INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BOTÂNICA

CONHECIMENTO E CONSUMO DE PLANTAS ALIMENTÍCIAS EM CINCO COMUNIDADES DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PIAGAÇU-PURUS, AMAZONAS.

Clara de Carvalho Machado

Manaus – Amazonas Abril / 2018 II

Clara de Carvalho Machado

CONHECIMENTO E CONSUMO DE PLANTAS ALIMENTÍCIAS EM COMUNIDADES DA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL PIAGAÇU-PURUS

Orientador: Dr. Valdely Ferreira Kinupp

Dissertação apresentada ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas, área de concentração em Botânica.

Manaus – Amazonas

Abril / 2018

III

M149c Machado, Clara de Carvalho

Conhecimento e consumo de plantas alimentícias em cinco comunidades da reserva de desenvolvimento sustentável Piagaçu – Purus, Amazonas / Clara de Carvalho Machado. - Manaus: [s. n.], 2018.

f. : il. color.

Dissertação (Mestrado) - INPA, Manaus, 2018. Orientador: Valdely Ferreira Kinupp.

Programa: Botânica.

1. Plantas alimentícias . 2. Etnobotânica. 3. Desenvolvimento sustentável. 4. Soberania alimentar. I. Título.

CDD 581.632

IV

Agradecimentos

Por mais solitária que uma dissertação possa ser, não há ciência que se faça sem parcerias. Desde os braços que carregaram pesados galões de gasolina nos recreios até os olhos que agora correm essas linhas, sou grata: Aos moradores das comunidades que me receberam e compartilharam comigo suas rotinas, seus vocabulários, suas práticas, seus saberes e sabores. Especialmente às famílias que me receberam e me adotaram de alguma forma por alguns dias: Assis e Socorro, Mário e Marlete, Padre e Nazaré, Raimundão e Janne, Adelino e Lindinalva, Orangio e Irismar. Obrigada por me ensinarem e pela amizade que construímos. Aos moradores que faziam os esforços de coleta comigo, compartilhando seus conhecimentos e colaborando enormemente para a coletânea de dados reunidos neste trabalho: Seu Orlando, Di Maria, Sapinho, Seu Noca, Dona Marli, Seu Nédio, Seu Adelino, Buchudo, Mário e Evandro.

À Heloísa Brum e Eduardo Mühlen, por me apresentarem a todos através de seus respeitosos olhares e por me inserirem em relações pessoais tão amorosamente construídas com as comunidades da Reserva. Eu sou mais uma de seus tantos admiradores. Ao Victor Pimentel por ter me apresentado a chance de conhecer esse pedaço todo especial da Amazônia. A todos que colaboraram com os trabalhos de campo. Ao Antonio Emerson Fernandes da Silva, pelo esforço incansável em subir nas majestosas árvores e pela ótima parceria. À Carolina Freitas, pela amizade inesperada e pelos sensíveis ensinamentos e descobertas de campo. Ao meu orientador, pela recepção e pelo entusiasmo com a ciência das plantas e com a prática agroecológica. Sou grata por representar uma inesgotável fonte de inspiração, pela forma tão simples de compartilhar seu valioso conhecimento e pela orientação nada convencional (não teria como ser diferente), feita em restaurantes, no Sítio PANC, na feira, ou onde quer que fosse. Aos demais professores e professoras que colaboraram com suas experiências para a construção deste trabalho: Dr. Charles Clement, Dr. Glenn Shepard Jr., Dra. Tatiana Schor, Dra. Dionísia Nagahama, Dra. Veridiana Scudeller e Dra. Elisa Wandelli e Dr. Alberto Vicentini. V

Ao Eduardo Prata, pela paciência e dedicação na ajuda estatística, e aos demais amigos que colaboraram nessa etapa Helder Espírito-Santo, Ariel Molina e Flávio Costa. Aos incríveis doutores, mestres, colegas e taxonomistas que nos ajudaram na identificação das plantas: José Ramos (várias), Dr. Marcos Sobral (Myrtaceae), Dra. Anália Duarte (Myrtaceae), Dr. Afonso Rabelo (Arecaceae), Dr. Claes Persson (Rubiaceae), Dr. Piero Delprete (Rubiaceae), Dra. Charlotte Taylor (Rubiaceae), Dr. Mike Hopkins (Parkia), Dra. Iêda Amaral (Inga), Dr. Julio Lombardi (Celastraceae), Dr. Alberto Vicentini (Lauraceae), Dr. Mário Terra-Araújo (Sapotaceae), Dr. Luis Fernando Paiva Lima (Cucurbitaceae). Ms. Magno Pilco (Protium - Burseraceae), Ms. Maihyra Pombo (Annonaceae), Ms. Nallaret Dávilla (Rubiaceae), Ms. Lorena Oliveira (Fabaceae), Ms. Marcos Corrêa (Arecaceae), Ms. Eliete Brito (Melastomataceae), Ms. Marisabel Ureta (Lauraceae), Ms. Caroline Vasconcelos (Sapotaceae) e Jaynna Isacksson (Chrysobalanaceae). À Vivi, Ricardo e Wandinho, minha família que fiz em Manaus, por estarem presente comigo nessa caminhada. Aos amigos de longe e de perto, recentes ou de longa data, que estiveram presente nesses dois anos. À minha família, pelo apoio e pelo amor. Sou grata pela paciência nos meses em campo, quando aguentaram firme com a falta de notícias. Ao Sci-Hub, por remover as barreiras no caminho da ciência. Ao Instituto Piagaçu, pela logística e parceria. Ao CNPq pela bolsa de mestrado e à CAPES, através do Programa Pró- Amazônia – Projeto 052, pelo financiamento. Ao INPA e ao Programa de Pós-Graduação em Botânica, pela oportunidade de estudar as plantas com professores e colegas interessantíssimos, em um dos lugares mais incríveis deste planeta.

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Resumo

O estudo da alimentação na Amazônia enfatiza o consumo de peixe e farinha como dieta básica de diferentes povos, enquanto os vegetais, principalmente frutas, são consumidos de forma esporádica e sazonal. Em um cenário de transição nutricional, com crescente inserção de produtos industrializados na dieta, a alimentação tradicional e o consumo de produtos regionais vêm sofrendo transformações que impactam a saúde, a autonomia e o modo de vida de populações tradicionais. Estudos etnobotânicos tendem a sinonimizar conhecimento teórico e uso efetivo de plantas, porém, nem sempre estes são compatíveis. Sendo assim, este estudo pretendeu avaliar o conhecimento teórico e o efetivo consumo de plantas alimentícias em comunidades ribeirinhas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus. O nível de acesso e características socioculturais das comunidades foram consideradas, como também as diferentes estações hidrológicas do rio Purus. Através de listagens livres e recordatório 24 horas foram entrevistados 288 moradores das cinco comunidades com idade entre 4 e 86 anos. O levantamento do conhecimento botânico das comunidades participantes demonstra um rico conhecimento de plantas alimentícias, com 220 espécies identificadas mas, ainda observa-se alguma monotonia alimentar, com pouco consumo cotidiano de toda esta diversidade vegetal conhecida. O consumo de plantas é mais diverso na estação cheia do rio, possivelmente devido ao acesso facilitado às áreas de floresta inundável, além da dinâmica agrícola local e a sazonalidade da floresta. A monotonia alimentar e a dependência de recursos externos para alimentação são ameaças à segurança e, especialmente, à soberania alimentar de algumas comunidades. Apesar de sazonal, o consumo de plantas conhecidas e culturalmente aceitas pode ser intensificado com adoção de princípios agroecológicos como a diversificação de roçados e sítios; maior participação das mulheres nas tomadas de decisões agrícolas e alimentícias e valorização do conhecimento culinário tradicional e dos produtos e ingredientes regionais.

Palavras-chave: etnobotânica; soberania alimentar; plantas alimentícias.

VII

Abstract

Food habits studies in the Amazon emphasizes the consumption of fish and farinha (manioc flour) as basic diet in different groups, while vegetables, mainly fruits, are consumed sporadically and seasonally. In a scenario of nutritional transition, with insertion of industrialized food in the diet, traditional food and consumption of regional products have undergone transformations, affecting health, autonomy and the lifestyle of traditional populations. Ethnobotanical studies tend to equalize theoretical knowledge and use of , but these are not always synonyms. Therefore, this study aimed to evaluate the theoretical knowledge and the actual consumption of food plants in riparian communities of the Piagaçu-Purus Sustainable Development Reserve. The level of access and sociocultural characteristics of the communities were considered, as well as the hydrological seasons of the Purus River. We interviewed 288 residents of the five communities with age between 4 and 86 years with free lists and 24 hours diet recall. The survey of the botanical knowledge demonstrates a rich knowledge of food plants, with 220 identified , nevertheless, there is still a food monotony, with little consumption of all knowledge. The consumption of plants is more diverse in the wet season, possibly due to the easier access to areas of flooded forest, besides the local agricultural dynamics and the forest seasonality. Food monotony and dependency on external resources for feeding are threats to food security for some communities. Although seasonal, the consumption of known and culturally accepted plants can be intensified with the adoption of agroecological principles such as the diversification of agricultural fields; greater participation of women in agricultural and food decision-making; and appreciation of traditional cuisine and regional food ingredients.

Key words: ethnobotany; food security; food plants.

VIII

Sumário Lista de tabelas...... X Lista de figuras...... XI Apresentação...... 12 Introdução Geral...... 14 Objetivo Geral...... 16 Área de Estudo...... 16 Comunidades participantes...... 20 Aspectos éticos...... 20 Referências...... 22

Capítulo 1 - Conhecimento de plantas alimentícias em cinco comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus 1. Introdução...... 26 2. Objetivos...... 28 2.1. Objetivo geral...... 28 2.2. Objetivos específicos...... 28 3. Material e Métodos...... 29 3.1. Seleção de participantes...... 29 3.2. Caracterização das comunidades...... 29 3.3. Listagem de plantas alimentícias conhecidas...... 30 3.4. Coleta e identificação de amostras botânicas...... 31 3.5. Avaliação da saliência cognitiva...... 32 3.6. Relação entre o acesso das comunidades e conhecimento botânico...... 32 4. Resultados e Discussão...... 33 4.1. Caracterização das comunidades...... 33 4.1.1. Tipo 1: comunidades de acesso constante...... 34 4.1.2. Tipo 2: comunidades de acesso ocasional...... 40 4.1.3. Tipo 3: comunidades de acesso irregular...... 42 4.2. Conhecimento de plantas alimentícias...... 46 4.3. Formas de consumo...... 51 4.3.1. Principais formas de preparo...... 51 4.3.2. Preferências locais...... 60 4.4. Saliência cognitiva das plantas mencionadas...... 62 4.4.1. Índice de Saliência Cognitiva Geral...... 62 4.4.2. Índice de Saliência Cognitiva nos grupos de entrevistados...... 68 4.5. Conhecimento botânico e o acesso das comunidades...... 72 5. Conclusões...... 73 6. Referências...... 74

IX

Capítulo 2 - Consumo de plantas alimentícias em cinco comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus 1. Introdução...... 81 2. Objetivos...... 83 2.1. Objetivo geral...... 83 2.2. Objetivos específicos...... 83 3. Material e Métodos...... 83 3.1. Famílias participantes...... 83 3.2. Fenologia de espécies silvestres...... 84 3.3. Procedência dos itens alimentares...... 84 3.4. Hábitos alimentares no passado...... 84 3.5. Relação entre o consumo de plantas e estações hidrológicas...... 85 3.6. Relação entre o consumo de plantas e o acesso das comunidades...... 85 4. Resultados e Discussão...... 86 4.1. Consumo de plantas e o contexto alimentar...... 86 4.2. Consumo de plantas e regime hidrológico...... 94 4.3. Consumo de plantas e o acesso das comunidades...... 101 5. Conclusões...... 105 6. Referências...... 106

Considerações finais...... 111 Apêndices...... 112 Apêndice A.Tabela de espécies coletadas...... 113 Apêndice B. Lista de plantas mencionadas nas listagens livres não coletadas/fotografadas...... 130 Apêndice C. Termo de Assentimento Livre e Esclarecido...... 131 Apêndice D. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...... 13 Apêndice E. Termo de Anuência Prévia...... 133 Apêndice F. Cardápio da merenda escolar da comunidade Itapuru...... 134 Apêndice G. Cardápio da merenda escolar da comunidade Cuiuanã...... 135 Apêndice H. Lista Livre...... 136 Apêndice I. Recordatório 24 horas adaptado...... 137 Apêndice J. Ata de qualificação...... 138 Apêndice K. Ata de defesa...... 139

X

Lista de tabelas Tabela 1. Variáveis selecionadas e atributos utilizados para análise estatística de 30 agrupamento das comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes quanto ao acesso aos centros urbanos. Tabela 2. Cinco comunidades participantes da RDS Piagaçu-Purus e seus 33 entrevistados nas diferentes etapas de coleta de dados. Comunidade, famílias entrevistadas, pessoas entrevistadas e número de casas. Tabela 3. Categorias de preparo e formas de preparo das plantas alimentícias 53 citadas pelos entrevistados das comunidades participantes, RDS Piagaçu- Purus. F = Frequência relativa de citações de cada categoria, em porcentagem. N citações = 6325. Tabela 4. Espécies versáteis e as categorias de preparo em que se incluem 59 mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. N: número de categorias de preparo mencionadas para a espécie. Tabela 5. As quinze plantas com maior e menor índice de saliência cognitica (ISC) 64 mencionadas pelos menos cinco vezes nas listagens livre realizadas nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Classificação no ordenamento do ISC, nome popular, local de ocorrência (Local), Origem, número das listagens em que a planta ocorre (F), posição média da planta nas listagens em que ocorre (MP) e índice de saliência cognitiva (ISC). N=195. Tabela 6. Dez plantas alimentícias com maior Índice de Saliência Cognitiva entre 69 grupos de entrevistados nas cinco comunidades participantes, RDS Piagaçu-Purus. Nome popular, local de ocorrência (L), número das listagens em que a planta ocorre (F), posição média da planta nas listagens em que ocorre (MP), índice de saliência cognitiva (ISC). N = número de entrevistados. Tabela 7. Lista do total de plantas consumidas mencionadas pelas cinco 98 comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes de acordo com a hidrologia do rio Purus e a respectiva procedência mais citada. Nomes populares referidos no Apêndice A. Tabela 8. Média e desvio padrão do total de plantas consumidas pelos 99 entrevistados nas comunidades e seus respectivos tipos de acesso. N = número de entrevistados. Tabela 9. Diversidade de espécies consumidas por tipo de comunidade 102 mencionadas nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Tipo de comunidade, comunidades, número de espécies consumidas mencionadas, número total de entrevistados (N), número médio da lista de espécies consumidas em relação ao total de entrevistado (P). Tabela 10. Porcentagem dos vegetais consumidos mencionadas pelas cinco 103 comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes oriundos de produção interna (compra interna, extração, doação, sítio, roçado e horta) e compra externa relativa a cada tipo de comunidade em cada estação hidrológica do rio Purus. XI

Lista de figuras

Figura 1. Regime hidrológico do lago Uauaçu, baixo Purus, RDS Piagaçu-Purus, 18 Amazonas. Barras representam a precipitação mensal (mm) e pontos representam o nível da água do lago em metros. Fonte: Haugaasen e Peres (2006). Figura 2. Localização das comunidades da Reserva de Desenvolvimento 19 Sustentável Piagaçu-Purus (RDS-PP) e entorno. Fonte: Plano de Gestão RDS-PP (Instituto Piagaçu 2010). Figura 3. Localização das cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus selecionadas 20 para o estudo. Os pontos em azul mais claro representam as comunidades com mais acesso ao centro urbano, e gradativamente quanto mais azul escuro, menor este acesso. Figura 4. Relação das principais atividades desenvolvidas de acordo com o gênero 34 dos entrevistados nas cinco comunidades da RDS-Piagaçu Purus. As atividades foram categorizadas para fins analíticos, e a categoria “outros” englobou agentes de saúde, auxiliares de barco, carpinteiros, mestre de obras, serralheiro, cabeleireiro, funcionários de escolas e postos de saúde, merendeiras e professores. PFNM: produtos florestais não madeireiros (extrativismo). Figura 5. Caracterização das cinco comunidades participantes da RDS Piagaçu- 35 Purus. Resultado do dendrograma de análise de agrupamento para o acesso das comunidades. Correlação cofenética = 0,8916. Figura 6. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso constante de acordo com a 39 caracterização proposta. Figura 7. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso ocasional de acordo com a 41 caracterização proposta Figura 8. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso irregular de acordo com a 45 caracterização proposta. Figura 9. Principais famílias botânicas representadas no levantamento de plantas 47 conhecidas das cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Número de espécies de plantas alimentícias citadas pelo menos cinco vezes por família botânica. Figura 10. Araçá. 48 Figura 11. Castanha-de-cutia. 49 Figura 12. Temperos, fritinhos e farinhada produzidos por comunidades da RDS 57 Piagaçu-Purus. Figura 13. Doces e mingau produzidos por comunidades da RDS Piagaçu-Purus. 58 Figura 14. Número absoluto de plantas mencionadas como preferidas, por pelo 61 menos cinco vezes, em cada grupo de entrevistados nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. (N=337). Figura 15. Canteiros nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes.A. 62 coentro (Coriandrum sativum L. ) Canteiros nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes.A. coentro (Coriandrum sativum L. ) Figura 16. Frutos de Endopleura uchi (Huber) Cuatrec. recolhidos da floresta de 64 terra-firme e levados para casa na comunidade do Uixi, RDS Piagaçu- XII

Purus. Figura 17. Idiossincrasia das citações mencionadas nas listagens livre sobre 68 conhecimento de plantas alimentícinas nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Número de plantas e quantidade de vezes que foram mencionadas nas entrevistas de listagens livres. 73 plantas foram citadas apenas uma vez, enquanto uma única planta (banana) foi citada 138 vezes. Número de entrevistas = 195. Número de plantas citadas = 275. Figura 18. Ambiente das plantas citadas nas listagens livres sobre plantas alimentícias 70 conhecidas por grupo de entrevistados nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Porcentagem de plantas alimentícias citadas por cada grupo de entrevistados e seus ambientes de ocorrência. Figura 19. Agrupamento das cinco comunidades da RDS Piagaçu-Puus participantes 72 de acordo com o conhecimento botânico levantado em listagens livre. Correlação cofenética = 0,6564. Figura 20. Riqueza de espécies por refeição mencionadas no recordatório 24 horas 87 pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Número absoluto de espécies consumidas citadas para cada refeição e suas partes alimentícias. N=71. Figura 21. Formas de preparo nas refeições mencionadas pelas cinco comunidades 88 da RDS Piagaçu-Purus participantes. Porcentagem das formas de preparo citadas para cada refeição. Figura 22. Frequência das espécies consumidas mencionadas pelas cinco 89 comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Porcentagem de citações de espécies consumidas em cada refeição em relação ao total geral de citações de consumo (N=5497). Figura 23. Frutificação de espécies silvestres mencionadas nas listagens livres sobre 90 plantas alimentícias pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes e hidrologia do rio Purus. Número de algumas espécies silvestres coletadas nas turnês-guiadas possivelmente em fruto ao longo do ano, considerando os meses de frutificação das mesmas, compilados na literatura. Número de espécies consideradas = 86. Fonte: Haugaasen e Peres (2006). Figura 24. Consumo familiar de vegetais por comunidade participante na RDS 95 Piagaçu-Purus e de forma geral em diferentes estações hidrológicas do rio Purus. Os pontos nos gráficos representam as famílias entrevistadas em cada comunidade. Os pontos vermelhos são referentes ao consumo familiar de vegetais na estação seca e os azuis na estação cheia. As linhas conectam os pontos de cada estação ao centroide. A distância entre os pontos representa graficamente a dissimilaridade (índice de Bray-Curtis) encontrada entre o consumo de vegetais nas diferentes famílias entrevistadas. Figura 25. Procedência dos vegetais consumidos mencionadas pelas cinco 96 comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes em cada estação hidrológic do rio Purus. Porcentagem dos vegetais consumidos oriundos de extração ou produção (compra interna, doação, sítio, roçado e horta) e compra externa (itens não produzidos pelas comunidades) relativa às estações hidrológicas do rio Purus. XIII

Figura 26. Dez plantas mais consumidas na estação cheia mencionadas pelas cinco 99 comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Procedência das dez plantas mais consumidas nas estações de cheia do rio Purus em relação ao total de plantas consumidas em cada estação. Produção (roçado, hortas, doação); Compra Interna (itens produzidos na comunidade e comercializados internamente); Compra Externa (itens produzidos externamente à comunidade, comercializados principalmente nas cidades próximas e nas vendas locais).

Figura 27. Dez plantas mais consumidas na estação seca mencionadas pelas cinco 100 comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Procedência das dez plantas mais consumidas nas estações de seca do rio Purus em relação ao total de plantas consumidas em cada estação. Produção (roçado, hortas, doação); Compra Interna (itens produzidos na comunidade e comercializados internamente); Compra Externa (itens produzidos externamente à comunidade, comercializados principalmente nas cidades próximas e nas vendas locais). Figura 28. Agrupamento das comunidades de acordo com o consumo de espécies 101 vegetais mencionadas em recordatório 24 horas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Correlação cofenética = 0,8036. 14

Apresentação

Introdução Geral

O estudo da alimentação é repleto de diferentes abordagens e ganha força no Brasil principalmente a partir da década de 90, quando mais intensamente aproxima diferentes ciências na busca por um debate multidisciplinar. Alimentar-se está relacionado não apenas ao ato de comer e se nutrir, mas também é permeado por simbolismos, crenças, identidades, condições materiais e de acesso (Canesqui 2005). Todas essas dimensões que envolvem a alimentação estão por trás dos diferentes sistemas alimentares de populações humanas, e variam e são influenciados de acordo com fatores como o ambiente, a ecologia, a história e a economia (Maciel 2005). Estes sistemas alimentares são constituídos de forma primordial pelos alimentos tradicionais, que se definem por suas preparações particulares, típicas de cada região e intimamente ligadas ao ambiente e sua sazonalidade, bem como à identidade cultural dos povos (Dufour et al. 2016). Para os povos da Amazônia, é reconhecida historicamente uma alimentação baseada em peixe e farinha de mandioca, com consumo esporádico de frutas nativas sazonais (Murrieta 2001; Alencar et al. 2002; Murrieta e Dufour 2004; Adams et al. 2005; Murrieta et al. 2008; Cascudo 2011). Ainda são escassos estudos que enfoquem a contribuição destas espécies vegetais nos sistemas alimentares da região (Dufour et al. 2016). Em um contexto de integração ao mercado, regiões remotas como a Amazônia rural sofrem, invariavelmente, mudanças na dieta de suas populações. Alimentos tradicionais vão sendo em parte substituídos por “similares” industriais, em um processo denominado “transição nutricional” (Popkin 1993), ameaçado a segurança alimentar e a saúde de populações. De acordo com a Cúpula Mundial de Alimentação, um dos marcos da discussão a respeito de segurança alimentar no mundo, realizada em Roma, 1996,

“existe segurança alimentar quando todas as pessoas têm, em todos os momentos, acesso físico e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos para satisfazer às suas necessidades dietéticas e preferências quanto aos alimentos para levar uma vida ativa e saudável.”

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O conceito de soberania alimentar, cunhado pela luta dos movimentos sociais do campo, principalmente pela Via Campesina, acrescenta ao acesso aos alimentos, a dimensão política do poder de decisão sobre estratégias de produção, distribuição e consumo de alimentos (CONSEA, 2006). De acordo com Schor e colaboradores (2015), na Amazônia a questão da segurança alimentar está, até certo ponto, resolvida, porém a da soberania alimentar não está, uma vez que a alimentação é fortemente dependente de recursos externos, enfraquecendo laços com os recursos locais e com a culinária tradicional. Em consonância com estes processos, pesquisadores investigam os complexos impactos da urbanização (ou modernização) nas culturas e no conhecimento botânico em diferentes populações humanas (Byg e Balslev 2001; Reyes-García et al. 2005a; Quinlan e Quinlan 2007; Reyes-García et al. 2013; Gandolfo e Hanazaki 2014). Estudos etnobotânicos comumente equiparam o conhecimento botânico coletado em entrevistas com o uso real de plantas, porém, conhecimento e uso nem sempre podem ser considerados sinônimos e as discrepâncias entre ambos podem contribuir para a compreensão das mudanças correntes no conhecimento local de diferentes povos (Reyes-García et al. 2005b). O termo “Plantas Alimentícias” inclui plantas que possuem uma ou mais partes vegetais que podem ser utilizadas na alimentação humana, englobando assim plantas substitutas de sal, plantas edulcorantes, amaciantes de carne, corantes alimentícios, condimentos, temperos, utilizadas como bebida, tonificantes ou infusão (Kinupp e Lorenzi 2014). No que diz respeito às plantas alimentícias, apesar de ainda escassos na literatura etnobotânica se comparado a trabalhos com plantas medicinais (Oliveira et al. 2009), existem interessantes estudos de caso que relatam o uso da biodiversidade vegetal por povos da região amazônica, tanto cultivadas quanto silvestres, em ambientes rurais ou urbanos (Empaire e Eloy 2008; Bustamante 2009; Fernandes 2012; Salim 2012; Chaves 2016). A Amazônia é o berço de muitas espécies vegetais domesticadas, uma vez que ambientes ricos em biodiversidade e heterogêneos apresentam maiores chances de domesticação por humanos, os quais estão continuamente experimentando cultivos. Clement et al. (2015) consideram que residiam na Amazônia pré-colombiana cerca de 8 milhões de pessoas, que manejavam a floresta, domesticando-a para torná-la mais produtiva e segura. Este processo inclui a seleção de plantas úteis e se relaciona com a 16 densidade populacional, o estágio de organização social e a intensificação agrícola das populações humanas da época. Clement (1999) sugere que na planície norte da América do Sul, a leste dos Andes, existem dois centros da diversidade genética de cultivos, além de outros locais com menor concentração de recursos genéticos, os quais denomina como centros menores ou regiões de diversificação. As plantas alimentícias abrangem grande parte destas espécies em diferentes níveis de domesticação na Amazônia (Clement 1999). Kinupp e Barros (2008) reiteram a importância de estudos taxonômicos, agronômicos e bromatológicos de plantas alimentícias negligenciadas e pouco conhecidas, ainda muito raros, mas que se mostram promissores para salientar o imenso potencial alimentício de plantas silvestres, consideradas, muitas vezes, como “emergenciais”, consumidas apenas em momentos de escassez e de necessidade (Nascimento et al. 2012; Łuczaj et al. 2012; Cruz et al. 2014). Tendo em vista este cenário, esta dissertação foi estruturada em dois capítulos, na qual o primeiro é dedicado ao conhecimento de plantas alimentícias, suas formas de preparo e usos tradicionais e as relações deste conhecimento com o ambiente de ocorrência das plantas, com os diferentes grupos sociais (homens, mulheres, crianças e jovens) e com uma caracterização do acesso das comunidades participantes aos centros urbanos. O segundo capítulo, por sua vez, se refere ao consumo das plantas alimentícias, considerando a sazonalidade do rio Purus, a caracterização das comunidades e dialoga com o primeiro capítulo avaliando o potencial alimentício de plantas conhecidas e o uso efetivo das mesmas.

