“BRINCANDO DE GATO CONFLUÊNCIASE RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO Artigo Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito ISSN 1678-7145 || EISSN 2318-4558

“ BRINCANDO DE GATO E RATO ” NO COMPLEXO DO ALEMÃO: 1 UPPS, ESTICAS E ACORDO DE CAVALHEIROS NA NOVA BRASÍLIA E NO ALEMÃO Vinicius Esperança Doutorando em Ciências Sociais pelo IESP-UERJ. E-mail: [email protected]

RESUMO O objetivo deste artigo é analisar, a partir de etnografia realizada no conjunto de do Complexo do Alemão (RJ), alguns aspectos que considero vitais para a discussão dos dispositivos acionados pelo estado na ocupação e gestão das populações faveladas em ter- ritório sob controle das Unidades de Polícia Pacificadora. Investigo três situações aos quais considero simbolicamente relevantes para o entendimento das tensões, aproximações e resistências do encontro das populações locais com certos agentes do estado, os policiais militares: a negociação para liberação de eventos culturais; as abordagens policiais àqueles que têm “atitudes suspeitas”; e as patrulhas realizadas pelos GTPPs (Grupamentos Táticos de Polícia de Proximidade) em busca de drogas e armas pelos becos e vielas do território. Palavras-chave: ; Segurança Pública; Polícia.

ABSTRACT The objective of this paper is to analyze, from ethnography in the set of Complexo do Alemão slums (RJ), some aspects that I consider vital to the discussion of powered devices been in occupation and management of slum populations in the territory un- der the control of units Pacifying Police. Investigate three situations which I consider symbolically relevant to understanding the tensions, approaches and resistance of the meeting of the local people with certain state agents, the military police: negotiation for the release of cultural events; police approaches to those who have “suspicious at- titudes”; and patrols carried out by GTPPs (Clusters of Tactical Proximity Police) for drugs and weapons through the alleys and lanes of the territory. Keywords: Favela; Public Security; Police;

1Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada ao SPG 18 “Práticas das Instituições do Sistema de Segurança Pública e de Justiça CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 Criminal”, coordenado pelas Profa. Vivian Paes e Ludmila Ribeiro, no 37o Encontro Anual da ANPOCS, em setembro de 2013.125 ESPERANÇA, Vinicius O objetivo deste artigo é analisar, a O assim chamado Complexo2 do partir de etnografia realizada no conjun- Alemão é um conjunto de quinze fa- to de favelas do Complexo do Alemão velas3 situadas na Zona Norte da ci- (RJ), formas pelas quais os agentes do dade do , e considera- estado gerem a nova forma de ocupa- da, desde a década de 1980, uma das ção do território1 através das Unidades regiões mais perigosas e violentas de Polícia Pacificadora (UPP). Entendo da cidade4. O Complexo possui uma a ação destes agentes como determina- área de cerca de 1.770.631 m² e apro- das por dispositivos de controle que ob- ximadamente 60.583 moradores em jetivam uma gestão moral da vida e do 18.442 domicílios5. A mais conheci- cotidiano das populações locais, que vai da das favelas é o Morro do Alemão6, além do controle das armas e da repres- 2O termo “Complexo” passou a ser utilizado nos anos 1990 são ao tráfico de drogas. Investigo três e tinha forte ligação com o fato de a facção de narcotráfico Comando Vermelho controlar toda esta área e, a partir do situações aos quais considero simboli- traficante Orlando Jogador, ter somente um comando. Mo- camente relevantes para o entendimento radores antigos contam que não havia esta ideia de unidade e que cada morro tinha sua própria vizinhança e eram con- das tensões, aproximações e resistências siderados quase como diferentes bairros. Muitos resistem a do encontro das populações locais com usar o termo e continuam se referindo somente ao morro em que moram, por exemplo, “moro no cabritos”, “moro certos agentes do estado, os policiais mi- na Fazendinha” ou “moro no Alemão”. Cada um destes litares: a negociação para liberação de morros que passou a compor o Complexo do Alemão tem sua própria história de ocupação e suas peculiaridades. eventos culturais; as abordagens policiais Quando decido adotar o termo “Complexo” faço uma es- àqueles que têm “atitudes suspeitas”; e as colha metodológica e justifico por duas razoes. Primeiro, os agentes do estado tratam a região como um grande bairro patrulhas realizadas pelos GTPPs (Gru- subdividido em áreas e suas políticas são as mesmas. Segun- pamentos Táticos de Polícia de Proximi- do, a ideia do “Complexo” traz forte carga de significado e até de construção de identidade, especialmente dos mora- dade) em busca de drogas e armas pelos dores mais jovens, e isto não deve ser ignorado. becos e vielas do território. Desta forma, 3Discute-se muito esta divisão em quinze favelas. Deci- pretendo entender alguns aspectos que di adotar a divisão utilizada pela UPP Social em seu site: considero vitais para a discussão dos dis- http://uppsocial.org/ 4Sem desconsiderar o quanto a região é marcada pela vio- positivos acionados pelo estado na ocu- lência, o que se faz notório na memória de seus moradores, pação e gestão das populações faveladas não se pode perder de vista que parte desta violência é uma construção midiática que se intensificou consideravelmen- em território sob controle das UPPs. te após o assassinato do jornalista de e parte um discurso de Estado para justificar as incursões da polícia e, 1Reconheço que chamar a região de “território do Comple- por fim, da Força de Segurança Nacional. xo do Alemão” pode reforçar a exclusão e a estigmatização 5Dados do Censo 2010, intensamente questionados e dis- históricas daquelas favelas, já que o termo não é usado para putados pelas organizações locais, que falam de números tratar de outras regiões da cidade. Por exemplo, fala-se de bem maiores, como 100 mil moradores. “região”, “jurisdição” e “zona” quando se trata de outras regi- ões da cidade como Barra da , ou Jacarepaguá. 6O nome se refere ao imigrante polonês Leonard Kacz- Contudo, já que este trabalho se propõe a analisar a ação do markiewicz, que, na década de 1920, comprou estas terras estado e os agentes e instituições do estado se utilizam am- que, antes, eram uma área rural da Zona da Leopoldina. A plamente do termo, resolvi adotá-lo, sempre entre aspas. região se valoriza a partir da construção da Avenida Bra-

126 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO que se trata de um bairro oficial, er- do Comando Vermelho. A fim de ocul- guido sobre a Serra da Misericórdia. tar o cadáver, foi usado aquilo que rece- Alguns eventos ocorridos no lo- beu o apelido de “microondas”, quando cal foram noticiados em todo o país e o corpo é esquartejado e queimado. Seu contribuíram para as representações corpo, entretanto, foi identificado por sociais de violência do Complexo7. Em DNA e os supostos responsáveis foram 1994, o assassinato de Orlando Jogador, presos após forte repercussão midiática um dos fundadores da facção crimino- e da opinião pública. sa Comando Vermelho8, pelo seu rival Em dezembro de 2008, o então Uê, líder da facção Terceiro Comando, à Presidente da República, Luiz Inácio época preso no Presídio de Bangu. Lula da Silva, visitou a região, área de Em 2002, meses após ter recebido atuação do PAC-Programa de Aceler- o prêmio Esso de jornalismo por uma ação do Crescimento, e lançou o proje- reportagem que denunciava o tráfico to “Territórios de Paz”. de drogas a céu aberto na região, o jor- A região voltou a ser centro dos nalista Arcanjo Antonino Lopes do Na- noticiários nacionais e internacionais scimento, conhecido como Tim Lopes, em novembro de 2010, quando, no dia foi pego na tentativa de realização de 25, o BOPE9, o CORE10 e o Corpo de uma reportagem que denunciaria a Fuzileiros Navais da Marinha do Bra- venda de drogas e a exploração sexual sil, em verdadeira operação de guerra, de menores de idade em bailes funk da com cerca de 500 homens, “retomou”11 região, “julgado”, torturado e assassina- o controle da Vila Cruzeiro, então sob do por ordem do traficante Elias Pereira “controle” do Comando Vermelho. Os da Silva, o , um dos líderes narcotraficantes fugiram12, então, para

9Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do sil, na década de 1940, quando a área em torno da imensa Rio de Janeiro. avenida se transformou no principal polo industrial do en- tão Distrito Federal . A ocupação, entretanto, começa mais 10Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil do fortemente na década de 1950, quando Leonard dividiu o Rio de Janeiro. terreno para vendê-lo em lotes. 11Termo usado em situações de conflito bélico e estratégias 7Conforme observou pesquisa patrocinada pela FAPERJ, de guerra pelas Forças Armadas e largamente usado pelas com o apoio do ISER, em colaboração com o Departamento autoridades à época do conflito. Por exemplo, palavras do de Ciências Sociais da UERJ, no ano de 1992, as reações ge- Governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Fi- neralizadas na opinião pública à criminalidade violenta atu- lho, em entrevista ao Jornal Nacional, que foi ao ar em 26 am como fator de agravamento da situação (SOARES org., de Novembro de 2010: “Eu posso garantir à população que 1996, 230). Os principais motivos são: a intensificação do nós estamos atentos, que é um ato de desespero, de desar- medo em seu caráter simultaneamente objetivo e subjetivo; ticulação desses criminosos que estão perdendo território e a prevenção através da agressão defensiva antecipada; e, por que estão vendo o enfraquecimento não só territorial, mas fim, disseminação da cultura do medo como uma manifes- de seus negócios ilícitos. Nós vamos continuar com a mes- tação da “degradação” ou da “decadência” do Rio de Janeiro. ma política de retomada de territórios.” 8Sobre as origens desta organização criminosa, ver a obra 12Ficou marcada a impressionante cena, noticiada ao vivo pela Rede de Carlos Amorim (AMORIM, 1993). Globo de Televisão, de dezenas de traficantes fugindo pela mata.

CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 127 ESPERANÇA, Vinicius o Complexo do Alemão, e pressiona- Alemão14 passou a ser policiado por dos à rendição e fuga por outra oper- quatro Unidades de Polícia Pacifica- ação nesta localidade, a partir do dia dora, respectivamente, UPP Alemão, 27 de Novembro. Desta vez, devido a UPP Fazendinha. UPP Adues/Baiana maior dificuldade do terreno e taman- e UPP Nova Brasília. As UPPs traziam ho da região, o BOPE teve auxílio de em seu conceito15 a ideia de ocupação um maior número de instituições, que policial permanente associada a algu- compunham a chamada Força de Segu- mas práticas do policiamento comu- rança Nacional13, que em menos de duas nitário. Seu objetivo principal seria o horas ocupou o Complexo, prendendo da retirada das armas no lugar da er- cerca de trinta traficantes e apreenden- radicação do tráfico de drogas. do armas e drogas. Através de projeto16 que visou à Após a grande operação de invasão/ construção de projeto pedagógico para ocupação, o território foi ocupado mi- o treinamento de policiais designados litarmente pelo Exército Brasileiro, que para trabalhar nas UPPs, pelo ISER batizou sua brigada de “Força de Paci- (Instituto de Estudos da Religião), onde ficação”, cuja formação era composta atuo como pesquisador associado desde por duas FT (forças-tarefa), uma para o início do ano de 2012, realizei trabalho o Complexo do Alemão e outra para o de pesquisa nas UPPs da Nova Brasília Complexo da Penha. O acordo inicial de e do Alemão17. Entre diversos aspectos ocupação seria do início de dezembro de que deveriam ser observados, interes- 2010 até o final de 2011, mas por pedido sei-me particularmente por alguns que do governador Sérgio Cabral, acatado trazem importantes contribuições na pelo governo federal, o exército perma- análise das formas de presença do esta- neceu no território até o dia 30 de junho do no território, particularmente após de 2012, quando a polícia assumiu suas funções através das seguintes Unidades 14Não tratarei do Complexo da Penha neste artigo. de Polícia Pacificadora (UPPs): UPP 15Segundo Decreto no. 42.787, parágrafo 2º. Do artigo 1º.: Fazendinha, UPP Adeus/Baiana, UPP “A. Consolidar o controle estatal sobre comunidades sob forte influência da criminalidade ostensivamente armada; Alemão, UPP Nova Brasília, UPP Vila B. devolver à população local a paz e a tranquilidade públi- Cruzeiro e UPP Parque Proletário. cas necessárias ao exercício da cidadania plena que faranta Após a saída do exército, que se o desenvolvimento tanto social como econômico”. 16O projeto era financiado por parceiros do governo do deu oficialmente no dia 30 de junho estado, especialmente as empresas ligadas ao empresá- de 2012, o território do Complexo do rio Eike Batista. Após a crise financeira envolvendo seu conglomerado, o empresário anuncia o fim da parceria. Sem verbas, o projeto é suspenso. 13Além das já citadas instituições, era também composto por policiais federais, o Batalhão de Polícia Florestal e o 17Estive também nas UPPs da Vila Cruzeiro e do Parque exército, através da Brigada Paraquedista. Proletário, mas não as incluo neste artigo.

128 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO a grande operação militar de 2010 e a das unidades, os lanches e a sociabili- posterior ocupação militar do território dade entre os policiais. Ali encontrei o pelo Exército Brasileiro, por cerca de mais rico material para análise. um ano e meio. Não tenho por objetivo Investigo três situações que consi- apresentar uma descrição densa sobre o dero simbolicamente relevantes para funcionamento destas unidades e todas o entendimento das tensões, aproxi- as suas práticas, mas faço um recorte mações e resistências do encontro das que, penso, contribui para elucidar te- populações locais com certos agentes mas de interesse desta dissertação. do estado, os policiais militares: a ne- A pesquisa se deu no primeiro se- gociação para liberação de eventos cul- mestre de 2013 e durou dois meses e turais; as abordagens policiais àqueles meio. Realizei em torno de vinte visitas que têm “atitudes suspeitas”; e as pa- ao campo, onde permaneci parte do dia trulhas realizadas pelos GTPPs (Gru- e, às vezes, da noite. Quando cheguei pamentos Táticos de Polícia de Proxi- ao campo, já tinha uma pesquisa bem midade) em busca de drogas e armas desenvolvida na escuta de situações que pelos becos e vielas do território. se davam fora do âmbito institucional Primeiro, analiso as formas de ne- da polícia. Nessa etapa, pesquisei a po- gociação dos policiais com produtores lícia por dentro da polícia, o que não culturais locais para a “liberação” ou “re- impediu minha circulação e observa- cusa” de eventos culturais que envolvam ção da ação policial e a relação que es- bebida e música, especialmente o funk. tabeleciam com os moradores, por fora Quanto à segunda questão, procu- da polícia. Fiz questão de ter um dia de ro mostrar o quanto e quais tipos de observação da favela antes de me apre- representações feitas pelos policiais sentar ao comando da UPP. Na Nova sobre a “atitude suspeita” movem as Brasília, frequentei a Praça do Conhe- incontáveis abordagens a certos tipos cimento para observar a sociabilidade de pessoas e sua “condução” à delega- local e o tipo de policiamento em locais cia para “sarque”18. Nestas abordagens de grande concentração de pessoas. En- todo o drama do encontro do agente quanto estive por dentro das unidades do estado com as populações das mar- e acompanhando as ações policiais no gens é exemplificado dramaticamente. território das favelas, procurei escutar Terceiro, descrevo a experiência de não somente os discursos oficiais dos ter acompanhado, como observador, comandantes e oficiais, mas dei atenção diversas patrulhas realizadas pelos especial aos soldados de cada setor. Va- GTPPs em busca de drogas e armas lorizei os cafezinhos, a observação das 18Procedimento de verificação se o indivíduo possui ficha conversas informais no hall de entrada criminal ou tem mandado de prisão em aberto. CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 129 ESPERANÇA, Vinicius pelos becos e vielas do território. Par- A UPP Nova Brasília, inaugurada em to da hipótese de que a relação destes 18 de abril de 2012, por exemplo, pos- policiais operacionais/táticos com os sui um efetivo de 339 policiais para um pequenos traficantes (“esticas”) se as- território de pouco mais de 550.000 m2 semelha a uma relação ritual de caça e 28.661 habitantes19. Há um policial, tipo gato e rato, onde se estabelece um naquela favela, para cada 84 moradores. “acordo de cavalheiros”. Conforme ve- A média do Estado do Rio de Janeiro é rifiquei nos TROs (Termos de Registro de 1 policial para cada 270 moradores20, de Ocorrência), quase não há prisões. ou seja, mais que o triplo de moradores Raras vezes acontece o confronto. Ele para cada agente. Este efetivo policial, na parece ser evitado a todo custo. favela em questão, é responsável, ainda, por uma área significativamente menor DISPOSITIVOS, PERFORMANCE em comparação às áreas de jurisdição E AS MARGENS DO ESTADO dos batalhões tradicionais de polícia, o Três conceitos são fundamentais que nos autoriza a falar de policiamento para esta análise e serão largamente ostensivo e concentrado. Numa interes- utilizados durante o trabalho. Para tan- sante fala colhida no campo, um policial to, faz-se necessária uma explicação da disse: “Policiamento de proximidade é forma como são utilizados e em que porque a gente tá bem próximo deles, contexto serão aplicados. ali do lado, esbarrando neles o tempo O primeiro deles é dispositivo. Afir- todo”. Esta é uma forte razão pela qual mo que os agentes do estado se utilizam estes dispositivos se sobressaem de for- de dispositivos de controle que objeti- ma tão evidente. vam uma gestão moral da vida e do coti- Agamben (2005) apontou que o diano dos moradores. Não há nenhuma termo técnico “dispositivo” é decisi- grande novidade na questão, já que isto vo no pensamento e obra de Michel também ocorre fora da favela. O que Foucault, ainda que este nunca o te- destaco é que, no Complexo do Alemão nha definido formalmente. O mais e, guardadas as devidas especificidades, próximo de uma definição teria sido em outras favelas ocupadas pela polí- dado numa entrevista do autor em cia através das UPPs, há dispositivos 1977, na qual Agamben resume: muito particulares que produzem efei- 19Segundo sítio eletrônico oficial do programa, consultado tos bastante específicos. A presença e a em 25 de novembro de 2013. http://www.upprj.com/index. utilização destes dispositivos se tornam php/informacao/informacao-selecionado/ficha-tecnica-u- mais intensificados na vida da favela pp-nova-brasilia/Nova%20Bras%C3%ADlia 20http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=rj# e por motivos diversos, sendo o mais ób- http://www.policiamilitar.rj.gov.br/ consultados em 25 de vio a forte presença armada da polícia. novembro de 2013. 