DAISY SERRA RIBEIRO

CAMPINAS NO ESTADO NOVO: POLÍTICA DE HABITAÇÃO POPULAR NA FORMAÇÃO DA CIDADE INDUSTRIAL

CAMPINAS

2007

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

Ribeiro, Daisy Serra R354c Campinas no Estado Novo : política de habitação popular na formação da cidade industrial / Daisy Serra Ribeiro. - Campinas, SP : [s. n.], 2007.

Orientador: Cristina Meneguello. Tese (doutorado) - Unive rsidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciênci as Humanas.

1. Planejamento urbano. 2. Cidades e vilas - Planejamento. 3. Reforma administrativa. 4. Saneamento. 5. Habitação popular. 6. Políticas públicas. 7. Brasil – História – Estado Novo, 1937- 1945. I. Meneguello, Cristina. I. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

Título em inglês:

Palavras chaves em inglês (keywords) : City planning Cities and towns - Planning Spoils system Cleanliness Public housing Public policy

Área de Concentração: Política, Memória e Cidade

Titulação: Doutorado em História

Banca examinadora: Profª Drª Cristina Meneguello (orientadora) Profª Drª Cibele Rizek Profª Drª Josiane F. Cerasolli Profª Drª Silvana B. Rubino Prof. Dr. Edgar S. De Decca Data da defesa: 28 de fevereiro de 2007

Programa de Pós-Graduação em História

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3 DAISY SERRA RIBEIRO

CAMPINAS NO ESTADO NOVO: POLÍTICA DE HABITAÇÃO POPULAR NA FORMAÇÃO DA CIDADE INDUSTRIAL

Tese de doutorado apresentada à Pós – Graduação Do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual De Campinas, para obtenção do título de Doutor em História

ORIENTADOR: PROFESSORA DOUTORA CRISTINA MENEGUELLO

CAMPINAS

2007

4 Resumo: No período entre 1931 a 1946, verificamos, através dos relatórios dos prefeitos municipais à Câmara dos vereadores, que a cidade de Campinas passava por modificações urbanas significativas. Uma série de leis e medidas administrativas passam a ser implementadas no sentido, ao que tudo indica, de incentivar a organização do município para enfrentar uma vocação que teve início no final do século XIX, ou seja, uma função cada vez mais ligada à industria. Nas manifestações desta interferência e seus impactos no poder municipal, é que propomos projeto para se estudar as hipóteses de que os mecanismos aplicados nesta ação possam ter sido fator significativo na configuração do modelo de cidade industrial revelado em Campinas no período, como também parece ter vindo impedir o surgimento de lideranças políticas regionais. A implantação deste sistema nas políticas urbanas refletidas na distribuição do uso dos espaços, são pontos que nortearão nossa linha de pesquisa.

Abstract:

In the period enter 1931 and 1946, verify, through the reports of the municipal mayors to the Chamber of the councilmen who the city of Campinas passed for significant urban modifications. An administrative series of laws and measures pass to be implemented in the direction to stimulate the organization of the city to face a vocation that had beginning in the end of century XIX, that is, a function each on time the industry. In the manifestations of this iilterference and its impacts in the municipal power, it is that we consider project to study the hypotheses of that the mechanisms applied in this action can have been significant factor in the configuration of the discosed model of industrial city in Campinas in the period, as well as seems to have come to hinder the sprouting of leaderships regional politicas. The implantation of this system in the reflected urban politicas in the distribution of the use of the spaces, is points that will guide our line of research.

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Agradecimentos

Deixo registrado meu eterno carinho aos colegas de trabalho da Coordenadoria Setorial do Patrimônio

Cultural de Campinas, pela imensa compreensão que demonstraram, sempre dispostos a ajudar nos momentos difíceis da elaboração deste trabalho, tenho muito a agradecer lhes. A cada um deles devo uma historia em especial.

A Maria Bernadete L. M. Hossri amiga fraterna que assegurou a tranqüilidade de todos nós da

Coordenadoria durante a finalização dessa tese.

Aos companheiros do Arquivo Municipal de Campinas que se dedicaram à pesquisa como se fosse deles mesmos, ajudando a abrir um campo ainda inexplorado para historia de Campinas.

Ao Luiz Antonio de Aquino, a Fabíola Rodrigues, a Sandra Giraldi Milne-Watson e Henrique

Anunziatta meus companheiros, pela participação efetiva na elaboração e nas correções, sobretudo a paciência com as aflições da pesquisadora.

A Professora Doutora Cristina Meneguello minha orientadora, agradeço de forma muito especial, por sua calma, dedicação e carinho. Não acredito que teria chegado ao fim sem a sua presença forte e competente.

Aos meus filhos, Renata e Fernando que com uma postura de luta e coragem no enfrentamento da vida, tornaram-se meus exemplos.

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Dedicatória

Ao Gabriel, meu marido pelo seu carinho e companheirismo.

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Nem a natureza, nem a sociedade são um caos incompreensível: Todos os aspectos da realidade prendem-se por laços necessários e recíprocos. É sempre preciso, pois, avaliar uma situação, um acontecimento, uma tarefa, do ponto de vista das condições que os determinam e que os explicam.

Politzer

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INDICE

RESUMO ......

INTRODUÇÃO ......

CAPÍTULO 1 - Campinas no caminho da modernização: saneamento e planejamento urbano na construção de novos espaços......

CAPÍTULO 2 - Reforma administrativa no Estado Novo: a tensão entre o desmonte das elites locais e a racionalização na gestão das cidades......

CAPÍTULO 3 - As vilas operárias ......

RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......

ANEXOS ......

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INTRODUÇÃO

No período compreendido entre 1930 a 1945 verificamos através dos relatórios dos prefeitos municipais à Câmara dos vereadores que a cidade de Campinas passava por modificações urbanas significativas. Uma série de leis e medidas administrativas são implementadas no sentido, ao que tudo indica, de incentivar a organização do município para enfrentar uma vocação que teve início no final do século XIX, ou seja, uma função cada vez mais ligada à industria.

Por outro lado, neste período em que aparece nítida esta preocupação da administração pública com a organização urbana, também sentimos diluído o poder da tradicional elite campineira. Esse também é um momento de profunda modificação na estrutura do país e, mesmo que o estado de São Paulo tenha relutado em acatar a orientação do Estado Novo, destacando-se neste descontentamento e com muita ênfase Campinas, já a partir de 1934 é indiscutível a presença e interferência do governo federal nas questões municipais.

Nas manifestações desta interferência e seus impactos no poder municipal encontramos dados que figuraram como fatores significativos na configuração do modelo de cidade industrial revelado em Campinas, neste período.

Se de todo não acreditamos que tenha havido uma ruptura definitiva com o grupo hegemônico de liderança política na cidade e região, pode ser considerado que houve uma diluição, ou até mesmo a possibilidade de alternância dessa hegemonia já histórica. Essa mudança garantiu alguns avanços em segmentos da sociedade como a dos trabalhadores fabris, que se valendo de uma dinamização de políticas públicas na área social vão se apropriar de espaços importantes.

Um campo inovador para estas reivindicações foi a possibilidade de garantir o acesso à moradia e infra-estrutura urbana básica, como água encanada e rede de esgoto, conjugada a uma malha viária que possibilitava transporte das regiões mais distantes do

11 centro da cidade.

Ao mesmo tempo, como base de apoio da nova ordem política do governo Vargas, uma reforma administrativa no âmbito federal, mas que se desdobra até os municípios, dá indicação de mudanças nas normas que regulavam o gerenciamento urbano. Dessa forma, abre-se espaço para concepção de novas políticas urbanas que possibilitavam a ampliação do atendimento da sociedade, como coletivo. Diante desta perspectiva, a distribuição do uso e ocupação do espaço urbano ganha outra dimensão.

Antes mesmo dos anos 1930, a idéia de modernização urbana estava presente no discurso do grupo dirigente local, já que este parecia consciente da necessidade quase obrigatória desse processo para o avanço de qualquer projeto com perfil industrial.

Assim, fica evidente no discurso da administração municipal e na contínua cobrança da elite que um projeto urbanístico e a elaboração de políticas que adequassem a cidade a sua nova condição fabril eram fundamentais, ainda que, de acordo com os pareceres de prefeitos e alguns engenheiros, essas políticas viessem inicialmente responder sobretudo à questão da estética urbana (Stevenson, 1934).

Através de relatórios dos prefeitos e atividades dos vários setores da administração verificamos que a cidade já vinha sofrendo uma série de modificações, desde o final do século XIX. Houve mesmo uma tentativa bastante importante, durante o surto da febre amarela, que resultou na perspectiva de cidade industrial. Porem, esta experiência de adequação a uma nova conjuntura não teve o sucesso pretendido e desde o final do século XIX, com a chegada das ferrovias, do ponto de vista urbano, Campinas passou a enfrentar sérios problemas. Durante quase cinqüenta anos, desde as propostas de saneamento de Saturnino e Emilio Ribas, na última década do século XIX, nota-se uma dinâmica que se repete, da manutenção do poder econômico e político no governo local, e o relativismo das atuações nas obras de continuidade, referentes à questão urbana. As intervenções se repetiam como ações pontuais e restritas à soluções apenas de problemas que se colocavam como iminente urgência. Os bons resultados da economia do café e seus desdobramentos financeiros não tiveram repercussão nos melhoramentos da qualidade de vida da cidade. O desenvolvimento

12 urbano não conseguia alcançar a velocidade com que a população crescia, mesmo que os discursos oficiais e de propaganda, lembrassem sempre que os melhoramentos urbanos concorreriam para um incremento econômico. Mais grave, ainda, a administração pública tinha cada vez mais dificuldade em fiscalizar o incremento da população, que se refletia, por conseguinte, no aumento de moradias, que acabavam por se transformar em cortiços, assim como os mais diversos barracões de fábricas, cujos usos e instalações não tinham o menor controle. 1

Orosimbo Maia que estava à frente da prefeitura, em 1929, demonstrou esta preocupação quando intitulou um de seus relatórios anuais como “nosso urbanismo”. Nesta época, cidades como São Paulo, e Santos também davam sinais de mudanças em suas políticas administrativas, através de renovadores projetos urbanos e competentes ferramentas de apoio às legislações municipais. Campinas, portanto, alinhava- se a essas cidades, demonstrando assim, que o contexto histórico das primeiras décadas do século XX apontava para a formação/consolidação de cidades industriais.

Este crescimento veloz incentivou também a migração e distribuição das atividades industriais para diversas cidades, tendo Campinas mais uma vez, acompanhado a linha de crescimento econômico de vanguarda. Sob esse aspecto, Campinas tem seu papel de cidade comercial e industrial reforçado, despontando já nos primeiro trinta anos do século XX como um dos centros industriais mais importantes do estado de São Paulo. (Monbeig, 1984).

Ao cotidiano da cidade foi apresentando um novo padrão, um novo modo de viver, que se refletia na aglomeração nas ruas e passeio público, no convívio com as fábricas e linhas férreas, no ar poluído pela fumaça das chaminés, na carência de moradia.

Essas mudanças conjugadas também se relacionavam com o aumento demográfico que, por seu turno, ainda trazia culturas e costumes diferentes, situação que como no final do século XIX, pouco antes do surto de febre amarela, produzia no campineiro, um sentimento ambíguo entre a nostalgia conservadora do modo de vida rural e de uma sociedade

1 Este movimento de mudanças pode ser acompanhado nos Relatórios dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Campinas entre os anos 1893 a 1952. Os Relatórios podem ser encontrados na biblioteca do Arquivo Municipal de Campinas. Os anos que compõe este acervo até 1942, foram publicados pela Casa Genoud de Campinas, os demais não estão publicados porem encontram-se datilografados e de fácil acesso.

13 preconceituosa com o novo, confrontada com a velocidade e o movimento da modernidade de uma cidade industrial.

São nestas modificações urbanas e sociais que, provocadas pelas pressões e pelas necessidades, características de uma cidade em transformação, Campinas foi modificando seu perfil, de modo a se constituir em cidade industrial. Este cenário ganha intensidade e clareza a partir dos anos 1930, quando a interferência direta da ação centralizadora do governo federal, já então no regime do Estado Novo, passou a exercer controle direto sobre os recursos orçamentários municipais e a participação, também direta, nas discussões de prioridades. Na dimensão do município, esta política se concretiza através de Leis e Decretos, cujo objetivo é fazer valer o pensamento da centralização federal.

Através de decretos centralizadores, o governo federal passou a ingerir nos investimentos municipais relativos aos melhoramentos urbanos, nas prioridades de políticas de saúde pública, educação, moradia. Concomitantemente, o governo federal passou aos interventores estaduais a tarefa da seleção de profissionais e políticos, que iriam conduzir e liderar projetos e programas das políticas acima citadas, assim como a elaboração da legislação referente à sua aplicação. (Decreto n. 20 348, 1931)

Politicamente foi uma experiência que entre outros efeitos contribuía para abalar a hegemonia paulista do café, acenando para uma possível participação de outros setores na formação de uma nova ordem política. O avanço urbano trazido pela indústria, uma das principais metas do município, proporcionou com estas mudanças a participação de um grupo da população que até então tinha permanecido praticamente abolido de qualquer discussão referente a cidade, ou seja, os operários. Rosana Baeninger (1996), em seu trabalho sobre os migrantes e a expansão do pólo industrial paulista, onde discute especificamente Campinas, chama a atenção sobre a constituição desse grupo social e que vem provocar modificação na paisagem urbana e sua composição humana, com impactos e conseqüências em diversas áreas. No processo de urbanização e, particularmente, na necessidade de acomodar os trabalhadores na cidade é que pudemos verificar a eficácia do mecanismo da reforma, quando da implementação dos novos perímetros urbanos e programas de ocupação dos espaços urbanos. O aumento de população e as carências habitacionais eram alvos

14 constantes dos administradores públicos, pois a marca deixada pela febre amarela ainda estava presente, pelo menos no imaginário da população. Essa questão levava a uma constante vigilância crítica em relação à entrada de “estrangeiros” na cidade, replicando a todo tempo uma delicada dicotomia: ao mesmo tempo em que essa mão-de-obra forasteira era fundamental para a reprodução do capital industrial, as demandas por serviços públicos cresciam progressivamente, donde se destaca a necessidade de moradias para os trabalhadores. A saída para essa tensão, segundo a compreensão da época, estava no incentivo à construção da casa popular, solução estimulada já no final dos anos de 1920. Como em outras áreas fabris, a casa popular parecia uma saída adequada para minimizar a questão, os primeiros movimentos na cidade em relação a esta proposta datam de 1920, com o incentivo à indústria proposto por Álvaro Ribeiro. (Resolução nº 606, de 1920)

Apesar das idéias ligadas à instituição de controle sobre o trabalhador, através da moradia, estarem se desenrolando com fluência nos discursos correntes por parte de engenheiros e médicos em várias regiões do Brasil, em Campinas este projeto se configurou apenas como reorganização do espaço representado por novos loteamentos, cujo empreendimento seria destinado às habitações populares. (Lei nº 308, de 1923)

Entretanto, desde o final do século XIX tentativas de disciplinarização das práticas sociais (especialmente do “morar”) das classes trabalhadoras vinham sendo ensaiadas com Emilio Ribas, Saturnino de Brito e com os diversos prefeitos que administraram o município. No final do século foi apresentada uma proposta de incentivo à casa operária, mas apesar das aparências de interesse, a Câmara sequer respondeu ao empreendedor. Efetivamente, estes programas só tiveram prosseguimento no decorrer da década de 1930, intensificando- se nos anos seguintes.

Em 1935, quando da realização do plano de urbanismo, contratado pela municipalidade a Francisco Prestes Maia, foi apresentado um trabalho onde estavam contempladas as discussões almejadas pelos administradores públicos, trabalho esse que versava das necessidades viárias aos conceitos de moradia e educação. A proposta era moderna e projetou a cidade para quase vinte cinco anos à frente. O aspecto viário do plano

15 considerava a necessidade de espaços mais amplos para as vias carroçáveis, onde se esperava aumento de volume e velocidade, por esta razão a cidade começou a se preparar para a nova etapa e transformar-se para entrar na modernidade.

Em decorrência dessas necessidades e quando a legislação do Estado Novo impõe medidas efetivas para que se estabeleça uma política urbana que contemple um programa habitacional popular, as áreas que formavam a periferia urbana de cidades como Campinas, passam a ser solicitadas para a formação dos núcleos residenciais econômicos ou as vilas operárias, atendendo aos trabalhadores de baixa renda. Estas providências já faziam parte das políticas urbanísticas e sociais do governo de Getúlio Vargas, com abrangência em todo o país, sobretudo nas cidades com perspectivas industriais. Neste contexto é importante destacar que esta proposta de caráter urbano e social ia além da construção do edifício, pois legislava também a respeito das formas de financiamento em vários níveis, para que fosse possível ao trabalhador da indústria e do serviço público o acesso à casa própria. (Wahrlich, 1983)

Em 1936, dois instrumentos autorizados pelo governo Vargas vieram dinamizar a administração das cidades, de uma perspectiva industrial: o Código de Construções e o Plano de Melhoramentos Urbanos (contratado ao Engenheiro Prestes Maia). Estes instrumentos assumiram papel atuante na implantação de indústrias e na infra-estrutura para o estabelecimento da mão-de-obra operária. O Código de Construções foi elaborado por uma comissão de engenheiros da prefeitura e passou a ser empregado em 1934, porém, o atendimento de seus requisitos só se deu efetivamente, por parte do poder público, com a inauguração da adução de águas do rio Atibaia, ocorrida em 1936. A proposta de Prestes Maia de um plano abrangente, de fato tornou-se um projeto viário, mas que proporcionava a de interligação da malha urbana, refletindo-se na aproximação dos arrabaldes da cidade. Durante todo o período Vargas, o programa de implantação da reforma administrativa no serviço público municipal já produzia reflexos importantes, sendo responsável direto na execução do Plano de Melhoramentos. 2 Na verdade, estes

2 A reforma administrativa implantada pelo o governo de Getulio Vargas, foi ampla e alcançou todas as esferas do governo do federa,ao estadual até municipal.

16 instrumentos, que foram desenvolvidos a partir desta reforma, agregaram potencialidade e capacidade de a o para que se concretizasse a organiza o urbana.

As novas medidas tomadas junto à administração dos municípios e que faziam parte da reforma administrativa do governo Vargas quebravam uma tradicional e enraizada política local, e para elite campineira este reordenamento do poder não foi um golpe fácil de ser absorvido. Em boa parte dos estudos sobre Campinas no período, e que são raros, nota-se que muitas vezes os pesquisadores sentem o reflexo dessa dificuldade em muitas de suas interpretações.

As abordagens no que dizem respeito às intervenções do governo getulista, sobretudo no entendimento quanto ao gerenciamento e execução da administração pública, que foi o escopo de interesse desse trabalho, aparecem ou como tendo sido ações impeditivas ao desenvolvimento urbano da cidade, ou passam a ser negadas nas suas interferências diretas no governo local.

Os recursos fiscais, fundamentais para estas ações, passaram a ser controlados pelo governo federal, refletindo em mudanças importantes. Este fator foi um dos responsáveis, como vamos verificar adiante, pela alteração substantiva da interferência municipal nas políticas locais a partir dos anos de 1930. Porém, essas mudanças na estrutura administrativa e de poder do setor público são vistas por alguns estudiosos justamente como fatores de estagnação do crescimento da cidade. (Carpintero,1996) .

Ou ainda, como Ricardo Badaró, o pesquisador que mais se debruçou sobre o projeto de Prestes Maia, essas mudanças foram entendidas apenas como simples desdobramentos das atividades de reorganização da gestão urbana, que o plano de urbanização de Prestes Maia consolida, mas que já vinham sendo discutidas e que ficaram apenas interrompidas ou adiadas, pela Revolução de 1930. (Badaró,1996) .

A tese que defendemos é que, ao contrário das interpretações supracitadas, a reorganização urbana e o avanço da modernização proporcionada com a implantação do Plano ou mesmo do Código de Construções, dificilmente se realizaria se não tivesse havido uma reforma administrativa profunda, efetiva e intervencionista, como foi possível constatar.

O resultado da junção destes fatores, ou seja, a implantação de uma reforma administrativa no serviço público, a elaboração de um Código de Construções competente e,

17 um Plano de Melhoramentos que contemplou a interligação da malha urbana, assim como o conceito de uso do solo urbano através do zoneamento, propiciou de forma modelar um primeiro programa de política pública de moradia popular da cidade.

Portanto, se o projeto de Prestes Maia significou a marca do efetivo acesso ao desenvolvimento para Campinas, e acreditamos que sim, por outro lado, não vemos como separar este fato do mecanismo proporcionado pela legislação federal e que intervinha, sim, em todas as ações da administração municipal. Não nos pareceu, pelos resultados obtidos em relação ao desenvolvimento da cidade, que tenha sido uma intervenção paralisante, mas organizadora e que ajudou diluir o poder local, até então nas mãos de antigos proprietários de fazendas de café e que não haviam obtido sucesso no avanço da indústria e da modernização urbana. Mesmo porque, as intervenções tinham sido sempre pontuais e na maioria das vezes, privilegiando uma parcela pequena da sociedade. Este período de transformações urbanas foi também um momento de revisão profunda na estrutura do país, justamente quando o Estado Novo, com sua postura e conceito de governo centralizado limitaram a autonomia dos municípios e diluiu poderes regionais. Esta postura, afetou cidades como Campinas de modo muito particular. Um exemplo marcante dessa orientação e que privilegiou a industria, foram as políticas voltadas para as construções de moradias operárias. Essas moradias, localizadas em áreas que na sua maioria se formaram por loteamentos incorporados ao perímetro urbano na década de 1920, assumiram relevância como empreendimento econômico quando dois fatores principais incentivaram a incorporação dessas terras à zona urbana. Um primeiro o desgaste do solo que veio provocar a desvalorização dos cafezais próximos do perímetro urbano e um segundo, o aumento de ramais férreos no entorno da cidade, o que deflagrou a dinamização do mercado imobiliário.

Nestas áreas foram localizados os bairros populares e construídas casas econômicas, que se estabeleceram como vilas operárias, de acordo com a política federal de habitação popular das década de 30 e 40. Ainda hoje ficaram os vestígios desses conjuntos nos traçado das ruas e dos próprios prédios, evidenciando a importância que as mais de quarenta vilas que compuseram as habitações populares desse período, tiveram para o desenvolvimento industrial e para o próprio processo de estruturação urbana de Campinas.

18 O novo modelo de organização espacial carreado pela implantação das vilas operárias redesenhou o perfil político e econômico da cidade e reforçou aqueles mais identificados com o modelo fabril, pois na mesma época, conforme justificado nos relatórios dos trabalhos do executivo municipal, também havia a reestruturação administrativa da prefeitura, aliás, reformulação acontecida em âmbito nacional. A partir de então, a presença das instâncias federais, sobretudo através da orientação direta do departamento de municipalidades (órgão estadual do Estado Novo), esteve sempre presentes nos trabalhos de reestruturação dos setores municipais.

Para demonstrarmos este processo optamos por discutir a trajetória dos planos urbanísticos em Campinas, as características da reforma getulista e a implantação das vilas operárias, resultando na implementação de uma política urbana, de caráter público. Desse modo, no primeiro capítulo vamos trazer alguns fatores que nos pareceram importantes para pensar sobre acesso da modernização em Campinas no final do século XIX, que se fez sentir por uma situação de grande impacto, a febre amarela. Analisaremos, também, as decorrências das medidas que foram necessárias para a contenção da doença, a reabilitação da cidade e a indicação de que neste momento foi necessária uma primeira interferência externa de valor político significativo para a elite local, a fim de que os resultados almejados fossem alcançados. Este período consistiu no contacto real da cidade com a modernidade urbana, os riscos e os benefícios da velocidade, do crescimento – populacional e urbano - em seu mais amplo sentido. A partir dessa experiência se desenrolou todo um percurso de grandes atividades e mudanças, onde mesmo que não tenha sido possível uma real implementação de projetos, com certeza se formou uma mentalidade aberta à necessidade da visão urbanística. O serviço público teve a característica de se tornar um celeiro de engenheiros e arquitetos, prontos para a atividade em projetos urbanos. O segundo capítulo introduz e analisa a reforma administrativa do governo Vargas em Campinas, cuja representação vamos verificar no campo do desenvolvimento urbano. A introdução de um Plano de Melhoramentos Urbanos, peça maior para esse exame e que já havia sido solicitado pela municipalidade em momento anterior ficou a cargo da nova visão administrativa de Vargas. É interessante notar, nesse sentido, que foi justamente este conceito de administração proposta pela reforma que agregou potencialidade e capacidade

19 de ação para o desenvolvimento urbano. Um terceiro capítulo traz o exame de ocupação do solo urbano em todo o entorno do centro, circundado pelos trilhos férreos, de vilas operárias, que se estabeleceram de acordo com a legislação própria da política habitacional popular, das décadas de 1930/40. A política desenvolvida para o empreendimento habitacional gerou uma série de modificações da ligação do trabalhador com o patronato, e de sua identificação com a cidade. Para examinarmos esta questão foi levantado um volume bastante significativo de implantações de loteamentos com características populares, conforme a legislação prevista, de plantas de construções econômicas e operárias, bem como de toda uma legislação que propiciou estas implantações, incluindo-se a correspondência entre municípios e o departamento das municipalidades, subordinado diretamente ao governo federal. Estes mesmos mecanismos, somados a outros fatores contribuíram para realmente diluir a atuação das lideranças dos cafeicultores, esboçando, também, um perfil distinto do anterior para os governantes municipais. Com o fim da Segunda Guerra, com o aumento considerável das populações urbanas, com o desenvolvimento da indústria pesada brasileira e com as mudanças significativas na política econômica internacional, cidades como Campinas parecem indicar a consolidação de perfil da cidade fabril, assim como a diversificação da hegemonia política e econômica na região.

Finalmente, cumpre dizer, ainda, que apesar de discutirmos Campinas, no tocante a essas mudanças de ordem política e gerencial do desenvolvimento urbano temos a preocupação de não restringir estas reflexões para um âmbito meramente local.

A reforma administrativa varguista foi ampla e propiciou intervenções e mudanças em várias regiões do país, engendrando uma estrutura organizacional que se perpetuou para além do Estado Novo, sedimentando, definitivamente, as bases para a consolidação de uma estrutura pública assentada nos moldes da dominação racional legal, ou seja, plenamente moderna e radicalmente diferente da dominação tradicional, defendida pelas oligarquias locais, então tensionadas por essa nova organização do poder. Efetivamente, essa é uma problemática central, conforme esse trabalho também pretende demonstrar, uma vez que, a política habitacional, objeto dessa reflexão, não pode ser dissociada do contexto da modernização administrativa no Brasil, sob o risco de prejuízos deletérios para a compreensão de sua instigante complexidade.

20 Resta dizer também que nossa fonte de documentação para este percurso foi basicamente primaria, apoiada em volumoso acervo do Arquivo Municipal de Campinas. Este material, muitas vezes não tinha sido inteiramente cadastrado ou mesmo levantado, o que pode gerar no mínimo duas questões de muita importância. A limitação de um primeiro olhar e a preocupação e instigante necessidade do pesquisador de continuar até poder ter acesso ao conjunto das informações.

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CAPITULO PRIMEIRO

Campinas a caminho da modernização : saneamento e planejamento urbano na construção de novos espaços.

A Torre do Castelo d’Água, como foi chamado o grande reservatório de águas no alto da Av. Andrade Neves, com vista direta para a Estação da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, traz na história de sua construção dois símbolos que integram de modo significativo a imagem da cidade moderna pretendida por Campinas: a ampliação planejada de seu traçado e a representação do avanço de infra-estrutura como forma de desenvolvimento para a atividade industrial. A Torre foi inaugurada em 1940 e estava incorporada em um projeto de ampliação do sistema de adução e distribuição de água na cidade, atendendo uma necessidade premente de abastecimento dos bairros novos que vinham se implantando nos arredores da cidade, desde o final dos anos de 1920, com aumento crescente em toda a década de 30 e 40 do século XX. Esta edificação está presente nas recomendações do engenheiro Francisco Prestes Maia em sua proposta para um plano urbanístico para Campinas, em 1935. O engenheiro sugere no esboço do seu plano de melhoramentos urbanos a introdução de uma “torre ou templete” como motivo central de uma das radiais viárias internas de seu projeto. A torre que seria contornada por uma praça em um dos pontos elevados da topografia da cidade reunia em seu entorno uma rotatória, vias de ligação entre o centro urbano e os novos núcleos e bairros em formação na região alta de Campinas. O desenho arquitetônico da Torre cuja função primeira era abrigar um dos reservatórios de distribuição de águas apresentava um estilo monumental e, estando localizado de maneira estratégica em relação à visibilidade de toda à cidade, associava à sua função primeira à de ser um mirante fantástico.

23 Na década em que a Torre foi inaugurada, através de suas “janelas mirantes” era possível ter uma visão ampla do conjunto da cidade antiga e dos novos traçados que iam se formando do perímetro projetado para a cidade industrial em construção. O Templete, em seu estilo monumental, tinha vinte metros de altura. 3 Diante de uma de suas janelas se destacava o relógio da Estação férrea e entre esses dois pontos se desenrolou uma complexa e sofrida história. A junção desses dois símbolos pode nos remeter a caminhada da cidade rumo à modernidade (seu processo de modernização) e a mudança de vocação, passando de núcleo complementar do atendimento ao rural, financeiro e comercial do café, para finalmente a atividade industrial. Se é possível elaborar símbolos de apoio à história e assim traduzir períodos marcantes em determinados processos, talvez tenhamos nessas extremidades da Avenida Andrade Neves, centro de Campinas, esses marcos: a Torre do Castelo d’ Água e a Torre do Relógio da Estação. 4

Se esta documentação de imagens pode causar impacto e tudo indica que esta foi a intenção, seria importante que nos aproximássemos dessa interpretação. No conteúdo escolhido, a percepção é de que a idéia de monumentalidade estaria presente, como representante da forte necessidade de indicar as inovações que surgiam no traçado urbano. O destaque é o traçado viário, pois outros elementos presentes no contexto urbano não parecem merecer realce do fotógrafo (nota: quem era, a pedido de quem fotografou). Nas imediações do Castelo, em direção ao centro, perto da Estação, já estavam implantados neste período alguns núcleos operários e também prédios industriais, alguns bem antigos na própria Av. Andrade Neves e nos arredores dos trilhos férreos. Mas a representação do crescimento e desenvolvimento da cidade moderna parece que tinha mais força nos anos de 1940, quando traduzido em movimento e velocidade, portanto, entende-se a prioridade no traçado viário. As imagens deixam em evidência as linhas que priorizam o projeto do Plano de Melhoramentos, de 1938. É expressivo o riscado da ligação viária, unindo as regiões antigas

3 Em Relatório dos Trabalhos de 1938, é apontada uma concorrência publica para a construção de um grande Castelo de Águas em Praça no Jardim Chapadão ao final da Av. Andrade Neves, vencida pela firma Morse&Bierrenbach. O Castelo foi descrito em 1939 também em Relatório dos Trabalhos, como construção em estilo monumental – altura 20mt, fundo do reservatório a 11mt sobre o solo, lamina de água de 4mts de altura. Era alimentado por uma linha de recalque que partia da casa de bombas do reservatório do Chapadão. Funcionava como “stand pipe”. Em 1940 estavam terminadas as obras do Castelo .. 4 Imagens da Torre do Castelo e da Estação da Companhia Paulista em 1940. Acervo MIS /PMC. (Anexo I – 01)

24 da cidade com as novas áreas projetadas no Plano. Nesta época, a administração municipal já havia sistematizado em seus cadastros as obras e projetos urbanos através de imagens aéreas. A experiência de se discutir a ocupação do solo urbano não era nova para Campinas. A cidade tinha vivido uma ação bastante próxima de um planejamento urbano, no final do século XIX. Talvez não seja possível caracterizar essa experiência exatamente como um projeto urbanístico da amplitude dos que se desenvolveram nas primeiras décadas do século XX, mas com certeza foi bem mais do que a maioria das cidades tiveram a oportunidade de experimentar. Foram poucas localidades no Brasil, excetuando as capitais ou cidades portuárias de importância, que passaram pelo urbanismo de saneamento e higiene, de engenheiros como Saturnino de Britto e o médico sanitarista Emílio Ribas. Esses dois profissionais deixaram marcas no traçado urbano que estão presentes até hoje no mapa da cidade. Mas, por um lado, esta monumentalidade parece natural, justamente pelo fato de Campinas ter características bastante particulares no que diz respeito às intervenções urbanas e, ao longo dos anos, ter disposto de uma elite governamental respeitável, tanto em relação a seu poder econômico como político. Estas intervenções urbanas sofrem ao longo dos anos uma oscilação de qualidade significativa. Pouco era feito para minimizar os danos de uma infra-estrutura falha, as ações pareciam nunca se efetivar ou ter continuidade. Todas as forças se movimentavam em situação de crise mas, logo passada a ameaça, esta postura de ação se diluía, e perdia-se a continuidade da maioria das obras. Durante quase cinqüenta anos, desde as propostas de saneamento de Saturnino e Emilio Ribas, na última década do século XIX, nota-se uma dinâmica que se repete, da manutenção do poder econômico e político no governo local, e da limitação das atuações nas obras de ampliação/manutenção da infra-estrutura urbana. Entretanto, mesmo com estes aparentes limites, deve ser considerado em qualquer análise sobre questões que envolvam infra-estrutura urbana ou de urbanismo, que houve um processo contínuo de discussão nessa área em Campinas. A reflexão sobre esta dinâmica e a lógica de como operavam as intervenções nos assuntos urbanísticos, ou seja, a repetição de ações imediatistas e sem continuidade deve

25 ser considerada também como resultante de uma mentalidade da qual essa postura era conveniente, de acordo com uma determinada ordem política. Neste particular, Campinas não foi exceção. Determinados grupos muitas vezes se beneficiavam de sua força econômica e poder político e davam prosseguimento apenas ao que lhes interessava. Quando em 1938 o Plano de Melhoramentos do urbanista Francisco Prestes Maia, finalmente não apenas projetou Campinas como uma cidade moderna, mas realmente lhe conferiu uma configuração pertinente às cidades industriais, houve uma mudança em potencial na condução desta influência política local. Entre vários itens da proposta do plano destacamos o projeto de adequação viária, que propôs uma modernização espacial projetada para avançar ao longo de muitos anos. O traçado advindo deste projeto reforçou a possibilidade de um zoneamento, que de fato já vinha sendo estudado. A divisão espacial do solo e a interligação da malha viária, ligando as diversas regiões do perímetro urbano, alavancou esta ocupação. Na verdade, desde Saturnino havia uma predisposição política de organização urbana, mas também, por outro lado, residia uma dificuldade na lentidão administrativa municipal e no andamento de forma eficiente de tais proposituras, que permitiriam a instalação do desenvolvimento urbano, com seus instrumentos de ação e execução. Os entraves burocráticos locais da administração não permitiam grandes avanços significativos e, além disso, alimentavam justificativas para as incapacidades. Diante disto, pareceu de muita importância examinar alguns pontos deste primeiro momento, quando a cidade se confrontou com os benefícios e as dificuldades do moderno, ainda no final do século XIX. A Administração Pública e a população tiveram que conviver com obstáculos pertinentes à velocidade e com o enfrentamento decorrente dela. O primeiro desafio foi a chegada dos trilhos férreos, dos vagões e locomotivas. Se a introdução da modernização em Campinas está intrinsecamente associada à chegada dos trilhos férreos, também esse episódio foi canal de complicações marcantes e que remontam aos tristes dias da febre amarela. O acontecimento deixou para a história a evidência de que a lentidão e indisciplina pública municipal foram obstáculos expressivos à possibilidade da organização social e de ampliação do desenvolvimento econômico local.