Objetivo Geral

Caracterizar o conhecimento de plantas alimentícias e relacioná-lo com o seu uso efetivo no contexto alimentar local de acordo com o regime hidrológico do rio Purus e variáveis relacionadas ao acesso aos centros urbanos das comunidades participantes.

Área de estudo

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (RDS-PP) está localizada no baixo Purus, em áreas de interflúvios dos rios Purus-Madeira e Purus- 17

Juruá. Criada pelo decreto 23.723, em 2003, conta com 834.245 ha, incluindo partes dos municípios de Beruri, Anori, Tapauá e Coari. A região apresenta grande variedade de ambientes, com porções de terra-firme e ambientes alagáveis de diferentes origens. Sua rica biodiversidade, ainda escassamente conhecida pela ciência, é uma das justificativas na sua prioridade para a conservação (Instituto Piagaçu 2010). A maior parte da RDS-PP é caracterizada como floresta ombrófila densa aluvial e floresta ombrófila densa de terras baixas, sendo 45% de sua área ocupada por terrenos de várzea. O clima dominante na região é tropical chuvoso, com temperaturas constantemente altas e, segundo a classificação de Köeppen, a área abrange os tipos Am (chuva do tipo de monção), Af (constantemente úmido) e Amw (com chuvas de março a junho). A precipitação é mais intensa de novembro a março, caracterizando o período da enchente, enquanto o período de vazante, com menor precipitação, se estende entre os meses de junho e setembro. O período em que ocorre o pico da cheia do rio está entre os meses de maio e julho enquanto o pico da seca ocorre entre setembro e novembro. Em média, a precipitação anual na bacia do Purus é de 1.550 a 3.350 mm e a variação do nível da água do rio Purus pode atingir 12 metros (Haugaasen e Peres 2006; Instituto Piagaçu 2010). As medições hidrológicas da Agência Nacional das Águas (ANA) não são completas e/ou atualizadas para a região, porém os dados compilados por Haugaasen e Peres (2006) no lago Uauaçu, uma das regiões de estudo deste trabalho, apresentam variações no nível da água do rio Purus e da precipitação (Figura 1).

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Figura 1. Regime hidrológico do lago Uauaçu, baixo Purus, RDS Piagaçu-Purus, Amazonas. Barras representam a precipitação mensal (mm) e pontos representam o nível da água do lago em metros. Fonte: Haugaasen e Peres (2006).

Desde o início do século XX, as razões mais importantes que atraíam populações não indígenas para a ocupação da região do Purus estavam relacionadas a atividades da economia gomífera, como a extração de látex de seringa (Hevea brasiliensis L.), souva (Couma spp.), balata (Manilkara bidentata (A. DC.) A. Chev.) e maçaranduba (Manilkara spp.). Mas também a pesca, sobretudo do pirarucu (Arapaima gigas (Schinz, 1822), e a extração de castanha (Bertholletia excelsa Bonpl.), e o cultivo de juta (Corchorus capsularis L.) e malva (Urena lobata L.), estas duas últimas adquirindo uma importância maior a partir dos anos quarenta do século XX. A pesca e extração da castanha são, atualmente, os fatores mais importantes economicamente para as populações na região da RDS-PP (Instituto Piagaçu 2010). Atualmente, a origem dos habitantes não indígenas é de locais próximos à RDS-PP ou da calha do rio Purus, particularmente o alto rio Purus. Esta população, que usa diretamente a área da RDS-PP, gira em torno de 4.000 pessoas, distribuídas em 57 comunidades localizadas dentro ou no entorno dos limites da reserva (Figura 2). A área da reserva circunda duas terras indígenas demarcadas: Terra Indígena Lago Ayapuá e Terra Indígena Itixi-Mitari, as quais não fazem parte da RDS-PP, mas estão inseridas em seus limites. Os principais problemas levantados pelos líderes 19 comunitários no Plano de Gestão da RDS-PP relacionam-se com saúde e educação. Segundo os moradores, falta merenda escolar apesar das prefeituras receberem verba destinada à alimentação dos estudantes. Outro problema levantado pelos moradores é a falta de apoio à produção e comercialização de produtos, incluindo dificuldades no escoamento, assistência e assessoria técnica agrícola, além da desvalorização dos produtos locais, que são vendidos com dependência de intermediários e a preços inferiorizados (Instituto Piagaçu 2010).

Figura 2. Localização das comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (RDS-PP) e entorno. Fonte: Plano de Gestão RDS-PP (Instituto Piagaçu 2010).

Após a criação da RDS-PP, algumas atividades de manejo vêm sendo construídas de forma conjunta aos moradores. O manejo do pirarucu é uma das mais relevantes e que tem demonstrado resultados positivos, com aumento de indivíduos de peixes adultos e juvenis. As atividades de manejo exigem capacitação, organização e dedicação por parte dos comunitários durante todo o ano, incluindo as vigilâncias dos lagos, contagem dos indivíduos e, por fim, a pesca (Instituto Piagaçu 2010).

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Comunidades participantes

Foram convidadas cinco comunidades da RDS-PP para participar desta pesquisa, tendo como área de abrangência a região norte da RDS-PP. Para que fosse possível obter uma diversidade maior de espécies vegetais e seus hábitats, optou-se por comunidades em ambientes tanto de várzea quanto de terra-firme, como também em situações intermediárias, onde os dois ambientes coexistem na vida dos comunitários. Da mesma forma, para contemplar as diferenças de acesso aos produtos alimentícios oriundos das cidades, as comunidades participantes seguem um gradiente de acesso ao centro urbano mais próximo (Figura 3).

Figura 3. Localização das cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus selecionadas para o estudo. Os pontos em azul mais claro representam as comunidades com mais acesso ao centro urbano, e gradativamente quanto mais azul escuro, menor este acesso.

Aspectos éticos

O presente trabalho foi realizado em um contexto de mudança da legislação de acesso à biodiversidade e conhecimento tradicional associado, quando a Lei da Biodiversidade (Brasil, 2015) revoga a Medida Provisória 2.186-16/01. Desta forma, 21 foi realizado o registro das atividades de acesso à biodiversidade no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético (SISGen), com código de cadastro AC618FF. O projeto de pesquisa foi previamente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (CEP/INPA) e aprovado com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de número 68477417.5.0000.0006. O Termo de Anuência Prévia (TAP), que estabelece o acordo com as comunidades participantes, foi assinado pelas lideranças comunitárias, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado pelo participante no momento da entrevista, afirmando o consentimento e a espontânea vontade de participar do trabalho. Os menores de idade assinaram, bem como seus responsáveis, o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) (Apêndices). A autorização de entrada e execução de pesquisa em Unidade de Conservação foi concedida pelo Departamento de Mudanças Climáticas e Gestão de Unidades de Conservação (DEMUC) da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (SEMA), sob o número 80/2016. Assim como o registro no Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (SISBIO) para coleta de material botânico, de número 55263-2.

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CAPÍTULO 1

Conhecimento de plantas alimentícias em cinco comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus

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1. Introdução A alimentação é uma das formas mais íntimas de contato humano com o mundo vegetal. Ao nos alimentarmos, entramos em contato com a biodiversidade do nosso entorno e/ou daquela que nos é oferecida através da agricultura e do comércio. O estudo da relação do ser humano com as espécies vegetais compreende diferentes dimensões, como o sistema de classificação do mundo vivo pelas distintas culturas, a percepção do ambiente ou o uso das plantas para fins diversos (Albuquerque 2005). Estudos interdisciplinares, como os etnobotânicos, são importantes para a valorização e sistematização do conhecimento botânico tradicional, mas também podem ser norteadores de políticas públicas, contribuindo para o desenvolvimento humano, para a conservação dos biomas, para o uso racional de recursos naturais e dos ecossistemas, para a segurança alimentar e saúde pública (Oliveira et al. 2009; Rocha et al. 2014). Tais estudos são respaldados pelo reconhecimento de populações tradicionais na tomada de decisões sobre a conservação dos ecossistemas nos quais estão inseridas e de cujos recursos dependem diretamente (Oliveira et al. 2009). Diegues (1996) discorre sobre a importância da presença de comunidades tradicionais em áreas de conservação ambiental. O autor conceitua “conhecimento tradicional” como “o saber e o saber fazer, a respeito do mundo natural e sobrenatural, gerados no âmbito da sociedade não urbana ou não industrial, transmitidos oralmente de geração em geração”. Da mesma forma, Lévi-Strauss (1962), em sua importantíssima obra “O Pensamento Selvagem”, dedica parte de sua narrativa à ciência dos povos tradicionais, a qual se constrói a partir da vivência do mundo concreto e da manipulação do entorno. Esta ciência é resultado de uma curiosidade inerente, desenvolvida pelo prazer de conhecer, a qual, a longo prazo, gera resultados práticos e úteis que integrarão a cultura. A biodiversidade, portanto, não é intocada, não é prístina em sua totalidade, mas também manipulada e domesticada por um conhecimento milenar acumulado por diferentes grupos humanos. Assim, pode-se considerar uma “etno-bio-diversidade”, que inclui uma riqueza biológica, onde os humanos participam, nomeiam, classificam, domesticam e utilizam (Diegues 1996). O conhecimento humano sobre a biodiversidade sofre influências diversas e se diferencia tanto nas distintas culturas, como também nos grupos sociais que constituem uma mesma cultura. Estas diferenças estão relacionadas com variáveis como o acesso diferenciado a recursos naturais, a 27 origem geográfica, diferentes estratégias de plantio e colheita, papéis socioculturais, participação em atividades econômicas, transmissão de conhecimento diferenciada por gênero, como também a influência da urbanização (Godoy et al. 1998, Benz et al. 2000, Pfeiffer e Butz 2005, Reyes-García et al. 2005). Apesar de não serem conhecidos no Brasil muitos trabalhos sobre a porcentagem de plantas alimentícias, Kinupp (2007) comparando estudos em diferentes regiões, com levantamento de plantas úteis ou não, aproxima este número a 21%, sendo que em regiões antrópicas este percentual tende a crescer vertiginosamente, com a presença de espécies ruderais, podendo perfazer até 89%. Mesmo com este intrigante número, 90% da alimentação humana é restrita a 20 espécies vegetais, independente do conhecimento milenar acumulado pelo convívio com as diferentes floras regionais do Brasil e do mundo, o ser humano ainda se alimenta daquelas mesmas espécies descobertas no Neolítico, nos primórdios da agricultura e da domesticação de plantas (Kinupp 2007). Estas espécies foram incorporadas nas mais diversas culturas, e continuam sendo, agora acompanhadas da industrialização dos alimentos, da mecanização agrícola, da globalização e homogeneização alimentar, que reduz o número de espécies na dieta, valorizando culturas produzidas em larga escala, como o milho, arroz, soja e trigo (Santilli 2009). Apesar dos esforços em estimar os números da imensa diversidade vegetal na Amazônia, existem lacunas no conhecimento e muitas áreas com escassas coletas botânicas, o que representa um difícil obstáculo ao avanço da ciência sobre a flora amazônica (Hopkins 2007). Em uma revisão recente, buscou-se listar as espécies de plantas com semente que crescem na floresta amazônica, a uma elevação menor ou igual a 1.000 m de altitude e excluindo savanas e florestas secas, até então publicadas e conhecidas pela ciência. Atingiu-se um número de 10.674 espécies, apenas para a Amazônia brasileira e 14.003 espécies na Panamazônia (Cardoso et al. 2017). Com este número, sabidamente subestimado, e com o percentual de 21% de plantas com potencial alimentício anteriormente mencionado, pode-se pressupor cerca de 2.200 plantas alimentícias na parte brasileira do bioma, ou seja, um mundo de plantas a ser conhecido e estudado nos seus âmbitos biológicos, agronômicos, nutricionais, culturais e sociais. Em um país onde a maior parte de alimentos consumidos e comercializados é exótica, a agricultura é dependente de insumos químicos, apesar de uma imensa 28 diversidade de plantas com potencial alimentício (Kinupp e Lorenzi 2014), alimentar- se de alimentos regionais, produzidos localmente é um ato político, ecológico e econômico.

2. Objetivos 2.1. Objetivo Geral Caracterizar as espécies de plantas alimentícias conhecidas pelas comunidades participantes, relacionando este conhecimento botânico ao contexto social em que estão inseridas.

2.2. Objetivos Específicos  Caracterizar as comunidades participantes de acordo com as diferenças de acesso aos centros urbanos;  Caracterizar o conhecimento de plantas alimentícias das comunidades participantes, considerando as partes comestíveis, o ambiente de ocorrência, formas de preparo, usos tradicionais e preferências locais;  Diferenciar as espécies de plantas alimentícias mais salientes cognitivamente entre grupos sociais – homens, mulheres e crianças e jovens;  Relacionar o conhecimento botânico com a caracterização das comunidades quanto ao acesso aos centros urbanos.

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3. Material e Métodos 3.1. Seleção de participantes A pesquisa de campo foi realizada entre setembro de 2016 e novembro de 2017, totalizando 133 dias em campo distribuídos em quatro viagens de aproximadamente um mês cada. Estas viagens foram realizadas em diferentes épocas do ano, primeiramente para conhecimento da área de estudo e dos moradores e proposição do trabalho (setembro), a primeira coleta de dados na enchente (março), em seguida no ponto máximo da cheia (junho) e no ponto máximo da seca do rio Purus (novembro). Para que os resultados amostrados pudessem ser extrapolados para as comunidades, a seleção dos participantes da pesquisa foi realizada através de uma amostragem probabilística, onde todos possuem a mesma chance de serem escolhidos (Albuquerque et al. 2010a). Sendo assim, foi sorteado um mínimo de 20% do total de casas para cada uma das cinco comunidades participantes. Na busca de contemplar todas as faixas etárias, todos os moradores das casas sorteadas foram convidados a participar de entrevistas, nas quais baseou-se a metodologia de coleta de dados. As entrevistas foram feitas apenas uma vez com cada participante.

3.2. Caracterização das comunidades Para a caracterização das comunidades participantes foram consideradas algumas variáveis que as diferenciam entre si em relação ao acesso aos centros urbanos como: a frequência de barcos que aportam nas comunidades ao longo do ano, a densidade demográfica, o ensino escolar, a presença de posto de saúde, a geração de energia elétrica, o manejo comunitário do pirarucu, a extração de produtos florestais não madeireiros (castanha e açaí, principalmente), o porte do corpo d’água em que se localizam, a distância ao centro urbano mais próximo e o número e o tipo dos comércios, sendo considerado “comércio caseiro” aquelas vendas estabelecidas dentro da casa dos moradores e “comércio próprio” aqueles comércios com construção separada. Estas informações foram coletadas em campo através de entrevistas formais e informais e/ou estão disponíveis em Instituto Piagaçu (2010). Foi construída uma matriz onde as unidades amostrais são as cinco comunidades e as variáveis são os fatores acima descritos. Para cada fator, foi atribuída uma pontuação de acordo com categorias que variam entre 0 e 1 ou utilizado os valores 30 absolutos sempre que possível (Tabela 1). A partir desta matriz foi gerada uma matriz de distância utilizando o coeficiente de Gower, indicado para dados de medidas em diferentes escalas. Esta matriz de distância foi, então, utilizada para a formação de grupos através do algoritmo de aglomeração UPGMA – “Unweighted Pair-Group Method using arithmetic Averages” (Sneath e Sokal 1973). Este método é baseado nas dissimilaridades médias entres os objetos. O objetivo é definir grupos pela maior similaridade ou menor distância de seus objetos, conservando as propriedades métricas do espaço de referência (Legendre e Legendre 1998). A análise foi executada no programa R (R Development Core Team 2013), usando o pacote vegan (Oksanen et al. 2009).

Tabela 1. Variáveis selecionadas e atributos utilizados para análise estatística de agrupamento das comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes quanto ao acesso aos centros urbanos.

Variáveis Atributos Número de barcos semanais ao < um = 0 / = um = 0.5 / > um = 1 longo do ano Densidade demográfica Número de famílias em cada comunidade Número de comércios um caseiro = 0 / um próprio = 0.5 / mais de um próprio = 1 Ensino escolar Fundamental = 0 / Médio = 1 Posto de saúde ausência = 0 / presença = 1 Geração de energia gerador = 0 / termoelétrica = 1 Manejo comunitário de pirarucu ausência = 0 / presença = 1 Venda de açaí ou castanha Porcentagem de entrevistados que extraem e vendem açaí ou castanha Rio onde está localizada principal (Purus) = 1 / lago = 0.5 / igarapé = 0 Distância até a cidade mais Distância em linha reta (km) próxima

3.3. Listagem de plantas alimentícias conhecidas Para registrar o conhecimento de plantas alimentícias nas comunidades foi considerada a técnica da listagem livre (Bernard 2006). O modelo de listagens livres se baseia em perguntas diretas que induzem o informante a mencionar todos os nomes populares conhecidos de acordo com o interesse de pesquisa, no caso, plantas alimentícias. Entrevistas semiestruturadas foram realizadas tanto para o perfil socioeconômico dos moradores quanto para informações adicionais às plantas alimentícias listadas, tais como: local onde são encontradas, parte(s) utilizada(s), 31 formas de preparo e preferências (Apêndice H). Além dos momentos formais de entrevistas, conversas informais e a vivência nas comunidades levaram a coleta de outros dados importantes, como receitas locais e o uso tradicional das espécies.

3.4. Coleta e identificação de amostras botânicas As listagens livres fornecem nomes populares, portanto, foram realizadas coletas com especialistas locais, ou seja, moradores que possuem um vasto conhecimento botânico e que podem indicar os indivíduos que representam os nomes fornecidos pela comunidade. Estes especialistas locais foram indicados pelos moradores entrevistados. As coletas botânicas foram realizadas em visitas às florestas de terra-firme, florestas inundadas, roçados e sítios, através do método de turnês- guiadas (Alexiades 1996). Quando não foi possível coletar, as plantas foram fotografadas para posterior consulta e identificação botânica. Após coletadas, as amostras foram prensadas pelo método molhado, com álcool 96%. Em seguida passaram por secagem em estufa e então foram herborizadas (Mori et al. 1989) e depositadas no Herbário do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). As duplicatas de coletas e materiais estéreis foram depositadas no Herbário EAFM do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, Campus Manaus-Zona Leste. Para a identificação do material coletado foi utilizada literatura taxonômica especializada, além de consultas presenciais aos herbários e consulta com especialistas botânicos. Para a atualização nomenclatural e a consulta quanto à origem das espécies foi consultada a Lista de Espécies da Flora do Brasil (Flora do Brasil 2018). As espécies que não constam no banco de dados referido, a atualização nomenclatural foi consultada em Tropicos (2018) e foram consideradas “cultivadas”, de forma a seguir a lógica de Flora do Brasil (2018), onde “cultivada” é relacionado com “exótica”. As espécies consideradas “nativas” são aquelas que evoluíram ou dispersaram em determinado local sem contar necessariamente com a ajuda humana. As espécies exóticas, tratadas como “cultivadas” de acordo com Flora do Brasil (2018), são espécies que não ocorreriam naturalmente em uma região caso não houvesse o transporte humano intencional ou acidental. Por fim, as espécies “naturalizadas” são exóticas que se reproduzem de forma consistente no local onde foram inseridas, a ponto de autoperpetuarem-se sem a necessidade direta do ser humano, porém não se 32 dispersam muito além do local de introdução, o que caracterizaria uma espécie invasora (Moro et al. 2012).

3.5. Avaliação da saliência cognitiva Para identificação das plantas que possuem um valor cultural relevante para as comunidades e os diferentes grupos que a integram, foi realizado o Índice de Saliência Cognitiva (Sutrop 2001), calculado de acordo com a fórmula: S = F /(MP.N), onde a saliência (S) é o resultado da frequência de citações de uma planta dividida pelo produto da posição média (MP) da planta nas listas em que foi mencionada com o número total de entrevistados (N). Esta é uma interessante ferramenta por considerar não apenas a frequência em que uma planta foi citada, mas também a posição média. Considera-se, neste método, que a ordem em que um termo é citado em uma lista, ou seja, a ordem em que é lembrado pelo entrevistado, está relacionada com a importância cultural dada a este. Para demais análises foram elaboradas tabelas e gráficos.

3.6. Relação entre o acesso das comunidades e conhecimento botânico Para analisar o conhecimento botânico por comunidade foi construído um dendrograma seguindo o mesmo algorítimo de aglomeração UPGMA. Porém, o índice de dissimilaridade utilizado foi Bray-Curtis, indicado para dados de abundância. Desta forma, as comunidades foram analisadas qualitativamente (quais plantas foram mencionadas) e quantitativamente (quantas vezes estas plantas foram mencionadas). A matriz de dados foi construída de modo que as unidades amostrais são as cinco comunidades e as variáveis são as plantas mencionadas com seus números de citações (Legendre e Legendre 1998). Para analisar se o grau de acesso das comunidades aos centros urbanos está relacionado com o conhecimento botânico foi realizado o teste Mantel, onde é testada a correlação entre as matrizes de dissimilaridade obtidas pela matriz de acesso e pela matriz de conhecimento, construídas de forma independente (Legendre e Legendre 1998). A análise foi executada no programa R (R Development Core Team 2013), usando o pacote vegan (Oksanen et al. 2009). 33

4. Resultados e Discussão 4.1. Caracterização das comunidades O total de entrevistados em todas as etapas desta pesquisa (capítulos 1 e 2) foi considerado para a caracterização das comunidades participantes. Foram entrevistadas 288 pessoas em 85 famílias distribuídas nas cinco comunidades participantes (Tabela 2). Dentre estas, 96 são mulheres, 89 são homens e 103 são crianças e jovens (menores de 18 anos). A faixa etária está entre quatro e 86 anos, com média etária de 30,6 (±20) anos. A média etária feminina foi de 40,33 (±16,40) anos, a masculina de 41,7 (±18,88) anos e a infanto-juvenil de 11,9 (±4,23) anos. As mesmas pessoas foram convidadas a participar de ambas as etapas de coleta de dados (listagens livres e recordatório 24 horas), mas como foram realizadas em períodos diferentes, nem todos participaram nos dois momentos. Por ser uma entrevista mais simples, onde todos os presentes na casa no momento da entrevista podiam participar, o recordatório 24 horas (no capítulo 2) abrangeu maior número de entrevistados. Em todos os casos, dados socioeconômicos foram igualmente coletados.

Tabela 2. Cinco comunidades participantes da RDS Piagaçu-Purus e seus entrevistados nas diferentes etapas de coleta de dados. Comunidade, famílias entrevistadas, pessoas entrevistadas e número de casas.

Famílias entrevistadas Pessoas entrevistadas Número de Comunidade Lista Livre Recordatório Lista Livre Recordatório casas 24 horas 24 horas Cuiuanã 22 18 44 70 90 Itapuru 21 24 42 70 120 Uixi 16 11 41 44 60 Uauaçu 11 8 33 31 30 Fortaleza 8 8 35 34 8 Total parcial 78 69 195 249 308 Total geral 85 288 308

De uma maneira geral, nas comunidades envolvidas, os homens dedicam-se a atividades externas como a caça, a pesca, ao manejo no roçado e coleta na floresta, enquanto as mulheres se dedicam a atividades domésticas, ao cuidado das crianças, ao cultivo de canteiros e hortas e também ao trabalho no roçado (Figura 4). As atividades econômicas são determinadas pela época do ano em que podem se dedicar à pesca, ao plantio e à extração de produtos florestais não madeireiros (PFNM). A rotina dos moradores se aproxima do ciclo hidrológico do Purus, sendo assim, são raramente 34 especialistas em determinada função, mas flexíveis e capazes de exercer diversas atividades diferentes ao longo do ano. Ocupações menos frequentes são comerciantes, agentes de saúde, auxiliares de barco, carpinteiros, funcionários de escolas e postos de saúde, merendeiras e professores.