130 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO “É um conjunto heterogêneo minado perfil e estas abordagens resu- que inclui virtualmente qual- mem dramaticamente a sociabilidade quer coisa, linguístico e não- entre aqueles que ocupam o território -linguístico no mesmo título: como uma presença armada e uma par- discursos, instituições, edifícios, te daquela população que reside e/ou leis, medidas de segurança, pro- circula pelo local; orienta suas ativida- posições filosóficas etc. O disposi- des de policiamento em determinadas tivo em si mesmo é a rede que se áreas de forma a produzir determinado estabelece entre esses elementos. efeito sobre traficantes que comerciali- O dispositivo tem sempre uma zam pequenas quantidades de drogas a função estratégica concreta e se varejo; produz mecanismos de controle inscreve em uma relação de po- sobre mototaxistas, tais como cadastro der.” (Agamben, 2005, p. 10) e apresentação de documentos, para permissão de circulação; constrói certa Assim, em Foucault, o termo se re- representação de uma “atitude suspei- fere a práticas e mecanismos –jurídi- ta”, que inclui especialmente homens cos, técnicos e militares- cujo objetivo é pardos/negros de uma determinada produzir um determinado efeito. Uma faixa etária, e que circulam pelo terri- máquina que produz subjetivações e, tório, com especial desconfiança por enquanto tal, uma máquina de gover- certo tipo de sociabilidade masculina no dos homens. É “qualquer coisa que que ocorra em esquinas, ruas ou ba- tenha a capacidade de capturar, orien- res, locais identificados como antros de tar, determinar, interceptar, modelar, “vagabundagem” e “sacanagem”. Todos controlar e assegurar os gestos, as con- estes exemplos podem ser enquadra- dutas e os discursos dos seres viventes” dos na categoria de “dispositivos” acio- (Agamben, 2005, p. 13). nados pela polícia para justificar ações Assim, posso afirmar que, no Com- de repressão, controle e, algumas vezes, plexo do Alemão, objetivando o con- violência contra estas populações. trole das populações e a gestão do co- O segundo conceito que utilizo na tidiano e da sociabilidade dentro do análise é o de “performance”. território, a polícia: controla os even- Para Turner (1987), a performance tos culturais, exigindo que se solicite cultural não é meramente um reflexo ou através de um ofício, sempre recusado uma expressão do sistema cultural, mas quando se trata de eventos com música é recíproca e reflexiva, sendo frequente- funk, a liberação destes eventos; esta- mente uma crítica, direta ou velada, da belece uma rotina diária de abordagens vida social, assim como uma avaliação a pessoas que se encaixam em deter- da forma como a sociedade manipula CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 131 ESPERANÇA, Vinicius a história, inclusive como uma agência O tempo passa a ser visto como uma ativa de mudança, representando a for- dimensão essencial do ser assim como ma como a cultura enxerga a si mesma e de uma forma multiperspectivada, não a “prancheta na qual atores criativos es- mais como um contínuo linear concebi- boçam aquilo que acreditam ser os mais do em termos espaciais (1987, p. 80). aptos ou interessantes projetos de vida” Este deslocamento pós-moderno da (1987, p. 24). Os gêneros dominantes preeminência exegética do pensamento de performance, segundo ele, tendem espacializado e de modelos ideais de es- a ser fenômenos liminares. Acontecem truturas sociais e cognitivas ocasionou em tempos e locais privilegiados a par- um grande movimento em direção ao tir de períodos e áreas reservados para o estudo dos processos como performan- trabalho, as refeições e o sono. Podem, ces. Para ele, performances têm uma inclusive, ser chamados de “sagrados”, estrutura diacrônica, um início, uma desde que se reconheça que são cenas sequência de fases sobrepostas mas iso- de jogo e experimentação, assim como láveis, e um fim (1987, p. 80). de regras e solenidades. Um drama, por O homem, para Turner, é um ani- sua vez, visto a partir do conceito de mal self-performing- suas performan- performance, é uma performance so- ces são reflexivas, ou seja, na realização cial que envolve muitos e só é completo da performance ele se revela a si mesmo quando acontece em algum tipo de pal- de duas formas. Primeiro, o ator pode co diante de uma plateia. O que esta pla- conhecer melhor a si próprio através teia vê não é uma simples reprodução da do desempenho do seu papel. Segundo, realidade, mas uma espécie de espelho um grupo de seres humanos pode vir mágico da realidade social, que exagera, a se conhecer melhor pela observação inverte, reforma, magnifica, minimiza, ou participação em performances ge- descolore, recolore, e até mesmo falsifi- radas ou apresentadas por outros gru- ca eventos narrados (1987, p.42). Nes- pos de seres humanos. Assim, a questão tes dramas sociais, ocorrem processos central da vida social é a performance, de definição e redefinição de crenças e quando o “eu” (self) é apresentado atra- relações sociais. Estes processos de ajus- vés do desempenho de papéis, por meio tamento situacional são marcados pelo de performances que quebram papéis, elemento da indeterminação e pela pro- e através da pública declaração de que dução destas indeterminações. Propõe, alguém passou por uma transformação desta forma, um modelo de sociedade de estado ou status, foi salvo ou conde- e da realidade social como perpassados nado, elevado ou liberado (1987, p. 81). por um entrecruzamento sem fim de O terceiro conceito é o de margens processos de vários tipos e intensidades. do estado. Como indicaram Das e Poole 132 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO (2004), pensar as margens do estado re- de pessoas; o forte comércio varejista e “le- quer repensar radicalmente a ideia de esta- galizado” de algumas áreas, como o entor- do, afastando-se da imagem entranhada do no da Praça do Conhecimento. estado como uma forma administrativa ra- A circulação ampla daquilo que Mis- cionalizada de organização política que se se (2007) chamou de mercadorias políti- torna mais fraca ou menos totalmente ar- cas21 aponta para o Complexo do Alemão ticulada ao longo de suas margens territo- como região onde se encontravam finan- riais ou sociais. Assim, quando penso UPP, ciamentos de ampla rede de corrupção e a entendo como uma super articulação do ilegalidades protagonizadas por agen- estado que objetiva uma presença qualitati- tes do estado, além de curral político va e quantitativa diferenciada de controle e de dura negociação. Só poderiam fazer ação em um determinado território e sobre campanha política aqueles candidatos determinadas pessoas, os “favelados”. Pen- autorizados e que teriam condições de sar nesta super presença não significa dizer arcar com as despesas para “entrar” nesta que antes da ocupação militar havia uma tão disputada mina de votos. presença fraca ou uma ausência do estado O Complexo do Alemão visto como naquela localidade. Não penso o Comple- margem do estado não aponta para o xo do Alemão como “território perdido” fato de ser um apêndice ou um membro onde o estado não entrava, mas como uma estranho de um estado fraco, mas propo- região onde o estado sempre esteve presen- nho olhá-lo como necessariamente vin- te, porém de formas muito particulares. A culado ao estado, de modo que analisar a baixa eficiência das políticas sociais e as ação dos agentes do estado no local, mes- representações da mídia e dos agentes do mo que em estado de exceção, aprofun- estado promoveram uma imagem equi- da a compreensão que temos do estado e vocada de ausência e território perdido das formas como o estado desempenha dominado por um poder paralelo. Alguns seus papéis num determinado momento elementos apontam para as formas como histórico da sociedade carioca. o estado e seus agentes atuavam no local: Das e Poole (2004) apontam para a forte presença das ONGs e seus projetos três questões necessárias para se tra- sociais financiadas, em grande parte, com tar de margens. financiamentos do estado; as obras do Pro- Primeiro, a primazia da ideia de mar- grama de Aceleração do Crescimento, que gens como periferias que formam contai- se iniciaram antes da ocupação militar; o 21O autor desenvolve o conceito de mercados informais onde fornecimento, mesmo que ineficiente, de trocas combinam dimensões políticas e econômicas. Nestes água e luz; a ação da polícia, seja em vio- mercados, custos políticos são transformados em valores mone- tários de forma que o preço dos bens e serviços é medido através lentas incursões ou em sorrateiras entradas de negociações políticas, com avaliações estratégicas de poder, em busca de propinas; a enorme circulação uso potencial da violência e de equilíbrio de forças (2007). CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 133 ESPERANÇA, Vinicius neres naturais de pessoas insuficientemente tiradas de documentos como identida- socializadas na lei. Esta questão aponta para de, CPF, certidão de casamento, alvarás as tecnologias de poder, os dispositivos, do de funcionamento para comércios e até estado para conduzir esta “transformação casamentos coletivos foram promovidas de status” que tem o objetivo de “levar a e continuadas pela polícia. Para que se ordem”, “socializar”, “integrar ao estado” e possa circular por determinadas áreas é “pacificar” estas populações representadas exigido, agora, o documento de identifi- como vivendo em desordem, não integra- cação. Os eventos culturais devem ser so- das à nação22, pouco ou nada civilizadas. A licitados por ofício. Os comércios devem pedagogia da conversão se alia a pedagogia ter alvará de funcionamento. Os motota- da libertação quando se constrói também a xistas devem ser identificados e autoriza- imagem de uma população oprimida e es- dos pela UPP, devendo assim apresentar cravizada por narcotraficantes. os documentos de habilitação. Segundo, a legibilidade e a ilegibili- Terceiro, as margens entendidas dade23 apontam para a produção de pa- como um espaço entre os corpos, a lei péis e documentos pelo estado a fim de e a disciplina mostram o estado e seus “promover a existência” e “permitir” ou agentes operando não somente sobre “autorizar” o funcionamento das sociabi- determinado território, mas sobre os lidades, das trocas, da circulação e do co- corpos das pessoas. Estes corpos preci- mércio. Se a ocupação militar do Exército sam ser “pacificados” e aprender a falar, Brasileiro e a ocupação policial das UPPs a andar e a trabalhar. Não podem ser é qualitativa e quantitativamente dife- “vagabundos” e ficar de conversa pelas rente das incursões policiais de outrora esquinas e becos, mas devem trabalhar não surpreende que surja a necessidade duro para conseguir seu sustento. Não da produção de muitos papéis. Uma das devem circular de madrugada. Preci- principais marcas desta presença qualita- sam melhorar seu gosto musical e evitar tivamente diferenciada é a intensificada escutar o “incivilizado” funk com “apo- exigência da apresentação e produção logia ao sexo, drogas e ao tráfico”. De- destes documentos. O Exército investiu vem se vestir como trabalhadores, com e apoiou as entidades de “legalização” sobriedade24 e, principalmente, devem de comércios e pessoas. Ações para re- ser dóceis quando abordados.

