, comentar o que fazemos lá na nossa região.

(Procede-se à apresentação de imagens.)

Estamos mostrando a nossa Região da Fronteira Noroeste, Missões, onde fazemos esse trabalho de organização da agricultura familiar.

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Nosso trabalho começou há vários anos – no tempo da globalização da economia, no qual a agricultura familiar não deveria mais ter vez no processo –, junto com a Cooperativa de Eletrificação Rural. A discussão começou porque a sócia da cooperativa era a agricultura familiar, e foi necessário pensar em como seria o pagamento da energia no futuro, assim como o trabalho social que deveria fazer, mais do que vender essa energia.

Iniciamos o programa de apoio à viabilidade da agricultura familiar e a discussão sobre o processo, sobre como o faríamos, o que poderíamos fazer e de que organizações precisaríamos para podermos ter um programa que de fato pudesse, na prática, viabilizar o agricultor familiar, que estava sendo excluído do processo de produção tecnológica imposto à agricultura. Vimos que precisaríamos, além da discussão tecnológica, discutir a organização capaz de dar conta da comercialização dos produtos diferenciados que estávamos dispostos a produzir.

Como podem ver, nossa região é de agricultura familiar; temos solos mistos, declividade acentuada, propriedades de tamanho médio de 20 hectares; tivemos estiagens freqüentes nos últimos 10 anos, com perdas econômicas freqüentes delas decorrentes; a matriz produtiva é a soja.

Quando se fala em Santa Rosa se pensa na soja, o que hoje já não é mais assim. A Fenasoja acontece, mas a soja já foi para o norte do País. Enfrentamos muita dificuldade na sua produção, e mesmo com 20, 30, 40 hectares o agricultor não mantém mais a família. Com isso, começa a produção do leite, e, nas áreas com maior declividade, do fumo, que não é a melhor cultura que se pode fazer.

Fizemos essa discussão e iniciou-se a criação das cooperativas municipais, para que tivéssemos uma estrutura municipal junto aos

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sindicatos, às ONGs e outras organizações de trabalhadores onde discutir a produção.

Logo surgiu a necessidade de uma central, na qual pudéssemos ter a visão de coordenação dessas cooperativas municipais, que podem ver na imagem. Não vou citar todos os nomes porque o tempo é curto. Com essa organização, poderíamos fazer a rede de comercialização entre as cooperativas.

Nosso forte lá é a discussão sobre a produção orgânica, ecológica. Entendemos a viabilidade da agricultura familiar no produto alternativo. Com as grandes agroindústrias e grandes redes de supermercado, fica difícil falar de coisas pequenas, dizendo que são viáveis, que não vão falir logo a seguir.

Nossa marca, nossa discussão é o produto alternativo diferenciado, principalmente diferenciado pela produção ecológica.

Tendo essas agroindústrias, tendo uma discussão sobre essa produção, tendo a produção de cereais, precisávamos de uma rede de organização de comércio. Mesmo sendo na mesma região, uma cooperativa municipal não tinha condições, em seu moinho de milho, de farinha ecológica, de vender no Município de , a 30, 40 ou 50 quilômetros, necessitando da rede de comercialização entre as cooperativas para que as agroindústrias pudessem promover o comércio de seus produtos em toda a região.

A partir de então, surgiu a central regional com o seu centro de vendas em Santa Rosa, onde chegam todos os produtos e dali são distribuídos para todos os Municípios, formando a rede de comércio, o que viabiliza as pequenas e microagroindústrias e a produção em pequena escala de cereais e de qualquer produto.

A central regional de Santa Rosa tem a incumbência de fazer a

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ponte de distribuição com outras regiões, organizações ou redes do Estado. Hoje, inclusive, temos no centro de vendas da central produtos de outras regiões e também já estamos enviando nossos produtos para outras localidades. Esse centro de vendas, como já foi mencionado, tem a pretensão de ser uma agência de negócios; não é um silo, um armazém ou um grande depósito. O produto não passa pelo depósito da central.