Principais atividades desenvolvidas por gênero 100 90 80 70 60 50 40 Mulheres 30 20 Homens 10

0 Número Número ocupaçõesde mencioadas

Figura 4. Relação das principais atividades desenvolvidas de acordo com o gênero dos entrevistados nas cinco comunidades da RDS-Piagaçu Purus. As atividades foram categorizadas para fins analíticos, e a categoria “outros” englobou agentes de saúde, auxiliares de barco, carpinteiros, mestre de obras, serralheiro, cabeleireiro, funcionários de escolas e postos de saúde, merendeiras e professores. PFNM: produtos florestais não madeireiros (extrativismo).

Dentre as 85 famílias entrevistadas, 58 recebem auxílios governamentais, sendo 49 beneficiárias do Programa Bolsa Família e 54 do Programa Bolsa Floresta, em 75,9% dos casos, recebem ambos. Dentre os entrevistados que são maiores de 60 anos, 58,3% recebem aposentadoria. Estes auxílios governamentais são distribuídos de forma similar em todas as comunidades participantes, e desta forma, não é um fator determinante para a caracterização proposta. Para o resgate histórico das comunidades foi entrevistado um total de nove moradores idosos, pelo menos um em cada comunidade, com idade entre 63 e 92 anos (média de 76,89 (±9,87) anos), os quais não participaram necessariamente das listagens livres e recordatório 24 horas. É possível que a memória aqui registrada atinja aproximadamente até 1945, de acordo com as datas e momentos da vida relatados pelos entrevistados. O acesso a produtos processados se dava de forma distinta entre os grupos aqui descritos, e esta relação permanece atualmente em diferentes formas. 35

O resultado da análise de agrupamento permitiu a individualização de três grupos de comunidades com características semelhantes em termos de organização espacial, estruturação interna e dinâmica de dependência (Figura 5). A alta correlação cofenética (0,8916) indica que a análise é adequada aos dados. O padrão revelado pela análise corrobora as observações em campo, fortalecendo a análise descritiva da caracterização destas comunidades. Portanto, estes fatores correspondem à “acessibilidade” aqui proposta, sem a pretensão de resumir a complexidade das relações comunitárias, mas apenas para buscar padrões e facilitar comparações e extrapolações. Assim, foram consideradas comunidades de “acesso constante”, aquelas que recebem barcos diversos diariamente e diferenciam-se das de “acesso ocasional” que recebem um único barco, uma vez na semana, as quais, por sua vez, diferenciam- se daquelas de “acesso irregular” que recebem barcos com frequência inconstante ao longo do ano.

Figura 5. Caracterização das cinco comunidades participantes da RDS Piagaçu-Purus. Resultado do dendrograma de análise de agrupamento para o acesso das comunidades. Correlação cofenética = 0,8916.

4.1.1. Tipo 1: comunidades de acesso constante Fazem parte deste grupo as comunidades Cuiuanã e Itapuru. Estão a cerca de 60 km em linha reta do centro urbano mais próximo, a cidade de Beruri, que possui aproximadamente 19 mil habitantes. Por estarem na beira ou muito próximas da calha do rio Purus, recebem visitas de barcos pesqueiros, como também de barcos de carga e passageiros (recreios) com muita frequência. Além disso, o custo de combustível e tempo para chegar ao centro urbano é menor. Ambas as comunidades participam do 36 manejo do pirarucu, o que estreita laços comerciais com os centros urbanos. Em cada comunidade existe mais de um comércio e os principais são bastante ativos e abastecidos semanalmente, com produtos provenientes da capital do Estado, Manaus. Os demais comércios, menores, são abastecidos com menor regularidade e muitas vezes com produtos comprados em Beruri, os quais são provenientes de Manaus e outras regiões. Na cidade de Beruri, predomina nos comércios a venda de produtos industrializados e da cultura alimentar hegemônica (como churrascos de carne bovina e frango, pão com margarina), e itens da alimentação tradicional regional não são encontrados com facilidade. O fornecimento de energia elétrica nestas comunidades de acesso constante é em tempo integral, pois foram contempladas pelo Programa Luz Para Todos, do Governo Federal. Possuem também um maior número de moradores e maior influência do estilo de vida urbano. Há instalação de posto de saúde e as escolas oferecem ensino fundamental e médio. Apesar da presença de área de castanhal próximo às comunidades, não contam economicamente com a extração da castanha, dependendo majoritariamente da pesca. Historicamente, nestas comunidades a presença do coronel, patrão, “dono” das terras não é muito marcante, e as relações de comércio se davam através de embarcações que frequentemente navegavam no rio Purus, os chamados “atravessadores” ou “regatões”. Estas comunidades possuem um histórico de venda de lenha, combustível das embarcações à vapor do início do século XX. Apesar de o “aviamento” e o endividamento terem sido presentes, a fidelidade a um determinado comerciante não era uma regra. O “aviamento” é um tipo de relação comercial que se consolidou no primeiro ciclo de exploração da borracha, no século XIX, onde as sociedades amazônicas entraram em contato com um sistema monetizado. Esta relação é baseada na acumulação de capital pela espoliação das diversas camadas de hierarquia que faziam parte do comércio da borracha, privilegiando, sobretudo as exportadoras de borracha, no topo da cadeia (Santos 1980). Na base desta cadeia, encontravam-se os povos nativos da Amazônia e nordestinos imigrantes que mantinham relações de trocas de mercadoria a crédito com “aviados” ou “patrões”, uma das camadas da hierarquia, e a participação do dinheiro era nulo ou quase nulo. Assim, a moeda atuava basicamente como medida de comparação para trocas entre produtos do extrativismo e materiais de trabalho e produtos da cidade, os trabalhadores, por sua vez, encontravam-se indefinidamente endividados (Santos 1980). Este tipo de relação comercial é presente ainda no interior da Amazônia (Antunes et al. 2014), atualmente manifestada sob 37 novas e diferentes maneiras, atingindo os recursos florestais não madeireiros e pesqueiros (Aramburu-Otazu 1994). Nestas comunidades de acesso constante, a negociação da produção, sobretudo de castanha, pirarucu, malva e juta, era feita historicamente com as diferentes embarcações que navegavam pelo Purus, e trocadas por itens básicos, sem que a fidelidade a um “patrão” fosse marcante. De acordo com moradores mais velhos, no que diz respeito à alimentação, os principais itens eram vendidos a granel, como o açúcar e o sal refinado, café em grão, temperos como a pimenta-do-reino, alho e cebola-de-cabeça e alimentos processados como carne em conserva e bolachas. A farinha de trigo não era comum, arroz e feijão vendia-se, mas os moradores consumiam principalmente os provenientes da agricultura própria. Vendia-se banha de porco para fritura, mas o habitual era fritar nas banhas de anta, tambaqui, pirarucu e peixe-boi.

Cuiuanã Pertencente ao município de Anori, a comunidade Cuiuanã é a localizada mais abaixo do rio Purus de toda a RDS-PP, também mais próxima das cidades de Beruri e Manaus. Abriga cerca de 90 famílias em flutuantes e casas sobre palafitas. Localiza-se em uma área de várzea, por isso a comunidade inunda durante a cheia do rio (maio a julho), permanecendo por alguns meses completamente desprovida de terra. Em anos de grande inundação, como os de realização deste trabalho, as casas sobre palafitas e a escola submergem parcialmente, sendo preciso paralisar as aulas e os moradores se mudarem para casas de parentes na própria comunidade ou em outras próximas. A escola oferece ensino fundamental e médio. O meio de transporte mais importante é a canoa. A comunidade ganhou este nome pela abundância de cuieiras (Crescentia cujete L.) que margeavam o local na época de sua ocupação. Durante a enchente, as casas se conectam por pontes improvisadas de tábuas que se erguem alguns metros acima do nível da água. A principal atividade é a pesca, e o plantio é praticado, sobretudo na seca do rio, com a terra da várzea exposta, prática comum em regiões de várzea (Adams et al. 2005). A energia elétrica no Cuiuanã foi disponibilizada em 2016 e a dinâmica desta comunidade é um misto interessante de tradição e “modernidade”. As aparelhagens de som com música alta à luz do dia coexistem com as fumaças subindo das casas de farinha. Os cabelos azuis dos jovens andam ao lado dos compridos cabelos amarrados em coque das senhoras. Grandes cachorros ferozes, 38 cachorros pequeninos, papagaios e macacos são animais de estimação que, por vezes, coabitam a casa flutuante. Redes, camas, tábuas, canoas, celulares e televisões compõem a paisagem desta comunidade anfíbia. A origem de seus moradores é variada, apesar de muitos (35%) não terem conhecimento de onde vieram suas famílias. O Ceará, Acre e outras regiões do Purus são as origens mais recorrentes, apontando a relação dos moradores com os imigrantes nordestinos, trabalhadores da economia gomífera.

Vila do Itapuru A vila do Itapuru, pertencente ao município de Beruri, é um complexo de três comunidades muito próximas: São Sebastião Vila do Itapuru, Vila Miranda e Vila Araújo, totalizando cerca de 110 famílias que moram principalmente em casas na terra- firme, e em alguns flutuantes na beira do rio Purus. Os moradores utilizam tanto a área de terra-firme como áeras de várzea que circundam a região para pesca e agricultura. A maior das três é a Vila São Sebastião do Itapuru e é também a mais antiga de toda a RDS-PP, fundada em 1911, sua atividade econômica baseava-se na produção de lenha, o principal combustível para as embarcações a vapor na época (Instituto Piagaçu 2010). Atualmente, possui uma rua asfaltada e escola com ensino fundamental e médio que atende às outras duas vilas, além de uma creche em construção. No Itapuru, a energia elétrica em tempo integral é fornecida desde 2006, e a vida é bem diferente das outras comunidades da RDS-PP. É comum vendedores de porta em porta oferecendo merendas ou frutas da estação. À noite, na parte central da vila vende-se pastel frito com refrigerante ao lado do bar, que vende bebidas e produtos industrializados. Esta comunidade foi uma das pioneiras no manejo do pirarucu na RDS-PP e os moradores são engajados neste trabalho. O ritmo que prevalece na dinâmica da vila é próximo ao urbano, sobretudo na São Sebastião Vila do Itapuru. Nas demais vilas, o ritmo é desacelerado, e o ambiente retoma ares de comunidade rural. As famílias dos entrevistados são oriundas de diferentes locais, com frequência do Ceará, Pará e regiões do alto Purus, e 17,7% dos entrevistados declararam-se com ascendência indígena, com destaque aos povos Mura, Katukina e Apurinã. Vale ressaltar que muitas vezes essa ascendência é motivo de vergonha, e raramente a ascendência 39 indígena foi mencionada nas entrevistas, sendo nesta comunidade o maior percentual registrado.

E D A . .

F

B . .

G C G . .

D H . .

Figura 6. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso constante de acordo com a caracterização proposta A. Comunidade do Cuiuanã na cheia do rio, com casas alagadas; B. 40

Comunidade do Cuiuanã na seca do rio; C. Plantio de milho na várzea; D. São Sebastião Vila do Itapuru; E. Maior comércio na comunidade do Cuiuanã; F. Maior comércio na comunidade do Itapuru; G. Manejo do pirarucu na comunidade do Itapuru; H. Manejo do pirarucu na comunidade do Cuiuanã.

4.1.2. Tipo 2: comunidades de acesso ocasional Nossa Senhora do Livramento (Uixi) Este grupo está representado por uma comunidade, a do Uixi, que possui um acesso intermediário aos recursos oriundos da cidade de Beruri, o centro urbano mais próximo a cerca de 100 km em linha reta. O lago Ayapuá, onde é localizada, distancia a comunidade da calha do rio Purus. Um barco uma vez por semana realiza o trajeto da comunidade até Beruri durante todo o ano, quando os moradores podem ir à cidade comprar alimentos, regularizar documentos, receber os auxílios financeiros do governo e visitar médicos, uma vez que a comunidade não possui posto de saúde. O acesso independente, ou seja, por motores próprios como canoas motorizadas (“rabetas”) ou motores de popa (“voadeiras”) é dificultado devido ao alto custo de combustível e a distância para a cidade. Mais da metade dos entrevistados nesta comunidade recebem auxílios governamentais. A comunidade possui um único comércio, com construção própria, ou seja, não está localizado na residência do proprietário, e é abastecido mensalmente. O abastecimento pouco frequente da venda pode ser explicado pelos altos preços, que acabam por agregar o transporte, e os moradores recorrem a este comércio apenas esporadicamente, ou em casos onde a famílias não recebe renda o suficiente para chegar à cidade, sendo necessário adquirir os produtos da venda em troca da produção de farinha de mandioca ou outros produtos. A comunidade também participa do manejo do pirarucu e a escola oferece ensino fundamental e médio. A comunidade com nome de santa, ganhou este apelido devido a abundância de árvores de uixi (Endopleura uchi (Huber) Cuatrec.) na mata circundante. Foi fundada por famílias oriundas de Boca do Acre (AM), e que desceram o rio em canoas a remo em busca de fartura de peixes. Ao chegarem à região do lago Ayapuá, que abriga grandes castanhais, instalaram-se a passaram a trabalhar na coleta de castanha e na pesca, em uma forte relação de “aviamento” e coronelismo (Santos 1980), relatada por Agnello Bittencourt no livro Reminescências do Ayapuá de 1966. Com aproximadamente 60 casas em terra-firme, os moradores do Uixi, além de contarem 41 economicamente com a extração de castanha, são pescadores, e atuam também na agricultura, sendo raras as famílias que não possuem roçado, onde planta-se principalmente mandioca e banana. Dentre as comunidades participantes, o Uixi é a que possui maior representatividade de agricultores. Uma comunidade silenciosa, que se agita todo entardecer com os jogos no campo de futebol e volta a “silenciar” ao anoitecer, quando o gerador de luz comunitário começa a funcionar e as televisões reúnem as famílias. Às cinco horas da manhã já escuta-se o movimento do acordar e dos preparativos para os trabalhos na pesca e no roçado.

A B . .

C D . .

Figura 7. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso ocasional de acordo com a caracterização proposta A. Acesso à comunidade do Uixi na seca do rio; B. Comunidade do Uixi; C. Roçado em terra-firme; D. Comércio da comunidade do Uixi. 42

4.1.3. Tipo 3: comunidades de acesso irregular Duas comunidades podem ser consideradas com acesso inconstante ao centro urbano e a seus recursos ao longo do ano, são elas Uauaçu e Fortaleza. Nestas, barcos de carga visitam a comunidade sem regularidade definida, para comprar produtos locais e abastecer as vendas locais. O acesso independente é oneroso, pelo alto custo do combustível, e dificultado pela distância. Estas comunidades são separadas da calha do rio Purus por dois lagos, o Ayapuá e o Uauaçu. Apesar de estarem a cerca de 70 km em linha reta da cidade de Codajás, este percurso é possível apenas no período de cheia. Não existem barcos que façam este percurso regularmente, porém o acesso independente é facilitado nesta época. Na seca, os canais secam totalmente e o caminho até Codajás é possível apenas com um período de caminhada (pelo “varador”) até a calha do rio Solimões, onde espera-se um barco de passageiros que leva até a cidade. Não existem construções voltadas para o comércio, sendo as vendas restritas a casas de moradores que compram alguns produtos nas cidades ou dos barcos para revender nas comunidades a preços elevados. Estas comunidades possuem menor número de moradores, não realizam o manejo do pirarucu e apresentam um perfil mais extrativista, sendo a castanha e o açaí importantes atividades econômicas. As escolas não oferecem ensino médio, apenas o fundamental, e não há posto de saúde. A energia elétrica é fornecida por meio de gerador de luz comunitário. Menos da metade dos entrevistados deste grupo recebem auxílios governamentais de transferência de renda. Esta região também possui histórico de coronelismo, e os “patrões” do lago Ayapuá e Uauaçu pertenciam à mesma família, relatada por Bittencourt (1966), e ainda presente na figura dos atravessadores, ou seja, dos donos dos barcos que visitam e comercializam com as comunidades. Nestas comunidades, os barcos de comercialização nunca foram frequentes, e as trocas comerciais eram feitas exclusivamente com os “patrões” locais. Outros barcos adentravam a região apenas na época da venda da castanha ou da seringa. Os itens vendidos pelos “patrões” chegavam de forma menos regular. Os itens alimentícios também eram vendidos a granel e as frituras eram feitas principalmente com banha extraída dos animais de caça e pesca.

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São João do Uauaçu (Uauaçu) O longo e tortuoso paranã do Uauaçu conecta o lago Ayapuá ao lago Uauaçu. Este paranã é navegável inclusive no tempo de seca, mas apenas por embarcações pequenas, suas margens são repletas de áreas de várzeas e também de terra-firme. Diversos igarapés desaguam no lago Uauaçu que, por sua vez, encontra-se no centro do interflúvio Purus-Solimões. Como escreveu Agnello Bittencourt “O Uauassu parece estar na bissetriz do ângulo formado por aqueles dois rios [Purus e Solimões], mas afastadíssimo do seu vértice.” (Bittencourt 1966). A comunidade do Uauaçu, carrega um dos nomes dados à Attalea speciosa Mart. ex Spreng., abriga cerca de 30 famílias em flutuantes, situadas no lago Uauaçu. Na maior parte do ano, os flutuantes se aproximam da terra-firme e os moradores têm acesso à sede comunitária, à escola e às igrejas com facilidade. Porém, durante o período de seca, de setembro a dezembro, os flutuantes são levados para a boca do lago, onde passa um canal, e o acesso a terra-firme precisa ser feito por canoas. Nesta época, os flutuantes ficam ancorados em região de várzea. A comunidade ganha configurações completamente diferentes em cada uma das duas estações do ano. Em ambos os casos, as áreas de terra-firme e de várzea são utilizadas com frequência, para plantios e extração. Na área de terra-firme da comunidade, encontra-se uma grande mancha de Terra Preta de Índio (Woods e Denevan 2009), com caiauezal, e cacos de cerâmica superficiais bem visíveis. Nesta área são plantadas espécies frutíferas. A origem das famílias habitantes do Uauaçu é diversa, incluindo o Ceará, na vinda para o trabalho de extração do látex da seringueira, o lago Ayapuá, arredores do lago Uauaçu e regiões do rio Solimões. As principais atividades econômicas são a pesca e a extração de castanha. Cerca de cinco barcos realizam trocam comerciais com a comunidade e viajam a cada quinze dias, mas nem todos trazem produtos para abastecer a comunidade. No período de seca, alguns barcos deixam de ter acesso à comunidade e, por isso, o acesso é irregular.

Fortaleza Retornando da comunidade do Uauaçu pelo paranã que o liga ao lago Ayapuá, à esquerda está o estreito canal chamado paranã do Salsa. Subindo este paranã, depois de cerca de 30 minutos ricos em açaizais, bacabais e aves diversas, é possível avistar as oito casas que compõe a comunidade do Fortaleza. Com apenas uma casa em terra- 44 firme, todos os moradores desta comunidade compartilham algum grau de parentesco. O paranã, onde os flutuantes se localizam, separa uma porção de terra-firme de uma área de várzea que fica logo à frente. Durante a cheia, os flutuantes ficam distantes e o acesso se dá por meio de canoa. Porém, durante a seca, com o paranã com reduzido volume de água, são colocadas pontes de tábua para conectar os flutuantes. Os moradores são muito unidos e os mais antigos da comunidade estão em torno dos 50 anos. Apenas uma família possui roçado, a pesca e o extrativismo de castanha e açaí são as principais atividades desta comunidade. Na região do entorno da comunidade existem concentrações de espécies úteis: além do castanhal, um grande palhal (ou babaçual), caiauezal, açaizal e bacabal. Os moradores relataram encontrar cacos de cerâmica, “pão de índio” e Terra Preta de Índio na região dos antigos roçados (atualmente praticamente não plantam mais). Os barcos que realizam trocas comerciais com esta comunidade são os mesmo que realizam com a do Uauaçu, porém na seca estes barcos não conseguem navegar no paranã e os moradores precisam ir até o Uauaçu para comercializarem. Esta viagem era recorrente na época dos “patrões”, quando não havia canoas motorizadas e os barcos jamais adentravam o paranã, era preciso remar por oito horas até chegar à comunidade vizinha e comprar itens básicos em troca da produção de castanha, pirarucu, seringa, malva e juta. Para chegar à cidade de Codajás e comprar outros itens, com outros fornecedores, levava-se dois dias remando. É comum a salga das carnes de caça e pesca para que não se deteriore na ausência de gelo, que é comumente trazido por estes barcos. A maior parte dos moradores afirmou ser descendente de cearenses que vieram trabalhar na extração do látex da seringueira (55,5%), mas também foram mencionadas origens como regiões do baixo rio Solimões, do alto rio Purus e de Manaus. 45

A D . .

B E

. D .

C G F . G . .

Figura 8. Comunidades da RDS Piagaçu-Purus de acesso irregular de acordo com a caracterização proposta A. Comunidade do Uauaçu na cheia do rio, com as casas ancoradas em terra-firme. B. Sede da comunidade do Uauaçu, em terra-firme. C. Comércio caseiro na comunidade do Fortaleza. D. Comunidade do Uauaçu na seca do rio, com as casas ancoradas no canal do lago e a sede distante das casas. E. Comunidade do Fortaleza; F. Comunidade do Fortaleza e o paranã do Salsa, que comunica esta comunidade com a do Uauaçu.

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4.2. Conhecimento de plantas alimentícias Para listar o conhecimento de plantas alimentícias nas comunidades foram entrevistadas 195 pessoas em 78 famílias nas comunidades participantes (Tabela 2). Dentre estas, 71 mulheres, 66 homens e 58 crianças e jovens (entre 4 e 18 anos). Foram registrados 275 nomes populares nas entrevistas com listagens livres. Foram coletadas 270 amostras (Apêndice A). O apêndice B apresenta os 61 nomes populares citados que não puderam ser coletados ou fotografados, sendo aqui apresentados como subsídio para futuros trabalhos tratando do uso de plantas no rio Purus. Além das plantas citadas nas entrevistas, seis plantas foram mencionadas apenas nas turnês-guiadas: Endlicheria anomala (Nees) Mez (araçá), Duroia macrophylla Huber (apuruí-peludo), Alibertia latifolia (Benth.) K.Schum. (araçá-apuruí), Pouteria elegans (A.DC.) Baehni (xibuí-do-igapó), Attalea maripa (Aubl.) Mart. (inajá), Inga sp.3 (ingá-do-chavascal), Cheiloclinium cognatum (Miers) A.C.Sm. (sem nome popular conhecido), Melothria candolleana Cogn. (melanciarana) e Passiflora tholozanii Sacco (melanciarana). Assim, foram determinadas 220 espécies, distribuídas em 53 famílias (Apêndice A). As famílias mais representativas foram Arecaceae (21 espécies) seguidas de Fabaceae e Myrtaceae (20 cada), Rubiaceae (13), Malvaceae (10), Annonaceae e Sapotaceae (9 cada), Moraceae (8), Solanaceae e Cucurbitaceae (7 cada), Celastraceae (6), Melastomataceae, Chrysobalanaceae e Anacardiaceae (5 cada). As demais famílias são representadas por menos de cinco espécies (Figura 9)

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Principais famílias botânicas representadas

Arecaceae Fabaceae Myrtaceae Rubiaceae Malvaceae Sapotaceae Annonaceae Moraceae Solanaceae Cucurbitaceae Celastraceae Melastomataceae Chrysobalanaceae Anacardiaceae 0 5 10 15 20 25 Número de espécies

Figura 9. Principais famílias botânicas representadas no levantamento de plantas conhecidas das cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Número de espécies de plantas alimentícias citadas pelo menos cinco vezes por família botânica.

A grande riqueza de espécies de palmeiras utilizadas como alimento por populações na Amazônia é constatada em diversos trabalhos (Araújo e Lopes 2012; Rabelo 2012; Ammann 2014; Chaves 2016). Todas as espécies de palmeiras mencionadas são nativas, com exceção do coqueiro (Cocos nucifera L.), e apresentam importância nutricional, econômica e cultural para os povos da Amazônia. Os frutos destas palmeiras nativas são ricas fontes de óleo, de amido, proteínas e vitaminas, podem ser consumidos como vinho (Oenocarpus bacaba Mart., Oenocarpus bataua Mart., Euterpe spp., Mauritia flexuosa L.f., Elaeis oleifera (Kunth) Cortés), cozidos (Bactris gasipaes Kunth), frescos (Attalea phalerata Mart. ex Spreng., Astrocaryum aculeatum G.Mey.) ou até mesmo fermentados, e apesar de serem saborosos e apreciados, enfrentam dificuldades de inserção no mercado (Clement et al. 2005), apesar de algumas espécies com mercados bem estabelecidos como o caso do açaí (Euterpe spp.) no Brasil, e o tucumã (A. aculeatum), no Estado do Amazonas. A riqueza de espécies encontrada para Fabaceae se deve, consideravelmente, ao gênero Inga, o qual é amplamente distribuído na Amazônia e possui diversas espécies, cerca de 145 apenas no Brasil (Flora do Brasil 2018), muitas são comestíveis e são regularmente consumidas. Os ingás encontrados nas comunidades participantes são cultivados nos sítios, especialmente ingá-cipó (Inga edulis Mart.) e ingá-açu (Inga cinnamomea Spruce ex Benth.), como também silvestres, sobretudo nas áreas de 48 florestas inundáveis. Resultados semelhantes são encontrados em Gonçalves (2017), onde os ingás representam importante parcela no conhecimento botânico de comunidades indígenas multiétnicas no Amazonas. Myrtaceae apresenta inúmeras espécies de valor econômico e cultivadas em diferentes países. Com um número expressivo de espécies citadas, destaca-se o gênero Eugenia, popularmente chamados “araçás”, que frutificam em tempo de cheia nas florestas inundadas. Em tempos de seca, emergem ilhas de Eugenia inundata DC. que frutifica antes das águas subirem novamente e enganam a fome de pescadores, pescadoras e crianças (Figura 10). O gênero Psidium também é expressivo por reunir 182 citações para apenas três espécies: Psidium acutangulum DC; P. guajava L. e P. guineense Sw.; as conhecidas e apreciadas “goiabas”.