24Por diversas vezes escutei policiais falando sobre a forma 22Um dos primeiros atos simbólicos após a ocupação mili- como as pessoas se vestem. As roupas curtas das mulheres tar de 2010 foi fincar a bandeira do Brasil e a bandeira do é construída, por estes policiais, como uma falta moral e o estado do Rio de Janeiro. uso do boné e da bermuda, pelos rapazes, como potencial de 23Nota-se que “legibilidade” e “ilegibilidade” são concei- suspeição por ligação ao tráfico de drogas. A revista ao boné, tos mais específicos que os de legalidade ou ilegalidades que é retirado da cabeça daquele que é abordado, é elemento por apontarem para o estado moderno construído atra- marcante nas abordagens. “Eles guardam bagulho no boné”, vés de suas práticas de escrita. disse um policial durante uma destas abordagens.

134 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO AS NEGOCIAÇÕES PARA LIBE- troca. “Caso se comportem e sigam as RAÇÃO DE EVENTOS NA FAVELA regras, permito; se não proíbo tudo”. O Comandante da UPP Nova Bra- Neste ponto, evidencia-se que o coman- sília, em nossas conversas, se mostrou do da UPP se apresenta como um regu- simpático aos eventos locais, especial- lador de questões que vão muito além mente os esportivos. Afirmou ter tenta- do policiamento. Em sua fala e na pes- do implantar mais projetos esportivos, quisa documental, percebi que não há, mas esbarrou na burocracia de projetos nos regulamentos internos que regulam já existentes e que não eram bem de- a ação policial uma normatização que senvolvidos, que “existem só no papel”. vise a uniformidade de procedimentos. Permitiu a realização de um baile funk Desta forma, cabe ao comandante, que no território da unidade, desde que não a esta altura, é um gestor da favela, de- houvesse “apologia ao crime”, “apolo- cidir aquilo que é permitido ou não. Em gia ao sexo” ou falta de respeito com última estância, trata-se de seu gosto os policiais que porventura lá estives- pessoal por determinado tipo de evento. sem. Conta que esteve presente pesso- O baile funk, na Nova Brasília, precisou almente, à paisana, ao baile e que tudo ser “domesticado” para que fosse permi- transcorreu exemplarmente. Inclusi- tido. Nas outras UPPs do Complexo do ve, permitiu que o horário do mesmo Alemão, permaneceu terminantemente se estendesse. A segurança do evento proibido. Na fala dos comandantes e foi feita por moradores com coletes de policiais, o baile é visto como local da identificação e, segundo ele, não houve desordem, da prostituição e das drogas problemas. O Major esteve, também, – um local onde o tráfico ainda detém diretamente envolvido na organização consagrado seu domínio. Nessa gestão de um baile funk promovido pela po- da sociabilidade e dos eventos culturais, lícia, chamado “baile da proximidade”, a polícia, de uma forma foucaultiana, realizado na Praça do Conhecimento. negocia politicamente para permitir ou Teria sido um “sucesso”, com ampla pre- proibir, ou seja, para controlar e vigiar o sença de policiais e moradores. Havia 5 tipo de sociabilidade local. mil presentes, segundo ele25. Estive presente numa reunião com Em outra conversa, afirmou usar a o presidente de uma das quatro associa- questão dos eventos como moeda de ções de moradores da Nova Brasília, que também seria, conforme me foi apre- 25Destaco as seguintes reportagens: http://extra.globo.com/noticias/rio/nova-brasilia-tem-pri- sentado, “o maior produtor cultural do meiro-baile-funk-apos-pacificacao-7663914.html Complexo”. Sua finalidade era pleitear a http://odia.ig.com.br/portal/rio/alem%C3%A3o-ga- nha-seu-primeiro-baile-funk-ap%C3%B3s-pacifi- liberação de um “pagofunk”. A relação ca%C3%A7%C3%A3o-1.552642 com o Major parecia bastante cordial, CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 135 ESPERANÇA, Vinicius contudo, ao falar sobre o Comandante da AS ABORDAGENS POLICIAIS UPP Fazendinha, fez duras críticas, cha- Dentro da estrutura operacional das mando-o de “ditador” por não permitir UPPs e ligados ao subcomando opera- a realização de nenhum tipo de even- cional estão os “GTPPs”, que significam to- nem “aniversário dentro de casa”. Na Guarnições/Grupamento Tático de Polí- UPP Alemão, por sua vez, o baile funk cia de Proximidade e os “GPPs”, que sig- é terminantemente proibido, mas outros nificam Guarnições/Grupamento de Po- eventos como pagodes, festa do dia das lícia de Proximidade. O primeiro realiza mães e festas juninas são permitidas. patrulhas móveis e faz o “policiamento Percebe-se assim que a polícia se repressivo”, com armamento mais pesa- utiliza deste dispositivo de controle dos do, como fuzil. Os segundos são fixos e eventos tanto para controlar a sociabi- tem como principal função aproximar-se lidade local quanto para construir uma e estabelecer relações mais próximas com moeda de troca que permita negocia- os moradores, e não costumam usar fu- ções de espaços, comportamentos e tipos zis. Na prática, a principal diferença en- de sociabilidade. Ao atribuir qualidades tre eles, além do armamento, é que um é morais a eventos, comportamentos e ti- móvel e o outro é fixo, somente. Os GPPs, pos de festa ou música a polícia torna-se mesmo em pontos fixos, não parecem ter gestora moral da vida social da favela. sucesso na construção de vínculos com os Quando esta situação é questionada, sur- moradores, exceto com algumas crianças. ge o argumento de que há situações que Observei uma patrulha de guarni- podem ser permitidas em outros lugares, ção tática (GTPP), acompanhado, além mas que lá não podem, o que caracteri- dos policiais do Grupamento, do Co- za uma aplicação própria da lei em esta- mandante da UPP Nova Brasília. Ele dos de emergência ou exceção, conforma estaria, segundo me informou, acompa- apontou Agamben (2004). nhando uma patrulha por dia em toda No Complexo do Alemão, a polícia aquela semana a fim de supervisionar exerce uma nova ordem jurídica, onde cer- e verificar se seus soldados conheciam tos indivíduos são submetidos a leis pró- o território. A primeira parada foi no prias àquele território e uma forma parti- mesmo bar onde há dois dias outra cular de regulação do cotidiano é exercida patrulha, a qual também acompanhei, através do comando da Unidade de Polícia. revistou os frequentadores. Reconhe- Assim, o Comandante da UPP se torna o ci que alguns que ali estavam eram os soberano que é a incorporação da própria mesmos de antes. Desta vez, as aborda- lei. As abordagens policiais nos becos e vie- gens foram feitas sem reclamações. las do território demonstram esta hipótese A abordagem é feita de forma rápi- de forma ainda mais contundente. da, seca e objetiva. Poucas vezes acom- 136 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO panhada de qualquer saudação ou um normas do “acordo de paz”. “Se atirar na “obrigado” após o procedimento. To- gente, eu chamo o BOPE. Eles sabem das as foram feitas a homens, a maio- disso... têm pavor do BOPE”. ria entre 15 e 35 anos, de pele parda ou Um importante ponto abordado em negra26. Boné e mochila são um bom nossa conversa, durante a patrulha, foi motivo para revista. Os “suspeitos” são sobre os limites da ação policial. Segun- colocados contra a parede, revistados, do o Major, a “comunidade” e os pró- tiram seus bonés, abrem suas mochilas. prios traficantes não reclamam da ação Na conversa, fiz uma pequena provo- policial considerada por eles como le- cação com o major: “Major, eu sou um jo- gítima, o que inclui a revista, a prisão vem, negro, de 25 anos, uso boné, mochi- e a repressão a armas e drogas, mas la e tenho uma moto, e sou morador da não admitem o excesso policial, como Nova Brasília. Sou trabalhador, estudan- a agressão física ou verbal, ou o cons- te, nunca me envolvi com o tráfico. Todas trangimento e o “esculacho”. Quando as vezes em que cruzo com policiais sou isto acontece, a reação é imediata. Cita, abordado e tratado como potencial sus- como exemplo, as pichações que ame- peito. Posso ser abordado inúmeras vezes açam nominalmente alguns policiais. no mesmo dia. Posso estar atrasado, irri- Eles seriam truculentos demais, segun- tado... alguma hora vou me irritar com a do o Major. Para alguns soldados com abordagem e serei levado por desacato”. quem conversei, entretanto, os policiais O Major respondeu: “Não tem como ameaçados seriam bons e causariam não ficar puto...verdade”. prejuízo ao “movimento”. Para o Comandante da UPP Nova Brasília a principal virtude do policial de “BRINCANDO DE GATO E RATO”: UPP é a paciência. Virtude que diz exer- o