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A PARÓQUIA, A FRONTEIRA E AS VARIANTES DEMOGRÁFICAS

Má r c i o Ad r i a n o d e Li ma Ro d r i g u e s Bolsista da CAPES, Mestrando em História do PPGH da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM. [email protected]

Pa u la Ro c h e l e Be c h e r Acadêmica do Curso de História da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM, Bolsista do Programa FIPE Sênior/UFSM. [email protected]

Ma r i a Me d i a n e i r a Pa d o i n Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria [email protected]

Resumo

A presente pesquisa através da utilização quantitativa e qualitativa de fontes concernentes aos Registros Paroquiais de Batismos de e mais documentação complementar, analisa a constituição da sociedade que compõe a Paróquia de São Patrício de Itaqui, na região de fronteira oeste, da Província de Rio Grande de São Pedro, Brasil, entre os anos de 1860 e 1870. A experimentação metodológica será baseada na conexão de laços entre famílias e grupos, a identificação e a análise das redes sociais na sociedade limítrofe, que se torna um fator de regulação das práticas comerciais. A posição geográfica, próxima a cidades com grandes fluxos migratórios e do rio Uruguai, figurando como integrador dos mercados as suas margens, cria um ambiente propício para a aquisição de novas interpretações acerca da capacidade do mercado de absorver os produtos.

Palavras-chave: Paróquia. Fronteira. Variantes.

Abstract

This research using quantitative and qualitative sources pertaining to Parochial Registers of Baptisms and more Itaqui additional documentation, analyzes the constitution of society that makes up the Parish of Saint Patrick of Itaqui in the border west of the Province of Rio Grande São Pedro, , between the years 1860 and 1870. The trial will be based on methodological connection links between families and groups, the identification and analysis of social networks in society borderline that becomes a factor for the regulation of business practices. The geographical position, near cities with large immigration flows and the river , appearing as integrator markets its banks, creates an environment conducive to the acquisition of new interpretations about the market’s ability to absorb products.

Keywords: Parish. Border. Variants. 674

INTRODUÇÃO

Neste trabalho, o objetivo inicial centrou-se em estabelecer um contato entre a graduação e a pós-graduação do curso de História da Universidade Federal de Santa Maria, a partir dos orientandos da linha de pesquisa: Integração, Política e Fronteiras, do Mestrado em História, e o grupo de estudos, História Platina – CNPQ/UFSM, do curso de Graduação. Partiu da finalidade de integrar pós-graduandos e graduandos conjuntamente nos processos de iniciação científica, a partir do tratamento e análise de fontes primárias, Registros Paroquiais de Batizado, Inventários Post-Mortem e Ações Ordinárias Cível e Crime, referentes ao século XIX, tratando sobre a Província do Rio Grande de São Pedro. No passo seguinte a pesquisa passou a envolver a integração de dois temas diversos, um tratando sobre história das mulheres, e outro sobre história econômica e social, no qual teve como enlace o tema comércio, praticado no século XIX na Província do Rio Grande de São Pedro. O problema de pesquisa que passou a nortear a investigação, a partir desse momento, orientou-se para a análise desse comércio praticado em direção ao interior do continente, e os fluxos mercantis que se manteriam a partir de e Itaqui para a região limítrofe ao rio Uruguai. Alguns comerciantes pertencentes à família de Bernardina Rodrigues Barcellos, personagem da pesquisa desempenhada pela graduanda Paula Rochele, direcionaram a atenção para uma migração de atividades e concorrência entre duas fronteiras, uma marítima, a partir de Rio Grande e outra interna e fluvial, a partir do rio Uruguai, que passaram a se estabelecer como hipóteses para embasar a pesquisa. Depois de muitas discussões, reuniões, quantificação de fontes e alguns resultados parciais, sobre a porção a oeste da Província chegou-se a um consenso, e para nossa surpresa uma característica determinante se sobrepôs aos dois espaços, a presença do rio Uruguai, como meio e objetivo dos agentes de ambos os contextos geográficos para desempenhar suas atividades, sociais, políticas ou econômicas. Então passamos a trabalhar com a migração de alguns sujeitos de Pelotas, metade sul da Província do Rio Grande de São Pedro para Paysandu, Estado Oriental. A migração das atividades econômicas para a porção oeste da Província, chegando até o Estado Oriental, se daria com base em vínculos familiares e associações entre membros da família de Bernardina que se deslocariam para esse espaço, objetivando se aproveitar de possibilidades de efetivar laços comerciais. Práticas semelhantes as que se perpetuavam entre as populações de Itaqui, a base de vínculos familiares com as populações do outro lado do rio Uruguai, mantido segundo bases mercantis, poderiam caracterizar a atuação dessa família em seus contatos com o Estado Oriental, e os fluxos de artigos que se dinamizavam através do rio Uruguai. Itaqui, localizada na porção oeste da Província apresenta uma série de fatores que legitima tais ligações, mantendo atividades mercantis através do porto, esta cidade e seus comerciantes se salientariam a partir de suas ligações com o Prata, mais especificamente com a Confederação e o Estado Oriental. Informações obtidas de várias fontes primárias, jurídicas e administrativas, descrevem um comércio diverso ligado a esses espaços, capaz de atrair populações e maximizar oportunidades econômicas em função do rio Uruguai e dos artigos manufaturados que se ligavam a ingleses, franceses, alemães e norte-americanos nessa porção. Essas nacionalidades mobilizariam práticas capazes de efetivar a presença de novas populações e redes que se proliferavam desde outras regiões e que nos dispomos a analisar nesse trabalho. 674 675

