Ficha Técnica

Título original: His Banana Título: A Banana Dele Autor: Penelope Bloom Tradução: Paula Caetano Revisão: Domingas Cruz ISBN: 9789897801006

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Esta edição segue a grafia do novo acordo ortográfico.

Penelope Bloom

A BANANA DELE

Tradução Paula Caetano

1

NATASHA

riei um tipo de arte de chegar atrasada. As gafes infelizes eram o meu C pincel e de Nova Iorque era a minha tela. A dada altura, não fui trabalhar porque julguei que ganhara a lotaria. Afinal, os números que tinha visto eram da semana anterior. No caminho para o local onde iria receber o prémio, enviei uma mensagem escrita ao meu chefe. Disse-lhe que nunca teria de assistir a uma reunião que poderia ter sido um simples email no meu fantástico iate onde homens bonitos e bronzeados estariam a dar-me uvas à boca. Infelizmente, o meu chefe imprimiu a mensagem e afixou-a no escritório, e a única coisa que me foi dada à boca nessa noite foram pipocas velhas… por mim mesma. Noutra altura, vi o filme Marley e Eu na véspera de um dia de trabalho e não consegui parar de chorar a tempo de ficar com um aspeto apresentável. Apanhei os comboios errados, passei meia hora à procura da chave do carro que não tinha e até faltei a um jantar com a minha melhor amiga porque o meu cão estava a ter um esgotamento. É verdade. Não me orgulhava da situação, mas eu era uma espécie de catástrofe ambulante. Para ser sincera, era mais do que isso: eu atraía o caos. Se houvesse um botão no qual não se devesse carregar em circunstância alguma, uma jarra de valor incalculável, um velhote à beira de um ataque cardíaco ou qualquer outra coisa que pudesse dar origem a um incidente, eu era a última pessoa que quereriam ter por perto. No entanto, era uma excelente jornalista e o facto de ainda ter emprego comprovava-o. É claro que os temas beras que quase sempre me calhavam serviam também para me recordar de que me encontrava, sem apelo nem agravo, na lista negra. É difícil progredir quando temos tendência a dar tiros no pé, por melhores que sejam os nossos artigos. – Acorda – disse eu, dando um toque com o pé nas costelas do meu irmão. O Braeden grunhiu e virou-se. Ia fazer trinta anos na semana seguinte e ainda vivia em casa dos nossos pais. A única coisa que eles pediam era que o Braeden ajudasse nas tarefas domésticas. É claro que ele nunca o fazia, pelo que de vez em quando eles ameaçavam pô-lo na rua. Então, o Braeden passava uma ou duas noites no meu exíguo apartamento, até os ânimos acalmarem, e a seguir deixava-me em paz. Se eu era uma desgraça em termos funcionais, o meu irmão era-o do ponto de vista disfuncional. Tinha o mesmo ADN de autossabotagem, mas faltava- lhe a perseverança necessária para corrigir os seus erros. De tudo isto, resultava um homem de vinte e nove anos, cujo hobby principal era jogar Pokémon Go no telemóvel e que, por vezes, fazia uns biscates como «agente sanitário», o que, na verdade, consistia em recolher lixo na cidade a troco do salário mínimo. – O Sol ainda nem sequer nasceu – resmungou ele. – Sim, mas os teus dois dias de graça chegaram ao fim, B. Quero que faças as pazes com a mãe e o pai, para eu voltar a ter a minha caixa de sapatos só para mim. – Logo veremos. Há um Pokémon que quero apanhar enquanto estou no centro da cidade. Talvez me vá embora depois de o caçar. Vesti o casaco e calcei sapatos de cores diferentes – um castanho-escuro e um azul-marinho, porque não tinha tempo para continuar a procurar – e rastejei pelo patamar. A senhoria era minha vizinha da frente e nunca perdia uma oportunidade de me dizer quanto é que eu lhe devia. Eu até pagava a renda. Acabava por pagá-la. Os meus artigos sobre temas desinteressantes não eram propriamente os mais bem pagos na revista, pelo que, por vezes, havia outras despesas que tinham prioridade como, por exemplo, a conta da eletricidade. Se me sentia com espírito aventureiro, até comprava comida. Os meus pais não eram ricos, mas eram professores e ganhavam o suficiente para me emprestarem algum dinheiro se eu estivesse numa situação desesperada. Não era que eu fosse demasiado orgulhosa para lhes pedir, mas não queria preocupá-los, pelo que obriguei o Braeden a jurar que não lhes falaria do parco conteúdo do meu frigorífico e da minha despensa. De qualquer modo, a minha situação iria melhorar em breve e, como tal, era escusado empolar a questão. A vida em Nova Iorque não era barata, mas eu não a trocaria por nada deste mundo. Se havia uma cidade solidária com o meu tipo de caos tão próprio era esta. Com as ruas apinhadas a qualquer hora do dia, eu conseguia sempre passar despercebida por mais mal arranjada que estivesse ou calçasse sapatos desirmanados. Gostava da minha viagem até ao emprego, mesmo nos dias em que estava atrasadíssima e sabia que iria levar um raspanete quando lá chegasse. O escritório onde eu trabalhava era muito básico, para não dizer pior. As secretárias eram de aglomerado de madeira pintado de cinzento, com a tinta a descascar. As paredes eram finas, pelo que deixavam passar os sons de quase tudo o que se passava no exterior. Uma grande parte dos computadores eram antiquados e enormes, com monitores que pesavam cerca de quinze quilos e eram do tamanho de um bebé obeso. A imprensa escrita estava a morrer uma morte feia e o meu local de trabalho era um exemplo disso. As únicas pessoas que continuavam a exercer a atividade ou eram demasiado românticas e estúpidas, ou gostavam demasiado da profissão. Eu gostava de pensar que tinha um pouco de ambas. Assim que cheguei, o Hank saiu disparado do seu «gabinete» – uma secretária igual à nossa, mas que ficava no canto do espaço partilhado por todos. Era o nosso editor-chefe e, provavelmente, a única pessoa com quem alguma vez lidei diretamente. Havia também o Sr. Weinstead, mas ele não queria saber de minudências. Apenas se certificava de que tínhamos quem fizesse publicidade na nossa revista e de que alguém pagava a renda da nossa pequena fatia de arranha- céus à qual chamávamos «escritório». Enquanto o Hank se aproximava, a Candace, a minha melhor amiga, que estava sentada à secretária dela, agitava os braços e abria-me muito os olhos. Calculei que estivesse a tentar avisar-me, mas não sabia o que é que ela achava que eu poderia fazer se o Hank me incumbisse de mais um trabalho da treta. Ele agarrou-me, como costumava fazer. Tinha umas sobrancelhas espessas que se assemelhavam estranhamente ao seu bigode, e isto criava um efeito perturbador, pois parecia que tinha uma terceira sobrancelha por cima do lábio ou dois bigodes por cima dos olhos. Eu ficava sempre na dúvida. Tinha já as têmporas grisalhas, mas conservava a energia nervosa de um jovem. – Hoje chegaste a horas? – ladrou ele. A pergunta era quase uma acusação, como se estivesse a tentar perceber qual era o meu ponto de vista. – Sim? – arrisquei. – Ainda bem. Talvez não te despeça já. – Desde que comecei a trabalhar aqui que ameaças despedir-me. E já lá vai quanto tempo? Três anos? Admite que não suportas a ideia de perder a minha pessoa ou o meu talento. A Candace, que estava a ouvir tudo, meteu o dedo na boca e fingiu vomitar. Tentei não lhe sorrir, pois sabia que o Hank farejava uma brincadeira à distância, como se fosse um cão de caça e faria tudo para estragá-la. Os bigodes – ou as sobrancelhas – do Hank descaíram, com uma expressão de aborrecimento. – A única coisa que admito é que me agrada ter alguém para quem posso despachar os trabalhos em que mais ninguém pega. Aliás, por falar nisso... – Deixa-me adivinhar... Vais mandar-me entrevistar o dono de uma empresa de transporte de lixo. Não, espera aí... Talvez seja antes o tipo que tem aquela firma que apanha cocó de cão à frente da tua casa a troco de um pequeno pagamento mensal. Acertei? – Não – grunhiu o Hank. – Vais representar o papel de estagiária na Galleon Enterprises. São uma... – Uma grande empresa de marketing, eu sei – repliquei. – Ainda que só me dês trabalhos beras para fazer, quer acredites ou não, mantenho-me informada sobre o mundo dos negócios – acrescentei, com uma pontinha de orgulho. E era verdade. Na revista, podiam gozar comigo e eu podia ser alvo de chacota e, por vezes, até era mais fácil ir na onda. Mas, na realidade, eu era jornalista e levava a sério o meu trabalho. Lia editoriais, estava sempre a par do comportamento do mercado de ações para detetar empresas promissoras e, para me manter atualizada, até seguia vários blogues sobre jornalismo e escrita. – Vais fazer tudo o que for preciso para descobrir vícios do Bruce Chamberson. – Que tipo de vícios? – perguntei. – Se eu soubesse, achas que te mandaria para lá? – Hank... Isso soa-me a um trabalho tão interessante que até me parece suspeito. É algum tipo de brincadeira que não estou a perceber? Por uma vez, a sua expressão severa suavizou-se ligeiramente. – Estou a dar-te uma oportunidade de provares que não és um desastre. Para que conste, estou à espera de que falhes redondamente. Contraí os maxilares. – Não vou desiludir-te. O Hank ficou a olhar para mim com cara de parvo durante alguns minutos até eu me dar conta de que ele acabara de dizer que estava à espera de que eu falhasse. – Percebes o que quis dizer – grunhi antes de me encaminhar para a secretária da Candace. Ela inclinou-se para a frente, com um grande sorriso. Tinha mais ou menos a mesma idade que eu. Cerca de vinte e cinco anos ou talvez um pouco mais nova. Conhecêramo-nos dois anos antes, quando eu começara a trabalhar para o Hank e para a revista Business Insights. A Candace usava o cabelo loiro cortado à rapaz, mas tinha uma cara gira que aguentava aquele tipo de penteado e uns olhos azuis enormes. – A Galleon Enterprises? – perguntou ela. – Está na lista da Fortune das 500 maiores empresas, sabias? – Achas que posso fazer chichi nas cuecas agora ou é melhor esperar que não haja ninguém a ver? – repliquei. A Candace encolheu os ombros. – Se fizeres chichi em cima da secretária do Jackson, eu protejo-te. Acho que ele anda a roubar os meus iogurtes do frigorífico. – Não sou a tua arma biológica, Candace. – A Galleon Enterprises... – disse ela, pensativa e quase tristemente. – Já viste fotografias dos administradores, o Bruce Chamberson e o irmão, certo? – É suposto? – Só se fores apreciadora de gémeos tão giros que até nos põem húmidas. – Pois... Bem... Acho que se ficas húmida com tipos giros, talvez seja melhor tratares do problema. – Só estou a avisar-te. É melhor comprares cuecas impermeáveis antes de começares a trabalhar lá. Franzi o sobrolho. – Por favor, diz-me que isso não existe. A Candace inclinou a cabeça para a frente, com uma expressão incrédula. – Ora, Nat! O que é que achas que as astronautas usam? Como sempre, depois da minha conversa com a Candace, fiquei estupefacta, confusa e um pouco perturbada. Mas gostava dela. Eu não tinha tempo para ter amigos no sentido tradicional do termo – como as séries de comédia nos levam a crer que as pessoas têm. Se virmos uns quantos episódios, ficamos a achar que um adulto passa 90 a 95 por cento da sua vida a conviver com ou a trabalhar. Para não referir que o trabalho é apenas um cenário diferente para também estar com os amigos. Talvez eu fosse um caso único, mas a minha vida era mais do género de cinco por cento para os amigos, sessenta por cento para o trabalho e trinta e cinco por cento para as preocupações com o trabalho. Ah, e dez por cento para dormir. Sim, sei que isto soma mais de cem por cento, mas não me ralo. A questão é que a minha vida não era uma série de comédia. Era feita de muita solidão com uma dose saudável de receio de ficar sem teto ou, pior, ser obrigada a mudar-me para outra cidade e desistir do meu sonho. E ainda pior do que tudo isto era a possibilidade assustadora de me tornar como o Braeden e regressar ao meu quarto em casa dos meus pais, com marcas de adesivo nas paredes onde tinham estado colados os meus pósteres dos One Direction e do Crepúsculo. A Candace era uma pequena parte da vida que eu queria e era alguém com quem gostaria de passar mais tempo, pelo que aceitava bem o facto de ficar confusa sempre que conversava com ela. Quando voltei para a minha secretária, comecei a interiorizar o trabalho que me fora atribuído. A Candace podia gozar à vontade, mas, ao fim de dois anos, eu tinha finalmente uma oportunidade de provar o meu valor. Eu era capaz de escrever um artigo espantoso. Poderia provar que merecia os trabalhos mais interessantes – os trabalhos mais bem pagos. Desta vez, não iria fazer asneira.

2

BRUCE

á um lugar para tudo e tudo tem o seu lugar. Este era o meu lema. O Hmeu mantra. Começava o meu dia às cinco e trinta em ponto. Não fazia repetir o toque do despertador. Corria oito quilómetros, passava vinte minutos certos no ginásio, voltava a apanhar o elevador para subir até ao meu apartamento no último andar do edifício e tomava um duche frio. O meu pequeno-almoço consistia em dois ovos inteiros, três claras, uma taça de aveia e uma mão- cheia de amêndoas, que comia uma a uma no fim. Deixara a roupa preparada de véspera. Um fato preto feito por medida, uma camisa cinzenta e uma gravata vermelha. Gostava de ordem. Gostava de organização. Eram as bases do meu modelo de negócio e os dois principais fatores que me tinham levado ao êxito. Para se ser bem-sucedido, a fórmula é simples: há que identificar os passos necessários para alcançar um objetivo e, depois, seguir esses passos. Quase toda a gente consegue estabelecer os passos, mas nem todos possuem autodisciplina e controlo para conseguir segui-los à risca. Eu consegui. Há três meses, terminei um relacionamento amoroso, cujo fim foi desagradável e complicado e, ultimamente, tem sido mais fácil concentrar-me na rotina. Talvez estivesse a tornar-me demasiado dependente dela, mas, muito sinceramente, não me importava. Tinha todo o gosto em afundar-me no trabalho se isso me ajudasse a esquecer. Estava disposto a afastar-me de toda a gente só para não voltar a sentir aquela dor. O meu motorista vinha buscar-me às sete em ponto, para me levar ao escritório, que ficava num edifício de dezoito pisos no centro da cidade. O meu gémeo e eu tínhamo-lo comprado cinco anos antes, um piso de cada vez. Inicialmente, quiséramos trabalhar em Nova Iorque. Demorámos um ano a consegui-lo. A seguir, quisemos alugar um espaço no antigo edifício Greenridge, uma construção monolítica moderna de granito e vidro, no centro da baixa da cidade. Isto levou dois meses. Por fim, quisemos comprar todo o edifício, o que demorou cinco anos. Mas conseguíramos. Peguei no telemóvel e liguei ao William, o meu irmão. Ele atendeu, com a voz rouca de sono: – Que porra...? – grunhiu. Senti a minha pulsação a acelerar. Exteriormente, éramos iguais, mas tínhamos uma personalidade completamente diferente. O William ia para a cama com uma mulher diferente todas as semanas. Acordava sempre tarde e chegava tarde ao trabalho. Aparecia com marcas de batom no pescoço e nos lóbulos das orelhas ou com a camisa toda desfraldada. Se ele fosse outra pessoa, tê-lo-ia despedido no momento em que o conheci. Infelizmente, era meu irmão. Infelizmente também, tinha a mesma queda que eu para os negócios e, apesar da sua falta de profissionalismo, era uma peça fundamental para a Galleon Enterprises. – Preciso de ti no escritório – disse-lhe. – Hoje vamos escolher os estagiários para a cena da publicidade. Seguiu-se um longo silêncio, suficientemente longo para eu perceber que ele não fazia a mínima ideia de que é que eu estava a falar. – Os estagiários que sugeriste que arranjássemos e que vão absorver tudo o que lhes mostrarmos e cuspir para os média toda a nossa treta incrustada de diamantes... Presumo que não te lembres de ter dito nada disto. O William grunhiu e pareceu-me ouvir a voz suave de uma mulher. – Neste momento, não me lembro disso. Depois de injetar a porra de uma tonelada de cafeína nas veias, talvez se me faça luz. – Vem já para o escritório. Não vou passar a manhã a entrevistar os teus estagiários.

Eram quase horas de almoço e eu passara toda a manhã a entrevistar estagiários. Olhei para o relógio. Era o tipo de relógio que usam os Navy Seals, o que significa que eu podia mergulhar com ele até cento e vinte e cinco metros de profundidade. Eu não sabia ao certo quando precisaria de mergulhar subitamente no mar, mas sempre me sentira mais tranquilo por saber que estava preparado para qualquer eventualidade com a qual a vida me confrontasse. Tinha sempre duas mudas de roupa – uma formal e outra informal – no escritório e no carro da empresa. Falara com a minha nutricionista para me certificar de que a minha alimentação era tão equilibrada quanto possível, para não sentir falta de energia ou letargia durante o dia de trabalho. Tinha, até, um outro telemóvel com um backup de todos os meus contactos e informação, para o caso de acontecer algo de inesperado ao meu. Estava preparado para todas as eventualidades. Não haveria surpresas, nem contratempos. E, acima de tudo, eu nunca cometia duas vezes o mesmo erro. Nunca. Uma das adendas mais recentes ao meu princípio de evitar repetir erros era não me envolver num relacionamento. Não valia o esforço. Poderia deixar de lado assuntos mais complicados como, por exemplo, mulheres e compromissos, e ficar-me pelos mais simples. E, por falar em coisas simples, havia uma banana com o meu nome escrito – literalmente – na copa. É claro que poderia guardá-la na minha secretária, mas preferia ter um pretexto para me levantar e caminhar um pouco antes do almoço, o que me dava também uma oportunidade de interagir com os meus colaboradores. Habitualmente, as conversas com colaboradores resumiam-se a ouvi-los darem-me graxa, mas eu sabia que era bom para o moral conviver com eles uma vez por outra. As pessoas trabalham melhor para alguém de quem gostam. Despedi-me da sexta estagiária que entrevistara durante a manhã e levantei- me para a acompanhar até à porta do meu gabinete. Tal como os estagiários anteriores, ela acabara de sair da faculdade, estava de olhos esbugalhados e aterrorizada. Eu não esperava outra coisa, mas não sabia ao certo como é que o William tencionava avaliar os candidatos. Ele queria gente que fosse capaz de assimilar toda a nossa atividade, da maneira mais positiva possível, porque, depois de os estagiários já estarem suficientemente informados, ele iria marcar uma série de entrevistas com os média. O William disse que seria uma operação gratuita de divulgação precisamente antes de abrirmos uma nova sucursal em Pittsburg. Um dos princípios da publicidade que levávamos muito a sério era a ideia de apostar em várias frentes. Não queríamos que os nossos clientes gastassem todo o seu dinheiro em anúncios na televisão ou na rádio. Puxámos pela criatividade e o facto de usarmos estagiários para nos publicitarmos quase gratuitamente a nós próprios era mais uma vertente da nossa estratégia. Mais do que o aspeto financeiro, era a aposta que nos entusiasmava, e ambos adorávamos desafios. Pensar fora da caixa. Agir mais rapidamente. Arriscar mais. Esta era mais uma oportunidade de mostrar a potenciais clientes os métodos inovadores e criativos que usávamos para promover a nossa atividade. No fim de contas, se quisermos que os melhores clientes nos paguem para os promovermos, é bom que sejamos especialistas em promover-nos a nós próprios. O William e eu sempre geríramos bem a personalidade de cada um. Ele incentivava-me a arriscar mais nos negócios e eu punha-lhe um travão quando ele era demasiado ousado. Sentei-me novamente à secretária e bebi o resto da minha água. Lembrei-me da banana que estava à minha espera e o meu estômago deu sinal. Havia muito pouco açúcar na minha alimentação e, com o tempo, as bananas tinham-se tornado o ponto alto da minha vida gastronómica. Eu tinha a noção de que isto era ridículo, pelo que nunca o confessaria a ninguém, mas a banana que eu comia antes do almoço era muitas vezes a parte melhor do meu dia. O William dizia que os colaboradores que tinham medo de mim não entravam na copa se a banana ainda lá estivesse, e aqueles que queriam lamber-me as botas ficavam à minha espera perto dela, como se se tratasse de um isco. A decoração do escritório era simples e moderna. O William e eu contratámos um designer externo e não olhámos às despesas. Ter um espaço decorado de modo simples e agradável era mais do que um luxo: era um modelo de negócio. Não queríamos que fosse apenas a concorrência a achar que éramos os melhores: queríamos que os nossos colaboradores sentissem o mesmo. As pessoas trabalham de modo diferente quando sentem que são as melhores e querem continuar a sê-lo. A copa era um retângulo de vidro que dava para um pátio coberto, no qual havia todos os tipos de flores de interior que conseguimos encontrar. Em cada piso do edifício trabalhavam por turnos cerca de oitenta pessoas, e eu sempre fora rápido a fixar rostos e nomes. Assim, como não reconheci a rapariga que vestia uma saia travada azul- marinho e uma blusa branca, percebi logo que era uma das estagiárias. Tinha o cabelo preso num rabo-de-cavalo, mas prendera mal uma madeixa de cabelo, que esvoaçava ao sabor da ventilação vinda do teto e que me chamou a atenção. Era bonita, tinha uns olhos castanho-avelã expressivos, uma boca que parecia costumar abrir-se em sorrisos marotos e respostas rápidas, e um corpo do qual se percebia que ela cuidava. No entanto, nada disto interessava. O que interessava era o que ela tinha na mão: algo meio comido, com o meu nome escrito a marcador. Viam-se apenas as letras «BRU» cuidadosamente escritas a sair de debaixo da casca aberta da banana. Estavam mais quatro pessoas na copa. Todas elas tinham visto o que a rapariga tinha na mão e haviam-se afastado para um dos cantos do espaço. Olhavam-na como se ela segurasse uma granada sem espoleta, enquanto se esforçavam por sair dali, como se nada fosse, antes da explosão que sabiam que estava prestes a acontecer. Foi então que a rapariga reparou em mim. Os seus olhos esbugalharam-se um pouco e reteve a respiração, o que fez com que um pedaço de banana lhe ficasse preso na garganta. Começou a tossir e a engasgar-se. Fiquei danado. Ela devia ser uma estagiária e tivera o raio da ousadia de tocar na minha banana? Para comê-la? Por isso, quando me aproximei dela e lhe dei umas palmadas nas costas para a ajudar a engolir o que ela tinha entalado na garganta, bati-lhe com um pouco mais de força do que pretendia. A rapariga grunhiu, tossiu e engoliu. As suas faces ficaram carmesim enquanto me olhava de cima a baixo. Deixou-se cair numa cadeira, perto da mesa grande que havia no centro da copa, tentando recuperar o fôlego. – Sabe quem eu sou? – perguntei, quando me pareceu que ela já recuperara totalmente do engasgo com a minha banana. A minha garganta estava tensa de fúria e indignação. Ela era uma pequena injeção de confusão na minha vida, uma sabotagem da minha rotina. Todos os meus instintos naturais me gritavam para que a eliminasse o mais rapidamente possível da minha vida, do mesmo modo que um organismo saudável atacaria um vírus. – É o Bruce Chamberson – respondeu ela. A banana meio comida estava ao lado dela. Mostrei-lhe o meu dedo antes de o usar para esticar a casca do fruto, para que ela conseguisse ler todo o nome que lá estava escrito. A rapariga ficou boquiaberta. – Peço imensa desculpa, Senhor Chamberson. Esqueci-me de trazer o meu almoço e não vi o seu nome quando peguei nela. Julguei que era para os colaboradores ou... – Uma só banana? – perguntei, secamente. – Achou que a Galleon Enterprises oferecia aos colaboradores uma única e solitária banana? Ela ficou calada, engoliu em seco e, a seguir, abanou a cabeça. – Oh, meu Deus – disse, afundando-se na cadeira como se lhe tivessem sugado todo o ar. – Tenho um pressentimento de que, depois disto, não vou conseguir o estágio. – O seu pressentimento está errado. Está contratada. A sua primeira tarefa será comprar-me uma banana, todos os dias, e levá-la ao meu gabinete até às dez e trinta, o mais tardar. Esforcei-me por não revelar a minha própria surpresa. Que raio estava eu a fazer? Ela era atraente e não apenas de um modo em que eu reparasse casualmente. Mexia comigo. Desde que rompera com a Valerie que não sentia uma pontinha de desejo sexual, mas esta estagiária estava a alterar rapidamente a situação. Eu não tinha apenas alguma curiosidade em saber como ela ficaria com aquela saia levantada até às ancas; queria saber se ela era calma ou fogosa na cama, se cravaria as unhas nas minhas costas ou se se ofereceria a mim como um prémio. No entanto, ao mesmo tempo, queria erradicá-la da minha vida tão depressa quanto fosse humanamente possível. Ela era tudo o que eu andava a tentar evitar. Tudo o que eu não queria. Franziu o sobrolho, confusa. – Estou contratada? – perguntou. Pus de lado todas as minhas dúvidas. Disse-lhe que estava contratada diante de todos os que se encontravam na copa e não estava disposto a dar parte de fraco diante deles. Tinha de manter o controlo da situação. – Não fique tão satisfeita consigo própria. Se gostasse de si, teria corrido consigo daqui. Vai desejar nunca ter tocado na minha banana, estagiária. Disso pode ter a certeza.

3

NATASHA

eixei a água correr sobre o meu corpo, no duche, não me importando Dque estivesse quente ao ponto de me queimar. Isto ajudava-me a esquecer a minha última gafe, que talvez tivesse sido a maior da minha vida. Queria muito brilhar aos olhos do Hank e, agora, nem sequer sabia como iria conseguir descobrir algo de minimamente interessante sobre o Bruce Chamberson. Tentar que me contratassem fora claramente um grande desafio que eu não sabia se seria capaz de vencer, mas o desfecho da situação não podia ter sido pior. A parte mais difícil fora não desatar a rir como uma miúda sempre que ele mencionava «a sua banana». Era tão ridículo. O tipo parecia um top model com gelo nas veias. Parecia ter o sobrolho naturalmente carregado e os olhos sempre semicerrados, como se esperasse lançar-nos um olhar capaz de nos transformar em vapor. Os meus joelhos quase fraquejaram quando ele entrou na copa. É óbvio que eu tivera o cuidado de o pesquisar e cuscar no Google, mas as fotografias que encontrara não lhe faziam justiça. Ele tinha a estatura perfeita. Não era um pau de virar tripas esquisito como alguns jogadores de basquetebol. Possuía um corpo perfeitamente proporcionado e um porte tremendamente másculo. O fato feito por medida revelava que era musculado, mas não demasiado. Embora eu ainda não tivesse conhecido o seu irmão, e por mais incrível que fosse, supostamente eram gémeos. Não me haviam pedido para procurar os «vícios» do William Chamberson, mas apenas do Bruce. O William era uma ponte que eu não tivera de atravessar. Mas o Bruce... O Bruce era uma ponte na qual eu achava que queria permanecer, ainda que tivesse a sensação de que ela poderia virar-se a qualquer momento e lançar-me para a morte. E a cara dele. Oh, meu Deus. Se ele não me tivesse trespassado de um lado ao outro com o olhar, provavelmente ter-me-ia derretido aos pés dele como um monte de papa quente. Só o meu instinto de sobrevivência mantivera a minha boca a funcionar. O perfil dos seus maxilares era fino ao ponto de podermos cortar-nos nele, os seus olhos pareciam carvão azul em brasa e a boca era demasiado sensual e gulosa para uma pessoa aparentemente tão severa. Parecia um robô enfurecido. Um robô sexual enfurecido. E era tão apetecível que nem sequer nos importaríamos se apenas emitisse apitos e zumbidos. Soltei um longo e forte suspiro e enxaguei o resto do amaciador do cabelo. A seguir, sequei-me e comecei a arranjar-me para sair. Tinha de ser pontual. Era o meu primeiro dia na Galleon Enterprises e algo me dizia que um homem como o Bruce Chamberson não admitia falhas nem atrasos. Contudo, não conseguia parar de pensar na vivacidade do seu olhar quando me dissera que eu iria arrepender-me de ter tocado na sua banana. Embora estivesse a ameaçar-me, estava também a gracejar comigo e, por mais que me esforçasse, não conseguia convencer-me de que este comportamento se coadunasse com o de um robô insensível. Uma coisa era certa: ele não era apenas o que parecia à primeira vista.

Estava atrasada. Fizera o possível por ser pontual, incluindo planear apanhar o comboio que me faria chegar meia hora mais cedo à Galleon. Na noite anterior, até expulsara o Braeden do meu apartamento e enviara um SMS aos meus pais, para tentar garantir que ele não voltaria para minha casa ao fim de poucas horas. É claro que eu não contabilizara tempo para a diarreia explosiva que o Charlie, o meu buldogue francês, decidiu espalhar por todo o apartamento. O Charlie fazia cocó quando estava nervoso e, sendo um cão muito empático, acho que sentiu o meu nervosismo e bombardeou toda a casa numa espécie de ato de solidariedade canina. Quando saí do elevador no último andar da Galleon, estava atrasada sete minutos. Segundo os meus padrões, não era muito grave. O Bruce encontrava-se diante do elevador e, pelo seu olhar furibundo, fiquei a perceber que os seus padrões eram mais rígidos do que os meus. – Está atrasada – disse ele, num tom de voz inexpressivo. – Peço desculpa, mas o meu cão... – Não estou interessado nas suas desculpas. O tempo será descontado no seu salário. Arqueei uma sobrancelha. – Sou estagiária. Não recebo salário. Ele contraiu os maxilares e semicerrou os olhos. Ups! Há alguém que não gosta que o contradigam. – Para o meu gabinete. Já. Virou-me as costas e disparou, não me deixando alternativa senão segui-lo com o estômago apertado. A minha língua comprida pusera-me em maus lençóis com o Bruce quando lhe comera a banana e, a avaliar pela sua postura rígida e o seu passo rápido, a minha língua voltara a esticar-se. Algures entre o momento da banana e aquela manhã, uma pequena semente atrevida e maliciosa implantara-se na minha mente, pelo que eu tinha de estar constantemente a afastar do pensamento imagens do Bruce a trancar-se comigo no gabinete, para poder deitar-me no colo e dar-me umas palmadas no traseiro. Isto era ridículo, até porque eu nem sequer apreciava esse tipo de coisas. É verdade que, se tivéssemos de dar o título de um filme à minha experiência de sexo solitário, o mais adequado seria Velocidade Furiosa. No entanto, o título mais correto teria sido Velocidade Sem Pica, mas duvido de que alguém em Hollywood concordasse com isso. Esforcei-me para não pôr a mão diante dos olhos enquanto me encaminhava para o gabinete do Bruce. Uma vez, quando ainda conduzia, mandaram-me parar por excesso de velocidade e lembro-me de me sentir mortificada com os olhares que as pessoas me lançaram. Tal como agora, todas elas tinham estampado no rosto: Ainda bem que és tu, palerma! Mas aqui, a situação era pior. Muito pior. Não era só o meu orgulho que seguia pelas ruas da amargura enquanto eu ia atrás do Bruce como um cachorrinho triste que tivesse levado um ralhete, mas também a possibilidade de fazer boa figura perante o Hank. Todos os colaboradores da Galleon poderiam ser uma fonte de informações e, se me considerassem um zero à esquerda, haveria poucas hipóteses de me contarem algo de interessante. Se não fosse despedida, iria ficar a trabalhar ali durante as próximas semanas. Talvez durante os próximos meses. O tempo que fosse necessário para descobrir os vícios do Bruce. E, para ser sincera, eu estava cada vez mais ansiosa por conhecê-los. Não queria limitar-me a saber se ele era um vigarista. O que eu queria saber era o motivo por que ele se esforçava tanto por convencer toda a gente de que era irrepreensível. E queria saber também por que razão é que alguém da Business Insights suspeitava de que o Bruce estava metido em algo de suspeito. À primeira vista, não parecia ter qualquer característica de quem se envolve em negócios escuros. O Bruce fechou a porta do gabinete, encaminhou-se para os estores e fechou-os, para que ficássemos isolados do resto do escritório. – Não preciso de lhe lembrar o quão importante é a pontualidade, certo? – perguntou ele. Fiquei de pé, parada, enquanto ele se dirigia para a sua secretária. Retirou de lá uma caixa pequena, envelopes e uma folha de papel, que colocou sobre a secretária, diante de mim. Oh, meu Deus. Esta é a parte da minha fantasia em que ele pega num chicote e eu lhe digo que não aprecio essas cenas. Mas, ainda assim, ele deita-me no colo e diz-me que fui uma menina muito, muito malcomportada. Fechei os olhos com força, desejando conseguir parar de ser uma idiota pelo menos por uma vez e por uma fração de segundo. – É muito importante – respondi, engolindo em seco – e isto não irá repetir- se. Provavelmente. Nunca se sabe o que pode acontecer, mas, a partir de hoje, vou fazer o possível por chegar a horas todos os dias. – Isso mesmo, pois vou ser extremamente claro consigo, Natasha Flores. Ignorei a onda de calor que senti ao ouvi-lo dizer o meu nome. Calculei que, entretanto, ele tivesse dado uma vista de olhos pelo curriculum vitae que eu enviara, pois nunca mencionara o meu nome durante o incidente com a banana nem depois dele. – Não sou um homem simpático e a Natasha não está aqui porque eu quero ser seu amigo ou ir para a cama consigo – acrescentou casualmente, como se fosse uma possibilidade perfeitamente aceitável, mas que ele tinha de tirar de cima da mesa. – A Natasha está aqui porque não gosto de si e porque vou adorar fazer com que se demita. – Se me der uma oportunidade, posso ser verdadeiramente encantadora – repliquei. Tinha um nó tão grande na garganta que fiquei surpreendida por a minha voz não ter soado como um apito. Embora ele tivesse dito explicitamente que não estava a tentar levar-me para a cama, o facto de o ouvir verbalizá-lo pareceu fazer com que a fantasia que pulava na minha mente se tornasse ainda mais concreta. Não se tratava de uma fantasia romântica. Era uma coisa puramente física e eu desafiaria qualquer mulher a olhar para o Bruce Chamberson sem ter pensamentos pecaminosos. Eu não sentia mais nada por ele. Era só uma questão de química e de hormonas. Ele olhou-me de alto a baixo, sem deter o olhar em nenhum dos sítios que seria de esperar. – Diga-me uma coisa, estagiária... E como é que tenciona encantar-me? Será com a sua ética profissional? Com a sua tendência para pegar nas coisas dos outros e metê-las na boca? Ou estará a pensar que vai seduzir-me? Fiquei rígida. Não conseguia formar uma opinião concreta sobre ele. Num momento, parecia-me uma pessoa fria e vazia. No momento seguinte, tinha a certeza absoluta de que ele estava a provocar-me e, além disso, a adorar fazê- lo. – Não sabia que os robôs podiam ser seduzidos – respondi. – Tem a certeza de que não há uma alavanca no seu painel de comandos que eu possa acionar? O olhar que me lançou não tinha nada de robótico. Arrependi-me da minha resposta, mas não havia maneira de voltar atrás. As minhas palavras ficaram a pairar no silêncio que se instalou entre nós, para que eu ficasse a olhar para elas sem poder fazer nada. – A Natasha é uma aberração – disse ele simplesmente e ignorando a minha provocação. – A minha capacidade para lidar com aberrações é um dos motivos do meu sucesso. – Isso parece-me ofensivo. Penso eu. – Ótimo. É bom que pense. Agora... – disse ele asperamente, como se a nossa conversa tivesse tido um desfecho claro e preciso. – ... Este é o seu telefone de trabalho. – Entregou-me um telemóvel, que parecia estar já configurado. – A sua palavra-passe é «BANANA», e não, não pode alterá-la. Este telefone é tão meu quanto seu, pelo que deve pensar duas vezes antes de o usar para enviar mensagens de teor sexual. Ele estava a meter-se comigo. Eu tinha a certeza disso. Sempre que começava a convencer-me de que, naquela cabeça linda de morrer, havia apenas mecanismos e circuitos, ele revelava um bocadinho de humanidade, e não me agradava nada o meu crescente interesse por isso. Afinal, eu era jornalista e não estava certa de alguma vez me ter deparado com um mistério tão atrativo como o Bruce Chamberson. A minha teoria era a de que, na verdade, se tratava de um homem normal, mas que se retraía perante toda a gente. Eu só precisava de descobrir se o verdadeiro Bruce se expunha apenas quando estava comigo ou se também não conseguia evitá-lo quando estava com outras pessoas. – E isto? Para que é? – perguntei, apontando para os envelopes e o papel. Ele levantou a pala de um dos envelopes e mostrou-me uma mica compartimentada cheia de cartões de crédito, uma espécie de manual de instruções e um conjunto de chaves de carro. A outra mica continha um passaporte com a minha fotografia, sabe-se lá como, pois eu nunca tirara um passaporte. – São algumas das «ferramentas» de que irá precisar para realizar as suas tarefas enquanto minha estagiária. As chaves do carro da empresa, que irá usar para ser minha motorista particular. Cartões de crédito para despesas de representação, jantares com clientes ou viagens pagas pela Galleon. Terá de participar em todos estes eventos. Quanto ao telemóvel, servirá para que eu possa contactá-la a qualquer hora do dia ou da noite. Deverá tê-lo sempre consigo. Só eu tenho o número. É a minha linha direta para comunicar consigo. Senti que as minhas narinas se dilatavam, o que só acontece quando fico furiosa ao ponto de dar uma cabeçada a alguém em vez de me limitar a um tabefe. O facto de ser pecaminosamente sensual não lhe dava o direito de me tratar como se eu fosse uma escrava. – Tem consciência de que as tarefas habituais de um estagiário não se resumem a tirar fotocópias, assistir a reuniões ou fazer café para todos os colaboradores, certo? Vi-me obrigada a cerrar os lábios para não dizer que tinha outro emprego. E, tecnicamente, tinha. Precisava de tempo para apontar e organizar toda a informação que recolhesse ali e prepará-la para o artigo que acabaria por escrever. Pelo andar da carruagem, ele não tencionava deixar-me um minuto livre, e isto não iria facilitar-me a vida. – Não me interessa, nem nunca me interessou o que é o normal. Esta empresa é excecional e é dirigida por pessoas excecionais. Se vai fazer parte dela, independentemente do seu cargo, conto que seja tão incansável como todos nós. – Deixe-me adivinhar... O facto de não receber um salário não diminui em nada essas expetativas sobre-humanas, pois não? – Exatamente. Já está a aprender. No fim de contas, a Natasha talvez não seja um caso perdido.