policiamento de “pouca” proximida- cer todos os dias para entender que seu de pelos becos e vielas da Nova Brasília papel ali não é o combate ao tráfico. Vin- Ainda na Nova Brasília acompanhei do de uma cultura de combate ao tráfico outras operações. Destaco uma incur- em todos os outros lugares em que co- são com grupamento composto por três mandou, agora precisa tolerá-lo. Afirma soldados, a primeira que observei na que o tráfico nunca vai acabar. Ele gosta favela. Um dos policiais portava fuzil, quando falo do jogo de “gato e rato” dos e outros dois, pistolas. Os três, além de soldados com os “esticas” e disse que essa uniformizados, usavam coletes à prova imagem também é frequentemente usa- de balas. Eu trajava camisa polo preta, da por ele. Neste jogo, o BOPE é usado calças jeans, tênis tipo sapato e um cha- como ameaça caso o rato transgrida as péu Panamá, sem coletes. Percorremos a 26Ver Ramos e Musumeci (2005). pé grande parte da área dos Morro dos CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 137 ESPERANÇA, Vinicius Coqueiros, Nova Brasília e Alvorada. cadas. Nas vielas, constantemente a aten- Os caminhos escolhidos foram as vielas ção era voltada para os telhados e lajes, e becos que, segundo eles, seriam mais os corredores aparentemente calmos e as “problemáticos”. A operação durou cerca costas da guarnição. Quase sempre, em de três horas e terminou com um ani- fila indiana, eu era o terceiro homem. O mado lanche num ponto de encontro na último da fila era o homem do fuzil. O descida/subida da Rua Nova, num cor- primeiro, andando de joelhos levemente redor de lojas, o “shoppingzinho”, onde dobrados e arma em punho, apontando uns dez policiais se encontraram e con- rapidamente para cada curva, barulho ou sumiram os salgados não vendidos das nova rua que se apresentava no trajeto. lanchonetes em fim de expediente. As únicas instruções que tive foram: Minha presença foi determinante “cuidado com as costas” e “fica de olho para a forma como estes agentes se por- nas lajes, que eles atiram de lá...a gente taram e se relacionaram com os mora- só escuta o barulho e nem vê”. Por três dores. Segundo eles, entretanto, e con- vezes durante o longo trajeto, o homem forme combinado em conversa prévia, da dianteira partiu em corrida atrás de o trajeto e as abordagens foram rotinei- algum “estica” ou alguém suspeito que, ras. Um dos policiais confessou, depois rapidamente desaparecia. “Esticas”, se- que perguntei, estar um tanto preocu- gundo eles, são aqueles que carregam pe- pado com minha presença, por se sentir quenas quantidades de drogas, suficiente responsável caso algo me ocorresse. para não serem enquadrados como tra- O afastamento inicial não durou ficantes, mas como usuários e que, “cor- muito. Logo, os policiais se sentiram mais rem que nem rato” quando abordados. à vontade e conversaram sobre diversos Por pelo menos duas vezes, o homem da temas, algumas vezes propostos por eles retaguarda deu sinal para pararmos por- mesmos. Sempre que cruzávamos com que percebeu movimentação suspeita se outros grupamentos era entusiastica- formando depois que passávamos. mente apresentado como “alguém que Algumas ações merecem ser desta- pesquisava e iria produzir um treinamen- cadas e descritas. to novo para os policiais da UPP”. De al- Cinco pessoas foram abordadas no guma forma, pareciam me ver como al- caminho. Todas eram homens, entre 15 e guém que estava ali para ajudá-los. 30 anos, de pele parda ou negra e usavam Como não entendia nada da opera- mochilas. Dois deles eram adolescentes cionalidade deste tipo de ação militar, uniformizados de escolas da rede públi- percebi que a maior parte do percurso ca. Sem grandes cumprimentos ou con- foi feita como se a qualquer momento siderações foram instados a abrirem suas pudéssemos nos tornar alvo de embos- mochilas. A ordem foi imediatamente 138 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO acatada, e os “suspeitos” liberados. A úl- ma a acontecer. Um deles chegou a abrir a tima abordagem foi a um jovem sentado empurrar a porta de um barraco, que es- numa viela da favela da Alvorada. À sua tava destrancada, para ver se o cheiro vi- frente havia uma motocicleta sem placa. nha de lá. Não houve ataques. Felizmente. Ele foi revistado, informou não ter car- Ao longo do percurso conversamos teira de habilitação, mas possuía o docu- sobre diversos assuntos. Quando per- mento da moto, que estava no nome de guntei sobre o “desacato” e quais eram os uma mulher. Um dos policiais o repreen- limites que davam à questão, um deles deu pela ausência da placa e da carteira recorreu ao argumento da obediência. de habilitação. Ao ligar para a Central e “Se eu peço ao morador pra levantar e ir obter a informação de que nada constava pra parede e ele não vai, isso é desobe- contra aquela placa, liberou o rapaz. diência de uma ordem legal...preciso dar No caminho pelas ruas estreitas, as exemplo para os outros que estão vendo. armas em punho eram a todo o tempo Aqui é muito isso do exemplo”. Daí fez apontadas para uma possível ameaça um movimento indicando que forçaria a ou ataque. Na maior parte do trajeto, os pessoa a fazer o que ele solicitava. olhares lançados aos policiais eram ou de Uma TRO pode servir de exemplo hostilidade ou de respeitosa indiferença. para elucidar a questão: Pouquíssimas vezes houve troca de cum- primentos entre moradores e policiais. “Ao abordar o “A” por fun- Quando ocorriam, vinham das crianças. dada suspeita, o mesmo não Uma das áreas que percorremos, obedeceu e desacatou o policial próxima a Praça do Conhecimento27, era Sd. ..., com isso foi conduzido vista com mais simpatia pelos policiais. para 22ª. (...)” (Julho de 2012) Segundo eles, lá as pessoas queriam a UPP e eram mais educadas, corteses e Quanto a tão utilizada expressão “ati- com maior poder aquisitivo. Quando tude suspeita”, parece haver um padrão lá chegamos, um deles pôs-se a sorrir que se repetiu nas falas: pessoas/homens quando cumprimentado por um grupo em grupo em bares ou esquinas estão de três crianças e disse: “que diferença!”. em atitude suspeita (“de vagabundagem”, Enquanto circulávamos pela Alvora- segundo um Soldado); pessoas/homens da, sentimos forte cheiro de maconha e, que se assustam ou baixam o olhar quan- um “silêncio preocupante”. Eles mostra- do veem a aproximação de um grupo ram-se bastante tensos, como se esperas- de policiais. Conforme destacou Asad sem alguma situação de confronto próxi- (2004, p. 285), a suspeita ocupa o espaço

27Local de intensa sociabilidade, com muitos bares e entre a lei e sua aplicação de forma que pequenos restaurantes. todo aparato judicial e sistema político CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 139 ESPERANÇA, Vinicius do estado moderno é construído pressu- primeiro, foram revistados cinco homens. pondo suspeita organizada. No segundo, sete. Um deles, aparente- Exemplos extraídos de TRO’s regis- mente embriagado, começou a se exaltar, trada no mês de janeiro de 2013: mas foi contido por um grito ameaçador do policial que portava o fuzil e permane- “Guarnição estava em pa- cia próximo acompanhando a revista. trulhamento quando se depa- Quando chegamos ao “inferno ver- rou com “A”, que ao avistar a de”, onde havia um animado futebol em guarnição ficou nervoso” campo totalmente enlameado, um grupo “Foram encontrados na co- de jovens partiu em disparada para den- munidade em área não povu- tro das vielas na direção oposta ao grupo losa, num beco, sem saída. Daí armado de policiais que se aproximava. foram encaminhados à 22ª. DP Ali, também “rola uma sacanagem”. para sarque e liberados” A relação destes policiais operacio- nais/táticos com os traficantes se asse- Em outra incursão, numa tarde de melha a uma relação de caça tipo gato domingo, Acompanhei duas GTPPs e rato. Uma relação ritual que se desen- que saíram juntas e fiz um percurso rola como um completo drama social. que ainda não conhecia, passando pelo Conforme verifiquei nos TROs quase “campo do Seu Zé” e o “inferno verde”, não há prisões. Raras vezes acontece o duas das áreas consideradas de maior confronto. Ele parece ser evitado a todo periculosidade na região. Eram nove custo. Estas situações apresentam-se soldados, além de mim. como inerentemente dramáticas porque A patrulha não se diferenciou signi- seus participantes não apenas fazem ficativamente da primeira, mas pareceu algo, mas tentam mostrar aos outros menos ameaçadora por ter sido feito aquilo que estão fazendo e qual a atitude durante o dia e com um efetivo