A B . B .

Figura 10. Araçá A. Ilhas de Eugenia inundata DC. em flor na seca do rio Purus, Lago Ayapuá. B. Detalhe da flor de Eugenia inundata DC.

Rubiaceae está representada, sobretudo por espécies do gênero Alibertia, Duroia e Genipa, que carregam os nomes de apuruí e jenipapo com suas variações, como apuruí-do-igapó, araçá-apuruí, jenipapinho etc. São também plantas com conhecimento difundido, cultivadas ou silvestres. Sabicea villosa Willd. ex Schult. foi mencionada exclusivamente por crianças, como o morango-do-roçado, erva com pequenos frutos vermelhos procurados pelos filhos que acompanham o trabalho de plantio e colheita dos pais. Das dez espécies de Malvaceae mencionadas, apenas três escapam ao gênero Theobroma, o qual inclui grande diversidade de “cacaus”, cultivados ou espontâneos nas florestas de terra-firme, principalmente. Este gênero possui 13 espécies nativas da Amazônia brasileira e que apresentam importância econômica, principalmente Theobroma cacao L. e Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K.Schum. Porém, 49 além dos conhecidos cacau e cupuaçu citados, há uma diversidade de “cacaus” encontrados que são pouco conhecidos ou explorados pela indústria alimentícia. Kinupp e Lorenzi (2014) apresentam informações, fotografias, receitas e potenciais de usos para diversas espécies deste gênero, inclusive Theobroma speciosum Willd. ex Spreng. é uma espécie amplamente cultivada nas comunidades, uma árvore de baixo porte, com flores belíssimas e fruto saboroso disponível em diferentes épocas do ano. As demais famílias, ainda que com um menor número de espécies, apresentam plantas importantes na cultura e alimentação local, como é o caso das Celastraceae, família que agrupa as frutas denominadas gogó-de-guariba, papo-de-mutum e iatumã, são lianas e árvores silvestres de florestas inundadas cujos frutos são muito procurados por serem grandes e doces. Assim como as Chrysobalanaceae, cujas árvores são cultivadas em quintais, como o pajurá (Couepia bracteosa Benth.) e a marirana (Couepia subcordata Benth. ex Hook.f.), apesar de pouco consumidos; o sapatinho (Licania hypoleuca Benth.) e a uxirana (Couepia paraensis (Mart. & Zucc.) Benth. subsp. paraensis) que frutificam nas florestas inundadas e a castanha-de-cutia (Acioa edulis Prance), a qual possui apelo comercial ainda em ascensão, pela sua semelhança à Bertholletia excelsa Bonpl. No ano de realização deste trabalho, os castanhais não renderam muitos frutos, e devido à falta de castanha nos mercados houve demanda pela castanha-de-cutia, a qual foi coletada e vendida pelos moradores (Figura 11).

A B . B .

Figura 11. Castanha-de-cutia A. Frutos de Acioa edulis Prance (castanha-de-cutia) B. Coleta da castanha-de-cutia

Do total de espécies identificadas, 54,55% são árvores, 18,64% são ervas, 9,55% são arbustos, 9,55% são palmeiras e 7,73% são lianas. A parte comestível mais citada foi o fruto, incluindo pseudofrutos (178 espécies fornecendo), seguida por folha 50

(24 espécies), semente (16), órgão tuberoso (12), casca (5), palmito (4), látex (3) e flor (1), sendo que 19 espécies apresentaram mais de uma parte comestível (Apêndice A). É esperado que em um ambiente caracterizado pela floresta haja uma predominância de culturas arbóreas, e além disso, Clement (1999) alerta que esta predominância pode ser um artefato de abandono dos vegetais domesticados pelos indígenas anteriormente ao contato com os europeus em 1492, uma vez que cultivos anuais tendem a desaparecer mais rapidamente do que os perenes. Ainda, a discrepância numérica registrada tendendo o conhecimento de plantas alimentícias para árvores frutíferas pode indicar também hábitos culturais, que preterem o consumo de folhas, ervas e saladas (Katz et al. 2012). O local de ocorrência mais expressivo dentre as espécies são as florestas inundáveis, com 85 espécies citadas, seguida da floresta de terra-firme (48), roçado e sítio (39 cada), mercado (23), canteiro (15) e capoeira (12). A maior parte das espécies alimentícias conhecidas ocorre em ambientes inundáveis, e isto pode determinar diferenças no consumo destas plantas conforme o regime hidrológico da região. Além das especificidades do período de frutificação das espécies, na estação da cheia, as várzeas e igapós são acessíveis enquanto que na seca ficam isoladas, e o acesso aos frutos destas espécies torna-se restrito. Do total de amostras coletadas, 64,55% são espécies nativas do Brasil e ocorrem no bioma Amazônia, 16,82% são espécies cultivadas e 6,36% são classificadas como naturalizadas no Brasil. Não foi possível identificar a nível de espécie 27 amostras, e portanto, a origem não foi referenciada. Apesar disso, 22 destas amostras apresentam enorme possibilidade de serem nativas, considerando os gêneros e o local onde foram encontradas de forma espontânea (Apêndice A). Estes valores apontam para o profundo conhecimento de espécies nativas levantado pelas comunidades. Esta lista de espécies (Apêndice A) pode fornecer subsídios para estudos bromatológicos de plantas alimentícias nativas da Amazônia, que são ainda muito raros, mas que se mostram promissores para salientar o potencial alimentício dessas plantas e contribuir com informações a respeito de proteínas e minerais presentes nestas espécies, comparando-as com os teores presentes em plantas usualmente consumidas de uso similar, sejam hortaliças ou frutíferas (Kinupp 2007; Kinupp e Barros 2008). Da mesma forma que encontrado por Santos et al. (2012) em estudo 51 realizado na caatinga, observa-se aqui um grande número de frutas nativas que são pouco comercializadas em feiras e mercados locais da região, nos quais encontra-se basicamente os produtos mais convencionais, apontando o imenso potencial das plantas da Amazônia via extrativismo em um primeiro momento e/ou como cultivos para a diversificação de áreas agrícolas e dos hábitos alimentares.

4.3. Formas de consumo 4.3.1. Principais formas de preparo Foram categorizadas 105 formas de preparo, de acordo com os usos mencionados pelos entrevistados. Estas formas de preparo foram agrupadas em 11 categorias de preparo: in natura, cozido, bebida, tempero, “vinho”, doce, fritura, assado, farinha e derivados, salada e óleo (tabela 3). A categoria que se destaca no número de citações de uso é in natura, que reúne quase a metade do total de citações (45,65%). Nesta categoria estão incluídos o consumo de frutos maduros ou imaturos sem preparações elaboradas, apenas com adição de sal, açúcar, farinha ou outros itens alimentares sem passarem pela panela. O consumo do látex de árvores de amapá ou de souva também está nesta categoria quando consumidos sob a forma de “arabu”, também chamada “gemada”, que consiste no látex batido com um garfo em um prato até que pare de gerar espuma, então acrescenta-se açúcar e farinha e come-se de colheradas. “Corta ele [amapá] assim com a faca de cortar seringa né, apara, tira aquele leite bem... bota num vaso, numa tigela assim. Bate bem batidinho, tira três escuma dele e pode botar o açúcar dentro, botar farinha. É mesmo como ovo de galinha. Vocês já comeram? Num é que é bom? Rapaz, e é sustentável, né? Sustenta muito a pessoa! Eu não tenho comido muito...” J.P. 73 anos.

Pode-se afirmar que as plantas são consumidas, majoritariamente, na sua forma natural com adição de poucos ingredientes. A categoria “in natura” se diferencia da “salada” pela forma de consumo, sendo a segunda, menos frequente, consumida, sobretudo junto às refeições e com adição de vinagre e sal. A importância do consumo de vegetais em sua forma natural, sem preparações elaboradas, é encontrada em diferentes comunidades tradicionais em regiões do país e do mundo, como relatado por 52

Martins et al. (2005); Chaves e Barros (2008); Nunes et al. (2008); Kalle e Sõukand (2012); Agea et al. (2013); Pereira et al. (2017); Leal et al. (2018) Em um trabalho de levantamento de métodos de colheita, preparação e preservação de plantas alimentares silvestres comumente consumidas no Reino de Bunyoro-Kitara, Uganda, Agea et al. (2013) observaram que a maior parte das espécies levantadas eram consumidas de forma sazonal e pouco processadas, e ressaltam a importância de investimentos em políticas de aprimoramento de técnicas tradicionais de armazenamento de alimentos silvestres como uma forma de valorizar e manter a cultura alimentar local. Por sua vez, Cruz et al. (2013) levantando formas de preparo de plantas alimentícias silvestres no nordeste brasileiro, concluem que o conhecimento associado sobre as formas de prepará-las acompanhou a perda da tradição de usá-las, e possivelmente por isso, o modo de consumo in natura é prevalente. Em seguida, a categoria “cozido” recebeu 15,03% do total de citações de uso e reúne o maior número de formas de preparo (24). Estão representados como “cozido” o uso de vegetais que vão “na panela” do almoço ou do jantar, acompanhando pratos principais como é o caso do peixe, da carne de caça, do frango, ou, na minoria dos casos, da carne bovina. Estão também representados nesta categoria a sopa, jamais feita somente de vegetais, o baião-de-dois, que consiste em arroz e feijão cozidos e temperados juntos, e o “cozido com café”, que são os tubérculos cozidos comumente consumidos no café da manhã ou da tarde (merenda), como é o caso da macaxeira, cará, taioba e batata. Alguns preparados de milho também estão nesta categoria, como o cuscuz, a pamonha, a canjica e o mungunzá, todos cozidos em panela. Câmara Cascudo, em sua importante obra “História da Alimentação no Brasil” publicada em 1967, afirma que o milho, para indígenas brasileiros não chegou a se constituir um alimento, e era mais uma “gulodice” ou “passatempo mastigador” ou, ainda, consumido como bebida fermentada. As preparações decorrentes do milho foram aprimoradas por mãos portuguesas (bolos, canjicas, pudins) e africanas (papas, angus, mungunzás), as quais obtiveram o milho a partir dos indígenas americanos (Cascudo 2011). O mingau é um dos pratos tradicionais das populações da Amazônia e muito consumido nos cafés da manhã e merendas da tarde por todas as faixas etárias. Esta preparação também mereceu a atenção de Câmara Cascudo (2011), que a descreveu, 53

juntamente ao pirão (caldo quente com farinha), como uma das preparações mais vulgares, diárias e normais da culinária indígena. O mingau pode ser preparado a partir de diversas espécies, em ordem decrescente de citações: banana, jerimum, milho, castanha, babaçu, cará, macaxeira, arroz e cará-de-espinho.

“Ah, o mingau daquilo... da massa de babaçu. Rapaz, Deus o livre! Deus o livre! Lava em cinco águas, pode fazer, é um mingau muito pai d’égua! E forte! [...] Deixaram de fazer, mas na hora que o camarada quiser fazer, faz, porque babaçu é mato...” N. 92 anos.

Tabela 3. Categorias de preparo e formas de preparo das plantas alimentícias citadas pelos entrevistados das comunidades participantes nas listagens livres, RDS Piagaçu-Purus. F = Frequência relativa de citações de cada categoria, em porcentagem. N citações = 6328.

Categoria de preparo Formas de preparo F (%) Fruto maduro, fruto imaturo, com sal, com gelo, com açúcar, com café, com farinha, com leite, ralado, no pão, na “tapioquinha”1, no In natura beiju, com peixe, palmito jovem, tira-gosto de pinga, com leite, 45,65% açúcar e farinha, “golo-golo”2, leite com açúcar, “arabu”3

1 Preparo de subproduto da farinha de mandioca, feito a partir da fécula, consumido de forma semelhante ao pão. 2 Mistura de poupa de fruta com açúcar batido com socador ou colher. 3 Látex batido com um garfo em um prato até que pare de gerar espuma, então acrescenta-se açúcar e farinha e come-se de colheradas. 54

Cozido com sal, no leite da castanha, mingau, mingau no leite da castanha, frutos imaturos cozidos, palmito, casca cozida, com peixe, com peixe salgado, com carne, com carne salgada, no Cozido guisado, com frango, cozido com café, no feijão, fruto imaturo 15,03% cozido, na sopa, maionese, baião-de-dois, no arroz, caldo, cuscuz4, pamonha5, canjica6, mungunzá

Suco, suco de frutos imaturos, vitaminada, chá, chá com farinha, Bebida com beiju ou com pão, “aluá”7, água, caipirinha, licor, leite, leite 12,53% com café, leite com açúcar e farinha, refrigerante Tempero, lavar o peixe, tempero do tucupi, tempero de pato, Tempero 9,30% tempero de peixe, tempero de carne, coloral, “arubé*”, tucupi8 Vinho9, vinho com açúcar, com sal, com farinha d'água, com “Vinho” 4,90% farinha de tapioca Doces de frutos maduros, doces de frutos imaturos, chocolate, cozido na garapa10, paçoca, cocada11, creme, dindin12, doce da Doce 4,88% casca, doce do caroço, quebra-queixo13, mel, rapadura, gramichó14, xarope, bombom15 Frito, bolinho, bolinho de frutos imaturos, fritura de polvilho, Fritura 3,68% fritura de carimã ou cruera16, pipoca, refogado Assado Assado, bolo, pé-de-moleque17 2,18% Farinha, farinha d'água, farinha de tapioca, beiju18, “tapioquinha”, Farinha e derivados 1,23% goma19, carimã, farofa, polvilho20, cruera Salada Salada, com vinagre e sal 0,54% Óleo Óleo 0,06%

4 Farinha de milho ou milho ralado cozidos no vapor, normalmente com açúcar. 5 Milho ralado e a adicionado manteiga, açúcar, leite em pó, envolvido na palha e cozido na água. 6 Semelhante ao mungunzá, é um preparado de milho com leite e açúcar, como um mingau. 7 Bebida fermentada feita da casca do abacaxi ou ananás. 8 Líquido aromático e tóxico retirado da mandioca durante o processamento da mesma para fazer farinha, precisa ser fervido para o consumo. 9 Líquido grosso extraído, principalmente de Arecaceae, consumido normalmente com farinha e açúcar. 10 Caldo da cana-de-açúcar moída. 11 Doce feito na panela com a castanha ralada e açúcar. 12 Suco de frutas congelado em sacos plásticos alongados, que são perfurados e tomados como sorvete ou picolé. 13 Doce endurecido feito de castanha e açúcar. 14 Rapadura refinada, semelhante ao açúcar mascavo 15 Doces endurecidos e pequenos, feitos de mangarataia (Zingiber officinale Roscoe) e açúcar 16 Subproduto do processo da farinha de mandioca, retirada da mandioca “puba”, deixada de molho por alguns dias para fermentar, em seguida é ralada, e esta massa resultante é pendurada para escorrer todo o líquido. Após escorrida, seca e peneirada tem-se o carimã ou cruera. 17 Doce assado tradicional feito com a farinha de mandioca pouco torrada (“escaldada”, apenas), castanha, açúcar e manteiga. 18 Semelhante à “tapioquinha”, porém feito com a farinha de mandioca pouco torrada (“escaldada” e goma). 19 Fécula da mandioca, matéria-prima da “tapioquinha”, beiju e farinha de tapioca. 20 Sinônimo de carimã e cruera, porém também referido à fécula (goma) da macaxeira. 55

As “bebidas” incluem os sucos, vitaminadas, licores, o látex sob a forma de leite, normalmente adicionado ao café e os chás. Os chás representam apenas aqueles com fins alimentícios, consumidos como “substitutos do café”, foram desconsiderados aqueles mencionados exclusivamente para fins medicinais. As demais categorias foram menos expressivas em número de citações. A categoria “vinho” foi separada da “bebida” por se tratar de uma preparação tradicional, onde o líquido extraído, principalmente de Arecaceae, é mais grosso e consumido de forma diferente que uma simples bebida. Consome-se o vinho usualmente com colher, com adição de farinha d’água ou de tapioca, açúcar ou mesmo com sal acompanhando refeições, ainda que menos frequente. As espécies mencionadas cujos frutos podem ser usados para fazer “vinho” são referentes aos nomes populares: açaí, abacaba, patauá, buriti, bacabão, castanha, caiaué, bacabinha, bacabaí, taperebá, apuruí-massa e apuruí-pequeno. As “farinhas e derivados”, apesar de pouco expressivos em número de citações, são importantes na cultura alimentar local, por ser a mandioca, a principal fonte de amido e consumida diariamente sob diferentes formas (Dufour et al. 2016). Pode-se dizer que muitos povos da Amazônia são, historicamente, especialistas em processar a mandioca, e desta extrai-se diversos produtos, desde diferentes tipos de farinha, doces, tempero, caldos, polvilho, carimã (ou cruera) e goma até bebidas fermentadas, estas últimas não relatadas nas entrevistas (Figura 12). Além da mandioca, outras espécies foram indicadas como matéria-prima para farinha, goma ou farofa, como a macaxeira, o milho, o babaçu, a pupunha, a castanha e o feijão-de-farofa. Os “fritinhos” são também amplamente conhecidos e consumidos nas merendas e cafés da manhã. São bolinhos fritos feitos ora das próprias farinhas e seus derivados como o polvilho, a goma, o carimã, a farinha de macaxeira, o milho moído, ora de banana madura ou imatura. Também são fritos órgãos tuberosos como o cará e a macaxeira. A única espécie mencionada cujo preparo envolve extração de óleo da semente foi a castanha, e foi mencionado pelos moradores mais antigos o uso deste óleo para fritura de quitutes em um passado recente. Os temperos incluem os condimentos acrescentados nas panelas e pratos. São principalmente sob esta forma que são consumidas as folhas de herbáceas como cebola-palha, cheiro-verde, chicória, cominho, couve, jambu, manjericão e repolho. Sobre a chicória (Eryngium foetidum L.) acredita-se que tenha sido incorporada à culinária indígena e afro-brasileira, somente após o conhecimento do coentro 56

(Coriandrum sativum L.), trazido pelos portugueses (Cascudo 2011). Dentre os temperos também estão as diversas variedades de pimenta, o urucum usado no coloral caseiro e produtos da mandioca como o tucupi e o arubé, uma espécie de molho de pimenta feito com massa de mandioca, sal e pimentas. Acredita-se que o arubé, cujo sabor remete aos molhos de mostarda, seja um dos primeiros molhos do Brasil (Cascudo 2011), autêntico, nativo, e atualmente negligenciado. As pimentas são presença conhecida e indispensável da culinária indígena, desde as autóctones variedades de Capsicum chinense Jacq., até a pimenta-do-reino (Piper nigrum L.) vinda da Índia junto aos jesuítas, ambas incorporadas na alimentação e fortemente persistentes, importantes na culinária ribeirinha como tempero e estimulantes da digestão (Cascudo 2011). Os assados são as preparações levadas diretamente ao fogo a lenha ou ao forno, seja do fogão, seja da casa de farinha, e inclui o pé-de-moleque, tradicional receita feita de farinha de mandioca e castanha, além de bolos e tubérculos, como o cará-do- ar, apreciado durante as torrações de farinha, levado ao forno. Os doces são as preparações levadas ao fogo com açúcar, muitos frutos maduros ou imaturos e cascas de frutos são consumidos desta forma. Além do chocolate, feito das sementes do cacau e do cupuaçu, que são torradas e piladas ou moídas. A paçoca pode ser feita da castanha ou da castanha do caju, as quais são torradas, agregando farinha de mandioca, açúcar e sal e em seguida a mistura é moída ou pilada (Figura 13). Doces que envolvem a produção de cana-de-açúcar são menos frequentes atualmente, mas remetem um passado recente, quando se plantava cana para adoçar o café, fazer melado, garapa e gramichó ou rapadura. Doces em calda eram preparados cozinhando tubérculos, como o cará ou macaxeira, na garapa da cana.

57

A

. EE D . .

B . F

.

C .

G G .

D . H .

Figura 12. Temperos, fritinhos e farinhada produzidos por comunidades da RDS Piagaçu-Purus A. Fritinho de carimã; B. Café da manhã com fritinho de banana imatura e banana madura frita; C. variedade de pimentas (Capsicum chinense Jacq.); D. Arubé; E. Farinhada F. Preparo de beiju; G. Temperos típicos; H. Coloral para tempero feito artesanalmente com urucum (Bixa orellana L.). 58 A D . .

B

. E D .

F

.

G C G . .

Figura 13. Doces e mingau produzidos pelas comunidades da RDS Piagaçu-Purus. A. Arabu de leite de amapá; B. Extração de leite de amapá (Brosimum utile (Kunth) Pittier); C. extração de goma de babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng.) para preparo de mingau; D. Doce de cupuaçu (Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K.Schum.); E. F. Preparação de paçoca de castanha de caju (Anacardium occidentale L.); G. Mingau de babaçu com banana. 59

A espécie que apresentou maior número de formas de preparo foi a castanha, incluída em nove das 11 categorias de preparo, seguida da banana, incluída em seis (Tabela 4). Outras espécies versáteis são caju, macaxeira, mandioca, cupuaçu, maracujá, cubiu e pupunha. É surpreendente que a mandioca não seja a mais versátil de todas as espécies aqui levantadas. Porém, foi possível observar em campo, acompanhando as farinhadas, momento de reunião de famílias para a produção de farinha e seus derivados, que muitos estão restringindo o consumo da mandioca à farinha d’água, onde uma parte do total da mandioca é deixada de molho por alguns dias para fermentar levemente antes de iniciar o processamento da farinha, e abandonando a produção de seus derivados, inclusive de goma para beijus e farinha de tapioca, itens apreciados e que estão sendo gradualmente mais comprados do que produzidos. Além disso, a mandioca não é uma fonte de renda significativa para estas comunidades, já que a agricultura não é a atividade mais expressiva. A extração da castanha, por sua vez, ocupa uma posição mais importante economicamente, e a cada começo de ano, quando caem os ouriços das castanheiras, as casas ficam repletas de castanhas, e os moradores produzem doces, cozinham carne de caça no leite, retiram o óleo, fazem farofa salgada da castanha ralada, tomam o leite da castanha feito vinho (com farinha), temperam a comida, usando a castanha de diversas maneiras.

Tabela 4. Espécies versáteis e as categorias de preparo em que se incluem mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. N: número de categorias de preparo mencionadas para a espécie. Espécie Nome popular N Categorias de preparo In natura, Assado, Cozido, Bebida, Farinha Bertholletia excelsa Bonpl. castanha 9 e derivados, Vinho, Doce, Tempero, Óleo In natura, Assado, Cozido, Bebida, Fritura, Musa x paradisiaca L. banana 6 Doce Anacardium occidentale L. caju 5 In natura, Assado, Cozido, Bebida, Doce Assado, Cozido, Bebida, Fritura, Farinha e Manihot esculenta Crantz macaxeira 5 derivados Solanum sessiliflorum Dunal cubiu 4 In natura, Cozido, Doce, Salada Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) cupuaçu 4 In natura, Assado, Bebida, Doce K.Schum. Assado, Fritura, Farinha e derivados, Manihot esculenta Crantz mandioca 4 Tempero Passiflora edulis Sims maracujá 4 In natura, Assado, Bebida, Doce In natura, Assado, Cozido, Farinha e Bactris gasipaes Kunth pupunha 4 derivados 60

Essas espécies versáteis merecem atenção uma vez que podem gerar diferentes tipos de alimentos culturalmente aceitos e com seus cultivos sendo incentivados, podem ser priorizadas em políticas voltadas para a merenda escolar, por exemplo.

4.3.2. Preferências locais “A souva? Ah, é a melhor fruta que tem no mato! Rapaz, uma vez o camarada tinha escondido uma pera cheia de fruta de souva, mas era uma pera dessa altura assim, eu ia mais outro camarada aí encostemo lá, o camarada subiu em terra, deu com ela, rapaz, arrastemo pra beira, comemo que vomitemo! Rapaz, ah, coisa boa! Ave maria!” N. 92 anos. Agora, a fruta da souva é bom! É a melhor fruta que tem no mato! J.P. 73 anos.

Aliado às listagens livres, foi questionado aos participantes da pesquisa dentre todos os vegetais mencionados quais eram os favoritos. Nem todos conseguiram escolher uma única planta, alegaram não ter preferência, enquanto outros mencionavam de uma a quatro plantas diferentes. Dentre todas as mencionadas, as que se destacam são a banana, o açaí e a melancia (Figura 14). A banana é a preferência geral dos entrevistados, é amplamente consumida, cultivada e possui diversas formas de preparo, por não ser nativa das Américas, Câmara Cascudo (2011) a descreve como “uma hóspede, desde o século XVI, tomando lentamente posse da casa”. A banana acompanha ocupações humanas e é um indicativo de segregação de grupos indígenas: onde não há banana, não houve contato. Tamanho o seu sucesso, uma vez cultivada a espécie seria inevitavelmente propagada (Cascudo 2011). Dufour (2016) afirma que a mandioca e a banana são as principais fontes de energia das populações amazônidas. Das 22 plantas mencionadas pelos menos cinco vezes como preferidas, oito são exóticas, sendo a banana, melancia, manga e goiaba com significativo destaque.

61

Preferências por grupos de entrevistados 40 35 30 25 20 15 10 Mulheres 5

0 Homens

Número citaçõesNúmero de

uva

uixi

açaí caju

ingá Crianças e Jovens

souva biribá

jambo piquiá

manga goiaba

banana

mamão tucumã

abacate

abacaxi

cupuaçu

castanha

melancia

mandioca

macaxeira sem resposta sem Nomes populares

Figura 14. Número absoluto de plantas mencionadas como preferidas, por pelo menos cinco vezes, em cada grupo de entrevistados nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. (N=337).