Hoje há oito cooperativas que se estão integrando no nosso sistema. Temos peculiaridades regionais, como um microclima que possibilita a produção de frutas tropicais – já produzimos mamão, manga, abacaxi. Conseguimos construir o nosso centro num terreno do Estado lá em Santa Rosa, à época do governo Olívio, com recursos a fundo perdido.

Temos também um trabalho de formação e educação coordenado pela nossa associação. Desenvolvemos ainda um trabalho com o leite da pequena agricultura familiar e estamos integrados ao sistema Coorlac, uma cooperativa estadual que industrializa o nosso leite – recebemos leite em seis cooperativas e estamos chegando a 1 milhão de litros. Portanto, há bastante movimentação econômica, e estamos segurando as pontas para o agricultor. Trabalhamos com o apoio da Cooperluz, de sindicatos, da Emrede, da ONG Cidade. Muito obrigado.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Está com a palavra o representante da Emrede, Sr. Nelson Dias Diehl.

O SR. NELSON DIAS DIEHL – Bom-dia a todos.

Nós, que tratamos dos assuntos ligados à agricultura na Emrede, entendemos as questões ligadas à comercialização e à agricultura ecológica da seguinte forma: hoje a agricultura familiar, para sobreviver com qualidade, necessita se qualificar tecnicamente para os novos

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tempos. Os métodos tradicionais já não são suficientes na produção primária, no beneficiamento, no armazenamento e na comercialização.

A agricultura familiar está sendo cada vez mais embretada a ter esse papel marginal e subalterno na produção agrícola. As soluções apresentadas para a agricultura familiar tanto pelas empresas como pelos governos direcionam geralmente o agricultor a produzir mais, com tecnologia de aumento de produção, mas os custos são superiores à renda proporcionada. O sistema desarticula os agricultores familiares fazendo com que eles não assumam o controle da verticalidade da produção e fiquem sempre com um papel menor.

Essas experiências que vemos aqui são importantes, pois demonstram a preocupação no sentido de que o agricultor trabalhe com o produto final, com as agroindústrias, beneficiando, entrando na certificação.

A agricultura ecológica no nosso ver não tem crescido no Estado. Houve um pique de crescimento, mas a partir do ano 2000 percebemos uma relativa estagnação. A Cotrimaio tinha um plano que envolvia 150 agricultores ecológicos, mas hoje não alcança 50 agricultores. Há um problema nitidamente tecnológico e nem tanto de mercado, e a qualidade dos produtos orgânicos de um modo geral também não tem melhorado. Temos visto em feiras poucas iniciativas, que são maravilhosas, mas, como disse, a qualidade não tem melhorado.

O espaço para produtos orgânicos no mercado também não tem crescido aqui no Rio Grande do Sul. Vemos pouquíssimos exemplos de agricultura familiar ecológica nas redes de supermercados e, nos minimercados, a ausência de tais produtos é muito nítida. Esse espaço nos supermercados está sendo principalmente usado pelos capitalistas. Hoje em dia, num supermercado, 90% dos produtos orgânicos são de fora do Estado – só existe uma empresa capitalista que está entrando nos supermercados da Grande Porto Alegre.

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Na parte de comercialização a concentração é cada vez maior, e os espaços para a agricultura familiar conquistar são muito reduzidos. A certificação para nós se justifica quando envolve o produtor, os agentes de intermediação, que têm um papel fundamental – esses agentes na questão da comercialização precisam estar envolvidos num processo de geração de credibilidade –, e o consumidor. Tendo esses três agentes com participações, o processo de geração de credibilidade, a certificação torna-se um instrumento democrático, porque exige para excluir. Ninguém certifica nada para incluir. Em todo processo de certificação está intrínseca a exclusão. Se todos têm certificação, não me interessa ter certificado. Como então fazer um sistema que seja democrático, participativo e includente?

Outra questão na certificação é que a pessoa só irá gastar, só irá investir seu dinheiro se tiver a possibilidade de ganhar mais. Nesse aspecto da certificação está embutida também uma elitização, inescapavelmente.