DESDE PELOTAS...

Os dados referentes à Pelotas são parciais e limitados, por enquanto às fontes concernentes à coleção Varela, localizada nos Anais do Arquivo Histórico do . Ao desenvolver o tema, aqui preliminarmemte, o objetivo passará num segundo momento a análise dos inventários de irmãos e parentes de Bernardina Rodrigues Barcellos. A princípio, nos limitamos a localizar Pelotas, cidade situada na região sul do Rio Grande do Sul, às margens do Canal São Gonçalo, o qual liga as lagoas dos Patos e Mirim, as maiores do Brasil. Seu início é associado à chegada de José Pinto Martins em 1780, que teria estabelecido a primeira Charqueda na região, a qual pertencia ainda à Vila do Rio Grande. Em 1812 foi fundada a freguesia de São Francisco de Paula, tendo sido elevada à categoria de Vila no ano de 1832 e em 1835 à cidade, com o atual nome de Pelotas. Tendo sua origem ligada a Rio Grande, há uma presença portuguesa marcante na constituição pelotense, em função da chegada dessas populações através do porto ligado ao Atlântico. Seu auge econômico se deu no séc. XIX, com grande destaque para a atividade charqueadora. Dentro deste comércio, realizava-se a exportação do charque para as economias do sudeste brasileiro, sobretudo para a alimentação de escravos. Na volta, os navios vinham carregados de mantimentos, livros, revistas de moda, móveis, louças da Europa e açúcar do Nordeste1, constituindo os fluxos de um comércio de grande monta.

Segundo Gutierrez (1993) a instalação do pólo charqueador escravista na cidade de Pelotas inicia- se nas últimas décadas do século XVIII, devido a interesses na bacia hidrográfica da , que ocupa aproximadamente 40% da costa do Rio Grande do Sul e facilita o acesso tanto ao oceano como a bacia do Rio da Prata. A zona portuária representava grande importância para essa região, pois além de fazer o escoamento marítimo da produção, também servia para a importação de mão de obra escrava e do sal, usado na atividade charqueadora, representando o principal meio de transporte da época, pois as estradas eram precárias. (BARROS, et al, 2009)

Nessa realidade, de trocas regionais e com o exterior, o Prata, a partir do porto e dos rios da região, se introduz Domingos, um comerciante natural de , que teria vindo à Pelotas em 1819, envolvido com o comércio de mulas e ali permanecido. Tendo primeiramente se dedicado a uma loja de fazendas e, posteriormente, se destinado a outros empreendimentos como olaria, fábrica de sabão e velas de sebo, navegação fluvial, criação de gado e uma charqueada, teria atuado com grande destaque na vida política da Província (BARBOSA, 2009). A introdução de novas atividades, uma delas o comércio, passa a se beneficiar da presença de núcleos recentes de povoamento e das condições de fronteira, para propor a entrada de produtos, onde se destaca a presença dos portos como dinamizadores desse meio. As trocas passam a mobilizar artigos e gêneros, a partir da atuação de comerciantes e negociantes nos novos espaços de atividades nas cidades do litoral, em seus contatos com o exterior. Domingos, que teria chegado à região nos primeiros tempos de povoamento, encontrou uma forma de estabelecer vínculos com uma importante família da região através do matrimônio, com Bernardina. Segundo Menegat (2009) para a família Rodrigues Barcelos também seria interessante, estabelecer vínculos com alguém que possuía diversos contatos com a região central do país. Além dos contatos mantidos com a região central, analisando as correspondências dos Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – Coleção Varela, observamos o prolongamento e redirecionamento dos contatos de Domingos com as demais regiões do