4

BRUCE

Oprimeiro dia da estagiária foi, para mim, um exercício de autocontrolo. Todos os meus instintos me gritavam para me livrar dela. Era um desastre ambulante. Entornou-me café na camisa, o que me obrigou a usar uma das mudas de roupa sobressalentes. Para ser sincero, fiquei convencido de que uma só muda de roupa não seria suficiente enquanto tivesse aquela mulher a cirandar na minha vida. Amolgou o carro da empresa quando estava a tirá-lo da garagem, pois guinou de repente para não esmagar «um gafanhoto enorme», embora eu vivesse em Nova Iorque praticamente desde sempre e nunca tivesse visto um gafanhoto. Como se tudo isto não bastasse, a banana que me levou não estava suficientemente madura. Antes da hora de almoço, a estagiária já provocara mais confusões na minha vida do que eu tivera ao longo de todo o ano anterior. A minha tensão arterial disparou e comecei a questionar-me seriamente sobre os motivos que me levavam a mantê-la na empresa. Contra todo o bom senso, ela atraía-me. O seu cabelo castanho-noz combinava com os olhos cor de avelã e a pele morena. Tinha também um modo de inclinar o queixo em direção ao peito quando eu a assoberbava com trabalho, o que fazia com que os seus olhos grandes parecessem ainda maiores e travessos quando era obrigada a olhar para mim. A sua boca inclinava-se para um dos lados, como se achasse piada ao facto de me irritar. O raio da mulher ia acabar por me fazer perder a cabeça. – Estás, tipo... bem? Virei-me de repente, pronto a pregar um murro na pessoa que acabara de entrar na copa. Tinha ainda na mão a casca da banana, que era mais verde do que amarela. Era o meu irmão. Suspirei. O William era a última pessoa com quem eu queria falar quando estava à beira de um ataque de nervos. Não queria sequer vê-lo à minha frente. O seu cabelo estava sempre despenteado e tinha sempre o rosto com barba de alguns dias. Raramente usava gravata, preferindo usar alguns botões da camisa desapertados, para conseguir mexer o pescoço mais facilmente e, assim, detetar as mulheres que estavam suficientemente esfomeadas para serem o seu próximo caso de uma só noite. Olhar para ele fazia-me ansiar por um pente e dava-me a sensação de estar a ver-me ao espelho, se eu não tivesse tendências obsessivo-compulsivas e uma dose elevada de perfeccionismo. Ele era eu em total desalinho. A definição de um canhão descontrolado. Acima de tudo, ele era o que eu poderia ter sido se não tivesse havido uma Valerie na minha vida. À exceção do cabelo absurdamente despenteado. Deitei a casca de banana no lixo. – Sim, estou, «tipo», bem. O William cruzou os braços, olhando-me com uma expressão divertida. – Então, porque é que parece que alguém cagou em cima do teu pudim de banana? E desde quando comes bananas que não sejam perfeitamente amarelas? Essa parecia mais um pepino. – Desde a chegada da estagiária do diabo. Fora um erro achar que ela seria capaz de arranjar uma banana decente, um erro que eu não iria repetir. – Presumo que seja estúpido perguntar por que motivo não a mandas embora? – Presumes bem. Não posso mandá-la embora. Por enquanto. – Compreendo. – O William coçou a testa, cético. – É boazona? Lancei-lhe um olhar sofrido. – Estás a brincar? Tens consciência de que só somos parecidos por fora, certo? Há um de nós que consegue manter a pila dentro das calças. Pelo menos, no trabalho. – Ei! Não sou eu quem tira a pila para fora das calças no trabalho. Aquelas mulheres é que eram muito insistentes. Além disso, sei que não te opões a molhar a sopa. Houve aquela fulana... Porra, como é que ela se chamava? – Valerie. Tentei que a voz não me saísse rouca. Em tempos, talvez eu tivesse realmente sentido algo de mais profundo por ela. Agora, havia apenas a sensação de perda, não porque ela se fora embora, mas porque eu abdicara de uma parte de mim que desejaria ter de volta. – Isso – disse o William. – Que cabra doida varrida! Sabes que cheguei a pensar em incriminá-la por um pequeno delito e oferecer-te isso como presente de aniversário? Obviamente, não seria por algo de muito grave, mas achei que umas noites na cadeia lhe fariam bem. – Por favor, diz-me que estás a brincar. – Claro que sim – disse ele, de um modo que percebi logo que era mesmo a sério. – Tenho de admitir que já não a gramava antes de ela te trair, pelo que podes imaginar o que sinto por ela agora, certo? – gracejou, dando-me um murro no ombro como se fosse tudo uma brincadeira. – E, depois, houve aquela fase em que não te escapou nenhuma das secretárias, lembras-te? – perguntou, com um sorriso de orelha a orelha. – A sério, só comias mulheres que usassem calças e blazer ou saias travadas para vir trabalhar. Comecei a achar que tinhas um fetiche. Inspirei devagar e controladamente pelo nariz. O William conseguia sempre levar qualquer conversa para o tema do sexo e nunca tivera problema algum em falar da minha vida sexual. – Sim, tive alguns relacionamentos. E não, não tenho um fetiche. Com aquilo que eu já diagnosticara como uma falta crónica de sentido de oportunidade, a estagiária entrou na copa, vacilando. Literalmente. Ficou com um dos saltos preso na alcatifa e quase voltou a entornar café em cima de mim. O William olhou para ela e ergueu o sobrolho, avaliando-lhe o corpo e, sem dúvida, reparando na saia travada. Sorriu. – Por falar em fetiches... A Natasha olhou para o William e quase entornou novamente o café. Voltou a olhar para mim e, a seguir, para o William, com uma expressão confusa. Contudo, ela já devia saber que eu tinha um gémeo, pois apercebeu- se da realidade mais rapidamente do que a maioria das pessoas que nos via pela primeira vez. – Gémeos – disse o William. Aproximou-se dela, pousando-lhe a mão na cintura como se ela precisasse de recuperar o equilíbrio. Na verdade, e para ser justo, é provável que precisasse. De acordo com o pouco que eu sabia sobre a estagiária, era natural que se espalhasse ao comprido de vez em quando. – Então, você é o bem-educado? – perguntou ela ao William. – E, sendo assim, o Bruce é o gémeo mau? O William sorriu. – Ei! Podemos contratá-la? Gosto dela. Não admira que te excite. – Sou o que não tem DST – grunhi, ignorando-o tanto quanto possível. O William ergueu as mãos, o que, felizmente, significava que ia parar de a apalpar. – Calma aí, pá. Eu protejo-me sempre. Estou são que nem um pero. – Obrigado – disse eu, asperamente, tirando-lhe o café da mão e esperando que se fosse embora. Não queria que o meu irmão tivesse mais oportunidade de tentar ir para a cama com ela, pois era vivaça, era bonita e, principalmente, ele suspeitava de que eu a queria para mim. Para o William, isso era o mais parecido com um afrodisíaco que a mãe natureza podia oferecer. A estagiária ficou ali parada, continuando a olhar para mim e para ele, como se estivesse à espera que lhe disséssemos que se tratava de uma ilusão ótica. – É assustador – disse ela. – Não. É genético – repliquei. – Não lhe ligue. – O William seguiu-a até ao frigorífico para o qual ela se encaminhou para ir buscar só Deus sabe o quê. – Ele tem um problema crónico. Quando éramos miúdos, os médicos descobriram que ele nascera com um pau de vassoura dentro dele, mas não conseguiam retirá-lo sem o matar. É claro que todos nós tentámos tirar-lho, mas o teimoso nunca quis sair. É por isso que ele é tão rígido. Se pensarmos bem, é uma tragédia. Por vezes, não consigo dormir à noite, a tentar perceber o que se terá desenvolvido primeiro, se o pau de vassoura, se ele. A estagiária tentou esconder um sorriso, ocultando a cabeça atrás da porta do frigorífico, mas eu conseguia ouvir-lhe a respiração entrecortada ao esforçar-se para conter o riso. – Rua – disse eu ao William. Ele encaminhou-se para a porta como se já tencionasse ir-se embora. – Só mais uma coisa... Continue a usar saias travadas. Aposte no visual de secretária. É uma espécie de fetiche para ele e excita-o à séria. O Bruce é como um carro antigo. Tem dificuldade em pegar, mas quando arranca, nada o para. Não desista, miúda. Ela olhou para baixo, alisando os vincos da saia, com as faces escarlates. Há quantas horas é que eu a conhecia e quantas vezes é que ela já corara? Eu nunca o admitiria perante ninguém, mas era bem possível que tivesse uma preferência pelo visual de secretária. E talvez também sempre tivesse gostado de mulheres que coram com facilidade. No entanto, nada disto importava, pois havia uma longa lista de coisas que me desagradavam nela. Era o caos no meio da minha perfeição e a bola de demolição que iria arrasar todas as zonas de conforto que eu passara a vida a construir. Não havia dúvida alguma de que ela era absolutamente tudo o que eu não queria para mim e, contudo, eu ainda não a mandara embora. E sabia que não o faria. Iria mantê-la na empresa até... Até o quê? Passei o resto da tarde a interrogar-me sobre o motivo. De que raio estava eu à espera?

Mais tarde, nessa noite, estava sentado a uma mesa do Seasons 12. Era um restaurante daqueles que tem toalhas brancas, velas e empregados de fato e gravata. No centro da sala, havia um aquário enorme, cheio de animais marinhos exóticos e caros, incluindo um tubarão e uma moreia gigantesca escondida entre um monte de pedras, mas sempre à espreita e com a boca a abrir e a fechar como se estivesse a provar a água. Enquanto observava a moreia, questionei-me, pensativamente, se o cativeiro poderia enlouquecer os peixes. Dentro de uma «caixa» como aquela, um ser humano perderia o juízo em poucas semanas, ou talvez em poucos dias. Lembrei-me de que a Natasha me comparara a um robô. Talvez não estivesse completamente enganada, pelo menos em alguns aspetos. Na verdade, eu sentia ou desejava as mesmas coisas que quase todas as outras pessoas, mas aprendera a controlar-me. Treinara para isso. Acho que tanto o William como eu tínhamos os nossos próprios mecanismos de defesa contra todas as porcarias no meio das quais havíamos crescido. Ele aprendeu a não se ralar com coisa alguma. Eu aprendi a lutar por controlar até as situações mais incontroláveis. Aprendi a agarrar no caos e a pô-lo em ordem. Tudo isto não aconteceu instantaneamente. A vida confrontara-me com quase todo o tipo de situações e, pouco a pouco, fui-me tornando uma pessoa fechada. O problema é que o facto de meter para dentro as coisas que queremos proteger tem a desvantagem de as colocar fora do nosso alcance. Acho que, algures no tempo, me emparedei demasiado e acabei por não ter mais nada para mostrar ao mundo senão a minha competência profissional e um rosto que agrada às mulheres. Isto quase me fazia rir. A Natasha conhecia-me há dois dias e parecia já ter percebido tudo: eu não era mais do que um robô. Os meus pais atrasaram-se dez minutos. A minha mãe estava na casa dos cinquenta. O William e eu herdáramos dela os olhos e as sobrancelhas e, do meu pai, a mandíbula quadrada e os ombros largos. Contudo, só Deus sabe a quem saíramos tão altos, porque os nossos pais não tinham sequer um metro e oitenta. O meu pai tinha um modo de andar que conseguia desrespeitar qualquer tipo de ambiente, com uma espécie de à-vontade impossível de ensinar. Era algo entre o rebolar e o gingar, com a cabeça a rodar constantemente de um lado para o outro e um sorriso azedo nos lábios. Encarava o mundo como se nada o impressionasse, embora o William e eu fôssemos a coisa mais marcante que ele fizera na vida. Ele parecia concordar com esta teoria e era por isso que tínhamos de gramar estes «encontros» mensais, que se resumiam a pouco mais do que pedidos de dinheiro mal disfarçados. Nesta altura da minha vida, aceitar estar com eles era a última réstia de respeito pelo facto de me terem criado. Já pagara com juros tudo o que eventualmente pudesse dever-lhes, mas não conseguia cortar definitivamente o meu relacionamento com eles. Pelo menos, por enquanto. A minha mãe era uma mulher despretensiosa. Tinha um aspeto frágil, uma expressão permanente de surpresa estampada no rosto, e não era sequer capaz de pôr batom como devia ser, pelo que o seu lábio superior parecia sempre torto. – Onde está o teu irmão? – perguntou o meu pai, ao sentar-se. – Não pôde vir. Na verdade, eu dissera ao William para se encontrar comigo num restaurante do outro lado da cidade. A esta altura, ele já devia ter percebido que eu o enganara, mas isso não importava. O palerma estava sempre a dar dinheiro aos nossos pais, sem perceber que só piorava as coisas. A minha mãe lançou um olhar nervoso ao meu pai, pois sabia que seria tão difícil conseguir que eu lhes desse dinheiro como espremer água de uma pedra. – Filho... – disse o meu pai, recostando-se na cadeira e passando a língua pelos lábios, fazendo-me lembrar um réptil –, não queremos dinheiro. Andamos à procura de um sócio. Não me dignei responder. Mantive um olhar frio e um rosto inexpressivo. O meu pai pigarreou, reforçou a sua postura descontraída colocando um braço sobre as costas da cadeira da minha mãe e fez uma espécie de expressão de «vá lá!». – Para ti, são trocos, Bruce. A porra de uns trocos. Será que criei um imbecil egoísta ou a culpa foi da tua mãe? – Já paguei com juros a minha dívida para convosco por me terem criado. – Brucie – disse a minha mãe –, não nos deves nada por te termos criado. Eras o nosso bebé. Só te pedimos ajuda porque estás muito bem na vida. Pensa um bocadinho. Para nós, os trocos que tens no bolso são o primeiro prémio da lotaria. – Um prémio da lotaria que já dei a ambos. Mais do que uma vez. E o que é que fizeram com ele? Perderam-no no jogo, compraram um barco que espatifaram por estarem a cair de bêbados e encheram a cara de silicone. Queres dinheiro para pagarem as multas por conduzirem alcoolizados? Ao ouvirem isto, ambos ficaram tensos. – Estás a armar-te em esperto? – O meu pai inclinou-se para a frente, apoiou os cotovelos em cima da mesa e baixou o tom de voz ao aperceber-se de que estava a atrair a atenção de outros clientes. – Não vou ficar aqui sentado a ouvir-te dizer essas coisas. Mudei-te a porra das fraldas quando te borravas todo, seu durão. – Certo – repliquei. – E agora querem que eu vos mude as vossas? Peguem em parte do dinheiro que o William e eu já vos demos e contratem uma ama- seca. Eu não sou a vossa caixa multibanco. Fiquei surpreendido e mais do que apenas aliviado quando ambos se levantaram e saíram do restaurante, indignados. Eles tinham o seu limite e eu estava satisfeito por, ao longo dos anos, me ter tornado capaz de o descobrir rapidamente. Eu podia recusar participar naquelas «reuniões» de família, mas a verdade é que esperava algo deles, tal como esperava algo da estagiária. O único problema é que também não sabia o que esperava deles. Talvez isto fosse um efeito colateral de estar há tanto tempo sem dar espaço às emoções. Já não conseguia sequer entender-me a mim próprio.

5

NATASHA

cordei bastante mais cedo, para ter tempo de passar pela Business AInsights. O Hank estava sentado à sua secretária, no canto do escritório, de braços cruzados e com aqueles bigodes intimidantes a fazer de sobrancelhas no meio da testa. – Foste contratada? – perguntou. – Isso é bom. Estou impressionado, Nat. Inchei de orgulho. Tanto quanto me lembrava, o Hank sempre me olhara com uma expressão de dó. De certo modo, talvez até apreciasse a minha escrita, mas sempre me tratara como se eu fosse a sua «boa ação». Era aquela que ele não tinha coragem de despedir. Ouvi-lo dizer que estava impressionado teve em mim o efeito de um remédio do qual eu muito precisava, ansiando já por mais. Queria que ele se orgulhasse de mim. Queria deixá-lo banzado com um artigo incrível. – Fui contratada – aquiesci. – Como é que conseguiste? A entrevista correu-te bem? Fiz um gesto de «mais ou menos» com a mão. Ele olhou para mim com uma expressão confusa. – O que interessa é que consegui o lugar, certo? O Hank riu-se. – Claro, Nat. Pensando bem, creio que prefiro não saber como é que conseguiste. Conhecendo-te como te conheço, deve ter sido graças a uma série de coincidências altamente improváveis e quase impossíveis. Sorri, esperando que ele não notasse o rubor que me invadia o rosto. Na verdade, fora graças a eu ter metido na boca a banana dele. – Ainda assim, quis vir avisar-te de que ele quer que eu esteja ao serviço quase vinte e quatro horas por dia, pelo que talvez não possa vir cá muitas vezes. O Hank fez um gesto com a mão. – Então, não venhas. A única coisa que me interessa é um artigo e não me importo que demores meses a consegui-lo. Se lhe descobrires os vícios, receberás o melhor pagamento da tua vida. O Weinstead está disposto a pagar um resgate digno de um rei pelos podres do Bruce Chamberson, pelo que vamos conseguir descobri-los. – Isto é para o Weinstead? – perguntei. – Porque é que ele está tão interessado no assunto? E como é que ele tem tanta certeza de que é o Bruce quem tem vícios e não o gémeo dele? Pelo que soube até agora, o irmão parece ser muito mais suspeito. O Hank encolheu os ombros. – E então? Isto era uma maneira de o Hank dizer «não sei» e que eu sabia que não valia a pena questionar. Ele era o chefe e não gostava de admitir que não estava na posse de toda a informação. Quando ia a sair, parei junto da secretária da Candace. Ela fez-me um sorriso entendido. Eu não fazia ideia do que é que ela julgava saber, mas queria que eu lhe contasse tudo. – Desembucha – disse ela. – Não há nada de especial para dizer. Fui entrevistada e consegui o lugar. Foi tão simples quanto isto. Ambas sabíamos que eu estava a fazer caixinha. Na verdade, eu gostava de provocar a Candace. Ela parecia um cachorrinho irrequieto e dava-me gozo vê-la ficar impaciente quando lhe acenava com alguma coisa que ela queria. A Candace cruzou os braços e lançou-me um olhar mortífero. – Nat, eu conheço-te. Se tentares enganar-me, parto-te os joelhos. Pegou no guarda-chuva e começou a bater-me levemente nos joelhos, fazendo-me saltar para trás e desatar a rir. – Credo! Está bem! – exclamei, arrancando-lhe o guarda-chuva das mãos. Aproximei-me e baixei a voz: – Comi a banana do Bruce Chamberson e não foi no sentido figurado. Comi uma banana amarela, onde ele escrevera o nome dele com um marcador. Obviamente, não vi que o nome dele estava lá escrito ou... Ao reparar na expressão abismada da Candace, calei-me. Ela ficou a olhar para mim durante segundos e, a seguir, desatou à gargalhada. – Desculpa – disse ela –, mas só tu farias uma coisa dessas, pelo que não vou sequer questionar se estás a gozar comigo. É claro que lhe comeste a banana. O que não estou a perceber bem é como conseguiste o lugar por lhe teres dado umas dentadas na banana. – Eu também ainda não percebi. – Ele gostou que a tivesses comido? Se calhar, tem alguma tara e interpretou a coisa de outra maneira, percebes? – A Candace baixou o tom, imitando muito mal uma voz masculina: – Oh, Natasha, esses lábios deixam- me completamente abananado. Um pouco mais rápido e expludo. Oh... Oh... – Candace! – sibilei, sorrindo, mas olhando em redor para me certificar de que ninguém estava a ouvir. – Primeiro, isso foi a pior piada seca que ouvi até hoje. E, segundo, não. Nada disso. Ele não é desses e, se o for, é muito bom ator. Ele parecia querer arrancar-me a cabeça e atirá-la pela janela fora. A Candace arqueou as sobrancelhas e semicerrou os olhos. – Então, é do tipo bárbaro? Que sensual! – É mais do tipo robô. É sensual, mas parece um burrito aquecido no micro-ondas: escaldante por fora e gelado por dentro. – Diz-me que acabaste de comparar um homem a um burrito. Adoro. – Confirmo – disse eu, sorrindo. A Candace suspirou. – Ouve, Nat... Não me interessa que ele seja gelado por dentro. Tens de explorar isso. Esquece o artigo. Esquece tudo. Alguma coisa se passa aí. Tu comes-lhe a banana e ele contrata-te? Aí é que está o busílis. A situação não é transparente. Nem de perto, nem de longe. – Na verdade, ele disse especificamente que queria contratar-me para me castigar. A Candace fez um gesto com as mãos, como se eu tivesse acabado de confirmar a sua teoria. – Vês? O tipo é completamente tortuoso. Ele quer levar-te para a sua masmorra sexual ou coisa parecida. Pensa bem. Tens de ir para a cama com ele, para conseguires que ele se abra contigo. Faz parte do teu trabalho. É uma questão de ética jornalística. Se não fores para a cama com ele, estarás a infringi-la. Ri-me, embora pensar no Bruce e em sexo me causasse afrontamentos. Mas, ao mesmo tempo, pensar no Bruce e num relacionamento não me entusiasmava nem um pouco. – Acho que o detesto... – disse eu. A Candace bufou, o que lhe levantou uma madeixa do cabelo curto. – Não precisas de gostar dele para ir para a cama com ele, sabes? És uma menina crescida. Por vezes, é bom aproveitar as oportunidades. O sexo não tem de ser uma grande expressão de sentimentos. Pode ser apenas um divertimento. Eu não estava assim tão certa disso, mas tive de despedir-me da Candace e sair a correr ao aperceber-me de que estava prestes a chegar novamente atrasada. Esquecera-me de que agora andava de carro. Deixara de deslocar- me de metro, que era um meio de transporte mais ou menos previsível, para passar a ter de enfrentar o trânsito de Nova Iorque.

O bruce estava diante do edifício onde morava e parecia muito irritado. Parei o agora amolgado carro da empresa e fiquei à espera de que ele entrasse. Como não se mexeu, percebi que estava à espera de que eu saísse e lhe abrisse a porta. Meia hora no meio do trânsito para percorrer cinco quilómetros tinha-me deixado demasiado mal-humorada para lhe fazer a vontade, pelo que estiquei o braço para a porta do passageiro e a abri. O Bruce ficou a olhar para a porta, mas acabou por abri-la completamente e entrar no carro. – Não acha que isto é pouco masculino? – perguntei. – Ir no lugar do passageiro enquanto a sua estagiária conduz? Ele lançou-me um olhar gélido. – Não. Pouco à vontade, pigarreei e arranquei. O Bruce respondia-me com tanta hostilidade quando o picava na brincadeira que quase sempre me arrependia de o ter feito, mas não completamente. Era divertido meter-me com ele. Talvez fosse um impulso natural perante alguém aparentemente tão calmo e controlado. Eu queria ver como é que reagia se o provocassem. Ele estava a olhar para o telemóvel, fingindo na perfeição que eu não existia, o que deitava completamente por terra a teoria da Candace de que ele estava interessado em mim. – O que é que está a fazer? – perguntei. Pelo canto do olho, vi que ele me lançou um olhar assassino e decidi concentrar-me na condução em vez de enfrentar aquele gelo escaldante. – Estou a trabalhar. – Oh... – disse eu. – Pareceu-me ver um vídeo de gatos no seu telemóvel. – Tenho cara de quem vê vídeos de gatos? Cerrei os lábios. – Quem é que não vê? Certo? – Eu não vejo. – Hoje, vou enviar-lhe alguns por email. Talvez uns quantos gatos fofinhos o tornem menos amargo. Ele pousou o telefone no colo e virou-se um pouco para ficar de frente para mim. – Você faz isso de propósito? – O que é que eu faço de propósito? – Irritar-me. Não é capaz de conduzir em silêncio, enquanto eu despacho assuntos de trabalho? – Pensei que me obrigava a ser sua motorista para ter companhia. – Pois, mas pensou mal. Lancei-lhe um olhar rápido. Estava novamente concentrado no telemóvel, mas a psicóloga amadora que há em mim disse-me que a sua postura era um pouco defensiva. Estava demasiado hirto e rígido. – Estou a ver. Então, qual é, ao certo, o motivo para eu andar a fazer de sua motorista? – Quero que se demita. – Quer mesmo? – perguntei, cética. – Isso soa pouco convincente, até a mim. Quero dizer... Primeiro, o seu irmão menciona o seu fetiche e, depois, o Bruce contrata-me sem mais nem menos. Há qualquer coisa que... – Já chega – disse ele, em voz baixa. – Não tenho de lhe dar explicações. A Natasha vai trabalhar para mim até decidir demitir-se. Vai fazer o que eu mandar até decidir demitir-se. É tão simples quanto isto. Não tem de perceber o porquê, nem de gostar de o fazer. Na verdade, espero bem que não goste. Cerrei os lábios, mas não disse nada. Entretanto, alguém buzinou e eu seria capaz de jurar sobre a campa da minha avó que o ouvi murmurar: «É para aprenderes a não comer o que não é teu.» Virei-me para olhar para ele e quase choquei com o carro da frente. Foi, então, que voltei a vislumbrar uma pontinha de humanidade sob os mecanismos e os cabos que ele tinha debaixo da sua pele imaculada. – Ter um acidente e matar-nos a ambos livrá-la-ia deste emprego sem precisar de se demitir, mas não me parece uma boa ideia. – Seria quase capaz de dizer que acabou de tentar gracejar, Senhor Robô. O Bruce lançou-me um olhar seco. – E se se concentrasse na condução em vez de tentar conhecer-me? – Acha que é isso que estou a fazer? Tentar conhecê-lo? Pff! Não seja convencido. – Ótimo. Estava com receio de que começasse a fazer-me perguntas sobre os meus traumas de infância ou sobre o terrível acidente que sofri e que me deixou assim atrofiado. – Nada disso me interessa particularmente. Ele encolheu os ombros. – Ainda bem. – Tudo isso são invenções, certo? – perguntei, poucos segundos depois, irritada por não conseguir resistir a morder o anzol. Para meu exaspero, ele manteve a cabeça inclinada para baixo enquanto teclava algo no telemóvel. Até me pareceu ver-lhe o laivo de um sorriso nos lábios. Engoli a fúria durante o resto do caminho até ao escritório e ia fazendo outra amolgadela no carro quando galguei o passeio e quase bati com o para-lamas da frente num sinal de trânsito. Há algum tempo que não conduzia e, apesar do que as pessoas costumam dizer, não é a mesma coisa que andar de bicicleta. No entanto, eu tinha um longo historial de acidentes de bicicleta, pelo que esta teoria talvez fosse verdadeira. A primeira metade do dia de trabalho correu mais ou menos como na véspera. Fui buscar café, sem natas nem açúcar, para o Sr. Robô Sexual. Tive de ir a três mercearias para encontrar uma banana sem uma pontinha de verde nem manchas castanhas. Julgo que nunca o vi tão sério como quando estava a dar-me as especificações sobre a banana. Pelo menos trinta centímetros. Firme. Sem uma beliscadura. Sem uma ponta de verde. Até me obrigou a simular com as mãos o comprimento, para eu me certificar de que era suficientemente grande, mas não em demasia. Parecia mais estar a explicar- me como desarmar uma bomba que estivesse na cave de um infantário. Regressei ao escritório mesmo antes da hora de almoço, com a banana na mão. Pousei-a em cima da secretária dele. Ele pegou nela, virou-a e inspecionou-a de um modo ridículo. Por fim, assentiu com a cabeça. – Mmh... Não é má. A seguir, deitou-a fora e levantou-se da secretária. Boquiaberta e em estado de choque, apontei para o caixote do lixo. – Sabe em quantas lojas tive de entrar por causa dessa parvoíce? – Imagino. Demorou uma hora e dez minutos. Partindo do princípio de que caminhou rapidamente, teve tempo para entrar em três lojas, ou talvez quatro se tiver encontrado logo a secção de frescos. Revirei os olhos. – Essa sua postura de robô não está a ajudar. «Três lojas, talvez quatro se...» – disse eu, esforçando-me por imitar um robô. Contudo, ao ver a expressão dele, calei-me. – Aprecio a precisão – disse ele, um pouco na defensiva, o que era uma novidade. – Gostava de perceber como consegue funcionar no mesmo mundo que eu, no qual nem tudo corre sempre na perfeição. O que é que acontece se o seu comboio se atrasar? Ou se acordar doente? – Arranjo uma maneira de resolver o problema. Se não conseguir, altero algo para me certificar de que estou preparado para essa eventualidade e de que não a cometer o mesmo erro. Ele fazia com que me sentisse uma adolescente, pois só me apetecia revirar os olhos a tudo o que ele dizia. Mas sentia também que tinha as hormonas aos saltos e que estas me obrigavam a reparar que a camisa dele lhe cingia o corpo firme em todos os sítios certos e na forma como as calças lhe assentavam nas pernas. Um robô sexual, lembrei a mim mesma. Era como ficar excitada com um carro desportivo. Era bonito de se ver, mas não havia nada debaixo do capô, a não ser, provavelmente, uns abdominais bem trabalhados e aquilo que eu não conseguia deixar de presumir que seria uma banana perfeita e deliciosa. Havia certas coisas nele, muito ligeiras, que me despertavam a curiosidade. Interroguei-me sobre qual seria a parte da personalidade dele que funcionava como um mecanismo de defesa e qual a parte que era verdadeiramente ele. Mas porque é que ele se escondia? O que é que ele escondia? Não era de surpreender que, por mera curiosidade, o meu impulso natural fosse atirar-me de cabeça contra as paredes atrás das quais ele se escondia. Além disso, eu tinha uma missão a cumprir. Essas paredes talvez ocultassem a mente malévola de um homem de negócios desonesto. – Então... Nunca comete duas vezes os mesmos erros? É por isso que tem a personalidade de uma máquina de lavar? Alguma vez se tramou por ser uma pessoa agradável? O Bruce deteve-se de repente e lançou-me um olhar quase sobressaltado, mas rapidamente recuperou uma expressão impassível. – Nasci assim. – Pois – murmurei, indo atrás dele. – E por que motivo é que deitou fora a banana? Por receio de que estivesse envenenada? Ainda considerei essa possibilidade, mas depois decidi rezar para que se engasgasse com ela. Ele parou, virou a cabeça para olhar para mim e quase me pareceu que estava a reprimir um sorriso divertido. – Deitei-a fora, porque já tenho uma banana com o meu nome, à minha espera na copa. A menos, é claro, que alguma estagiária inconsciente esteja a devorá-la. – Isso acontece-lhe frequentemente? – A Natasha foi a única que não viu o meu nome escrito em letras garrafais na banana, pelo que não é algo que me aconteça frequentemente. Quando entrámos na copa, todos ficaram tensos ao ver o Bruce. Era fácil esquecer o motivo pelo qual eu estava na Galleon, mas, naquele momento, a repórter que havia em mim começou a despertar um pouco. Em breve, teria de fazer um esforço para me afastar do Bruce durante algum tempo, para poder sacar informações aos seus colaboradores. – Senhor Chamberson... – disse uma mulher na casa dos trinta, com um corpo impecável e uma cara bonita. Havia uma ânsia na sua voz que soava a desespero. Cruzei os braços e fiquei à porta a observar, divertida. Estúpida! Mais valia atirares-te a um saco de batatas. O Bruce olhou para ela enquanto pegava na banana e eu reparei que o nome dele estava escrito em letra grande e em todos os lados do fruto, para que ninguém pudesse deixar de reparar nele. De facto, ele evitava mesmo cair duas vezes no mesmo erro. – Espere aí... – disse eu, interrompendo a mulher, que estava a tentar explicar um problema qualquer que havia no sistema e que estava a prejudicar o rendimento do departamento dela. Aquilo soava a um pretexto inventado para que ele fosse pessoalmente até à secretária dela. – Fez-me andar desesperada à caça de uma banana, quando já tinha uma aqui? Ele descascou o fruto e deu-lhe uma dentada, que eu estava quase certa que não pretendia ser sedutora, mas isso fez com que eu sentisse ainda mais depressa uma onda de calor a invadir-me. Ele tinha uns dentes tão bonitos. E aqueles lábios... – Eu tinha de certificar-me de que a Natasha era capaz de arranjar-me uma coisa mais comestível do que o pepino que me trouxe ontem. – Só estava um bocadinho verde. Se lhe pareceu um pepino, está a precisar de ir ao oftalmologista. Eu tinha consciência de que todas pessoas presentes na sala estavam a observar-nos boquiabertas. A única exceção era a mulher bonita, que me lançava o olhar territorial que demorámos séculos a aperfeiçoar. Era um olhar que dizia: «Estás a meter as garras no que é meu, cabra. Se não recuares, vou arrancar-te os olhos.» Fiz um esforço para ignorá-la e concentrei-me no Bruce. Por mais farta que estivesse do comportamento dele, não deixava de ser divertido e empolgante manter a picardia. Todas as trocas de palavras com ele eram uma espécie de desafio verbal que eu ainda não percebera bem, mas que dava por mim a desejar. Ele deu mais uma dentada na banana, mastigando tranquilamente enquanto me fitava e aparentemente indiferente ao facto de todos os outros terem os olhos pregados em nós. Era engraçado verificar como ele parecia estar a deliciar-se com o seu petisco. Enquanto mastigava, os seus olhos brilhavam. Tinha aquela expressão que as pessoas têm quando estão a saborear uma sobremesa gulosa e altamente calórica. – Vamos almoçar com um casal de clientes importantes. Tenha o carro pronto daqui a dez minutos. Comeu o último pedaço de banana e, sem olhar, atirou a casca para o caixote do lixo. – Falhou – disse eu, quando a casca bateu no rebordo do caixote e caiu no chão. – Ainda bem que tenho uma estagiária – replicou ele, por cima do ombro. Baixei-me para apanhar a casca diante de toda a gente, que me observava com um misto de compaixão e divertimento cruel. Foi precisamente neste momento que decidi que iria entrar na batalha. Ele queria fazer-me a vida negra? Queria obrigar-me a demitir-me? Então, era bom que estivesse preparado para a guerra, pois eu iria mostrar-lhe que não tinha receio de ripostar.