Para quem parte do princípio – na Emrede é assim – que qualidade, produto livre de veneno é um direito de todos, não é privilégio de uma minoria, a certificação como está colocada – e a certificação é um processo caro com raras exceções; a Rede Ecovida de Agroecologia e também, no Rio de Janeiro, a Abil fazem processos mais democráticos – é um instrumento que, para ser sério, é caríssimo e exclui o pequeno agricultor.

Quais são os caminhos? Primeiro, no plano da tecnologia de qualificação, o agricultor tem que ter um produto diferenciado. Como o agricultor pode ter um produto diferenciado se produz arroz, feijão, etc.? Dando características únicas, pessoais a ele, que é a sua cultura, a região onde está. Fica muito claro entender essa estratégia no caso do vinho. O mercado do vinho é o único que as multinacionais não dominam. Os senhores podem ver que as multinacionais dominam o mercado de

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refrigerantes, de cervejas, mas não há multinacionais dominando o mercado do vinho. Até mesmo com relação à água: a Nestlé tem uma estratégia para dominá-la no mundo. Hoje a água é destilada, neutralizada e é adicionado um pacotinho de minerais.

Isso também podemos transpor para a agricultura familiar, a fim de que ela comece a trabalhar qualidade como instrumento de venda, de capacitação, de fortalecimento na comercialização. Para isso temos o que chamamos de agricultura biomineralizada em que as qualidades minerais juntamente com as qualidades culturais do agricultor se transformam em um produto único. E esse produto consegue, com uma boa estratégia, a comercialização e a conquista de mercados. Essa conquista de mercado se dá não só no plano tecnológico; o agricultor começa a se apropriar de uma agricultura que dá a ele rendimentos crescentes, diminuição de custos e ponderação no fazer. Quer dizer, temos que levar ao agricultor tecnologia para que ele possa decidir onde quer comercializar seus produtos, se quer ou não ser certificado. Na época em que trabalhávamos na Coolméia, vimos que muitos agricultores que utilizavam o plantio orgânico resolveram começar a usar agrotóxicos. Percebíamos nisso uma derrota tecnológica. Tudo bem um agricultor deixar de participar de uma feira, de comercializar com a ou b, mas voltar para o uso do agrotóxico, do veneno era muito duro de ver. Para nós que levávamos questões éticas, questões de princípios de cidadania junto com a agricultura ecológica, que é uma característica do Estado do Rio Grande do Sul, era muito triste.

Percebemos então que o agricultor não era culpado por essa situação; que o problema era nosso. Tínhamos que evoluir no campo da tecnologia e levar para o agricultor uma tecnologia tão simples de usar como aplicar um veneno, um adubo químico. Esse é o trabalho que, na Emrede, estamos levando para o agricultor. Estamos com trabalhos em diversos lugares no Estado do Rio Grande do Sul no sentido de levar esse tipo de tecnologia, esse modo de fazer que tenha esse norte. Muito obrigado.

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O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Teremos agora dois debatedores, os representantes da Guayi, Sr. Milton Pantaleão, que também coordena o Projeto Cadeia Solidária de Reciclagem, em Caxias do Sul; e da Arede, de Santa Rosa.

Está aberto o espaço para comentários sobre as exposições feitas, com cinco minutos para cada uma das organizações. Logo após, o plenário poderá fazer intervenções.

Está com a palavra o Sr. Milton Pantaleão.

O SR. MILTON PANTALEÃO – Boa-tarde a todos. Darei meu recado telegraficamente em função do tempo.

Só para pontuar o debate, é preciso dizer que vivenciar a economia solidária numa sociedade capitalista é necessariamente uma experiência radical. Estamos concluindo nossa participação como entidade na execução de um mapeamento, coordenado pela Secretaria Internacional de Economia Solidária – na próxima semana estaremos concluindo 260 empreendimentos –, e imediatamente faremos um seminário com o pessoal que realizou o trabalho de campo. O retorno está sendo fantástico em termos de diversidade de opiniões e precisamos sedimentar esse conhecimento.