Entretanto, esta experiência bastante difícil parece ter ficado para a cidade, de acordo com seus mais ilustres relatores, como um trauma não resolvido, que, portanto, a

26 todo tempo, precisa de um acerto de contas. Esta posição parece ter ajudado a que interpretações nebulosas ou até beirando a um ufanismo local dificultassem as buscas do entendimento de que, provavelmente, esta ineficácia da administração municipal estava presente em muitos episódios de urgência social. Ou admitir, com crítica, os limites para conduzir determinadas ações, que talvez tivessem minimizado o efeito da doença. Mas com certeza, mesmo com intervenção externa, a cidade conheceu para seu beneficio as qualidades de uma política de saneamento, que foi por suas características decisiva para a construção de uma visão urbanista na condução das políticas públicas.

A questão é que a febre amarela carregava ainda nesta época, controvérsias de ordem subjetivas e afetivas. Havia um desconhecimento cientifico, somado a uma sociedade campineira extremamente conservadora, apesar da áurea cultural que sempre pairou no discurso de seus líderes. A tudo isso se somaram, ainda, diversos outros fatores, como o aumento demográfico apreciável da cidade e a chegada das linhas férreas, sendo que essa última facilitou, e muito, o aumento da circulação de pessoas e a conformação de uma expansão urbana de difícil controle.

Estes fatores favoreceram a demonstração de um forte despreparo do serviço público, sobretudo em relação à infra-estrutura, questão sempre presente nos relatórios dos responsáveis por estes setores. Por fim, a falta de política de planejamento dos lideres locais para enfrentar os novos avanços surgiram com uma transparência assustadora, nos fatos que permearam a epidemia.

A cidade viveu pela primeira vez a imperativa necessidade de uma intervenção urbana precisa e ágil, onde teria sido necessária a competência no gerenciamento da administração pública, mesmo que o desconhecimento cientifico sobre a doença ainda fosse grande. A questão chama a atenção por terem sido os prefeitos e os vereadores desse período, assim como seus antecessores, homens de preparo acadêmico, com experiência de administração, muitas vezes na direção dos rentabilíssimos negócios que enriqueceram a eles próprios, a cidade de Campinas e ao Estado de São Paulo. As marcas deixadas neste confronto entre a realidade da presença de novos elementos sociais e urbanos e as rachaduras provocadas pela ruptura de uma antiga circunstância mal resolvida tiveram decorrências importantes. As intervenções implantadas

27 nos primeiros quarenta anos do século seguinte, no que diz respeito à modernização do espaço urbano, foram diretamente influenciadas por este período. A associação destes dois momentos da vida campineira foi inevitável. Tanto a Torre do Castelo d’Água como a Torre do Relógio da Estação podem simbolizar, de fato, momentos onde a urgência de medidas ligadas a intervenções sérias na estrutura urbana para o beneficio do conjunto da sociedade . Os fatos sugerem interpretações no campo da falta de conhecimento de administração pública, ou um equívoco na interpretação da realidade, ou mesmo uma somatória dos dois fatores, assistida por um modelo de administração municipal cujo retorno de benefícios públicos atenderia a um grupo social bem específico e exclusivo. Tanto na primeira crise provocada pela terrível epidemia, quanto na segunda, econômica, decorrente da explosão desencadeada pela crise mundial dos anos de 1930, os reflexos em Campinas foram determinantes. Esses reflexos tornaram visível não só pelo discurso, mas pela execução de medidas preventivas ou, de recuperação, o papel da elite na administração pública e sua defesa de um grupo hegemônico. Nas duas crises foram necessárias intervenções externas, historicamente sofridas, porém que se revelaram eficientes. O processo de desenvolvimento urbano que ia sendo lentamente percorrido pelos encarregados da administração pública municipal, desde a chegada da linha férrea até a expansão viária proposta por Prestes Maia, foi deixando a descoberto as dificuldades de um ordenamento político que parecia estar refém de governantes e a serviço de uma elite voltada para os interesses do café. Por outro lado, tornou visível também, a formação mesmo que muitas vezes truncada pelos motivos observados, de uma mentalidade profissional de engenheiros do serviço público, atenta para as questões urbanas e suas estruturas. Ao examinarmos o período compreendido entre as dificuldades causadas pela epidemia amarela e os impedimentos advindos da perda de hegemonia política da elite do café, nos anos de 1930 e 40, fica manifesta a ideação de uma formação urbanística dos profissionais da área, que deixam em destaque a importância e o interesse que demonstravam na capacitação necessária para a condução de projetos urbanos a serviço de uma coletividade. O fato a destacar, independente dos caminhos políticos que foram trilhados ao longo dos anos, foi a evidência de que a administração municipal acabou se

28 tornando um nascedouro de urbanistas. Ao associar estes dois períodos como complementares na importância do entendimento da construção da idéia de modernidade urbana, vemos também como conseqüência dos acontecimentos a elaboração de políticas públicas. Campinas vivia com a chegada da linha férrea o apogeu do café e sua elite já se perguntava as razões da capital da província permanecer ainda na cidade de São Paulo, uma vez que lhes parecia que a opulência do Estado era gerada pelos campineiros. Neste ambiente de euforia e bem estar econômico para os grandes senhores do café aparecem os primeiro casos de febre e que foram veementemente negados como sendo a verdadeira e “terrível amarela”. A questão acabou por se tornar motivo de disputas e divergências, chegando ao limite de considerar-se que “o ser campineiro de verdade”, significava não aceitar uma eventual proliferação da doença. Essas diferenças foram tomando tal vulto de gravidade, que acabaram por representar um significado tão forte, que mobilizaram a opinião pública de maneira a não deixar possibilidade de crítica de qualquer espécie, ao fato em si ou muito menos, ao exame das eventuais razões. 5 (Santos Filho, 1996) Uma polêmica entre profissionais médicos e personagens de destaque da cidade sobre os primeiros casos da doença, foi demonstrativo de uma mentalidade que foi se estruturando no sentido de uma falsa idéia de que nada poderia atingir de maneira nefasta a sociedade campineira. A cidade estaria imune a elementos insalubres da natureza, por uma teoria de localização geográfica, defendida de maneira enfática como se observa em jornais locais. As primeiras controvérsias tiveram início na divulgação de alguns casos suspeitos da doença e que chegaram à imprensa local e repercutiram em ampla discussão com envolvimento de médicos, juristas e de muitos cidadãos. No ano deste episódio e possivelmente dos primeiros contágios, ainda quase vinte anos antes da grande epidemia, os campineiros se recusaram a aceitar essa possibilidade e se defendiam através de um raciocínio aceitável para o cidadão comum – a já mencionada tese da localização geográfica - que para os profissionais da saúde era bastante pueril. As sérias preocupações de alguns que já haviam confirmado casos da doença e insistiam em prevenção foram reduzidas como

5 Este tema foi amplamente discutido, sobretudo por Lycurgo de Castro Santos Filho e José Nogueira Novaes, em “A Febre Amarela em Campinas 1889 – 1900”. Vamos nos apoiar sobretudo em seus relatos e documentos para examinar esta questão.

29 simples meios de denegrir o nome da cidade e aterrorizar a população. Nestes últimos trinta anos do século XIX o governo local tinha grandes planos para Campinas, pretendendo que se tornasse uma cidade grande e com um futuro promissor. Esse pelo menos era o teor dos discursos feitos pelos prefeitos e que eram introduzidos nos Relatórios Anuais da Administração Municipal. Com a chegada das linhas férreas e com o bom desempenho do café, chegavam ao município não apenas o trabalhador que vinha para os terreiros de café ou para as oficinas e atividades ferroviárias, mas também grandes comerciantes e profissionais liberais de diversas áreas, cujos nomes já tinham ganhado proeminência. Dentre as varias personalidades que estiveram envolvidas nessa triste polêmica, um médico, o Dr. Valentim da Silveira Lopes, que acabou se afastando da cidade e se mudando por algum tempo para o Rio de Janeiro, deixou um resumo bem ilustrativo dos acontecimentos de 1876. Em manuscrito que se encontra no arquivo da Academia Imperial de Medicina (hoje Academia Nacional de Medicina), Valentim assim se refere ao episodio e registra suas impressões sobre a sociedade campineira:

“...Convem-me fazer a história de seu principio. Campinas tinha já o desenvolvimento acentuado. A Estrada de Ferro havia chegado ali e com ela um pessoal novo e estranho. Era o progresso, que galgando a Serra de Cubatão e atravessando os campos de Piratininga, abrira caminho do litoral da Província até a cidade, que não mais sertaneja, vestia as galas de civilizada. Corria o ano de 1876, quando me vi empenhado em grande e ruidosa luta com parte do corpo médico de Campinas. A causa fora o aparecimento de alguns casos, que classifiquei como febre amarela, e que como tais denunciei à Câmara Municipal para que fossem tomadas as devidas cautelas e providencias. O meu procedimento foi mal interpretado não pela Vereacão, mas por grande maioria de colegas e autoridades policiais, que julgaram ver em minha declaração uma afronta à terra, que por ser do interior, tinham como isenta de uma moléstia tida até então por ser só possível no litoral. Em vista de tão insólita recusa e mal cabida perseguição, redigi e mandei à Academia Imperial de Medicina a minha observação clinica pedindo seu parecer. Meu trabalho, tomado em consideração, foi distribuído ao ilustre acadêmico, então professor da cadeira de Higiene da Faculdade do Rio de Janeiro, Dr. Sousa Costa, de que resultou brilhante e extensa demonstração do meu

30 acerto. Esta memória tal era seu valor, escrita em resposta à minha breve consulta, deu pleno ganho de causa ao medico sertanejo elogiando o sábio professor a atitude por ele assumida enfrente à injusta guerra que sofrera das autoridades locais, dos colegas e de quase toda a população, que em sua meticulosa ignorância temiam ver prejudicada a imunidade atribuída a uma cidade de tantos centos de metros acima do mar. A observação por mim enviada à Academia Imperial e sua discussão, ouvindo o sábio e sentencioso parecer do ilustre Dr. Sousa Costa, publicado no Diário Oficial e Jornal de Comercio tornaram-se assunto de varias e importantes teses apresentadas à Faculdade por doutorandos e professores em concurso, que ali encontraram matéria provada da possibilidade do tifo ictiroide nos lugares elevados e sertanejos... Feriu-me, confesso o modo como tinham antes condenado meu procedimento quando só tivera intento de ser útil à saúde publica, em vista de que, considerando justificado meu ato profissional, resolvi afastar- me de Campinas e voltar ao Rio de Janeiro onde permaneci por algum tempo, infelizmente como antes, minha saúde obrigou me a voltar onde, desfeitas as minhas falsas impressões fui chamado e acolhido com o agasalho que ali sabem dispensar a seus hospedes.” 6 (Santos Filho, 1996) De fato, conforme previsto por Valentim Lopes, Campinas foi assolada pela epidemia que transformou sua história. Ao longo dos anos que seguiram, o que foi possível notar é que até quase o final do século muitos de seus administradores ainda tomavam como dura ofensa o reconhecimento desta crise. Durante a última década do XIX, os relatórios oficiais do município demonstram a resistência do executivo e a cautela em assumir o fato de que a doença não se extinguira como era desejável e as ações científicas de saneamento eram necessárias para sua erradicação. No relato à Câmara de suas atividades em 1894, o tom de Antonio Álvares Lobo, executivo municipal, chega a ser quase agressivo. Em um dos itens de seu relatório sobre o estado sanitário da cidade, assim se refere: “...Aquelles que olhavam Campinas como uma cidade condemnada às invasões epidemicas devem ter-se convencido dos excepicionaes resultados da applicação a sciencia sanitaria.—Si as molestias pestilenciaes fazem hoje menos victimas, diz J. Richard - Hygiene Social, pag 458, que outr’ora, é preciso crer que este acto não é devido a que ellas tenham perdido a sua maligninidade. Os germens infecciosos têm conservado toda a sua virulencia,

6 Optamos por deixar as consideradas hoje imprecisões de grafia do texto original em todas as citações, mesmo que signifique dificuldade na leitura.

31 é o terreno que se lhes torna menoes favoravel, por isso que foi modificado pela Hygiene. Campinas goza de excellente estado sanitario porque tem cuidado do saneamento do meio em que reside e vive sua população; porque tem cogitado perennemente de melhorar a sua situação sanitaria....É de todo, certa a conclusão VI do Congresso de Hygiene de Budapeste, sobre as endemias de febre amarella: “Empregando os meios aconselhados pela hygiene, a profilaxia, as desinfecções e o saneamento das cidades, pode-se fazer desapparecer completamente o germem productor da febre amarella, como já se conseguiu na cidade de Campinas no Brazil, Estado de S. Paulo” ....Entre nós não se fez por outra forma: livrou-se a população de beber agua contaminada de poços, estabeleceu-se a remoção das materias putreciveis pelos exgottos e saneou-se o meio, destruindo-se os germens que deviam fazer no subsolo por meio de bem combinadas desinfecções; o mais completaram a prophilaxia, e as medidas sanitarias da policia...” (Relatórios, 1895) As ações de saneamento de fato prosseguiam, mas as medidas para assegurar estrutura adequada ainda estavam para vir. Apesar de todos os procedimentos executados, sobretudo em relação à instalação de água e de esgotos, a febre amarela continuou presente na cidade de forma endêmica e epidêmica. Como mostra o trabalho de Lycurgo de Castro Santos Filho, as dificuldades vinham de todos os lados; a população não aceitava e não respeitava as determinações oficiais e a administração também não tinha organização suficiente para atender acidente de tal monta.(Santos Filho, 1996) Neste meio tempo, a municipalidade se defendia dos surtos que persistiam e que mostravam as dificuldades de organização administrativa e a busca incessante em encontrar um responsável pela tragédia. O “forasteiro” que chegava à cidade, muitas vezes em busca de emprego, sem raízes e “diferente” era a vítima ideal. Álvares Lobo apontava como dificuldades intransponíveis duas questões: o baixo nível de preparo dos funcionários de limpeza e os chamados forasteiros que chegavam à cidade sem passar pelo crivo da higiene pública. Seus Relatórios são bastante reveladores no que diz respeito ao pensamento da direção municipal, demonstrando também, de certa forma, como a elite campineira encarava a situação. Referindo-se à limpeza e assistência

32 pública, primeiro enaltece os trabalhos do executivo e em seguida aponta claramente os pontos que considerava a fragilidade das ações: “....O serviço de limpeza publica continua a ser feito com a possível regularidade; a cidade, em suas ruas e praças, está limpa; a remoção do lixo também tem sido feita, sem alguma reclamação. Estas, quando feitas, são immediatamente attendidas; elimina-las de uma vez, não é possível, porque o pessoal incumbido desse trabalho é o menos culto e o mais grosseiro que é dado desejar. Só com paciente tenacidade pode-se obter alguma cousa, visto como não se encontra gente que queira incumbir-se desse mister senão nas ultimas camadas sociaes...” (Relatório,1895) Neste mesmo Relatório, o prefeito também informa sobre as medidas que haviam sido tomadas na tentativa de controlar os passageiros que vinham pela estrada de ferro da cidade de Santos, que também estava vivendo situação epidêmica dificílima. Álvares Lobo informa também que a Companhia Paulista estava fornecendo passagens para a locomoção da polícia sanitária entre Campinas e Jundiaí, no sentido de cadastrar as pessoas cujo destino era a cidade de Campinas e que eram oriundas de Santos. Esta providência teve uma péssima repercussão na cidade litorânea, tendo sido noticiada e discutida no “Diário de Santos”, como uma atitude agressiva e fazendo com que passageiros daquela cidade fizessem baldeação na cidade de São Paulo para contornarem a fiscalização da polícia sanitária. O “Correio Paulistano” também passa a questionar as medidas estabelecidas pelo município e a falta de informação sobre os números reais de mortos e doentes na cidade. (Relatório, 1895) O executivo, sempre na defesa, escreve para o jornal local alegando que a doença é ocultada nas regiões mais pobres, onde as casas permaneciam continuamente superlotadas e, que quando ocorria alguma morte, todos escondiam as roupas e pertences do doente para que não fossem queimadas pela polícia sanitária. (Relatório, 1895) Estas medidas de saneamento com certeza provocaram uma barreira bastante forte entre a população da cidade e qualquer migrante, pois a fala do executivo era quase radical em relação à responsabilidade desses novos habitantes na sua maioria à procura de trabalho, nesta crise vivida no município. Assim se refere à questão: “....Estou informado de que compram seus bilhetes até S. Paulo e de S. Paulo à Campinas, eclodindo assim a vigilância sanitária. Tenho encontrado quais insuperáveis

33 dificuldades para conseguir saber onde ficam pessoas de classe inferior que vêm de Santos para nossa cidade; a qualquer interrogação ou pergunta do pessoal de higiene tem absoluta recusa, sendo mister, às vezes, ameaça-los de virem à policia....” (Relatório, p., 07, 1895) Em amplo e pormenorizado relato feito à Câmara sobre três anos de trabalho, onde Álvares Lobo apresenta ações e defende-se dos resultados ainda parciais da contenção dos surtos da febre, deixa refletida a profunda crise e o ambiente traumático vivenciado pela sociedade campineira. Sua fala é de tragédia. “....A febre amarella representa uma legenda cruel para Campinas e exerce uma fascinação dolorosa de terror no espirito da população! ... Infelizmente parece que todos os annos pelo verão, desde que appareçam alguns casos, embora esporadicos, do mal de Sião, a debandada se fará, em maior ou menor escala, segundo for a situação da cidade..”(Relatório, 1895) Recriminava também, a falta de apoio de seus companheiros de administração, dos “fazendeiros abastados” e de toda uma população com recursos financeiros e que diante de qualquer notícia da doença abandonavam a cidade. O movimento de partida e o volume de carroças carregando mudanças mesmo que provisórias, deixando evidente a atitude de retirada, provocavam uma constante onda de medo incontrolável. O abandono de postos e cargos públicos apontava uma situação de total descrédito na palavra oficial, o que só dificultava a viabilização de qualquer projeto da administração pública. Enfim, o próprio prefeito deixava claro que a situação estava fora de controle e protestava diante do que via nesta fuga generalizada, como descaso ao poder público a ponto de o poder judicial ter “se arrogado ao direito de decidir matéria que escapa sua legitima esfera de ação”. Mesmo assim, com todas as dificuldades apontadas, na prestação de contas do triênio, o governo municipal deixou registradas todas as medidas oficiais que estavam sendo tomadas para tentar urgentemente retomar a confiança dos investidores e como conseqüência, de acordo com o pensamento da época, a economia da cidade. Em seus últimos discursos no cargo, o prefeito defende suas próprias ações e de certo modo, ironiza o que ele chamou de “futura administração”, dizendo que esses tinham ainda maior responsabilidade sobre a situação, uma vez que iam participar “três médicos distintos...”. O fato é que, apesar da instalação das redes de água e de esgotos e de todas as

34 medidas sanitárias adotadas a partir de 1891, a febre amarela permaneceu em Campinas, ainda por cinco anos. 7 Na verdade, o esforço feito pela municipalidade não tinha sido o suficiente. As ações foram pontuais e a capacidade dos funcionários era restrita para dar conta do problema. A cidade tinha chegado ao seu limite e a interferência do governador do Estado de São Paulo foi inevitável. O Estado chegou, com todo seu aparato de competência e conhecimento e deu inicio ao necessário, o saneamento da região. As medidas da Comissão Estadual de Saneamento foram duras e abrangentes, e de certa forma tomaram o comando da cidade. Joaquim Ulysses Sarmento, no cargo de prefeito durante o período dessa intervenção sanitária, demonstra que a medida não foi considerada com muita simpatia pelos campineiros, pelo menos aqueles que estavam em posição de comando. Apesar das principais lideranças estarem vinculadas por parentesco ou negócios aos campineiros, como é possível perceber nas falas de Sarmento, a entrada dura do governo estadual foi sentida como uma intromissão. Em seu primeiro relatório, apesar de elogiar o seu antecessor, assume o fato de que havia encontrado irregularidades na execução de serviços e na concepção de atribuições do Poder Executivo Municipal. Assim, conforme sua informação reconhece os equívocos encontrados: “....eliminei precedentes e costumes que tendiam a desvirtuar e confundir as atribuições ...” Por outro lado, quando relata as atividades da Comissão Sanitária elogia os trabalhos de Emilio Ribas, considerando-as organizadas, inteligentes, metódicas e de caráter absolutamente cientificas. Porém, lembra que ainda em 1897 houve um surto epidêmico da febre. Minimiza a observação elogiando o espírito sistemático da comissão e a confiança da população nos trabalhos. Registra que: “....a commissão venceu difficuldades de toda espécie, conseguindo ao mesmo tempo conciliar as leis de salvação publica com os sentimentos de humanidade...” Entretanto, ao final de seus comentários sobre as atividades da Comissão Sanitária, desabafa com certa de indignação em relação a essa interferência mesmo mantendo o tom

7 De acordo com o minucioso levantamento de "A Febre Amarela em Campinas 1889-1900" op. cit., ,é possível acompanhar ao longo do período dessa epidemia os vários profissionais e as ações por eles implantadas, assim como diversos relatórios de autoridades ligadas à municipalidade e às comissões de higiene e saúde.

35 polido e político: “....Desde o dia, pois, em que a referida commissão tomou conta do serviço geral de hygiene, com excepcão da limpeza publica e da remoção de lixo das habitações, a accão do Poder Executivo Municipal, tem sido limitada, indo somente como auxiliar da commissão, quando solicitado. Enganam-se ou commettem injustiça aquelles que quizerem conferir a outrem, o que de direito pertence igualmente a todos quantos têm tomado parte na administração municipal, e voltado a sua attencão para a hygiene das habitações. O intuito da Intendência, porem, é deixar nestas linhas, em nome do Município, a mais sincera homenagem aos illustrados médicos da commissão sanitária que tem trabalhado dedicadamente, para a consecução do bem estar da sociedade campineira, em relação à saúde publica..” (Relatório, p. 24, 1897) Em agosto de 1896, o governo do Estado assumiu a direção e a responsabilidade do saneamento. A partir da unificação e organização da higiene pública do Estado, dividido em distritos sanitários, Campinas passou a ser sede de um desses distritos e a abrigar a Comissão Sanitária, chefiada pelo médico sanitarista Emílio Marcondes Ribas e Comissão de Saneamento, cujo chefe era o engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito. Emílio Ribas apresentou aos seus superiores no governo do Estado um relatório minucioso de sua atuação na Comissão Sanitária, onde destaca que houve uma ação combinada da polícia sanitária e do saneamento no que dizia respeito à remoção do lixo, abastecimento de água e esgotos, fiscalização enérgica nos hospitais de isolamento e edificações em geral para que fossem obedecidas com rigor as regras de higiene. Já no primeiro surto da epidemia, em 1889, o saneamento da água e a interferência no sentido de reverter a insalubridade das casas operárias foram as primeiras medidas, apesar da água ser uma questão complementar ao problema da doença, fazia parte dos conceitos e procedimentos de Emilio Ribas. No que diz respeito à qualidade da água, já vinha de algum tempo as críticas de profissionais ao projeto que estava sendo implantado pelo engenheiro Salles de Oliveira, através da Companhia Campineira de Água e Esgotos. A lentidão e dificuldades encontradas pelos técnicos para esta implantação, assim como sérios problemas da concepção do próprio projeto, reforçam a idéia de que o discurso

36 da classe governante municipal, com os diversos elogios aos melhoramentos empreendidos na cidade e representados nos Relatórios dos trabalhos municipais era discutível. 8 A opinião do diretor da Estação Agronômica (Instituto Agronômico de Campinas), Franz W. Dafert, alemão de Berlim que tinha vindo para o Brasil para organizar a Estação, em seu Relatório Anual, de 1889, levanta a questão da má qualidade da água subterrânea, o que poderia influir na intensidade da epidemia. Apresentou neste Relatório uma planta da cidade de Campinas, onde demonstrava que os quarteirões onde houvera uma maior incidência da doença eram justamente as áreas de maior infiltração de latrinas. (Santos Filho1996). No mapa apresentado por Dafert, foi apontado uma relação direta entre a incidência da febre e a infiltração subterrânea de águas contaminadas por dejetos fecais. 9 Apesar de o sanitarista Emilio Ribas ter dito ao longo de suas críticas que os surtos epidêmicos de febre amarela não tinham origem na água, reforçava esta relação no sentido de que, se contaminada, era um transmissor de ”irritações gastro-intestinais” causadores de diversas moléstias infecciosas, fragilizando o corpo e aumentando a oportunidade da febre. (Relatório, 1898)

A higiene das moradias para os operários também fôra alvo tanto da municipalidade, como da Comissão. Alfredo Pinheiro, morador da cidade propõe à Câmara um projeto que acreditava capaz de solucionar a questão. Em sua opinião, a epidemia estava ligada às más condições das moradias, então pede à Câmara o direito de financiamento para a construção de casas populares, “higiênicas e baratas”, que poderiam ser alugadas a um baixo custo e o aluguel recebido seria dividido entre a Câmara Municipal e o requerente, ou a empresa que se propusesse a levar avante o empreendimento.

Parece que a sugestão não teve prosseguimento e apesar de ter sido encaminhada para Comissão de Obras Públicas da Câmara pelo Intendente, é desconhecida qualquer ação em relação à construção dessas casas. Seja como for, parece ter sido a primeira proposta organizada e encaminhada à administração pública relativa a projetos de edificação de casas populares. (Arquivo da Câmara Municipal, 12 de agosto de 1889)

A propósito da qualidade da água, o sanitarista Emilio Ribas fez muitas críticas, sobretudo aos procedimentos técnicos da Companhia de Águas e Esgotos. Em 1898,

8 Esta interpretação aparece claramente no trabalho de Antonio da Costa Santos. (opus cit) 9 Planta da Cidade de Campinas de 1889, Acervo da Biblioteca do Instituto Agronômico de Campinas.

37 Joaquim Ulisses Sarmento, então Intendente da Câmara, torna pública aos vereadores as impressões de Emílio Ribas que, aliás, não foram muito bem aceitas. Acredito que suas impressões podem ser resumidas em dois de seus parágrafos, o primeiro provavelmente apoiado na planta-base que havia sido elaborada pelo engenheiro Emilio Daufrese, funcionário municipal contemporâneo ao período de Álvares Lobo, em 1895; o segundo parágrafo, quase agressivo, versa sobre a insistente propaganda que vinha sendo feita sobre a qualidade da água:

“...A simples inspecção da planta e do quadro que me foram fornecidos pela Comissão de Saneamento desta cidade, falla bem alto em favor dos que reclamam contra a agua polluida que é fornecida a Campinas...” (Relatório, 1898)

“...Não abraçará boa causa quem tentar defender a agua de Campinas: é uma empreza ingrata e antipatriótica, por quanto os argumentos de defeza que conheço são todos capciosos e alguns até embustes tão grosseiros, que não merecem as honras de uma critica scientifica...”(Relatório, 1898).

A crítica de Emílio Ribas sobre a água estava ligada a questões básicas, pois considerava que a captação já era feita em local poluído por matérias terrosas e detritos orgânicos. Não aprovava de maneira nenhuma a localização do reservatório da Rocinha e criticou todos os pontos de captação. Seu parecer era de que a água sendo potável deveria estar livre de impurezas antes de chegar aos locais de consumo, mesmo porque, também considerava que os filtros domésticos não eram suficientes para este saneamento.

Suas medidas rigorosas quanto às praticas sanitárias foram implantadas na cidade com disciplina e cercada dos mais modernos conhecimentos da época. A fiscalização era dura e metódica em visitas diárias às residências, ao comércio e às instituições da saúde como hospitais e o isolamento. Até mesmo o lixo, que Ulysses Sarmento havia relatado que era o único serviço de saneamento que tinha sobrado como responsabilidade do município, o sanitarista criticava os sistemas de coleta e disposição do lixo recolhido em áreas rurais, nas cercanias da cidade e seu posterior uso como adubo. Emilio Ribas sugeria que o lixo fosse incinerado.

A passagem de Emílio Ribas por Campinas tem importância não apenas por sua atuação competente mas também por deixar marcada na cidade as práticas sanitárias, que

38 eram propostas da época, lideradas por Oswaldo Cruz, que teve papel de grande importância no desenvolvimento do saneamento urbano no Brasil. Essas propostas sanitárias assumiram um modelo de políticas sociais, num momento em que o país experimentava a industrialização e que, os graves problemas de aglomeração humana começavam existir. 10

As providências sanitárias adotadas por Emílio Ribas iniciavam a delimitação do espaço dedicado ao crescimento da população trabalhadora urbana. Se até então havia certa integração de territórios entre a população que compunha a força de trabalho e o capital, entre o “nativo” e o “forasteiro”, esta convivência sofreu uma profunda modificação. Os espaços ocupados pela mão de obra urbana deveriam ser controlados e fiscalizados pelo serviço sanitário, pelo atendimento social liderado pela assistência municipal e, sobretudo, delimitado seu território de moradia. Os operários urbanos teriam suas vidas controladas por uma legislação baseada em princípios médico-sanitários e um controle social de polícia. Essa concepção delineou o tratamento da classe operária durante o final do século XIX e o seguinte, pelo menos em suas primeiras três décadas.

Do ponto de vista de políticas públicas, ficaram consolidados os interesses hegemônicos a partir da reforma sanitária de 1896, quando foi estabelecida a responsabilidade do governo estadual e o direito de intervenção no município, através dos serviços de saúde, sempre que se considerasse necessário. 11 Estas medidas tiveram pelo menos dois inconvenientes na época, pois interferiram na hegemonia local e construíram um conjunto de idéias perniciosas ao estabelecimento da mão de obra operária na cidade.

As ações e providências da Comissão Sanitária foram complementadas e garantidas pela Comissão de Saneamento, liderada por Saturnino de Brito. O engenheiro propôs à cidade uma revisão nas propostas de saneamento que vinham sendo conduzidas pelos engenheiros Antonio Francisco de Paula Souza e depois deste, Francisco de Salles Oliveira Junior. O projeto estava ligado à Companhia Campineira de Águas e Esgotos, que já vinha

10 Em relação aos estudos e levantamentos sobre a organização dos serviços de saúde publica e questões de políticas higienicistas no final do século XIX e inicio do XX, foram elaborados vários e competentes trabalhos, sobre o Estado de São Paulo e a cidade de Campinas. Nossa passagem por estas questões e evidentemente nos apoiando nestes trabalhos, está ligada ao fato da construção de uma idéia repressiva sobre a população operaria e os trabalhadores em geral e que vai se refletir entre outras possíveis interpretações, na localização dos territórios destinados às suas moradias. 11 Emerson Elias Merhly, em sua dissertação de mestrado, na Faculdade de Medicina,USP , apresentada em 1983, faz uma ampla discussão sobre a política emergencial sanitária no estado: “ A emergência das práticas no estado de São Paulo”.

39 estabelecendo critérios relativos à captação de águas pluviais, determinando a ligação de esgotos e fornecendo água tratada captada nos riachos Iguatemi e Bom Jardim. 12 (Relatório, pág., 1892)

Uma das medidas de Saturnino foi sugerir mudanças que reforçaram a captação de água, tanto em seu volume como em sua qualidade. Como foi visto anteriormente, Emilio Ribas já questionara a qualidade da água e, portanto, as medidas vieram atender ao diagnóstico do sanitarista. A proposta foi a elevação da cota do ponto de captação chegando às cabeceiras do São Bento, obtendo água de melhor qualidade e aproveitando a adutora já existente. Incluiu também a proposta de formação de novas represas e a implantação de uma caixa de decantação.

Em relação à proteção dos mananciais propôs uma área arborizada e cercada em faixa de 50 a 100 metros a montante das novas represas; saneamento das áreas brejosas empregando manilhas; construção de segunda caixa de reservatório que comportasse lavagens freqüentes. (Andrade, 2002)

Entretanto, estratificou socialmente o fornecimento e a distribuição de água e desse modo, as diferenças que foram se criando no planejamento urbano em relação às eventuais necessidades cotidianas de um segmento e de outro da população, tenderam a se acentuar. A concepção de higiene pessoal e higiene doméstica se enraíza neste final de século, quando a ciência já tinha gabarito para influenciar na qualidade de vida. Um dos exemplos significativos foi o fato de que a implantação da rede de distribuição de água e esgotos passa a ser prática comum pelo menos no âmbito das cidades. (Lapa, 1995)

Deve-se lembrar, portanto, que o momento vivido neste final de século exigia técnica, conhecimento e que a saúde passou a ser considerada como questão de segurança social. Há também que se pontuar as diferenças conceituais em relação às medidas implantadas nas regiões urbanas neste período e que, dependendo da área da cidade chegaram a ter

12 O projeto de captação e fornecimento de água tratada da Companhia Campineira de Águas e Esgotos , data de 1891 através do Reservatório da Rocinha (hoje Vinhedo), e foi seguido de uma série de medidas que deveriam assegurara a melhora da qualidade da água, assim como a implantação do primeiro Código de Obras (Lei n.43/1895) contribuiriam para garantir a captação das águas pluviais e ligações de esgoto. Essas medidas foram seguidas de transtornos para a população e para a administração da cidade, pois a exigência de desativamento dos poços não foi bem aceita gerando conflitos. Carlos Roberto Monteiro de Andrade em sua dissertação, “A Peste e o Plano. O urbanismo sanitarista do Eng. Saturnino de Britto, 1992, apresenta estudo detalhado sobre a obra do engenheiro em Campinas e nas várias cidades do Brasil em que atuou.

40 caráter de repressão, sobretudo nas regiões mais pobres da cidade. 13

Sem deixar de considerar, no caso de Saturnino, esse contexto de época, seus discursos bastante abrangentes com as necessidades sanitárias demonstram um objetivo principal relativo a políticas de saneamento geral, mas é impossível negar a diferença que fez entre as várias camadas da sociedade.

“....Entretanto, observemos que uma casa de baixo valor locativo é pequena e não deve comportar mais de 5 habitantes, para que não resulte inconveniente, no ponto de vista higiênico, de acordo, aliás, com as prescrições dos regulamentos sanitários em vigor: teremos, então, a cota liberal de 100 litros, para o pobre. Mesmo que, contra o regulamento sanitário, um casebre habitado por 7 pessoas, teremos 71 litros por dia e por habitante, exclusivamente para os usos domésticos. Ora, ninguém dirá que isto seja suficiente. Com efeito, se para uma casa rica ou burguesa forem bastantes, ao conforto e higiene, 100 litros por pessoa, bastarão ao pobre cerca de 60 litros. Porque o consumo é maior na casa em que se tome, para cada banho, um volume superior ao suficiente; o numero de utensílios de cozinha e copa, a lavar diariamente, é muito maior, principalmente quando se faça “a francesa” o serviço de mesa, etc. Ora, o que é preciso na família brasileira pobre ou rica, é que água chegue para os banhos (antigamente estes eram tomadas em bacias, e as famílias não eram menos asseadas que hoje): e que a louça seja toda bem lavada: - o asseio não depende de encher banheiros e do numero de pratos servidos em cada refeição. Assim sendo, me parece justo dar ao pobre o volume bastante e a um preço de unidade menor. Atendendo ao maior consumo nas casas maiores, sejam aumentadas as respectivas quotas e aumentado seja também o preço de unidade, para uma justa compensação nos serviços prestados a pobres e ricos. Dito isto, como simples razões que a sensata higiene aceita, naturalmente cada cidade é livre de seguir os seus pendores liberais, ou os conselhos dos higienistas exagerados; se tem águas fartas e baratas, claro está que ser melhor é ser liberal que parcimonioso na distribuição...” 14

13 Apesar de um projeto de abastecimento de água e esgoto já existir em Campinas desde a década de 80 do século XIX só dez anos mais tarde foi executado, mesmo assim inicialmente a água era levada até chafarizes onde a população então se abastecia. Saturnino ainda propôs varias modificações e a instalação de hidrômetros com o objetivo dentre vários, de se controlar o fluxo de água e como bem coloca o Prof. C.A Monteiro de Andrade “...... é apenas com as obras de Brito que uma rede enquanto sistema irá estruturar o traçado urbano, anunciando a universalização de um serviço que progressivamente assumirá a forma de mercadoria e será incorporada ao Estado...” ( Andrade, 2002) 14 Trecho de discurso de Saturninode Britto em Campinas em janeiro de 1922, e que foi inserido em sua “Obras

41 Bem, neste período, não apenas Saturnino tinha esta visão sobre como deveriam ser pensadas as políticas de atendimento da parcela social mais pobre e onde estava inserida a mão de obra das cidades. É inegável o avanço das idéias e quanto o conhecimento se fez presente no planejamento moderno das áreas urbanas e que em questões como encanamento e distribuição de água potável estavam marcados claramente a necessidade de inclusão de todas as camadas sociais. Mas também deve ser levado em consideração que existe neste cálculo de distribuição a suposição tácita de qual parcela social vai ser responsabilizada pela economia. Não há grandes surpresas nesta constatação, mas é uma visão que vai ser aprofundada ao longo do tempo e a sombra da restrição para as áreas populares, vai se fazer presente ao longo da historia da maioria das propostas urbanas.