O restaurante era requintado. Como vivi bastante perto da pobreza, para mim o que distinguia um restaurante requintado de um normal era o facto de termos de usar camisa e sapatos para lá entrar. Infelizmente, este sítio estava acima desta classificação, pois até a minha indumentária profissional era demasiado simples e vulgar. Toda a gente aparentava ser rica ou importante. Parecia que isso lhes escorria do corpo, desde os dentes cintilantes, que quase me obrigavam a usar óculos escuros, até ao aspeto diferente da pele, que eu sempre achara que os ricos tinham. Somos o que comemos e eu achava que as pessoas ricas comiam coisas tão caras que até a pele delas se tornava diferente. Reparei que o Bruce também tinha uma pele boa. Para um robô. Isto não deveria surpreender-me. Ele era tão furiosamente organizado que, provavelmente, nunca tocara na cara com as mãos sujas, nem nunca tivera os dedos gordurosos. Apeteceu-me atirar-lhe uma batata frita durante o almoço, mas tive o pressentimento de que não deviam servir batatas fritas naquele restaurante. Provavelmente, eu teria de espetar o meu garfo no fígado de um pato e passar uma hora a tentar não vomitar. Ficámos sentados num recanto, um pouco isolado do resto dos clientes. O restaurante não estava cheio, mas todos os empregados se moviam apressadamente, como se estivesse apinhado. – Se calhar, os seus clientes importantes deixaram-no pendurado – disse eu, depois de nos sentarmos. – Chegámos quinze minutos antes da hora marcada. – Pois – disse eu, como se soubesse o que isso era. Um efeito que o Bruce já estava a ter em mim era forçar-me a algo de semelhante a uma vida organizada. Eu continuava a ser um desastre ambulante, mas ele era uma espécie de arnês de segurança. Apesar do modo como ele conseguia ser opressivo e desagradavelmente distante, eu tinha de admitir que me sabia bem sentir que ele era capaz de me proteger do pior que havia em mim. No entanto, eu continuava a querer que o Bruce percebesse o seu erro ao decidir infernizar-me a vida. Ele não ia despedir-me? Ótimo. Isso significava que eu era livre de fazer tudo o que me apetecesse sem me preocupar com o facto de estar a pôr em risco o meu emprego verdadeiro. E, para já, o que eu queria era uma pequena desforra. Os clientes importantes do Bruce só apareceram alguns minutos mais tarde. Pelo que percebi da conversa, eram uma equipa constituída por marido e mulher, que estava a tentar elaborar um plano dispendioso de marketing para um novo ramo do seu negócio de tecnologia. Eu passara toda a minha vida profissional a tentar obter dados confidenciais sobre novos negócios, em revistas e através de terceiros, pelo que estar sentada a uma mesa e receber informação diretamente era um «bombom» para mim. Na verdade, eles não estavam a falar de coisas dignas de notícia. Trouxeram-nos as bebidas e eu servi-me de um pouco de vinho, apesar dos olhares de aviso que o Bruce não parava de me lançar. Aparentemente, ele não queria repreender-me diante dos clientes, pelo que planeei aproveitar-me ao máximo da situação. Enquanto eles falavam sobre as datas da primeira grande ação de promoção, comi pão estaladiço com pasta de caranguejo e bebi um copo de vinho. A seguir, comemos uma espécie de «redução» verde de ervilhas, guarnecida com flores comestíveis. O prato tinha ótimo aspeto e fiquei surpreendida ao descobrir que o sabor também era ótimo. O Bruce mal tocava na comida e apenas bebericara um pouco de vinho. Parecia muito mais focado em certificar-se de que os clientes compreendiam o plano de negócios. – Isso será no dia dezassete – disse o Bruce. – No mês seguinte, lançaremos umas quantas campanhas de divulgação, de orçamento baixo, em vários sites da internet. Quando soubermos quais são os mais vistos, poderemos começar a investir mais. Certifiquem-se de que as vossas atuais infraestruturas estão preparadas para aguentar maior tráfego. O vosso novo site não será a única vertente do vosso negócio a lucrar com isto. Lembrem-se de que estamos a vender a vossa marca. O casal trocou um olhar, com um sorriso nervoso no rosto. Gostavam do que o Bruce estava a dizer-lhes. Gostavam da maneira como ele o dizia. E eu não podia censurá-los por isso. Estar ali sentada ao lado do Bruce fez com que percebesse como ele angariara um dos clientes mais poderosos e influentes. Falava com tanta paixão e confiança do plano de marketing que era impossível pô-lo em causa. Parecia um homem que compreendia o mundo inteiro, e talvez compreendesse. No entanto, pensei eu com uma pontinha de entusiasmo malicioso, eu era a pequena porção do mundo que ele ainda não entendera. – Mmh... – disse eu, bebendo mais um gole de vinho para tentar parecer descontraída. Provavelmente, foi um erro, pois já sentia a cabeça a andar à roda. – Sendo assim, a vossa principal campanha publicitária começa duas semanas antes do lançamento do WeConnect. Esperei pelo efeito das minhas palavras. O Bruce achava-me uma tonta que não dizia nada de jeito, pelo que estava em pulgas para ver a expressão dele quando percebesse que eu tinha um cérebro entre as orelhas. O Bruce parecia estar a usar todo o seu autocontrolo para não me arrancar a cabeça. Não era bem a expressão que eu esperava, mas não deixava de ser gratificante. – O WeConnect? – perguntou a cliente, salvando-me do Bruce por algum tempo. O homem assentiu, olhando pensativamente para a mesa. – É uma startup. Já ouvi falar, mas não me recordo dos pormenores. – Tudo aponta para que se torne um enorme sucesso – disse eu. – É totalmente financiado por crowdfunding e já conseguiu angariar mais de trinta e cinco milhões. Basicamente, consta que o WeConnect vai pegar em tudo o que faz o Facebook, o Instagram e o Twitter e fazer tudo melhor. E vocês estão a falar em fazer-lhes concorrência direta. Ambos olharam para o Bruce, que não tirava os olhos de mim. Tentei não vacilar perante o seu previsível ataque de fúria. Mas, em vez de explodir, ele pareceu ficar a pensar naquilo que eu dissera. Por fim, assentiu com a cabeça, primeiro lentamente e, a seguir, com mais entusiasmo. – Ela tem razão. Caramba. Não percebo como é que isso não nos passou pela cabeça. Durante a meia hora seguinte, fiquei a ouvir o Bruce a ouvir o novo plano do Bruce para ultrapassar a ameaça do WeConnect. Tentei afastar da minha mente a tola sensação de orgulho e o modo como ele dissera que eu tinha razão. Desde o início do estágio que apenas recebera do Bruce olhares furibundos e incrédulos, pelo que isto me parecia um enorme louvor. Apenas do ponto de vista profissional, obviamente. Para eu obter algum tipo de informação confidencial, precisava que ele confiasse em mim. A meio do prato principal, que era lagosta com um simples molho de manteiga, mas o melhor que jamais provara, eu já perdera a conta a quantos copos de vinho bebera. Estava a passar de alegre a bêbada. Era o que eu planeara inicialmente, quando ele me obrigara a ir àquele almoço. Pensei que, se me tornasse embaraçosa, talvez o Bruce parasse de me forçar a andar sempre atrelada a ele. Contudo, agora iria parar de beber e fazer o possível por ficar quieta e calada enquanto o álcool me girava dentro da cabeça. Apercebera-me de que causar-lhe boa impressão era uma atitude mais inteligente do que irritá-lo, mas, infelizmente, eu não conseguia estalar os dedos e ficar sóbria. O empregado de mesa aproximou-se para voltar a encher o meu copo, mas o Bruce levantou uma mão, detendo-o com um gesto subtil. Eu própria quisera fazer o mesmo, mas, por estar bêbada, fiquei ofendida por o Bruce ter a ousadia de me dizer que estava na altura de parar. E estar bêbada também me tornava uma idiota. – Sirva lá isso – disse eu, entaramelando as palavras. Estava muito mais bêbada do que tinha a noção. Chegara ao ponto em que as palavras que me saíam da boca eram tão surpreendentes para mim como para os outros. O empregado ficou com cara de quem só queria um buraco para se esconder. O Bruce continuava a tentar não fazer uma cena – a tentar manter a sua preciosa ordem sobre tudo. – Vá lá, matulão – disse eu. A minha parte sóbria estava encolhida e a tremer algures nas profundezas da minha mente, pois eu sabia que estas palavras não seriam fáceis de esquecer. A minha parte bêbada achou-as hilariantes. – A senhora já bebeu o suficiente – disse o Bruce, forçando o empregado a afastar-se. Afundei-me na minha cadeira, lançando um olhar desafiador ao casal, que entretanto se tinha virado e se esforçava ao máximo por não olhar para mim. Eu já não conseguia raciocinar. A única coisa que queria mesmo era deitar- me e dormir, mas, a seguir, olhei rapidamente para o Bruce. Não precisava de estar bêbada para o achar um espanto. Depois de meia garrafa de vinho, ele parecia-me um anjo cintilante. Senti algo de estúpido e inadequado a ferver dentro de mim e soube que era incapaz de o controlar. Houve uma pausa longa e constrangida, durante a qual todos pareciam estar à espera de alguma coisa. Eu estava demasiado tonta para sequer conseguir perceber do que estariam à espera. Mas, obviamente, isso não me impediu de abrir a boca e dizer a primeira coisa que me veio à cabeça. – Então, Brucie... – disse eu. – Vais ser a sobremesa? É que eu não sei se sou capaz de te partilhar com estes dois.

6

BRUCE

edi desculpa pela quinta vez enquanto acompanhava a Donna e o P Gregory até ao carro. A Natasha estava caída de encontro ao meu ombro e eu estava quase a arrastá-la para fora do restaurante. – Não tem importância. A sério. Nós também já fomos jovens – disse a Donna. O Gregory limitou-se a fazer um sorriso tenso, que me dizia que, aos olhos dele, a Natasha causara bastantes danos na minha reputação e que estes iriam dar-me muito trabalho a consertar. Depois de eles arrancarem, a Natasha endireitou-se um pouco e fitou-me com as pálpebras meio descaídas. – Bem... O almoço foi ótimo. Quer que o leve a casa ou ao escritório? Ela entaramelava as palavras e só conseguia fixar o olhar numa coisa durante poucos segundos. Estava grossa. Que desastre! Que estupidez a minha pensar que conseguiria controlá-la se ela estivesse sempre comigo. Era agora óbvio que subestimara a sua capacidade de gorar os meus planos. Eu podia ligar a alguém para vir buscá-la. O William, por exemplo. Contudo, não estava certo de que o palerma não se pusesse com ideias parvas. Nunca se aproveitaria dela enquanto estivesse a cair de bêbada, mas seria perfeitamente capaz de pô-la a dormir no sofá dele e, na manhã seguinte, atirar-se a ela quando já estivesse sóbria. Ainda que o negasse, até perante mim, eu tinha a certeza de uma coisa: o meu irmão não era a única pessoa que eu queria manter longe da Natasha; na verdade, eu não queria que ninguém se aproximasse dela. Ela era um problema meu. Não ia pedir a alguém do escritório para a levar a casa, pois, embora estivesse a cair de bêbada, era o tipo de mulher pela qual os homens não conseguiam deixar de se apaixonar. Pelo menos, a maioria dos homens. A mim, bastava-me lembrar da Valerie para saber perfeitamente porque não queria nada que se parecesse com um relacionamento e, muito menos, com amor. Puxei-a mais para mim, conduzindo-a até ao carro, que o arrumador do restaurante trouxera até à porta. Deitei-a no banco traseiro e tapei-lhe as pernas com o meu casaco, para não me distrair com a imagem no retrovisor, e sentei-me ao volante. Precisava de ligar para o escritório para saber a morada dela. Quando vi onde ela vivia, estremeci. A Natasha morava num prédio de tijolo, que parecia estar sempre à sombra dos edifícios mais altos que havia em redor. Ficaria muito surpreendido se, a alguma hora do dia, lhe entrasse um pouco de sol pelas janelas. Aquilo recordava-me o meu passado e, por mais que a Natasha fosse um martírio na minha vida, não me agradava que ela vivesse ali. Por fim, arranjei um lugar para estacionar, mas tive de carregar com ela, literalmente, ao longo de dois quarteirões para chegar ao apartamento. O facto de ninguém ter mexido uma palha ao ver-me levá-la ao colo, inconsciente e com o meu casaco enrolado nas pernas, dizia muito sobre o bairro em que ela vivia. A Natasha parecia tão pequenina e frágil nos meus braços que não consegui deixar de sentir uma pontinha de saudade do contacto físico. Tinham passado dois anos desde que rompera com a Valerie, mas a mágoa continuava suficientemente viva para me manter firmemente fiel à promessa que fizera a mim próprio quando tudo terminara. Não queria relacionamentos. Não queria compromissos. E não confiaria em ninguém, a menos que fosse obrigado a isso. Tive de vasculhar desajeitadamente com uma mão na carteira da Natasha, enquanto tentava segurá-la com o meu braço livre e dobrando uma perna e apoiando-a em cima de um joelho. Acabei por encontrar a chave da porta do prédio e a seguir encontrei a porta do apartamento, cujo número ela escrevera estupidamente na chave com um marcador indelével. Não teria ela a noção de que, se perdesse as chaves, um louco qualquer poderia encontrá-las e assaltar- lhe a casa? Claro que não tinha. Se a Natasha tivesse consciência deste tipo de coisas, não seria uma catástrofe ambulante. Antes que eu conseguisse entrar no apartamento, uma mulher que não tinha mais de um metro e meio e, seguramente, menos de setenta anos saiu disparada da porta em frente. – Pfff... – disse ela, apontando o queixo em direção à Natasha e medindo- me de cima a baixo. – Pelos vistos, ela tem dinheiro para se enfrascar, mas não para pagar a renda. – Quanto é que ela lhe deve? – perguntei. Com este tipo de gente, o melhor era ir direto ao assunto. Sabia-o por experiência própria. Vi algo no olhar da mulher que me disse que lhe cheirara a dinheiro e que ela estava a elaborar rapidamente um plano para tentar sacar o máximo possível. – Quatro meses de renda, o que dá... – Franziu o sobrolho, enquanto tentava fazer a conta de cabeça. – Dou-lhe dez minutos para meter um papel com os seus dados, debaixo da porta. E que seja legível. Até amanhã, passar-lhe-ei um cheque no valor do que ela lhe deve. A mulher parecia estar prestes a afirmar que a Natasha lhe devia ainda mais dinheiro, mas eu entrei no apartamento antes que ela tivesse hipótese de o fazer. Não havia dúvida de que eu iria ser alvo de alguma extorsão, mas isso não tinha importância. Um luxo ao qual podemos dar-nos quando somos demasiado ricos é valorizar mais o nosso tempo do que o nosso dinheiro. Se alguns milhares de dólares me poupassem a discutir com aquela mulher, mesmo que fosse durante poucos minutos, o preço a pagar era baixo. O apartamento era um estúdio com uma cozinha minúscula num dos cantos, uma única janela com uma vista maravilhosa para um edifício sujo em frente e uma casa de banho que mal tinha espaço para abrir a porta. A cama da Natasha ficava a poucos passos da porta. A casa estava um caos e, assim que entrei, um buldogue francês ridiculamente gordo investiu na minha direção. Aparentemente, o cão tomara a liberdade de fazer diarreia por todo o lado. E, a avaliar, pelo cheiro, não fora há muito tempo. Tendo o cuidado de não pisar nenhum cocó, deitei cuidadosamente a Natasha em cima da cama. Ajoelhei-me para que o cão me cheirasse a mão. – Não te preocupes. Sou boa pessoa. A tua mamã talvez não concorde, mas isso poderá ser o nosso pequeno segredo. O cão farejou-me cautelosamente a mão. Alguns segundos depois, passei o rigoroso teste de aprovação canina e fui recompensado com uma lambidela húmida no queixo. – Quem é que fez isto? Tu ou ela? – perguntei ao cão, enquanto observava a explosão nojenta de cocó. – Diz-me a verdade. O cão acobardou-se um pouco e foi sentar-se num canto. – Bem me parecia – acrescentei. Arregacei as mangas e passei a meia hora seguinte a limpar caca. Felizmente, o chão era de madeira, pelo que bastou um pouco de detergente, água e toneladas de papel higiénico. Quando acabei, tentei abrir a janela para arejar o espaço. Nesta altura do ano, estava calor lá fora, mas um pouco de calor seria melhor do que aquele cheiro. Não me surpreendeu descobrir que a janela não abria por estar perra. Depois de ter limpado todo o cocó de cão, pude verificar que o apartamento dela estava tão desarrumado como seria de esperar. Ao lado da porta, havia uma pilha de roupa por dobrar, mas que parecia estar lavada. Achei que, provavelmente, absorvera o cheiro do incidente do cão, pelo que precisaria de ser lavada outra vez. Olhei para o relógio. Já era um pouco tarde, mas achei que conseguiria ir a meia dúzia de lojas antes de a Natasha acordar. Detive-me durante alguns segundos a observá-la, maravilhado. Parecia tão inocente enquanto dormia. Era fácil esquecer que aquela era a mesma mulher que, sem dúvida alguma, se embebedara propositadamente para me dar algum tipo de lição. Ela que se usasse à vontade a si própria para me agredir. A Natasha não era uma pessoa subtil e, embora me custasse, tinha de admitir que isso era algo que admirava nela. Talvez porque o seu caráter fosse o oposto do da Valerie. Ou talvez fosse apenas porque ficava adorável quando se esforçava ao máximo por me irritar e só conseguia que eu passasse a gostar mais dela. Quando a convidara para o almoço, estava a contar com uma situação semelhante a esta, mas nunca me passou pela cabeça que a Natasha pudesse revelar-se útil na reunião. No dia seguinte, alguém iria levar nas orelhas por não ter considerado a questão do WeConnect, mas eu ficara surpreendido com o facto de a Natasha saber o suficiente sobre o mundo dos negócios para se ter apercebido do problema. Podia ter sido um acaso, mas apanhou-me desprevenido. Mesmo que nos tivéssemos apercebido da situação algumas semanas mais tarde, quando fizéssemos a revisão final do plano de promoção, eu ficara impressionado. Virei-a de lado e pus-lhe algumas almofadas atrás das costas, para garantir que ela não se punha novamente de barriga para cima e vomitava enquanto dormia. – Toma conta dela, está bem? – disse eu ao cão. – E sai desse canto. Ninguém está chateado contigo. O cão levantou-se alegremente, trotou até à cama, saltou lá para cima e aninhou-se junto às pernas da Natasha. Rosnou-me. – Como? – perguntei. Ele rosnou com mais força, sentou-se e encostou o focinho ridículo à minha cara. Olhei para o tamanho dele e para as pregas de pele. – Ela estraga-te com mimos, não é verdade? Estás à espera de uma guloseima? Se calhar, é por isso que tens problemas intestinais, matulão. Sabes que mais? Vou trazer-te uma cenoura. – Inclinei-me para ele e cocei- lhe o focinho gorducho. – Queres uma cenoura? Confuso, o cão abanou a cauda, mas lambeu-me as mãos. Dei-lhe uma palmadinha cabeça. – Não a deixes morrer. Teoricamente, ela é minha colaboradora e não me apetece ser responsabilizado por isso. Se lhe acontecer alguma coisa, vais ter os meus melhores advogados à perna.

7

NATASHA

cordei com uma daquelas dores de cabeça que nos faz arrepender-nos de Ater nascido. Eu não queria apenas morrer; queria recuar no tempo e impedir os meus pais de me conceberem. Este momento de dramatismo desvaneceu-se depois de eu injetar uma chávena de café no meu organismo e de comer uns ovos mexidos. Estava diante da bancada da cozinha, com uma espécie de névoa a toldar-me a mente e o Charlie não parava de latir à volta dos meus tornozelos. – Esta manhã, não há brincadeira, fofo – disse-lhe. – A mamã está de ressaca. E, então, comecei a lembrar-me, pouco a pouco, de todos os momentos desagradáveis. Vá lá, matulão. Eu tinha tido isto, não tinha? A seguir, quase tive um ataque de pânico ao tentar recordar-me de como fora para casa. Lembrei-me de que o Bruce me levara para fora do restaurante e Oh, meu Deus... Lembrei-me de estar agarrada a ele e a cair de bêbada. Acho que até lhe dei um apertão no traseiro. Só de pensar nisso fiquei com as bochechas a arder. Reparei que o Charlie não tinha feito cocó em lado nenhum e fiquei bastante aliviada. Não tivera qualquer hipótese de vir a casa para o levar à rua, pelo que iria fechar os olhos se ele não conseguisse aguentar a sua pequena bexiga cheia, e tinha a certeza absoluta de que não saíra com ele quando chegara. – Desculpa, companheiro – disse eu, ajoelhando-me para lhe coçar as bochechas. – Depois de arrumar isto, já te levo à rua. Deves estar a rebentar. Vislumbrei uma coisa pelo canto do olho e virei-me para olhar para a cama dele, na qual estava, bem visível, uma cenoura. E parecia verdadeira. Onde raio é que ele fora buscar uma cenoura? Peguei na caixa dos ovos e abri o frigorífico. Coloquei os ovos ao pé do frango e dos vegetais, e, logo a seguir, caí em mim. Frango e vegetais? Pela primeira vez desde que acordara, olhei para o frigorífico com olhos de ver e reparei que estava cheio de comida suficiente para uma semana. No congelador, havia também bastante carne e pão. Fiquei ali, especada e confusa, a olhar para o que seriam bem cerca de duzentos dólares de alimentos. Depois notei que estava tudo perfeitamente organizado, até os frascos de condimentos que eu já devia ter há anos, pois nunca se sabe quando poderemos precisar de molho picante. Todos os frascos de condimentos estavam organizados por cores e tamanhos. Uma olhadela rápida pelo apartamento confirmou-me que alguém arrumara todas as minhas coisas. Até as roupas lavadas que eu deixara no chão estavam agora perfeitamente dobradas e empilhadas diante do meu roupeiro. Reparei que a minha roupa interior também estava nessa pilha. O Bruce. Só podia ter sido o Bruce. Ele devia ter-me levado a casa no dia anterior e o estado do meu apartamento devia ter posto em brasa o circuito de obsessão- compulsão que ele tinha no cérebro. Mas porque é que ele me comprara comida?, e, a avaliar pelo aroma maravilhoso das roupas que ele dobrara, devia tê-las lavado de novo com algum tipo de detergente fino. Peguei no telemóvel que funcionava como uma linha direta entre nós e quase lhe liguei, mas, antes de marcar o número, vi as horas. Eu já estava com uma hora de atraso e ainda nem saíra de casa. Pus a trela ao Charlie, corri pelas escadas a baixo, soltei-o e deixei-o fazer as necessidades no pequeno canteiro de relva diante do prédio. Depois, corri atrás dele pela escada a cima, como se ele fosse uma bola de futebol e eu um jogador avançado da primeira liga. Fiquei muito surpreendida com o facto de a minha senhoria não ter aproveitado a oportunidade para sair disparada de casa e massacrar-me com o assunto da renda, mas também não iria queixar- me disso. Tomei o duche mais rápido de sempre, vesti-me e tentei não corar ao lembrar-me de que o Bruce teria agora uma hipótese em dez de adivinhar a cor das minhas cuecas. Dei um beijinho rápido ao Charlie e corri para a rua. O Bruce conseguira arranjar um ótimo lugar para estacionar mesmo à porta do prédio, e isto foi uma bênção, pois estava com receio de ter de andar à procura do carro. Só quando já estava sentada ao volante é que me lembrei de consultar o telemóvel que o Bruce me dera. Tinha uma mensagem dele. Bruce: Hoje, não preciso de boleia. Encontramo-nos no escritório. Traga a banana. Senti-me aliviada e um pouco confusa. Claramente, fora ele que me pusera na cama, em segurança, no dia anterior, e não havia dúvida de que fora ele e a sua mania da organização que tinham atingido o meu apartamento como um tornado ao contrário. Sentia-me relutante em achar que fora uma questão de gentileza, pois não estava certa de que o Sr. Robô Sexual tivesse a capacidade de ser gentil. Certamente, ele racionalizara a situação, com uma lógica estranha e fria, e concluíra que aquilo era algo que ele tinha de fazer. Talvez tenha pensado que não podia continuar a torturar a sua estagiária, se ela andasse bêbada a vaguear pelas ruas e fosse atropelada, ou se morresse de uma overdose de noodles instantâneos. Toda aquela organização fora compulsiva e não uma tentativa de ser útil. Provavelmente, também arrumava as prateleiras das lojas onde ia fazer compras. Abri a porta do gabinete do Bruce pouco depois das dez da manhã. Até para o meu critério era tarde. Estendi-lhe a banana que comprara no caminho como se fosse uma oferenda de paz. O Bruce levantou-se, pegou nela e, lançando-lhe apenas um olhar fugaz, deitou-a prontamente no lixo. Expirei. Não foi bem um suspiro, mas quase. – Qual era o problema dessa banana? – Chegou tarde. – Então, porque é que me pediu para trazê-la? – Não preciso de ter um motivo, estagiária. – Os seus lábios sensuais pronunciaram a última palavra com um tom lento e deliberadamente mordaz. – Certo. – Tentei manter uma expressão impassível, não querendo dar-lhe a satisfação de me atingir. – Diga-me uma coisa... Hoje, quer o seu café com ou sem cuspidela? – O chef que decida. Soltei um som aborrecido e saí disparada do gabinete para ir fazer-lhe o café. Ele tinha o dom de me recordar que o odiasse quando eu começava a ficar confusa. Seria bem-feito que lhe cuspisse mesmo no café, mas o Bruce parecia estar a desafiar-me a fazê-lo. Contudo, eu não estava disposta a ultrapassar certos limites para o enfurecer, ainda que ele o merecesse. Decidi optar por uma coisa menos nojenta e despejei um pacote de açúcar no café. Juntei também um pouco de leite, esperando que o estupor fosse intolerante à lactose e tivesse de alterar a sua minuciosa agenda com uma ida à casa de banho. Possivelmente, tudo isto era pior do que cuspir-lhe no café, mas eu não conseguia esquecer a expressão subtil de vitória no seu olhar ao deitar fora a banana.

Entrei de novo no seu gabinete, ele estava ao telefone. Estendi-lhe o café e fiquei de pé diante dele, enquanto ele inclinava o pescoço para beber um gole. Ouviu-se um som semelhante ao de uma fuga num cano e, de repente, levei um banho de líquido morno. Olhei para baixo, sem perceber como é que, de repente, a minha blusa e a minha cara tinham ficado cheias de pontinhos castanhos. A seguir, vi a expressão de horror no olhar do Bruce. – Merda – disse ele. Tirou uma mão-cheia de guardanapos de papel de uma gaveta da secretária e começou a enxugar-me a cara e depois a camisa. Ficámos ambos paralisados quando nos apercebemos ao mesmo tempo de que ele estava a pressionar um guardanapo contra o meu peito. Olhei para o Bruce, que estava a olhar meio confuso para a própria mão, mas que tinha uma expressão de desejo claramente estampada no rosto. – Se queria apalpar-me – disse, com a garganta apertada e tensa –, não precisava de ter cuspido café para cima de mim. Ele afastou a mão e, pela primeira vez, sorriu verdadeiramente. Era um sorriso bom. Era o tipo de sorriso que nos derretia o coração e que fazia as mulheres apaixonarem-se. Era um sorriso de quem sabe que fez um disparate, genuíno e tão sensual. E o modo como o seu olhar encontrou o meu, com um brilho quase maroto, foi a cereja no topo do bolo. – – disse ele. – Sim? – perguntei. Franziu-me o sobrolho e a seguir levantou uma mão para esconder o sorriso e riu-se. – Oh! – exclamei. – Sim. Pus açúcar no café para ficar doce. Eu julgara que ele me tinha chamado «doce» e respondera-lhe? Meu Deus! O Bruce manteve aquele sorriso lindo enquanto olhava para mim e pousava o café em cima da mesa. – Então... – disse ele. – É assim que quer que eu a trate? Por «doce» em vez de «estagiária»? Corei até à raiz dos cabelos. Baixei a cabeça, sem saber se havia de rir ou de chorar. – Na verdade, só queria ter um sítio onde me meter e morrer de vergonha. Conhece algum? – Pode meter-se debaixo da minha secretária – respondeu ele. Eu não tinha a certeza se ele estava a namoriscar comigo, mas, a avaliar pelo modo como ficou tenso poucos segundos depois, achei que não fora intencional. – Neste momento, não creio que fosse boa ideia. Iria meter-me em sarilhos. O Bruce arqueou uma sobrancelha. – Em que tipo de sarilhos poderia meter-se debaixo da minha secretária? – Dizem que quando uma estagiária prova a banana do chefe, nunca mais deixa de ansiar por ela. Tentei conter-me para não dizer isto. Tentei mesmo, mas ele dera-me a deixa perfeita para a piada brejeira. O Universo esperava que eu a dissesse. Estava à espera de que ele se risse ou, até, que parecesse dececionado, mas apenas lhe vi o mesmo olhar ardente e intenso de quando estava a pressionar o guardanapo contra o meu peito. Ele deu meio passo em relação a mim e, num momento de loucura, julguei que iria encostar-me à porta e beijar-me. Por um segundo, também de loucura, julguei que queria que ele o fizesse. Pigarreei e estendi o braço ao lado dele para pegar no café. – Vou tratar disto. Peço desculpa – disse rapidamente. A seguir, virei costas e quase corri para a copa. Um minuto depois, encostei-me à parede, na copa, e respirei calmamente enquanto preparava outra chávena de café. Dei um pulo quando vi o Bruce a entrar, mas havia algo de estranho nele. Então fez-se luz. O cabelo despenteado. Nada de gravata. Botões desapertados. Era o William. – Ora aqui está a estagiária pródiga! – exclamou ele, alegremente. – Diga- me uma coisa... O meu irmão deixa-a fazer café para outras pessoas ou quere- a só para ele? – Eu não lhe pertenço – respondi, num tom um pouco mais amargo do que pretendia. – Se quiser, posso fazer-lhe um café. O William assentiu com a cabeça, mas o seu sorriso era demasiado matreiro para o meu gosto. – O que é que lhe aconteceu? Experimentou tomar um duche de café? Toda vestida? – Aparentemente, o seu irmão não gosta do sabor do açúcar. O William semicerrou os olhos, como se não tivesse percebido bem, mas também não estivesse preocupado em perceber. – Então... – disse ele, cruzando os braços e encostando-se à ombreia da porta. – Qual é a sua história? Porque é que o Bruce está tão interessado em si? – Ele comentou alguma coisa? – indaguei, detestando o meu tom esperançoso. O sorriso do William rasgou-se. – Sabe que mais? Esqueça! Já estou a perceber tudo. – Riu-se baixinho. – Por falar nisso, já se apercebeu de que só tem usado saias travadas desde que eu lhe disse que o meu irmão tem um fetiche por elas? É uma estagiária muito marota! Corei até à raiz dos cabelos. Não podia mentir e dizer que se tratava de uma mera coincidência. – O meu guarda-roupa é reduzido. – Pois. Bem, já que não tem qualquer esperança secreta de seduzir o meu irmão, não deve estar interessada em saber qual é o grande ponto fraco dele. Fiz um esforço enorme para não perguntar qual era, mas foi mais forte do que eu. – Qual é? – Banana com gelado. O homem é capaz de vender a alma por bananas e gelado. Fiz uma expressão cética. – Não consigo imaginá-lo a comer gelado. – Acredite ou não, ele não foi sempre assim tão rígido. Uma mulher lixou-o em grande e aquela coisa de «nunca repetir o mesmo erro» fê-lo passar-se. Desde então, tem andado um bocado impossível de aturar. Tenho estado à espera de que isto lhe passe, mas ele ainda não deu sinais de estar a melhorar. – Estou a ver. E o William está a dizer-me qual é a kryptonite do Bruce, na esperança de que eu vá para a cama com ele e o faça descontrair? Tem consciência de que isso é um bocado tortuoso, não tem? – Não há nada de tortuoso no facto de dois adultos praticarem sexo consentido. E não há nada de tortuoso no facto de um homem querer fazer o melhor pelo irmão. Pense no assunto. O Bruce precisa disso. A Natasha estaria a prestar um serviço público a nós os dois. Soltei uma exclamação de nojo. – Mesmo que eu tivesse pensado secretamente em ir para a cama com o Bruce, e não pensei, o William acabou de tornar a coisa tão esquisita que eu nunca seria capaz de o fazer. O William menosprezou as minhas preocupações fazendo um gesto com a mão e aquele seu sorriso fácil. – É desagradável quando alguém nos lê o pensamento. Já percebi. Vou pegar no meu café e deixá-la em paz. Mas não se esqueça. Banana com gelado. Oh, e ele gosta de conversa ordinária. Lembre-se disso. Põe-no louco. Depois de lhe servir o café, o William piscou-me o olho. Fiquei a olhar para a cafeteira durante alguns minutos até arranjar coragem para voltar ao gabinete do Bruce. Não me agradara nada que o William tivesse tanta certeza de que eu estava realmente interessada no Bruce. Eu nunca afastara completamente aquela ideia de adolescente de que o sexo é algo de especial. A maioria das mulheres que conhecia, sobretudo em Nova Iorque, tinha uma abordagem muito mais liberal. Para elas, o sexo era um passatempo divertido. Algo para fazer uma noite, desde que o homem não fosse esquisito nem tivesse doenças. Eu nem sequer sabia ao certo o que me levara a encarar o sexo como uma coisa tão sagrada e mística. Já fora para a cama com alguns homens. Ou melhor, com um homem. Mas tinha visto imensos filmes e ouvido relatos das minhas amigas. Por experiência própria, sabia exatamente qual era a rapidez com que um homem podia atingir o orgasmo e a vergonha profunda e enojada que eu sentira logo a seguir. Perdi a virgindade com um tipo que conheci num site de encontros, depois de as minhas colegas da faculdade me obrigarem a inscrever-me nele. Saímos juntos três vezes e todas as minhas amigas me disseram que, se estivesse tudo a correr bem, o terceiro encontro deveria obrigatoriamente acabar na cama. Sentira-me incomodada com isso. Muito incomodada. O tipo era giro e até nos dávamos bem, mas não me parecera o momento certo. Ainda assim, fui até ao fim. Dos trinta segundos que durou. Pouco tempo depois, acabei com ele, pois parecia que o sexo punha em evidência todos os problemas que iríamos ter. Talvez tenha sido um exagero da minha parte, mas era o que eu sentia e, desde então, a intimidade passou a deixar-me pouco à vontade. E depois apareceu o Bruce. Se o William achava que eu estava realmente a tentar ir para a cama com o tipo, era porque estava muito longe de me conhecer. Se já fora muito complicado para mim imaginar-me a ter sexo com um tipo com quem namorava – um tipo com quem me dava bem, quanto mais com o Bruce... Ir para a cama com ele seria... odioso? Não tinha a certeza disso. Se tal acontecesse, só conseguia imaginar que seria de um modo primário, cru e intenso. Não teria nada a ver com o cenário de prazer romântico e à luz das velas que eu construíra gradualmente como a minha fantasia sexual ideal. No entanto, não conseguia deixar de sentir um arrepio, que rapidamente se transformava numa onda de calor, sempre que imaginava os seus braços firmes como aço, como seria estranhamente agradável ter algum tipo de poder sobre um homem que parecia ter o mundo aos seus pés. Não conseguia deixar de pensar em como seria estranhamente maravilhoso agarrar nele e ver toda a sua força a esvair-se e a passar para mim, tornando-me a comandante da sua vida, mesmo que fosse apenas por um instante. Grunhi alto. Talvez o William não estivesse totalmente enganado, mas não deixava de ser rude e idiota. Afastei estes pensamentos da minha mente. Tinha uma tarefa a cumprir. Sabia que o Bruce já deveria estar a ficar ansioso pelo seu café. Não me surpreenderia que ele soubesse exatamente quanto tempo uma pessoa leva a chegar à copa e quanto tempo leva a fazer uma chávena de café. Provavelmente, seria capaz de me dizer quantos segundos eu demorara a mais. Por mim, ele que pensasse o que quisesse e, se se desse ao trabalho de me perguntar o motivo, dir-lhe-ia que tinha ido à casa de banho. Fiquei mais um minuto a cirandar pela copa. Entretanto, apareceram duas mulheres. – Não faças perguntas sobre a conta Murdoch – disse a mais velha, com um sorriso desanimado. – Se o recordares do assunto, iremos passar o fim de semana aqui fechados até resolvermos o problema. – Ui! – exclamou a outra, enquanto se servia de uma chávena de café. – Provavelmente, tens razão. Foi então que a mulher que se servira de café reparou em mim. Era um pouco mais alta que eu, devia estar na casa dos trinta e tinha um nariz bonito e sardento e o cabelo castanho. – És a nova estagiária do Bruce, não és? – perguntou ela. – Sim – respondi. – Calculo que a novidade já se tenha espalhado. Ela assentiu com a cabeça. – O Bruce nunca escondeu o quanto detesta estagiários e nunca lhe conheci nenhum. Por isso, quando apareceste, toda a gente ficou bastante curiosa. Ela calou-se e percebi que estava à espera que eu explicasse a situação. Percebi também que tanto ela, como quase todos os outros colaboradores, já deviam ter imaginado uma explicação. Deviam achar que eu andava a dormir com ele, ou que ele queria ir para a cama comigo. Gostaria de ter conseguido afastar o desconforto que isto me causava, mas não fui capaz. Todas aquelas pessoas, que eu nem sequer conhecia, estavam prontas a encaixar-me no estereótipo da jovem estagiária trepadora. Isto não deveria surpreender-me. Era mais fácil pensarem o pior de alguém que não conheciam do que darem- se ao trabalho de descobrir a verdade. Esforcei-me por fazer um sorriso educado e rir-me um bocadinho. Pareceu- me a melhor maneira de dar a volta ao assunto sem ter de contar a verdade, que, de qualquer modo, era demasiado ridícula para que alguém acreditasse nela. Ele apanhou-me a comer-lhe a banana e contratou-me para me castigar. – E então? – perguntou ela. Pelos vistos, não iria desistir facilmente. – Vocês os dois andam a...? – Não, não. De todo. – Tentei fazer uma careta, para reforçar que a ideia era completamente disparatada. – De modo nenhum. – Então, têm um relacionamento? – Não – respondi, embora estivesse a chegar rapidamente ao ponto de dizer àquela bisbilhoteira que metesse as perguntas dela onde não brilha o sol e me deixasse em paz. A outra mulher que estava com ela meteu-se na conversa, inclinando-se um pouco. – Se o Bruce Chamberson me quisesse como estagiária só para ir para a cama comigo, eu não recusaria. A mulher da chávena de café soltou uma gargalhada de surpresa. – Stacy! Tu és casada! A Stacy encolheu os ombros. – Se o Michael visse o Bruce, iria perceber. No entanto, para ser sincera, acho que me divertiria mais com o William. A outra mulher assentiu com a cabeça. – Claro! Mas, se quisesses um relacionamento sério, seria melhor apostares no Bruce. O William seria o homem certo se quisesses uma coisa sem compromisso. O Bruce parece-me ser muito possessivo. – Ficou a pensar no que dissera e, a seguir, franziu os olhos e sorriu. – Do tipo homem-urso sensual. A Stacy riu-se e senti que chegara a minha oportunidade de me escapar daquela conversa. – Bem, tenho de voltar para junto do homem-urso – disse eu. As duas mulheres riram-se. – Oh, quem me dera voltar à juventude! – disse a Stacy, quando eu ia a sair da copa, embora fosse poucos anos mais velha que eu. Fiz o possível por me recompor enquanto me encaminhava de novo para o gabinete do Bruce. Era a minha primeira semana ali e já me sentia como se tivesse sido sugada para algo mais agitado e fora do meu controlo do que eu previra. Senti rapidamente que os meus sentimentos estavam a enredar-se no que era, supostamente, um emprego. Aparentemente, a Candace achava que eu era louca por não querer ir para a cama com o Bruce, tal como as mulheres que estavam na copa. Até o irmão do Bruce estava, de certo modo, a dizer-me para dormir com ele. Comecei a acreditar que o Bruce e eu éramos as únicas pessoas na Terra que não queriam que fôssemos para a cama. Mas, para ser sincera comigo mesma, não tinha a certeza de que isto fosse verdade. O olhar do Bruce não me saía da cabeça e não conseguia esquecer-me que o modo como ele me tocara no peito incendiara algo em mim, algo que continuava a arder. Descobrir os vícios do Bruce talvez viesse a ser o menor dos desafios, pois parecia-me que, além disso, teria de arranjar uma maneira de gerir os sentimentos perturbadores que começava a nutrir por ele, e ainda não sabia bem como fazê-lo.