O que se verifica é que a experiência da economia solidária é a vivência concreta de uma nova economia que é não-capitalista, é socializante, mas que ocorre no interior de uma sociedade capitalista. Esse é o seu grande paradoxo.

Como a sociedade capitalista é uma sociedade com predomínio de capital e estamos falando em socializante, porque defendemos a idéia de

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uma sociedade com predomínio do social, com características socialistas por isso, nós fazemos essa experiência na disputa dessa sociedade capitalista, desse mercado capitalista, que é hegemônico.

Esse trabalho tem dois objetivos concretos: praticar os princípios da economia solidária, os princípios não-capitalistas, e ao mesmo tempo buscar renda e conquistas de organização autogestionária para os empreendimentos solidários. Ou seja, tem de haver uma resposta objetiva para os trabalhadores na prática desses novos princípios na sociedade em que vivemos. Esse é o melê, digamos assim, em que estamos metidos.

Nós temos a tendência de analisar muito as condições, as características do ambiente externo em que estamos envolvidos na sociedade capitalista. E a nossa entidade está procurando se aprofundar na análise das nossas fraquezas internas, no ambiente da economia solidária, dos nossos problemas, para enfrentarmos essa situação. E é nesse sentido que queremos tematizar o debate.

Enxergamos quatro fraquezas estratégicas internas na economia solidária. Quais seriam? Uma delas foi constantemente citada no seminário: a tradição do assalariamento das trabalhadoras e dos trabalhadores – o Edson Pilatti falou bastante a respeito disso. A outra – para nós a economia solidária é composta dos trabalhadores e da militância social dos intelectuais que transitam com essa proposta: nós, os militantes, os intelectuais que trabalham essa proposta junto aos trabalhadores, carregamos um conjunto de políticas públicas que na sua tradição são compensatórias, têm um traço assistencialista, e trazemos um pouco disso para a atividade econômica. Um terceiro elemento que nos carateriza muito diz respeito a algo que trazemos como tradição: os altos níveis de disputa política. O quarto elemento, que carregamos para esse universo, é a baixa qualidade da nossa assessoria econômica.

Essas seriam, de certa forma, as nossas estratégicas fraquezas que dão cabo da nossa missão, dos nossos objetivos no enfrentamento com os

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adversários reais, que são os agentes capitalistas, os empresários, o capital.

São três as ações estratégicas que procuramos desenvolver e debater no seio da economia solidária e apresentar como debate político concreto nosso.

Primeira: a necessária ação continuada em rede dos empreendimentos solidários. Não há como atuar um empreendimento solidário não-capitalista de forma isolada no mercado capitalista. Ou nós nos agrupamos numa rede de cooperação solidária, ou o quadro fica muito difícil.

Segunda: a busca de oportunidades de negócio. Só podemos praticar nossos princípios e ter objetividade nos resultados para os trabalhadores se estivermos constantemente construindo o negócio solidário, buscando oportunidades de negócio para os empreendimentos, se estivermos juntos com os empreendimentos, associados aos empreendimentos, assumindo os mesmos riscos que os empreendimentos, gerando economia concreta.

Terceira ação: para a obtenção de resultados, a formação de autogestão tem de ser uma ação combinada com assessoria econômica. Estamos absolutamente convencidos de que a ação de formação de autogestão tem de estar combinada com o negócio em andamento, com ações em rede.

Para dar um salto de qualidade na economia solidária, e por tudo o que foi discutido durante o dia de hoje, temos que sair da ponte entre o setor público, como provedor, e os empreendimentos, que posteriormente se encontram na atividade econômica. Precisamos estar lado a lado na construção desse caminho econômico e assumir o risco na disputa interna do mercado capitalista, vivenciando uma experiência interna não- capitalista. Tal ação poderá representar uma nova escola na construção de

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uma nova economia e de uma nova sociedade.

É o que trazemos para o debate. Muito obrigado. (palmas)

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Está com a palavra o representante da Cresol, Genes da Fonseca Rosa.