Nota-se então que no primeiro projeto de planejamento urbano de Campinas, no período em que o objetivo era sanear para banir a febre que abalou a cidade, as indicações e sugestões de Saturnino estiveram sempre voltadas no sentido dos melhoramentos do traçado urbano, visando seu desenvolvimento.Essa orientação ficou bastante evidente nas propostas da rede de distribuição da água, nos cuidados com o desperdício e saneamento, e mais ainda na sugestão avançada de projeto quando propõe dividir esta distribuição em pelo menos duas zonas, “....a da parte alta e a da parte baixa da cidade.” (Brito, 1943).

Saturnino discute, também, as implicações do método usado pela administração municipal no recolhimento e depósito do lixo, em áreas úmidas e muito próximas da área mais povoada da cidade. Propõe a incineração e reciclagem dos resíduos na lavoura e indústria.

Entretanto, foi na sua obra de canalização e drenagem que deixou a base para o futuro desenho de Campinas. Desse modo, Saturnino de Brito propõe a canalização dos ribeirões Anhumas, Tanquinho e Serafim, além de revisão em projeto anterior de galerias de saneamento. 15 Para a execução desses trabalhos, estabeleceu a canalização das nascentes desses ribeirões localizadas no perímetro da cidade, sendo que seus cursos correriam em

Completas” vol. 16, p. 124, 1943. 15 Conforme citado, as obras e projetos de Saturnino de Brito em Campinas e outras cidades do país , já tem estudos e levantamentos onde podemos nos apoiar para uma discussão que visa à delineação do espaço urbano já iniciado neste primeiro planejamento. Mencionamos neste momento sobretudo os trabalhos já citado, do prof. Carlos Roberto Monteiro de Andrade que nos auxiliou com a analise das obras propostas e com o caminho do desenho urbano da cidade.

42 canais a céu aberto e cujas margens deveriam tornar-se via de comunicação, através de avenidas e passeios públicos, onde estariam contempladas a estética e a higiene.

A solução de implantar avenidas em fundo de vale e ao longo dos cursos de água foi utilizada em vários outros projetos urbanos do engenheiro. No caso de Campinas, Saturnino optou por caminho de intervenção nos cursos naturais modificando bastante a paisagem ambiental, opção que iria rever em outros projetos. Porém, interessa-nos o fato de que nos primeiros anos dessa intervenção, estes fundos de vale canalizados, assim como as margens das ferrovias, foram espaços para implantação de habitações populares.

Na planta da cidade de 1893, provavelmente aquela utilizada como base nos levantamentos e estudo das Comissões Sanitárias e de Saneamento, são visíveis os melhoramentos apresentados no contorno do perímetro urbano. Mas também não podemos esquecer que muito desses projetos, sobretudo as intervenções urbanísticas de Saturnino, só foram executadas mais de dez anos depois das propostas, de modo que estas áreas continuaram sendo regiões de várzeas, alagadiças, regiões de depósito de lixo e aterros sanitários. 16

Se observarmos a implantação dos conjuntos de vilas operárias que se desenvolveram nas décadas de 30 e 40 do século XX e as compararmos com a planta de 1893, é possível claramente observar esse fato. Na verdade, apesar de projetos competentes de melhoramentos sanitários, funcionais e estéticos deste o final do século XIX, o reconhecimento como área valorizada pelo capital, configurou-se, de fato, no final dos anos de 1950. Sendo que a maioria dessas avenidas de fundo de vale teve bom aproveitamento nos planejamentos que sucederam esse período. 17

A administração municipal colocou em execução através da regulamentação em 1896, a lei nº 43, de 1895, que foi o primeiro Código de Construções da cidade. Neste Código estavam definidos os cuidados em relação à construção mais sólida e saneada, como também as exigências necessárias para garantir uma boa qualidade sanitária coletiva. Em destaque, a exigência de que as plantas fossem aprovadas por engenheiro da prefeitura,

16 Mapa de 1893 – Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo I – 02) 17 Essas avenidas são as hoje conhecidas Av. Orosimbo Maia, Norte – Sul e ainda a Princesa D”Oeste, depois da canalização do córrego do Proença que compôs a rede de canalização de ribeirões e córregos prevista pelos sanitaristas do final do século XIX.

43 sinalizando a intenção do poder municipal ter um maior controle nos espaços urbanos. Esta era uma questão inovadora, mas que nos anos seguintes iriam demonstrar que o município não tinha estrutura para tal intervenção.

Porém, os resultados dessas medidas foram ineficazes a princípio. Foram anos de tentativas, mas sem as ferramentas urbanas que permitissem os procedimentos, o processo de organização da cidade não avançava. Trinta anos depois, surgiram possibilidades de serem executados em sua plenitude, começando por mudanças internas na própria administração. ( Código de Obras, 1890 a 1904)

O engenheiro Saturnino de Brito, encaminhado pelo governo do Estado para propor, dirigir e acompanhar os trabalhos apresentou para a cidade um plano de saneamento que não apenas pretendia resolver a questão que provocara a crise no município, como também, proporcionar um caminho para se pensar o futuro. Estavam previstos reforços na captação de água e galerias pluviais secundárias, drenagens, onde o destaque estava no projeto de canais a céu aberto e em cujas margens estavam previstas avenidas arborizadas e passeios públicos. O plano transformou a aparência da cidade e apesar de nem todas estas obras terem sido realizadas, seu projeto foi pioneiro em vários aspectos. O que mais chama a atenção aqui foi sua representação de uma cidade moderna; destarte, ressaltando a função da cidade higiênica, propunha caminhos para seu crescimento. Deixou registrado em plantas seus estudos de topografia e sugestões para um projeto de saneamento em Campinas

O engenheiro, que estudou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, havia inicialmente se aproximado dos urbanistas franceses, conheceu também o movimento “city beautiful”, harmonizando o conhecimento da tradição com a inovação. Sua atuação estava fundamentada nesta prática conciliadora da ciência e da arte. (Andrade, 1992). A importância de sua obra abrange um quadro maior de inserção, pois Saturnino de Brito estava entre os profissionais que estiveram à frente de planos que incluíam saneamento e planejamento urbano em diversas cidades do Brasil, marcando todo o período da primeira República.

A entrada do século XX encontrou uma cidade saneada e com uma estrutura urbana suficientemente organizada para abrigar o desenvolvimento almejado pelos grupos que restaram na cidade e na região, interessados, sobretudo, nos projetos de industrialização.

44 Esse tipo de empreendimento surgia como a possibilidade viável para a renovação da cidade, ou pelo menos, os indicativos nesse sentido já eram bastante fortes.

Até 1920, a cidade abrigava pouco mais que oitenta indústrias. Aparentemente, o desenvolvimento fabril era mesmo incipiente, pois a greve de 1917, que parou o complexo industrial e abalou toda a capital paulista, em Campinas, apesar do trágico episódio da Porteira da Capivara, localizada nas imediações da Estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, restringiu-se basicamente aos trabalhadores das oficinas da Companhia da Estrada de Ferro da Mogiana. Os jornais noticiaram a morte de três operários e vários ficaram feridos, todos funcionários da Mogiana. (Nogueira, 1988)

A proposta do vereador Álvaro Ribeiro, em 1920, através da Resolução nº 606 tenta alavancar iniciativas de instalação de novas indústrias, concedendo benefícios a empresários que se instalassem na cidade, concedendo por exemplo, isenção de impostos por dez anos. Teve início, então, a implantação de um maior número de fábricas e o crescimento de pequenas oficinas de apoio à produção começa a modificar o aspecto da cidade. (Godói, 1952).

Conforme os Relatórios anuais dos trabalhos da prefeitura, no ano de 1926, a Repartição de Obras apresenta, de fato, um crescimento significativo de construções na cidade e que se considerou como um recorde da década. O responsável pela Repartição era o engenheiro Perseu Leite de Barros, que chama a atenção para um fato animador, de seu ponto de vista, pois a partir do meio do ano o movimento de construções de casas econômicas havia se acentuado sobretudo na “periferia da zona urbana”. (Relatório, 1927)

Este dado é importante para se considerar o avanço da indústria no município e o fato de a população já se fixar no seu entorno, ou até mesmo, que os investimentos imobiliários estavam se tornando promissores e se consolidavam.

Por outro lado, esse crescimento veloz e sem previsão ou gerenciamento adequado da administração pública foi acumulando, mais uma vez, um conjunto de problemas na estruturação urbana. Situação que concorreu para gerar uma década à frente, nova participação externa à municipalidade, desta vez, certamente de forma mais traumática, porque se revelava também como eminentemente política.

Alguns profissionais, como o próprio responsável pela Repartição de Obras,

45 manifestava-se em relação à emergente necessidade de organização de um plano para suportar essa expansão; reconhecia, assim, que a cidade precisava ser repensada, ser remodelada com alargamento de ruas e abertura de avenidas. As vias se mostravam insuficientes em relação ao volume do trânsito diário. O aumento de abastecimento de água cujas obras estavam em andamento tornou se urgente, porém, as previsões de orçamento e de tempo de conclusão foram bastante ultrapassadas, conforme o relato do então prefeito Orosimbo Maia. O avanço da população em áreas mais distantes do núcleo central da cidade aumentava velozmente. No Relatório de 1926, Leite de Barros dizia que se entusiamava com o crescimento, mas também reconhecia a carência de organização.

“.....Faz se sentir nesta fase de desenvolvimento, por que está passando a cidade, a necessidade da organização de um plano geral de expansão, abrangendo toda a superfície contida no perímetro urbano....” (Relatório, 1927).

Comparem-se de duas plantas da cidade: uma de 1916, publicação da Casa Genoud, onde estão marcados traços e anotações para um provável estudo do aumento do perímetro urbano; a segunda é de 1926, uma planta organizada pela Repartição de Águas e Esgotos e onde já estão assinalados os novos arrabaldes, na qual se nota o substancial alargamento da área urbana.

Em 1927, a Repartição de Obras e Viação chamou a atenção para o fato de que estavam sendo construídas mais de uma casa por dia em Campinas e a maioria em locais distantes do centro urbano, o que provocava incapacidade de atendimento de recursos básicos de infra-estrutura. Foi sugerido, então, pelo setor responsável um trabalho de levantamento cadastral destas edificações, pois não havia um sistema de acompanhamento ou registro desse movimento.

A primeira sugestão foi a elaboração de uma planta da cidade onde deveria ser considerado o perímetro definido na Lei nº 379, de 1926, que compreendia uma área de cerca de 1.000 alqueires paulistas. 18 A área considerada na Lei e proposta como limite para a elaboração desta planta representava uma superfície três vezes maior do que se sabia edificado e cadastrado naquele ano.

18 LEI N. 379/1926

46 Foi aberto um Edital de concorrência para elaboração de nova planta do perímetro urbano. Em resposta, apresentaram-se seis concorrentes, saindo vencedora a proposta dos engenheiros Jorge de Macedo Vieira e Carl A. Oelsner; como parceiros para o projeto propuseram-se a executar todo o serviço no prazo de dez meses. Ambos com trabalhos de urbanismo semelhantes, para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, os engenheiros não apresentaram a proposta de menor valor, mas como justificaram os membros da comissão de seleção, era o trabalho que melhor atendia as necessidades apresentadas como requisitos do Edital. 19

No decorrer dos trabalhos, Macedo Vieira propõe à prefeitura o levantamento de uma planta cadastral, proposta aceita ainda em 1929. 20 Passa então a ser elaborada neste mesmo ano uma planta cadastral e que viria ser a base do planejamento urbanístico das décadas seguintes. Orosimbo Maia em seus comentários sobre a lentidão da Câmara em responder suas solicitações para providências quanto à elaboração de plano urbano, aponta a importância deste serviço como fundamento para qualquer planejamento futuro. Neste cadastramento ficou assinalada a cidade que restou do século XIX, a ampliação pós- ferrovias e os novos loteamentos de arrabalde das primeiras três décadas do século XX.

A Planta Cadastral de Jorge de Macedo Vieira demonstrou o crescimento urbano que Leite de Barros vinha apontando em seus relatórios e revelou alguns problemas de base. Ficaram bastante claras as razões das dificuldades sentidas pela administração municipal, no sentido de controlar e fiscalizar procedimentos que garantissem algum grau de qualidade à população. Os levantamentos conferiam com as queixas do aumento desordenado e mais ainda, a numeração dos edifícios não apresentava padrão capaz de enfrentar uma identificação adequada ou propiciar a implementação de benefícios públicos. O emplacamento muitas vezes sequer existia, portanto, era quase impossível o conhecimento

19 Conforme o Relatório de 1927, os profissionais que se apresentaram foram: André Veríssimo Rebouças; Luiz Machado de Faria Maia; Plínio Queiroz e Carlos Decourt; Jorge de Macedo Vieira e Carl A Oelsner; Alípio Leme de Oliveira e Barros Oliva&Cia Ltda.; J B Meiller. (Relatório, p. 04 e 32. 1927.) 20 Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica de São Paulo em 1917, foi responsável, do início dos anos 20 até os anos 50, por inúmeros projetos de loteamentos residenciais e planos urbanísticos em vários estados. Tendo iniciado sua vida profissional na Companhia City de São Paulo, foi muito influenciado pelas soluções tipo cidade-jardim. Em Campinas, após a aproximação proporcionada pela administração municipal, projetou os bairros Vila Isa, Nova Campinas e Chácara da Barra. Sobre sua atuação na cidade, cf. CONDEPACC . Processo nº. 03/04: Traçado Urbanístico do Bairro Nova Campinas.

47 do número de edifícios na cidade. 21

Com tantos problemas, foi impossível a entrega da planta do novo perímetro, mesmo porque o cadastramento poderia complementar os trabalhos de levantamento. Um dos resultados foi também a inclusão da área da Vila Marieta, a pedido da municipalidade, o que correspondia em mais 798.000m2 no total do perímetro. Com a prorrogação do contrato dos engenheiros para apresentação do Cadastramento por mais um ano, os trabalhos foram entregues em agosto de 1929, abrangendo um total de 25.998.000 m2. (Relatório, 1929, p. 28) 22

Conforme o relatório do prefeito Orosimbo Maia, os contratados entregaram plantas em escala 1: 5 000, apresentando toda a área da cidade, com originais e cópias e, de acordo com o relato da Repartição de Obras e Viação, foram entregues também, documentos anexos detalhados sobre a organização dos serviços, métodos adotados nas operações e nos cálculos, instrumentos empregados, aproximações obtidas e mais dados de interesse técnico. 23

Através de Lei nº 447, de 1929, os serviços foram contratados adotando o sistema de numeração por metro linear. A Prefeitura se encarregou das placas e o engenheiro se comprometeu com em apresentar o estudo da forma como segue:

1) apresentação de croquis dos quadros figurando os números antigos e os atuais e

21 Jorge de Macedo Vieira, nasceu em São Paulo em 1894 e atuou por mais de meio século como urbanista e engenheiro. Formado pela Escola politécnica de São Paulo em 1917, trabalhou como estagiário logo ao se formar nos escritórios da Companhia City cuja influencia do conceito de cidade jardim do arquiteto inglês Richard Barry Parker, marca desse escritório, esteve fortemente presente em seus projetos e nos seus traçados urbanísticos . Macedo Vieira vinculou-se ao ideário do movimento pela cidade-jardim e muito contribuiu para dar forma à cidade moderna brasileira. Projetou na cidade de São Paulo mais de vinte bairros-jardins, assim como em outras cidades paulistas e do Rio de Janeiro. Projetou quatro cidades novas, duas delas balneárias – Águas de São Pedro (SP) e Pontal do Sul (PN), e outras duas cidades no norte do Paraná, Maringá e Cianorte. Em Campinas deixou sua marca em bairros como a Vila Isa e a Chácara da Barra, o legado mais completo de seu ideário foi o bairro de Nova Campinas em Estudo de Tombamento pelo Condepacc. (PMC – SMCEL - Condepacc – Processo 03/04; Catálogo de Exposição – “O urbanismo do engenheiro Jorge de Macedo Vieira” - Companhia City). 22 Cortes da Planta Cadastral de 1929. O trabalho de cadastramento entregue por Macedo de Vieira, dividiu a cidade em vinte recortes, por região. Nestes recortes encontram-se os edifícios mais importantes, conforme avaliação da época e que geralmente eram construções institucionais. Existe também uma planta geral constituída pelos vinte recortes e com legenda explicativa dos levantamentos inseridos. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo I - 05) 23 As informações dos trabalhos de Macedo de Viera, fazem parte de um Processo relativo à Lei n. 447 de 1929, que trata do reemplamento dos prédios de Campinas através do sistema americano. A inicial esta contida no Oficio de n. 39, datado de 15 de fevereiro de 1929. O material referente aos seus trabalhos , que foi possível levantar, fazem parte deste processo, que se encontra no Arquivo Municipal de Campinas.

48 indicação das distâncias das esquinas em relação às origens da numeração afim de servirem de base para cálculo de novos números;

2) organização de livros de registros de ruas por classificação alfabética, contendo todos os números das diversas revisões de emplacamento feitas na cidade, a informação seria fornecida pelo Tesouro Municipal;

3) relação geral das placas que foram encomendadas;

4) estatísticas dos prédios numerados com distinção do numero de pavimentos e indicação dos prédios construídos com recuo em relação ao alinhamento;

5) uma planta geral em 1: 5 000, indicando as origens adotadas;

6) substituição das placas antigas e novo emplacamento de todas as propriedades situadas em zonas arruadas.

A Repartição de Águas e Esgotos reuniu informações em uma planta da cidade datada de abril de 1929, onde estão indicados uma série de itens que fizeram parte das propostas de Jorge de Macedo para o reemplacamento. Acreditamos que pode ter feito parte desse trabalho alguns de seus estudos, mesmo porque uma de suas justificativas para o contrato foi justamente o fato de que a administração municipal apresentava déficit considerável, por não conseguir localizar os imóveis e portanto não poder cobrar direito impostos por serviços prestados.

A metodologia sugerida para o reemplacamento de 1929:

a) eixo de numeração;

b) origem das ruas;

c) direção da numeração;

d) limite da 2a zona;

e) limite da 3a zona.

49 O Relatório dos trabalhos realizados pela prefeitura em 1930 informa que ao final desse ano, já haviam sido colocadas 9.941 placas, tendo ainda em depósito 242 prontas para instalação; portanto, o trabalho estava andando em bom ritmo e a cidade contava com 10.059 imóveis cadastrados. 24

Orosimbo Maia, que durante os anos em que foram contratados estes trabalhos era o prefeito municipal, deixou demonstrado em seus relatórios de final de ano para a Câmara uma preocupação com o desenvolvimento da cidade e pode-se notar que muitas obras de melhoramentos eram implantadas. Tanto o prefeito como o responsável pela Repartição de Obras e Viação, Perseu Leite de Barros, insistiram com os vereadores da absoluta importância para a cidade que não fossem feitos apenas melhoramentos pontuais, mas que um plano urbanístico fosse pensado para que realmente se pudesse planejar o desenvolvimento da cidade.

Nesse sentido, Orosimbo Maia ao cobrar dos vereadores ofícios não respondidos, em relação à elaboração de um plano de urbanismo, intitula essa chamada de “NOSSO URBANISMO”. Esta chamada passou a ser citada em diversos trabalhos sobre Campinas por conter um pensamento sintético, mas elaborado, da vocação da cidade e dos riscos que corria novamente se não fossem tomadas providências imediatas. Na verdade, a fala de Orosimbo Maia, passou a ser um marco representativo da transformação da cidade industrial moderna. 25

24 Planta da Cidade de Campinas com as sugestões do sistema a seguir para o novo reemplacamento. Processo da Lei n. 447, Oficio n. 39 / 1929. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo I – 06) 25 Relatório de trabalho do ano de 1929. (Relatório, p. 5, 1930)

“Em ofício, que tive a honra de dirigir a VV. Excias. em 22 de outubro, ratificando a anteriores manifestações sobre o caso, fiz ponderações quanto à conveniência de se cuidar da elaboração de um plano de urbanismo. Poderá parecer a muitos ser uma temeridade cogitar-se deste assunto em ocasião de tamanhas aperturas, de uma crise mundial, sem precedentes.

Não há tal, porém. Campinas, por sua administração, não pode descurar de um assunto de tamanha relevância.

Eu não penso positivamente em realizar tão grande e indispensável empreendimento. É coisa para levar dezenas de anos, ou séculos mesmo. O que eu desejo, Exmos. Snrs. Vereadores, é organizar um plano para ir tendo execução paulatina, de acordo com os recursos da ocasião.

É claro, é evidente que Campinas progride, com tendência a ser uma grande cidade, talhada a ser um centro industrial privilegiado pela sua situação e vias de comunicação. Desde que seja concluído o grande reforço do

50 Os reflexos destes primeiros trinta anos do século se fizeram presentes, talvez não com tanta pressão como seriam os trinta seguintes, mas a passagem do rural para o urbano estava transformando a cidade. Quando a Câmara, através da Resolução nº 927, de 1929, concede auxílio para que uma comissão organizasse o “Álbum de Propaganda de Campinas” publicado em 1930, 26 a população do município chegava a 160.000 habitantes. A região urbana continha 13 000 prédios, 133 ruas e 16 praças.

Conforme o Álbum, o traçado urbano cortava-se em ângulos retos, o calçamento era em paralelepípedo de pedra e rodavam por essas vias os 1.976 automóveis existentes na cidade. Alguns bairros dos arrabaldes, existentes em bom número, já faziam ligação com a área central através das linhas de bonde. Os organizadores destacavam com ênfase o fato de ser Campinas a maior produtora de seda do Estado, contendo cerca de 50 indústrias de produtos diferenciados e que se dividiam em fabricas e oficinas, além de 633 estabelecimentos comerciais diversos.

O movimento viário era significativo, pois a famosa Porteira da Capivara, que dividia a cidade em duas por conta das linhas férreas, foi eliminada e em seu lugar construído um viaduto para ligar a Vila Industrial e a região central. Mesmo sendo ainda apenas uma integração viária pontual das duas regiões, a ação mostrava que a velocidade, componente fundamental da modernização , começava a se fazer presente.

O novo Teatro Municipal, cuja pedra fundamental tinha sido lançada em 1922, data que demonstra o quanto a elite, patrocinadora da obra, estava atenta e afinada com os movimentos nacionais, foi inaugurado em 1930. O projeto e execução foram contratados por concorrência pública e o vencedor, engenheiro Mariano Montesanti, rescindiu o contrato antes de seu término. Depois de uma remodelação completa no projeto inicial feita pelo engenheiro e arquiteto Christiano S. das Neves, a construção do edifício passou a ser executada pela Repartição de Obras e Viação e administrada e fiscalizada pelo arquiteto.

abastecimento de águas, em vias de execução, isso se evidenciará de modo positivo.

Assim sendo, ela não pode permanecer com suas ruas estreitas, sem os indispensáveis logradouros públicos e outros melhoramentos de que se ressente atualmente.

É necessário pois, uma deliberação a respeito do que solicitei pelo aludido oficio.” 26 A Comissão era composta pelos campineiros, Cleso de Castro Mendes e Álvaro Paes. O álbum continha 80 clichês de vistas de ruas, propagandas e textos enaltecendo alguns cidadãos e algumas atividades.

51 (Relatório, 1930)

Na investigação pelos Relatórios caprichosos das repartições municipais ao longo de toda a década de 1920 até a intervenção getulista, o que podemos observar são constantes indicações de obras de melhoramentos, pelo menos nas áreas urbanizadas da cidade. Porém, um artigo de Silvino de Godoy para a Monografia de Campinas, em 1952, assim como outros artigos e notícias nos jornais locais da época, deixam dúvida na seleção e andamento desses melhoramentos indicados nos relatórios, pois empresários e investidores em áreas urbanas e nos setores industriais demonstram grande insatisfação com a lentidão nas ações da administração pública, sugerindo ser este o motivo dos ralos investimentos na região. (Monografia de Campinas, 1952)

De certa maneira as preocupações de Godoy eram procedentes, pois apesar de a administração pública ter avançado com as contratações dos levantamentos do perímetro e do cadastramento das edificações, uma questão principal não se resolvia: a captação e distribuição de água para os chamados arrabaldes. Esta devia ser uma providência prioritária da prefeitura, pois uma cidade que se pretendia “vocacionada” para a indústria, havia de garantir o fornecimento de água e energia elétrica.

Desde 1927, havia uma insistência da administração municipal no sentido de se apresentar um projeto de adução das águas do rio Atibaia. O estudo de aproveitamento da água foi apresentado no ano seguinte pelo engenheiro Egydio Martins, que tinha concluído projeto semelhante em São Paulo. O projeto foi completado pela Repartição de Águas e Esgotos no que se referia às modificações e aumento das redes e reservatórios complementares, obra necessária para implementar o projeto de adução.

A justificativa para a solicitação destas providências vinha do encarregado da Repartição, engenheiro Roberto Bergallo, e recaía no aumento da população e no fato de que os bairros novos não tinham como ser abastecidos. A situação colocava essas regiões em condição precária por insuficiência de água e falta de rede. No próprio relatório de 1928, Bergallo expõe na justificativa que a situação está ligada sobremaneira com a parte da população mais pobre ou, como ele dizia, “menos favorecida de recursos pecuniários”.

Na avaliação da administração esta parcela da população procurava se instalar nestas áreas, onde não existiam redes ou outros benefícios urbanos, tendo em vista que os

52 terrenos eram menos valorizados e, portanto, mais acessíveis. Esta postura resultava na formação de grupos de habitações isoladas, trazendo para a prefeitura aumento de custos para garantir os melhoramentos necessários; aliás, como se queixava o engenheiro, depois de instalada nestes locais, a população logo começava a reclamar o desenvolvimento das redes e outros melhoramentos e benefícios. (Relatório, 1929).

Egydio Martins havia proposto com relação à necessidade de aumento das redes em bairros novos, que o melhor caminho seria instituir uma taxa de beneficiamento para os lotes não edificados à medida que os melhoramentos fossem chegando. Esta ação valorizaria o loteamento já beneficiado e daria fôlego para o município atender situações de arrabaldes.

Somada às providencias de melhoria de abastecimento de água, o engenheiro Bergallo exalta a importância de instalação de hidrômetros, questão aliás defendida por Saturnino de Brito no final do século XIX, como medida de controle e distribuição de água evitando o desperdício. Os relatórios das Repartições de Água e Esgotos e de Obras e Viação destacam a questão de abastecimento e distribuição de água e a necessidade de cuidados com as redes de esgoto, já que face ao crescimento da população era preocupante a permanência de apenas uma linha adutora, a da Rocinha.

No caso especifico da Adutora das Águas do Rio Atibaia, em 1929, foi aberto um edital de concorrência para execução do projeto e houve participação de empresas de São Paulo e do Rio de Janeiro, sendo que a única que realmente encaminhou uma proposta, a Sociedade Construtora Brasileira, foi desclassificada por não atender aos requisitos do edital. Assim, a municipalidade adotou a sugestão de Bergallo de executar a obra através da administração direta, ou seja, pela Repartição de Águas e Esgotos. As verbas necessárias foram aprovadas pela Câmara e autorizadas as primeiras ações para andamento do projeto executivo, conforme informa o responsável pela Repartição. 27

A obra foi de fato iniciada em 1934, com o acompanhamento do Conselho Consultivo e um plano de execução dividido em cinco etapas, cada uma delas determinada por uma concorrência específica, contemplando serviços que eram altamente especializados.

Porém, nestas primeiras décadas, o desenvolvimento e o avanço de melhoramentos

27 Conforme a Resolução n. 925 / 1929, a Câmara autorizou o executivo a realizar a obra de acordo com o projeto da Repartição de Águas. O Inspetor do tesouro, coordenaria a parte financeira e Roberto Bergallo a obra. (Relatório, 1930)

53 para suportar o movimento decorrente desse propósito industrial acabou sendo muito questionado por ser lento e de certa forma desorganizado. O atendimento às demandas de infra-estrutura da cidade, apesar dos admiráveis currículos dos administradores públicos, era de fato pontual e emergencial. Portanto, a quem interessava o avanço ou a lentidão?

Ainda em 1932, quase três anos depois de ter sido aprovado o projeto da Adutora de Águas do Rio Atibaia, o engenheiro responsável, ainda Roberto Bergallo, refere-se de forma dura ao fato do abastecimento e distribuição de água ser tão falho, provocando uma situação de constante falta de água na cidade. Inicialmente Bergallo se defende e tinha para isso suas razões, pois estamos no ano do movimento constitucionalista e não podemos deixar de considerar que Campinas participou de forma significativa nesse processo, de modo que diversas obras não tiveram prosseguimento durante este período. A essa situação o responsável pela Repartição de Águas e Esgotos se refere como “...vários contratempos impediram que fosse iniciado o serviço do novo abastecimento...”.

Informa também que essa situação estava sendo contornada com um reforço no aproveitamento da Adutora da Rocinha. Todo o relatório de Bergallo neste ano trouxe dados importantes, não apenas para acompanhar o seu relato do desenvolvimento dos benefícios e reclamações de atrasos, mas também, para se pensar sobre a ação e o discurso do administrador público. (Relatório, 1935)

No que se refere à insistência de suas cobranças quanto à execução das obras da adutora do rio Atibaia, sempre pontuando sobre a falta de água na cidade que vinha se agravando, sua fala é progressista. Lembra ao Prefeito que a solução do problema da água é de grande importância, não apenas do ponto de vista higiênico, mas também econômico. Esta questão, segundo sua opinião contribuía como um dos fatores para o afastamento de indústrias da cidade. Aponta que a situação geográfica e a existência das redes ferroviárias e rodoviárias como pontos de comunicação levariam a cidade com certeza a ser o centro industrial do interior, reforçando que a falta de água tinha sido obstáculo para instalação de diversos estabelecimentos industriais.

Nas suas justificativas para reforçar a importância da adução da água do rio Atibaia, ressalta que estes estabelecimentos só podiam contar com o fornecimento feito pela

54 municipalidade, tendo em vista a falta de rios nas proximidades. Considera também que esta seria uma solução para as questões de ordem doméstica e industrial. Entretanto, uma questão aparentemente discursiva expõe um detalhe da concepção do atendimento coletivo da municipalidade, quando fica enfatizado que o volume de água pode superar os cuidados com a qualidade porque, como segue o relatório: “...... Como Phelps, achamos que a quantidade de água disponível é de importância igual ou mesmo superior à qualidade. Água potável para todos e não puríssima para poucos: é uma espécie de democratização da água que sempre deveríamos adotar...” 28 Se este comentário parece um pouco ingênuo para a época nos asseguramos no mesmo trabalho que não se trata de desconhecimento, pois pelo menos dois fatores demonstram conhecimento suficiente sobre os resultados da impureza da água, por parte do engenheiro. A citação do biólogo E. B. Phelps, pesquisador de microorganismos, em especial em projetos ligados a redes urbanas e também uma obra que menciona no mesmo relatório, informando da implantação de uma casa de cloração que estava sendo aprovada pela prefeitura, levando em conta, conforme suas palavras: “....Cloração na água de alimentação constitue na pratica sanitária moderna uma medida quase obrigatória, que coloca os centros populosos ao abrigo das temíveis epidemias de origem hídrica...” 29 Campinas estava vivendo mais um momento de crise e dificuldades de toda ordem, deflagrada por causas externas de cunho econômico com a “quebra de 29” e por razões políticas com a vitória de Getúlio. Ainda, acrescente-se, problemas internos da administração municipal, com o aumento crescente da população, situação essa que já vinha sendo alertada por alguns dos setores da prefeitura desde 1926, pois havia uma carência quase que total de estrutura urbana para atender a uma demanda crescente. Mas se o executivo encontrava dificuldades em agilizar os procedimentos administrativos, necessários para viabilização da modernidade quase imperativa, apesar de muitos de seus membros já se angustiarem com o atraso visível de tais providências, a municipalidade não alcançava a velocidade necessária.

28 Os estudos de Phelps um biólogo com grande influencia em projetos ligados a rede de água e captação nos Estados Unidos no final do século XIX e início do XX. E.B. Phelps, faleceu em 1929, mas suas teorias permaneceram por um bom tempo. 29 Roberto Bergallo, Relatórios dos trabalhos da Prefeitura de 1932.

55 Nesse sentido, o discurso de Orosimbo Maia aos vereadores em 1929 ressaltava esta contradição. De acordo com sua fala, seria de grande relevância, mesmo diante da crise mundial que se apresentava, a elaboração de um plano de urbanismo que provavelmente levaria várias dezenas de anos, mas para uma cidade o plano seria um investimento indispensável. Sugeria que para estes avanços era necessária a conclusão das obras de abastecimento de águas e que fosse revista a malha urbana de ruas estreitas, sem quaisquer melhoramentos ou mesmo a mais básica estrutura de logradouros públicos.

Evidentemente, esse foi um discurso político. O próprio o prefeito fizera diversos movimentos no sentido de impulsionar o “privilegiado centro industrial”, mas havia falta de uma legislação ou de ferramentas que incentivassem a cobrança de impostos e investimentos, que ordenassem a dinâmica das ações de forma adequada, que se garantisse a continuidade de obras e políticas de infra-estrutura urbana, organizassem os setores internos da prefeitura com funcionários competentes para gerenciar projetos, enfim, que se pudesse assegurar uma cidade viável administrativamente.

Dentro desta perspectiva duvidosa, Orosimbo Maia contratou Anhaia Mello para discutir e sugerir um plano urbano para Campinas.