O açaí e a melancia também são espécies comercializadas na região, por extração ou cultivo nos roçados de vazante, respectivamente. A mandioca aparece como uma das plantas favoritas, igualmente por homens e mulheres, demonstrando uma valorização desta espécie tão corriqueira na vida ribeirinha. Plantas como a banana, abacate, cupuaçu e castanha, que costumam ser consumidas de forma preparada, são preferidas pelas mulheres. O uixi, o piquiá, a castanha e a souva aparecem como frutas provenientes de extração que são muito apreciadas, esta última, sobretudo pelos homens, por ser uma fruta comida na mata, pouco levada para casa, e que costumava ser mais consumida pelos mais velhos no período da economia gomífera na região, quando o látex da souva era também extraído e comercializado. As crianças e jovens apresentam preferência pelas frutíferas cultivadas, sobressaindo a melancia, manga e a goiaba, que são espécies bastante presentes nas comunidades e de fácil acesso. A uva aparece com seis citações de preferência principalmente entre crianças e jovens, mesmo sendo uma fruta de difícil acesso e adquirida apenas pelo comércio, dando indícios da transição nutricional nas novas gerações.

62

4.4. Saliência cognitiva das plantas mencionadas 4.4.1. Índice de Saliência Cognitiva Geral Dentre os 275 nomes citados como plantas alimentícias nas cinco comunidades, os quinze mais salientes cognitivamente estão distribuídos entre os diferentes ambientes: florestas (5), roçado (5), sítio (4) e canteiro (1). Nenhuma planta oriunda do mercado está entre as mais salientes (Tabela 5). O termo “florestas” inclui florestas inundáveis e de terra-firme distantes e pouco manejadas; os roçados são os espaços de plantio direto, normalmente distantes do núcleo de residências; os sítios são as áreas comuns da comunidade, onde as casas são construídas e onde árvores frutíferas são plantadas ou poupadas; e os canteiros são as hortas, onde são cultivadas, diretamente no chão, em caixas ou em canoas antigas, plantas herbáceas de uso constante na culinária ou na medicina (Figura 15).

A D . .

B E . D .

C F . .

63

Figura 15. Canteiros nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes.A. coentro (Coriandrum sativum L. ); B e C. Canteiros em canoas antigas; D. cebola-de-palha (Allium fistulosum L.); E e F. Canteiros em caixas.

Das quinze plantas mais salientes cognitivamente, apenas cinco são cultivadas, sendo nove nativas da Amazônia e apenas uma classificada como naturalizada (Tabela 5). Estes dados apontam para uma íntima relação das comunidades com o entorno, e com espécies adaptadas à região. A planta mais saliente cognitivamente é a goiaba, seguida da banana, ambas as espécies cultivadas e consumidas por todas as faixas etárias, o que pode ter determinado a importância destas (Tabela 5). A goiaba é normalmente consumida in natura e a banana é uma das espécies mais versáteis no que diz respeito às suas formas de consumo. O açaí e uixi aparecem em seguida como plantas importantes. Ambos são frutos regionais muito consumidos e apreciados, apenas nos meses que frutificam. O açaí é também fonte de renda para algumas destas comunidades, com mercado estabelecido na capital do Estado e cidades próximas. O uixi é menos explorado comercialmente (Figura 16). A árvore produz grande quantidade de frutos, que caem na estação das chuvas, principalmente entre os meses de fevereiro e maio, e é levado para as casas, sobretudo pelos homens e meninos que visitam as florestas no trabalho da coleta da castanha. Assim, o uixi também pode ser apreciado por todas as faixas etárias e é uma fruta que demanda mais pesquisas, ressaltando a importância em investimentos em métodos de processamento e armazenamento para que possa ser consumido ao longo do ano. Da mesma forma que o uixi, o piquiá é também recolhido da mata e levado às casas, onde todos podem comer. É preciso cozinhar o fruto, e alguns indivíduos da espécie produzem frutos amargos. Assim, é importante conhecer a árvore ao pé da qual se está coletando os frutos para ter garantia de que sejam saborosos (Shanley e Medina 2005). É comum dizerem nas comunidades que a árvore do piquiá amarga se alguém “sovinar” seus frutos, ou seja, se coletarem e não compartilharem com os vizinhos e familiares.

64

Figura 16. Frutos de Endopleura uchi (Huber) Cuatrec. recolhidos da floresta de terra-firme e levados para casa na comunidade do Uixi, RDS Piagaçu-Purus.

Tabela 5. As quinze plantas com maior e menor índice de saliência cognitica (ISC) mencionadas pelos menos cinco vezes nas listagens livre realizadas nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Classificação no ordenamento do ISC, nome popular, local de ocorrência (Local), Origem, número das listagens em que a planta ocorre (F), posição média da planta nas listagens em que ocorre (MP) e índice de saliência cognitiva (ISC). N=195. Classificação Nome popular Local Origem F MP ISC 1 goiaba sítio naturalizada 118 10,06 0,0601 2 banana roçado cultivada 138 12,67 0,0558 3 açaí florestas nativa 130 12,97 0,0514 4 uixi florestas nativa 112 12,81 0,0448 5 macaxeira roçado nativa 108 13,13 0,0422 6 caju sítio nativa 92 11,22 0,0420 7 cupuaçu sítio nativa 116 14,36 0,0414 8 cebola-de-palha canteiro cultivada 104 13,77 0,0387 9 piquiá florestas nativa 94 12,64 0,0381 10 manga sítio cultivada 108 15,53 0,0356 11 jerimum roçado cultivada 100 15,76 0,0325 12 melancia roçado cultivada 97 15,79 0,0315 13 cará roçado nativa 86 14,80 0,0298 14 castanha florestas nativa 91 15,94 0,0293 15 bacuri florestas nativa 88 16,19 0,0279 136 araçá-vermelho florestas nativa 5 18,20 0,0014 137 cará-do-ar roçado naturalizada 7 26,00 0,0014 138 jutaí florestas nativa 5 18,60 0,0014 140 caiaué sítio nativa 7 27,57 0,0013 147 tucumaí florestas nativa 6 25,00 0,0012 152 mata-fome florestas nativa 6 25,50 0,0012 65

153 amapá florestas nativa 7 30,43 0,0012 154 quiabo roçado cultivada 5 21,80 0,0012 160 araumari florestas nativa 5 24,00 0,0011 161 pepino-do-mato florestas nativa 6 29,66 0,0010 167 hortelã canteiro naturalizada 5 26,60 0,0010 168 souvinha florestas nativa 5 26,80 0,0009 batata- 172 mercado cultivada 5 31,00 0,0008 portuguesa 174 jambu canteiro nativa 6 38,17 0,0008 179 copaíba florestas nativa 5 35,00 0,0007

Apenas quatro das 15 plantas mais salientes cognitivamente não estão presente na lista de preferências, são elas: cebola-de-palha, jerimum, cará e bacuri (Garcinia brasiliensis Mart.), indicando uma interessante aproximação metodológica entre o questionamento da “preferência” (Figura 14) e o ISC (Tabela 5). A cebola-de-palha, ou simplesmente cebola, além de ser um importante item das refeições, tempero indispensável na alimentação regional, é também um símbolo de status, sobretudo entre as mulheres. Os canteiros com cebolas viçosas, grandes e saudáveis são motivo de orgulho de quem cultiva e de apreciação e elogios das outras mulheres (Figura 15. D). O jerimum e o cará estão presentes em muitos roçados e são consumidos com frequência. O bacuri, por sua vez, é amplamente cultivado nos sítios das comunidades, por ser uma árvore que sobrevive à inundação e produz frutos em abundância, estes são também bastante consumidos. É interessante notar que a mandioca não está entre as mais salientes cognitivamente, apesar de ser consumida diariamente, estar presente nos roçados, ter importância comercial e ter sido, inclusive, mencionada como preferência por alguns entrevistados. É possível que, por ser tão corriqueira, seja esquecida no momento das listagens. A macaxeira, porém, ficou em quinto lugar na lista. Dentre as quinze plantas com índice de saliência mais baixos, e que foram mencionadas pelo menos por cinco entrevistados, nove são das florestas. Pode-se dizer que estas são algumas das plantas alimentícias não convencionais (PANC) das comunidades participantes. Pouco conhecidas e provavelmente pouco consumidas, são plantas menos acessíveis de uma maneira geral. Excluindo as plantas com menos de cinco citações, a copaíba é a que apresentou menor índice de saliência cognitiva. Apesar de ser importante medicinalmente, poucos afirmaram consumir o chá da casca 66 como alimento na merenda em substituição ao café. Este é também o caso da hortelã, erva cultivada nos canteiros, mais utilizada medicinalmente do que na alimentação. O jambu, em seguida, é um dos menos salientes, apesar de consumido em pratos típicos da região Norte do país, com apelo comercial, é pouco utilizado nas comunidades como planta alimentícia, e as suas formas de consumo são pouco conhecidas. Além do uso tradicional no pato com tucupi e tacacá, Kinupp e Lorenzi (2014) apontam para diferentes potenciais usos da planta, como crua em saladas, em sucos, pães e patês. O jambu é um exemplo de como uma planta alimentícia pode ser tradicional sem que seja convencional. A batata-portuguesa (Solanum tuberosum L.), não é cultivada localmente e adquirida apenas nos mercados. O quiabo (Abelmoschus esculentus (L.) Moench), apesar de o maior número de citações ter sido como cultivado nos roçados, é também comumente encontrado nos comércios. Ambas são espécies pouco consumidas e que não são bem inseridas na cultura alimentar local, mas que se tornam acessíveis pelos comércios. Ainda assim, por estarem disponíveis nas vendas, possivelmente são mais consumidas do que algumas espécies frutíferas silvestres. O quiabo, a batata-portuguesa, a hortelã (Mentha spicata L.) e o cará-do-ar (Dioscorea bulbifera L.) são as espécies exóticas dentre as quinze menos salientes, sendo as duas últimas já consideradas naturalizadas. Todas as demais 11 espécies são nativas. Dentre as espécies menos salientes existem mais espécies oriundas das florestas (nove) do que dentre as mais salientes (cinco). Isto indica que as mais comuns na vida destas comunidades são as cultivadas, oriundas da agrobiodiversidade, e as nativas presentes nas florestas são menos frequentes, menos conhecidas e, consequentemente, menos consumidas. As plantas silvestres21, por alguns autores descritas como plantas emergenciais ou famine foods podem ser importantes alimentos em momentos de escassez ou durante as caminhadas na floresta e atividades de caça, pesca e trabalho na roça. Guinand e Lemessa (2001) definem estas plantas emergenciais como aquelas pouco consumidas devido à sua sazonalidade e limitada disponibilidade, tabus locais, natureza ofensiva da planta como abundância de espinhos, acúleos e/ou gloquídios minúsculos (principalmente nas partes não

21 O uso da palavra silvestre está aqui referido como a procedência destas plantas, que ocorrem nas florestas inundáveis ou de terra-firme. Clement (1999) se refere a muitas espécies em comum à lista de espécies aqui levantadas como plantas domesticadas (em diferentes níveis de domesticação), sendo estas historicamente manejadas e selecionadas por povos nativos da América pré-colombiana para diferentes usos. 67 comestíveis), certas características desagradáveis e efeitos colaterais, como o sabor ruim, preparação complicada e prolongada, e associação com queixas de estômago, constipação, diarreia e até intoxicação. É recorrente trabalhos mencionarem a desvalorização dos alimentos vegetais silvestres por associarem estes a “comidas de pobre”, de momentos de necessidade e escassez (Nascimento et al. 2012; Łuczaj et al. 2012; Cruz et al. 2014). O mesmo ocorre com os sistemas alimentares tradicionais. Ainda que estes contribuam para o modelo alimentar nacional de diferentes países, como a mandioca para o Brasil, costumam ser invisibilizados e relegados à condição de pobreza ou de falta de “civilização” (Katz 2009). Esta percepção aumenta com a introdução de novos recursos alimentares e aumento da renda disponível em comunidades tradicionais, levando ao abandono de alguns recursos que tais comunidades costumavam utilizar na alimentação (Katz 2009). A perda desses recursos aumenta nestas populações a dependência de fontes remuneradas de emprego e auxílios governamentais e reduz suas opções para garantir soberania alimentar (Łuczaj et al. 2012; Cruz et al. 2014). Algumas espécies destas plantas alimentícias negligenciadas e subutilizadas oferecem alternativas para diversificar a dieta humana, como também aprimorar a produção de alimentos, uma vez que tais plantas, mais do que as cultivadas, são capazes de suportar condições de estresse ambiental, necessitam de pouca quantidade de água e nutrientes e são adaptadas a “pragas” locais, são mais resistentes e podem contribuir para sistemas de produção de baixo custo (Baldermann et al. 2016) e são altamente resilientes, produzindo sementes botânicas e propágulos que tornam os agricultores e agricultoras autossuficientes e independentes da indústria de sementes (Kinupp e Lorenzi 2014). Os baixos índices de saliência cognitiva (ISC) encontrados na Tabela 5 refletem uma idiossincrasia das citações, ou seja, apenas um pequeno número de plantas foi citado repetidas vezes nas listas (16 plantas foram citadas mais de 80 vezes), enquanto 131 plantas (47,64 % do total) são citadas no máximo quatro vezes. (Figura 17). Este fato alerta para um baixo compartilhamento do conhecimento entre as comunidades e entre seus respectivos moradores, o que é um indicativo de erosão de conhecimento (Benz et al. 2000). 68

Idiossincrasia das citações 75 70 65 60 55 50 45 40 35 30 25

Número de plantas de Número 20 15 10 5 0 0 20 40 60 80 100 120 140 Frequência de citação nas entrevistas

Figura 17. Idiossincrasia das citações mencionadas nas listagens livre sobre conhecimento de plantas alimentícinas nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Número de plantas e quantidade de vezes que foram mencionadas nas entrevistas de listagens livres. 73 plantas foram citadas apenas uma vez, enquanto uma única planta (banana) foi citada 138 vezes. Número de entrevistas = 195. Número de plantas citadas = 275.

4.4.2. Índice de Saliência Cognitiva nos grupos de entrevistados

Separando os nomes populares mencionados por homens, por mulheres e por crianças e jovens (entre 4 e 18 anos), e analisando os índices de saliência cognitiva, é interessante notar como a lista das 10 mais salientes em cada grupo se diferencia (Tabela 6). Dentre as 10 plantas mais salientes para os homens, a maior parte delas ocorre nas florestas. Três plantas não ocorrem nas listas dos outros grupos, são elas a castanha, abacaba e souva, citadas como plantas da mata, apesar de serem espécies que também podem ocorrer em sítios e roçados, eventualmente. Na lista das mulheres, destacam-se as plantas de roçado e as frutíferas dos sítios. As plantas silvestres importantes para as mulheres são aquelas trazidas para casa, o uixi, piquiá e açaí, demonstrando a importante relação destas com o cuidado do lar nesta cultura. A lista das crianças e jovens se aproxima mais com a das mulheres do que com a dos homens, possivelmente pela relação mais próxima das crianças com as mães, com a casa e com a comunidade do que com a floresta. Nesta lista, tem mais importância as plantas frutíferas dos sítios, e com exclusividade aparecem o ingá, a manga e a melancia. Estas especificidades demonstram que apesar de compartilharem 69 parte do universo materno com as mulheres, as crianças e jovens possuem conhecimentos e costumes alimentares próprios. Łuczaj et al. (2012) afirmam que o consumo precoce de frutos pode determinar a permanência deste consumo na fase adulta, ressaltando a importância da inclusão de frutos silvestres na dieta de crianças para a valorização dos mesmos.

Tabela 6. Dez plantas alimentícias com maior Índice de Saliência Cognitiva entre grupos de entrevistados nas cinco comunidades participantes, RDS Piagaçu-Purus. Nome popular, local de ocorrência (L), número das listagens em que a planta ocorre (F), posição média da planta nas listagens em que ocorre (MP), índice de saliência cognitiva (ISC). N = número de entrevistados. Nome popular Local F MP ISC Homens açaí florestas 53 12,97 0,0619 (N=66) uixi florestas 48 12,81 0,0568 piquiá florestas 43 12,64 0,0515 goiaba sítio 33 10,06 0,0497 banana roçado 40 12,67 0,0478 macaxeira roçado 37 13,13 0,0427 castanha* florestas 43 15,94 0,0409 abacaba* florestas 41 15,81 0,0393 cupuaçu sítio 37 14,36 0,0390 souva* florestas 31 13,90 0,0338 Mulheres banana roçado 57 12,67 0,0633 (N=71) macaxeira roçado 56 13,13 0,0601 goiaba sítio 41 10,06 0,0574 cebola-de-palha canteiro 51 13,77 0,0522 jerimum* roçado 51 15,76 0,0456 caju sítio 36 11,22 0,0452 uixi florestas 41 12,81 0,0451 açaí florestas 41 12,97 0,0445 cará* roçado 45 14,80 0,0428 piquiá florestas 38 12,64 0,0423 Crianças e Jovens goiaba sítio 44 10,06 0,0754 (N=58) banana roçado 41 12,67 0,0558 caju sítio 33 11,22 0,0507 ingá* sítio 30 10,68 0,0484 açaí florestas 36 12,97 0,0478 cupuaçu sítio 36 14,36 0,0432 manga* sítio 37 16,66 0,0383 cebola-de-palha canteiro 30 13,77 0,0376 melancia* roçado 29 15,79 0,0316 uixi florestas 23 12,81 0,0309 (*) Plantas exclusivas das listas de cada grupo.

70

As plantas mais proeminentes nas listas dos diferentes grupos refletem um padrão maior. Quando confrontados o ambiente de ocorrência das plantas citadas por cada grupo de entrevistado é possível perceber que, do total de citações, os homens foram os que citaram o maior número de plantas, seguido das mulheres e crianças e jovens. As plantas das florestas predominam nas citações masculinas, as de roçado nas femininas e as do sítio nas de crianças e jovens. De uma forma geral, as mulheres, crianças e jovens concentram o conhecimento de plantas alimentícias nas espécies próximas da casa (canteiro, sítio e roçado) assim como nas oriundas do comércio, enquanto os homens concentram o conhecimento nas espécies silvestres (Figura 18). Este padrão está relacionado com os papéis sociais que cada grupo desempenha, em que as atividades de coleta e caça são de responsabilidade majoritariamente masculina, enquanto as mulheres cuidam do processamento do alimento trazido. Este papel feminino também é evidenciado nas citações de formas de preparo das plantas (Tabela 3), entre as quais as mulheres foram responsáveis por 54,37 % do total das citações, enquanto os homens citaram 45,63 %. O roçado é responsabilidade de ambos os gêneros, cujo trabalho crianças e jovens colaboram. Diferentes estudos relacionando idade e gênero com o conhecimento local de plantas demonstram padrões semelhantes, inferindo que o papel social de cada grupo nas diferentes culturas influencia suas relações com o ambiente e o acúmulo de conhecimento sobre a biodiversidade (Pfeiffer e Butz 2005; Ayantunde et al. 2008; Albuquerque et al. 2011; Souto e Ticktin 2012; Pedrollo et al. 2016)

71

Ambiente das plantas citadas por grupo de entrevistados 60%

50% Canteiro 40% Sítio 30% Roçado 20% Mercado

10% Florestas Porcentagem Porcentagem plantas de citadas 0% Crianças e Jovens Homens Mulheres

Figura 18. Ambiente das plantas citadas nas listagens livres sobre plantas alimentícias conhecidas por grupo de entrevistados nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Porcentagem de plantas alimentícias citadas por cada grupo de entrevistados e seus ambientes de ocorrência.

Este padrão pode ajudar a entender a idiossincrasia encontrada e a importância das plantas cultivadas no índice de saliência cognitiva geral, em detrimento das plantas silvestres, as quais predominaram na lista das plantas não convencionais. As plantas que ocorrem próximas às casas são mais conhecidas, são compartilhadas, e comumente utilizadas na alimentação, por outro lado, as plantas que ocorrem nas florestas são conhecidas principalmente pelos que lá trabalham, visitam, caçam. Este resultado antecipa uma possível monotonia alimentar, baseada nas espécies de conhecimento compartilhado. Uma vez que as mulheres são responsabilizadas pela alimentação familiar, nota-se a importância de que estas sejam incluídas no conhecimento dos frutos silvestres, para que possam incorporá-las na dieta. Emma Siliprandi (2015) discutindo o papel das mulheres na produção de alimentos agroecológicos, destaca no discurso duas questões prioritárias diferenciais em relação aos homens: a defesa da soberania alimentar, que se traduz no direito de decisão sobre o que plantar e como fazê-lo; e a defesa da biodiversidade. Estas questões centrais na luta das mulheres no movimento social da agroecologia apontam para a importância da participação das mesmas na tomada de decisões a respeito da agricultura e da alimentação. Existem duas formas de enxergar as diferenças de experiências vividas por mulheres e homens no meio rural: pela divisão sexual do trabalho a partir de uma “complementaridade” de funções ou a partir da desnaturalização destas diferenças no 72 sentido de questionar as desigualdades existentes (Siliprandi 2015). Assim, o papel das mulheres de cuidadoras da família, dos afazeres domésticos, das hortas e dos sítios, os quais contribuem para a diversificação alimentar, especialmente das crianças, muitas vezes é desvalorizado em relação ao trabalho remunerado desenvolvido pelos homens, que frequentam as florestas em busca de caça, pesca e PFNM para a venda (Siliprandi 2015). Ressalta-se a importância de proporcionar às mulheres acesso a informações em iguais condições que os homens em momentos de cursos e capacitações que venham a ser realizadas nas comunidades, para que possam se posicionar e tomar espaços de decisão.

4.5. Conhecimento botânico e o acesso das comunidades

As comunidades quando agrupadas em relação ao conhecimento botânico relatado (Figura 19), diferem daquele agrupamento observado na caracterização proposta (Figura 5). Os resultados do teste Mantel indicam baixa correlação entre as matrizes de dissimilaridade (r = 0,2513) e o resultado não é significativo (p = 0,225).

Figura 19. Agrupamento das cinco comunidades da RDS Piagaçu-Puus participantes de acordo com o conhecimento botânico levantado em listagens livre. Correlação cofenética = 0,6564.

Estes resultados indicam que a caracterização quanto ao acesso destas comunidades não é um fator de correlação com o conhecimento botânico. Ou seja, comunidades igualmente acessíveis não terão necessariamente conhecimentos botânicos mais similares. O conhecimento, portanto, pode estar mais correlacionado 73 com fatores intracomunitários como gênero ou grupo etário, como descritos anteriormente, ou ainda da região de origem das famílias e outros tantos fatores que colaboram para as complexas relações sociais, culturais e cognitivas não testadas neste estudo. De acordo com o dendrograma gerado (Figura 19), os agrupamentos parecem relacionar-se com os ambientes onde as comunidades se encontram, quais sejam: lagos (Uixi e Uauaçu), rio principal (Itapuru e Cuiuanã) e igarapé (Fortaleza). Ressalta-se, porém, que não há significância estatística nesses resultados, apesar de ser possível observar uma tendência para posteriores estudos que visem explicar relações cognitivas e ambientais na região.

5. Conclusões Foram registrados 275 nomes populares de plantas alimentícias, referentes a 220 espécies identificadas. Destacam-se em número as frutas nativas, apontando o imenso potencial das plantas da Amazônia como cultivos para a diversificação de áreas agrícolas e dos hábitos alimentares. Em maioria, as plantas conhecidas listadas são oriundas de florestas inundadas, as principais partes alimentícias são os frutos, os quais são consumidos principalmente in natura. De uma forma geral, as plantas cultivadas são culturalmente mais importantes enquanto as silvestres são menos conhecidas, com exceção do açaí, uixi, abacaba e piquiá, importantes espécies silvestres na cultura local. O papel social de cada grupo desempenha na cultura influencia suas relações com o ambiente e o acúmulo de conhecimento sobre a biodiversidade. Ressalta-se a desvalorização de recursos alimentícios silvestres, por estarem associados às épocas de escassez e pobreza, o que aliado à pouca utilização destes recursos, aumenta a dependência de fontes de emprego remuneradas e auxílios governamentais, reduzindo a garantia de soberania alimentar destas comunidades. Os diferentes níveis de acesso aos centros urbanos não demonstraram significativa influência no conhecimento botânico das comunidades.