8

BRUCE

Odia estava tão bonito que quase me punha maldisposto. Os pássaros piavam, a relva do campo de golfe estava verde e perfeitamente aparada. Alguém colocara um círculo de pedras a delimitar o lago, no qual vivia um bando de patos, que de vez em quando mergulhavam a cabeça na água para apanhar um pedaço suculento de seja lá o que for que os patos comem. Até o tempo estava agradável. Saí do carrinho de golfe e olhei para a minha caddie, que, para minha grande surpresa, tinha na cabeça o chapéu que eu lhe dissera para usar. – O ferro cinco, por favor. A Natasha olhou para mim como se, em vez de me dar um taco de golfe, preferisse dar-me uma traulitada com ele. – E qual deles é esse, meu amo? – perguntou ela, sarcástica. – O que tem o número cinco. Não admira que eu não lhe pague um salário. Ela retirou o taco do saco e aproximou-se de mim com os olhos em brasa. Tentei não reparar no movimento das suas ancas dentro das calças juvenis de caqui, nem no quanto lhe assentava bem o polo preto, que me dava um vislumbre provocador do seu decote. Ficava absolutamente ridícula com o panamá que eu lhe dissera que tinha de usar para ser minha caddie, mas o chapéu até era engraçado. Nos anos 1950, todos os homens usavam aquele tipo de chapéu. Peguei no taco, sentindo um arrepio de excitação quando os nossos dedos se tocaram. Era estranho. Quanto mais tempo passava com ela, mais desejava afastá-la da minha vida. Há uma semana que trabalhava para mim e eu já perdera a conta ao número de vezes que ela lixara a minha rotina. No entanto, havia uma parte de mim, estranha e confusa, que apreciava o desafio de a fazer entrar nos eixos. Eu devia ter uma faceta protetora que sentia necessidade de a salvar de si própria. Bem-vistas as coisas, já constatara que havia muitas probabilidades de ela cair de umas escadas ou de atravessar uma rua sem olhar. Se a mantinha perto de mim, era mais por querer protegê-la do que por querer continuar o jogo esquisito que estávamos a jogar. – Pode explicar-me outra vez porque é que isto é uma coisa de trabalho? – Sim – respondi. – Está a ver aqueles homens? – Apontei para Alec e Von, que estavam a jogar o buraco anterior ao nosso, a poucas centenas de metros. – São dois empresários suecos que pretendem implantar uma cadeia de restaurante nos Estados Unidos. Consta que querem estar presentes em todo o país no espaço de cinco anos. Quero que se tornem clientes da Galleon e é por isso que venho ao mesmo campo de golfe que eles. Não sou invasivo, mas deixo que me vejam por aqui. Por mera coincidência, claro. Quando todos pararmos de jogar e formos ao bar beber um copo, talvez acabemos por conversar com eles sobre negócios. – E, para conseguir isso, precisava que eu me vestisse como um palhaço? – perguntei. – Quer que seja sincero? Nunca pensei que vestisse as roupas que pedi à Linda para lhe entregar. Já vira muitas vezes a Natasha a ficar corada, mas o vermelho que agora lhe assomara ao rosto talvez fosse o primeiro rubor de fúria que lhe via. Não consegui deixar de sorrir, o que me pareceu estranho. Nunca fora o tipo de pessoa que sorri facilmente ou que acha piada a muita coisa. Pelo menos, depois da Valerie. – Sabe... – disse ela, com um tom enfurecido. – Na empresa, toda a gente acha que estou lá para ser a sua escrava sexual. Vestir-me desta maneira não vai contribuir para calar os rumores. – E então? Assim, nenhum dos meus colaboradores masculinos irá ousar atirar-se a si. – O quê? – perguntou ela. – Nenhum deles pode atirar-se a mim? – Se não quiserem ser despedidos, não. E é bom que não o tenham feito. Ela cruzou os braços sobre o peito, o que, por mero acaso, teve o efeito de juntar os seus dois seios de um modo que me chamou a atenção. – Isso faz parte do meu castigo? Não posso sequer ter a esperança de conhecer alguém enquanto for sua escrava? – Não. Apenas porque trabalha para mim. É minha e não quero que ninguém toque no que me pertence. É tão simples quanto isto. – Sou sua? – perguntou ela, incrédula. – E se eu não quiser ser um troféu empoeirado na sua prateleira? – Nesse caso, pode demitir-se. Entretanto, irá cumprir as minhas regras. – É mesmo um grande estupor, sabia? Contraiu os lábios numa linha zangada, olhou para o meu saco de golfe e, a seguir, entrou no carrinho e arrancou. Fiquei a olhar para ela e quase desatei à gargalhada quando, poucos segundos depois, ela teve de dar meia-volta. Furibunda, desceu do carrinho, meteu a mão na bolsa da frente do meu saco de golfe e retirou de lá as chaves. – Esqueci-me disto – rosnou, com o rosto em brasa. Depois, voltou a entrar no carrinho e foi-se embora. Abanei a cabeça. O raio da mulher conseguia mesmo, e ao mesmo tempo, irritar-me e intrigar-me.

Eram quase nove da noite e eu ainda estava no escritório. Fazia o possível para que a minha vida seguisse um horário rigoroso, mas ficar a trabalhar até tarde era um percalço surpreendentemente insignificante na minha rotina e que não me incomodava. A única questão é que a Natasha também ainda estava no escritório, o que significava que não havia mais ninguém no edifício, a não ser a equipa das limpezas, eu e a estagiária. Eu estava sentado à secretária, a tentar certificar-me de que alinhara os últimos pormenores para uma reunião com um dos nossos maiores clientes, no dia seguinte. Tinha o estômago a dar horas, pois não sabia o que acontecera ao jantar que levara. Estava certo de que o deixara no frigorífico da copa, mas quando fora buscá-lo à minha hora de jantar habitual, meia hora antes, havia desaparecido. A Natasha meteu a cabeça pela porta do gabinete. – Tem consciência de que não estou a fazer nada aqui, certo? Na verdade, nunca me deu algo para fazer, a não ser andar atrás de si e aborrecê-lo, pelo que gostaria de saber se posso ir para casa. Lancei-lhe um olhar sombrio. Ela já me perguntara três vezes se podia ir para casa e eu estava quase a desistir e a deixá-la ir-se embora. Começava a ter dúvidas quanto aos meus motivos para a manter ali e castigá-la. Já tinham passado vários dias desde o incidente com a banana e, para ser totalmente sincero, eu sabia que já a fizera penar mais do que o suficiente para se redimir do que fizera. No entanto, a situação já não era tão simples. Fitei o seu cabelo cor de noz e os seus olhos castanhos, enquanto ela se baloiçava entre portas, tendo apenas a cabeça e os ombros dentro do meu gabinete, como se pensasse que talvez precisasse de bater em retirada rapidamente se as coisas dessem para o torto. – Na verdade, há uma coisa que pode fazer antes de ir para casa – disse eu. – Vou buscar comida chinesa para nós. Foi então que ela entrou no gabinete, esbugalhando os olhos e pondo a mão diante da boca, exagerando uma expressão de surpresa. – O Bruce vai comer comida de take-away? Não tem receio de se transformar numa bola de gordura e de que eu tenha de levá-lo daqui a rebolar? – A minha alimentação ajuda-me a manter a mente alerta. Os nutrientes certos na altura certa mantêm a estabilidade nos níveis de energia e a boa disposição. Ela arqueou uma sobrancelha. – Então, é aí que está o problema. Os seus nutrientes devem estar muito desequilibrados, pois acho que nunca o vi bem-disposto, a não ser quando me apalpou daquela vez. Não conseguia lembrar-me de quando fora a última vez em que corara, mas pareceu-me sentir um pouco de calor a subir-me ao rosto. – Eu não a apalpei. Só tentei limpar-lhe o café da camisa antes que fizesse nódoa. – Pois, e começou pelas minhas mamas. – Era... o que estava mais à mão. Ela soltou uma gargalhada de surpresa e fitou-me com um sorriso maroto. – É verdade o que diz o seu irmão? Sobre o seu fetiche por secretárias? – Nunca tive um fetiche por secretárias. – Usou o pretérito perfeito – assinalou ela. Sorri. – Ouça... Se quer fazer-me perguntas, é melhor ir buscar comida. Rapidamente. Acho que temos cerca de dez minutos até eu só conseguir fazer ruídos de espumar e rosnar. Não aguento bem a fome. – Para sua informação, tenho a certeza de que espumar não faz qualquer ruído. Ela viu a minha expressão e ergueu defensivamente as mãos. – Está bem, pronto. O que quer que lhe traga do restaurante chinês? – O que quiser, desde que traga também pastéis de caranguejo. Há anos que não como nenhum e, neste momento, seria capaz de fazer tudo por um. – Tudo? – perguntou ela, com um laivo de malícia no olhar.

A natasha regressou meia hora depois com dois sacos grandes de papel cheios de comida. Do ponto de vista nutricional, não havia pior. Pensei que, provavelmente, a minha nutricionista teria um ataque se visse aquilo, e eu tinha a certeza de que iria sentir-me pessimamente na manhã seguinte. No entanto, por algum motivo, nada disso me ralava. Talvez fosse por estar esganado de fome ou por ter sido «contagiado» pela Natasha, a catástrofe ambulante. Comecei a retirar os recipientes de dentro dos sacos, à procura dos pastéis de caranguejo, e apercebi-me de que a Natasha estava parada a olhar para mim. – O que é? – perguntei. – Sinto-me como se tivesse de chamar o seu «tratador». Tem a certeza de que está tudo bem? Pousei o saco de papel vegetal cheio de pastéis e encolhi os ombros. – Porque é que não haveria de estar? – Oh... – disse ela, casualmente. – Por nada. Dei uma dentada no pastel e recostei-me na cadeira, sorrindo enquanto mastigava. – Caramba! Estão mesmo bons. Fartava-me de comer isto quando andava na universidade. Em alguns restaurantes, fazem-nos em forma de asa, com uma bolsa de recheio na base e uma cobertura estaladiça na parte de cima. Mas estes são os melhores. Revirei o pastel entre os dedos, mostrando-lhe as quatro pontas de massa estaladiça que sobressaíam da bolsa central de recheio suculento de caranguejo e natas. – Ainda bem que gosta. – Vai comer ou vai ficar aí de pé dessa maneira esquisita? Ela suspirou, sentou-se e abriu o recipiente mais sensaborão de todos. Era apenas arroz branco. Parecia que algo a preocupava, mas eu não tinha a certeza de ser exatamente a pessoa com a qual ela gostaria de desabafar, pelo que decidi apreciar a refeição diante dela, durante alguns minutos, sem fazer conversa. A Natasha acabou por tirar os olhos do arroz, no qual mal tocava. Tinha a testa enrugada. – Porque é que fez tudo o que fez no meu apartamento? – perguntou ela. A pergunta surpreendeu-me. Pousei a espetada de carne que estava a comer. – Não fiz nada. – Não. «Não fazer nada» teria sido usar os seus zilhões de dólares para pedir a alguém que me despejasse em casa. O Bruce foi atencioso. E deu uma cenoura ao meu cão. Sei que lha deu, pelo que nem sequer tente negá-lo. – A cenoura foi o ponto de viragem, ou...? – Não – replicou ela. – Não há um ponto de viragem. Só estou cansada de achar que começo a entendê-lo e, de repente, o Bruce faz algo sem sentido nenhum. Contrata-me para me castigar. Obriga-me, praticamente, a ser sua escrava. Aproveita todas as oportunidades para me humilhar. Mas, depois, também diz piadas brejeiras, namorisca comigo, apalpa-me e teve uma atitude perturbadoramente atenciosa quando apanhei uma bebedeira de caixão à cova. Até consertou a estúpida da janela da minha cozinha, que nunca abriu. – Encolheu os ombros, derrotada. – Estou farta de si. Quero saber se devo odiá-lo ou gostar de si, e não sei para que lado me virar. Recostei-me na cadeira. – Não sabe se há de odiar-me ou gostar de mim – disse eu. – Isso quer dizer que há momentos em que gosta de mim? A Natasha revirou os olhos como costumava fazer. Vindo dela, não era um sinal de falta de respeito ou de imaturidade. Era uma coisa divertida e sensual. Era como se estivéssemos na brincadeira. – Quer dizer, também, que há momentos em que o odeio. Na minha cabeça, começaram a soar sinos de aviso. Já chega. Para. Acaba com isto. Imediatamente. O sistema de segurança que eu demorara dois anos a construir dentro de mim queria fazer tudo para que esta conversa com a Natasha não fosse mais longe, mas ela tinha uma maneira de lhe dar a volta. Ao pé dela, eu não conseguia controlar-me. Nem sempre. – Bem... – disse eu. – Já somos dois. Ela fez um meio-sorriso. – Então, isso quer dizer que há momentos em que gosta de mim? – Sim – respondi. – E, em geral, nos momentos em que isso não faz sentido nenhum. Ela mordeu o lábio. – Só por curiosidade, refira um momento em que tenha gostado de mim. – Quando teve a coragem de mencionar a incompatibilidade de datas com o WeConnect. Quando vestiu aquela roupa ridícula de caddie que lhe pedi que vestisse. Quando me pôs açúcar no café. Quando percebi que ficou excitada quando eu estava a limpar-lhe o café... da camisa. A Natasha baixou os olhos e respirou fundo, um pouco trémula. – E como é que percebeu que eu estava excitada? – Do mesmo modo que percebo agora – respondi. – Quase não respira nem pestaneja. Tem as faces e o peito vermelhos. Está sentada direita como um fuso. Todas as partes do seu corpo estão em alerta máximo. Aposto que está a sentir descargas elétricas na pele. Sem se dar conta, ela esfregou a mão no braço, que estava todo arrepiado e com os pelos eriçados. – Não é nada disso – replicou ela, em voz baixa. – É algo mais parecido com a luz do Sol. Como se houvesse uma luminosidade quente a aquecer-me o corpo todo. Calou-se, olhou para mim e voltou a morder o lábio de um modo que me fez questionar seriamente todas as promessas que fizera a mim próprio quanto a evitar complicações. – E, quando sente esse calor... – disse eu. – O que é que lhe apetece fazer? Ela sorriu. – Quer que seja sincera? Dá-me vontade de comer bananas. Fiquei baralhado com esta resposta absurda. – Como? – perguntei. – Apetece-me uma coisa fria. Como as bananas com gelado que fui buscar depois de ir ao restaurante chinês. Deixei-as na copa e há que chegue para nós os dois.

9

NATASHA

uando tirei do congelador as bananas com gelado, vi o Bruce QChamberson sorrir pela segunda vez desde que o conhecera. Felizmente, as bananas tinham ficado no frio durante apenas vinte minutos, pelo que ainda estavam à temperatura perfeita. Era uma sobremesa gigantesca. Havia duas bananas de cada lado de três bolas de gelado, de chocolate, morango e baunilha. Tudo isto estava coberto com uma camada generosa de natas batidas e o gelado de chocolate estava regado com xarope de chocolate, o de morango com xarope de morango e o de baunilha com caramelo. – Esteve a conversar com o William, não esteve? – Talvez – admiti. O Bruce lançou-me um olhar que teria feito uma freira despir o hábito num abrir e fechar de olhos. Era sexo puro. Fogo puro. – O William contou-me que a última vez que incentivou uma mulher a dar- me banana com gelado, também lhe disse que, com isso, conseguiria saltar- me para a cueca. Isto significa que a Natasha tem esperança de me saltar para a cueca? – Seria uma loucura – respondi rapidamente. – Nunca caberia lá dentro. O Bruce desatou a rir. Tinha uma gargalhada boa. Era uma gargalhada sincera, até contagiosa. Eu sorri e fiquei à espera do que ele iria fazer a seguir. A bola estava do lado dele. Talvez tivesse sido eu a arrastar-nos para este jogo, mas sabia que, de agora em diante, tudo dependia dele, e eu estava contente por isso. Não estava ainda bem certa de como queria que a situação evoluísse. A única coisa que sabia era que não valia a pena combater a atração que sentia por ele. Talvez pudéssemos ter um relacionamento que funcionasse. Quem sabe? No entanto, a Candace tinha razão. Eu era uma mulher. Não tinha de gostar dele para ir para a cama com ele. Ainda assim, seria mais fácil se eu tivesse a certeza de que não gostava dele, e o problema é que já não estava tão certa disso. Dava comigo a pensar constantemente nele. Ansiava por aqueles vislumbres de alegria que ele por vezes deixava escapar. Agradava-me que fosse eu a causá-los, como se tivesse algum efeito especial sobre ele. O Bruce atirou-se logo à sobremesa, mas certificou-se de que eu também tinha uma colher para podermos partilhá-la. Dividir o doce com ele era algo de íntimo, principalmente porque ele não parava de soltar umas exclamações de deleite muito fofas e até sensuais. Parecia que não conseguia controlar-se. – Tem família? – perguntou ele. A pergunta foi inesperada, mas ao aperceber-me de que estávamos a empanturrar-nos há quase cinco minutos, achei que ele talvez tivesse começado a interrogar-se sobre mim. Ele só tinha conhecimento daquilo que via. O Bruce não sabia praticamente nada sobre a minha vida pessoal, o meu passado ou a minha família. Fiquei um pouco lisonjeada com a sua curiosidade. – Sim – respondi, lambendo as costas da minha colher e suspirando. Pousei o talher, pois, por mais que me apetecesse continuar a comer, não queria sentir-me a rebentar e empanturrada diante do Bruce. – Os meus pais vivem nos arredores. São professores. O meu irmão mais velho mora com eles. O Bruce fez aquele gesto com a cabeça que eu estava habituada a ver quando revelara o pequeno pormenor sobre o meu irmão. Exprimia um misto de compreensão e curiosidade. – Ele nunca encontrou verdadeiramente o seu caminho na vida – expliquei. – Investe toda a sua energia a procurar maneiras de enriquecer rapidamente. Já tentou todo o tipo de operações de marketing. Uma vez, montou um esquema em que pôs à venda na internet artigos que encontrava em promoção nos sites de grandes lojas. Por exemplo, se estas estivessem a vender luvas por dois dólares, ele punha-as à venda por quatro dólares no eBay e, quando alguém lhe fazia uma encomenda, ele ia à loja, comprava as luvas, embalava- as e vendia-as com lucro. Tenho a certeza de que isto era ilegal, mas, de qualquer modo, acabaram por fechar-lhe a conta do eBay por causa de outra coisa estúpida que fez. – Conheço o género – disse o Bruce. – Os meus pais são um bocadinho assim. Estão convencidos de que o William e eu somos as suas caixas multibanco pessoais e inesgotáveis. E, apesar de terem feito tudo o que estava ao seu alcance para nos impedirem de chegarmos onde chegámos, acham agora que foi graças a eles. – Isso não deve ser fácil. Já pensei no assunto – repliquei. – Deve ser difícil alcançar o êxito. Pouco depois, uma pessoa apercebe-se de que quase toda a gente que conhece quer um pouco daquilo que ela conseguiu. O Bruce riu-se, mas foi um riso triste e, a avaliar pelo modo como o seu olhar se tornou distante, percebi que tocara num ponto sensível. – Foi isso que aconteceu? – perguntei. – Refiro-me àquela mulher. Aquela que o seu irmão mencionou. O Bruce pareceu ficar a meditar sobre a minha pergunta. Eu não tinha a certeza se ele estava a decidir responder ou a tentar arranjar a resposta certa. – Na verdade, é um assunto no qual não quero pensar agora – disse ele, finalmente. Assenti rapidamente com a cabeça e, com a pressa de pedir desculpa por ter feito uma pergunta tão indiscreta, a minha mão fez catapultar a colher dele do prato da sobremesa, salpicando-nos a ambos com os restos de gelado e de xarope que estavam no fundo. Olhei horrorizada para o colo dele, onde se espalhavam três grandes nódoas de gelado, uma de cada sabor, nas suas calças caras. Estendi a mão para as limpar, mas apercebi-me de que, se o fizesse, seria eu a apalpá-lo desta vez. Ele olhou para a minha mão, enquanto eu a afastava desajeitadamente e corava como uma idiota. Sem pressas, ele apanhou com o indicador uma gota do gelado de chocolate derretido, olhou para ela e, a seguir, estendeu o dedo em direção à minha boca. – Vai limpar o que sujou, estagiária? A sua voz tinha um tom rouco e sensual e as suas pálpebras de pestanas espessas estavam quase semicerradas. Ele queria que eu... Oh, meu Deus. Senti-me imediatamente incompetente do ponto de vista sexual. Eu queria aquilo. Sabia que queria. Não se tratava da tensão sexual embaraçosa de uma universitária. Era algo de real. Era uma coisa à séria, e eu nunca tivera consciência de como estava mal preparada para aquilo. – Aah... – balbuciei, pegando num guardanapo. – Não – disse ele, com firmeza. – Não use o guardanapo. Engoli em seco, agarrei-lhe no pulso e, aos poucos e a tremer, puxei a mão dele, aproximando-a da minha boca. Meti a ponta do dedo dele na minha boca, envolvendo-a com os lábios. Toda a minha hesitação e todo o meu nervosismo desapareceram quando olhei para a cara dele. Estava deliciado e louco de desejo. Senti que, com um ligeiro movimento da minha língua, conseguiria fazê-lo ajoelhar-se, e pensei que poderia ficar inebriada com esse poder. Tirei o dedo dele da minha boca, continuando a agarrar-lhe no pulso, e quando os nossos olhares se encontraram, o meu corpo pareceu incendiar-se. – Eu não... Não costumo fazer estas coisas – disse eu. – Então, suja as coisas, depois não as limpa? – perguntou ele. Olhei para o dedo dele, com um pequeno sorriso. – Não costumo limpá-las com a boca, principalmente quando se trata da braguilha de alguém. – Não costuma? Isso quer dizer que o faz, mas nem sempre? – Acredite ou não, esta é a primeira vez. – Ótimo – disse ele. – Agrada-me a ideia de a ter só para mim. As palavras dele fizeram-me sentir um formigueiro quente na pele, como se fossem um feitiço que me prendia a ele. Não sabia ao certo qual era a conotação que o Bruce queria dar-lhes. Nesta altura, parecia-me que os nossos corpos haviam entrado em modo de piloto automático, aproximando- nos cada vez mais do inevitável, mas não fazia ideia do que iria acontecer a seguir. Segundo o que a Candace dissera, eu não deveria ralar-me com isso. Era suposto que fosse apenas sexo. Divertimento. No entanto, isto não me satisfazia. – Será que é boa ideia? – perguntei. Agora, o Bruce estava de pé. O seu corpo estava tão próximo do meu que quase sentia o calor que irradiava dele. Perguntei a mim mesma se sentiria a sua ereção, se ele se aproximasse mais uns centímetros. O Bruce levou os dedos à minha face e fê-los deslizar do meu maxilar até ao queixo, como se desenhasse um caminho, seguindo-o com o olhar, quase como se esperasse encontrar algo. – Talvez não seja – respondeu ele. – Talvez a Natasha só esteja interessada no meu dinheiro e eu só queira dar uma voltinha consigo e esquecê-la. Mas, mesmo que discutamos o assunto durante dias, nunca o saberemos se não tentarmos. Com o cérebro a mil à hora, inclinei-me para a frente, encostando a testa ao peito dele. – E como é que eu sei que o Bruce não está interessado no meu dinheiro? – perguntei, pouco depois. O riso dele ecoou-lhe no peito. – Acho que tem de fazer a si própria uma pergunta muito importante. Sente-se com sorte, estagiária? Sente-se? Olhei para ele, com um meio-sorriso. – Neste momento? Sim. Por uma vez, sim. Foi então que ele me beijou e foi muito mais intenso do que eu julgara que seria. O mundo fechou-se à nossa volta. O ruído distante do trânsito na rua, o vento a bater nas janelas e o barulho do ar condicionado desvaneceram-se até desaparecerem. Era como se cada nervo do meu corpo, exceto os dos lábios e os das mãos, se tivesse desligado para se focar apenas nas partes em que nos tocávamos. Os lábios dele eram incrivelmente quentes e suaves, nem demasiado secos, nem demasiado húmidos. Eu conseguia sentir-lhe na boca e na língua o ligeiro toque adocicado da nossa sobremesa. Ele beijou-me como se estivesse à espera disso desde a primeira vez que me vira. Empurrou-me suavemente para trás, agarrando-me nos ombros para eu não cair, até me encostar contra a porta da copa. Senti a mão dele a bater na porta, atrás da minha cabeça. A sua outra mão entrelaçou-se no meu cabelo até ele conseguir agarrá-lo e virar o meu rosto para cima, na direção do dele. O calor forte do corpo dele irradiava contra o meu corpo e eu sentia na barriga a pressão da sua ereção. – O meu irmão estava certo – sussurrou ele, entre beijos –, mas não completamente. – Em relação a quê? – perguntei. As minhas mãos tinham ganhado vida própria, explorando ousadamente todas as saliências, curvas e concavidades do seu corpo escultural que eu sentia através da sua camisa. Ansiava por despi-lo, mas estava insegura. Queria que fosse ele a assumir o controlo. Queria confiar nele para que me orientasse. – Em relação às saias travadas e ao visual de secretária. Mas não é um fetiche. Eu só conseguia pensar em levantar essas saias e abrir-te as pernas e fazer-te gemer o meu nome até ficares rouca. Arfei, esquecendo-me por segundos de continuar a beijá-lo, ao sentir o efeito mágico que as suas palavras brejeiras tinham em mim, desde o formigueiro nos dedos dos pés até ao calor que explodia na minha barriga. Foi então que, como se uma mão gelada me agarrasse no tornozelo no meio da escuridão, a realidade se sobrepôs ao momento. Tinha de confessar-lhe a verdade. Não podia fazer aquilo e continuar a planear escrever o meu artigo. Ele tinha de saber. – Bruce, há algo que... – Se é agora que vais confessar que és uma espia russa enviada para me matar – disse ele, interrompendo-me –, não o faças. Não me interessa. Agora, não. Ainda assim, tentei forçar-me a dizê-lo. Tentei mesmo, mas sempre que ele me beijava ou me tocava avidamente com aquelas mãos grandes, era arrastada de volta para o seu mundo de sonho, um lugar estranho onde não parecia ser importante que eu tivesse contas para pagar e que a única maneira de o fazer seria traindo o Bruce. A única coisa que importava era o que sabia bem e era natural. E, meu Deus, eu nunca entendera o significado de «natural» até ter as mãos dele em cima da mim e a minha boca contra a dele. Não havia nada de mais natural no mundo do que querer mais, ansiar por mais. Ele pegou-me ao colo, continuando a beijar-me mesmo enquanto me carregava com as pernas escarranchadas à volta da cintura dele até à mesa, de onde se via interior no pátio que ficava no rés-do-chão. A minha saia estava repuxada até à cintura e fiquei horrorizada ao reparar que tinha vestidas as minhas cuecas menos sensuais. Eram de um tom verde-relva muito feio e a malha tinha fios puxados. E, pior ainda, eram um pouco grandes para mim, pelo que pareciam umas cuecas de avozinha. Para meu alívio, o Bruce – o Sr. Controlo e Calma – decidiu tornar-se bárbaro. Sem afastar os lábios dos meus, baixou o braço, meteu o punho no elástico das minhas cuecas e puxou. Não as arrancou, rasgou-as. Arfei na boca dele e agarrei-me à sua nuca, cravando-lhe as unhas na pele. – Espero que não gostasses delas – grunhiu ele, e quase me pareceu sentir surpresa na sua voz, como se não estivesse à espera de se descontrolar assim. Reconfortou-me um pouco pensar que não era a única que se sentia arrastada por uma corrente fortíssima, mas invisível. – Eram as minhas preferidas – menti. – Vou processar-te por isso. – Agora percebo – disse ele, forçando-me suavemente a deitar-me de costas sobre a mesa, com as pernas abertas à sua volta. – Estiveste sempre interessada no meu dinheiro. Tudo isto foi um esquema elaborado para me fazeres arrancar-te as cuecas e levar-me a tribunal. Lambi os lábios, demasiado excitada para me concentrar apenas em arreliá- lo. – Exatamente – disse eu, ofegante. – Comer a tua banana foi apenas o primeiro passo de uma dança longa e complicada, na qual nem sabias que estavas a participar. Na verdade, sou um génio e não uma desastrada. Ele riu-se, mas o desejo sexual que sentia apagou-lhe rapidamente do rosto a expressão divertida, como se só conseguisse desconcentrar-se momentaneamente do que estava diante dele. Eu. – Estava quase convencido até tentares afirmar que não és desastrada. – Caramba! – disse eu. – Acho que fui desmascarada. Quando ele levou a mão à gravata e a retirou com um movimento lento, fiquei sem ar nos pulmões. Nunca tirou os olhos dos meus e – céus! – aqueles olhos prometiam tudo o que poderia existir de mais sensual. Ele sabia que, estando eu diante dele naquela posição tão vulnerável, o seu ritmo lento e despreocupado era uma tortura para mim, mas manteve-se implacável. Desapertou um botão de cada vez, vagarosamente. Um botão. A parte de cima do seu peito bronzeado e um vislumbre da clavícula. Dois botões. Um sulco profundo entre os peitorais e um vislumbre do peito musculado. Três botões. A linha distinta onde terminavam os peitorais e o primeiro par de abdominais perfeitamente definidos. Não chegou a desapertar o quarto botão, pois perdi a paciência. Sentei-me, agarrei nos dois lados da camisa e abria-a de uma vez, sem me ralar se lhe tinha arrancado botões. Bem-vistas as coisas, ele rasgara-me as cuecas. Ainda que a camisa dele provavelmente custasse cem dólares e as minhas cuecas viessem de um monte delas em saldo, isso não interessava nada. Quando a camisa se abriu, ele soltou um som algures entre um rugido e um grunhido e eu fiquei com uma visão perfeita daquilo que só costumamos ver em painéis publicitários e revistas de moda. – Diga adeus aos seus argumentos legais, estagiária – disse ele. – Que se lixe o dinheiro. É a ti que eu quero. Não precisei de ficar a pensar se as minhas palavras haviam tido algum efeito nele, pois despiu as calças e arrancou-me o resto da roupa naquilo que pareceu um espaço de milissegundos. Num abrir e fechar de olhos, estávamos ambos nus. Podia ter ficado embaraçada, mas o modo como ele me olhava não deixava margem para dúvidas. Estava a gostar do que via. Eu conhecia mulheres que viam pornografia, mas isso sempre me parecera esquisito. Como tal, só vira um homem nu e não me apercebera de que ele era do tipo «bastante pequeno». Ou, então, era o Bruce que era avantajado. Muito avantajado. Estava à espera de que ele me penetrasse imediatamente, mas, em vez disso, ajoelhou-se diante da mesa. Eu estava meio sentada, meio deitada, e tive de fazer um esforço para não fechar as pernas. Uma coisa era estar nua à frente dele, outra coisa era ter a sua cara a poucos centímetros das partes mais íntimas. Contudo, ele nem sequer me deu tempo para me afligir com isso, pois quando os seus lábios tocaram na parte interior da minha coxa, todas as minhas preocupações se transformaram numa onda de prazer escaldante. Apoiei-me nos cotovelos, não querendo deitar-me completamente, pois vê- lo a fazer o que estava a fazer era demasiado excitante para que eu fechasse os olhos ou desviasse o olhar. – Não tens de... A voz saiu-me num sussurro e não sabia porque é que estava a tentar falar com ele, quando todas as células do meu corpo gritavam para que ele continuasse. Ele olhou-me nos olhos enquanto lambia lentamente a parte interior da minha coxa até à minha vagina. A minha boca abriu-se num arfar silencioso e o meu corpo contraiu-se. Poucos segundos depois daquele contacto íntimo, eu já estava a arfar e absolutamente faminta por mais. – Queres que eu pare? – perguntou ele, com um sorriso atrevido. – Nem te atrevas. Ele enfiou a cabeça entre as minhas pernas e continuou a saborear-me como se eu fosse a coisa mais deliciosa que jamais provara. Agarrei-me ao seu cabelo, à mesa, aos seus ombros e a tudo o que estivesse ao meu alcance. Ele usava os lábios, a ponta e a parte debaixo da língua, e os dedos, numa espécie de coreografia que parecia ter sido criada para me derreter toda. Comecei a sentir uma espécie de pressão a crescer dentro de mim, algo de desconhecido, e era uma coisa tão forte que quase tive medo de atingir o orgasmo que eu sabia que estava a aproximar-se rapidamente. Quando ele meteu três dedos dentro de mim e me titilou o clítoris com a língua, vim-me, enquanto ele me olhava com aqueles olhos incrivelmente sensuais. Fora de mais. Deitei-me em cima da mesa e deixei de conseguir manter-me em silêncio. Antes, tentara conter os gemidos altos que ameaçavam sair-me da boca, mas, de repente, eles soaram bem alto. Arfei, contorci-me e acabei por me sentar. Olhei para o homem que fora promovido de Robô Sexual a Mago Sexual. O que acabara de acontecer nada tinha de mecânico, e só por magia é que a sua língua suave me fizera esquecer todas as suas tentativas de me irritar ao longo da semana anterior. Percorri-lhe o corpo com o olhar, detendo-me no seu membro ereto. Arqueei uma sobrancelha. Foi então que o telemóvel tocou. Estava à espera de que o Bruce o ignorasse, mas ele olhou para o telemóvel, que estava no canto da mesa, onde ele devia tê-lo pousado antes de despir as calças. Pareceu reconhecer o número visível no ecrã e atendeu a chamada. – O que é? – perguntou. Tentei disfarçar a minha deceção. Até àquele momento, sentira que era a única coisa no mundo que importava para ele. Era uma sensação boa. Uma sensação incrível. E, a seguir, um simples gesto conseguira estragar tudo. Sentei-me e peguei na minha camisa, que estava ao meu lado em cima da mesa. Pousei-a no colo e cruzei os braços de modo a tapar o peito o melhor que conseguia. Ele não me mandara embora, mas senti-me imediatamente esquisita e ridícula por estar nua, embora ele continuasse ali de pé, como uma estátua realizada por um grande escultor grego, completamente nu e com o pénis ereto. Fez-se silêncio, enquanto o interlocutor falava. O Bruce lançou-me um olhar que não era totalmente simpático. O tipo de olhar que achei que lançaríamos a alguém que receássemos que estivesse a espiar-nos. – Posso ir-me embora – disse eu, rapidamente. O Bruce hesitou. Olhou novamente para o telefone, semicerrando os olhos enquanto ouvia o que estavam a dizer-lhe. – Fica para a próxima? – perguntou. O meu estômago pareceu cair-me aos pés. Fiquei mortificada, constrangida e mais do que um bocadinho irritada por ser despachada por causa de um telefonema. Obviamente, aquilo não fora muito importante para ele, embora, na minha cabeça, eu me tivesse esforçado para o tornar algo de importante. Não queria que ele visse a minha deceção. Se o Bruce soubesse o quanto me magoava ser mandada embora, perceberia o quanto eu quisera entregar-me a ele. Deste modo, eu poderia fingir que, para mim, também fora algo de casual. Levantei-me com toda a calma que consegui e vesti o sutiã, a camisa e a saia. Peguei também nas minhas cuecas rasgadas e enfiei-as na mala. A seguir, fiz-lhe um sorriso, sem lhe mostrar os dentes, e saí. Ainda me sentia molhada entre as pernas, dos seus beijos e da sua língua. Sentia os lábios dormentes por nos termos beijado com ardor. Mas tudo isto me parecia agora mais uma provocação. Uma maneira de ele me relembrar que eu lhe pertencia e que não passava de um brinquedo para ele maltratar cruelmente até se fartar. De repente, fiquei contente por não lhe ter contado o verdadeiro motivo do meu estágio e talvez não ficasse com um grande peso na consciência quando lhe descobrisse os vícios e os divulgasse.