Assim, foi aberto o caminho para os contatos oficiais com profissionais urbanistas e os entendimentos iniciais para elaboração de projeto de um plano de expansão para a cidade com a conceituação de modernidade da época. O que estava afligindo ao prefeito Orosimbo Maia era a urgência de contratar um técnico para elaborar um Plano Urbanístico da cidade e para isso já tinha o levantamento do perímetro urbano do município e o cadastramento das ruas e logradouros. Portanto, assim resultou no primeiro projeto de Plano Urbano para Campinas, o Master Plan, encomendado ao engenheiro Professor Anhaia de Melo, da Escola Politécnica de São Paulo. Esta contratação também não teve seqüência, aqui porém, talvez por motivos diferentes das questões anteriores. Acreditamos que o fato de Anhaia Melo estar entre os industriais e engenheiros que se juntaram à Federação das Indústrias para organizar o uso e guarda de material bélico durante a mobilização do Estado de São Paulo contra o governo federal, em 1932, tenha lhe custado a participação neste projeto. (Dean, 1971) Em 1933, com o Conselho Consultivo já instalado Carlos William Stevenson,

56 engenheiro e membro do Conselho que ocupava importantes cargos na Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, voltou a discutir a necessidade de se elaborar um plano de urbanismo, tentando mobilizar a opinião de seus pares através de uma famosa palestra no Rotary Club de Campinas.(Relatório, 1934) Este evento foi decisivo na contratação de Prestes Maia para coordenar o plano urbanístico da cidade, tendo sua fala definido o pensamento que iria predominar nas diretrizes do projeto. “O urbanista é o technico especializado que exerce este mister. Cabe-llhe a grande responsabilidade de resolver os problemas do momento e, com grande descortino, saber preparar as cidades de hoje para um tão dilatado amanhã, quando lhe permitam julgar os dados que possa coligir e habilmente dispor, com o intuito de obter este importantíssimo golpe de vista sobre o futuro”. (Stevenson, 1934) 30 . Durante a palestra, em vários pontos aparecem semelhanças entre o pensamento de Anhaia Mello e Prestes Maia, assim como os princípios que nortearam as justificativas para a solicitação de cadastramento e reemplacamento da cidade, por Jorge de Macedo Vieira. O urbanista Anhaia Melo e o engenheiro Stevenson apóiam suas propostas gerais na Escola de Urbanismo de Chicago, onde o projeto deve se alinhar com a correção de problemas existentes e planejar a cidade do futuro. Prestes Maia e Stevenson se identificam em suas propostas viárias, assim como a necessidade de remodelação da área central. Os dois engenheiros têm uma identificação com as questões práticas de modo bem mais acentuado que Anhaia Mello, por sua vez, mais teórico. 31 Carlos W. Stevenson tinha feito bem a sua parte: contratou Prestes Maia quando estava na presidência do Conselho e conclamou seus pares ao trabalho proposto anteriormente por Orosimbo Maia. “Os grandes emprehendimentos determinam sacrificios, e estes exigem propaganda, agitação do meio, formação do espirito publico, de uma opinião capaz de sustentar e secundar a ação dos poderes empenhados na sua realização. Mãos á obra, Snrs. rotarianos!

30 Carlos W. Stevenson, relata em sua palestra que suas idéias estão apoiadas no “Guide Pratique de L’Urbaniste”, de Jean Raymond, Paris, 1933. 31 Pesquisa em andamento por, Rita de Cássia Francisco, “Antecedentes do Plano de Melhoramentos Urbanos: o panorama das praticas urbanísticas de Campinas no perios de 1929 – 1933 –FAU USP, 2006).

57 Tendes por objetivo as boas iniciativas? Eis uma, sem duvida. Adotai-a”. (Stevenson, 1934,). Francisco Prestes Maia, ao ser contratado para projetar um plano urbanístico, logo se pronuncia sobre suas idéias de como pensar uma cidade, estando sempre presente nas reuniões da Comissão de Urbanismo, conforme foi possível verificar no livro de Atas da Comissão.

O engenheiro apresenta sua posição sobre o urbanismo e a conceituação do programa em que se apóia. Esclarece que os planos de urbanismo estão de certa forma estandardizados nos países (como ele se refere) mais adiantados. Pretendia se orientar pelo de Lanchester, que considera clássico e com maior aproveitamento para questões como as que sugeriam uma cidade como Campinas. 32

Na apresentação, recorda que “na antiguidade a fundação de uma cidade era uma solenidade religiosa para que se consultasse se os deuses consideravam o momento propicio”, hoje, dizia ele, “o inicio de estudos urbanísticos devia ser considerado uma solenidade cívica, por marcar o inicio da vida urbana consciente e organizada”. (Relatório, 1936)

O plano geral, de fato, não se afastava muito das ponderações de Anhaia Mello e de Carlos Stevenson. Apresenta suas idéias gerais e seu método como segue:

1) O plano deve ser abrangente estendendo se por todo o município dando especial atenção à cidade e à vida geral da população.

2) O plano deve ser técnico. A experiência estrangeira é evidentemente útil, desde que o bom senso saiba pesar lhe o valor. Dos exemplos coloco em primeiro lugar o americano e o alemão.

3) O plano deve ser prático: possibilidades econômicas; exeqüibilidade financeira e legal; necessidades reais; desejos razoáveis da população; experiência alheia; cautela por pedidos grandiosos.

32 Este comentário é uma nota de rodapé da “Exposição preliminar” que Prestes Maia faz ao Conselho Consultivo” em 1934. (Relatório, 1936)

58 4) O plano deve visar de 20 a 50 anos.

5) O plano compreenderá: coleta de dados; inquérito cívico e técnico; elaboração e critica de dados anteriores; esboços preliminares; concursos auxiliares; plano propriamente dito; exposição de geral ou relatório; propaganda; estudos complementares.

6) O plano será elaborado sob responsabilidade do urbanista que ouvirá a Prefeitura, a Comissão do Plano ou outro órgão a quem incumba cuidar da iniciativa. 33

Uma das primeiras medidas estava ligada às questões gerais de urbanismo, assunto que vinha sendo discutido há alguns anos na cidade. Depois de vários ensaios por parte da administração municipal foi criada a Comissão de Melhoramentos Urbanos, pela Lei nº 490, de 1936, estabelecida pela Lei Orgânica dos Municípios. A comissão tinha por objetivo a elaboração de um plano de remodelação da cidade e de diretrizes para a sua expansão futura e era composta pelo então Prefeito João Alves dos Santos, engenheiros, funcionários da prefeitura e os cidadãos: Azael Álvares Lobo, Edmundo Barreto, José Alves T. Nogueira, Arthur Canguçu, Euclydes Vieira, Mario Penteado, todos nomeados pela prefeitura. 34 Prestes Maia, já havia preparado em 1935 um relatório que ele chamou de “Rascunho de exposição preliminar”. Nesta exposição Prestes Maia se refere aos seus relatórios anteriores onde havia esquematizado suas idéias gerais, as questões que acreditava serem importantes e, sobretudo, todas as informações que seriam necessárias para que se pudesse elaborar um plano. Neste, que chama de rascunho, propõe a discussão da parte concreta do plano, ou seja, o “plano material”em suas linhas principais, gerais. Prestes Maia repete frequentemente que suas exposições não têm caráter formal, mas sim de guia e referência para coordenar as “manifestações das aspirações coletivas”. 35 O urbanista, nestes aspectos gerais, iniciou com questões sobre a entrada da cidade

33 Os detalhamentos exposto em relação ao que compreenderá o plano pretende ser uma radiografia geral do município abrangendo a geografia, a geologia, a metereologia, assistência, a sociologia urbana além de uma serie de plantas com os roteiros viários e dos meios de comunicação e seus ocupantes, redes de água e esgoto, de iluminação, enfim dados infinitos de informação sobre a cidade. O relato completo da proposta encontra-se no Relatório de 1934 p. 89 a 96. 34 Por força da lei os componentes da comissão eram médicos, engenheiros, advogados e representante da cidade, ou seja da Sociedade Amigos da Cidade, que na verdade também era formada por cidadãos do mesmo segmento social das outras representações. Este grupo representava um fração privilegiada da população. 35 Anos mais tarde, Prestes Maia, já em faze de reflexões sobre seus trabalhos como urbanista, discute muito o papel de conselhos e comissões, como sendo na maioria das vezes compostas por cidadãos que não tinham conhecimento sobre o assunto do qual deveriam se manifestar ou personagens cuja vaidade se sobrepunha aos méritos que deveriam ser discutidos. (Revista Digesto Econômico – n. 100, 1953)

59 que considera a chegada pela rodovia São Paulo-Campinas. Propõe para isto dois motes: que se pense uma entrada de aspecto agradável e até monumental, e que sejam aplicadas as soluções mais modernas, visando a não interferência do movimento local na auto estrada. Em seguida, sugere a perimetral externa cujo objetivo seria: a) libertar o trânsito da travessia da cidade; b) facilitar a passagem mantendo a velocidade; c) ligar os arrabaldes; d) servir para passeio, se tratadas como parques. A propósito das estradas-avenidas com jardins, discute a necessidade de parques e considera que esta questão é pouco reconhecida entre os brasileiros, e conforme sua interpretação, porque essas áreas são consideradas lugares abandonados e pouco agradáveis. Discorre alguns parágrafos sobre a falta de hábito entre nós da pratica de esportes e lazer em espaços públicos. Apresenta um estudo da porcentagem de áreas verdes que deveriam ser consideradas nos bairros e em toda a cidade, não considerando as “modestas praças” existentes como substitutas dos parques. Em seguida apresenta as grandes radiais, artérias principais que devem permitir tráfego rápido, com traçados largos e curvas suaves sem excesso de cruzamentos. Sugere que seja previsto espaço para futuras e novas radiais, com a expansão de novos bairros de crescimento da cidade (radiais essas que considerava já existirem, se fossem consideradas as estradas que seguem para Valinhos, Itu, Viracopos e outras). Outras como a Av. Andrade Neves ou rua Benjamin Constant, cortam a cidade com possibilidade de prolongamentos e enecessidade de serem alargadas futuramente. 36 Em suas considerações sobre o que chama de “unidades residenciais”, Prestes Maia as avalia insistentemente como de grande importância para o plano. Seriam bairros que preencheriam a malha formada pelas perimetrais e radiais, ou seja, grupos de unidades residenciais com sustentação própria das necessidades do cotidiano no que diz respeito à moradia, escola, igreja, mercado e jardins. Não acreditava na divisão por classe econômica, mas sim em divisões de uma mesma unidade residencial em lotes mais ou menos econômicos, segundo o poder aquisitivo de seus proprietários. Discute os vários desenhos de traçados e concepções urbanísticas modernas para implantação de bairros, assim como propõe uma graduação nas zonas residenciais completas e semi-intensivas, sempre

36 Estes traços estão representados no mapa de 1929 elaborado por Macedo Vieira que serviu de base para os estudos de Prestes Maia. (Anexo I – 07). Acervo da Coordenadoria Setorial do Patrimoni Cultural de Campinas /PMC.

60 trabalhando com a malha formada pelas avenidas. Propõe também a discussão do plano escolar, pois considera de máxima importância que faça parte do plano urbano apesar de, como disse o urbanista, “infelizmente não ter sido publicada naquele ano as estatísticas escolar e demográfica”, não sendo possível ter base para qualquer proposta mais concreta. Porém, deixa como referência os cuidados com a localização dos prédios escolares, longe das grandes avenidas e de fácil acesso para todos. Sugere, também, os cuidados com a arquitetura e com os equipamentos, sobretudo de esportes, salas para leitura, concertos e conferências mais amplas e abrangentes que as soluções do desenho das cidades. Para ele seria um trabalho conjunto entre vários profissionais e o anseio da comunidade, exigindo do projetista uma “concepção extraordinária e no administrador e político absoluta ausência de preconceitos ou idéias feitas.” (Relatório, 1937) 37 Uma outra preocupação eram as radiais internas que tratavam das ruas mais próximas da cidade adensada. Prestes Maia considerava que um dos maiores males de Campinas eram suas ruas estreitas as quais, propunha fossem contrabalançadas por ruas mais novas e largas. Assinalava a necessidade da demolição do prédio da Estação da Sorocabana para haver prolongamento da Av. Itapura e a ligação com outras regiões da cidade. Isto, de fato, aconteceu como se pode ver em imagem desta área, nos anos 1940. O urbanista nomeia as várias modificações como alargamento e prolongamento destas radiais Ainda nesta exposição Prestes Maia discutia outros temas como o centro da cidade, os parques e jardins, as áreas livres, melhoramentos suplementares, edifícios públicos e as estradas de ferro, para as quais propunha interferências radicais como remoção de trechos, criticando de forma contundente os traçados e implantações dos trilhos e paradas na cidade.

As idéias de Prestes Maia tiveram influência de grande relevância nos destinos urbanos da cidade. No que nos interessa, em especial, essa relevância fica manifesta na discussão da perimetral externa, cujo objetivo era ligar os arrabaldes entre si, configurando “... uma solução viária importante em Campinas, onde se vêem muitos bairros e arruamentos, lado a lado, porem mal ligados entre si, sem grandes vias de conexão,

37 No relatório de 1935, quando foi apresentado “Rascunho de exposição preliminar”, o urbanista fez uma discussão muito ampla sobre suas idéias de pensar uma cidade, muitas das questões não se apresentaram em mais nenhum outro relato.

61 continuas e amplas.” (Relatório, 1938). Essa mesma questão da racionalização do sistema viário gera mais tarde a discussão acerca do zoneamento e das casas populares e vilas operárias localizadas na região da perimetral, que se coloca como limite da área adensada, nos anos de 1930. A questão das unidades residenciais não avança na Comissão e nem parece interessar aos seus membros, nem a outros profissionais e políticos, municipais ou não, conforme veremos adiante. Dentre as discussões e idéias sobre as interferências nas linhas férreas, pouquíssimas foram avante e, quando avançaram, estiveram ligadas a novos bairros com projetos para vizinhança abastada. Mas, de qualquer forma, os levantamentos neste assunto podem reforçar os traçados ligados à implantação das habitações populares. Em abril de 1938, foi aprovado o Plano de Melhoramentos Urbanos de Campinas, pelo Ato n. 118, autorizado pelo prefeito da cidade que na época era João Alves dos Santose que ao assinar, fez uma serie de considerações cujo objetivo seria de justificar a aprovação. (Atos da PMC, 1938) Levou em consideração no seu parecer que a Comissão de Urbanismo havia sido favorável ao resultado do estudo do plano, que vinha sendo coordenado pelo urbanista Francisco Prestes Maia, tendo sido reconhecido por todos que Campinas precisava corrigir os defeitos da cidade e preparar-se para o “progresso futuro” (Atos, 1938). O plano seria de execução progressiva apesar de adotado de imediato e se necessário, poderia haver alterações nas propostas ao longo dos anos. O texto traz em detalhes as modificações que vieram acontecer nos quase trinta anos seguintes sendo que o estudo, indicava como prioridade, intervenções nas avenidas centrais e que seriam circundadas por radiais e interligadas por avenidas. Propõe construções de parques localizados na Vila Industrial e na área da avenida do Saneamento, assim como no Taquaral e um remodelação no Bosque dos Jequitibás. É importante observar, que esses parques estavam todos em áreas afastadas na época, sendo regiões ocupadas por loteamentos populares, como veremos em capitulo adiante. Também estava previsto no Ato n. 118 os locais onde deveriam ser facilitado a implantação de bairros industriais como ao longo da Estrada de Ferro Paulista, além do Cemitério da avenida da Saudade, na Vila Nova e no Taquaral. Estas medidas potencializaram os loteamentos operários e predispuseram a pratica de projetos visando a

62 construção de habitação econômica e que colocou a cidade na vanguarda dessas ações a partir de 1940. Finalmente, cumpre salientar que se no Plano de Melhoramentos a questão viária foi priorizada, os traçados que formaram o projeto possibilitaram uma política de ocupação de solo e uma malha de interligação entre as diversas regiões do perímetro urbano. Quando a Reforma Administrativa do governo Vargas obteve espaço, munindo a municipalidade de ferramentas gerenciais e limitando o poder das elites locais, foi possível implementar melhoramentos urbanos, estabelecendo políticas em direção ao desenvolvimento industrial.

63

CAPITULO SEGUNDO

Reforma Administrativa no Estado Novo: a tensão entre o desmonte das elites locais e a racionalização na gestão das cidades.

O Álbum de Propaganda de Campinas de 1930, encomendado pela municipalidade quando Orosimbo Maia era prefeito, expunha a cidade de forma a torná-la imponente e promissora. Examinando as imagens selecionadas de vistas panorâmicas, estabelecimentos comerciais e industriais, alem das residências de figuras eméritas fica bastante claro que a interpretação que se quer dar é de uma cidade onde a estrutura urbana e a aparência geral é de solidez e crescimento. De fato, o trabalho tinha por objetivo trazer visibilidade à cidade, o período era difícil, de crise e das grandes. Entre o final de 1929 e início de 30, a municipalidade empreende diversas tentativas para minimizar os reflexos desta crise. 38 O álbum focaliza apenas a região urbana e a proposta da publicação parece estar claramente voltada às possibilidades industriais do município, assinalando, evidentemente, o fato de que as terras da região continuavam férteis e produtivas. Os tradicionais e importantes produtores de café e açúcar estavam presentes, não deixando de apontar também para o crescimento de pequenas lavouras responsáveis por diversos produtos agrícolas. Os organizadores citaram 883 propriedades, oriundas de divisões de grandes fazendas e que vinham sendo “picadas em lotes e vendidas”, somando-se as policulturas, os rebanhos, sobretudo bovinos, ganhavam destaque por participação na economia de toda a região. De todo modo, porém, o foco em destaque eram as características e a vocação urbanas da cidade. 39

38 Álbum de Propaganda de Campinas – 1930 – Contratada pela Prefeitura Municipal através da Resolução n.927 de 1929. (Relatório, 1930) 39 Imagens com visão parcial da cidade, em 1930 vista do alto da torre da Catedral, cita à praça José Bonifácio. Acervo Mis / PMC. (Anexo II – 02)

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Uma pequena imagem chama a atenção nas paginas do Álbum, ela promove a construção de um viaduto na passagem dos trilhos da Companhia Paulista de Estrada de Ferro na altura da porteira da Capivara, reforçando que o movimento entre a Vila Industrial e os bairros internos à ferrovia estava aumentando em proporções significativas. Apesar de ser apenas uma pequena imagem, ela tem valor importante de interpretação, pois além do registro do movimento inferido é a única menção a qualquer das Companhias férreas, com exceção da Companhia de Estradas de Ferro da Mogiana. A Mogiana tem um amplo quadro e seus diretores e funcionários graduados, como demonstra o Álbum, participam em várias outras atividades da cidade. Cabe reforçar que esta Companhia tem sua história de formação inteiramente ligada a Campinas e aos campineiros. 40 A porteira da Capivara já havia entrado para história no movimento grevista de 1917, quando trabalhadores estavam reunidos neste local e foram atingidos por tropas da policia que chegavam de São Paulo com informações de um grande levante operário na cidade; nesse confronto houve morte e feridos . (Batalha, 2000) 41 Outra questão, no mínimo curiosa, estava na forma como os organizadores se referiram a localização do viaduto, ou seja na distinção entre o que era cidade e a vila. A menção tem certa sutileza, mas aponta uma hierarquia de território urbano. A cidade era o espaço almejado, moderno e carregado de categoria; a vila estava no arrabalde. Na verdade, neste período já havia diversas obras de importância na inserção dos trilhos ferroviários no traçado urbano. A ferrovia havia se instalado há quase cinqüenta anos e fazia parte inerente da cidade e de seus moradores. As intervenções viárias no sentido de possibilitar passagens de veículos, pedestres e sobretudo, com a chegada das linhas dos bondes que se expandiam por toda a cidade, as ligações entre os bairros e o centro comercial demandaram diversas modificações. No entanto, os relatórios anuais dos trabalhos executados pela prefeitura, apesar de aparentemente serem cobertos de detalhes, não trazem nenhuma informação sobre estas obras, ou mesmo qualquer menção ao fato de que as ruas estavam sendo cortadas ou modificadas pela acomodação da ferrovia no traçado

40 Imagens do Viaduto sobre a porteira da Capivara. Álbum de Propaganda de Campinas, 1930. Acervo MIS / PMC e Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo II – 02) 41 Este episodio foi também levantado pelo jornalista Bráulio Mendes Nogueira, em textos publicados Pela União Paulista de Educação, em 1988, São Paulo.

66 existente. Mesmo sendo benefícios de facilitação viária, como o caso da porteira da Capivara, na passagem da Companhia Paulista, não fosse pelo Álbum a informação estaria diluída em algum noticiário de jornal. Isto nos leva a crer que não deveria ser atividade da administração publica a implantação ou conservação destes trabalhos. O que observamos nos relatos oficiais são pontes e viadutos em estradas vicinais e passagens sobre rios e córregos, ou melhoramentos viários que não diziam respeito aos trilhos férreos. 42 De fato, parecia haver certa facilidade no trânsito entre as administrações públicas e das municipalidades e as várias diretorias destas companhias. As intervenções no desenho urbano iam se proliferando sem, ao que tudo indica, haver uma discussão de planejamento ou conveniência destes traçados, pelo menos oficialmente, entre a municipalidade que deveria representar o coletivo e as companhias que eram patrimônio privado e não publico. 43 O complexo ferroviário da cidade, neste período, estava praticamente com seu traçado completado e revelando facilmente a amplitude espacial que ocupava no perímetro urbano. Aliás, este espaço que formava um complexo ferroviário não dizia respeito apenas ao leito férreo, mas o conjunto de suas oficinas, indústrias de montagem, somando-se ainda todas as edificações que abrigavam o setor administrativo e operacional, tanto de trabalho como de moradia de seus funcionários. 44 Mesmo considerando que Campinas estava se desenvolvendo economicamente e crescendo demograficamente, o grupo encarregado da administração pública era restrito e pertencia a uma elite em que os nomes se repetiam, não só através dos anos como nas variadas atividades da cidade. As trocas entre benefícios públicos e as ações compensatórias privadas se apresentavam diluídas em uma intrincada burocracia administrativa descentralizada, do ponto de vista da informação. As formas de comunicação se multiplicavam entre os relatórios da municipalidade, os das companhias férreas, além das associações beneficentes de cunho assistenciais e hospitalares. Enfim, os limites do uso de áreas coletivas e privadas em todos os campos eram nebulosos. Uma cidade deve ter mesmo seu poder diluído entre os

42 A informação que colhemos é que as intervenções na cidade ou dentro da propriedade das ferroviárias eram registradas em relatórios internos das companhias. 43 A situação de direito de terra entre os municípios e as ferrovias ainda hoje é bastante nebulosa. As prefeituras têm dificuldade em estabelecer ações nestas áreas por não ser inteiramente claro estas relações. 44 A Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural de Campinas (PMC/SMCEL/CSPC), esta completando Inventario do Centro Histórico e Ferroviário de Campinas, através de Projeto da FAPESP. A documentação pode ser consultada no Centro de Documentação do setor.

67 diversos segmentos da sociedade, porém, para que haja sintonia, planejamento e aproveitamento de todos, a municipalidade deve centralizar as informações de interesse coletivo e o gerenciamento geral dos melhoramentos e necessidades do conjunto da sociedade. Seria interessante lembrar o discurso do engenheiro que foi responsável pelos primeiros traçados e obras de infra-estrutura com proposta de organização para uma previsão de expansão urbana, neste caso, com ênfase na higiene e saneamento. Depois de muitos trabalhos em diversas cidades, Saturnino de Brito, em sua obra “Saneamento de uma cidade em 22”, dedica uma fala que é encaminhada ao prefeito de Campinas, com o subtítulo explicativo por si só: “Sinopse de que se sabe, de como se faz ou deve fazer – dedicada às administrações municipais.” Vejamos um pequeno trecho: “....é preciso estabelecer uma legislação para o Urbanismo, porque de nada serve organizar excelentes planos de melhoramentos se não houver um meio legal de os fazer respeitar pelos particulares e, acrescentamos, também pelas administrações locais que se sucedem sem o critério da harmonia e da continuidade no prosseguimento das obras públicas projetadas ou iniciadas pelos seus antecessores...” (Brito, 1943) Ressaltava Saturnino em relação às intervenções urbanísticas, e o engenheiro conheceu bem Campinas, seus governantes e a população, a importância de uma legislação específica para conduzir a implantação de qualquer planejamento urbano. Demonstra familiaridade com as tendências da sociedade brasileira de governar para pequenos segmentos e não ter tradição de continuidade, se por ventura este pequeno grupo for substituído por outro do mesmo segmento, mas que venham a ter interesses um pouco diversos. A referência sobre a questão está ligada ao fato de que os melhoramentos municipais de toda ordem e atendendo toda a sociedade vinham destas diversas áreas, logo se vê que a situação pública se entrelaçava com o privado sem muita distinção. O resultado foi um atendimento também selecionado a grupos específicos, uma vez que os recursos privados podem não ter âmbito coletivo. Ao longo dos anos 30 do século XX, diante das mudanças políticas e econômicas, esta condução administrativa vai sofrer uma forte interferência e vai refletir na atuação desses grupos que mantinham a hegemonia do poder

68 de decisão, e um dos campos de maior mudança será a política de ocupação e desenvolvimento urbano. A grande maioria de obras que proporcionaram avanço para a cidade está atrelada aos personagens eméritos, em Álbuns como o de 1930, ou nos veículos de informação como jornais ou ainda em registros diversos do período. Não podemos negar que era uma postura de época, mas de certa forma facilitou a percepção dessas repetições de nomes que indicam a configuração de uma elite que por suas biografias assinalam para a classe econômica tradicional e ligada aos negócios do café, em suas múltiplas decorrência. Os anos que seguem a 1930 foram difíceis para essa elite que até então governara Campinas. As mudanças foram fortes no âmbito administrativo municipal. A questão não teve apenas caráter político. Na apresentação do Relatório dos trabalhos da prefeitura, referente ao ano de 1930, dois fatos sinalizam sérias interferências. Orosimbo Maia, que havia sido reeleito vereador para o triênio 1929 – 1931 foi reeleito Prefeito Municipal, cargo que exerceu até 27 de outubro de 1930 quando “.....Nesta época, triunfante a revolução, fui substituído pelo então vereador oposicionista sr. José Pires Netto, Prefeito nomeado pela Junta Governista de Campinas....”. (Relatório, 1931). Tendo sido refeita as articulações políticas entre o Estado e os revolucionários, Orosimbo Maia retorna até o final de seu mandato, porém, não sem prejuízos. Foi a próxima interferência no cotidiano da cidade, conforme conta o próprio Orosimbo, “....No período revolucionário resolveu o meu sucessor, pelo Ato nº 08 alterar as denominações de ruas: do Comercio, Tuyuti, e 24 de Julho, todas no Arraial de Sousas, respectivamente, para rua: João Pessoa, Siqueira Campos e Antonio Prado. Ainda pelo Ato nº 11 foram substituídas, na cidade, as denominações de Praça do Pará e Avenida Washington Luis, respectivamente, por Praça João Pessoa e Avenida do Pará...” (Relatório, op.cit.) A partir de 1930 os relatórios da prefeitura ficam um pouco mais duros. Alguns chefes de setor foram substituídos e as más condições em relação ao estado de infra- estrutura da cidade aparecem a todo o momento, por exemplo, o projeto de Adução das Águas do rio Atibaia, tão necessário para o abastecimento dos bairros novos, que não saía do papel.

69 Neste caso, como em outros, vários motivos foram alegados, desde falhas na empresa que ganhou o edital de concorrência (aliás, como vimos, apenas uma atendeu) até falta de recursos para o orçamento, apesar da Repartição de Águas e Esgotos ter requerido a obra para si. O engenheiro nomeado para dirigir a Repartição, Cyro Lustosa, assinala que nos arrabaldes, geralmente compostos de bairros novos e populares, citando em particular o Alto Taquaral, Ponte Preta, Cambuís e Bonfim não existem hidrantes, apesar do grande número de prédios e o aumento de habitantes e indústrias. Exemplos como esses três locais eram comuns, em particular, por estarem em área de muitas fabricas e que por falta de 2.000 m de mangueiras permaneceram sem qualquer proteção contra incêndios: o Armazém Regulador de Café (prédio da Sorocabana), uma fabrica na rua Germânia e o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora. Ainda relata que mesmo na “cidade” os que existiam estavam em mau estado e eram muito antigos, não cabendo recuperação. Para completar denunciavam os problemas graves em filtros de água e depuradores de esgoto. As idas e vindas das propostas dos prefeitos e da Câmara estão o tempo todo presente, o que poderia ser colocado dentro da normalidade da vida administrativa, se não fosse o fato de se sentir uma disparidade entre algumas das propostas e a maioria das ações executivas. Se por um lado, em 1929, a administração municipal mostrou sabedoria e responsabilidade na insistência quanto à necessidade de um plano de expansão para a cidade, por outro, ao ser entregue a planta cadastral que havia sido contratada ao engenheiro Jorge de Macedo Vieira fica registrada a completa falta de controle ou planejamento da municipalidade, pois sequer havia um cadastro de emplacamento numérico confiável nos edifícios do perímetro urbano. Aliás, nem se sabia ao certo quantos ou onde estavam localizadas essas construções. Questões que dificultaram e atrasaram os trabalhos contratados e mais tarde iriam até sofrer algum questionamento por parte de Francisco Prestes Maia. Essa passagem demonstra a realidade da administração municipal. O prefeito Orosimbo Maia tinha uma longa historia de prestação de serviços junto à administração publica, portanto era experiente e conhecia bem a cidade. Tinha formação acadêmica e convivia com os mais abastados segmentos da cidade e da região. Sua preocupação em relação ao futuro de Campinas era real, pois as condições urbanas deixavam muito a desejar

70 no que dizia respeito às possibilidade de se avançar no aumento da indústria, que pelo visto era um de seus interesses. Porém, o relato de Macedo Viera em relação à falta de registros das construções na cidade demonstra o quanto a cidade vinha sendo abandonada em sua amplitude, no que diz respeito à infra-estrutura coletiva. Este dado chama a atenção para falta de interesse municipal ou mesmo da falta de cobrança dos munícipes em geral. O fato é que Macedo Vieira fez uma proposta que foi aceita para a complementação dos trabalhos de levantamento da planta da cidade, um projeto de reemplacamento dos edifícios do perímetro urbano. Como foi visto logo após este estudo, começaram então os primeiros contactos com o engenheiro Luis Ignácio Romeiro de Anhaia Mello, professor da Escola Politécnica de São Paulo, tendo em vista um plano de expansão. No setor de Obras e Viação o que podemos acompanhar nos relatórios do engenheiro encarregado foram trabalhos em pavimentação, recuperação de praças, prédios, muros e bueiros, alem de serviços de conservação, de um modo geral. Dentre essas atividades estavam algumas de importância social de maior grau, como as remodelações do Matadouro, do Frigorífico Municipal e um Parque Infantil Público, o “Recreio das Crianças”, com instalações sanitárias na praça onde estava sendo levantado o parque. Continuava também em andamento o reeplacamento dos prédios urbanos, assim como a obra cultural e cívica do Monumento a Campos Salles, que estava sendo erigida pelo escultor Iolando Malozi. 45 As tão necessárias galerias de águas pluviais continuavam sendo construídas e projetadas para minimizar os problemas de enchentes e melhorar as condições de saneamento da cidade. Mas a verdade é que não estava em andamento nenhum grande projeto como proposta deste setor, até mesmo as construções de edifícios particulares que vinham em ascendência diminuíram muito conforme o responsável pelo setor. Enfim, não aparecem intervenções de grande monta no sentido de modificar ou impedir um estudo urbanístico. Ao contrário, com os problemas de infra-estrutura que vinham sendo detectados em anos anteriores, parece-nos uma produção modesta de atividades.

45 Houve uma concorrência publica composta do engenheiro Alexandre Albuquerque e dos escultores Amadeu Zani e M. Vélez em fevereiro de 1930, programada para ser inaugurada em 15 de novembro de 1932, conforme informações no Relatório de 1931.

71 Na área de Águas e Esgotos os problemas pareciam maiores. O engenheiro Roberto Bergallo, que chefiava o setor, reclamava bastante da insuficiência do volume de água para abastecer a cidade que sofria com as constantes faltas em relação ao abastecimento. As obras da Adução das Águas do rio Atibaia não saíam do papel, decorrentes dos mais diversos contratempos políticos, burocráticos e administrativos. Bergallo passou a sugerir uma medida alternativa como solução de emergência no sentido de melhor aproveitamento das sobras de água da Rocinha. Os relatórios do engenheiro também mostram certas divergências nos caminhos a serem tomados em relação às obras de adução de águas em pontos novos, assim como a construção de reservatórios em determinados pontos da cidade onde não atenderiam os bairros mais populares e sim melhorariam os locais mais valorizados. A ele parecia melhor trabalhar em projetos de reaproveitamento do que já existia e melhorar a distribuição, como havia dito anteriormente, “...melhor aumentar a quantidade para todos do que qualidade para poucos..”. Solução discutível depois de toda a orientação de Emilio Ribas e Saturnino de Britto, inclusive nas técnicas básicas de saneamento mas, era o que pensava. (Relatório, 1932) Paralelamente à questão de obras, os diversos documentos oficiais, Relatórios da administração, ofícios encaminhados com solicitações dos cidadãos e registros de propaganda de uma forma geral, mostram que a expansão urbana continuava seguindo ritmo acelerado, com aumento dos bairros populares no entorno das ferrovias e córregos e construções residenciais, industriais e comerciais na área interna dos trilhos, cuja designação era a cidade. Mesmo que a indicação de crescimento construtivo vivesse uma diminuição numérica, para efeitos das estatísticas municipais havia deficiência no acompanhamento de ligações de esgotos, iluminação elétrica e distribuição de água. Neste caso, o crescimento populacional continuava ou os serviços públicos pioravam. De fato, acreditamos que as duas hipóteses são verdadeiras. Nos anos de 1932 e 33 não foram elaborados os relatórios e, portanto, um novo relatório só apareceu em 1934, quando os dados já organizados das atividades dos anos anteriores foram apresentados ao Conselho Consultivo apenas para ciência. O Conselho Consultivo tomou o lugar das Câmaras Municipais em novembro de 1931, com o Decreto nº

72 20 348, no Governo Provisório de Vargas. A primeira metade de 1930 foi dedicada à recuperação da crise cafeeira, cuja responsabilidade maior coube à expansão no setor industrial, que avançou mais rapidamente que outros setores. Esta expansão estava apoiada especialmente em capital nacional e em empreendimentos de médio a pequeno porte, sem grandes riscos. Essa parece ter sido uma opção acertada porque mesmo com as dificuldades decorrentes de importações restritas por conta da II Grande Guerra e especialmente por este fato, garantiu-se a possibilidade de crescimento no mercado nacional, ao que se somou a esta situação o amparo à economia cafeeira e decisões importantes no campo da política econômica depois de 1937. (Negri, 1996) Campinas vinha sendo o berço da classe dominante na política paulista desde o império. A interrupção desta caminhada em relação à própria cidade pode hipoteticamente ter-se dado por conta da epidemia no final do século XIX, quando a cidade de São Paulo tomou a frente. Mas não é possível analisar através de um só fator. Mas o que persiste é que do ponto de vista da propriedade da terra a região de Campinas continuou seu papel de domínio. O “mandonismo” nascia nessa região onde os fazendeiros do café dominavam, assim como todos cujos negócios fossem decorrentes da empresa cafeeira, como os fundos bancários e financeiros ou os capitais investidos nas companhias de linhas férreas. Entretanto, pareciam bastante contraditórias as ações efetivas e a cuidadosa apresentação de relatórios dos trabalhos da prefeitura. As preocupações do grupo que tinha a responsabilidade do governo, como o prefeito Orosimbo Maia, líderes da Mogiana, como o engenheiro Carlos W. Stevenson que fez o convite a Francisco Prestes Maia, o também engenheiro Perseu Leite de Barros, 46 assim como outras figuras de relevância de domínio público e que deveriam lutar por trabalhos que resultassem na boa aparência da cidade, não agiam em relação à morosidade administrativa ou das constantes interrupções de projetos. Do ponto de vista da documentação existente sobre os trabalhos da administração municipal, relatórios, mapas, plantas, cadastros, ofícios, tabelas de serviços de todas as repartições e finalmente o cuidado extremado de publicações permanentes pelas tipografias “Casa Mascotte” e “Casa Genoud, Campinas aparece como um exemplo de organização.

46 Perseu Leite de Barros, engenheiro que chegou a ser nomeado prefeito no Governo Provisório e tinha sido por muitos anos chefe da Repartição de Obras do município, sempre fez duras criticas a falta de planejamento e morosidade das obras na cidade.