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6. Referências

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CAPÍTULO 2

Consumo de plantas alimentícias em cinco comunidades da Reserva Piagaçu-Purus

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1. Introdução

Estudos etnobotânicos, de uma forma geral, tendem a sinonimizar o conhecimento teórico de plantas com o uso atual das mesmas, porém, conhecimento e uso podem estar associados ou não (Reyes-García et al. 2005). Da mesma forma, autores demonstram que estas duas variáveis nem sempre estão positivamente correlacionadas, ou seja, maior conhecimento botânico não significa necessariamente maior consumo destas plantas (Byg e Balslev 2001; Begossi et al. 2002; Ladio e Lozada 2004). Assim, faz-se importante a diferenciação entre conhecimento teórico de plantas alimentícias e o efetivo consumo das mesmas, o qual está incluído em um conjunto de hábitos alimentares culturalmente particulares. O estudo de hábitos alimentares se refere a padrões de seleção e consumo de alimentos, métodos de preparação da comida e fatores que influenciam estes comportamentos, como a disponibilidade sazonal de recursos, o contexto de produção agrícola ou posição socioeconômica e pode fornecer informações importantes sobre relações de diferentes culturas com o meio social e biológico (Dufour e Teufel 1995). Alguns autores teorizando e analisando hábitos alimentares da sociedade globalizada evidenciam o afastamento dos conhecimentos alimentares e a descaracterização da culinária tradicional e regional, com o aumento do consumo de alimentos industrializados, o que vem a impactar o estado nutricional de populações (Hernández 2005; Pons 2005; Cerda 2014). A recente mudança de hábitos alimentares para produtos industrializados é tratada como um processo denominado transição nutricional, e ocorre em todo o mundo em diferentes instâncias, inclusive em populações mais isoladas e tradicionais (Popkin 1993; Batista e Rissin 2003, Piperata 2007; Nardoto et al. 2011, Silva et al. 2017). Esta transição está relacionada a doenças como diabetes, hipertensão, obesidade e subnutrição, e além do impacto sobre a saúde, também afeta hábitos culturais relacionados à alimentação (Brasil 2014; Souza et al. 2015). A literatura sobre alimentação na Amazônia gira em torno do binômio básico peixe e farinha de mandioca (Murrieta 2001; Alencar et al. 2002; Murrieta e Dufour 2004; Adams et al. 2005, Murrieta et al. 2008). Murrieta (2001) discorre sobre os alimentos considerados “não comida” por populações ribeirinhas, e dentre estes, estão as verduras, os temperos e as frutas, incluindo nesta categoria toda a imensa potencialidade alimentícia das plantas da Amazônia. O autor ressalta a importância do 82 uso dos temperos e verduras na alimentação como um meio de diversificar o sabor do que é considerado “comida”, tornando-a menos monótona. Ainda são escassos trabalhos que enfatizem a diversidade vegetal consumida por populações da Amazônia, porém é notável a contribuição na dieta que as plantas representam, sobretudo as silvestres em micronutrientes e as cultivadas em micro e macronutrientes (Dufour et al. 2016). A segurança alimentar na Amazônia é ameaçada pela instabilidade da produção de mandioca em algumas regiões alagáveis, pela sazonalidade, pelo processo de transição nutricional, dentre outros aspectos (Dufor et al. 2016). Schor et al. (2015) contribuem para esta discussão com o conceito de soberania alimentar, o qual é ainda mais vulnerável, uma vez que a alimentação é fortemente dependente de recursos externos, enfraquecendo laços com os recursos locais e com a culinária tradicional. A segurança e soberania alimentar, a transição nutricional, a monotonia alimentar e diversificação de áreas agrícolas são temas abordados pela Agroecologia, que segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) conceitua- se como:

[...] um campo de conhecimento transdisciplinar que contém os princípios teóricos e metodológicos básicos para possibilitar o desenho e o manejo de agroecossistemas sustentáveis e, além disso, contribuir para a conservação da agrobiodiversidade e da biodiversidade em geral, assim como dos demais recursos naturais e meios de vida (EMBRAPA, 2016, p. 26).

A amplitude dos campos que a Agroecologia se propõe a analisar, praticar, discutir e interpretar, desde a transição de sistemas agrícolas convencionais para a agricultura ecológica e a transgenia, até o debate de causas identitárias como as pautas de gênero e de conhecimento tradicional, demonstra o seu potencial para o enfrentamento da complexidade e contradições dos sistemas agrários e alimentares (Norder et al. 2016). Considerada tanto uma ciência como um conjunto de práticas, a Agroecologia é uma diretriz oficial recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU) aos países para garantir o direito humano à alimentação, a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico, a partir da implementação de políticas públicas que adotem práticas agroecológicas na produção de alimentos (Schutter 2010). 83

2. Objetivos 2.1. Objetivo Geral Caracterizar o consumo de vegetais de acordo com o regime hidrológico do rio Purus, considerando as diferenças de acesso das comunidades participantes e o conhecimento de plantas alimentícias das mesmas.

2.2. Objetivos Específicos

 Registrar e contextualizar os hábitos alimentares relativos aos vegetais, relacionando-os com a lista de plantas alimentícias conhecidas;  Caracterizar o consumo de plantas de acordo com o regime hidrológico do rio Purus;  Relacionar o consumo de plantas com a caracterização das comunidades quanto ao acesso aos centros urbanos.

3. Material e Métodos 3.1. Famílias participantes Para o levantamento de hábitos alimentares foi considerado o método do recordatório 24 horas (Apêndice I). Este método consiste em entrevistas estruturadas onde o participante é questionado sobre todos os alimentos ingeridos no dia anterior (Bernard 2006; Dufour e Teufel 1995; Zent 1996). Neste caso, o recordatório 24 horas clássico foi adaptado para questionar apenas sobre os vegetais, desconsiderando os alimentos processados ou ultraprocessados de origem vegetal como açúcar, café e trigo (Brasil 2014). Este método é útil para fornecer um parâmetro geral e atualizado de vegetais consumidos pelas comunidades (Holmes et al. 2008). As famílias participantes foram as mesmas selecionadas para as listagens livres de plantas alimentícias, descritas no capítulo anterior. Houve diferença no número de entrevistados porque todos os presentes no momento eram convidados a participar. Este recordatório 24 horas adaptado foi aplicado nos períodos de cheia (junho de 2017) e seca (outubro de 2017) do rio Purus. Os participantes foram entrevistados uma vez em cada estação. Para complementar as entrevistas, a observação e vivência foi indispensável para relatar o consumo diário de alimentos, sobretudo os ingeridos entre as refeições. O cardápio da merenda escolar das comunidades foi fotografado quando disponível. 84

3.2. Fenologia de espécies silvestres Para avaliação da sazonalidade, os meses de frutificação das espécies silvestres coletadas nas turnês-guiadas (capítulo anterior) foram compilados na literatura a partir de: FAO (1986), Shanley e Medina (2005) e Cavalcante (2010). Para as espécies cuja informação sobre a fenologia não foi encontrada nestas referências, foi considerado o mês em que a amostra foi encontrada e coletada com frutos nos trabalhos de campo.

3.3. Procedência dos itens alimentares A partir da lista dos itens vegetais consumidos gerada pelo recordatório 24 horas foi questionada a procedência dos alimentos ingeridos: extração, cultivo – em roçados, hortas e sítios –, doação, troca, compra interna (itens produzidos por moradores da comunidade e comercializados internamente) ou compra externa (compra de itens produzidos externamente, realizada na cidade ou em vendas nas comunidades). Para algumas análises foi considerado apenas “compra externa” e “produção ou extração” (extração, cultivo, compra interna, doação, troca) na tentativa de interpretar melhor os dados. Tendo em vista que para qualquer grupo humano, a escolha de alimentos é, em última instância, limitada pelo ambiente físico e pelo acesso a redes de comércio (Dufour e Teufel 1995), o levantamento destes dados fornece pistas sobre o grau de dependência das comunidades em relação ao mercado, à agricultura ou extrativismo e como a soberania alimentar da comunidade é afetada por estes.

3.4. Hábitos alimentares no passado Para reunir informações sobre hábitos alimentares e o acesso a produtos alimentícios de um passado recente foram realizadas entrevistas semiestruturadas com moradores idosos que moram nas comunidades participantes desde a infância, sendo entrevistado um total de nove moradores idosos, pelo menos um em cada comunidade, com idade entre 63 e 92 anos (média de 76,89 (±9,87) anos). É possível que a memória aqui registrada atinja aproximadamente até 1945, segundo as datas e momentos da vida relatados pelos entrevistados.

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3.5. Relação entre o consumo de plantas e estações hidrológicas O consumo de plantas de cada família entrevistada nas diferentes estações hidrológicas (seca e cheia do rio) foi avaliado a partir da quantidade de espécies consumidas, ordenando-as por meio de Escalonamento Multidimensional Não Métrico (NMDS) em dois eixos. A matriz de dissimilaridade do NMDS foi calculada a partir da matriz de abundância de plantas consumidas em cada família entrevistada, utilizando o índice de Bray-Curtis, indicado para dados de abundância. Desta forma, o consumo familiar foi analisado qualitativamente (quais plantas foram consumidas) e quantitativamente (quantas vezes estas plantas foram consumidas). Foi considerado o número de “plantas” e não número de espécies (N=73), na tentativa de respeitar o consumo diferenciado daquelas “plantas” que correspondem a mesma espécie (cará- roxo e cará; pimenta-ardosa e pimenta-cheirosa). Para testar a hipótese de que a composição da dieta das famílias é diferente entre os regimes hidrológicos foi aplicada uma análise de variância múltipla por permutação (np-MANOVA) a partir das matrizes de dissimilaridade calculadas pelo método de Bray-Curtis, utilizando a função ‘adonis’ do pacote vegan (Oksanen et al. 2009). Estas análises foram executadas no programa R (R Development Core Team 2013).

3.6. Relação entre o consumo de plantas e o acesso das comunidades Para analisar a similaridade do consumo de plantas entre as comunidades foi construído um dendrograma seguindo o algoritmo de aglomeração UPGMA – “Unweighted Pair-Group Method using arithmetic Averages” (Sneath e Sokal 1973). Este método é baseado nas dissimilaridades médias entres os objetos da análise. O objetivo é definir grupos pela maior similaridade ou menor distância de seus objetos, conservando as propriedades métricas do espaço de referência (Legendre e Legendre 1998). Foi construída uma matriz onde as unidades amostrais são as cinco comunidades e as variáveis são as espécies de plantas consumidas com seus números de citações. A partir desta matriz foi gerada uma matriz de distância utilizando o índice de dissimilaridade Bray-Curtis. Esta matriz de distância foi, então, utilizada para a formação de grupos através do algoritmo de aglomeração UPGMA (Legendre e Legendre 1998). Para analisar se a caracterização quanto ao acesso aos centros urbanos das comunidades está relacionada ao consumo de plantas foi realizado o teste Mantel, onde 86

é testada a correlação entre as matrizes de dissimilaridade obtidas pela matriz de acesso (descrita no capítulo anterior) e pela matriz de alimentos consumidos, construídas de forma independente (Legendre e Legendre 1998). As análises foram executadas no programa R (R Development Core Team 2013), usando o pacote vegan (Oksanen et al. 2009).

4. Resultados e Discussão 4.1. Consumo de plantas e o contexto alimentar Nas entrevistas realizadas com o recordatório 24 horas para registro de dieta, as mesmas famílias das listagens livres foram convidadas a participar e todos os que estavam presentes na casa no momento da entrevista foram solicitados. O número de entrevistados por família variou entre um e sete. Assim, esta etapa de coleta de dados totalizou 249 entrevistados, pertencentes a 69 famílias, sendo 94 crianças e jovens (menores de 18 anos), 83 mulheres e 72 homens. Foi registrado um total de 73 plantas consumidas no período de estudo de campo realizado. Destas, cará-roxo e cará representam variedades da mesma espécie, bem como pimenta-ardosa (murupi) e pimenta-cheirosa, totalizando assim 71 espécies. Este total de plantas consumidas no período da pesquisa corresponde a 32,27% das espécies conhecidas identificadas nas listagens livres e turnês-guiadas, que contabilizaram 220. A única espécie consumida não mencionada nas listagens livres foi Aniba canelilla (Kunth) Mez (preciosa), cuja madeira é consumida sob a forma de chá. Este resultado demonstra que menos da metade do conhecimento tradicional associado às plantas alimentícias foi de fato consumido, degustado, assimilado durante o período de levantamento dos dados. Alguns autores discutem que a discrepância entre conhecimento teórico e uso atual (conhecimento prático) de plantas pode representar erosão do conhecimento tradicional (Byg e Balslev 2001; Ladio e Lozada 2004; Reyes-García et al. 2005; Srithi et al. 2009). Acrescentamos, neste caso, que o conhecimento teórico existe, é rico e presente nas diferentes faixas etárias, como descrito no capítulo anterior, porém o efetivo consumo deste conhecimento é limitado e tentaremos discorrer a seguir sobre suas possíveis causas e consequências. A maior riqueza das plantas registradas é consumida como frutos na merenda, em seguida, no almoço e jantar, principalmente sob a forma de temperos ou cozidos. O café da manhã é a refeição com menor riqueza de vegetais, com destaque para a 87 banana frita, consumida com frequência e muito apreciada. A diversidade de frutos in natura relatada corresponde ao encontrado para o conhecimento de plantas alimentícias, no qual também se destacam os frutos e a forma de consumo in natura (Figuras 20 e 21). Esta forma majoritária de consumo é relatada de forma recorrente na literatura, sendo menos mencionado o consumo de órgãos tuberosos, sementes e folhas pelas populações da Amazônia (Katz et al. 2012; Dufour et al. 2016).

Riqueza de espécies por refeição 50 45 40 35 órgão tuberoso 30 semente 25 fruto 20 15 folha Número Número espéciesde 10 caule 5 0 Café da manhã Almoço Merenda Jantar

Figura 20. Riqueza de espécies por refeição mencionadas no recordatório 24 horas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Número absoluto de espécies consumidas citadas para cada refeição e suas partes alimentícias. N=71. 88

Figura 21. Formas de preparo nas refeições mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Porcentagem das formas de preparo citadas para cada refeição.

Por outro lado, no que diz respeito à frequência do consumo destas espécies mencionadas, observa-se a concentração destas no almoço e jantar, sob a forma de temperos e farinha, ou seja, apesar da maior diversidade de plantas consumidas terem sido relatadas para a merenda, o almoço e o jantar concentram o consumo em quantidade, porém com diversidade menor de plantas (Figura 22). Portanto, o momento em que se consome maior quantidade de vegetais é nas principais refeições, ainda que de forma monótona, prevalecendo os temperos como a chicória, alho, cebola, cebola-de-palha e coloral, enquanto a merenda é, por sua vez, responsável pela diversidade deste consumo (Murrieta e Dufor 2004). É relatado que a baixa diversidade alimentar pode contribuir para valores subótimos de micronutrientes como zinco, ferro, cálcio e vitamina C (Yuyama et al. 2008; Dufor et al. 2016) e que sistemas tradicionais de alimentação contribuem para a diversidade e nutrição em populações na Amazônia, daí a importância em valorizá-los (Roche et al. 2007).

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Frequência das espécies consumidas 60 %

50 %

40 %

30 %

20 %

10 %

0 % Porcentagem Porcentagem citações deespécies de Café da manhã Almoço Merenda Jantar

Figura 22. Frequência das espécies consumidas mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Porcentagem de citações de espécies consumidas em cada refeição em relação ao total geral de citações de consumo (N=5497).

Se os vegetais já não são a parte mais relevante da dieta das populações na Amazônia, e estes são consumidos de forma esporádica e pouco diversificada, é interessante atentar para os 67,73% do conhecimento botânico registrado nas entrevistas que não foram para a mesa, no período de coleta de dados. Este resultado perpassa a sazonalidade a qual o consumo de vegetais, principalmente frutos, está submetido na região amazônica. Durante as entrevistas, muitos participantes alertaram para o fato de que a época das frutas mais consumidas na mata corresponde ao “tempo da castanha”, que se estende principalmente do mês de janeiro a junho, quando muitos trabalham na coleta e venda dos frutos de Bertholletia excelsa Bonpl. Em relação ao regime hidrológico, este tempo corresponde ao da enchente do rio Purus, e apesar de não terem sido coletados dados sobre a dieta nesta época, as comunidades foram visitadas no mês de março, e havia então maior diversidade de frutos nas casas, principalmente do açaí (Euterpe spp.), uixi (Endopleura uchi (Huber) Cuatrec.) e piquiá (Caryocar villosum (Aubl.) Pers.). Ressalta-se a importância de realizar levantamentos de dieta nesta época do ano, quando possivelmente o número de registros dos vegetais consumidos será mais elevado. Apesar de a fenologia das espécies ser variável entre as regiões da Amazônia e nos diferentes ambientes dentro da mesma região de floresta, dados compilados na literatura (FAO 1986; Shanley e Medina 2005; Cavalcante 2010) sobre a frutificação de espécies alimentícias silvestres coletadas apresentam um panorama dos períodos de maior e menor disponibilidade de frutos (Figura 23). 90

Figura 23. Frutificação de espécies silvestres mencionadas nas listagens livres sobre plantas alimentícias pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes e hidrologia do rio Purus. Número de algumas espécies silvestres coletadas nas turnês-guiadas possivelmente em fruto ao longo do ano, considerando os meses de frutificação das mesmas, compilados na literatura. Número de espécies consideradas = 86. Fonte: Haugaasen e Peres (2006).

Assim, é possível observar que a maior disponibilidade de frutos ocorre nos meses correspondentes à enchente (novembro-maio) e cheia (maio-julho) do rio Purus. Os meses de vazante (agosto) e seca (setembro-outubro) possuem menor número de espécies em possível frutificação. Nestes meses destacam-se as plantas cultivadas com capacidade de frutificar diversas vezes ao ano como Inga edulis Mart; Theobroma cacao L; Garcinia brasiliensis Mart; Theobroma speciosum Willd. ex Spreng; bem como espécies cuja frutificação coincidem com esta estação como Mangifera indica L; Anacardium occidentale L; Pouteria caimito (Ruiz & Pav.) Radlk; Genipa americana L. A sazonalidade da dieta representa um vínculo entre a alimentação humana e o ciclo das florestas e dos ambientes naturais, e, portanto, deve ser respeitada. Comer o que o ambiente circundante pode produzir minimiza os impactos da agricultura sobre os recursos naturais e o trabalho necessário para a produção, sendo a regionalidade e sazonalidade um dos preceitos agroecológicos de produção de alimentos (Khatounian 2001). Desta forma, ressalta-se a importância do incremento de plantios e manejo das espécies silvestres próximos às casas, nos roçados ou sítios, as quais diversificam a produção e o consumo, proporcionando matéria-prima para consumo nas diferentes estações do ano, na tentativa de conciliar, enfim, biodiversidade e segurança alimentar (Chappell e LaValle 2011). 91

Para além disso, o baixo consumo de vegetais é historicamente registrado, não sendo a diversidade destes a fonte principal de energia para as populações nativas da Amazônia, as quais baseiam a dieta em peixes, como fonte proteica e farinha de mandioca e banana como fonte de amido (Cascudo 2011; Dufour et al. 2016). As demais plantas, porém, são consumidas esporadicamente e denominadas “alimentos secundários”, através de plantio ou extração da mata (Murrieta 2001; Alencar et al. 2002; Murrieta e Dufor 2004; Adams et al. 2005; Murrieta et al. 2008; Dufour et al. 2016). A importância do consumo de plantas silvestres na Amazônia é mais esclarecida entre populações ribeirinhas em relação a indígenas e estima-se que cerca de 16% da energia consumida seja proveniente destas plantas (Dufour et al. 2016). Apesar desta porcentagem relativamente baixa na contribuição em energia, as plantas silvestres são importantes fontes de micronutrientes, especialmente betacarotenos (como Mauritia flexuosa L.f.) e antioxidantes (como Euterpe spp.), algumas são boas fontes de lipídios (como sericea Tul.) (Dufour et al. 2016). Da mesma forma, plantas cultivadas são fontes de micronutrientes como vitamina C (especialmente Citrus spp., mas também Anacardium occidentale L., Mangifera indica L., Psidium guajava L. e Theobroma cacao L.) e pró-vitamina A (como Bactris gasipaes Kunth), bem como de macronutrientes, especialmente carboidrato (Dioscorea trifida L.f., Zea mays L., Musa x paradisiaca L.) (Dufour et al. 2016). Atualmente, além da variável das estações do ano, da ecologia da floresta, da fenologia das espécies e dos hábitos alimentares cultural e historicamente construídos, insere-se a variável da transição nutricional, uma vez que as comunidades passam a ter alto acesso a produtos ultraprocessados que acabam por substituir espaços antes preenchidos por plantas alimentícias na dieta (Popkin 1993; Cerda 2014). Com a vivência nas comunidades foi mais observado o consumo de sucos em pó do que sucos de fruta, ainda que disponível próximo às comunidades. Da mesma forma, como relatados pelos mais velhos, o mingau de macaxeira, banana verde ou carimã, vem sendo radicalmente substituídos por amidos de milho ou arroz industrializados na alimentação de crianças. As merendas da tarde são mais facilmente compradas nas vendas sob a forma de salgadinhos do que coletadas na mata. Não que os produtos industrializados sejam novidade para estas populações, pois estão presentes na dieta desde os tempos de exploração da seringa (Loureiro 1981). 92

Porém, estes deixaram de ser itens básicos como o açúcar, o café e o óleo e passaram a ser também itens secundários, como o salgadinho e o suco em pó e tomam o espaço antes ocupado por frutas, sobretudo nas merendas entre as refeições principais. Entre exemplos, podemos citar itens mencionados pelos entrevistados mais idosos, como o leite do amapá antes consumido com café, o coloral feito com urucum, os tubérculos cozidos do café da manhã e o próprio melado da cana-de-açúcar, atualmente todos substituídos por “similares” industriais. Os produtos que chegam nas prateleiras de todas as comunidades participantes são os mesmos, ainda que comprados em cidades diferentes. A dieta, portanto, não tem como ser diversificada se depender apenas dos comércios. A chegada de produtos ultraprocessados nas vendas e o acesso facilitado a estes pelos programas de transferência de renda favorecem o processo de transição nutricional que estamos vivendo associado a uma mudança de estilo de vida (Byg e Balslev 2001; Reyes-García et al. 2005). Alimentos a base de trigo (farinha) e soja (óleo) são consumidos diariamente, mas não foram considerados para a análise de dados deste trabalho. Porém, vale acrescentar que trigo e soja são plantas praticamente desconhecidas pelas comunidades, e não foram mencionadas nas listagens livres do capítulo anterior. Este distanciamento da matéria-prima da alimentação faz parte do processo de transição nutricional, da homogeneização alimentar e afeta comunidades rurais mesmo na Amazônia, um dos lugares mais biodiversos do mundo. Estudos já discutiram a influência que programas de transferência de renda causam no modo de vida de comunidades tradicionais, e na alimentação não é diferente (Piperata et al. 2011; Brasil 2015). A introdução destes programas nas comunidades é importante para inserir populações em vulnerabilidade social ao mercado e tornar mais acessíveis produtos antes muito difíceis, caros ou laboriosos. Esta introdução de renda, porém, associada a uma tendência de desvalorização cultural dos povos tradicionais, pode levar a mudanças que afetam a saúde, o bem-estar, a identidade e a autonomia destas comunidades (Leite 2007). A mudança dos hábitos alimentares de produtos extraídos da mata, quintais ou roçados para produtos oriundos da indústria alimentícia, ainda que apenas entre as refeições, pode representar uma ameaça à segurança alimentar das comunidades, que passam a depender de alimentos de baixa qualidade, advindos exclusivamente por relações monetárias e que contribuem para a desvalorização da cultura e dos produtos regionais. Apesar de o 93 enfoque deste estudo ser o consumo de plantas, foi observado um amplo consumo de carnes enlatadas e embutidos, e estes nas refeições principais, o que leva a crer que a lógica aqui discutida é generalizada. A merenda escolar não foge à regra, e o cardápio oferecido pelas prefeituras dos municípios são baseados em itens processados, enlatados ou congelados (Apêndices). Nas comunidades de acesso irregular, a merenda escolar é raramente oferecida, e foi relatado que o recebimento ocorreu apenas duas vezes durante ano, quando deveria ser mensal. Nas comunidades de acesso ocasional e de acesso constante a oferta de merenda é suprida com maior regularidade, ainda que inconstante. Nenhum produto do cardápio é adquirido dos produtores locais, e as merendeiras acrescentam de forma independente temperos trazidos de suas próprias hortas às preparações pré-definidas pelo cardápio escolar, na busca de manter o sabor da cultura local. Em um processo lento, porém crescente de uma “colonização alimentar”, as comunidades de pescadores, agricultores e agricultoras vendem seus produtos extraídos ou cultivados e compram e consomem produtos industrializados de baixa qualidade, vendem pirarucu para comprar salsicha, trocam cupuaçu por suco em pó. Leite (2007) observa a mesma tendência na alimentação Wari’ e discute que estas mudanças de hábitos no sentido de uma alimentação industrializada não afetam apenas a saúde ou as condições nutricionais da população, apesar de um notável aumento na ingestão de açúcar, sal e óleo por exemplo, mas também exige um investimento temporal maior na produção da qual o povo depende para se inserir no mercado, seja esta a agricultura ou a pesca. A venda deste excedente de produção para a qual é preciso dedicação e tempo é o que fornecerá a possibilidade de compra dos industrializados. No caso da produção ser a agricultura, há, ainda, a disputa de terras agricultáveis que poderiam estar sendo utilizadas para a produção diversificada de alimentos para o consumo próprio (Khatounian 2001). Assim, seria interessante investir em redes e políticas públicas que integrassem a produção e o consumo local, valorizando a cultura e o trabalho dos comunitários, e neste sentido a merenda escolar desempenha um papel chave porque conecta a produção dos adultos com o consumo das crianças. 94

Conforme a Lei nº 11.947/2009 (Programa Nacional de Alimentação Escolar), no mínimo trinta por cento dos produtos adquiridos para a alimentação escolar devem ser oriundos da agricultura familiar, sendo preferencialmente orgânicos e priorizando assentamentos da reforma agrária e comunidades tradicionais, dispensando para estes o processo licitatório, desde que os preços sejam compatíveis com o comércio local e que atendam aos critérios de qualidade. Segundo Saraiva et al. (2013), a maior dificuldade para a compra de agricultores familiares é a inviabilidade de fornecimento regular e constante dos produtos. Este motivo aponta para a demanda de articulação entre agricultores e necessidades do cardápio escolar, destacando o planejamento e adequação deste último como fator chave para que esta relação se torne efetiva.

4.2. Consumo de plantas e regime hidrológico

A análise realizada por Escalonamento Multidimensional Não Métrico (NMDS), que avalia o consumo familiar de vegetais nas diferentes estações hidrológicas do rio Purus, mostrou um forte padrão diferenciando o consumo de plantas na estação seca e na cheia, principalmente quando analisadas as comunidades individualmente (Figura 24). A composição da dieta das famílias foi significativamente diferente entre as estações (np-MANOVA, F = 4,99, p = 0,001).