maior esperada por parte deles (Turner, 1987). de policiais. O dia chuvoso e as vielas Quando partem em disparada em busca enlameadas prejudicaram o acesso. dos “esticas” mostram aos que os veem Foram feitas abordagens a homens, o que é ser policial, assim como vão aos especialmente quando em grupo. Duas poucos construindo sua identidade re- abordagens foram feitas em bares onde, flexiva parcamente trabalhada após sair segundo um dos policiais, “rola uma sa- de um curto período de treinamento e canagem”, termo usado para venda de receber um fuzil para portar. O objetivo entorpecentes, mas que também vi sendo é que a situação não saia do controle e utilizado para o consumo de bebidas al- se “possa voltar para casa em seguran- coólicas, “ociosidade” e prostituição. No ça”. Claro que nem sempre o ritual sai 140 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO conforme esperado. Às vezes, embosca- variam de aconselhamento pessoal ou das surgem; tiros são mais certeiros do mediação até juramentos formais e uso que deveriam; imprevistos rompem a de aparatos legais para solução da crise “normalidade” do ritual da correria e da ou legitimar outros modelos de resolu- busca dramática pelo inimigo28. Espera- ção de conflitos, como o desempenho de -se, todavia, que a normalidade não seja um ritual público. Esta é, possivelmente, irrompida por estes excessos. a fase mais reflexiva do drama social. A Em texto sobre o drama social na comunidade, através de seus represen- Umbanda brasileira, Turner (1987) des- tantes, volta-se para si própria a fim de taca que este é estruturado como um avaliar aquilo que alguns de seus mem- processo, ou seja, segue o curso de even- bros fizeram e como eles se comporta- tos regulares que podem ser agrupados ram com referência aos seus próprios em sucessivas fases de ação pública. (1) padrões. Isto pode ocorrer, inicialmente, A violação de uma norma que regula de forma violenta. A quarta fase (4) do certas relações sociais é tornada pública drama social consiste ou na reintegra- através da infração de uma regra que é ção do grupo social perturbado ou no símbolo da manutenção de algumas im- reconhecimento e legitimação do cisma portantes relações sociais entre grupos, irreparável entre as partes em conflito. Se pessoas, status e subgrupos; (2) a segun- o drama social for “saciado”, a fase final da fase é a crise. As pessoas são coagidas consiste em ações “pacificadoras”. Para a escolherem lados e antagonismos são o autor, a descoberta destas etapas é “a criados. A crise é contagiosa. Conside- virada pós-moderna” na antropologia, já rações não racionais prevalecem, assim anunciada na modernidade antropológi- como rancores, rivalidades, disputas, ca, mas nunca em suas questões centrais. vinganças não resolvidas, ressentimen- Esta virada envolve a processualização tos, que produzem se não a violência do espaço, sua temporalização, que vai física, a ameaça desta violência. (3) a além da espacialização do processo ou terceira fase envolve os procedimentos do tempo, feitos pela modernidade. de compensação ou reparação. Estes Estes padrões podem ser confirma-

28Após o término desta fase do trabalho de campo e, especial- dos em toda ação ritual do encontro des- mente, a partir do início do ano de 2014, as tensões explodi- tes policiais com os traficantes. A convi- ram com mais frequência. Até março de 2014, pelo menos três policiais da UPP Nova Brasília foram mortos em serviço na fa- vência dos policiais com os traficantes vela. Dois somente no início do ano. Acredito que, após estas parece seguir determinadas regras de mortes, que levaram ao anúncio, feito pelo governo do estado, da possível intervenção militar na região, novas categorias de- sociabilidade e boa vizinhança. Há um vem ser aplicadas ao campo, o que abre novas possibilidades “acordo de cavalheiros” onde cada um de pesquisa. Contudo, a análise que faço, neste capítulo, se deve a trabalho de campo feito até o ano de 2013, ou seja, an- deve cumprir sua parte. Aos traficantes tes destas explosões de confrontos registradas no ano seguinte. cabe a discrição e não circular com ar- CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 141 ESPERANÇA, Vinicius mas. Aos policiais cabe não “esculachar” nos primeiros meses de funcionamento e o desempenho de seu papel público de da unidade, que ocasionou a morte da repressão à criminalidade. A violação de Soldado Fabiana foi, possivelmente, uma uma destas regras, especialmente a da resposta a excessos policiais. discrição, produz a necessidade de uma Os procedimentos de compensação reação pública. Espera-se que o policial ou reparação acontecem na hora da siga o procedimento da abordagem e o abordagem e possível prisão. A abor- traficante o da fuga. Inicia-se, então, o dagem pode variar de uma simples ad- ritual da perseguição. moestação até a tumultos envolvendo “Isso acontece todo dia”, conta um parentes ou vizinhos dos abordados. O policial da Nova Brasília. tumulto se transforma numa forma de A perseguição é a crise estabelecida publicizar o evento. Para os policiais, os na relação entre estes atores. Os ânimos tumultos são criados para que os tra- se exaltam, tiros são disparados – mes- ficantes sejam protegidos. Para alguns mo que para o alto-, encontrões, brigas. moradores, são uma forma de impedir É comum que haja resistência do per- abusos, uma forma de resistência local a seguido, mas sem grandes pretensões um sem número histórico de abusos de de destruir aquele que o persegue. A poder e violências por parte dos agen- rapidez e a agilidade dos que fogem, tes policiais. No tumulto, ressalta-se o aliada ao maior conhecimento do ter- caráter inocente do suspeito e que ele é reno, na maioria das vezes, prevalece trabalhador. Quase sempre se evoca o sobre o agente do estado uniformizado, parentesco. O rapaz é “filho de fulano” portando armas pesadas e com uma es- ou “sobrinho de seu cicrano”. Os agen- trutura física maior e mais pesada. É a tes insistem em confirmar a ligação do perseguição do mais forte sobre o mais suspeito com o tráfico. Quando há evi- rápido. Quando o mais forte prevale- dência, leva-se o suspeito, mesmo de- ce, espera-se que não haja “esculacho”, baixo de protestos. Quando não há, a ou seja, que não haja agressões físicas situação cresce em tensão. Tiros para e morais ou quaisquer tipos de humi- o alto, pancadas e bombas de gás29 são lhações. Levar preso não é “esculacho”, formas que a polícia se utiliza quan- bater e humilhar, sim. do as coisas parecem sair do controle. Estas regras nem sempre são segui- Paus, pedras e garrafas são utilizadas das. Inscrições nos muros próximos a pelas pessoas envolvidas no tumulto UPP ameaçando os policiais que “escula- contra os agentes policiais. Não en- cham” e até mesmo represálias são uma contrei nenhum registro oficial ou não resposta à quebra deste acordo. O ataque 29A leitura das TROs aponta como este recurso é largamen- à base da UPP Nova Brasília, registrada te utilizado em caso de tumultos. 142 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO oficial, nas favelas onde pesquisei, des- OS TROS NA NOVA BRASÍLIA te tipo de evento, onde armas de fogo Os termos de registro de ocorrência tenham sido usadas contra os policiais. (TRO) são o registro que deve ser feito, Mas os tumultos não acontecem de forma escrita, das ocorrências poli- sempre. É muito mais frequente que a ciais ocorridas durante as patrulhas ou correria em busca dos “esticas” acabe chamadas. Qualquer evento ou atendi- sem tiros ou presos. Depois que “tudo mento policial deve ser registrado e as- volta ao normal”, os policiais procuram sinado pelos policiais envolvidos. Estes outras guarnições móveis ou fixas para não são abertos ao público e são arqui- narrar heroicamente a perseguição. Be- vados em cada unidade. Devo o acesso bendo refrigerante e comendo coxinhas a este material ao projeto em que atua- e joelhos, no fim da tarde, depois que va. Li todas as TROs arquivadas desde tudo está “pacificado”, eles se reúnem nos o início do funcionamento da unidade, mesmos locais de sempre para descreve- até o mês de abril de 2013. Curiosamen- rem seu feitos e rirem uns dos outros. te, a primeira que veio em mãos conta- Algumas vezes, entretanto, o ritual co- va o triste episódio da morte da soldado tidiano sofre irrupções de violência. Não Fabiana, morta no ataque à sede da uni- acredito que sejam esperadas. A tensão e dade. A soldado foi a primeira policial o medo nas expressões dos envolvidos me de UPPs morta em serviço. impedem de interpretá-las como elemen- tos normais da rotina policial. A maior par- “Por volta das 21:00 do dia te dos policiais que conheci durante a pes- 23/07/2012 estava com as teste- quisa nunca se envolveu sequer numa troca munhas acima quando ouvi um de tiros, mas estas acontecem. No discurso, disparo de arma de fogo, nos abri- reconhecem que “faz parte do jogo”, um gamos primeiramente no beco a jogo difícil de ser jogado. Esta tensa rela- esquerda do container na tentati- ção entre estâncias de poder armado, legais va de alcançar a base que também e ilegais, se dá através de uma tênue linha estava sendo atacada fomos obri- de sociabilidade. Quando esta é rompida, gados a se (muda a página ocorre 30 o jogo endurece. No morro do Alemão, um sugestivo lapso na escrita) durante a pesquisa, o “acordo de cavalhei- em um bar que estava aberto, ros” não vigorava como antes. O comércio onde ficamos ate cessar os dispa- estava proibido de vender para policiais. ros, a vitima que nos disse que iria 31 Durante uma “corrida pela paz”, no ano de comer numa lanchonete locali-