1 Fonte: http://pelotas.ufpel.edu.br/ acessado em 10/07/2012, às 22:45. 676

Prata, tendo como estratégia a manutenção de vínculos econômicos a base de estratégias familiares de enriquecimento e reprodução social. Isso se efetiva num período posterior, já durante a Revolução (1835-1845), quando Domingos, atua como Ministro da Fazenda da República Rio-Grandense, dentre outros cargos, e vê grande parte de seus bens envolvidos no conflito, além de toda sua família. Os contatos com o Uruguai, observados em uma correspondência endereçada á esposa, Domingos manifesta sua preferência pelas novas oportunidades que viriam desde os contatos a oeste, revelando o caráter de atração que essa regiões propiciavam as populações de outros centros urbanos como Pelotas.

Se bem ainda me lembro era o plano de tua viagem, quando daqui saiste, ires à casa do Sr. José Rodrigues Chaves, e dali saíres de pronto para uma das fazendas de Manuel Gonçalves ou de Ramirez, por se me ter oferecido o Sr. Raimundo Senandes para tudo quanto te pudesse prestar. Em qualquer destas partes me parece bem, porque logo que eu possa sair para lá vou, e depois a Uruguai, onde pretendo firmar minha residência. [...] (CV-205: v. 2, 1978)

Segundo Menegat (2009:89) os contatos com o Uruguai já eram uma prática na família Rodrigues Barcellos, elencando também os irmãos de Bernardina que possuíam negócios na Banda Oriental quanto seu novo esposo. Joaquim, que inclusive comercializa com Domingos em momentos da Revolução Farroupilha, de Montevidéu, e João, que também se engaja na Revolução, e criava gado em Paysandu, são exemplos dessa migração de interesses aos fluxos e bens mais baratos que entravam pelos portos orientais, ou saíam nos momentos de exportação, mantendo relações com os muitos estrangeiros e mercados que se delineavam às portas do Atlântico. Sobre tal situação, MENEGAT reforça:

O trânsito de recursos entre um lado e outro da fronteira era reforçado através dos laços de parentesco, reafirmados através de gerações, o que nos leva a crer num uso estratégico da fronteira. Mas esta não é exclusividade dos Rodrigues Barcellos, muitos dos fundadores da freguesia de São Francisco de Paula assim o fazem. Encontravam-se os Gonçalves Chaves entre os vizinhos de Cipriano, Boaventura, João e José Rodrigues Barcellos na Banda Oriental (2009, p. 89).

Por não ter sido concluído a parte concernente a Pelotas, até esse momento, será demarcada temporalmente na segunda metade do século XIX a análise do comércio, em período a ser definido para interpretar as relações desde o Estado Oriental e as redes mercantis desde a Província do Rio Grande de São Pedro.

A PARÓQUIA DE SÃO PATRÍCIO DE ITAQUI E AS ATIVIDADES MERCANTIS

Quando nos dispusemos nesse trabalho a tratar o espaço de fronteira, o objetivo centrou- se em analisar a atividade comercial na Paróquia de São Patrício de Itaqui, por uma série de elementos que discerniam um comércio diverso, centrado na presença do rio Uruguai, do porto e de uma série de nacionalidades, italianos, espanhóis e franceses, além de saltinos, correntinos, entrerrianos e orientais atuando nesses espaços, durante a segunda metade do século XIX. Se salienta uma atividade mercantil, nesses espaços, que impulsiona grandes interesses, principalmente os econômicos, efetivando a presença de um número bastante ampliado de agentes, dedicados aos contatos com mercados mais amplos, que se faziam em função da 676 677