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Figura 24. Consumo familiar de vegetais por comunidade participante na RDS Piagaçu-Purus e de forma geral em diferentes estações hidrológicas do rio Purus. Os pontos nos gráficos representam as famílias entrevistadas em cada comunidade. Os pontos vermelhos são referentes ao consumo familiar de vegetais na estação seca e os azuis na estação cheia. As linhas conectam os pontos de cada estação ao centroide. A distância entre os pontos representa graficamente a dissimilaridade (índice de Bray-Curtis) encontrada entre o consumo de vegetais nas diferentes famílias entrevistadas.

Avaliando o consumo entre as famílias de todas as comunidades (Figura 24, “Geral”), é visível que o consumo de vegetais na estação cheia é mais amplo, mais diversificado, em relação à seca, quando o consumo entre as famílias é mais similar. Da mesma forma, observa-se uma sobreposição em ambas as estações, o que demonstra a existência de uma alimentação básica, que não se altera entre as estações, mas que, na estação cheia torna-se mais diversa, enquanto na seca ainda é restrita e não diferencia-se muito desta alimentação básica. Considerando a procedência dos vegetais consumidos por todas as comunidades nas diferentes estações, é possível observar uma inversão no padrão da estação cheia para a seca. Na estação cheia, o consumo de plantas oriundas da produção agrícola local, da extração das florestas, dos sítios e compras internas (Produção ou Extração) é maior do que o consumo de plantas oriundas do mercado externo (Compra Externa). 96

Por outro lado, na estação seca, a compra externa de plantas é maior do que o consumo da produção local (Figura 25).

Procedência dos vegetais consumidos em cada estação 56 % 54 % 52 % 50 % 48 % Compra Externa 46 % Produção ou Extração 44 % 42 % Porcentagem de vegetais consumidos de vegetais Porcentagem 40 % Cheia Seca

Figura 25. Procedência dos vegetais consumidos mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes em cada estação hidrológic do rio Purus. Porcentagem dos vegetais consumidos oriundos de extração ou produção (compra interna, doação, sítio, roçado e horta) e compra externa (itens não produzidos pelas comunidades) relativa às estações hidrológicas do rio Purus.

Comparando o consumo alimentar em cidades do médio Solimões nos períodos de cheia e vazante, Costa (2015) discute que alimentos industrializados trazidos de Manaus ou outras regiões do país são mais consumidos na época da cheia e produtos regionais e de produção local são mais consumidos na vazante. Esta sazonalidade pode ser explicada pela maior disponibilidade de pescado na vazante, como também pela possibilidade de cultivo na várzea durante este período. No período de cheia, os custos com alimentação de uma forma geral são maiores, devido à escassez de produtos regionais e maior consumo de produtos externos. Com os dados coletados neste trabalho, é possível acrescentar a esta discussão que, o consumo de vegetais tende a ser maior no período da cheia do rio, não somente pela frutificação das espécies mais consumidas como o açaí, uixi e piquiá como também pelo maior acesso aos igapós e várzeas, onde os frutos estão disponíveis e a coleta é facilitada, como também observado por Fernandes (2012). Na estação seca, porém, com acesso dificultado às áreas alagáveis, o consumo de frutas das matas diminui, e aumenta-se a compra de vegetais nas vendas. 97

Além do acesso às florestas, outro fator de influência é a época de plantio nas áreas agrícolas. Por se tratar de comunidades localizadas em áreas de várzea ou próximas às várzeas, o plantio ocorre, em parte, na época da seca do rio, e a colheita na época de enchente. Sendo assim, é consequente que no período da cheia do rio haja maior fartura de vegetais para o consumo, inclusive de farinha (Murrieta e Dufor 2004). Neste contexto, é interessante salientar que o período de cheia do rio é considerado, como observado nas vivências em campo, como um período de escassez ou de difícil obtenção de alimento. Mesmo que haja maior fartura de vegetais, o pescado é menos farto do que na estação seca, e isto leva a discussão do que é considerado “comida” pelas comunidades. Segundo Murrieta (2001), em comunidades ribeirinhas, alimentos como temperos, verduras, itens de consumo ocasional, ou mesmo produtos mais relevantes do consumo diário como arroz, feijão, carne de gado e massas são relegados à categoria de “não comida”. Assim, “comida” são os itens centrais da dieta das famílias: pescado e farinha de mandioca. A falta, ou mesmo escassez, desta combinação é acompanhada pela percepção de fome, ainda que por vezes a mandioca seja considerada “comida de pobre”, não possuindo o status do arroz, comprado externamente. Dentre 71 espécies mencionadas nos recordatórios 24 horas, 61 foram consumidas na estação cheia, 49 na seca, sendo 39 espécies em comum em ambas as estações. Estes números mostram que mesmo o consumo de vegetais sendo esporádico e sazonal dentro do contexto alimentar, a maior parte das plantas consumidas são as mesmas, tanto na estação cheia quanto na seca. Estas plantas consumidas em ambas as estações são principalmente cultivadas e fazem parte da alimentação básica. Apesar de serem as mesmas plantas consumidas, a sua quantidade é variável em cada estação, tendo em vista, principalmente, a disponibilidade sazonal agrícola. As plantas exclusivas de cada estação são a menor parte do consumo, e se destacam em número as consumidas na estação cheia, as quais são espécies encontradas tanto em sítios, roçados, e extraída das florestas inundadas e matas de terra-firme. Por outro lado, das espécies consumidas exclusivamente na seca do rio, não constam qualquer extração da mata, são, sobretudo plantas cultivadas oriundas de comércio ou dos roçados (Tabela 7).

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Tabela 7. Lista do total de plantas consumidas mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes de acordo com a hidrologia do rio Purus e a respectiva procedência mais citada. Nomes populares referidos no Apêndice A. Compra Compra Sítio Roçado e Horta Doação Extração externa Interna abacaxi bacuri banana fruta-pão castanha

alho caju jerimum limão

arroz cupuaçu mandioca

canela jenipapo feijão-de-praia

cebola-de- goiaba alfavaca cabeça Cheia e goiaba- coloral cariru seca araçá feijão inga-açu cebola-de-palha

(N=39) melancia inga-cipó cheiro-verde

milho manga chicória

pimentão couve

pimenta- pimenta (ardosa e do-reino cheirosa) cará (branco e pupunha roxo) tomate maxixe

maracujá

morango-do- araçá- batata cacau açaí roçado vermelho carambola macaxeira araumari

coco mamão ata

castanha- Cheia ingá feijão-de-metro de-cutia

jambo uva-do-roçado preciosa (N=22) laranja sapatinho

papo-de- uxirana mutum biribá

batata- amora cacaurana abacate portuguesa Seca feijão-coração- cominho apuruí de-galinha (N=10) repolho capim-santo

maçã

No que diz respeito à dieta básica, em todas as comunidades participantes, o consumo diário de vegetais gira, em média, em torno de 10 plantas (Tabela 8). Se analisarmos as 10 plantas mais consumidas em cada estação, é possível observar a monotonia alimentar da dieta básica, composta principalmente pela mandioca, banana e temperos. As 10 plantas mais consumidas representam 78,40% do total do consumo vegetal da estação cheia e 74,10% do total da estação seca.

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Tabela 8. Média e desvio padrão do total de plantas consumidas pelos entrevistados nas comunidades e seus respectivos tipos de acesso. N = número de entrevistados. Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Acesso constante Acesso ocasional Acesso irregular Cuiuanã Itapuru Uixi Uauaçu Fortaleza (N=70) (N=70) (N=44) (N=31) (N=34) 12,13 (3,78) 11,01 (3,08) 10,11 (3,84) 12,10 (3,99) 11,62 (1,39)

A diferença entre a lista de 10 plantas mais consumidas na cheia e na seca é a chicória e o tomate, sendo a primeira presente na lista da cheia e o segundo na lista da seca. Como mencionado, apesar de serem as mesmas plantas consumidas, a quantidade deste consumo é variável entre as estações, como é o caso claramente da banana e da pimenta-do-reino (Figuras 26 e 27). A procedência destes itens mais consumidos é notadamente de compra externa às comunidades.

Dez plantas mais consumidas na estação cheia 16 % 14 % 12 % Produção ou 10 % Compra Interna 8 % 6 % Compra 4 % Externa 2 % Porcetagem Porcetagem de citações 0 %

Figura 26. Dez plantas mais consumidas na estação cheia mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Procedência das dez plantas mais consumidas nas estações de cheia do rio Purus em relação ao total de plantas consumidas em cada estação. Produção (roçado, hortas, doação); Compra Interna (itens produzidos na comunidade e comercializados internamente); Compra Externa (itens produzidos externamente à comunidade, comercializados principalmente nas cidades próximas e nas vendas locais).

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Dez plantas mais consumidas na estação seca 14 % 12 % 10 % Produção ou 8 % Compra Interna 6 % Compra 4 % Externa 2 %

Porcentagem Porcentagem citaçõesde 0 %

Figura 27. Dez plantas mais consumidas na estação seca mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Procedência das dez plantas mais consumidas nas estações de seca do rio Purus em relação ao total de plantas consumidas em cada estação. Produção (roçado, hortas, doação); Compra Interna (itens produzidos na comunidade e comercializados internamente); Compra Externa (itens produzidos externamente à comunidade, comercializados principalmente nas cidades próximas e nas vendas locais)

A predominância de compra externa nos itens vegetais básicos da alimentação é preocupante para a soberania alimentar destas comunidades, e reitera-se a importância do aumento da produção agroecológica para o autoconsumo, como fator indispensável tanto para a autonomia como para diversificação alimentar (Khatounian 2001; Fernandes 2012; Siliprandi 2015). O Instituto Piagaçu anteriormente proporcionou cursos e levantamentos de roçados e áreas de manejo junto às comunidades da região, debatendo assuntos como a diversificação dos plantios e a redução do uso do fogo. Estas iniciativas foram positivas e bem recebidas pelos moradores. Faz-se importante a continuidade de iniciativas como esta, no sentido de proporcionar trocas entre as práticas e conhecimentos agrícolas dos moradores das diferentes comunidades. Do consumo total do item vegetal mais importante no cotidiano das comunidades, a mandioca, na estação cheia, 77,06% é proveniente de produção interna e apenas 22,94% de compra externa. Na estação seca, do consumo total de mandioca, 58,19% é proveniente de produção interna e 41,81% de compra externa. Em ambos os casos o consumo da produção interna é superior, porém na estação seca, a compra da mandioca chega a quase o dobro em relação à estação cheia. Adams et al. (2005) apontam para a instabilidade agrícola da mandioca como o aspecto mais sensível da (in)segurança alimentar de comunidades ribeirinhas de várzea em Santarém (PA). Da 101 mesma forma Silva et al. (2017) constatam que comunidades de várzea, sujeitas às intempéries das enchentes na agricultura, são maiores consumidoras de produtos industrializados. Portanto, esta flutuação na produção nas diferentes estações hidrológicas merece atenção de ações e políticas públicas voltadas para a segurança e soberania alimentar na região.

4.3. Consumo de plantas e o acesso das comunidades

Agrupando as cinco comunidades de acordo com as similaridades dos itens vegetais consumidos, observa-se o mesmo padrão encontrado na caracterização proposta, onde se formam os três tipos de comunidades descritos no capítulo anterior (Figura 28).

Figura 28. Agrupamento das comunidades de acordo com o consumo de espécies vegetais mencionadas em recordatório 24 horas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Correlação cofenética = 0,8036.

O teste Mantel não foi significativo (p = 0,15), apesar de uma alta correlação (r = 0,5313) entre as matrizes de dissimilaridade de acesso e de dieta. Apesar do resultado não significativo, as comunidades se agruparam da mesma forma que na caracterização proposta e com correlação entre as matrizes de mais de 50%, desta forma, pode-se observar uma tendência na forma que os moradores se alimentam de vegetais que acompanha o tipo de comunidade às quais pertencem. 102

Esta tendência torna-se alarmante se for considerado o extremo desta comparação, que é a alimentação na cidade mais próxima, Beruri. Assim como constatado por Katz (2009) na cidade de Santa Izabel do Rio Negro, a alimentação tradicional na cidade é invisibilizada, e predomina o comércio de produtos externo e da cultura alimentar hegemônica. A “colonização alimentar” é trazida para as comunidades do interior nos barcos vindos de Manaus e das cidades próximas. O número de espécies consumidas em relação ao total de entrevistados nos diferentes tipos de comunidade (Tabela 9) revela que as mais acessíveis consumiram menor diversidade de espécies em relação às demais. Este fato é, provavelmente, fruto do acesso que estas comunidades possuem a produtos industrializados que vem paulatinamente substituindo as frutas e preparações com vegetais, principalmente nas merendas. A maior utilização da terra-firme em atividades de extração de castanha e caça pelas comunidades de acesso ocasional e irregular pode ser outro fator que influencia o maior consumo de plantas observado nestas.

Tabela 9. Diversidade de espécies consumidas por tipo de comunidade mencionadas nas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes. Tipo de comunidade, comunidades, número de espécies consumidas mencionadas, número total de entrevistados (N), número médio da lista de espécies consumidas em relação ao total de entrevistado (P). Tipo Espécies consumidas N P 1: acesso constante 59 140 0.42 2: acesso ocasional 38 44 0.86 3: acesso irregular 40 65 0.61

Arriscamos assumir que, enquanto o conhecimento tradicional não está necessariamente relacionado com o acesso destas comunidades aos centros urbanos (como visto no capítulo anterior), o consumo de vegetais, por sua vez, é mais influenciado por este. De uma forma geral, consome-se poucos vegetais em relação ao rico conhecimento que estas comunidades possuem em relação às plantas alimentícias. Além do relevante efeito da sazonalidade na disponibilidade dos vegetais, discutido anteriormente, outro fator que contribui para a pequena diversidade vegetal na alimentação ao longo do ano é a falta de matéria-prima, ou seja, precisa-se investir e dar assessoria técnica na formação de agroflorestas de alimentos. Enquanto as frutíferas e hortaliças da estação não são sistematicamente produzidas e comercializadas nas feiras e mercados locais, inclusive nas cidades 103 próximas, os produtos industrializados estão disponíveis durante todo o ano e possuem apelo comercial, por não serem considerados “comida de pobre”, além de serem vendidos prontos ou pré-processados (ou, ainda, ultraprocessados). Nesse sentido, são essenciais iniciativas que valorizem a cultura alimentar local, os itens alimentares tradicionais (silvestres e cultivados) e suas formas de preparo e informar a população sobre a relação entre produtos ultraprocessados e doenças crônico-degenerativas recorrentes, tais como obesidade, hipertensão, diabetes e certos tipos de câncer (Brasil 2014). Em relação à procedência dos itens consumidos em cada estação hidrológica, na estação seca observa-se um aumento do consumo de vegetais oriundos do mercado externo e diminuição do consumo da produção local em relação à cheia nas comunidades de acesso constante e ocasional (tipos 1 e 2) (Tabela 10). As comunidades de acesso ocasional (tipo 2) se destacam pelo número de vegetais consumidos oriundo da própria produção em ambas estações, reforçando um perfil agrícola, mais autônomo em relação aos recursos externos.

Tabela 10. Porcentagem dos vegetais consumidos mencionadas pelas cinco comunidades da RDS Piagaçu-Purus participantes oriundos de produção interna (compra interna, extração, doação, sítio, roçado e horta) e compra externa relativa a cada tipo de comunidade em cada estação hidrológica do rio Purus. Comunidades Cheia Seca Compra Produção/ Compra Produção/ Externa Extração Externa Extração Tipo 1: acesso constante 44,31 % 55,69 % 57,46 % 42,54 % Tipo 2: acesso ocasional 27,76 % 72,24 % 39,17 % 60,83 % Tipo 3: acesso irregular 59,48 % 40,52 % 56,65 % 43,35 %

As comunidades de acesso irregular (tipo 3) apresentam maior consumo de itens externos em ambas estações, sendo que na cheia o consumo de itens externos é ainda maior, enquanto que na seca aumenta o consumo da produção interna. Este padrão pode estar relacionado com a drástica redução da frequência de barcos que adentram estas comunidades na época da seca, o que não ocorre nos demais tipos. Com a redução da frequência dos barcos, a comunidade tende a comprar menos devido a menor oferta dos produtos, levando a um maior consumo da produção nesta estação. Apesar disso, mesmo com a irregularidade dos barcos que vendem produtos externos, é notável que as comunidades de acesso irregular estão mais dependentes deste 104 comércio. Em ambas as estações apresentam maior quantidade de consumo de itens externos, que é superior ao consumo das comunidades de acesso constante (tipo 1), as quais estão localizadas no rio principal, mais próximas do centro urbano e com mais acesso aos produtos oriundos destas (Tabela 10). É interessante salientar que mesmo com uma tendência de agrupamento das comunidades de forma semelhante à caracterização proposta, quando utilizado os dados de procedência do consumo de plantas as comunidades de acesso irregular são as que apresentaram maior consumo de itens externos. Isto nos revela que a procedência dos itens consumidos não está diretamente relacionada ao acesso destas ao centro urbano próximo e seus produtos, mas talvez esteja mais relacionado ao perfil produtivo da comunidade, como é constatado na comunidade tipo 2, a qual possui o perfil mais agrícola das cinco, e apresentou menor consumo de itens externos e maior consumo oriundo da produção local. Depender de recursos externos, tanto para a alimentação como para a produção de alimentos é uma ameaça à segurança alimentar das comunidades, uma vez que esta é atualmente muito mais relacionada à pobreza ou falta de acesso socioeconômico a itens alimentares do que a efetiva produção de alimentos (Chappell e LaValle 2011; Ortiz et al. 2013). Sendo assim, populações (sobretudo rurais) serem autônomas na alimentação é uma forma de garantirem a soberania, o abastecimento de alimentos saudáveis e adequados cultural e ecologicamente, diminuindo a dependência de relações monetárias e das atuais relações de aviamento presentes principalmente nas comunidades de acesso irregular e ocasional. No contexto do movimento agroecológico, a produção própria de alimentos se contrapõe a necessidade de compra da alimentação industrializada, que passa a ser considerada monótona, pobre ou pouco saudável (Siliprandi 2015). Reitera-se a importância da participação das mulheres neste sentido, por serem, usualmente, as mais comprometidas na produção para o autoconsumo e na diversificação dos quintais (Perrault-archambault e Coomes 2008), enquanto os homens são mais envolvidos na produção comercializável (Siliprandi 2015).

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5. Conclusões

Nos períodos amostrados foram consumidos 32,27% do total de plantas conhecidas pelas comunidades. O consumo de plantas nas estações cheia e seca do rio Purus é significativamente diferente, marcado por maior diversidade na estação cheia, quando também é maior o consumo de vegetais oriundos da produção própria e extração das florestas. Fatores que influenciam este padrão são a sazonalidade de frutificação das espécies silvestres, o acesso facilitado às áreas de florestas alagadas e a colheita agrícola na estação cheia, tornando-a mais abundante em termos de frutos. Apesar desta diferença entre as estações, o consumo básico de vegetais é semelhante e a procedência destes itens vegetais da dieta básica é principalmente a compra externa, o que representa uma ameaça à soberania alimentar das comunidades. Não foi constatada uma relação significativa entre o consumo de espécies vegetais e os tipos de comunidade, apesar de haver uma tendência. Acreditamos nos princípios agroecológicos de produção de alimentos e de manejo de áreas cultiváveis como caminhos para a maior autonomia destas comunidades. O plantio e manejo de espécies silvestres em áreas próximas às casas podem colaborar na diversificação alimentar, a intensificação da produção do próprio alimento de forma autônoma e culturalmente aceitável contribuir para a soberania alimentar, restringindo a necessidade de compra externa e uso de dinheiro. Reiteramos a indispensável participação feminina nas decisões alimentares, por serem as mulheres, usualmente, as mais comprometidas na produção para o autoconsumo e na diversificação dos quintais. 106

5. Referências

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Considerações finais

A caracterização de comunidades quanto ao acesso aos centors urbanos parece exercer maior influência sobre o consumo de vegetais do que sobre o conhecimento botânico teórico. A diferenciação entre conhecimento teórico e uso efetivo de plantas é essencial em estudos etnobotânicos desta natureza.

O levantamento do conhecimento botânico das comunidades participantes demonstra o rico conhecimento de plantas alimentícias que possuem as diferentes gerações de moradores. Apesar disso, observa-se a monotonia alimentar, com pouco consumo de toda esta diversidade vegetal conhecida, pelo menos durante os meses de coleta de dados deste trabalho.

A substituição gradual de itens vegetais locais e/ou frescos por industrializados, principalmente nas merendas, e a falta de autonomia na produção do próprio alimento vegetal em algumas comunidades são ameaças à segurança e soberania alimentar. Apesar de sazonal, o consumo de plantas conhecidas e culturalmente aceitas pode ser intensificado com adoção de princípios agroecológicos como a diversificação de roçados e sítios; maior participação das mulheres nas tomadas de decisões agrícolas e alimentícias; e valorização do conhecimento culinário tradicional e dos produtos regionais.

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APÊNDICES 113

Apêndice A. Tabela de espécies coletadas. Família, nome científico, nomes populares mencionados para cada espécie, forma de vida, local de ocorrência, meses de frutificação, origem de acordo com Flora do Brasil (2018) e parte comestível. Família Nome científico Nomes populares Forma de vida Local Frutificação* Origem** Parte comestível cultivada Amaranthaceae Beta vulgaris L. beterraba erva mercado - órgão tuberoso (exótica) cultivada Amaryllidaceae Allium cepa L. cebola-de-cabeça; cebola erva mercado - órgão tuberoso (exótica) cebola-de-palha; cebolinha; cultivada Amaryllidaceae Allium fistulosum L. cebola-comprida; cebola- erva canteiro - folha (exótica) comum; cebola cultivada Amaryllidaceae Allium sativum L. alho erva mercado - órgão tuberoso (exótica) Anacardium occidentale Anacardiaceae caju; cajueiro árvore roçado; sítio set nativa fruto L. terra-firme; Anacardium parvifolium cajuí; caju-do-mato; caju- Anacardiaceae árvore floresta - nativa fruto Ducke açu inundável manga; manga-massa; manga-espada; manga- cultivada Anacardiaceae Mangifera indica L. saco-de-bode; manguita; árvore sítio out fruto (exótica) manga-coração-de-boi; manga-jitinha Anacardiaceae Spondias mombin L. taperebá; peterebá árvore sítio dez-jun nativa fruto

Tapirira guianensis Anacardiaceae tingá árvore terra-firme nativa fruto Aubl. - Annona cf. haematantha floresta Annonaceae jaca-do-igapó árvore jun nativa fruto Miq. inundável 114

Annona edulis (Triana & Annonaceae jaquinha árvore sítio - nativa fruto Planch.) H.Rainer Annona montana Annonaceae araticum árvore roçado jul-dez nativa fruto Macfad. Annonaceae Annona mucosa Jacq. biribá árvore sítio abr nativa fruto Annonaceae Annona sp.1 aracati árvore roçado - -*** fruto floresta Annonaceae Annona sp.2 jaquinha-do-igapó árvore - -*** fruto inundável floresta Annonaceae Annona sp.3 ata árvore - -*** fruto inundável Annonaceae Duguetia sp. envira árvore terra-firme - -*** fruto Fusaea longifolia Annonaceae envira árvore terra-firme - nativa fruto (Aubl.) Saff. naturalizada Apiaceae Coriandrum sativum L. cheiro-verde; coentro erva canteiro - folha (exótica) cultivada Apiaceae Daucus carota L. cenoura erva mercado - órgão tuberoso (exótica) Apiaceae Eryngium foetidum L. chicória erva canteiro - nativa folha Apocynaceae Ambelania acida Aubl. pepino-do-mato árvore terra-firme mar nativa fruto Apocynaceae Couma guianensis Aubl. souva árvore terra-firme out-mar nativa fruto; látex Couma macrocarpa Apocynaceae souva árvore terra-firme nov-fev nativa fruto Barb.Rodr. folha; órgão Araceae Xanthosoma sp. taioba erva roçado - - tuberoso Astrocaryum acaule floresta Arecaceae tucumaí; tucumazinho palmeira - nativa fruto; palmito Mart. inundável Astrocaryum aculeatum Arecaceae tucuma palmeira roçado; sítio fev-ago nativa fruto G.Mey.