73 Por outro lado, à medida que acompanhamos as obras e ações administrativas do período, parece ser acertada a opinião de Carlos Stevenson: “....Campinas de hoje ao receber os ilustres personagens que a visitam e honram __ tradicional Princesa que é e será __ não tem para apresentar-se senão os antiquados trajes, quase andrajosos, da dificilmente transitável urdidura das suas ruas deselegantes; estreitas, mal edificadas, cortadas de incomodas sarjetas e que, em pontos mais centrais da cidade, se transformam em desordenado conjunto de vielas com aspectos desolador” (Rotary, 1933) A falta constante de distribuição de água, reclamada até nos relatórios oficiais desdobra-se numa discussão interminável, iniciada em 1926 sobre a adução das águas do rio Atibaia e o reaproveitamento de recursos já existentes, mas aparentemente insuficientes para o abastecimento. A contratação de um advogado ilustre da cidade 47 para elaborar um novo Código de Posturas, em 1929, e que só mostrou efetividade através do Código de Construções, em 1934, levou, ainda, dois anos para vigorar em sua plenitude. No mesmo período, a não existência de regulamentação do serviço de águas e esgotos, ainda em 1926, obriga a repartição encarregada a usar o Código Sanitário dos tempos da febre amarela. O próprio reemplacamento e a planta cadastral de Vieira Macedo foram questionados por Prestes Maia ao ter que colocar em prática os dados ali registrados, por serem incompletos e insuficientes. Mesmo levando em consideração as diferenças de técnicas e personalidades de um e de outro, o fato é que a cidade, até 1927, não tinha um cadastro minimamente apresentável e o sistema numérico utilizado para seus imóveis era insustentável e sem possibilidade de controle do município. Examinando o município de Campinas, desde o final do século XIX, considerando já o período da República, até os anos de 1930 em que saiu vitorioso o grupo de Getúlio Vargas, diversas questões parecem apontar para o fato de que havia uma real discrepância entre a competência do grupo que administrava o município, a capacidade agregar recursos financeiros, sua potencialidade política e o resultado da implementação das políticas de desenvolvimento. Portanto, parece viável que um dos fatores esteja ligado aos interesses particulares

47 Em 1929, o prefeito Orosimbo Maia contrata através da resolução n. 919/1929, o advogado campineiro Antão de Souza Moraes para elaborar um Código de Posturas em substituição ao de 1888. No inicio de 1930 foi entregue um ante projeto do Código.

74 das lideranças municipais, sendo que essas se encontravam atreladas ao poder vinculado à propriedade agrícola, ou de riquezas diversas decorrentes do café, porém, sempre da elite econômica local. Se formos examinar os documentos oficiais da prefeitura fica a impressão de que a administração pública levava em consideração apenas a presença do município. Pareciam negar seu relacionamento com os demais poderes públicos, o estadual e o federal e com isto distorcendo uma hierarquia natural, transformando, assim, o poder local, o centralizador do elo político. No caso especifico de Campinas, de fato, os três poderes estavam na maioria das vezes ligados ao mesmo grupo de família ou segmento de poder econômico, o que acabava conferindo ao município um destaque diferenciado nesta cadeia de poder. Mas por outro lado, para quem estava no poder era um encargo cujo custo geralmente era financeiramente alto. Assim, acompanhando essa idéia de poder local e sua força centralizadora, torna-se evidente que esta dinâmica requer também uma política de demanda pesada e se não houver recursos suficientes nos cofres municipais para assegurar a lealdade dos aliados e despesas eleitorais, os gastos acabam sendo pessoais. Mesmo que os fundos partidários formem alianças fortes e venham minorar bastante a situação destes gastos financeiros e políticos. Mas era esta situação que representava a hegemonia econômica, social e política. Afinal, era um investimento em longo prazo e precisava ser garantido de modo sistemático. 48 Entretanto é importante lembrar que pelo fato dessas lideranças terem destino certo, isto em nada representa que o município estaria carente de melhoramentos, pelo contrário, os aliados e interessados diretos cobravam o bom emprego dos eventuais investimentos. Além do mais, para manter a situação de liderança era preciso ter prestigio, a região apresentar desenvolvimento destacado e espaço para ação. A questão era o significado das ações de melhoramentos na cidade e quais segmentos eram atendidos ou usufruíam dos benefícios executados. O envolvimento sem discernimento do publico com privado é situação conhecida

48 Compartilhamos com a idéia de Victor Nunes Leal em “Coronelismo, enxada e voto”, em relação a política de “coronéis” em regiões como Campinas e no estado de São Paulo e Minas Gerais de um modo geral. Havia um “mandonismo” flagrante em regiões especificas e que advinham não apenas de latifúndio mas de diversas formas de riquezas. O fato é que se assegurava o poder com nomes de família e fortunas tradicionais ou aliadas. Ao levantarmos a historia do poder publico municipal de Campinas desde sua formação como Vila de São Carlos já nos depararmos com o conselho de homens “bons” no comando, isto é o segmento de moradores cujo cabedal tinha mais significado.

75 pelo menos para nós brasileiros, de certo modo, até hoje. As trocas entre recursos de lideranças políticas e econômicas locais e as estaduais também passam a ser fundamentais. Evidentemente, só o orçamento municipal, por mais alta que fosse a doação de investimentos particulares, não seria possível assegurar as necessidades do município. Não seria possível a manutenção ou construção de novas estradas, pontes, redes de água e esgotos e as mais diferentes obras para manter, melhorar ou proporcionar benefícios às cidades e suas regiões. E justamente isto era o que garantiria a continuidade do “mandonismo” local. Mediante esse quadro, o acesso de ajuda e benefícios estaduais ou federais também ficariam dependentes da contribuição dessas lideranças locais aos interesses dessas outras duas instâncias. Era uma constante troca e, portanto, um intrincado jogo de poder cujos elos precisam estar fortemente amarrados. Os mecanismos internos, para assegurar a paralisação da mobilidade de lideranças na administração pública acabavam por se tornar de grande complexidade. Este quadro parece incompatível com a presença ativa de renomados engenheiros, um complexo pátio ferroviário, com volume substancial de recursos financeiros de um segmento importante de seus moradores e da existência de uma confortável margem de fazendas de café, cana de açúcar e produtos agrícolas em geral. Para refletirmos sobre esta questão, teremos primeiro que pensar nas atribuições municipais e o que poderíamos considerar uma boa organização administrativa. Desse modo, se por um lado, quando se considera que devem caber ao município as tarefas de natureza local, ou questão de seu interesse específica, é preciso entender sob qual referência este conceito se apóia. Dependendo da referência, em determinados assuntos, o que é de interesse local pode dizer respeito a vários outros municípios, ou mesmo ao Estado ou até ao país inteiro. A dificuldade tende a aumentar à medida que consideramos a variação do tempo e a área territorial sobre a qual repercute problemas administrativos e interesses locais. Portanto é bastante relativa a idéia do que seria de interesse especifico ou local, sendo assim, as atribuições municipais concernem à ampliação de seu envolvimento na região, no Estado e no país. No que diz respeito a Campinas é notória sua situação ampliada no Estado, seu braço principal estava na capital do Estado. Seus lideres locais transitavam na capital

76 federal e a formação de seus filhos não dispensava longas estadias na Europa e a partir do século XX, nos Estados Unidos da América. Portanto, a desorganização ou aparente incapacidade executiva da administração municipal quando comparados discurso e ação, era muito provavelmente uma situação que refletia de fato, o atendimento de prioridades. 49 Em relação ao cargo do prefeito dentro deste quadro parece fundamental perceber que a indicação demonstrava confiança extrema ou liderança diferenciada dentro do grupo hegemônico, uma vez que era indicado dentre os vereadores eleitos. Neste caso, a função executiva municipal se apresentava como a personagem de destaque e influência, acima dos outros membros da Câmara dos Vereadores. Sua opinião e deliberação sobre as prioridades locais refletiam, mas garantiriam também a ampliação da autonomia ou não do município. A apresentação do prefeito Orosimbo Maia, no relatório de 1931, demonstra a posição autônoma da cidade e que mesmo já no governo Provisório, tendo que encaminhar o relatório não mais para a Câmara, mas ao Diretor do Departamento de Administração Municipal do Estado, reforça a situação de distância em relação a qualquer outro poder administrativo. Vejamos: “....Como vereis pela exposição abaixo e documentos anexos, o movimento desta Municipalidade não foi pequeno no ano transacto. As necessidades de maior urgência foram todas atendidas, sendo que me esforcei o mais possível para bem servir aos interesses do Município e da população de minha terra. Devo confessar e, com prazer e orgulho como campineiro, o faço: Campinas demonstrou ter vida própria, não se ter abatido com a crise. Suas construções continuaram e a renda municipal apresenta um superávit considerável...” Termina a apresentação: “....Assim, controladas diariamente a despesa com a receita, venho governando sem

49 Sobre a questão da autonomia dos municípios existiu toda uma discussão durante a Primeira Republica, sobretudo diante do fato que a Constituição garantia a autonomia dos Estados. Francisco Campos que durante o Estado Novo foi importante colaborador de Getulio Vargas e teve papel indiscutível na elaboração da Constituição de 1937, tinha um ponto de vista sobre esta questão que pode explicar a influência da política local sobrepondo-se à estadual e vice e versa. Em seu modo de entender não existiam interesses exclusivamente dos municípios uma vez que estes interesses sendo de caráter econômico, se dispõem em uma combinação natural sujeita a influencia das necessidades do Estado ou em função desses. Portanto o desenvolvimento ou não de um município vai depender de sua posição nesta conjuntura. Seja como for, as possibilidades de desenvolvimento local estavam diretamente ligadas a um grupo determinado de interesse, no caso econômico.(Discursos de Francisco Campos na Câmara dos Deputados de Minas Gerais) Em Campinas, sabemos que a ligação com a administração estadual era direta.

77 aperturas e sem sacrifício de ramo algum dos negócios municipais, pois as obras de maior necessidade ao interesse publico foram todas realizadas, como demonstra o presente Relatório de todo o ano e Prestação de Contas, que tenho a honra de submeter à vossa apreciação...” (Relatório, 1932) Sabemos por colocações anteriores, que os responsáveis pelas repartições de Obras, Água e Esgotos, questionaram muito o fato de muitas obras não terem sido atendidas. Seja por falta de recursos, pelas dificuldades vividas durante o movimento revolucionário de 30 ou mesmo por discordância ou não do que devia ser atendido. Mas deixaram registrado o não cumprimento de diversas obras como arruamentos, melhoramentos em guias, sarjetas e alargamento de ruas, prolongamentos de redes de água e esgoto e a grande empreitada relativa à adução das águas do rio Atibaia. Portanto, havia algum questionamento interno, ainda que na qualidade de estratégia de demonstração de volume de prioridades e do viés de seleção a que foram submetidas. Questões de administrações municipais em falta com o coletivo e o “mandonismo” local eram problemas nacionais, com mais ou menos ênfases econômicas e conseqüências políticas. Como a quebra dos poderes locais era uma estratégia do governo provisório de Vargas, analisando pela ótica do movimento de 1930, tinham a frente, uma tarefa imensa, desmontar a máquina política da Primeira Republica. Em relação à Campinas a tarefa era ainda mais delicada. A cidade era dotada de uma administração aparelhada e conduzida por um forte poder local expandido ao governo federal. Porém, naquele momento, os interesses getulistas estavam voltados em diluir a condução ininterrupta dos paulistas nos destinos do país; portanto, tínhamos a situação invertida. A interferência federal começava a se fazer sentir no município. Assim, em Campinas como em todo o país com estes e outros objetivos, o Governo Provisório tratou de colocar todo o campo da administração municipal sob a condução de órgãos que ultrapassavam o domínio local. Logo após chegar à presidência, Vargas delimitou as ações municipais restringindo-as a se reportarem em todos os assuntos, administrativos, legais e financeiros aos interventores de sua indicação. Através do Decreto nº 19 398, de 11/11/1930 iniciou a demarcação das ações municipais: “...O interventor nomeará um prefeito para cada município, que exercerá aí todas as funções executivas e legislativas, podendo o interventor exonera-lo quando entenda

78 conveniente, revogar ou modificar qualquer dos seus atos ou resoluções e dar-lhe instruções para o bom desempenho dos cargos respectivos e regularização e eficiência dos serviços municipais.” (art. 11,/4.) No mesmo decreto, art. 2º ficavam dissolvidas todas as assembléias legislativas estaduais e câmaras municipais. No discurso de posse de Getúlio Vargas, na chefia do Governo Provisório, em 1930, ao resumir suas idéias de plataforma de governo, chama atenção para uma série de medidas a serem tomadas em relação à administração pública. Nestas providências estavam incluídas algumas medidas que tomaram lugar de prioridades ao longo de todo seu governo, ou seja, um conceito de administração pública que levasse a cabo a eficiência e economia do serviço público. Uma das primeiras medidas tomadas, nesse aspecto, foi a instituição de um Conselho Consultivo, substituindo as Câmaras de vereadores. Este Conselho deveria ser composto de individualidades eminentes do local, mas que estivessem sinceramente integradas na corrente de novas idéias, isto é, integradas à posição política de Getulio Vargas. (Wahrlich, 1983) No Decreto n. 20 348 de 29/08/1931, art., 2: “....São instituídos, em todos ou em alguns municípios de cada Estado, Conselhos Consultivos...” No decreto ficavam estipuladas todas as possibilidades municipais, até as áreas que não tinham câmaras constituídas, mas uma questão era comum a toda a regulamentação com pormenores, o mecanismo de fiscalização dos recursos financeiros. Na verdade, Vargas sabia que uma linha de controle do poder local indiscutível era a fiscalização cuidadosa e sistemática do orçamento municipal. Um sistema tão rigoroso em sua hierarquia parecia estar reservado a perdurar apenas durante o período da fase de transição do movimento de 30. Porém, um sistema gerencial, cujo discurso era de que sua função seria de moralizar a administração municipal e conferir maior eficiência aos órgãos públicos, impôs-se de forma cada vez mais rígida e perdurou durante todos os anos do governo getulista. Em alguns setores municipais as modificações passaram a fazer parte integrante da estrutura administrativa. Na relação entre o os governos municipais e estaduais, intermediário mais efetivo

79 era o Departamento de Municipalidades. Esse departamento foi um órgão estadual que tinha importantes atribuições, dentre as quais prover assistência técnica aos municípios, coordenar suas atividades em função de planos estaduais, fiscalizar a elaboração, a execução de seus orçamentos e apreciar as diversas medidas administrativas e outras questões. Enfim, se a atuação do setor estadual fosse eficaz e comprometida, de fato, com as linhas do governo federal, praticamente nada aconteceria do ponto de vista administrativo no município sem passar pelo crivo do departamento. O órgão era diretamente ligado e dependente do interventor estadual, que exercia ampla tutela sobre a vida administrativa dos municípios, poder que a legislação então em vigor lhe conferia. O Departamento de Municipalidades respondia, por sua vez, através do Interventor, ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, cujo gabinete estava ligado à Presidência da República. A hierarquia desses órgãos garantia a supervisão e controle do governo federal em detalhes da economia e política local. É bom ressaltar que pela volumosa correspondência entre o prefeito e o diretor deste departamento ao longo do Estado Novo, a eficácia deste intermediário foi precisa e constante. Apesar de sua concepção autoritária, essa intervenção tinha uma concepção de gerenciamento administrativo de qualidade e como veremos, elaboradas conceitualmente para o serviço público. Acreditamos ter sido esse o diferencial para o bom aproveitamento dos projetos que já vinham sendo gestados em municípios como Campinas. Os Estados de São Paulo e Espírito Santo tiraram grande proveito deste instrumento e outros estados seguiram o exemplo e comprovaram a eficiência da inovação administrativa. Os municípios paulistas tinham reduzido dividas e melhorado muito a situação orçamentária sob a assistência e fiscalização do órgão estadual. Parece evidente que a criação deste componente na instância burocrática possibilitou a dinamização da máquina política, possibilitando a inclusão ao poder para os políticos municipais entrosados com a nova ordem, o que se de todo não diluiu o poder local, no caso do Estado de São Paulo impulsionou uma descentralização regional. Se bem que em diversos municípios realmente a meta foi alcançada e houve mesmo a diluição acentuada do poder local. 50 Moacir Briggs, diretor do departamento durante o Estado Novo, destacava o papel de importância que a desorganização dos serviços municipais teve como fator precipitador do

50 Dados referentes aos benefícios e elogios ao órgão estadual – Departamento de municipalidade - nos Anais, 1934, Arquivo do Estado de São Paulo.

80 movimento de 1930. Considera que a queda da situação política se tornou mais premente diante da desorganização administrativa generalizada, sobretudo diante do “emperramento da máquina governamental”. (Wahrlich, 1983) Onze anos depois de se ter iniciado estas mudanças administrativas, o diretor em exercício do Departamento Administrativo do Serviço Público, o poderoso Dasp, órgão criado no Estado Novo e a quem respondiam todos os Ministérios, relatava as modificações trazidas pelas reformas administrativas do governo Vargas. O Dasp, cuja função era de ser o cérebro da administração estava ligado diretamente à Presidência da Republica, portanto, com uma abrangência nacional. Toda a conceituação administrativa do governo era discutida passo a passo nesta esfera e então, distribuída como orientação e determinação nos diversos patamares hierárquicos. As medidas administrativas implantadas pelo Estado Novo tiveram repercussão decisiva em municípios com o potencial de Campinas. A legislação imposta na reforma administrativa federal carregava méritos de desenvolvimento econômico e social, mas seu objetivo primeiro era o controle da política local. Em especial no caso do estado de São Paulo e sobremaneira em alguns de seus municípios havia mesmo determinação de não apenas desmontar a máquina administrativa pelas razões discutidas, como também diluir a concentração econômica de grupos tradicionais. O empenho era, portanto, dividir o poder com novos parceiros que almejassem pelo menos, participar do domínio construído pela velha hegemonia paulista do café. Uma das armas essenciais do governo Vargas para atingir esse objetivo que obteve bom resultado foi uma reforma administrativa ampla e de profundidade, cujos mecanismos fixados interferiram com vigor nas gestões locais e controlavam a receita orçamentária através de uma hierarquia rígida e eficaz.

As medidas administrativas do governo Vargas aumentaram a intervenção do poder público na vida econômica expandindo a atuação e as atribuições do município para áreas até então reservadas a investimentos privados. Entretanto, esta interferência transcende limites municipais e até estaduais pois requerem planejamento extenso e, no caso, na esfera federal. Do ponto de vista da economia, a intervenção estatal aparece como sendo característica do capitalismo industrial, não como proposta estatizante, mas como resultado

81 da boa administração no que diz respeito à regulamentação e racionalização das atividades, com o objetivo de alcançar respostas econômicas e sociais condizentes com a moderna tecnologia da era industrial. O Estado, como representante do bem-comum, adquire legitimidade e autoridade em suas ações e intervenções, cada vez mais amplas, mas no sentido de reforçar o capital privado considerado como base do progresso. (Diniz, 1978)

E assim, estabelecidos esses objetivos e com reforçadas justificativas, passa o governo a instituir para determinados municípios prefeitos nomeados acompanhados de um conselho consultivo. Este deveria substituir as câmaras, além de estabelecer um sistema de instrumentos administrativos, que submetiam hierarquicamente, este prefeito nomeado ao interventor do estado e este ao governo federal.

“O intervencionismo, assim, passou a ser parte de uma concepção ideológica, ou seja, encarado como necessário para atingir um fim desejado.” (Fonseca, 1999)

Em 1933, quando nomeado para assumir o cargo de prefeito em Campinas, Perseu Leite de Barros encaminhou ao Departamento de Administração Municipal uma relação de nomes escolhidos entre os maiores contribuintes para a formação do Conselho Consultivo. Desta lista enviada foram selecionados pelo Interventor Federal os nomes que seguem e que passaram a se reunir todas às segundas feiras. (Relatório, 1934) : 51

Carlos W. Stevenson - engenheiro da Companhia de Estrada de Ferro Mogiana

Celso da Silveira Rezende -

José Pires Netto – prefeito em 1930 e 1934

Horacio Costa

Julio Gerin - industrial 52

A partir deste período já começam aparecer algumas inovações orientadas pelos ensaios do governo provisório no sentido da reorganização administrativa. Era na verdade uma fase de experiência, aconteceram mudanças e extinção de cargos e setores, criação de

51 O Relatório dos trabalhos da prefeitura referente ao ano de 1932 não foi apresentado. Conforme esclareceu Celso da Silveira Rezende em 1934 ao Conselho Consultivo, apenas foram levantadas as atividades de 32 sem nenhum comentário, tão somente para que não fosse interrompida a série de publicação dos Relatórios. 52 Julio Gerin substituiu indicado José A Teixeira Nogueira que não pode tomar posse por ter parentesco com o prefeito Perseu L. de Barros.

82 outros sem muita precisão de rumos ou conceituação clara. Mas as mudanças federais ou municipais tinham já um elo comum. No que diz respeito às diretrizes conceituais desta grande reforma seu desenvolvimento está vinculado às mudanças do Ministério da Educação e Saúde Pública, com Gustavo Capanema, em 1937. A partir desse momento se sente uma mudança significativa na condução dos novos caminhos da administração pública. 53

As mudanças chegam em Campinas com a Repartição de Estatística, Divulgação e Arquivo definida nos termos do Decreto nº 49, de 16 de fevereiro de 1933, cuja função era levantar dados de organização e controle da cidade, de assuntos que pudessem interessar a administração, sobretudo em relação ao funcionalismo. Neste primeiro relatório foi elaborada uma radiografia do município, tanto no que diz respeito ao funcionalismo como em relação à estrutura industrial, comercial e profissional. A partir desse ano o setor de estatística e divulgação foi de grande auxilio no retrato da cidade, pelos menos o oficial.

Nos anos seguintes, até a entrada do Estado Novo, três questões administrativas foram tomadas como prioridades: a agilização do abastecimento de água e a readequação da rede de esgotos, o Código de Construção e o Plano de Urbanismo, demanda antiga e cujo apoio o prefeito indicado, José Pires Neto, pediu em caráter especial, para o Departamento de Administração Municipal, inclusive solicitando que fosse reativada a Comissão de Urbanismo, conforme o Decreto nº 11, de 1931.

Em 1934, a prefeitura convida a estudar um plano urbanístico para a cidade o engenheiro Francisco Prestes Maia, recebendo uma orientação geral de idéias discutidas na Comissão de Urbanismo. O plano deveria estar concluído em doze meses, com uma prorrogação se necessário, portanto a expectativa é que fosse entregue em 1935.

O Código de Obras, após aprovação do Conselho Consultivo, pelo Decreto n. 76/1934, entrou em vigor, era uma separata do Código de Posturas Municipais que havia sido proposto como estudo pelo prefeito Orosimbo Maia . A comissão encarregada do trabalho era composta por Carlos W. Stevenson, Hoche Segurado, Lix da Cunha e o engenheiro chefe da Repartição de obras e Viação Perseu Leite de Barros.

Em abril deste mesmo ano foi aprovado o anteprojeto e orçamento da Adução de Águas do rio Atibaia, depois do parecer do Conselho Consultivo, apresentado por Celso da

53 Lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937

83 Silveira Rezende e ter a autorização do Departamento de Administração. Houve muita divulgação na imprensa local e em 17 de junho finalmente tem início as obras. (Relatório, 1936) 54

A partir de 1934, os relatórios são bem detalhados recheados de tabelas e informações. Os anteriores tinham uma apresentação bastante boa, mas após este período chegou-se às minúcias. Importante também foi a retomada dos trabalhos realizados por Macedo Vieira em 1929, pelo setor de Estatística Imobiliária – cadastro de Campinas, que estava subordinado ao Departamento Central de São Paulo. Como o Departamento de Administração pedia homogeneidade nas informações os trabalhos eram conduzidos através dos mesmos métodos, processos e instrumentos para manter esta uniformidade.

De acordo com o chefe do Cadastro, Armio Paes Cruz, o setor ofereceu dados que consideramos de importância relevante para o entendimento dos detalhes que o Departamento de Administração Municipal examinava e acompanhava a cidade, quais sejam:

1) dados para a elaboração dos orçamentos de calçamento futuro;

2) plantas para diversos projetos de prolongamento e estudo de aberturas de vias publicas novas;

3) certidões gráficas a particulares para diversos fins;

4) mapas na escala de 1:5 000 para os diversos cartórios com a situação dos imóveis em cada distrito de paz;

5) copias heliográficas dos quarteirões cadastrados na escala de 1:500, mapas na escala de 1:5 000 mostrando o progresso construtivo e reconstrutivo das edificações na cidade para um qüinqüênio, mapas na mesma escala com a localização das casas comerciais, industriais, etc, como preliminar do estudo da remodelação e expansão da cidade;

6) mapas em miniatura da cidade às exatorias publicas com os valores unitários dos terrenos urbanos;

54 É preciso notar que este projeto já vinha sendo estudado e proposto desde 1926, tendo havido até mesmo uma licitação para a obra que não teve continuidade. Portanto quase dez anos depois de proposto, tiveram seqüência as medidas administrativas necessárias para o inicio da obra. (Relatório, p. 06, 1927)

84 7) informações aptas a fornecer elementos para uma comparação entre os seus trabalhos e os lançamentos diversos do Tesouro Municipal.

A partir da implantação desta metodologia de trabalho o levantamento sobre edificações e ocupações diversas do solo urbano foi mais produtivo e a proposta de trabalho de Prestes Maia foi apresentada ao Conselho Consultivo em sua versão preliminar, em 1935. 55

O plano teve continuidade e uma série de providências foram sendo tomadas em relação a sua execução nos anos que seguiram. As Atas da Comissão de Urbanismo são imensamente ricas em detalhes sobre o andamento do projeto.

Paralelamente ao Plano de Melhoramentos, como acabou se chamando o projeto de urbanismo, uma serie de medidas administrativas foram implantadas como parte da imensa reforma administrativa. Finalmente, em 1936, após muitas idas e vindas, como vimos anteriormente, também foi ativado o trabalho de fornecimento de água, com a inauguração da Adutora do rio Atibaia mesmo sem o término da obra. Vários benefícios em receptores de água somaram-se aos melhoramentos de fornecimento. As obras que diziam respeito à captação, distribuição e abastecimento de água que vinham sendo cobradas e de uma forma, ou outra, projetadas desde o final da década de 1920, foram apresentadas à população. Em 1936, Campinas tinha se preparado para uma grande festividade, estava comemorando o primeiro centenário do nascimento do maestro e compositor, Carlos Gomes. Aproveitando essas comemorações festejavam o restabelecimento dos direitos constitucionais e a nova eleição da Câmara Municipal. Foi um momento em que a cidade, pelo menos um segmento da sociedade que sempre havia prevalecido no comando, tentava recuperar a antiga posição de poder. Parte dessa festa foi a Grande Exposição, feira que trouxe enorme contingente de visitantes à cidade. 56 A cidade estava em clima de euforia, o prefeito deixa isto bem claro na abertura de

55 Rascunho do projeto de um Plano Urbano para Campinas – F. Prestes Maia. (Relatório, 1936). 56 O Museu de Imagem e Som de Campinas tem em seu acervo interessante documentário da cidade nestas comemorações, onde existem imagens da Grande Exposição Feira. O filme foi encomendado pela prefeitura municipal, conforme indicado na apresentação, por João Alves dos Santos, prefeito, em 1936.

85 seu relatório anual ao sublinhar o fato de estar novamente submetendo à Câmara os trabalhos da prefeitura: “....não posso me furtar ao prazer de assinalar fatos e acontecimentos que tornaram esse ano auspiciosamente notável e fastigioso para a historia de Campinas. Efetivamente, realizadas as eleições municipais em março do ano passado, eleitos novos vereadores num pleito livre e dignificante, foi o município reintegrado no regime constitucional em 17 de julho do mesmo ano, data em que a nova Câmara se instalou festivamente, reconquistando o município a sua autonomia, espancando as trevas de um largo período discricionário e propiciando a todos uma nova era de esperanças.” Seria interessante continuarmos um pouco mais no discurso de João Alves dos Santos, pois ele também se refere a sua surpresa de ver seu nome apontado pelos vereadores como prefeito. Vejamos: “....graças à imerecida preferência dada ao meu obscuro nome pela maioria dos nobres membros do Legislativo Municipal, pude, desde então, ter a honrosa e feliz oportunidade de participar, inteiramente identificado com o sentimento da população, da alegria geral por motivo desse memorável acontecimento que, evidentemente, foi o de maior significação.” (Relatório, 1939) Depois, então, passa a relatar os eventos que já acima citamos, do ano de 1936. Pareceu mesmo singular a indicação de Alves para o cargo de prefeito, pelo menos aparentemente desconhecemos que fizesse parte das grandes e tradicionais famílias que até 1930 haviam governado Campinas. Um fato bastante interessante chama a atenção, o recém eleito prefeito fazia parte da diretoria do Banco Comercial do Estado de São Paulo. Se atentarmos para a circunstância de que a Constituição de 1934 em seu art. 117 previa a “nacionalização progressiva dos Bancos de depósitos e das empresas de seguros, devendo constituir se em sociedade brasileira, as estrangeiras que operam no país”, podemos talvez associar os episódios. A despeito dos méritos de Alves, talvez não fosse tão surpreendente ter o sistema financeiro como aliado e a Câmara deixou manifesta a sugestão de que isto poderia ser bem interessante, optando por ter no executivo municipal alguém vinculado à área bancaria. Existem também outros argumentos fortes que não apenas uma citação à constituição, o crescimento industrial tornava-se uma realidade e o setor financeiro nesta

86 área ganhava espaço real. O governo de Vargas mostrou desde o início, através de seus discursos e reformas administrativas, seu interesse pelo fortalecimento do setor, sempre tendo em seus momentos de decisões econômicas representantes do grupo industrial. Mesmo que alguns argumentos apontem para o fato de que a industrialização seria um caminho inevitável para o Brasil, mais cedo ou mais tarde, é também verdade que o setor industrial não estava demonstrando capacidade política para se organizar. Até a subida de Getúlio o setor industrial não tinha conseguido fazer valer seus interesses em áreas oficiais de decisão. Quando Vargas passou a adotar medidas a favor da indústria, esteve sempre subsidiado pelos industriais que mostraram ter propostas determinadas e firmes quanto ao caminho a seguir. Através destas atuações do grupo ligado a indústria, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, além do Departamento do Trabalho, do Conselho Federal do Comercio Exterior, foi elaborado o Plano Geral de Viação Nacional, criada a Comissão de Similares e o Conselho Técnico de Economia e Finanças. Todos esses órgãos foram formados a partir de 1930, até a entrada do Estado Novo. (Fonseca, 1999) presas de seguros, devendo nstituicao Comercial do Estado de Sao ntificado com o sentimento da populacao ______Juntando-se aos fatores de ordem geral, não podemos esquecer que em 1933, havia sido criado a REDA (Repartição de Estatística, Divulgação e Arquivos), setor que fez um trabalho de levantamento bastante importante e que ficou registrado nos relatórios anuais da prefeitura. Elaborou quadros de estatística da importação e exportação pelas vias férreas, levantamento do movimento das indústrias do município, classificação dos contribuintes do imposto de indústrias e listagem das indústrias do município, no ano de 1933. (Relatório, 1934) 57 As lideranças do setor industrial acabaram por ter influência de decisão no golpe de 10 de novembro de 1937, uma vez que somado um conjunto de fatores de âmbito nacional e internacional, um dado interno transformava a situação geral em estado de emergência. Sem

57 Este primeiro relatório do REDA tem importância fundamental uma vez que apresenta um quadro completo com listagens e tabelas sobre o conjunto das diversas atividades do município em seus mais diversos setores. A partir desse ano o setor vai apresentando com maior ou menor detalhe, através de quadros e tabelas a vida ativa da cidade. A repartição foi criada por determinação do Departamento da Municipalidade e vamos encontrar o mesmo setor em diversos municípios. Na cidade de São Paulo, parte do restou deste acervo de informações, veio a formar a Divisão de Iconografia da Secretaria de Cultura de São Paulo, com documentos da maior importância para o conhecimento da historia daquela cidade neste período.

87 dúvida, era necessário um poder centralizado e forte para que se acalmassem os ânimos “da massa”, como já se denominavam os movimentos operários. A maioria do grupo empresarial apoiava as iniciativas do governo para que se restabelecesse a tranqüilidade para o trabalho. Portanto, as lideranças da elite paulista que não aceitavam de forma aberta o governo Vargas acabaram por acatar o golpe e por fim, de certa maneira, aliar-se ao governo federal. (Basbaum, 1985). Na noite de 10 de novembro de 1937, através de uma proclamação radiofônica do presidente Vargas à toda a nação, foi apresentado os fundamentos do Estado Novo. Desta proclamação ressaltamos alguns trechos cujos objetivos são maiores com nosso tema.

Em um trecho de longas explicações e justificativas, Vargas discute a inoperância da Constituição de 1934:

“....A Constituição estava, evidentemente, antedatada em relação ao espírito do tempo. Destinava-se a uma realidade que deixara de existir. Conformada em princípios cuja validade não resistiria ao abalo da crise mundial, expunha as instituições por ela mesma criadas à investida dos seus inimigos, com o agravante de enfraquecer e anemizar o poder publico.

(...)

Na distribuição das atribuições legais, não se colocara, como se devera fazer, em primeiro plano, o interesse geral; aluíram-se as responsabilidades entre os diversos poderes, de tal sorte que o rendimento do aparelho do Estado ficou reduzido ao mínimo e a sua eficiência sofreu danos irreparáveis, continuamente expostos à influencia dos interesses personalistas e das composições políticas eventuais.

(...)

Função elementar e, ao mesmo tempo, fundamental, a própria elaboração orçamentária nunca se ultimou nos prazos regimentais, com cuidado que era de exigir. Todos os esforços realizados pelo Governo no sentido de estabelecer o equilíbrio orçamentário se tornaram inúteis, desde que os representantes da nação agravavam sempre o montante das despesas, muitas vezes em beneficio de iniciativas ou de interesse que nada tinha a ver com o interesse público.” (Wahrlich, 1983)

88 A constituição outorgada pela proclamação mudava então em sua base a organização administrativa responsável pelo aparelhamento do governo e a elaboração orçamentária. A própria constituição determinava um assessor direto do presidente da República para liderar as duas funções consideradas básicas. Instituiu-se para tanto um departamento administrativo que veio a ser o Departamento Administrativo do Serviço Público, que já mencionamos. Foi o órgão mais poderoso do Estado Novo. 58

Foi criado pelo Decreto-lei nº 579, em julho de 1938, fundamentado no art. 67 da Constituição de 1937, que seguia:

“Art. 67 - Haverá junto à Presidência da República, organizado por decreto do presidente, u departamento administrativo, com as seguintes atribuições:

a) o estudo pormenorizado das repartições, departamentos e estabelecimentos públicos, com o fim de determinar, do ponto de vista da economia e eficiência, as modificações a serem feitas na organização dos serviços públicos, sua distribuição e agrupamento, dotações orçamentárias, condições de processos de trabalho, relações de uns com os outros e com o publico...... ”

Havia mais dois incisos que determinavam as temporalidades das instruções orçamentárias e sua fiscalização, porém, o inciso “a” englobava todas as determinações anteriores e ampliava as atribuições do departamento administrativo. O objetivo fundamental do Estado Novo, no que diz respeito aos serviços, foi a reforma administrativa.

Os relatórios produzidos pelo Dasp são as melhores fontes para acompanhar seu trabalho, que tratava da administração geral e administração especifica. Ou seja, conforme sua orientação:

“A reforma administrativa empreendida pelo atual Governo se vem caracterizando pela observância de um principio fundamental, relativo à organização dos serviços públicos:

58 Essa concepção de administração foi amplamente estudada pela equipe de Vargas e a adoção da teoria do Departamento de Administração Geral formulada pelo economista William F. Willoughby teve grande influência nesta reforma brasileira nos anos de 30 e 40 do século XX. O economista considerava que este tipo de órgão era fundamental para apoio direto ao Executivo, com funções normativas, de coordenação e de controle. Os ministérios, os interventores estaduais e os prefeitos, tinham funções operativas que deveriam hierarquicamente e dentro de uma organização padronizada, se reportar ao Departamento de Administração Geral. Dentro desse conceito foi organizado o Dasp através do Decreto-Lei n. 579, de 1938 que englobou todos os serviços administrativos de forma centralizada sob a direção de um presidente ligado diretamente ao Presidente da Republica e hierarquizando todos os outros poderes administrativos sob sua égide. (Wahrlich, 1983)

89 a centralização, em órgãos próprios, das atividades de administração geral, orientação amplamente justificada, quer pelos ensinamentos doutrinários, quer pelos resultados que produz.”