presença do porto. Partindo desses elementos, identificamos que muitos desses agentes, utilizando-se de tecnologias como os vapores e escunas, mobilizariam estratégias diversas para atuar nesses espaços a partir do comércio, fomentando a diversificação de itens nas casas mercantis no interior da Paróquia e uma grande quantidade de atividades que se acentuavam ao longo das rotas e caminhos por onde se estabeleciam os fluxos. O cruzamento entre fontes diversas (Listas de Alfândega e Notas do Tabelionato de Itaqui) descreveram ainda um comércio diferenciado que se desenvolvia ao longo do rio, favorecendo a circulação de capitais privados reproduzindo espaços de exploração mercantil. As ligações com o Prata dinamizariam os estoques e produtos identificados nos Inventários Post-Mortem e Ações Ordinárias Cível e Crime dos comerciantes da Paróquia. Esses artigos e itens ampliaram as conexões entre as casas comerciais, negociantes, e mestres de embarcações que atuavam entre as principais regiões e portos do continente. Logo, salientaram-se nos autos administrativos e jurídicos, atividades de comércio que se prolongavam aos territórios limítrofes, salientando em geral o Estado Oriental e a Confederação Argentina, como principais destinos da erva-, couros e charque que saiam do espaço da Paróquia constituindo os fluxos mercantis. A posição geográfica concedera à Itaqui grande relevância na constituição das atividades econômicas na área, onde estar às margens do rio Uruguai, mobilizando um comércio de preços baixos, em função do número ampliado de ilícitos, que se efetivavam em função de ligações com portos secundários como o da Constituición, no Estado Oriental mobilizaram o incremento de novos comerciantes nesses fluxos. Na região de fronteira a cidade-porto que passa a se dedicar a exportação de bens primários, com destaque para a erva-mate2 registrada nos autos de exportação da Alfândega, criou circuitos favoráveis para a aquisição de artigos diversos pelas casas de comércio da cidade e da região prolongando-se até a região central da Província, como exposto em obras como de Ronaldo Colvero (2004). Os documentos de Alfândega revelam que seriam constantes no território platino as ligações entre Constitución-Itaqui-Federación, formada a partir das saídas das famílias Veppo, Rodrigues e do vapor Uruguai, criando um complexo circuito mercantil. A base da comercialização de gêneros como açúcar, charque, farinha de mandioca e fumo, registrados nos autos de itens nacionais exportados pela Mesa de Rendas de Itaqui, proporcionaram a dinamização de setores de transportes e trocas de gêneros da terra e manufaturados, atraindo novas populações com a finalidade de ingressarem nesses mercados. Segundo os dados abaixo, apesar de limitados a um curso período de tempo, destacam que vários grupos, portando interesses diversos comporiam esses mercados limítrofes ampliando o acesso a novos agentes que quisessem promover e ampliar seus investimentos nesses fluxos, segundo a seguinte relação:

FIGURA 1. COMPARATIVO ENTRE NACIONAIS, ITALIANOS E PLATINOS NA

2 A erva-mate responde pela totalidade das receitas no mês de janeiro de 1858, inclusive superando itens como charque, couros, fumo e açúcar nos meses posteriores. Mapa demonstrativo de gêneros exportáveis pela Mesa de Rendas de Itaqui no 2º semestre de exercício 1857-1858. Janeiro a Junho de 1858. AHERGS. . 678

SEGMENTAÇÃO DOS MERCADOS

Fonte: Elaboração própria. Mesa de Rendas de Itaqui. Listas de Alfândega. Dezembro de 1860 a maio de 1861. AHERGS. Porto Alegre.

Do afluxos dessas populações, ocorre a proliferação dos fluxos de comércio e a proliferação das redes e fluxos mantidos segundo os interesses de famílias no desenvolvimento dos movimentos de comercialização com o Prata. Nesse contexto irmãos, esposas e filhos manteriam suas famílias engajadas em manter tantas relações quanto possível nesses espaços, mobilizando mais recursos, clientes e fornecedores ligados as suas casas de comércio.

TABELA 1 - REGISTRO DA COMPOSIÇÃO ESPACIAL DO MERCADO QUE SE PROLONGAVA AO LONGO DO RIO URUGUAI (1860-1861)

Registros de Embarcações Embarcações Cidade ou Departamento Caráter saída rápidas rudimentares Federación 19 Longa Chalupa Lanchões Constitución 34 Pequena Vapor Escuna

Restauração 2 NL Chalupa Lanchão Salto 2 Longa Escuna Chalupa Monte Caseros 1 Pequena Palhabote Cruz 1 Pequena Chalupa Concórdia 0 Longa Santa Roza 1 Pequena Lanchão Passo de Itaqui 0 Pequena

Fonte: Elaboração própria. Mesa de Rendas de Itaqui. Listas de Alfândega. Dezembro de 1860 a maio de 1861.