O SR. GENES DA FONSECA ROSA – Boa-tarde a todas e a todos.

Como foi dito, represento o Sistema Cresol e sou de Chapecó. Entendo que a Cresol se insere no tema deste seminário, pois as cooperativas de crédito são um sistema bastante solidário. O Sistema Cresol distribui o crédito de forma solidária e compartilhada com seus associados, seus agricultores.

Para os senhores entenderem, hoje temos 22 mil associados e 38 cooperativas somente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Apenas no ano de 2004, distribuímos 35 milhões de reais com recursos próprios. Com esses 35 milhões de reais foram beneficiados 35 mil agricultores com o valor, em média, de 2 mil e 700 reais por contrato.

Então, o sistema atende aos princípios da economia solidária, pois um contrato de 2 mil e 700 reais significa que o crédito está bem pulverizado entre seus associados.

No nosso entendimento, o Sistema Cresol se insere na economia solidária porque beneficia agricultores que estão fora do processo de bancos tradicionais em função de vários aspectos relacionados à aquisição do crédito. Assim, se vem ajudando uma fatia de pessoas que necessitam desse crédito. Como disse o representante da Coopercana, nos bancos tradicionais há uma grande dificuldade de acesso ao crédito. O

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sistema inclusive está ajudando a Coopercana diante de uma necessidade, entendendo que o recurso vem para beneficiar outras cooperativas e, com isso, outros agricultores vinculados à economia solidária.

Trabalhamos também com recursos do Pronaf, os quais se destinam à agricultura familiar; trabalhamos na constituição de empreendimentos de indústrias de pequeno porte. E direcionamos todo esse incentivo financeiro justamente para a população da agricultura familiar que mais necessita.

Essa a síntese do que tínhamos a dizer. Obrigado. (palmas)

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Infelizmente, dado o adiantado da hora, não abrirei espaço para o debate. Assim, passo a palavra final aos painelistas.

A IRMÃ LOURDES – Em primeiro lugar, desejo agradecer este espaço e convidar a todos para a realização da primeira feira do Mercosul, nos dias 9 e 10 de julho.

Vamos congregar as forças e as lutas para a realização da nossa utopia, na qual acreditamos, forjando sempre mais nossas consciências, nossa integração e nossas práticas, para construirmos este projeto de economia popular solidária, inserindo de modo muito fortalecido também a questão da segurança alimentar e nutricional sustentável. Para falar em Fome Zero e nas experiências de inclusão, temos de fortalecer a questão da geração do trabalho Enda.

Nesse sentido, nos alegramos – e também me alegrei muito com a participação da nossa equipe – de reencontrarmos tantas forças vivas que hoje estão contribuindo na construção de políticas públicas para a economia popular solidária. Obrigada. (palmas)

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O SR. MIGUEL STEFFEN – Também agradeço esta oportunidade.

Nós, na condição de organização não-governamental – e reitero isto –, estamos nos dois lados: como entidade de apoio e como empreendimento.

Sabemos da dificuldade de efetivar um empreendimento. Penso que temos de eleger este ano como o ano do empreendimento; é preciso dar respostas aos empreendimentos autogestionários para que se auto- sustentem. De nada adianta termos mil livros publicados sobre economia solidária se os nossos empreendimentos não estão saudáveis na questão tanto política como organizacional, gestionária e financeira.

O nosso desafio, como organização, como Consol, é, sim, pelas dificuldades que enfrentamos – e elas foram seriíssimas – darmos uma resposta aos empreendimentos.

Conclamo a todos para este desafio, para esta luta: fazer com que este ano seja efetivamente voltado para a solução da questão dos empreendimentos. Muito obrigado. (palmas)

O SR. PAULO KREUTZ – Foi muito importante o dia de hoje, considerando que começamos a discutir economia solidária também no meio rural. Mas é enfrentando desafios que as organizações conseguem se integrar. A produção da agricultura familiar depende do comércio para se viabilizar, e aí está o consumidor urbano organizado para fazer essa integração.