Em seguida, detalhando as funções:

“Esses princípios têm sido assim aplicados na administração federal brasileira: orientação, coordenação e fiscalização das atividades de administração geral estão centralizadas no Dasp, ao qual cabe, ainda, a execução de certas fases das mesmas atividades; a execução está a cargo de órgãos próprios, que centralizam os serviços para os ministérios ou determinadas repartições ” (Dasp, Relatório de 1941)

Como é possível verificar acima, o Dasp estava no cerne dos ministérios, e dentre estes seria interessante apontar o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, onde desde 1939 já havia sido criado pelo Dasp nos estados o Departamento do Serviço Público que juntamente com os interventores fiscalizava a execução orçamentária no estado e nos municípios. (Wahrlich, 1983)

O Estado Novo tinha centralizado toda a administração pública referente às proposições, execuções e fiscalizações das atividades. A questão orçamentária era de fundamental importância para o controle dos projetos propostos e também dos poderes políticos locais.

A partir deste momento muito pouca coisa que acontecia na administração municipal deixava de passar pelo crivo do interventor, através do Departamento da Municipalidade. A correspondência entre o executivo de Campinas e o Departamento de Municipalidades de São Paulo vai crescendo a partir de 1936. O conteúdo desta correspondência mostra que o município passava a limpo todo seu cotidiano, sobretudo as questões orçamentárias. Toda e qualquer movimentação que dizia respeito a aumento ou cobrança em taxas ou imposto tinha que ter a autorização do Departamento. Quando Euclydes Vieira, como prefeito indicado, apresentou o Relatório do ano de 1938 ao Departamento das Municipalidades para aprovação uma de suas primeiras medidas foi, depois de dura critica à administração anterior, solicitar ao Departamento um profissional, que “....pudesse proceder a rigoroso exame nos lançamentos e em outros serviços da repartição.”

90 Foi atendido de imediato e veio para a cidade um inspetor do Tesouro, Mario Vieira dos Santos que fez detalhado levantamento e analisou todo o trabalho elaborado pela repartição do Tesouro Municipal, e apresentou relatório minucioso que foi encaminhado pelo prefeito para o Departamento, para que esse não apenas tomasse conhecimento como também fossem “....tomadas as providências que se impunham a bem do serviço publico e em defesa dos interesses municipais.” (Relatório, 1940) Um documento encaminhado à prefeitura de Campinas em 1941, pelo Ministério de Justiça e Negócios Interiores, através do Departamento Administrativo do Estado, alertando que não seria possível nenhuma intervenção em impostos da cidade de qualquer ordem ou em relação a qualquer beneficio para mais ou para menos do valor fixado, sem consulta e autorização do Ministério e seus órgãos pertinentes. A questão financeira era fiscalizada duramente, o governo federal entendia que o poder local se sustentava sobretudo em orçamentos municipais desorganizados. 59

Os ofícios entre município e interventor seguiam desde o balancete anual, a informação de desapropriação de prédio, ao alargamento de ruas, ou a aprovação de planos de loteamentos e projetos de plantas populares. Seguiam, ainda, relatórios sobre resultados obtidos com o tratamento de água em novas instalações de distribuição, solicitação de projetos de elaboração de decreto-lei para canalização de águas pluviais, para declarar de utilidade pública áreas da cidade, muitos balancetes de diversos setores da prefeitura, mensais e anuais, relação dos vereadores a cada mudança e o registro obrigatório dos jornais, revistas, oficinas gráficas e outros meios de comunicação escrita.

Na aprovação da planta de loteamento da Vila Cambuí, um loteamento para moradia operária, o projeto teve que passar pela aprovação do Departamento, devidamente instruído por plantas, em duas vias, constando o arruamento e o loteamento. Foi acompanhada por plantas técnicas, esquemáticas, de perfis de ruas, bem como, por um exemplar do Código de Construções para demonstrar a legislação indicada para moradias populares. 60

Até mesmo no que diz respeito à ocupação do solo urbano a intervenção era direta.

59 Circular n. 1/1941, Ao departamento Administrativo do Est. de São Paulo direcionado ao Prefeito de Campinas. Arquivo Municipal de Campinas 60 Oficio n. 181 de 12 de abril de 1940. Livro 40. Arquivo Municipal de Campinas.

91 Um documento de dez de março de 1941, para o grupo Borghi & Filhos é exemplar, pois esses empresários de imóveis estavam solicitando autorização para a construção de prédios populares no bairro do Bonfim, mas foram informados pelo Departamento que o local pretendido não poderia ser ocupado por tal construção. Foi-lhes sugerida outra área do loteamento para o empreendimento. A justificativa era ser muito próximo da Av. Governador Pedro de Toledo. 61

Importante notar que não eram apenas informações ao órgão superior, mas pedidos de autorizações e aprovações. Se a correspondência já tinha bom volume após a entrada do Estado Novo, especialmente de 1940 em diante, chama a atenção do crescimento de ofícios e documentos remetidos ao órgão. 62

Esse lote de documentos reflete a pressão cerrada do governo federal no município e sua constante intervenção no mais simples cotidiano. Exceto por um pequeno período nos anos de 1935 e 1936, onde parece ter havido uma certa despreocupação com as palavras, fato que pôde ser observado nas introduções dos relatórios anuais do município ou nos discursos de figuras ilustres da cidade, o acompanhamento das ações municipais era constante.

Mas, se por um lado, estes procedimentos fazem parte de governos autoritários, por outro teve a função de sistematizar os trabalhos da administração, levando em conta as metas e objetivos da reforma administrativa, que foi seriamente adotada no período Vargas.

A Fundação Getúlio Vargas apresentou um trabalho detalhado com todo levantamento desta imensa reforma administrativa federal, durante o período de 1930 a 1945. Esta proposta monumental, conforme conclusão da pesquisadora encarregada, “ao contrário de ignorar ou desconhecer as necessidades econômicas e sociais do Brasil, como em algumas áreas se afirma, muito deve com o desenvolvimento econômico e social. Se bem que inicialmente esteve concentrada na obtenção da racionalidade e eficiência na administração das atividades meio, a reforma administrativa, passou, depois da entrada do Estado Novo em 1937, a se preocupar, também com as atividades fim do estado. Com esta ampliação de motivos, foi instrumento decisivo na implantação e organização de órgãos

61 Oficio n.167 de 10 de março de 1941 (Livro n.36) . Arquivo Municipal de Campinas 62 Foram consultados os Livros de Correspondência do Prefeito Municipal entre 1936 a 1943, documentação existente no Arquivo Municipal de Campinas.

92 normativos e controladores do desenvolvimento econômico e social”. (Wahrlich, 1983) 63

No caso de Campinas a reforma demonstrou sua capacidade norteadora, pois através dos instrumentos normativos e de controle, potencializou e ampliou as margens de finalização de projetos e programas, em especial os sociais.

É fato que o município tinha quadros com competência para implementação de amplos projetos e em várias áreas, mas também é fato que não se concretizavam. As propostas de urbanismo que vinham há vários anos ponteando tiveram muitas dificuldades na efetiva continuidade. Os projetos sociais vinculados à moradia popular, tão necessários, ensaiaram diversas leis de importância, mas não se estabeleceram, pois eram concebidas de modo fragmentado. A legislação construtiva não participava do conjunto de fatores que permitissem a localização, construção e a obtenção por compra ou aluguel.

O Código de Construções de 1934 foi um dos instrumentos mais importantes desse processo, mas sozinho não teve como ampliar os espaços de habitação popular, proposta que os artigos da lei propunha.

Além do mais, para a ampliação de moradias em áreas onde pudesse ser viável pouco investimento era necessário definir se a questão de abastecimento de água, exigido pelo Código; contudo, o projeto da adução de água do rio Atibaia, iniciado em 1926, teve dificuldade de sair do papel. Mesmo assim, quando inaugurado, em 1936, tinha muita obra ainda por fazer e a finalização veio nos anos 1940.

O Plano de Melhoramentos vinha compor uma série de tentativas nesta área, se bem que tinham méritos importantes essas experimentações, uma vez que ensejou a formação de certa tradição do planejamento urbano na cidade. A efetivação do plano de Preste Maia teve a chance que outros anteriormente não obtiveram. A municipalidade estava equipada com uma administração capacitada para gerir e instalar o projeto, tanto que o fez.

A reforma do período Vargas teve o valor de transformar Campinas em uma cidade modelar em sua configuração urbanística. A cidade tinha potencial técnico, a reforma

63 Beatriz M. de Souza Wahrlich, foi a profissional convidada pela fundação Getulio Vargas, para levar avante esta empreitada de levantar dados sobre a Reforma Administrativa do governo Vargas. Mestre em Administração Publica, confessa que inicialmente não estava inclinada a aceitar o convite, mesmo porque confessa um certo preconceito de sua parte, sobre os acontecimentos do período. Mas por insistência aceitou, e apresentou uma das obras mais importantes para se estudar estes anos. Com uma documentação cuidadosa e pesquisa incansável, apresentou um roteiro indispensável para qualquer pesquisador de assuntos que englobam os anos de 1930 a 1945.

93 administrativa converteu-o em factível.

Contudo, o maior destaque deste processo estava na viabilização da política pública de habitação popular, que foi resultado de uma associação destes fatores já comentados, acompanhados ainda, das propostas trabalhistas e incentivos financeiros, dirigidos a este segmento pelo governo federal e colocados em prática pela municipalidade.

Em 1939, na administração de Euclydes Vieira, o Departamento de Obras e Viação em sua seção de cadastro, realizou um levantamento relevante dos cortiços existentes na cidade, com o objetivo de orientar os estudos de habitações operárias. Foram computados setenta e quatro cortiços e organizado um quadro geral com dados de interesse econômico e sanitário.

Na totalidade destes cortiços viviam quinhentas e oitenta e seis famílias, com um total de duas mil trezentas e vinte e uma pessoas. O levantamento trazia também a precariedade da situação sanitária em relação ao uso comum de banheiros, chuveiros, tanque e cozinha. O dado mais significante deste cadastro foi a questão financeira, pois o valor do aluguel por família era equivalente a um financiamento para construção ou compra de uma moradia operária. (Relatório, 1949)

Havia um debate na época sobre a pertinência destes estudos de moradia operária em detrimento da adaptação dos casarios ocupados pelos cortiços. Na visão de alguns, as tentativas que estavam sendo feitas para implantação das vilas operárias significavam afastar os trabalhadores do centro, colocando-os em bairros considerados arrabaldes. A justificativa para esta interpretação eram as demolições sugeridas no Plano de Melhoramentos, o que implicava distanciar o operariado da região central da cidade. O afastamento teria também dois sentidos, o primeiro, a contenção em perímetro distante e auto suficiente como uma medida de segregação dos operários, o segundo seria de caráter mercadológico, fazer do centro um espaço nobre para os negócios imobiliários. 64

Em 1938, a administração municipal havia proposto ao Departamento das Municipalidades uma legislação em relação às construções operárias do tipo mínimo e econômicas que, se aprovada, acreditava-se resolvido um problema de alcance social

64 Os pesquisadores que trabalharam o período do Estado Novo em Campinas neste campo, os operários, foram Teresinha Aparecida Del Fiorentino e Edemir de Carvalho. Os dois trazem essa versão que circulava em noticias do jornal “O Correio Popular”.

94 bastante amplo. Essa legislação iria abrigar cerca de mil famílias significando uma população acima de quatro mil pessoas. O proposto previa habitações “...higiênicas, dotadas de instalações sanitárias, chuveiros, pias e tanques, sem a atual promiscuidade, desde que as autoridades estaduais aprovem a nova legislação sugerida pela Prefeitura e baseado, alias, no que vem sendo posto em pratica há alguns anos no Distrito Federal.” (Relatório, 1940) A municipalidade já tinha sido congratulada pelo trabalho do Código de Construções pelo Departamento das Municipalidades e segue em frente aprimorando suas atividades. Através de oficio, encaminha um rascunho de projeto do Decreto – Lei “Habitações do tipo mínimo e construções proletárias”, juntando a cópia da Lei n. 497 de 1936, em que havia um primeiro esboço dessa proposta. (Oficio n. 1086/1939, Correspondências ...) Neste ano também foi apresentado para aprovação a solicitação do perímetro urbano e a delimitação de zonas, que com sua aprovação facilitou a implantação de políticas de habitação e configurou a cidade de modo a ser confiável os investimentos imobiliários. Tinha sido um avanço proporcionado pelo trabalho de Prestes Maia e do setor de Arquitetura e Cadastro do município. (Oficio n. 1089/1940, Corespondencias...) Tendo sido autorizado, em 1940, através do Decreto Municipal nº 82, foi promulgada a nova legislação relativa às habitações mínimas que, além de favorecer a construção de casas proletárias, permitia agir diretamente contra os cortiços que existiam na cidade. O decreto estabelecia normas para facilitar a formação de núcleos de habitação com padrões econômicos, e estabelecia a base de uma política pública de moradia constituída pelas vilas operárias. Depois desta competente proposta da Prefeitura de Campinas, um artigo do Jornal “O Estado de São Paulo”, neste mesmo ano, deu visibilidade à legislação e diversas prefeituras do Brasil inteiro solicitaram apoio para fundamentar em suas próprias cidades, trabalho a município, para um patamar de vanguarda neste modelo de política publica. 65 As prefeituras de Fortaleza, São Borja, Curitiba, Belo Horizonte, Uberaba, São Carlos, Descalvado e Rio Claro, todos solicitaram através de ofícios, a legislação de construção de habitações e o Código de Obras que havia sido o documento base deste

65 Prefeitura de São Carlos. Oficio de 1940 com cópia do artigo do jornal “O Estado de São Paulo”.

95 projeto. 66 O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriais do Rio de Janeiro, ao tomar conhecimento da lei nº 82/1940, solicitou à administração municipal de Campinas a venda de terrenos a baixo custo. O Instituto pretendia construir casas operárias na cidade, atendendo uma demanda que tinha sido feita ao Rio de Janeiro, pelo Sindicato de Tecido e Fiação de Campinas. Sabemos que o Rio de Janeiro chegou a ser modelo para Campinas. Os ofícios de solicitação foram todos devidamente respondidos e os documentos solicitados encaminhados, não antes de ser comunicado ao Departamento em São Paulo, sobre a solicitação das cidades e do interesse de ser respondido. O gabinete do D. M., autorizou todas as respostas. 67 Somando-se a legislação de habitação econômica e ao Código, a prefeitura passou também a fornecer projetos de plantas de casas tipo mínimo, projetadas e acompanhadas na sua edificação por engenheiros da administração. Assim, completaram-se as etapas e os instrumentos necessários para que se desenvolvesse um programa de política pública para ocupação do solo urbano. Conforme dados da Monografia Histórica de Campinas, em 1948, final da II Guerra, os índices para a cidade eram animadores: do ponto de vista do desenvolvimento industrial estavam cadastrados quase 1 000 estabelecimentos empregando mais de 10 000 operários. Na metade do século XX, o número de prédios existentes no perímetro urbano era também excepcional, tendo crescido de final dos anos de 1930 até 1950, em 200%, conforme informação do IBGE. ( IBGE, 1952).

66 Livro de Correspondência dos Prefeitos, ofícios n. 119 e 245 de 1940 e n. 13 e 404 de 1941. Arquivo Municipal de Campinas. 67 Os ofícios de solicitação das cidades e a correspondência informando ao DM, encontram-se no Arquivo Municipal de Campinas.

96

CAPITULO TERCEIRO

AS VILAS OPERÁRIAS

Como vimos, os primeiros problemas de ocupação urbana de relevância em Campinas, surgiram com a chegada dos trilhos férreos, pois isto constituiu um aumento significativo da população em um momento, quando a cidade ainda não tinha infra-estrutura para suportar esta demanda. Agravando a situação, o surto de febre amarela.

Logo nestes primeiros anos do desastre amarelo, a questão dos cortiços surgiu como um grande problema. Não havia moradia o suficiente e mesmo depois de debelada a epidemia, permaneceram as questões de habitação, a falta de transporte, rede de água e esgotos apenas no limite da Estação da Companhia Paulista e além disto, as atividades fabris, dividiam a mesma área central da cidade com as residências e o comercio, poluindo e aprofundando a insalubridade cotidiana. A organização e a distribuição de atividades através de zoneamento como já foi levantado, levou tempo a se instalar sendo que toda esta situação, se prolongou até quase metade do século XX.

Os espaços ocupados pela mão de obra urbana, cortiços ou não, permaneceram convivendo durante todo este período, não apenas com a fiscalização do serviço sanitário, mas também controlados por uma legislação baseada em princípios médico-sanitários que ultrapassavam a dimensão do atendimento à saúde pública, assumindo na verdade, um caráter de repressão policial. Essa concepção delineou o tratamento que foi reservado aos trabalhadores ou aos que vinham em busca de uma nova vida na cidade, durante muitas décadas. 68

A abordagem desse tema neste trabalho e ressaltado neste capitulo,está ligada à importância da reflexão sobre o fato de que a idéia de higiene e de repressão à população operaria e aos trabalhadores em geral, poderiam também ter refletido entre outras possíveis interpretações, nas localizações dos territórios destinados às moradias deste segmento

68 O Código de Construções de 1934, no Artigo 354º , proibiu reformas, reconstruções, e acréscimos nos cortiços existentes, assim como indica a demolição dos cortiços infectos e insalubres.

97 social, nas décadas de 1930 e 40. 69

Essas propostas sanitárias, parecem ter assumido características de diretrizes sociais em um momento em que o país experimentava a industrialização e que, os graves problemas de aglomeração humana começavam existir. As providências sanitárias adotadas pelas Comissões de Higiene e Saneamento do Estado de São Paulo no final do século XIX, acabaram por ter grande influência quanto às delimitações dos espaços territoriais concedidos pela cidade regulamentados pelo governo, no que dizia respeito ao crescimento da população trabalhadora urbana. Se havia até os primórdios do século XX, certa integração de territórios entre a população que compunha a força de trabalho e a que constituía a força de capital, entre o “nativo” e o “forasteiro”, mesmo que nem sempre do agrado de todos, esta convivência sofreu, como vamos observar, uma profunda modificação.

Mas, se existiu uma herança difícil na questão da delimitação espacial, por outro lado, os resultados gerais das medidas de saneamento foram bastante positivos. A distribuição e qualidade da água, havia melhorado bem apesar de a distribuição por grupo de moradores, ter tido características que foram explicitadas por Saturnino de Brito, mentor desta concepção. O engenheiro a convite da Prefeitura de Campinas, alguns anos mais tarde, justifica a ampliação da capacidade do volume de água para a cidade e as razões do método de distribuição. (Brito, 1943)

Nas suas justificativas, ficam bem evidentes as discrepâncias que vão se construindo no planejamento urbano em relação às eventuais necessidades cotidianas da elite econômica e dos trabalhadores. Neste caso é bom lembrar, de qualquer forma, que a concepção que temos hoje sobre higiene pessoal e higiene doméstica tem provavelmente suas raízes neste final de século, quando o conhecimento decorrente da ciência e da engenharia, faziam a diferença em projetos urbanísticos, por exemplo. Um dos resultados significativos, foi o fato de que as redes de distribuição de água e esgotos, assumiram importância na implantação da infra-estrutura nas cidades. (Lapa, 1995).

Vimos em capitulo anterior, como era pensada por um profissional da área sanitária,

69 Maria Célia Paoli, que fez levantamentos junto aos operários da cidade de São Paulo durante os primeiros quarenta anos do século XX, resgatando as imagens registradas do cotidiano operário, trouxe um quadro constrangedor das lembranças de invasões e repressões sofridas pelos operários da vigilância sanitária, por conta das doenças epidêmicas que se espalhava pela cidade em surtos alternados. (Paoli, 1991)

98 com poder de execução de projeto, as necessidades de higiene e cuidados pessoais dos cidadãos, através das observações do engenheiro Bergallo, encarregado do setor de Águas e Esgotos da municipalidade, e que se posicionou mais favoravelmente há um maior volume na distribuição da água para todos, do que restringir e optar pela qualidade. (Relatório, 1929)

Bem, neste período, não apenas Saturnino tinha esta visão sobre como deveria ser pensada as políticas de atendimento da parcela social mais pobre e justamente onde estavam inseridas os segmentos sociais a mão de obra das cidades. É inegável o avanço das idéias e quanto o conhecimento se fez presente no planejamento moderno das áreas urbanas e que em questões como a distribuição de água potável, estavam marcados claramente a necessidade de inclusão de todas as camadas sociais. Mas também deve ser levada em consideração que existe neste cálculo de distribuição uma tendência de pressupor o consumo econômico, parcimonioso, da parcela social ocupada pelo operário ou trabalhador braçal, ou, dito de outra forma, o pressuposto tácito de que o desperdício ou mesmo o uso prazeroso de um beneficio coletivo é prerrogativa incontesti do segmento social mais abastado financeiramente.

Não há grandes surpresas nesta constatação, mas é uma visão que vai ser aprofundada ao longo do tempo, e a sombra da restrição se fará presente mesmo quando os projetos são de atendimento da parcela mais pobre, incluindo nesse grupo o operariado e a mão de obra em geral.

Apesar dessas preocupações com as condições de vida da classe operária, aparentemente o desenvolvimento fabril era incipiente na cidade, pois a greve de 1917, que parou o complexo industrial e abalou toda a capital paulista, no município de Campinas, apesar do trágico episódio da Porteira da Capivara, restringiu-se basicamente aos trabalhadores das oficinas da Companhia da Estrada de Ferro da Mogiana.

Na investigação pelos relatórios das repartições municipais, ao longo de toda a década de 1920, o que podemos observar são constantes indicações de obras de melhoramentos pelo menos nas áreas urbanizadas da cidade. Estas ações também vão chegando nos bairros, como eram denominadas as regiões de Sousas, Joaquim Egidio, e outros que hoje já ganharam autonomia de município, como Valinhos, Sumaré e Cosmópolis. Porém, num artigo de Silvino de Godoy para a Monografia de Campinas, em 1952,

99 assim como em outros artigos e noticias nos jornais locais evidencia-se a falta de clareza na escolha da localização urbana e no andamento desses melhoramentos indicados nos relatórios. Godoy era figura bastante representativa e tradicional como empresário e investidor nos setores industriais, fazendo parte de uma elite que ia despontando em negócios especificamente urbanos, porém ele e seus pares demonstram grande insatisfação com a lentidão das ações da administração pública. A Resolução nº 606, de 1920, iniciativa do vereador municipal Álvaro Ribeiro mostra que a tendência à uma política favorável ao desenvolvimento industrial começava ganhar adeptos fortes. Entre as diversas vantagens oferecidas àqueles que instalassem estabelecimentos industriais no município, uma realmente parece ter incentivado a vinda de novos grupos fabris: era a isenção de impostos pelo período de dez anos. (Relatórios, 1921). A região ainda vivia neste período a disputa entre uma política voltada para a lavoura e que receava bastante qualquer investimento ou iniciativa que pudesse favorecer o desenvolvimento fabril, pois a mão de obra já cara e rala podia desaparecer com esta nova opção. Mas, por outro lado, havia quem apostasse que o investimento industrial seria a saída para uma crise financeira que se avizinhava, tendo em vista os abalos da economia internacional e que dentre vários fatores, ameaçava os produtores de café. A estrutura exigida pelo “complexo cafeeiro” (Cano, 1977) deu um impulso diferenciado para todo o Estado de São Paulo. O reflexo principal do desenvolvimento do café estava na complexidade do processo de urbanização das várias regiões que atendiam a essa expansão cafeeira. O produto incentivava o incremento de uma série de outros componentes que aceleravam o crescimento urbano, como as atividades comerciais, tanto de produtos para o abastecimento básico, como os serviços bancários, escritórios de importação e exportação, transportes urbanos e de comunicações, atividades industriais e oficinas de sustentação e manutenção; nessa área de estrutura básica aparecem com destaque os serviços do setor público impulsionados por impostos e investimentos de capitais interessados em sustentar a facilidade das diversas ações e portanto qualidade desses centros. 70

Dentre os fatores de grande relevância para o desenvolvimento de Campinas, o

70 Cf Cano (1977); Negri (1996); Monbeig (1998); Gonçalves (1998), dentre outros.

100 sistema ferroviário, cobrindo e carreando, concomitantemente, uma rede urbana significativa, reforçou as possibilidades de redução de custos para o transporte do café e outros produtos acessórios, além de facilitar com vantagem a chegada de mão de obra, atendendo, assim, aos desdobramentos ampliados por essa expansão econômica.

Este movimento desencadeado pela circulação de população, não se restringia, evidentemente, aos centros urbanos já estruturados, mas provocava um incentivo à formação de novas frentes, o que resultava em um vai e vem constante de pessoas de uma cidade para outra e uma concentração em locais como Campinas. A própria ferrovia e os agentes comerciais de distribuição de trabalho e abastecimento proporcionavam estes roteiros. 71

Nesse sentido, a região de Campinas para potencializar esta dinâmica populacional também se colocava como bom exemplo do modelo de distribuição e expansão agrícola, contribuindo com uma diversificação de produtos agrícolas de subsistência e como uma das maiores regiões produtoras de rebanho bovino e produção leiteira. (Negri, p., 35, 1996).

Havia, também, a indústria têxtil, a seda em especial, que logo se mostrou competente para figurar entre os dois primeiros patrocinadores da industrialização, mesmo porque a região já experimentara a possante Carioba, mostrando, portanto, que a experiência estava presente para proporcionar o avanço no processo de industrialização.

Para garantir a velocidade necessária e a movimentação de gente, mercadorias e recursos financeiros, no final desta segunda década do século XX, a cidade abrigava cinco ramais ferroviários de importância, tendo como referência a poderosa Companhia de Estrada de Ferro Mogiana, cujo capital era quase integralmente campineiro. A Companhia era responsável por um dos mais intensos “complexos” fabris da cidade, tendo em vista as inúmeras oficinas de manutenção, montagem e até fabricação de carros e trilhos. O corpo de engenheiros, pessoal administrativo e operário era bastante numeroso, sendo que neste período, esses últimos foram responsáveis pelos movimentos e greves de trabalhadores em toda a região. Mesmo assim, a impressão primeira que ficou é de que apenas os trabalhadores da Mogiana, que eram politizados e tiveram importante militância

71 Estudos e levantamentos sobre os movimentos e trajetórias de migração neste período e posteriores vem sendo apresentados há alguns anos pelo Núcleo de Estudos de População – NEPO/UNICAMP; Instituto de Economia – UNICAMP; Fundação SEADE.

101 no partido comunista, estando sempre presentes nos movimentos operários na cidade e região, foram praticamente os únicos organizados da cidade e do seu entorno, talvez até pela ligação forte e íntima com companheiros de Jundiaí e São Paulo. Além dos trabalhadores da Mogiana, o que se pode ver a princípio, é que apenas os trabalhadores das tecelagens apareciam em reivindicações e movimento da classe operaria, assim mesmo de maneira pálida. 72 (Batalha, 2000) Desde o início do século XX, o aumento da população urbana tinha se transformado em problema bastante sério para os próprios moradores e para a administração pública, pois não havia habitações suficientes, ou mesmo programas financeiros para atender a situação de abrigo, infra-estrutura básica ou emergencial para o operário e sua família que na maioria das vezes chegava à cidade sem qualquer garantia ou suporte para o seu cotidiano. Como resultado, os cortiços passam a ser uma opção e, na mesma medida em que as indústrias aumentam, estes espaços, com toda sua inadequação e toda sorte de dificuldades, vão se transformando de possibilidade alternativa para definitiva. No contexto dessa valorização do mercado imobiliário carreada pela urbanização que se fazia vis a vis a industrialização, as áreas consideradas arrabaldes começaram a ser solicitadas para a ampliação da oferta de moradias, transformando-se, então, em bairros residenciais. A Vila Industrial, que até então abrigava as habitações proletárias, já não era suficiente. Antigos cafezais em cuja vizinhança estavam as ferrovias ou ao longo das novas rodovias, vão se transformando em bairros operários e até mesmo sedes das novas indústrias que chegam ou que vão se expandindo. Na sua grande maioria, aqui não se trata das vilas operárias anexadas ou bem próximas às fábricas e construídas pelo capital industrial para residência de seus empregados, através de aluguéis ou arrendamentos descontados na folha de pagamento, como pode se ver na cidade de São Paulo ou no Rio de Janeiro. A indústria parece não ter tido esse interesse ou mesmo necessidade de empreender este tipo de investimento em Campinas.

72 Apesar de os movimentos mais organizados estarem mesmo entre os operários da industria têxtil e os ferroviários, na década de 20, como mostra bem Cláudio Batalha e outros estudiosos do assunto, havia disposição clara do Estado e do patronato em tratar as ações reivindicatórias do movimento como atos criminais, processo que se acirra ao longo de toda a década em um processo de forte repressão. Esta situação acaba provocando desorganização geral dos trabalhadores culminando com a crise de 1929 e a grande queda de produção. Mas de qualquer forma chama a atenção do pesquisador o excesso de recato neste processo de reivindicações.

102 Ao chegarmos à década de 1920, o número de habitações na área urbana era de 6.104 moradias (6,8 pessoas por domicílio), dezesseis anos depois, o número de prédios residenciais dobra, o que demonstra que proporcionalmente ao crescimento populacional do mesmo período, a densidade de pessoas/habitação diminuiu. (Semeghini, 1996). A área urbana de Campinas, no inicio do século XX, era de 6.600 m² , chegando ao final dos primeiros trinta anos à 13.373 m² e até 1948, em 16.246 m². Verificamos, então, que nos primeiros trinta anos houve um movimento de incluir terras, mas não de ocupá-las. Quando no final dos anos 1930 foi implantada infra-estrutura adequada de esgoto, energia elétrica e, sobretudo, o abastecimento de água, a situação começava a favorecer tanto ao setor público como a empresas imobiliárias de capital particular, havendo então condições de movimentos em direção a ocupação sistemática desses territórios, observada até a metade do século. 73 Assim, como já se afirmou anteriormente, áreas consideradas arrabaldes começaram a ser solicitadas para esta ampliação e começam a se transformar em bairros residenciais. A Vila Industrial que até então abrigava as habitações proletárias, já não era suficiente. Antigos cafezais em cuja vizinhança estavam as ferrovias ou ao longo das novas rodovias, que vão se transformando em bairros operários e até mesmo sedes para as novas indústrias que chegam ou as que vão se expandindo. É importante notar sobre a expansão de Campinas no período de transição entre o café e a indústria, que a incorporação de novas áreas ao perímetro urbano teve lugar nos anos de 1900 a 1929, quando houve um aumento de quase 108% da área urbana. (Semeghini, 1996). Estas novas incorporações estavam ligadas às terras de fazendas de café que em franca decadência deixavam suas funções rurais e se transformavam em loteamentos, formando novos bairros. Levantamentos mais precisos sobre estas propriedades, cujas terras circundavam Campinas, poderiam ser bastante esclarecedores no que diz respeito à história das origens territoriais da cidade no século XX. Algumas regiões da cidade chamam a atenção como exemplos dessas integrações, como as Vilas Estanislau e as duas Vilas Cambuí, hoje incorporadas ao bairro do Cambuí, áreas urbanas bastante valorizadas do ponto de vista do mercado imobiliário e próximas a duas grandes e importante avenidas de Campinas. No final de 1930, pertenceram a

73 O Mapa da Repatição de Águas e Esgotos de 1916, já incorpora os arrabaldes da cidade e que seriam incorporados como vilas e bairros operários vinte anos mais tarde. (Ver Anexo III - 01)

103 Estanislau Ferreira Penteado e a Domício Pacheco e Silva, respectivamente, e as terras faziam parte de herança, pedaços de fazendas e que do ponto de vista do uso rural não tinham mais significado na época e do ponto de vista urbano, menos ainda. Seus proprietários estavam vinculados a tradicionais famílias da elite do café, e que assim como outras tantas, negociaram acordos com a municipalidade para lotearem esses terrenos, ficando isentos dos impostos municipais até que se concretizassem a venda dos lotes. Assim, resolviam suas questões econômicas e preparavam, mesmo não tendo esta clareza, a ocupação do solo urbano para uma futura política de habitação popular. Duas Resoluções municipais propiciaram esta movimentação de integração de terras no perímetro urbano, a de nº 606, de 1920, que já foi mencionada e a de nº 949, de 1930. A primeira beneficiava aos empresários que investiam nas indústrias e a segunda nos investimentos que visavam à abertura de arruamentos ou loteamentos populares. Apesar de decorridos dez anos entre as resoluções, nota-se aqui um claro esforço no sentido de estimular a atividade industrial e todas as demais que lhe são correlatas, incluindo-se a atividade imobiliária. Entre 1929 e 1934, essas novas áreas ainda eram ocupadas em boa parte por pequenas chácaras e sítios, produzindo frutas e hortaliças para o abastecimento da cidade, como foi o caso da região onde hoje está o bairro da Ponte Preta, Proença, por exemplo, ou se o solo não suportasse mais qualquer produção, ficavam abandonadas mesmo. O eixo ferroviário, que desde seu inicio, em 1872, com a inauguração da Paulista, servia de traçado para a fixação de indústrias e armazéns, aparece como um cinturão divisor entre terras que ao longo da história de expansão urbana acabam ganhando status de áreas nobres, transformando-se em preciosos, disputados e rendosos negócios do ponto de vista imobiliário. Mas de qualquer forma, era a oportunidade de se reciclar um patrimônio depreciado pela queda da economia rendosa do café. Entretanto, este processo de acomodação encerrou em sua história muita interferência e incentivo da administração pública local e externa para garantir o desenvolvimento dessas áreas no âmbito da dinâmica urbana, de modo que assim, esse movimento não teve como única decorrência salvar fazendeiros tradicionais da descapitalizacao. 74

74 No capitulo inicial verificamos como a medida que se desenvolvia o movimento industria na região de Campinas e

104 Além das linhas férreas, os córregos também se colocaram como pontos de referência dessas ocupações. Assim, os traçados ao longo dos córregos do Piçarrão, do Proença, e do Canal de Saneamento que fez a junção do córrego do Tanquinho e do Serafim nos trabalhos de saneamento do período da febre amarela (hoje o canal ao centro da Av. Orozimbo Maia), foram marcos naturais de planos que mais tarde, em 1934, recortaram a cidade no projeto de zoneamento. Ao longo desses córregos, terrenos na maioria das vezes alagadiços e cuja função era de receptáculo do esgoto urbano, surgiram vários desses loteamentos populares e industriais. É verdade que mais tarde o Código de Construções, de 1934, proibiria as construções em terrenos alagadiços, mesmo as populares, porém, a localização de diversas “vilas” estão marcadas pela proximidade desses pontos geográficos, mesmo depois da promulgação do Código.

Conforme os Relatórios anuais dos trabalhos da prefeitura no ano de 1926, a Repartição de Obras verifica, de fato, um crescimento significativo de construções na cidade e que considerou como um recorde da década. O responsável pela Repartição era o engenheiro Perseu Leite de Barros que chama a atenção para um fato animador de seu ponto de vista, pois a partir do meio do ano o movimento de construções de casas econômicas havia se acentuado sobretudo na “periferia da zona urbana”. (Relatório, 1927)

Para o engenheiro parecia um fato notável pois a preocupação com as aglomerações eram pontos chaves da administração, mas por outro lado logo vai ficar aparente o significado dessas novas construções em locais distantes do núcleo mais central e o descontrole que viria demonstrar as questões municipais.