As formas diversas para atuar nesses espaços através da utilização de redes como fizera 678 679

Antônio Eugênio de Freitas Guimarães e associações familiares que se distinguiam segundo a atuação das famílias Veppo e Rodrigues, descritas logo abaixo, rendia a essas famílias parcelas determinantes desses mercados, eliminando concorrentes e comerciantes menores. Os dados da Alfândega ainda identificariam os Veppo e os Rodrigues ligando-se simultaneamente aos dois lados do rio através de cinco agentes: Julio Veppo, João Batista Veppo, Francisco Rodrigues, Gil Rodrigues e José Rodrigues. Estes manteriam a maior diversidade de destinos, atendendo a área ao se deslocar para o Povo da Cruz, Constitución, Restauración, mercados na Província de Entre Ríos e no Estado Oriental.

GRÁFICO 1 - FAMÍLIAS DE DESTAQUE NOS AUTOS – AS ASSOCIAÇÕES FAMILIARES DOS VEPPO E RODRIGUES

Fonte: Elaboração própria. Mesa de Rendas de Itaqui. Listas de Alfândega. Dezembro de 1860 a maio de 1861.

Dos contatos desses agentes com comerciantes da Paróquia como os Figueira surgiriam itens específicos nos setores de têxteis, bebidas e perfumaria, ampliando o acesso das populações a meios diversos de sobrevivência, multiplicando os ramos de atividades e a disponibilidade de artigos nas casas de negócio. A referência a esses mercados sugere que presença da fronteira e dos fluxos através do rio Uruguai, a migração3 de populações, principalmente os europeus, tornaram-se fatores para a dinamização desse espaço, a partir do comércio, favorecendo a interação social dos indivíduos, e a introdução de bens, artigos, serviços e tecnologias4, atendendo a demanda das populações limítrofes. Da presença dos europeus na região limítrofe e em cidades que efetivavam relações comerciais com Itaqui, a historiografia argentina e uruguaia atestam o papel dinamizador desses grupos de estrangeiros ao se dedicarem ao comércio de cabotagem. Ao longo do século XIX, para Barrán (1992) em Salto e Montevidéu se desenvolveria um comércio de trânsito de gêneros de exportação a partir dos fluxos ligando o Rio Grande do Sul e o litoral do que na época se denominava Confederação Argentina. Em Montevidéu, origem e destino de capitas que se reproduziam desde Itaqui, os estrangeiros seriam 48% da população, destacando italianos, franceses e ingleses, ligados ao desenvolvimento dos fluxos mercantis entre as cidades próximas. A atuação desses grupos se tornaria vital para arregimentar um comércio baseado no grande acúmulo de artigos manufaturados vindos da Europa. No tocante a Confederação Argentina e as províncias interiores de Corrientes e Entre Ríos, Schmit (2008) determina que os fluxos de europeus, seriam fatores determinantes para

3 SCHMIT, Roberto. Historia del Capitalismo Agrario Pampeano. Los Límites del progreso: expansión rural em los orígenes del capitalismo rioplatense. Entre Ríos 1852-1872. : Siglo XXI, 2008. 4 Nesse caso atribuí-se a presença do vapor Uruguai na constituição dos fluxos mercantis. 680