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BRUCE

isse à Natasha que tirasse o dia de folga, mas acho que não devia ter Dficado surpreendido ao encontrá-la à minha espera no carro da empresa, à porta do meu prédio. Tinha o cabelo apanhado num carrapito formal, que quase lhe dava um ar profissional. Inclinei-me para a janela do passageiro e estiquei o braço para limpar uma coisa vermelha e pegajosa que ela tinha no canto da boca. Lambi o dedo e sorri. – Comeu torradas com doce ao pequeno-almoço? – perguntei. Ela pigarreou enquanto esfregava o canto da boca. – Não sei como é que isso veio parar aqui. Devo ter esbarrado contra o pequeno-almoço de alguém, quando saí de casa. – Claro. – Abri a porta e entrei. – É a explicação mais lógica. Agora, importa-se de me dizer por que motivo não tirou o dia de folga, como lhe pedi? Ela agarrou-se com força ao volante, até ficar com os nós dos dedos brancos, e pregou os olhos na estrada. – Porque não vou permitir que se crie uma situação embaraçosa por causa do que aconteceu ontem à noite no escritório. Seja o que for... que tenha acontecido, e não interessa como aconteceu, continuo a ser sua estagiária e vou fazer o meu trabalho. – Mesmo que o seu trabalho seja aturar as minhas cenas até se demitir por mera frustração? As suas mãos descontraíram um pouco e ela sorriu. – E qual é a diferença entre isso e qualquer outro emprego? – Para começar, eu não lhe pago um salário. – É verdade – concordou ela –, mas os estágios são a nova escravatura. Se tivermos menos de trinta anos e quisermos um emprego sem passar por um estágio, temos de ter sorte ou um talento louco. – Não se esqueça das pessoas que estão na casa dos quarenta e são despedidas – acrescentei. – Não conseguem arranjar emprego apenas por serem mais caras do que vocês, jovens escravos. Por vezes, partimos do princípio que não sabem sequer mandar um e-mail. A Natasha ficou a meditar durante um instante. – Parece-me que o Bruce escolheu a única maneira possível de se ser alguém na vida, não é verdade? Ser patrão de si próprio e criar as próprias regras. – Até aparecer alguém que se recusa a segui-las – repliquei, ficando a fitá- la o tempo suficiente para que percebesse o que eu queria dizer. Ela olhou para baixo, mordendo o lábio de um modo que estava rapidamente a tornar-se a minha kryptonite. – Natasha... Peço desculpa por ontem à noite. Ela abanou a cabeça, empertigou-se e voltou a concentrar-se na estrada. – Não precisa de pedir desculpa. Foi o que foi. De qualquer modo, sexo é apenas sexo, não é? – Sim – respondi, embora tivesse achado que aquilo iria ser muito mais do que sexo. Parecera-me que estivera prestes a esquecer todas as precauções que tomara em relação ao meu coração nos últimos dois anos, que iria atirar-me de cabeça sem me ralar com as consequências. Mas foi então que vi o número da Valerie no meu telemóvel. Ela só me ligava quando havia algum problema com a Caitlyn e eu sabia que tinha de atender aquela chamada. – Vou deixar-me de rodeios – comecei eu. – Disse-lhe que não viesse trabalhar hoje, porque vou a casa da minha ex-namorada. Foi ela que ligou ontem à noite. O rosto da Natasha ensombrou-se, mas recuperou rapidamente uma expressão impassível. – Muito bem. Onde é que ela mora? – Natasha... – disse eu. – Posso pedir ao meu motorista para me levar até lá. A Natasha não precisa de... – Sou apenas sua estagiária – replicou ela. – Não é verdade? Porque haveria de me importar de o levar a casa da sua ex? – Estou só a dizer que não é obrigada a fazê-lo. Pode tirar o dia de folga. – Não – declarou ela. Ligou o carro, meteu-se no trânsito e fiquei quase agradecido por ela não ter falado durante o resto do caminho. Estacionámos no extremo norte de Tribeca. A Natasha olhou em redor e, depois, para mim, com curiosidade. – Não é nesta zona da cidade que vivem pessoas como o Leonardo Dicaprio? A sua ex é uma estrela de cinema? – Não – respondi. Não era fácil, mas consegui disfarçar a amargura na minha voz. – Na verdade, era empregada de mesa. A expressão de curiosidade da Natasha acentuou-se. – E ela vive aqui? – Sim – disse eu. – Está bem, o Bruce ganhou. Estou curiosa. Vai obrigar-me a suplicar ou preciso de recorrer à chantagem? Não julgue que me esqueci das cuecas rasgadas. Pelo que sei, um tribunal considera grave a destruição de propriedade pessoal. As palavras dela fizeram com que me lembrasse imediatamente da noite anterior e voltei a ter a mesma sensação. Fora tão bom lambê-la, mas, quanto mais me distanciava do sucedido, mais me parecia ser o tipo de experiência que não poderíamos repetir. A chamada da Valerie acontecera na pior altura e fora como se o Universo estivesse a avisar-me para não cair no mesmo erro. Ainda que com a Natasha tudo fosse muito diferente, muitos caminhos levam ao mesmo destino, e todos os caminhos que eu trilhara para chegar a um relacionamento ou a um compromisso terminavam sempre no mesmo beco sem saída. – Na verdade, não há grande coisa para contar. Fui estúpido e achei que ela me queria. Afinal, eram as minhas contas bancárias. Literalmente. Fui eu o palerma que decidiu que já tínhamos o tipo de relacionamento em que podia confiar nela e, quando ela já tinha levantado todo o dinheiro que queria, era demasiado tarde. Não ia arrastá-la para os tribunais, pois isso implicaria envolver também a filha dela. – O Bruce e ela têm uma filha? – perguntou a Natasha, estacando de repente e pousando-me a mão no braço. – Não – respondi. – A Caitlyn é filha da Valerie, de um relacionamento anterior. Faz nove anos no mês que vem. – E o Bruce permitiu que a Valerie o roubasse só para proteger a filha dela? Caramba! – exclamou ela para si própria. – Deve gostar muito da Caitlyn. – É uma miúda fixe, mas nenhum juiz no seu perfeito juízo me daria qualquer tipo de direito de visita. – Ri-me, olhando para o chão enquanto caminhávamos. – Na verdade, acho que já não era feliz com a Valerie antes de descobrir o que ela fizera, mas eu sabia que, se terminasse o relacionamento, ela nunca mais me deixaria ver a Caitlyn. Era vingativa e sabia o que fazer para me magoar. – Lamento muito. Foi para isso que ela lhe telefonou? Quer mais dinheiro? Voltei a ficar surpreendido com a perspicácia da Natasha. Era fácil olhar para a sua cara bonita e o seu corpo em forma, e pensar que era igual a tantas mulheres da cidade de Nova Iorque – bonita por fora e oca por dentro. Contudo, ela tinha uma maneira de me recordar constantemente de que era muito mais do que isso. – Mais ou menos – respondi. – Então, ela vive em Tribeca, mas continua a pedir-lhe dinheiro? – Sabe que mais? Venha comigo a casa dela. Se vir com os seus próprios olhos, terá mais facilidade em perceber.

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NATASHA

Oapartamento da Valerie era enorme. Ficava na cobertura de um edifício que em tempos fora uma fábrica, tal como a maioria dos edifícios daquela zona. A dada altura, um construtor chegara ali e esventrara quase todos os pavilhões industriais para os transformar em «mansões» na baixa de Nova Iorque. Estremeci ao imaginar quanto é que a Valerie devia ter roubado ao Bruce para se dar ao luxo de ter uma casa daquelas. O Bruce estava muito composto e bem arranjado e eu seguia-o pelo átrio do edifício onde ela morava. Não conseguia tirar da cabeça a imagem do seu corpo perfeito sob o fato, nem do modo como sorria enquanto me devorava. Ao lembrar-me disto, fui submergida por uma onda de calor. Entretanto, sentia-me cada vez mais baralhada. Por um lado, continuava ofendida por ele me ter mandado embora a meio do que estávamos a fazer por causa de um telefonema. No mínimo, merecia uma explicação. Ele devia ter calculado o quanto me deixara embaraçada ser despachada a meio daquela situação, como se eu tivesse feito algo de errado ou se, de repente, a ideia lhe tivesse desagradado. A breve justificação que ele me dera enquanto caminhávamos do carro para o edifício já fora um passo na direção certa, mas ainda não era suficiente para me tranquilizar. Eu tinha de pensar no artigo para o Hank e, à medida que os dias iam passando, sabia cada vez menos qual o caminho a seguir. No início, achara que bastaria estar perto do Bruce para vir a saber algo de interessante, mas, até então, nada me chegara aos ouvidos. Por outro lado, sempre que os meus sentimentos entravam na equação, questionava-me se estaria disposta a redigir um artigo que pudesse prejudicá-lo. Pelo andar da carruagem, e para ser sincera, sabia que não seria capaz. Contudo, era mais fácil deixar andar as coisas do que enfrentar a realidade. Não iria receber um cêntimo até entregar o artigo e desistir dele implicaria demitir-me do cargo de estagiária do Bruce. No entanto, escrever o artigo também significaria afastar o Bruce da minha vida. Eu sabia que não estava preparada para isso, mas o tempo não parava. Continuava a ter contas para pagar e, em breve, teria de fazer alguma coisa. Mas o que é que iria fazer se nenhuma das minhas opções me agradava? O Bruce bateu à porta do apartamento da Valerie e ficou à espera. Baloicei as pernas e soltei um risinho nervoso. – Gostava de saber o que é que ela vai pensar quando me vir. – Se bem conheço a Valerie, não irá demorar muito a perceber. A porta abriu-se e apareceu uma mulher, que supus ser a Valerie. Era um pouco mais alta do que eu e tinha o cabelo pintado de louro-platinado. Era linda de morrer e fiquei irritada por sentir uma pontada de ciúme. Tentei não os imaginar juntos, ela e o Bruce, nem como eu devia parecer tão banal por comparação. Ela tinha um narizinho arrebitado e perfeito, lábios sensuais, uns olhos grandes com pestanas espessas e elegantes, a testa alta e o queixo afilado. Parecia também ter um personal trainer e que só se alimentava de vegetais e frango. Olhou imediatamente para trás do Bruce, para me avaliar. Fitou-me dos pés à cabeça e, a seguir, desviou o olhar, manifestando um desinteresse frio. Começara por verificar se estava perante uma ameaça e rapidamente decidira que eu não o era. Eu nunca tivera um espírito competitivo, nem nunca fora «territorial», mas uma parte de mim teve vontade de lhe dizer que eu era mais do que uma ameaça, pois o Bruce parecia divertir-se bastante entre as minhas pernas. No entanto, estava a ser parva. E imatura. Esforcei-me por afastar estes pensamentos e tentei comportar-me como uma adulta. Por algum motivo o Bruce terminara o relacionamento deles e, como tal, eu não tinha de competir com ela. – Entra. Os documentos estão na cozinha – disse ela. O Bruce e eu seguimo-la e reparei numa menina recostada no sofá, com uns auscultadores enormes nas orelhas e um tablet nas mãos. Devia ser a Caitlyn. Durante alguns segundos, tentei encontrar parecenças entre ela e o Bruce, mas depois lembrei-me de que não era filha dele. E isso era bem visível. O pai biológico devia ter sangue latino, pois a Caitlyn era uma versão muito jovem da mãe, mas mais exótica, com a pele morena e um cabelo castanho-avermelhado. Ao ver o Bruce, o seu olhar iluminou-se e a sua boca abriu-se num grande sorriso. Arrancou os auscultadores e correu a abraçá-lo. O Bruce riu-se, abraçou-a, pegando-lhe ao colo, e sussurrou-lhe ao ouvido: – Tive saudades tuas. A Valeria fitava-os, de braços cruzados e uma expressão claramente aborrecida. – O que é que vieste fazer aqui? – perguntou a Caitlyn, quando o Bruce a pôs no chão. – Vais cá ficar? – Desculpa, companheira – respondeu ele, ajoelhando-se e pondo-lhe o cabelo para trás das orelhas. – Desta vez, não. Naqueles poucos gestos e palavras breves, vi uma faceta diferente do Bruce. Vi o seu desgosto e percebi porque é que a rotura fora tão difícil para ele. Ele gostava daquela menina como se fosse sua filha, e a Valerie não só a afastara dele como a usara como um escudo humano para se defender das medidas judiciais que ele podia tomar. A Caitlyn baixou os olhos, mas assentiu com a cabeça. – Vamos – disse a Valerie. – Daqui a meia hora, tenho um compromisso. Estava a contar que o Bruce lhe fizesse frente ou um dos comentários sarcásticos que eu costumava ouvir-lhe, mas limitou-se a segui-la. Era duro vê-lo agir assim. Calculei que ele soubesse o poder que ela tinha sobre ele. Não importava que ela estivesse a fazer algo de certo ou de errado. Servia-se do bem-estar da Caitlyn para o pôr entre a espada e a parede. Se o Bruce lhe desse algum motivo, eu conseguia imaginar a Valerie a fazer algo que magoasse a filha. Não fisicamente, pensei, mas algo me dizia que a Valerie era perfeitamente capaz de entrar numa guerra emocional. Tentei espreitar o que o Bruce estava a ser obrigado a assinar. Era uma resma de documentos e ele ia virando e assinando as páginas, sem lhes dar pouco mais do que uma olhadela. A Valerie ficou de pé, a observá-lo com uma espécie de segurança satisfeita. Eu conseguia adivinhar que não era a primeira vez que aquilo acontecia, e ela estava tão confiante de que ele faria o que ela queria que só me apeteceu esmurrar-lhe o narizinho perfeito. O Bruce assinou a última página, pousou a caneta, afastou os documentos e lançou-lhe um olhar interrogativo. – É tudo? – perguntou. – Por enquanto. Podes ir-te embora. A frieza entre ambos era tal que dei por mim a cruzar os braços tentando combater os arrepios. A Valeria afastou-se, martelando com os saltos o pavimento de mármore caro, sem nos acompanhar à porta. Quando nos preparávamos para ir embora, vi a Caitlyn ao pé da porta, de sobrolho franzido. – Não tens de deixar que ela te faça isto, Bruce. – Eu sei – disse ele, acariciando-lhe a face com o polegar e sorrindo. – Mas é só dinheiro, companheira, e eu tenho mais do que preciso. Se isso deixa a tua mãe feliz e te poupa a sarilhos, não me importo. – Quero viver contigo! – exclamou ela. A avaliar pela reação do Bruce, não era a primeira vez que ela tocava no assunto. – Ouve... Sei que, por vezes, é difícil entendê-la, mas a Valerie é a tua mãe e ama-te à maneira dela. – Ele baixou o tom de voz e inclinou-se um pouco mais. – Obviamente, eu não hesitaria um segundo em adotar-te, mas não teria praticamente qualquer hipótese legal de te tirar à tua mãe. E, se houvesse motivos para isso, e duvido que haja, ainda poderia dar-se o caso de ires parar ao Serviço de Proteção de Menores e, aí, teríamos de ter a esperança de ser eu a conseguir adotar-te. – Ela nem sequer fala comigo. Só me dá um cartão multibanco estúpido e carregado de dinheiro, e acha que é a melhor mãe do mundo. Odeio-a. – Ei! – exclamou o Bruce. – Não digas isso. – Fez uma pausa e um sorriso abriu-se lentamente no seu rosto. – Pelo menos, não o digas tão alto. A Caitlyn devolveu-lhe o sorriso e, ao olhar para os dois, fiquei com o coração despedaçado. Não admirava que o Bruce fosse tão reservado. Quando perdera aquela menina, devia ter-se sentido como se lhe arrancassem o coração e o espezinhassem. A sua frieza era, provavelmente, apenas um mecanismo de defesa. Bem-vistas as coisas, se repelíssemos toda a gente, ninguém poderia magoar-nos. – Por favor, tenta fazer alguma coisa – disse ela. – Não me importo de ir ao tribunal ou... – Ainda não saíste – gritou a Valerie de outra divisão. – Vai-te embora! Reparei na maneira como ela ignorara ostensivamente a minha presença depois de me avaliar, e isso só contribuiu para que eu desejasse ainda mais que aquela mulher recebesse o castigo que merecia. Não fazia ideia de como poderia castigá-la, mas o facto de não ter gostado dela despertara em mim uma espécie de instinto protetor. Era estranho pensar no Bruce como alguém que precisasse de algum tipo de proteção da minha parte. No entanto, tinham- no magoado e, embora ele continuasse a ser uma vedeta do mundo dos negócios e dominasse totalmente a sua atividade, estava na mó de baixo nesta área da sua vida. Fora espezinhado. Depois de ele ter dado um abraço de despedida à Caitlyn e de lhe prometer que iriam falando, saímos para a rua. – Concordo com a Caitlyn – disse eu. – Também a odeio. O Bruce fez-me um meio-sorriso. Parecia estar já a regressar ao seu estado normal, como se aquele apartamento tivesse algo que lhe sugasse as forças e, agora que saíra de lá, ele pudesse recuperá-las. – Quer ir almoçar antes de voltarmos para o escritório? – perguntou ele, subitamente. Olhei para ele, surpreendida. – Um almoço de namorados? – Uma reunião de trabalho – replicou ele, rapidamente. – Como não paga nem me deixa fazer nada de jeito, para mim, é um almoço de namorados. Ele grunhiu, mas não discutiu. A caminho do restaurante, o Bruce conseguiu encontrar uma loja que tinha uma banana que cumpria os requisitos. Comeu-a enquanto caminhávamos. Vi as horas no telemóvel. – Uau! Já passaram pelo menos trinta minutos da sua hora habitual da banana, Bruce. Não sei como é que aguentou. Ele lançou um olhar seco. – Sim, gosto de respeitar a minha rotina, mas consigo adaptar-me. – Um robô diria precisamente o mesmo. Pouco depois, estávamos sentados a uma pequena mesa de metal, para almoçar. O Bruce estava diante de mim e, juntamente com as bebidas, trouxeram-nos um prato com pãezinhos fofos e amanteigados, e uma salada simples, para partilharmos. Pedi água, pois não queria que acontecesse o mesmo que da última vez que comêramos juntos, quando ficara tão bêbada que ele tivera de me levar ao colo até à minha casa. – Aproveito para pedir desculpa – disse eu. – Por quê? Posso referir uma longa lista de coisas que fez mal, pelo que lhe peço que seja mais específica. – Que piada! Peço desculpa por hoje. Não devia ter-me intrometido na sua vida. Tentou convencer-me a ficar em casa e eu devia ter obedecido. – Podia ter-lhe dito para ficar no carro. Não foi um problema. Não sei porquê, mas queria que as conhecesse. – Para ser sincera – disse eu –, conhecê-las ajudou-me a perceber porque é que o Bruce é tão idiota. Se eu tivesse de lidar com a mulher, também o seria. Ele assentiu com a cabeça. Ainda não tocara no pão, mas serviu-se de salada. – Só me desagrada muito que a Caitlyn esteja envolvida em tudo isto. Ela merece muito melhor. – Parece ser uma miúda amorosa. Ele assentiu com a cabeça. – A Caitlyn toca piano e tem imenso jeito. Continuo a ir aos recitais dela, sem dar nas vistas, mas talvez nem sequer valha a pena esconder-me, porque há meses que a Valerie não aparece em nenhum deles. – A Valerie foi sempre... assim? – Uma cabra insensível? – perguntou ele. – Não. Conseguiu que eu fizesse figura de parvo durante anos. Convenceu-me de que gostava de mim e de que queria que construíssemos juntos um futuro. Eu não tinha a certeza de querer assentar e constituir família, mas a Caitlyn era uma miúda adorável. E, embora não houvesse faíscas nem fogo de artifício quando a Valerie e eu nos tocávamos, dávamo-nos bem, e achei que isso era suficiente. – E já o tinha sentido antes? – perguntei. – As faíscas e o fogo de artifício? Ele ficou a olhar para o prato e, por fim, olhou-me nos olhos. – Nessa altura, não. Não. Ouvira outros falar no assunto, mas nunca o sentira. Começara a pensar que as pessoas exageravam. – Até que...? – perguntei, enquanto sentia a garganta a secar rapidamente. Ele inclinou-se para a frente e baixou o tom de voz até esta ficar rouca. – Até que a beijei na copa. Em todo o lado. Estremeci e bebi um grande gole de água. – Eu também gostei. – Isso é uma excelente recomendação. Mordi o lábio e bati nos cubos de gelo com a palhinha. – Gostei muito – disse, baixinho. – Muito bem. Está a corar. Aceito a recomendação. Tapei os olhos com as mãos, mas não consegui deixar de olhar para ele e suspirar. – Juro. Não costumo corar por tudo e por nada, mas o Bruce tem o dom de conseguir embaraçar-me. Escolhi esse preciso momento para embater no meu copo de água e encharcar os pães e quase toda a toalha de mesa. Endireitei o copo, agora meio vazio, e olhei para o teto como se esperasse que aparecesse um anjo e fizesse recuar o tempo. E, quando ele estivesse com a mão na massa, talvez pudesse fazê-lo recuar uma semana. O Bruce ficou impassível. – Sabe uma coisa? Acho que, desde que nos conhecemos, nunca esteve tanto tempo sem fazer algo de completamente desastrado. Já passou pelo menos meio dia. – E eu acho que é a primeira vez que o vejo tão fora da sua rotina – acrescentei. – Parece-me que estamos a passar a mão no pelo um do outro. O Bruce arqueou as sobrancelhas. – Podemos fazer por isso. Não percebi imediatamente onde ele queria chegar, mas, quando percebi, senti uma onda de calor. – E se eu não quiser ser o seu brinquedo? – perguntei. – Então, é melhor apressar-se a demitir-se, porque, depois da noite de ontem, não sei se conseguirei manter as mãos quietas.

* * *

O bruce deixou-me sair mais cedo e aproveitei para passar pela Business Insights. Há quase uma semana que não via o Hank e a Candace, e quase me pareceu estranho ir lá. Acima de tudo, recordava-me que não estava, de todo, a cumprir a tarefa de que fora incumbida. Dei respostas evasivas a quase todas as perguntas do Hank sobre como estavam a correr as coisas com o Bruce e fingi que estava a desbravar caminho, mas a Candace conhecia-me demasiado bem, pelo que este truque não resultou com ela. – Então? – perguntou. – Já descobriste vícios? Ou estás só a viciar-te? Eu estava encostada à secretária dela, enquanto ela enrolava no dedo uma madeixa do seu cabelo curto. – Talvez tenha acontecido algo, mas agora estou com dúvidas. – Em relação a quê? – A tudo. Ao artigo que tenho de escrever. Se há, ou não, alguma coisa para escrever. Por que raio é que estou a sentir algo pelo Bruce Chamberson? Se devo continuar... – Se não te sentes à vontade para escrever o artigo, pede ao Hank que te dê outro trabalho. – E provo, a ele e a toda gente, que mereço todos os trabalhos beras que ele me deu até agora? – Essa é a tua maior preocupação, se lhe pedires outro trabalho? Suspirei. – Não. Deveria ser, mas preocupa-me mais o facto de, provavelmente, não voltar a ver o Bruce. – Então, diz ao Hank que não há material para escrever o artigo. Assim, não estarás a falhar. Fizeste o que havia para fazer e não havia vícios para descobrir. – Talvez. Mas, e se ele mandar para lá outra pessoa depois de eu desistir e essa pessoa descobrir alguma coisa? Vou parecer ainda mais incompetente. – Então, tens de decidir se sentes, ou não, algo pelo Bruce. Se sentires, desistes do artigo, voltas para aqui e continuas pobre e a escrever sobre assuntos da treta, mas com um namorado bilionário. Se achares que as coisas entre os dois não vão dar em nada, vasculhas-lhe a vida até descobrires uma coisa desagradável para escreveres o teu artigo. Pronto! O problema está resolvido! Sorri. – Fazes com que as coisas pareçam bastante simples. Mas, e se, apesar de as coisas não correrem bem entre nós, eu não quiser que o Bruce fique malvisto, por não ser tão má pessoa como eu julgava? – Então, acho que ficas com o pior de dois mundos. Desistes do artigo e voltas à estaca zero, mas sem o namorado sensual e bilionário?

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BRUCE

u tinha uma rotina. Exercício físico. Pequeno-almoço. Trabalho. Banana. E Almoço. Trabalho. Para mim, quase se tornara uma religião. A minha vida girava em torno da minha rotina e não o inverso. A Natasha entrara na minha vida há pouco mais de uma semana e já arranjara maneira de alterar isto. Eram dez da manhã. Por outras palavras, eram horas da banana, mas eu não estava no trabalho, nem tinha uma banana na mão. Em vez disso, estava a segurar numa trela de cão, no meio do Central Park. Mais precisamente, a trela do cão da Natasha. Soubera recentemente que aquela coisinha gorducha se chamava Charlie. Por algum motivo, o Charlie decidira que gostava de mim. Ele sentou-se ao lado da minha perna e, meio contrariado, cocei-lhe a cabeça enrugada. Estávamos a olhar para a Natasha, que se ajoelhara ao lado de um tipo com vinte e muitos ou trinta e poucos anos que dormia em cima de um banco. Tinha bastante mau aspeto, com uma barba de três dias não intencional e as roupas sujas. O tipo sentou-se, disse meia dúzia de coisas e, a seguir, abraçou a Natasha com força. Aparentemente, era o irmão dela. Ela recebera uma chamada e pedira-me para sair durante algumas horas a meio do meu dia de trabalho. Insisti para que me explicasse o motivo, mas a única coisa que me disse foi que o irmão precisava dela. Por mais estranho que pareça, nem sequer me passou pela cabeça não a acompanhar. A Natasha tinha tendência para sofrer acidentes e era azarada. Por vezes, era assustador o modo como ignorava o bom senso, e à medida que eu a ia conhecendo melhor, mais sentia necessidade de estar sempre ao lado dela nem que fosse apenas para a manter viva. No entanto, não fora só por isso que a acompanhara. Ao vê-la tão perturbada, quis dar-lhe algum apoio. Fui coçando a cabeça do Charlie enquanto tentava organizar as ideias. Pensei que, algures no tempo, deixara de odiar a Natasha. Não sabia quando nem como. A possibilidade de termos algum tipo de relacionamento era obviamente ridícula, mas, pouco a pouco, eu começara a ter vontade de a provocar em vez de a castigar. Gostava da maneira como ela ripostava quando eu me metia com ela. Gostava da maneira como ela conseguia transmitir tanta energia sexual nas suas mínimas expressões faciais e, principalmente, apreciava o facto de ela não fazer ideia do quão transparente era. A Natasha estava ansiosa por voltar a entregar-se a mim e, para ser sincero, eu estava ansioso por voltar a estar com ela. A única coisa que me detinha eram as minhas dúvidas em relação àquilo que realmente queria. Mas por que motivo é que isso havia de travar-me? Éramos ambos adultos e eu fora absolutamente claro naquela noite, depois de partilharmos a banana com gelado. Não sabia o que o futuro nos reservava e não iria prometer coisa alguma. A única coisa que eu sabia era que estava ansioso para que voltássemos a estar juntos. Por outro lado, continuava paranoico quanto à possibilidade de outras mulheres que se interessassem por mim serem apenas mais uma Valerie. Fingiam-se boas pessoas e simulavam tudo na perfeição, até eu cair como um patinho e me apaixonar por elas. A seguir, cravavam as garras em mim e nas minhas contas bancárias, pouco a pouco, e quando estavam em vantagem suficiente, agarravam na sua parte e largavam-me. Eu conseguia sobreviver à frustração e à traição. Conseguia mesmo. Se não fosse pela Caitlyn, teria esquecido a Valerie em poucas semanas, se não menos. Teria dado carta-branca a uma sociedade de advogados e tê-la-ia feito arrepender-se de lhe ter passado pela cabeça enganar-me. O que eu não conseguia suportar era a ideia de ser um peão num jogo. Eu era um vencedor. Não o era por uma questão de orgulho ou de arrogância. Era uma estratégia de negócios, que extravasava para a minha vida pessoal. Há pessoas que acham que, para vencermos na vida, precisamos de possuir conhecimentos sobre um negócio ou ter talento. Outras dizem que é preciso trabalhar muito. Eu sempre achei que é uma questão de autodisciplina. A autodisciplina foi sempre o meu talento. Foi uma arma da qual eu cuidava diariamente. Sempre que praticava exercício físico quando estava cansado ou que me levantava antes do nascer do Sol. Sempre que ficava a trabalhar até tarde quando preferia estar em casa. Esforcei-me sempre por me manter concentrado e estudar em vez de andar na palhaçada. Tudo isto reforçou a minha autodisciplina, até ela se tornar uma ferramenta perfeita, que eu podia usar quando quisesse. Exceto com a Natasha. Ela era uma incongruência. Por maior que fosse a minha força de vontade, o desejo de a ter, de brincar com ela e de desfrutar dela acabaria por vencer. Eu podia combatê-lo e adiá-lo, mas nunca conseguiria vencê-lo. – Aí vem ela – disse eu ao Charlie, que rosnava de um modo meio perturbador enquanto eu o coçava atrás das orelhas. A Natasha segurava o irmão pelo ombro como se tivesse receio de que ele caísse à medida que se aproximavam. – Braeden, este é o Bruce. Bruce, este é o Braeden. Olhei para a sua mão suja de terra e estendi-lhe a minha, para que a apertasse. Ele agarrou-me na mão, mas apertou-a daquela maneira que me dá sempre vontade de me encolher, como se a mão dele fosse um saco mole de sangue sem ossos no interior. Não tirou os olhos do chão e a vergonha estava claramente estampada na sua expressão corporal. – Precisas de um sítio onde ficar? – perguntei-lhe. – Não se preocupe – disse a Natasha. – Ele vai ficar em minha casa. Não vais? – disse ela, tensa, dando-lhe uma cotovelada. – Sim, vou ficar em tua casa até que a mãe e o pai possam ir buscar-me. – Tem espaço no seu apartamento? – perguntei. – Havemos de nos arranjar. Não é a primeira vez. – Que disparate! – exclamei eu. – Há espaço em minha casa. Tem dois pisos. Vocês os dois podem ficar no piso de baixo e eu fico no de cima. Pelo menos até que os teus pais possam vir buscar-te. – A sua proposta é muito simpática, Bruce, mas não percebo porque é que precisam da minha presença – disse a Natasha. Tentei arranjar rapidamente outra resposta que não fosse a de que gostaria de a ter lá, mas não consegui. – Bem... A minha proposta mantém-se. Queres ficar em minha casa, Braeden? Comida e bebida de borla. Vais gostar. Por fim, o Braeden tirou os olhos do chão e fez-me um sorriso relutante. – Tens wi-fi?

Emprestei algumas das minhas roupas ao braeden e deixei-o usar o quarto de hóspedes como se fosse dele. A Natasha e eu ficámos na sala, com a água a correr como barulho de fundo. – Foi muito simpático da sua parte. Obrigada – agradeceu ela. – Não me agradeça. De qualquer modo, raramente estou em casa. Ele não vai incomodar-me. Ela franziu um pouco a testa e baixou os olhos, fitando o braço como se estivesse prestes a tomar algum tipo de decisão importante. – O que se passa? – perguntei. Ela hesitou. – Não é nada – respondeu ela, rapidamente. – Ainda não comeu a sua banana. Quer que vá buscar-lhe uma? – Acha que consegue arranjar uma à altura das minhas exigências? Ela revirou os olhos. – Não é preciso ser-se engenheira aeroespacial. Quer ou não quer? – Quero – respondi e o meu estômago roncou. A verdade é que, sem a banana, estava a ficar rabugento. A Natasha saiu e eu fui arrumar as coisas que o irmão dela já tirara do sítio. Voltei a alinhar a otomana com o braço do sofá. Endireitei o quadro contra o qual ele esbarrara. Abri o frigorífico e certifiquei-me de que estava tudo em ordem, pois dissera-lhe para se servir do que quisesse. Não me importava de arrumar. Era algo que sempre me proporcionara uma certa calma. Era a minha forma de meditação. Fiquei a pensar se seria um pouco por isso que gostava tanto de estar com a Natasha. Ela dava-me a possibilidade de ter sempre algo para compor. No entanto, eu não tinha a certeza de que fosse mesmo por isso. Talvez o motivo fosse mais simples. Talvez apenas me agradasse o facto de ela ser genuína. Não tentava dar-me graxa, nem dourar a pílula. Era sincera comigo, e isso fazia com que eu quisesse acreditar que ela não tinha mesmo segundas intenções. Era uma rapariga na qual eu podia confiar.

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NATASHA

stás a falar a sério? – perguntou o Braeden. –E Estávamos no quarto de hóspedes da casa do Bruce. Ele tivera de ir para o escritório pouco depois de eu lhe ter trazido a banana e dissera-me para ficar por ali o tempo que fosse necessário. Eu acabara de explicar ao Braeden o trabalho do qual o Hank me incumbira. – Sim, mas, provavelmente também não tem qualquer importância. Acho que não há nada de obscuro a apontar ao Bruce e, mesmo que houvesse, eu não seria capaz de escrever o artigo. Não quereria atraiçoá-lo. – E se ele descobrir? – Não vai descobrir. Só te contei, porque os nossos pais já sabem e tive receio de que eles comentassem o assunto contigo e de que, inadvertidamente, tu o comentasses com o Bruce. Por isso, não lhe fales no artigo, está bem? Julgo que gosto mesmo dele e não quero estragar as coisas. Terei de arranjar o momento certo para ser eu a contar-lhe. – Está bem. Já percebi. Olhei para ele e suspirei. Felizmente, ele já tomara um banho. Vê-lo no parque, no estado em que estava, partira-me o coração. – O que é que te passou pela cabeça? – perguntei. – A mãe e o pai disseram-me que lhes tinhas dito que estavas em minha casa, mas eu nem sequer recebi uma mensagem tua. Achaste que conseguirias viver como um sem-abrigo durante uma semana, até eles estarem dispostos a receber-te novamente? O Braeden desviou o olhar para a manta que estava sobre a cama na qual estava sentado. – Achei que era uma treta estar sempre a chatear-te. Olha para mim, Nata. Sou um adulto e nunca fiz nada de jeito. O meu maior feito é a minha coleção de Pokémons e, sim, tenho consciência de que isso é patético. A mãe e o pai estão fartos de mim. Sei que nunca irás admiti-lo, mas tenho a certeza de que tu também estás. Até eu estou farto de mim. Estou farto de ser um falhado, mas sinto que é demasiado tarde para remediar a situação. Pousei-lhe a mão no joelho e apertei-lho. – Ei! Tu não és um falhado. Só ainda não encontraste o teu caminho. Por isso, para de bater em ti próprio. E, por favor, que nunca te passe pela cabeça que prefiro ver-te a dormir no parque como um sem-abrigo do que aturar a tua desarrumação na minha casa. És uma seca, mas és a minha seca, e vou estar sempre pronta a ajudar-te quando precisares. – Achas que podes emprestar-me uns trocos? Peguei numa nota de cinco dólares que não podia dar-me ao luxo de dispensar e estendi-lha. – Não quero saber para que queres o dinheiro, mas, neste momento, é tudo o que posso dar-te. O Bruce nem sequer me paga um salário. – Como? – perguntou o Braeden, que voltou a pôr a nota na minha mão. – O tipo mora no raio desta mansão e faz-te trabalhar de borla? – É um estágio – repliquei. – É por essas e por outras que sou um desempregado crónico. Deixa-me adivinhar... É suposto trabalhares lá enquanto lhes pareceres útil e esperares que acabem por te dar um emprego? – Acho que é mais ou menos assim, mas também não importa, pelo menos na prática. Lembra-te de que só estou a trabalhar na Galleon por causa do artigo. – Pois. O artigo que és demasiado coração-mole para escreveres. – Mesmo que não fosse coração-mole, tenho quase a certeza absoluta de que não há nada sobre o que escrever. O Bruce é apenas competente no seu trabalho. Não é desonesto. – Ah, um caso típico de cegueira sexual. – Primeiro, poupa-me. E, segundo, vou vomitar se voltar a ouvir o meu irmão falar em sexo. – A cegueira sexual – continuou ele, como se nem sequer me tivesse ouvido – é um fenómeno amplamente conhecido e que se manifesta nas mulheres que fecham os olhos ao facto de um homem ser um idiota porque querem ter sexo com ele. Enfiei os dedos nos ouvidos e fingi não estar a ouvir. – Por favor. Por favor. Dou-te o meu apartamento, se acabarmos com esta conversa e fizermos de conta que nunca a tivemos. – A proposta é tentadora. As tuas contas por pagar estão incluídas no pacote? – Parvo – disse eu. – Claro que sim. – Então, podes ficar com o teu cubículo e eu continuo a ser um falhado. Parece-te bem?