Os locais considerados por Leite de Barros como periferia e arrabaldes e que estavam valendo se da Lei nº 379 de 1925, que permitiu construções de casas operarias de ½ tijolo eram: Jardim Chapadão, Vila Nova, Vila S. Bernardo, Cambuí, Estrada da Roseira e Palheiro. (Relatório, 1927). Estes foram os embriões dos núcleos que se estabeleceram como as vilas operárias na década de 1930, dado importante para se considerar o avanço da indústria no município e o fato da população já estar se fixando ou mesmo o fato de que os

especialmente nas áreas urbanas, esse perímetro chegou a se triplicar em poucos anos. Com isto até as pequenas chácaras ao redor das ferrovias vão diminuindo e núcleos foram se formando e até a década de 1950, novos municípios nasceram. (Semeghine, 1991)

105 investimentos se tornavam promissores e se consolidavam. 75

Por outro lado, esse crescimento veloz e sem previsão ou gerenciamento adequado da administração pública foi acumulando, mais uma vez, um conjunto de problemas na estrutura urbana. Efetivamente, a passagem do rural para o urbano estava transformando a cidade: observemos que quando a Câmara, através da Resolução nº 927, de 1929, concede auxílio para que uma comissão organizasse o “Álbum de Propaganda de Campinas” publicado em 1930, a população do município chegava a 160 000 habitantes, sendo que a área urbana continha 13 000 prédios, 133 ruas e 16 praças. 76

A Planta Cadastral de Jorge de Macedo Vieira demonstrou o crescimento urbano que Leite de Barros vinha apontando em seus relatórios e revelou alguns problemas de base, no sentido das dificuldades que a administração vinha apresentando para controlar e fiscalizar a qualidade da cidade. Os levantamentos compactuaram com as queixas do aumento desordenado e mais ainda, a numeração dos edifícios não apresentava padrão capaz de enfrentar uma contagem adequada ou mesmo fiscalização ou implementação de benefícios públicos. 77 Realmente, para se ter uma idéia mais precisa das complexidades na estruturação urbana provocadas pela inserção de trilhos e ramais que circundavam a área de Campinas, seria proveitoso examinar o mapa do município em 1929, e em seguida o roteiro das linhas no perímetro urbano e sua influência na formação dos traçados e o desdobramento dessa localização férrea na implantação de arruamentos que deram origem aos bairros da cidade. Conforme são analisados os pedidos de arruamentos e de construções pode-se estabelecer certos padrões, os arruamentos ou subdivisões de lotes para habitação popular são, na sua ampla maioria, pedidos de empresas ou famílias que estavam retalhando antigas terras de fazendas. Mais tarde quando os lotes foram vendidos, as solicitações para construções, não necessariamente eram de empresas mas sim, na sua grande maioria de

75 Para melhor acompanhamento da formação dos espaços incorporados pelas vilas da década de 1930, apresentamos o mapa de 1926 onde vêm apontados pela Repartição de Águas e Esgotos os novos arrabaldes, PMC – SEMPLA ESMAJC. (Anexo III – 02) 76 A Comissão era composta pelos campineiros, Cleso de Castro Mendes e Álvaro Paes. O álbum continha 80 clichês de vistas de ruas, propagandas e textos enaltecendo alguns cidadãos e algumas atividades. 77 “Reprodução de planta antiga de Campinas” – assim se denomina o mapa que foi base para Jorge de Macedo Vieira riscar sua proposta de reemplacamento de 1929, já apontado o novo perímetro. Em Oficio n. 39 de 15 de fevereiro de 1929, no Processo de Lei n. 447. Arquivo Municipal de Campinas (Anexo III – 03)

106 indivíduos. Assim grupos como os Rossi&Borghi, Companhia MacHardy Manufatureira e Importadora, Nogueira&Barros, Imobiliária Campineira, ou antigas famílias da região como os Pacheco e Silva, os Odescalchi, os Garneiro, os Ferreira de Camargo, os Penteados e varias outras famílias e empresas. 78 Entre 1926 e 1927, diante deste relativo avanço no crescimento de construções distante do núcleo central, nota-se que passa a ser incentivado pela municipalidade um movimento de organização, sobretudo das áreas consideradas como arrabaldes. Pelo conteúdo e detalhes inseridos nessa legislação se apreende que o interesse voltado à questão imobiliária começava a crescer também. Porém, esta desorganização no uso do espaço construtivo, especialmente as áreas ocupadas com edificações residenciais, conforme relatórios dos trabalhos e reivindicações da administração municipal, principiava também a causar prejuízos à prefeitura. Este estado de movimentos favoráveis ao avanço e paralelamente um recuo da administração municipal, mesmo que pudesse representar uma forma de governo, para a cidade significava um retrocesso, um sinal de descontrole. A Lei nº 379, de 1926, integrou-se neste estado de avanço, pois além de favorecer a construção popular, organizava o território urbano. Estipulava a divisão da cidade em zonas para efeitos de lançamentos de impostos prediais, que seriam apontados por metros lineares. Esta metodologia, como vimos anteriormente, revelou nova dificuldade quanto à numeração dos edifícios, não havia cadastros confiáveis para se lançar impostos. A lei dividia o espaço urbano em quatro zonas: a primeira zona, a central, considerava de maneira geral a região fronteiriça à Estação Ferroviária da Companhia Paulista até as ruas Francisco Glicério, seguindo nas laterais, por um lado, a Ferreira Penteado, e pelo outro, a Benjamin Constant; a segunda zona abrangia a região hoje ocupada pelo centro expandido, os bairros do Botafogo, parte do Cambuí, parte do Bosque dos Jequitibás e Vila Industrial; a terceira se distanciava mais, incorporando bairros como a Ponte Preta encontrando-se no final da estrada para São Paulo e Itu com a Vila Industrial, seguindo para o Bonfim e Guanabara. Finalmente, a quarta zona era a transição entre o rural e o urbano, acompanhando as linhas férreas ao saírem da cidade, o início das estradas e os

78 Nos Decretos de autorização de arruamento ou loteamento, estão registrados os proprietários solicitantes e quando a iniciativa estava vinculada a empreendimento popular, a partir de 1925 era isento de imposto. Hoje a maioria destes Decretos se encontram a disposição de consulta “on line” pela Prefeitura Municipal de Campinas.

107 córregos que circundavam o perímetro urbano. 79 Apesar de Vieira de Macedo ao dar inicio à sua planta de cadastramento em 1929, já ter alertado para o fato de que a numeração de emplacamento das construções contidas nas diversas zonas, não terem seqüência e portanto impraticável como controle de serviços ou impostos, a nova legislação foi um avanço no sentido de se pensar propostas de racionalização do uso e ocupação do solo urbano para o futuro. Vários loteamentos que mais tarde foram ocupados por vilas operárias tiveram seu nascedouro a partir desta lei. Foi possível notar no levantamento da documentação sobre os loteamentos, que os encaminhamentos e apreciações dos projetos propostos estiveram debaixo da orientação da legislação de zoneamento e da lei de isenção. Os dois objetos tinham como preocupação maior, o orçamento municipal. Este foi o caso da implantação de uma pequena vila operaria em gleba de terra situada no bairro da Ponte Preta e que fazia divisa com a linha da Companhia Paulista de Estrada de Ferro e com a rua Barão de Jaguara. O pedido de aprovação do plano de arruamento desta gleba que pertencia a Ernesto Frey, constituiu um modelo exemplar de implantação de loteamento para futuras vilas operárias. 80 Efetivamente, a solicitação para a construção dessa vila tem início no final de 1926, com o pedido do proprietário para dividir alguns de seus terrenos em lotes e sua justificativa para tal pedido que fosse considerada uma série de questões. Em primeiro lugar, dizia que seu objetivo era concorrer para o engrandecimento da já próspera localidade, seu projeto acompanhava as requisições das leis municipais e considerava também as vantagens da abertura das ruas em relação às necessidades viárias do bairro. Os lotes seriam para abrigar moradias populares, motivo que o proprietário considerava, iria facilitar a venda das terras. É interessante observar que o proprietário estabelece um procurador e conforme a documentação constante no processo gerado pelo ofício inicial, era conduzido por uma firma, Toledo Magnani & Cia. Esses comerciantes, eram encarregados de providenciar a aprovação do plano e as vendas dos terrenos. Observamos neste caso um outro tipo de representação, procuradores comerciantes, o que pode nos levar a considerar que

79 O mapa inserido no Anexo III – 03, já aparecem os traçados referentes ao limites deste zoneamento de 1929. 80 Oficio n. 418 de 27 de dezembro de 1926, Câmara Municipal de Campinas – Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 04)

108 realmente a construção de casas operárias, estaria se tornando um bom negocio, fazendo jus a um tratamento mais empresarial. Perseu Leite de Barros, mais tarde prefeito e que era chefe nestes anos da Repartição de Águas e Esgotos, manifestou-se favoravelmente à proposta considerando a localização dos terrenos. As ruas todas eram de interesse local, não havendo previsão futura para se estabelecer nenhuma via de comunicação de importância. O fato do arruamento estar entre as linhas férreas da Companhia Paulista e o prolongamento da rua Barão de Jaguara, que eram escoadores obrigatórios do trânsito, facilitavam a aceitação do projeto. A área da gleba pretendida para a planificação tinha quase 24.000 m2 dos quais 17% seriam destinados à ruas e praças, o que na época era razoável para a prefeitura. A repartição que fazia a análise do projeto fez algumas exigências, as quais deveriam constar obrigatoriamente nas escrituras de venda dos lotes. Essas exigências foram que, a área coberta de construção não excedesse a metade do lote e que em cada um destes só tivesse uma edificação; em se tratando de prédios isolados e térreos, deveriam se afastados dois metros das divisas laterais e três quando houvesse mais de um pavimento; determinava algumas ruas para serem exclusivamente residenciais e nestas, a fachada principal deveria ter recuo de quatro metros do alinhamento da calçada. A terraplanagem do arruamento deveria ser por conta do proprietário e a prefeitura só aprovaria construções quando esta estivesse pronta, assim como os melhoramentos de ligações de água e esgotos. Com todos os itens acertados e como já havia precedentes anteriores também foi sugerido por Perseu L. de Barros que se isentasse o requerente de impostos de viação por cinco anos, mas que para tanto o mesmo se comprometesse com a conservação das ruas e demais serviços. O responsável pelo desenho da planta esclarecia que sua proposta teve como critério de projeto o fato de que por sua localização, o destino dos terrenos estariam voltados para o uso de bairro operário. Diante deste fato e por não ser possível um desenvolvimento para o leste por conta das linhas férreas, as ruas estavam projetadas em direção à Barão de Jaguara e sua última travessa, com prolongamentos em direção às linhas cujo limite seria uma praça. Também justificava ter abandonado o usual traçado xadrez para evitar o excesso de rampas, propondo então uma nova forma de desenho, com curvas e retas na

109 diagonal, terminando em pequenas praças. Esta proposta de traçado fica clara na planta dos terrenos e conforme a Companhia responsável, a organização ficaria de tal forma harmônica que o padrão poderia ser seguido pelos proprietários limítrofes. E de fato, esta forma proposta foi seguida por vários projetos de loteamentos na época. As ruas teriam largura de dez metros, já que eram apenas de interesse local, e os lotes, conforme exigia a Repartição de Obras e Viação, teriam no mínimo oito metros de frente e vinte e cinco metros de fundos. O plano proposto para a gleba de Ernesto Frey foi aprovado em 1927, no mesmo ano em que a repartição de Águas e Esgotos apresentou e também conseguiu aprovação da Câmara de uma legislação bastante importante e que continha em seu texto, requisitos de implantação e construção, bastante semelhantes ao projeto de Ernesto Frey. As Leis nº 400 e nº 401, de 1927, responsáveis pelas primeiras tentativas de sistematizar os loteamentos ou arruamentos que surgiam em um bom número e também as novas construções, tiveram por apoio as orientações expedidas pelas Repartições de Obras e de Águas e Esgotos. Esta legislação também foi base de futuras leis que planificaram o uso do solo e as construções da cidade, já na década de 1930. A Lei nº 400 elaborada pelos encarregados dos serviços de Águas e Esgotos, vieram na verdade, completar as inúmeras orientações implantadas por Saturnino de Brito no final do século XIX. O texto da lei era extenso, detalhista e compreendia desde questões de instalações, limpezas, preservações e fiscalização, assim como orientações para construções de edificações de material a desenho de planta. Também discorria sobre impostos e taxas de fornecimento de água e distribuição de esgoto. A Lei de nº 401 se restringia mais em função de orientações às construções, reformas e reconstruções e áreas demolidas, porém, não se aprofundava, regulamentava os recuos, as caídas de água, a volumetria de edificações e as categorias de habitação. De qualquer forma, foi um ensaio ao Código de Construções de 1934. Ao diversos pedidos de aprovação de plantas seguiram as duas leis, apesar de a legislação estar bem perto dos padrões que viriam a ser estabelecidos para analise de projetos de casas populares ou operarias, ainda deixavam muitas brechas para os pareceres dos técnicos municipais. Isto dificultou a padronização das construções, resultando no encarecimento das obras e por decorrência a impossibilidade de maior numero de

110 edificações deste caráter, ou pior ainda, na clandestinidade das moradias. Mesmo assim, em diversos casos, sobretudo nos arruamentos populares dentro das zonas três e quatro, foi crescendo o numero de habitações. Em solicitações de arruamentos entre 1928 a 1932 vai ponteando na planta da cidade um traçado padrão aos projetos das áreas que mais tarde, se tornaram bairros populares formados por diversas vilas operárias. Assim, temos em 1928, no bairro da Roseira, próximo à Estrada de Ferro da Sorocabana e da estrada de rodagem Roseira, hoje a Av. John Boyd Dunlop, já no limite da zona quatro, o pedido de aprovação da planta da Vila Teixeira, no bairro da Roseira, de propriedade de Manoel José Teixeira. A planta foi desenhada pelo projetista W. F. Santos, cujo estabelecimento achava-se à rua Dr. Quirino. Foi requisitado para a aprovação uma planta de curva de nível, perfis das ruas, as indicações dos limites e seus proprietários e uma planta geral de situação onde estivessem indicados os arruamentos já existentes. 81 O formato da planta do perímetro urbano, conforme reclamações constantes de Roberto Bergallo, engenheiro da prefeitura municipal, seguia se delineando sem muita disciplina, mesmo diante da Lei nº 400, de 1927, os arrabaldes iam se povoando e a administração pública sem possibilidades de controle dessa ocupação não conseguia manter uma infra-estrutura adequada. De qualquer modo, parece manifesta a possibilidade de isenção de impostos em terras quase que perdidas nestes arrabaldes, na periferia da cidade, se a justificativa fosse a moradia popular, o que contribuiu para a formação de uma malha urbana esparsa e descontinuada, cujos custos de controle, fiscalização e manutenção eram deveras elevados para o poder público municipal. Esta possibilidade de incorporação imobiliária cujo custo era bem mais baixo que o lucro, referendava as solicitações de loteamento de glebas ao redor das linhas férreas e córregos alagadiços que circundavam as zonas três e quatro do perímetro urbano. Assim, quando Diego Molina, proprietário de cerca de 19.000 m2 de terras na região da Vila Industrial, nas baixadas do córrego do Piçarrão encaminha para aprovação o plano de arruamento desta área, suas considerações foram o benefício que tal projeto iria trazer para terrenos que só poderiam ser adquiridos por pessoas de “poucos haveres” e que um

81 Planta da Vila Teixeira, Bairro da Roseira – Protocolo 21860 / 1928. Arruamento na Zona 4. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 05)

111 loteamento proporcionaria incentivo ao desenvolvimento do bairro. O proprietário enfatiza, ainda, que pela sua localização em relação aos terrenos vizinhos que o cercavam, sua destinação seria uma vila operária. O traçado proposto se assemelhava aos bairros vizinhos, em que alguns terrenos teriam que ser cortados para a possibilidade de saída do novo loteamento, mas, de acordo com Molina, todos concordaram pelos benefícios que o empreendimento proporcionava. Um de seus vizinhos, os Rossi & Borghi inclusive já tinham vários loteamentos de caráter popular na cidade. Outro vizinho, Henrique Leite tratou de mandar elaborar projeto para sua gleba e encaminhar pedido de aprovação à municipalidade. O projeto de Diego Molina é particularmente interessante porque prevê a canalização de córregos, em especial o Piçarrão, antecipando uma projeção de rua com vinte metros de largura e que cortaria vários terrenos, mas como ele mesmo justificou, com benefícios para todos. Ainda em 1930, sem regulamentação adequada, procede-se ao retalhamento das quadras em lotes com as dimensões propostas, pois assim poderiam ser vendidas de acordo com as possibilidades de compra que a localização , o proponente ficaria obrigado a manter as frentes com no mínimo oito metros e fundos de vinte e cinco metros. O escoamento de água ainda não projetado teria um sistema natural porque todos os terrenos convergiam para o córrego. A administração pública aceitou as justificativas e o projeto da Vila São Diego. 82 As solicitações de abertura de loteamentos populares prosseguiam em grande número e apesar das limitações da legislação em relação às diretrizes para este tipo de implantação, não havia ainda, sido estabelecido um padrão, para que os projetos pudessem ser analisados de forma homogênea e não houvesse possibilidade de se depender de pareceres que poderiam apresentar visões diversas quanto as propostas. Em 1931 as repartições de Obras e Viação e de Águas e Esgotos já exigiam um pouco mais dos projetos, pois o requerente da Vila Dona Nair, no bairro da Ponte Preta, viu- se obrigado a refazer vários itens para que seu plano de divisão de lotes fosse aprovado. Eram cinco quadras e todas deveriam ser estritamente residenciais, deveriam, ainda, obedecer aos recuos de fachada e laterais, manter uma habitação por lote, instalar os marcos de concreto com as divisas de lotes, fazer algumas modificações quanto ao declive, para que o escoamento de água fosse natural, e manter a metragem necessária para as

82 Planta da Vila São Diego – próxima ao Córrego do Piçarrão - Vila Industrial - Oficio de 22 de outubro de 1930 – Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 06)

112 vielas sanitárias quando o escoamento natural fosse inviável. Por fim, o projeto se beneficiaria da isenção de imposto caso fosse mantida a limpeza pelo proprietário e todos os itens relativos aos benefícios do loteamento fossem cumpridos. 83 A solicitação de aprovação de plano de arruamento e divisão de lotes de Arthur e Emy Odescalchi, em gleba de sua propriedade no bairro da Ponte Preta, em 1932, foi em um momento de transição para a história da cidade. O pedido de aprovação seguiu para o Conselho Consultivo e não mais para a Câmara, era uma mudança política de relevância, o período Vargas começava a se manifestar e essa alteração gerou impactos significativos na estrutura da administração pública. Também foi necessário cadastrar a planta com os lotes e indicações técnicas na prefeitura, o trabalho encomendado a Vieira de Macedo estava pronto, portanto, era possível um acompanhamento melhor da evolução da ocupação do solo urbano e, sobretudo, as construções quando cadastradas iam ganhando numeração de forma ordenada. A família Odescalchi loteou diversas glebas de terra, tanto na Vila Industrial como no Bonfim e Ponte Preta. 84 As vilas a partir da década de 1930 e que de fato se inseriram nos bairros, surgem conforme vêm se demonstrando, realmente a partir de loteamentos de glebas de terras em distancia de até, cerca de quatro quilômetros da área central da cidade, em antigas fazendas ou chácaras e córregos que circundavam o perímetro urbano. É significativo o volume das solicitações e projetos no Arquivo Municipal da cidade, tanto em relação a divisões de glebas quanto aos arruamentos de lotes para implantação desses empreendimentos. A partir do final dos anos 1920 diante dos incentivos para este tipo de empreendimentos, as solicitações das divisões de lotes cuja regulamentação municipal permite vai crescendo, pois a perspectiva de benefícios de instalação de infra-estrutura básica e o estimulo aos loteamentos de áreas residenciais populares, impelem os investimentos de empresas e proprietários particulares. Apesar de haver criticas dos engenheiros municipais em relação a estes projetos, havia apoio da administração pública. Esta ocupação do espaço urbano para a construção de casas populares para trabalhadores e operários, conforme pudemos observar, apareceu ainda na década de 1920,

83 Plantas de divisão de lotes da vila Dona Nair, Bairro da Ponte Preta. Protocolo n. 1420 de 13 de abril de 1931. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 07) 84 Planta da Vila Emy, Bairro da Ponte Preta. Protocolo n. 4913 de 11 de abril de 1932. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 8)

113 porém, de maneira desordenada, sem qualquer planejamento que norteasse seu avanço. Se por um lado sentia-se uma tentativa de organização através de legislação especifica para os arruamentos, não era possível dizer o mesmo em relação à inserção no perímetro urbano. Não foi possível notar até a década de 30, planejamento claro para estes loteamentos. De fato, o que se divisa por detrás desse processo de incremento na oferta de moradias populares é realmente uma movimentação de mercado que se beneficia da ampliação do perímetro urbano, muito mais do que o delineamento de políticas públicas para resolver uma situação de moradia econômica. O problema de moradia popular era sério e a não ser as constantes reclamações dos encarregados das Repartições de Obras e Viação e de Águas e Esgotos não se via nenhuma atitude concreta por parte da municipalidade para minorar a situação. No relatório anual da prefeitura, de 1927, o engenheiro Roberto Bergallo, alerta sobre o rápido desenvolvimento da cidade e que sua expansão para bairros afastados e além das extremidades das redes de águas e esgotos existentes estavam merecendo medidas urgentes em relação ao abastecimento. O engenheiro cita os bairros do Bonfim, Vila Industrial, Ponte Preta, Chapadão e Parque Industrial como áreas onde já havia um número significativo de construções sem infra-estrutura básica necessária, que era, contudo, reivindicada constantemente por seus moradores. (Relatório, 1928) De toda forma este quadro era parte da idéia de crescimento formulado pela municipalidade de Campinas, onde a evolução das ferramentas administrativas públicas não acompanhou as necessidades coletivas. Aliás, o engenheiro Bergallo em seu relatório menciona que alguns dos prédios construídos nas áreas que discute, tem rendas que compensariam e justificariam as obras. Neste mesmo ano o prefeito, Orosimbo Maia, ao registrar a importância da lei nº 394 / 1927, que fixa impostos para a pavimentação das vias públicas, aponta que os trabalhos serão realizados nos locais onde o pagamento tivesse sido adiantado pelos proprietários. Esta medida ressalta a visão de que, a administração deveria atender o segmento financiador e não a coletividade em geral. (Relatório, 1928) Mas o certo é que sempre ficava demonstrado, uma preocupação da municipalidade com a necessidade de melhoramentos na área urbana; Orosimbo Maia, Carlos W. Stevenson, Pedro Anderson, Perseu Leite de Barros, os engenheiros da Repartição de Obras e muitas outras figuras ilustres da cidade tanto ligadas à municipalidade quanto com a

114 iniciativa privada vinham indicando esta já obrigação inadiável. Concomitantemente, na instância do governo federal, a questão social tinha sido plataforma de campanha de Vargas e objeto de seu discurso de posse à frente do Governo Provisório e de providências imediatas de seu governo. O fato é que desde 1931 já havia começado, como vimos, uma série de medidas que foram modificando a atuação da administração municipal de forma efetiva. É também um momento de modificações na estrutura do país. Assim, mesmo que o estado de São Paulo tenha relutado em acatar em profundidade as novas orientações provocadas por Vargas, o processo avançou e como proposto, refletiu até as administrações locais e já a partir de 1934 é indiscutível a presença e interferência federal nas questões municipais. Sabemos também que entre os paulistas se destacaram neste descontentamento, com muita ênfase, os campineiros. Porém, a reforma administrativa recomendada nas décadas de 1930/40 chegou à Campinas. Quatro anos depois do início da primeira etapa da reforma administrativa federal, a municipalidade foi capaz de potencializar um saber acumulado e através das novas ferramentas legais instituídas dinamiza e normatiza a ocupação do solo urbano. A aprovação do Código de Construções reuniu as regulamentações que já vinham sendo aplicadas nas construções da área urbana, mas que não tinham força de lei, com exceção da legislação do serviço de águas e esgotos. Enfim, deu homogeneidade e padronizou a ocupação do solo. Mesmo assim, só depois de 1936, quando a adução de águas do rio Atibaia possibilitou a distribuição de água em todos os bairros da cidade é que realmente o Código pôde ter ação completa, já que de acordo com esta nova legislação caso não houvesse garantia no abastecimento de água não seria possível novo empreendimento. 85 Esse instrumento legal regulamentou também as construções econômicas e investimentos em áreas possivelmente ocupadas por bairros populares, mas só nos quatro anos seguintes tiveram real efetividade, quando houve a implementação de leis e decretos complementares à política de habitação popular. Nos Decretos e Leis municipais encontramos 119 registros de arruamentos para a implantação de casas com característica popular, pela subdivisão de lotes, metragem e tipo de arruamento, sendo que a partir de 1940 a identificação também foi possível pelos padrões

85 Código de Construções – Decreto n. 76 / 1934

115 de construção. Deste levantamento, pelo menos oitenta vilas se tornaram bairros com habitações proletárias, muitos ainda hoje conservam o mesmo tipo de arruamento com as construções intactas. O mapa da cidade aponta algumas destas vilas já inseridas em bairros, cuja história, esteve mesclada ao desenvolvimento da indústria campineira. (Ribeiro, 2000) 86 Os planos de arruamentos nos arrabaldes foram se consolidando, mesmo com todas as falhas que demonstravam seguidamente, sobretudo os engenheiros da repartição de Águas e Esgotos. Porem, diante de uma reordenação das forças políticas, no governo Vargas, começa também a sentir-se os reflexos dessa movimentação nas intervenções urbanas da cidade. Lentamente, como vimos no capitulo anterior, diante dos novos encaminhamentos de governo, surgem perspectivas para efetivas medidas e que resultariam em uma política de habitação popular. Neste momento vamos perceber que os antigos arruamentos passam a ter uma função urbana efetiva de poder abrigar a população de trabalhadores na industria. A questão de loteamentos populares passou a estar vinculada com outras áreas essenciais para sua viabilização. As instituições previdenciárias associadas aos sindicatos, possibilitaram que o trabalhador visse como uma possível perspectiva a compra da casa própria. Quando foi discutida a reforma administrativa do governo Vargas, adiantamos este novo quadro. Em 1934 já havia sido instituída mais de cento e setenta instituições de aposentadoria e pensões e que se encontravam em pleno funcionamento, com 274.392 segurados ativos, 12.743 aposentados e 13.799 pensionistas por todo o país. (FGV, 1950). Se esses números eram generalizados pelo país apreende-se a importância das instituições previdenciárias e seu incentivo na vida do trabalhador. Apesar de não entrarmos no mérito da efetividade dessas atuações institucionais junto ao trabalhador, o destaque fica em relação à organização pretendida das partes, governo, empregador e empregado e o papel de incentivo à previdência, e em especial o incentivo à aquisição da moradia. A população operária que crescia velozmente em regiões industriais, como a cidade de Campinas, foi compelida a buscar meios de uma mínima organização com vistas à segurança futura; neste sentido, os contratos de compra da casa própria eram bastante

86 A Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural de Campinas, PMC, organizou através de levantamento da autora, um mapa onde foram apontadas vilas cujo processo de instalação demonstrou a inserção nos bairros da cidade. Desenhista Geraldo Tavares, 2006. (Anexo III – 09)

116 almejados. Do ponto de vista do mercado imobiliário também foram prosperando as possibilidades à medida que incentivos fiscais mais realistas, como aqueles oferecidos pela Lei nº 497, de 16 de dezembro de 1936, traziam novo respaldo para o negócio da habitação popular. (Decretos e Leis, 1936) Portanto, a configuração de cidade industrial foi tomando forma, sobretudo através da inserção desses núcleos habitacionais. A localização tradicional de operários em Campinas desde o século XIX era a Vila Industrial, inserida entre as linhas férreas da Companhia Paulista e o córrego do Piçarrão, bem na entrada da estrada de rodagem de Itu e São Paulo. Nesta área da cidade encontramos solicitações de planos de arruamentos populares, como já pudemos verificar, assim como muitos pedidos para construção de habitações cujos projetos apresentam características econômicas. Somando-se às estas moradias populares que adensavam o tradicional bairro operário, podemos incluir como exemplos já tardios as vilas Dias e Ângela, cuja implantação data dos anos de 1940 e ainda na década seguinte pode-se notar pedido de intervenção no arruamento da Dias. 87 Subindo o espigão em direção ao Cemitério da Saudade, tendo na baixada ainda o córrego do Piçarrão, encontramos em formação dois futuros bairros cuja ocupação também esteve ligada ao desenvolvimento industrial: a Ponte Preta e a Vila Marieta. Foram regiões de chácaras e arrabaldes com moradias na transição do rural para o urbano. A Vila Marieta, na baixada do córrego, foi inserida ao perímetro urbano no Projeto Cadastral de Vieira de Macedo, em 1929, mas sua ocupação mais efetiva foi feita pela Imobiliária Campineira Limitada, em 1936, através do Decreto nº 76. Quando incluída em 1929, a justificativa de Vieira versou sobre o fato desta região ter encampado muitas residências, comércio e toda uma vida cotidiana urbana sem nenhum controle da municipalidade. A ocupação do solo foi mesmo organizada e cadastrada em 1936, as construções foram sempre dentro dos padrões populares e construídas por empresários ou por iniciativa de trabalhadores, a partir do espectro de incentivos que passaram a existir a partir de 1930. É bom observar que não foi possível encontrar nos levantamentos que efetuamos, nenhuma documentação relativa a plantas do loteamento da Vila Marieta, apesar de ter sido

87 Plantas das Vilas dias e Ângela, no bairro da Vila Industrial, 1943. Plantas soltas de 27 de abril de 1948 (data de arquivamento). Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 10)

117 organizado por uma companhia imobiliária. Não tivemos acesso aos documentos desta imobiliária e acreditamos que ainda seja possível encontrar em futuros levantamentos no próprio Arquivo Municipal de Campinas. O que vimos nesta região consistiram em subdivisões de lotes para construção de uma, duas ou até grupos de casas operarias, fato que confirma sua designação de bairro popular. É importante observar também, que esses lotes não eram mais da Imobiliária, mas de proprietários particulares, portanto também demonstrando a movimentação de mercado neste segmento. O levantamento mostrou, e vamos verificar em um conjunto de moradias populares, cujo a planta de 1940 exemplar deste bairro, ainda hoje e possível encontrar muitas habitações deste período e ainda com a mesma aparência de sua construção. O bairro da Ponte Preta que corre ao lado da linha férrea da Paulista tem em seus limites a Vila Industrial, a Vila Marieta e o Proença, bairro mesclado de pequenas moradias operárias e de residências maiores para uma população mais abastada. Nessa região predominaram as fábricas de tecidos, de modo que a construção econômica foi bastante intensa. Projetos de arruamentos e construções se estenderam até a década de 1950, sendo que numa das maiores vilas projetadas, na Vila São Paulo, foi planejada a construção de duzentas casas operárias em 1942. 88 Aprovadas entre 1940 e 47, as Vilas Meirelles e Elza, ao lado dos trilhos, são vizinhas e têm a Av. Ângelo Simões a dividi-las, no ponto mais alto do espigão, a primeira composta de cinqüenta casas e a segunda com setenta, todas com a mesma fachada e com o padrão econômico e mínimo, conforme os termos da legislação em vigor. 89 A localização destas vilas, na Ponte Preta, leva-nos a considerar que pelo menos nesse período a intenção era privilegiar as fábricas de tecidos, já que essas vilas estão na área da rua Oscar Leite, Vitoriano dos Anjos, General Carneiro e trilhos da Companhia Paulista, onde estas industrias se concentraram. Do outro lado da cidade, a região da Estrada de Ferro da Companhia Mogiana e da Estrada de Ferro Sorocabana, também estava sendo povoada por núcleos operários. Entre os bairros do Bonfim, Botafogo e Guanabara, região de antigas fazendas de café, as glebas

88 Planta de arruamento e divisão de lotes da Vila São Paulo, Decreto n. 25/ 1942. Planta solta, 1942. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 11) 89 Planta de divisão de lotes e arruamento das Vilas Meirelles (Decreto n. 82 / 1940) e Elza (Decreto n. 184 /1947), no bairro da Ponte Preta. 1947. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 12)

118 foram se dividindo e os planos de arruamentos mais uma vez carrearam consigo os loteamentos populares. Neste espaço já havia o bairro do Bonfim que abrigava fundições desde o século XIX e continuou com sua vocação fabril. Quando as fazendas foram se transformando em arruamentos populares, um dos maiores proprietários da área foram os Rossi & Borghi, aliás, como vimos, não era apenas nesta região que esse grupo mantinha negócios deste padrão, vamos encontrá-los também na Vila Industrial, no Cambuí e na Vila Nova e em varias regiões da cidade. Efetivamente, esse volume de empreendimentos nas mãos de alguns grupos era possível no contexto da política de estímulo à construção de casas populares da seguinte forma: a propriedade do terreno a lotear e o investimento para construir poderia ser de um só proprietário ou de vários. Até a venda do imóvel poderia acontecer através de um grupo, mas depois de edificada, conforme a legislação de 1940, poderia ter só um proprietário, impedindo com isto a reversão dos objetivos da política de casas populares. 90 A partir da regulamentação do Código de Obras, em 1934, e demais complementações que seguiram, o número de casas com o padrão popular ou operário cresceu de maneira significativa, a tal ponto que durante uma reunião da Comissão de Urbanismo, um dos membros ao apresentar parecer sobre a construção de uma casa de padrão popular na rua Cesário Motta, sugere que o Código devia ser modificado em seus artigos 349 e 350, para que fosse substituída a expressão “ajuízo da prefeitura”, no que concernia autorização para plantas deste tipo de edificação, para “nos bairros operários”. A Comissão não só aprovou como também acrescentou a emenda para que ficasse estabelecido que, a autorização para a subdivisão de lotes só se referisse aos bairros operários. A justificativa dos membros é que tal padrão de construção interferia com a estética de edificações de maior porte e poder aquisitivo; além disto, consideravam difícil o controle da qualidade das construções nessas condições, uma vez que as edificações populares estavam se disseminando por toda a cidade. 91 Depois de estabelecidos algumas exigências pela Lei n. 498 /1936, precursora da legislação que padroniza as construções populares, as plantas designadas para estes loteamentos, passam a ter características similares quanto a sua edificação. Podemos identificar em quase uma centena dessa documentação esta particularidade. Como

90 Decreto-lei n. 82 de 26 de dezembro de 1940 91 Parecer de Manoel Galvão, na Atas da Comissão de Urbanismo em 20 de dezembro de 1935.