2013, com a presença do Secretário de Se- 30Comentário meu. gurança Pública, tiros foram disparados e o 31Estava escrito “lanchar”, mas foi rasurado e escrito policiamento foi reforçado, ainda mais. “comer” por cima. CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 143 ESPERANÇA, Vinicius zada a 10 metros da base, fiquei uso de armas de grosso calibre e andar sabendo que a mesma tinha sido com grandes quantidades de drogas. alvejada pelo radio da corporação Parte dos tiros disparados pelo tráfi- e que ja se encontrava na UPA co, o que ocorre com alguma frequência, do Complexo do Alemão, a mes- visam, geralmente, confundir ou despis- ma pela descrição dos soldados tar os policiais para que eles diminuam o da RP1 da UPP da Fazendinha foco de atenção para determinadas áre- que a socorreram estava no lado as. Assim, drogas e armas podem entrar oposto do container do local onde e sair com maior facilidade. estavamos antes dos disparos” Segundo, as ocorrências de menor ris- co ocupam o maior tempo e esforço dos A leitura dos TROs aponta para al- policiais chamados “operacionais”. Brigas gumas questões: domésticas, perturbação da ordem, desa- Primeiro, a relativamente pequena cordos comerciais que viram agressões, quantidade de confrontos registrados reclamações sobre som alto e socorro de entre policiais e traficantes da região, pessoas com problemas emergenciais de ao contrário da terrível fama que a UPP saúde são as ocorrências que mais apa- Nova Brasília trazia, inclusive entre os recem. Até mesmo um parto já foi feito policiais que não pertenciam a ela, de dentro de uma das viaturas. ser a pior das UPPs. Alguns confrontos Terceiro, encontra-se certo tipo de ocorreram no início das operações no padrão de abordagem. Encontrei pelo local e foram diminuindo significati- menos duas centenas de TROs que se- vamente32. Segundo alguns policiais, os guiam o mesmo padrão apresentando a traficantes evitariam o confronto porque seguinte estrutura: seria prejuízo para os negócios. Assim, parece haver um confesso “acordo de ca- ATITUDE “SUSPEITA” → valheiros” onde cada um pode cumprir ABORDAGEM → seu papel respeitando os limites acorda- PESSOA LEVADA À DELEGA- dos. À polícia cabe o papel de repressão CIA PARA “SARQUE”33 → aos “esticas” e a ritual perseguição que os NADA CONSTATADO→ GTPPs empreendem pelos becos e vielas PESSOA LIBERADA da favela, mas sem “esculacho” e “sem le- Quando conversei com os dois subco- var dinheiro”. Aos traficantes cabe fugir mandantes sobre isto, pareceram desco- do confronto e, caso estejam portando 33Em muitos casos, há o registro de que o sistema do “sarque”, armas, evitar serem pegos. Está vetado o de responsabilidade de Polícia Civil, está inoperante. Confor- me desconfiei, escutei que esta informação é usada por policiais 32Estes aumentaram consideravelmente em 2014. Esta ob- civis de plantão para “se livrarem” do caso. Muitos policiais servação só vale, portanto, para o período da pesquisa. militares reclamaram de tensão e descaso que sofrem nas DPs.

144 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO nhecer a situação e classificaram, com cer- generalizada que culminou em pedradas e to constrangimento, a abordagem como garrafadas em direção aos policiais. No mês ilegal e inadequada. Afirmaram também anterior, o “tumulto” ocasionou ferimentos que o policial estaria se “queimando” ao es- por garrafadas em dois policiais. Em todos crever uma TRO com esse teor. Entretan- os casos, houve registro de uso de granadas to, é nesta situação onde melhor se percebe de efeito lacrimogêneo. Em nenhum deles, que a violação da lei perpetrada pelo agen- parece ter havido disparo de armas de fogo. te da lei, em nome da lei, de forma violenta, Quinto, a ocorrência de pequenas abusiva e extrajudicial, revela o estado em apreensões de drogas e armas de baixo encontro com suas margens. Confirma-se calibre. Estas ocorrências parecem ser dramaticamente, nesta situação, a hipótese troféus para as GTPPs, uma vitória do de uma nova ordem jurídica onde leis es- gato sobre o rato. O gato é premiado peciais são aplicadas a determinados indi- com folgas pelo comando. víduos, num território sob estado de exce- ção. Assim, a ação do agente policial se dá DA “PORRADA NO FAVELADO” AO ao mesmo tempo dentro e fora de lei. Fora “OS DONOS DOS MORRO SÃO OS da lei quando conduz sob custódia o indi- MORADORES, NÃO É A GENTE”: víduo sem flagrante ou mandado de pri- percepções sobre o policiamento de pou- são, mas dentro da lei que se aplica àquele ca “proximidade” no Morro do Alemão território. O procedimento se mostra tão No Morro do Alemão, acompanhei naturalizado que é exercido pelo agente uma GTPP em patrulha à noite, em meu sem recorrer ao conhecimento que pos- primeiro dia nesta unidade; e uma GPP, sui da lei e é sofrido pelos abordados ora durante o dia, em minha última visita. com irritação ora com medo, mas também Solicitei ao subcomandante o acom- sem questionar a legalidade da condução. panhamento da operação, da GTPP, e fui A polícia e os indivíduos, mesmo debaixo apresentado ao sargento que a lideraria. En- dos protestos de alguns- especialmente li- quanto aguardava os preparativos para a sa- gados a ONGs e entidades de direitos hu- ída, conversei com outro sargento, supervi- manos ou intelectuais-, parecem conviver sor, que ficaria na base. Em nossa conversa, numa prática onde se espera que a regula- mostrou-se desapontado com o projeto da ção do cotidiano seja executada através de UPP; afirmou ter certeza que este acabaria uma ordem jurídica própria. depois das Olimpíadas e as coisas se torna- Quarto, observei pelo menos uma riam piores do que antes. Chegou a unidade ocorrência em cada mês de “tumultos”, es- do Alemão indicado pelo comando e, logo pecialmente na Praça do Conhecimento, no primeiro dia, recebeu um tiro de raspão que me foi sempre apresentada como “mui- na perna. “Foi meu cartão de visitas”. Em to calma”. Em maio de 2012, houve briga outra visita ao campo, perguntei se pode- CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 145 ESPERANÇA, Vinicius ríamos continuar a conversar sobre sua acha que “lá era muito pior que o Alemão”. função e atribuições como supervisor. Ele “Não estou dizendo que não vai respondeu: “Meu papel é bater em favelado. acontecer nada comigo, mas acho que se Projetos sociais é com ele”, apontando para tivesse que acontecer teria acontecido lá” um outro agente, cuja função era de media- Portava uma arma de uso pessoal, ção e relações públicas. Continuou, dizen- cano comprido, de médio alcance. Outros do: “Proximidade é o cacete, proximidade é soldados portavam fuzil e pistolas. Todos porque a gente tá aqui todo dia”. Olhei para usavam coletes. Apenas o sargento, entre- o agente e a soldado P534, na expectativa de tanto, e notei que foi esta sua orientação, que confirmassem que se tratava de uma conversava comigo. Os outros, pouco fa- jocosidade ritual, mas eles, baixando o tom laram. A caminhada foi árdua, com mui- de voz e com olhar constrangido indicaram tas escadarias, e algumas áreas difíceis de que aquele sargento não estava de brinca- serem acessadas. Muitas ruas e becos sem deira. Continuando a conversa, o agente iluminação traziam uma preocupação ex- mediador indicou que, no contexto do Ale- tra. “Isso é coisa deles”, disse o Sargento, mão, só caberia a lógica do “tiro, porrada e referindo-se aos traficantes, que quebra- bomba” e que isto