* * *

O bruce tinha a agenda carregada de reuniões. Há já três dias que o Braeden estava em casa do Bruce e arranjei deliberadamente um pretexto para lá ir diariamente e ver como estava o meu irmão. Isto também me dava a oportunidade de ver o Bruce fora do seu elemento. Em casa, ficava ligeiramente diferente: menos tenso, mas com a mesma obsessão de ter tudo sob controlo, algo que eu começava a apreciar. Faltavam apenas cinco minutos para a altura em que ele gostava de comer a banana, mas continuava em reunião. Pareceu-me que poderia mostrar-me útil levando-lhe a banana à sala de reuniões, pelo que me dirigi à copa. Peguei na banana, que tinha o nome dele escrito em letras grandes e pretas sobre quase toda a casca. – Estou a ver que já não tens medo de tocar na banana do chefe – disse uma voz feminina. Olhei para a mesa da copa e pareceu-me reconhecer a mulher que, uma ou duas semanas antes, insinuara que eu ia para a cama com o Bruce. Felizmente, não estava mais ninguém na copa. Ergui a banana e olhei para ela, como se fosse a solução mágica para dissipar o constrangimento. – Só com a autorização dele – repliquei, com ligeireza, antes de estremecer ao aperceber-me do segundo sentido que poderiam ter as minhas palavras. Bem... Talvez fosse possível falar na banana de um homem sem um segundo sentido. – É simpático da parte dele que te peça para o fazer. No entanto, ainda és uma estagiária, pelo que não deves saber tocar-lhe como deve ser. Pensei em ir-me embora. Não valia a pena descer ao nível dela, pois ela estava claramente a tentar ser desagradável. Talvez não fosse a atitude certa a tomar, mas não me apetecia tomar a atitude certa, pelo que me aproximei dela. – Estás mesmo preocupada com a vida sexual do Bruce. Queres que lhe diga que o assunto te interessa? Ele está numa reunião, mas vou lá agora. Posso informá-lo de que estás aqui à espera dele. Queres? – perguntei, com uma voz doce. Ela cerrou os lábios com uma expressão zangada, levantou-se e saiu de rompante. Senti-me mesquinha por descer ao nível dela, mas admito que me soube bem. Se ela insistia em intrometer-se na minha vida sexual praticamente inexistente e imaginar coisas desagradáveis a meu respeito, estava a merecê-las. Abri o mais silenciosamente possível a porta da sala de reuniões, sentindo- me bastante embaraçada por ter a banana na mão. À volta da mesa, estavam vários homens com fatos caros e de rosto sério. O Bruce estava sentado junto do William, o que continuava a ser uma visão perturbadora, pois parecia estar ao lado de um reflexo distorcido de si próprio vindo de uma dimensão na qual ele não era tão perfeccionista. O Bruce olhou para a banana, mas o William foi o primeiro a falar: – Diz-me uma coisa, Bruce... – pediu o William. – Porque é que sempre que vejo a tua estagiária, ela está sempre com a tua banana na mão? O Bruce pigarreou e todos os presentes, exceto o William, esboçaram movimentos de desconforto. – Peço desculpa – disse eu. – Não queria interromper, mas sei que fica rabugento sem a sua banana. – Fez bem em vir, Natasha. Ele olhou para a minha mão que segurava na banana e, quando lha entreguei, a maneira como a sobrancelha dele se mexeu durante uma fração de segundo fez com que me sentisse como se estivesse a fazer algum tipo de gesto sexual. Empertiguei-me, alisei as rugas da saia, fiz um aceno de cabeça desajeitado a todos, que tinham os olhos pregados em mim, e dirigi-me para a porta. Agarrei no puxador e puxei, mas a porta não se moveu. Emiti um som algures entre um riso nervoso e um grunhido de desespero e puxei com mais força. Fiz mais três tentativas firmes, até que dei um passo atrás, bufei e, a seguir, virei-me para o Bruce com uma expressão de frustração. Ele levantou-se, dirigiu-se para a porta e empurrou-a. – Oh! – exclamei. – É preciso empurrá-la e não puxá-la, certo? Escapei-me da sala antes que alguém tivesse hipótese de dizer uma palavra e fui meter-me na casa de banho mais próxima, para descontrair. O Bruce encontrou-me meia hora depois, escondida atrás das fotocopiadoras. Já tinham passado quase duas semanas desde que começara a «trabalhar» ali e continuava sem ter quaisquer tarefas profissionais para realizar. Era de loucos. Levava o Bruce de casa para o escritório e do escritório para casa. Acompanhava-o quando ia a reuniões fora da empresa, mas, além disso, era obrigada a cirandar por ali, fingindo estar ocupada. Uma das coisas mais fáceis que arranjara para fazer era surripiar um papel de cima da secretária de alguém e tirar um monte de fotocópias dele. Depois, podia andar com as folhas na mão, de um lado ao outro do escritório, até surgir alguma coisa para fazer. Isto era ridículo, e eu sabia que o Bruce sabia, mas acabara por me queixar a ele alguns dias antes. O estupor limitara-se a dizer-me que gostava de ver «as maneiras engraçadas» que eu inventava para fingir que estava ocupada. – Mmh... – ouvi o Bruce dizer ao passar atrás de mim. – Uma centena de fotocópias do recibo de comprimidos de fibra que alguém encomendou da Amazon. Sim. Percebo que seja necessário distribuir cópias disso a todo o escritório. Na verdade, eu nem sequer olhara para o papel que surripiara. – Diga-me a verdade – pedi, ignorando a sua provocação. – Comentaram a minha figura de idiota, depois de eu sair da sala de reuniões? Ele riu-se. – Sim. Dois bilionários japoneses e toda a equipa de executivos da maior empresa farmacêutica do Ocidente interromperam a reunião para falar sobre a estagiária desastrada. Lancei-lhe um olhar sombrio, embora sentisse algum alívio. – Também não precisa de ser sarcástico. – Não estava a ser sarcástico. Eles interromperam mesmo a reunião para falar nisso. O Senhor Kyoto achou-a particularmente cómica. – O quê? – perguntei. O Bruce sorriu. – Agora, estou a meter-me consigo. Ninguém tocou no assunto, Natasha. Mal repararam. – Duvido, mas obrigada. Ouça, Bruce, há algo que tenho querido dizer-lhe. – Eu também tenho algo para lhe dizer – replicou ele. Olhou por cima do ombro e viu um grupo de mulheres a aproximar-se da fotocopiadora. – Venha. Podemos conversar no meu gabinete. Quando entrámos no gabinete, o Bruce virou-se, mal me dando espaço entre a porta e o seu corpo. – Queria dizer-lhe... – Primeiro, eu – interrompeu-me ele. O seu tom não admitia réplica. Nem os seus olhos. Tinham a mesma expressão que eu vira a seguir a ele comer a banana com gelado, precisamente antes de me arrancar a roupa e me dar o rei de todos os orgasmos. – Estou farto de fingir que não quero isto. – Isto? – perguntei, quase sem fôlego. – Tem de ser mais específico. Pode estar a referir-se a um carro que viu num stand ou, conhecendo-o como conheço, a uma banana. – Tu. Não vou continuar a iludir-me. Quero-te, Natasha. Fazes com que eu deseje voltar a ser como era. Baixar a guarda e desfrutar da vida. Engoli em seco. Eu tinha de contar-lhe. Já nem sequer iria escrever o artigo. Sendo assim, que mal faria confessar que, na verdade, fora para ali para lhe descobrir os vícios, mas que rapidamente decidira não o fazer? Era um argumento a meu favor, não era? Lembrei-me da conversa que tivéramos depois de eu conhecer a Valerie e de como ele me achava especial porque podia confiar em mim. Ele merecia conhecer a verdade, mas eu estava constantemente a convencer-me de que iria haver uma oportunidade mais adequada. Talvez surgisse uma oportunidade em que eu sentisse que ele talvez conseguisse compreender. Iria contar-lhe. Eu sabia que iria. Mas talvez aquele não fosse o momento certo. – E se eu não souber o que quero? – perguntei. – Nesse caso, podes passar o resto da vida a pensar se teria resultado ou podes descobrir por ti. Senti o mesmo que sentira na noite em que nos beijáramos, como se o mundo se desvanecesse à nossa volta. Tudo nele parecia mais vívido e mais intenso. Os lábios sensuais. O olhar penetrante. O seu cheiro fresco e a limpo. – E se chegarmos a conclusões diferentes? – perguntei. – E se eu decidir que quero e tu não quiseres? – E se eu estiver farto de responder a perguntas e só quiser voltar a saborear-te? Deixei que um sorriso me brincasse nos lábios, inclinei-me e beijei-o. Era tão bom como me lembrava. Até melhor. A língua dele movia-se lentamente contra a minha, mas este beijo inicial e hesitante rapidamente se tornou faminto e desesperado. O Bruce meteu as mãos no meu cabelo, na minha camisa, na minha saia, procurando avidamente todos os sítios que desejava e desfrutando deles tanto quanto se atrevia. Os nossos corpos tornaram-se um só. Senti a sua ereção quando ele me ergueu e me encostou contra a porta, beijando-me e roçando-se em mim. Tentei não gemer nem gritar como o meu corpo pedia. Sabia que a secretária dele estava mesmo junto da porta do gabinete e que poderia haver pessoas à espera para falar com ele. – Sabes... – disse eu, entre beijos. – Acho que, da última vez, fiquei em dívida para contigo. – Não me deves nada. Deu-me mais prazer do que a ti. Garanto-te. Ele beijou-me o pescoço e o lóbulo da orelha, deixando-me em brasa com cada toque. – Não podes, pelo menos, fingir que estás à espera de que eu o faça? Vais obrigar-me a implorar? – Que faças o quê? – quis ele saber, afastando-se ligeiramente para que eu pudesse ver o seu sorriso malicioso. – Que retribua o favor – respondi. – Tens de ser mais específica. Estupor. – Que te chupe – disse eu. – Mmh... Se queres assim tanto fazê-lo, julgo que não iria impedir-te. Frustrada, tentei bater-lhe no rosto, mas ele agarrou-me no pulso e olhou- me com uma tal intensidade que achei que iria derreter-me aos pés dele. – Suplica-me. Diz-me o quanto desejas a minha pila e talvez eu deixe que lhe toques. Todo o meu orgulho voou pela janela fora. Não se tratava de humilhação nem de falta de autoestima. Era uma questão de puro prazer. Se o excitava pensar que eu queria tanto chupá-lo que seria capaz de me ajoelhar e implorar, eu fá-lo-ia. Ao olhar para o Bruce e ver acima de mim aqueles ombros largos e aqueles traços perfeitos, o que eu mais desejava era dar-lhe prazer. Quase me custava crer que um homem como ele estivesse à minha mercê, e o poder deste pensamento era quase tóxico. – Por favor – disse eu, um pouco desajeitadamente. – Deixa-me voltar a pôr a tua banana na minha boca. Pensei que ele talvez sorrisse ou se risse, mas limitou-se a recuar um passo e a pressionar-me os ombros para que me ajoelhasse. Como não fez menção de desapertar as calças, calculei que estivesse à espera de que eu o fizesse. Ele deve ficar mesmo excitado com a ideia de eu o desejar desesperadamente. Ainda bem para ele, pois eu desejava-o mesmo desesperadamente, pelo que não teria de fingir nem um bocadinho. Só precisava de descontrair e de tentar que a minha mente não se intrometesse naquilo que o meu corpo queria. Então, mordi o lábio e esqueci as minhas derradeiras inibições. Deixei que o desejo violento e insuportável que sentia trouxesse à superfície todas as minhas mais inconfessáveis fantasias, e que se apoderasse de mim.

14

BRUCE

la parecia uma deusa aos meus pés. Os olhos grandes, o cabelo cor de E noz e uns olhos grandes, castanhos e lindos. Mas eu não conseguia parar de fitar os seus lábios. Uns lábios sensuais e perfeitos e talhados para a malícia. Ela inclinou a cabeça para a frente e, para minha surpresa e de um modo sedutor, prendeu o fecho da minha braguilha com a língua encostada aos dentes da frente e tentou puxá-lo para baixo. Como seria de esperar da Natasha, o fecho escorregou-lhe da boca. O seu rosto enrubesceu, o que me deixou ainda mais excitado. Aquilo era uma loucura, mas eu não estava louco apenas pelo que ela tinha de bom – o modo como tinha uma boa cabeça assente em cima dos ombros e conseguia surpreender até homens de negócios experientes com conceitos inovadores ou ideias geniais, ou a maneira como era amável e se preocupava mais com os outros do que consigo, ou até o modo como me fizera esquecer que eu era uma pessoa amarga e que passara a maior parte da minha vida a construir muros à minha volta para afastar toda a gente. A Natasha tropeçara e chocara contra todas as minhas defesas, deitando-as abaixo com um misto de falta de jeito e de destino perfeitamente coreografados. Não, não eram só as coisas boas que me atraíam nela. Eu também adorava o facto de ela ser uma catástrofe ambulante. Era diferente e cativante. O modo como ela ficava sempre adoravelmente embaraçada também era muito excitante e, naquele momento, pensei que iria explodir se ela não arranjasse rapidamente uma maneira de abrir o fecho da minha braguilha. A seguir, agarrou-o com os dentes, não usando a língua, e conseguiu puxá- lo para baixo, embora a sua determinação para não deixar fugir o fecho se assemelhasse mais a uma careta do que a um gesto sensual. – Talvez tenhas de usar as mãos para desapertar o botão, a menos que tenhas um dom especial. Ela olhou-me, arqueando uma sobrancelha e, por um instante, pensei que iria mesmo tentar usar a boca para me abrir o botão das calças. Em vez disso, pôs a lentidão de lado e puxou-me firmemente para baixo as calças e os boxers. Foi extremamente excitante e, se eu não tivesse ficado «em sentido» logo com o primeiro beijo, julgo que o teria conseguido em tempo recorde só de ver o desejo intenso dela. Ela agarrou-me na base do membro e só o seu toque fez com que o meu corpo ficasse tenso. Olhou para mim e, enquanto fitava o comprimento do meu sexo, esboçou aquele sorriso maroto que eu já vira tantas vezes. – É má altura para dizer que nunca fiz isto? – Não é de todo má altura, desde que não a confundas com uma banana e lhe dês uma dentada. – Se eu fizer alguma coisa mal, avisas-me? – pediu ela. Aquela vulnerabilidade súbita era indescritivelmente sexy. Abanei a cabeça. – Natasha, se puseres a minha pila na tua boca, não há como fazeres alguma coisa mal. Confia em mim. – Acho que estás a subestimar a minha capacidade de estragar isto. – Chupa-me a pila, e pronto – disse eu, sorrindo e empurrando-lhe a cabeça até os lábios dela me tocarem. Das duas, uma: ou ela estava a mentir quanto a nunca ter feito um broche ou tinha um dom inato para aquilo. Terceira hipótese: há tanto tempo que me andava a apetecer comê-la que, provavelmente, seria capaz de me vir só de olhar para ela a ler um livro. Agarrei-lhe numa parte do cabelo, enquanto ela subia e descia sobre mim. Não lhe empurrei a cabeça para baixo, nem me enfiei mais fundo dentro da boca dela. Era a primeira vez que ela o fazia e eu queria que fosse ela a assumir o controlo. Primeiro, concentrou-se apenas em meter-me na boca. Eu conseguia sentir o círculo apertado formado pelos seus lábios enquanto ela movia a cabeça para cima e para baixo, e a humidade quente da sua língua a envolver a base do meu falo. As mãos dela estavam firmemente agarradas às minhas coxas. Adorava ver a maneira como a sua testa se enrugava enquanto me chupava, como se estivesse a gostar tanto daquilo como eu, o que também me surpreendeu.

A natasha retirou uma das mãos da minha coxa, envolveu com ela o meu sexo, logo abaixo da boca, e começou a acariciar-me enquanto me chupava. O aumento da fricção fez-me inclinar a cabeça para trás e cerrar os dentes. Porra, ela sabia o que estava a fazer e, se continuasse assim, eu tinha a certeza de que não aguentaria muito mais. Torturei-me um pouco mais inclinando o pescoço para lhe olhar para as curvas realçadas pelo facto de estar ajoelhada e a saia lhe comprimir as ancas e o traseiro. Conseguia ver-lhe um pouco do peito a abanar sempre que ela me acariciava o falo e tive de fechar os olhos com força para não me vir na boca dela. – Já chega, já chega – disse eu, rapidamente. Não queria vir-me já, pois queria comê-la. Era como se tivesse estado à espera de a penetrar desde o momento em que a conhecera. Queria vir-me dentro dela, nem que fosse para dentro de um preservativo. Desejava-a tanto que até doía. – Tens de parar ou venho-me – repeti, com um pouco mais de insistência. Ela não estava a abrandar. Até parecia que eu estava a incentivá-la. – Natasha... Porra... – grunhi. Agora, ela estava a fazer girar a língua à volta do meu sexo e a usar as duas mãos. Uma delas acariciava-me, enquanto a outra me massajava os testículos. Movia-se tão rapidamente que eu conseguia ouvir o som húmido do broche que, provavelmente, era o mais sensual que eu podia imaginar naquele momento. Era primário e era erótico. Pensar na jovem Natasha a fazer aqueles ruídos no meu membro foi a gota de água. Todo o meu corpo ficou tenso. O meu peito contraiu-se e os meus olhos fecharam-se. – Estou a vir-me – disse eu, entre dentes. Foi um aviso final para que ela não ficasse com a boca cheia do meu sémen, mas ela limitou-se a apertar mais os lábios, como se não quisesse perder nem uma gota. A minha pila contorceu-se, uma e outra vez, a cada onda do meu orgasmo e, para minha surpresa, a Natasha deixou-se ficar onde estava. A seguir, quando as últimas réstias do meu clímax se desvaneceram numa sensação agradável de dormência, apercebi-me de que ela não sabia o que fazer. Estava imóvel, com o meu sexo na boca provavelmente cheia de sémen, e tinha os olhos muito abertos e com uma expressão preocupada. Soltei uma gargalhada. – Agora ou engoles ou... Ela engoliu e olhou-me nos olhos, sentando-se e limpando a boca com as costas da mão. – Qual era a segunda opção? – perguntou ela. – Cuspir – respondi. – Mas engolir é muito mais sensual. Ela mordeu o canto do lábio. – Então, que tal me portei? – Vou dar-te uma dica universal. Se um homem se vier, é porque foste perfeita. Ela sorriu. Estendi a mão para lhe desabotoar a camisa. Embora já me tivesse vindo, não iria perder a oportunidade de a comer depois daquele «aperitivo». Ela agarrou-me nos pulsos e franziu o sobrolho. – O que é que estás a fazer? – perguntou. – Estou a despir-te... – Porquê? – quis ela saber, e vi aquela expressão familiar de malícia a brilhar-lhe nos olhos. – Porque quero ver cada centímetro desse corpo perfeito quando te abrir as pernas e te penetrar. – E se eu quisesse deixar-te à espera durante uma semana, como tu fizeste comigo? – Eu diria que é um castigo cruel e invulgar. – Mh... – disse ela, dando palmadinhas no queixo. A Natasha estava tão sensual e apetecível... Era injusto. Os seus lábios ainda estavam húmidos por me ter chupado e tinha um dos botões da camisa desapertado, o que deixava vislumbrar o seu sutiã preto. A saia estava subida até quase se verem as cuecas, pois sentara-se sobre os calcanhares, ainda no mesmo sítio onde me fizera o broche. Eu nunca fora torturado, mas saber que ela iria dizer-me que não poderia comê-la só podia ser pior do que qualquer coisa que um torturador alguma vez tivesse imaginado. – Então, diz que é cruel e invulgar. Nem queria acreditar no que estava a ver, quando ela se pôs de pé, compôs a camisa e deu um passo atrás em direção à porta. – Estás a falar a sério? – Devia-te o favor que me fizeste na semana passada. Agora, estamos empatados. É a tua vez. Antes de fechar a porta, acenou-me sedutoramente com os dedos, deixando-me sem palavras. Ouvi o barulho de algo a cair lá fora e a minha secretária a falar em voz alta. Apertei rapidamente a braguilha e abri a porta para ver o que se passava. Aparentemente, ela caíra e estava a levantar-se. – A sério? – perguntei, mas antecipei-me à minha secretária para a ajudar. A Natasha estava a ficar corada, mas, quando já estava de pé, afastou-me e tentou recompor-se. – A minha perna estava um bocadinho dormente – disse ela, baixinho. – Estava a tentar que isto passasse antes da minha saída intempestiva, mas sabia que tinha de aproveitar o momento e assim fiz. – É inacreditável – disse eu.

Quando cheguei a casa, quase me esquecera de que o irmão da Natasha estava lá. Se isto ajudava a Natasha, não me importava que ele ficasse enquanto precisasse, mas, para ser sincero, não contara que fosse mais do que um par de dias. O Braeden estava instalado no meu sofá, de boxers. Tomei nota mentalmente de que teria de ligar à empresa de limpezas para os avisar para terem um cuidado especial com aquele lugar. Ele acenou-me com a cabeça. – Tudo bem, Bruce Wayne? Franzi-lhe o sobrolho. – Esse tipo é o do Batman? – «Esse tipo é o do Batman?» – perguntou ele, incrédulo. – Mas que idade tens tu? Trinta anos ou setenta? Claro que é o tipo do Batman. Fiz um gesto de que ele estava meio nu no meu sofá. – E tu? Tens trinta anos ou doze? O Braeden riu-se e meteu na boca o que parecia ser um pão de queijo. O raio de um pão de queijo? No meu sofá? – Onde foste buscar isso? – perguntei. – À mercearia – respondeu ele, como se eu fosse estúpido. – Tenho imensa comida cá em casa. Porque andas a gastar em pães de queijo o pouco dinheiro que tens? – Chamas comida àquilo que tens em casa? Talvez tu consigas sobreviver a comer vegetais e frangos, mas, a mim, os vegetais fazem-me gases e o frango mete-me nojo. Já viste essa porcaria antes de ser cozinhada? Parece o escroto de um extraterrestre. Arqueei as sobrancelhas. – Já viste o escroto de um extraterrestre? Ele inclinou a cabeça na minha direção. – Não serás tu quem tem um fetiche esquisito? És bilionário. Tens a mania das limpezas. Pareces perfeito. És o protótipo de um assassino em série ou de um tipo que tem uma masmorra secreta para praticar sexo sadomasoquista. – Se é essa a tua opinião, aproveita o facto de estares convictamente desempregado para vasculhares a casa à procura de pistas. – Convictamente desempregado, o caraças! – murmurou o Braeden, levantando-se e enfrentando-me do alto do seu metro e oitenta enfezado e macilento. Olhei-o de cima, no sentido literal e figurado. – Tens noção de que a maioria das pessoas me lamberia as botas para que eu as recebesse em minha casa? – Sim, mas, para começar, a maioria das pessoas não seria idiota ao ponto de acabar por precisar da ajuda de um palerma como tu, pelo que isso nem sequer está em causa. E eu não sou a maioria das pessoas. – Claramente – concordei. Por um instante, pareceu que ele estava mesmo prestes a bater-me, mas, a seguir, descontraiu um pouco, semicerrou os olhos e fitou-me. – O que é que queres da minha irmã, afinal? Vamos diretos ao assunto e não tentes inventar uma treta qualquer sobre isto não ter nada a ver com ela. Isto tem tudo a ver com ela. Se não quisesses nada dela, não estarias a aturar uma pessoa intragável como eu. – Ela trabalha para mim – repliquei, simplesmente. – Uma colaboradora feliz é uma boa colaboradora. E tendo ela um fardo como tu, parece-me que livrá-la de ti só pode contribuir para a sua felicidade. – Tens razão. Porque é que achas que me escondi no parque em vez de a incomodar? – Já consideraste a hipótese de arranjar um emprego? – perguntei. – Sei que é uma pergunta estúpida. – É mesmo. Eu não me enquadro num emprego tradicional. Sou um tipo muito criativo. – Bateu num dos lados da cabeça. – Só tenho de manter a minha criatividade até a minha sorte mudar e, nessa altura, vai correr tudo bem. Podes ter a certeza. – Não duvido. Então, proponho-te o seguinte: vais trabalhar para o meu departamento de divulgação. Discute algumas das tuas grandes ideias com profissionais e logo verás se és a «águia» que julgas que és. – Mete a tua caridade num certo sítio – replicou ele. O Braeden abanou a cabeça e cruzou os braços sobre a barriga flácida como se eu tivesse acabado de pedir-lhe para me engraxar os sapatos com a sua escova de dentes. – Está bem. Eu estava a… – Só por curiosidade… – disse ele, rapidamente. – Quanto pagarias por esse emprego caridoso? – Nada até provares que vales alguma coisa. Se a nossa equipa de divulgação se interessar por alguma das tuas grandes ideias, nessa altura, poderemos discutir um salário. Ele roeu uma unha. – Que se lixe. Está bem. Aceito, mas tu não deixas de ser um idiota. Só vou fazer isto porque talvez assim consiga ajudar as contas que o emprego miserável da Natasha não paga. Isto fez-me sentir uma pontada de culpa. Bem-vistas as coisas, eu não lhe pagava um salário. Inicialmente, pensara que seria um dos motivos que a levaria a demitir-se. Depois, quando comecei a conhecê-la melhor, tive receio de que pagar-lhe um salário a levasse realmente a demitir-se. Por mais que precisasse de dinheiro, e precisava muito, a Natasha tinha uma faceta teimosa e orgulhosa que eu tinha a certeza de que não era recetiva a qualquer tipo de caridade. Ainda assim, lembrava-me perfeitamente de como a senhoria dela a perseguira por causa da renda e, agora, o irmão acabara de mencionar que ela tinha dificuldades financeiras. Isto não deveria surpreender-me. Nova Iorque era uma cidade cara e eu nunca percebera muito bem como é que as pessoas que não tinham bons empregos podiam dar-se ao luxo de ali viver. De repente, tive uma ideia. Deixei o Braeden a sujar um pouco mais o meu sofá, fui para o escritório que tinha em casa e abri o computador portátil. Consultei os ficheiros da empresa até encontrar as fichas dos colaboradores. Não demorei muito a descobrir o da Natasha. Queria saber onde ela trabalhara antes de iniciar o estágio na Galleon, se é que tivera um emprego anterior. Se a tivesse entrevistado, já saberia. A ficha mencionava um emprego como empregada de mesa e outro como colaboradora da livraria da universidade, nada mais. Franzi o sobrolho. A avaliar pelo número de anos que dissera que trabalhara como empregada de mesa, devia ser com o que ganhara que pagara a renda até agora. No entanto, havia ali algo de estranho, pelo que decidi ligar para o restaurante referido na ficha e pedi para falar com um dos gerentes. Demoraram algum tempo a procurar, mas confirmaram-me que ela só trabalhara lá durante dois anos, e não quatro como escrevera na ficha. Sendo assim, havia um hiato de dois anos. Um hiato que ela estava a tentar encobrir. Qual era a profissão dela, afinal? E que tipo de trabalho poderia ser bera ao ponto de tentar encobri-lo com um emprego como empregada de mesa? Passei algum tempo a pesquisá-la no Google, mas só encontrei páginas e páginas de artigos de uma revista de negócios. Decidi bisbilhotar nas redes sociais, sem saber ao certo o que procurava, levado apenas pela curiosidade. Na sua esporádica atividade no Facebook, encontrei uma publicação que manifestava o seu entusiasmo com um novo emprego. A data era de há dois anos. Com o coração acelerado, li os comentários e foi então que encontrei isto: Martha Flores: Ainda não acredito que a minha filhota vai ser jornalista! Estou tão orgulhosa! Jornalista? Lembrei-me dos artigos que encontrara quando começara a pesquisar o nome dela e voltei atrás para clicar nas hiperligações. Percebi que se tratava de artigos escritos pela Natasha Flores. A minha estagiária. Recostei-me na cadeira, com a cabeça e o estômago às voltas. Ela era jornalista. De uma revista de negócios. E não o mencionara no seu curriculum vitae quando se candidatara a ser minha estagiária. Parecia que estava a viver o mesmo que vivera com a Valerie, mas pior. Era pior, porque eu já gostava mais da Natasha do que achava que alguma vez gostara da Valerie. Era pior, porque eu infringira a minha regra número um. Caíra duas vezes no mesmo erro. – Ei! – disse o Braeden, dando um murro na porta do meu escritório. – Tens pasta de dentes? – Não me chateies – grunhi. Fiquei à espera de que ele resmungasse, mas a minha voz deve ter soado mais irritada do que me apercebi, pois seguiu-se um breve silêncio e, depois, ouvi os passos dele a afastarem-se da porta. Eu sabia que devia perguntar à Natasha o que se passava. Seria a coisa certa a fazer. No entanto, já me sentia tão magoado com a possibilidade de uma traição que não conseguia raciocinar. Mandei uma SMS à Natasha, dizendo-lhe que não iria estar em Nova Iorque no dia seguinte, pelo que ela não precisava de ir trabalhar. Depois, passei a noite em branco, deitado na cama e a olhar para o teto, enquanto se apoderava de mim a mesma raiva fria que sentira dois anos antes. Agora, era mais fácil recordar-me de como me distanciara das pessoas. A Natasha começara a fazer-me esquecê-lo. Cheguei mesmo a pensar que exagerara, que deveria ter deitado para trás das costas o que acontecera com a Valerie e seguido em frente. Agora, recordava-me. Ainda havia uma hipótese de eu estar enganado. Eu sabia disso. Mas pouco me reconfortava. Sempre fora adepto de seguir o caminho mais simples para chegar a uma conclusão. Se todas as provas apontam num sentido, é porque, quase sempre, se trata do sentido certo. Lembrei-me também dos momentos em que a Natasha parecera tentar contar-me algo. Talvez tivesse sido eu a impedi-la de o fazer, mas ela tivera oportunidades mais do que suficientes para revelar a verdade. Eu sabia que ela me atraiçoara. Sabia-o do fundo do coração. Faltava-me apenas confirmá-lo.

15

NATASHA

OBruce deu-me o dia de folga. Tentei não me sentir constrangida por causa disso. Bem-vistas as coisas, eu saíra da minha zona de conforto quando, depois de o ter chupado, o arreliara dizendo-lhe que teria de esperar uma semana para voltarmos a ter sexo. Para ser totalmente sincera, ainda me assustava a ideia de ir até ao fim. Tinha receio de fazer alguma coisa mal ou de o desiludir de algum modo, pelo que a minha pequena provocação fora uma desculpa que não julguei que ele aceitasse. Esperara que ele me grunhisse alguma coisa, me encostasse à parede e me possuísse na mesma. Eu não tinha motivo algum para estar aborrecida. O Bruce limitara-se a respeitar a minha vontade, ainda que eu tivesse tido estupidamente a esperança de que ele não o fizesse. Eu era uma cobardolas e odiava-me por sê-lo. Tinha a esperança de que ele fizesse o «trabalho pesado» por mim. Queria que fosse ele a fazer todas as escolhas e a gerir a situação, mas isso não era justo. Era eu quem tinha de ser sincera em relação à minha verdadeira profissão. Há muito que decidira não escrever o artigo para o qual, aliás, nem sequer existia substância. Era ridículo. Deveria ser facílimo confessá-lo, mas eu andara a adiar durante tanto tempo que a pequena mentira se tornara algo maior, como costuma acontecer com todas as pequenas mentiras que existem nos relacionamentos. Decidi contar-lhe quando ele regressasse à cidade. Estaria preparada para que me despedisse ou me odiasse, mas sabia que tinha de fazê-lo. Não podia continuar a enganá-lo. Fui à Business Insights, para falar com o Hank e com a Candace. Também precisava de dizer ao Hank que, afinal, não iria escrever o artigo. Quando cheguei, o Hank encontrava-se de pé atrás da sua secretária, a conversar com um homem grande e mais velho, que estava a perder cabelo e tinha manchas na careca. Era o Weinstead. Estava a olhar para ele, mal conseguindo disfarçar o choque, quando a Candace correu para mim e me deu um abraço rápido. – Olá, desconhecida! – disse ela. Baixou o tom de voz e fez uma expressão de conspiração. – O grande chefe está cá. Tcharam… – Sabes porquê? – perguntei. Eu só vira o Sr. Weinstead uma vez, numa festa de Natal. – Oh, faço uma pequena ideia. Ele perguntou por ti. – A Candace baixou o tom de voz para imitar um velhote rabugento. – Onde está a rapariga que está a escrever o artigo sobre os irmãos Chamberson? – Os irmãos? – perguntei. – O Hank disse-me que era só sobre o Bruce. A Candace encolheu os ombros. – Só sei aquilo que ouvi. Suspirei. Obviamente, não iria aproximar-me deles e apresentar-me. Decidi esperar que o Weinstead se fosse embora. A seguir, poderia falar a sós com o Hank e dar-lhe a má notícia. Aceitar o facto de desistir do artigo era como se desistisse de uma parte de mim. Envergonhava-me por mal ter tentado procurar alguma informação sobre o Bruce depois de perceber que sentia algo por ele. Sentia-me uma miúda tolinha que não merecia trabalhar em jornalismo. Considerando bem, tinham- me dado um trabalho a sério e eu f… tudo. No sentido literal e figurativo. O meu coração parou quando o Hank me viu e os seus olhos se iluminaram. Apontou para mim, disse algo ao Sr. Weinstead e, a seguir, ambos começaram a encaminhar-se na minha direção. – Posso usar-te como escudo humano? – perguntei à Candace, mas, quando me virei, ela já estava a dirigir-se rapidamente para a sua secretária. O Weinstead e o Hank aproximaram-se, ambos com um sorriso expectante. O Hank parecia estar na esperança de que eu não o envergonhasse. Quanto ao Weinstead, parecia pensar que eu estava prestes a revelar os vícios com o maior requinte de malvadez que ele alguma vez ouvira sobre o Bruce e o irmão. – Com que então é a nossa agente infiltrada? – perguntou o Weinstead. Parecia-se um pouco com o Pai Natal, mas tinha uma voz estranhamente aguda e uns olhos pequeninos e escuros. – O senhor faz com que o meu trabalho pareça muito mais importante do que é na realidade – respondi, com um riso nervoso. – Não te menosprezes, Nat. Conseguiste o lugar com uma perna às costas. Estás lá infiltrada há mais de duas semanas. Isso não é fácil. Fiz um sorriso forçado. – Não é assim tão complicado. – Então? – perguntou o Weinstead. – Calculo que esteja a avançar no assunto. – Na verdade, será que o senhor pode revelar-me alguns pormenores sobre o que o leva a suspeitar de que os irmãos Chamberson são desonestos? – repliquei. – Deixe-me dar-lhe uma pequena dica, entre jornalistas – disse o Weinstead. Pela expressão do Hank, percebi que ele sabia tão bem como eu que o Weinstead nunca fora jornalista nem nada que se parecesse. Ainda assim, fiz o possível por parecer ansiosa por ouvi-lo. – Lembre-se de que o seu trabalho consiste em investigar o tema do seu artigo e não a pessoa que lho pediu. Sorri sem mostrar os dentes. Claramente, o Weinstead recusava responder à minha pergunta. – Só perguntei porque não vi nada que se parecesse com desonestidade na Galleon. Se lá ficasse durante meses, talvez acabasse por ouvir alguma coisa. No entanto, mesmo que quisesse lá ficar, e não quero, não consigo sobreviver sem um salário. Aliás, nem sequer o pagamento que receberia pelo artigo seria suficiente para cobrir as minhas despesas ao longo de tanto tempo. O Weinstead ergueu as mãos e olhou para o Hank. – Pague à rapariga o que ela precisa. – Meteu a mão no bolso do casaco, à procura de um livro de cheques. – De quanto precisa para continuar a investigar este caso? Duzentos dólares? Quinhentos? O à-vontade com o qual ele falava de enormes quantias de dinheiro deixou- me sem fôlego. Só Deus sabia como eu precisava dele, mas, ao mesmo tempo, isto já nada tinha a ver com um artigo de revista. Não importava o quanto eu ansiava pelo reconhecimento e o respeito que resultariam daquele tipo de artigo. O Bruce era o tema, e eu não iria, por dinheiro algum, difamá- lo, nem trair a sua confiança, mantendo-me envolvida naquela trapalhada. – Lamento – disse. – Eu... Foi nesse preciso instante que o Universo decidiu dar-me o pior momento da história da minha vida. Quando estendi o braço para afastar o livro de cheques do Sr. Weinstead, vi o Bruce Chamberson a um par de metros de mim. – Não ia passar o dia fora da cidade? – perguntei. Entretanto, apercebi-me de que tinha a mão no livro de cheques e retirei-a repentinamente como se tivesse sido apanhada a roubar. – Meu Deus, Bruce. Eu posso explicar tudo isto. – Não é preciso – replicou ele e partiu-se-me o coração ao ouvir a frieza da sua voz. – A Natasha tem contas para pagar e fez o que precisava para as pagar. – Retirou um cheque do casaco e estendeu-mo. – Isto é o pagamento justo pelo período em que trabalhou como minha estagiária, incluindo as horas extraordinárias. Tive de arredondar alguns números e não incluí duas horas do seu tempo, pois, na verdade, não estivemos a trabalhar. Ao ouvir isto, senti formigueiros quentes na pele. Ele estava a referir-se às duas ocasiões em que nos entregáramos aos nossos desejos. No entanto, ao mencioná-las, ele não estava a provocar-me, mas a recordar-me duramente de como eu fora indecente por me envolver com ele naqueles circunstâncias. – Bruce, por favor... – Tentei devolver-lhe o cheque, mas ele dobrou-me os dedos à volta dele. – Aceite o dinheiro, mas não quero voltar a vê-la. Ah, e paguei um quarto de hotel para o seu irmão até ao final deste mês. Ele já tem a chave e sabe onde é. Gostaria de poder dizer que vou ter saudades suas. Adeus, Natasha. – Eu não ia escrevê-lo. Depois de o conhecer, eu... eu ia contar-lhe tudo, mas tinha muito medo de que... O Bruce começara a afastar-se, como se não me ouvisse ou não estivesse interessado nisso. Eu não sabia dizer ao certo. O Sr. Weinstead voltou a meter o livro de cheques no bolso do casaco e fitou o Hank com um olhar soturno. – Espero que arranje uma maneira de resolver isto. Preciso do artigo. – Vou fazer o possível – disse o Hank. E, sem mais delongas, os dois homens pareceram esquecer-se da minha existência. Num abrir e fechar de olhos, eu não me limitara a voltar à estaca zero. Descera ainda mais abaixo. Tivera um vislumbre da possibilidade de, um dia, sair do buraco miserável que eu própria escavara na minha vida, mas, em vez disso, enterrara-me ainda mais. Agora, o Hank sabia que não podia incumbir-me de um trabalho a sério. E, como se isto não bastasse, o chefe dele também o sabia. Aliás, se viessem a dar-me nem que fosse um dos trabalhos mais beras, ficaria francamente surpreendida. Eu tentara ter tudo e, no fim, ficara sem nada.

Passei duas semanas a sentir pena de mim própria. Até fazia sentido, pois, durante duas semanas, eu tivera uma vida diferente. Uma vida na qual me enredara entre o que o Bruce Chamberson tinha de empolgante e de assustador e o que um homem como ele poderia significar para mim. Durante duas semanas, eu soubera como era engraçado sentir que tinha ao meu alcance tudo o que sempre desejara. Por isso, passei duas semanas a expurgar tudo isto da minha mente. Tentei esquecer tudo. O Bruce. A Galleon. A Business Insights. Querida esquecer tudo. Já trabalhara como empregada de mesa e, embora não fosse um emprego que me satisfizesse, pelo menos garantia-me um rendimento certo. Talvez tivesse de procurar um sítio para morar fora da cidade, quando o meu contrato de arrendamento terminasse daí a poucos meses, mas haveria de sobreviver. Sempre me aguentara e iria arranjar uma maneira de continuar a aguentar-me. O Braeden fora visitar-me, o que raramente acontecia. Continuava a viver no quarto que o Bruce lhe alugara no hotel e isto era uma ligação esquisita à parte da minha vida que eu estava a tentar esquecer. Ainda assim, era bom ver o meu irmão porque lhe apetecera ir visitar-me e não por precisar de um sítio onde ficar. Apesar do seu entusiasmo por não ser um fardo para mim, o meu irmão, como sempre, não mudara nem um pouco. Estava deitado no chão, encostado à parede do meu estúdio, pois não havia espaço para um sofá e eu estava sentada na cama. – Imagina... – disse ele. – Seria uma rede de descanso, mas que poderia ser usada debaixo de água. Não vais dizer-me que não é uma ideia genial. – Vou, sim – repliquei um pouco mais asperamente do que queria. Ele suspirou, sentou-se, encostou-se à parede e fitou-me. – Continuas a pensar no Batman? Podíamos dizer o que quiséssemos a respeito do meu irmão, mas ele era amoroso. Chamar «Batman» ao Bruce era uma das suas tentativas para me animar, como se pudéssemos transformá-lo numa piada em vez da ferida aberta que ele era no meu coração. – Estou a tentar esquecê-lo, pouco a pouco – respondi. – Sabes, não é que tenha visto muitos filmes românticos, mas não é nesta altura que o homem faz tudo e mais alguma coisa para ser perdoado? Não é a parte em que os espectadores podem vomitar ao verem o homem de joelhos a implorar por perdão? – Exatamente – respondi. – A única diferença é que, nesses filmes, quem costuma meter a pata na poça é o homem e não a mulher. – Então, porque é que não fazes o mesmo que todos os homens do mundo que imploram por perdão? Faz uma coisa em grande. Faz com que ele te perdoe. No teu estado atual, não vais chegar a lado nenhum, a menos que estejas a tentar superar-me no que toca a estar desempregado. No entanto, não me parece que consigas, mana. O Batman disse que eu estava «convictamente» desempregado e não creio que algum dia recebas um elogio desse nível. Revirei os olhos, sorrindo. – Pois não. Provavelmente, vais continuar a ser o rei dos desempregados. Mas achas que ele daria importância ao facto de eu tentar pedir-lhe desculpa? – Se fosse ao contrário, tu não darias? – Sim, mas não sei se isso mudaria alguma coisa. – Lá por gostarmos de nos armarmos em machões e fazermos flexões diante do espelho, isso não significa que nós, homens, não tenhamos o coração mole, Nat. Pensa um bocadinho. O desgraçado saiu de um relacionamento complicado e, a seguir, saíste-lhe tu na rifa. Ele também gostava de ti e, provavelmente, deve estar envergonhado por se ter deixado seduzir novamente por outra espertalhona que queria tramá-lo. Lancei-lhe um olhar sombrio. – Eu nunca quis tramá-lo. Tu sabes disso. – Eu sei – concordou o Braeden. – Mas será que ele sabe?