119 exemplares da Vila das Sedas em 1938 e na Vila Marieta em 1940, com cômodos de no mínimo oito metros quadrados ou até dez metros quadrados, com banheiro, chuveiro,cozinha e tanque coberto. Pé direito reduzido, paredes com meio tijolo, podendo ser o telhado sem forro. 92 Porém, mesmo com as ressalvas da Comissão, os projetos de loteamentos e construção de casas de padrão popular ou operária foram aumentando. Na região do Cambuí, hoje bairro nobre da cidade, na baixada junto ao córrego do Proença e do Canal de Saneamento, região de brejo, apesar das restrições legais aos loteamentos nessas áreas, estes se multiplicaram. 93 Em 1930, através do Decreto Municipal nº 470, antes mesmo de estabelecido o Código de Construções, a municipalidade autorizou Manoel José a projetar um arruamento, e conforme registrado no texto, este seria exclusivamente residencial e com construções populares, com o recuo obrigatório de quatro metros; o texto ainda mencionava que o empreendimento estaria isento de imposto enquanto pertencesse ao proprietário já referido. Na década de 1940, Domício Pacheco e Silva apresentou dois projetos de loteamentos residenciais para construções populares, as Vilas Cambuí I e II, e o decreto de autorização já estava vinculado ao decreto – lei nº 82, de 1940. Essa legislação estava bem mais avançada e permitia dois tipos básicos habitações, as do tipo mínimo e econômico, com possibilidade de três padrões: o tipo A, com um quarto e uma sala; o tipo B, com dois quartos e uma sala; o tipo C, com três quartos e uma sala. Havia, ainda, as habitações proletárias do tipo econômico com um só pavimento e com no máximo sessenta metros quadrados. Nos pareceres dos engenheiros municipais, a partir de 1939, quando apesar de tantos incentivos os cortiços estavam em franco crescimento e a administração pública com grandes problemas em relação a esta situação, começamos a notar indeferimento em relação a determinados projetos. Esse procedimento era adotado geralmente quando nos lotes já havia alguma construção, mesmo que houvesse intenção de demolição. Pelo menos dois casos podem apontar para esta situação, o primeiro relativo a um pedido na região onde hoje é o bairro do Cambuí, na Vila Aveniente, e o outro na Vila Nova, em um núcleo que

92 Plantas de construção popular na Vilas da Sedas e Vila Marieta. Plantas soltas dos anos de 1938 e 1940. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 13) 93 O córrego do Proença e o Canal de Saneamento são hoje as avenidas Norte – Sul e Princesa D’Oeste.

120 circundava os trilhos da Funilense e a Estrada de Ferro Sorocabana, nas imediações da Fazenda Santa Elisa. 94 Com a legislação de 1940, que dispôs sobre as habitações do tipo mínimo e proletárias econômicas, Campinas como vimos, potencializou uma experiência que nesta ocasião tinha mais de vinte anos. As reformas administrativas propostas pelo governo de Getúlio Vargas, como sendo um dos caminhos essenciais para dinamizar e proporcionar meios para elaboração de políticas públicas, no campo da moradia popular em Campinas teve um resultado bastante positivo. Vimos anteriormente como o Código de Construções, as propostas do Plano de Melhoramentos, apresentado por Prestes Maia, juntamente com a série de leis, decretos e resoluções elaboradas para se resolver o problema da moradia operária resultou no decreto nº 82. Este decreto, quando em prática, passou a ser o apoio para se desenvolver as políticas de habitação popular. 95 Assim, estes fatores condicionaram pelo menos três grandes projetos de moradias aplicadas em núcleos de residência operária. As normas contidas proporcionaram as indicações de: projetos construtivos economicamente possíveis e tecnicamente viáveis; as vias de financiamento exeqüíveis para implementação; a localização e condições do uso do solo urbano atendendo as indicações do Plano de Melhoramentos e assistido pelas propostas viárias de interligações da malha urbana; a regulamentação da compra pelo trabalhador. O carro chefe desta experiência, além da aplicação das normas nos projetos econômicos solicitados a partir de 1940 por toda a cidade, foi a Vila dos Funcionários que passou a ter o nome do arruamento original, Vila dos Jequitibás. O projeto ofereceu duas linhas, uma para os funcionários públicos municipais e outra para os operários municipais, sendo que a primeira continha dois tipos de projetos, um com disposições mínimas e o segundo que poderia incorporar até três quartos. Mas de uma maneira geral a característica construtiva das duas linhas eram as mesmas, por tanto bastante econômica. Este projeto consagrou as plantas básicas populares fornecidas pela prefeitura para estas construções

94 Planta de divisão de lotes, na Vila Nova propriedade de Julio Vegette, que teve sua solicitação negada por parecer dos engenheiros da municipalidade. Protocolo n. 99559 / 1940. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 14) 95 Plantas de Casas econômicas e operarias no Bairro do Bonfim, Vila Nova, Vila Almeida, Vila Marieta nos anos de 1940 e 1941. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 15, 16, 17 e 18)

121 padronizadas. 96 O loteamento existente desde 1930, tinha sido adquirido pela prefeitura em 1936, estava localizado nas imediações do córrego do Proença e ao lado do Bosque dos Jequitibás, a cerca de quatro 4 Km do centro, ou seja, da Estação Ferroviária. O plano de edificações tinha como base a proposta de legislação mencionada acima e aguardava a aprovação do governo estadual. O encaminhamento à Secretaria da Educação e Saúde Pública do Estado e ao Departamento das Municipalidades se dá em 1938, e o parecer seria para toda a legislação referente às habitações operárias do tipo mínimo e econômico. (Relatório, 1940) No caso dos prédios para os funcionários públicos, na Vila dos Jequitibás, os engenheiros do Departamento de Obras e Viação da Prefeitura de Campinas seriam responsáveis pelos projetos das casas, administração das obras e fiscalização. 97 O Departamento estabeleceu para o projeto as indicações referentes à habitação mínima que só poderiam ser indicadas para os operários e que compreenderia em um quarto, uma cozinha e um banheiro; para os funcionários e também para operários, a habitação máxima com uma sala, três quartos, cozinha e banheiro. Determinou a base dos empréstimos para a compra dos imóveis. Os valores deveriam ser descontados em folha e estabeleceu que os recursos poderiam ser usados para compra de prédios já prontos ou a ser construído pelo funcionário, caso seja proprietário de terreno na localização da vila em discussão. Os prédios eram geminados formando conjuntos de dois a dois, ou em grupos de seis. Os recuos laterais eram de um metro e meio, na fachada eram de quatro metros, e os fundos alcançavam comprimento de dezoito metros. Na área dos fundos ficaria o telheiro com tanque e varal, podendo acomodar também um galinheiro e depósito de lenha ou carvão. A novidade maior dessas construções era uma questão de ordem técnica construtiva e que barateava muito a obra, estes itens integraram a lei nº 82 / 1940. A inovação foi o uso de meio tijolo para paredes externas e divisórias. 98 Além dessa simplificação, também o pé

96 Planta do loteamento da Vila dos Jequitibás ou dos Funcionários. Protocolo 3531 / 1936. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 20) 97 A Prefeitura de Campinas tinha nesta ocasião como vimos, uma planta de casa econômica pronta que podia ser requisitada por interessados. 98 Lei n. 82 / 1940 artigo 10º “....às paredes poderão se de ½ tijolo, amarradas as externas e as divisórias com uma cinta continua de concreto armado...”

122 direito era reduzido, os cômodos com área mínima, piso com ladrilhos de cerâmica e sem forro. No processo de encaminhamento ao Departamento das Municipalidades foi feito um relatório pormenorizado de todos os procedimentos relativos à construção e a seleção de funcionários e operários que adquiriram os imóveis. Em relação à construção, é bastante claro que o projeto da Vila dos Jequitibás foi o anteprojeto da lei referente à habitação mínima, de 1940. No detalhamento de quem comprou foi registrado todo o processo: da seleção à passagem da escritura, ao final do pagamento. Os relatórios apontam vinte e quatro finalizações de compra e passagem de escritura. 99 Depois de ter sido publicada a legislação da habitação mínima, as construções populares de maneira geral acompanharam as indicações propostas na lei. A Vila dos Jequitibás tinha sido uma experiência não apenas por ter sido possível colocar em prática o projeto por inteiro, como a planificação e aplicação da proposta representou a viabilidade de se estabelecer parâmetros para se desencadear o processo de uma política pública de habitação; nesse sentido, o projeto da Vila Estanislau foi modelar. Os primeiros passos para dinamizar esta política teria sido um relatório pormenorizado apresentado pela municipalidade, em relação aos cortiços que ainda em 1940 se apresentavam como a opção de moradia dos operários e trabalhadores de baixa renda. Conforme os dados levantados, uma ação precisa da administração pública poderia atender quase mil pessoas e de acordo com os informes contábeis, o aluguel e gastos gerais em um espaço de cortiço poderiam ser o suficiente par o pagamento de um financiamento para a compra de casa do tipo mínimo, ou operária econômica. O município foi buscar parceiros e Estanislau Ferreira Penteado aceitou a proposta de parceria, no sentido de empreender construção de um núcleo residencial operário. O núcleo que ocuparia cerca de cinqüenta mil metros quadrados seria composto de cento e cinqüenta moradias, casas comerciais como padaria, açougue e mercado, como também escola, clube recreativo, praça de esportes e recantos arborizados como praças e semelhantes. (Relatório, 1943) Os terrenos finalmente escolhidos para o loteamento eram terras do próprio Estanislau e como contrapartida da parceria foram adquiridos pela prefeitura. A localização

99 Protocolo 3531 / 1936.

123 não era das melhores na época, já que esta área era brejosa e de muito mosquito, junto ao Canal do Saneamento e ao córrego do Proença, em uma ponta do bairro Cambuí; de qualquer forma, essa operação barateava a proposta e como a localização do empreendimento não era muito distante da área comercial da cidade, não haveria dificuldades para a comercialização dos imóveis. Os mosquitos eram de fato problema, mas que só viria a ser resolvido com a finalização do Canal de Saneamento (em obras desde o tempo de Saturnino de Brito) e o córrego do Proença também não estava canalizado. Mesmo assim, os terrenos foram adquiridos e o programa teve início. (Relatório, 1944). O projeto foi inteiramente elaborado pela diretoria do Departamento de Obras e Viação e constava de cento e setenta casas, sendo três com quatro dormitórios; cento e vinte e quatro com três dormitórios; quarenta e três com dois dormitórios; padaria e confeitaria; açougue; mercado, casa de laticínios, armarinhos, escola e clube esportivo e recreativo. A empreitada de construção ficou com o engenheiro Domício L. Brochado de Almeida, sob a fiscalização da diretoria de Obras e Viação, da prefeitura. O proprietário da vila usufruiu da lei de isenção de imposto predial e viação (lei n. 197 /1936), tendo a prefeitura determinado a cobrança de aluguéis baixos. 100 A construção da vila repercutiu muito bem conforme relatório municipal sendo que a prefeitura esperava que o programa, “....servisse de exemplo e estimulo para outros capitalistas.” (Relatório, 1946). A conseqüência mais evidente de todo este processo que acabou resultando em uma política de habitação popular foi o plano de loteamento da Vila São Bernardo, autorizada pelo município através do Decreto nº 93 /1941, em terrenos de Rossi & Borghi, como vimos, dos maiores proprietários de glebas destinadas a moradias populares. A gleba estava localizada na Vila Industrial entre o córrego do Piçarrão e os trilhos da Companhia de Estradas de Ferro Paulista, praticamente na saída de Campinas para São Paulo, pela estrada de Rodagem (Rodovia Anhanguera). O decreto que aprova o loteamento situa mais precisamente o plano de arruamento e loteamento na terceira zona urbana que margeava a estrada municipal de Vira – Copos, considerando o arruamento classificado como residencial, podendo receber construções populares. (Decretos – Leis, 1942) A área da vila alguns poucos anos mais tarde foi

100 Planta do loteamento da Vila Estanislau, Protocolo n. 0787 / 1944. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 21)

124 comprada pela a prefeitura de Campinas e em 1946, através da lei federal nº 9.218, cedida à Fundação Casa Popular. Consideramos que esta seja uma ação modelar, por reunir no seu bojo as várias etapas de dinamização do processo de ocupação urbana, especificamente no que concerne às políticas de moradias populares da cidade, em conexão direta com uma política nacional. A Fundação Casa Popular foi o primeiro órgão de âmbito nacional voltado exclusivamente para atender às necessidades de moradia da população operária, ou de baixa renda, por meio de uma lei que foi criada em 1º de maio de 1946. A proposta era ampla e pretendia não apenas atender as construções residenciais, mas complementar as bases dessa política urbana de habitação, por meio de financiamento ao município para obras de abastecimento de água e esgoto, energia elétrica e atendimento social aos futuros moradores. Assim, o município doava o terreno, providenciava a infra- estrutura básica, com auxilio de financiamento ou não, encarregando-se também de fornecer o projeto de edificação que seguia o programa da habitação tipo mínima ou operaria econômica. A FCP (Fundação Casa Popular) financiava o material de construção e a execução da obra poderia ser realizada através da administração direta do município, ou por edital a empreiteiras. (Bonduki, 1998) O projeto era composto de edifícios de um pavimento e com até setenta metros quadrados e dois pavimentos com sessenta metros quadrados. Conforme a lei nº 82 / 1940, as moradias deviam ser entregues com tanque coberto, chuveiro e fogão. Os prédios podiam ser agrupados até o máximo de seis, com jardim na parte fronteiriça da construção com recuo de no mínimo quatro metros, a casa padrão. 101 Em 1934 foram consolidados instrumentos recomendados para a viabilização do projeto habitacional popular para as cidades com perspectivas industriais: um de alçada jurídico- administrativo, ou seja, o Código de Construções; o outro técnico-político, o Plano de Melhoramentos Urbanos; as legislações complementares indicadas pelo governo federal em relação à reforma administrativa e que intervinham diretamente nos setores orçamentários e viação e obras; e finalmente as institutos de previdência do trabalhador civil e do serviço publico. Estas se tornaram ferramentas básicas para a implantação dos primeiros programas públicos de moradias. Em decorrência dessas propostas, e quando a

101 Planta de loteamento da Vila São Bernardo / Fundação Casa Popular. Decreto n. 93 / 1941. Planta solta. Arquivo Municipal de Campinas. (Anexo III – 22)

125 legislação do Estado Novo impõe medidas efetivas para que se estabeleça uma política urbana que contemple um programa habitacional popular, as áreas que formavam a periferia urbana passam a ser solicitadas para a formação dos núcleos residenciais econômicos, as vilas operárias, atendendo aos trabalhadores de baixa renda. No período compreendido entre 1930 a 1945 verificamos através dos relatórios dos prefeitos municipais à Câmara dos vereadores, que a cidade de Campinas passava por modificações urbanas significativas. Uma série de leis e medidas administrativas passam a ser implementadas no sentido, ao que tudo indica, de incentivar a organização do município para enfrentar uma vocação que teve início no final do século XIX, ou seja, uma função cada vez mais ligada à indústria.

Por outro lado, neste período em que aparece nítida esta preocupação da administração pública com a organização urbana também sentimos diluído o poder da tradicional elite campineira. Nas manifestações desta interferência e seus impactos no poder municipal encontramos dados que passaram a ser fatores significativos na configuração do modelo de cidade industrial revelado em Campinas neste período.

A partir de 1936 tínhamos alguns avanços importantes em relação à legislação e ao desempenho ativo no que dizia respeito aos melhoramentos na cidade, sendo que uma das primeiras medidas estava ligada às questões gerais de urbanismo, assunto que vinha sendo discutido a alguns anos na cidade. Sob esse aspecto, ainda, duas outras medidas foram fundamentais para a perspectiva da ocupação urbana com projeto de habitação popular, quais seja, a melhoria proporcionada no abastecimento de água e a aprovação do Código de Construções. O governo municipal, diante do problema objetivo de moradia que o crescimento provocou e ainda, por força de tradição, contemplando uma oportunidade de atender aos seus pares, otimiza a legislação ligada à ocupação do solo, com vantagens em relação aos investimentos dirigidos à habitação popular. Esta política que já vinha sendo aplicada desde os anos de 1920 é potencializada com o apoio garantido do Governo Provisório e depois de 1937, com vastos reforços do Estado Novo. Assim, os novos bairros proletários foram ganhando projeção na planta da cidade, estando na sua grande maioria próximos às indústrias que geralmente seguiam os eixos ferroviários, as rodovias e os córregos. Novas avenidas, parte do Plano Urbano de

126 Melhoramentos, ligavam antigos bairros aos novos núcleos de habitações, formando, assim, a malha urbana complexa que caracterizava a cidade industrial. Os projetos que pretendiam este tipo de arruamento de caráter popular deveriam ser acompanhados de um memorial descritivo das obras e subdivididos em três partes principais: a do arruamento, a do retalhamento e das edificações. Determinava-se também no artigo 33 que as plantas das casas populares deveriam ser apresentadas conjuntamente com a dos detalhamentos das quadras ou porções dos terrenos. No inciso 2 do artigo 28, ficam estabelecidos que mesmo dentro de todos os padrões exigidos, a municipalidade pode modificar ou ter parecer contrário ao proposto ao quarteirão onde vão ser construídas as casas populares, se não convier ao sistema de viação e à estética da cidade. Com essas restrições a administração se propõe a controlar, de certa forma, o avanço dessas habitações. De todo modo, o número de solicitações foi grande e as construções requeridas foram crescendo de tal maneira, que nos anos de 1940 já quase superavam os pedidos de edificações fora deste padrão. As moradias populares em Campinas, construídas entre o final dos anos 1930 e 1940 tinham uma semelhança entre si bastante acentuada, tanto no desenho, quanto nas plantas ou na ambientação do espaço em que estavam inseridas. Mesmo com a mudança acelerada que o desenvolvimento urbano promove é possível ainda hoje identificá-las como unidade ou até como núcleos, com suas ruas estreitas, calçadas acanhadas e uma certa aglomeração arquitetônica. A história que acompanha a formação dessas áreas é praticamente idêntica em qualquer parte da cidade, pois estão ligadas à uma política urbana de moradias diretamente assessorada pela administração municipal, que sob a orientação normativa do governo estado novista ia desenhando a cidade industrial moderna na qual Campinas se transformava. Os arruamentos formadores desses núcleos, conforme as Leis e Decretos que os implantaram seguem as orientações determinadas por esta legislação, e os logradouros onde foram localizados estão detalhados no Apêndice I, do Código mencionado. Esta área era considerada por sua distância como arrabalde, a periferia urbana. Quando em 1938 ficou pronto o primeiro projeto para o Plano de Melhoramentos

127 Urbanos encomendado ao Engenheiro Francisco Prestes Maia, as diferenças que esta complexidade de estrutura social proporcionava já haviam se desenhado no espaço e se instalado na paisagem urbana da cidade. A partir deste período a ação da administração pública em relação aos loteamentos e arruamentos foi direta e constante, para isto tinham um instrumento básico, o Código de Construção, de 1934 e uma legislação que foi sendo implantada à medida que requeria a organização do setor de habitação. Assim, os novos bairros proletários foram ponteando na planta da cidade, na sua grande maioria próximos às industrias que geralmente seguiam os eixos ferroviários e as novas avenidas que a administração municipal se encarregava de ir abrindo, e com isso ligando antigos bairros aos novos núcleos, que eram chamados nos decretos ou leis de “Vilas”. Aqui, cabe a diferenciação já mencionada no capítulo anterior, entre as chamadas Vilas Operárias, de propriedade de uma fábrica, cujo dono arrendava ou cedia através de descontos do salário aos funcionários, e os núcleos de construções populares, cujo proprietário podia ser o poder público ou uma empresa imobiliária, que até financiava ou alugava as casas para o trabalhador. Esta mudança foi importante, pois o vinculo entre o morador da casa e o proprietário não era associado ao emprego. No caso dos funcionários públicos, o valor do imóvel era descontado da folha de pagamento, semelhante a um empréstimo, sendo que o comprador era servidor de carreira. Na proposta feita por Prestes Maia no Plano de Melhoramento Urbanos, a questão ligada à moradia popular não tinha destaque especial. Na verdade, parece que ele não via neste ponto nada para salientar; seu conceito urbanístico partia da idéia da criação de unidades residenciais, como as denominava, onde deviam se mesclar na malha urbana as diferentes situações econômicas e sociais e apenas que fosse reservado para cada um, lotes conforme sua possibilidade financeira, porém, no mesmo espaço e com a mesma infra- estrutura, seja em relação ao saneamento, educação, lazer e outros. (Relatório de Dr. F. P. Maia, 1935). Ou seja, a habitação popular deveria fazer parte da malha urbana sem se vincular aos preconceitos socioeconômicos e seguindo um conceito que já havia aparecido no Plano de Avenidas de São Paulo – Capital, de que o espaço devia estar vinculado às questões de facilidades em relação aos transportes, ao zoning (distritos industriais e bairros residenciais

128 conjugados ao comércio), sendo as distâncias das moradias ao lugar de trabalho medidas pela possibilidade de uma caminhada a pé, e o acompanhamento direto da ação governamental, no que diz respeito às construções populares. O zoneamento, indicando áreas residenciais e industriais, foi bastante enfatizado nos estudos que fizeram parte deste Plano. Isto, conforme Prestes Maia, poderia garantir a infra-estrutura básica programada, podendo até ser bastante precisa se as incertezas quanto ao crescimento da cidade pudessem ser controladas. Assim, de acordo com as considerações de Prestes Maia no item III de seu Relatório, temos como prioridade para o plano urbanístico de Campínas: “... - Ligar melhor os arrabaldes entre si; ....” E ainda de acordo com o Relatório, “.... O objetivo [de interligação viária] é importante em Campinas, onde se vêem muitos bairros e arruamentos, lado a lado, porém mal ligados entre si, sem grandes vias de conexão, continuas e amplas....” (Relatório de Prefeitos, 1935). De fato, os traçados de grandes avenidas e perimetrais foram parte importante desse Plano, com estudos cuidadosos dos espaços topográficos, apresentando propostas de vias amplas sem grandes rampas ou curvaturas e cuidando da arborização e gramados centrais e laterais das novas avenidas. Seu ponto de vista parece estar ligado às necessidades de economia na terraplanagem e na transformação dessas vias de ligação em passeios agradáveis. De fato, as ações efetivas de regulamentação urbana do município, Código e Plano somados, além de diversos Decretos e Leis, estabeleceram novos traçados, orientando todo um sistema de ligação entre as várias partes da cidade, propondo alargamento de ruas antigas, abertura de novas avenidas, enfim a tentativa de viabilização de um projeto urbanístico. Sob esse aspecto, em 1936, conforme os Relatórios dos Prefeitos, que eram publicados anualmente, a área pavimentada chegou a 481.558 m² e dez anos depois tínhamos 686.178 m². O aumento populacional foi de cerca de 24% na mesma década, e as áreas construídas em pouco menos de 1% . (Relatórios de Prefeito, Campinas, 1936 à 1946) Para garantir esta viabilização que se fazia urgente, a administração publica estudou e acompanhou todos os passos legais e práticos que foram necessários para que a questão

129 fosse resolvida. E para tanto tinha que considerar o arruamento, a infra-estrutura e a construção propriamente dita, portanto o investimento e o financiamento. Além disso, estas áreas não poderiam ser distantes dos lugares de trabalho e que, uma vez as construções efetivadas, fossem garantidas o uso e a função específicas de moradia para o trabalhador, e não apenas uma forma de especulação imobiliária. Cabia também ao município a fiscalização de todo o processo. Paralelamente os projetos de instalação de redes de água e esgotos e energia elétrica, foram avançando para os chamados arrabaldes onde vinham se instalando as vilas. Os relatórios anuais e as correspondências dos prefeitos demonstram esta melhoria. 102 As ações não campo das habitações populares, haviam se tornado uma realidade na cidade de Campinas e a os núcleos econômicos ou se tornaram embriões para os bairros operários ou se integram aos que já estavam em formação, anterior a esta política. Percebe- se também um aumento de pequenos negócios nestas regiões, como açougues, panificadoras, pequenas oficinas e um movimento de crescimento de barracões industriais. Esta trajetória é clara na correspondência com o Departamento das Municipalidades, uma vez que todo movimento urbano era informado, um conceito forte de centralização. (Livro de Correspondência dos Prefeitos) A reforma administrativa desta década refletiu com vigor na administração publica e corroborou de fato com a implantação de uma política publica de habitação popular.

102 Os relatórios de 1942 a 1946, apresentam as novas ligações de água e esgoto nos bairros populares pelo engenheiros responsáveis destes departamentos. (Relatório de trabalho...) Assim, como um extenso relatório do prefeito ao Departamento das Municipalidades em 1943, sobre o aumento do valor das taxas de energia elétrica, demonstram o quanto havia se expandido o serviço na década de 40. (Livros de correspondência dos prefeitos). Arquivo Municipal de Campinas.

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CONCLUSÃO

O que podemos concluir em um primeiro momento, é que Campinas impulsionada pelos acontecimentos ocorridos nas décadas de 1930 e 40, parece ter atingido alguns pontos importantes dos objetivos de modernização urbana, almejados desde o final do século XIX para expandir os caminhos da industrialização. O entendimento da administração municipal sobre a condução de uma proposta de melhoramentos urbanos com vistas a industrias, parece ter sido prioritariamente uma visão viária e estética. Todos os movimentos iniciais apontaram nesta direção, com a presença de Anhaia Mello, Carlos W. Stevenson e Prestes Maia e com o estimulo continuo dos prefeitos, como vimos diversas vezes na palavra de Orosimbo Maia. Mesmo considerando a importância das prioridades campineiras, questões fundamentais de infra-estrutura atreladas a este projeto de melhoramentos como, redes de água e esgotos, transporte e moradia, estavam presentes mas não com a ênfase necessária. Mais ainda, como pudemos observar, a necessidade de uma proposta urbanística já vinha sendo discutida pela municipalidade, desde praticamente o projeto de saneamento de Saturnino Brito, sem grandes avanços. Diante de uma nova disposição política, a partir do governo de Getulio Vargas os encaminhamentos quanto ao projeto de industrialização apesar de reforçados, alteraram o foco. A partir deste período aprofundou-se a discussão sobre dois fatores que iriam transformar as propostas e anseios até então manifestos pelo governo local. O primeiro dizia respeito à importância da questão social, diante dos inúmeros problemas ligados a mão de obra operaria e o segundo, que afetaria inúmeras áreas, o fato de as finanças municipais, passarem a ser controladas e dirigidas pelo governo federal. Somando-se a estes fatores expostos, a reforma administrativa de caráter centralizadora e padronizada, imposta a todo serviço publico nacional que não apenas pretendia um serviço burocrático mais eficiente, como um corpo de funcionários mais preparados. (Wahrlich, 1983) A atenção do governo Vargas em relação à eficiência administrativa do serviço

131 publico e a expectativa da impulsão que isto reverteria em beneficio da economia, fundamentado à luz das teorias administrativas da época, proporcionaram o aperfeiçoamento das ferramentas gerenciais e conduziram à otimização dos resultados. A decorrência desta preocupação, foi uma reforma ampla no serviço publico, cujo sentido era a melhoria do rendimento através da reformulação das atribuições dos setores, da racionalização de seus métodos e normas de trabalho, da seleção e aperfeiçoamento dos recursos humanos e a adequação dos recursos financeiros. (Revista do Serviço Publico, 1940) O caráter da reforma imposta nestas décadas de 30 e 40, era autoritária e nesse sentido coerente com o regime político getulista. Portanto sua postura era centralizadora e normativa através de critérios gerais e padronizada, mas apesar de basicamente administrativa, propunha-se a participação direta no desenvolvimento econômico e social. A avaliação de que a desorganização e emperramento da máquina governamental, podiam ser aferidos através dos baixos índices de produtividade proporcionado ao cidadão como melhoramentos beneficiários de seu cotidiano. Esta desorganização do serviço publico, sobretudo na esfera municipal, era tido pelo governo provisório, como um sintoma dos mecanismos estabelecidos pelas elites locais, com o propósito de assegurar interesses de alguns, em detrimento de benefícios da coletividade. Estes parâmetros se incluíam na formulação dos objetivos da proposta reformista, portanto transpondo sua natureza administradora, para atuar também como estratégia nos seus propósitos políticos. Campinas, assim como outras cidades do país experimentaram durante o Estado Novo as dificuldades de um governo centralizador e autoritário, mas por outro lado, avançaram na organização e distribuição dos serviços a coletividade e ainda estabeleceram parâmetros para a implantação de programas de políticas publicas, como foi o caso das habitações populares. Ficou aberta uma série de linhas a pesquisar e sem duvida se abriu um caminho importante pra as investigações nos documentos do Arquivo Municipal e na Câmara sobre a historia da cidade, cujo potencial não é possível nem avaliar. Em relação às habitações e vilas operarias da cidade acreditamos que foi exposta a gênese de sua implantação mas, como depois de mais de meio século e com continuo crescimento de Campinas estas edificações continuam fazer parte da paisagem urbana e em

132 razoáveis proporções, sentimos que estamos apenas no meio do caminho para entender a questão. Além do universo ainda possível para ir ao fundo de sua formação, resta começar a verificar o que levou a, em áreas hoje de alto valor mercadológico, permanência dessas construções e com as mesmas características na maioria das regiões, dos traçados urbanos e da vida cotidiana de moradias.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FONTES

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JORNAIS E REVISTAS

Correio Popular – 1927/28; 1932/37; 1939; 1941/42; 1944; 1946/47 Cultura – 1945 Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes – 1902/1959 Annaes do Primeiro Congresso de Habitação. São Paulo: Imprensa Oficial, 1931

ALMANAQUES

A Cidade de Campinas – 1900/01 Almanaque histórico e estatístico de Campinas – 1912/14

FOLHETOS

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CAPÍTULO I - ANEXO I - FOTOS

TITULO NOTA 02 REF: MIS 558/560/6531/ BMC 174 COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001

TITULO REF: TITULOMapa CPS 1893 Aguas Pluviais 016 / LEGENDAMapa CPS 1893 Aguas Pluviais 020 / Mapa CPS 1893 Aguas Pluviais 007

147

TITULO REF: Mapa Camopinas 1916 COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001

TITULO REF: PLANTA DE 1926 COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001

148 TITULO REF: PLANTA DE 1926 – processo 447 planta numeração

TITULO REF: Planta cadastral 1929

149

CAPÍTULO II - ANEXO II - FOTOS

TITULO REF: MIS 547/548/549/550 COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001 INSERIR FOTOS MIS CD FOTOS

S

TITULO REF: MIS 558/560/6531/ BMC 174 COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001 INSERIR FOTOS MIS 547/548/549/550/CD FOTOS

150

TITULO REF: MIS 558/560/FH 1117/ 1518

FOTO DO VIADUTO SOBRE A PORTEIRA DA CAPIVARA - Álbum de 1930

TITULO REF: Vl Operárias Atas Melhoramentos_Urba nos – junho de1935

151

TITULO REF:

Vl Operárias Ofício 1086_19391028_07122006 001.jpg Vl Operárias Ofício 1086_19391028_07122006 001.jpg

TITULO REF: Casa do Estafano Dal Coletto Solicitação de planta Tipo A

152 CAPÍTULO III - ANEXO III - FOTOS

TITULO REF: Mapa Campinas 1916.jpg COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001

MAPA DA REP. AGUAS E ESGOTOS DE 1916 COM INDICACAO DOS ARRABALDES .

Mapa Camopinas 1916.jpg

- - 153 TITULO REF: Planta1926.JPG COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001

INSERIR PLANTA DE 1926 COM OS TRACADOS DAS VILAS DA DECADA DE 1930 /( CITACAO NA PLANTA DE CONSTRUCOES ECONOMICAS EM 1926)

RED_Planta 1926 - Planta1926.JPG

TITULO REF: COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001 PLANTA DOS TERRENOS PERTENCENTES AO DR. FREY EM CD 1; VO PESQUISAN. 70

Vila Operárias_20061031 071.jpg

- - 154

TITULO

REF: Vilas Operárias pesquisa _20061031 040.jpg COMENTÁRIO RRUAMENTO DA VILATEIXEIRA – BAIRRO DA ROSEIRA 48 (COM O NOME DO DESENHISTA) - CD 2 31/10/2006 037 ANEXO Fl. 001

Vilas Operárias pesquisa _20061031 040.jpg

TITULO

REF: Vila Operárias_pesquisa_20061121 023/025/027.jpg COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001

PLANTA DE SITUACAO COM AS DUAS GLEBAS ASSINALADAS: ESTRADA DE FERRO SOROCABANA; CORREGO; R. CARLOS DE Vila Operárias_pesquisa_20061121 CAMPOS CHACARA DA ARVORE GRANDE DOS 023.jpg ROSSI E BORGHI

Vila Operárias_pesquisa_20061121 Vila Operárias_pesquisa_20061121 027.jpg 025.jpg

- - 155 TITULO REF: Vila Operárias_Vl Dna Nair_20061128 011.jpg PLANTA DE SITUACAO DA V. DNA. NAIR 1932 ANEXO Fl. 001

Vila Operárias_Vl Dna Nair_20061128 011.jpg

Vila Operárias_Vl Dna Nair_20061128 018.jpg

TITULO REF: Vl Operárias Vl Emy_19320404_0712 2006 004.jpg PLANTA DE LOTEAMENTO DO TERRENO DA VILA EMI - 1932 ANEXO Fl. 001

Vl Operárias Vl Emy_19320404_07122006 004.jpg

- - 156

VO_Mapa_Vilas_CSPC_20060131 001.jpg

TITULO REF: VO_Mapa_Vilas_CSPC_20060131 001.jpg COMENTÁRIO ANEXO Fl. 001

- - 157 Vilas Operárias pesquisa _20061031 018.jpg

TITULO REF: Vilas Operárias pesquisa _20061031 018.jpg / Vila Operárias_20061031 021.jpg

Subdivisão de Lotes na Vila Industrial ANEXO Fl. 001

Vila Operárias_20061031 021.jpg

Digitalizar0012.jpg

TITULO REF: Digitalizar0012.jpg / Digitalizar0027.jpg

Construção de Casas Populares - Vila das Sedas e Vila Marieta - 1940 ANEXO Fl. 001

- - 158 Digitalizar0027.jpg

VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Mendes 004.jpg VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Mendes 006.jpg

TITULO REF: VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Mendes 004 / 006 / 009.jpg SUD DIVISAO DE LOTES - VL.ITAPURA – 5 CASAS ECONÔMICAS - 1941 ANEXO Fl. 001

CD1 N.22 / CD1 N. 14 – 15 – 16 – 17 /CD2 N. 15 /N. 14 /N.9 / N.1 / N. 2 (CINCO CASAS)

VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Mendes 009.jpg

- - 159

Digitalizar0012.jpg

TITULO REF: Digitalizar0012.jpg / Digitalizar0027.jpg

Construção de Casas Populares - Vila das Sedas e Vila Marieta - 1940

Digitalizar0027.jpg

- - 160 VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Mendes 004.jpg

TITULO REF: VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Me ndes 004 / 006 / 009.jpg

SUBDIVISAO DE LOTES - VL.ITAPURA – 5 CASAS VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Mendes 006.jpg ECONÔMICAS - 1941

VO_Br_Itapura_Sebastião_Bueno_Mendes 009.jpg

- - 161 Vila Operárias_Pesquisa_20061129 006.jpg

TITULO REF: Vila Operárias_Pesquisa_20061129 006.jpg / VO_Vl_Nova_20061026 017a.JPG VILA NOVA – Subdivisão de Lotes

VO_Vl_Nova_20061026 017a.JPG

- - 162 TITULO REF: VO_06_20061209\Nova pasta2 CONSTRUÇÃO DE CASAS PADRÃO - TIPO MINIMO , POPULARES E OPERÁRIAS

ANEXO Fl. 001

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Digitalizar0029.jpg Digitalizar0024.jpg

- - 163 TITULO REF: VO_06_20061209 \Nova pasta2 CASAS GEMINADAS ANEXO Fl. 001

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Vila Operárias_Vl Jequitibás_20061128a 014.JPG

TITULO REF: VO_02_20061209\RED_VO_Vl_Jequitibás_20061128 Vila dos Jequitibás – Vila dos Funcionários - 1941 ANEXO Fl. 001

- - 164 TITULO REF: VO_06_20061209\Nova pasta1 PLANTA DO PROJETO DA VILA ESTANISLAU - 1941 ANEXO Fl. 001

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TITULO REF: VO_02_20061209\RED_VO_S_ Bernardo_Fund_Casas_Pop_07 122006 PLANTA DA VILA SÃO BERNARDO – FUNDAÇÃO CASA POPULAR - 1946 ANEXO Fl. 001

VO_S_Bernardo_Fundação_Casas_Populares 001a.jpg

- - 165

ANEXO IV

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