O grande passo que temos a dar é realmente produzir de forma alternativa. Se queremos manter principalmente o jovem na área rural, temos de produzir algo que agregue valor. Temos certeza de que, se for

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assim, a juventude ficará no campo – temos muitos exemplos disso.

Se agregamos valor ao nosso produto, conseguimos viabilizar a agricultura familiar, utilizando principalmente tecnologia alternativa, a qual nos permite produzir alimentos de qualidade. Hoje enfrentamos muitos problemas que não sabemos de onde vêm. Se vamos a fundo, podemos perceber que não estamos mais consumindo alimentos, mas, sim, enchendo a barriga.

Temos tecnologia comprovada de produção, e não se pode mais dizer que a agricultura ecológica não produz. Produz, sim, e, por isso, nosso grande desafio é o de avançarmos nesse sentido. O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Obrigado, Paulo Kreutz.

Está com a palavra o Sr. Nelson Dias Diehl.

O SR. NELSON DIAS DIEHL – Agradecemos o convite.

Para nós, a economia solidária não contempla muito bem a agricultura familiar. Pelas definições hoje existentes de economia solidária, uma família não seria um empreendimento solidário. No entanto, segundo nosso entendimento, uma unidade familiar é um empreendimento solidário.

Temos de reavaliar esta visão de economia solidária voltada para a cidade. Existe, sim, uma história de solidariedade, de cooperativismo e de iniciativas em que não há exploração de capital no campo, e essa história deve-se enquadrar nos conceitos de economia solidária.

Economia solidária é economia; então, tem de gerar dinheiro, tem de movimentar a produção, tem de crescer. E não podemos, de forma alguma, dizer que isso não é solidariedade, que isso não é economia solidária.

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Pensa-se muito no pequeno, mas ninguém quer ser sempre pequeno – todos querem ser saudáveis, todos querem ter força, só que de uma forma diferente. Muito obrigado.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Obrigado, Nelson Dias Diehl.

Passo a palavra ao Sr. Milton Pantaleão.

O SR. MILTON PANTALEÃO – Todos na Assembléia Legislativa querem saber o que está acontecendo nesta sala. A economia solidária está abrindo o seu espaço, é um grande acontecimento, há muita gente aqui, e isso significa alguma coisa. Temos de mostrar ao mundo o que isso significa.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Muito obrigado, Pantaleão.

A Sra. Merici Gutjahr, da Arede, quer dar um recado.

A SRA. MERICI GUTJAHR – Para nós, como Miguel Steffen dizia, este é o ano do empreendimento, sim, porque temos um trabalho também com grupos urbanos. Além das atividades com as cooperativas da agricultura familiar, também estamos desenvolvendo um projeto com grupos de mulheres urbanas que trabalham justamente os princípios da economia popular solidária. Em parceria com outra ONG da região, também estamos trabalhando com o site das sementes crioulas – vou-lhes passar um adesivo –, que está sendo estruturado ao poucos, mas que é um instrumento importante de divulgação das sementes crioulas e da sua recuperação. Obrigada.

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O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Obrigado, companheira.

Passo a palavra ao companheiro da Cresol, Sr. Genes da Fonseca Rosa.

O SR. GENES DA FONSECA ROSA – Também gostaria de agradecer a oportunidade que tivemos e de apresentar rapidamente o nosso sistema de cooperativa de crédito. No meu entendimento, as pessoas que estão participando deste evento têm interesse em divulgar a economia solidária, o que nos alegra, pois saímos do seminário vendo que há muitos interessados em divulgar esta proposta nova. É dessa forma que faremos crescer a economia solidária. Obrigado.

O SR. MEDIADOR (Edson Pilatti) – Obrigado ao companheiro da Cresol.

Encerramos aqui o debate da mesa 3: Redes de Comercialização, Agroecologia e Certificação Participativa – Diálogos com as Instituições de Crédito.

Às 19 horas, no Plenarinho, será realizado o painel de encerramento, com o professor Paul Singer, secretário nacional de Economia Solidária.

Estão encerrados os trabalhos. Muito obrigado.

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