16

BRUCE

Avida continuou... mais ou menos. Eu saíra de um sonho particularmente agradável para entrar numa deceção temporariamente esmagadora, apercebendo-me de que fora apenas mais uma fantasia. Desde que dissera à Natasha que não queria voltar a vê-la, parecia que todas as manhãs tinha de recordar a mim próprio que ela saíra da minha vida. Não iria estar à minha espera diante do meu prédio, no carro da empresa cada vez mais amolgado. Não iríamos namoriscar no caminho para o escritório. Ela não iria azucrinar- me com o facto de eu não lhe pagar um salário, nem por não lhe dar trabalho a sério para fazer. A Natasha saíra da minha vida. Eu não conseguia perceber como é que, num par de semanas, ela conseguira causar tanto impacto na minha existência, ao ponto de eu sentir tanto a sua ausência. Eu sabia que devia estar zangado. Até furioso. Devia estar magoado. De certo modo, talvez sentisse tudo isto, mas o que mais me afetava era o sentimento de perda. Sabia que não podia permitir a mim mesmo voltar para ela, mas odiava esta realidade. Por isso, naquela manhã, ao sair do meu prédio, não estava à espera de ver a Natasha. E muito menos estava à espera de a ver a segurar numa espécie de colcha horrível e cheia de bolsos cosidos à mão. – Não precisa de dizer nada – disse ela, com uma expressão grave, aparentemente indiferente aos olhares que as pessoas lhe lançavam enquanto se dirigiam para o trabalho. – Mas peço desculpa e sei que gosta de ter as coisas organizadas e, por isso, fiz-lhe algo para arrumar as meias. Tem várias bolsas e, assim, pode pôr um par em cada uma ou organizá-las por cores... – Baixou um pouco o tom de voz e mordeu o lábio. – Não sabia ao certo quantos pares de meias tem, mas, se estas bolsas não forem suficientes, posso fazer-lhe mais uma igual a esta. Tirei-lhe aquela coisa das mãos e franzi o sobrolho. Estava louco por dizer «que se dane!», por abraçá-la e beijá-la e dizer-lhe que lhe perdoava tudo. Mas pusera um ponto final no assunto antes que ela tivesse hipótese de me magoar ainda mais. Distanciara-me e, se lhe perdoasse, voltaria a pôr-me a jeito para levar a facada nas costas que eu sabia que acabaria por levar. Embora quisesse agradecer-lhe e beijá-la, limitei-me a pegar na manta e dirigi-me para o carro, onde me esperava o meu motorista. Em vez de atirar despreocupadamente aquela «coisa» para dentro do automóvel, mostrei um mínimo de respeito, dobrando-a e pousando-a no meu assento, mas não me atrevi a dar-lhe mais do que isso. A partir desse dia, ela estava lá todas as manhãs, como um cachorrinho triste e com saudades de casa. Por vezes, trazia-me um café, sempre sem açúcar. Trazia sempre uma banana perfeita. Até escrevia o meu nome em toda a casca, como eu pedira que fizessem desde que ela comera a minha por engano no seu primeiro dia. No escritório, passava mais tempo do que alguma vez admitiria a observar os contornos femininos da sua caligrafia, como se eles pudessem revelar-me se ela estava realmente arrependida ou se apenas lamentava ter sido apanhada. Na maior parte dos dias, ela não dizia nada. Limitava-se a estar à minha espera, com os «presentes» na mão e a olhar-me com aqueles olhos grandes e inocentes quando eu pegava neles. A cada dia se tornava mais difícil resistir. Tinha de esforçar-me para ficar calado, porque sabia que, se abrisse a boca, correria o risco de deixar falar o meu coração em vez da minha cabeça. A Natasha fez-me tantos objetos e tantos instrumentos para arrumação que comecei a interrogar-me onde iria ela arranjar mais ideias. Algumas semanas depois, o meu apartamento estava atulhado de coisas que ela fizera para mim, a maioria das quais surpreendentemente úteis, sobretudo a geringonça que fabricara com cabides para eu pendurar as gravatas de modo a conseguir vê- las a todas. É claro que eu já tinha um sistema que funcionava bastante bem, mas o facto de saber que aquele fora idealizado pela Natasha fazia com que eu optasse logo pelo método dela. Eu era um homem de rotinas e ela não tardou a tornar-se a minha rotina preferida. Já não ficava a pensar na banana que comia antes do almoço. Ficava à espera de a ver durante um bocadinho todas as manhãs. O melhor presente que ela me trouxe foi a Caitlyn. Já tinham passado algumas semanas desde que a Natasha iniciara a rotina de me esperar à porta do meu prédio, mas, naquele dia, quando saí, em vez de ter na mão algo que fizera para mim, trouxera a Caitlyn. A Caitlyn soltou um guincho de entusiasmo quando me viu e correu a abraçar-me as pernas. A Natasha ficou a fitar-nos, embora tentasse fingir que estava a olhar para o chão. – Como é que conseguiu isto? – perguntei. Provavelmente, era a primeira vez que eu dizia tanta coisa desde que tudo aquilo começara e a Natasha pareceu ficar surpreendida ao ouvir-me falar com ela. A Caitlyn respondeu por ela. – Estou a ter aulas de jornalismo. A Natasha mandou-me uma mensagem, disse-me que era tua amiga e que se eu convencesse a minha mãe a contratá- la como minha explicadora, ela iria trazer-me aqui e poderíamos estar juntos! – Tenho a certeza de que isto é ilegal – repliquei, mas abracei a Caitlyn com força. – Bem... – disse a Natasha. – Talvez seja só um bocadinho ilegal, mas vale a pena, não vale? Consegui voltar a ver a Caitlyn na quarta-feira seguinte e a Natasha disse que faríamos o mesmo na sexta-feira. No entanto, na sexta-feira de manhã, a Natasha não apareceu. Esperei na rua, durante meia hora, sem me preocupar. A Natasha nunca conseguira deixar de se atrasar por algum motivo, pelo que calculei que tivesse perdido um comboio ou adormecido. Mas, por fim, decidi telefonar-lhe. Ao fim de tanto tempo de a ter à minha espera à minha porta, o facto de a procurar assemelhava-se a uma rendição, mas eu sabia que, a esta altura, ela merecia pelo menos isto, se não bastante mais. Ela traíra a minha confiança, mas estava a fazer mais do que qualquer mulher faria para se redimir. A Natasha não atendeu o telemóvel. A seguir, tentei ligar ao irmão, mas ele também não atendeu. Telefonei à minha secretária e pedi-lhe que procurasse um contacto de emergência na ficha da Natasha, pensando que talvez conseguisse falar com os pais dela, mas não tive sorte. Não podia ficar de braços cruzados, pelo que pedi ao meu motorista para me levar ao hospital mais próximo. – Bruce? – chamou a Natasha. Estava à espera no átrio e tinha os olhos vermelhos e inchados. Correu para mim e abraçou-me com força. – Foi o Braeden. Quando teve de deixar o hotel, os meus pais expulsaram- no de casa e ele voltou a tentar dormir no parque. Envolveu-se numa briga e ficou cheio de sangue, mas dizem que talvez sejam apenas alguns ferimentos na cabeça. – Ainda bem. O seu irmão é um palerma, mas estou contente por ele estar vivo. A Natasha riu-se. – Vou tentar transmitir-lhe exatamente as suas palavras. Sorri e foi uma sensação esquisita, como se depois daquelas semanas da nossa estranha e quase silenciosa dança, tivéssemos chegado a um momento em que parecia que nada acontecera. – Sabe... – disse eu, pouco depois. – Se uma pessoa quisesse mesmo que eu lhe perdoasse, deveria lembrar-se de como fiquei contente da última vez que me ofereceu banana com gelado. Os olhos dela brilharam de entusiasmo. – Talvez essa pessoa tenha achado que não podia usar duas vezes o mesmo truque. – Então, essa pessoa não sabe o quanto eu adoro banana com gelado. – Está a dizer-me que eu podia ter evitado todas aquelas cenas e que me teria perdoado logo a troco de uma banana com gelado? – Não. Estou a dizer que é adoravelmente persistente e, na verdade, eu nunca quis ficar chateado consigo. Portanto, já fez o suficiente e, agora, só me falta a sobremesa para lhe perdoar. – E está a dizer-me isso agora, quando estou aqui presa no hospital e preocupada com o meu irmão? – O seu irmão sentou-se meio nu em quase todas as superfícies do meu apartamento, desarrumou-me as coisas e deixou lá um pivete que ainda não consegui eliminar totalmente. No entanto, se quiser certificar-se de que ele está vivo antes de irmos comer a sobremesa, posso respeitar a sua decisão. Ela encostou-se a mim, apoiando a testa no meu peito, e soltou um suspiro longo e trémulo. – Está a falar a sério? – Estou. Não sei que educação é que os vossos pais lhe deram, mas ele não sabe o que é ter boas maneiras. Foi inacreditável. – Não é isso, seu grande idiota – disse ela, dando uma risadinha. – Perdoa- me mesmo depois daquilo que fiz? – Vou gostar de ter um pretexto para voltar a ser um chato consigo. Por enquanto, terá de contentar-se com isso. Ela assentiu com a cabeça. – Com muito gosto.

Sentei-me diante da natasha num cafezinho da moda, a alguns quarteirões do hospital. Entre nós, havia uma banana com gelado e eu estava a devorá-la como se não comesse há semanas. – Não consegue encontrar o seu almoço, sem a sua estagiária de confiança, ou quê? – perguntou ela. Tentei comer um pouco mais devagar, rindo-me de mim próprio. – Pode dizer-se que tenho andado um bocado distraído. – Com quê? – Lembra-se de eu ter dito que ia gostar de voltar a ser um chato? – Sim. – Isso significa que não tem o direito de fazer perguntas. Jornalista. Ao ouvir isto, ela estremeceu, como se ainda não estivesse preparada para perdoar a si própria tudo o que acontecera, embora eu já o tivesse feito. – Bruce, eu... Ergui a palma da mão. – Não precisa de dar explicações. Tenho um apartamento cheio de tralhas que fez para mim com as suas próprias mãos. Passou semanas a mostrar que está disposta a fazer o que for preciso para provar que não lhe agradou o rumo que as coisas tomaram. Pode achar que me contento com pouco, mas já me chega. Só há uma coisa que continuo a querer. As sobrancelhas dela arquearam-se ao ver-me fitar-lhe demoradamente os lábios. O que estaria ela a pensar que eu iria dizer que queria? Ela. Um beijo. Uma noite a sós com ela. Uma nova oportunidade. Eu queria tudo isto, mas ainda não conseguia verbalizá-lo. Ainda não. – A banana com gelado – disse eu. – Quero o último pedaço. Quase desatei a rir ao ver como ela ficara dececionada. – O que foi? – perguntei. – Estava à espera que eu dissesse outra coisa? – Não, mas eu também queria o último pedaço. Ela estava a mentir descaradamente, mas eu também, pelo que deixei passar. Não era o tipo de mentira que abalasse as bases de um relacionamento. Era o tipo de mentira que escondia segredos felizes. Pus o último pedaço na minha colher e inclinei-me sobre a mesa para a aproximar dos lábios dela. – Abra a boca, estagiária – disse eu. Ela fez-me um sorriso maroto e abriu a boca. Não consegui deixar de me lembrar do aspeto apetitoso dos seus lábios à volta do meu sexo, e o meu ritmo cardíaco acelerou. Por que raio é que as sobremesas me deixavam tão excitado? – Sabe... – disse ela, depois de engolir o último pedaço. – Dizem que sabemos quem é o homem certo para nós quando ele nos dá o último pedaço do seu petisco preferido. – A sério? – É o que dizem, mas eu digo que sabemos quem é o homem certo para nós quando lhe queremos tanto que passamos semanas a fio a fazer figuras tristes só para conseguirmos ter uma pequena hipótese de o reconquistar. – Eu sou a sua conquista? Não se iluda. A única coisa que há para conquistar aqui é a Natasha. Sempre o foi. A única questão era se o preço a pagar para eu ficar consigo era, ou não, demasiado alto. – Está a dizer que só queria ficar comigo se eu não lhe custasse caro? – Só a queria para mim se estivesse convencido de que não me faria fazer figura de parvo. Ao longo das últimas semanas, acho que cheguei à conclusão de que a quero de qualquer maneira. Quer me faça fazer figura de parvo ou não. Quero-a, apenas. – O que acabou de dizer foi muito parecido com o que diria um homem gentil e atencioso. O que é que aconteceu ao Bruce frio e calculista que conheço? – Talvez esteja a dizer-lhe coisas agradáveis só para a levar para a cama. Fiquei um pouco sem fôlego depois de interiorizar as minhas próprias palavras. A seguir, o meu ritmo cardíaco disparou ao ver um sorriso lento e sedutor a desenhar-se nos lábios dela. Adeus, segredos felizes. – E talvez esteja a resultar. No entanto, depois de me fazer esperar semanas por este pequeno encontro, parece-me que o mínimo que pode fazer é propor- me um programa agradável antes de me levar para a cama. – Como, por exemplo, uma saída noturna? – perguntei. – Exatamente. Uma saída noturna. – Recorde-me de quando é que houve uma inversão de papéis. Ontem, era a Natasha que estava à minha espera à porta do meu prédio e, agora, está a fazer exigências? Ela cerrou os lábios, olhou para cima e, a seguir, assentiu com a cabeça. – Mmh... Sim. Acho que é isso.

17

NATASHA

OBruce levou-me a um teatro abandonado, perto do limite do centro da cidade. Por fora, parecia uma enorme concha de betão. Passámos o portão principal, que estava coberto de correntes, e dirigimo-nos para a parte lateral do edifício. – Tem a certeza de que podemos fazer isto? – perguntei pela quinta vez. – Pare de ser tão cuidadosa – respondeu ele. – Isso significa que estamos a cometer um assalto, certo? Quando falei numa saída noturna, a minha ideia era ir patinar no gelo ou comer um gelado. – Acabámos de comer banana com gelado e já está a pensar outra vez em gelado? – perguntou ele, rindo-se. – O Bruce é que comeu banana com gelado. Acho que o último pedaço que me deu foi o único que comi. Ele parou, virou-se para mim e sorriu-me. Meu Deus, ele era mesmo bonito. Tinha o cabelo bem penteado para trás e as suas feições másculas e os seus lábios sensuais condiziam na perfeição com a roupa formal que lhe ficava tão bem. Com aquela camisa branca imaculada e uma gravata azul- escura, ele era a imagem do sucesso. Vestia umas calças também azuis, que lhe ficavam apetitosamente justas no traseiro e nas coxas. Ainda mal conseguia acreditar que ele estivesse interessado em mim, apesar de eu ter feito o possível por estragar tudo. – Talvez eu quisesse garantir que, mais tarde, a Natasha iria ter apetite para comer a minha banana. Fiz um sorriso irónico. – Se o seu objetivo é convencer-me a morder-lhe aí em baixo por estar a morrer de fome, está no bom caminho. Ele estremeceu um pouco. – Entendido. Podemos incluir um gelado na nossa saída noturna depois de sairmos do teatro sinistro e abandonado. – Certo. Por falar nisso... Importa-se de me dizer qual é a ideia? Isto é mais uma maneira de me castigar ou há algo que não estou a perceber? – Bem... Quando era miúdo, este era um dos meus locais preferidos. Pelo menos até fechar. Ele empurrou com força uma porta lateral. Para minha surpresa, a porta abriu-se. Faltavam pedaços de teto e, pelas aberturas, entravam raios de sol empoeirados, que iluminavam as filas de assentos estofados e o palco danificado. No fundo da sala, havia um conjunto de assentos cobertos de musgo e ervas daninhas. No entanto, parte do edifício mantinha-se surpreendentemente bem conservado. Olhei em redor, para as pinturas debotadas das paredes e para a enorme quantidade de adereços que ali ficara a apodrecer até que alguém acabasse por vir demolir o edifício. O Bruce limpou um dos assentos próximo do sítio por onde entráramos e fez-me um gesto para que me sentasse. Sentou-se ao meu lado e agitou os pés. – Surpreende-me que consiga estar aqui – disse eu. – Com a sua mania das limpezas e das arrumações, não sei como é que aguenta. – A sujidade nunca me incomodou particularmente. Gosto apenas de ter as coisas organizadas. – Disse-me que, quando era miúdo, este era o seu local preferido. Não sei se consigo imaginá-lo a apreciar peças de teatro. Sem ofensa. – Não me ofende nada. Gostava de vir aqui porque nunca podíamos dar-nos ao luxo de vir ver um espetáculo. No intervalo, os meus pais usavam aquela porta para entrarmos aqui e vermos a segunda parte da peça. Nunca víamos a primeira parte. Sempre gostei de tentar imaginar o que acontecera antes. Era uma espécie de mistério. »Não sei bem porquê – continuou ele –, mas acho que essa experiência se tornou uma das bases da minha filosofia de marketing. Muitos profissionais da minha área querem dizer-nos quais são as capacidades de um produto. No meu caso, sempre me pareceu mais eficaz levar as pessoas a imaginar as capacidades do produto. As coisas que inventamos são muito melhores do que a realidade. Foi aqui que aprendi isso. Fitei-o, semicerrando os olhos. – Sinto que está a tentar transmitir uma mensagem altamente codificada e... – Abanei uma mão por cima da cabeça. – Népia! Ele baixou os olhos e sorriu, num momento raro de vulnerabilidade. – Não há aqui qualquer mensagem profunda, mas, quando estava a pensar em onde iria levá-la, lembrei-me deste lugar. Foi sempre importante para mim e acho que é uma parte de quem sou. Quis que o conhecesse. Mordi o lábio inferior e sorri. – Agrada-me que tenha querido trazer-me aqui. Inclinei-me para ele e dei-lhe um beijo nos lábios. Ele pareceu ficar surpreendido, mas isso não o impediu de entrelaçar os dedos no meu cabelo e de me retribuir o beijo, de um modo que até me fez encolher os dedos dos pés. Recuei. – E agora, que tal irmos a um sítio importante para mim? – Parece-me bem.

Sentámo-nos num banco da estação de metropolitano, enquanto as pessoas esperavam pelo comboio seguinte. O Bruce lançou-me um olhar interrogativo quando percebeu que eu queria ficar sentada em vez de apanhar o metro para algum sítio. – Isto? – E porque não? Só o Bruce é que pode ter um sítio especial diferente? Ele riu-se. – Não, mas eu não tentei ser diferente. Fiz-lhe um meio-sorriso. – Pois. Nem eu. Mas foi aqui que me apaixonei pela cidade de Nova Iorque. Os meus pais viveram sempre no estado de Nova Iorque, mas não na cidade. De dois em dois anos, vínhamos cá passar um dia, mas nunca mais do que isso, pois as multidões sempre incomodaram os meus pais. »Uma vez, afastei-me deles quando íamos apanhar o metro. Eles não repararam que eu estava distraída e entraram sem mim no metro. Acabei por me aperceber de que eles tinham desaparecido e foi aqui que fiquei à espera deles. Isto aconteceu antes de toda a gente ter telemóvel, pelo que eles não tinham maneira de contactar comigo. Acho que passaram quase oito horas à minha procura e eu fiquei aqui sentada o tempo todo. »Lembro-me de observar as pessoas a chegar e a partir e de tentar adivinhar quais eram as suas profissões e como eram as suas vidas. Foi nessa altura que decidi que queria ser jornalista e que queria viver aqui. Parecia-me diferente e empolgante. Como se estivesse num filme. É claro que, aos dez anos, eu não sabia que a renda de um cubículo em Nova Iorque era igual à de uma casa com quatro quartos noutro sítio qualquer. Ainda assim, vou sentir saudades disto se tiver de ir-me embora. – Porque é que precisaria de ir-se embora? – perguntou ele. – O dinheiro que me deu ajudou, mas, neste momento, trabalho à noite como empregada de mesa e estou a tentar arranjar outro sítio para trabalhar durante o dia. Ou seja, depois de fazer a minha visita matinal à porta do seu prédio – acrescentei, sentindo-me enrubescer. Ainda me custava acreditar que seguira o conselho do meu irmão e fizera aquilo, mas ele tivera uma certa razão. Não sabia se o Bruce iria, ou não, perdoar-me, mas soubera-me bem fazer aquele grande pedido de desculpas, como se fosse uma espécie de penitência. – Deixe-me adivinhar... Não posso dar-lhe dinheiro para ajudá-la a ficar? – Pois não. Viver da caridade dos outros nunca fez parte do meu sonho de conseguir viver em Nova Iorque. É uma recompensa que quero merecer sozinha, embora agradeça a sua proposta. Ele assentiu com a cabeça, como se já o soubesse. – Por falar nisso, sei que pagou algumas das minhas rendas – disse eu. Ele fez um gesto de impaciência. – Foi muito gentil da sua parte, ainda que, provavelmente, a minha renda seja meia dúzia de trocos para si. Mesmo quando, supostamente, me odiava e queria que me demitisse, foi atencioso sem que eu desse por isso. – Sim, mas não conte nada disso ao meu irmão, ou ele não vai parar de me azucrinar se souber que teve razão desde o início.

O nosso serão terminou num restaurante situado no topo de um edifício. Havia fitas de luzes enroladas nas guardas do terraço e penduradas por cima de nós, e quase não se sentia o frio graças aos aquecedores de exterior. O Bruce nunca iria admiti-lo, mas eu tinha quase a certeza de que ele conseguira reservar toda a esplanada, porque estávamos completamente sós enquanto o interior do restaurante estava a abarrotar. O empregado de mesa veio perguntar o que queríamos beber e eu tentei pedir água, pois sabia que jamais teria dinheiro para pagar outra bebida ali. – A senhora vai tomar o vosso melhor vinho – disse o Bruce, erguendo uma mão para impedir que eu protestasse, antes mesmo que eu pudesse dizer uma palavra. – O mais caro e delicioso que conseguir arranjar – acrescentou ele, sorrindo. – Existe alguma palavra para designar uma pessoa gentil, mas palerma? – perguntei, quando o empregado se afastou. – Um palerma gentil? – sugeriu o Bruce. – Sim. O Bruce é um palerma gentil. – A Natasha pode teimar em não aceitar «esmolas», mas eu sou antiquado. Se sair comigo, sou eu quem paga a conta. Fico feliz por fazê-lo, pelo que não admito ser contrariado. Se ele tivesse posto as coisas de outra maneira, eu ficaria com a consciência pesada por aceitar, mas o Bruce conseguia fazer com que eu sentisse que ele tinha realmente prazer em oferecer-me o jantar. Não parecia uma esmola. Parecia apenas uma gentileza. – Então, obrigada. Embora às vezes me apeteça dar-lhe um pontapé no traseiro, é simpático. – Acabou de dizer que tenho um traseiro simpático? – Na verdade, nunca tive oportunidade de o ver como deve ser quando o despi, pelo que não tenho a certeza absoluta. Porque é que acha que me esforcei tanto para que me perdoasse? Ele soltou uma gargalhada. Agora sorria muito mais facilmente do que quando nos conhecêramos, e dei por mim a querer vê-lo sorrir cada vez mais, pois ficava-lhe lindamente. – Agora, tudo começa a fazer mais sentido. Primeiro, julguei que estava interessada no meu dinheiro. Depois, na minha carreira. Afinal, apercebo-me de que o que sempre lhe interessou foi o meu traseiro. – Exatamente – confirmei. O empregado de mesa apareceu com um recipiente grande de vidro, que mais parecia uma jarra, abriu a garrafa e começou a verter o vinho lá para dentro. O formato da parte de cima do recipiente de vidro fazia com que o vinho escorresse uniformemente pelo gargalo da garrafa e cobrisse quase todo o interior do recipiente, sendo filtrado até chegar ao fundo. – Porque é que ele está a deitar o vinho dentro daquela coisa? – perguntei, em voz baixa e inclinando-me para o Bruce, para que o empregado não ouvisse a minha pergunta. – É um decantador – explicou o Bruce. – É assim que sabemos que pedimos um vinho requintado. Supostamente, realça-lhe o sabor. Tem qualquer coisa a ver com a respiração do vinho, bolhas e essas coisas. Para ser sincero, todos me sabem ao mesmo. Costumo preferir água com limão, mas, por vezes, quando estamos a tentar levar uma rapariga para a cama, temos de usar o decantador. – A sério? – perguntei. – A sério. – E isso é algo que costume fazer regularmente? Tentar levar raparigas para a cama? O sorriso dele desvaneceu-se. – Não. Na verdade, há muito tempo que não o faço. Não menti quando lhe disse que me orgulhava de não repetir um erro. Aprendi com a Valerie que era um grande erro dar uma parte de mim a uma mulher. A seguir a ela, deixei-me disso. De vez em quando, o William tentava ajudar-me e apresentava-me alguém, mas nunca deu em nada. Eu sentia-me demasiado frio e distante, como se o meu verdadeiro eu estivesse a observar e a controlar o meu corpo à distância. – Um robô sexual – comentei eu. – Mas sem sexo, acho. – Sim, um robô, e, efetivamente, sem a parte sexual. Pelo menos, até a conhecer. – Então, e a seguir a mim? – perguntei. Era uma pergunta indiscreta e denotava a minha carência, e irritava-me tê- la feito, mas saíra-me sem que conseguisse conter-me. – A seguir a si? Foi a Natasha. Arqueei as sobrancelhas. – Usou-me para se esquecer... de mim? – Até hoje, sim. Pode dizer-se que sim. – Mmh... Parece-me bem. Se vai dar uma cambalhota com alguém para me esquecer, acho que não há ninguém melhor do que eu. – Quer dizer que a cambalhota está confirmada? – O Bruce usou o decantador. Ele olhou para o decantador. – Usei, sim. Esperemos que este vinho seja caro por ser delicioso e não porque algum colecionador daria uma fortuna por ele só para saber de que colheita é e de onde veio. – Percebo que isso seja um problema habitual em relação aos vinhos caríssimos. – É mesmo. – Agora, diga-me... – pedi. – Este restaurante é daqueles que só servem ovas de peixe e olhos de caracol ou tem comida normal? – É o tipo de restaurante no qual, provavelmente, usam um pacote de manteiga na preparação de cada prato, mas conseguem que um raminho de brócolos tenha um sabor divinal. Peça isto – disse ele, batendo com o dedo no nome de um dos pratos que constava na ementa e que eu mal conseguia ler, quanto mais pronunciar. – É só uma descrição complicada de um bife caríssimo, mas delicioso. – Vou acreditar em si. Embora eu não conseguisse pronunciar o nome do prato, o bife era tão maravilhoso que cheguei a pensar se, naquela noite, poderia haver alguma coisa que me desse tanto prazer. Era mesmo bom. Eu passara semanas a acordar alagada em suor depois de sonhar com tudo o que desejara fazer com o Bruce quando tivera oportunidade. Agora, tinha a certeza de que iria sonhar com vacas veganas que levavam uma vida de luxo e, provavelmente, às quais faziam tratamentos de beleza de manhã para garantirem que a carne delas iria derreter-se como manteiga na nossa boca. – Tenho a certeza de que esta vaca tinha muita personalidade – disse eu, depois de engolir um pedaço do bife. – Mas, sendo assim tão delicioso, não há como não acabar por ser comido. – Talvez tenha morrido de morte natural. – Ou, pelo menos, espero que ela tenha tido oportunidade de ver o Orgulho e Preconceito e o Exterminador 2. O Bruce fez uma careta e, a seguir, riu-se. – É uma combinação um pouco estranha. – Há alturas em que nos apetece chorar baba e ranho, e há alturas em que nos apetece ver alguém a levar pancada. Acho que esta vaca merecia ter visto o melhor destes dois mundos antes de morrer. – Lamento informá-la disto, mas algo me diz que ela morreu sem ver nenhum desses filmes. Suspirei, comi mais um pedaço de bife e não consegui conter um pequeno gemido de prazer. – Então, terei de limitar-me a apreciar esta carne e não pensar mais no assunto. Bebi um gole de vinho, que, na minha opinião de amadora, devia ser caro por ser delicioso. – Pelo menos, não preciso de ficar com um peso na consciência por causa das uvas que morreram para produzir um sabor tão fantástico. – Brindo a isso – disse o Bruce, com os olhos a brilhar e erguendo o copo e batendo suavemente com ele no meu. Gostava da maneira como ele me fitava. Na verdade, poderia ficar viciada nisso. Fitava-me como um homem deve fitar a mulher de quem gosta, mas havia no seu olhar um brilho de quase adoração e também uma expressão divertida e maliciosa. Eu conseguia sentir o desejo dele a irradiar através da mesa. Eu não sabia se era por causa do vinho, da comida ou do ambiente. Talvez fosse apenas a presença do Bruce. A verdade é que sentia um calor agradável na parte inferior da barriga e estava quase certa de que o meu corpo estava a enviar-me um sinal bastante claro: Vai para a cama com ele. Faltava resolver apenas uma coisa. Havia um quadradinho que ainda não tinha uma cruz verde. – Bruce... – disse eu, baixinho. – Preciso que saiba que, depois de o conhecer, decidi que não iria escrever o artigo. – Está bem – replicou ele. – Isso já não tem importância. – Não – retorqui, com firmeza. – Tem, sim. Embora eu já não tencionasse escrever o artigo, deixei correr a mentira durante mais tempo do que devia. Deveria ter-lhe contado assim que percebi que gostava de si, mas tinha receio de que fosse o fim do meu sonho. Os seguranças iriam arrastar-me para fora do parque de diversões, comigo a dar pontapés e a gritar, e eu iria passar o resto da minha vida a desejar ter ficado lá mais um bocadinho. Ele arqueou uma sobrancelha. – Infelizmente, e na prática, nunca levámos a parte do «sonho» até ao fim – disse ele. – Não é capaz de ter uma conversa a sério? – perguntei, embora não conseguisse deixar de me rir um pouco. – Eu estou a tentar tirar um peso da consciência e o Bruce só manda «bocas» picantes. – Sou todo ouvidos. – Estou só a tentar pedir desculpa, mas não por ter planeado descobrir sorrateiramente os seus vícios e escrever o artigo. Quero que saiba que, logo nos primeiros dias, desisti de o fazer. Lamento apenas não lhe ter contado mais cedo o motivo pelo qual fui para a Galleon. – Não posso ficar chateado consigo por não ter confiado em mim. No início, também não confiei em si. Por isso, estamos quites. A seguir ao jantar, fomos para casa do Bruce e, sabendo que o Braeden não estava lá, a sensação de entrar no apartamento dele foi completamente diferente. Agora, não podia fazer de conta que tinha lá ido por causa do meu irmão e não havia dúvidas quanto ao rumo que a noite iria tomar. Felizmente, o Braeden estava bem. Depois de sair do hospital, eu ligara para lá várias vezes, para saber se já poderíamos ir visitá-lo, mas ele disse-me sempre que me daria um pontapé no traseiro se eu interrompesse o meu «dia de sonho» com o Batman. Já não havia desculpas. Todas as dúvidas haviam sido afastadas. A noite era nossa e ambos sabíamos como queríamos passá-la. Senti este desejo a palpitar-me no peito e na cabeça enquanto o Bruce me pegava na mão e me conduzia diretamente para o quarto dele. Ambos sabíamos que o namorico e a espera haviam chegado ao fim. Ele fizera-me a vontade e proporcionara-me o melhor serão da minha vida, mas agora chegara o grande momento. Estava tão nervosa que até sentia as mãos a tremer. Porquê? Não sabia ao certo. Um novo começo. Um possível final. Ou, talvez, ser uma certa desilusão para ele. No quarto, soltei uma gargalhada ao ver uma banana na mesa de cabeceira. – Só pode estar a brincar – disse eu, com lágrimas nos olhos de tanto rir. – Não é o que parece – replicou ele. Ri-me ainda mais. – Oh, meu Deus. Isso nem sequer me passou pela cabeça. O Bruce também já se ria, mas parecia estar a achar mais piada ao meu divertimento do que a outra coisa qualquer. – Às vezes, acordo com fome, está bem? – Está bem – respondi. Entrelacei-lhe os meus dedos atrás da nuca, apoiando os braços nos ombros dele. Fitámo-nos nos olhos e o riso transformou-se em algo mais intenso. Um desejo crescente. – Tenho o estômago tão cheio que até me dói, mas já estou com fome. Ele pegou-me ao colo, apertando-me contra o peito, e levou-me até à cama, na qual me pousou como se eu fosse leve como uma pena. Fiquei deitada de costas, sem tirar os meus olhos dos dele. Ele olhou para mim sem disfarçar a expetativa. – Desde o dia em que te conheci que estou à espera de te abrir as pernas e de te penetrar. Mesmo antes de estar disposto a admiti-lo. Lambi os lábios enquanto recuava, tentando chegar às almofadas, mas calculei mal o trajeto, a minha cabeça ficou de fora da cama e quase caí no chão. O Bruce agarrou-me antes de eu cair e fez-me deslizar suavemente para o meio da cama. – Achas que não vais cair enquanto eu estiver a despir-me? – perguntou ele. Corei. – Vou fazer o possível, mas talvez seja melhor seres tu a despir-me, não vá eu magoar-me de algum modo. – Achas que sim? – perguntou ele. Estava debruçado sobre mim, com as mãos apoiadas dos lados da minha cabeça. Levantou uma delas para tirar a gravata, atirando-a para o chão. Desapertou alguns dos botões da camisa, mas acabou por lhe faltar a paciência e concentrou-se em mim. De manhã, quando me vestira, não previra que iria sair à noite e dormir com um homem lindo e bilionário. Vestira-me para a minha enésima tentativa de redenção, ou seja, com um macacão branco às flores. O Bruce olhou para mim e franziu o sobrolho. – Como é que se despe esta coisa? Começou a puxar pelo cós, que era apenas uma tira de tecido para apertar à volta da cintura. Quando me tocou, eu não estava à espera e fez-me cócegas. Soltei uma pequena gargalhada. – P... Para – ri-me e só consegui dizer: – Não é assim. Fiz deslizar uma das alças pelo braço, para que ele percebesse o que tinha de fazer. Ele soltou a outra alça do meu ombro e, a seguir, puxou o macacão todo para baixo, erguendo-me o traseiro e os pés para o retirar completamente. Olhei rapidamente para baixo para verificar qual era a roupa interior que vestira e fiz figas para que não fosse demasiado velha. Felizmente, eram umas cuecas de renda cor de rosa e um sutiã a condizer. Tendo em conta o meu azar habitual, isto era um milagre. Ao olhar para mim, ele lambeu os lábios e pareceu ficar indeciso entre comer-me com beijos ou despir-me a pouca roupa que me restava. Pouco depois, inclinou o pescoço para me beijar no peito e entre os seios e a seguir desde o umbigo até às coxas. Cada beijo provocava-me uma sensação de calor e de formigueiro, como se todo o meu corpo fosse percorrido por pequenas ondas de prazer. Toquei-lhe sem qualquer vergonha, apertando-lhe os músculos através da camisa e enfiando as mãos na abertura da camisa, para sentir o seu peito firme e lhe agarrar nos bíceps, enquanto ele beijava cada centímetro da minha pele. Por fim, ele voltou a beijar-me na boca, com ardor, e foi então que senti a mão dele a subir-me pela coxa. Roçou nela com a parte lateral da mão, provocando-me um arrepio que me percorreu o corpo como se fosse uma descarga elétrica. Mordi-lhe o lábio com um pouco mais de força do que tencionava, mas, se o magoei, ele não o mostrou. Meteu-me a mão dentro das cuecas, dobrando os dedos para conseguir tocar-me. A minha testa enrugou-se e a minha boca abriu-se como se eu estivesse em estado de choque, enquanto ele movia habilmente os dedos. Penetrou-me com eles, para os molhar em mim e, a seguir, fê-los deslizar pelo meu sexo, para cima e para baixo até eu julgar que iria gritar de puro êxtase. Pensei vagamente que deveria agarrar-lhe no membro para lhe retribuir o gesto enquanto ele me acariciava, mas achei que não conseguiria lá chegar. Além disso, a avaliar pela sua respiração quente no meu pescoço, ele não parecia estar descontente com o rumo da situação. O corpo dele movia-se ao ritmo dos dedos, roçando-se suavemente em mim como se não conseguisse parar antes de terminar e como se se excitasse com o seu próprio desejo. Eu nunca fora uma pessoa confiante, sobretudo no que tocava a sexo, pelo que bebia avidamente todos os sinais de excitação e desejo que ele mostrava. Agarrei-lhe na nuca, não conseguindo deixar de lhe cravar os dedos na pele e pressionando o rosto dele contra o meu pescoço. Ele fazia-me sentir tão bem e não parava de me beijar onde conseguisse chegar. O Bruce foi aumentando o ritmo até eu sentir que estava quase a vir-me. – Quero-te todo – arquejei. – Por favor, quero-te todo dentro de mim. Quero sentir-te. Ele grunhiu, como se as minhas palavras fossem mãos invisíveis que tivessem começado a acariciá-lo. Endireitou-se e abriu a camisa toda, arrancando um botão ou dois. Sendo ele tão certinho, isto foi tão inesperado que me fez sentir um arrepio de luxúria. Ele deitou-se de costas e tirou as calças e os boxers, sem se esforçar por se despir de um modo sensual. O Bruce só queria despir-se e penetrar-me o mais rapidamente possível, e dei graças por isso, pois sabia que, se ele não se despachasse, não iria aguentar muito mais até passar pela vergonha de ser eu própria a arrancar-lhe a roupa e a saltar-lhe para cima. Ele retirou um preservativo do bolso das calças, abriu a embalagem e colocou-o. Fiquei aliviada ao perceber que ele ainda conseguia raciocinar, pois eu não tinha certeza se me lembraria do preservativo. Talvez até o tivesse deixado penetrar-me antes que me passasse pela cabeça, o que era um pouco assustador. Eu sempre fora cuidadosa. Sempre soubera que nunca deixaria que um homem me tocasse sem proteção, embora, de certo modo, o Bruce parecesse estar acima dessa regra. Sentei-me e estendi os braços para ele, puxando-o mais ou menos para cima de mim apesar de ele estar a colocar-se nessa posição. O seu membro ereto estava no meio de nós e inclinei o pescoço para olhá-lo. Estava à espera que ele pegasse nele e o introduzisse dentro de mim, mas limitou-se a abanar habilmente as ancas, orientando a ponta do falo entre as pregas do meu sexo e espalhando a minha humidade sobre ele durante alguns segundos torturantes. A seguir, quando pareceu estar pronto, começou a penetrar-me. Não entrou dentro de mim de repente, mas fê-lo sem hesitações. Começou a entrar lentamente, um pouco de cada vez. Senti que tinha de abrir-me para que ele conseguisse penetrar-me, algo que não acontecera de todo a única vez que tivera relações com um homem. Dei por mim a gostar daquela sensação, como se estivesse a ser penetrada de um modo que eu nunca tivera consciência de desejar tanto. – Mais fundo – arquejei. – Meu Deus... Quero mais. Por favor. Ele grunhiu mais uma vez, sem deixar margem para dúvida de que gostava de que eu dissesse aquelas coisas. Eu não estava a fazer «conversa porca» para me exibir nem por achar que era algo que ele queria. As palavras saíam- me, simplesmente. Era algo de quase tão incontrolável como um espirro. Eu nunca sentira nada assim. Era como se estivesse tão desesperada por aquilo que o meu corpo passara a estar acima da minha mente e do meu embaraço. – Vais ter direito a tudo, estagiária. Não te preocupes. As palavras dele soaram sensualmente ásperas, acompanhadas de um bafo quente e de uma mordidela no lóbulo da minha orelha, seguida de um beijo para aliviar a dor. Ele já estava completamente dentro de mim e a sensação era mais forte do que eu conseguia aguentar. Cravei os dedos nos lençóis, nas costas dele, na almofada, na cabeceira da cama – em tudo o que eles conseguissem encontrar para me manterem presa à realidade e me impedirem de ser arrastada pelo êxtase avassalador que ele provocava em mim. Ergui ousadamente as ancas na direção dele, levantando o traseiro da cama e prendendo as pernas à volta da parte de trás das coxas dele, de modo a conseguir que ele me penetrasse mais fundo. Abri-me mais para ele, querendo apenas senti-lo todo. Eu não falara só por falar. Eu desejava cada pedacinho dele. Cada centímetro.