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Astrocaryum jauari floresta Arecaceae jauari; jarari palmeira jun nativa fruto Mart. inundável Astrocaryum murumuru floresta Arecaceae muru-muru palmeira set nativa fruto Mart. inundável Attalea maripa (Aubl.) Arecaceae inajá palmeira terra-firme jan-mar nativa fruto Mart. Attalea phalerata Mart. Arecaceae urucuri palmeira roçado; sítio jun nativa fruto; semente ex Spreng. Attalea speciosa Mart. terra-firme; fruto; semente; Arecaceae babaçu; palheira palmeira mar-jun nativa ex Spreng. sítio palmito floresta Arecaceae Bactris bidentula Spruce pupunharana-do-igapó palmeira - nativa fruto inundável Arecaceae Bactris bifida Mart. marajá-da-terra-firme palmeira capoeira jun nativa fruto floresta Arecaceae Bactris concinna Mart. marajá palmeira mar nativa fruto inundável Arecaceae Bactris gasipaes Kunth pupunha; pupunheira palmeira sítio nov-jun nativa fruto floresta Arecaceae Bactris maraja Mart. pupunharana palmeira mar-abr nativa fruto inundável naturalizada Arecaceae Cocos nucifera L. coco; coqueiro palmeira sítio jun fruto (exótica) Elaeis oleifera (Kunth) Arecaceae caiaué; caioé palmeira sítio jun nativa fruto Cortés terra-firme; folha; fruto; Arecaceae Euterpe oleracea Mart. açaí; açaí-de-planta palmeira floresta dez-abr nativa palmito inundável terra-firme; Euterpe precatoria folha; fruto; Arecaceae açaí; açaí-da-mata palmeira floresta dez-abr nativa Mart. palmito inundável

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terra-firme; Arecaceae Mauritia flexuosa L.f. buriti palmeira floresta nov-jun nativa fruto inundável terra-firme; Oenocarpus bacaba Arecaceae bacabão palmeira floresta dez-fev nativa fruto Mart. inundável Oenocarpus bataua Arecaceae patauá palmeira terra-firme out-mar nativa fruto Mart. Oenocarpus mapora floresta Arecaceae bacabinha; abacaba palmeira - nativa fruto H.Karst. inundável floresta Arecaceae Oenocarpus minor Mart. bacabinha; bacabaí palmeira mar nativa fruto inundável Acmella ciliata (Kunth) Asteraceae jambu erva roçado; sítio - nativa folha Cass. cultivada Asteraceae Lactuca sativa L. alface erva mercado - folha (exótica) Pectis brevipedunculata Asteraceae cominho erva canteiro - nativa folha (Gardner) Sch.Bip. Tynanthus polyanthus Bignoniaceae cipó-cravo liana capoeira - nativa casca (Bureau) Sandwith Bixaceae Bixa orellana L. urucum; coloral; arucu arbusto sítio mar nativa semente Brassica oleracea var. cultivada Brassicaceae couve erva canteiro - folha acephala L. (exótica) Brassica oleracea var. Brassicaceae repolho erva mercado - cultivada folha capitata L. Ananas comosus (L.) Bromeliaceae abacaxi; ananás erva roçado fev-mar nativa fruto Merril Protium ferrugineum Burseraceae breu-branco árvore terra-firme - nativa fruto (Engl.) Engl. Burseraceae Protium sp. breu árvore terra-firme - - fruto 117

Caricaceae Carica papaya L. mamão árvore roçado - naturalizada fruto Caryocar villosum terra-firme; Caryocaraceae piquiá; piqui árvore mar-maio nativa fruto (Aubl.) Pers. sítio Cheiloclinium cognatum Celastraceae - arbusto terra-firme jun nativa fruto (Miers) A.C.Sm. Peritassa dulcis (Benth.) floresta Celastraceae iatumã; olho-de-pirarucu árvore mar nativa fruto Miers inundável Salacia cf. impressifolia floresta Celastraceae gogó-de-guariba liana - nativa fruto (Miers) A.C.Sm. inundável Salacia elliptica (Mart. floresta Celastraceae papo-de-mutum-árvore árvore jun nativa fruto ex Schult.) G.Don inundável Salacia impressifolia floresta Celastraceae bochecha; papo-de-mutum liana jul nativa fruto (Miers) A.C.Sm. inundável floresta Celastraceae Salacia sp. gogó-de-guariba liana - - fruto inundável Chrysobalanaceae Acioa edulis Prance castanha-de-cutia árvore terra-firme nov-maio nativa semente Couepia bracteosa terra-firme; Chrysobalanaceae pajurá árvore set-maio nativa fruto Benth. capoeira Couepia paraensis floresta Chrysobalanaceae (Mart. & Zucc.) Benth. uxirana; chirana árvore mar-jun nativa fruto inundável subsp. paraensis floresta Couepia subcordata Chrysobalanaceae marirana árvore inundável; nov-abr nativa fruto Benth. ex Hook.f. sítio Licania hypoleuca floresta Chrysobalanaceae sapatinha; sapatinho árvore jun nativa fruto Benth. inundável terra-firme; Garcinia brasiliensis bacuri; bacuri-liso; bacuri- floresta Clusiaceae árvore mar-dez nativa fruto; semente Mart. de-planta; bacurizeiro inundável; sítio 118

bacuri-coroa; bacuri-de- terra-firme; Garcinia madruno Clusiaceae anta; bacuri-caraquento; árvore floresta - nativa fruto (Kunth) Hammel bacuri-do-igapó; bacuri inundável floresta Clusiaceae Garcinia sp. bacuri-fofo árvore - -*** fruto inundável naturalizada Combretaceae Terminalia catappa L. castanhola árvore roçado; sítio - fruto; semente (exótica) Ipomoea batatas (L.) batata; batata-doce; batata- Convolvulaceae erva roçado - nativa órgão tuberoso Lam. roxa; batata-vermelha Citrullus lanatus cultivada Cucurbitaceae (Thunb.) Matsum. & melancia erva mercado - fruto (exótica) Nakai Cucurbitaceae Cucumis anguria L. maxixe; maxixe-liso liana canteiro - nativa fruto cultivada Cucurbitaceae Cucumis melo L. melão erva mercado - fruto (exótica) Cucumis melo var. cultivada Cucurbitaceae maxixão; maxixe-grande erva roçado mar fruto inodorus Naudin (exótica) cultivada Cucurbitaceae Cucumis sativus L. pepino erva mercado - fruto (exótica) jerimum; jerimum-caboclo; Cucurbitaceae Cucurbita spp. erva roçado - - fruto jerimum-de-leite; abóbora Melothria candolleana floresta Cucurbitaceae melanciarana liana jun nativa fruto Cogn. inundável naturalizada Dioscoreaceae Dioscorea bulbifera L. cará-do-ar liana roçado - órgão tuberoso (exótica) cará-branco; cará; cará- Dioscoreaceae Dioscorea trifida L.f. liana roçado - nativa órgão tuberoso roxo Hevea spruceana floresta Euphorbiaceae seringa-barriguda árvore - nativa casca (Benth.) Müll. Arg. inundável

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Manihot esculenta mandioca; roça; maniva- folha; órgão Euphorbiaceae arbusto roçado - nativa Crantz forte; macaxeira tuberoso mari-mari; ingá-mari; mari- Fabaceae Cassia leiandra Benth. árvore terra-firme mar-jun nativa fruto marizeiro Fabaceae Hymenaea courbaril L. jatobá; jutaí árvore terra-firme fev-jun nativa fruto; casca floresta Fabaceae Inga alba (Sw.) Willd. ingá-sapo árvore jan-maio nativa fruto inundável floresta Fabaceae Inga cf. disticha Benth. ingá-chichica árvore - nativa fruto inundável terra-firme; Inga cinnamomea ingá-açu; ingáuaçu; ingá- mar- Fabaceae árvore floresta nativa fruto Spruce ex Benth. boi maio/nov-dez inundável terra-firme; ingá-cipó; ingá-de-metro; Fabaceae Inga edulis Mart. árvore floresta todo o ano nativa fruto ingá-comprida; ingá-espada inundável floresta Fabaceae Inga marginata Willd. ingá; ingá-de-macaco árvore mar nativa fruto inundável floresta Fabaceae Inga paraensis Ducke ingá-de-macaco árvore jun nativa fruto inundável floresta Fabaceae Inga sp.1 ingá-dedo-de-moça árvore - nativa fruto inundável floresta Fabaceae Inga sp.2 ingá-sapo; ingá-barriguda árvore - -*** fruto inundável floresta Fabaceae Inga sp.3 ingá-do-chavascal árvore - -*** fruto inundável floresta Fabaceae Inga sp.4 ingá-sapo árvore - -*** fruto inundável floresta Fabaceae Inga sp.5 ingá-dedo-de-moça árvore - -*** fruto inundável

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floresta Fabaceae Inga sp.6 ingá-dedo-de-moça árvore - -*** fruto inundável floresta Fabaceae Inga sp.7 ingá-chata árvore - -*** fruto inundável floresta Fabaceae Inga sp.8 ingá-chata árvore - -*** fruto inundável Fabaceae Inga sp.9 ingá-chatinha árvore terra-firme - -*** fruto tucupi-de-arara; tucupi- floresta Fabaceae Parkia nitida Miq. árvore jun nativa fruto arara; rosário inundável cultivada Fabaceae Phaseolus vulgaris L. feijão árvore mercado - semente (exótica) Vigna unguiculata (L.) feijão-de-praia; feijão; cultivada Fabaceae liana roçado set-nov semente Walp. feijão-farofa (exótica) Endopleura uchi Humiriaceae uixi; uxi; ixi árvore terra-firme mar nativa fruto (Huber) Cuatrec. araumari; uruamari; mama- Sacoglottis ceratocarpa floresta Humiriaceae de-vaca; pau-do-cabeçudo; árvore jun nativa fruto Ducke inundável cachimba-de-cadela naturalizada Lamiaceae Mentha spicata L. hortelã; hortelãzinho erva canteiro - folha (exótica) cultivada Lamiaceae Ocimum basilicum L. manjericão erva canteiro - folha (exótica) Ocimum campechianum Lamiaceae alfavaca; favaca erva canteiro - nativa folha Mill. Vitex cymosa Bertero ex floresta Lamiaceae tarumã árvore jun nativa fruto Spreng. inundável Cinnamomum verum cultivada Lauraceae canela erva mercado - casca J.Presl (exótica) Endlicheria anomala floresta Lauraceae araçá árvore - nativa fruto (Nees) Mez inundável 121

Lauraceae Persea americana Mill. abacate; abacateiro árvore sítio - naturalizada folha; fruto Bertholletia excelsa castanha; castanheira; Lecythidaceae árvore terra-firme nov-ago nativa semente; casca Bonpl. ouriço floresta Lecythidaceae Lecythis zabucajo Aubl. sapucaia árvore jun nativa semente inundável Byrsonima japurensis floresta Malpighiaceae muruxi; muruxi-do-igapó árvore - nativa fruto A.Juss. inundável Malpighia emarginata cultivada Malpighiaceae acerola arbusto sítio - fruto DC. (exótica) Abelmoschus esculentus cultivada Malvaceae quiabo erva mercado - fruto (L.) Moench (exótica) cacau-jacaré; cacau-de- Herrania mariae (Mart.) Malvaceae quina; cacauí; cacaurana; árvore sítio abr nativa fruto Decne. ex Goudot cacau-nazaré cultivada Malvaceae Hibiscus sabdariffa L. vinagre erva sítio - folha (exótica) cacau; cacau-verdadeiro; terra-firme; cacau-comum; cacau-de- Malvaceae Theobroma cacao L. árvore capoeira; todo o ano nativa fruto; semente planta; cacau-liso; roçado; sítio cacauzeiro Theobroma cf. Malvaceae cupuí árvore terra-firme - nativa fruto microcarpum Mart. Theobroma Malvaceae grandiflorum (Willd. ex cupuaçu; cupu; cupuzeiro árvore roçado; sítio fev-abr nativa fruto; semente Spreng.) K.Schum. urubuacanga; cabeça-de- Theobroma obovatum Malvaceae urubuacanga; urubuí; árvore capoeira out-jun nativa fruto Klotzsch ex Bernoulli cabeça-de-urubu

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cacau-coroa; cacau- Theobroma speciosum Malvaceae amarelo; cacau-da-mata; árvore terra-firme out-jun nativa fruto Willd. ex Spreng. cacaurana Theobroma subincanum cupuí; cupuzinho; cacau- Malvaceae árvore terra-firme fev-maio nativa fruto Mart. cupu Theobroma sylvestre Malvaceae cacau-azul árvore terra-firme - nativa fruto Mart. Goeppertia allouia Marantaceae (Aubl.) Borchs. & S. ariá erva roçado - nativa órgão tuberoso Suárez Bellucia dichotoma goiaba-de-anta; goiaba- Melastomataceae árvore capoeira - nativa fruto Cogn. verde; tintarana Bellucia grossularioides Melastomataceae goiaba-de-anta; tintarana árvore capoeira mar nativa fruto (L.) Triana floresta Melastomataceae Mouriri sp.1 socoró árvore - -*** fruto inundável floresta Melastomataceae Mouriri sp.2 socoró árvore - -*** fruto inundável murtinha; murtinha-do- floresta Melastomataceae Mouriri sp.3 árvore - -*** fruto igapó; mortinha; muntinha inundável Poraqueiba sericea Tul. mari árvore terra-firme jan-jun nativa fruto Artocarpus camansi cultivada Moraceae fruta-pão árvore sítio jun semente Blanco (exótica) Artocarpus naturalizada Moraceae jaca; jaca-da-bahia árvore sítio nov fruto; semente heterophyllus Lam. (exótica) Brosimum parinarioides Moraceae amapá-garrote árvore terra-firme - nativa látex Ducke Brosimum utile (Kunth) Moraceae amapá árvore terra-firme - nativa látex Pittier

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Clarisia racemosa Ruiz guariuba; cabeça-de- Moraceae arbusto terra-firme - nativa fruto & Pav. macaco cultivada Moraceae Morus nigra L. amora arbusto roçado; sítio jun fruto (exótica) Naucleopsis ulei (Warb.) Moraceae balaio; cabeça-de-vovó árvore terra-firme dez nativa fruto Ducke Pseudolmedia laevis Moraceae (Ruiz & Pav.) pama árvore terra-firme - nativa fruto J.F.Macbr. banana; banana-maçã, banana-comprida; banana- curta; banana-baiés; banana-roxa; banana- cultivada Musaceae Musa x paradisiaca L. erva roçado mar-jun fruto baiezinha; banana-pacovã; (exótica) banana-pacovi; banana- najá; banana-sapo; banana- prata; banana-cearense Calyptranthes cf. floresta Myrtaceae araçazinho árvore - nativa fruto ruiziana O.Berg inundável Calyptranthes ruiziana floresta Myrtaceae murtinha; araçá-vermelho árvore jun nativa fruto O.Berg inundável Calyptranthes laranjinha-do-igapó; floresta Myrtaceae árvore - nativa folha; fruto spruceana O.Berg laranjarana inundável Eugenia cachoeirensis floresta Myrtaceae sabariquara arbusto - nativa fruto O.Berg inundável Eugenia cf. floresta Myrtaceae araçá-vermelho árvore jun nativa fruto breviracemosa Mazine inundável floresta Myrtaceae Eugenia inundata DC. araçá-da-várzea arbusto set-nov nativa fruto inundável

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Eugenia lambertiana murtinha; murtinha-do- floresta Myrtaceae árvore jun nativa fruto DC. igapó; mortinha; muntinha inundável Eugenia ochrophloea floresta Myrtaceae sabariquara árvore - nativa fruto Diels inundável Eugenia protenta Myrtaceae maria-pitanga árvore capoeira - nativa fruto McVaugh Eugenia stipitata goiaba-bahia; araçá-olho- Myrtaceae arbusto sítio jan-jun nativa fruto McVaugh de-boi; goiaba-araçá floresta Myrtaceae Myrcia sp. araçá-do-igapó árvore - -*** fruto inundável Myrcia umbraticola floresta Myrtaceae araçá; araçá-vermelho árvore jun nativa fruto (O.Berg) E.Lucas inundável Myrciaria dubia (Kunth) floresta Myrtaceae caçari; camu-camu árvore nov-mar nativa fruto McVaugh inundável floresta Myrtaceae Plinia sp.1 araçá-amarelo árvore - -*** fruto inundável floresta Myrtaceae Plinia sp.2 araçá-do-igapó árvore - -*** fruto inundável goiaba-araçá ; goiaba-de- floresta Psidium acutangulum Myrtaceae suco; goiaba-azeda; arbusto inundável; jan-jun nativa fruto DC. goiabarana sítio goiaba; goiaba-vermelha; goiaba-doce; goiabeira; Myrtaceae Psidium guajava L. árvore roçado; sítio mar-jun naturalizada fruto goiaba-comum; goiaba- verdadeira goiaba-araçá; goiaba- Myrtaceae Psidium guineense Sw. arbusto sítio set-abr nativa fruto branca Syzygium cumini (L.) naturalizada Myrtaceae azeitona árvore roçado; sítio jun fruto Skeels (exótica)

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Syzygium malaccense naturalizada Myrtaceae jambo; jambeiro árvore sítio jul-mar folha; fruto; flor (L.) Merr. & L.M. Perry (exótica) cultivada Oxalidaceae Averrhoa carambola L. carambola árvore sítio - folha; fruto (exótica) Passifloraceae Passiflora edulis Sims maracujá liana roçado - nativa fruto Passifloraceae Passiflora foetida L. maracujá-do-mato liana capoeira mar-jun nativa fruto maracujá-do-mato; maracujazinho; maracujá- roçado; Passifloraceae Passiflora nitida Kunth liana - nativa fruto da-capoeira; maracujá-de- capoeira rato Passiflora tholozanii floresta Passifloraceae melanciarana liana - nativa fruto Sacco inundável cultivada Piperaceae Piper nigrum L. pimenta-do-reino liana mercado - fruto (exótica) Piperaceae Piper peltatum L. caapeba arbusto roçado - nativa folha Cymbopogon citratus capim-santo; capim- naturalizada Poaceae erva canteiro - folha (DC.) Stapf cheiroso (exótica) Oryza grandiglumis floresta Poaceae arroz-nativo erva - nativa fruto (Döll) Prod. inundável Poaceae Oryza sp. arroz erva mercado - - fruto milho; milho-verde; milho- cultivada Poaceae Zea mays L. erva roçado set-nov fruto de-pipoca (exótica) Cybianthus spicatus floresta Primulaceae olho-de-peixe arbusto mar-jun nativa fruto (Kunth) Mez inundável Fragaria x ananassa cultivada Rosaceae morango erva mercado - fruto (Weston) Duchesne (exótica) Malus x domestica cultivada Rosaceae maçã árvore mercado - fruto Borkh. (exótica)

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Rosaceae Pyrus communis L. pera árvore mercado - cultivada (exótica) fruto Alibertia cf. occidentalis apuruí-massa; apuruí-do- terra-firme; Rubiaceae árvore mar-jun nativa fruto Delprete & C.H.Perss. mato sítio Alibertia duckeana apuruí-massa; apuruí-da- Rubiaceae árvore terra-firme - nativa fruto Delprete & C.H.Perss. mata; apuruí-mole terra-firme; Alibertia edulis (Rich.) apuruí; apuruí-de-planta; floresta Rubiaceae árvore - nativa fruto A.Rich. apuruí-cascudo inundável; roçado Alibertia latifolia floresta Rubiaceae araçá-apuruí árvore mar nativa fruto (Benth.) K.Schum. inundável Rubiaceae Alibertia sp. apuruí-massa árvore terra-firme - -*** fruto Rubiaceae Coffea arabica L. café arbusto mercado - cultivada (exótica) semente floresta Rubiaceae Duroia duckei Huber apuruí-do-igapó árvore - nativa fruto inundável Duroia genipoides apuruízinho; apuruí-do- floresta Rubiaceae árvore mar-jun nativa fruto Spruce ex K.Schum. igapó inundável Duroia macrophylla Rubiaceae apuruí-peludo árvore terra-firme out-fev nativa fruto Huber terra-firme; floresta Rubiaceae Genipa americana L. jenipapo árvore jun nativa fruto inundável; sítio Genipa spruceana jenipapo-do-igapó; floresta Rubiaceae árvore jun nativa fruto Steyerm. jenipapurana inundável Sabicea villosa Willd. roçado; Rubiaceae morango-do-roçado erva abr-ago nativa fruto ex Schult. capoeira

127

merda-de-gato; cocô-de- floresta Rubiaceae Tocoyena sp. árvore jun -*** fruto gato; jenipapurana inundável Citrus aurantifolia cultivada Rutaceae lima arbusto roçado; sítio - fruto Swingle (exótica) naturalizada Rutaceae Citrus x aurantium L. laranja; laranjeira arbusto roçado; sítio - fruto (exótica) Citrus x latifolia Tanaka naturalizada Rutaceae limão arbusto roçado; sítio - fruto ex Q. Jiménez (exótica) Paullinia clathrata mata-fome; cabeça de santo floresta Sapindaceae liana jun nativa fruto Radlk. antonio inundável Sapindaceae Paullinia cupana Kunth guaraná liana mercado - nativa semente pitomba; pitomba-da- floresta Sapindaceae Talisia cupularis Radlk. árvore jun nativa fruto várzea inundável Manilkara inundata floresta Sapotaceae maçaranduba árvore - nativa fruto (Ducke) Ducke inundável Micropholis cf. Sapotaceae abiu-ferro árvore terra-firme - nativa fruto casiquiarensis Aubrév. Pouteria caimito (Ruiz abiu; abiu-de-planta; Sapotaceae árvore sítio nov nativa fruto & Pav.) Radlk. abiuzeiro; abiu-ferro Pouteria elegans floresta Sapotaceae xibui-do-igapó árvore - nativa fruto (A.DC.) Baehni inundável Pouteria glomerata floresta Sapotaceae abiurana; abiorana árvore mar nativa fruto (Miq.) Radlk. inundável Pouteria gomphiifolia floresta Sapotaceae ajaraí; abiu-do-igapó árvore - nativa fruto (Mart. ex Miq.) Radlk. inundável Pouteria guianensis abiu-pequeno; abiu-da- floresta Sapotaceae árvore - nativa fruto Aubl. várzea inundável abiu-comprido; abiu-da- floresta Sapotaceae Pouteria sp. árvore - -*** fruto várzea inundável

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Pouteria torta (Mart.) Sapotaceae abiu-arara árvore terra-firme - nativa fruto Radlk. Simaba orinocensis floresta Simaroubaceae cajurana árvore mar nativa fruto Kunth inundável Solanaceae Capsicum annuum L. pimentão erva mercado - nativa fruto pimenta-ardosa; pimenta- murupi; pimenta-olho-de-peixe; pimenta-olho-de-gato; pimenta- roçado; Solanaceae Capsicum chinense Jacq. chumbinho; pimenta-esporao- arbusto - nativa fruto canteiro de-galo; pimenta-cheirosa; pimenta-de-cheiro; pimenta- doce roçado; Solanaceae Capsicum frutescens L. pimenta-malagueta arbusto - naturalizada fruto canteiro Solanum lycopersicum cultivada Solanaceae tomate erva canteiro - fruto L. (exótica) cultivada Solanaceae Solanum melongena L. berinjela erva mercado - fruto (exótica) Solanum sessiliflorum Solanaceae cubiu subarbusto roçado jun nativa fruto Dunal batata-portuguesa; batata- cultivada Solanaceae Solanum tuberosum L. erva mercado - órgão tuberoso normal; batata-branca (exótica) Talinum paniculatum Talinaceae cariru; major-gomes erva canteiro - nativa folha (Jacq.) Gaertn. roçado; Verbenaceae Lantana trifolia L. uva-do-roçado arbusto jun nativa fruto capoeira Lippia alba (Mill.) roçado; Verbenaceae cidreira erva - nativa folha N.E.Br. ex P. Wilson canteiro cultivada Vitaceae Vitis vinifera L. uva liana mercado - fruto (exótica) 129

Zingiber officinale cultivada Zingiberaceae mangarataia erva roçado - órgão tuberoso Roscoe (exótica) (*) Campos com “-” não foram encontrados dados de fenologia na literatura consultada ou são espécies cultivadas. (**) Campos com “-” não foram identificadas até o nível de espécie. (***) Amostras não identificadas até o nível de espécies mas que provavelmente são nativas, por terem sido coletadas em área de floresta bem preservada. 130

Apêndice B. Lista de plantas mencionadas nas listagens livres não coletadas/fotografadas. abiu-grande; abiu-massa goiaba-abacate abiu-redondo goiaba-azul açafrão goiaba-branca araçá-vermelho-doce graviola balata; abiu-balata graviola-de-casca breu-branco graviola-do-mato breu-grande ingá; ingazeiro cacau-açu ingá-amarelinha cacau-azedo ingá-curta cacau-nambu ingá-da-mata cacau-verde; cacau-pequeno-verde ingá-do-mato caja ingá-ferrugem cana ingá-pequena canapu ingazinha cará-de-espinho jabuticaba castanha-peruana jaca-do-mato cereja marmelada ceriguela mastruz cipó-de-fogo ora-pro-nóbis copaíba pau-doce cramuri; caramuri pé-de-jabuti; mão-de-jabuti; fruta-de-jabuti; jabuti embaúba pimenta-caju fava pimenta-de-mesa feijão-40-dias pimenta-tomate feijão-de-galinha pitanga feijão-figado-de-galinha pororoca feijão-manteiga rambutã feijão-vermelho souvinha-de-manaus fel-de-paca tangerina fruta-de-zogzog taperebarana fruta-pão-massa

131

Apêndice C.

Termo de Assentimento Livre e Esclarecido

132

Apêndice D.

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

133

Apêndice E. Termo de Anuência Prévia

134

Apêndice F. Cardápio da merenda escolar da comunidade Itapuru

135

Apêndice G. Cardápio da merenda escolar da comunidade Cuiuanã

136

Apêndice H. LISTA LIVRE

Nome:

Apelido:

Sexo:

Idade:

Atividade principal:

Problema de saúde:

Auxílio do governo:

Origem: Utilização da área: Terra-firme: Várzea:

Comunidade:

Entrevista (casa/pessoa): Data:

Posição Plantas Alimentícias Local Parte utilizada Preparo Favorita

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

137

Apêndice I. RECORDATÓRIO 24 HORAS ADAPTADO

Comunidade: Nome:

Apelido:

Sexo:

Idade:

Atividade principal: Problema de saúde: Auxílio do governo: Origem: Utilização da Terra- Várzea: área: firme: Comunidade:

Entrevista (casa/pessoa): Data:

Quais plantas você comeu ontem?

Preparo: in natura, cozido, frito, assado, Procedência Refeição Plantas chá, suco, tempero, ... C.E C.I D H R E Outros

138

Apêndice J. Ata de qualificação

139

Apêndice K. Ata de desefa