seria o correto, mas inte- vam as lâmpadas para que o local perma- resses políticos exigiriam certa maquiagem. necesse escuro. Logo, encontrei pichações A patrulha desta GTPP foi feita à noi- de ameaça aos policiais, as quais fotografei. te, durou cerca de duas horas e meia (18h Durante a conversa, este sargento en- às 20h30), com oito policiais, e liderada fatizou que “nós não somos donos da fa- pelo primeiro sargento supervisor, que vela. Estamos aqui pra fazer policiamen- esteve ao meu lado por todo o trajeto e se to e reprimir o crime, mas os donos disso mostrou falante e receptivo a perguntas. aqui são eles. Sempre falo isso pros meus Percorremos todo o perímetro de atuação homens: ‘vocês não são donos da favela. desta unidade. No trajeto, houve apenas Os donos disso aqui são os moradores’”. uma abordagem para revista. A tensão pai- No caminho, passamos pelo local rava no ambiente, no semblante dos solda- onde um policial havia sido morto. Era dos e em alguns moradores, especialmente escuro e deixava a todos muito expostos, enquanto atravessamos “áreas críticas”. pois tratava-se de uma confluência de es- Este Supervisor parecia mais integra- cadarias. Este era o ponto crítico do tra- do aos conceitos de “proximidade” pro- jeto e do policiamento local. Logo depois, postos, pelo menos teoricamente, à UPP. fomos a um bar conhecido como “Bar do Com 20 anos de polícia, tendo servido Russo”. Havia sete pessoas bebendo por lá. por muitos anos no Batalhão da Maré, O sargento me conduziu até os fundos do estabelecimento, um pequeno espaço com 34Relações públicas e ação social. um banheiro sujo. Contou que era comum 146 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO que a área fosse usada para prostituição de àquele local foi premeditado ou a fala do menores e consumo de drogas, mas o Rus- Russo foi além do que previa a situação so, dono do bar, não tinha como evitar que inicial, mas a visita àquele bar foi de gran- isso acontecesse. Seu argumento era que a de riqueza analítica por ilustrar o quanto repressão ao crime teria que levar em con- a lei e as práticas do estado são coloniza- sideração situações como essa e não preju- das por outras formas de regulação que dicar nem moradores nem comerciantes. emanam das necessidades prementes Ele chama o Russo para a conversa. das populações a fim de assegurar sua “Russo conta pra ele aí” sobrevivência política e, principalmente, Russo, um pouco constrangido no econômica (Das e Poole, 2004). As práti- início, ser saber qual era minha posição cas do estado nestas zonas de emergên- ali, que só foi explicada depois, confir- cia, ou em estados de exceção, como su- ma a fala do Sargento. geriram Das e Poole (2004), não podem “Não tenho como impedir... não dá. ser interpretadas simplesmente a partir Quando eles tão fazendo coisa errada, eu das categorias de lei e transgressão, mas falo, peço pra parar, mas tenho que ven- em termos de práticas que se configuram der e não posso perder meus clientes. O por dentro e por fora da lei. homem que tava aqui é bom cliente, tem Percebi, durante esta caminhada, dinheiro. O senhor entende, né?” que estava proibida a venda de qualquer Referia-se a uma abordagem passa- produto para policiais. A relação entre da quando alguém foi pego naquele lo- policias e a população local era de pouca cal consumindo drogas e supostamente proximidade e parecia estar, naquele pe- tendo relações sexuais com uma menor ríodo, num momento crítico, que só veio de idade. Russo continua. a piorar com o decorrer do ano de 2013. “O senhor”, referindo-se ao Sargento, “é educado, entende a gente. Gente fina... OS TROS NO ALEMÃO como tem muito policial aqui, a maioria, A leitura dos TROs da UPP do Ale- que vem, cumprimenta a gente, tem educa- mão aponta para algumas questões: ção... mas aquele que teve aqui não. Aque- Primeiro, as ocorrências de menor ris- le policia, que até parece com o senhor, é co ocupam o maior tempo e esforço dos moreno assim, veio aqui, nem perguntou e policiais chamados “operacionais”. Brigas já meteu a mão na minha cara, esculachou domésticas, perturbação da ordem, desa- na frente dos clientes...fui humilhado... não cordos comerciais que viram agressões, re- sou traficante não, sou trabalhador”. clamações sobre som alto e socorro de pes- “Já afastei ele, Russo. Ele nunca mais soas com problemas emergenciais de saúde fazer isso por aqui” são as ocorrências que mais aparecem. Não sei se até que ponto me levar Segundo, apesar disso, o elevado nú- CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 147 ESPERANÇA, Vinicius mero de confrontos com traficantes. Al- ameaça ou último apelo. Uma presen- guns meses, como novembro/2012, por ça simbólica que jamais pode se tornar exemplo, registraram sete ocorrências uma presença intervencionista. Cada de confrontos com troca de tiros. O que parte reclama para si o apoio policial chama a atenção é o fato de ter encontra- para o cumprimento do seu direito, mas do em torno de 100 TROs que apontam não delega ao agente do estado a inter- para confrontos com troca de tiros, mas venção efetiva ou violenta para a solução sem vítimas, sejam policiais, traficantes do conflito. Usar a polícia, na forma de ou moradores. A resposta pode estar na apelação ao estado, “contra” um paren- qualidade ou no tipo de confronto que se te, cônjuge ou vizinho, fere as regras de estabeleceu entre policiais e traficantes no sociabilidade da favela. Espera-se que o Morro do Alemão. Se na Nova Brasília há conflito se resolva ou não se resolva atra- uma interação ritual tipo “gato e rato”, com vés das regras locais de sociabilidade, o pouca violência ou utilização de armas, no que é fruto de uma presença fraca do es- Alemão pode haver algum tipo de con- tado assistencialista e abusiva do estado fronto onde a utilização da arma não tem violento na forma militarizada. Chamar o objetivo principal de eliminar o inimi- o policial da UPP torna-se um artifício go, mas alertá-lo da sua presença e marcar extra, mas com seus próprios limites. simbolicamente os limites que precisam A presença do estado na forma da polícia ser respeitados. Outras hipóteses são: a é, como na etnografia de Poole (2004) sobre má pontaria tanto de policiais quanto de o estado peruano, uma ameaça e uma garan- traficantes, que leva a confrontos onde o tia. Uma ameaça de perder a autonomia e a alvo é pouquíssimas vezes atingido; a não liberdade na solução de seus próprios confli- exposição nas TROs do fato como real- tos, assim como da prisão e da violência, mas mente aconteceu. Considero estas hipóte- também uma garantia de que a lei possa ser ses, entretanto, menos prováveis. utilizada com algum tipo de benefício. Terceiro, um tipo de padrão de ocor- Nestas três situações- as abordagens rência se destaca: solicita-se a presença policiais, as negociações para liberação de da polícia para a resolução de certos ti- eventos e as patrulhas em suas interações pos de conflito –conjugais, familiares ou rituais com moradores e traficantes- ficam de vizinhança, por exemplo- , mas só evidentes os tipos de dispositivo de repre- oferecem a ela uma restrita liberdade de sentações da criminalidade, de controle e atuação. Não dão a ela a soberania para gestão moral da vida destas populações resolução do conflito. A questão é resol- que vivem às margens construídas pelo vida no local ou as partes recusam-se a próprio estado. Na abordagem, encontra- irem à delegacia. Assim, a presença po- -se o agente do estado na sua forma mais licial é solicitada como uma espécie de crua e abusiva, ao suspender a lei em nome 148 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150 “BRINCANDO DE GATO E RATO” NO COMPLEXO DO ALEMÃO da lei e da segurança; nas negociações para FOUCAULT, Michel. Segurança, liberações de ventos, o agente paternalista Território e População: curso dado no e “civilizador”, imbuído da missão de ge- Collège de France (1977-1978). Tradu- rir a moral e os costumes das populações ção: Eduardo Brandão. São Paulo, Mar- faveladas; por fim, nas interações das pa- tins Fontes, 2008. trulhas, o estado em sua forma de drama LIMA, Carlos Alberto de. 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VINICIUS ESPERANÇA Possui licenciatura em Ciências Sociais pelo IUPERJ. Pesquisador associado do ISER. Pós-graduado em Ciências da Religião, Me- stre em Ciências Sociais pela UFRRJ e dou- torando em Ciências Sociais pelo IESP-UERJ. 150 CONFLUÊNCIAS | Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito. Vol. 16, nº 3, 2014. pp. 125-150