18

BRUCE

la era divina. A cada vez que penetrava a Natasha era como se apagasse E a memória de todas as mulheres com quem estivera antes. As noites que passara a tentar encontrar algo de profundo entre os braços de outras ficaram reduzidas a pó. O tempo que desperdiçara com a Valerie parecia-me agora sem sentido. Como pudera passar-me pela cabeça que ela pudesse bastar-me? Como é que nunca me apercebera de que uma mulher podia dar muito mais, ser muito mais fantástica? Mantive o tronco erguido, apoiando uma mão na cama e usando livremente a outra para agarrar os seios da Natasha, que tinham o tamanho perfeito. Eram apenas um pouco maiores do que as minhas mãos, com os mamilos sempre eretos. Fiz deslizar a minha mão por todo o corpo dela, tão hipnotizado pelas linhas graciosas do seu pescoço e das suas ancas como pelo prazer carnal de sentir a sua vagina a apertar-me o membro e o peso suave dos seus seios. Ela um anjo. A perfeição. E, acima de tudo, era minha. Não havia como negá-lo. Estávamos ambos totalmente concentrados um no outro. O meu falo penetrava no seu sexo quente e húmido, e os seus gemidos eram cada vez mais fortes, mas não era só isto. Eu sentia que estávamos a criar algum tipo de ligação, um laço, algo que nunca me acontecera antes. Tínhamos passado várias semanas numa dança frágil, na qual existia relutância e cautela de ambos os lados. Fizéramos tentativas hesitantes para nos aproximarmos um do outro, para criar algo importante para nós, mas nenhum de nós estava preparado para se entregar totalmente. Isto era a nossa entrega. À medida que entrava dentro dela, o sentimento crescia. Estávamos a construir algo. E eu queria que tudo fosse perfeito, pelo que a agarrei pelas ancas e a virei de barriga para baixo, posicionando-a de gatas. A avaliar pelo leve gemido de surpresa que soltou quando entrei nela por trás, parecia estar a gostar. A sua cintura delgada alargava na direção das ancas, formando o contorno sensual de uma lágrima. Agarrei-a pela parte mais fina da cintura, desfrutando da minha posição de controlo e do modo como conseguia penetrá-la, como se ela fosse o meu brinquedo sexual. Entrei nela com força por trás, aumentando o ritmo, e a cada investida ouviam-se as minhas ancas a baterem no seu traseiro macio. Ela esticou os braços para se agarrar à cabeceira da cama e agradou-me o facto de ela estar sempre a virar-se para olhar para mim. Não se contentava em fechar os olhos e imaginar. Ela queria ver-me. E eu sabia que ver-me a comê-la a punha em ponto de rebuçado, pois os seus olhos dançavam do meu rosto para o meu peito e para os meus abdominais, e até para as minhas mãos, que lhe percorriam o corpo. Pus as mãos à volta dela, para lhe agarrar os seios, que pareciam mais pesados e maiores agora que pendiam debaixo dela e abanavam sempre que eu investia dentro dela. – Quero ver-te melhor – disse ela, ofegante. Virou-se, agarrou-me num ombro e deitou-me de costas na cama. Sempre preferira ser eu a controlar, mas ela foi tão sensual a tomar a iniciativa desta nova posição que não me importei. Adorei ficar a vê-la a pôr- se em cima de mim. Agarrou-me no sexo, que estava coberto da sua humidade, e desceu sobre mim, dando-me uma visão espetacular de todo o seu corpo, desde a parte interior das coxas molhadas até aos seus lábios entreabertos e ainda vermelhos por causa dos nossos beijos. Soltou um arquejo de alívio enquanto descia sobre mim. Ao ver que eu a fitava quando começou a montar-me com intensidade, desviou o olhar e as suas faces enrubesceram com um lindo tom de vermelho. Ergui as mãos para lhe agarrar o traseiro e comecei a mover as ancas ao ritmo dos seus movimentos. Eu estava quase a vir-me. Quase, quase. Ela pôs uma mão num dos seios e agradou-me muito que o gesto parecesse involuntário, como se ela não tivesse sequer a noção de como era loucamente sensual que se acariciasse enquanto me montava. Inclinou-se para mim, apoiando as duas mãos no meu peito, e soltou-se completamente. Agarrou-se a mim com força e começou a comer-me sem qualquer inibição. Encostei-me para trás e desfrutei, fitando a sua testa franzida e os seus seios que baloiçavam. Era puro êxtase e eu não sabia se iria aguentar-me muito mais. Ia vir-me. Passara semanas a fantasiar sobre como iria comê-la e o sexo terminava sempre comigo em cima dela, com as suas mãos cravadas nas minhas costas e as suas pernas a envolver-me com força como se disso dependesse a sua vida. Estiquei o braço, pousei-lhe uma mão no peito e obriguei-a a deitar-se de costas, enquanto eu rolava para cima dela. Não sei como, mas, nesta mudança de posição, consegui manter-me dentro dela e, poucos segundos depois, estava a montá-la. Voltei a esticar os braços, puxei-lhe as pernas para cima, dobrando-as à volta da minha cintura, e inclinei-me para a beijar. Depois, deixei-a desfrutar. Não exerci qualquer controlo. Não me preocupei em planear as coisas, nem com o facto de ela se vir antes de mim, pois eu sentia que ela estava quase. Eu sabia que ela estava prestes a vir-se, tal como eu. As suas mãos cravaram-se nas minhas costas, e foi a concretização da minha fantasia. Eu chegara exatamente aonde queria e senti os meus testículos a contraírem-se ao atingir o orgasmo. Nessa altura, os dedos dela cravaram-se ainda mais em mim e ela gritou: – Estou a vir-me. Senti que a sua vagina se apertava à volta do meu membro, esfregando-o, como se o corpo dela não quisesse perder uma gota de sémen, embora eu tivesse um preservativo. O meu sexo latejou, libertando o orgasmo mais demorado e intenso que eu alguma vez sentira. Beijei-a mais uma vez e, a seguir, saí lentamente de dentro dela e sentei-me sobre os calcanhares. Fitei-a, exausta, toda aberta para mim e completamente molhada. – És tão bonita, caraças! – disse eu. Ela lambeu os lábios e olhou para mim, sentindo ainda as últimas ondas do orgasmo. – Apetece-te tomar um duche? – perguntou ela. – Talvez precise da tua ajuda para me dares banho. Neste momento, sinto-me com pouca força nas pernas. – Tinha esperança de que mo pedisses – respondi.

A natasha passou a noite em minha casa, pelo que, na manhã seguinte, tentei fazer o mínimo de barulho possível a arranjar-me. Levantei-me bem cedo e, depois de me vestir para ir para o escritório, passei um bom bocado a trabalhar no computador. Quando, por fim, ouvi o som dos pés descalços da Natasha, chamei-a para que viesse sentar-se comigo à mesa da cozinha. Ela sentou-se, com um ar descuidado, mas adorável, com o cabelo espetado de um dos lados e os olhos ainda inchados e meio fechados por ter acabado de acordar. – Já estás vestido? – perguntou. – Sim. Esta manhã estive a analisar o perfil de uma possível colaboradora. Consultei a sua experiência profissional e pareceu-me que se encaixaria perfeitamente na equipa da Galleon. A Natasha ficou pouco à vontade, como se já estivesse a perceber o rumo da conversa e a tentar educadamente pôr-lhe um ponto final. – Bruce... Agradeço-te. Mesmo. Mas não quero voltar a ser tua estagiária. Quero estar contigo, mas não quero trabalhar como uma espécie de escrava a receber um salário de esmola. – Não estou a falar de um estágio. Estou a falar de um lugar na minha equipa. Já percebi que tens cabeça para isto, Natasha. A maioria dos meus colaboradores não tem o grau académico adequado nem aprendeu as fórmulas certas na escola. O mais importante é o instinto e o que têm aqui. – Toquei com o dedo na minha têmpora. – Li os artigos que escreveste e tens uma noção incrível dos verdadeiros motivos pelos quais um negócio funciona, e isso é meio caminho andado no que toca ao marketing. Quanto ao resto, poderemos ensinar-te facilmente. Ela franziu o sobrolho, abanando a cabeça e olhando para as mãos. – Não sei o que dizer. Ou seja, não quero parecer ingrata, mas continuo a sentir que estás a tentar arranjar uma maneira de me dares uma ajuda financeira. Sei que preciso dela, mas é importante para mim conseguir sustentar-me. Nunca quis sentir-me um fardo para alguém, nem nunca me agradou sentir-me a mais. Por outro lado, sempre sonhei ser jornalista. Não sei sequer se gostaria de trabalhar em marketing ou nisso de que estás a falar. – Não vou mentir-te. Quero dar-te dinheiro. Mesmo quando estava a tentar afastar-te da minha vida, já queria dar-te dinheiro para resolver os teus problemas. Nunca daria como mal gasto o dinheiro que fosse preciso para viveres feliz na cidade durante muitos anos, mas sabia que és o tipo de pessoa que não aceitaria ajuda financeira. És orgulhosa e íntegra, e isso é algo que adoro em ti. Por isso te peço que acredites que não estou a dar-te uma esmola. Se tivesse olhado para o teu trabalho e achasse que não darias mesmo conta do recado, não estaria a fazer-te esta proposta. Se não te conhecesse, achas que me daria ao trabalho de andar à procura dos teus artigos? Não o faria. Mas a vida é assim. Por vezes, para arranjar bons empregos é preciso conhecer as pessoas certas, pelo que, se aceitares a minha proposta, não estarás a fazer mais do que fazem, ou fizeram, metade das pessoas que vivem nesta cidade. Fiquei calada. – Se eu aceitasse esse emprego, teria de ter a certeza de que não irias tratar- me de um modo especial por eu ser a tua... – Dama da noite? – sugeri. Ela lançou-me um olhar azedo, mas, a seguir, sorriu. – Estava a pensar mais na palavra que começa por «N». – Mmh... Parece-me que tens de ser mais específica. – Namorada – lançou ela. Sorri. – Bem... Se fores insistires muito nisso, claro que sim. Mas preciso de um esclarecimento. Seres minha namorada é uma condição para aceitares o emprego ou não tem nada a ver? Ela fitou-me como se quisesse trespassar-me com o olhar. – Estou a brincar – disse eu, suavemente. – Já te considerava minha namorada, mesmo antes do dia de ontem. Foste minha «ex» durante algum tempo, mas voltaste a ser minha namorada. Está bem? – E eu não tenho uma palavra a dizer? – perguntou ela. Foi a minha vez de lhe lançar um olhar soturno. Ela ergueu os braços, como se quisesse defender-se. – Também estava a brincar. Mas, para responder à tua pergunta, é óbvio que quero ser tua namorada, com ou sem o emprego. A única coisa que não quero é ser alvo de chacota. Não quero que as pessoas olhem para mim e pensem que me contrataste porque fui para a cama contigo, percebes? – Na verdade, deste uma cambalhota com o patrão. – Só com um dos patrões – acrescentou ela. – Bem-visto, mas certifica-te de que a coisa se mantém assim. Ela lançou-me um olhar divertido. – Chega-me e sobra-me um só irmão Chamberson. Não precisas de te preocupar. – É algo de confuso para o meu ego. Ele é igualzinho a mim. Se uma mulher me traísse com ele, o que é que eu poderia dizer? – Talvez não precises de continuar a preocupar-te com «uma mulher» e possas passar a preocupar-te apenas comigo. – Depois de dizer isto, calou-se e tapou a cara com as mãos. – Meu Deus. Peço desculpa. A minha frase foi demasiado forte e demasiado rápida, e também insinuou que tinhas de preocupar-te com a possibilidade de eu te trair. – Ela levantou um dedo para espreitar por detrás das mãos e olhar para mim. Eu estava a sorrir. – Não sei bem porquê, mas não tenho a certeza de que, contigo, possa haver algo demasiado forte ou demasiado rápido. E, no que toca à traição... – Inclinei-me sobre a mesa e incitei-a a fazer o mesmo, para que pudesse beijá- la. – Farei tudo para que não tenhas capacidade de atingir orgasmos com mais ninguém. Vou fazer-te vir de manhã, depois do trabalho e antes de ires dormir. Vais ser toda minha. Até à última gota. Ela encostou-se para trás, tentou fazer baloiçar a cadeira e começou a agitar os braços para manter o equilíbrio. Os olhos dela esbugalharam-se de um modo cómico e quase não fui a tempo de esticar o braço e lhe agarrar no pulso para impedir que caísse para trás. – Além disso... – acrescentei. – Achei que terei de certificar-me de que consigo manter-te viva entretanto. – Parece-me um bom plano – disse ela. – O quê, ao certo? Os orgasmos constantes ou manter-te viva? – As duas coisas.

19

EPÍLOGO – NATASHA

Um mês depois ≈

ceitei trabalhar para o Bruce e não poderia estar mais satisfeita. Passara Auma grande parte da minha vida de jovem adulta a pensar que queria ser jornalista e talvez ainda viesse a sê-lo. Trabalhar na Galleon fez-me perceber que aquilo que realmente desejara era um emprego no qual o meu esforço fosse importante, que me permitisse dar o meu melhor e que me recompensasse quando fosse bem-sucedida. Não queria que o meu desempenho profissional fosse avaliado com cruzes numa lista ou por critérios predefinidos de êxito. Queria um emprego no qual pudesse pôr o cérebro a funcionar e sentisse que tinha um contributo importante. Julgara que o jornalismo seria essa profissão, e ainda poderia vir a sê-la um dia, mas naquele momento era na Galleon que eu encontrava tudo o que desejava. Quando saí do trabalho, encontrei-me com o Braeden numa festa da Business Insights. O Bruce iria aparecer mais tarde, quando terminasse as suas reuniões. Demitira-me da revista no dia seguinte a ter aceitado a proposta de emprego do Bruce. Antes disso, e teoricamente, continuava disponível como jornalista freelance e poderia ter pedido ao Hank que me desse um trabalho bera para fazer. No entanto, e apesar de me ter demitido, ele tivera a gentileza de me convidar para a festa de celebração anual da criação da Business Insights. Tinham enfeitado o escritório com decorações pirosas e a comida era tão má como sempre. Mas havia bebidas e uma grande quantidade de champanhe que o Sr. Weinstead oferecia sempre, embora nunca se desse ao trabalho de aparecer nas festas. O Braeden estava de T-shirt preta coçada e calças de ganga. O cabelo dele parecia ter sido lavado há pouco tempo, o que era sempre bom. – Achas que o Bruce vai chagar-me o juízo quando chegar? – perguntou o Braeden. Encontrávamo-nos ao lado de uma das mesas onde estavam pousados uma dúzia de garrafas de champanhe e copos de plástico. Era uma combinação requintada. Champanhe caro bebido em copos de plástico como os que os miúdos do secundário gostavam de usar nas festas. No entanto, ninguém na revista era picuinhas com essas coisas. Eu ainda não vira a Candace, mas nós tínhamos chegado um pouco cedo, pelo que tinha a certeza de que ela não tardaria. Naquele momento, ainda éramos poucos e não havia ninguém a dançar ao som alto da música que saía de duas colunas. – Porque haveria ele de te chagar o juízo? Porque falhaste no emprego que ele tentou dar-te? O Braeden fechou os olhos como se fosse explicar algo a uma pessoa muito limitada. – Eu não falhei. Apercebi-me de que o meu talento estava a ser desperdiçado num sítio como aquele. Um bando de lambe-botas e de totós que só conseguiam funcionar se tivessem um agrafador à mão? Ora, ora! Sabes que não é isso que quero para mim. – Claro! E tenho a certeza de que também não foi por teres de acordar às seis e meia da manhã. – De todo – disse ele. – Mas tenho uma coisa nova. Desta vez, vai ser em grande. Acredita em mim. – O que é? – perguntei. – Não quero dar muitos pormenores, pois ainda estou a começar, mas digamos que tenho visto muitos vídeos sobre ioga no YouTube. Arqueei as sobrancelhas, expectante e à espera de mais. – E? – perguntei, quando me pareceu que ele não iria dizer mais nada. – E, digamos... – acrescentou ele num tom irritantemente misterioso – ... que Nova Iorque está prestes a ter um novo grande mestre de ioga. Tentei não desatar a rir. – Consegues, ao menos, tocar com as mãos nos pés? – Não é uma questão de habilidade, Nat. Essa é a primeira lição. É uma questão de... E esta palavra foi criada por mim, pelo que te peço que o menciones se a usares... vontabilidade. – «Vontabilidade»? – Sim, a vontade de ser hábil. É a base da minha filosofia. – Bem... Fico contente por estares empolgado com uma coisa. Mais uma vez. – Namastê – disse ele, juntando a palma das mãos e fazendo-me uma meia vénia. Ter-me-ia rido, mas conhecia demasiado bem o meu irmão. Ele não estava a brincar. Era uma das suas características que eu adorava, ainda que parecesse mantê-lo preso a uma sucessão de fracassos e deceções. O Braeden era capaz de canalizar durante meia dúzia de dias todo o seu entusiasmo e energia para um novo projeto. E, durante essa meia dúzia de dias, andava verdadeiramente feliz, porque nem sequer punha a hipótese de as coisas correrem mal. Eu aprendera a ir na onda dele e a sorrir, pois, ainda que ele estivesse condenado a falhar, era meu irmão e andava satisfeito nestes momentos. Faria sempre figas para que uma das suas ideias malucas tivesse sucesso, mas até que isso acontecesse, fazia o que estava ao meu alcance: apoiá-lo. – Parece-me uma ideia fantástica – disse eu, alegremente. – Quando começares a dar aulas, avisa-me, pois talvez possa falar em ti na Galleon. Tenho a certeza de que algumas colegas minhas gostam de ioga. – Ótimo – disse ele e, talvez fosse só impressão minha, mas pareceu-me que falara com um ligeiro sotaque asiático. Tapei a boca para que ele não me visse sorrir. A Candace chegou com um grupo de pessoas e viu-me imediatamente. Dirigiu-se para mim, caminhando de um modo estranho, com as mãos sobre a cabeça e abanando-se toda. – Natashaaaa! – grunhiu ela, com uma voz grave e assustadora. – Candaaace – disse eu, sorrindo e tentando imitar o seu tom grave e esquisito. Ela deu-me um abraço apertado. Como sempre, cheirava a champô com aroma a flores e a protetor solar. A Candace tinha imenso cuidado com a pele e nunca saía de casa sem aplicar uma boa camada de protetor solar. – Então? – chilreou ela. – Que tal é trabalhar na chiquérrima Galleon Entreprises? Tens direito a uma massagem antes do almoço? As sanitas são folheadas a ouro? – Não há massagens durante as horas de serviço e as sanitas são de porcelana tal como em toda a parte. Mas o papel higiénico é de folha dupla. – Cala-te! – A Candace acompanhou esta exclamação batendo-me no ombro com mais força do que julgo que tencionava. – Estás bem? – perguntei, encolhendo-me e rindo. – Desculpa. – Puxou-me para si e voltou a abraçar-me. – Tenho a sensação de que não te vejo há séculos e estou toda saltitante. Agora, vamos falar a sério. Quando é o casamento? E bebés? Preciso de informações. – Acredites ou não, ainda não falámos sobre esses assuntos, pois só retomámos o namoro há um mês. No entanto, ele disse qualquer coisa sobre os fatos de Halloween que teríamos de arranjar para a festa da empresa, pelo que deve estar a planear que continuemos juntos pelo menos até outubro. A Candace articulou em silêncio os meses que faltavam, enquanto os contava pelos dedos. – Bem... Já me enganei a contar, mas é bastante tempo, não é? Ele está mesmo a planear pôr-te um anel no dedo. É trigo limpo. A não ser que, primeiro, queira fazer-te um filho e, a seguir, avançar para o inevitável casamento. Ergui uma mão. – Aguenta os cavalos! Ainda estou a tentar alcançar o equilíbrio entre o facto de ele ser o meu chefe e também o homem com quem... A Candace inclinou-se para a frente e arqueou as sobrancelhas de um modo tão malicioso que não consegui deixar de me rir. – O homem com quem namoro – disse eu, dando ênfase à palavra para que as coisas parecessem mais platónicas do que ela estava a imaginar. No entanto, sendo sincera, a verdade não andava muito longe da fantasia selvagem e cheia de sexo que ela imaginava. Eu não tinha propriamente muitos pontos de comparação, mas o desempenho sexual do Bruce só podia estar muito acima da média. O homem era uma máquina e eu começara a perceber que a minha ideia inicial de que o Bruce era um «robô sexual» não estava muito longe da realidade, embora não fosse, de todo, desprovido de emoções. Ele era tão fogoso que até me causava arrepios, como se cada toque fosse sagrado e todas as vezes fossem diferentes. – Por falar no diabo... – disse a Candace, pelo canto da boca. Segui o olhar dela e vi o Bruce a entrar. Ainda me surpreendia o modo como ele se destacava onde quer que estivesse. A sua estatura ajudava, mas havia uma diferença marcante. Ele não parecia um homem qualquer. Era impossível não reparar nele. Já me apercebera de que havia pessoas na rua que o fitavam como se estivessem a tentar lembrar-se do filme no qual o tinham visto. Eu não podia censurá-las. Ele parecia uma pessoa famosa – o tipo de homem que víamos na praia em capas de revista enquanto esperávamos numa fila do supermercado. Senti uma onda de orgulho, que se tornara familiar, por ele ser o meu homem, principalmente quando reparei no modo como todas as mulheres que estavam na festa acabavam por virar a cabeça para olhar para ele com desejo. A maneira como o olhavam pelo canto do olho e de boca semiaberta e, logo a seguir, trocavam com as amigas cochichos rápidos e empolgados era uma linguagem universal. Não precisava de lhes ler os lábios para saber do que estavam a falar. Estavam a falar do Bruce. Do meu Bruce. E, provavelmente, todas elas, mesmo algumas das que não eram solteiras, estavam a pensar se teriam a mínima hipótese de o conquistar. O Bruce tirou-lhes todas as esperanças quando se aproximou de mim e me deu um abraço possessivo, envolvendo-me com os seus braços grandes contra o calor do seu corpo. Afastou-se um pouco, pegou-me no rosto entre as mãos e beijou-me suavemente nos lábios. Foi um beijo rápido e não um daqueles que fazem as pessoas desviar desconfortavelmente o olhar em locais públicos. Foi o tipo de beijo que eu já vira e que ansiava por ver, pois sabia que era assim que se beijavam as pessoas que se adoravam. – Desta vez, fui eu que me atrasei – disse ele, soltando-me um pouco, mas mantendo a mão na minha cintura como se ainda não quisesse parar de me tocar. Isto era algo que eu adorava no Bruce: ele não conseguia tirar as mãos de cima de mim, o que fizera maravilhas na minha autoestima. – Ora, ora! – disse eu. – Eu fiz bastantes progressos nesse aspeto. – Pois fizeste, desde que eu esteja presente para te ajudar. Sorri e encolhi os ombros. – Então, acho que terei de ficar contigo. – Até parece que tens outra alternativa. Foi então que reparei na Candace, que estava a observar-nos como se a nossa conversa fosse uma partida final do torneio de ténis de Wimbledon. – Olá – disse ela, como se estivesse sem fôlego e estendendo a mão para apertar a do Bruce. – Sou a Candace, basicamente a melhor amiga da Natasha. Como a Natasha e eu somos muito amigas, acabaremos por nos conhecer melhor. E agora uma pergunta que não tem nada a ver: os teus amigos são como tu? O Bruce pareceu encaixar bem a franqueza dela. – Como eu? – perguntou ele, calmamente. Pigarreei e abri um pouco os olhos à Candace. – Sim... Assim tão perfeitos? É porque é mesmo o meu género, pelo que se tiveres amigos parecidos contigo ou... – Tenho um irmão gémeo igual a mim, mas não o desejo ao meu pior inimigo. – Um gémeo igual... Pois... – disse ela, devagar. – Isso, eu já sabia, porque a Natasha e eu andámos a ver fotografias tuas e do teu irmão no Goo... Tapei-lhe a boca com a mão. – A Candace não sabe quando deve calar-se – disse eu, entre dentes. – Pois não? – perguntei-lhe. Tirei a minha mão da boca dela. – A Natasha tem razão – concordou a Candace. – Acho que é uma doença. – Não faz mal – disse o Bruce. Reparei que o Braeden estava a conversar com uma mulher que parecia estar em boa forma física. Suspeitei de que ele estava a falar da sua nova «atividade», o que se confirmou quando o vi juntar as palmas das mãos e fazer-lhe uma meia vénia. Para minha surpresa, a mulher parecia ter ficado convencida. Sorri. Melhor para ele. O Hank aproximou-se do nosso pequeno grupo. – O Bruce Chamberson em carne e osso, heim? – Parece que sim – respondeu o Bruce. – Quero apresentar-lhe um pedido formal de desculpas. Em jornalismo, vale tudo, mas lamento que o assunto se tenha tornado pessoal. – Não há problema, mas sinto alguma curiosidade... – disse o Bruce. – O que é que vos levou a pensar que existia algum tipo de desonestidade? – Correndo o risco de nos envergonhar, a mim e a toda a empresa... Houve um erro administrativo. Pedimos a um tipo para analisar a contabilidade de várias empresas, em busca de algo suspeito, e, pelos vistos, ele informou o Senhor Weinstead de que a sua empresa andava a apresentar despesas incomportáveis. Disse que era um sinal flagrante de fraude fiscal. E, afinal, ele analisara as vossas despesas de dois mil e dezassete e os vossos rendimentos ilíquidos de dois mil e catorze. Não me pergunte como é que ele conseguiu fazer uma asneira tão grande, mas já foi despedido por incúria. – Foi só isso? – perguntei. Por diversas vezes, eu tentara arrancar ao Hank o motivo da suspeita, mas em vão. – Só isto – suspirou o Hank. – O Senhor Weinstead só mo confessou há um par de semanas e apenas porque queria que eu despedisse o desgraçado do rapaz que se enganou. Insisti para que me desse um motivo, para não demitir o rapaz sem mais nem menos, e foi assim que eu soube. – Bem... – disse o Bruce. – Não posso fingir-me aborrecido. Afinal, foi por causa desse erro que a Natasha me caiu no colo. – Calou-se e eu podia jurar que o vi começar a corar. – Escolhi mal as palavras – disse ele, após pigarrear. Mas estou contente por tudo o que aconteceu. Estendi o braço e apertei-lhe a mão. – Eu, também. – Pois, pois... – grunhiu o Hank. – Que queridos... – Agora, beijem-se – sussurrou a Candace, que estava desagradavelmente perto de nós. Ambos a olhámos de esguelha e ela recuou um passo. – Foi só uma sugestão. Caramba...

20

EPÍLOGO – BRUCE

Quatro meses depois ≈

ANatasha apertou-me a mão e fez-me um sorriso encorajador. Nunca me sentira tão nervoso. Nem antes de pedir à Natasha para ir viver comigo. Nem antes de comprar o anel de noivado, que continuava a guardar à espera do momento certo para lho oferecer. Isto pusera-me mais nervoso do que qualquer outra coisa. Em dois meses, a Valerie fora apanhada a conduzir drogada e o Serviço de Proteção de Menores abrira uma investigação, que dera outros sinais de alerta. A Valerie tinha cocaína em casa e, aparentemente, também se tornara dependente de analgésicos muito fortes, após as últimas cirurgias plásticas que fizera. Assim, o Serviço de Proteção de Menores concluíra que ela era uma mãe negligente e conseguira prová-lo em tribunal, pelo que iria ser-lhe retirada a guarda da Caitlyn. A Valerie tinha um namorado, mas ele não estava nada interessado em ficar com a custódia da Caitlyn e, mesmo que o estivesse, o tribunal teria relutância em entregá-la a alguém que fosse mantê- la no mesmo tipo de ambiente. Os pais da Valerie também não a queriam. Do ponto de vista legal, eu tinha tanto direito de adotar a Caitlyn como o zé-da-esquina, mas tratara de dar todos os passos necessários para estar na primeira fila. Ajudou bastante o facto de ela ter assinado uma declaração em como gostaria de ficar à minha guarda, bem como a minha capacidade financeira e o meu cadastro limpo. Posto isto, ficar à espera do desfecho do processo fora bastante enervante. Eu não hesitaria em adotá-la no dia em que o tribunal decidisse retirar à Valerie todos os direitos legais sobre a Caitlyn. Por mais que quisesse pensar que havia uma hipótese remota de a Valerie ganhar juízo e ser a mãe que a filha merecia que ela fosse, eu sabia que tal não iria acontecer. Hoje era o dia em que ela iria viver connosco. À hora combinada, um carro estacionou à porta do meu prédio. O motorista abriu a porta à Caitlyn. Pensei que, dadas as circunstâncias, ela poderia estar indecisa, mas, ao ver-me, o rosto dela abriu-se instantaneamente num sorriso. – Obrigada – disse ela contra a minha barriga, enquanto me abraçava com força. Eu não sabia o que dizer. Não queria dizer-lhe que estava a rebentar de alegria, pois ela fora entregue à minha guarda apenas porque a mãe dela não prestava. E eu também me sentia parcialmente responsável por isso. Não estava certo de que a Valerie teria entrado numa espiral de descontrolo se eu não tivesse continuado a dar-lhe o dinheiro que ela me exigia. No entanto, também não sabia qual teria sido o preço a pagar se tivéssemos entrado numa batalha legal sem fim. Em vez de dizer alguma coisa, limitei-me a abraçá-la também e a levá-la para casa. Peguei na mãozinha dela com a minha mão esquerda e pus o braço direito sobre os ombros da Natasha.

Uma semana depois ≈

O WILLIAM ENCONTRAVA-SE SENTADO NO MEU SOFÁ, com uma expressão divertida. Estava a atirar despreocupadamente ao ar um pisa-papéis caro que eu tinha na mesa de apoio, apanhando-o de volta. A Natasha e a Caitlyn estavam entretidas com um jogo cujas regras eram complicadíssimas. Estavam ajoelhadas diante da mesa de centro, ambas muito sérias e a tentar desesperadamente ganhar. Tinham um espírito muito mais competitivo do que eu julgava e, até agora, pareciam entender-se às mil maravilhas. Ajudava o facto de, aparentemente, serem ambas obcecadas por jogos de tabuleiro e de cartas. – Sabes... – disse o William. – Quase sinto inveja. A sério. Deve ser difícil pormos um ponto final na parte empolgante da nossa vida. Não termos de nos preocupar se continuamos a ser atraentes de tronco nu. Não termos de pensar em qual será a rapariga gira que iremos levar para casa no fim da noite. Todos estes problemas... Puf! Desaparecem. Deve ser bom. – É mesmo – repliquei. Ele arqueou as sobrancelhas. – Para mim, nunca, mano. Para mim, nunca. Prefiro limitar-me a desfrutar da tua pequena família disfuncional. Para mim, é uma dose mais do que suficiente de vida chata. – Há de chegar a tua vez – disse eu. – O teu problema é que ainda não conheceste a mulher certa. – O Bruce tem razão – disse a Natasha, mas parecia distraída e não tirou os olhos das cartas. – Foste tu que lhe ensinaste isto? Muito bem. Lancei-lhe um olhar soturno. – Lembras-te de quem vencia sempre que lutávamos? Se não queres que te relembre, tem cuidado com o que dizes. – Sim, já percebi. Não precisas de te exaltar. Só estou a tentar dizer que fizeste um bom trabalho. – Então, obrigada, acho eu. – Não tens de quê, acho eu. – Os homens são tão esquisitos – disse a Caitlyn. – Principalmente estes dois – acrescentou a Natasha. – Ai! – exclamou o William. – Afinal, ela não está assim tão bem ensinada. A Natasha fez-me um sorriso malicioso que mais ninguém viu. Era um sorriso que dizia muito mais do que quaisquer palavras. O seu sorriso dizia que ele tinha razão. A Natasha nunca seria uma dona de casa submissa, nem nada que fosse próximo do habitual. Era o meu pequeno foguete desastrado, altamente imprevisível e refilão, e eu sabia que não seria capaz de esperar muito mais tempo para a pedir em casamento. – É por isso que a amo – repliquei. Só a Natasha e eu é que sentimos a repercussão destas palavras. Ainda não disséramos um ao outro que nos amávamos e eram palavras que eu nunca usaria só porque sim. – Eu também te amo – disse ela, parecendo finalmente desconcentrar-se completamente do jogo de cartas. – Se vão começar na marmelada, vou-me já embora – ameaçou o William. – Eu, também – disse a Caitlyn, mas o sorriso no seu rosto dizia que lhe agradava ter uns pais – ainda que fossem adotivos – que sabiam mostrar um afeto saudável um pelo outro. – Então desandem daqui – rosnei. Levantaram-se os dois e quase correram para fora da sala. Puxei a Natasha para o meu colo e afundámo-nos ambos no sofá. – Eu estava quase a ganhar, sabes? – disse ela, com um olhar intenso e sensual, fitando-me no rosto. Olhei para o relógio atrás dela e vi que eram dez da manhã. – Bem... – disse eu, subitamente e afastando-a suave e cuidadosamente para o lado, de modo a que ficasse sentada no sofá quando eu me levantasse. – Peço desculpa por quebrar a magia, mas... – Fiz um gesto com a cabeça na direção do relógio. – Está na hora da minha banana pré-almoço. Por isso... Fica para a próxima? – Para a próxima, o caraças! – exclamou ela, com um grande sorriso e puxando-me de volta para o sofá. – Mmh... – disse eu, fitando o seu corpo e os seus olhos sedutores. – Acho que posso comer a banana mais tarde. – Eu não posso – replicou ela, inclinando-se para a frente para agarrar com os lábios o fecho da minha braguilha. Agora, já tinha prática suficiente para conseguir abri-lo à primeira. – É por isto que te amo. – Só por isto? – perguntou ela, fazendo deslizar as mãos pelas minhas coxas. – Claro que não! – respondi, subitamente sério. Eu queria o que ela estava prestes a dar-me, mas isso podia esperar. Fi-la levantar-se, agarrei-lhe o rosto e fitei-a nos olhos. – Amo-te porque nunca te interessou quem eu era. Nunca quiseste saber se eu tinha dinheiro ou se era o patrão. Foste sempre quem és, ainda que escondesses o motivo por que eras minha estagiária. És a pessoa mais genuína que conheço e isso significa que é a ti que amo, e não uma máscara que usaste para me impressionar. Ela semicerrou os olhos e esboçou um ligeiro sorriso. – Isso é a tua maneira simpática de dizeres que não tenho jeito para fazer sexo oral? Ri-me. – Não. É a minha maneira simpática de dizer que não te amo só por seres fantástica na cama. – Mmh... Está bem. – Inclinou-se e beijou-me no pescoço. – E já que estamos a ser lamechas, tenho de dizer-te que sempre apreciei que me deixasses mostrar do que eu era capaz. As pessoas sempre me puseram logo de parte por eu ser desajeitada e desastrada, o que, na verdade, não era assim tão insensato, mas tu passaste por cima disso. – E tu és uma pessoa capaz. Ela voltou a ajoelhar-se, olhou para mim e sorriu-me com uma expressão carregada de malícia. – E que tal recordarmos um pouco o passado? Talvez possamos começar pelo princípio de tudo...

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Muito obrigada por ler o livro! Quer tenha gostado ou não, seria muito importante para mim que fizesse um comentário sincero na Amazon. Leio-os a todos e levo-os muito a sério, até aqueles que se referem a livros mais antigos, pelo que não é só uma maneira de me dar a sua opinião e de me ajudar a fazer melhor, mas também de me dar apoio e de me ajudar a angariar novos leitores. Espero também que aqueles que leem os meus livros desde que comecei a publicá-los não se tenham importado por eu me afastar um pouco do meu registo habitualmente sério e, por vezes, sombrio. Os últimos meses foram algo negros para mim e achei que um livro menos soturno seria o remédio perfeito.