a dinamização dos fluxos e trocas mercantis. Outro autor que se dedica ao estudo desses fluxos é Chiaramonte (1991) quando destaca que as trocas dos países do continente com o exterior tinham nos rios sua principal via de circulação, com participação das novas populações migrantes da Europa, instaladas nesses espaços. Logo, as cidades da fronteira oeste ficariam impedidas de manter contato com artigos e bens especializados que entravam por cidades como Pelotas ou Rio Grande, em virtude da precariedade dos contatos terrestres, fizeram do estuário do prata uma opção para o acesso a bens, capitais e artigos especializados, que entravam por Buenos Aires e Montevidéu. Essas relações atrairiam interesses econômicos aos fluxos que se desenvolviam entre os vários portos da região, desde Itaqui em suas ligações com a Federación, Constitución, Restauración, Salto e Monte Caseros. Esses portos e cidades em ambos os lados do rio Uruguai5, em virtude de um comércio ativo de itens como sabão, erva-mate, aguardente, bolachas, fumo, arroz (FOLETTO, 2003), ampliariam os interesses dos sujeitos fronteiriços em comerciar com os portos e negociantes do espaço Platino. Partindo para a caracterização do espaço fronteiriço, favorável aos fluxos econômicos, Grimson (2003) salienta que a presença em uma região de fronteira, favorecia a atuação dos indivíduos e grupos ligados às atividades comerciais efetivar estratégias privadas de acumulação de poder e riquezas, a base de mecanismos específicos de exploração econômica. A partir dos testemunhos de viajantes6, identifica-se que as cidades da fronteira oeste tinham na presença dos rios importantes condicionantes ao cotidiano das populações, viabilizando a formação de intensas redes de comércio, de madeiras, couros, erva-mate e manufaturados (ARSÈNE ISABELLE, 1983), em constantes fluxos e contra-fluxos de embarcações. Esse complexo portuário também contemplava Buenos Aires, e os múltiplos mercados de fabricação de sabão, sebo, velas, chocolates e carroças, itens disputados por comerciantes7 e negociantes8, estrangeiros e nacionais, que dinamizavam os mercados, alicerçando a formação de fluxos entre Entre Rios, Santa Fé, Corrientes, até o Império do Brasil e o Estado Oriental, direta ou indiretamente. Algumas casas comerciais como a do portuguez, José Antônio Figueira9, ajudam a pensar o aspecto de diversificação de estratégias empregues na atividade mercantil, apresentando uma grande quantidade e variedade de bens, tornando-se um dos parâmetros para se pensar a constituição de tal comércio. A partir da casa comercial dos Figueira percebemos que Itaqui permitiu uma nova organização das atividades mercantis, em função da presença do rio Uruguai e da fronteira aberta, que incidiu sobre a variação dos itens em cada casa de comércio, onde a diferenciação das atividades se torna bem mais complexa, em função das relações com os fluxos de um intenso comércio de cabotagem. Então, a casa do português Figueira, dedicada a comercialização de artigos de perfumaria, roupas, sapatos, móveis, obras e compêndios de doutrina, mantendo atividades no atacado e

5 RODRIGUES, M. A. de L. A Paróquia de Itaqui e os mercados às margens do rio Uruguai. III Reunião do Comitê História, Regiões e fronteiras da AUGM. UFSM, 2012. 6 SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Rio Grande do Sul. 2. ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997. ISABELLE, Arsène. Viagem ao Rio Grande do Sul (1833-1834). Porto Alegre: Martins Livreiro, 1983 7 Atividade representada pelo Invdo: João Rivaldo, invte: Rebustiana Rivaldo. Inventários Post-Mortem. Auto: 231, maço: 8, ano: 1874. APERGS. Porto Alegre. 8 Representado por Venâncio Pinto Carneiro dito no auto negociante. Inventários Post-Mortem. Auto: 211, maço: 7, ano:1871. APERGS. Porto Alegre. 9 Inventários Post-Mortem. auto: 186, Maço: 6. Ano: 1870. APERGS. 680 681

varejo revela uma das características desses mercadores de fronteira, a diversificação de suas bases de atuação. Contando com um número ampliado de agentes, as populações de outros espaços veriam no Prata uma nova opção para promover novos fluxos e oportunidades de se reproduzir.

CONCLUSÃO

Percebe-se a partir das duas dinâmicas uma reorientação de atividades e uma fronteira marítima para uma região onde as relações se proliferam devido a presença de uma fronteira fluvial e a proliferação dos diversos contatos com outras nacionalidades, dentre as quais franceses e ingleses. Estes beneficiados pelos processos políticos, fiscais e econômicos deslocariam para a região platina seus mecanismos de reprodução atraindo num segundo momento fluxos de populações em busca de novas atividades para manter-se economicamente. O acesso a bens especializados, de luxo, que entrariam pelos portos de Buenos Aires e Montevidéu e manteriam fluxos de artigos e mercadorias a preços menores, proliferando-se através de portos oficiais e secundários suas atividades. Além dos benefícios as populações pelo acesso aos bens, aos capitais de companhias e associações mobilizariam mercados, dividiria atividades e criaria uma multiplicidade de novas atividades em áreas que poderiam contar com um porto. Talvez esses benefícios atraíssem os interesses de homens como Domingos ao manter relações com agentes que se mantinham na Banda Oriental, parentes de Bernardina criando redes e fluxos desde Pelotas ligando-se aos movimentos permitidos pelo rio Uruguai. Em Itaqui a presença do rio permitiu às populações o acesso a itens diversos e especializados e o desenvolvimento de atividades complexas baseadas na produção de itens como as embarcações. A união entre artesanato especializado, grandes adensamentos populacionais, mobilidades de capitais de empresas sediadas em Montevidéu, Salto, Entre Ríos parecem ter se tornado marcas dos fluxos orientados para a dinâmica mercantil.

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